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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS VICTOR DOS SANTOS MORAES AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UMA DIALETIZAÇÃO À PEDAGOGIA WALDORF PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE CONCEPÇÕES NATURALIZADAS GUARULHOS 2014

uma dialetização à Pedagogia Waldorf para a problematização de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

VICTOR DOS SANTOS MORAES

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UMA DIALETIZAÇÃO À PEDAGOGIA WALDORF PARA A

PROBLEMATIZAÇÃO DE CONCEPÇÕES NATURALIZADAS

GUARULHOS 2014

VICTOR DOS SANTOS MORAES

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UMA DIALETIZAÇÃO À PEDAGOGIA WALDORF PARA A

PROBLEMATIZAÇÃO DE CONCEPÇÕES NATURALIZADAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título

de Licenciado em Pedagogia Universidade Federal de São Paulo Área de concentração: avaliação da

aprendizagem Orientação: Magali Aparecida Silvestre

GUARULHOS 2014

Moraes,Victor dos Santos. Avaliação da Aprendizagem : uma dialetização à Pedagogia Waldorf para a problematização de concepções naturalizadasa problematização de concepções naturalizadas / Victor dos Santos Moraes. Guarulhos,2014. 83 f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Pedagogia) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,2014. Orientação: Magali Aparecida Silvestre. 1. Avaliação da aprendizagem. 2. Pedagogia Waldorf. 3. Práticas avaliativas. I. Magali Aparecida Silvestre. II. Avaliação da Aprendizagem: uma dialetização à Pedagogia Waldorf para a problematização de concepções naturalizadas.

VICTOR DOS SANTOS MORAES AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UMA DIALETIZAÇÃO À PEDAGOGIA

WALDORF PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE CONCEPÇÕES NATURALIZADAS

Aprovação: ____/____/________

Profa. Dra. Magali Aparecida Silvestre Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr.Edna Martins Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr. Umberto de Andrade Pinto Universidade Federal de São Paulo

Trabalho de conclusão de curso apresentado

como requisito parcial para obtenção do título de Lincenciado em Pedagogia

Universidade Federal de São Paulo Área de concentração: avaliação da

aprendizagem

RESUMO

Este trabalho apresenta, inicialmente, resultado de pesquisa que objetivou

compreender quais fundamentos têm subsidiado as práticas avaliativas desenvolvidas em

classes dos anos iniciais do ensino fundamental a partir de pesquisa bibliográfica de autores que

discorrem sobre a temática da avaliação da aprendizagem, produzida a partir de Iniciação

Científica intitulada Avaliação da Aprendizagem: uma problematização de concepções

naturalizadas concluída em março de 2014. Na sequência, subsidiando-se por este referencial

teórico estudado, principalmente por autores como Freitas (2009), Luckesi (2011) e Veiga

(2004), cujos resultados dispuseram que a  avaliação  da  aprendizagem  é  um  “tema  silenciado”  e  

que práticas sistematizadas de avaliação são quase inexistentes, e aquelas que são explicitadas

fundamentam-se, ainda, em um modelo de avaliação autoritário e classificatório que não tem

contribuído para a construção da autonomia das crianças e para o alcance da qualidade do

ensino na escola pública, sentiu-se a necessidade de realizar uma entrevista com um membro da

equipe gestora de uma instituição educativa cujo sistema pedagógico busca romper, em sua

filosofia de ensino, com a realidade do problema anunciado, no sentido de fomentar um debate

dialético que visou problematizar concepções naturalizadas de avaliação de aprendizagem: uma

das Escolas Waldorf do município de São Paulo.

Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Pedagogia Waldorf. Práticas avaliativas.

ABSTRACT

This paper presents, initially, the result of a research whose purpose was to

understand which fundaments has supported the evaluation process developed on classrooms in

the early years of elementary school, from researching studies from authors who discuss the

issue of the evaluation of learning, produced from Scientific Initiation research entitled

Learning Assessment: a problematization of naturalized conceptions, completed in march

2014. By using this study as a reference and using studies from Freitas (2009), Luckesi (2011)

and Veiga (2004) it presents results of analysis of interviews conducted with a member of the

management team of one of the Waldorf Schools in São Paulo, whose educational system tries

to break in their teaching philosophy with the reality of the issue announced. The main

objective is to foster a dialetic debate between the resuls achieved on the previous research and

the principles who controls another proposal of evaluation, to problematize naturalized

conceptions of learning asessment. This perspective emerged because the previous results had

shown that the evaluation of the learning is a "silenced theme" in current research and studies.

Sistematized practices of evaluation are almost nonexistent in the daily life of the schools

surveyed, and those who are explicited are founded also in a model of an authoritarian and

classificative evaluations that has not been contributing for building authonomy on children and

for a better quality of teaching on public schools.

Keywords: Learning assessment. Waldorf Pedagogy. Assessmentpractices.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: ESQUEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE AVALIAÇÃO FORMATIVA 30

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 7

2 METODOLOGIA 12

3 ESTUDOS SOBRE O TEMA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM 17

3.1 CONCEITOS 17

3.2 HISTÓRICO EVOLUTIVO DAS CONCEPÇÕES DE AVALIAÇÃO 22

3.3 A AVALIAÇÃO EM RECORTES DE ANÁLISE: INSTRUMENTOS E DIMENSÕES ENCONTRADOS 27

3.4 AVALIAÇÃO NA PEDAGOGIA WALDORF 31

3.4.1 UM POUCO SOBRE A ANTROPOSOFIA 31

3.4.2 ASPECTOS GERAIS DA ESCOLA WALDORF 34

3.4.3 CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO NA PEDAGOGIA WALDORF 37

4 PRÁTICAS AVALIATIVAS EM SALA DE AULA SOB O OLHAR DO SUJEITO DE PESQUISA 39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 54

REFERÊNCIAS 57

LEGISLAÇÃO CONSULTADA 61

APÊNDICE A –TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 62

APÊNDICE B – QUADRO DE CATEGORIAS DE ANÁLISE 76

ANEXO A –BANCO DE DADOS – LINKS DE ACESSO 78

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1 INTRODUÇÃO

Dentre as inúmeras verbalizações analisadas durante a realização de pesquisa de

Iniciação Científica intitulada Avaliação da Aprendizagem: uma problematização de

concepções naturalizadas concluída em março de 2014, a qual motivou e subsidiou a

produção deste presente trabalho pelas inquietações provocadas, cabe destacar as que

discorrem sobre o tema avaliação educacional a partir de um olhar crítico subjacente à tese

que defendem, encontrando-se diversos apontamentos de teóricos da educação tecendo sobre

a necessidade de problematizar o atual cenário da realidade brasileira perpassado pelo

processo avaliativo escolar.

Compreender, pois, o debate sobre avaliação educacional implica em situá-lo,

inicialmente, ao menos em três dimensões, intrinsicamente integradas, mas cada uma

possuidora   de   um   “protagonista   principal”   (FREITAS,   2009,   p.35), motivo pelo qual a

maioria dos estudos trata o tema focalizando uma dessas dimensões, sem desconsiderar a

contextualização que há entre elas.

Assim, as discussões sobre o tema avaliação educacional são estimuladas por um

conjunto de estudos que permeiam os núcleos conceituais: avaliação em larga escala ou

avaliação externa, tendo o Estado como protagonista; avaliação institucional que acontece na

escola e com os segmentos que a compõem e avaliação da aprendizagem, aquela praticada

pelo professor e que pode ou não ser protagonizada pelo aluno a depender da forma como é

concebida e implementada na sala de aula.

Partindo dessa perspectiva, encontraram-se, na pesquisa bibliográfica realizada

anteriormente a este trabalho, importantes contribuições a serem explanadas como subsídio

norteador da discussão engendrada. Luckesi (2011) explica que o conceito de avaliação

implica numa noção processual da ação docente em sala de aula, subsidiadora do

planejamento e replanejamento do ensino e que permite ao professor estruturar sua

intervenção pedagógica, no processo de ensino-aprendizagem, atrelada aos objetivos

propostos.

Dessa forma, o autor desconstrói a tradicional tendência em que, ao instrumentalizar o

planejamento, insere-se, de uma forma geral, a avaliação no final do processo como medida

paliativa na verificação dos resultados (pois estes não são construídos e concebidos como a

produção de um trabalho, mas apenas diagnosticados numa formalidade institucional) e a

descola da proposta pedagógica como um todo.

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Souza (2010) vai ainda mais além nessa análise quando se remete à avaliação em larga

escala, uma vez que sistematiza de maneira bem contundente a deturpação que vem sendo

feita ao redor dessa concepção ao longo de décadas. Sua crítica consiste, pois, em atentar-se

para a aplicação da avaliação externa como um instrumento de controle e coerção, em que se

classifica o aluno por princípios de meritocracia e desemboca-se em dois processos inócuos à

melhoria desse cenário: concorrência e repetência. Essa proposição pode ser vista como algo

que reflete e explica o fenômeno descrito por Luckesi (2011) no âmbito da sala de aula.

Freitas (2009), por outro lado, nos chama a atenção para o fato de que a avaliação

institucional, que ocorre no âmbito da instituição escolar, pode induzir à construção de uma

escola reflexiva e, como consequência, possibilitar a construção de uma escola mais

autônoma e propositiva, principalmente porque essa dimensão  da   avaliação  possibilita   “[...]

que o coletivo da escola localize seus problemas, suas contradições; reflita sobre eles e

estruture  situações  de  melhoria  ou  superação” (p.38).

Essas ideias sobre as dimensões da avaliação educacional, que tem por base um

conjunto de análises sobre o que vem sendo praticado no sistema - avaliação interna e externa

à escola - precisam ser compreendidas em sua articulação justamente porque diversos estudos

tem indicado, por exemplo, o quanto as avaliações externas tem impactado nas práticas

pedagógicas dos professores desenvolvidas em sala de aula, ou ainda, o quanto a escassez de

práticas de avaliação institucional no interior da escola retira a possibilidade do coletivo

desvelar, entre outras coisas, consequências de um processo de avaliação da aprendizagem

excludente.

Esta inquietação ganha outra dimensão quando reconhecemos que as práticas

avaliativas, sejam elas externas ou internas à escola, têm estado muito mais a serviço da

exclusão do que da construção da autonomia tanto do estudante como da própria escola.

Autonomia que deve ser construída precipuamente de outra condição pertencente à linhagem

de uma educação não classificatória, mas emancipatória: a independência, desde a Educação

Infantil.

Essa reflexão remete-nos à concepção de Bourdieu (1999) sobre aqueles que são

“excluídos  do   interior”,   do   interior  de  um  sistema  que  permite  o  acesso,  mas  que seleciona

condições para a continuidade das carreiras escolares, baseando-se em critérios incompatíveis

à realidade social dos estudantes, pois avaliar não é julgar nem medir, mas sim integralizar as

etapas de um processo educativo como apreciação de um trabalho desenvolvido para e com o

aluno, e não uma cobrança formal daquilo que ele não pode apresentar.

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Baseando-se em Freitas (2009), buscou-se entender, dessa forma, num âmbito ainda

geral da avaliação da aprendizagem, até que ponto o juízo de valor docente deve incidir na

composição da avaliação para que o professor não a utilize a serviço da exclusão escolar.

Faz-se necessário, portanto, definir mais claramente as dosagens conceituais aplicadas

no momento generalizado da avaliação, amparando-se ao que Veiga (2004) afirma a respeito

do conceito de autonomia escolar. Reportando seu discurso à autonomia da figura genérica do

professor em sala de aula, pode-se afirmar que esta também é de natureza relativa, a qual

determina, a partir do objeto a ser avaliado (nesse caso o conhecimento e não o

comportamento e os valores), o grau de subjetividade aí envolvido, ou seja, indica até que

ponto  essa  “independência”  ou  essa  autonomia se estabelece de modo a não ultrapassar suas

obrigações a serem prestadas à instituição e ao sistema como um todo, uma vez que é

condicional.

Dada a relevância à responsabilidade ética e social dessas ações, não se procurou

propagar aqui mais um jargão pertencente ao discurso do senso comum ao enfatizar os

perigos que decorrem do descomprometimento de um professor para com sua avaliação em

sala de aula, principalmente quando este passa a apropriar-se de preconceitos, verdades

absolutas e percepções pessoais, muitas vezes de forma naturalizada. Trata-se, portanto, de

recorrer sempre a um alerta que nunca se desgasta na tentativa contínua de promover uma

educação emancipatória.

É, pois, concernente à lógica desse pensamento que se buscou referências da

Pedagogia Waldorf como campo investigado, na tentativa de entender um pouco este universo

em termos de concepções de educação e de práticas avaliativas para dialetizá-lo ao discurso

dos autores já estudados. Recorrendo-se brevemente ao aporte teórico desse sistema

pedagógico escolar, especificamente no que se refere à avaliação da aprendizagem, percebeu-

se claramente que a concepção adotada coaduna-se perfeitamente à abordagem aqui utilizada.

Segundo Lanz (1986), a metodologia avaliativa defendida por essa filosofia de ensino vai de

encontro  à  utilizada  nas   escolas   tradicionais,   em  que  “o   rendimento de cada aluno em cada

matéria   é   quantificado   e   comparado   com   um   ideal   que   não   existe   na   prática”   (p.91).   Esta  

abordagem, contrária à explanada pelo autor, delega à nota uma responsabilidade que,

intrinsecamente aos princípios de uma educação emancipatória, não deveria ser dela:

determinar o destino de sua carreira escolar, bem como sua respectiva aprovação ou não, o

encaminhamento de suas futuras trajetórias nos percursos acadêmico ou profissional. Trata-se,

pois, de um sistema tão fortemente arraigado à ideologia educacional de nossa sociedade que

ninguém questiona sua lógica nem emite dúvidas a respeito, mas que por isso mesmo, sente-

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se, como justificativa científica para a construção desta pesquisa, a necessidade de

problematizar esse estereótipo conceitual.

Além disso, o autor enfatiza a dimensão formativa da avaliação que é tão valorizada

por essa teoria pedagógica, consubstanciando-se numa perspectiva que se caracteriza pela

seguinte ideia:

Um sistema pedagógico escolar que visa a formação, e não o fichamento cadastral dos jovens, tem de entender por avaliação algo totalmente oposto. Ele avaliará a personalidade e caracterizará suas várias facetas em vez de apenas medir o seu rendimento. Se julga os resultados, fá-lo comparando-o não com modelos abstratos, mas com a potencialidade do aluno (LANZ, 1986, p.91).

Essas análises permitem-nos, assim, enxergar que, por trás de toda ação professoral, de

toda tomada de decisão, atitude ou opção a ser assumida em seu trabalho pedagógico, há uma

dada concepção de educação subjacente aos princípios adotados pelo educador.

Percebeu-se, dessa maneira, a ausência de processos avaliativos que subsidiem novas

decisões dos professores de escolas públicas e particulares, campo de atuação para os quais os

estudantes de Pedagogia são formados, sobre o ensino na perspectiva de melhor mediar a

aprendizagem de crianças em processo de escolarização. Verificou-se ainda que a avaliação

na escola, quando explicitamente presente, tem servido muito mais à exclusão do que à

tomada de novas decisões, deixando de exercer a crítica ao percurso de uma ação, como

explica Luckesi (2011).

Indaga-se, então, sobre o que os cursos de Pedagogia tem realizado para formar

professores que consigam compreender as dimensões e as intenções das práticas avaliativas

para que com esse conhecimento consigam romper com a lógica perversa de práticas de

avaliação em sala de aula muito mais segregadoras do que formativas, como defendem os

teóricos da Pedagogia Waldorf, das quais ele é o protagonista. Uma lógica que, ao naturalizar

o fenômeno educativo, desconsiderando portanto suas determinações históricas e sociais,

acaba por naturalizar o fracasso das crianças frente aos conhecimentos escolares, desonerando

os professores de qualquer responsabilidade.

Diante dessas inquietações, passou-se a querer compreender como o estudo de uma

metodologia de ensino especificamente definida, como já mencionado anteriormente, pode

contribuir no sentido de subsidiar essa discussão teórica problematizadora de concepções

naturalizadas nos diversos contextos escolares, objeto de investigação desta pesquisa.

Assim, o objetivo principal desta pesquisa foi fomentar um debate dialético entre os

resultados alcançados na pesquisa de iniciação científica, anteriormente realizada, e os

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princípios que regem uma outra proposta de avaliação, para problematizar concepções

naturalizadas de avaliação da aprendizagem. Esta perspectiva surgiu porque os resultados

anteriores dispuseram que a  avaliação  da  aprendizagem  é  um  “tema silenciado”  em  estudos  e  

pesquisas atuais e que práticas sistematizadas de avaliação são quase inexistentes no cotidiano

das escolas pesquisadas, e aquelas que são explicitadas fundamentam-se, ainda, em um

modelo de avaliação autoritário e classificatório que não tem contribuído para a construção da

autonomia das crianças e para o alcance da qualidade do ensino na escola pública.

Diante do exposto, a questão-problema que norteia esta pesquisa é investigar quais as

contribuições de alguns dos princípios e fundamentos da Pedagogia Waldorf para analisar

criticamente este fenômeno de deficiência no processo avaliativo das escolas em geral

deflagrado pelos autores da área. Este desafio consubstanciou-se, assim, em: sistematizar, no

primeiro capítulo, a metodologia utilizada; apresentar, no segundo capítulo,os resultados da

pesquisa bibliográfica construída na Iniciação Científica que buscou compreender quais

fundamentos tem subsidiado as práticas avaliativas desenvolvidas em classes dos anos iniciais

do ensino fundamental, segundo o aporte teórico selecionado e estudado, para que se pudesse,

então, no terceiro capítulo, dialetizá-los aos de uma perspectiva na qual se encontrou sucesso

do ponto de vista emancipatório, formativo e não excludente de avaliação: a Pedagogia

Waldorf. O trabalho é encerrado pelas considerações finais do autor após a análise anunciada.

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2 METODOLOGIA

Faz-se necessário explicitar, neste momento, como instrumento de trabalho intrínseco

ao processo de investigação desta pesquisa, bem como à posterior compreensão da análise

realizada, o método utilizado.

A escolha por uma abordagem qualitativa para desenvolver esta pesquisa relaciona-se

ao objeto a ser investigado. Essa escolha permite interpretar a realidade em que as

informações foram coletadas – uma escola do município de São Paulo que segue a

PedagogiaWaldorf – de uma maneira mais abrangente, considerando os sujeitos que

produziram as práticas pedagógicas – os professores – e o sujeito que as interpretaram – a

coordenadora1 entrevistada. Nesse caso, uma pesquisa cuja abordagem fosse quantitativa não

ajudaria a atingir os objetivos concebidos no projeto inicial.

A forma como a pesquisa foi desenvolvida teve como base, inicialmente, o resgate dos

resultados obtidos pela Iniciação Científica descrita anteriormente sobre o tema da avaliação

da aprendizagem e a leitura, análise e interpretação  do  livro  “A  Pedagogia  Waldorf:  caminho  

para  um  ensino  mais  humano”  de  Rudolf  Lanz, o que, de acordo com Sá-Silva, Almeida e

Guindani (2009) caracteriza-se como pesquisa bibliográfica.

Em função dessa escolha, a primeira etapa da pesquisa consistiu em uma revisão

bibliográfica com o objetivo de revisitar os autores da Iniciação Científica que discutem de

uma maneira bem contundente a temática avaliação da aprendizagem e quais são os conceitos

do ponto de vista sociológico, político, pedagógico e ético que norteiam as ideias por eles

defendidas.

Cumpriu-se então, nessa primeira etapa da pesquisa, como previsto no projeto inicial,

a revisão do aporte teórico da Iniciação Científica que foi subsidiador das ações das etapas

subsequentes, a elaboração de uma nova pesquisa bibliográfica sobre a avaliação da

aprendizagem na Pedagogia Waldorf, entrevista à sujeito de pesquisa de instituição de ensino

do município de São Paulo regida pela Pedagogia Waldorf e posterior análise dos dados

coletados.

Sabendo que os dados utilizados nesta primeira etapa originaram de documentos de

domínio científico, e que a forma como foram analisados deve responder ao objeto de estudo

1 Este termo foi comumente adotado para se referir ao sujeito de pesquisa por estar relacionado às atividades e competências da educadora, mas que na Escola Waldorf não é utilizado por se tratar de uma instituição que possui uma organização escolar diferenciada.

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investigado, os dados coletados por meio da entrevista, na segunda fase, foram transcritos

(Apêndica A), organizados e analisados tendo como base este referencial teórico adotado pelo

pesquisador.

Este perfil metodológico motivou a escolha por utilizar a pesquisa bibliográfica como

forma de coletar os dados, os provenientes do banco de dados da referida Iniciação Científica

e os novos. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009, p. 5-6) explicam, em sua paráfrase à

Oliveira (2007) que:

Para essa autora a pesquisa bibliográfica é uma modalidade de estudo e análise de documentos de domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica diferenciadora ela pontua que é um tipo  de   “estudo  direto  em  fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos fatos/fenômenos da realidade  empírica”  (p.  69).  Argumenta  que  a  principal  finalidade  da  pesquisa  bibliográfica é proporcionar aos pesquisadores e pesquisadoras o contato direto  com  obras,  artigos  ou  documentos  que   tratem  do   tema  em  estudo:  “o  mais importante para quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza de que as fontes a serem pesquisadas já são reconhecidamente do domínio   científico”   (p.   69)   (…) a pesquisa bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias, enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias.

Todos estes argumentos expostos justificam assim a opção em utilizar a pesquisa

bibliográfica, seguida de entrevista semi-estruturada, como forma coerente aos princípios da

pesquisa de interpretação dos dados. Pesce & Barsottini (2012, p.6) corroboram este

argumento, explicando então que:

A pesquisa bibliográfica é inerente a todo e qualquer trabalho científico e se caracteriza como atividade de localizar e consultar diversas fontes de informação escrita, com o objetivo de coletar dados acerca de um determinado tema a ser investigado (ALMEIDA JÚNIOR, 1989). Costuma apresentar as seguintes etapas: identificação e localização de fontes, compilação das informações delas emanadas.

