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UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA CAPACIDADE DE SUPORTE AMBIENTAL EM ÁREAS URBANIZADAS S. V. de Mello; I. M. Kaiser; A. S. P. Peixoto; G. G. Manzato RESUMO Recentes acontecimentos sobre escassez de recursos naturais, como a água, geraram grandes prejuízos ao Brasil e à sua população. Assim, o objetivo desse trabalho é a elaboração de uma ferramenta que auxilie a administração sustentável desses recursos, baseada em uma aplicação das análises estocásticas de fronteira. Os elementos de análise foram os municípios e as Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do estado de São Paulo. A aplicação do modelo proposto identificou regiões em potencial déficit hídrico, ou seja, regiões onde a natureza não está conseguindo suprir, de forma sustentável, a demanda de água das populações ali residentes. O estudo revelou também uma aplicabilidade diferente para as análises estocásticas de fronteira com foco na esfera ambiental. 1 INTRODUÇÃO Promover o desenvolvimento da humanidade aliado à preservação do meio ambiente é um dos principais desafios do século XXI. Estudos recentes das Nações Unidas (UN, 2015) demonstram que 54 % da população mundial vive em áreas urbanas e projetam que a população mundial urbana alcançará a marca de 66 % até 2050. Diante desses números, estão previstas mudanças significativas para a população global, tanto em termos da quantidade de pessoas no mundo, como em termos de sua distribuição espacial. Em princípio, por encontrarem melhores condições, as pessoas migram para as cidades esperando aprimorar a sua qualidade de vida (Rodríguez-Pose e Ketterer, 2012), uma vez que estes locais concentram a maioria das atividades econômicas e possuem as melhores redes de infraestrutura (transportes, telecomunicações, energia elétrica, saúde, educação, lazer, etc.). Por outro lado, esses centros compreendem atividades humanas com diversas interações sociais e ambientais (Kourtit e Nijkamp, 2013) promovendo uma enorme pressão nessas áreas. Conforme Rodrigues da Silva et al. (2008), essas interações são consequências das relações espaciais, econômicas, políticas, sociais e demográficas existentes nas áreas urbanizadas. Com isso, observam-se inúmeros esforços em elaborar modelos capazes de representar as inter-relações presentes nessas estruturas multidimensionais e complexas. Esta não é uma preocupação recente. Já na década de 1980 foi publicado o relatório Brundtland, intitulado de Our commom future(WECD, 1987), introduzindo o conceito de Desenvolvimento Sustentável. Este conceito é definido como uma política de acolhimento

UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA CAPACIDADE DE SUPORTE ... 4 - Planejamento... · ser usadas como indicadores ambientais (Brown e Herendeen, 1996). De forma semelhante à Pegada Ecológica,

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UMA ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA CAPACIDADE DE SUPORTE

AMBIENTAL EM ÁREAS URBANIZADAS

S. V. de Mello; I. M. Kaiser; A. S. P. Peixoto; G. G. Manzato

RESUMO

Recentes acontecimentos sobre escassez de recursos naturais, como a água, geraram grandes

prejuízos ao Brasil e à sua população. Assim, o objetivo desse trabalho é a elaboração de

uma ferramenta que auxilie a administração sustentável desses recursos, baseada em uma

aplicação das análises estocásticas de fronteira. Os elementos de análise foram os municípios

e as Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do estado de

São Paulo. A aplicação do modelo proposto identificou regiões em potencial déficit hídrico,

ou seja, regiões onde a natureza não está conseguindo suprir, de forma sustentável, a

demanda de água das populações ali residentes. O estudo revelou também uma

aplicabilidade diferente para as análises estocásticas de fronteira com foco na esfera

ambiental.

1 INTRODUÇÃO

Promover o desenvolvimento da humanidade aliado à preservação do meio ambiente é um

dos principais desafios do século XXI. Estudos recentes das Nações Unidas (UN, 2015)

demonstram que 54 % da população mundial vive em áreas urbanas e projetam que a

população mundial urbana alcançará a marca de 66 % até 2050. Diante desses números,

estão previstas mudanças significativas para a população global, tanto em termos da

quantidade de pessoas no mundo, como em termos de sua distribuição espacial.

