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7/25/2019 Uma Historia Em Verde Amarelo e Negro
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ALEX DE SOUZA IVO
UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:
CLASSE OPERRIA, TRABALHO E SINDICALISMO NA INDSTRIA DO PETRLEO(1949-1964)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social daUniversidade Federal da Bahia, comorequisito parcial para a obteno do grau deMestre em Histria.
Orientadora: Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz
Salvador
2008
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IVO, Alex de Souza.Uma histria em verde, amarelo e negro: classe operria, trabalho e
sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964) / Alex de Souza Ivo. 2008.
183 f. il.
Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia eCincias Humanas da UFBA, Salvador, 2008.
Orientadora: Prof Dr Maria Ceclia Velasco e Cruz
1. Sindicalismo. 2. Indstria do petrleo. I. Cruz, Maria CecliaVelasco e. II. Universidade Federal da Bahia. III. Titulo.
CDU: 331.105.446
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ALEX DE SOUZA IVO
UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:Classe operria, trabalho e sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964)
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria Social daUniversidade Federal da Bahia, comorequisito parcial para a obteno do grau
de Mestre em Histria.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz (orientadora)
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________________Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci
Universidade Estadual da Bahia
_______________________________________________Prof. Dr. Lus Flvio Reis Godinho
Universidade Federal do Recncavo da Bahia
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A minha me Iracy.
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AGRADECIMENTOS
Nenhum trabalho acadmico resultado do esforo de uma nica pessoa. Por isso,
agradecer torna-se uma forma de lembrar e reconhecer a colaborao daqueles que no
assinam a obra mas que sem eles o caminho teria sido no mnimo mais difcil. Quando um
negro trilha o caminho acadmico o imperativo do agradecimento ainda maior, pois somos
ainda muito poucos os que seguimos esse caminho, j que, na verdade, a grande maioria de
ns obrigada a desistir de jogar antes mesmo da partida comear. Por isso mesmo, esse
importante detalhe nunca deve passar em branco. Lembrarei nesse curto espao de algumaspessoas que foram importantes na caminhada que culminou com a redao desta dissertao.
Corro o risco de me alongar um pouco, mas entre o pecado do excesso e o da omisso prefiro
ficar com o primeiro.
Algumas instituies merecem ter seu apoio lembrado, so elas: o Programa de Ps-
Graduao em Histria Social, que acolheu minha pesquisa; a Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), que atravs da concesso de uma
bolsa de estudos, permitiu-me custear os dois anos de curso; a Fundao Clemente Mariani,
entidade da qual fui estagirio por dois anos, ainda antes de minha entrada no mestrado, e que
cumpriu um importante papel na minha formao profissional; e o Sindicato dos
Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia, que permitiu o livre acesso a toda a
documentao guardada em seu arquivo
Nos lugares onde pesquisei, contei com a colaborao de muitos profissionais.
Agradeo a Aldemar Jnior e a amiga Davilene Santos (Sindicato dos Trabalhadores do Ramo
Qumico e Petroleiro); Marina, Dilza e Maria Lcia (Biblioteca da FFCH); Graa, Lcia e
rica (Fundao Clemente Mariani).
Com a Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz tenho uma dvida impagvel. Primeiro
preciso lembrar da forma gentil com que assumiu minha orientao, para depois ressaltar o
seu profundo conhecimento sobre meu campo de pesquisa, sua sensibilidade e sua capacidade
de indicar caminhos e possibilidades para a execuo do trabalho, respeitando em todas as
oportunidades minha liberdade final de escolha. Os professores Muniz Gonalves Ferreira eLus Flvio Reis Godinho participaram do exame de qualificao e ajudaram a elucidar
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questes e corrigir possveis falhas deste trabalho. Franklin Oliveira Junior, pioneiro no
estudo sobre os petroleiros na Bahia, dialogou fraternalmente comigo e ainda cedeu-me
gentilmente parte de seu material de pesquisa.
Aos verdadeiros donos dessa histria, os pioneiros do trabalho e do sindicalismo
petroleiro, fica a reverncia de quem aprendeu muito com eles. Sou inteiramente grato a todos
os que concordaram em conversar sobre aqueles tempos com uma pessoa quase
desconhecida, compartilhando lembranas, alegrias, tristezas e frustraes. Os companheiros
da Associao Brasileira de Anistiados Polticos da Petrobrs e demais Estatais (ABRASPET)
foram o ponto de partida para a coleta dos depoimentos orais, to importantes para este
trabalho.
Na busca por depoentes, contei ainda com o apoio de Daniela Nascimento, que me
guiou pelas ladeiras de Candeias e compartilhou comigo boas e divertidas histrias de
petroleiros. Rebeca Vivas me emprestou seu pai e cedeu parte do seu lbum de famlia para
essa dissertao. Miguel Conceio, com seu olhar de operrio e historiador, conversou
comigo e ofereceu-me segurana num dos momentos mais complicados da realizao deste
trabalho.
Registro a importante convivncia e minha gratido a importantes amigos da
graduao e da militncia estudantil. So eles: Aline Farias, Ana Lvia, Daniel Rebouas,
Denise Silva, Pedro Burger, Roberto Lacerda, Roberto Lordelo, Wesley Francisco e Zlia
Neto. Todos grandes amigos que no poderiam ser esquecidos nesse momento.
Aos colegas de estgio da minha gerao na Fundao Clemente Mariani, testemunhas
das apreenses iniciais dessa pesquisa, que, alm de incentivadores, tornaram-se bons amigos.
Registro minha gratido a rica Brando, Graciene Rocha e Haroldo Barbosa; e aoshistoriadores Lus Henrique Santana, Fbio Baqueiro, Bruno Pessoti e Rogrio Luiz. Todos
sempre muito dispostos a dialogar sobre nossas pesquisas. Os dois ltimos, alm disso,
volta e meia apareciam com importantes dicas de livros, verdadeiros brindes, bem como
ajudaram-me todas as vezes que estive s voltas com a lngua estrangeira.
Agradeo aos companheiros da coordenao e do corpo docente dos Quilombos
Educacionais Instituto Cultural Steve Biko e Centro de Cultura, Orientao e Estudos
Quilombos. queles com quem mais aprendo do que ensino, os nossos estudantes, resta-me
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agradecer e continuar aquilombado, lutando para que faamos parte de outras estatsticas,
muito mais felizes do que as que nos so impostas atualmente.
Jnea Frana e Moiss Cerqueira kiriris em terras alheias receberam-me com umahospitalidade tipicamente baiana nas duas oportunidades em que realizei pesquisas nos
arquivos da cidade maravilhosa.
Outro casal amigo merece uma meno especial. Marta Lcia e Paulo de Jesus
prestaram um apoio incalculvel em boa parte dessa trajetria. difcil resumir em palavras a
amizade e carinho que sinto por ambos, bem como a contribuio por eles prestada para a
finalizao deste trabalho. Paulo foi ainda uma espcie de irmo mais velho, que sempre
esteve pronto para conversar sobre as dificuldades do mundo acadmico e da pesquisa em
Histria.
Para finalizar essa longa seo, passarei parte mais pessoal, destinada a lembrar do
carinho e do apoio dos familiares. Os meus sobrinhos Otvio, Gabriela e Lorena foram
garantia de descontrao e alegria nos momentos mais tensos da redao. Minhas irms
Tatiane e Luciana sempre estiveram prontas para contribuir. Os tios Pedro e Milza so
pessoas que sempre estiveram presentes e com quem posso contar a qualquer momento.
memria de minha tia e madrinha Raimunda do Socorro ,deixo saudosas lembranas.
Daniele mereceria um captulo a parte. Amiga, cmplice e companheira. Foi com ela
que compartilhei os problemas, as histrias, a ansiedade e os conflitos de todo o processo de
construo desse trabalho. Foi marcante o desprendimento e o interesse com que atendeu
todos os meus pedidos de ajuda. Ademais, demonstrou na maioria das vezes pacincia com os
meus momentos de desnimo e mau humor.
Finalmente, lembro a importncia de meus pais. O seu Jeovah no pde chegar at
aqui. Sei que estaria muito feliz. Dona Iracy, sem dvida, pelo seu amor incondicional por
tudo que ela fez e faz por seu filho merece muito mais do que qualquer outra pessoa a
dedicatria desta dissertao.
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O trabalho a fonte de toda riqueza, afirmam oseconomistas. Assim , com efeito, ao lado danatureza, encarregada de fornecer os materiais que
ele converte em riqueza. O trabalho, porm, muitssimo mais do que isso. a condio bsica efundamental de toda vida humana. E em tal grauque, at certo ponto, podemos afirmar que o trabalhocriou o prprio homem.
Friedrich Engels.
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RESUMO
A presente dissertao pretende discutir a trajetria dos petroleiros baianos nos
primeiros anos de sua histria. Nossa anlise partiu do incio da explorao do petrleo noestado e foi concluda no ano de 1964, momento emblemtico para entendermos aimportncia que a categoria de trabalhadores e seus sindicatos adquiriram para a sociedadelocal e nacional. A nossa ateno voltou-se, principalmente, para as relaes de trabalho e ashierarquias e tenses sociais nela existentes. Observamos como a questo foi abordada einternalizada pelos principais atores da trama e, por fim, analisamos as intervenes sindicaisnessa trama, marcada pelo dilema da crescente demanda pelos chamados interesses baianose pela emergncia da transformao da Petrobrs no grande smbolo de proteo nacional e deseus trabalhadores em seus principais defensores.
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ABSTRACT
This dissertation aims to discuss the Bahian petroleum workers during the first years
of their history. Our analysis starts in the early days of petroleum exploration in Bahia andends in 1964. This year is a landmark for the comprehension of how workers and their unionsbecame important both locally and nationally. Our focus was on labor relations with theirhierarchies and social tensions. We looked at how workers internalized and dealt with thesematters. Finally, we analyzed the union interventions, marked by the growing demand of theso-called Bahian interests and by the transformation of PETROBRAS into the majorsymbol of national protection and its employees as its main defenders.
