UMA ECONOMIA PARA O 1%

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    DOCUMENTO INFORMATIVO DA OXFAM 210 18 DE JANEIRO DE 2016

    www.oxfam.org

    Favela Tondo em Manila, Filipinas, 2014. Foto: Dewald Brand, Miran, para a Oxfam

    UMA ECONOMIA PARA O 1%Como privilgios e poderes exercidos sobre a economia geramsituaes de desigualdade extrema e como esse quadro podeser revertido

    A crise da desigualdade global est chegando a novos extremos. O 1%mais rico da populao mundial detm mais riquezas atualmente do quetodo o resto do mundo junto. Poderes e privilgios esto sendo usados

    para distorcer o sistema econmico, aumentando a distncia entre osmais ricos e o resto da populao. Uma rede global de parasos fi scaispermite que os indivduos mais ricos do mundo escondam 7,6 trilhes dedlares das autoridades fiscais. A luta contra a pobreza no ser vencidaenquanto a crise da desigualdade no for superada.

    http://www.oxfam.org/http://www.oxfam.org/
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    SUMRIO EXECUTIVO

    UMA ECONOMIA PARA O 1%A distncia entre ricos e pobres est chegando a novos extremos. O bancoCredit Suisserevelou recentemente que o 1% mais rico da populao mundialacumula mais riquezas atualmente que todo o resto do mundo junto.Essefenmeno foi observado um ano antes de uma previso da Oxfam nessesentido ter sido amplamente divulgada, s vsperas da realizao do FrumEconmico Mundial do ano passado. Ao mesmo tempo, a riqueza detida pelametade mais pobre da humanidade caiu em um trilho de dlares nos ltimoscinco anos. Essa apenas a evidncia mais recente de que vivemosatualmente em um mundo caracterizado por nveis de desigualdade noregistrados h mais de um sculo.

    Uma Economia para o 1% analisa como isso aconteceu e por que, alm deapresentar novas evidncias alarmantes de uma crise de desigualdade que

    saiu do nosso controle.

    A Oxfam calculou o seguinte:

    Em 2015, apenas 62 indivduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhesde pessoas a metade mais afetada pela pobreza da humanidade. Essenmero representa uma queda em relao aos 388 indivduos que seenquadravam nessa categoria h bem pouco tempo, em 2010.

    A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em 44% nos cincoanos decorridos desde 2010 o que representa um aumento de mais demeio trilho de dlares (US$ 542 bilhes) nessa riqueza, que saltou para

    US$ 1,76 trilho. Ao mesmo tempo, a riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de

    um trilho de dlares no mesmo perodo uma queda de 41%.

    Desde a virada do sculo, a metade da populao mundial mais afetada pelapobreza ficou com apenas 1% do aumento total da riqueza global, enquantometade desse aumento beneficiou a camada mais rica de 1% da populao.

    O rendimento mdio anual dos 10% da populao mundial mais pobres nomundo aumentou menos de US$ 3 em quase um quarto de sculo. Suarenda diria aumentou menos de um centavo a cada ano.

    A crescente desigualdade econmica ruim para todos ns ela mina ocrescimento e a coeso social. No entanto, as consequncias para as pessoasmais afetadas pela pobreza no mundo so particularmente graves.

    Os apologistas do status quo afirmam que a preocupao com a desigualdade alimentada pela poltica da inveja. Eles costumam citar a reduo registradano nmero de pessoas que vivem em situao de extrema pobreza como provade que a desigualdade no constitui um problema de grandes dimenses. Essaafirmao , no entanto, equivocada. Como uma organizao estabelecida paracombater a pobreza, a Oxfam acolhe inequivocamente os fantsticos avanosque ajudaram a reduzir o nmero de pessoas que vivem abaixo da linha de

    extrema pobreza pela metade entre 1990 e 2010. No entanto, se adesigualdade dentro dos pases no tivesse aumentado no mesmo perodo,outros 200 milhes de pessoas teriam sado da pobreza. Esse nmero poderia

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    ter chegado a 700 milhes se as pessoas em situao de pobreza tivessemsido mais beneficiadas pelo crescimento econmico do que os ricos.

    Figura: Crescimento registrado na renda global para cada decil entre 1988 e 2011:

    46% do aumento total benefic iaram os 10% do decil superior2

    No h como negar o fato de que os grandes vencedores da nossa economiaglobal so os que esto no topo. Nosso sistema econmico fortementedistorcido em seu favor, alm de estar sendo, sem dvida nenhuma, cada vezmais enviesado nesse sentido. Longe de escorrer aos poucos para baixo (comopropalado na teoria do trickle down) e beneficiar os mais necessitados, a rendae a riqueza esto sendo sugadas para cima a um ritmo alarmante. Uma vez lem cima, um sistema cada vez mais complexo de parasos fiscais e umaindstria de gestores dessa riqueza garantem que ela permanea por l, longedo alcance de cidados comuns e de seus governos. Segundo uma estimativarecente3, riquezas individuais que somam US$ 7,6 trilhes equivalentes amais que o produto interno bruto (PIB) combinado do Reino Unido e daAlemanha esto sendo mantidas offshoreatualmente.

    Figura: A riqueza dos 62 indivduos mais ri cos do mundo continua a crescer,enquanto a da metade mais pobre da populao mundial permanece estagnada4

    -

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    BilhesdeUS$(PPCem2

    005)

    Decil da renda global

    Aumento da renda de 1988 a 2011 em bilhes de US$ 1% mais rico

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    Riquezatotalemb

    ilhesdeUS$(taxa

    decmbiocorrente,valornominal)

    Riqueza dos 50% maispobres (em bilhes deUS$)

    Riqueza das 62 pessoasmais ricas do mundo(segundo a revistaForbes, em bilhes deUS$)

    US$ 7,6 trilhes

    acumulados em

    riquezas individuais

    mais do que o PIB

    combinado do Reino

    Unido e da Alemanha

    so mantidos

    offshore atualmente.

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    Essa crescente desigualdade econmica tambm acentua desigualdadesexistentes. O Fundo Monetrio Internacional (FMI) observou recentemente que,em pases caracterizados por uma maior desigualdade de renda, as lacunasentre homens e mulheres em termos de sade, educao, participao nomercado de trabalho e representao em instituies como parlamentostambm tendem a ser maiores.5A instituio observou ainda que a distnciasalarial entre os gneros tambm maior em sociedades mais desiguais. interessante observar que 53 das 62 pessoas mais ricas do mundo sohomens.

    A Oxfam tambm demonstrou recentemente que embora as pessoas maisafetadas pela pobreza vivam em reas mais vulnerveis a mudanasclimticas, a metade mais pobre da populao mundial responsvel porapenas cerca de 10% de todas as emisses globais de gases do efeito estufa.6

    Em todo o mundo, o impacto ambiental mdio do 1% mais rico da populaomundial pode ser at 175 vezes mais intenso que o dos 10% mais pobres.

    Em vez de estabelecer uma economia que promove prosperidade para todos,

    para geraes futuras e para o planeta, criamos uma economia que favorece1% da populao mundial. Como isso aconteceu e por qu?

    Uma das principais tendncias subjacentes dessa gigantesca concentrao deriqueza e renda o retorno crescente sobre capital em relao ao retorno sobreo trabalho. Em quase todos os pases ricos e na maioria dos pases emdesenvolvimento, a parcela da renda nacional destinada aos trabalhadores vemdiminuindo. Isso significa que os trabalhadores esto ficando com uma parcelacada vez menor dos ganhos resultantes do crescimento econmico. Por outrolado, os donos de capital tm visto o seu capital crescer consistentemente (pormeio do pagamento de juros, dividendos ou lucros retidos) a uma taxa muitomais acelerada que a do crescimento das economias. A evaso fiscal por partedos donos de capital e o fato de governos terem reduzido os impostosincidentes sobre ganhos de capital tm aumentado ainda mais esses retornos.Como Warren Buffett deixou claro em uma de suas famosas afirmaes, elepaga menos impostos do que qualquer outra pessoa que trabalha no seuescritrio inclusive que seu faxineiro e sua secretria.

    No mundo do trabalho, a distncia entre o trabalhador mdio e os que esto notopo est se alargando rapidamente. Enquanto os salrios de muitostrabalhadores se estagnaram, os recebidos pelos que esto no topoaumentaram vertiginosamente. A experincia da Oxfam com mulherestrabalhadoras em todo o mundo, de Mianmar ao Marrocos, revela que elas mal

    esto conseguindo sobreviver com os salrios miserveis que recebem. Asmulheres constituem a maioria dos trabalhadores de mais baixa remuneraodo mundo e esto concentradas nos empregos mais precrios. Ao mesmotempo, os salrios de altos diretores de empresas aumentaramvertiginosamente. Os salrios dos diretores executivos das maiores empresasnorte-americanas aumentaram em mais da metade (54,3%) desde 2009,enquanto os dos trabalhadores permaneceram praticamente inalterados. Odiretor executivo da maior empresa de informtica da ndia ganha 416 vezesmais que um funcionrio mdio da mesma empresa. As mulheres ocupamapenas 24 dos cargos de direo executiva das empresas listadas na Fortune

    500.

    Em diferentes setores da economia global, empresas e pessoas muitas vezesusam seu poder e posio para garantir ganhos econmicos para elas prprias.

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    Mudanas ocorridas nas polticas econmicas nos ltimos 30 anos como asdecorrentes da desregulamentao, da privatizao, do sigilo financeiro e daglobalizao, especialmente do setor financeiro potencializaram a velhacapacidade dos ricos e poderosos de usar sua influncia para concentrar aindamais sua riqueza. Essa agenda poltica tem sido essencialmente impulsionadapelo que George Soros descreveu como fundamentalismo do mercado. Essefenmeno constitui, em grande parte, o cerne da crise de desigualdade dosnossos dias. Sua consequncia que as recompensas usufrudas por poucosno representam, em muitos casos, retornos eficientes ou justos.

    A rede de parasos fiscais e de uma indstria de evaso fiscal que floresceunas ltimas dcadas representa um exemplo inquestionvel de um sistemaeconmico manipulado para favorecer os poderosos. Sua legitimidadeintelectual tem sido endossada pela predominncia global de uma visofundamentalista de mercado, segundo a qual a baixa tributao de indivduos eempresas ricos necessria para estimular o crescimento econmico erepresenta, de alguma maneira, uma boa notcia para todos ns. O sistema mantido por um grupo muito bem remunerado e engenhoso de profissionais

    dos setores bancrio, jurdico, contbil e de investimentos privados.

