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Universidade Federal de Mato Grosso dos Sul 2013 UMA INTRODUÇÃO À PESQUISA QUALITATIVA EM ENSINO Paulo Ricardo da Silva Rosa

Uma Introducao Pesquisa Qualitativa Ensino Ciencias

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Universidade Federal de Mato Grosso dos Sul

2013

UMA INTRODUÇÃO À PESQUISA

QUALITATIVA EM ENSINO

Paulo Ricardo da Silva Rosa

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Professor Paulo Ricardo da Silva Rosa Curso de Mestrado em Ensino de Ciências – UFMS

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UMA INTRODUÇÃO À PESQUISA

QUALITATIVA EM ENSINO

Paulo Ricardo da Silva Rosa

Campo Grande, 2013.

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A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam

certas.

Mário Quintana1

1 Poeta gaúcho (1906 – 1994). http://www.releituras.com/mquintana_cadernoh.asp

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Conteúdo

Capítulo 1. O projeto de pesquisa .................................................................................................................................... 13

Capítulo 2. O trabalho científico e sua metodologia .................................................................................................. 21

2.1 A Estrutura da Pesquisa Científica - O V Epistemológico de Gowin ......................................................... 22

2.1.1 O Domínio Metodológico e o Domínio Conceitual ................................................................................. 23

2.1.2 O uso do V Epistemológico no Ensino ......................................................................................................... 28

2.2 Fases do Trabalho Científico ................................................................................................................................. 29

Capítulo 3. A questão básica de pesquisa ..................................................................................................................... 32

3.1 O que é um evento ou fenômeno?........................................................................................................................ 32

3.2 Problema de pesquisa versus questão básica de pesquisa .......................................................................... 34

3.3 A origem da questão básica ................................................................................................................................... 36

Capítulo 4. Delineamentos de Pesquisa com Intervenção ...................................................................................... 38

4.1 Diferentes tipos de pesquisa ................................................................................................................................. 38

4.2 Fatores de Validade Interna .................................................................................................................................. 42

4.2.1 Maturação ............................................................................................................................................................ 42

4.2.2 História ................................................................................................................................................................. 42

4.2.3 Testagem .............................................................................................................................................................. 43

4.2.4 Instrumentação.................................................................................................................................................. 43

4.2.5 Seleção .................................................................................................................................................................. 43

4.2.6 Mortalidade ......................................................................................................................................................... 44

4.2.7 Regressão ............................................................................................................................................................. 44

4.2.8 Efeitos de interação entre os vários fatores ............................................................................................. 44

4.3 Fatores de Validade Externa ................................................................................................................................. 44

4.3.1 Validade de População .................................................................................................................................... 45

4.3.2 Validade Ecológica ............................................................................................................................................ 45

Capítulo 5. Delineamentos de pesquisa sem intervenção ....................................................................................... 49

5.1 Características da Pesquisa Qualitativa sem intervenção ........................................................................... 50

5.2 Análise Documental.................................................................................................................................................. 50

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5.3 Observação direta ..................................................................................................................................................... 55

5.4 Intermezzo – O Positivismo e sua influência nas ciências físicas e a pesquisa empírica .................. 55

5.4.1 O Positivismo e sua influência nas ciências físicas ................................................................................ 56

5.4.1 A Pesquisa Etnográfica .................................................................................................................................... 58

5.4.2 Dinâmica Social: aspectos dialéticos .......................................................................................................... 60

5.5 Observação Participante ......................................................................................................................................... 61

5.6 Pesquisa Participante .............................................................................................................................................. 61

5.7 Pesquisa Ação ............................................................................................................................................................. 67

5.8 Estudo de Caso ........................................................................................................................................................... 68

5.8.1 Definição e Validação de Estudos de Caso ................................................................................................ 69

5.8.2 Metodologia do Estudo de Caso .................................................................................................................... 74

5.9 Grupos Focais ............................................................................................................................................................. 78

5.9.1 Como montar, conduzir e analisar dados de Grupos Focais ............................................................... 80

5.9.2 Condução ............................................................................................................................................................. 83

5.9.3 Análise dos registros ........................................................................................................................................ 87

5.9.4 Comentários finais sobre Grupos Focais ................................................................................................... 88

5.10 Críticas aos delineamentos sem intervenção com análise qualitativa ................................................. 89

Capítulo 6. Os Instrumentos de Coleta de Registros ................................................................................................. 91

6.1 O questionário ............................................................................................................................................................ 91

