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UMA “FESTA BRASILEIRA” CELEBRADA EM ROUEN (1550) POR MOTIVO DA ENTRADA SOLENE DO REI HENRIQUE II DA FRANÇA E DE CATARINA DE MÉDICIS DIETRICH BRIESEMEISTER Nas primícias da Idade Moderna, as descobertas, a reforma luterana e a ameaça otomana desencadeiam uma luta de imagens (ou com imagens) de dimensões até aquela data inéditas. Imagens que se transmudam em marcas demonstrativas de concepções do mundo e de intenções ideológicas, tornam-se instrumentos do combate propagandístico, que servem tanto de senhas de identidade como para o deslinde de outrem, percebido principalmente como inimigo nefasto. A transmissão, recepção, interpretação e utilização das notícias e conhecimentos ou ainda rumores sobre o Novo Mundo e os “outros” dão origem a um processo comunicativo muito complexo por palavras (textos) e imagens, cujo mecanismo reprodutivo por meio da tipografia e de estampas se vai emancipando rapidamente. Assim não só se difundem novas experiências baseadas em observações empíricas e factos reais, mas também o intento mesmo de classificar e integrar os fenómenos e percepções inauditas dentro das coordenadas directrizes do saber já adquirido e transmitido pelas autoridades clássicas causa profundos deslocamentos que questionam ou até mesmo fazem abalar os autoconceitos tradicionalmente vigentes. Com frequência chegam a deformar as informações em contra-imagens desvirtuadas, que servem de tela de projecção para dar relevo aos próprios anelos, temores e encantamentos por intermédio dos correspondentes representações irónicas, por exemplo do Paraíso Terreal, do Eldorado e do Bom Selvagem. Como o demonstra visivelmente a imagem primitiva da América e do índio, o próprio mundo europeu define-se com base em diferenças relativamente ao mundo “bárbaro” e vai-se legitimando pela delimitação do

UMA “FESTA BRASILEIRA” CELEBRADA EM ROUEN (1550) … briesemeister... · A continuação, uma batalha naval entre uma caravela portuguesa e um barco francês, trava-se perante

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UMA “FESTA BRASILEIRA” CELEBRADA EMROUEN (1550) POR MOTIVO DA ENTRADA

SOLENE DO REI HENRIQUE II DA FRANÇA E DECATARINA DE MÉDICIS

DIETRICH BRIESEMEISTER

Nas primícias da Idade Moderna, as descobertas, a reformaluterana e a ameaça otomana desencadeiam uma luta de imagens(ou com imagens) de dimensões até aquela data inéditas.Imagens que se transmudam em marcas demonstrativas deconcepções do mundo e de intenções ideológicas, tornam-seinstrumentos do combate propagandístico, que servem tanto desenhas de identidade como para o deslinde de outrem, percebidoprincipalmente como inimigo nefasto. A transmissão, recepção,interpretação e utilização das notícias e conhecimentos ou aindarumores sobre o Novo Mundo e os “outros” dão origem a umprocesso comunicativo muito complexo por palavras (textos) eimagens, cujo mecanismo reprodutivo por meio da tipografia ede estampas se vai emancipando rapidamente. Assim não só sedifundem novas experiências baseadas em observaçõesempíricas e factos reais, mas também o intento mesmo declassificar e integrar os fenómenos e percepções inauditas dentrodas coordenadas directrizes do saber já adquirido e transmitidopelas autoridades clássicas causa profundos deslocamentos quequestionam ou até mesmo fazem abalar os autoconceitostradicionalmente vigentes. Com frequência chegam a deformaras informações em contra-imagens desvirtuadas, que servem detela de projecção para dar relevo aos próprios anelos, temores eencantamentos por intermédio dos correspondentesrepresentações irónicas, por exemplo do Paraíso Terreal, doEldorado e do Bom Selvagem. Como o demonstra visivelmentea imagem primitiva da América e do índio, o próprio mundoeuropeu define-se com base em diferenças relativamente aomundo “bárbaro” e vai-se legitimando pela delimitação do

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outro. Ao largo dos séculos, as artes e letras produziram efixaram permanentemente imaginações exóticas – estranhas,raras e alienadas – nas mentes europeias. Em tais imaginaçõesassentam os rituais discursivos sobre os “outros” e acompreensão deles. Plasmam, transmitem, definem e justificamas pautas de percepção e os modos de representação sobre a basedos motivos condutores mais diversos (religiosos, políticos ouculturais), sem que seja possível diferençar sempre com nitidezentre realidade e imaginação, história e ficção, verdade efingimento.

As pompas organizadas em Rouen pelo município nos dias um edois de Outubro de 1550 por ocasião da entrada do soberano francês ede sua esposa oferecem uma das encenações mais aparatosas do NovoMundo conhecidas na Renascença europeia. Conservam-se trêsdocumentos sobre o evento que se situa numa série de semelhantesactos festivos em Lião (1548), Troyes e Paris (1549). Um manuscritoprimoroso, conservado na Biblioteca Municipal de Rouen com aassinatura Y28-1268, proporciona uma relação minuciosa em versosdesta “performance”; L’entrée du tres magnanime tres puissant etvictorieux roy de France Henry deuxisme de ce nom en sa noble citéde Rouen1. Este manuscrito contém dez finas miniaturas em aguarela efoi feito provavelmente em homenagem ao monarca. O autor anónimodos versos dedicados a Henrique II descreve as entidades do séquitorégio com sua indumentária, os grupos e carros de triunfo queintegram a procissão, os quadros animados e a arquitectura efémeraedificada nas praças públicas para demonstrar a riqueza e o poder dacidade portuária normanda. Com um gesto peremptório de orgulho, os

1 Reprodução em branco e negro com as cópias das aguarelas em gravuras: [L’Entréede Henri II roi de France à Rouen au mois d’octobre 1550]. Imprimé pour lapremière fois d’après un manuscrit de la Bibliothèque de Rouen, orné de dix planchesgravées à l’eau fort par Louis de Merval accompagné de notes bibliographiques ethistoriques par Stéphane de Merval, Rouen 1868;Chartron, Josèphe: Les entrées solennelles et triomphales à la Renaissance (1484-1551), Paris 1928;Strong, Roy: Splendor at Court. Renaissance Spectacle and the Theatre of Power,Boston 1973, 88-89;McGowan, Margaret M.: “Form and Themes in Henri II’s Entry into Rouen”, em:Renaissance Drama 3, 1968, 199-251.Reprodução colorida da miniatura que mostra o desfile sobre a ponte com o panoramada cidade, em Belluzzo, obra cit., t. 1, pág. 30.

