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7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design Uma discussão sobre o papel social do designer gráfico brasileiro: trajetória, formação acadêmica e prática profissional The role of brazilian graphic designer in society: History, academic formation and professional practice Martins, Bianca; Mestranda em Design; PUC-Rio [email protected] Cunha Lima, Edna Lúcia; Doutora em Comunicação; ECO-UFRJ [email protected] Resumo Este artigo explora o campo do Design Gráfico brasileiro percorrendo sua trajetória, formação acadêmica e prática profissional. Nossa intenção é costurar a discussão sempre mostrando associações com o que alguns chamam de Design Social (ou Design Socialmente Orientado) – aqui apresentado e argumentado como sendo Design de Comunicações Visuais. Apontamos no decorrer deste histórico, sempre que possível, pontos de convergência e divergência de idéias entre as concepções hegemônicas do Design e o papel social do designer gráfico. Palavras-chave: Design Gráfico; História do Design; Papel Social Abstract This article explores the field of Graphic Design in Brazil tracing its history, academic formation and professional practice. Our intention is to discuss the associations between what is sometimes called Social Design (or Design Socially Oriented) and the idea of Design of Social Communications. We intend to point out, during this discussion, when it is possible, points of convergence and of divergence between the hegemonic conceptions of Design and the role of graphic designer in society Keywords: Graphic Design, History of Design, Social role of Design Conceituando Como ponto de partida desta discussão, consideramos conveniente expor

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Uma discussão sobre o papel social do designer gráfico brasileiro: trajetória, formação acadêmica e prática profissional

The role of brazilian graphic designer in society: History, academic formation and professional practice

Martins, Bianca; Mestranda em Design; [email protected]

Cunha Lima, Edna Lúcia; Doutora em Comunicação; [email protected]

Resumo

Este artigo explora o campo do Design Gráfico brasileiro percorrendo sua trajetória, formação acadêmica e prática profissional. Nossa intenção é costurar a discussão sempre mostrando associações com o que alguns chamam de Design Social (ou Design Socialmente Orientado) – aqui apresentado e argumentado como sendo Design de Comunicações Visuais. Apontamos no decorrer deste histórico, sempre que possível, pontos de convergência e divergência de idéias entre as concepções hegemônicas do Design e o papel social do designer gráfico.

Palavras-chave: Design Gráfico; História do Design; Papel Social

Abstract

This article explores the field of Graphic Design in Brazil tracing its history, academic formation and professional practice. Our intention is to discuss the associations between what is sometimes called Social Design (or Design Socially Oriented) and the idea of Design of Social Communications. We intend to point out, during this discussion, when it is possible, points of convergence and of divergence between the hegemonic conceptions of Design and the role of graphic designer in society Keywords: Graphic Design, History of Design, Social role of Design Conceituando

Como ponto de partida desta discussão, consideramos conveniente expor

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quais são as concepções que neste artigo propomos como objetivos do Design Gráfico. Na perspectiva aqui apresentada, a razão de ser de uma peça de Design Gráfico é primordialmente comunicar através de mensagens visuais, ou seja, toda peça desta natureza nasce da necessidade de transmitir uma mensagem específica.

Desta maneira, acreditamos que a definição e denominação mais apropriadas para esta área são as aportadas por Jorge Frascara quando se refere ao “Design de Comunicações Visuais”, já que neste caso estão presentes três elementos necessários para definir uma atividade: um método: Design; um objetivo: Comunicação e um campo: o Visual” (Frascara, 1988, 21). Entendemos que ao analisar uma peça de design gráfico é importante considerar que a sofisticação visual deve estar associada a uma comunicação eficaz. Ao fazer tal afirmativa, queremos dizer que o estilo exerce uma função que deve estar vinculada às exigências do projeto.

Nesta concepção devemos pensar numa ação mais do que num objeto. Nesta abordagem o designer planeja essencialmente um evento, um ato com determinada duração, no qual o destinatário (o usuário) co-atua com o design, produzindo a comunicação. O objetivo do designer de comunicações visuais é, então, estruturar o Design de situações comunicacionais. Tais situações se destinam a afetar o conhecimento, as atitudes, as opiniões e o comportamento das pessoas. É a partir do usuário, que ocupa posição central neste tipo de projeto, que o designer deve fazer suas escolhas, ficando os pressupostos estéticos universais e os de ordem pessoal deslocados neste quadro. As decisões envolvidas no processo de Design se localizam num campo criado entre a realidade atual das pessoas e a realidade que se deseja concretizar após a interação destas pessoas com as mensagens (Frascara, 1997).