6.1.1 Cuidados necessários ao elaborar os itens de um questionário ....................................................... 91

6.1.2 Outros cuidados necessários na elaboração de questionários .......................................................... 95

6.2 Opinário ou Escala de Atitudes ............................................................................................................................. 96

6.3 A Entrevista Clínica ................................................................................................................................................... 98

6.3.1 Conteúdo, tarefas e método da entrevista clínica. ................................................................................. 99

6.3.2 Fidedignidade e Validade ............................................................................................................................. 101

6.3.3 Conduzindo a entrevista ............................................................................................................................... 103

6.3.4 A porção flexível: linhas gerais de atuação............................................................................................. 108

6.4 Construindo testes .................................................................................................................................................. 118

Capítulo 7. Analisando os registros coletados........................................................................................................... 122

7.1 O Discurso e sua análise ........................................................................................................................................ 122

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7.2 Análise de Conteúdo Categorial ......................................................................................................................... 126

7.3 Outros tipos de Análise de Conteúdo ................................................................................................................. 129

7.3.1 Análise de Avaliação....................................................................................................................................... 129

7.3.2 Análise de enunciação ................................................................................................................................... 130

7.4 Análise Microgenética ........................................................................................................................................... 132

7.5 A questão da transcrição das falas .................................................................................................................... 135

Capítulo 8. Comunicando os resultados da pesquisa .............................................................................................. 137

8.1 O problema das citações e transcrições........................................................................................................... 138

8.2 Trabalhos acadêmicos ........................................................................................................................................... 139

8.2.1 Monografia ......................................................................................................................................................... 139

8.2.2 Dissertação ......................................................................................................................................................... 139

8.2.3 Tese ...................................................................................................................................................................... 139

8.3 A estrutura da Tese e da Dissertação ............................................................................................................... 140

8.3.1 Elementos Pré-textuais ................................................................................................................................. 140

8.3.2 Elementos Textuais ........................................................................................................................................ 140

8.3.3 Elementos Pós-Textuais................................................................................................................................ 142

8.4 Trabalho regular de pesquisa ............................................................................................................................. 143

8.4.1 Artigo científico ................................................................................................................................................ 143

8.4.2 Relatórios ........................................................................................................................................................... 145

8.4.3 Comunicação em encontros científicos ................................................................................................... 147

Referências ..................................................................................................................................................................... 151

Anexo ................................................................................................................................................................................. 155

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Índice de Figuras

Figura 1 – Informações básicas que devem constar em um projeto de pesquisa. .......................................... 13

Figura 2 - Campos a serem preenchidos em formulários de apresentação de projetos de pesquisa. ...... 14

Figura 3 – Elementos que devem constar da descrição da metodologia do projeto de pesquisa. ............. 16

Figura 4 – Fluxograma auxiliar para elaboração do Cronograma. ....................................................................... 17

Figura 5 – Modelo de tabela de cronograma. .............................................................................................................. 17

Figura 6 - Modos de apresentação de projetos de pesquisa. .................................................................................. 20

Figura 7 – O V epistemológico de Gowin. ...................................................................................................................... 23

Figura 8 - Duas cadeiras ..................................................................................................................................................... 24

Figura 9 - Poltrona. ............................................................................................................................................................... 25

Figura 10 - Uma mola que se contrai sob a ação de uma força. Exemplo referente à Lei de Hooke. ......... 26

Figura 11 – Gráfico para a Lei de Hooke (dados fictícios). ....................................................................................... 27

Figura 12 – Fases do trabalho científico. ...................................................................................................................... 29

Figura 13 - Fases do trabalho científico. ....................................................................................................................... 30

Figura 14 – Uma pirâmide. ................................................................................................................................................ 32

Figura 15 – Uma estrela. ..................................................................................................................................................... 32

Figura 16 - O delineamento da pesquisa. ...................................................................................................................... 38

Figura 17 - Tipos de delineamentos de pesquisa. ...................................................................................................... 40

Figura 18 - O espaço da pesquisa. ................................................................................................................................... 40

Figura 19 - Características da Pesquisa Empírica Experimental. ......................................................................... 41

Figura 20 - Fatores que afetam a validade interna de uma pesquisa empírica experimental. ................... 43

Figura 21 – Exemplo de gráfico de interação estatística. ........................................................................................ 48

Figura 22 – Visão esquemática da Análise Documental........................................................................................... 51

Figura 23 – Natureza dos relatos da Análise Documental. ..................................................................................... 54