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versos aludem às proezas francesas no Atlântico como antecipação emotivo da festa brasileira:

Voyez vous soubs votre nom & portBrésiliens ancrez en nostre port.On voit par la que par vous tout dangierEst assoupy voyant tout estrangerQui seurement a notre rive applicqueAinsy que nous a la leur pour traffique.Vous les verrez d’un cueur au nostre egalFaire fuir l’ennemy Portugal.

Diante da silhueta airosa da cidade francesa, o desenho do fólio28 mostra uma cena chave para entender o significado simbólico e odesígnio político do festejo. A comitiva pára no meio da ponte sobre orio Sena. Na margem oposta à cidade ergue-se como uma montanhainforme uma porta maciça arruinada de 150 pés de altura, quecontrasta estranhamente com o panorama harmonioso da arquitecturaurbana. As pedras adustas desta construção “taillée sur le naturel”estão cobertas de musgo, hera e ervas. Na abóbada do arco superior doportão de rocha aparecem as figuras de Orfeu sentado com a lira numtrono de mármore, ao seu lado as nove Musas tocam instrumentos. Dofundo duma gruta adianta-se Hércules, vestido de pele de leão paradegolar a serpente monstruosa de sete cabeças. Orfeu, além deencantar as feras e a natureza bruta com o som da música, participouda expedição dos Argonautas. Com a alusão à travessia heróica doOceano prefigura-se um modelo mitológico-emblemático para osfranceses, que com igual ânimo valoroso acometem osempreendimentos transatlânticos que levariam à fundação da “FrançaAntárctica”. Noutro momento do programa festivo, Orfeu cantaráelogios ao rei. Hércules, protótipo do monarca como príncipe de paz evencedor glorioso em tantas campanhas militares (evocadas tambémnalguns quadros cénicos do desfile triunfal), extermina os distúrbiosque agitam o reino. Diana, a quem alude a inscrição latina daminiatura, é a divindade da casa e dos bosques. Corresponde-lhe apaisagem ribeirinha povoada de árvores, entre as quais se amontoauma multidão de espectadores ingénuos. São “homines silvatici”,habitantes das selvas ou selvagens, despidos, alguns armados de arcose escudos. São homens, mulheres e meninos maquilhados de vermelhopor entre troncos pintados também de cor avermelhada como o pau-

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brasil. Em Roma, os escravos e a plebe veneravam Diana como deusada federação de Lácio e como patrona da vida comunitária.

No outro extremo da ponte, a figura bronzeada de Saturno ficacolocada sobre a lua crescente (de prata) no tímpano do portão deentrada da cidade. Sustentam-no duas sibilas, a Cumana e a Tiburtina.A Saturno associa-se a ideia da Idade de Ouro. A lua crescentecorresponde à divisa do rei “Donec totum impleat orbem”.

A ponte forma ao mesmo tempo uma espécie de muralha queprotege o porto e uma tribuna grandiosa de onde o soberano goza deuma vista panorâmica do cenário natural e artificial. Olha para asdiversas acções dramáticas em curso. O rei encontra-se não só nocentro da miniatura, mas também no meio dos acontecimentos teatraismontados em diversos lugares. Desviando o olhar dos selvagens, o reiobserva dois quadros marítimos espectaculares, o “Triumphe de laRiviere”. Em companhia de Enipeo, Palemão e Glauco, Neptuno saidas águas ao encontro do soberano sobre a terra e entrega-lhe o seutridente, símbolo do domínio sobre os mares. Com este acolhimentomitológico-protocolar, o monarca como espectador homenageadointegra-se, por sua vez, como figura na encenação. Ao despedirem-se,as criaturas marinhas precipitam-se de cabeça para baixo no rio, emacrobacia atrevida, tão do gosto do ilustre visitante. Em seguida,Neptuno assume a presidência dos jogos náuticos preludiados commúsica. Montado sobre um delfim azul caprichoso, Arião toca a liraem acção de graças por ter sido salvo pelo animal do perigo de morrerafogado. Uma baleia vomita peixes, outros tritões levam instrumentosmusicais, tartarugas e arpões. No centro do bailado náutico estáNeptuno sobre o trono do seu carro triunfal puxado por doishipopótamos. Sob o mando de Eolo sopram os ventos. O desfile deNeptuno com o seu séquito representa a Corte num espelhomitológico-alegórico e em forma dum triunfo marítimo acompanhadode música aquática. Da varanda de uma torre, a rainha observava oespectáculo teatral tão deslumbrada, que se esqueceu de saborear osdoces que se lhe ofereciam, como aponta o cronista.

A continuação, uma batalha naval entre uma caravela portuguesae um barco francês, trava-se perante o rei, visualização simbólica darivalidade entre duas potências marítimas. Das muralhas da cidade, osfranceses atiram contra a embarcação inimiga, que se afunda. Osmarinheiros salvam sua vida, nadando. Selvagens numa canoa acodemem socorro dos franceses, em apoio semelhante ao dos tupinambás noBrasil, contra os portugueses. A coberto das fortificações, outro grupode peles-vermelhas está correndo ao redor das suas cabanas, que se

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incendiaram. No porto seguro atrás do monarca, situado entre umapaisagem arranjada artificialmente à brasileira e a metrópole namargem do Sena, vêm-se nove barcos ancorados.