Podemos ampliar os conceitos desta concepção para outras áreas que abarcam um processo de Design Gráfico na tentativa de evidenciar as funções de afetar o conhecimento, o comportamento, as opiniões ou a conduta das pessoas. Desta forma, verificamos que a propaganda política procura influir na opinião e nas ações das pessoas, enquanto os sinais de trânsito modificam o comportamento dos que deles se utilizam organizando o fluxo de veículos, cabendo aos materiais didáticos atuar sobre o conhecimento, otimizando a tarefa educativa, e aos símbolos de segurança na indústria afetar a conduta dos operários, visando reduzir os acidentes de trabalho. Procuramos alargar a visão normalmente percebida desta profissão, que tem sua imagem atual subjugada ao sistema comercial.

Mapeando o terreno

Numa tentativa de esboçar um histórico do Design, Souza (1997) argumenta que as mudanças ideológicas, sociais, culturais e políticas aportadas pelas revoluções francesa e americana e as facilidades produtivas oferecidas pela Revolução Industrial, de certa forma fizeram com que as pessoas da idade Moderna passassem a conceber o mundo como um espaço a ser conquistado, como um provedor disponível e fonte inesgotável de recursos para a concretização de seus sonhos e obras.

O Design moderno (e aqui incluímos o Design Gráfico moderno) é fruto das intensas mudanças sociais e produtivas desta época. A própria figura do “designer”, tal como hoje a concebemos, emerge do processo produtivo

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a partir da necessidade de aliar os conhecimentos da arte e da técnica para configurar e adaptar, com mais eficácia, os produtos para a fabricação em série. O aumento da produção e da concorrência entre os produtos gerou a necessidade de informar sobre eles e sobre suas diferenças, estimulando estratégias persuasivas para levar ao consumo preferencial de determinados produtos. Neste campo, o design dos bens de consumo e o design de objetos gráficos (embalagens, revistas, anúncios, cartazes) contribuíram para estimular a compra e a venda da produção industrial. Como conseqüência de importantes fatores de ordem econômica e social criou-se um padrão de uso dos bens naturais sem freios, que associamos com o consumismo. Por outro lado, com o desenrolar de interações sociais complexas e, grosso modo, através de estratégias persuasivas, argumenta-se que os trabalhadores das cidades passaram a crer que suas necessidades (simbólicas, individuais, sociais, etc.) seriam satisfeitas através do consumo. Reforçando esta idéia, a venda da força de trabalho terminou por conferir ao indivíduo, através do salário, a condição de consumidor.

Este quadro se acentua na Pós-modernidade com a descrença nas metanarrativas, com a valorização do individualismo, com a busca pela identidade pessoal e também com a idéia de que tudo pode ser mediado por seu valor de troca (Lyotard, 1989). O indivíduo passou a participar de um contexto capitalista onde consumir representa comunicar, conferindo às grandes marcas internacionais a possibilidade de construir parte importante de sua identidade pessoal (Klein, 2001).

Trajetória do Design Gráfico brasileiro: uma tradição autêntica Dependendo da diretriz que tomemos seremos levados a dar pontos de partida completamente diferentes ao Design Gráfico nacional. Uma corrente comprometida com o Modernismo costuma relacionar o surgimento do Design no Brasil aos desdobramentos desta época com as experimentações do Instituto de Arte Contemporânea do MASP em 1951 e a inauguração da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) em 1963. O termo Design só se aplicaria às situações posteriores a estes marcos. Em contrapartida, outra linha de pensamento argumenta que o que se deu nesta fase, mais precisamente, foi uma ruptura: surgiu a consciência do Design como conceito, profissão e ideologia, sendo equivocado pensar que o Design propriamente dito (atividade projetual relacionada à produção e ao consumo em larga escala) tenha surgido nesta época (Cardoso, 2005; Cunha Lima, E. L., Cunha Lima, 2003).