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LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo..........................................24
FIGURA 2 Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949..................................27
FIGURA 3 A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional.....................................35
FIGURA 4 Petroleiros em seu momento de lazer................................................................62
FIGURA 5 O Petrolinho.......................................................................................................72
FIGURA 6 Aspecto interno de uma sala de operaes de Mataripe.......................................75
FIGURA 7 Rua da Vila de Mataripe....................................................................................88
FIGURA 8 Casa da Vila de Mataripe..................................................................................92
FIGURA 9 Trabalhadores da extrao de petrleo............................................................105FIGURA 10 Trabalhadores da extrao comendo no capacete...........................................117
FIGURA 11 Osvaldo Marques de Oliveira..........................................................................122
FIGURA 12 Trabalhadores de Mataripe mobilizados na greve...........................................138
FIGURA 13 Reunio entre Mrio Lima, Francisco Mangabeira e Wilton Valena............154
FIGURA 14 Jairo Jos Farias...............................................................................................156
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Empregados por unidade da Petrobrs na Bahia (05/1964)..............................56
TABELA 2 Diviso por sexo dos associados do Sindipetro/Refino e
Sindipetro/Extrao.................................................................................................58
TABELA 3 Distribuio de mulheres por funo na indstria do petrleo.........................59
TABELA 4 Estado de nascimento dos trabalhadores da indstria do petrleo....................63
TABELA 5 Nvel de instruo dos Associados do Sindipetro/Refino.................................69
TABELA 6 Distribuio dos filiados ao Sindipetro Refino segundo a categoria cor........71
TABELA 7 Relao de escolaridade entre os operadores da indstria do refino do
petrleo....................................................................................................................79TABELA 8 Nvel de escolaridade dos trabalhadores lotados na Diviso de Obras.............85
TABELA 9 Nvel de instruo dos moradores das Vilas de Niteri, Mataripe e de todos os
associados do Sindipetro/Refino.............................................................................97
TABELA 10 Ano de entrada na empresa e filiao ao Sindipetro/Refino...........................129
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SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................14
CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
1.1 A extrao e a indstria petrolfera at a fundao da Refinaria de Mataripe.................18
1.2 Petrleo como questo nacional: O petrleo nosso e a Petrobrs..............................31
1.3 Petrleo como questo local: o regionalismo baiano.......................................................39
CAPTULO 2:
OS TRABALHADORES DO PETRLEO
2.1 Para o bem do Brasil: o operrio nacional e um projeto para sua formao....................482.2 Os homens a formar: os petroleiros baianos.................................................................54
CAPTULO 3:
MORADIA, HIERARQUIAS E TENSES: O MUNDO DO TRABALHO
PETROLEIRO
3.1 A Refinaria de Mataripe e suas hierarquias de trabalho..................................................73
3.2 A face visvel das diferenas: moradia, alojamentos e transporte...................................87
3.3 O paternalismo e o nacionalismo: estratgias invisveis de dominao........................101CAPTULO 4:
A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO
4.1 Antes dos sindicatos: a imprensa comunista e os petroleiros........................................113
4.2 O nascimento dos sindicatos petroleiros e a construo de sua legitimidade................120
4.3 O sindicalismo petroleiro e as brechas do regionalismo................................................131
4.4 O caminho para as intervenes sindicais no mundo do trabalho.................................147
4.5 Auge, contradies e fim da era de ouro....................................................................154CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................167
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................170
FONTES.................................................................................................................................177
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INTRODUO
As atividades da indstria do petrleo na Bahia, originadas com o incio da extrao
do leo ainda no Estado Novo e a instalao da Refinaria de Mataripe, em 1950,
representaram um grande passo para o desenvolvimento econmico local. Elas traziam em seu
bojo um incremento tanto na produo industrial quanto na arrecadao de impostos do estado
e de seus municpios. Esse fato ampliou as expectativas locais em relao aos possveis
retornos que a prospeco e o refino do petrleo poderiam trazer sociedade local e
impulsionou um choque entre duas concepes, chamadas de regionalismo e nacionalismo.
Foi exatamente neste contexto que milhares de homens se incorporaram a um dos mais
importantes projetos governamentais para a industrializao nacional entre as dcadas de
1940 e 1950. Os trabalhadores do petrleo transformaram-se em poucos anos em um dos mais
destacados segmentos da classe operria e do sindicalismo baiano. Se no alvorecer da dcada
de 1950, eles eram uma fora poltica praticamente ignorada pelas pessoas que pautavam o
debate acerca dos rumos da indstria petrolfera brasileira, dez anos depois no era possvel
tratar do assunto sem levar em considerao os seus dois sindicatos. Os petroleiros viraram os
principais defensores de uma poltica de valorizao da estatal brasileira do petrleo, e
conseqentemente da ateno dessa empresa com o bem estar de seus funcionrios.
O nosso trabalho tenta debater algumas questes concernentes trajetria desses
operrios, tidos a princpio como pouco preparados para o trabalho para o qual haviam sido
contratados. O que se passou durante aqueles quinze anos na Bahia, desde que principiaram as
obras da Refinaria de Mataripe? Quem eram exatamente aqueles homens? Quais as relaes
entre o cotidiano de trabalho e a poltica sindical dos petroleiros? Como os trabalhadoreslidaram com o discurso nacionalista da empresa, que dissimulava a explorao capitalista
existente na indstria? Qual a posio do sindicalismo petroleiro diante das principais
correntes polticas que rondavam a Petrobrs no estado da Bahia durante as dcadas
estudadas?
Partindo da perspectiva da histria social do trabalho, concebemos que as aes
polticas de qualquer sindicato so influenciadas de forma contundente pelas relaes sociais
estabelecidas nos locais de trabalho. Ao mesmo tempo, no desprezamos as articulaes da
chamada alta poltica, que estabelece uma tensa relao com as demandas vindas do cho da
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fbrica. Realizamos um esforo no sentido de equacionar esses dois campos da atuao
operria, tendo por base a formao da categoria petroleira na Bahia, e os primeiros anos de
atuao desses rgos de classe. Optamos pelas unidades da Petrobrs na Bahia, por
considerarmos que as empresas estatais criadas entre as dcadas de 1940 e 1950 formam um
campo privilegiado para a compreenso dessa tensa relao.
Para compreender o fenmeno baiano, partimos, assim, da bibliografia produzida no
mbito das Cincias Sociais sobre o mundo do trabalho nas empresas estatais. Diferentemente
dos casos da Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, da Usina de Volta Redonda e da
Fbrica Nacional de Motores, a indstria do petrleo na Bahia contou com um elemento
adicional na sua trama: o forte crescimento de uma srie de demandas e reivindicaes que
questionavam o papel da empresa estatal no desenvolvimento econmico do estado. O
movimento regionalista competiu, portanto, com o nacionalismo como um definidor tanto da
identidade dos petroleiros quanto da ao de seus rgos de classe. Nossa anlise da ao
poltica dos sindicatos visa entender quais as relaes entre o quadro poltico regional e
nacional, as particularidades da fora de trabalho petroleira local e o sistema de poder e
privilgios montado na indstria em questo.
Para isso, levamos em considerao as especificidades do sindicalismo estatal, queevitava um conflito direto com a empresa, preferindo o dilogo com seus dirigentes, pois os
sindicalistas entendiam que o fortalecimento das estatais resultaria numa ampliao dos
direitos e conquistas dos trabalhadores. Essa postura, no caso especfico analisado, trouxe
tenses e novas responsabilidades para os seus sindicatos, que tiveram de persuadir suas bases
acerca da eficcia da poltica que empregavam e ao mesmo tempo neutralizar a hostilidade
dos rgos de imprensa locais.
No primeiro captulo, contamos de forma sucinta como foram os primeiros passos e os
principais debates relacionados explorao do petrleo no Brasil e o desenrolar dos fatos
que resultaram na construo da Refinaria de Mataripe. Concentramos nossa ateno no clima
poltico nacional das dcadas de 1940 e 1950 para entendermos o motivo pelo qual foi tomada
a opo do monoplio estatal do petrleo no pas. Dentro deste debate, procuramos apontar
qual era a posio de importantes sujeitos da poltica baiana com o objetivo de melhor
compreender as expectativas dos polticos locais com relao s atividades ligadas indstria
petrolfera em terras baianas. Para fechar a seo, mapeamos as principais movimentaes do
movimento regionalista.
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O segundo captulo mergulha na composio da fora de trabalho petroleira. Atravs
dos registros de filiao sindical, conseguimos traar um perfil dos petroleiros baianos, pondo
os dados obtidos atravs dessa fonte em comparao com os relatos orais, memorialistas e
observaes feitas na poca sobre esse grupo de trabalhadores. Apontamos, tambm, a
preocupao dos governantes brasileiros com a formao de um novo trabalhador nacional,
que precisaria ser preparado para a misso de construo de um Brasil grande, e como as
empresas estatais eram ponta de lana nesse projeto de formao.
No captulo seguinte, partindo das constataes iniciadas na anlise feita sobre a
composio social dos petroleiros, buscamos demonstrar que os gestores da empresa
adotaram nas relaes de trabalho um conjunto de diferenciaes internas que tinham por base
a origem social e regional dos funcionrios. Para isso, descrevemos o espao produtivo e as
hierarquias de trabalho na indstria do refino do petrleo e avanamos em uma anlise acerca
do sistema de moradia e transporte montado para servir aos trabalhadores de Mataripe. A Vila
Residencial de Mataripe e os alojamentos construdos para servir aos menos graduados so
analisados luz da bibliografia produzida sobre o tema no mbito nacional. Com isso,
tentamos perceber as semelhanas e diferenas entre o caso da refinaria e o de alguns outros
instalados no territrio nacional. Por fim, examinamos os mecanismos ideolgicos utilizados
para garantir o controle dos gestores sobre os trabalhadores. Analisamos como prticas
paternalistas e como um discurso de que o trabalho com o petrleo era fundamental para o
engrandecimento do pas puderam ser assumidos e ressignificados pelos servidores da
Petrobrs.