A aguarela traduz a constelação competidora da época emimagens cénicas vivas e impressionantes. Trata-se, por um lado, deuma espécie de “teatro dentro do teatro”. Os selvagens são osespectadores de um desfile solene e pomposo da corte, cujocerimonial se reveste de um acentuado carácter teatral. As pessoas quecercam o soberano deleitam-se com as festas mitológicas operísticas ea representação de uma naumaquia simulada. Ambos os intermédiosvivos ostentam um aparato técnico engenhoso, que inclui música,fogos de artifício, exibições acrobáticas, carros alegóricos, desfiles deanimais, cartazes pintados e grupos de figuras. Neste contexto o reivê-se representado a si mesmo, por exemplo, sentado num trono sobreum carro triunfal, onde a Fortuna impõe a coroa imperial ao soberanorodeado dos seus quatro filhos. Noutro momento incorpora-se naacção teatral, quando Neptuno sai das águas para render homenagemao rei no acolhimento cerimonioso na ponte. Espectáculo, cerimóniaprotocolar e vida confundem-se constantemente, fazendo sobressair ateatralidade dos actos.

Esta teatralidade será potenciada ao extremo quando osespectadores reunidos na floresta (artificial) junto ao rio começam abrincar “ao Brasil”. Formam um público à margem das festividades, opopulacho, em contraste com a multidão citadina e burguesa que seatropela nas ruas e praças de Rouen. São peles-vermelhas que moramfora do recinto municipal. De imediato se transformam em agentesdum espectáculo extraordinário, que representa a oposiçãofundamental entre civilização e barbaria: desnudez e vidadespreocupada no meio da “natureza” contrastam com o rígidoprotocolo cortesão, o luxo e a pompa cerimonial. A natureza opõe-se àcidade como a arquitectura às ruínas ou cabanas primitivas.

A exibição teatral muda (pantomímica) da realidade fingida que aaguarela evoca, com a presença dos indígenas na cena à margemesquerda, fica documentada em dois relatos impressos, um maissucinto de Robert Masselin, L’Entree du Roy nostre sire en sa ville deRouen, Paris 1550, e outro muito minucioso, acompanhado de umasérie de gravuras que foi publicada anonimamente em Rouen porRobert le Hoy e Jean du Gord em 1551 sob o título C’est la dedvctiondu sumptueux ordre plaisantz Spectacles et magnifiques theatresdresses, et exhibes par les citoiens de Rouen ville Metropolitaine du

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pays de Normandie. A la sacree Maieste du Treschristian Roy deFrance, Henry Second leur souuerain, Et à Tresillustre dame, maDame Katharine de Medicis, La Royne son espouze, lors de leurtriumphant ioyeulx & nouuel aduenement en icelle ville. Et pour plusexpresse intelligence de ce tant excellent triumphe Les figures &pourtraictz des principaulx aornements d’iceluy y sont apposezchascun en son lieu comme l’on pourra veoir par le discours del’histoire (exemplar na Biblioteca Ducal Augusta de Wolfenbüttel,cota 70.34 Hist.). Este livro constitui um guia da cenografia e explicao programa com os seus argumentos iconográficos em 29 gravurasmagistralmente executadas por um artista anónimo. A atribuição aJean Cousin carece de provas convincentes. O relator, que no texto emprosa fala na primeira pessoa como testemunha ocular muito erudita –por acaso foi quem engenhou o programa – também ficadesconhecido. Em 1557 saiu uma nova edição2 da oficina de Jean duGord, livreiro e negociante ruanês, que reproduz as ilustrações de1551, mas com a descrição versificada do manuscrito da BibliotecaMunicipal, sem as anotações musicais dos hinos e sem a partecorrespondente às celebrações dedicadas à rainha Catarina de Médicis,em 2 de Outubro de 1550.

A xilografia intitulada “Figure des Brisilians”, que cobre duaspáginas, mostra os acontecimentos dramáticos numa composiçãocénica simultânea e múltipla. Nesta folha figura pela primeira vez ocontinente descoberto 50 anos atrás como fundo de um espectáculoque durante dois dias converteu uma pequena parcela ribeirinha deuma cidade francesa numa América artificial, inventada e imaginária.

Para impressionar o rei com uma demonstração do poderio e dasaspirações da cidade normanda, os vereadores não só mandaramrealizar no rio Sena um corso de figuras marinhas com música e umcombate naval, mas também um espectáculo que Henrique IIobservava a partir de um miradouro especial. Para destacar o realismoe a ilusão do “show” montado fora das muralhas, uma pradaria quemedia 200 passos de comprimento e 30 passos de largura, serviu decenário natural e foi transformada numa selva artificial com troncospintados de vermelho como se fossem madeira de pau-brasil. As copas 2 Com o título: Les pourtres et figures du sumptueux ordre plaisantz spectacles &magnifiques Theatres dresses & exhibes par les citoiens de Rouen. Villemetropolitaine du pai de Normandie. Faictz a l’entree de la sacree Maieste dutreschrestien Roy de France Henri second, leur souuerain Seigneur. Et a tresillustreDame, ma Dame Katherine de Medicis la Royne, son espouze, exemplares nasBibliotecas Nacionais de Paris e Rio de Janeiro.