    Os indivduos e empresas mais ricos os que deveriam pagar mais impostos so justamente os que tm condies de recorrer a esses servios e arquiteturaglobal para evitar pagar o que devem. Essa tambm uma situao queindiretamente induz governos de pases fora de parasos fiscais a reduzirem atributao de empresas e ricos numa inexorvel corrida para baixo.

    medida que impostos no so pagos em decorrncia de uma evaso fiscalgeneralizada, oramentos governamentais sofrem a presso, a qual, por suavez, leva a cortes em servios pblicos essenciais. Essa situao tambm tornagovernos cada vez mais dependentes de tributos indiretos, como do impostosobre valor agregado, que recai desproporcionalmente sobre as pessoas maisafetadas pela pobreza. A evaso fiscal um problema que est se agravandorapidamente.

    A Oxfam analisou 200 empresas, entre as quais as maiores do mundo e asque so parceiras estratgicas do Frum Econmico Mundial, e verificou quenove de cada dez delas esto presentes em pelo menos um paraso fiscal.

    Em 2014, os investimentos de empresas nesses parasos fiscais foramquase quatro vezes maiores do que em 2001.

    Esse sistema global de evaso fiscal est drenando a vida de Estados de bem-

    estar social no mundo rico. Ele tambm priva pases pobres de recursosnecessrios para combater a pobreza, colocar e manter crianas na escola eimpedir que seus cidados faleam em decorrncia de doenas facilmentecurveis.

    Quase um tero (30%) da riqueza dos africanos ricos que totaliza US$ 500bilhes mantido em parasos fiscais offshore. Estima-se que essa prticacuste US$ 14 bilhes por ano em receitas fiscais perdidas para os pasesafricanos. Esse valor suficiente para oferecer servios de sade quepoderiam salvar a vida de 4 milhes de crianas e empregar professores emnmero suficiente, para que todas as crianas africanas pudessem frequentar

    uma escola.A evaso fiscal foi corretamente descrita pela Ordem Mundial dos Advogadoscomo um abuso de direitos humanos7e pelo Presidente do Banco Mundial

    Quase um tero (30%)

    da riqueza de

    africanos ricos que

    totaliza US$ 500

    bilhes mantido

    em parasos fiscais noexterior. Estima-se

    que essa prtica custe

    US$ 14 bilhes por

    ano em receitas fiscais

    perdidas para os

    pases africanos. Esse

    valor suficiente para

    oferecer servios de

    sade que poderiam

    salvar a vida de 4

    milhes de crianas eempregar professores

    em nmero suficiente

    para que todas as

    crianas africanas

    pudessem frequentaruma escola.

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    como uma forma de corrupo que prejudica pessoas afetadas pela pobreza.A crise de desigualdade no poder ser superada enquanto as lideranasmundiais no derem um fim era dos parasos fiscais de uma vez por todas.

    Empresas que atuam nos setores do petrleo e gs e outras indstriasextrativas esto usando seu poder econmico de muitas maneiras diferentespara garantir sua posio dominante no mercado. Isso implica custos

    econmicos enormes e lhes garante lucros muito maiores do que o valor queelas trazem para a economia. Elas fazem lobbypara garantir subsdiosgovernamentais isenes fiscais e evitar o surgimento de alternativasecolgicas. No Brasil e no Mxico, povos indgenas so desproporcionalmenteafetados pela destruio de suas terras tradicionais quando florestas soderrubadas para dar lugar a projetos de minerao ou de agricultura intensivaem grande escala. Quando empresas so privatizadas como ocorreu naRssia aps a queda do comunismo, por exemplo grandes fortunas sogeradas da noite para o dia para um pequeno grupo de indivduos.

    O setor f inanceiro tem crescido mais rapidamente nas ltimas dcadas e

    atualmente responsvel por um de cada cinco bilionrios. Nesse setor, adiferena entre salrios e benefcios e o valor efetivamente agregado economia maior do que em qualquer outro. Um estudo realizadorecentemente pela Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento(OCDE)8revelou que pases com setores financeiros inchados caracterizam-sepor uma maior instabilidade econmica e uma desigualdade maior. No hdvida de que a crise das dvidas pblicas provocada pela crise financeira, porresgates de bancos e pela subsequente adoo de polticas de austeridade temafetado mais intensamente as pessoas pobres. O setor bancrio permanece nocerne do sistema dos parasos fiscais; a maioria da riqueza mantida offshoregerida por apenas 50 grandes bancos.

    No setor de vesturio, empresas usam constantemente sua posio dominanteno mercado para continuar a pagar salrios miserveis. Entre 2001 e 2011, ossalrios pagos a trabalhadores do setor de vesturio na maioria dos 15 pasesque mais exportam artigos dessa categoria caram em termos reais. Aaceitabilidade do pagamento de salrios mais baixos a mulheres tem sidodescrita como um fator essencial para aumentar o lucro dessas empresas. Omundo voltou sua ateno para a situao dos trabalhadores em fbricas devesturio em Bangladesh em abril de 2013, quando 1.134 trabalhadoresmorreram em decorrncia do desabamento do complexo fabril de Rana Plaza.Pessoas esto perdendo suas vidas medida que empresas se empenham em

    maximizar seus lucros, evitando adotar prticas necessrias de segurana. Adespeito de toda a ateno e retrica, os interesses financeiros de curto prazodas empresas compradoras ainda prevalecem nas atividades desse setor,como evidenciado pelo fato de continuarem sendo adotadas normasinadequadas contra incndio e de segurana.

    A desigualdade tambm intensificada pelo poder das empresas em usar seusmonoplios e propriedade intelectual para distorcer o mercado em seu favor,eliminando concorrentes e aumentando seus preos para as pessoas comuns.Empresas farmacuticas gastaram mais de US$ 228 milhes em 2014 ematividades de lobbyem Washington. Quando a Tailndia decidiu emitir uma

    licena compulsria para uma srie de medicamentos essenciais umadisposio que garante a governos a flexibilidade necessria para produzirmedicamentos localmente a um preo bem mais baixo, sem a necessidade de

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    obter a permisso do titular da respectiva patente internacional , essasempresas pressionaram com sucesso o governo dos Estados Unidos paraincluir a Tailndia em uma lista de pases que poderiam sofrer sanescomerciais.

    Todos esses exemplos ilustram como e por que nosso sistema econmico atual o da economia para o 1% est falido. Ele est deixando de atender a

    maioria das pessoas, bem como o planeta. No h dvida de que estamosenfrentando uma crise de desigualdade fato com o qual o FMI, a OCDE, oPapa e muitos outros concordam. No entanto, chegou a hora de fazermos algopara mudar essa situao. A desigualdade no inevitvel. O sistema atualno surgiu por acaso, ele o resultado de escolhas polticas deliberadas, dofato de nossas lideranas estarem dando ouvidos ao 1% e aos que os apoiamem vez de agirem no interesse da maioria. Chegou a hora de rejeitar essemodelo econmico falido.

    Nosso mundo no carece de riqueza. Simplesmente no faz sentidoeconomicamente e moralmente permitir que tanta riqueza fique nas mos

    de to poucos. A Oxfam acredita que a humanidade pode fazer melhor do queisso, que temos o talento, a tecnologia e a imaginao para construir um mundomuito melhor. Temos a oportunidade de construir uma economia mais humana,na qual os interesses da maioria sejam colocados em primeiro lugar. Ummundo que oferea trabalho decente para todos, no qual mulheres e homenssejam iguais, no qual os parasos fiscais sejam algo a respeito do qual aspessoas apenas leiam em livros de histria e no qual os mais ricos paguemuma fatia justa para apoiar uma sociedade que beneficie a todos.

    A Oxfam est chamando as lideranas mundiais para que tomem medidas quedemonstrem que elas esto do lado da maioria e que desejam, efetivamente,pr fim crise da desigualdade. Desde aumentos no salrio a melhoresmedidas para regular mais eficazmente as atividades do setor financeiro, hmuito que os formuladores de polticas podem fazer para pr fim economiapara o 1% e comear a construir uma economia humana que beneficie a todos.Eles podem:

    Garantir o pagamento de um salrio d igno aos trabalhadores e fechar adistncia com as bonificaes dos executivos: aumentando o salriomnimo para que se torne um salrio digno; garantindo a transparncia narelao salrio-lucro; e protegendo os direitos dos trabalhadores sindicalizao e greve.

    Promover a igualdade econmica e os direitos das mulheres direitos:oferecendo compensao pela prestao de cuidados no remunerados;eliminando a distncia salarial entre mulheres e homens; promovendodireitos iguais de herana e de titularidade de terras para as mulheres; emelhorando a coleta de dados para avaliar como mulheres e meninas soafetadas por polticas econmicas.

    Controlar a influncia de elites poderosas: estabelecendo registrosobrigatrios de atividades de lobbye normas mais robustas para conflitos deinteresse; garantindo que informaes de boa qualidade sobre processosadministrativos e oramentrios sejam publicamente divulgadas e facilmenteacessveis; reformando o ambiente regulatrio, com nfase na promoo datransparncia governamental; separando empresas do financiamento decampanhas; e adotando medidas para fechar as portas giratrias entregrandes empresas e o governo.

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    Mudar o sistema global de P&D e de fixao de preos paramedicamentos no sentido de que todos tenham acesso amedicamentos adequados e acessveis: negociando um novo tratadoglobal de P&D; aumentando investimentos em medicamentos, inclusive emmedicamente genricos acessveis; e excluindo normas de propriedadeintelectual de acordos comerciais. O financiamento de P&D deve serdesvinculado da fixao de preos de medicamentos para romper osmonoplios das empresas e garantir um financiamento adequado paraatividades de P&D em torno de terapias necessrias e a acessibilidade dosprodutos resultantes.

    Dividir a carga tributria em bases justas: diminuindo o peso da cargatributria sobre o trabalho e o consumo e aumentando essa carga sobre ariqueza, o capital e a renda decorrente desses ativos; aumentando atransparncia dos incentivos fiscais; e cobrando impostos nacionais sobregrandes fortunas.

    Adotar medidas progressistas em relao aos gastos pbl icos para

    combater a desigualdade: priorizando polticas, prticas e gastos queaumentem o financiamento de sistemas pblicos de sade e educao nosentido de combater a pobreza e a desigualdade em nvel nacional. Abrindomo de promover reformas no comprovadas e impraticveis, baseadas nalgica do mercado nos sistemas pblicos de sade e educao e ampliandoa prestao de servios essenciais por parte do setor pblico e no doprivado.

    Como uma questo prioritria, a Oxfam est chamando todas aslideranas mundiais para que cheguem a um acordo em torno de umaabordagem global para pr fim era dos parasos f iscais.

    As lideranas mundiais devem assumir um compromisso mais efetivo de prfim aos parasos fiscais e a regimes tributrios prejudiciais, inclusive regimesno preferenciais. Chegou a hora de pormos fim corrida para baixo nosistema de tributao de empresas de um modo geral. Em ltima anlise, todosos governos incluindo os dos pases em desenvolvimento em p de igualdade devem chegar a um acordo em torno da criao de um organismo fiscalglobal composto por representantes de todos os governos com o objetivo degarantir que os sistemas tributrios nacionais no tenham implicaes globaisnegativas.