No ltimo captulo fazemos uma anlise da atuao sindical petroleira desde os
primeiros esforos para a sua fundao at o golpe civil-militar de 1964. Dialogamos com o
trabalho de Franklin Oliveira Junior1
para tentar responder algumas questes relacionadas insero dos sindicalistas petroleiros, os quais aproveitando as brechas do regionalismo
aproximaram-se das lideranas polticas do perodo. Aproveitamos o consistente relato factual
feito pelo autor de Usina dos Sonhos para concentrar nossa ateno na interpretao da
construo da legitimidade dos representantes sindicais do refino do petrleo, bem como a
estratgia utilizada por eles para obter sucesso em seu primeiro movimento grevista; alm das
movimentaes sindicais que levaram o jurista baiano Francisco Mangabeira ao posto
mximo da estatal.
1OLIVEIRA JR., Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro. Salvador: EGBA, 1996.
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Terminamos a dissertao discutindo as possibilidades de enfrentamento e barganha
abertas aos petroleiros durante o perodo de 1962 a 1964, quando estes, atravs de seu
sindicato, estiveram muito prximo dos principais postos de mando da Petrobrs.
Por fim, cabe dizer que neste trabalho cruzamos diferentes tipos de fontes escritas com
entrevistas de histria oral. Ao longo do texto utilizamos livros, folhetos e informaes
colhidas na imprensa da poca. Recorremos tambm aos documentos sindicais e nesse campo
foi de grande importncia as atas de reunio de diretoria e assemblia do Sindipetro/Refino,
bem como os registro de associados deste sindicato e do Sindipetro/Extrao. A maior
dificuldade residiu, contudo, no acesso a fontes produzidas pela prpria empresa, pois alm
do acervo do CNP ainda estar em fase de organizao, a Petrobrs adota uma poltica de
proibio do acesso dos pesquisadores ao seu acervo documental, permitindo aos estudiosos
de sua histria a possibilidade de pesquisa somente nos livros das suas bibliotecas. O caminho
para a soluo desse impasse foi a pesquisa em acervos pessoais e nesse caso alm do apoio
dos prprios militantes, merece destaque o arquivo do General Arthur Levy, disponvel para
pesquisa no acervo do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do
Brasil da Fundao Getlio Vargas (CPDOC-FGV), que forneceu boa parte das fontes
primrias relacionadas estatal que utilizamos em nossa dissertao.
J as fontes orais foram relevantes principalmente para a anlise de aspectos da vida
operria que no so expressos em documentos escritos. O dilogo com diversos atores da
trama social estudada nos possibilitou compreender com maior consistncia as apreenses,
perspectivas e sentimentos dos petroleiros. Ademais, elas ajudaram a preencher importantes
lacunas, pois a memria, tanto a coletiva da categoria quanto a individual de cada operrio,
tem um valor mpar para os estudos sobre a classe operria.
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CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
Nossa Senhora da Penha, endireito o meu mulatoE lhe tire da cabea o ouro negro de LobatoEle j no tira samba e s fala nome inglsFurou tanto que encontrou o rabicho de umchinsGastou toda a minha grana com a sua engenhariaProcurando em Cascadura o petrleo da Bahia...2
1.1
A EXTRAO E A INDSTRIA PETROLFERA AT A FUNDAO DA
REFINARIA DE MATARIPE
Pouco mais de um ano aps a sua fundao, a Refinaria de Mataripe era saudada pelo
peridico O Observador Econmico e Financeiro. A usina, situada no Recncavo baiano, foi
a primeira experincia estatal com o refino do petrleo, utilizando o leo extrado do prprio
Recncavo. Mataripe e os campos de extrao da Bahia cumpriram um papel relevante tanto
no cenrio social, econmico e poltico do pas quanto do territrio baiano, especialmente nasdcadas de 1950 e 1960.
No Recncavo da Bahia de Todos os Santos, regio que desde os primeiros temposda colonizao tem sido teatro de fatos marcantes da histria nacional, foi erguidauma moderna fortaleza econmica, marco inicial de uma nova etapa de nossaatividade num dos mais importantes setores da atividade humana.
Uma fortaleza sem canhes e sem soldados, mas mesmo assim um baluarte. Ao invsdos uniformes militares encontramos l os macaces dos operrios e as roupas civisdos tcnicos, dos jovens tcnicos brasileiros. Todos eles, porm, sabem com
segurana qual a importncia da tarefa que lhes cumpre executar e o que elarepresenta no quadro da prpria segurana nacional.3.
O sentimento expresso acima consistia em uma relevante mudana quando comparado
com a desconfiana reinante nos meses imediatos aps a sua fundao. As atividades com o
petrleo na Bahia deixavam de ser uma incgnita e tornavam-se uma realidade para todo o
pas. Contudo, para entendermos a sua histria e a histria de seus trabalhadores (o foco
principal deste trabalho), necessrio observarmos mesmo que de forma sinttica os
2PEPE, Kid; NASSER, David. Candieiro, samba lanado em julho de 1939 e gravado por Carmem Miranda.Apud: PETROBRS. Almanaque Memria dos trabalhadores da Petrobrs.Rio de Janeiro: Petrobrs; SoPaulo: Museu da Pessoa, 2003, p. 107.3A Refinaria de Mataripe. In: O observador econmico e financeiro, outubro de 1951, p. 3.
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caminhos e os debates situados em torno da extrao e do refino do petrleo no territrio
nacional.
Essa histria pode ser iniciada no momento em que o ouro negro adquiriu importnciafundamental para qualquer pas que desejasse empreender um processo de industrializao.
As sucessivas mudanas ocorridas na produo industrial fizeram com que ele substitusse o
carvo, tornando-se o combustvel mais importante para as indstrias modernas. No caso
brasileiro, a existncia de uma empresa com as caractersticas da Petrobrs monopolista,
criada e controlada pelo Estado, e considerada por parte significativa da opinio pblica como
defensora da soberania nacional diante das potncias capitalistas, mas tambm criticada por
muitos grupos, e quase privatizada h alguns anos atrs um sinal concreto da constituio
de uma arena poltica marcada por polmicas e debates candentes em torno da questo
energtica nacional. Esses debates permearam toda a histria da empresa, sobretudo nos seus
primeiros anos, e envolveram os mais diversos tipos de interesses.
A primeira destas polmicas antecede a explorao sob interveno estatal
propriamente dita, e esteve relacionada s discusses acerca da possvel existncia do petrleo
no territrio brasileiro. Existem verses que apontam as primeiras descobertas do combustvel
ainda no sculo XIX, mas nenhum desses episdios fortuitos garantiu a sua exploraoefetiva4. Tais esforos eram, porm, bastante espordicos e incipientes, uma vez que no
contavam com desenvolvimento tcnico adequado e os recursos eram bastante escassos. A
iniciativa governamental pioneira nessa rea pode ser considerada a criao, no governo
Afonso Pena (1906-1909), do Servio Geolgico e Mineralgico do Brasil, chefiado pelo
gelogo norte-americano Orville Derby. Mais tarde, no ano de 1917, foi criado um
departamento especfico para a pesquisa do petrleo, que no logrou xito pois a sua
existncia no garantiu o aumento de verbas, contando ele com os mesmos recursos exguosat ento destinados ao Servio Geolgico e Mineralgico5.
A ascenso de Getlio Vargas ao poder reacendeu os debates, bem como representou
uma mudana de orientao dos poderes pblicos em relao questo das reservas minerais
brasileiras. A linha poltica centralizadora do novo governante transferiu esta discusso do
terreno estadual para o campo nacional. J em 1931, com a anulao da Carta Constitucional
4 PIMENTEL, Petronilha. Afinal quem descobriu petrleo no Brasil: das tentativas de Allport no sculopassado s convices cientficas de Igncio de Bastos. Rio de Janeiro: Graphos Industrial Grfico, 1984. p. 14.5 SMITH, Peter Seaborn. Petrleo e poltica no Brasil moderno. Editora Artenova: s/l. Editora da UNB:Braslia, 1978, p.26.
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de 1891, o governo trouxe para si o poder de autorizar a pesquisa e explorao dos recursos
minerais do pas. A reestruturao dos rgos governamentais, iniciada em 1933, atingiu
tambm o Ministrio da Agricultura e conseqentemente os setores responsveis pela busca
do petrleo. Nesse sentido, substituindo o Servio Geolgico e Mineralgico, foi criado em
1934, o Departamento Nacional de Produo Mineral, subordinado ao mesmo ministrio. O
novo rgo contou com as mesmas deficincias burocrticas e oramentrias presentes nas
experincias anteriores6.
O Cdigo de Minas, promulgado em julho de 1934, reforou as decises
centralizadoras de 1931. Segundo Cohn, essa reorientao representou uma novidade no
padro de administrao da mquina pblica brasileira, pois comeou a ocorrer uma
separao, nas prticas e na conscincia dos agentes sociais envolvidos, da atividade
burocrtica e da tcnica.Para o autor, os procedimentos anteriores da administrao pblica,
voltados para a sustentao de possibilidades de emprego para os membros da oligarquia
dominante, no se adequavam ao deslocamento do poder da zona rural para o plo urbano-
industrial, iniciado com a Revoluo de 19307. Tal novidade podia ser comprovada, conforme
atesta Smith, pela contratao de uma significativa quantidade de gelogos para virem
trabalhar no rgo recm criado8.
As reorientaes da mquina pblica e da postura governamental foram acompanhadas
pelo acirramento das polmicas acerca da existncia do ouro negrono territrio brasileiro. A
ausncia de respostas satisfatrias relacionadas ao assunto, associada ampliao do interesse
de setores da sociedade civil sobre o tema, fez com que particulares e tcnicos do governo
travassem intensos debates. Neste contexto foram fundadas algumas companhias particulares,
como por exemplo, a Companhia de Petrleo Nacional, pertencente a Edson de Carvalho, um
engenheiro agrnomo que obteve concesso para perfurar a regio de Riacho Doce, no estadode Alagoas. Entretanto, um dos mais clebres personagens envolvidos nessa celeuma foi o
escritor Monteiro Lobato, diretor da referida empresa, que polemizou com os tcnicos do
governo, aps os mesmos afirmarem a inexistncia de petrleo na regio por ele pesquisada.
Monteiro Lobato travou, ento, uma luta franca contra as teses oficiais. Fundou, mais
tarde, a Companhia Petrleos do Brasil e concentrou suas atenes na busca do leo no
interior paulista. O principal argumento do literato, bem como daqueles que procuravam
6COHN, Gabriel. Petrleo e Nacionalismo. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968, p. 14.7Idem, p. 15.8SMITH, op. cit., p. 40.