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frondosas das árvores com os frutos pendurados nos ramos (já era aestação outonal!) pareciam verdadeiramente tropicais (“rapportantassez près du naturel aux feuilles des arbres du Brésil”). Macacos,papagaios e outros animais exóticos que os marinheiros trouxeram doNovo Mundo povoavam o mato umbroso como “Hortus conclusus”fora do recinto urbano e muito diferente daquela “figure du pont deRobec” (pag. N IVv), instalada numa praça da cidade como lugar dedelícias para o rei Francisco I, em companhia de duas damasalegóricas, as ninfas de Boa Memória (com um livro na mão) e aGenerosidade com as artes e letras simbolizada por Egéria,conselheira de um rei de Roma no propósito de fazer dos seus súbditosbárbaros homens cultos e virtuosos. As cabanas primitivas doshomens selváticos na ribeira foram construídas sem “art decharpenterie” e “en la forme et maniere des habitations desBrisilians”, enquanto que a cidade de Rouen, as maquetas defortalezas conquistadas que vários grupos levavam no desfile e osmonumentos efémeros, que serviam de decoração festiva, foram todasconstruídas “selon l’art d’architecture”. As cabanas dos índios, aocontrário, estavam cobertas de ramalhos e protegidas por terraplenos epaliçadas. Cinquenta aborígenes, que os navegantes normandosraptaram no Brasil, viviam espalhados na selva, o seu habitat naturalperdido. Um grupo de índios cativos marchava também no Triunfoconduzido pelas ruas em homenagem ao rei. 250 marinheiros ecomerciantes franceses que conheciam o Brasil por experiênciaprópria e que, segundo diz o relato, falavam o idioma tupi,desempenham o papel de índios. O comentarista utiliza o verbosimular, fingir ou simular em forma muito “verosímil”, quer dizertodos nús, sem cobrir as suas vergonhas, bronzeados (hâlé emfrancês), com os atavios típicos dos índios nos lábios, lóbulos dasorelhas e faces: “Ils estoient façonnez et equipez en la mode dessauuages de l’amerique“ imitando “si nayuement les gestes et façonsde faire des sauuages, comme s’ilz fussent natifz du mesmes pays”.Em reiteradas ocasiões, o relator insiste na aparência tão verídica eperfeita, que todos crêem ver alguma coisa autêntica, por exemplo,quando passa o carro triunfal com seis elefantes “aprochans si pres dunaturel, pour leur forme couleur et proportion de membres, que ceulxmesme qui en avoient veu en Affrique de vivantz les eussent iugez ales veoir elephans non faintz” (fol. G iijr).3 Há muita acção no palco

3 Outros exemplos desta mania de verossimilitude autenticada, que faz coincidirperfeitamente o representante com o representado: o público podia „ayseement veoir

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do pequeno espaço natural. Alguns vão caçando aves com arco eflecha, outros bailam ou perseguem macacos “comme les Troglodytesapres la sauuagine”4, trepam às árvores ou abatem troncos. Outroslevam-nos a um depósito na ribeira que serve de embarcadouro real damercadoria tão cobiçada. Um barco com marinheiros vestidos em trajebranco e negro ou branco e verde – reconhecíveis assim pelas cores debrasão como súbditos de Henrique e Catarina – estiva a carga de pau-brasil. A cena representa ao vivo o comércio de troca e o encontropacífico entre franceses e “brisilians” (índios). Em marcado contrastecom a visão tão paliada do contacto entre franceses e as gentes doNovo Mundo, prepara-se um golpe teatral inesperado, com o assaltodos tabajaras (tabagerres no texto francês, uma tribo indígena tupi noCeará) sob o mando de seu “rei” Morbicha, que acende os ânimos dosguerreiros com uma arenga “en langaige Bresilian” contra ostupinambás (Toupinabaulx em francês do século XVI). Deve ser oprimeiro momento em que ressoam palavras em linguagem indígenano âmbito teatral europeu. Só setenta anos mais tarde sai aTragicomedia intitulada el Rey D. Manuel conquistador del Orientedo Padre Manuel de Sousa, S.I. (Lisboa 1620, exemplares naBiblioteca Ducal Augusta de Wolfenbüttel, cota 22.13 Eth., eBrasilien Bibliothek da Empresa Robert Bosch, Stuttgart), que alémduma “pompa imperial” em honra do rei Manuel o Venturoso, incluiuma figura alegórica do Brasil, que entra em cena acompanhada dedoze índios com seu cacique cantando hinos em língua tupi e criouloportuguês, no meio de um texto de teatro escolar jesuítico redigido emlatim. O discurso exortativo do chefe indígena em frente à hostereunida antes de iniciar a luta é um dos elementos típicos nahistoriografia clássica e medieval, que a coreografia do festejo adaptahabilmente ao teatro na imaginária selva de Rouen como episódiodramático. Os tupinambás resistem com tanta bravura, que osespectadores em sério receiam um desenlace sangrento do combateentre guerreiros armados de arco e flecha, maças, escudos e lanças. Ascabanas incendeiam-se. No texto francês, a investida denomina-se

et contempler les diuers esbatements qui la estoient, les aucuns naturellement et sur levif representez, les autres par subtilles faintes exprimants le naturel, industrieusementexecutez“ (f. K i v), ou „autres mille passetemps de nouuelle inuention, autant bien apropos conduitz et menez a fin, qu’ilz auroient esté par subtilité de bon espritexcogitez“.4 Troglodita, membro de uma comunidade tribal pré-histórica que habitava emcavernas. ‚Troglodita’ era o nome que os geógrafos da antiguidade atribuíam a umpovo primitivo africano.

