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anaf-borges
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2009... Academic Work. Amendment of a school textbook in order to adapt it better to their function.
Filo
sofia
11.
Um outro olhar sobre o mundo
Maria Antnia AbrunhosaMiguel Leito
11.FILOSOFIA
Um outro olhar sobre o mundo
Maria Antnia AbrunhosaMiguel Leito
E D I E S
A S A
Titulo
um outro olhar sobre o mundo
Ensino Secundrio
11. ano vol. I
Autores
Maria Antnia Abrunhosa
Miguel Leito
Design
Ana Borges
Maquetizao
Ana Borges
Capa
Ana Borges
Produo Grfica
Impresso em papel reciclado liso 100g/m2 e
Depsito Legal
Faculdade de Belas Artes.Universidade de Lisboa
Prof. Aurelindo Jaime Ceia
DCII
2.ano//1.semestre
Ano.Edio.Tiragem.N exemplares
2009.1.Edio.1.Tir.1 Ex.
captulo 1ARGUMENTAO E FILOSOFIA
O mau uso da retrica
05A MANIPULAO06A SEDUO
07discurso publicitrio 15discurso poltico
Argumentao e Filosofia
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O MAU USO DA RETRICA
A manipulao
Quando na argumentao predominam, por exemplo, os elementos
afectivos, as pessoas so movidas por impulsos irracionais, pelo que,
por mais eficaz que seja, a persuaso no filosoficamente legtima.
Falamos neste caso de manipulao(1) ou de mau uso da retrica.
Sob o ponto de vista filosfico, a manipulao corresponde ao uso
abusivo da retrica.Previamente munido de ideias que no apresenta
a discusso, o orador concentra os seus esforos no desenvolvimento
de tcnicas adequadas sua imposio.
Fazendo dos seus pontos de vista autnticos dogmas ou verdades in-
controversas, o orador actua como se a argumentao fosse mono-
lgica, unilateral, assumindo, previamente, o papel de vencedor e
atribuindo aos interlocutores o de vencidos. Por conseguinte, entre
orador e auditrio no se estabelece uma relao entre iguais, mas
uma relao de domnio. partida, o orador prope-se enganar inten-
cional e voluntariamente o auditrio.
A este respeito vamos distinguir o conceito de engano, distinguindo-o
de outros que correntemente lhe andam associados.
Erro, Mentira, EnganoEntre errar, mentir e enganar h algo em comum: em todos estes
casos se fazem afirmaes falsas, isto , no correspondentes quilo
a que se referem:
Errar no mentir. Aquele que erra faz uma afirmao falsa, mas est
convencido de que verdadeira. Pode errar por desconhecimento, por
incapacidade ou por outro motivo qualquer, mas nunca por m-f.
Diferentemente, aquele que mente(2) tem conscincia de que aquilo
que afirma no corresponde ao que na realidade se passa. A mentira
sempre forjada no interior de um sujeito mal intencionado.
(1)Manipulao uso indevido da argumentao com o intuito de levar os interlocutores a aderir acrtica e involun-tariamente s propostas do orador.
(2)Estamos perante uma pessoa men-tirosa quando nela se verificam as seguintes condies:
1.Conhecer a verdade e saber que o que se est a dizer falso.
2.Ter a inteno de enganar algum e querer dar a imagem de que uma pessoa credvel.
Argumentao e Filosofia
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O engano pressupe a mentira, mas nem toda a mentira engana, di-
zendo-se mesmo de determinadas pessoas apanhadas a mentir: Aquele
j no engana ningum. No bastam as intenes do mentiroso para
que ocorra o engano. Este pressupe que o interlocutor acredite no que
lhe foi dito, isto , que se deixe enganar. S se fala de engano quando a
mentira produz no ouvinte as consequncias desejadas: ludibriar, ma-
nipular, conseguir adeso relativamente a coisa que falsa.
A propsito de erro, no se pode falar de manipulao. A mentira
uma tentativa de manipulo. Se ocorre manipulao, fala-se de engano.
O engano ou manipulao intencional ocorre em muitas situaes na
vida quotidiana, mas ocupa um lugar privilegiado na rea das tcni-
cas demaggicas e agressivas de venda e de propaganda eleitoral. No
primeiro caso, o discurso publicitrio visa influenciar as pessoas,
induzindo-as ao consumo de produtos. A finalidade a caa ao
dinheiro dos consumidores. No segundo, o discurso poltico induz
as pessoas ao consumo de ideologias. A finalidade a caa ao voto
dos eleitores (cf. grfico ao lado).