Concluída a primeira etapa, procedeu-se a leitura, análise e interpretação de dados

coletados por meio de ida a campo em uma escola de São Paulo que aceitou participar desta

pesquisa, dentre as três procuradas na cidade, que adota a filosofia antroposófica como

metodologia de ensino e utiliza a Pedagogia Waldorf como teoria pedagógica de modo a

entender, como guia de temas desse trabalho investigativo, as práticas avaliativas de seus

professores sob a ótica do sujeito de pesquisa entrevistado, coordenadora da escola, o que é

denominado, por sua vez segundo Pesce & Barsottini (2012), entrevista semi-estruturada.

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Vale ressaltar que este instrumento metodológico de pesquisa científica aufere “um

grau médio de liberdade e aprofundamento sobre o tema em estudo” (PESCE &

BARSOTTINI, 2012, p. 10), porém sempre levando em conta a relevância dos depoimentos

dos entrevistados para a pesquisa, a franqueza na descrição dos propósitos do trabalho e na

condução da entrevista e o respeito pelos entrevistados e por suas posições.

Nessa etapa procurou-se obedecer fielmente as fases descritas por Pesce & Barsottini

(2012, p. 11):

A introdução é a fase em que o pesquisador fornece explicações sobre a entrevista, deixando bem claro o objetivo da entrevista. É também importante assegurar o anonimato e o sigilo das respostas que os sujeitos de pesquisa darão, bem como explicitar que as opiniões e experiências do entrevistado são extremamente relevantes para a investigação. O entrevistado também deve ser notificado de que é livre para interromper, a qualquer momento. Se a entrevista usar o recurso da gravação sonora ou da vídeo gravação, é necessário solicitar autorização ao sujeito de pesquisa, antes de dar início à gravação. O início da entrevista deve ser utilizado para conhecer as características sócio-demográficas dos sujeitos de pesquisa. Para facilitar para o entrevistado, esta etapa inicial pode ser apresentada em folha e deve conter os dados usuais, tais como nome do entrevistado; data e local da entrevista; idade e sexo do entrevistado (se for relevante para a temática de investigação); nível de escolaridade; endereço; naturalidade; profissão ou ocupação. Feita a entrevista, o pesquisador parte para a etapa da transcrição, sem a qual não é possível analisar os dados coletados. De modo geral, o pesquisador gasta para transcrever o dobro do tempo da entrevista. Em entrevistas não diretivas, não mais que 20, pela complexidade da análise.

Assim, partindo-se da posse dos dados recuperados e coletados em ambas as fases da

pesquisa, respectivamente, e providenciada a sua organização, iniciou-se a etapa de

organização, tratamento, análise e discussão dialética entre eles, sabendo que a forma como se

analisa os dados deveria responder ao objeto de estudo que estava sendo investigado.

Tratando-se de uma pesquisa que previu, essencialmente, o desenvolvimento de

entrevista semi-estruturada, nenhum material a mais foi necessário. O que poderia trazer

algum tipo de dificuldade seria estabelecer o contato com a equipe gestora das escolas

procuradas para a realização da entrevista. Contudo, buscou-se vencer essas dificuldades

processualmente no intuito de atingir os objetivos propostos para a pesquisa.

O referencial de análise fundamenta-se no definido pelo estudo de Almeida, Guindani

& Sá-Silva (2009), bem como ancora-se nas contribuições de Szymanski (2002). Tais autores

acabaram por ajudar, de alguma maneira, a compreender o procedimento imparcial da

entrevista semi-estruturada sobre os dados coletados, assim como é feito neste trabalho.

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Szymanski (2002) vai ainda mais além quando especifica umas das potencialidades

deste método da entrevista semi-estruturada, como instrumento de pesquisa, como sendo a de

mapear a trajetória investigativa do pesquisador. Esta constatação vai diretamente ao encontro

de um dos principais objetivos desta pesquisa que é o de conhecer o contexto dos caminhos

percorridos pelos professores da Escola Waldorf visitada a partir da visão panorâmica, de um

só sujeito, que os abarca – a coordenadora pedagógica – para a elaboração de um parecer

científico sobre as práticas avaliativas desenvolvidas em sala de aula, bem como a produção

decorrente de seus papeis como avaliadores, resultante de questões elaboradas sobre a sua

atuação (a dos professores) na escola.

Procedendo, então, no momento propício, à análise dos referidos depoimentos da

entrevistada, etapa prevista no projeto de pesquisa, procurou-se tratá-los como relatos que

trariam respostas para a questão problematizadora que buscava identificar as práticas

avaliativas e suas concepções com vistas a apresentar aspectos que poderiam fomentar

discussões sobre a elaboração de ações que repensem as práticas avaliativas em voga nas

escolas brasileiras.

Faz-se necessário explicitar que a análise resultou da interpretação do olhar da

entrevistada sobre os fenômenos investigados, no qual se percebeu claramente, nos relatos

apresentados sobre o cotidiano da escola-campo, a realidade educacional diferenciada que os

alunos vivenciam durante o período letivo, que a maior parte da avaliação que efetivamente

acontece em sala de aula se dá de maneira implícita, pertencendo à lógica de um currículo

oculto (SILVA, 1999), o que caracteriza o perfil desta análise como investigativo e revela o

caráter exploratório e qualitativo (BOGDAN & BIKLEN, 1994) da pesquisa, pois resulta

também da atribuição de sentido aos dados coletados.

A complexidade desta modalidade de pesquisa ganha destaque, inclusive, quando

perpassa pela subjetividade da entrevistada, correndo o risco de ser indutiva demais quando se

considera suas dimensões exploratória, descritiva e interpretativa, além de seus resultados

dependerem do pesquisador que a constrói, diferentemente do que acontece na pesquisa

quantitativa.

Dessa forma, as informações encontradas nos depoimentos transcritos à luz do aporte

teórico estudado, por meio de diversas leituras flutuantes realizadas, foram selecionadas e

organizadas em um quadro. Tendo por base essa organização, passou-se para uma análise

mais aprofundada das informações, reorganizando-as em categorias, em um segundo quadro,

desvelando aos poucos as tendências contidas nas práticas de avaliação dos professores

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segundo a coordenadora, traçando um paralelo com as que ainda vigoram no sistema

educativo brasileiro segundo os autores pesquisados.

Nessa direção, quando se considerou que todas as informações organizadas pela

entrevista realizada ofereceram aspectos importantes para identificar e interpretar as práticas

de avaliação desenvolvidas pelos professores, na visão da gestora, passou-se a elaborar um

texto, discutindo os dados sistematizados tendo como base o referencial teórico adotado nesse

estudo, constituindo-se assim na etapa que se denomina, no Plano de Trabalho, de

interpretação dos dados.

Pretendeu-se, assim, conhecer como são as práticas de avaliação desenvolvidas na

Escola Waldorf visitada e identificar, na prática da entrevista, o quanto elas ainda se

aproximam de uma tendência tradicional de ensino em que a avaliação serve à classificação e

à exclusão, ou se distanciam dessa perspectiva, fundamentando-se mais por uma tendência

emancipatória de avaliação, cujo objetivo é desenvolver a autonomia do aluno, conforme

estabelece a biliografia estudada sobre as Escolas Waldorf. Desta maneira, buscou-se

comprovar ou refutar esta concepção pelo depoimento da profissional da educação que atua

nessa instituição, tendo consciência de que não se representou aqui um discurso generalizado

dessa teoria pedagógica, mas que se tratou de um recorte investigativo direcionado

especificamente para esta pesquisa.

Objetivou-se, neste trabalho, que a análise e interpretação, que já haviam sido feitas,

dos dados coletados sobre o tema auxiliassem a traçar um panorama significativo sobre como

essas práticas de avaliação vem sendo desenvolvidas em classes dos anos iniciais do ensino

fundamental tradicional em relação ao de uma escola da Pedagogia Waldorf.

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3 ESTUDOS SOBRE O TEMA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

3.1 Conceitos

Objetivando explorar a trajetória conceitual acerca da discussão sobre avaliação da

aprendizagem, foi possível identificar nos artigos analisados na Iniciação Científica o

delineamento de uma evolução teórica das concepções, em que os autores esclarecem o

caráter polissêmico do tema tratado que ainda perdura na atualidade. A complexidade do

conceito de avaliação evidencia-se, inclusive, nas contradições encontradas entre algumas

definições.

Pedro Ferreira de Andrade (2001) discorre sobre a necessidade de uma dimensão mais

qualitativa a ser empregada às práticas avaliativas, considerando expectativas, atitudes, modos

de pensar, capacidade de adaptação pessoal e social do aluno, todos estes aspectos intrínsecos

e inter-relacionados com a construção do conhecimento. Seus apontamentos ancoram-se aos

trazidos pela Lei de Diretrizes e Bases (1996), pelas Diretrizes para a Formação de

Professores2 e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais3,utilizando, inclusive, as significações

adotadas no texto destes documentos sobre o tema da avaliação para justificar a posição que

assume neste conflituoso campo. Tais documentos enfatizam o caráter qualitativo e

processual da avaliação, sendo intrínseca ao processo educacional e contrapondo-se à

avaliação tradicional4 como julgamento de sucesso ou fracasso.

Outra perspectiva que se encaixa na abordagem de Andrade (2001) é a de Ana Cristina

Muscas Caldeira (2004) que adota uma teoria construtivista de avaliação, problematizando,

2As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades de educação básica (BRASIL. 2013). 3 Os  PCN’s  foram  elaborados  para  difundir  os  pincípios  da  reforma  curricular  e  orientar  os  professores  na  busca  de novas abordagens e metodologias. Eles traçaram, na década de 1990, época de sua edição, um novo perfil para o curículo, apoiado em competências básicas. 4 Avaliação tradicional entendida aqui como meramente verificar se os objetivos foram formalmente atingidos, sem levar em consideração o processo que o aluno percorreu, pois o foco não está na aprendizagem do aluno, mas na suposta assimilação do que o professor quis ensinar, ou seja, está no conteúdo e não no desenvolvimento das competências dos alunos. Faz-se necessário diferenciar, neste sentido, os métodos de avaliação tradicionais das concepções tradicionais e superar a associação, feita recorrentemente, entre avaliação tradicional e avaliação retrógrada, classificatória, excludente. Deste modo, este complexo conceito deve ser a todo momento relativizado sob o olhar do leitor que, tendo este cuidado, saberá interpretá-lo segundo o contexto em que for utilizado neste trabalho.

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em seu texto, a concepção mecanicista proposta por Bloom5. Caldeira (2004) defende a ideia,

assim como Bloom, de que o foco deve estar no conhecimento do desenvolvimento cognitivo

do aluno e não da elaboração de instrumentos ou estratégias pré-definidas. No que concerne a

este entendimento, faz-se necessário explicitar que esses dois modelos ainda coexistem na

sala de aula e que o professor, mesmo querendo apropriar-se de uma postura construtivista,

encontrará barreiras tanto teóricas, de má formação docente, quanto práticas, em termos da

não atualização organizacional e estrutural das instituições frente às novas demandas da ação

docente pela não sustentação do modelo tradicional.

Contudo, pode-se dizer ainda que ambos teóricos contrapõem-se, em suas

conceituações, a uma análise mais contemporânea feita por Lilian Anna Wachowics (2005) e

Mirian Silva Monteiro (2004). Avaliar, para essas autoras, significa não valorar (a - não;

valiar – atribuir valor), não atribuir valor ao que está sendo valorado, ou seja, podemos

descrever a aprendizagem e suas manifestações, mas não podemos atribuir-lhes um valor, um

julgamento, pois seria uma atitude muito arbitrária, uma vez que o processo de aprendizagem

é muito mais complexo para ser categorizado. Monteiro (2004) vai ainda mais além nessa

reflexão quando admite que a avaliação inclui sim uma dimensão julgadora da aprendizagem

do aluno, mas que, quando se avalia, não se avalia somente para julgar o outro, mas também

todo o conhecimento sistematizado produzido conjuntamente com ele, realizando trocas de

experiências nos âmbitos social, político e educacional, além de estar ciente da posição

ocupada pelo educador ou educando no ato educativo, para que os discursos possam se

responder uns aos outros e as expectativas sejam correspondidas reciprocamente: o professor

esperando que o aluno efetivamente aprenda e o aluno que o professor lhe explique e lhe

ensine da forma que ele quer e precisa.

Sendo assim, subentende-se que o medir, o excluir e o selecionar vão dando espaço

para o interagir e para o construir na ação do avaliador. Essas constatações deparam-se

diretamente às primeiras ideias apresentadas, segundo as quais, conforme trecho dos

Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental extraído por Andrade (2001, p.6):

“[...]  do  contraste  entre  os  critérios  de  avaliação  e  os  indicadores  expressos  na  produção  dos  

5 Benjamin Samuel Bloom (21 de fevereiro de 1913 - 13 de setembro de 1999) foi um psicólogo educacional americano que fez contribuições para a classificação dos objetivos educacionais e para a teoria do domínio de aprendizagem. Ele também dirigiu uma equipe de pesquisa que realizou uma grande investigação sobre o desenvolvimento de talentos excepcionais, cujos resultados são relevantes para a questão da eminência, realizações excepcionais e grandeza.

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alunos surgirá o juízo professoral que por sua vez se constitui na essência da avaliação [...]”.

Esse movimento problematizador das concepções tratadas e que, por sua natureza, está

presente e previsto na pesquisa, é ainda mais acentuado quando é encontrado em Perrenoud e

em Mazzeto (1991; 2003 apud WACHOWICS, 2005), na interpretação de Wachowics, outro

apronfundamento teórico. Os autores apontam a possibilidade de uma avaliação ser contínua

sem ser formativa, o que geralmente é pretensamente esperado por muitos que defendem essa

função da avaliação, mas que não ocorre, ou seja, a avaliação só será verdadeiramente

formativa se contribuir para a individualização dos processos de aprendizagem, e não apenas

por ser realizada em vários momentos ao longo dele, pois isto será apenas uma fragmentação

da famigerada avaliação final e geralmente punitiva e classificatória. Trata-se de uma divisão

de um momento concentrado que é a avaliação final, mas que, por si só, não resolverá o

problema se não assumir de fato um papel orientador e regulador do processo de ensino em

prol de uma aprendizagem significativa e não apenas que responda às competências exigidas

institucionalmente ao professor. Desta forma, a avaliação estará sendo, segundo a autora,

frequente, sem ser dinâmica, constante, sem pertencer efetivamente ao processo educacional

engendrado, dividida, mais ainda assim pontual.

Deve-se entender, portanto, que essas mudanças acima citadas são meramente técnicas

e não representam sinônimos de objetividade e imparcialidade na educação, mas puramente

de um atendimento a formalidades institucionais. Cabe pensar, pois, como nos sugere

Andrade (2001), que o ato de avaliar

[...] exige um posicionamento político, pois atrela-se a concepções pedagógicas que se relacionam às mais distintas vertentes ideológicas, implicando  em  princípios  e  valores  subjacentes”  (ANDRADE,  2001,  p.8).

Partindo-se dessa tentativa de superar essa má interpretação das práticas avaliativas

escolares identificada nas análises contempladas da literatura bibliográfica clássica sobre o

conceito de avaliação, faz-se necessário desmistificar, segundo Depresbiteris (1996), em sua

paráfrase à Popham (1983), a diferença entre o ato de medir e o ato de avaliar. Segundo essa

abordagem da autora, a medida representa o nível quantitativo das habilidades escolares do

aluno enquanto a avaliação informa sobre o valor qualitativo dessas habilidades. Nesta visão,

Depresbiteris (1996) contrapõe-se, pois, à de Wachowics (2005), a qual considera que a

avaliação inclui medidas e critérios que devem ser usados para julgar o desempenho.

20

Tomaz (2010) baseou-se na teoria moscoviciana das representações sociais ao estudar

as interpretações de estudantes de Pedagogia, entre estagiários e já atuantes na rede oficial de

ensino, sobre o ato da avaliação. Seu trabalho serviu para entender que seus entrevistados, os

quais representam o perfil de muitos professores e futuros professores, sem generalizar a

questão, dividem categoricamente o conceito entre avaliação tradicional, tida como injusta e

avaliação progressiva, sem atentar-se para a complexidade que o tema requer, o qual vai

muito além dessa simples dicotomia, pois, como já se pôde observar, os métodos avaliativos,

sejam eles tradicionais ou progressistas, nem sempre atrelam-se diretamente as suas

concepções, podendo haver instrumentos avaliativos tradicionais como a prova ou o exame

que são empregados de maneira justa e com uma finalidade emancipatória (não

classificatória) e vice-versa.

Vale dizer que esta é apenas uma tentativa de exemplificar o argumento, pois a

avaliação também não se restringe apenas a essas categorias pré-fixadas, ou seja, o trabalho

dos educadores em sala de aula é complexo, dinâmico e socialmente construído, o que nos

impede de enquadrar rigorosamente as suas posturas em tais classificações. Só depois de

analisá-las é que poder-se-á elaborar uma concepção de educação mais exata que reflete como

o perfil de cada professor delineia-se no exercício da docência e em prol de quais princípios.

Almeida (2008) objetiva compreender, especificamente em sua tese, os sentidos

atribuídos pelas professoras que vivenciam o contexto dos ciclos em escolas de Fortaleza-CE

ao papel do avaliador, buscando identificar, então, as práticas avaliativas que se aproximam

de uma perspectiva menos classificatória e mais associada à aprendizagem dos alunos e às

intervenções pedagógicas para a melhoria desse processo. A orientação metodológica de que

se valeu a autora para isso foi baseada nos pressupostos da entrevista compreensiva,

referendada nos estudos do sociólogo francês Jean Claude Kaufmann. Essa teoria compreende

a palavra como elemento central na consolidação do objeto de estudo, daí a importância das

professoras mencionadas participarem da pesquisa e das discussões sobre avaliação.

Houve, portanto, neste trabalho de campo, que traz o discurso de uma realidade

recortada, mas que se enquadra a esta tentativa presente de explorar um panorama geral sobre

a atual situação em que se encontra o papel da avaliação nas escolas, bem como entender

como chegamos até ele e como podemos superá-lo, a apreensão de sentidos atribuídos à

avaliação da aprendizagem dissociados do paradigma tradicional. Esses sentidos foram

formulados entre o saber e o não saber das professoras que interagem (ou se adequam) com as

mudanças impostas pela obrigatoriedade do regime de ciclos, buscando estratégias de auto-

organização como consequência da busca por novos saberes inerentes à docência.

21

Concluiu-se, assim, tendo por base estas pesquisas, que, seja qual for a concepção de

avaliação  adotada,   inclusive  “mista”  (tradicional  e  mesmo  assim  emancipatória  ou  moderna,  

porém classificatória), essa conscientização sobre por qual caminho se está trilhando precisa

estar bem clara e definida, pois este é o primeiro passo para que o comprometimento social do

professor com a educação se efetive. Agir arbitrariamente, sem a devida ideia sobre o que os

seus atos refletem, simplesmente respondendo ao que a voz do sistema requer e não a do

aluno, é fechar os olhos diante da preocupação com a formação (integral) do educando que

está ou deveria estar por trás de toda e qualquer prática avaliativa.

Desemboca-se, dessa forma, numa banalização da postura do avaliador, pois acaba-se

por gerar muita arbitrariedade no trabalho daqueles que devem apresentar resultados

importantes, inclusive para a continuidade do processo de formação com os futuros

professores.

Esta formação deve e precisa, portanto, ser reproblematizada, uma vez que da forma

como é dada pode nascer esse ciclo vicioso descrito. É preciso que a dicotomia avaliação

qualitativa versus avaliação quantitativa seja mais discutida na formação, pois a prática da

avaliação escolar é contínua, passando por avaliações de grande escala. Propõe-se também a

inserção de uma disciplina específica sobre avaliação na grade curricular do curso,

reafirmando a importância do lugar que ela ocupa (ou deveria ocupar) na instituição.

Entende-se que está mais do que provado que o modelo sustentado pela abordagem

tradicional da avaliação frustra a realização de novas práticas avaliativas, continuadas e

inclusivas, coerentes com uma visão de aprendizagem como processo constituído na interação

entre os elementos sociais que fazem parte do ato educativo: aluno-professor-conhecimento.

Explorando agora, sob o olhar desta pesquisa, essas diferentes teorias naquilo que elas

tem em comum, percebeu-se assim que se deve elencar três funcionalidades essenciais na

prática avaliativa durante a ação docente:

x Mediação: um princípio que toma por base a avaliação como uma atividade que faz

com que o aluno seja instigado a desenvolver seu processo cognitivo, tendo em vista

que a maioria das escolas, juntamente com seus professores, considera a avaliação

ainda  como  um  sistema  “classificatório  de  ensino  de  qualidade”  (HOFFMANN,  2003,  

p.12).

x Formação: componente indispensável e indissociável da prática pedagógica. Suas

múltiplas funções se consubstanciam na orientação e regulação do processo de ensino-

aprendizagem no âmbito da aprendizagem significativa. Para o aluno, essa

funcionalidade consiste em fornecer subsídios para que ele compreenda o seu próprio

22

processo de aprendizagem e o funcionamento de suas capacidades cognitivas

subjacentes na resolução de problemas. Dentro desse escopo, o foco se desloca do

nível do desempenho para o da competência, aproximando-se aqui ao que Wachowics

(2005) explica sobre a importância de não valorar o desempenho do aluno, mas sim de

potencializar a qualidade de sua aprendizagem, adquirindo e apropriando-se, assim, de

novos conhecimentos, capacidades e competências. Para o professor, a avaliação

formativa orienta e regula a prática pedagógica, uma vez que se propõe analisar e

identificar a adequação de ensino com o verdadeiro aprendizado dos alunos. É um

processo bidirecional entre professor e aluno para aprimorar, regular e orientar a

aprendizagem.  É  a  função  de  dar  um  “feedback”  na  aprendizagem.  É  um  processo que

ajuda o aluno a reconhecer os seus processos de aprendizagem.

x Emancipação: Nos tempos em que vivemos, nos quais a avaliação vem assumindo

uma perspectiva cada vez mais classificatória e hierarquizadora dos conhecimentos e

das pessoas, é fundamental estarmos atentos para outras perspectivas de avaliação,

progressistas, libertadoras, justas e emancipatórias. Sem esquecer que precisamos

reivindicar, em cada uma das escolas, condições de trabalho que garantam as

possibilidades de realização de outras formas de avaliar, comprometidas com os

processos de emancipação dos sujeitos sociais. A emancipação, especificamente neste

contexto, seria então aquele fenômeno capaz de possibilitar a autonomia dos

indivíduos em meio ao processo de desenvolvimento intelectual e social.