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petrleo revelia do governo federal, era de que os tcnicos estrangeiros contratados pelo
governo estavam ligados s grandes empresas petrolferas internacionais, e boicotavam,
portanto, a perfurao brasileira, j que no interessaria a elas abrir novos locais de
explorao, pois as jazidas j existentes satisfaziam o mercado consumidor mundial. Alm
disso, a inrcia dos rgos governamentais impedia qualquer avano na questo9. Para ele, os
rgos oficiais eram iludidos pela idia da inexistncia de petrleo no Brasil e acabavam no
perfurando e no deixando que os outros perfurassem10. No auge da polmica, em 1936, cinco
anos antes de ser preso por questionar as posies do governo, Monteiro Lobato publicou O
escndalo do petrleo. Para Whirth, este livro foi um marco na histria do nacionalismo
brasileiro. Seu estilo no se prendia a questes de ordens tcnicas, recorrendo
fundamentalmente ao apelo emocional. Com uma escrita firme utilizou um vocabulrioeficaz para interpretar os sentimentos do pblico a respeito das companhias de petrleo
estrangeiras11.
Um ponto de inflexo nessa celeuma foi a conjuntura poltica mundial nos anos que
antecederam Segunda Grande Guerra. Setores do governo, j sob o Estado Novo,
entenderam que o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais, em virtude do seu carter
excessivamente burocrtico, no dava conta do empreendimento em questo. Crculos
militares, que j vinham h algum tempo participando dos debates acerca da existncia ou no
de petrleo no Brasil, apontaram, atravs do chefe do Estado-Maior do Exrcito, General Gis
Monteiro, para a possibilidade de suspenso do fornecimento de gasolina e leo diesel por
conta da guerra iminente. Esse problema aconteceria justamente num momento de incremento
da malha rodoviria brasileira e da conseqente ampliao do consumo de combustveis. Com
efeito, logo ficou evidente a necessidade da criao de um rgo livre das caractersticas
burocrticas presentes naquele Departamento, que pudesse garantir o abastecimento nacional
de petrleo, mesmo que em carter emergencial, durante o conflito mundial que se
prenunciava12. Em abril de 1938, foi criado, portanto, o Conselho Nacional do Petrleo
(CNP), rgo responsvel por regular e decidir as principais questes relacionadas extrao,
refino e abastecimento do combustvel no territrio brasileiro. Seu principal trunfo era a
autonomia administrativa e financeira, pois estava ligado de forma mais imediata ao prprio
presidente da repblica, tendo financiamento prprio e independente das dotaes
9Idem, p. 41-49.10WHIRTH, John D. A poltica do desenvolvimento na Era Vargas. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas,1973, p. 121.11Idem, p. 126.12COHN, op. cit., pp. 47-48.
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oramentrias ministeriais. Foi nessa conjuntura de centralizao e racionalizao das aes
do poder federal no campo econmico que a Bahia passou a ocupar um lugar estratgico para
a poltica nacional do petrleo.
No final de 1932, o engenheiro baiano Manoel Igncio de Bastos, intrigado aps saber
que muitos moradores da regio de Lobato, subrbio de Salvador, utilizavam uma espcie de
leo, retirado do prprio quintal, para acender seus candeeiros, comeou a pesquisar e
localizou infiltraes de petrleo no bairro. Comunicou aos tcnicos do Ministrio da
Agricultura a sua descoberta, mas estes a desqualificaram, chegando a acus-lo de ter jogado
leo no poo. Desiludido com a posio do rgo oficial, Bastos procurou o presidente da
Bolsa de Mercadorias da Bahia, Oscar Cordeiro. Apesar do apoio de Cordeiro, o Ministrio
continuou, baseado em um levantamento datado de 1932, rejeitando a suposta descoberta de
Bastos, pois considerava a geologia do local imprpria ocorrncia de petrleo13.
Apesar dos reveses junto s autoridades oficiais, Bastos permaneceu insistindo na
necessidade de se fazer um estudo mais detalhado da geologia do Lobato. Por conta disso, no
incio de 1934, foi enviado ao local o gelogo Victor Oppenheim, que reiterou a posio
anterior do Ministrio da Agricultura. O descrdito acerca das afirmaes de Cordeiro s
comeou a ruir no ano de 1936, quando Glycon Paiva, Irnack Carvalho do Amaral e SlvioFres Abreu fizeram um levantamento geolgico do Recncavo baiano e concluram que o
territrio era de fato favorvel acumulao do leo14. Depois da longa insistncia de
Cordeiro e do apoio obtido junto aos profissionais acima citados, o recm criado CNP enviou
equipes de perfurao ao Lobato, conseguindo, enfim, em janeiro de 1939 trazer petrleo
superfcie.
A descoberta foi recebida com grande empolgao e animou as autoridades brasileiras.
O chefe do Estado Novo visitou a Bahia no mesmo ano de 1939 e constatou a importante
descoberta ocorrida no subrbio de Salvador. A partir da, o recm criado CNP comeou a
pesquisar a estrutura do subsolo do Recncavo Baiano em busca de novos campos
petrolferos. Naquela mesma regio, na cidade de Candeias, foi encontrado o primeiro poo
brasileiro de carter comercial, mas a deflagrao da II Guerra Mundial dificultou as aes
do poder pblico, comprometendo ao mesmo tempo o abastecimento de combustvel, bem
13SMITH, op. cit., p. 39.14Idem, p. 47.
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como a importao de sondas e demais materiais necessrios pesquisa e explorao de
petrleo no pas.
Mesmo assim, o principal horizonte das atividades do CNP tornou-se, a partir deento, buscar a consolidao da Bahia como um ponto produtor de petrleo em grande escala.
Turmas de Geologia e Geofsica, compostas por brasileiros e estrangeiros, empenharam-se
neste trabalho. No final de 1941, por um lado, j havia sido constatado que o campo de
Lobato no tinha carter comercial, mas por outro, foram localizados, no Recncavo da
Bahia, trs outros campos petrolferos: Aratu, Candeias e Itaparica.
Contudo, seu desempenho a princpio no foi animador. Segundo Smith, no final de
1943, a produo nacional, concentrada exclusivamente em territrio baiano, atingiu a
quantidade de 300 barris dirios, cerca de 1% do consumo nacional15. Em dezembro de 1946,
segundo relatrio apresentado pelo gelogo Avelino Igncio de Oliveira, a situao
comeava, no entanto, a melhorar, pois 93 poos haviam sido perfurados no estado e Candeias
apareceu, ento, como a principal produtora do leo no pas, com um total de 3.590 barris por
dia, dos 4.200 produzidos em todo o Recncavo16. Os resultados animaram a muitos e no
tardaram a ocorrer visitas de diversas autoridades, sobretudo polticos e militares, para
presenciar os trabalhos de extrao. Desse aumento de produo, tambm, surgir mais tardeo projeto de construo da primeira refinaria de petrleo administrada pelo CNP.
O Recncavo baiano, regio que passava a abrigar a indstria de extrao de petrleo,
havia sido fundamental no processo de colonizao do Brasil. De acordo com Costa Pinto,
tratava-se de um local dedicado tradicionalmente ao cultivo monocultor de gneros tropicais,
pesca e agricultura de subsistncia, marcado por uma grande diversidade e que teve a
Bahia de Todos os Santos e a cidade de Salvador centro administrativo e consumidor
como pontos que garantiram regio o seu carter unificado e uma certa identidade social e
econmica17. Antes da explorao de petrleo, a regio subdividia-se em cinco reas: zona da
pesca e do saveiro; zona do acar; zona do fumo; zona da agricultura de subsistncia; zona
urbana de Salvador. A descoberta do petrleo configurou, no entanto, um novo quadro,
praticamente inesperado. Os terrenos antes ocupados pelos canaviais comearam a ceder
15Idem, p. 60.16OLIVEIRA, Avelino Igncio de. Pesquisas de petrleo no Estado da Bahia.Rio de Janeiro: Ministrio da
Agricultura, 2 ed, 1947, p. 14.17PINTO, Luiz de Aguiar Costa. Recncavo: laboratrio de uma experincia humana. In: BRANDO, MariaAzevedo (Org.). Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de JorgeAmado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, pp. 103-107.
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espao a tratores, sondas e tonis, surgindo da, ainda de acordo com a anlise feita por Costa
Pinto em 1953, a sexta subrea do Recncavo: a zona do petrleo18.
Essa zona o Recncavo do Petrleo era, no entanto, diferente geograficamente doRecncavo tradicional. Tratava-se de uma rea bem maior, que compreendia tambm as ilhas
da Baa de Todos os Santos e chegava at as cidades de Corao de Maria e Inhambupe.
Atingia, assim, alm das cinco reas demonstradas por Costa Pinto, fazendas de pecuria
(Corao de Maria), entrepostos comerciais e de transportes (Alagoinhas e Catu) e at mesmo
reas de veraneio (Ilha de Itaparica)19.
Figura 1:
Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo
Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro
de 1951, p. 04.
A introduo desse novo ramo econmico representou para a Bahia muito mais do que
uma sutil mudana de produto cultivado, muito comum em zonas de agricultura exportadora.
18Idem, pp. 108-109.19 BARROSO, Geonsio de Carvalho. A Petrobrs e o Recncavo Baiano. Rio de Janeiro: s/e, 1956, p. 14.AZEVEDO, Thales de. O advento da Petrobrs no Recncavo. In: BRANDO, Maria Azevedo (Org.).Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado;Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1988, pp. 191-192.
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Seu significado maior estava nas possibilidades abertas s elites baianas. Estas passaram a
antever, a partir da explorao petrolfera, a possibilidade de deixarem de lado a decadncia
vivida nos ltimos cem anos e voltarem cena, no comando de uma das unidades estaduais
mais ricas e prsperas do pas. Na verdade, para alguns segmentos da sociedade local, a
confirmao da existncia de petrleo era uma espcie de retorno s origens gloriosas. A
Bahia, bero do pas, primeira capital da Colnia, tinha, agora, a honra da primazia na
produo do to sonhado ouro negro. Isso ter conseqncias polticas, conforme veremos
adiante.