Em princípio, por encontrarem melhores condições, as pessoas migram para as cidades

esperando aprimorar a sua qualidade de vida (Rodríguez-Pose e Ketterer, 2012), uma vez

que estes locais concentram a maioria das atividades econômicas e possuem as melhores

redes de infraestrutura (transportes, telecomunicações, energia elétrica, saúde, educação,

lazer, etc.). Por outro lado, esses centros compreendem atividades humanas com diversas

interações sociais e ambientais (Kourtit e Nijkamp, 2013) promovendo uma enorme pressão

nessas áreas. Conforme Rodrigues da Silva et al. (2008), essas interações são consequências

das relações espaciais, econômicas, políticas, sociais e demográficas existentes nas áreas

urbanizadas. Com isso, observam-se inúmeros esforços em elaborar modelos capazes de

representar as inter-relações presentes nessas estruturas multidimensionais e complexas.

Esta não é uma preocupação recente. Já na década de 1980 foi publicado o relatório

Brundtland, intitulado de “Our commom future” (WECD, 1987), introduzindo o conceito de

Desenvolvimento Sustentável. Este conceito é definido como uma política de acolhimento

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das necessidades das populações atuais sem afetar a expectativa das gerações futuras em

atenderem as suas devidas necessidades. A ideologia do Desenvolvimento Sustentável foi

concretizada na conferência “Rio-92” e incorporada em várias agendas mundiais, como a

agenda das Nações Unidas de desenvolvimento e de direitos humanos. Desde então esse

conceito vem sendo discutido em todos os encontros internacionais que tratam do clima e do

futuro do planeta, gerando diversos estudos, tecnologias e metodologias que buscam

minimizar o impacto da atividade humana sobre a natureza.

Neste sentido, diversas ferramentas de análise de impactos ambientais têm sido

desenvolvidas para os mais variados fins e continuam sendo aprimoradas até hoje. Algumas

se assemelham com as características do estudo aqui desenvolvido, nas quais as análises de

Capacidade de Suporte, de Pegada Ecológica e as análises Emergy merecem destaque. Uma

breve introdução desses conceitos será elaborada a seguir.

A Capacidade de Suporte é definida como a máxima população de uma dada espécie que

pode ser suportada em um dado habitat sem que haja prejuízos na produtividade deste habitat

(Rees, 1996). Esse conceito evidenciou a dependência das atividades humanas com os

processos ecológicos, desmistificando a ideia de que os recursos naturais são bens gratuitos

da natureza. Com o desenvolvimento desses conceitos, foi estabelecida a Ecologia

Econômica, que se concretizou com a teoria do “Capital Natural” e da “Receita Natural”

(Pearce et al., 1989; Victor, 1991; Wackernagel e Rees 1997; Wackernagel et al. 1999).

A teoria do Capital Natural propicia um entendimento do significado de sustentabilidade, ou

seja, nenhum projeto para o desenvolvimento é sustentável se depender continuamente da

redução do capital produtivo da Ecosfera. A partir dessa perspectiva, uma sociedade pode

ser considerada economicamente sustentável se ela conseguir passar adiante um depósito

suficiente de capital natural para as próximas gerações (Solow, 1986; Pearce, 1994).

Neste contexto, uma questão fundamental para a sustentabilidade ecológica é a investigação

sobre os depósitos remanescentes de Capital Natural visando verificar se estes são adequados

para providenciar os recursos consumidos, assimilar os resíduos produzidos pelas gerações

presentes e futuras e, simultaneamente, garantir as funções gerais para a manutenção da vida

na Ecosfera (Rees, 1996). A percepção de que as análises de capacidade de suporte na

natureza não são fixas e estáticas tornou-se presente. As relações são complexas e envolvem

o nível tecnológico da população, a cultura e a estrutura de produção e consumo (Arrow et

al., 1995).

A partir dos conceitos de Capital Natural, foi estabelecida uma abordagem diferente da

capacidade de suporte, intitulada de Pegada Ecológica (Rees, 1992; Wackernagel e Rees,

1997; Wackernagel et al., 1999). Ao invés de perguntar o tamanho da população que uma

certa região pode suportar, o problema foi invertido calculando-se qual a área produtiva total

que é necessária para manter constantemente uma determinada população.

A Pegada Ecológica de uma população pode ser representada pela área continuadamente

requerida para gerar a quantidade de energia de biomassa e de recursos naturais necessários

para o consumo desta população. Em outras palavras, a Pegada Ecológica foi criada para

representar o atual estado de consumo dos recursos naturais e a carga de resíduos gerada

pelo homem, definindo uma área de ecossistema necessária para suprir as necessidades

humanas em um determinado local e comparando com o total de área disponível (Kitzes et

al., 2009). Galli (2012) analisou a pegada ecológica em escala mundial e verificou que em

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países economicamente desenvolvidos a pegada ecológica vem aumentando

consideravelmente, enquanto em países menos desenvolvidos, a pegada ecológica

permaneceu estável ou diminuiu historicamente.