3.2 Histórico evolutivo das concepções de avaliação

Direcionando os estudos para uma necessária explanação da trajetória histórica que

explica os avanços da legislação brasileira no campo da educação no período de 1950 a 1996,

as concepções a eles adjacentes e como desembocaram nas atuais teorias da avaliação da

aprendizagem, consubstanciou-se numa análise feita por Giusti & Lopes (2007), em que foi

possível identificar uma evolução da concepção tecnicista de avaliação – baseada na

capacidade avaliada de saber fazer algo no final de uma etapa de estudos – para uma

concepção mais formativa (WACHOWICS, 2005) – saber ser, fazer, conviver durante o

processo de ensino-aprendizagem para que melhor se possa regular esse processo com vistas a

garantir a aprendizagem do aluno. Segundo os autores, esta evolução conceitual foi

proveniente, em certa medida, de uma qualificação da mão de obra ocorrida durante a época

avaliada pelos autores.

23

Em 1942 tem-se a promulgação da Lei Orgânica no Ensino Secundário advinda da

Reforma Capanema em que a avaliação era tida apenas como uma mensuração do que o aluno

aprendeu, uma medida do quanto o aluno sabe de determinado conteúdo. Essa concepção

ganhou força nos anos 30 com a adoção dos testes padronizados para medir o desempenho

dos alunos, tendo em vista os objetivos curriculares. Aqui percebe-se, segundo Giusti &

Lopes (2007), a forte definição de uma concepção classificatória, pois para aprovação não

eram considerados outros fatores além daquele momento específico da realização das provas,

o que não significava, necessariamente, apreensão dos conhecimentos mínimos necessários

previstos para determinada etapa de estudo.

Já em 1960 tem-se a Lei 4024/61 – Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional,

um documento no qual a avaliação é apresentada sem um texto específico na possível

tentativa de imprimir um caráter mais descentralizador à organização do ensino. Concernente

aos Pareceres, do extinto Conselho Federal de Educação, o qual foi instituído pela lei referida

acima, no que diz respeito à avaliação, esta aparece como um procedimento para julgar o

aproveitamento do aluno mediante suas mudanças de comportamento frente a um

determinado grau estabelecido pelo professor (evolução em relação à legislação anterior).

Outro avanço foi a consideração de variáveis que pudessem interferir no processo de

avaliação, havendo sugestões para a utilização de outros instrumentos avaliativos, pois

começa a intensificar a preocupação com a aprendizagem e com a possibilidade de melhor

verificar seu rendimento. Desta forma, pode-se considerar também como um avanço, ainda de

acordo com Giusti & Lopes (2007), o fato de que o conceito de medida estava começando a

englobar o ato de avaliar para além de mensuração do desempenho escolar do aluno,

classificando-o em conceitos numéricos, mas sim dentro de um padrão de expectativa em que

o professor deveria considerar também as mudanças de comportamento do aluno ocorridas no

ano.

Ainda segundo os autores, surge, na sequência, a Lei de Diretrizes e Bases 5692, de

1971, trazendo a profissionalização do Ensino Médio e considerações ainda genéricas sobre

avaliação. Em seguida, o Parecer 360/74 do Conselho Federal de Educação que requer uma

nova configuração do sistema escolar, em regime não seriado, refletindo em alterações tanto

sobre a formação inicial de professores quanto a continuada. Consequentemente, Giusti &

Lopes (2007) explicam que há uma diminuição da importância da prova como único

instrumento para verificação do rendimento do aluno.

Progressivamente, a avaliação é concebida pela primeira vez, em 1989, dentre a

legislação que rege a educação brasileira, ainda como um sistema contínuo de verificação do

24

desempenho escolar, mas que prevê a mudança do comportamento do aluno no decorrer do

processo de ensino-aprendizagem.

Analisando esses avanços, ao menos nas novas formas de enxergar a avaliação e nas

novas concepções que vão se instaurando, como as novas abordagens que começavam a

superar a ideia de medida ou mera técnica de verificação de resultados, no cumprimento de

regimentos burocráticos, a noção de avaliação vai, paulatinamente, tomando novos rumos e

assumindo diferentes vertentes na constituição de um conceito, amplo, dinâmico, complexo e

atrelado ao tempo histórico.

Ela encarna, segundo os autores (GIUSTI & LOPES, 2007), os diferentes papeis

presentes num ciclo pedagógico: o de diagnóstico (contínuo nas trocas entre o avaliador e o

avaliado); o dialético (que possibilita uma transformação no plano pessoal e social do aluno),

o formativo (perspectiva mais descritiva e prescritiva de construção do conhecimento e

mecanismos de aprendizagem do aluno, no sentido de trazer uma descrição analítica do

percurso traçado por cada aluno no processo de ensino-aprendizagem, esboçando perfis e

ritmos de aprendizagem e possibilitando os encaminhamentos de futuras intervenções na

continuidade do ato educativo) e, por fim, emancipatório (acentuando seus aspectos políticos

e sociais).

Pode-se então dizer que, de acordo com os autores, já em 2001 cria-se uma

perspectiva do ensino por competência (atrelado ao perfil de conclusão do curso), em que a

avaliação passa a ser finalmente prevista como procedimento integrador e estimulador que

garanta a aprendizagem com autonomia.

Se passou-se portanto a ter, a partir de então, de acordo com o que argumenta Giusti &

Lopes (2007), uma proposta de avaliação qualitativa, deve-se ter em mente que o

aproveitamento seja verificado no processo e já possibilite as intervenções necessárias para a

recuperação do aluno, não ficando apenas para o final. É o que se denomina de avaliação

processual.

Ludke & Sordi (2009) contribuem, em outra vertente, para esse pensamento da

evolução das concepções avaliativas com o passar do tempo, esclarecendo sobretudo algumas

relações estabelecidas entre as dimensões da avaliação, as quais também são importantes para

se entender melhor como se enquadra o foco deste trabalho que é a avaliação da

aprendizagem na escola e qual o seu papel nessa instituição.

Compreendendo a avaliação institucional como mediadora entre a avaliação da

aprendizagem e a de sistemas, as autoras apontam, logo de início, que desde o momento que

se passou, então, a assumir esta concepção (cuja mudança é instaurada ao longo da história)

25

nas práticas pedagógicas, melhorou-se a participação dos professores nos projetos da escola e

a aprendizagem dos alunos. Daí se percebe, desde já, a importância de que a concatenação

entre essas dimensões esteja muito bem articulada, o que prevê uma sintonia muito grande

entre a equipe gestora e o corpo docente no seu trabalho com os alunos.

Sabe-se que, de acordo com esta discussão, a avaliação da aprendizagem apresenta

uma alta força indutora nas formas de agir dos atores escolares e, talvez por este motivo,

pode-se destacar, no trabalho feito pelos autores citados, que os professores identificam-se,

aproximam-se pela ideia de que a avaliação é um tema complexo. O problema, porém, é que

ao se deparar com tal complexidade, acabam afastando-se das propostas de solução para o

problema, eximindo-se de uma responsabilidade que também é deles e cumprindo as ações

relacionadas à avaliação como meros aspectos formais ou por mera burocracia, sem trazer

nenhuma transformação ao ato educativo que emprega, ou seja, reproduz a voz de um

discurso carregado de tradições e perpetua a cadeia do insucesso escolar, este composto

também por diversos outros fatores, mas que se intensifica na passividade da ação docente.

Dessa forma, ainda dentro da lógica de uma concepção pragmática e utilitarista da

avaliação (centrada muito mais na nota do que no quanto esta possa ser expressão da

apropriação do conhecimento – avaliação descolada do processo de ensino-aprendizagem),

Ludke & Sordi (2009) nos levam a crer que os estudantes passam a se acostumar a juízos de

valor externos que os expropria da participação de um processo que deveria desenvolver

ações de co-responsabilidade, isto é, alguém atribui valor sobre o trabalho do outro sem o

outro ter a oportunidade de se manifestar sobre o processo vivido e suas eventuais

idiossincrasias, esvaziando da prática avaliativa o seu sentido formativo.

Atrelando esta discussão ao objeto de seu respectivo projeto que é a avaliação da

aprendizagem, faz-se necessário entender que esta mentalidade se incorpora de tal forma que

começa a se naturalizar a ideia de que o trabalho pedagógico pertence apenas ao professor,

não cabendo nenhum tipo de controle social sobre como se desenrola, mesmo quando este

ocorre de forma disjuntiva com o projeto da escola.

A arbitrariedade do professor, por sua vez, sem controle externo e sem interferências

induz a uma não profissionalidade, sobrecarregada de subjetividades de um único responsável

por um todo que é o ato educativo, ou mesmo o processo de ensino-aprendizagem que é

complexo e envolve outros diversos atores sociais, banalizando assim a importância de um

trabalho muito sério que é o do educador e prejudicando o comprometimento com a formação

de inúmeros estudantes que depende previamente dessa conscientização. A autonomia do

26

docente não pode ser confundida, então, com a autonomização, como bem nos alerta Ludke &

Sordi (2009).

Outro tema referente às dimensões da avaliação é o fato de que,

[...] ao deixarem de ser apenas avaliadores e começarem a ser também objetos de avaliação (externa e de sistemas), os profissionais da escola são desafiados a desenvolver ações mais maduras com a avaliação e com os avaliadores de seu trabalho, sob pena de não acrescentarem qualidade política ao processo (LUDKE & SORDI, 2009, p. 317).

Os professores e gestores reagem aos processos de avaliação de seu trabalho e

assemelham-se aos estudantes diante da emissão de suas notas, confirmando a força da cultura

avaliativa, assimilada como currículo oculto da escola. Contudo, o que há infelizmente é uma

indiferença aos dados trazidos pela avaliação, à verdadeira expressão do que ela representa

em termos de possibilidades de revisão e aprimoramento do trabalho docente e uma

supervalorização às boas notas, o que explica que, intrasubjetivamente, os professores

internalizam essa prática tradicional de avaliação (muitas vezes pela educação que também

receberam) e refletem essa ideia em sala de aula, mesmo que nos moldes e padrões da escola

moderna, agora com seus alunos.

O fato é que o resultado de avaliações externas tem inspirado políticas públicas e

definido prioridades no processo de alocação de verbas, via ranqueamento das escolas,

professores e alunos ainda de forma descontextualizada, confirmando o princípio

meritocrático de recompensas e punições (nem sempre explícito) adotado pelas escolas e que

desemboca na conclusão das atuais teorias da avaliação de que a avaliação da aprendizagem é

dissociada da escola pelos professores e ocorre independentemente do entorno social.

Diante deste dilema, aponta-se, conjuntamente aos autores estudados, a formação

inicial de professores com qualidade (uma vez que geralmente é a única) como uma das

formas desse profissional superar esta trama nada inocente que ocorre nas escolas e que vem

se naturalizando historicamente.

Se a avaliação sempre escondeu, portanto, mesmo com todas as transformações por

que passou nos documentos legislativos, as quais refletiam as concepções que vigoravam em

cada período histórico, um campo de interesses fortemente antagônicos que buscam legitimar

uma determinada concepção de qualidade que nem sempre é aquela detentora de pertinência

social em relação às políticas da avaliação externa, há mais uma razão para que os professores

ampliem sua visão de avaliação para além da aprendizagem de seus alunos e assumam uma

27

visão de totalidade do fenômeno que justifica a compreensão dessas dimensões da avaliação

sempre em relação.

3.3 A avaliação em recortes de análise: instrumentos e dimensões encontrados

Projetando agora o discorrer desta discussão especificamente para o campo das

concepções de avaliação, justamente o foco deste estudo, encontrou-se nos artigos da

Iniciação Científica, como em Boruchovitch & Souza (2010), o apontamento do mapa

conceitual como uma importante ferramenta para compreender a dimensão formativa que a

avaliação deve conter, uma vez que ele é favorável à regulação do ensino e à auto-regulação

da aprendizagem, além de ser pertinente como estratégia de ensino/aprendizagem,

assegurando que o aluno aprenda e se desenvolva.

Essa constatação das autoras é confirmada quando refletimos sobre a principal função

da avaliação formativa como uma remedição de discrepâncias constatadas entre o estado real

e o desejado do desempenho apresentado pelos alunos frente às expectativas do educador para

uma formação plena, integral e de qualidade para seus estudantes, favorecendo o

acompanhamento e o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem por propiciar o

mapeamento das aprendizagens efetivadas e daquelas ainda em curso e regulando o

funcionamento cognitivo do aluno.

As autoras defendem que se valendo do mapa conceitual como instrumento

pedagógico em sala de aula, ter-se-á um ensino centrado mais no aluno e nas suas percepções

sobre o processo de construção do conhecimento protagonizado por ele, dando vazão a uma

aprendizagem significativa e inter-relacionada, uma vez que leva em consideração os

conhecimentos prévios para ligá-los aos novos no cotidiano6.

Corroborando a ideia de que a avaliação formativa, que é fortalecida com a utilização

dos mapas conceituais, potencializa as aprendizagens do professor e do aluno, Méndez (2002,

p.14) explica que:

O professor aprende para conhecer e melhorar a prática docente em sua complexidade [...]. O aluno aprende sobre e a partir da própria avaliação e da correção, da informação contrastada que o professor oferece-lhe, que sempre será crítica e argumentada, nunca desqualificadora, nem punitiva.

6 O conceito de aprendizagem significativa, segundo Boruchovitch & Souza (2010), pressupõe alterações na estrutura cognitiva de quem aprende, mudando os conceitos preexistentes e formando novas ligações entre os conceitos, que passam a não ser mais facilmente esquecidos.

28

Analisando o posicionamento do autor, percebe-se que se trata de uma proposta, na

prática avaliativa, de apreciação qualitativa das informações coletadas no intuito de desvelar

as razões subjacentes aos erros constatados para que se possa enunciar as dificuldades de

aprendizagem a serem enfrentadas pelos alunos (função retroativa da avaliação).

Boruchovitch & Souza esclarecem que, para isso, é preciso, segundo Perrenoud (2000; 2001

apud BORUCHOVITCH; SOUZA, 2010), um ensino pautado em variabilidade didática e

uma aprendizagem vinculada à resolução de tarefas complexas, investindo na utilização de

instrumentos pedagógicos diversos, como o mapa conceitual.

Os mapas conceituais permitem, desta forma, a compreensão da situação do aluno ao

gerarem a identificação e a análise dos erros, juntamente com a promoção de um diagnóstico

mais apurado do funcionamento cognitivo envolvido. Eles contribuem, portanto, para a

aquisição, o armazenamento e a utilização do conhecimento. Partindo-se de uma nova

interpretação dada ao erro através do mapa conceitual como ferramenta avaliativa, ele

configura-se, então, como indicador diagnóstico para orientar ações destinadas à promoção de

superações e avanços.

Concebidos como estratégia de organização da aprendizagem na abordagem das

autoras, eles favorecem, agora em relação ao educando, uma avaliação contínua do que se está

realizando e, em consequência, aprender apenas o que se enuncia como possibilidade.

Pinto & Silva (2006) aparecem nesta discussão para confirmar, em seu artigo, que a

dimensão formativa deve ser reforçada, pois é um fator fundamental na efetivação da

aprendizagem necessária ao sucesso da escolarização dos alunos social e culturalmente

marginalizados. Entendendo a exclusão como categoria do processo pedagógico desenvolvido

na escola, como uma dimensão da experiência escolar dos alunos, as autoras tecem uma

interessante crítica ao que ainda se vem observando nas escolas brasileiras.

A escola, ao mesmo tempo em que afirma a igualdade de todos, a igualdade entre os

indivíduos, afirma também a desigualdade de seus desempenhos, mantendo em seus

processos pedagógicos inúmeros mecanismos internos de exclusão, mantém princípios

meritocráticos. Além disso, as políticas públicas brasileiras não tem garantido o sucesso

escolar dos alunos porque não afetam estruturalmente a escola, consolidando a política da não

retenção: não atingem a principal finalidade da avaliação que é uma aprendizagem efetiva dos

conhecimentos básicos e acabam produzindo obstáculos para o aluno continuar os estudos e

ingressar no mercado de trabalho.

Ao final do Ensino Médio, a escola outorga um certificado esvaziado de valor social

que atesta mais a incompetência do que a competência tanto para o estudo quanto para o

29

trabalho. Perpetua-se, portanto, a contabilização dos erros e dos acertos produzidos pelos

alunos mesmo com as políticas públicas de redemocratização.

A  escola  cultua  a  curva  da  “normalidade”7, distribuindo os alunos na famosa curva de

Gauss   em  que   os   bons   aparecem  no   topo,   “médios”   e   “regulares”   no  meio   e   os   “ruins”   na  

base, propagando uma pedagogia dos resultados que toma a nota como um alerta para o aluno

do que pode acontecer com ele.

Concernente aos instrumentos avaliativos, as autoras também reiteram, mencionando

Focault (1991), o papel certificativo, classificatório e punitivo dos exames escolares. O

exame, nesta abordagem, é um mecanismo regulador da distribuição desigual do

conhecimento pela instituição escolar.

Refletindo mais detidamente sobre esses dados trazidos pelas autoras, pode-se afirmar

que, na trajetória da utilização desses instrumentos, passou-se do exame aos testes e agora

predomina a avaliação múltipla em seus usos que muitas vezes podem ser implícitos.

Tendo em vista que todos esses discursos teóricos atentam para o controle empregado

pelas economias dominantes na cultura civilizatória que nos aprisiona e que nos resvala em

nossas ações docentes, faz-se necessário, segundo o entendimento desta pesquisa,

ressignificar a prática do profissional da educação como religação dos elos perdidos entre o

compromisso docente e a formação do aluno, ou seja, agir e trabalhar para além ou sem

responder apenas aos regimentos burocráticos, mas fazendo-se cumprir uma funcionalidade

que supera qualquer formalidade do ofício.

Sabe-se que, valendo-se da avaliação formativa, como aqui já foi apontado, ter-se-á

um olhar voltado para os processos utilizados pelos alunos na resolução de suas situações-

problema. É o conhecimento situado que estará em processo de julgamento e não o aluno. Os

erros, por sua vez, serão considerados como momentos na aprendizagem e não como falhas

repreensíveis ou manifestações patológicas (dislexia ou discalculia, por exemplo).

A avaliação formativa faz-se, dessa forma, uma avaliação qualitativa, descritiva e

indutiva, impossível de ser reduzida a escala numérica (nota).

A avaliação da aprendizagem deve ser comprometida também com o conhecimento

informal, para além dos objetivos da escola, logo, sua dimensão formativa torna-se ainda mais

complexa, pois envolve subjetividades.

7 Pinto & Silva (2006) citam Barriga (1999) para explicar que este conceito está relacionado a uma ideia de “medidas  exatas”  que   justifica  o  acesso  à  escola  pelas  condições   individuais   – “violência  epistemológica”  que  diz o lugar social que cada um deve ocupar.

30

Segundo Hadji (2001), a avaliação só será formativa se for informativa e só é

informativa se responder a perguntas. Partindo-se da perspectiva do autor, deve-se passar de

uma pedagogia da resposta que homogeneíza, classifica, hierarquiza e exclui para uma

pedagogia do problema, em que o espaço da avaliação é mais complexo, mas na qual o que

interessa ao professor são as operações mentais dos alunos, as deduções e induções que

realizam e a dialetização que as relaciona.

O grande desafio do professor é, portanto, traduzir os conteúdos de aprendizagem em

procedimentos de aprendizagem. É preciso conhecer a natureza da atividade intelectual a ser

desenvolvida e buscar as condições que garantam seu êxito.

Esquematizando este último pensamento sobre a avaliação formativa, tem-se:

Avaliação Formativa

Behaviorista Cognitivista

Programar o ensino Adaptar o ensino às

para que não haja dificuldades do aluno

erros

Figura 1: esquematização do conceito de avaliação formativa

O esquema acima permite afirmar que a perspectiva behaviorista deturpa a noção

formativa de avaliação ao focalizar a organização do trabalho docente para que apenas as

expectativas do professor sejam correspondidas, ou seja, verifica apenas se o ato de ensinar

obteve sucesso de acordo com o que foi previsto. Já a visão cognitivista procura elaborar o

ensino de modo a fazê-lo ir ao encontro das necessidades dos educandos, trabalhando nas

competências e capacidades que precisam ser desenvolvidas e nas dificuldades que precisam

ser superadas. Vale ainda discorrer um pouco mais a respeito da subjetividade no ato de avaliar. Neto

& Aquino (2009) tratam sobre o tema encontrando um ponto em comum com os outros textos

pela constatação de que esta subjetividade é ainda mal administrada, fazendo com que a

avaliação se torne pontual, classificatória, seletiva e autoritária.

31

Seus   apontamentos   contidos   no   artigo   “A  Avaliação   da   aprendizagem   como  um  ato  

amoroso:  o  que  o  professor  pratica?”  baseiam-se em Luckesi (2005) ao elucidarem a função

ontológica da avaliação que é diagnosticar a situação de aprendizagem, tendo em vista

subsidiar a tomada de decisão para a melhoria do desempenho do educando. Há a

necessidade, para isso, de que a avaliação seja (mais uma vez) processual, dinâmica, inclusiva

e democrática. Só assim ela poderá acolher a realidade como ela é, seja satisfatória ou não,

uma vez que a disposição para acolher é o ponto de partida para a intervenção pedagógica do

educador.