Ao negarmos a existência de um Design brasileiro anterior aos anos 1960 também estamos recusando as linguagens e soluções projetuais que não derivem de uma matriz estrangeira reconhecida (construtivismo, De Stijl, Bauhaus, Ulm), negando aquelas existentes no Brasil no século dezenove, e que são representativas de uma tradição brasileira rica e variada que assimilou e conciliou influências díspares no longo processo histórico de formação da identidade nacional, desde o fim do período colonial (Cardoso, 2005).

Em busca de identidade e dignidade

O surgimento moderno do conceito de designer no país, portanto se dá num contexto onde temos por um lado o ensino e por outro um grande surto desenvolvimentista brasileiro. Para Gui Bonsiepe, que analisa o processo na região, nesta fase o designer latino americano teve uma atuação secundária,

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cosmética, sem influir decisivamente na produção industrial (Bonsiepe: 11, 1997). No entanto, no cenário internacional dominam as temáticas do discurso projetual sobre a produtividade, a racionalização e a padronização no caso europeu, enquanto nos EUA pós-guerra, intensificam-se as estratégias de consumo, com o styling, propondo, em vez da durabilidade, a rápida substituição dos modelos por outros mais atuais.

Este excesso de produtos inunda os mercados mundiais, levando a uma crítica radical à sociedade de consumo. Em vários discursos nota-se a esperança de uma alternativa de Design, uma nova cultura de produtos e possibilidades nas economias planificadas. Vislumbra-se uma sociedade que poderia desenvolver uma outra cultura material dentro de um mundo de consumo, porém não de consumismo. Como reação surgem movimentos de contra-cultura que valorizam experimentações gráficas em xerox e colagens de fotografias que no Brasil se misturaram com os protestos contra o regime ditatorial implantado em 1964, exemplificados pelo jornal O Pasquim. Se na Califórnia dos anos 1960-70 surge um movimento hippie pregando paz e amor produzindo cartazes psicodélicos resgatando fontes e ornamentos Art Nouveau (Farias, 2001), no Brasil temos o Tropicalismo de Gil e Caetano com capas de discos nesta mesma linha. O Design racionalista recua aproximando-se da cultura popular.

As reações no próprio campo do Design Gráfico tornam-se explícitas no manifesto First Things First liderado pelo designer inglês Ken Garland em 1964. O documento levantava questões como a missão do designer gráfico, a necessidade de questionamento da ordem vigente e o papel do designer como um formador de opinião com um discurso ativo na produção de contribuições significativas à sociedade (Holland, 2001).

Bonsiepe argumenta que foi nos anos 1970 que o tema da ‘tecnologia apropriada’ entrou no discurso projetual e pela primeira vez foi criticada a idéia da “Boa Forma” e do “Bom Design” herdadas do racionalismo modernista. Partindo da crítica à “teoria da dependência”, argumentou-se em favor de um Design próprio: o contraste sócio-econômico entre os países centrais e os periféricos levou a questionar a validade de interpretações do Design radicadas nas economias industrialmente avançadas. Não era só o PIB que permitia classificar os países em dois grandes grupos, mas também o efeito corrosivo da industrialização, caracterizado principalmente pelo abismo entre uma minoria orientada ao modelo de consumo dos países centrais e uma maioria marginalizada, vegetando num nível mínimo de subsistência (Bonsiepe, 1997).

Estas profundas fissuras nas sociedades periféricas conferem ao debate do Design na periferia uma inevitável dimensão política. Para os países periféricos os problemas do Design revestem-se de um forte caráter sócio-político que se sobrepõe às questões técnico-profissionais do campo, mesmo que grande parte de nossos profissionais não tenha esta visão.