Paralelamente aos conceitos de Capacidade de Suporte e Pegada Ecológica, foram

desenvolvidos os conceitos de análise de Energia ou Emergy envolvendo um determinado

ecossistema (Odum, 1969; Odum, 1973, 1988, 1996). A análise de Energia é o processo para

se determinar o quanto de energia é requerida, direta e indiretamente, para permitir que um

sistema (geralmente um sistema econômico) produza um bem ou um serviço. A motivação

básica das análises de Energia é quantificar a relação entre as atividades humanas e sua

demanda por energia, evidenciando que essas análises são tão úteis, do ponto de vista

ecológico, quanto as análises econômicas convencionais (Odum, 2002). A partir da década

de 1990, com a preocupação ambiental ganhando força, as análises de energia começaram a

ser usadas como indicadores ambientais (Brown e Herendeen, 1996).

De forma semelhante à Pegada Ecológica, o objetivo das análises Emergy (como são

geralmente chamadas) é avaliar se determinada região consegue suprir a demanda de sua

população por bens e serviços sem que ocorra o estresse do meio ambiente e a degradação

ambiental. Hossaini e Hewage (2013) aplicaram as análises Emergy em províncias do

Canadá gerando mapas a partir de seus resultados para entender como o turismo pode afetar

ecologicamente essas regiões. Outro exemplo da aplicação foi a caracterização da evolução

e do desenvolvimento do ambiente urbano na cidade de Macao na China através das análises

Emergy realizado por Lei et al. (2008). Foi concluído que a região de Macao absorve mais

quantidade de Emergy do que o seu meio ambiente pode fornecer.

Por outro lado, combinando os cálculos de Pegada Ecológica com as análises Emergy, Zhao

et al. (2005) criaram um método alternativo, analisando-o sobre a província de Gansu e

compararam com a Pegada Ecológica obtendo resultados parecidos. Nakajima e Ortega

(2016) simplificaram a metodologia que une Capacidade de Suporte e Pegada Ecológica

com as análises Emergy, de modo semelhante ao feito por Zhao et al. (2005). Os autores

analisaram o munícipio de Ibiúna-SP e compararam com os métodos anteriores (Pegada

Ecológica e Emergy), focando na questão dos combustíveis fósseis. As análises levaram à

conclusão de que mais da metade de todo o impacto sobre a natureza é proveniente da queima

dos combustíveis.

Conforme o entendimento e aprimoramento das metodologias que tratam de impactos

ambientais avançam, surgem novas ideias para contribuir na abordagem e modelagem dos

problemas enunciados. Dessa forma, o método aqui proposto tem por objetivo auxiliar nessa

questão. Para este estudo preliminar, o foco é a oferta de água, um dos bens mais preciosos

da Terra. Um dos cenários futuros frequentemente investigado é a escassez de água, situação

que afetou seriamente a região sudeste do Brasil nos anos de 2014 e 2015. Cortes e

racionamento foram impostos à população devido à forte estiagem, gerando prejuízos. O que

era um cenário remoto em um país com grande disponibilidade hídrica, tornou-se uma

realidade. Nesse contexto, o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem o gerenciamento

dos recursos naturais, principalmente a água, é bastante relevante. Este estudo espera

colaborar na solução desse problema, propondo uma metodologia de análise da capacidade

de suporte ambiental. Neste estudo exploratório de viabilidade da metodologia, o foco foi o

cálculo da capacidade de suporte hídrica do Estado de São Paulo. Em outras palavras, foi

verificar as regiões do estado onde a demanda por água é maior do que a natureza pode

fornecer de maneira sustentável.

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Este artigo é estruturado da seguinte maneira: na seção 2 são apresentados a metodologia e

modelo de cálculo propostos. Na seção 3 são apresentados os resultados do modelo a partir

dos cálculos obtidos e de mapas gerados com um sistema de informações geográficas (SIG).

Na seção 4 é apresentada a conclusão dos resultados e a verificação da aplicabilidade da

metodologia proposta. Ao final do artigo estão os agradecimentos seguidos pela lista das

referências bibliográficas citadas neste trabalho.