Sendo assim, ainda segundo o mesmo artigo, a avaliação também pode ser interpretada

como um ato amoroso (já que pressupõe o acolhimento do aluno), um estado psicológico

oposto ao de exclusão, cuja uma das formas, por sua vez, é a reprovação, usada como um álibi

para explicar o fracasso escolar.

Visando superar estes fenômenos que transformam o funcionamento do sistema

escolar num dilema, as autoras encontram em Furlan (apud NETO; AQUINO, 2009) a mesma

necessidade do professor aproximar o que os alunos já sabem àquilo de que necessitam saber,

pensando nas características do aluno ao planejar e executar suas ações. Essa proposta

pressupõe a dimensão mediadora da avaliação, aquela realizada no interstício entre uma etapa

possível de produção pelo aluno e de um saber enriquecido, o que leva a pensar que, sendo

empregada desta forma, ela não terá a característica de julgamento. Os julgamentos

aparecerão, todavia, para dar curso à vida (à ação) e não para excluí-la, como se observa que é

o que tem acontecido segundo as pesquisas e realidades consultadas.

3.4 Avaliação na Pedagogia Waldorf 3.4.1 Um pouco sobre a Antroposofia

Faz-se necessário explicitar, inicialmente, que o âmbito deste trabalho não ultrapassa

uma explicação dos princípios fundamentais da filosofia antroposófica que viabilize a

compreensão da teoria de avaliação da Pedagogia Waldorf segundo Rudoph Lanz (1986),

autor adotado para esta seção do referencial bibliográfico.

Lanz   (1986)   apresenta   uma   abordagem   bastante   contextualizadora   em   seu   livro   “A  

Pedagogia Waldorf: caminho para um ensino  mais  humano”  sobre  a linha de pensamento que

originou os primeiros estudos dos defensores da antroposofia, justificando-os pela

necessidade da existência uma visão de ser humano que ultrapassasse àquela estabelecida

32

pelas leis vigentes na Química, na Física, na Biologia e na psicologia animal e o enfocasse,

desta  forma,  “sob  um  ângulo  mais  amplo,  embora  seu  raciocínio  e  seus  métodos  não  deixem  

de  ter  o  mesmo  rigor  científico”  (LANZ,  1986, p.13).

Admitindo   que   a   entidade   humana   seja   constituída   por   “algo”   a   mais   que   as  

substâncias do mundo mineral, por uma força vital que permeia os seres orgânicos, o autor

nomeia este elemento como o principal diferenciador entre seres vivos e não-vivos,

destacando o homem com o único ser pensante. Amparando-se a este entendimento, pode-se

supor, resumindo-se o percurso reflexivo percorrido pelo autor para chegar as suas conclusões

aplicadas no campo da educação e também para aproximá-lo à temática deste trabalho, que a

figura humana, especialmente dotada de razão e emoção, torna-se digna, neste contexto, de

uma formação que acompanhe o seu desenvolvimento integral, fomentando globalmente este

conjunto de forças vitais do qual é constituída.

Esta formação, antecipadamente citada a toda descrição do autor sobre os fundamentos

antroposóficos, é associada, em sua paráfrase a Rudolph Steiner, a uma ciência espiritual que

condiciona ao homem o domínio destes sentidos superiores que possibilitam a interpretação

de fenômenos elevados, daí a dificuldade pressuposta em formar e educar este ser tão

complexo, imbuído de subjetividade.

No que diz respeito à avaliação, neste contexto, é maior ainda o desafio que representa

para esta teoria filosófica: avaliar de maneira justa o desempenho de indivíduos tão diferentes

na sua essência não-física, pois os alunos são muito mais do que aquilo que apresentam no

momento da avaliação, são vidas das quais a escola faz parte e toda esta integralidade deve ser

levada em conta pelo professor que busca um parecer panorâmico de quem são as pessoas que

ensina e não apenas a medição de capacidades.

O caminho de uma educação que cresce junto com a criança, defendido por Lanz

(1986), é  identificável  no  trecho  em  que  diz  “[...]  as  faculdades  mentais,  a  circunspeccção  e  o  

domínio de si são plenamente desenvolvidos, atingindo um ponto culminante na serenidade e

na  sabedoria  contemplativa  da  velhice”  (p.  17),  justificando  a  lógica  de  um  ensino  próprio  a  

cada fase da vida, que prepara a infância para o mundo adulto8 sem antecipá-lo ou

comprometer a sua essência, mas imbuindo o seu currículo de noções e responsabilidades que

8 Faz-se necessário explicar que, neste aspecto, não se está falando aqui de um ensino propedêutico, introdutório, que prepara ou habilita a criança para um ensino mais completo, escolarizando a Educação Infantil. Trata-se sim de uma concepção de educação globalizante, que forma a criança para a vida, instrumentalizando-a para que possa enfrentar aquilo que a espera no mundo, tornando-a um ser mais independente e ávido por descobertas, potencializando assim a sua aprendizagem cotidiana.

33

a acompanharão ao longo de toda a sua vida e serão plenamente aperfeiçoadas em sua etapa

final (daí a necessidade de serem cultivadas desde o início) e por isso ele deve ser integral

para abarcar todas as suas instâncias. Neste sentido, o autor aponta a Antroposofia como o

campo de saber que acrescentará uma descoberta de suma importância: o caminho que

permitirá ao homem despertar todas essas funcionalidades da educação pouco a pouco. Este

argumento pode ser relacionado, em outra instância, à dimensão processual da avaliação

formativa concebida por Wachowics (2005) que permite uma análise mais completa da

trajetória escolar do aluno para que o professor possa ter a credibilidade de avaliá-lo segundo

os princípios qualitativos da sua produção e não classificá-lo descontextualizadamente ao

processo social ao qual pertence.

A ciência espiritual mencionada por Lanz (1986), admitida aqui como a formação

educacional oferecida, na sua gênese, pela Pedagogia Waldorf é dominada (domínio este que

cabe à figura do professor), segundo o autor, pelos indivíduos que atingiram um certo grau de

clarividência. Remetendo-se este conceito, segundo a perspectiva deste trabalho, ao de

esclarecimento segundo Kant (2005), tem-se a associação a um estado de um homem livre da

condição de menoridade, não detendo, portanto, preguiça, covardia e falsidade e não

renunciando em pensar por si mesmo ou ainda, em outra análise, ao de Adono (2009),

referindo-se a uma dedução mais óbvia da situação de uma imaginável sociedade emancipada

ideal, liberta dos princípios da sociedade burguesa9.

Partindo-se dessa perspectiva, entende-se que a formação antroposófica visa um

alcance cada vez maior, ao longo do desenvolvimento humano, de uma conscientização, a

qual se dá as custas de suas energias vitais presentes em seu corpo, em seu intelecto, em seus

sentimentos, presentes em seu todo, uno e indivisível que é o homem, competindo à educação

o compromisso de integralizar todas essas suas capacidades, perfeitamente habilitadas,

durante a trajetória escolar, para que o estado de clarividência de Lanz (1986) e o de

esclarecimento de Kant (2005) e Adorno (2009) seja atingido.

3.4.2 Aspectos gerais da Escola Waldorf10

9 Embora se saiba que os referenciais destes autores partam de correntes teóricas distintas, o fato de convergirem sobre uma mesma ideia de um estado ao qual o homem pode chegar ao longo de sua existência tornou viável a consideração desta associação. 10 Escola Waldorf representa, aqui, as escolas Waldorf como um todo segundo Lanz (1986) e não uma instituição especificamente.

34

Prioritariamente voltada para o primeiro e segundo graus11, abrangendo a faixa etária

de   sete   a   dezoito   anos,   Lanz   (1986)   explica,   logo   no   início   do   capítulo   “A   Escola  

propriamente   dita”   de   seu   livro   já   aqui   mencionado,   que   o   sistema   Waldorf   possui   uma  

característica principal:

[...] a de ser um corpo vivo, suscetível de assumir formas e aspectos diferentes, de acordo com as circunstâncias concretas de um determinado meio social, de um país, de uma legislação vigente em matéria de educação, etc (LANZ, 1986, p. 100).

Apropriando-se desta caracterização apresentada pelo autor, vale dizer, para um

entendimento geral dos princípios que regem o funcionamento da Escola Waldorf, que a

instituição, apesar de todas as suas especificidades aqui descritas, também está inserida num

sistema educacional composto por todas as unidades escolares que devem obedecer e estão

submetidas a um conjunto de normalizações imposto pela rede de ensino.

Compreendendo doze séries que são divididas em dois ciclos de quatro e oito séries

cada uma, além de um jardim de infância que engloba vários grupos, conforme estabelecido

no projeto inicial das escolas Waldorf por seu precursor, elas ainda podem apresentar,

dependendo do país cuja regulamentação julgue necessário, uma 13ª série que servia, em sua

gênese, como um ano letivo preparatório para os exames oficiais de conclusão dos seus

antigos cursos de 2º grau, o que suscita o entendimento, analisando-se o histórico trazido por

Lanz (1986), de que desde a sua origem, as escolas Waldorf nunca existiram como uma rede

regulada por modelos-padrão de funcionamento, o que acarreta, por sua vez, uma maior

flexibilidade ao setor pedagógico e, consequentemente, à aplicabilidade da avaliação.

Calcando teoricamente este pensamento, temos em Lanz (1986, p.157) que

Embora unidas pela colocação das suas metas e pela pedagogia que aplicam, divergem entre si em aspectos relevantes da sua constituição. Sua razão de ser é a aplicação de um método pedagógico.

Concernente, contudo, aos princípios pré-estabelecidos para todas as escolas

Waldorf, o autor traz uma interessante compilação daqueles que são inerentes à existência

dessas instituições, tornando-os válidos para ser transcritos neste momento:

11 Esta é a nomenclatura utilizada pelo autor na época da produção da referida obra para se referir ao Ensino Fundamental e Médio, respectivamente, e que foram preservadas neste trabalho para se coadunar à época em que as escolas Waldorf foram concebidas.

35

1) A liberdade quanto às metas de educação: deve ser possível conceber essas metas da forma mais ampla possível. A escola Waldorf quer ser algo mais do que as escolas tradicionais; se fosse incapacitada para desempenhar essas funções adicionais ela não poderia existir.

2) A liberdade quanto ao método pedagógico é a pedra de toque da sua existência, pois é principalmente pelo seu método pedagógico que ela se distingue das outras escolas. Esse método é a sua razão de ser.

3) Embora o currículo tenha, em comparação com o método, uma importância menor, ele constitui, não obstante, uma das características da escola Waldorf. A liberdade quanto ao currículo não significa que matérias exigidas pelos programas oficiais de ensino não sejam aí ensinadas; significa, ao contrário, que matérias adicionais possam ser incluídas no seu programa, e sobretudo que cabe à escola determinar a época em que as matérias devam ser ensinadas (LANZ, 1986, p. 157).

Além disso, faz-se necessário dizer que a Escola Waldorf respeita a legislação sobre a

laicidade determinada sobre as instituições de ensino, uma vez que Lanz (1986) também

elucida sobre o fato de, apesar dela ser engajada à Antroposofia quanto ao método de ensino

que  aplica,  não  ensina  nem  propaga  esta  doutrina  filosófica  que  não  é  uma  religião,  “deixando  

os alunos e os pais inteiramente livres quanto à escolha e prática – dentro da escola! – de suas

respectivas  religiões”  (p.158).

O autor ainda esclarece, logo em sequência a este dado, que a pedagogia criada por

Rudolph Steiner não obedece ao princípio da meritocracia (SOUZA, 2010) no tratamento aos

seus alunos, oferecendo uma educação completa como um direito inalienável a todo cidadão,

independentemente de classe social, religião e raça. Esta premissa está intimamente ligada ao

modo de conceber a avaliação, uma vez que ela imputa à sala de aula, ao menos teoricamente,

uma prática pedagógica que busque romper com a realidade segregadora da escola, pois as

crianças  “não  podem,  de  forma  alguma,  ser  eliminadas  com  base  num  princípio  de  seleção  ou  

elitismo; injusto e anti-social  no  mais  alto  grau”  (LANZ,  1986, p.101).

Este preceito advogado pela Pedagogia Waldorf legitima-se por nela acreditar-se que é

a escola quem deve estar a serviço da criança e não o contrário, provendo-a de uma formação

que propõe, sobretudo, o pleno desenvolvimento de sua personalidade humana e não apenas o

preparo profissional, uma vez que, após a oferta desse ensino geral, o sistema também prevê,

nos anos finais, uma vertente de especialização do ensino, seja para o mercado de trabalho,

seja para o ingresso no Ensino Superior de acordo com os dons e capacidades de cada aluno.

A justificativa para toda esta argumentação vem logo em seguida, quando o autor

esclarece  que  essa  possibilidade  de  uma  educação   igual  para   todos  permite  o  “[...] acesso a

todos  os  valores  culturais  humanos”,  sendo  “[...] a melhor garantia contra os sentimentos de

angústia,   de   frustração   e   de   ódio   que   estão   na   origem   das   tensões   sociais”   (LANZ, 1986,

p.101).

36

O currículo é outra temática abordada nos aspectos gerais das escolas Waldorf,

caracterizando-se e ganhando destaque frente aos currículos oficiais ao ser considerado mais

amplo e rico pelo fato de que:

A escolha das matérias, o quando e a metodologia do seu ensino dependem, de um lado, das sugestões feitas por Steiner e das experiências acumuladas durante o tempo transcorrido desde então, e de outro, das exigências curriculares feitas pela legislação dos respectivos países [...] Todas as matérias são obrigatórias para todos os alunos – podendo, às vezes, haver opções entre as várias atividades artísticas e entre línguas estrangeiras. As escolas Waldorf não são consideradas como instituições que distribuem chances de carreira profissional (LANZ, 1986. p. 101; 102).

Pode-se observar na citação que o autor exime a Escola Waldorf da falsa idéia que

pode haver de que ela tenha caráter profissionalizante só porque assume essa vertente como

parte integrante de uma educação completa, sendo concernente à avaliação, neste aspecto, o

momento em que o autor acrescenta (LANZ, 1986, p. 102):

A pedagogia Waldorf recusa essa seleção (se é que o sistema atual das provas, exames, vestibulares, etc, é realmente uma seleção eqüitativa), pois considera que o ensino primário e médio deve proporcionar a mesma formação humana e as mesmas chances a todos!

A responsabilidade delegada ao professor é automaticamente associada a este perfil

avaliativo traçado pelo autor, em que se presume o direito de inovar em seus métodos

pedagógicos sob todos os apectos, aludindo a sua autonomia docente relativa (VEIGA, 2004)

utilizada com senso de responsabilidade justamente pelo compromisso que ele assume em seu

papel de avaliador, atuando como veículo, segundo os princípios antroposóficos, da criança

rumo à plena realização de suas faculdades e enxergando-a, para tanto, como um ser em

formação que confia a ele o seu desenvolvimento humano com profundo respeito.

Lanz (1986) finaliza esta seção sobre os fundamentos gerais que regem as condições

ideais para o funcionamento de uma escola Waldorf na tentativa, então, de justificar o sucesso

desta perspectiva emancipatória, formativa e não excludente de avaliação:

O fato de o movimento Waldorf existir,vivo e ativo, e de estar em plena expansão após sessenta anos de existência, demonstra sua atualidade e seu vigor, em compensação com  muitos  sistemas  “novos”,  dos  quais  se  faz  muito  alarde e que morrem de inanição após uma curta trajetória de voga artificial (LANZ, 1986, p.104).

3.4.3 Concepção de avaliação na Pedagogia Waldorf

37

Tratando  a  Pedagogia  Waldorf  como  “um  sistema  pedagógico que visa a formação, e

não   o   fichamento   cadastral   dos   jovens”   (LANZ,   1986,   p.91),   o   autor   acredita   que   a   sua  

avaliação deva superar aquela das escolas que classifica como tradicionais por atribuir maior

importância à perspectiva quantitativa da nota, transformando a essência da prática avaliativa

numa formalidade de verificar o desempenho dos alunos por resultados obtidos em suas

provas e anulando o potencial problematizador (MONTEIRO, 2004) da avaliação sob o

desenvolvimento cognitivo e social do educando. Desta forma, determina que o real objeto da

avaliação  deva   ser   a  personalidade  do  aluno,   caracterizando  “suas  várias   facetas   em  vez  de  

medir o seu desempenho. Se julga, fá-lo comparando-o não com modelos abstratos, mas com

a potencialidade do aluno”  (LANZ  ,1986,    p. 91).

Esta necessidade que o autor confere à avaliação da Pedagogia Waldorf de estar

imbuída de uma caracterização qualitativa exime a escola do compromisso de expressá-la em

números  ou  notas,  “realçando  o  que  há  de  positivo  e  criticando o negativo só em relação ao

que  o  aluno  seria  capaz  de  produzir.  Nunca  um  aluno  é  friamente  arrasado”  (LANZ,  1986,  p.  

91).

A responsabilidade institucional exigida pelas autoridades do ensino, requer, contudo,

a realização de uma avaliação quantificada. A solução deste paradoxo é encontrada, nas

escolas Waldorf, por documento produzido em sigilo que é disponibilizado aos pais somente

ao fim da trajetória escolar do educando para que isto não comprometa o bom andamento da

sua carreira educativa, ou seja, trata-se de algo que não é direcionado ao aluno, o qual, por sua

vez, tem acesso a uma avaliação que é construída junto com ele e que serve para balizar as

suas habilidades e competências mediante as suas conquistas e dificuldades ao longo do seu

processo de escolarização.

O autor encerra a discussão sobre esta temática explicando a importância, para as

escolas Waldorf, de evitar o fenômeno da repetência (SOUZA, 2010) em suas instituições por

considerar a sua ineficácia como consolidação formativa de um ser em desenvolvimento, sem

promover, ao mesmo tempo, uma progressão automática pelas séries escolares:

Já foi dito que a repetência é evitada devido as suas conseqüências desastrosas. Executam-se apenas os casos em que há consenso entre todos os professores que lidam com o aluno, entre o médico escolar e os pais, de que o aluno está retardado em todo o seu desenvolvimento (intelectual, psíquico e físico), mas sem constituir um caso patológico grave. É só nesses casos que se decide rebaixar um aluno de uma classe. Todas as escolas conhecem inúmeros casos de alunos que simplesmente despertaram em determinadas disciplinas ou atividades mais tarde do que os seus colegas, recuperando facilmente o que lhes faltava, numa época posterior. Impondo a tais alunos a repetência ou outra medida seletiva, eles seriam não somente traumatizados,

38

mas ainda excluídos, para sempre, do ensino que corresponde a sua idade (LANZ, 1986, p. 92).

39

4 PRÁTICAS AVALIATIVAS EM SALA DE AULA SOB O OLHAR DO SUJEITO DE PESQUISA

A análise consubstancia-se propriamente a partir de entrevista semi-estruturada

realizada com sujeito de pesquisa do departamento pedagógico de uma Escola Waldorf de São

Paulo (EW), em que muitas vezes será necessário reproduzir fielmente essas falas no corpo do

trabalho, na intenção de propiciar uma compreensão coerente à discussão que se realizará

simultaneamente à apresentação dos dados que comprovam os argumentos conclusivos. As categorias de análise foram definidas a partir das respostas estudadas e dos dados

de avaliação extraídos que serviram para subsidiar a discussão sistematizada desses dados e a

compreensão dos conceitos abordados. São elas: concepção de avaliação; avaliação no

âmbito da formação de professores; aplicabilidade dos resultados obtidos pela avaliação/

papel e funcionalidade da avaliação; instrumentos avaliativos.

Antes de proceder ao debate sobre as categorias de análise investigadas e

estabelecidas para esta pesquisa, a educadora contextualizou a conversa falando um pouco

sobre o perfil predominante do alunado atendido pela escola, contando, inclusive, sobre o

porquê acredita que as famílias procuram uma escola Waldorf para matricular seus filhos:

Então, são diversos públicos. Você tem uma vez um público que conhece a Pedagogia Waldorf, conhece a antroposofia, então um público simpatizante, talvez até ex-alunos, nós temos muitos ex-alunos já que procuram a Pedagogia Waldorf, isso é um grupo. Mas você tem um outro grupo grande, um crescente grupo que são as pessoas que estão insatisfeitas com as escolas ditas tradicionais [...] Então, as pessoas insatisfeitas com essa metodologia, elas procuram algo diferente que possa desenvolver um ser humano integral, o ser humano como um todo e não apenas essa qualidade que é um dia resolver satisfatoriamente uma prova de aptidão de vestibular [...] Tem também mais um grupo que são as crianças que não se dão bem nas outras escolas (ENTREVISTADA EW, 2014, p.1).

Ainda nesse âmbito do público-alvo de uma escola Waldorf, tem-se a contribuição

de Lanz (1986, p.105) que indiretamente dialoga com o relato da entrevistada,

complementando sua explicação:

Ao escolher uma escola Waldorf, os pais já deveriam saber que não chegou, para eles, a hora de descansar e de deixar à escola todo o fardo (e toda a responsabilidade...) da formação dos seus filhos. A escola costuma fazer um grande esforço para cultivar o contato com os pais, quando estes ou os professores considerarem últil, assim como reuniões periódicas de todos os pais de uma classe com todos os professores da mesma.

40

Remetendo-se propriamente às categorias de análise, é interessante esclarecer,

inicialmente, que a importância do tema deste trabalho, a avaliação da aprendizagem,

evidenciou-se inúmeras vezes na fala da entrevistada pela constância com a qual é tratada na

EW. Numa observação comum, foram facilmente identificados diversos momentos em que a

avaliação é discutida pelos professores fora da sala de aula, em reuniões oficiais ou não,

destacando o aspecto da concepção de avaliação, a primeira categoria de análise averiguada.

Esta categoria representa o embasamento teórico da dimensão prática do exercício docente (o

tipo de avaliação empregado em sala de aula, o qual pode sofrer distorções do modelo

idelizado pela corrente educacional adotada que, neste caso, é a Pedagogia Waldorf) para

momentos focalizados, desatrelados do contexto, ou para aqueles momentos em que a

avaliação deva aparecer.