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    1 O MUNDO EST FICANDOMAIS RICO, MAS ALGUNSESTO GANHANDO MAIS DO

    QUE OUTROSAVANOS GLOBAIS IMPRESSIONANTESA economia global mais do que dobrou nos ltimos 30 anos9.Em 2014, seuvalor chegou a quase US$ 78 trilhes. Com o aumento da produo e daprodutividade, ocorreram aumentos absolutos no produto interno bruto (PIB) um dos principais indicadores de prosperidade econmica em todas asregies do mundo ao longo desse perodo. O PIB combinado dos pases do Sulda sia em 2014 havia crescido mais de cinco vezes em relao a 1985.

    Nos ltimos 30 anos, o PIB cresceu mais anualmente, na mdia, em pases derenda baixa e mdia do que em pases mais ricos10.A renda mdia em pasesmais pobres est se aproximando da registrada em pases mais ricos e adesigualdade entre as naes est caindo11. Potncias econmicas emergentesesto liderando esse processo de recuperao: a China e a ndia, por exemplo,tm impulsionado, em grande parte, o aumento vertiginoso observado no PIBcombinado dos pases asiticos. Entre 1990 e 2011, o crescimento econmicoda regio ajudou cerca de um bilho de pessoas a sair da pobreza extrema,cerca de 700 milhes apenas nesses dois pases.12A proporo da populaomundial que vive em pobreza extrema caiu de 36 por cento em 1990 para 16por cento em 2010, permitindo que o Objetivo de Desenvolvimento do Milniode reduzir pela metade a pobreza extrema fosse alcanado cinco anos antes dameta estabelecida para 2015.13Estimulados por esse avano, em 2015lideranas mundiais assumiram o compromisso de erradicar a pobreza extremaat 2030 como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentvel (ODS).14

    Os estoques de riqueza global, que constituem o valor total de todos os ativos,tanto financeiros como no financeiros, menos a dvida total, tambm tmcrescido vigorosamente, multiplicando-se nos ltimos 15 anos de US$ 160trilhes em 200015para US$ 267 trilhes em 2015.16Embora a crise financeiraglobal de 2008 tenha afetado negativamente os estoques de riqueza, todas asregies do mundo cresceram ao longo do perodo, durante o qual alguns dos

    maiores aumentos foram registrados em pases de renda baixa e mdia. Osestoques de riqueza na Amrica Latina e na frica mais do que triplicaram,assim como a riqueza na China e na ndia, duas das economias emergentesque experimentaram as taxas mais rpidas de crescimento.17

    OS BENEFCIOS DO CRESCIMENTO TM SIDONEGADOSO crescimento e o progresso globais registrados no campo do desenvolvimentohumano nos oferecem boas razes para acreditar que podemos alcanar a

    meta de erradicar a pobreza de uma vez por todas. No entanto, a realidade quebilhes de pessoas dos grupos socioeconmicos mais pobres tmexperimentado, e que elas podem esperar se as tendncias atuais forem

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    mantidas, menos estimulante. Uma anlise mais minuciosa dos agregadosglobais e nacionais revela enormes diferenas em termos de renda e riquezanos nveis individual e familiar. Dados sobre a participao na renda globalrevelam que a desigualdade interpessoal da renda extremamente elevada eque os que esto no topo da distribuio da renda esto sendo beneficiadospor um nvel desproporcionalmente alto de crescimento geral.

    Se o crescimento da renda global fosse distribudo igualmente, seria de seesperar que cerca de 10 por cento da populao mundial estivessemenquadrados em cada decil (um dcimo) da populao. No entanto, a realidade que essa distribuio altamente desigual: entre 1988 e 2011, 46 por centodo crescimento global da renda beneficiaram principalmente os 10 por centomais ricos da populao mundial, enquanto os 10 por cento mais pobresficaram com apenas 0,6 por cento.18 19Na verdade, os 10 por cento mais ricosda populao mundial ficaram com mais do que os 80 por cento mais pobres ecom mais de quatro vezes o que os 50 por cento mais pobres retiveram. Essecenrio torna-se ainda mais preocupante quando se considera o um por centodo topo da distribuio da renda global. Entre 1988 e 2011, o um por cento

    mais rico da populao mundial recebeu um percentual maior do crescimentoda renda global do que todos os 50 por cento mais pobres (os quais constituem50 vezes mais pessoas).

    Figura 1: Crescimento da renda global regis trado para cada decil de 1988 a 2011;

    46% do aumento total benefic iaram os 10% mais ricos

    Fonte: Banco de dados do Painel de Distribuio de Renda no Mundo de Lakner-Milanovic (LM-WPID)(2013). Criado para C. Lakner e B. Milanovic (2013) Global Income Distribution: From the Fall of the BerlinWall to the Great Recession, Banco Mundial. Os dados relativos a 2011 foram fornecidos por meio decorrespondncia pessoal com B. Milanovic em setembro de 2015.Clculos feitos por Sophia Ayele; mais detalhes sobre a metodologia usada na elaborao do grfico podemser encontrados na nota metodolgica que a acompanha, disponvel emhttp://oxf.am/ZniS.

    As economias podem estar crescendo e os pases mais pobres podem estar serecuperando do seu atraso em relao aos mais ricos, mas a renda daspessoas mais afetadas pela pobreza em todo o mundo no estacompanhando essa tendncia e, consequentemente, o ritmo de reduo da

    pobreza extrema est muito mais lento do que seria possvel. Uma pesquisa doInstituto de Desenvolvimento Exterior (Overseas Development Institute- ODI)revelou que, entre 1990 e 2010, a renda dos 40 por cento mais pobres de

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    Decil da renda global

    Aumento da renda de 1988 a 2011 em bilhes de US$ 1% mais rico

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    muitos pases em desenvolvimento cresceu mais lentamente do que a taxamdia de crescimento nacional. Se a sua renda tivesse aumentado no mesmoritmo da mdia observada em todos os pases, 200 milhes de pessoas teriamdeixado de viver abaixo da linha de pobreza extrema at 2010.20Se ocrescimento tivesse favorecido pessoas afetadas pela pobreza e a renda dos40 por cento mais pobres tivesse aumentado dois pontos percentuais maisrapidamente do que a mdia, a pobreza poderia ter sido reduzida metade donvel no qual se encontra atualmente.21Embora o nmero de pessoas quevivem em condies de pobreza extrema tenha cado nos ltimos anos, elecontinua sendo inaceitavelmente elevado. O Banco Mundial estima que 700milhes de pessoas estivessem vivendo em condies de pobreza extrema(ganhando menos de US$ 1,90 por dia)22em 2015.23Economistas do BancoMundial preveem que a menos que o crescimento passe a favorecer pessoasafetadas pela pobreza nos prximos 15 anos, no conseguiremos erradicar apobreza extrema at 2030 e quase meio bilho de pessoas continuar a ganharmenos de US$ 1,90 por dia.24A desigualdade de renda no ruim apenas paraos que ganham muito menos, que esto sendo deixados para trs, mas

    tambm para os nveis gerais de crescimento. O FMI verificou, por exemplo,que um aumento da participao na renda dos 20 por cento mais pobres de umpas est associado a um maior crescimento do PIB.25

    Considerando as taxas de crescimento dos grupos de renda mais baixa emrelao mdia, como o novo ODS 10 se prope a fazer,26observa-se que adistncia gritante e crescente entre os ricos e os pobres no est sendoreduzida em termos absolutos. Mesmo que a renda das pessoas mais afetadaspela pobreza aumente na mesma proporo ou mais rapidamente que a mdia,a diferena absoluta entre os ricos e os pobres continuar a crescer. Para inciode conversa, a renda dos mais pobres to baixa que qualquer aumento fica

    pequeno em termos absolutos, enquanto para os que tm rendasextremamente elevadas, mesmo com um aumento baixo em termospercentuais pode resultar em enormes aumentos absolutos. Uma pesquisarealizada pelo ODI revelou que, nas ltimas trs dcadas, durante as quais ospases de um modo geral experimentaram longos perodos de crescimento darenda e uma melhora na sua distribuio geral, a desigualdade absolutainvariavelmente aumentou. Em uma amostra de pases em desenvolvimento,nos ltimos 20 anos os 10 por cento mais ricos ficaram com um tero dosganhos absolutos resultantes do aumento da renda, enquanto os 40 por centomais pobres s foram beneficiados com cerca de metade desse aumento.27NoBrasil, onde a desigualdade de renda ainda extremamente elevada, a renda

    dos 50 por cento mais pobres mais do que dobrou em termos reais entre 1988e 2011, quando cresceu a uma taxa ligeiramente mais acelerada que a dos 10por cento mais ricos. No entanto, o aumento da renda dos 10 por cento maisricos envolveu valores muito mais elevados em termos absolutos, de tal modoque a diferena absoluta entre a renda mdia dos dois grupos praticamentetambm dobrou.28

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    Figura 2: No Brasil , a renda dos 50% mais pobres aumentou a uma taxa maisacelerada que a dos 10% mais ri cos, mas ainda assim a diferena entre os doisgrupos aumentou

    Fonte: Clculos da Oxfam baseados no banco de dados do Painel de Distribuio de Renda no Mundo deLakner-Milanovic (LM-WPID) (2013). Veja as fontes usadas para a elaborao da Figura 1 e a notametodolgica que a acompanha emhttp://oxf.am/ZniS

    Uma anlise realizada pela Oxfam para este documento revela que embora adistribuio da renda global per capita tenha aumentado entre 1988 e 2011para o um por cento mais rico e os 10 por cento mais pobres em 31 por centoe 33 por cento, respectivamente , esses aumentos tiveram um impacto muitodiferente sobre seus padres de vida. Enquanto a renda per capita do um por

    cento mais rico aumentou de pouco mais de US$ 38.000 em PPC (paridade depoder de compra) em dlares internacionais de 2005 para pouco mais de US$49.800 (um aumento de US$ 11.800),29a dos 10 por cento mais pobresaumentou de US$ 196 para US$ 261 (um aumento de apenas US$ 65,deixando esse grupo bem abaixo da linha de pobreza extrema de US$ 1,90 pordia). Embora os dois grupos tenham experimentado aproximadamente omesmo percentual de crescimento de renda ao longo desse perodo, o aumentode US$ 65 per capita registrado para os 10 por cento mais pobres foi ofuscadopelo aumento observado para o um por cento mais rico, que foi 182 vezesmaior.