2 METODOLOGIA

A metodologia proposta se baseia na utilização do modelo estocástico de fronteira de

produção desenvolvido por Aigner et al. (1977); Meeusen e van den Broeck (1977) para o

cálculo da capacidade de suporte hídrica. Com raízes na econometria, o modelo estocástico

de fronteira foi desenvolvido para calcular a eficiência de uma cadeia de produção ou de um

sistema de produção e, posteriormente, foi aprimorado para o cálculo, também, de

ineficiências dentro dessas cadeias (Schmidt e Lovell, 1979; Jondrow et al., 1982; Battese e

Coelli, 1995) O modelo calcula a máxima produção possível (output) de um determinado

bem, em função de suas variáveis de entrada (input) (Kumbhakar e Lovell, 2000). Ao

determinar a máxima produção possível, o modelo encontra a fronteira de produção. Em

casos específicos, como em Manzato et al. (2011), quando a fronteira é atingida, obtém-se a

capacidade de suporte do sistema. Em geral, o modelo estocástico de fronteira é aplicado

utilizando-se a forma de Cobb-Douglas na base log (Meeusen e van den Broeck, 1977; Coelli

et al., 1999; Manzato et al., 2011), expresso na equação (1).

log 𝑦𝑖 = 𝛽0 + ∑(𝛽𝑛 + 𝑙𝑜𝑔𝑋𝑛𝑖)

𝑛

𝑖=1

+ 𝑣𝑖 − 𝑢𝑖 (1)

Onde:

𝑦𝑖 = Fronteira de produção (output), neste caso a densidade populacional (Hab/Km²)

𝑥𝑖 = Variáveis de entrada (input), neste caso a densidade de drenagem (Km/Km²)

𝛽0 𝑒 𝛽𝑛 = Parâmetros estimados pelo modelo

𝑣𝑖= termo de erro randômico

𝑢𝑖 = ineficiência técnica

Para estimar o modelo, foram utilizados base de dados hídricos, territoriais e censitários de

domínio público, obtidos através dos seguintes órgãos: Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) e Infraestrutura de Dados

Espaciais e Ambientais do Estado de São Paulo (IDEA-SP). A Tabela 1 apresenta um resumo

dos dados obtidos e suas respectivas fontes.

Tabela 1 Resumo dos dados obtidos e suas respectivas fontes

Fonte IBGE CBH IDEA-SP

Dados População por

município

Delimitação

administrativa

dos municípios

População por

UGRHI

Delimitação

administrativa

das UGRHIS

Rede hídrica

Esses dados foram incorporados em uma ferramenta de sistemas de informações geográficas

(SIG) para a obtenção de duas variáveis. A primeira é a densidade populacional, expressa

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em Hab/Km² e a segunda é a densidade de drenagem superficial, expressa em Km/Km²,

sendo obtida através da divisão da extensão hídrica superficial pela área do objeto em

análise. Neste trabalho, entende-se por “objeto de análise” a unidade de observação utilizada,

que aqui se referiu à subdivisão do estado de São Paulo em municípios e em Unidades de

Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI). A variável de fronteira de produção (output)

foi a densidade populacional e a variável de entrada (input) foi a densidade de drenagem. É

importante destacar que esta análise de viabilidade do modelo utilizou apenas uma variável,

a disponibilidade hídrica superficial, e que os núcleos urbanos paulistas são abastecidos por

mananciais superficiais, e subterrâneos, nas mais diversas combinações de uso entre eles.

O resultado esperado é o cálculo da máxima densidade populacional suportada para um dado

objeto de análise em função da oferta hídrica superficial representada pela densidade de

drenagem. Em outras palavras, a capacidade de suporte hídrica dos objetos em análise. A

determinação do déficit ou excedente se dá pela comparação entre a densidade populacional

real com a capacidade de suporte calculada pelo modelo (ou seja, a densidade populacional

estimada). Se o objeto de análise possuir sua densidade populacional maior do que a

capacidade de suporte hídrica, ele estará em potencial déficit hídrico. Caso contrário, estará

em excedente hídrico.

Foram realizadas duas análises distintas. Primeiramente, o modelo foi explorado sobre as

Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) do Estado de São Paulo com

dados populacionais de 2015. Posteriormente, a análise foi feita nos municípios do estado,

utilizando uma base de dados populacionais referente ao Censo de 2010. Os dados foram

escolhidos através de sua disponibilidade mais recente. Nesse sentido, assumiu-se que não

haveria diferenças significativas ao considerar os dados de 2015 para as UGRHIs e de 2010

para os municípios. A Figura 1 representa as referidas áreas de estudo.