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“scyomachie”, palavra derivada do grego “skiamachia”, simulacro deataques com golpes no ar. Este tipo de interlúdio circense já era dogosto do público na Antiguidade e naturalmente também do rei, muitoaficionado pelo desporto de competição. “La scyomachie fut executeesi pres de la verite, tant à raison des sauuages naturelz qui estoientmeslez parmy eulx, comme pour les mariniers, qui par plusieursvoyages auoient traffique et par longtemps domestiquement resideauec les sauuages, qu’elle sembloit estre veritable et non simulee”.Europeus e indígenas americanos representam juntamente a simulaçãoda vida dos selvagens em regiões “civilizadas” e para regozijo de umpúblico cortesão e burguês. Todos se divertem com a ilusão óptica nomeio de um espaço cénico semi natural, semi fingido. Com estesepisódios dramáticos quase sem palavras nem texto (excepto as vozesbárbaras e incompreensíveis do cacique índio), ensaiam a oposiçãofundamental não entre campo e cidade ou entre vida áulica e vidapastoril, mas entre civilização e barbaria. Os índios autênticos e oscomparsas europeus, que com grande capacidade mimética ehistrionismo assumem o papel de “brisilian”, posam em cenasquotidianas, como a caça, o remo na canoa, danças e jogos, lavores enegócios. Nesta projecção de imagens vivas sobre um cenário ao arlivre não só dão curso solto à fantasia, mas aqui presenta-se também aocasião carnavalesca que permite experimentar sem vergonha nemcastigo, com desenvoltura e ao natural, tudo aquilo que os primeirosrelatos sobre o país tão diferente e remoto tinham vituperado comomoralmente chocante e ofensivo das convenções sociais e tabusmorais. No jogo imitativo verosímil suspendem-se por um breve lapsodo tempo as próprias normas e mecanismos de controlo. Pode-se irsaltando desnudo em público e entregar-se à permissividade sexualproibida na vida “normal”. Alguns casais fazem amor na maca ouposam na postura de Adão e Eva no Paraíso. No entanto, não sefingem cenas de antropofagia, se bem que no texto haja alusões aoBrasil como terra dos canibais. Em suma, “tudo parecia real e não emabsoluto fingido”, segundo afirma o cronista na descrição dadramaturgia e coreografia festivas. Os quadros vivos do género põemos espectadores em presença de uma imitação lúdica da América. Ofinal violento do assalto e incêndio são como a irrupção da tristerealidade no recinto idêntico ao Novo Mundo apresentado no VelhoContinente, mais que nunca agitado pelos conflitos bélicos entrevizinhos. A encenação do gravador mostra o teatro em plena acção,condensando todos os acontecimentos sucessivos do espectáculonuma vista simultânea. A gravura constitui um documento

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extraordinário da forma de visualizar teatralmente as imaginaçõeseuropeias do índio e do novo continente. A xilografia cifra esta visãocom toda sua potencialidade dramática e ideológica.

Enquanto que, por encargo do Imperador Maximiliano I, HansBurgkmair, em colaboração com Albrecht Altdorfer e outros artistas,5executou entre 1516-1518 um cortejo triunfal imaginário “en plattefigure”, como diria o relator ruanês no seu livro (f. N iijv), a gravurade 1551 reproduz em forma de reportagem as estações, quadros eactos dum espectáculo que realmente teve lugar em Rouen numcenário que era simultaneamente produto de construção arquitectónicaefémera e palco natural histórico.

O Triunfo monumental dedicado a Maximiliano compõe-se de134 gravuras, que colocadas numa fila alcançariam a enorme extensãode mais de 50 metros de largura. A marcha imaginária ficaria assim,porém, inconclusa. A série deveria compreender pelo menos 148gravuras (55 metros de largura). O desfile estatuário encabeçado porPraeco, o Génio da Fama, compreende os cargos da corte imperial,músicos, cavaleiros, lansquenês, cativos, bobos e mascarados, pendõesdos territórios hereditários dos Habsburgos, estátuas mortuárias,carros com troféus de guerra, nobres estrangeiros, representantes depovos exóticos de outros continentes e, no final, a bagagem. Estagaleria de figuras e símbolos deveria perpetuar a gloriosa memória domonarca para além da sua morte, ocorrida em 1519. No final doprograma encomiástico aparece uma gravura representando a “gentede Calicut”, um grupo fantasioso de indígenas africanos, asiáticos eamericanos, todos súbditos da Monarquia universal dos Habsburgos.Entre eles distingue-se um casal de índios seminus com suaplumagem, atributo característico dos selvagens brasileiros desde asprimeiras ilustrações que aparecem no contexto dos relatos (pseudo)vespucianos (1505). A mulher índia leva sobre os ombros um macacocoroado de louro.

La figure de Brisilians de 1551 não é, de modo nenhum, aprimeira representação do índio em França nem na Europa, mas sim oprimeiro documento conhecido de uma elaboração pictórica “d’aprèsnature”, por dizer assim, “live”, que se incorpora num espectáculoteatral cuja encenação se baseia, por sua vez, numa amálgama deimaginações e projecções de imagens. A montagem combina motivos

5 Veja-se Madersbacher Lukas (ed.): Hispania Austria. Die Katholischen Könige,Maximilian I und die Anfänge der Casa de Austria in Spanien. Kunst um 1492,Mailand: Electra 1992, pp. 324-331.

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da actualidade política, aspirações comerciais, curiosidadesetnológicas e experiências individuais.