Figura 24 – A evolução da humanidade segundo o Positivismo. .......................................................................... 56

Figura 25 – A fase científica da evolução da humanidade....................................................................................... 56

Figura 26 - A Ciência Positiva. .......................................................................................................................................... 57

Figura 27 – Características do cientista positivo. ...................................................................................................... 58

Figura 28 – Metodologia da Pesquisa Etnográfica ..................................................................................................... 59

Figura 29 – Características do Relatório de Campo na Pesquisa Etnográfica. ................................................. 59

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Figura 30 – Características da Observação Participante. ........................................................................................ 60

Figura 31 – Características da ideologia. ...................................................................................................................... 62

Figura 32 - Exemplos de classe. ....................................................................................................................................... 63

Figura 33 - Mecanismos ideológicos. ............................................................................................................................. 64

Figura 34 – Relação entre classe dominante, Estado e ideologia. ........................................................................ 64

Figura 35 – Participação do grupo pesquisado na definição a Pesquisa Participante................................... 65

Figura 36 – Metodologia da Pesquisa Participante. .................................................................................................. 65

Figura 37 - Esquema operacional da Pesquisa Participante. ................................................................................. 66

Figura 38 – A Pesquisa Ação. ............................................................................................................................................ 68

Figura 39 – Ciclo da Pesquisa Ação como reflexão sobre a prática...................................................................... 68

Figura 40 - Classificação dos Estudos de Caso - Dimensão compreensão buscada pelo pesquisador

(STAKE, 1995, apud COUTINHO & CHAVES, 2002). .................................................................................................. 70

Figura 41 - Classificação dos Estudos de Caso - Dimensão natureza do estudo. ............................................. 72

Figura 42 – Características desejáveis do pesquisador que desenvolve estudos de caso. ........................... 74

Figura 43- Etapas do Estudo de Caso. ............................................................................................................................. 75

Figura 44 – Componentes do Protocolo de Estudo de Caso. ................................................................................... 75

Figura 45 – Características do Relatório de Campo. ................................................................................................. 76

Figura 46 – Elementos que devem estar presentes no Relatório Final do Estudo de Caso. ......................... 76

Figura 47 – Fontes de evidência em estudos de caso. .............................................................................................. 77

Figura 48 – Princípios de análise no Estudo de Caso. ................................................................................................ 78

Figura 49- Críticas aos delineamentos de pesquisa sem intervenção. ............................................................... 89

Figura 50 – Possíveis respostas às objeções sobre os delineamentos de pesquisa sem intervenção. ..... 90

Figura 51 – Características do Opinário. ....................................................................................................................... 97

Figura 52 –Tipologia da entrevista. ................................................................................................................................ 98

Figura 53 – Aspectos da entrevista. ................................................................................................................................ 99

Figura 54 – Primeira fase da entrevista. ..................................................................................................................... 103

Figura 55 - Formato da Entrevista. ............................................................................................................................... 105

Figura 56 – Tipos de questões da entrevista ............................................................................................................. 111

Figura 57 - (a) Um atirador que não é fidedigno, porque não acerta sempre em torno do mesmo ponto,

e tampouco válido, pois não acerta o centro; (b) Um atirador é fidedigno, porque acerta sempre em

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torno do mesmo ponto, mas não válido porque não acerta o centro; (c) Um atirador que é fidedigno,

pois acerta sempre em torno do mesmo ponto, e válido, porque acerta o centro, objetivo do jogo. ..... 118

Figura 58 – Diferenciação entre Análise do Discurso e Análise de Conteúdo. .................................................. 122

Figura 59 – Características da Ideologia. .................................................................................................................... 123

Figura 60 – Exemplos de classe...................................................................................................................................... 123

Figura 61 - O Campo Discursivo..................................................................................................................................... 124

Figura 62 – Classe dominante e ideologia. ................................................................................................................. 125

Figura 63 – Características da Análise de Conteúdo Categorial. .......................................................................... 125

Figura 64 – Características do Corpus na Análise do Conteúdo Categorial. .................................................... 127

Figura 65 – Exemplo de apresentação inadequada. ................................................................................................ 148

Figura 66 - "Tradução visual" da Figura 65. .............................................................................................................. 149

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Índice de Quadros

Quadro 1- Dados fictícios para um experimento sobre a Lei de Hooke. ............................................................. 26

Quadro 2 – Tipos de Pesquisa Empírica em Ciências Sociais ................................................................................. 39

Quadro 3 - Classificação dos vários tipos de Estudo de Caso segundo Gomez*................................................ 71

Quadro 4 - Comparação das características entre os dois tipos de formato de entrevista.* ..................... 102

Quadro 5 – Normas para transcrição de falas. .......................................................................................................... 135

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Apresentação

Quando alguém aponta a Lua, o tolo olha do dedo, o sábio olha a Lua2.