Fig. 1 Áreas de Estudo – UGRHIs e Municípios do Estado de São Paulo

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3 RESULTADOS

A seguir são apresentados os resultados obtidos, subdivididos em duas partes: primeiramente

são discutidos os resultados para as UGRHIs e, posteriormente, para os municípios.

3.1 Capacidade de Suporte Hídrico das UGRHIs do Estado de São Paulo

A Figura 2 apresenta a Disponibilidade Hídrica calculada a partir do modelo proposto

evidenciando as UGRHIs em déficit (indicado na cor vermelha) e em excedente hídrico

(indicado na cor verde). Essa primeira análise, qualitativa, indica que as UGRHIs Tietê-

Jacaré, Piracicaba-Jundiaí, Alto-Tietê, Baixada Santista e Litoral Norte estão operando em

déficit hídrico. Somente essas cinco unidades concentram juntas aproximadamente 50% da

população do Estado. Consequentemente são nessas UGRHIs que estão localizadas a

maioria das cidades mais populosas do estado.

Não é incomum a transposição de águas entre bacias para atender o abastecimento das

populações urbanas. Estas transposições podem estar contidas em uma mesma UGRHI,

como podem extrapolar os seus limites. O sistema de transposição mais conhecido no estado

de São Paulo, pelo volume de água envolvido, é o sistema Cantareira que capta águas

superficiais da UGRHI Piracicaba/Capivari/Jundiaí e abastece a Região Metropolitana de

São Paulo, pertencente a UGRHI Alto Tietê. Ou seja, sistemas em déficit tendem a receber

contribuições de seus vizinhos para fornecerem a quantidade requerida de água.

Fig. 2 Disponibilidade Hídrica das UGRHIs de São Paulo

A Figura 3 apresenta a análise quantitativa dos resultados para a capacidade de suporte

hídrica segundo o modelo proposto. Esta análise indica o nível de estresse que cada UGRHI

está submetida. Em primeiro lugar, observa-se que a unidade do Alto-Tietê (indicada na cor

vermelha) está sobre o maior estresse hídrico. Sua capacidade de suporte está sobrecarregada

(déficit) em 3121 Hab/Km². Em segundo lugar, a unidade da Baixada Santista (indicada na

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cor marrom) opera sobrecarregada em 386 Hab/Km². As unidades Piracicaba-Capivari-

Jundiaí, Litoral Norte e Tietê-Jacaré estão sobrecarregadas, respectivamente, em 190, 20 e 6

Hab/Km² (indicada na cor amarela). Em contraste, sete unidades estão operando com

excedente de até 50 Hab/Km² (indicada na cor azul). São elas: Mogi-Guaçu, Pardo, Tietê-

Sorocaba, Peixe, Pontal do Paranapanema, Turvo-Grande e Mantiqueira. O grupo restante

se dá pelas dez unidades que estão em maior excedente hídrico, podendo suportar uma

população adicional acima de 50 Hab/Km² (indicada na cor verde). Estas compreendem as

seguintes unidades: Litoral Sul, Alto Paranapanema, Paraíba do Sul, Médio Paranapanema,

Tietê-Batalha, Aguapeí, Baixo Tietê, São José dos Dourados, Baixo Pardo e Sapucaí.

Fig. 3 Capacidade de Suporte Hídrica das UGRHIs de São Paulo

3.2 Capacidade de Suporte Hídrico dos Municípios do Estado de São Paulo

A Figura 4 apresenta a disponibilidade hídrica calculada a partir do modelo proposto,

indicando os municípios em déficit hídrico (indicada na cor vermelha) e em excedente

hídrico (indicada na cor verde). Foram detectadas áreas em déficit hídrico que não estavam

sendo evidenciadas na análise anterior, como as regiões centro-norte, centro-oeste e extremo

leste do estado. No extremo leste, especificamente na UGRHI de Paraíba do Sul, esse

fenômeno é observado claramente, uma vez que praticamente metade de seus municípios

está em déficit. Entretanto, a análise anterior considerou toda a região em excedente.

Também é possível observar o número considerável de 196 municípios (ou seja, 30%) do

estado em déficit hídrico, podendo ser apontados como os mais vulneráveis aos períodos de

seca.

O uso desses resultados pode colaborar com possíveis ações futuras do poder público na

questão do gerenciamento dos recursos hídricos com enfoque regional e local, adotando, por

exemplo, políticas públicas de descentralização da população em regiões com déficit e

realocando habitantes e indústrias para áreas com excedente hídrico. Pode também

estabelecer prioridades para áreas deficitárias, que necessitam maior aprimoramento do

gerenciamento da operação e da distribuição de água, a fim de reduzir desperdícios.