Segundo a análise da entrevistada, a avaliação deve aparecer sempre e por isso

considera que as discussões entre o corpo docente e a equipe gestora sejam tão profícuas neste

sentido de entender como os princípios das teorias pedagógicas podem ser absorvidos e

aplicados no cotidiano da sala de aula. Este dado revela que a avaliação ocupa um espaço

significativo nas atribuições dos professores, justamente por demonstrarem esta preocupação

com os resultados que ela apresenta, independentemente de ser classificatória ou formativa,

tradicionalou não (ANDRADE, 2001), mesmo que não seja criteriosa oficialmente e muitas

vezes não cobrada qualitativamente na prática dos alunos, mas apenas exigida pela

formalidade, esse dado revela o papel essencial da avaliação no processo de ensino-

aprendizagem.

Analisando mais detidamente a fala da colaboradora desta pesquisa, pode-se dizer

que, sob sua perspectiva, a avaliação deve ser contínua, diária e incessante; não deve ser

formal (ANDRADE, 2001) sob o ponto de vista dos instrumentos comumente conhecidos

pelos alunos, ou seja, ela é mais sutil para as crianças, porém consciente pelos professores até

o 5º ano do Ensino Fundamental. Já nos anos finais do Ensino Fundamental, passa a assumir

formatos mais tradicionais mediante a demanda externa que pressiona uma formação voltada

para os vestibulares e o mundo do trabalho. Além disso, entende que avaliação representa o

acompanhamento da trajetória escolar de cada aluno mediante a dimensão processual pela

qual é concebida na escola; possui flexibilidade de acordo com cada criança e com os

diferentes ritmos de aprendizagem; é individual, não tem prazos rígidos e é variável; a

avaliação é integral, perpassando por três dimensões que compõem o ser humano: intelectual,

emocional e comportamental.

41

Todos esses aspectos que constituem a concepção avaliativa defendida pela

interlocutora são identificados na passagem que diz:

Então, a avaliação eu acho que ela é diária, contínua e incessante. Só que ela não é uma avaliação formal, ela até chega a ser formal, mas essa avaliação contínua é o acompanhamento desse aluno [...] Certamente eu tenho um prazo, mas esse meu prazo varia conforme minha avaliação, ou seja, minha avaliação é flexível também de acordo com a criança, de acordo com cada tipo de criança, ritmo de aprendizagem, tempo de aprendizagem, tipo de criança, capacidades da criança [...] Então ela é muito individual, não tem um prazo e ela é variável. O que ajuda muito é ter um professor que segue a criança (ENTREVISTADA EW, 2014, p.1).

A entrevistada ainda acrescenta, nos desdobramentos decorrentes desta mesma

questão, sobre o perfil do papel avaliador do professor neste contexto, esclarecendo que:

Então a gente tem um professor de classe que segue a criança. Então esse professor de classe, como ele conhece muito bem a criança, ele sabe todo dia se a criança está bem, se a criança não está bem, se conquistou alguma coisinha a mais ou se está há um mês sem conquistar nada e aí precisa sim ser tomada alguma atitude, se está há um semestre sem conquistas ou conquista todo dia um grãozinho de areia, está bom, não vai chegar a meta que eu imaginaria, mas está todo dia conquistando alguma coisa e está chegando, partindo de uma heteronomia e está indo em direção a uma autonomia (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 2)

Este trecho da fala da entrevistada coaduna-se exatamente ao que é dito por Lanz

(1986) - que revela, inclusive, uma crítica ao sistema tradicional avaliativo das escolas como a

coordenadora também vem fazendo - e que também pode ser identificável com várias outras

falas ao longo da análise da entrevista, refletindo a estreita relação que a instituição visitada,

representada aqui pela fala da coordenadora, mantém com os fundamentos de Rudolph

Steiner, quando o autor afirma que na Pedagogia Waldorf:

[...] a repetência é praticamente excluída, e como o professor conhece a fundo seus alunos, não há necessidade de provas e exames para a avaliação do seu rendimento. Isso evita todos os traumas ligados a notas, sabatinas e exames, e põe fim, de modo peremptório, à quantificação do aluno cujo valor costuma ser expresso em notas e frações decimais, certamente um dos aspectos mais degradantes nesse sistema (LANZ, 1986, p. 2).

Uma última característica desta temática da avaliação encontrada na entrevista

remete-se, ainda, à relação que pode ser estabelecida entre a filosofia antroposófica e as

práticas avaliativas adotadas pela Pedagogia Waldorf:

42

Então esses três âmbitos são sempre levados em consideração em cada aula, em cada momento que todos passam por todos esses âmbitos do ser humano, que ele não é só exigido intelectualmente, mas ele também é exigido no seu fazer, na sua corporalidade e também é solicitado no seu sentir, na sua psique, isso também sempre é abordado (ENTREVISTADA EW, 2014, p.5).

Esta passagem refere-se à visão integral da imagem do homem à luz da antroposofia

(LANZ, 1986), ressaltando-se aqui o caráter humanista e não classificatório da avaliação, uma

vez que a a razão de ser da formação que a criança recebe em qualquer escola, na qual o

processo avaliativo está inserido, não deve servir para humilhar, dividir, mas para exaltar a

existência humana e o progresso na aprendizagem. Supõe-se, portanto, que isso deva implicar

numa avaliação também integral deste homem nas escolas que adotam a Pedagogia Waldorf

como metodologia de ensino, o que é explicado pela educadora em outro momento da

entrevista:

Então todo professor que trabalha aqui, ele tem uma concepção de ser humano, do que que é constituído o ser humano, ao que ele veio, ao que ele se presta, para onde ele vai, ou seja, algumas perguntas assim esses professores se colocam na sua formação e chegam então a uma visão do que consiste esse ser humano e ao que ele se presta na Terra, qual é a nossa utilidade.  Então  isso  é  o  que  nos… Então essa visão do ser humano né, isso é importante para esse professor que está ligado a essa ideia antroposófica, mas a partir daí a Pedagogia Waldorf trabalha com práticas que atuam muito nesse desenvolvimento dessa criança de uma maneira adequada a cada faixa etária e que desenvolva a criança nesse panorama integral, ou seja, uma parte intelectual, que a gente acha super importante, uma parte mais psíquica, mais ligada ao sentimento e uma parte mais da atividade, ou seja, do atuar, do fazer (ENTREVISTADA EW, 2014, p.5).

Este trecho permite a inferência de que, na referida escola-campo, todo professor

traz para o exercício da docência as suas concepções e isso influi de diversas maneiras em seu

trabalho. Uma delas é através da subjetividade implicada no ato de avaliar (LUDKE &

SORDI, 2009). Além disso, ele apresenta forte relação com a citação de Lanz (1986) deste

trabalho em que o autor discorre sobre a importância da educação que cresce junto com a

criança, apropriando-se a ela a cada fase de sua vida, fomentando o seu desenvolvimento

como um ser integral, em todas as esferas, que ultrapassam a do aluno em sala de aula. Este

argumento concatena a teoria estudada com o discurso coletado da entrevistada, atribuindo

sentido a esta pesquisa e atingindo os objetivos inicialmente traçados de responder as

hipóteses intrasubjetivamente lançadas.

Partindo-se da perspectiva de que ainda não se veem na maioria das escolas,

generalizadamente, as disciplinas curriculares de forma contextualizada, como um meio para

o aluno compreender-se no mundo e poder criticá-lo, mas sim como conteúdos estanques,

43

acaba-se avaliando também à moda antiga tão criticada pelas teorias contemporâneas de

avaliação, dentre as quais, algumas foram já discutidas no primeiro capítulo deste trabalho.

Estes conteúdos estanques dominam-se muito mais pela memorização, não levando em conta

o conhecimento e as informações que o aluno traz para a escola e que dão um tom diverso

àquilo que ele recebe ou troca com o professor e sim vê-se o aluno como uma tábula rasa a ser

preenchida (LOCKE, 1983).

Desta forma, entende-se, a partir da entrevista, que mudar a forma de avaliar

pressupõe também mudar a relação entre ensino e aprendizagem (LUCKESI, 2011):

É, é a ideia do balde vazio né que a gente vai encher esse balde de conhecimento né. Pois é, isso é muito sério, cidadãos críticos a gente não vai conseguir se a gente encher um balde, passivamente enchendo esse balde e não levando em conta que eles tem um conhecimento tácito, eles já tem um conhecimento de vida, eles já tem vivências, experiências, eles trazem características pessoais, são indivíduos e por isso a visão de ser humano é uma coisa que nos ajuda na nossa prática diária que a gente não acha que ele é uma tábula rasa, ele tem um porquê de existir e nesse sentido explorar, acho que o conteúdo, ele não é um fim, o conteúdo é um meio e se eu penso o conteúdo como um fim, eu vou enfiar esse conteúdo goela abaixo, o tanto que eu preciso, no tempo que eu preciso e vou abrir a boca do passarinho e enfiar conteúdo goela abaixo e vai descer o que deu, deu, o que não deu, não deu (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 8).

A entrevistada supera, ao menos naquilo que concebe teoricamente e diz aplicar

fielmente na prática, a concepção quantitativa e de verificação do desempenho de avaliação

ao discorrer, qualitativamente, sobre possibilidades de engendrá-la na sala de aula:

Se pelo outro lado, eu trabalho esse conteúdo com uma possibilidade de desenvolvimento dessa criança em seus múltiplos aspectos e não apenas o cognitivo e se esse conteúdo ajuda que essa criança se desenvolva também na sua psique, nos sentimentos, ajuda com que ela tenha valores, ajuda na passagem de valores, de tradição, de princípios, de aspectos de encarar o ser humano, de encarar o desenvolvimento da humanidade, se ela também proporciona que essa criança possa, a partir de si, elaborar os conteúdos, ou seja, uma aula, assim vamos dizer socrática, onde eu trago o estímulo e a partir desse estímulo nós vamos elaborar alguma coisa, aí eu estou formando um ser humano crítico e bem preparado (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 8).

Este paradoxo entre concepções quantitativa e qualitativa de avaliação é muito mais

complexo, como já se discutiu aqui amparando-se na literatura sobre o tema, do que o que é

propagado pelo discurso do senso comum que banaliza a questão numa escolha simples por

uma ou outra vertente. A própria realidade da sala de aula da escola em geral, intensamente

afetada pela estrutura institucional da qual faz parte e pelo meio social no qual está inserida,

contrapõe-se a esta teoria. O sistema de ensino estabelece que é importante que se tenha como

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quantificar os dados obtidos na avaliação do aluno. A escola precisa saber quantos alunos

estão em determinada situação (avançando, aquém das expectativas...). Faz-se necessário,

para isto, instrumentos como notas ou conceitos. À medida que se complexifica e deixa de ser

uma cobrança do que foi ensinado, e passa a ser uma prestação de contas, a avaliação torna

mais difícil também a quantificação dos resultados, ao mesmo tempo em que as redes

escolares precisam dessa quantificação.

Esta problemática também é discutida pela educadora, que a caracteriza como um

verdadeiro impasse e se vê diante de inúmeras dificuldades para a mudança das concepções

avaliativas atuais, bem como de suas respectivas concretizações, dado que confirma a

complexidade do tema debatido durante a entrevista:

Completamente, muito complicado você ter essa transformação, muito, e nos outros países a gente também não tem grandes transformações né, é tudo muito mais ligado a uma prova, a um resultado formal. Eu gostaria muito de mudar a maneira de se fazer, mas ela é muito complicada e muito problemática porque eu tenho que pegar alguns aspectos da criança e não só um e isso acho que seria bem difícil, exigiria muito mais tempo, muito mais gente, muito mais tabulação, muito mais trabalho, uma abertura maior nesses conceitos (ENTREVISTADA EW, 2014, p.14).

Outra categoria de análise diz respeito à avaliação no âmbito da formação de

professores, identificada pelas diversas vezes em que as falas da entrevistada relataram, no

que concerne a esse aspecto, que o corpo docente possui um programa próprio de formação de

professores – programa de implemento de atualização e reciclagem (catálogo de cursos

disponibilizado no momento da entrevista ao pesquisador). É uma forma de revisitar aspectos

da pedagogia, dentre eles, a avaliação da aprendizagem. Há o reconhecimento, contudo, de

que há a necessidade da avaliação ser mais trabalhada, ser sempre aperfeiçoada dada a sua

importância na busca pela qualidade na educação. Nesses debates do programa de formação

de professores mencionado, constatou-se ainda que se avalia muito erroneamente na EW e

que ela deve ser encarada como mais um momento de aprendizagem e como uma

demonstração de tudo que se aprendeu até momento, sem a conotação coercitiva de avaliação

que inibe o desempenho do aluno e não permite que ele apresente seu real domínio sobre

determinado conteúdo.

A compilação da constatação da entrevistada acerca desta categoria da avaliação no

âmbito da formação de professores foi extraída do seguinte depoimento:

Quando um professor fala que está ótimo, que faz tudo certo, que ele é perfeito, está na hora de ele ir embora (risos), se aposentar ou ir embora

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porque a gente nunca está bom o suficiente para lidar com criança. Acho que universitários é outro papo porque a gente se defende do mundo, mas com criança o cara precisa estar eternamente em retrabalho. Talvez ele não precise ir num curso, mas ele precisa trabalhar em si, se informar, precisa aperfeiçoar,  se  atualizar,  “Por  que  que  eu  não  dou  conta  desse  menino?”,  se  perguntar, se analisar criticamente, se ele não faz isso, acho que não tem como estar na frente de criança (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 10).

O modo como a entrevistada concebe a importância do exercício da reflexão

constante na carreira docente para o contínuo aperfeiçoamento das concepções pedagógicas (e

dentre elas, a de avaliação) fundamentam sua ação, reflexão esta que, ao ver desta análise,

também deve estar presente na formação de professores. Tal como a coordenadora explica,

com suas palavras, assim se dá o posicionamento de Lanz (1986) referente à mesma questão,

no contexto da Escola Waldorf:

Os professores são a alma viva de uma escola Waldorf. Se deixam de crescer e de se desenvolver, a escola pára e definha. Nunca devem cair numa rotina didática, considerar sua matéria como definitivamente assimilada e perfeita para ser transmitida aos alunos. A autocrítica constante e até uma dose de frustração são, pois, a atitude mental constante de todo professor. Ele vive comparando a aula realmente dada com o ensino tal como sonhava ministrá-lo (LANZ, 1986, p. 103).

A ponderação da educadora, contudo, vem logo a seguir, revelando-se um ponto

positivo de contribuição da Escola Waldorf para este debate de problematização de

concepções naturalizadas, uma vez que se trata de um reconhecimento constante, ao longo da

entrevista, de que a avaliação empregada na sala de aula é um tema de extrema importância a

ser discutido entre os educadores, tratado com clareza e naturalidade por estes com os seus

alunos e, por este motivo, precisa ser sempre aperfeiçoado em prol de um ensino de qualidade

e uma aprendizagem significativa (ANDRADE, 2011):

Contudo, acho que precisa ser mais porque eu acho que nós erramos muito nas avaliações que fazemos. Eu te falei, acho que fazer uma prova bem feita é muito difícil, é muito difícil, a gente faz coisa muito burra, desculpa a palavra, mas é muito simplório, é muito restrito e é limitante, não é para desenvolver  porque  se  numa  prova  o  cara  “ta”  aprendendo,  melhor  ainda,  de  repente, ou com dicionário, ou com uma calculdadora... Eu não sei, ou em dupla, ou seja, se eu proporciono... Se ele está ali pressionado para apresentar um resultado com perguntas restritas, o estudo para preparação dessa prova torna-se artificial e chato (ENTREVISTADA EW, 2014, p.10).

Relacionando este pensamento à terceira categoria de análise identificada,

aplicabilidade dos resultados obtidos pela avaliação/ papel e funcionalidade da avaliação,

aqui situa-se outro ponto importante para esta discussão, pois a interlocutora traz uma

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concepção alternativa da funcionalidade da avaliação em sala de aula muito interessante que

está preocupada, antes de tudo, com o desenvolvimento integral do educando (LANZ, 1986),

além de apresentar a proposta de uma metodologia diferenciada para a aplicação dos

instrumentos avaliativos tradicionais segundo os princípios que defendem (fala em nome da

escola) – categoria a ser melhor analisada mais adiante. Esta proposta de visão sobre a

avaliação compreende ainda uma necessária diferenciação entre autoridade e autoritarismo no

momento em que o professor assume o seu papel na hierarquia existente em sala de aula e que

é melhor entendida nas palavras da própria entrevistada:

Poder é péssimo, acho que não tem outra coisa pior, acho que o professor ele, dentro de uma sala de aula, ele pode ter uma autoridade, mas é uma autoridade natural, não é uma autoridade de caneta, não é um autoritarismo. Ele pode ser uma autoridade porque ele sabe trazer um conteúdo porque ele é uma pessoa interessante, no sentido de referência por valores internos, valores de conquistas, valores de transformação, valores humanos, valores de referência. A criança precisa de referenciais e o professor deve ser um referencial, então ele tem uma autoridade interna, nata, não é uma autoridade externa ou autoritarismo de caneta, ou essas coisas (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 15).

Nesta mesma categoria de análise, foi possível identificar, ainda, nos relatos

analisados, que a avaliação não tem um objetivo único; é elaborada tendo sempre em vista

metas claramente delimitadas ao início de todo ano letivo. Além disso, o acompanhamento

contínuo do desempenho apresentado pelas crianças, propiciado através da avaliação, permite

ao professor um conhecimento permanente e sempre atualizado sobre a situação de seus

alunos e subsidia a sua intervenção pedagógica em processos que apresentam dificuldades de

aprendizagem.

Especificamente no que diz respeito à dimensão da aplicabilidade dos resultados da

avaliação desta categoria de análise, faz-se necessário destacar a atuação da avaliação, nesse

sentido, como subsidiadora da intervenção pedagógica (LUCKESI, 2011) que é claramente

identificada nas seguintes palavras:

Então, eu vou interferir, eu vou proporcionar mais, vou proporcionar uma ajuda, vou chamar essa criança, vou fazer um jogo diferente, vou atendê-la de uma maneira que ela possa se apropriar desse conhecimento. Então, a avaliação é contínua e a ação para reparar ou para atender a criança também é continuada (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 3).

Questionada sobre as novas formas de avaliar que são vistas pelos professores como

tentativas de se camuflarem resultados ruins e como imposição de que se aprovem mesmo os

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“maus  alunos”,  a  entrevistada  aponta  uma  interessante  solução  para  este  dilema  no  sentido  de  

superar esta visão:

Se a avaliação for inserida dentro do processo de ensino-aprendizagem como algo natural que faça parte do dia-a-dia, algo que está inserido na sua prática [...] Então esse professor, se ele se engaja com os seus alunos, se realmente está interessado nos seus alunos, ele vai fazer isso acontecer e ele vai fazer uma educação continuada e vai fazer a criança que não está bem passar de ano,  mas  vai   fazer  com  que  ela  melhore  ou  num  momento  vai  falar  “não  dá  mais”,  ou  seja,  o  professor  precisa  estar  muito  comprometido  com  a  função  dele, extremamente comprometido com essas crianças de maneira a carregar ou não carregar por conta das condições que são possíveis e ele pode avaliar e pode conduzir (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 15; 16).

Pressupondo, ainda, que a avaliação permanece realizando-se mais como forma de

condenar o aluno do que para que se descubra em que pontos frágeis é preciso ajudá-lo, a

entrevistada afirma “eu acho que é o que acontece e também aqui dentro ele acaba

acontecendo, não sempre, mas é um perigo, é um problema que acontece bastante e a ideia é

você tentar ver onde ele está e tentar dali ajudá-lo,  ajudar  a  transformar” (ENTREVISTADA

EW, 2014, p.7; 8). Ao ser indagada sobre esta problemática, ao mesmo tempo em que

reconhece a sua existência dentro de sua própria instituição, creditando, assim, o seu relato

com uma abordagem realista e não escamoteada dos fatos, a educadora entrevistada concebe

que a intencionalidade da avaliação, segundo o formato estabelecido pela escola tendo em

vista o entendimento do para que se avalia na concepção da Pedagogia Waldorf, visa superar

sobretudo esta realidade cultural estabelecida no cenário educacional desde há muito tempo

no qual todos os alunos estão, indiscriminadamente, inseridos. Essa abordagem retrógrada da

avaliação existente na tradicional configuração das provas escolares aparece, ainda, na

entrevista sob a seguinte análise direcionada às necessidades da faixa etária que compreende a

infância:

Eu acho que essa forma de medir, então, esse desempenho compromete a qualidade da avaliação, distorce um resultado e tendencia um resultado, é completamente classificatória e eu não acho muito simpático com as crianças assim, eu acho que a gente está nivelando também de uma certa maneira. Eu entendo completamente a necessidade de ter, mas eu acho que ela teria que ser diferente por se tratar de crianças, seres em desenvolvimento, eu acho que a gente tem que ter mais respeito com ser em desenvolvimento (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 13).

Este pensamento é fundamental para esta discussão de problematização das

concepções avaliativas que ainda imperam no contexto escolar atual, cuja perspectiva ignora a

funcionalidade da avaliação na trajetória educativa dos alunos, bem como o espaço que deve

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ocupar, e o modo por meio do qual este fenômeno se dá, no processo de ensino-

aprendizagem.

A última categoria de análise, instrumentos avaliativos, é uma das que mais

aparecem na entrevista com a coordenadora dos anos iniciais do Ensino Fundamental da EW,

cuja abordagem põe em cheque, nas falas transcritas do sujeito de pesquisa, o embate entre as

práticas avaliativas classificatórias/excludentes/tradicionais e as

progressistas/formativas/qualitativas, o qual (o referido embate), como já pudemos observar

na teoria, não se delineia simplesmente num umbral maniqueísta em que o certo e o errado

são claramente separados em lados opostos, mas que essas concepções adotadas são

cotidianamente postas em prática simultaneamente em sala de aula, pelo mesmo professor,

numa mesma atividade, daí a complexidade do tema da avaliação. Neste âmbito da discussão,

a prova aparece, segundo a concepção da gestora, como o instrumento avaliativo mais

proeminente no desencadeamento desta questão, a qual se dá de maneira formal, pontual e

explicitamente reguladora do comportamento, o que os fez não optar por sua utilização em

suas turmas até o 5º ano do Ensino Fundamental.