Outra importante voz que se fez ouvir nesta época foi a do designer Victor Papanek, que em 1972 publicou seu polêmico livro Design for the Real World, no qual fez a famosa declaração de que “existem profissões mais danosas que o Design industrial, porém somente muito poucas” (Papanek, 1972). Usando o exemplo de um escritório de concepção de projetos orientado para o setor social, Papanek proporciona longas listas de produtos que tratam de necessidades deste setor. Entre estes, estão a assistência

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ao ensino de todas as classes incluindo projetos que visam transferir conhecimentos e habilidades a pessoas com dificuldades de aprendizagem e auxílio a incapacitados físicos; treinamento para pessoas de baixa renda que tentam progredir profissionalmente; dispositivos de diagnóstico médico, equipamento de hospitais e ferramentas dentais; equipamento e mobiliário para hospitais mentais; dispositivos de segurança para o lar e para o trabalho e dispositivos que tratam de problemas de contaminação. Alguns destes produtos, particularmente equipamentos médico-hospitalares, já são bastante estudados e também produzidos, porém existem muitos outros que não estão em linha de produção porque não foi identificado um produtor interessado que viabilize sua inserção no mercado. Ao contrário de Ken Garland, o texto de Papanek alcançou uma audiência extensa, trazendo a questão para discussão entre os designers brasileiros. Teve grande influência na determinação do conjunto de projetos a serem desenvolvidos nas escolas de Design de produto sendo igualmente discutido e estudado nos cursos de arquitetura.

Nessa década rica em reflexões, outro problema que entrou em pauta foi o da identidade do Design. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se nota uma procura apaixonada pela identidade do Design nacional, as referências projetuais, tanto na área gráfica quanto na de produtos permaneciam sendo (e talvez ainda permaneça) os produtos dos países centrais. A falta de know-how técnico sobre processos de fabricação contribuía para o risco de um design de pouca qualidade. Como aponta Bonsiepe, há um elo entre identidade e dignidade já que a busca de identidade é motivada pelo desejo de autonomia, ou seja, pela busca pelo poder e pela capacidade de determinar o próprio futuro (Bonsiepe, 1997).

No final dos anos 1980, ocorreu no Brasil a discussão intensa e apaixonada sobre a adoção da denominação Design para a profissão, substituindo os termos Desenho Industrial, Comunicação Visual ou Programação Visual em vigência nos vinte anos anteriores. Mais do que uma escolha pura e simples, a questão mobilizou os designers que se dividiram em discussões acaloradas, nas quais um dos temas centrais era a identidade nacional do Design de um lado e do outro o interesse de adotar uma identidade internacional, linha que acabou vencendo a disputa. Esta década viu o início da informatização dos meios projetuais nos países centrais, ocasionando mudanças formais que dominaram o cenário das discussões dos profissionais. O refinamento formal e a experimentação com novos materiais trouxeram de volta a questão do estilo, onde os objetos e expressões de Design foram elevados a artigos de culto.

Nos anos 1990 aparecem no cenário global questões relativas à compatibilidade ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Temos um retorno à questão da tecnologia apropriada e às preocupações com o desenvolvimento orientado às necessidades dos países. Estes fatores se refletem no ideal de Gestão de Design: valorização da viabilidade técnica e financeira local e a adequação de materiais visando a sustentabilidade ambiental. Ao final da década, este conceito se aprimora e hoje a Gestão

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de Design perpassa a própria questão da forma, de viabilidade de produção sustentável de produtos ou de comunicações visuais, englobando a manutenção da imagem da empresa. Alguns autores argumentam que os escritórios de Design devem vender visão, estratégia e posicionamento de empresas. É a própria concepção do designer como consultor, e do Design como Business. A informatização ultrapassou as fronteiras tornando possível ao designer dos países periféricos o acesso aos mesmos meios de projetação de seus colegas dos países ricos. Uma nova atenção a manifestações urbanas de cunho popular trouxe para o Design elitizado da década anterior um contato com referências advindas da cultura brasileira, processo que pôs em marcha novas discussões sobre a identidade do Design nacional. Neste quadro, as pesquisas acadêmicas sobre a história do Design brasileiro também vêm contribuindo para matizar o conhecimento e os limites sensíveis do campo.

Atualmente, o Design Gráfico conseguiu se consolidar perante a sociedade brasileira como fator que proporciona eficiência à comunicação se caracterizando como um diferencial competitivo entre empresas. Mas não há somente fatores positivos a se destacar na história recente do Design: existem questionamentos ainda sem resposta quanto à sua missão, quanto à existência de uma Teoria do Design, quanto à determinação de seu campo de ação (a despeito de sua onipresença na vida cotidiana) e à questão enfatizada neste artigo que se refere ao seu papel social.