Voltando s iniciativas do Conselho Nacional do Petrleo, cabe ressaltar que nos anos
de 1943 e 1944, ainda durante o Estado Novo, foram construdas duas pequenas destilarias,
localizadas em Aratu e Candeias, com capacidade de refinar cada uma 150 barris de petrleo
por dia. A construo de ambas pode ser explicada pelo aumento do consumo de combustveis
conjugado queda na importao, decorrente da II Guerra Mundial.
Essas destilarias eram unidades acanhadas, com pouca tecnologia e operando em
carter experimental. Sua meta era suprir apenas as necessidades de consumo do CNP,
fornecendo combustvel para as torres de sondagem e os caminhes que ali operavam20. A
construo foi, inclusive, improvisada. Eugnio Antonelli ao receber a incumbncia deconstruir a destilaria disse ao seu chefe, o engenheiro Nlio Passos, que sequer sabia por onde
comear. A resposta do seu superior veio prontamente e foi a seguinte: voc j viu um
alambique de cachaa, j? Pois . aquilo mesmo com algumas modificaes. Sem
nenhuma experincia e contando ainda com materiais reaproveitados de locomotivas
adquiridas em Santo Amaro, as destilarias foram construdas e entraram, de fato, em
operao21. A unidade de Candeias atendia a uma demanda importante, pois em funo da m
qualidade das estradas e dos atoleiros nas pistas era muito comum os campos de produopararem por causa dos atrasos no recebimento de combustvel. Segundo Eunpio Costa, aps
a construo da destilaria de Candeias, no houve mais nenhuma parada nos campos por falta
de combustvel22.
No sabemos exatamente quando a destilaria de Candeias deixou de funcionar, mas
em 1949 a pequena unidade de Aratu ainda estava em funcionamento, processando durante
20SMITH, op. cit., p. 63.21COSTA, Eunpio Cavalcanti. No rio dos papagaios: histria, casos e causos mataripenses. Salvador: Grfica eEditora Arembepe, 1990, p. 45.22Idem, p. 48.
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todo aquele ano cerca de 10.660 barris de petrleo23. Essa experincia com a destilao, pode
ser considerada como o primeiro contato com o refino e o processamento de petrleo sob
controle estatal em territrio brasileiro. Entretanto ela seria logo suplantada por iniciativas
mais ambiciosas.
Aps o fim do Estado Novo, sob o governo do General Eurico Gaspar Dutra, decidiu-
se criar a primeira refinaria estatal de petrleo de grande porte. De forma ainda muito tmida,
uma vez que a meta traada pelo presidente privilegiava a atrao de capitais privados
nacionais ou estrangeiros , foi instituda, em outubro de 1946, a Comisso de Constituio da
Refinaria, presidida por Mrio Leo Ludolf, engenheiro e membro do plenrio do Conselho
Nacional do Petrleo, rgo responsvel por viabilizar e construir a Refinaria Nacional de
Petrleo S/A. Um ano depois, em novembro de 1947, o CNP e a empresa estadunidense M.
W. Kellog assinaram contrato para a construo de uma refinaria com capacidade inicial de
processamento de 2.500 barris por dia, a mesma produo comprovada dos campos do
Recncavo.
De acordo com o contrato, a Kellog ficaria responsvel por projetar e supervisionar a
construo e operao inicial da refinaria24. Ficou estabelecido ainda que alguns tcnicos e
engenheiros brasileiros seriam enviados aos Estados Unidos para serem preparados a auxiliara obra e comandar a operao da refinaria aps o trmino do trabalho da empresa
contratada25. O primeiro profissional enviado foi o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto,
responsvel por tomar parte, durante dois anos, de todos os detalhes do projeto de montagem
da refinaria, acompanhar a produo dos equipamentos que estavam sendo construdos, e
conhecer os mtodos de refino de petrleo realizados por importantes refinarias norte-
americanas. Pouco tempo depois, Paes Barreto recebeu a ajuda de mais quatro funcionrios
enviados pelo CNP26
.
Inicialmente os planos traados no deslancharam. Devido demora na liberao de
recursos federais, o ano de 1948 foi pouco proveitoso para as obras, fato que acabou
impedindo a efetivao dos planos traados no ano anterior. Esse descompasso entre os
23Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro. S/e, 1950, pp 146-147.24Carta da Comisso Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo endereada, em junho de 1947, a BennetArchambault (diretor da Kellog).25 MATTOS, Wilson Roberto. O sonho da autonomia energtica. In: MATTOS, Wilson Roberto (et. alli).
Uma luz na noite do Brasil: Refinaria Landulpho Alves 50 anos de histria. Salvador: Solisluna Design eEditora, 2000, p. 54.26BARRETO, Carlos Eduardo Paes. A saga do petrleo brasileiro: a farra do boi. So Paulo: Nobel Editora,2001, p. 23.
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planos e a ao pode ser explicado pela j mencionada prioridade do governo Dutra em buscar
capitais privados para a construo de refinarias. No entanto, a oposio de vrios setores a
essa orientao governamental, e ao mesmo tempo, a timidez com que os empresrios se
voltavam para tal negcio, obrigaram o presidente a, atravs do plano SALTE (Sade,
alimentao, transporte e energia), dedicar, enfim, maior ateno e tambm maiores
investimentos questo do refino do petrleo27.
Figura 2:
Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949
Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 07.
Isso fez com que o ano seguinte fosse decisivo para as obras de edificao da
Refinaria Nacional de Petrleo. De acordo com o Relatrio do CNP de 1949, a situao no
referido ano era a seguinte: o projeto de construo estava praticamente elaborado; os projetos
de edifcios, vila operria, instalaes eltricas, adutora de gua, tanques, etc haviam sido
iniciados; tinham comeado a ser comprados nos Estados Unidos os materiais projetados pela
Kellog; os primeiros materiais especializados haviam chegado; a drenagem e o preparo do
terreno estavam concludos28. Podemos, a partir dessas informaes, inferir que existiam
vrios projetos em andamento, mas que nenhum deles a exceo da terraplanagem j
tivera a sua execuo iniciada naquele momento.
27COHN, op. cit., pp. 125-126.28Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 60.
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As obras comearam efetivamente aps a compra da Fazenda Barreto, situada entre as
localidades de Candeias e So Francisco do Conde. Segundo Eunpio Costa, o terreno
escolhido atendia a trs necessidades: localizao prxima aos campos de produo;
facilidade de transportes, por conta de um pequeno porto situado em suas proximidades; e
abastecimento de gua doce29. Entretanto, um fato chama ateno, pois se a refinaria em
construo tinha um acesso tranqilo rea de produo, no podemos dizer o mesmo em
relao cidade de Salvador. As distncias de 40 km por via martima e 60 km por via
terrestre eram relativamente pequenas, mas a falta de estradas e de meios de transportes
eficientes transformavam a ida a Mataripe uma grande e problemtica aventura30.
Para enfrentar este problema, a empresa construiu vilas operrias e alojamentos para
os trabalhadores. Tal iniciativa no foi realizada apenas junto s obras da refinaria, j que nos
campos de extrao tambm foram feitos diversos alojamentos e alugadas casas pela empresa,
em virtude da chegada de trabalhadores de variados pontos do estado e que no tinham onde
morar. Esse fato imprimiria s relaes de trabalho na indstria do petrleo no estado da
Bahia uma caracterstica marcante, pois conforme veremos adiante a presena da vila
operria e a concesso de tipos diferenciados de moradia influenciaro de modo marcante os
conflitos cotidianos e a prpria ao dos sindicatos que sero fundados um pouco mais tarde.
A construo da refinaria certamente no foi um empreendimento fcil. Em minuta
enviada por Mrio de Leo Ludolf Companhia Brasileira de Engenharia no dia 3 de
novembro de 1949, o CNP manifestou seu temor de no conseguir concluir o projeto no final
do ano seguinte31. Parece-nos que a Companhia foi responsabilizada pelos atrasos na obra,
uma vez que os dirigentes da Comisso fizeram questo de assinalar que aps a sada da
empresa, a construo acabou sendo acelerada, ocorrendo um grande surto [...] no
desenvolvimento das obras aps novembro de 194932
. Foi o momento em que os homens doCNP e da Comisso decidiram trazer para si o controle dos rumos da construo. Encontraram
como alternativa a reviso do acordo com a Companhia e buscaram profissionais
especializados junto Kellog a fim de tornar possvel a concluso da montagem da Refinaria
de Mataripe at fins de 195033. Com isso, aps a realizao dos entendimentos, que
29COSTA (1990), op. cit., p. 64.30MATTOS, op. cit., p. 55.31Apesar do projeto de montagem da Refinaria de Mataripe ter sido confiado Kellog, o Conselho Nacional do
Petrleo abriu uma licitao para a execuo das obras de engenharia civil. A Companhia Brasileira deEngenharia ganhou a licitao, mas enfrentou vrios problemas na realizao dos trabalhos.32Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 61.33Minuta enviada CBE em 03/11/1949. CPDOC: AL cnp 1945.07.31, documento III22, folha1.
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resultaram na resciso do contrato, o CNP assinou com a Kellog, no mesmo ms de
novembro, um ajuste adicional ao contrato de 1947 que garantiu a chegada de mais 13
tcnicos Bahia, todos eles vindos dos Estados Unidos34.
Apesar dos problemas relacionados falta de mo-de-obra especializada, 1949 foi
considerado um ano proveitoso. De acordo com o j citado relatrio, todo o material de
montagem e funcionamento da refinaria j se encontrava em Mataripe, boa parte das unidades
j estava em adiantado estgio de construo e os servios de apoio (refeitrio, alojamento de
pessoal, e ambulatrio) j estavam concludos35. Por outro lado, na outra frente de
industrializao do petrleo na Bahia, a rea de extrao, comandada pelo Servio Regional
da Bahia, tambm aconteciam avanos considerveis. No final do ano, haviam sido
perfurados um total de 170 poos de petrleo, a produo atingia a cifra de pouco mais de 109
mil barris, e ao mesmo tempo existiam expectativas de que ao fim de 1950 a capacidade total
de produo fosse ampliada casa de 12.000 barris dirios 36. Essa previso otimista no se
confirmou no ano seguinte, pois embora a produo total daquele ano tivesse triplicado, ainda
estava muito longe de atingir sequer os 2.500 barris dirios necessrios ao funcionamento de
Mataripe37.