Provérbio Chinês

Seja bem-vindo!

Supomos que você, por escolher nosso texto para ler, seja um estudante em fase de elaboração de seu

projeto. Este projeto poderá ser seu Trabalho de Conclusão de Curso (uma Monografia, uma

Dissertação ou uma Tese) ou um projeto que será submetido a alguma agência de fomento para

obtenção de fundos para o seu desenvolvimento (uma bolsa, por exemplo). De qualquer modo,

esperamos que o manual que preparamos especialmente para você seja útil na elaboração de seu

projeto de pesquisa. Cremos, também, que um material como o nosso possa ser útil ao pesquisador

iniciante na construção de seus projetos de pesquisa. Além disso, esperamos que nosso texto possa

também auxiliar professores das disciplinas de metodologia da pesquisa a formar novos

pesquisadores.

Este texto foi produzido a partir de nossa experiência como docente das disciplinas Metodologia da

Pesquisa para o Ensino de Ciências I (Curso de Mestrado em Ensino de Ciências), da disciplina Prática

de Ensino de Física IV (Licenciatura em Física) e em outras disciplinas do curso de Licenciatura em

Física da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Contribuiu, também, para a sua

produção a nossa experiência na orientação de trabalhos de pesquisa de estudantes destes dois cursos.

Discutiremos a metodologia do trabalho científico, procurando desenvolver seus aspectos operacionais

e formais. Neste texto, nosso foco será a Pesquisa Qualitativa. Neste sentido, o presente texto deve ser

entendido como complementar a outro (MOREIRA e ROSA, 2013), no qual abordamos as técnicas de

pesquisa quantitativa. Entretanto, para completude do texto atual, vamos introduzir, de forma

resumida, alguns conceitos da pesquisa quantitativa na análise de testes.

Os aspectos operacionais dizem respeito à formulação do problema científico e ao estabelecimento de

estratégias para encontrar a solução procurada. Discutiremos o que é um problema e a sua delimitação

(o que chamamos de questão básica de pesquisa). Discutiremos, ainda, as formas de obter a resposta à

questão que formulamos (aspectos metodológicos).

Os aspectos formais do trabalho científico dizem respeito à forma de apresentação do trabalho

produzido. As regras para a elaboração de monografias, dissertações e teses, bem como de artigos e

projetos científicos serão discutidas.

Os caminhos que percorreremos cobrirão tópicos que ajudarão você a:

Estruturar um trabalho científico;

Elaborar um projeto de pesquisa;

2 A esse respeito, vale a pena ler o conto em http://abcimaginario.blogspot.com.br/2011/10/quando-um-dedo-aponta-para-lua-o-tolo.html.

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Desenvolver esse projeto; e,

Comunicar o resultado obtido a outras pessoas.

O eixo articulador de nosso texto será a construção de um projeto de pesquisa. Escolhemos esta forma

por uma razão simples: a elaboração de projetos de pesquisa faz parte da vida do pesquisador. Hoje em

dia, as formas de financiamento da pesquisa passam, sempre, pela elaboração de projetos de pesquisa.

Em muitas áreas, sobram recursos e faltam bons projetos. Além dessa razão prática, a construção do

projeto de pesquisa permite que exploremos aspectos fundamentais da construção da pesquisa

científica, tais como: a questão básica de pesquisa, a Introdução e a Justificativa de um projeto de

pesquisa, questões de natureza metodológica, aspectos ligados a orçamentos e cronogramas.

Estes últimos dois tópicos são de particular interesse e não são cobertos, normalmente, em textos

sobre Metodologia da Pesquisa. Entretanto, muitos projetos não são aprovados por órgãos

financiadores ou não são levados a bom termo devido ao mau planejamento das ações (expressas pelo

cronograma do projeto) ou porque os recursos alocados ao projeto foram insuficientes ou mal

distribuídos entre as diferentes rubricas (itens contemplados na proposta orçamentária).