Sobre a formação acadêmica

A escolha de como e a partir de que critérios um designer vai exercer a profissão está condicionada à conduta ética, pessoal e particular de cada profissional. Esta é uma questão que todos enfrentam ao entrar no mercado, em qualquer campo de ação. No caso do designer, no entanto, sua formação é empobrecida pela falta de visão da possível contribuição que seu saber poderia oferecer para a melhoria das condições de vida de seus semelhantes.

Mas abordar tal assunto não é tarefa simples. Talvez alguns problemas da formação brasileira em Design possam ser mais bem esboçados ao analisarmos o conteúdo acadêmico através da ênfase dada aos ‘núcleos temáticos’ (oferecidos pelas Diretrizes Educacionais para o Ensino Universitário de Design da Comissão de Especialistas em Design da Secretaria de Educação Superior do MEC – CEEDesign 1999). Os ‘núcleos temáticos’ são: Fundamentação, Planejamento e Configuração, Sistemas de Utilização, Sistemas de Produção.

Neste conjunto estão notavelmente marginalizados os assuntos que tratam do contexto histórico, social e cultural de cada localidade (Martins, 2003). Esse fato ajuda a explicar a falta de compromisso do profissional sobre o seu papel na sociedade. Desconhecendo os problemas de seu contexto social, um profissional que dedicou alguns anos de sua vida à construção de uma carreira não é preparado para aplicar os conhecimentos metodológicos, produtivos e sua capacidade de afetar o conhecimento das pessoas para proporcionar benefícios efetivos a seus usuários.

E que usuário seria este? Pouco se estuda ou se conhece o âmbito do usuário, o que depende de conhecimentos sobre estudos das relações psicológicas, ergonômicas e comportamentais que estão presentes na ocasião onde um usuário interage com um objeto de Design. Centrando a imagem

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do usuário na sua própria imagem, o designer sai para o campo de trabalho munido de uma visão narcisista de seu público, despreparado para encontrar o outro, o diferente dele. Sabemos que numa economia de mercado, o Design encontra um extenso campo de trabalho justamente em sua ativação, porém limitando-nos a responder exclusivamente a estes requerimentos, faríamos com que o designer gráfico operasse exclusivamente num terreno delineado por interesses comerciais de curto prazo.

Como nossa discussão aqui pretende ir além da análise da formação de um designer responsável e cidadão chegando até a esfera que discute como um designer pode, de fato, desenvolver trabalhos que estejam direcionados a tentar amenizar alguns problemas agudos da sociedade brasileira, não se pode deixar de apontar que, no Brasil, a pressão do mercado de consumo - onde se insere a grandíssima parte da prática profissional - já é tão condicionante do futuro do aluno de Design que não lhe resta alternativa senão trabalhar nesse campo.

Trata-se de um problema complexo e reconhecemos que o designer gráfico sozinho não pode mudar esta situação. A discussão transcende esta questão já que seria necessário encontrar setores onde exista uma demanda que possa “patrocinar” um trabalho voltado à solução de problemas comunicacionais das populações desfavorecidas, tais como a produção de material didático, estratégias para abordar acidentes de trânsito, problemas de saúde, violência ou a divulgação de informações que facilitem o acesso do cidadão a seus benefícios concedidos por lei.

Defendemos aqui que o lugar em potencial para realizar este tipo de trabalho e/ou pesquisa é dentro das próprias universidades. Além de mencionar a importância das linhas de pesquisa, acreditamos que uma formação, em qualquer que seja seu nível, deve ocupar-se principalmente de formar cidadãos. Desta maneira, cremos que um importante passo seria dado se durante a formação fossem oferecidos conteúdos que abordassem a relevância do papel do Design para sociedade, já que estes profissionais serão capacitados para trabalhar em campos onde (também) se pode tentar encarar as necessidades urgentes da vida humana.

Sobre a prática profissional

Se o ensino do Design é cheio de percalços, não menos o é sua prática profissional. Alguns podem argumentar que o Design é uma atividade elitista por natureza, já que com os desdobramentos da industrialização no século dezenove, apenas uma pequena parcela da população foi beneficiada com objetos bem projetados. Porém, é inegável que progressivamente a população passou a ter acesso a estes bens tendo a atividade do Design se consagrado como mediadora nata entre projeto, fabricação e usuário. Resta o questionamento da real abrangência do Design: é, de fato, acessível a todos?