Cerca de mil e cem pessoas trabalhavam nas obras de Mataripe, no incio de 1950. Nomomento de maior concentrao de pessoal, entre os meses de fevereiro e junho, chegaram a
trabalhar na construo cerca de mil e quatrocentos homens38. Na extrao os nmeros
atingidos entre mensalistas, diaristas e pessoal para obras ao final do mesmo ano eram de mil
quinhentos e setenta e cinco, superando os mil duzentos e setenta e sete homens presentes ao
final de 194939. Eram eles funcionrios do CNP e de firmas brasileiras por ele contratadas
para acelerar os trabalhos de extrao de petrleo bem como a construo daquela que era
considerada a primeira refinaria moderna do pas, pois as unidades de refino particularesexistentes em So Paulo e no Rio Grande do Sul no contavam com o aporte tecnolgico
presente em Mataripe. Ressaltava ento o CNP, antecipando em certa medida o tom
34 Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 61. As funes dos tcnicos eram as seguintes: 2topgrafos, 2 montadores de tubulaes, 1 especialista em assentamento de tubulaes, 1 mestre soldador, 1especialista em eletricidade e instrumentos de controle, 1 especialista em refratrios, 3 especialistas em elevaode carga e estruturas pesadas, 1 encarregado de materiais especializados e 1 especialista em guindaste.35Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 60.36Idem, pp. 12-13.37Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. Rio de Janeiro: S/e, 1951, p 11.38Idem, p. 71.39 Idem, p. 210. Estavam computados tambm dentre os servidores do Servio Regional da Bahia os homensenvolvidos nos trabalhos no Maranho e em Alagoas. Deduzimos, porm, pela timidez dos trabalhos realizadosnaqueles estados, que estes no representavam sequer 10% do total de empregados.
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triunfalista e nacionalista que se tornaria marcante no discurso oficial sobre as atividades do
petrleo, que todos estes tcnicos e operrios brasileiros e estrangeiros trabalharam sob a
coordenao de engenheiros, qumicos e tcnicos nacionais, cabendo aos elementos da M.
W. Kellog Company somente a funo de assistentes do trabalho40.
Esse grupo de tcnicos e engenheiros pioneiros, exaltado pelo CNP, ficou conhecido
como a turma do murro, termo que faz aluso direta dedicao que este grupo
demonstrou na indita tarefa de construo de uma moderna refinaria de petrleo41. Eram
eles: o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto, primeiro superintendente da refinaria; Roque
Consane Perroni, engenheiro qumico que viria a substituir Barreto no cargo de
superintendente em 1953; Derek Herbert, engenheiro da Escola Politcnica; Edgard Azevedo
Moreira, militar da reserva, responsvel pela segurana industrial e pelo setor de vigilncia da
refinaria; Petrneo Area Leo, especializado em mecnica fina; Nivaldo Prado Fontes, Mrio
Lisboa Sampaio e Ansio Lage Filho, todos eles engenheiros chefes de setor42.
Apesar do clima de otimismo apresentado no relatrio de 1950, as autoridades
brasileiras no se mostraram muito confiantes no sucesso do empreendimento que estava
sendo realizado em Mataripe. A primeira prova disso que a duplicao da capacidade de
refino da usina, prevista desde o incio de sua construo, s foi oficialmente confirmada emdezembro de 1950, com a assinatura de mais um termo aditivo ao contrato original de 1947.
Alm do mais, importante notar que no houve uma inaugurao oficial da refinaria. No
incio do ms de setembro, ao ser entrevistado pela equipe do jornalDirio de Notcias, Pedro
Moura, responsvel pela superviso da obra, desconversou acerca da inaugurao, dizendo
que muito embora a refinaria estivesse com certeza pronta ainda naquele ms, a data da
inaugurao oficial estava a critrio das convenincias do CNP43. Na verdade, a operao da
usina principiou sem alarde, quase s escondidas, no suscitando maior ateno sequer daimprensa baiana, que vinha saudando a sua construo como fator preponderante no impulso
que seria dado economia tanto da Bahia quanto de outros estados do Nordeste44. Sobre o
evento o silncio foi mesmo total. Nenhum dos rgos da imprensa escrita soteropolitana
noticiou o incio dos trabalhos da Refinaria de Mataripe, que passou batido, ignorado por
quase todos.
40Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950.p. 72.41MATTOS, op. cit., p. 55.42BARRETO, op. cit., pp. 28-29.43Dirio de Notcias: 05/09/1950, p. 08.44Dirio de Notcias: 02/09/1950, p. 02.
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A nica manifestao festiva por conta do evento ocorreu na cidade de So Francisco
do Conde. De acordo com Paes Barreto, na antevspera do incio da operao da refinaria,
bateu em sua porta um desconhecido de chapu de palha, trajado simplesmente de cala e
camisa. Tratava-se do funcionrio responsvel pela coleta do imposto nico sobre
combustveis produzidos no Brasil. Indagou ao qumico, enquanto tomava o tradicional
cafezinho, se o mesmo estava ciente da existncia do imposto e de que forma realizaria o
pagamento, caso os trabalhos comeassem, realmente, naquele ms de setembro. Sem
pestanejar, Paes Barreto lhe respondeu que a refinaria entraria em operao. Alm disso, que
o pagamento do imposto seria feito em cheque e que, em apreo visita, fazia questo de
entreg-lo pessoalmente. Em 19 de setembro, dois dias aps o incio da produo de
combustveis da Refinaria de Mataripe, ele saiu, ento, a cavalo, com o chefe da seguranaindustrial e dois guardas da refinaria. Chegando em So Francisco do Conde, foi recebido
com banda no coreto e fogos de artifcio45.
Em dezembro, os derivados de petrleo produzidos pela recm-construda refinaria
foram entregues s distribuidoras, e 8.935 barris de gasolina e 900 de leo diesel foram
remetidos ao Rio de Janeiro atravs de um navio pertencente ao Ministrio da Marinha46. Esse
combustvel serviu, certamente, solenidade oficial de inaugurao, enfim realizada na
capital da Repblica, no dia 15 do mesmo ms, quando dois contra-torpedeiros da Marinha de
Guerra brasileira demonstraram o aproveitamento dos produtos de Mataripe. Na ocasio, o
engenheiro Joo Carlos Barreto, presidente do CNP, ressaltou a importncia do feito e a
dedicao dos tcnicos envolvidos no trabalho47. Estava, assim, inaugurada a Refinaria de
Mataripe. Os incrdulos haviam se convencido de que ela funcionava de fato.
1.2 PETRLEO COMO QUESTO NACIONAL: O PETRLEO NOSSO,
E A CRIAO DA PETROBRS
A campanha em defesa do monoplio estatal do petrleo esteve diretamente
relacionada reorientao dos rumos do Conselho Nacional do Petrleo, iniciada ainda em
45BARRETO, op. cit., p. 29-30.46Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950.p. 72.47Ata da 612 sesso ordinria do Conselho Nacional do Petrleo, realizada em 28/12/1950. CPDOC: AL cnp1945.07.31, Doc. IV5, folhas 1-3.
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1943, e que teve seu auge no governo do general Dutra. A troca do general Horta Barbosa
um notrio defensor do monoplio estatal do petrleo pelo general Joo Carlos Barreto na
direo do CNP foi um importante ponto de inflexo na postura do rgo. A tendncia
acentuou-se ainda mais nos anos ps Estado Novo.
Como j referido, o governo Dutra procurou atrair o capital privado e se afastar da
soluo estatal para o problema do petrleo. Essa orientao, anunciada em 1943 e reforada
pelo novo texto constitucional brasileiro, aprovado em 1946, teve o seu argumento central
apresentado por Joo Carlos Barreto, atravs da Exposio de Motivos n 2558 de 6 de maio
de 1945. Segundo nos aponta Cohn, os dirigentes do rgo acreditavam que nem o Estado
nem a burguesia brasileira possuam o capital, a tecnologia e os recursos humanos necessrios
para resolver o problema nacional do petrleo. Alm do mais, existiria uma tendncia de
investimentos estrangeiros diretos serem feitos em pases com grande potencial natural, como
era o caso do Brasil. Desse modo, a principal diretriz sugerida pelo CNP foi a abertura do
direito de explorao e refino do petrleo a particulares, no havendo restrio presena de
capitais estrangeiros nas empresas que obtivessem permisso do governo federal para
participar das atividades petrolferas48.
Ainda segundo Cohn, as idias apresentadas no documento evidenciaram ofortalecimento da influncia dos empresrios privados locais e estrangeiros e mesmo de
homens que de dentro do aparelho do Estado advogavam a necessidade de uma liberalizao
da poltica do petrleo. Esses pressupostos, como veremos a partir de agora, ficaro melhor
definidos no Anteprojeto do Estatuto do Petrleo, enviado ao Congresso por Dutra em
fevereiro de 1948. Neste documento, o presidente da repblica buscou adaptar a poltica de
explorao mineral do pas aos preceitos garantidos na Constituio de 1946, entregando as
diretrizes dessa mudana deciso do Legislativo, que deveria, atravs do debate poltico,escolher qual seria a melhor soluo para o problema.
Devemos apontar, entretanto, que o quadro poltico do governo Dutra abriu pouco
espao para as discusses entre os parlamentares, uma vez que o forte apoio construdo pelo
governo, atravs da coligao PSD-UDN, diminuiu consideravelmente a possibilidade de
expresso das divergncias polticas no legislativo. Assim, o que na verdade obrigou o
presidente a ter mais cautela, foi o contorno que a questo do petrleo acabou adquirindo fora
48COHN, op. cit., pp. 75-77.
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dos crculos polticos convencionais, sobretudo, aps a divulgao das discusses entre Juarez
Tvora e Horta Barbosa, patrocinada pelo Clube Militar.