A seduo
A propsito do mau uso da retrica, ou seja, do recurso a estrat-
gias que visam influenciar as pessoas com argumentos no racio-
nais, vamos fazer uma breve referncia ao conceito de seduo,
fenmeno psicolgico inerente adeso aos discursos publicitrio
e polticos.Falar de seduo, nestes contextos, pode parecer um
questionamento da racionalidade dos consumidores, mas a ver-
dade que o marketing e a publicidade so peritos a construir
discursos que nos envolvem e embalam, exercendo uma influncia
sobre ns a que praticamente impossvel resistir.
Grf.1Podemos observar como estes conceitos esto associados, porm diferem entre si, nomea-damente na sua inteno apriori.
CONSEQUNCIAS
NO OUVINTE
O discurso publicitrio Qualquer que seja o meio de comunicao veiculador, a publicidade
serve-se sempre de uma linguagem de seduo(3), isto , formula uma
promessa endereada ao encantamento e ao prazer dos espectadores.
Enquanto potenciais consumidores, todos nos consideramos racio-
nais, e suficientemente dotados de vontade para deliberar e de liber-
dade para agir. Imaginamos possuir bom senso quanto baste para
avaliar por ns o mrito daquilo que eventualmente pretendemos
adquirir. Mas o marketing e a publicidade actuam como se assim no
fosse. Fazem tbua rasa das convices que temos acerca da nossa racio-
nalidade e arquitectam discursos que nos dirigem, apelando a domnios
psicolgicos alheios razo: imaginrio, emoes e inconsciente.
A seduo consiste, precisamente, neste desvio da deciso da esfera crtica
da razo para as reas acrticas da afectividade. O resultado final o con-
sumidor comportar-se de acordo com o previsto pelos peritos: a razo
posta de lado e age-se apenas movido pelo desejo.
No se trata propriamente de os anncios possurem capacidades
hipnticas, mas de tcnicas eficazes no estabelecimento de uma relao
imaginria e mgica entre o consumidor e o produto anunciado. que a
aquisio de um produto faz-se no apenas por ele satisfazer necessidades
bsicas, mas especialmente porque ele apresentado como uma mais-
valia que vai de encontro aos desejos e valores de cada uma das pessoas.
A actuao mgica da publicidade aposta na simbologia das coisas, cono-
tando os produtos que anuncia com valores como: atraco irresistvel,
perfeio do corpo, juventude, auto-realizao, virilidade, sucesso ime-
diato, e outros. O segredo mgico da publicidade reside na transformao
da eventual relao do consumidor com as coisas numa outra relao
bem mais ampliada e mais forte: a relao entre o consumidor e o valor
simblico dos objectos. Por isso, ela raramente insiste nas qualidades reais
do produto, antes o sobrecarrega de virtudes imaginrias para seduzir as
pessoas e as induzir ao consumo. E as pessoas compram o produto, no
pelo que ele , mas pelos valores que lhe julgam associados.
(3)A publicidade talvez uma das linguagens de seduo mais activas e eficazes dos nossos dias. Rendemo-nos a ela mais vezes do que prova-velmente suspeitamos. Ela seduz os nossos sentidos e a nossa mente aca-riciando com as suas mensagens os nossos mais secretos desejos: no ecr da televiso, nas pginas das revis-tas, nos cartazes de rua que revemos a toda a hora, somos ns e os nossos devaneios que vemos espelhados.
Guedes Pinto in Publicidade:
um discurso de seduo
Argumentao e Filosofia
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A relao entre o consumidor e o valor simblico do produto to
intensa que as pessoas chegam a ser levadas ao consumo apenas pelo
valor mgico que lhe atribuem. Deste modo, uma mulher compra
uma carteira Channel, Louis Vitton ou Furla, no porque necessite dela para transportar os seus objectos pessoais, mas porque ela sinal de
prestgio, elegncia e elevado estatuto social. Tambm o jovem no
deseja umas calas simplesmente para se vestir, mas porque sendo
Armani, Levis, ou Gucci tem a certeza de atrair as atenes e de ser includo no grupo das pessoas de bom gosto (ver fig.1).
As marcas de renome como a Benetton, Ralph Lauren, Boss, Calvin Klein, Nike, ou Reebock, souberam impor-se como marcas de prestgio, como referncia para os que desejam pertencer a classes de estatuto socio-
econmico superior. a marca que se pretende adquirir, independente-
mente do produto a que a etiqueta possa estar afixada. A marca uma
espcie de assinatura, reveladora da pessoa a quem pertence o produto.