A aparição em Rouen de indígenas presos em territóriosbrasileiros consta já no relatório da viagem (1503-1505) de BinotPaulmier de Gonneville, capitão normando que de regresso a Honfleur(perto de Rouen) em 1505 trouxe o índio chamado Essomericq6. Natravessia do Atlântico o pobre doente recebeu o baptismo de urgênciadepois de longos debates entre os tripulantes leigos sobre se serialícito ministrar-lhe o sacramento sem prévia instrução catecúmena.Recebeu o nome Binot de seu padrinho, o capitão, sem filhos. Ao quese sabe, o jovem índio de pronto afrancesado terá deixado uma largadescendência em França até o século XVII. O informe oficial docapitão contém uma descrição da terra do Brasil e da vida dos seushabitantes baseada em observações recolhidas ao largo duma estadade seis meses com a tribo dos carijós, antiga denominação de umgrupo étnico guarani, sob o mando do cacique Arosca. No que dizrespeito à caracterização do índio, aquele relatório diferencia-se dacarta de Pero Vaz de Caminha, dirigida ao rei Manuel I de Portugalem 1500, e das missivas que Vespúcio enviou aos Reis Católicos e àLorenzo di Pier Francesco de Medici em Florença. É de particularinteresse a referência que Binot faz acerca legitimidade de trazeríndios para a Europa. Aponta que o chefe Arosca consentiu com aviagem de um de seus “filhos” para Europa sob o juramento dedevolvê-lo à sua tribo dentro de vinte luas, o mais tardar, após ter sidohabilitado na fabricação de espelhos, navalhas, machados e demaisutensílios que os índios apreciavam. Acrescenta Binot que istoequivaleria a prometer ouro, prata e pedras preciosas a um cristão ouensinar-lhe como criar a pedra filosofal. O índio ingénuo foi saudadoalegremente à despedida pela comunidade, juntamente com outroindivíduo de 35 a 40 anos chamado Namos (que no trajecto morreriade febre), e provido de alimentos, plumas e artefactos, comolembranças para o rei da França. Gonneville assevera que Essomericq,aliás Binot, sempre foi bem visto tanto em Honfleur como noutroslugares por onde passou.

A continuação da Crónica universal de Eusébio de Cesarea,publicada em Paris em 1512, relata a chegada de sete “caníbalesdesnudos” em Rouen no ano de 1509. Existem demais referências aíndios desviados para França como naturalmente houve também casos

6 Edição e estudo de Leyla Perrone-Moisés, Vinte luas: viagem de Paulmier doGonneville ao Brasil 1503-1505, São Paulo 1992, p. 21-25.

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de fugitivos ou náufragos franceses que depressa se assimilaram naselva. Segundo uma tradição lendária, Diogo Alvares Correia, ochamado Filho do trovão ou Dragão do mar (Caramuru), apelido queos tupinambás puseram ao português naufragado nas costas baianasem 1510, visitou em 1547 a corte de Henrique II juntamente com asua mulher Paraguaçu (“macaco cabeludo”!), filha dum cacique, queteria recebido o baptismo em França, sendo a madrinha a rainhaCatarina. A anedota parece ser um reflexo fiel da presença de índiosprocedentes do Brasil em França ao longo da primeira metade doséculo XVI.

Doze anos depois dos festejos celebrados em Rouen, Michel deMontaigne encontrou-se ali com um grupo de índios tratando deconversar com os “cannibales” por meio de um intérprete. No seuensaio famoso (I, 31) Montaigne descreve o diálogo fracassado porcausa da má qualidade do serviço do intermediário. Não obstante asdificuldades da comunicação, Montaigne reflecte sobre o sentimentode superioridade dos europeus denunciando as crueldades daconquista como “carnificina universal”.7

Nas costas atlânticas do Brasil, os navegantes e comerciantesfranceses colidiram com os portugueses desde o início do século XVIe continuaram a perturbar os movimentos marítimos das frotasibéricas nas rotas das Índias Ocidentais. A política ultramarinafrancesa perseguia o fim de estabelecer a França Antárctica, umobjectivo que promoveu em particular o rei Henrique II e que foipropugnado por corsários, proprietários de navios como Jean Ango,navegantes e pilotos como Jean Cartier. Os portos normandos deRouen, Le Havre, Harfleur, Honfleur e Dieppe experimentaram umaprosperidade económica conjuntural devido ao comércio com o pau-brasil, base de um colorante rebuscado para a manufactura têxtil nospaíses do noroeste de Europa.

Um vestígio inequívoco da sua repercussão socioculturalencontra-se em algumas obras artísticas, como o friso de selvagensnum transepto da igreja de Santiago em Dieppe (ca. 1530), um alto-relevo em mármore de três metros de largura que representa umdesfile de indígenas. Entre outras sai uma família índia. Levando umpapagaio o pai vai vestido de uma saia de plumagem, a mulher traz

7 Compare-se Enders, Angela: Die Legende von der ‚Neuen Welt’ Montaigne und die‚littérature géographique’ des 16. Jahrhunderts, Tübingen: Niemeyer 1993;Soehlke Heer, Peter: El Nuevo Mundo en la visión de Montaigne o los albores delanticolonialismo, Caracas: Instituto de Altos Estudios de América Latina 1993.

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nas mãos um adornado da flor-de-lis, distintivo heráldico da realezade França, e um ramo de palmeira. Vêem-se, além disso, guerreiroscom aljavas, dois índios com um macaco, dois dançantes e umselvagem com acha ao lado de um tronco grosso8. Outros dois baixo-relevos lavrados em madeira de carvalho, que pertenciam à ricadecoração interior da casa de Jean Ango em Rouen, representamíndios desnudos talando e transportando troncos de pau-brasil9.

Quando, em consequência do tratado de amizade firmado comPortugal, Francisco I se viu obrigado a fazer a concessão que osbarcos franceses não invadissem as águas de soberania portuguesa,garantida pelo tratado de Tordesilhas, a oposição mobilizou-seimediatamente entre os comerciantes e as suas companhias denavegação, que temiam mínguas e uma desestabilização dos preços.Embora Henrique tolerasse tacitamente a pirataria, o Município deRouen esforçou-se por demonstrar ao rei o alcance vital dos negóciosultramarinos com um enorme dispêndio propagandístico.

Em íntima relação com os movimentos e interesses marítimosfranco-normandos, formou-se em Dieppe desde meados dos anostrinta do século XVI uma escola de cartógrafos, que por encargo dasua clientela solvente confeccionava em grande número mapas e atlasluxuosamente adornados, usando por regra padrões portugueses.