Essa instituio, como demonstra Martins Filho, democratizou suas discusses, aps1945, transformando-se em verdadeira vlvula de escape para os debates dos grandes temas
nacionais. Entre estes estava, evidentemente, a questo do petrleo, primeiro grande tema
por ele discutido, numa demonstrao clara de que os militares no circunscreviam suas
polmicas aos seus crculos mais fechados, mas, pelo contrrio, procuravam sensibilizar
outros setores sociais em prol das causas por eles defendidas. Os debates do Clube Militar
demonstraram, ainda, que havia duas tendncias disputando o controle da instituio: os
nacionalistas, entre os quais possvel enquadrar o General Horta Barbosa, e os
antinacionalistas, grupo que contava com a participao de Juarez Tvora. Martins Filho
distingue estas duas correntes do seguinte modo:
A primeira (...) tinha como marca registrada a defesa da industrializao do pas comcaractersticas autnomas, posicionando-se de forma abertamente crtica contra opapel dos trustes internacionais e contra uma poltica externa de alinhamento comos Estados Unidos. O segundo grupo (...) defendia uma postura favorvel tanto emrelao participao do capital estrangeiro na industrializao do pas, quanto aliana com os Estados Unidos no plano da guerra fria.49
Juarez Tvora foi o primeiro conferencista convidado. Sua anlise partia do
pressuposto de que a estratgia at ento adotada pelo CNP fora mal sucedida, o que mostrava
a necessidade de se buscar a colaborao do capital internacional. O militar entendia que a
nova conjuntura poltica e econmica internacional aproximava o pas dos Estados Unidos, e
que esta grande potncia dispunha exatamente daquilo que faltava aos brasileiros: recursos
financeiros e tcnicos para a explorao do petrleo. Alm disso, os Estados Unidos temiam a
falta de petrleo no caso de uma guerra. Assim, da mesma forma que fizeram em relao ao
ao, quando da conjuntura da II Guerra Mundial, teriam grande interesse estratgico em
explorar as reservas petrolferas brasileiras. Portanto, para o Brasil, restava a opo de se aliar
ao capital privado norte-americano, pois s atravs dessa aliana poderia garantir a sua
segurana nacional.
A posio nacionalista diversa de Horta Barbosa j era em grande medida conhecida
da sociedade brasileira, desde a sua participao no comando do CNP. No foi por acaso a sua
49 MARTINS FILHO, Joo Roberto. Foras Armadas e poltica, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In:FERREIRA, Jorge; DELGADO, Luclia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano (vol.3): o tempo daexperincia democrtica da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 2003, pp. 112-113.
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escolha para refutar os argumentos de Tvora. Para o ex-presidente daquele rgo
governamental era quase impossvel a conciliao dos interesses nacionais de um pas
subdesenvolvido com os das grandes empresas multinacionais de petrleo, ento chamadas de
trustes. A seu ver, a soluo para o problema passava, inevitavelmente, pelo monoplio estatal
do petrleo.
Se a idia dos dirigentes do Clube Militar era levar o debate sociedade, eles foram
muito bem sucedidos. Em abril de 1948 foi criado na cidade do Rio de Janeiro, em cerimnia
realizada na sede do Automvel Clube o Brasil, o Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e
da Economia Nacional50. Militares, jornalistas, polticos, intelectuais, comunistas e estudantes
participaram dessa organizao, que tinha por objetivo dar maior organicidade Campanha
do Petrleo, iniciada com as conferncias do General Horta Barbosa, um de seus presidentes
de honra. Rapidamente foram fundadas sees municipais, responsveis pela organizao de
comcios, conferncias e passeatas em defesa do monoplio estatal do petrleo51. Enquanto o
Centro se organizava e a participao popular no movimento crescia, aumentava a rejeio ao
anteprojeto de Dutra e este era gradativamente abandonado no Congresso. De acordo com
Wirth, o principal motivo da perda de espao da proposta de associao com o capital
estrangeiro foi a capacidade de organizao do Centro, que comandou uma campanha
genuinamente nacional, uma mobilizao quase sem paralelo na histria do pas, na qual a
capacidade (...) de mobilizar o povo e concentr-lo nas ruas estreitas do Rio, especialmente
junto Cmara e aos ministrios acabou constituindo forte fator de presso sobre as decises
do legislativo52.
importante mencionarmos ainda que alguns segmentos da imprensa abriram espao
para a polmica do petrleo, merecendo destaque o Jornal de Debates, Imprensa popular53,
Panfleto eEmancipao54
. Alm disso, chamou bastante ateno a participao dos militantesdo PCB, no obstante a recente proscrio do partido e a perda dos mandatos parlamentares
de seus membros. A presena dos comunistas no movimento foi, inclusive, pretexto para atos
de perseguio, perpetrados pelos rgos de represso poltica do governo Dutra e de alguns
50O nome utilizado na fundao foi Centro de Estudos e Defesa do Petrleo. A mudana para Centro de Estudose Defesa do Petrleo e da Economia Nacional aconteceu em setembro do ano seguinte, por sugesto do generalRaimundo Sampaio. Para fins prticos, usaremos neste texto sempre o segundo nome, em virtude do mesmo tersido o mais difundido na sociedade e na academia brasileira.51Ver: Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional. In: Dicionrio Histrico Biogrfico
Brasileiro. Cd-Rom: CPDOC/FGV.52WHIRT, op. cit., p. 153.53rgo de imprensa do PCB.54COHN, op. cit., p. 118.
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governos estaduais. Mas nada disso adiantou. O clima poltico no Brasil da dcada de 1950
era propcio ao nacionalismo, e ajudados pela presso vinda das ruas, os parlamentares foram,
majoritariamente, favorveis aos argumentos de Horta Barbosa, rejeitando o Estatuto do
Petrleo, ainda sob o governo Dutra.
As dimenses atingidas pela Campanha do Petrleo e a rejeio do anteprojeto de
Dutra transformaram as eleies presidenciais de 1950 num fato estratgico para os rumos da
questo petrolfera. A eleio de Getlio Vargas, motivada pelo seu imenso carisma, e pela
identificao que as camadas populares tinham para com ele, bem como o discurso
nacionalista empreendido pelo ento candidato, colocaram novamente o ex-chefe do Estado
Novo no centro das decises sobre o assunto.
Figura 3:
A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional
Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 11.
Empossado, o presidente decidiu, no entanto, empreender um movimento de
desmobilizao da Campanha do Petrleo, buscando equilibrar os diferentes interesses em
conflito. Para Vargas, o Brasil tinha agora um governo nacionalista. Portanto, a soluo do
monoplio estatal do petrleo no tardaria a acontecer, no havendo mais necessidade da
mobilizao popular em torno do tema. Com este pensamento solicitou ao Ministrio da
Justia a suspenso das atividades do Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia
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Nacional e utilizou a polcia poltica para dissolver a II Conveno Nacional do Petrleo,
realizada em meados de 195155. Mas no deixou de agir para pr um ponto final na questo.
No final de 1951, enviou ao Congresso Nacional a proposta de criao de umaempresa de capital misto, com controle da Unio sobre 51% de suas aes. Na Cmara dos
Deputados, o projeto inicial sofreu diversas emendas que visaram impedir o controle das
empresas estrangeiras sobre as reservas petrolferas nacionais. A prpria UDN, partido
identificado com os projetos liberalizantes e de aproximao poltica com os Estados Unidos,
defendeu o monoplio estatal do petrleo e um controle mais direto da Unio sobre a
Petrobrs, motivada pela necessidade de se opor a Vargas, e para no perder prestgio junto
populao56. No nos parece exagero supor, ainda, que a postura da UDN pode ter sido
impulsionada pelo fato de seus membros acreditarem que seria inevitvel o fracasso de uma
iniciativa de tal porte, sem o capital privado internacional. Desse modo, o naufrgio das
atividades da Petrobrs, com participao exclusiva do capital nacional, abriria espao para
uma experincia de cunho liberal, com a presena de capitais estrangeiros, como prezavam os
seus principais membros e a sua inclinao poltico-ideolgica.
Se na Cmara dos Deputados os maiores esforos foram para aumentar as
prerrogativas nacionalistas do projeto, no podemos dizer que aconteceu o mesmo no Senado.L, ele sofreu, ento, as primeiras oposies nitidamente direcionadas contra o seu carter
nacionalista. O senador Othon Mder comandou um grupo de parlamentares interessados em
impedir a criao de um rgo estatal controlador da indstria do petrleo57. Tais senadores
contaram, ainda, com o apoio das Associaes Comerciais de importantes capitais como, por
exemplo, So Paulo, Recife e Porto Alegre. Outro membro do Senado engajado na luta contra
a poltica de cunho nacionalista foi Assis Chateaubriand, detentor da rede de jornais Dirios
Associados, e que utilizou seus meios de comunicao para fazer oposio ao projeto.
O projeto de Vargas, conforme afirma Wirth, era flexvel, aberto s contingncias e
conciliatrio58. Ou seja, a inteno do presidente era a execuo de uma iniciativa
economicamente vivel, sem se incomodar, inclusive, com a participao do capital
estrangeiro, desde que este seguisse os ditames do poder federal. Essa no era, entretanto, a
55DIAS, Jos Luciano de Mattos; QUAGLIANO, Maria Ana. A questo do petrleo no Brasil: uma histria da
Petrobrs. Rio de Janeiro: CPDOC/Petrobrs, 1993, pp. 99-100.56COHN, op. cit., p. 154.57Idem, p. 164.58WHIRT, op. cit., p. 161.
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viso dos membros da Campanha do Petrleo. Para eles, a presena, mesmo que minoritria e
sem poder efetivo de deciso, do capital internacional nas atividades envolvendo o petrleo
brasileiro era uma sria ameaa segurana nacional e sua emancipao. Assim, a despeito
do esforo do presidente, a mobilizao no cessou, e at mesmo parlamentares ligados ao
PTB Euzbio Rocha, por exemplo fizeram esforos para modificar o projeto inicial,
aumentado as salvaguardas nacionalistas.
Em meio a todas essas atribulaes o projeto tramitou no legislativo e foi aprovado em
meados de 1953. Permaneceu nele a proposta de constituio de uma empresa de economia
mista e executora do monoplio estatal de explorao do petrleo. Foram feitas, entretanto,
modificaes que impediram a presena de capital estrangeiro na empresa. O nico setor que
no ficou regido pelo monoplio estabelecido foi a distribuio; para alguns, a parte mais
lucrativa do negcio. Os dois projetos de refinarias particulares j autorizadas a se instalar
(uma em So Paulo e outra no Rio de Janeiro) tiveram um prazo limite de dois anos para
comearem a funcionar; caso contrrio, sua permisso seria cancelada.