Da que o marketing aposte numa publicidade de prestgio, centrada
na criao, promoo e reforo da marca. As pessoas implicadas na
publicidade insistem muito mais na promoo da marca do que na do
produto. O que interessa criar um vnculo da pessoa com a marca,
gerando uma relao de fidelidade (ver fig.2).
Mais ainda, o processo de seduo atinge tal refinamento que as pessoas
seduzidas pelo anncio acabam por fru-lo como uma miragem, como um
paraso hipntico, contentando-se com o prazer provocado pela viso do
anncio, mesmo que no tenham acesso ao produto anunciado (ver fig.3).
Veja-se a este propsito, a quantidade de revistas de moda, automveis,
relgios, casa e decorao a que jovens e adultos acorrem sem que isso sig-
nifique inteno ou necessidade de comprar os produtos em causa. Trata-se
de um processo de evaso, arrebatador da pessoa para o mundo do sonho.
Argumentao e Filosofia
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Fig.2Publicidade da Louis Vitton, onde o mgico e o imaginrio se sobrepem ao prprio produto.
Fig.1Nesta publicidade da Hugo Boss, j so-lidificada como marca jovem e de prestgio, refora a sua mensagem recorrendo a uma figura reconhecida, o actor Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII, The Tudors).
Fig.3Dentro de cada histria existe sem-pre uma bela viagem - frase que serve de mote para esta campanha arrebatadora da Louis Vitton em colaborao com a cineasta Sofia Coppola.
Fig.4A Guess aposta na seduo, usando o corpo da mulher como objecto de idolotrao.
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O carcter subliminar da mensagemPor detrs do aspecto objectivo e visvel dos anncios esconde-se
todo um conjunto de ideologias e valores que, de forma camuflada
e escamoteada, se dirigem ao inconsciente das pessoas, fala-se, a esse
respeito, de mensagem subliminar(4) (ver fig.4).
Algumas das situaes em que ocorre a influncia subliminar so as seguintes:
1.Emissor mascara ou camufla intencionalmente a mensagem.
2.Receptor encontra-se em estado de grande tenso emocional.
3.Receptor encontra-se em estado de saturao de informao.
4.Mensagem no se dirige directamente pessoa, sendo cap-
tada inadvertida e inconscientemente.
A estrutura da mensagem o sloganO discurso publicitrio concebido para ser endereado ao logos e ao pathos, ou seja, para fazerem apelo inteligncia e emoo, mas com enorme benefcio para a segunda alternativa. Diramos que a publici-
dade usa o logos e abusa do pathos. Da que os anncios utilizem muito mais a linguagem icnica do que a verbal.
As palavras so em pequeno nmero, geralmente organizadas sob a
forma de um slogan. O slogan uma expresso ou frase curta, muitas
vezes com rima e ritmada. Soa bem, percepciona-se bem e facil-
mente memorizvel aps escassas repeties. Imprime-se vivamente
no sujeito, ganhando fora de prova que dispensa qualquer argumen-
tao. Tem valor galvanizante e, quando interiorizado pelo grande
pblico, funciona como uma verdade do senso comum (ver fig.5).
As palavras so inscritas num cenrio em que as cores, as formas e a
msica se organizam de modo a dizerem mais do que o mais extenso
dos discursos, fazendo jus conhecida expresso: uma imagem vale
mais do que mil palavras. As imagens so de rpida apreenso, de
fcil compreenso e de leitura agradvel. Com um simples relance de
olhos ou um simples alerta de ouvidos se vislumbram quadros que
so um convite e uma promessa.
A imagem organizada de modo a veicular valores que despoletam as
(4)Mensagem Subliminar - informa-o propagada por estmulos no per-cepcionados pelo consciente, mas que o inconsciente capta e armazena.
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Argumentao e Filosofia
Fig.6Esta campanha da Nespresso, pro-tagonizada pelo actor George Clooney, serve-se da figura deste e de um curto slogan em forma de pergunta, que rapida-mente memorizamos e associamos marca.
Fig.5Polmica fotografia de Steven Klein para a Dolce&Gabbana, obtendo muitas crticas e objeces, afirmando-se que esta campanha incitava os actos de violncia/violao contra a mulher, assistindo-se subjugao do seu papel face ao domnio dos vrios homens presentes no cenrio.