    Em termos de estoques de riqueza, a situao ainda mais desigual. No anopassado, a Oxfam relatou que o um por cento mais rico da populao mundialdetinha 48 por cento da riqueza total do mundo e que, se essa tendncia semantivesse, mais da metade de toda a riqueza global ficaria em suas mos at2016.30Isso aconteceu um ano antes do previsto pela Oxfam. A riqueza mdiade cada adulto enquadrado nesse um por cento mais rico de US$ 1,7 milho,mais de 300 vezes maior que a de uma pessoa mdia dos 90 por cento maispobres, enquanto a riqueza de muitas pessoas enquadradas nos 10 por centomais pobres equivalente a zero ou negativa.31A Oxfam tambm relatou noano passado que a riqueza coletiva dos 80 indivduos mais ricos da lista debilionrios da Forbes aumentou de US$ 1,3 trilho em 2010 para US$ 1,9

    trilho em 2014, o que significa que a sua riqueza igual da metade maispobre da populao mundial. Em 2015, os 80 bilionrios mais ricos do mundodetinham uma riqueza coletiva superior a US$ 2 trilhes. Ao mesmo tempo, a

    0

    50

    100

    150

    200

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    300

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    400

    450

    1988 2011

    Renda dos 50% maisafetados pela pobreza

    Renda dos 10% mais ricos

    Lacuna de

    US$ 194 bilhes

    Lacuna de

    US$ 113 bilhes

    http://oxf.am/ZniShttp://oxf.am/ZniS
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    riqueza da metade mais pobre da populao do planeta caiu emaproximadamente US$ 1 trilho nos ltimos cinco anos32e atualmente apenas62 bilionrios que esto ficando cada vez mais ricos detm uma riquezaequivalente da metade mais pobre da populao mundial (3,6 bilhes depessoas). Em 2010, o nmero desses bilionrios era de 388, o que significaque a riqueza ficou ainda mais concentrada nas mos de poucos.33

    Figura 3: A riqueza dos 62 indivduos mais ricos do mundo con tinua a crescer,enquanto a da metade mais pobre da populao mundial f ica estagnada

    Fontes: Riqueza dos 50 por cento mais pobres segundo o relatrio Global Wealth Databook 2015 do bancoCredit Suisse. Os dados sobre a riqueza lquida dos 62 indivduos mais ricos do mundo foram extrados dalista anual de bilionrios da Forbes.

    A crescente desigualdade econmica acirra tambm as desigualdadesexistentes entre grupos sociais, principalmente a desigualdade de gnero. Adesigualdade de gnero tanto causa como consequncia da desigualdade derenda. O FMI verificou recentemente que, em pases com nveis mais altos dedesigualdade de renda, as desigualdades de gnero na sade, educao,participao no mercado de trabalho e representao tambm so mais altos.34A diferena salarial entre os gneros, caracterizado pelo fato de mulheresganharem menos do que homens para realizar o mesmo trabalho, tambm mais acentuado em sociedades mais desiguais35e esse fenmeno agravadopela segregao profissional e pelas responsabilidades assumidas pelas

    mulheres com o cuidado no remunerado.36

    As mulheres ficam com uma fatiabem menor do bolo econmico que os homens e as rendas mais altas soquase que exclusivamente reservadas para os homens 445 das 500 pessoasmais ricas do mundo so homens.37Ao mesmo tempo, as mulheres constituema maioria dos trabalhadores de baixa remunerao do mundo e estoconcentradas nos empregos mais precrios.38Alm disso, um estudo sobreeconomias emergentes concluiu que em pases nos quais foram registados osaumentos mais significativos de longo prazo na desigualdade econmica como na Rssia e na China, por exemplo foram observadas tambmredues mais lentas que a mdia nas desigualdades de gnero.39

    O aumento da desigualdade constitui um problema para todos ns. A OCDEobservou que a crescente desigualdade de renda representa um risco para acoeso social que ameaa atrasar processos de recuperao econmica emcurso.40O Banco Mundial mencionou que a promoo da prosperidade

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    3000

    Riquezatotalemb

    ilhesdeUS$(taxade

    cmbiocorrente,valornominal)

    Riqueza dos 50%mais pobres (em

    bilhes de US$)

    Riqueza das 62pessoas mais ricas domundo (segundo arevista Forbes, embilhes de US$)

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    compartilhada um dos seus dois principais objetivos em apoio reduo dapobreza.41At o FMI destacou que a desigualdade pode ter consequnciasnegativas no apenas para as pessoas mais afetadas pela pobreza, mastambm para a sade geral das economias.42 Para que o mundo possaalcanar seu objetivo de longo prazo acordado recentemente de zerar asemisses de gases de efeito de estufa at a segunda metade do sculo,43equacionar a questo da distribuio de emisses tambm crucial. A Oxfamdemonstrou recentemente que embora as pessoas mais afetadas pela pobrezado mundo vivam em reas mais vulnerveis a mudanas climticas, a metademais pobre da populao mundial responsvel por apenas cerca de 10 porcento de todas as emisses globais. Ao mesmo tempo, a mdia da pegada decarbono do 1% mais rico da populao mundial pode ser at 175 vezes maiorque o impacto dos 10 por cento mais pobres.44

    Precisamos reverter essa tendncia adotando polticas progressistas capazesde garantir o compartilhamento das recompensas econmicas entre todas aspessoas, em vez de concentr-las no retorno ao capital. A renda e a riquezainvestidas em servios pblicos e infraestrutura poderiam promover melhores

    oportunidades sociais e econmicas e o acesso a elas por parte da maioria,alm de acelerar avanos no sentido da erradicao da pobreza extrema. Esseseria um resultado muito melhor para a sociedade do que a crescenteconcentrao de renda e acumulao de riqueza nas mos de poucos.

    OS DONOS DE CAPITAL E ALTOS EXECUTIVOSPROSPERAM CUSTA DO TRABALHADOR MDIO

    A renda pode ser dividida de um modo geral entre a renda do trabalho, gerada

    por trabalhadores na forma de salrios e benefcios, e rendimentos de capital,definidos como dividendos, juros e os lucros retidos das empresas. Nas ltimastrs dcadas, a parcela de renda atribuvel ao trabalho vem diminuindo namaioria dos pases,45 enquanto a parcela atribuvel ao capital vem aumentando.Esse fato foi destacado no livro O Capital no Sculo XXI, de Thomas Piketty,best-seller em 2014, segundo o qual os retornos para donos de capitalaumentaram a uma taxa mais acelerada que a do crescimento econmico deum modo geral.46Isso significa que os trabalhadores esto ficando com umaparcela menor dos ganhos resultantes do crescimento.

    Essa tendncia vem sendo observada tanto em pases ricos como em pases

    pobres: a parcela da renda oriunda do trabalho caiu em quase todos os pasesda OCDE nos ltimos 30 anos47e em dois teros dos pases de renda baixa emdia entre 1995 e 2007.48A Amrica Latina a nica regio que contrariouessa tendncia, j que foi registrado um aumento na renda salarial ao longodesse perodo em alguns pases da regio.49Dados da Penn World Tableindicam que a parcela mdia da renda do trabalho em 127 pases caiu de 55por cento em 1990 para 51 por cento em 2011.50A Figura 4 mostra que essatendncia ainda est presente em todas as regies do mundo. Ao mesmotempo, os salrios no esto acompanhando a produtividade dostrabalhadores.51A queda da participao do trabalho na renda reflete o fato deque melhorias na produtividade e o crescimento da produo no se traduzem

    em aumentos proporcionais nos salrios dos trabalhadores. Essa situao temconsequncias importantes, j que elimina os vnculos entre a produtividade e aprosperidade. Nos Estados Unidos, a produtividade lquida cresceu 72,2 por

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    cento entre 1973 e 2014, mas a remunerao por hora do trabalhador mdioajustada pela inflao aumentou apenas 8,7 por cento.52

    Figura 4: Renda do trabalho como um percentual do PIB em pases com

    diferentes nveis de renda, 1988-2011

    Fonte: Penn World Table. R.C. Feenstra, R. Inklaar e M.P. Timmer (2015) The Next Generation of the PennWorld Table, no prelo,American Economic Review, disponvel para downloademwww.ggdc.net/pwt

    Alm de no estarem recompensando os trabalhadores adequadamente porseus esforos, os salrios tambm esto deixando de satisfazer asnecessidades de indivduos e famlias em termos de renda. Na Unio Europeia,cerca de 9 por cento das pessoas que participam do mercado de trabalho esto

    correndo o risco de cair na pobreza e essa proporo aumentou ao longo daltima dcada.53Uma pesquisa realizada pela Oxfam destacou os desafiosenfrentados por trabalhadores em situao de pobreza em diferentes pases esetores. Um documento informativo lanado recentemente, intitulado In WorkBut Trapped in Poverty(Trabalhando, Mas Presos na Pobreza na traduoem portugus), resume uma pesquisa da Oxfam que identifica verificaescomuns em cinco setores de cinco pases em desenvolvimento trabalhadoresenvolvidos em jornadas de trabalho extremamente longas, mas ainda assimpresos na pobreza.54Em um estudo mais recente (realizado em julho de 2015),trabalhadores do setor de vesturio de Mianmar afirmaram que, mesmotrabalhando horas extras, no podiam pagar por uma moradia, alimentos e

    medicamentos com o que ganhavam trabalhando nas fbricas que oscontratavam e expressaram preocupao com seus baixos salrios, longasjornadas de trabalho e problemas de segurana.55No Marrocos, a Oxfamverificou em 2009 que catadoras de morangos estavam sofrendo diversasviolaes de seus direitos, inclusive assdio por parte de fornecedores de mode obra, transporte perigoso e salrios abaixo do mnimo,56vinculado ao seuextremo desempoderamento em relao aos homens.