Partindo-se dessa perspectiva, é priorizada, nesse contexto da escola-campo, a

variedade de instrumentos avaliativos aplicada especificamente para esta etapa da Educação

Básica em que foi destacado o boletim descritivo: uma compilação da análise avaliativa do

desenvolvimento de cada criança nas diversas disciplinas escolares direcionada aos pais e aos

próprios alunos. Lanz (1986) disserta especificamente sobre este instrumento avaliativo em

seu livro, e que se enquadra exatamente ao que é relatado pela entrevistada, quando fala sobre

a tendência da Pedagogia Waldorf em não avaliar por meio de números, mas sim através de

uma caracterização qualitativa, esclarecendo que

Essa atitude se manifesta principalmente nos boletins anuais em que o professor  de  classe  faz  um  relato  bastante  extenso  sobre  a  “biografia”  escolar  do aluno durante o ano, havendo, em seguida, breves caracterizações do resultado, do comportamento e do esforço, por todos os professores que deram aulas na classe em questão. O boletim é dirigido aos pais, e estes têm, através dele, uma imagem fiel de seu filho (LANZ, 1986, p. 91).

Este cenário reverte-se, contudo, pela própria linha de raciocínio que norteia os

ideais educacionais da equipe gestora da escola, nos anos finais do Ensino Fundamental e no

Ensino Médio, nos quais passam a serem pregadas provas formais e tradicionais, simulados e

testes baseados nos modelos estipulados pelos processos seletivos para ingresso no Ensino

Superior como podemos comprovar nas palavras da coordenadora:

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[...] a gente não faz prova para os pequenos, então até o quarto ano a gente não tem avaliação formal, mas a gente tem ditado, a gente tem ditado de números, a gente tem contas que eles fazem que a gente acompanha, que a gente vê fazer, a gente está o tempo inteiro com eles… Lição de casa, né? [...] mas nós estamos tendendo cada vez mais a entrar na maré do que o mundo está pedindo aí fora. Está certo por um lado? Está certo porque ele vai fazer vestibular, a gente precisa preparar, então a partir do 5º, 6º ano tem provas, começa a ter nota, blábláblá e o colegial vai fazer prova como todas as outras escolas para se preparar para fazer múltipla escolha, para preparar para fazer isso, para fazer aquilo, para fazer aquilo outro12 (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 3;7).

A própria fala da voluntária nos remete a uma análise sobre o sentido da avaliação,

empobrecido ao ser restringido ou até mesmo totalmente deturpado para a simples e mera

preparação para o vestibular. A educadora chega até mesmo a reconhecer, em seu

depoimento, a adoção desta concepção na prática da escola a partir dos anos finais do Ensino

Fundamental, ao mesmo tempo em que critica esta realidade, revelando um posicionamento

maduro e consciente acerca da complexidade que envolve a aplicabilidade da avaliação em

uma sala de aula. Essa perspectiva pragmática e utilitarista da avaliação já discutida por

Giusti & Lopes, (2007) se estende não apenas ao ingresso ao Ensino Superior, um dos canais

mais visados pela formação escolar, mas também ao mercado de trabalho, cuja vertente é

assumida prioritariamente pela Educação Profissionalizante, mas essa segunda categoria não

foi comentada pela entrevistada e que, naturalmente, não foi mencionada para não induzi-la a

um encaminhamento artificial da entrevista, desrespeitando a metodologia adotada e fugindo,

assim, do foco da pesquisa, o que revela uma particularidade da EW bastante encontrada em

muitas escolas particulares, descaracterizando-a, neste aspecto, como uma escola alternativa

conforme, inicialmente, suposto no momento de escolhê-la como campo de investigação.

A continuidade do excerto demonstra ainda o entendimento de que esta redenção às

demandas externas não é, todavia, passivelmente aceita pela coordenadora, revelando-se

desconfortável às imposições do sistema às quais estão submetidos, justificando, inclusive, os

casos de dificuldades existentes entre seus alunos frente aos modelos avaliativos empregados

pelos processos seletivos, o que é devido, justamente, a maior diversidade de instrumentos

12 Esta fala da entrevistada é um perfeito reflexo da seção do capítulo bibliográfico que discorre sobre os fundamentos da Pedagogia Waldorf de Rudolph Steiner segundo a visão de Lanz (1986), em que, mesmo na atualidade, a educadora adepta ao sistema educativo reproduz o pensamento de seu precursor: ensino geral voltado aos anos iniciais e com maior diversidade de práticas avaliativas, e ensino de especialização - vestibular e preparo profissional - com maior foco nos instrumentos avaliativos tradicionais (provas e testes) nos anos finais da escolarização.

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com os quais estão acostumados a trabalhar em sua escola, ainda que mais extintos nos anos

finais da escolarização:

Então a gente vai entrar nisso para preparar o aluno, está certo, agora eu sinto que toda a vez que a gente entra com uma prova assim formal é difícil fazer uma avaliação bem feita, é muito difícil fazer uma avaliação bem feita, uma correção bem feita, a não ser que seja múltipla escolha e faz aquela coisa lá e acabou, que eu acho que agrega muito pouco, mas uma avaliação ela precisa…   construir   né,   fazer, realizar, formatar uma boa avaliação, depois uma boa correção e eu acho que quando a gente vai para avaliações que restringem, a gente está perdendo muitas qualidades dos alunos, muitas qualidades individuais, muitas potencialidades, está uniformizando, padronizando, passando a régua e passa a régua por baixo né, a gente passa a régua abaixo da média mais interessante e restringe [...] Então os alunos daqui muitas vezes vão fazer provas lá fora e eles se dão mal porque escrevem um monte e escrevem o que é interessante e o que poderia ser mais um adendo, ou seja, eles são criativos e querem trazer uma diversidade ao conteúdo e não se restringem muitas vezes ao que é perguntado que é muito raso muitas vezes. Então a gente entra muito na maré porque é o que o mundo está pedindo,   é   o   que   o   vestibular   pede,   o   ENEM,   “papapi”,  “papapá”…  Então  a  gente  acaba  entrando  nisso  também  (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 7).

Outra fala ilustra este panorama de mudança dos instrumentos avaliativos de acordo

com a modalidade de ensino e a demanda externa presente em cada uma delas descrito pela

educadora, corroborando definitivamente, assim, o seu posicionamento diante desta questão:

A avaliação começa sem nada de avaliação e devagar a gente vai introduzindo ele nesse mundo como ele é. Mesmo assim [...] a gente preza muito formas de avaliação que não sejam essas tradicionais, muito, muito, muito, muito... Se não tivesse vestibular com esse formato, a gente faria mais diferente ainda do que a gente já faz porque eu não acho isso de valia assim para avaliar um ser humano, talvez seja o mais prático, o mais rápido que se encontrou até agora, eu compreendo isso [...] (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 9).

Ao ser indagada, ainda, sobre qual a metodologia avaliativa utilizada pela Pedagogia

Waldorf, se há um formato padrão utilizado pelas escolas ou cada instituição tem a liberdade

de particularizar as suas práticas avaliativas, se há instrumentos determinados por uma

política interna e, sem sim, quais seriam eles pressupondo-se que a tradicional prova, que se

faz periodicamente, seria condenável neste contexto, a entrevistada respondeu:

Eu acho que ela tem um papel, mas como um dos instrumentos de avaliação, não o instrumento, mas um dos instrumentos de avaliação, ela tem a sua função. O problema é que muitas vezes ela é o único, mas se ela é um dos e se a minha criança pequena não está sofrendo com isso eu acho que não tem, não é um problema, mas ela não pode ser o único. Se ela é o único, aí eu acho que ela não tem qualidade, mas como um todo, eu acho que não está errado desde que as crianças não estejam sofrendo, por isso que com os pequenos a

51

gente não faz porque acaba tendo uma conotação muito de ter um resultado que ela tem que apresentar e que muitos não estão em condições ainda. Isso marca, isso traz traumas, resultados... Não gosta daí da escola, não gosta do professor, não vai bem, não consegue e fica rotulado, você fica com aquele rótulo  “não  sei  fazer  matemática”  que  não  é  verdade,  todo  mundo  sabe  fazer  matemática de uma ou de outra maneira [...] Tem o boletim que todo professor escreve sobre seu aluno e para os alunos a gente dá também um impresso. A escola também não está presa a um modelo da Pedagogia Waldorf,  o  professor  pode  falar  “olha,  eu  acho  que  a  minha  classe  precisa  de  uma avaliação, eles estão se achando, estão não sei o que, não estão dando atenção, eu vou colocar todo mundo numa avaliação para que eles percebam um  pouco  como  eles  estão”  (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 11;12).

Essa variedade de instrumentos avaliativos valorizada pela entrevistada é igualmente

perceptível na visão de Lanz (1986) no momento em que explica que:

[...] as escolas Waldorf não se baseiam em provas, testes, sabatinas e exames em que a matéria já é preparada de forma a servir facilmente para fins estatísticos. Elas julgam todos os fatores que permitem avaliar a personalidade do aluno, e que seriam: o trabalho escrito, a aplicação, a forma, a fantasia, a riqueza de pensamentos, a estrutura lógica, o estilo, a ortografia, e, além disso, obviamente, os conhecimentos reais. Mas o julgamento geral sobre o aluno levará em conta o esforço real que fez (ou não fez) para alcançar tal resultado, seu comportamento, seu espírito social (LANZ, 1986, p.91).

A análise feita pela coordenadora apresenta, desta forma, uma defesa por uma

concepção de avaliação crítica (WACHOWICS, 2005) ao instrumento formal da prova, mas

também ao conceber que a Escola  Waldorf  “peca”  ao  não  avaliar  para  os  pais  quando  diz  “Eu  

acho que a Escola Waldorf peca as vezes um pouco por não trazer suficientes avaliações,

resultados de avaliações para os pais e eles se enchem de ansiedade, então isso é um

problema” (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 6). Esta consideração pode ter suas raízes na

concepção que Lanz (1986), como estudioso da Pedagogia Waldorf, já dispunha sobre a

importância da participação dos pais no trabalho da escola, e talvez seja exatamente por isto

que entrevistada sinta esta necessidade de dar um retorno aos pais de tudo que é feito com os

alunos através da avaliação, ou seja, por compartilhar do mesmo entendimento, tão bem

descrito pelo autor, de que:

Todo esforço da pedagogia Waldorf na escola seria vão se não fosse apoiado pelos pais dos alunos, isto é, no lar. Nada mais prejudicial do que a existência de duas escalas diferentes de valores, de uma falta de unidade na educação. Por esse motivo, o contato entre a escola e o lar é uma preocupação constante (LANZ, 1986. p. 105).

52

Cabe   a   esta   análise   o   papel   de   ponderar   até   que   ponto   este   “avaliar   para   os   pais”  

seria benéfico, uma vez que é irrefutável, no cenário educacional, a representação deste

público também como uma demanda externa e aí pode-se-á estar avaliando não pelo

desenvolvimento do aluno, mas pela transformação da avaliação em resultados oficiais a

serem apresentados aos responsáveis. Este fenômeno seria supostamente compreensível, uma

vez que a lógica da avaliação tradicional, que quantifica o desempenho como demanda

externa, está incrustrada em nossa sociedade, é ideologicamente aceita e aparece inclusive nas

palavras da própria entrevistada na seguinte passagem em que aproveita para explicar a

preocupação deles em manter os pais a par da avaliação que é feita de seus filhos:

Eu acho que a gente sempre tem mudanças porque as crianças são outras, os pais   tem  demandas  diferentes,  o  mundo  tem… Gerações  diferentes…  Então  tudo isso muda e a gente também muda, tanto que temos feito mais avaliações, mais devolutivas para os pais que demonstram uma ansiedade em relação a saber como seu filho está, como ele se desenvolveu, então a gente tem feito mais avaliações formais para os pais, para que eles se sintam mais tranquilos em relação ao processo (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 4).

A dimensão quantitativa da avaliação tradicional mencionada e que é combatida pela

Pedagogia Waldorf também é discutida por Lanz (1986), corroborando o argumento

anteriormente explanado:

Nas escolas tradicionais, o rendimento de cada aluno em cada matéria é quantificado e comparado com um ideal que não existe na prática. O quoeficiente dessa divisão consitui sua nota, a qual decide sobre sua vida escolar, isto é, sobre concessão ou não-concessão de diplomas, sobre aceitação ou não-aceitação do aluno para determinados estudos e profissões. Sistema tão arraigado que ninguém questiona sua lógica nem emite dúvidas a respeito (LANZ, 1986, p. 91).

Outra preocupação apresentada pela educadora diz respeito à valorização do

conhecimento espontâneo trazido pelos alunos no momento da avaliação (daí a importância

da diversificação de instrumentos para viabilizar o despertar dessa pluridade de contribuições,

dada à heterogeneidade de toda e qualquer turma) pelo fato de acreditar que o professor

muitas vezes  “entra  bitolado  em  sala  de  aula,  mas  os  alunos  tem  uma  riqueza  muito  maior.  A  

gente  tem  só  a  aprender  com  eles”(ENTREVISTADA EW, 2014, p.14). A ideia que se pode

depreender desta fala é realizar o ensino exatamente a partir dessa valorização em busca do

grande potencial da avaliação que é proporcionar ao professor um conhecimento profícuo e

aprofundado de seus alunos.

53

Desta forma, a constatação da entrevistada para esta categoria de análise dos

instrumentos de avaliação revela, em suma, uma realidade que a instituição na qual atua vem

buscando superar ao longo dos anos de sua existência, através dos princípios defendidos pela

filosofia antroposófica, que é a de que as práticas pedagógicas e avaliativas, nas escolas em

geral, ainda se encontram impregnadas de características da avaliação tradicional,

classificatória e seletiva. Este dado confirma mais uma vez a atual situação enfrentada pelos

educadores e pesquisadores na tentativa de problematizar essas práticas escamoteadoras de

uma realidade perversa que se perpetua no discurso do sistema, mas que amplifica a crise da

má qualidade na educação, na qual a avaliação externa é um indicador, em outra dimensão da

análise, para aprofundar um olhar que busque respostas do funcionamento do sistema sobre a

postura reproduzida pelos professores em sala de aula, ou então sobre o que a ausência dessas

respostas pode significar para a compreensão dessa problemática no cenário educacional.

54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se, ao final deste trabalho, que a compilação dos fundamentos educativos

trazidos pela Pedagogia Waldorf foram essenciais, sobretudo, na sistematização dos eixos

norteadores da pesquisa que se referem à visão integral sobre o ser humano no papel de

educando e consequentemente sobre aquilo que ele apresenta para ser avaliado pelo professor.

Este entendimento, vasto e amplo num primeito momento, tem várias implicações na

realidade da sala de aula para que se torne possível no campo da educação e, mais

especificamente, da avaliação da aprendizagem.

Sendo o aluno este ser em desenvolvimento tão complexo e uno, ou seja, que assume

vários papeis sociais ao mesmo tempo, os quais são trazidos para a escola, entende-se que a

avaliação deve abarcar todas as competências e capacidades que apresenta em todas as esferas

e não apenas aquelas típicas do âmbito escolar. Esta noção de integralidade definida pela

Pedagogia Waldorf é o que permite a construção de uma educação que acompanha a

formação da criança e, consequentemente, atribui qualidade ao processo avaliativo.

A variabilidade de instrumentos avaliativos e a autonomia concedida ao professor,

propostas defendidas pela Pedagogia Waldorf, são, desta forma, elementos fundantes que

fazem parte deste rol de implicações, os quais remetem a reflexões conclusivas cruciais a este

trabalho pelo potencial que apresentam no combate às fragilidades do processo avaliativo da

escola de uma forma geral.

Ficou claramente evidente, ao longo da pesquisa realizada, que há, dentre as práticas

analisadas e pela literatura estudada, uma forte tendência à burocratização do ensino,

inclusive pela questão dos instrumentos avaliativos utilizados, em que se preocupa muito em

“correr  com  a  matéria”  para  dar  conta  dos  conteúdos  a  serem cobrados na prova - avaliação

não formativa e sim, somativa (WACHOWICS, 2005). Há a exigência, de acordo com a

análise teórica feita sobre o panorama geral do sistema de ensino das escolas, de um

comprometimento com as aulas por conta da existência de uma prova, como se este

comportamento se deva dar só em função de uma prova ao final do processo de ensino-

aprendizagem. Isso é uma concepção naturalizada de avaliação que precisa ser

problematizada, cabendo-se discutir se é este o sentido da avaliação, como aqui se pretendeu

fazer. Este pensamento exemplifica-se bem nas palavras da entrevistada:

[...] eu acho que ela tem o seu papel, tem a sua contribuição, mas ela precisa ser bem empregada e bem pensada porque nem prova é fácil de aplicar, fazer. Então tem que ser muito bem feito, muito bem pensado e aí cada escola, as

55

escolas tem uma certa autonomia, a direção, o corpo pedagógico pensa um pouco, discute, mas é muito esse papel de estar discutindo e conversando sobre   o   assunto   nas   suas   reuniões   como   fazer,   “vamos   fazer   mais,   vamos  fazer menos, estamos indo bem,  estamos   indo  mal”,  ou  seja,  a  avaliação  da  situaçao da escola e se der, fazer mais ou menos, como também cada professor  tem  um  pouco  essa  autonomia,“minha  classe  está  traumatizada,  está  péssima em negócio de prova, não vou fazer por enquanto, vou fazer outras maneiras, ditado, a gente vai brincar, vamos fazer aqueles negócios de taboadas...”   [...]   Então   ele   justifica   o   porquê   ele   está   fazendo   isso,   mostra  para  os  pais  “vou  fazer   isso  por  causa  disso,  disso  e  disso  ou  não  vou  fazer  esse  ano”,  é  de  acordo  com as necessidades do grupo. Ele tem essa autonomia desde que ele saiba justificar, não é que cai do céu e por isso que a avaliação deve ser flexível, sempre flexível e cada escola tem a sua maneira, cada escola tem essa autonomia e cada classe, cada professor também tem (ENTREVISTADA EW, 2014, p. 12).

A visão da entrevistada, que se coaduna à desta pesquisa neste aspecto, põe em jogo,

como questão crucial deste debate, aquilo que realmente deva ser avaliado em sala de aula, o

objeto para o qual a avaliação deva-se voltar, a depender das necessidades de cada turma,

pensando-se em transformar a avaliação da aprendizagem em uma avaliação para a

aprendizagem, ao mesmo tempo em que propõe uma forma para alcançar esta mudança de

pensamento através de uma relação mais profícua entre avaliação da aprendizagem e

avaliação institucional (dimensões interligadas), além de contar com a autonomia do

professor (VEIGA, 2004). Tudo isso implica numa mudança de cultura escolar e no modo

como o professor concebe a produção do conhecimento, o seu processo e o seu resultado

(ambos são igualmente importantes porque constituem um ciclo), isto é, o professor precisa

avaliar, assim, para que o aluno aprenda. Isso permite, por sua vez, elaborar a avaliação

diagnóstica que possibilita o crescimento do aluno, remetendo-se novamente à ideia de ciclo

(ALMEIDA, 2008).

Infelizmente, a escola ainda delega ao professor responsabilidades que não são dele,

mas que competem, a um trabalho profícuo, integrado e resultado da relação comprometida

entre professores, equipe gestora e família (responsáveis)/comunidade escolar com o

progresso dos alunos. A proposta de solução para este processo desajustado da dimensão

institucional do sistema de ensino é problematizar a questão da organização do regimento

escolar, tirando a sobrecarga de responsabilidades sobre o professor para que este exerça o seu

papel como docente mais livremente, criando um sistema de equilíbrio de responsabilidades

entre professor, equipe gestora institucional e rede de ensino.

Esse acúmulo de funções sociais na escola e no professor, que faz com que o docente

se sinta saturado nesse processo de pressão social, vem gerando, segundo os resultados

obtidos pela entrevista e pelas contribuições da Pedagogia Waldorf, uma distorção da

56

avaliação para a aprendizagem no contexto escolar e aí está a importância, portanto, da

variedade de instrumentos para uma avaliação justa e fidedigna aos princípios aqui

defendidos, valorizando e potencializando as diferentes capacidades dos alunos que os coloca

no mesmo patamar de sujeito em formação, para além de respeitar os diferentes tempos de

aprendizagem das crianças: escrita; seminário (capacidade de disposição, organização das

ideias, oralidade), trabalho em grupo (iniciativa, organização, liderança, lidar com a

diferença); estudo com o meio (aluno pesquisador, interação direta com o meio), entre outros.

É este o quadro configurado pelas análises feitas, pelas contribuições dos autores

citados e pelas conclusões tiradas através da interpretação dos dados coletados da entrevista

realizada, buscando entender como as práticas pedagógicas tem sido engendradas em termos

de avaliação.

Crê-se que esta estratégia de problematização na discussão sobre a avaliação da

aprendizagem trará ainda mais elementos para que se possa potencializar, por um lado, as

discussões sobre o currículo da formação de professores e o potencial de formação existente

no período de desenvolvimento dos estágios, e por outro, a discussão em favor de um futuro

questionamento sobre propostas pedagógicas que visam o sucesso de seus alunos e não a

sobrevivência do sistema.

57

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62

APÊNDICE A –TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA

EU: Por que acreditam que as famílias procuram a escola Waldorf para matricular seus

filhos? A que público a escola atende? Qual o perfil predominante?