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Fig. 4 Disponibilidade Hídrica dos Municípios de São Paulo

A Figura 5 apresenta os resultados para a capacidade de suporte hídrica segundo o modelo

proposto para os municípios. Esta análise indica o nível de estresse hídrico que cada

município está submetido.

Fig. 5 Capacidade de Suporte Hídrico para os Municípios de São Paulo

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Conforme ilustrado na Figura 5, o modelo indica que 53 municípios estão sobrecarregados

acima de 500 Hab/Km² (indicada na cor vermelha). São destaques, por exemplo, os

municípios de São Paulo e Campinas, juntamente com a maioria dos municípios adjacentes.

No interior do estado, em razão do déficit semelhante, se destacam os municípios de Ribeirão

Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba. Considerando a classificação entre 250 até 500

Hab/Km² (indicada na cor marrom), 16 municípios estão sobrecarregados com intermediária

intensidade. Com déficit de menor intensidade, abaixo de 250 Hab/Km² (indicada na cor

amarelo), existem 127 municípios. O restante dos municípios opera em excedente hídrico,

sendo 192 operando com excedente de até 50 Hab/Km² (indicada na cor azul) e 257 operando

acima dos 50 Hab/Km² (indicada na cor verde).

4 CONCLUSÃO

O objetivo principal deste trabalho foi realizar uma análise exploratória do emprego da

modelagem estocástica de fronteira de produção na determinação da capacidade de suporte

ambiental. Para tanto, o estudo foi conduzido utilizando dois objetos de análise com escalas

distintas, a saber: a subdivisão do estado de São Paulo em UGRHIs e em municípios. Em

ambos os casos, a ideia foi modelar a densidade populacional em função da densidade de

drenagem. Com isso, foi possível identificar regiões (UGRHIs e municípios) que estão ou

em déficit ou em excedente hídrico.

Uma análise complementar também foi realizada identificando-se de maneira quantitativa a

situação dessas regiões. Ou seja, foi possível observar a capacidade de suporte hídrica tanto

nas UGRHIs como nos municípios. As análises realizadas nos municípios complementaram

e até contrapuseram os resultados obtidos para as UGRHIs, evidenciando e revelando regiões

deficitárias (na escala municipal), antes apresentadas em excedente hídrico (considerando-

se a escala das UGRHIs). Isso indica que a escala adotada na análise é relevante.

A transposição de água de bacias hidrográficas é prática comum para o abastecimento das

populações urbanas, que pode estar contida em uma mesma UGRHI, como extrapolar seus

limites. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a maior importadora de água no

estado de São Paulo. Pertence a UGRHI Alto Tietê e é abastecida pelos sistemas Alto Tietê;

Alto Cotia; Guarapiranga, Rio Grande e Rio Claro todos pertencentes a mesma UGRHI;

importa água da UGRHI Piracicaba-Capivari-Jundiaí, através do sistema Cantareira e, mais

recentemente, da UGRHI Tietê-Sorocaba através do Sistema São Lourenço. A UGRHI

Piracicaba-Capivari-Jundiaí, fornecedora de água, também se encontra em situação de

déficit hídrico, já a UGRHI Tietê-Sorocaba encontra-se em situação de excedente hídrico.

Uma observação que, entretanto, merece destaque é o fato de que apenas a disponibilidade

hídrica superficial foi utilizada como dado de entrada. Sabe-se que o estado de São Paulo

utiliza também água subterrânea para o abastecimento humano e que as proporções de uso

de água superficial e subterrânea variam para cada município. Além disso, outra restrição

presente neste estudo em função da variável de entrada (ou seja, a densidade de drenagem)

refere-se ao fato dessa variável considerar apenas a extensão dos cursos d’água e não suas

vazões. Essas informações estão dispersas em várias entidades e demandam tempo para

coleta e sistematização. Essas questões deverão ser elaboradas, incorporadas ao modelo e

apresentadas em um estudo subsequente. Mesmo assim, os resultados foram coerentes com

a situação de disponibilidade hídrica do estado de São Paulo e considera-se que o objetivo

principal do presente estudo tenha sido atendido.

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5 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às agências CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior) e FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelos apoios

concedidos em diferentes fases da pesquisa que deu origem a este trabalho. Os autores

agradecem também à Caliper Corporation pela doação da licença educacional do software

Maptitude utilizado neste estudo.

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