    A baixa remunerao pode ser agravada por outras vulnerabilidades laboraisonde os empregos so precrios. Essa afirmao particularmente verdadeirano caso das mulheres, que constituem a maioria dos trabalhadores de baixa

    remunerao e dos que tm os empregos mais precrios57e so obrigadas aassumir responsabilidades maiores em relao a atividades no remuneradas,o que limita suas possibilidades de assumir funes de liderana ou empregos

    40%

    45%

    50%

    55%

    60%

    65%

    1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 2011

    Proporomdiadarendadotrabalho

    em

    relaoaoPIB

    Renda alta Renda mdia alta Renda mdia baixa Renda baixa

    http://www.ggdc.net/pwthttp://www.ggdc.net/pwthttp://www.ggdc.net/pwt
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    mais profissionais ou tcnicos.58Na mdia, as mulheres gastam cerca de 2,5vezes mais tempo diariamente com atividades no remuneradas que oshomens59e estudos tm revelado que suas responsabilidades em relao aessas atividades no se reduzem medida que a sua participao no mercadode trabalho aumenta.60Os baixos nveis de remunerao das mulheres tmtambm um efeito cumulativo ao longo de suas vidas, gerando maisinsegurana de um modo geral pelo fato de no conseguirem poupar osuficiente ou ter uma aposentadoria para se manter na velhice.61 mais difcilpara as mulheres encontrar um trabalho decente do que para os homens, comoevidenciado, por exemplo, pelo fato de que 84,3 por cento das mulheres nafrica subsaariana tinham empregos vulnerveis (inclusive trabalho noremunerado no lar) em 2014, contra 70,1 por cento dos homens.62Em muitospases em desenvolvimento, 75 por cento dos empregos de mulheres soinformais.63

    Uma abordagem adotada pelo Governo do Equador oferece um exemplo deuma maneira eficiente de se aumentar salrios baixos. A Constituio doEquador de 2008 contm um artigo sobre a necessidade de um salrio mnimo

    e, em 2014, foi adotada uma poltica de salrio mnimo em resposta a essadeterminao constitucional. Desde ento, o salrio mnimo vem aumentando acada ano em termos reais, a despeito dos elevados nveis de inflaoregistrados no pas; no entanto, o efeito desse aumento sobre o emprego e ossalrios em nvel nacional tm sido limitados devido no observncia dessapoltica e ao grande nmero de trabalhadores informais do pas. 64Empresasque operam no Equador so legalmente obrigadas a pagar um salrio mnimoaos seus trabalhadores antes de emitir dividendos aos seus acionistas. Outrasabordagens promissoras para se aumentar salrios incluem o Protocolo daLiberdade de Associao no setor de roupas esportivas da Indonsia;65o

    processo de Ao, Colaborao, Transformao (ACT) entre um grupo demarcas de vesturio e a federao sindical mundial Industrial para promovernegociaes salariais no setor como um todo;66a coalizo Malawi 2020, queassumiu o compromisso de revitalizar a indstria do ch no pas e garantir oestabelecimento de um salrio mnimo at 2020;67e um esquema decadastramento introduzido pela Living Wage Foundation(Fundao porSalrios Dignos) no Reino Unido.68No entanto, iniciativas voluntrias comoessas conseguiram aumentar muito pouco a renda de trabalhadores emcomparao com as mudanas introduzidas com base em polticas pblicas,como no caso do Equador e, em menor medida, na China, que beneficiamtodos os trabalhadores e no apenas os que tm algum vnculo com empresas

    globais.69

    Alm de oferecer empregos de melhor remunerao e decentes, a economiaglobal precisa tambm aumentar a oferta desses empregos. Isso particularmente vital no contexto atual de crescimento demogrfico e avanostecnolgicos contnuos que oferecem alternativas robticas e automatizadaspara substituir trabalhadores em muitos setores. A despeito de quase 20 anosde crescimento robusto do PIB, as economias africanas esto criando muitopoucos empregos em setores nos quais a produo por trabalhador suficientemente alta para oferecer uma rota de sada da pobreza.70Um aspectoainda mais preocupante que os setores que mais esto crescendo em termos

    de atividade econmica, como o de servios de alta tecnologia, so os queesto criando menos empregos.71A Organizao Internacional do Trabalho(OIT) estima que mais de 201 milhes de pessoas estavam desempregadas em

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    todo o mundo em 2014, o que constitui um aumento de mais de 31 milhesdesde o incio da crise financeira global.72Para piorar a situao, a OIT prevque as perspectivas globais de emprego continuaro a se deteriorar, gerandoum aumento de trs milhes no nmero de desempregados somente em 2015.Em todos os pases do mundo, os jovens, principalmente mulheres jovens, soos mais afetados pela elevao das taxas de desemprego, considerando queas taxas de desemprego entre eles so quase trs vezes mais altas que asregistradas entre os adultos.73A OIT relata que essa tendncia comum emtodas as regies do mundo, a despeito de uma tendncia geral de melhora nosnveis de escolaridade.

    No entanto, nem todos os participantes do mercado de trabalho saemperdendo. Enquanto a parcela geral da renda dos salrios est encolhendo, osaltos executivos de empresas esto ficando com fatias cada vez maiores dessaparcela. Em um relatrio de 2012, a OCDE verificou que embora o salrio dostrabalhadores de baixa renda tenha diminudo, a renda do um por cento maisrico dos assalariados aumentou 20 por cento nas duas ltimas dcadas. 74Essefato pode ser observado nos aumentos vertiginosos registrados nos

    contracheques de diretores executivos de empresas. O salrio mdio (maisbonificaes) de um diretor executivo de uma das 350 maiores empresas norte-americanas em 2014 era de US$ 16,3 milhes por ano, 3,9 por cento mais altodo que em 2013 e 54,3 por cento acima do que um CEO recebia antes do inciodo processo de recuperao econmica do pas, em 2009 (veja a Figura 5).75Eesse um ambiente quase que exclusivamente dominado por homens: apenas22 dos cargos de direo executiva das empresas listadas no S&P 500 soocupados por mulheres,76o que significa que essa tendncia est contribuindopara aprofundar a diferena salarial entre os gneros. Os altos salrios pagos adiretores executivos de empresas tm provocado um efeito de

    transbordamento, aumentando o salrio de outros executivos e gerentes econtribuindo para duplicar a parcela de renda do um por cento mais rico e do0,1 por cento das famlias mais ricas dos Estados Unidos entre 1979 e 2007.77A incidncia de menores alquotas marginais de imposto de renda nos ltimos30 anos o percentual de imposto aplicvel renda para os nveis mais altosde renda proporcionam um maior incentivo para que pessoas com rendaselevadas se dediquem mais intensamente a transferir mais renda para seuspacotes pessoais de remunerao quando a oportunidade se apresenta.78Observou-se que a diminuio das alquotas marginais de imposto de rendaest fortemente associada elevao das parcelas de renda antes dopagamento de impostos tanto nos Estados Unidos, como em muitos outros

    pases.79

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    Figura 5: Nos Estados Unidos, os salrios de diretores executivos estoaumentando muito mais do que os salrios dos t rabalhadores mdios

    Fonte: Extrado de L. Mishel e A. Davis (2015) CEO Pay Has Grown 90 Times Faster than Typical WorkerPay Since 1978, EPI. http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/80

    No apenas em pases ricos que os salrios pagos a diretores executivos somuito mais altos que a mdia. Os legisladores da ndia aprovaram um mandadode divulgao pblica em 2013 obrigando as empresas a divulgarempublicamente a relao entre os salrios pagos aos seus diretores executivos eos pagos aos seus demais funcionrios, o que constitui um passo importante no

    sentido de informar o pblico sobre o nvel de desigualdade dentro dasempresas.81A Comisso de Superviso do Mercado de Valores Mobilirios(Securities and Exchange Board) da ndia est, neste momento,disponibilizando ao pblico a primeira srie de informaes a esse respeitodivulgadas pelas empresas. Essas informaes revelam, por exemplo, que osalrio do diretor-presidente do maior fabricante de cigarros do pas 439vezes mais alto que o salrio mdio pago aos demais funcionrios da empresa,enquanto o salrio pago ao mais alto executivo da maior empresa de serviosde TI do pas 416 vezes mais alto que o pago ao trabalhador mdio damesma empresa.82

    PRIVILGIOS, PODER E INFLUNCIAIMPULSIONAM A CONCENTRAO DERECOMPENSAS ECONMICAS

    Como as pessoas dependem de economias nacionais para gerar empregos,bens, servios e estabilidade, so necessrias economias fortes para reduzir apobreza, principalmente em pases mais pobres. Esse fato importante,embora se reconhea que medidas de crescimento econmico omitemimportantes facetas no monetrias do bem-estar e do progresso.83

    997,2%

    503,4%

    10,9%0%

    200%

    400%

    600%

    800%

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    1400%

    1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014

    Variaopercentual

    Salrios de diretores executivos S&P 500 Salrio tpico de um trabalhador

    http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/http://www.epi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978/
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    H muito tempo, a ideia de mercados livres tem sido promovida como aabordagem mais eficiente para a gesto da economia, com base nopressuposto de que as leis de oferta e demanda garantem os melhores preospossveis para todos os bens e servios.84Essa perspectiva tem predominadona economia ortodoxa e influenciado formuladores de polticas h muito tempo,principalmente na dcada de 1980.

    Ela constitui a base do Consenso de Washington, que estabeleceu uma receitapara os pases em desenvolvimento, reconhecida, de um modo geral, comouma abordagem focada na privatizao, na liberalizao e namacroestabilidade (que significa principalmente estabilidade de preos). Essaabordagem sugere que a interveno dos governos na economia produtivadeve ser reduzida ao mnimo para permitir que os mercados floresam.85Nadcada de 1990, no entanto, observou-se que o modelo de Consenso deWashington apresentava falhas graves e estava fazendo mais mal do que bempara muitos dos pases em desenvolvimento que haviam adotando suasestratgias.86No Egito, por exemplo, observou-se que o fundamentalismo dolivre mercado e os programas de ajuste estrutural (PAE) foram fortemente

    associados com os impactos negativos sobre a capacidade das mulheres de sebeneficiarem do crescimento econmico devido a sua concentrao em umnmero limitado de setores econmicos, sua mobilidade reduzida e suasresponsabilidades com atividades no remuneradas.87

    Esse modelo de soluo nica baseou-se no pressuposto de que vivemos emuma economia perfeitamente competitiva: todos conhecem os negcios detodos e todos podem participar, um pressuposto que obviamente no sesustenta na vida real. Nesse modelo, empresaras compradoras e vendedoresempenham-se constantemente em obter vantagens em relao aos seusconcorrentes. A inovao tecnolgica e organizacional, novos produtos ou

    servios e novas maneiras de prest-los ou fornec-los podem proporcionaruma vantagem aos vendedores. No entanto, essa vantagem pode tambm serobtida por meio de relaes arraigadas com pessoas no poder, de distorodas regulaes e leis em seu favor e da explorao de falhas de mercado emproveito prprio.

    Quadro 1: Rent-seeking

    Recursos podem ser usados improdutivamente para reivindicar produo ouriqueza j existentes ou para pressionar pela adoo de polticas que criambenefcios privilegiados. Esse comportamento improdutivo conhecido em

    ingls como rent-seeking. Em grande parte, essa busca por renda por meio devantagens, privilgios e ganhos especiais envolve decises governamentais oupolticas..., mas essa prtica tambm adotada em relaes pessoais e nointerior de empresas e burocracias.

    Fonte: R.D. Congleton e A.L. Hilman (2015) Companion to Political Economy of Rent Seeking,Editora Edward Elgar Publishing

    Nem sempre necessrio investir muito trabalho, esforos e criatividade paragerar retornos lucrativos e garantir uma posio de poder e vantagenseconmicas. Na verdade, a gerao de renda e riqueza pode estar quase queinteiramente desvinculada da produtividade ou de algum valor agregado. Um

    exemplo extremo desse fato seria o de um senhor da guerra erguer umabarreira em uma ponte e cobrar uma taxa para que as pessoas possamatravess-la, embora ele no tenha tido nada a ver com a construo dessa

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    ponte. No entanto, em muitos casos mais difcil identificar onde retornosesto desvinculados de qualquer valor. Por exemplo, uma empresa petrolferapode afirmar que lucros gerados pela extrao de petrleo constituem umreflexo genuno da contribuio econmica de suas atividades em decorrnciada sua experincia tecnolgica e de seus investimentos iniciais de capital. Noentanto, os gigantescos lucros da empresa e os salrios milionrios dos seusexecutivos tambm so gerados em decorrncia da sua capacidade de excluiroutras empresas desse setor e da demanda internacional por petrleo, quepressiona seus preos para cima; isso acontece com mais intensidade quandoo volume de petrleo produzido menor.