Assim, em 3 de outubro de 1953, dia do 23 aniversrio da Revoluo de 1930, uma
data de forte conotao simblica para o getulismo, o presidente assinou a lei que criou a
Petrleo Brasileiro S/A Petrobrs empresa que, por vrios motivos, marcar a histriapoltica recente do pas. A sua criao representou, segundo Sulamis Dain, o fim do primeiro
ciclo de investimentos, e o fato mais marcante dessa era de interveno do Estado no setor
produtivo, atravs da criao de companhias atuantes em setores estratgicos da produo
industrial59. A Petrobrs figurou, junto com a Companhia Siderrgica Nacional, a Fbrica
Nacional de Motores e a Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, como uma empresa
estatal de primeira gerao. Estas empresas guardavam semelhanas entre si, tanto no que
dizia respeito aos interesses motivadores de sua criao, quanto na forma de lidar com a suafora de trabalho, conforme poderemos notar mais adiante neste trabalho.
O CNP, que at ento cuidava de toda a extrao e produo de derivados de petrleo,
passou a ser um rgo de regulao e fiscalizao. Sua principal tarefa, imediatamente aps a
promulgao da lei de criao da Petrobrs, foi organizar a transferncia do controle daqueles
encargos para as mos da nova empresa, fato concretizado em maio do ano seguinte. Foi a
partir dessa data que ela passou de fato a existir e a controlar a produo petrolfera nacional.
59 DAIN, Sulamis. Empresa estatal e poltica econmica no Brasil. In: MARTINS, Carlos Estevam (Org.).Capitalismo e Estado no Brasil. So Paulo, HUCITEC, 1977, pp. 141-165.
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Getlio escolheu para exercer a presidncia da estatal um velho aliado da Revoluo
de 1930, que havia, por algum tempo passado para a oposio o Coronel Juracy Magalhes.
Cearense de nascimento, este participante do movimento tenentista e da Revoluo de 1930,
enraizado desde aquele momento em terras baianas, representava o desejo do presidente de
estabelecer alianas com setores considerados mais conservadores, tanto no plano nacional
quanto nos estados. A reaproximao dessas lideranas configurou uma rearrumao do
cenrio poltico baiano, que garantiria, inclusive, a viabilidade da execuo de um projeto de
modernizao local, tendo por base a Petrobrs60. A presena de Juracy Magalhes no
comando da empresa foi, no entanto, to curta quanto a de Vargas na presidncia. Trs meses
aps o incio dos trabalhos da estatal, com o suicdio do presidente, o antigo interventor da
Bahia deixou a presidncia da Petrobrs e os projetos desenvolvimentistas baianos sofreramento um duro revs por conta do desmanche forado da aliana de Vargas com as elites
conservadoras locais.
A primeira apario contundente desse projeto baiano no cenrio nacional se dera j
durante a tramitao da lei de criao da Petrobrs no Congresso. Fato que chama bastante
ateno naquele processo foi a postura adotada pelos parlamentares baianos. Quando o projeto
estava sendo votado na Cmara ele sofreu duas mudanas diretamente relacionadas s
necessidades polticas e econmicas defendidas pelos polticos do estado, ambas fceis de
serem entendidas se lembrarmos que o Recncavo continuava a essa poca como o nico
local de produo petrolfera no territrio nacional. A primeira alterao dizia respeito
participao dos estados produtores do leo sobre os rendimentos auferidos pela empresa. A
segunda estava relacionada forma de distribuio entre os estados da receita proveniente do
Imposto nico sobre Combustveis Lquidos e Lubrificantes61. As emendas propostas pela
bancada baiana, comandada pelo deputado Aliomar Baleeiro, visavam a mudana nas regras
de distribuio de impostos, com o fito de garantir maiores receitas aos estados produtores,
retirando, assim, parte considervel dos rendimentos dos estados mais industrializados e,
portanto, maiores consumidores de combustveis e lubrificantes.
Os parlamentares baianos articularam ao seu redor deputados e senadores de estados
menos industrializados e conseguiram impor uma derrota aos estados do sul e ao prprio
60DANTAS NETO, Paulo Fbio. Tradio, autocracia e carisma: a poltica de Antonio Carlos Magalhes namodernizao da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006,Captulo II.61COHN, op. cit., p. 162.
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governo62. O argumento utilizado pelos baianos consistiu na relevncia de se superar os
desnveis regionais entre norte e sul do pas com o intuito de impedir disputas polticas de
ordem maior. Conseguiram impor, tambm, o pagamento de royalties no valor de 3% sobre o
preo total do leo aos estados e municpios produtores, percentual que garantiu uma
arrecadao extra de 6 mil dlares por dia economia local, mas que mesmo assim foi
considerado pelo poltico e empresrio Clemente Mariani, trs anos depois, quantia
mesquinha, quando comparada s possibilidades de retorno, caso o negcio fosse realizado
em associao com o capital estrangeiro, conforme o exemplo da Bolvia63. As emendas
baianas tinham, porm, razes mais profundas e diziam respeito situao econmica e
poltica do estado naquele perodo. A descoberta do petrleo e sua explorao local foram um
grande alento e importante fonte de esperana para as classes dominantes locais.
1.3 PETRLEO COMO QUESTO LOCAL: O REGIONALISMO BAIANO
A Bahia teve durante a dcada de 1950 um sentimento praticamente consensual de que
era imprescindvel superar o atraso econmico em que vivera durante os ltimos cem anos.
Muito se discutiu acerca das causas do chamado enigma baiano. Como e por que a outrora
rica e opulenta provncia havia atingido nveis to pfios de desenvolvimento e faturamento
econmico64?
As principais fontes geradoras de recursos para a Bahia haviam se desgastado desde a
segunda metade do sculo XIX. O fim do trfico de africanos e a decadncia da economia
aucareira foram duros golpes para as classes dominantes locais. Por outro lado, as indstrias
txteis, ancilares economia aucareira, no se firmaram no cenrio econmico local65. O
surgimento da lavoura cacaueira no sul do estado no conseguiu recriar o fausto de outros
tempos. Para piorar as coisas, segundo Francisco de Oliveira, no obstante os altos ndices de
exportao do cacau, a taxa de cmbio adotada pelo governo republicano minava as defesas
62COHN, op. cit., p. 163.63MARIANI, Clemente. Anlise do problema econmico baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977,vol. 05, n 04, pp. 85. Texto oriundo de uma palestra proferida na Escola Superior de Guerra no ano de 1957, p.85.64AGUIAR, Manoel Pinto de. Notas sobre o enigma baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977, vol.05, n 04, pp.123-136. Texto publicado originalmente em 1958.65Sobre a decadncia das indstrias txteis locais, ver: Tavares, Lus Henrique Dias. O problema da involuoindustrial da Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1960.
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das economias regionais, apresentando-se como uma armadilha mortal para o
desenvolvimento do capitalismo na Bahia e no Nordeste. Assim, completa Oliveira, somente
o petrleo e a Petrobrs iro conseguir sacudir Salvador de sua longa letargia66.
Alm das questes de carter econmico, observamos tambm a perda do prestgio
poltico do estado com o advento da Revoluo de 1930. O movimento militar que levou
Getlio Vargas ao poder apresentou-se como uma derrota para os polticos locais, pois
impediu a posse do ex-governador Vital Soares, eleito pela coligao encabeada por Jlio
Prestes, no cargo de vice-presidente da Repblica. Desarticulada e sem a fora de lderes com
projeo nacional, a Bahia lucrou muito pouco com os rearranjos institudos nos anos
seguintes ao trmino da Primeira Repblica. Suas elites foram preteridas e tiveram que
engolir um interventor imposto e sem laos polticos locais. Ou seja, a crise manifestava-se
em dois campos, o poltico e o econmico. No de admirar, portanto, que as propostas de
soluo para essa gama de problemas, visassem tanto o redimensionamento poltico do papel
do estado frente ao governo federal como o aproveitamento das potencialidades econmicas
da regio.
A Associao Comercial da Bahia, um dos mais importantes e influentes rgos da
burguesia local, apontou o planejamento econmico como alternativa situao. Outrodefensor dessa soluo foi o empresrio Clemente Mariani, que atravs dos relatrios do
Banco da Bahia defendia a interveno do governo estadual na economia, como forma de
potencializar as possibilidades de sucesso das iniciativas tomadas pelo grupo de empresrios
dos ramos bancrio e mercantil, por ele representados67.
Certamente a medida mais sistemtica para enfrentar esses dilemas foi a criao da
Comisso de Planejamento Econmico (CPE), em maio de 1955, incio do governo de
Antonio Balbino. Ela era a parte principal de um trip tambm composto pelo Instituto de
Economia e Finanas do Estado da Bahia e pelo Fundo Estadual de Desenvolvimento
Agrrio68. Seu objetivo inicial era, de acordo com Santana, aglutinar os elementos da elite do
estado em uma arena decisria que forjasse as orientaes do governo estadual no plano
66 OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. So Paulo: Editora da
Fundao Perseu Abramo, 2001, pp. 29-30.67 GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. A formao e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (1930-1964). Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, pp. 106.68DANTAS NETO, op. cit., p. 84.
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econmico69. O fracasso dessa perspectiva permitiu, entretanto, a centralizao das
responsabilidades e das iniciativas na figura do governador do estado e de Rmulo Almeida,
um respeitado economista que havia chefiado a assessoria econmica de Getlio Vargas. Sua
atuao frente da CPE, de acordo com Antonio Srgio Guimares, acabou tendo o apoio
formal da faco mercantil financeira e do conjunto das classes produtoras estaduais70.
Assim, as elites baianas recusaram-se a ocupar o espao que lhes havia sido reservado
no esforo modernizador e apesar do apoio dispensado ao homem responsvel pela sua
execuo, procuraram chamar ateno para um aspecto que no poderia ser desprezado: o
planejamento no deveria, em momento algum, ferir os j citados princpios liberais. Em
1958, Pinto de Aguiar, que mais tarde vi