ENTREVISTADO: Então, são diversos públicos. Você tem uma vez um público que

conhece a Pedagogia Waldorf, conhece a antroposofia, então um público simpatizante, talvez

até ex-alunos, nós temos muitos ex-alunos já que procuram a Pedagogia Waldorf, isso é um

grupo. Mas você tem um outro grupo grande, um crescente grupo que são as pessoas que

estão insatisfeitas com as escolas ditas tradicionais. Então eles veem que a criança está

aprendendo para realizar um vestibular ou para o ENEM ou para ser um empresário ou para

trabalhar no mercado financeiro e compreendem que não é um desenvolvimento de um ser

humano, mas é um treinamento de um ser humano para um objetivo de realizar uma avaliação

na qual ele seja bem-sucedido e que ele chega ao mercado de trabalho. Então, as pessoas

insatisfeitas com essa metodologia, elas procuram algo diferente que possa desenvolver um

ser humano integral, o ser humano como um todo e não apenas essa qualidade que é um dia

resolver satisfatoriamente uma prova de aptidão de vestibular. Então esse é um grupo grande.

Tem também mais um grupo que são as crianças que não se dão bem nas outras escolas.

Então esse também é um grupo que a gente vê que tem umas crianças com dificuldades sérias

e que precisamos ajudar, mas tem crianças que não se adaptam ou também muitas que, com

essa nova lei que as crianças precisam estar no primeiro ano com seis anos, muitas cranças

não suportam isso e elas acabam vindo para cá bastante entristecidas ou bastante estressadas e

com essa metodologia elas conseguem então se desenvolver e a gente vê que são

absolutamente normais, não tem problema nenhum, só que entraram num estado de stress e de

paralisia. Então também tem esse grupo de pessoas.

EU: Qual a concepção de avaliação, em que momentos ela aparece e quais os efeitos

pretendidos através dela segundo os princípios educacionais que defendem?

ENTREVISTADO: Então, a avaliação eu acho que ela é diária, contínua e incessante. Só que

ela não é uma avaliação formal, ela até chega a ser formal, mas essa avaliação contínua é o

acompanhamento desse aluno. Então a primeira coisa que eu acho que é mais importante para

nós é que não tem um objetivo único. Então eu não tenho uma padronização que todos os

alunos precisam realizar certa atividade até o dia 20 de dezembro. Então eu não tenho essa

63

estipulação rígida, não tenho esse prazo rígido. Certamente eu tenho um prazo, mas esse meu

prazo varia conforme minha avaliação, ou seja, minha avaliação é flexível também de acordo

com a criança, de acordo com cada tipo de criança, ritmo de aprendizagem, tempo de

aprendizagem, tipo de criança, capacidades da criança. Uma criança que em matemática é

excelente, dessa eu vou exigir mais. Uma criança que na linguagem tem dificuldades, vou

amparar, vou exigir menos em termos assim de resultados. Então ela é muito individual, não

tem um prazo e ela é variável. O que ajuda muito é ter um professor que segue a criança.

Então a gente tem um professor de classe que segue a criança. Então esse professor de classe,

como ele conhece muito bem a criança, ele sabe todo dia se a criança está bem, se a criança

não está bem, se conquistou alguma coisinha a mais ou se está há um mês sem conquistar

nada e aí precisa sim ser tomada alguma atitude, se está há um semestre sem conquistas ou

conquista todo dia um grãozinho de areia, está bom, não vai chegar à meta que eu imaginaria,

mas está todo dia conquistando alguma coisa e está chegando, partindo de uma heteronomia e

está indo em direção a uma autonomia. Então isso para nós é muito importante.

EU: O que fazem com os resultados obtidos através da avaliação, como é feito esse ato de

auferir o desempenho escolar do aluno? Como encaixam a avaliação no processo de ensino-

aprendizagem? Qual a sua relação com o exercício do planejamento? Defendem algum

modelo?

ENTREVISTADO: Então, a gente tem um modelo, a gente tem uma meta, a gente quer

chegar a algum objetivo naquele semestre ou no ano, enfim, essas metas estão bastante claras.

Existe uma avaliação formal, por exemplo, todo final do ano há um boletim descritivo, ou

seja, eu descrevo o desenvolvimento desta criança na matemática, na linguagem, no social, no

grupal,  no  ritmico,  na  música,  ou  seja,  em  todos  os  seus…No  seu  desenvolvimento  ela  recebe  

um  processo…  Uma  descrição  que  os  pais  recebem.  Existem  também sempre o processo de

é…  O   trabalho   com  os  pais,  ou  seja,  durante  o   ano,  pelo  menos  duas,   três  vezes,  para  uma  

criança que está se desenvolvendo bem, nós temos contato com esses pais e passamos,

conversamos e dizemos para eles o que está acontecendo, esteja ela indo muito bem ou muito

mal, a gente sempre está trabalhando com os pais e contando o que está acontecendo. A

criança, a gente quer que ela atinja um objetivo e ela, como eu disse, ela é avaliada

constantemente, todo dia eu sei o que está acontecendo e se não está acontecendo nada eu

certamente vou atender essa criança imediatamente. Então, num mês que não conseguiu, no

processo de alfabetização, não conseguiu perceber a letra, não conseguiu perceber o fonema e

64

não está conseguindo juntar, silabar, por exemplo e eu achei que já deveria estar silabando e

não   está   silabando…  Então,   eu   vou   interferir,   eu   vou   proporcionar  mais,   vou   proporcionar  

uma ajuda, vou chamar essa criança, vou fazer um jogo diferente, vou atendê-la de uma

maneira que ela possa se apropriar desse conhecimento. Então, a avaliação é contínua e a ação

para reparar ou para atender a criança também é continuada.

EU: Sempre se entendeu que avaliar o aluno era verificar o quanto ele havia assimilado do

conteúdo a ele passado pelo professor. O que consideram que possa ter feito com que os

educadores repensassem essa forma de avaliar até chegarmos às novas concepções de

avaliação que temos hoje? A escola Waldorf passou, ao longo do tempo, por algum tipo de

transformação de suas concepções (e seus consequentes reflexos na prática) avaliativas? Se

sim, quais e por quê?

ENTREVISTADO: É, o quanto um aluno aprendeu né Victor é tão relativo isso né, é tão

difícil quantificar e é por isso que a gente não quantifica. Uma pergunta pode ter tantas

respostas e a gente tenta ter muito cuidado com isso, que não seja uma maneira de avaliar que

rotule e que feche. Então eu vou fazer uma, não vou dizer que é uma prova porque a gente não

faz prova para os pequenos, então até o quarto ano a gente não tem avaliação formal, mas a

gente tem ditado, a gente tem ditado de números, a gente tem contas que eles fazem que a

gente  acompanha,  que  a  gente  vê  fazer,  a  gente  está  o  tempo  inteiro  com  eles  …Lição  de  casa,  

né? Então, não tem assim uma maneira formal, mas a gente está sempre vendo o que eles

estão fazendo e nós estamos sempre indagando, fazendo perguntas, fazendo perguntas da

matéria, do que foi realizado, do que foi feito e sempre existem respostas diferentes. Por

exemplo,  vou  te  dar  um  exemplo:  eu  não  coloco  “dois  mais  dois”  é  o  quê  porque  só  tem  uma  

resposta.  Eu  coloco  “quatro  é   igual  ao  que?  E  aí  ele  vai   falar  “três  mais  um”,  “vinte  menos  

dezesseis”,  “cem  menos  noventa  e  seis”,  enfim,  você  vê,  a  possibilidade  de  respostas  é  muito  

maior   do   que   “dois   mais   dois”, é muito restrito, absurdamente restrito. Então, a gente

proporciona que esse aprendizado seja muito mais amplo e não seja se uma resposta, seja de

várias  possibilidades  e  de  abordagens.  Então  uma  criança  consegue  ver  “só  isso”,  uma  criança  

consegue  ver  “um  monte”,  uma  criança  só  vai  fazer  “dois  mais  dois”,  “quatro”  é  “dois  mais  

dois”,  é  o  que  ela  consegue  nesse  momento,  ela  não  pode  passar  um  ano  fazendo  isso,  mas  e  o  

outro  falou  que  é  “cem  menos  noventa  e  seis”,  é  que  ele   já  deu  um  passo   imenso  e  eu  vou  

tentar  alimentar  esses  dois  de  maneiras  diferentes.  Mas  se  a  gente  teve  mudanças…  Eu  acho  

que a gente sempre tem mudanças porque as crianças são outras, os pais tem demandas

65

diferentes,   o   mundo   tem…Gerações   diferentes…   Então   tudo   isso   muda   e   a   gente   também

muda, tanto que temos feito mais avaliações, mais devolutivas para os pais que demonstram

uma ansiedade em relação a saber como seu filho está, como ele se desenvolveu, então a

gente tem feito mais avaliações formais para os pais, para que eles se sintam mais tranquilos

em relação ao processo. Mas eles também sabem que para uma criança está muito bom se ela

faz  “dois  mais  dois”  e  para  outra  criança  que  fez  “dez  menos  seis”,  poderia  ter  feito  mais  e  eu  

vou  encher  a  paciência  desse  que  fez  “dez  menos  seis”, eu  vou  falar  “Victor,  você  sabe,  me  

faz  mais  uma  vez,  faz  mais  um  outros  que  eu  quero,  eu  quero  mais  um  ‘quatro  é  o  quê’,  me  dá  

mais   uma   ideia   aí”   porque   você   sabe   que   a   criança   tem   outras   condições,   mas   porque   eu  

conheço. Então mudamos, mudamos acho que precisamos sempre. A ideia que uma pergunta

não tem só uma resposta correta eu acho que isso é algo que cada vez mais a gente tem

trabalhado com essa possibilidade de um diálogo maior com o aluno. Então uma resposta

entranha, mas da onde você tirou isso? Como é que você vê isso? Quer dizer, tentar perseguir

o  caminho  que  essa  criança  está  fazendo…  A  lógica  de  pensamento,  o  caminho,  que  estrutura  

ele usou, da onde ele partiu, onde ele está chegando, onde ele está, onde você está menino,

deixa eu descobrir onde você está para eu poder te ajudar, não sei onde você foi parar, mas me

conta. Então esse diálogo, esse interpessoal professor-aluno precisa estar bem respaldado,

ancorado para que a gente possa ajudar e mostrar não olha, ele pensou dessa maneira, olha

que legal ou alguém entendeu o que que ele está dizendo, alguém pode ajudar? Ah eu entendi

professora,   ele   está   dizendo   isso,   isso   e   isso   porque…  Ah,   entendi,   estou   conseguindo   né  

porque   a   gente   como  professor   é   “dois  mais   dois   é   o   quê?”  A   gente   só   tem  o   “quatro”   na  

cabeça, não tem outra coisa, entra bitolado em sala de aula, mas os alunos tem uma riqueza

muito maior.A gente tem só a aprender com eles.

EU: Quais as relações entre a filosofia antroposófica e as práticas avaliativas adotadas pela

Pedagogia Waldorf?

ENTREVISTADO: Eu  acho  que  sempre  é…  A  gente  pode  aproveitar  de  todas  as  filosofias  

né, todas as linhas pedagógicas sempre tem algo a contribuir e eu acho que a Pedagogia

Waldorf também tem algo a contribuir. A Pedagogia Waldorf, ela passa por uma visão do ser

humano. Então ela tem, muito forte que nos norteia, é uma visão de ser humano que está

ligada à antroposofia. Então todo professor que trabalha aqui, ele tem uma concepção de ser

humano, do que que é constituído o ser humano, ao que ele veio, ao que ele se presta, pra

onde ele vai, ou seja, algumas perguntas assim esses professores se colocam na sua formação

66

e chegam então a uma visão do que consiste esse ser humano e ao que ele se presta na Terra,

qual é a nossa utilidade. Então isso é o que nos…Então  essa  visão  do  ser  humano  né,  isso  é  

importante para esse professor que está ligado a essa ideia antroposófica, mas a partir daí a

Pedagogia Waldorf trabalha com práticas que atuam muito nesse desenvolvimento dessa

criança de uma maneira adequada a cada faixa etária e que desenvolva a criança nesse

panorama integral, ou seja, uma parte intelectual, que a gente acha super importante, uma

parte mais psíquica, mais ligada ao sentimento e uma parte mais da atividade, ou seja, do

atuar, do fazer. Então esse três âmbitos são sempre levados em consideração em cada aula, em

cada momento que todos passam por todos esses âmbitos do ser humano, que ele não é só

exigido intelectualmente, mas ele também é exigido no seu fazer, na sua corporalidade e

também é solicitado no seu sentir, na sua psique, isso também sempre é abordado. Então isso

eu  acho  que  é  algo  que…  E  a  nossa  avaliação  ela  passa  por  aí  também,  você  entendeu?  Então  

ele   está   indo   bem   na   matemática?   Está   indo   bem   na   matemática…   Como   ele   lida   com   o  

social, como ele lida com o respirar com os seus amigos, como ele lida com a prática com

seus  amigos,  como  ele  recebe  as  histórias,  as  narrativas  que  eu  trago?  Então  tem  um  lado…  

Como ele se motiva, no que que ele consegue se motivar com conteúdo, ele consegue se

envolver com a matéria ou ele está apático e não presta atenção, não está nem um pouco

interessado? Então tem algo também do sentimento que está tomando né. E o terceiro âmbito

é o fazer, como é que ele está? Ele está trabalhando? Ele realiza o trabalho? Ele faz um bonito

caderno?   Ele   faz   um   desenho?   É   colorido   ou   é   banco   e   preto   ou…   Ele   capricha   ou   é  

deslexado,  ou  seja,  isso  tudo  passa  por  uma  avaliação  nossa.  Então  não  é  só  ele  faz  “dois  mais  

dois”,  é  uma  das  muitas  possibilidades,  mas  todo  ele  é  visto  como um ser humano, inclusive

físico, ele está se desenvolvendo fisicamente? Ele está crescendo? Ele está colorindo? Ele está

tendo habilidades motoras ou ele está absolutamente restrito? Então é visto integralmente e

não só por suas capacidades cognitivas, não só como papel de aluno. Ele ajuda seus colegas?

Ele ajuda a limpar a classe? Ele se ativa pra isso se eu me ativo? Ele trabalha na jardinagem?

Ele ajuda o aluno que derrubou tudo no chão? Como ele lida com as outras práticas da vida

…Personalidades.   No que ele desponta? Ah ele desponta na matemática. Não, ele

absolutamente  quando  vai  na   jardinagem,  ele   trabalha…  Isso,  mas   isso   tem  valor  pra  gente.  

Uma criança que trabalha muito no jardim tem um valor tão grande quanto o sujeito que faz

muito bem a matemática, não é menos. Ele tem essa aptidão e por aí eu posso entrar pra fazer

muitas  outras  coisas…  Vamos  fazer  conta  aqui  no  jardim…  Quantas  cenouras  tal,  se  eu  dou  

metade pro Victor, metade pra mim, como é que vai ficar, ou seja, a partir do que ele tem já

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como uma característica, um perfil psicológico, um perfil também de aptidão pessoal que a

gente procura explorar.

EU: Segundo a perspectiva da escola Waldorf, em que a escola "peca" ao avaliar seus alunos,

hoje?

ENTREVISTADO: Eu acho queEscolaWaldorfpecaas vezes um pouco por não trazer

suficientes avaliações, resultados de avaliações para os pais e eles se enchem de ansiedade,

então isso é um problema. Os alunos entre si, eles não tem essa cultura até o 5º, 6º ano. Então

dentro de sala de aula eles não tem essa preocupação porque eles sabem e a gente mostra no

que eles são bons e a gente mostra, inclusive, isso é uma coisa social. Então veja lá olha o

Victor, ajude o Victor na matemática porque está difícil, então o colega vai lá, mas sabe que o

Victor,  quando  ele  desenha…  Olha,  ninguém  desenha  igual.  Então,  também  é  uma  coisa  que  

socialmente é interessante lidar com essa diversidade e mostra que as pessoas são diferentes,

mesmo assim tem valores indescritíveis. Então entre os alunos não tem essa ansiedade, nos

professores a gente sabe tanto deles que a gente não tem essa ansiedade, mas eu acho que a

gente peca como professor é falta de avaliação para os pais, para a gente a gente sabe onde

eles estão, mas nós estamos tendendo cada vez mais a entrar na maré do que o mundo está

pedindo aí fora. Está certo por um lado? Está certo porque ele vai fazer vestibular, a gente

precisa preparar, então a partir do 5º, 6º ano tem provas, começa a ter nota, blábláblá e o

colegial vai fazer prova como todas as outras escolas para se preparar para fazer multipla

escolha, pra preparar para fazer isso, para fazer aquilo, para fazer aquilo outro. Então a gente

vai entrar nisso para preparar o aluno, está certo, agora eu sinto que toda a vez que a gente

entra com uma prova assim formal é difícil fazer uma avaliação bem feita, é muito difícil

fazer uma avaliação bem feita, uma correção bem feita, a não ser que seja múltipla escolha e

faz aquela coisa lá e acabou, que eu acho que agrega muito pouco, mas uma avaliação ela

precisa…  construir  né,  fazer,  realizar,  formatar  uma  boa  avaliação,  depois  uma  boa  correção  e  

eu acho que toda a gente vai para avaliações que restringem, a gente está perdendo muitas

qualidades dos alunos, muitas qualidades individuais, muitas potencialidades, está

uniformizando, padronizando, passando a régua e passa a régua por baixo né, a gente passa a

régua abaixo da média mais interessante e restringe. Então os alunos daqui muitas vezes vão

fazer provas lá fora e eles se dão mal porque escrevem um monte e escrevem o que é

interessante e o que poderia ser mais um adendo, ou seja, eles são criativos e querem trazer

uma diversidade ao conteúdo e não se restringem muitas vezes ao que é perguntado que é

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muito raso muitas vezes. Então a gente entra muito na maré porque é o que o mundo está

pedindo,  é  o  que  o  vestibular  pede,  o  ENEM,  papapi,  papapá…  Então  a  gente  acaba  entrando  

nisso também.

EU: Nos três níveis de ensino (fundamental, médio e superior), a avaliação ainda se realiza

mais como forma de condenar o aluno do que para que se descubra em que pontos frágeis é

preciso ajudá-lo, não? Para que se avalia, afinal na concepção da Pedagogia Waldorf? (qual a

intencionalidade da avaliação segundo o formato estabelecido pela escola, para que ela serve

na trajetória educativa dos alunos e que espaço deve ocupar no processo de ensino-

aprendizagem, e como?)

ENTREVISTADO: Eu concordo com esse pensamento, eu acho que é o que acontece e

também aqui dentro ele acaba acontecendo, não sempre, mas é um perigo, é um problema que

acontece bastante e a ideia é você tentar ver onde ele está e tentar dali ajudá-lo, ajudar a

transformar.

EU: Mudar a forma de avaliar não pressupõe mudar também a relação ensino-aprendizagem?

Se não se vêem as disciplinas curriculares de forma contextualizada, como um meio para se

chegar a ser um cidadão crítico e bem preparado, mas sim como conteúdos estanques que se

dominam muito mais pela memorização; se não se leva em conta o conhecimento e as

informações que o aluno traz para a escola e que dão um tom diverso àquilo que ele recebe ou

troca com o professor, e sim vê-se o aluno como uma tábula rasa a ser preenchida, acaba-se

avaliando também à moda antiga, não?

ENTREVISTADO: É, é a ideia do balde vazio né que a gente vai encher esse balde de

conhecimento né. Pois é, isso é muito sério, cidadãos críticos a gente não vai conseguir se a

gente encher um balde, passivamente enchendo esse balde e não levando em conta que eles

tem um conhecimento tácito, eles já tem um conhecimento de vida, eles já tem vivências,

experiências, eles trazem características pessoais, são indivíduos e por isso a visão de ser

humano é uma coisa que nos ajuda na nossa prática diária que a gente não acha que ele é uma

tábula rasa, ele tem um porquê de existir e nesse sentido explorar, acho que o conteúdo, ele

não é um fim, o conteúdo é um meio e se eu penso o conteúdo como um fim, eu vou enfiar

esse conteúdo goela abaixo, o tanto que eu preciso, no tempo que eu preciso e vou abrir a

boca do passarinho e enfiar conteúdo goela abaixo e vai descer o quedeu,deu, o que não deu,

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não deu. Se pelo outro lado, eu trabalho esse conteúdo com uma possibilidade de

desenvolvimento dessa criança em seus múltiplos aspectos e não apenas o cognitivo e se esse

conteúdo ajuda que essa criança se desenvolva também na sua psique, nos sentimentos, ajuda

com que ela tenha valores, ajuda na passagem de valores, de tradição, de princípios, de

aspectos de encarar o ser humano, de encarar o desenvolvimento da humanidade, se ela

também proporciona que essa criança possa, a partir de si, elaborar os conteúdos, ou seja, uma

aula, assim vamos dizer socrática, onde eu trago o estímulo e a partir desse estímulo nós

vamos elaborar alguma coisa, aí eu estou formando um ser humano crítico e bem preparado.

Se eu vou encher goela abaixo, eu estou só passando informações e vou fazer com que ele

decore aquilo e aquilo vai ocupar um espaço desnecessário e o conteúdo é um meio, ela é uma

possibilidade, as coisas tão interessantes que a gente tem pra passar que elas trazem

multicoloridos, não é só ler, escrever e contar que ele precisa fazer ao sair da escola, mas o ler

implica em um montão de coisas, o escrever implica em mais um monte de coisas e o contar

implica em mais muitas coisas. Então acho que o objetivo da pedagogia é criar esse cidadão

íntegro, esse cidadão global, uno, multifacetado e que ele possa contribuir com a sociedade,

mas para isso ele não poder ser preenchido de conceitos e de ideias, ele precisa elaborar, ele

precisa ser ativo, proativo nesse processo. Não pode ser passivo, só passivo.

EU: As demandas são as mesmas nas outras faixas de ensino ou, à medida que vai se

chegando perto de se precisar ocupar uma vaga no mercado de trabalho, a avaliação que a

escola faz de seus alunos deve mudar?