Para explicar os procedimentos de visualização e configuraçãocénicas do Novo Mundo, que culminam nas representações festivasdedicadas ao monarca em Rouen, convém olhar para o repertório demotivos que oferecem os mapas do Brasil.

No princípio da Idade Moderna, a imagem da América é, emprimeiro lugar, uma nova visão cartográfica (topográfica) que sediferencia da concepção polémica do mundo até então inquebrantável.As expedições marítimas espanholas e portuguesas abalaram estatradição multissecular do saber autoritativo. As descobertasgeográficas vão acelerando o que Hans Blumenberg chamou oprocesso da curiosidade teórica. O desenvolvimento da cartografia eo ajustamento das projecções geométricas do globo reflectem atransição conflictuosa da Imago Mundi medieval, como signo esímbolo duma realidade metafísico-religiosa (ou teológica), para arepresentação da terra em determinadas escalas matemáticas e

8 Colin, Susi: Das Bild des Indianers im 16. Jahrhundert, Idstein: Schulz-Kirchner1988, pp. 344-345 está equivocada ao afirmar que o friso foi destruído. Fotografiasem Belluzzo, t.1., pp. 26-27.9 Colin, pp. 347-348; Belluzzo, t. 1, pp. 32-33.

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conceitos científicos. No entanto, os mapas novos nem semprereproduzem só a configuração topográfica e localização exacta dasterras recém-encontradas – com as suas costas, promontórios, rios,desembocaduras, lagos, ilhas, lugares, etc – mas antes preenchem osnovos espaços incógnitos com imagens especulativas e teorias (nosentido etimológico da palavra grega: “visões”) sobre seus habitantes,sua vida e natureza desconhecidas. Por isso animam-se os espaçosainda vazios com cenas que representam os seres humanos nas suasactividades, costumes e vestes. Tratam também de ilustrar a fauna eflora ignotas e distintas das europeias. Por conseguinte, os mapas nãosó registam os dados científicos e provados pela exploração, comotambém animam com vida imaginada aqueles sítios do hinterland queainda fica como mancha branca. Acrescentam explicações, legendasno nobre sentido da palavra: texto explicativo que acompanha o mapae relato cujo núcleo histórico se vai desfigurando, transfigurando ereelaborando ao largo da sua tradição indefinida. Texto, ilustraçãoepisódica e mapa combinam-se para adquirir uma função declarativaoferecendo possíveis leituras do que até agora ficava inimaginável,inexplicável e extraordinário. A imagem do índio inscreve-seliteralmente e perfila-se nas representações cartográficas, que narramcom a sua própria retórica e amplificação pictórica o que o purodelineamento geodésico do mapa deve deixar em suspenso. Assim omapa transforma-se num teatro do mundo.

Os mapas primitivos do Brasil transmitem numerosos episódioscénicos que desenrolam uma visão reanimada da realidade e natureza.Não se trata duma cópia exacta de assuntos realmente vistos, mas deum remodelamento mental analógico baseado noutro texto (oral ouescrito) que inspira e configura a representação pictórica. Podemapontar-se alguns exemplos para compreender o contexto em que sesitua a representação teatral na gravura de 1551.

Um mapa da América Central, as Caraíbas e as costas do norte dohemisfério austral esplendidamente iluminado (entre 1536 e 1540)para uso do Delfim Henrique – o futuro rei Henrique II – contém aprimeira referência visual ao trabalho forçado dos índios naAmérica.10

No mapa do Brasil (fols. 15v-16r) vê-se, além de um combateentre duas tribos inimigas – um motivo iconográfico frequente –, outracena que mostra como os indígenas estão a falar de árvores e

10 La Haya, Biblioteca Real; veja Colin, pp. 304-305; Wolff, Hans (ed.): America. Dasfrühe Bild der Neuen Welt, München: Prestel 1992, pp. 54-55.

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colaboram com os comerciantes franceses. Um grupo de índiosacompanhado de dois franceses vai à frente dando sinal com um gestodo dedo em direção da terra como se quisessem convidar osforasteiros recém-chegados a explorar e tomar posse do território.Obviamente, a cena ilustra com uma finalidade propagandística aconvivência amistosa entre franceses e índios, bem diferente daexportação do índio praticada nos domínios espanhóis.

O cartógrafo e cosmógrafo Jean Rotz (Roze ou Ross) de Dieppeexecutou entre 1535-1542 um atlas de luxo para Henrique VIII, rei daInglaterra11 que contém, entre outros, um mapa onde destacam váriascenas da vida tupinamba, reproduzidas com exactidão etnológica(povoações rodeadas de paliçadas, cabanas grandes, comércio detroca, transporte e embarcação de pau-brasil, animais, figurashumanas, danças, combates, e rituais antropofágicos). Estes elementoscorrespondem bem à realidade fingida que a representação cénicaevocou em Rouen. Nos mapas antigos do Brasil, lenhadores,caçadores e papagaios aparecem com muita frequência comoingredientes de animação visual nos mapas estáticos.

O famoso atlas Miller da Biblioteca Nacional de Paris (elaboradopossivelmente por encargo de Francisco I) oferece uma sérieesplêndida de quadros inseridos dentro dos mapas. O plano de fol. 4r

mostra a “Terra Brasilis” com selva e animais, índios no seu atavio deplumagem e homens desnudos bronzeados que estão a falar árvores earrastar troncos.12 Com razão, Susi Colin interpreta estes mapasmudos como expressão artística do esforço feito naquela região donorte da França durante muitos anos para legalizar o comércio edefender o domínio no Atlântico. A perfeita visualização realista dasterras e homens acentua em forma sugestiva o rendimento económicoda colonização do Brasil para a França.