    Seria perverso afirmar que as contribuies de 62 bilionrios individuais tm omesmo valor das contribuies de 3,6 bilhes de outras pessoas. impossvelque o diretor executivo de um fabricante de cigarros da ndia seja to produtivoquanto seus demais 439 funcionrios ou que o proprietrio de uma loja deroupas do Reino Unido seja capaz de produzir o mesmo que mais de 2.000trabalhadores.88A distncia entre os mais ricos e o restante da populaomundial continua, no entanto, a crescer. A diferena entre os salrios pagos a

    diretores executivos de empresas e seus funcionrios no Reino Unidoaumentou ainda mais desde que a Oxfam publicou seu relatrio sobre adesigualdade em 2014. A relao atual de 183:1.89As recompensas dosdonos de capital e dos executivos continuam a crescer,90enquanto otrabalhador mdio recebe menos por suas contribuies adicionais, fazendocom que a distncia entre a produtividade e os salrios dos trabalhadorescontinue aumentando (veja a Figura 6).

    Figura 6: A produtividade dos trabalhadores nos pases desenvolvidos aumentou,mas seus salrios no sub iram na mesma proporo

    Fonte: Reproduzido da Figura 7 do relatrio Global Wage Report 2014/15da OIT. Banco de Dados SalariaisGlobais da OIT; Modelos de Tendncias Economtricas da OIT, abril de 2014.

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    ndice(an

    o-base1999)

    ndice de produtividade do trabalho

    ndice dos salrios reais

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    As prticas adotadas pelos chamados setores clientelistas (crony sectors),ilustram como se pode adquirir riqueza intensamente sem gerar benefcios paraa sociedade. Os setores clientelistas so os vulnerveis a monoplios ou osque tm um alto envolvimento do Estado, inclusive autoridade governamentalpara emitir licenas de operao. O aumento da riqueza dos bilionrios desetores clientelistas sugere tambm que riqueza e renda esto sendoadquiridas de maneiras que no geram benefcios ou valor para o restante dasociedade. Usando dados da Forbes para calcular a riqueza concentrada emsetores clientelistas , a revista The Economistverificou que os bilionrios deeconomias emergentes, que geraram pelo menos parte da sua riqueza a partirdesses setores, dobraram seus rendimentos em relao ao tamanho daeconomia entre 2000 e 2014.91A revista verificou tambm que indivduos forambeneficiados por projetos de urbanizao e pelo aumento associado nosvalores de terras e imveis; que o boomdos preos das commoditiesenriqueceu proprietrios de recursos naturais em muitos pases, do Brasil Indonsia; e que processos de privatizao, alguns dos quais desenvolvidosem condies duvidosas, tambm geraram retornos lucrativos para novos

    proprietrios privados.92

    Considerando a riqueza que indivduos geraram a partir de setoresdependentes do Estado e de pases propensos prtica da corrupo,juntamente com heranas milionrias e, portanto, no conquistada com oprprio suor, a Oxfam estima que pelo menos 50 por cento das fortunas dosbilionrios do mundo poderiam ter sido, pelo menos parcialmente, adquiridospor meios no meritocrticos.93Na ndia, 46 por cento dos bilionrios fizeramsuas fortunas a partir de setores que dependem do poder de mercado,influncia ou acesso preferencial a licenas.94No Mxico, a riqueza combinadade quatro multimilionrios aumentou de uma proporo equivalente a 2 por

    cento do PIB do pas em 2002, para 9 por cento em 2014.

    95

    Uma parcelasignificativa das fortunas desses quatro indivduos foi feita a partir de setoresque foram privatizados, que foram objeto de projetos de concesso e/ou queforam regulados pelo setor pblico. German Larrea e Alberto Baillres, porexemplo, so proprietrios de empresas de minerao que exploraram o boomdos preos das commodities.96

    Instituies econmicas e polticas tm o poder de reduzir ou aumentar o pontoat o qual recompensas podem ser desvinculadas do esforo e do mrito. Elespodem e devem controlar a medida de poder de mercado que diferentessetores, empresas e indivduos podem ter e como usam desse poder. Aproteo da propriedade intelectual, por exemplo, pode garantir que os quetrabalharam duro e se esforaram efetivamente para desenvolver umdeterminado produto sejam devidamente recompensados, ou pode geraroportunidades para que empresas e indivduos dominem mercados. Vantagenscompetitivas temporrias oriundas da inovao podem se tornar permanentescom base em emendas na legislao e regulaes que podem distorcer omercado para sempre.

    Em princpio, a economia de um pas e seu sistema poltico so separados,mas, como a Oxfam mostrou em seu documento Working for the Few(Trabalhando Para Poucos), lanado em 2014, eles so, na verdade,intrinsecamente vinculados.97A relao entre o poder poltico e econmico e a

    desigualdade gera um ciclo que afeta o desenho das instituies estabelecidaspara gerir as economias.98A riqueza tem o potencial de influenciar a formulaode polticas governamentais e distorcer as regras em favor dos ricos, em muitos

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    casos em detrimento de todos os demais. As consequncias desse fenmenoincluem a eroso da governana democrtica, a diminuio da coeso social ea reduo da igualdade de oportunidades para todos. No passado, algunsexcessos eram amenizados pelo poder de trabalhadores sindicalizados e suainfluncia sobre instituies econmicas, mas o declnio global dasindicalizao do setor privado reduziu esse poder, contribuindo, assim, paraaumentar a desigualdade.99

    Nos ltimos 35 anos, decises de desregular e privatizar, juntamente com oadvento da era da informao e da globalizao, geraram novas oportunidades.No entanto, essas foras permitiram tambm que diferentes setores, empresase indivduos concentrassem uma parcela desproporcional de poder econmicoem suas mos. Esse fenmeno no benigno. A concentrao do podereconmico usada para promover os interesses desses setores, empresas eindivduos, criando um ciclo vicioso e injusto que mantm e aumenta o controleda elite sobre mercados e recursos econmicos custa de todos os demais, deconcorrentes a empregados. As mulheres, particularmente, ficam emdesvantagem, j que so sub-representadas em cargos de liderana e super-

    representadas em setores de baixa remunerao, na economia informal e ematividades no reconhecidas e no remuneradas. Para que a prosperidadepossa ser compartilhada e as pessoas possam ter a oportunidade de participardo crescimento econmico e sentir que seu trabalho vale a pena, as instituiesque determinam como nossas economias devem funcionar precisamrepresentar os interesses das pessoas comuns e no daqueles poltica eeconomicamente mais poderosos.

    As evidncias analisadas na Seo 1 destacam tendncias urgentes epreocupantes. O mundo no est com falta de renda, que continua a crescer;ou de riqueza, que continua a se acumular. injusto que pessoas que vivem

    em situao de pobreza no estejam recebendo o reforo salarial de queprecisam desesperadamente, enquanto donos de capital j privilegiados ficamcom uma parcela maior da renda e da riqueza, que esto ficando cada vezmais concentradas, aumentando a desigualdade.

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    2 PODER E PRIVILGIOS EMAO

    Com base nas tendncias e evidncias globais analisadas na seo 1, a seo

    2 deste documento analisa mecanismos, organizaes e indivduos queoferecem evidncias de que o poder econmico e poltico est sendo exercidopara moldar normas e instituies em favor de uma elite minoritria.Inicialmente, ela examina a arquitetura do sistema fiscal global, que tem umimpacto sobre todas as empresas e indivduos. Em seguida, considera algunssetores especficos nos quais pessoas em posies de poder e influncia estotendo ganhos substanciais, e como os custos ambientais, sociais e financeirosgerados por esses ganhos recaem sobre pessoas comuns. Os trs setoresenfocados extrativo, financeiro e de vesturio so diferentes em suasestruturas e importncia em diferentes economias, mas todos tm a tendnciade excluir pessoas comuns das recompensas que geram. Posteriormente, esta

    seo identifica estruturas empresariais e disposies legais que facilitam aconcentrao de poder econmico e, por ltimo, enfoca o poder que indivduosricos tm de manipular as normas em seu favor.

    AS ELITES ESTO MOLDANDO O SISTEMA FISCALMUNDIAL E MANTENDO PARASOS FISCAISABERTOS PARA NEGCIOS

    Em todos os pases do mundo, receitas fiscais financiam servios pblicos,

    infraestrutura, rgos reguladores, sistemas de seguridade social e outros bense servios que os mantm funcionando. Regimes fiscais justos so vitais parafinanciar o bom financiamento e eficincia dos Estados e para permitir que seusgovernos cumpram com suas obrigaes de garantir os direitos dos cidados aservios essenciais como sade e educao. Particularmente em pases emdesenvolvimento, que tm uma necessidade ainda maior de fortalecer seusservios de sade e educao para atender seus milhes de cidados queainda vivem em situao de pobreza extrema, as receitas fiscais representamuma maneira sustentvel de levantar recursos para esse fim e a adoo de umsistema fiscal bem concebido e progressista pode garantir que os que podempagar mais faam uma contribuio maior. No entanto, os cdigos fiscais

    nacionais, bem como a estrutura tributria internacional, podem no lograr esseintento e funcionar no sentido inverso, onerando mais intensamente pessoasque so mais afetadas pela pobreza.100 101

    A atual arquitetura tributria global tambm enfraquece a capacidade dosgovernos de cobrar impostos devidos por facilitar a sonegao fiscaltransfronteiria e a ocultao de riqueza. Em particular, parasos fiscais102ecentros financeiros offshore, que podem caracterizar-se pelo sigilo e porregimes de baixa ou nenhuma tributao, constituem um dos mecanismos maisobviamente usados para permitir que indivduos e empresas deixem de cumprirsuas obrigaes fiscais. Os governos esto longe de reprimir eficazmente a

    prtica global da evaso fiscal e sua rede associada de parasos fiscais.103Essesistema explorado por facilitadores profissionais privados muito bemremunerados e engenhosos dos setores bancrio, jurdico, contbil e de

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    investimentos que sabem tirar proveito de uma economia global cada vez maissem fronteiras ou atritos. As empresas e indivduos mais ricos, que numsistema fiscal progressista deveriam ser os que mais pagam impostos, so osque tm os maiores incentivos para explorar essa arquitetura no sentido deevitar o pagamento da sua parcela justa de impostos e que podem se dar aoluxo de contratar esses facilitadores.

