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Uma história de luta e resistência Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1970 Julho/2014 Sobral A 50 quilômetros de Sobral, no pé da Serra Verde, existe uma comunidade que usa cada metro de chão com sabedoria e faz dos seus quintais uma alternativa sustentável para garantir a soberania alimentar e nutricional de sua família o ano todo. Essa comunidade é chamada Recreio e um desses moradores é Seu Selisvaldo Pereira Lima, de 67 anos, casado com Dona Isaura Maria de Lima. O casal tem seis filhos que, embora não morem com o casal, residem a poucos quilômetros da comunidade e todo final de semana fazem questão de estar com seus pais. “Aqui estamos no meio da luta”, afirma Seu Selisvaldo, que vive numa terra que foi desmembrada pelo proprietário para descaracterizar o latifúndio, impossibilitando a desapropriação para fins da reforma agrária. A terra foi cedida para a prefeitura do município de Sobral e hoje as famílias que moram no Recreio têm um termo de concessão de uso que é renovado a cada 10 anos, embora o processo de regularização de posse ainda se encontre em negociação. São 40 anos de luta pela terra e nesse tempo ele participa ativamente da associação e do sindicato dos trabalhadores rurais, sendo um de seus fundadores. Sua militância iniciou nos movimentos eclesiais de base, incentivado pelo pai. Defensor de melhores condições de vida para os trabalhadores e trabalhadoras rurais, Seu Selisvaldo sempre defendeu a participação da mulher e do jovem nas organizações comunitárias e sindicais. Uma de suas bandeiras é a agroecologia. “Aprendi com a convivência, olhando para os companheiros. Participo do movimento sindical e do Fórum Microrregional pela Vida no Semiárido Região Norte há muito tempo e foi a partir da própria ASA e da Cáritas que juntamos o conhecimento e eu fui avaliando, porque não dá pra sair da noite para o dia do convencional para o agroecológico”, explica ele. Há cinco anos, a família iniciou a transição agroecológica e hoje, no quintal, podemos ver uma diversidade de plantas, entre elas, milho, feijão, pimenta, tomate, maracujá, mamão, ata, goiaba, leucena, coco, noni, acerola, seriguela, caju, pimentão e nim. na caminhada agroecológica

Uma história de luta e resistência na caminhada agroecológica

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Selisvaldo e Isaura vivem no pé da Serra Verde, na comunidade Recreio, em Sobral. O casal briga pela posse da terra há 40 anos. A única garantia que tem é um termo de concessão de uso renovado pela Prefeitura a cada 10 anos. Selisvaldo tem 67 anos e é um ativo agricultor e mobilizador na sua comunidade. Além do quintal produtivo agroecológico, ele mantém uma área de 10 hectares para produção coletiva entre os agricultores da região.

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Uma história de luta e resistência

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1970

Julho/2014

Sobral

A 50 quilômetros de Sobral, no pé da Serra Verde, existe uma comunidade que usa cada metro de chão com sabedoria e faz dos seus quintais uma alternativa sustentável para garantir a soberania alimentar e nutricional de sua família o ano todo. Essa comunidade é chamada Recreio e um desses moradores é Seu Selisvaldo Pereira Lima, de 67 anos, casado com Dona Isaura Maria de Lima. O casal tem seis filhos que, embora não morem com o casal,

residem a poucos quilômetros da comunidade e todo final de semana fazem questão de estar com seus pais.

“Aqui estamos no meio da luta”, afirma Seu Selisvaldo, que vive numa terra que foi desmembrada pelo proprietário para descaracterizar o

latifúndio, impossibilitando a desapropriação para fins da reforma agrária. A terra foi cedida para a prefeitura do município de

Sobral e hoje as famílias que moram no Recreio têm um termo de concessão de uso que é renovado a cada 10 anos, embora o processo de regularização de posse ainda se encontre em negociação. São 40 anos de luta pela terra e nesse tempo ele participa ativamente da associação e do sindicato dos trabalhadores rurais, sendo um de seus fundadores. Sua militância iniciou nos movimentos eclesiais de base, incentivado pelo pai.

Defensor de melhores condições de vida para os trabalhadores e trabalhadoras rurais, Seu Selisvaldo sempre defendeu a participação da mulher e do jovem nas organizações comunitárias e sindicais. Uma de suas bandeiras é a agroecologia. “Aprendi com a convivência, olhando para os companheiros. Participo do movimento sindical e do Fórum Microrregional pela Vida no Semiárido Região Norte há muito tempo e foi a partir da própria ASA e da Cáritas que juntamos o conhecimento e eu fui avaliando, porque não dá pra sair da noite para o dia do convencional para o agroecológico”, explica ele.

Há cinco anos, a família iniciou a transição agroecológica e hoje, no quintal, podemos ver uma diversidade de plantas,

entre elas, milho, feijão, pimenta, tomate, maracujá, mamão, ata, goiaba, leucena, coco, noni, acerola, seriguela, caju, pimentão e nim.

na caminhada agroecológica

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Também cultiva as hortaliças: alface, cheiro verde, coentro, berinjela, além de produzir as próprias mudas. A variedade permite diminuir a necessidade de comprar esses tipos de alimentos. A sobra da produção é comercializada no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Só no ano de 2013, a família vendeu em torno de R$ 16 mil pelo programa. O cheiro verde também é vendido para um restaurante popular da cidade de Sobral. “Tudo que se produz na agricultura, quando chega no mercado tem comprador. Pra você ter uma ideia, o quilo da pimenta eu vendo a três reais”, diz o agricultor.

Para manter todo o quintal, o agricultor experimentador desenvolveu um sistema de aproveitamento de toda a água da chuva que cai no telhado. Com tecnologias simples, usando canos e decantadores, aproveita o declive do terreno para captar, armazenar e fazer o uso racional da água por meio de irrigação por gotejamento. A água captada em um tanque serve ainda para criação de peixes e futuramente de patos. Do tanque, a água segue para um cacimbão, construído há 30 anos por Seu Selisvaldo, que na época trabalhava como pedreiro.

No verão, ainda existe a possibilidade de usar a água de um pequeno açude que fica no final da propriedade. A água é puxada por uma bomba para o sistema de irrigação. “Esse quintalzinho parece brincadeira de menino. Aproveitamos todos os espaços. Estou pensando em criar um leitãozinho aqui”, fala ele, mostrando o quintal.

A criação de galinhas fica aos cuidados de Dona Isaura, que também é artesã e confecciona redes por encomenda. O artesanato, para ela, além de gerar renda, também é uma terapia. “Tenho artrose no joelho e minhas filhas não querem que

eu trabalhe no tear. Mas meu médico aconselhou a não parar a produção das encomendas”, explica Dona Isaura.

Atrás do quintal da família, existe uma área coletiva de 10 hectares, onde os associados podem produzir. Hoje, somente seis agricultores cultivam na

área, sendo motivo de preocupação para Seu Selisvaldo, que gostaria que mais trabalhadores da comunidade fizessem uso dessa terra para uma

maior produção coletiva. “Eu não viso o lucro, mas a condição de vida das pessoas, é esse o projeto que eu escolhi. O que eu quero para mim eu quero para os meus companheiros”, afirma.

Hoje, a experiência serve de motivação para outros agricultores familiares que visitam a área em intercâmbios. “Eu me sinto satisfeito, alegre, por levar esse conhecimento para outros porque as pessoas têm começado a compreender, assimilar que a convivência com o Semiárido é muito simples, basta querer. Essa imagem que a terra é seca, esturricada, é falsa”, completa Seu Selisvaldo.

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