Os mapa-mundi13 que Pierre Desceliers desenhou pouco antes edepois das festas organizadas em Rouen retomam igualmente motivosque se assemelham com a Figure des Brisilians de 1551.

Data de 1555, ano em que Nicolas Durand de Villegagnonfundou a colónia francesa no Rio de Janeiro, o atlas de Guillaume Le

11 Londres, British Library, Royal Ms. 20 E. IX; Wolff, p. 55; Colin, pp. 305-307.12 Data de 1519 aproximadamente, Wolff, p. 177; Belluzzo t. 1, p. 68; Colin, pp. 298-300.13 Colin, pp 311-314.

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Testu feito para o almirante Gaspard de Coligny, que contém váriosmapas da América e do Brasil.14

Para além dos indígenas, desembarcaram também artefactos eoutras curiosidades americanas em Rouen. Em 1522, Jean Fleury deHonfleur capturou três caravelas espanholas, carregando parte dosdespojos que Hernán Cortés sacou do tesouro de Moctezuma, noMéxico. Um ano depois, navios de Jean Ango apoderaram-se de peçasprocedentes do Palácio de Cuauhtémoc. Para um momo, umaprocissão semidramática de figuras, organizado em 1527 com motivoda entrada de Francisco I em Rouen, Jean Ango cedeu troféusamericanos e outras coisas exóticas de sua colecção para adorno dumcarro triunfal.

A imagem do índio brasileiro perfilou-se precisamente no âmbitonormando-francês desde finais da segunda década do século XVI paraculminar na gravura rotulada Figure des Brisilians com o seurepertório iconográfico. Apesar dos contactos directos com indivíduosindígenas naquela região, o interesse etnológico-antropológico nãoocupa o primeiro plano na mentalidade burguesa. É certo que paraBinot Paulmier os índios não aparecem como seres monstruosos. Namaneira de pensar estratégica e pragmática dos “bons burgueses” ecorsários de Rouen, os índios brasileiros são provedores de matériasprimas, de utilidade mercantil e aliados necessários no conflito com osrivais ibéricos. A publicação das Singularités de la FrançeAntarctique (1557) de André Thevet e da Historie d’un voyage faicten la terre du Brésil (1577, ²1580) de Jean de Léry inaugura outra fasena ilustração gráfica do mundo brasileiro. Thevet era cosmógrafo dorei e acompanhou Nicolas Durand de Villegagnon na expedição de1555 a Guanabara para fundar uma colónia francesa. Léry fez aviagem como missionário calvinista entre 1556 e 1558 e conheceu olivro de Thevet. A obra de Léry dá outra visão dramática da realidadebrasileira tanto em narração como nas gravuras.15 No capítulo 9 pintacom palavras imagens do índio, insistindo, contudo, na importânciaque ao lado da descrição minuciosa incumbe à ilustração paravisualizar o texto. Mas também experimenta a tensão insuperável queexiste entre a experiência, a palavra e a imagem.16 Dadas as profundas

14 Cosmographie universelle selon des Navigateurs, Tant anciens Que modernes;Colin pp. 316-319.15 Colin, p.137.16 Seria interessante confrontar, por exemplo, a passagem em que Léry reproduz a suaconversa com um índio tupinambá sobre a exportação do pau-brasil como primeira

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diferenças entre o europeu e o americano não é nada fácil descrever oíndio, mesmo com a ajuda de imagens. Quem quisesse formar umaimagem deles, deveria ir vê-los no seu país – que, infelizmente, ficamuito longe.

Os espectáculos aparatosos organizados em 1550 para a visitaoficial do monarca inserem-se num conjunto de festividadessemelhantes na Europa renascentista e barroca que reelaboramelementos exóticos americanos. O autor anónimo do relato declaraacertadamente a intenção do fasto de imaginaria. A cidade de Rouen“vouloit exhiber a la maiesté de son Roy non par simulachres ou plattepeinture, ains par l’effet des choses viues & mouuantes, a l’imitationexpresse des Romains triumphateurs” (fol. D iijr). Como provadocumental, faz ilustrar profusamente a sua história ou reportagemcom gravuras para todos aqueles leitores que não se contentam com“la chose en essence” cuja mensagem já foi interpretada com o olharde conhecedor da coisa no texto do livro (fol. M iijv).

Se bem que a linguagem e o texto falhem em descreveratinadamente o fasto, pelo menos as gravuras permitirão ao espectadorvirtual captar “le surplus de l’artifice à imaginer” (fol. N jjjv),porquanto são o fiel retrato da realidade. As formaturas, desfiles edispositivos cénicos arranjados para o rei e a rainha durante dois diasseguidos fazem alarde da consciência política e cultural da edilidadede Rouen, segunda cidade portuária mais importante da França. Acoreografia serve-se da “Terra Brasilis” colonial para umaremodelagem impressionante narrada sem texto numa revista comquadros animados (de “plaisante et artificielle structure”) quesimbolicamente transplanta e incorpora o Brasil no campo de visãoeuropeia. O Brasil apresenta-se “en la mode des sauuages del’Amerique” como acto de ilusão teatral e com uma curiosa inversãodos papéis: os franceses assumem a parte e apariência física dos índiospara “jogar ao índio”, (certo, sem querer sê-lo), enquanto que osíndios autênticos se apresentam perante o público europeu semdisfarce teatralizado, tais como estão na vida desde sempre. A barbariafica cercada numa minúscula reserva natural dentro do mundo que secrê civilizado. Ali adquire uma presença simulada e distanciada emforma lúdico-teatral. No programa pictórico-fantasioso da entrada

mostra duma crítica do colonialismo europeu, com o entusiasmo manifesto nas cenasde comércio e lenhadores.

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real, a América transforma-se sob os olhos do público estupefacto emTeatro do Mundo, com toda sua diversidade e singularidade.

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