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necessidades latentes dos consumidores. A organizao icnica pro-
porciona ao receptor individual, pleno de desejos e de sonhos, a
possibilidade de ter acesso a um cenrio maravilhoso propiciador da
satisfao dos seus mais recnditos anseios.
Os crimes da publicidadeNo prprio campo da publicidade, h pessoas a debruarem-se sobre
este fenmeno, denunciando os aspectos negativos que se escondem
por detrs da sua magia sedutora. Oliver Toscani, idelogo da publici-
dade da Benetton, considera a publicidade uma espcie de crime contra a humanidade, pelo que se deveria abrir um processo tipo Julgamento de
Nuremberga para a julgar e condenar. Os crimes cometidos so:
Crime da inutilidade social - As grandes empresas, como as de automveis,
no lanam campanhas contra os perigos do excesso de velocidade ou da
conduo sob efeitos do lcool. Poderiam, alm disso, ter uma interven-
o social e educativa em reas problemticas como a toxicodependncia,
a sida e o racismo, e no o fazem porque lhes falta ousadia e sentido moral.
Crime da mentira - No vende produtos, nem ideias, mas modelos fal-
sificados de felicidade, seduzindo as pessoas para estilos de vida que
exigem a renovao constante de objectos. Promete juventude, viri-
lidade, sucesso e sade na condio da compra de produtos que s
muito remotamente realizaro tais objectivos.
Crime contra a inteligncia - Explora o inconsciente e a emoo do con-sumidor, ignorando a sua inteligncia. Prope ninharias entusiastas
cada vez mais batidas num universo em crise social e espiritual, como
se fossem capazes de instaurar de vez o paraso na terra. Por isso,
j muitas pessoas se assumem como crticos e fogem dos anncios
como de algo cuja insistncia j incomoda.
Crime de persuaso oculta - Convencem-nos subliminarmente da possibili-dade de aceder aos encantos de mundos impossveis, quando a realidade
precisamente o oposto: desemprego, escassez econmica, enfermidades
fsicas e morais. A publicidade funciona, assim, como uma armadilha.
Argumentao e Filosofia
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Crime de adorao de dolos - O culto do sucesso pessoal conduz identificao e imitao dos modelos apresentados. As pessoas so
levadas desse modo a desejar os produtos que as tornem parecidas
com os seus heris, sempre belos, virtuosos e bem sucedidos que
aparecem na publicidade, e especialmente na televiso.
Crime de excluso e racismo - A publicidade cria um mundo utpico em
que os actores que o povoam so divindades e astros esculturais, be-
los, jovens, esbeltos, loiros, excluindo os personagens da vida real em
que h acidentados, pobres, gordos, entediados, doentes, idosos, re-
voltados, violentos e estropiados.
Crime contra a paz civil - Por tanto nos oferecer a felicidade, acaba por engendrar iluses irrealizveis. Da o aparecimento de legies de frus-
trados, deprimidos, delinquentes e infelizes por no poderem comprar
o bilhete que d acesso ao Olimpo anunciado.
Crime contra a linguagem - Para alm das ambiguidades de que vivem
muitos slogans, a publicidade recorre a palavras ocas, insignificativas,
que nada dizem para qualificar os produtos que anunciam. Os slo-
gans so de uma maneira geral pobres, desconexos, repetitivos, imbe-
cilizantes.
Crime contra a criatividade - A maior parte dos slogans vivem de meia
dzia de palavras comuns que so como que uma receita que funciona
na maioria das vezes. Palavras como experincia, para si, melhor, quali-dade, verdadeiro, mais e muito mais prestam-se a combinaes aleatrias aplicveis ao anncio de qualquer produto.
Crime de desperdcio de somas colossais - Gastam-se montantes astronmi-
cos em milhares de quilmetros quadrados de cartazes afixados em
todo o lado, centenas de milhar de pginas de jornais e revistas im-
pressas, milhes de horas de mensagens televisivas e radiofnicas. So-
mos ns, os consumidores, quem financia esse desperdcio porque o
investimento publicitrio fica includo no preo da mercadoria. Assim,
a publicidade o primeiro imposto directo.
Oliver Toscani, A publicidade um cadver que nos sorri (adaptado)
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Argumentao e Filosofia
Fig.7/8Nas campanhas publicitrias da Benetton so focalizados, constan-temente, aspectos de impacto social, reflectindo preocupaes da socie-dade contempornea, insurgindo-se temas como: valores sociais/morais; condies econmicas; conflitos raci-ais; pandemias; justia; direitos huma-nos; guerras; questes ambientais...