ENTREVISTADO: A avaliação começa sem nada de avaliação e devagar a gente vai

introduzindo ele nesse mundo como ele é. Mesmo assim Victor, a gente preza muito formas

de avaliação que não sejam essas tradicionais, muito, muito, muito, muito... Se, não tivesse

vestibular com esse formato, a gente faria mais diferente ainda do que a gente já faz porque eu

não acho isso de valia assim para avaliar um ser humano, talvez seja o mais prático, o mais

rápido que se encontrou até agora, eu compreendo isso, mas eu acho... Imagine, você não vai

ter um médico, mas que seja um músico, você não vai ter um médico mais que tenha... Você

só tem médicos padronizados, médico é só o cara que gabarita lá a primeira fase da USP. Que

tipo de gente faz isso? Será que um cara que faz 50 pontos não poderia ser melhor ainda,

como um futuro estudante de medicina? Então, assim, tem perguntas que acho que tem

respostas complicadas e teriam outras maneiras de fazer, por exemplo a Escola da Cidade, não

sei se você conhece, que faz arquitetura lá no centro da cidade: ela tem uma prova, uma

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redação como seleção né, processo seletivo, uma redação e uma entrevista, está certo que é

um curso, duzentos candidatos, sei lá eu né, não é uma USP que tem um zilhão de candidatos,

ou seja, ali é diferente que pra mim faz mais sentido, faz muito mais sentido eu conversar com

alguém  aqui,  ver  qual...  “Por  que  que  você  quer  fazer  arquitetura?  O  que  que  te  leva  a  fazer  

arquitetura? O que que você já fez relacionado a isso? Qual é a sua motivação? Ah, quero

ganhar dinheiro com isso. Será que é esse cara que eu quero fazendo o meu curso? Não, adoro

desenhar ou fico desenhando em casa ou imagino como vai ser O Palácio do Governo... Não

importa a resposta, mas eu posso avaliar que tipo de relacionamento ele tem com essa futura

profissão que ele está querendo abraçar. Então se o mercado não fosse como ele é, nos

faríamos acho que ainda mais diferente.

EU: Novas formas de organização curricular, como os cursos de formação continuada,

pressupõem novo olhar sobre o aluno, não? Como promover essa mudança de olhar na

escola? (como a avaliação é tratada na formação de professores da Escola Waldorf?).

ENTREVISTADO: Eu acho que falar de... Quando um professor fala que está ótimo, que faz

tudo certo, que ele é perfeito, está na hora de ele ir embora (risos), se aposentar ou ir embora

porque a gente nunca está bom o suficiente para lidar com criança. Acho que universitários é

outro papo porque a gente se defende do mundo, mas com criança o cara precisa estar

eternamente em retrabalho. Talvez ele não precise ir num curso, mas ele precisa trabalhar em

si,   se   informar,   precisa   aperfeiçoar,   se   atualizar,   “Por   que   que   eu   não   dou   conta   desse  

menino?”,  se  perguntar,  se  analisar  criticamente,  se  ele  não  faz  isso,  acho  que  não  tem  como  

estar na frente de criança. Então, é... Eu acho que qualquer professor tem que estar num

processo de educação continuada, assim, talvez não agora, mas amanhã, depois de amanhã,

precisa estar realmente promovendo isso, a gente promove isso aqui na escola inclusive isso

aqui eu vou te dar, esse é o nosso catálogo de programa de implemento de atualização,

reciclagem, é estar revisitando aspectos da pedagogia e a formação também contempla essa

ideia da avaliação, ela sempre precisa ser olhada, trabalhada. Contudo, acho que precisa ser

mais porque eu acho que nós erramos muito nas avaliações que fazemos. Eu te falei, acho que

fazer uma prova bem feita é muito difícil, é muito difícil, a gente faz coisa muito burra,

desculpa a palavra, mas é muito simplório, é muito restrito e é limitante, não é para

desenvolver  porque  se  numa  prova  o  cara  “ta”  aprendendo,  melhor  ainda,  de  repenteou  com  

dicionário, ou com uma calculdadora... Eu não sei, ou em dupla, ou seja, se eu proporciono...

Se ele está ali pressionado para apresentar um resultado com perguntas restritas, a o estudo

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para preparação dessa prova torna-se artificial e chata. Por exemplo, a gente estava fazendo

um exemplo disso num segundo ano que eles fazem muita taboada que é um momento que a

gente acha bem propício para interiorizar a taboada, a gente precisa decorar de alguma

maneira. Então a gente pegou assim quatro, cinco alunos, oito anos de idade e colocamos os

números   aqui   ó,   então   “uma   vezes   três   é   três,   duas   vezes   três   é   seis   e   blablabla”...  Agora,  

vocês, sabendo desses resultados, inventem uma maneira de como a gente pode memorizar

isso   ritmicamente,   coporeamente.   Então   assim,   tipo,   pula   “uma   vezes   dois   é   igual   a   dois”  

(cantando), ou seja, fazendo movimentações ou pulos ou saltos ou um pergunta para o outro,

enfim, no grupo eles resolvem como é que a gente decora esse negócio. Então só desse

trabalho eu estou dando muito mais subsídios para o aprendizado e para já decorar e já fazer a

prova do que se ele tiver em casa decorado e depois eu escrevo as perguntas e ele responde.

Ele trabalha em grupo, ele ganha autonomia em relação ao aprendizado, ele é copartícipe, não

fica   chato   porque   ele   está   lá   com   os   amigos   tentando,   pula,   salta,   bate,   joga   a   bola,   “uma  

vezes   três   é   igual   a   três”,   “duas  vezes   três   é   igual   a   seis”,   enfim e depois apresenta para o

grupo  ainda.  Então  eu  acho  que  isso  tem  muito  mais  valor  do  que  a  porcaria  lá  “uma  vezes  

quanto  é  quanto”.

EU: A tradicional prova, que se faz periodicamente, é condenável, hoje, na escola, afinal, ou

tem algum valor? (Qual a metodologia avaliativa utilizada pela Escola Waldorf, há um

formato padrão para as escolas da Pedagogia Waldorf ou cada instituição tem a liberdade de

particularizar as suas práticas avaliativas? Há instrumentos? Quais são eles?).

ENTREVISTADO: Eu acho que ela tem um papel, mas como um dos instrumentos de

avaliação, não o instrumento, mas um dos instrumentos de avaliação, ela tem a sua função. O

problema é que muitas vezes ela é o único, mas se ela é um dos e se a minha criança pequena

não está sofrendo com isso eu acho que não tem, não é um problema, mas ela não pode ser o

único. Se ela é o único, aí eu acho que ela não tem qualidade, mas como um todo, eu acho que

não está errado desde que as crianças não estejam sofrendo, por isso que com os pequenos a

gente não faz porque acaba tendo uma conotação muito de ter um resultado que ela tem que

apresentar e que muitos não estão em condições ainda. Isso marca, isso traz traumas,

resultados... Não gosta daí da escola, não gosta do professor, não vai bem, não consegue e fica

rotulado,   você   fica   com   aquele   rótulo   “não   sei   fazer  matemática”   que   não   é   verdade,   todo  

mundo sabe fazer matemática de uma ou de outra maneira. Então eu acho que ela tem o seu

papel, tem a sua contribuição, mas ela precisa ser bem empregada e bem pensada porque nem

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prova é fácil de aplicar, fazer. Então tem que ser muito bem feito, muito bem pensado e aí

cada escola, as escolas tem uma certa autonomia, a direção, o corpo pedagógico pensa um

pouco, discute, mas é muito esse papel de estar discutindo e conversando sobre o assunto nas

suas  reuniões  como  fazer,  “vamos  fazer  mais,  vamos  fazer  menos,  estamos  indo  bem,  estamos  

indo  mal”,   ou   seja,   a   avaliação   da   situaçao   da   escolae   se   der,   fazer  mais   ou  menos,   como  

também cada professor tem um pouco essa autonomia, “minha  classe  está  traumatizada,  está  

péssima em negócio de prova, não vou fazer por enquanto, vou fazer outras maneiras, ditado,

a  gente  vai  brincar,  vamos  fazer  aqueles  negócios  de  taboadas...”.  Então  ele  tem  também  essa  

autonomia de não precisar aplicar isso e mostrar um resultado dessa e dessa maneira. Tem o

boletim que todo professor escreve sobre seu aluno e para os alunos a gente dá também um

impresso. A escola também não está presa a um modelo da Pedagogia Waldorf, o professor

pode falar  “olha,  eu  acho  que  a  minha  classe  precisa  de  uma  avaliação,  eles  estão  se  achando,  

estão não sei o que, não estão dando atenção, eu vou colocar todo mundo numa avaliação para

que  eles  percebam  um  pouco  como  eles  estão”.  Então  ele  justifica  o  porquê  ele está fazendo

isso,  mostra  para  os  pais  “vou  fazer  isso  por  causa  disso,  disso  e  disso  ou  não  vou  fazer  esse  

ano”,  é  de  acordo  com  as  necessidades  do  grupo.  Ele  tem  essa  autonomia  desde  que  ele  saiba  

justificar, não é que cai do céu e por isso que a avaliação deve ser flexível, sempre flexível e

cada escola tem a sua maneira, cada escola tem essa autonomia e cada classe, cada professor

também tem. Para cada criança a gente dá um poema no final do ano, ou seja, digamos, você é

um moleque arteiro, sei lá eu, e eu tento fazer um poema, buscar um poema que fala de

moleque arteiro que tenta dominar os seus ímpetos e tenta... Voltado para o aluno, para a sua

personalidade. É uma maneira lúdica, poética de representar, de alguma coisa que você

precisa trabalhar. Ele consegue se identificar e ver algo que ele precisa transformar... Ou é

uma menina quietinha que não fala nada né, então, como fazer essa menina falar. É até um

feedback para o aluno saber como ele está sendo visto.

EU: Tem alguma proposta sobre como deveriam ser realizadas as avaliações do Estado para a

promoção de uma educação emancipatória e para a composição do IDEB, em que a Pedagogia

Waldorf poderia contribuir para essa discussão? Qual a contribuição que consideram que

podem fornecer para se problematizar as concepções naturalizadas de avaliação? Quais os

problemas? Em que residem, quais suas causas? Deveria haver algum modelo norteador ou

apenas ser seguido um princípio avaliativo sob diversas formas?

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ENTREVISTADO: A pergunta é difícil, é polêmica, bem polêmica, mas é... Ai, eu acho

muito... É que a gente ta lidando com seres humanos né, em desenvolvimento, isso é muito

sério. Se eu pegar os adultos e fazer uma avaliação eu não vejo tanto problema, mas eu estou

pegando seres em desenvolvimento fazendo uma foto de um momento que as vezes sai

descontextualizada, sai fora de foco, sei lá eu né, fazendo careta e ela é unilateral e eu acho

que isso é um pouco desleal com a criança, a gente tirar uma foto apenas do lado cognitivo

dela, se ela saber fazer dois mais dois ou não e naquele momento, naquele dia, naquelas

circunstâncias, naquelas condições sei lá eu o que aconteceu, eles são diferentes, a gente

percebe, tem dia que eles estão ótimos, tem dia que eles estão péssimos, ou seja, eu acho que

é muito sério a gente colocar as crianças numa caixinha assim, eu quase que prefiro... Se o

“Educa   Brasil”   me   escuta   ou   o   “Todos   pela   Educação”   me   escuta   eles   querem   me   matar  

porque eu entendo que as pessoas que governam e que orgãos queiram saber e medir a

educação dos países, eu entendo isso, mas eu acho que ela é unilateral, ela não vê a criança

como um todo. Eu acho que essa forma de medir, então, esse desempenho compromete a

qualidade da avaliação, distorce um resultado e tendencia um resultado, é completamente

classificatória e eu não acho muito simpático com as crianças assim, eu acho que a gente está

nivelando também de uma certa maneira. Eu entendo completamente a necessidade de ter,

mas eu acho que ela teria que ser diferente por se tratar de crianças, seres em

desenvolvimento, eu acho que a gente tem que ter mais respeito com ser em desenvolvimento.

Um adulto é outro papo, põe ele lá, avalia, faz o que você quiser ou ele se rebela e sai

correndo, ele tem mecanismos de defesa, mas com uma criança eu acho que não é correto da

maneira com que é feito, acho que precisaria ser um panorama mais amplo, mas que dá muito

mais trabalho, que é muito mais complicado, que envolve um monte de outras questões e mais

a qualidade do que quantidade né. Se tive algo mais qualitativo né.

EU: É importante que se tenha como quantificar os dados obtidos na avaliação do aluno? A

escola não precisa saber quantos alunos estão em determinada situação (avançando, aquém

das expectativas etc)? Não é necessário, para isso, instrumentos como notas ou conceitos? À

medida que se complexifica e deixa de ser uma cobrança do que foi ensinado, a avaliação

torna mais difícil também a quantificação dos resultados, não? Ao mesmo tempo, as redes

escolares precisam dessa quantificação... O que tem a dizer sobre este paradoxo existente nas

discussões sobre a avaliação da aprendizagem?

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ENTREVISTADO: Completamente, muito complicado você ter essa transformação, muito,

enos outros países a gente também não tem grandes transformações né, é tudo muito mais

ligado a uma prova, a um resultado formal. Eu gostaria muito de mudar a maneira de se fazer,

mas ela é muito complicada e muito problemática porque eu tenho que pegar alguns aspectos

da criança e não só um e isso acho que seria bem difícil, exigiria muito mais tempo, muito

mais gente, muito mais tabulação, muito mais trabalho, uma abertura maior nesses conceitos.

Uma criança para resolver problemas da vida, será que isso não seria super interessante? Uma

criança, você dá um problema manual, físico aqui e ela tem que resolver, montar um carrinho

com sete paus... Entende? Outras coisas que não sejam só aquela prova formal porque a

capacidade dessa... A capacidade humana vai muito além de uma prova formal e o que eu

quero estimular no meu aluno é muito mais do que uma prova formal. Então, eu entendo a

necessidade de medir, a gente vê aqui dentro que a gente tem essa medição, a gente sabe o

que está acontecendo, está sempre sabendo se está aquém, se está além, tem que saber, não é

que não tem que saber, tem que saber sempre muito bem o que está acontecendo e tomar

medidas logo.

EU: Consideram que a avaliação seja um espaço em que o docente tenha a oportunidade de

exercer mais incisivamente a sua autoridade frente aos alunos? Como a filosofia Waldorf nos

ajudaria a contra-argumentar este pensamento?

ENTREVISTADO: Não, poder ficar péssimo né, achar que a avaliação é um poder ou que o

prefessor tem um poder sobre o aluno está tudo errado. Se a avaliação tem um aspecto

criativo, eu acho que o aluno pode ser copartícipe, ele pode ser desenvolver, pode aprender,

pode ser participativo na avaliação e tornar aquele momento prazeroso, interessante, aprender,

pode se desenvolver na avaliação, pode até descobrir o quanto ele sabe a esse respeito, pode

cavar e olha, nossa... É um feedback e ele pode descobrir muita coisa e pode aprender muito

dependendo de como a prova é realizada. Poder é péssimo, acho que não tem outra coisa pior,

acho que o professor ele, dentro de uma sala de aula, ele pode ter uma autoridade, mas é uma

autoridade natural, não é uma autoridade de caneta, não é um autoritarismo. Ele pode ser uma

autoridade porque ele sabe trazer um conteúdo porque ele é uma pessoa interessante, no

sentido de referência por valores internos, valores de conquistas, valores de transformação,

valores humanos, valores de referência. A criança precisa de referenciais e o professor deve

ser um referencial, então ele tem uma autoridade interna, nata, não é uma autoridade externa

ou autoritarismo de caneta, ou essas coisas.

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EU: Novas formas de avaliar são vistas pelos professores como tentativas de se camuflarem

resultados ruins e como imposição de que se aprovem mesmo os "maus alunos". Como mudar

essa visão?

ENTREVISTADO: Se a avaliação for inserida dentro do processo de ensino-aprendizagem

como algo natural que faça parte do dia-a-dia, algo que está inserido na sua prática e não é

algo... Como o ENEM é usado para você ter as melhores escolas de São Paulo, assim, elas

acabam faturando financeiramente com isso né, também distorceu completamente, e elas

mudaram o currículo para se adequar às perguntas do ENEM, quer dizer, o que eles querem

para os alunos deles né, deturpando completamente o sentido. Então acho que isso é muito

nocivo, pelo outro lado é a não reprovação, eu acho interessante desde que essa criança esteja

100% assistida, o que é o professor sabendo, acompanhando, não basta reprovar e abandonar

e também não basta carregar e não fazer nada, por isso a figura do professor é essencial, por

isso todo mundo tinha que investir no professor. Sala de aula a gente arruma mais ou menos,

passa uma pintura, não precisa de laptop, não precisa de computador, não precisa de um

montão de coisas, mas a gente precisa de uma pessoa extremamente capaz, extremamente

capaz e preparada e preparada não é só no mental, ela precisa ter metodologia de aula. Isso é

um pouco uma crítica às formações também que são muito teóricas e pouco ligadas a uma

prática de sala de aula. Então esse professor, se ele se engaja com os seus alunos, se realmente

está interessado nos seus alunos, ele vai fazer isso acontecer e ele vai fazer uma educação

continuada e vai fazer a criança que não está bem passar de ano, mas vai fazer com que ela

melhore  ou  num  momento  vai   falar  “não  dá  mais”,  ou  seja,  o  professor  precisa   estar muito

comprometido com a função dele, extremamente comprometido com essas crianças de

maneira a carregar ou não carregar por conta das condições que são possíveis e ele pode

avaliar e pode conduzir. Então avaliar para outros fins é o fim da picada né, é o fim da picada,

é usar os meios para os fins, os fins justifam os meios e aí está tudo distorcido, a realidade

completamente equivocada. Por isso eu digo, a avaliação é perigoso, avaliar criança do jeito

que a gente está avaliando acho que é desleal.

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APÊNDICE B – QUADRO DE CATEGORIAS DE ANÁLISE – ENTREVISTA NA ESCOLA WALDORF RUDOLPH STEINER DE SÃO PAULO

Categoria de análise Abordagem da entrevista Concepção de avaliação A avaliação deve ser contínua, diária e

incessante. Não deve ser formal até o 5º ano do EF, quando ela então passa a assumir formatos mais tradicionais mediante a demanda externa que pressiona uma formação voltada para os vestibulares e o mundo do trabalho. Representa o acompanhamento da trajetória escolar de cada aluno mediante a dimensão processual pela qual é concebida na escola. Possui flexibilidade de acordo com cada criança e com os diferentes ritmos de aprendizagem. É individual, não tem prazos rígidos e é variável. A avaliação é integral, perpassando por três dimensões que compõem o ser humano: intelectual, emocional e comportamental.

Avaliação no âmbito da formação de professores

Possuem programa próprio de formação de professores – programa de implemento de atualização e reciclagem (catálogo de cursos disponibilizado). É uma forma de revisitar aspectos da pedagogia, dentre eles, a avaliação da aprendizagem. Há o reconhecimento, contudo, de que há a necessidade da avaliação ser mais trabalhada, deve ser sempre aperfeiçoada dada a sua importância na busca pela qualidade na educação. Nesses debates, constatou-se que ainda se avalia muito erroneamente na escola e que a ela deve ser encarada como mais um momento de aprendizagem e como uma demonstração de tudo que se aprendeu até momento, sem atribuição de sentido ao conteúdo.

Aplicabilidade dos resultados obtidos pela avaliação/Papel e funcionalidade da avaliação

Avaliação não tem um objetivo único, é elaborada tendo sempre em vista metas claramente delimitadas ao início de todo ano letivo. O acompanhamento contínuo do desempenho apresentado por cada criança propiciado através da avaliação permite ao professor um conhecimento permanente e sempre atualizado sobre a situação de seus alunos e subsidia a sua intervenção pedagógica em processos que

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apresentam dificuldades de aprendizagem.

Instrumento de Avaliação Variedade de instrumentos avaliativos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Exemplo: boletim descritivo, uma compilação da análise avaliativa do desenvolvimento de cada criança nas diversas disciplinas escolares ao longo do ano direcionada aos pais e aos próprios alunos. A partir dos anos finais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, aplicam-se provas formais e tradicionais, simulados e testes baseados nos modelos estipulados pelos processos seletivos para ingresso no Ensino Superior.

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ANEXO A –BANCO DE DADOS – LINKS DE ACESSO

Análise Documental

https://www.dropbox.com/s/aww67k1di4wpfsk/Alessandra%20Pimentel.pdf

https://www.dropbox.com/s/d56hbbmm4bl2gcl/Jackson%20Ronie%20S%C3%A1-Silva.pdf

Avaliação e TICs

https://www.dropbox.com/s/ic7g3tnop5zfof9/Caldeira%20PUC%282004%29.pdf

Concepções de Avaliação

https://www.dropbox.com/s/wr3jhqthftihcsc/Andrade%20Revista%20FAST%20Site%20%26

%20Insight%202001%20p.41.pdf

https://www.dropbox.com/s/4hjbwiq374dbt3h/PintoSilva%20PUCPR.pdf

https://www.dropbox.com/s/wbijqdi82dfbrgc/SouzaBoruchovitch2010ed%20em%20revista.p

df

https://www.dropbox.com/s/x6cz9m9lruuco8n/Depresbiteris%201995%20FDE.pdf

https://www.dropbox.com/s/2wdc238fioti46o/Souza%202004%20UEL%20estudos%20em%

20av%20educacional.pdf

https://www.dropbox.com/s/wr2060qikmrmi5g/SouzaBoruchovitch2010ed%20pro-

posi%C3%A7%C3%B5esunicamp.pdf

https://www.dropbox.com/s/utaj2aeugfdefp3/NetoAquino2009ed%20em%20revista.pdf

https://www.dropbox.com/s/9x63cl3ekqwuehd/SouzaBoruchovitch2010%20ed%20e%20pesq

uisa.pdf

https://www.dropbox.com/s/nxpelkococqkarq/Wachowics%20CEE%20PR%20%282005%29

.pdf

Dimensões de Avaliação

https://www.dropbox.com/s/am936iwtz0ivf88/LudkeSordi%282009%29unicamp.pdf

História da Avaliação

https://www.dropbox.com/s/tpx0ksc3bricdqk/GiustiLopes%282007%29puccamp.pdf

Títulos encontrados no Banco de Teses da Capes sobre Avaliação da Aprendizagem Escolar

https://www.dropbox.com/s/buys2elyzn87yzq/T%C3%ADtulos.doc