    A explorao de brechas fiscais e o envolvimento em esquemas de evasofiscal de grande escala so elementos intrnsecos das estratgias adotadas pormuitas empresas multinacionais para aumentar seus lucros. As empresaspodem transferir artificialmente a propriedade de ativos ou os custos reais dassuas operaes para subsidirias de fachada, estabelecidas em jurisdies debaixa tributao ou que no exigem a divulgao de informaes comerciaisrelevantes. Os lucros desaparecem dos pases nos quais a atividadeeconmica dessas empresas efetivamente exercida e passam a existirapenas em parasos fiscais. Em 2012, por exemplo, multinacionais dos EstadosUnidos relataram lucros de US$ 80 bilhes nas Bermudas valor superior aoque relataram ter obtido conjuntamente no Japo, China, Alemanha e Frana.

    Essa cifra gigantesca equivalente a 3,3 por cento de todos os lucros obtidospor essas empresas no mundo inteiro obviamente no reflete sua efetivaatividade econmica nas Bermudas, onde suas vendas somam apenas 0,3 porcento do total e o percentual do seu nmero total de funcionrios ou custossalariais totais no passam de 0,01 a 0,02 por cento.104

    Empresas que reduzem suas contas fiscais (por meio de mecanismos como aevaso fiscal legal e ilegal) podem desenvolver uma vantagem significativa emrelao aos seus concorrentes e pequenas e mdias empresas (PME) nospases nos quais atuam. O sistema offshoree a concorrncia fiscal deslealtambm esto privando governos de bilhes de dlares em receitas fiscais a

    cada ano. Embora os montantes exatos envolvidos continuem sendo ummistrio, bvio que se trata de um problema de grandes propores. A Oxfamanalisou dados publicamente disponveis sobre mais de 200 empresas, queincluem as 100 maiores empresas do mundo e empresas que so parceirasestratgicas do Frum Econmico Mundial, e identificou evidncias de quenove em cada dez dessas empresas esto presentes em pelo menos umparaso fiscal.105Dados do FMI revelam que os investimentos de empresasnesses mesmos parasos fiscais aumentaram quase quatro vezes entre 2000 e2014.106O uso de parasos fiscais e de outras prticas de sonegao fiscalafeta pases de todos os nveis de renda, inclusive os pases mais pobres domundo. Estima-se que a sonegao fiscal por parte de multinacionais custecerca de US$ 100 bilhes anualmente em receitas fiscais perdidas.107

    Como as declaraes fiscais de empresas multinacionais e indivduos ricosficam aqum do seu potencial, s restam duas opes aos governos: cortargastos essenciais para reduzir a desigualdade e a privao ou compensar odficit cobrando impostos mais altos de outros setores menos ricos dasociedade e de empresas menores que atuam na sua economia interna.Nessas duas opes, as pessoas mais afetadas pela pobreza so as que saemperdendo e, nesse processo, a desigualdade cresce.

    O mundo offshoree a opacidade que ele oferece garantem um refgio seguro

    para a lavagem de dinheiro oriundo da corrupo poltica, da venda ilegal dearmas e do trfico internacional de drogas, contribuindo para a disseminaodo crime organizado no mundo e facilitando a pilhagem de recursos pblicos

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    por parte de elites corruptas. A evaso fiscal foi corretamente descrita pelaOrdem Mundial dos Advogados como um abuso de direitos humanos108e peloPresidente do Banco Mundial como uma forma de corrupo que prejudicapessoas afetadas pela pobreza. A crise da desigualdade no poder sersuperada enquanto no dermos um fim era dos parasos fiscais de uma vezpor todas.

    Deveramos ter chegado a um consenso global em torno de uma abordagemmais eficiente de combate a prticas fiscais perniciosas h muito tempo. Hdezoito anos, um relatrio da OCDE intitulado Harmful Tax Competition(Concorrncia Fiscal Nociva) props que os pases deveriam considerar apossibilidade de revogar suas convenes fiscais com parasos fiscais listadospela organizao.109Infelizmente, os pases membros da OCDE que atuam, naprtica, como parasos fiscais, juntamente com outros membros poderosos queabrigam as maiores empresas do mundo, conseguiram bloquear avanosnesse sentido naquele momento. Lamentavelmente, ainda estamos pagando opreo dessa falta de vontade poltica. A tentativa mais recente do projetoEroso da Base Fiscal e Transferncia de Lucros (BEPS, na sigla em ingls) do

    G20/OCDE, endossado pelos lderes do G20 em novembro de 2015,representou outro esforo que surtiu pouco efeito em termos de coibir prticasfiscais perniciosas110 e outras tentativas de adoo de normas mais rgidas paraesse fim tambm perderam fora.111Esse processo ofereceu uma oportunidadehistrica para se reverter todos os escndalos e prticas abusivas que tm sidomanchetes em todo o mundo mas a oportunidade foi desperdiada.

    SETORES INSIDERS(AQUELES QUE TMINFORMAO PRIVILEGIADA)

    Indstrias extrativas

    O petrleo, o gs e os minrios so recursos no renovveis quedesempenham um papel dominante nas economias de muitos pases. Nessespases, as oportunidades de gerao de renda e riqueza, avanos tecnolgicose receitas governamentais associadas s atividades do setor ofuscam aquelasoportunidades disponveis em outros setores produtivos. No entanto, os ganhosexpressivos oferecidos por esse setor podem, em alguns pases, estarextremamente concentrados nas mos de poucos e gerar uma economiafocada na extrao de valor desses ativos e no na inovao, na criao deempregos e em empreendimentos que beneficiem a maioria.

    Governos e empresas ganham dinheiro com recursos naturais quando atecnologia e o know-howpermitem a sua extrao a um custo economicamentevivel e quando os mercados internacionais de commoditiesmantm os preosem nveis elevados. Oportunidades de gerar retornos elevados tambm soapoiadas por leis, pela geologia e por conhecimentos especializados queisolam as atividades do setor de foras competitivas do mercado, criando,efetivamente, monoplios. O controle do setor geralmente fica nas mos deempresas estatais, algumas das quais, como no caso da Sonangol de Angola,so responsveis tanto pela administrao como pela regulao .112Esse

    controle pode tambm ficar concentrado nas mos de particulares: porexemplo, a venda da gigante petrolfera russa Yukos para Mikhail

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    Khodorkovsky em 1995 criou, na prtica, um monoplio petrolfero privado comenorme poder econmico e domnio do mercado.113

    Enquanto as recompensas se acumulam nas mos de poucos, esses poucosraramente arcam com os custos econmicos, sociais e ambientais mais amplosgerados pelas atividades do setor, com os quais as pessoas comuns nopodem deixar de arcar. Localmente, as atividades extrativas afetam os lares e

    os ambientes das pessoas. No Brasil e no Mxico, por exemplo, povosindgenas so desproporcionalmente afetados quando florestas so derrubadaspara dar lugar a projetos de minerao ou de agricultura intensiva de grandeescala e seu espao de vida destrudo.114Os custos tambm so arcados porpessoas que trabalham em outros setores econmicos, na medida em que avalorizao de moedas locais afeta a competitividade de outras indstrias deexportao; que investimentos e subsdios nacionais alocados para o setor sopriorizados em detrimento de outros; e que a oferta de grandes salrios atrai ostrabalhadores mais preparados. No longo prazo, os impactos da extraodesses recursos em termos de mudanas climticas sero sentidos por muitaspessoas nos prximos anos e alm das fronteiras nacionais.115

    Os atores do setor de extrativas esto empenhados em capitalizar o potencialde ter retornos substanciais e usar seu poder econmico e acesso a polticospara manter sua posio e garantir mais vantagens. Subsdios governamentais,por exemplo, so canalizados para o setor no sentido de garantir que ele semantenha financeiramente robusto; um benefcio nem de longe disponvel, namesma proporo, a formas mais ecolgicas e sustentveis de gerao deenergia. S os governos dos pases do G20 esto disponibilizando US$ 452bilhes por ano em subsdios para a produo de combustveis fsseis.116Oscontratos e os financiamentos relacionados a esse setor so mantidos, emgrande parte, em sigilo; grupos com interesses tm se empenhado

    intensamente em bloquear a aprovao de leis concebidas para promover umamaior transparncia nas receitas do setor extrativo e reforar a suaaccountability. O Instituto Americano do Petrleo (API, na sigla em ingls), umdos maiores adversrios de medidas dessa natureza, gastou pelo menos US$360 milhes em atividades de lobbyjunto ao governo dos Estados Unidos entre2010 e 2014.117Em que pesem evidncias conclusivas do papel desempenhadopelos hidrocarbonetos na acelerao de mudanas climticas, interesses dosetor continuam a financiar centros de estudos que refutam a existncia demudanas climticas.118H relatos de que a ExxonMobilvem deliberadamenterefutando a existncia de qualquer vnculo entre combustveis fsseis emudanas climticas h mais de 30 anos.119

    A Nigria o maior exportador de petrleo da frica, com receitas petrolferasequivalentes a 70 por cento de todas as receitas do governo em 2011120e a 90por cento de todas as receitas de exportao do pas. Empresas petrolferasinternacionais dominam as atividades do setor, gerando bilhes de dlares emlucros, e os proprietrios do bloco do petrleo da Nigria tambm tm lucradomuito, o que possibilitou a alguns indivduos tornarem-se bilionrios.121 122Osetor caracteriza-se por uma relao estreita e perniciosa entre poltica eeconomia, a qual minou a possibilidade de a receita do setor ser distribuda deforma justa para a populao. Um relatrio recentemente divulgado para aimprensa nigeriana revelou uma lista de pessoas que so proprietrias de

    blocos de petrleo devido sua capacidade de usar a mquina do Estado paraesse fim.123Condies previstas nos contratos das empresas petrolferasinternacionais, que exigem que elas desenvolvam parcerias com empresas

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    locais, tm sido exploradas por elites polticas corruptas para criar empresas defachada para capturar uma fatia das recompensas.