Argumentao e Filosofia
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O discurso poltico
A poltica desencadeia um conjunto de situaes que conduzem ao
enraizamento da retrica na vida, na medida em que reflectem as ex-
pectativas gerias em relao a um mundo que se deseja melhor para
todos. No centro da vida poltica h um grupo de pessoas que detm
o poder e que lutam para o conservar. H tambm outro conjunto de
pessoas que, no tendo esse poder, luta para o conquistar. A chave
da manuteno ou da tomada do poder reside na capacidade que os
polticos tm de mostrar que esto em consonncia com a maioria,
pressentindo as suas aspiraes e propondo-se realizar um programa
de aco que v de encontro aos seus interesses e objectivos.
Assim, os polticos apresentam-se generalidade das pessoas como os
nicos agentes aptos a organizar reformas sociais, de modo a que os
anseios de todos se possam concretizar (ver fig.7, pg.12).Esta necessi-
dade de ir de encontro ao grande pblico leva os politicos a desenvolver
a arte de bem persuadir para bem mobilizar, a lanar mo da retrica,
conferindo-lhe, por vezes, um uso estratgico que a desqualifica(5) .
Estas condies configuram a nvel poltico a existncia de assimetrias
entre polticos e eleitores, as quais contrariam as regras do dilogo
argumentativo. Fazem-se, deste modo, autnticos atentados tica,
cujas responsabilidades no podem ser imputadas retrica enquanto
tcnica persuasiva, mas s qualidades humanas daqueles que a usam
em favor dos seus interesses.
O confronto de opinies faz parte integrante do processo argu-
mentativo, mas os sujeitos que participam na discusso podem
assumir duas atitudes que se prendem com o mau e o bom uso da
argumentao. Fala-se de disputa no primeiro caso, de controvrsia,
no segundo(6). Deste modo, a retrica sai-se mal quando os polti-
cos, em vez de fazerem do discurso um meio de elucidao, de es-
clarecimento e de encontro entre as pessoas, fazem dele uma arena
de combate em que intencionalmente confundem controvrsia ou
debate com disputa ou polmica.
(5)A desqualificao da retrica acontece quan-do os oradores ou polticos:1.No olham a meios para fazer acreditar na sua mensagem.2.Ridicularizam e discordam infundada-mente de opinies que receiam ser tanto ou mais credveis que as suas.3.Insistem na optimizao dos seus pontos de vis-ta, silenciando a todo o custo propostas vlidas dos seus adversrios ou interlocutores.
A desqualificao ainda reforada quando o auditrio ou eleitores:1.Avaliam a qualidade das propostas apenas em funo da cor partidria daqueles que as subscrevem.2.Manifestam ignorncia e impreparao tcnica quanto participao em debates pblicos.3.Se deixam aprisionar pela comodidade fcil de atitudes de passividade e de laxismo.
(6)Disputa - o objectivo vencer, derrotando o adversrio. Para isso recorre-se a vrios estrata-gemas, nomeadamente ao uso de falcias, que convenam o auditrio do aniquilamento das opinies e dos argumentos do adversrio.
Controvrsia - o objectivo no vencer, mas con-vencer. O convencimento do auditrio advm do uso legtimo de argumentos racionais, que se limitam a evidenciar a credibilidade, justeza e eficcia da posio defendida. A controvrsia respeita, em tudo, os ditames ticos que presidem retrica branca.
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Argumentao e Filosofia
O papel dos media no discurso polticoOs media assumem um papel fundamental no que respeita formao
da opinio pblica e da conscincia poltica dos cidados. inegvel
que os media so o veculo mais eficaz no transporte das mensagens emanadas dos polticos at ao grande pblico. Os polticos reconhe-
cem-no e desenvolvem esforos no sentido de conseguir o mximo
de tempo de antena na rdio e na televiso e de granjear umas tantas
colunas de jornais e revistas influentes para serem preenchidas com
o seu discurso. Mas os media no se limitam a deixar passar o que os polticos querem dizer. Eles no se limitam a serem transmissores
passivos, incuos, sem qualquer responsabilidade naquilo que dos as-
suntos polticos chega ao cidado comum. Eles possuem um papel inter-
ventivo, tornando o discurso jornalstico num discurso poltico, talvez mais
credvel junto do grande pblico do que as palavras dos polticos (ver fig. 8).