Nos últimos anos, a área de atuação do Design no Brasil tem se modificado bastante com o acirramento entre os mercados nas mudanças trazidas pela globalização. Assim, o Design Gráfico atual tem a característica de ser bastante dependente dos pré-requisitos do marketing e da publicidade. Por outro lado, os designers ainda não estão sendo universalmente empregados pelo serviço público, por exemplo, onde poderiam atuar em áreas que são operadas por não-especialistas. Ao contrário, em países centrais onde o Design

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já se incorporou ao cotidiano como disciplina de projeto e planejamento e seu papel como metodologia para abordagem de problemas tem aumentado, a pressão para que seja utilizado como instrumento de venda tende a ser contrabalançada por um uso mais consciente de suas possibilidades.

O cliente por muitas vezes costuma recomendar que se siga determinado modelo já previamente reconhecido, testado e aceito – geralmente nos países centrais – demonstrando seus vícios culturais e pouca confiança na capacidade de leitura simbólica do usuário. O resultado é que acabamos empurrando para o mercado uma vasta gama de produtos pasteurizados, demasiadamente semelhantes: falta-nos segurança para incorporar, sempre que pertinente, os códigos culturais genuínos de nossa nação (Escorel, 2000). As empresas não costumam investir na pesquisa nem mesmo na testagem dos protótipos. Se de um lado a explicação pode ser o uso do modelo consagrado, por outro é justo reconhecer que não recebem incentivos governamentais para aventurar-se em novas abordagens, a exemplo de outros países.

Acrescentamos ainda, o já comentado imediatismo dos apelos comerciais: os trabalhos geralmente são para ontem. De certa forma, temos que admitir que esta característica acabou ampliando o escopo de nossa ação profissional, porém a um alto custo: não há tempo nem dinheiro para pesquisar e testar soluções mais adequadas para as necessidades de um determinado grupo de usuários. Assim, às vezes, sabemos como desenvolver um projeto eficiente, porém não existe tempo hábil para executá-lo. Esta questão costuma ser complicada para o designer, caracterizando-se como um dilema ético, porque está no limiar de sua responsabilidade social como profissional.

Conclusão

Voltemos à questão: o Design: é, de fato, acessível a todos? No decorrer desta trajetória do Design Gráfico brasileiro, pudemos

analisar diferentes questões que contribuem para um esvaziamento das preocupações em aportar projetos ou pesquisas significativas que proponham soluções para os problemas de nossa sociedade, encontrando um verdadeiro papel social do designer gráfico.

Falta-nos compreender que a primordial missão do Design Gráfico é comunicar visualmente – fator que nos leva a ter responsabilidade sobre o quê, para quem e como estamos comunicando.

Torna-se cada vez mais importante o domínio de conhecimentos relativos às raízes nacionais do Design valorizando a cultura brasileira numa tentativa de resgate contínuo de nossa dignidade, o que se materializa em temáticas de fundamentação em aspectos socioculturais e históricos. Temos, no campo do ensino, a importação e difusão de modelos pedagógicos que ignoram quais as demandas da sociedade brasileira com relação à atuação dos profissionais. Por outro lado, verificamos que a valorização de maneirismos estéticos se dá muitas vezes em detrimento da efetividade da comunicação. Finalmente, podemos responder à questão com uma afirmativa, desde que consideremos principalmente o Design Gráfico voltado para as necessidades do comércio e da indústria e que o público a atingir com estas mensagens seja o de ‘consumidores’. Em alguns setores de ordem cultural podemos notar um avanço, destacando-se a indústria editorial.

Mas se tivermos como objetivo ir além, contribuindo para a saúde,

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educação e qualidade de vida dos brasileiros, temos que reconhecer que o caminho ainda não foi devidamente palmilhado. E pior ainda, a menos que ocorram mudanças urgentes na formação profissional, é possível que os designers gráficos não estejam preparados para atender a este desafio, para o qual nem ao menos estão alertados.

Cabe, portanto, como propusemos no decorrer deste artigo, uma atribuição importante às universidades, estudando e propondo soluções para estes problemas e divulgando-as entre os jovens na tentativa de consolidar o papel social do Design.

Agradecimento

Este trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ – Brasil.

Referências

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