    Enquanto essas dinmicas funcionam bem entre os econmica e politicamentepoderosos, mais da metade da populao no beneficiada pelo setor e viveem condies de pobreza extrema, ganhando menos de US$ 1,90 por dia.124Odesvio de receitas petrolferas e o lobbyproativo de empresas para reduzir

    suas contribuies para o oramento nacional (veja o Quadro 2), reduz osrecursos disponveis para o financiamento de servios pblicos essenciais e dainfraestrutura necessria para reduzir a pobreza. Os cidados mais pobres sotambm forados a viver em ambientes marcados pela destruio ambiental,como na rea do Delta do Rio Nger, que s deve ficar limpa em 30 anos.125Reconhecendo esses desafios e a importncia de uma melhor fiscalizao dosetor, o novo governo do pas, eleito em maio de 2015, fez algunspronunciamentos abrangentes sobre polticas que pretende adotar e tomoumedidas para corrigir a situao, entre as quais a ideia de reativar refinariaslocais de pequeno porte e de exigir que a Nigerian National PetroleumCorporation(NNPC) divulgue seus custos operacionais mensais pela primeira

    vez na sua histria.126

    Quadro 2: As empresas petrol feras da Nigria tm combatido ativamentemedidas fiscais capazes de beneficiar comunidades

    Um projeto de lei para o setor petrolfero foi proposto pela primeira vez em 2007e vem sendo debatido h anos. A legislao proposta prev um novo imposto de10 por cento sobre os lucros do setor cuja receita dever ser canalizada paracomunidades locais, alm da cobrana de taxas de royaltiesmais altas. Asempresas de petrleo (principalmente a Shell, ExxonMobil, Chevron, Texaco eTotal, todas as quais so membros da Oil Producers Trade Section[OPTS], um

    grupo de empresas multinacionais com operaes na Nigria) tm combatido anova lei, como atestam diversos relatrios, um dos quais menciona o seguinte:Empresas petrolferas internacionais tm feito um lobbyintenso no sentido detornar mais brandas as exigncias fiscais propostas no j bem conhecido projetode lei para o setor petrolfero (Petroleum Industry Bill- PIB).127

    O novo presidente da Nigria, Muhammadu Buhari, tomou posse em 29 de maiode 2015. Em 4 de junho, a Cmara dos Deputados aprovou o projeto de lei. Noentanto, em 9 de julho circularam informaes de que o novo governo pretendetrazer o projeto de lei de volta estaca zero e, principalmente, que ele iria reverseus termos fiscais,128de acordo com documentos vazados de dentro do partidodo governo.129 A campanha parece ter sido bem sucedida. Segundo essasinformaes, o novo governo ainda precisar determinar qual ser o teor do

    novo projeto de lei, mas afirma que ele se basear em consultas com empresaspetrolferas internacionais.130

    Fonte: Estudo de caso compilado por Mark Curtis da empresa Curtis Research

    O setor financeiro

    O setor financeiro cresceu rapidamente nas ltimas dcadas, impulsionado,principalmente, pelo crescimento de grandes bancos e outras empresasfinanceiras nos Estados Unidos, Canad e Europa.131Atualmente, o setor

    responde por cerca de 15 por cento do PIB global.

    132

    Ele tambm criou algumasdas maiores e mais rentveis empresas do mundo, entre as quais 437 das2.000 maiores empresas do mundo em 2014, de acordo com o ranking "Global

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    2000" da Forbes; as empresas financeiras nesse grupo tm ativos cinco vezesmaiores, em mdia, que os de empresas no financeiras.133 Globalmente, osetor disponibilizou acesso a servios financeiros a mais pessoas do quenunca: atualmente, 62 por cento da populao mundial adulta tem uma contabancria, contra 51 por cento em 2011.134Ele tambm ajudou a gerar enormesriquezas para indivduos, considerando que 20 por cento de todos os bilionriosem dlares do mundo em 2014 estavam listados como tendo interesses ouatividades relacionados aos setores financeiro e de seguros.135

    Desde 1980, as atividades do setor f inanceiro se ampliaram e ele passou aoferecer mais do que servios financeiros para cidados e empresas.Atualmente, elas incluem um conjunto sofisticado de ferramentas e processosdesenvolvidos para gerar valor a partir de transaes, especulao e preos deativos que no tm relao com a agregao de valor, produo ouprodutividade da economia real, mas dominam o setor neste momento.136Issotem sido facilitado pelo processo de desregulamentao do setor financeiroobservado nos ltimos 30 anos.137O "sistema bancrio paralelo" (shadowbankingno ingls, setor composto de intermedirios financeiros no bancrios

    que no esto sujeitos a supervises regulatrias) vem dominando asatividades do setor financeiro, como mostra a Figura 7.138Nos Estados Unidos,o setor financeiro j responde por cerca de 30 por cento de todos os lucrosoperacionais, o que representa o dobro da sua participao na dcada de1980;139no entanto, ele responsvel por menos de 10 por cento do valoragregado economia.140Em nvel individual, estima-se que cerca de 30 a 50por cento da renda dos trabalhadores do setor financeiro bem superior ao queeles agregam em termos de valor.141O melhor exemplo inquestionvel daseparao do valor agregado da renda o dos pacotes de remunerao dasequipes de altos executivos dos bancos de investimentos Bear StearnseLehman Brothers, que ganharam US$ 650 milhes e US$ 400 milhes,respectivamente, entre 2003 e 2008 quando essas duas empresas estavamprestes a sofrer uma das falncias mais impressionantes da histria financeiraamericana.142

    Figura 7: O crescimento do setor financeiro em termos de percentual do PIB nosEstados Unidos foi impulsionado mais pelo crescimento nas atividades do

    sistema bancrio paralelo do que pelo aumento do crdito p rivado

    Fonte: R. Sahay et al. (2015) Rethinking Financial Deepening, FMI.

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    Sistemabancrio paralelo

    Setor do crdito privado

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    medida que os lucros e a renda no setor financeiro crescem maisaceleradamente do que a economia real,143aumenta a distncia entre osextremamente ricos com interesses nesse setor e todas as outras pessoas,aprofundando a desigualdade. O setor financeiro paga salriosdesproporcionalmente altos aos seus empregados, acirrando a desigualdadesalarial e ampliando a lacuna salarial entre os gneros, j que os homensganham 22 por cento mais do que mulheres com perfis semelhantes. medidaque o setor f inanceiro cresce, oferecido crdito s famlias que no tinhamacesso a emprstimos anteriormente, mas os termos e condies do crditooferecido podem aumentar a desigualdade, j que pessoas de renda mais altausufruem de melhores oportunidades de investimento e retornos mais elevados(veja a Figura 8), enquanto que o custo do crdito para pessoas de baixa renda muito mais alto. Esse problema est se tornando cada vez mais srio onde osmercados financeiros so excessivamente desregulamentados.144Grandessetores financeiros sob uma regulao financeira fraca podem gerar umambiente no qual os preos do risco de crdito so fixados em nveisexcessivamente baixos, levando ao tipo de operaes e comportamentos que

    resultaram na crise financeira de 2008.145

    Os bancos acabaram sendoresgatados com recursos pblicos, que sero pagos por pessoas comunsdessa e das prximas geraes que as sucedero. Como o sistema financeiroe as economias globais so interconectados,146os custos do arrefecimentoeconmico prolongado atingem a todos. Medidas de austeridade adotadas naEuropa, por exemplo, foram mais duras para as pessoas mais pobres,147enquanto nos Estados Unidos os ricos foram os primeiros a se recuperar emuitssimo bem , j que o 1 por cento mais rico do pas ficou com 95 por centodos resultados do crescimento econmico ps-crise.148

    Figura 8: A maldio financeira um setor financeiro maior prejudica mais

    intensamente os mais pobres e beneficia os mais ricos149

    Obs.: Os efeitos simulados de uma expanso no mercado de crdito e aes variam ao longo do espectro dedistribuio da renda; a figura revela um vnculo entre o crescimento da renda familiar em diferentes decis euma expanso de 10% do PIB no mercado de crdito intermediado. Fonte:http://www.oecd.org/eco/How-to-restore-a-healthy-financial-sector-that-supports-long-lasting-inclusive-growth.pdf

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    O desenvolvimento de ferramentas e instrumentos sofisticados para gerir fluxosfinanceiros em nvel mundial permitiu tambm que empresas e indivduosretirassem ilicitamente seu dinheiro de diferentes jurisdies em todo o mundo,sem que essas operaes fossem rastreadas.150O setor bancrio, emparticular, estabeleceu uma forte presena em parasos fiscais, proporcionandoum refgio seguro para sonegadores fiscais. Na sua maior parte, a riquezamantida offshore administrada por apenas 50 bancos e os 10 bancos emmaior atividade no mundo administram 40 por cento desses ativos.151Osbancos tm feito um lobbypesado para preservar parasos fiscais paraempresas internacionais que desejam sonegar impostos.152

    Alm disso, observou-se que as economias de pases com um setor financeirogrande e dominante cresceu mais lentamente ao longo do tempo do que outraseconomias mais equilibradas, medida que um setor financeiro dominanteempurrava outros setores produtivos para fora do mercado.153 154Globalmente,o crescimento do setor financeiro est tambm tendo um impacto sobre outraseconomias, fora daquelas que ele domina atualmente. Em mercadosemergentes, nos quais a maioria dos cidados ainda tem uma grande

    necessidade de ter acesso a emprstimos, j so observados sinaispreocupantes de que o setor est primordialmente empenhado em satisfazer osinteresses de financiadores e acionistas, trabalhando com empresas queapresentam altas margens de lucros, em vez de prestar servios para aeconomia como um todo.155As mulheres so particularmente prejudicadasquando o setor f inanceiro no desenhado para satisfazer suas necessidades;nos pases em desenvolvimento, por exemplo, observou-se no ano passadoque as mulheres tm uma propenso 20 por cento menor de ter uma contabancria formal do que os homens e 17 por cento menor de contrairemprstimos junto a uma instituio formal.156

    O sucesso econmico traz poder e influncia, particularmente sobre polticas einstituies estabelecidas para controlar e regular as atividades do setor.Empresas usam seus recursos financeiros para pagar milhares de lobistas parainfluenciar formuladores de polticas diretamente. Em 2014, empresasfinanceiras e seguradoras gastaram pouco menos de US$ 500 milhes comatividades de lobbyapenas em Washington.157Os investimentos de empresasfinanceiras em agendas e centros de estudos tambm tm uma grandeinfluncia: por exemplo, em 2014 o setor f inanceiro doou pelo menos 1,3milhes de libras para financiar os 18 centros de estudos mais prestigiados doReino Unido o que gerou questionamentos em relao suaindependncia.158Segundo uma anlise, reguladores governamentaissobrecarregados de trabalho precisam enfrentar "advogados, lobistas e centrosde estudos financiados todos os quais tm tempo e recursos para apresentarargumentos jurdicos e econmicos extensos, seno claramentetendenciosos"159.

    Em nvel individual, gerentes do setor financeiro tambm exploramoportunidades de garantir renda para si, em alguns casos por meios ilcitos.160Uma pesquisa recente sobre os trabalhadores do setor financeiro nos EstadosUnidos e no Reino Unido revelou que mais de um tero (34 por cento) dos queganham US$ 500.000 ou mais por ano havia testemunhado ou tinhaconhecimento de primeira mo de irregularidades no seu local de trabalho.

    Vinte e trs por cento dos entrevistados acreditavam que colegas de trabalhohaviam provavelmente se envolvido em atividades ilegais ou antiticas para

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    obter alguma vantagem, percentual quase duas vezes mais alto que os 12 porcento que fizeram a mesma afirmao em

    2012.161Da mesma maneira, um tero dos profissionais do setor f inanceiro doReino Unido sente-se sob presso para deixar de lado seus padres ticos nolocal de trabalho.162Recentes escndalos registrados em todo o mundorelacionados a banqueiros envolvidos na concesso de emprstimos

    predatrios e discriminatrios, em prticas abusivas de carto de crdito, namanipulao do mercado (por