Os jornalistas tornaram-se, assim, os grandes agentes formadores da con-
scincia dos eleitores, e os meios de comunicao social ganharam o es-
tatuto de um quarto poder, um poder com mais fora que o dos polticos,
que lhe ficam submetidos, na medida em que podem ser feitos ou
desfeitos por eles. Deste modo, qualquer comentrio, artigo de opinio
ou editorial pe a n o que pensam os jornalistas acerca dos polticos e
que pode ser favorvel ou desfavorvel imagem pblica dos mesmos.
Pensemos tambm numa entrevista. Quem decide quem convidado a
aparecer e quem no ? Que tempo se d a essa entrevista? Quem faz as
perguntas? Em que termos so feitas? E com que inteno? Uma simples
notcia tem poder construtivo ou destrutivo e est nas mos do jornalista es-
crev-la ou silenci-la. E ao ser escrita, a notcia relata acontecimentos que nem
sempre ocorrem tal como so apresentados. A viso das pessoas e dos acon-
tecimentos sempre filtrada pela grelha subjectiva e por vezes tendenciosa da
pessoa que fabrica a notcia. Quer se trate de crnicas, artigos de opinio, en-
trevistas, comentrios, editoriais ou simples notcias, a opinio do jornalista
est sempre por trs, insinuando, seleccionando, omitindo, evidenciando,
sublinhando, de modo a favorecer ou desfavorecer a figura dos polticos.
O discurso poltico assemelha-se ao discurso publicitrio, quer na sua
concepo, quer quanto aos efeitos pretendidos. Em ambos os ca-
Fig.9Campanha do PS para as Legislativas de 2009, aps quatro anos de governo marcados por polmicas e contestaes civis.
Fig.10Capa do jornal Expresso.
Argumentao e Filosofia
16
No so os que procuram a verdade que so pe-rigosos, mas os que acham que a encontraram.
W. Ritschard
sos se visa conquistar a adeso do grande pblico, pelo que se
recorre s tcnicas especializadas da retrica. H, porm, algumas
diferenas, nomeadamente a apresentao sob a forma verbalizada
que predomina no discurso poltico.
Tal como o publicitrio, o discurso poltico promete proporcionar prazer
aos eleitores, aliciando-os com um conjunto de intenes cuja concretiza-
o permitir s pessoas viver com mais conforto numa sociedade mais
saudvel, mais justa, mais segura, mais equilibrada e mais solidria.
Os polticos sabem exactamente aquilo de que o eleitorado carece, aquilo
que gosta e os valores que deseja implementados na comunidade. Por isso
insiste na explorao destes aspectos de modo a que o discurso que
constri reflicta a vontade de satisfazer aquelas necessidades. Proce-
dendo assim, a personalidade poltica procura garantir a sua boa imagem
que ser elevada ao mito de heri. Pai, protector ou salvador, o poltico
ser o condutor eficiente de todos para um futuro promissor (ver fig.9).
Fig.11A extraordinria campanha polti-ca do mais recente prmio Nobel da Paz, Barack Obama, 44 presidente dos EUA, transmitiu sempre uma mensagem de mu-dana, progresso e esperana, indo de encontro aos desejos e expectativas da maioria da populao.
Argumentao e Filosofia
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Quando se fala de manipulao faz-se sempre uma associao ao uso
ilegtimo da retrica por parte do manipulador, o qual teve a inteno
prvia de enganar algum acerca de uma coisa. Esquecemo-nos que,
quando ocorre um acto de manipulao no existe apenas o manipu-
lador, mas tambm o manipulado a quem cabe a responsabilidade de
se ter deixado iludir, seduzir ou enganar.
Como sabemos, a argumentao exige uma relao simtrica entre os par-
ticipantes, cabendo ao auditrio um papel activo e no passivo. Qualquer
membro do auditrio deve suspeitar do que lhe dito, pedir esclarecimen-
tos, refutar os argumentos do orador, s dando a sua concordncia quando
livre e racionalmente estiver convencido que os argumentos lha merecem.
Da a importncia de dominar as tcnicas retricas para se estar habili-
tado a desmontar o carcter falacioso e desonesto que muitos oradores
manifestam em vrias situaes argumentativas. Desarmar a astcia do
adversrio, desmontar-lhe os sofismas e pr a n todas as suas incor-
reces constitui, j, uma boa forma de utilizar a argumentao.
Fig.12Ccero denncia Catiline (Cesare Maccari) - fresco que representa o Senado Romano reunido na cria, tendo sido uma das mais relevantes insti-tuies durante a Repblica Romana. Local onde o uso das tcnicas de retrica era uma constante.
Argumentao e Filosofia
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Ana Borges | DCII | FBAUL09
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Filoso
fia