Quanto às formas de divulgação da pesquisa realizada, nos preocuparemos mais com o estudo de

formas atreladas diretamente ao trabalho do pesquisador atuante: a Dissertação e a Tese, o artigo

científico, a comunicação em congressos (oral e o pôster), etc. Abordarmos, no que diz respeito à

comunicação científica, apenas os aspectos ligados à estrutura e a finalidade destes trabalhos, focando

na sua construção e nos elementos que devem aparecer nestes trabalhos. Parece-nos que esta área está

pouco coberta pelos textos já existentes. Diferentemente de outros textos, não daremos ênfase aos

aspectos ligados à editoração da comunicação da pesquisa (normatização da paginação, citações, forma

de referenciar, etc.). Além das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, existem

vários manuais que fazem isso que você poderá consultar. Ao final, na lista de referências, você

encontrará várias fontes para esses conteúdos, tanto impressas como na Internet.

Os conteúdos apresentados podem ser cobertos em aproximadamente quinze semanas, com quatro

horas de aula por semana. Juntamente com os conteúdos cobertos em Moreira & Rosa (2013), forma

um curso completo em Metodologia da Pesquisa que pode ser coberto em um semestre. Todavia,

convém lembrar o caráter introdutório dos dois textos. O pesquisador, ao escolher determinada

metodologia, deve buscar nas referências listadas ao final dos dois textos o aprofundamento dos

conteúdos que apresentamos.

Para finalizar, um comentário sobre o provérbio que abre esta apresentação. A metodologia da

pesquisa é uma ferramenta, o dedo. O que importa é a Lua: o conhecimento sobre o mundo que

obtemos após realizar a pesquisa.

Boa leitura.

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Capítulo 1. O projeto de pesquisa

Um projeto de pesquisa é uma proposta de pesquisa a ser apresentada a algum órgão ou instituição.

Normalmente, o projeto de pesquisa aborda o objetivo da pesquisa (com a justificativa de sua

relevância e ineditismo), a questão básica de pesquisa que se quer analisar e a metodologia pela qual

pretendemos chegar ao objetivo pretendido. Outros itens do projeto de pesquisa são: seu Cronograma,

seu Orçamento, a relação dos profissionais envolvidos (com suas atribuições no projeto) e a lista de

instituições que participarão do projeto. As informações básicas que devem constar no projeto são

mostradas na Figura 1.

Figura 1 – Informações básicas que devem constar em um projeto de pesquisa.

Para desenvolver o projeto de pesquisa, vamos nos basear no modelo de formulário para apresentação

de projetos de pesquisa utilizado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (veja o Anexo).

Agências de Fomento e outras instituições usam outros formulários, mas os elementos básicos são

estes que você encontrará no formulário mostrado no Anexo. A Figura 2 mostra os campos que são

normalmente encontrados em formulários para apresentação de projetos de pesquisa. Esses campos,

em geral, são:

1. Folha de identificação do projeto.

Nesta folha, você necessitará preencher dados de modo a identificar o proponente do

projeto: título do projeto, nome e dados pessoais do coordenador, instituição na qual o

projeto será desenvolvido, orçamento resumido, aprovações institucionais, etc.

2. Introdução

Nesta parte do formulário do projeto você deve apresentar e contextualizar o

problema de pesquisa que será analisado, apontando claramente qual é a questão

básica que será respondida pela pesquisa. Nesta parte, não cabem transcrições de

autores. Podemos citá-los apenas com a intenção de contextualizar nosso problema.

Tampouco devemos fazer revisão da literatura.

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3. Justificativa

Nesta seção devemos apontar para o avaliador de nosso projeto as razões pelas quais

achamos que a pesquisa que nos propomos a realizar deve ser feita. É nesta parte que

apresentamos nossas razões para o convencimento ao avaliador. Essas razões devem

ter por base o ineditismo e a relevância do que estamos nos propondo a investigar. A

importância social do conhecimento que pode ser potencialmente produzido também

deve ser salientada.

Também é aqui que a crítica a trabalhos anteriores deve ser feita, apontando em que

aspectos estes trabalhos não conseguiram bons resultados ou foram incompletos e

como nosso trabalho pretende completar ou corrigir os resultados obtidos até o

momento em que a proposta de pesquisa é apresentada.

Figura 2 - Campos a serem preenchidos em formulários de apresentação de projetos

de pesquisa.

4. Objetivos

Os objetivos do projeto são os conhecimentos que nos propomos a obter, os produtos

que pretendemos desenvolver, etc., como resultado das atividades do projeto. Os

objetivos devem ser expressos na forma de observáveis (mensuráveis ou não). Para

isso, use verbos com essas características.

É importante diferenciar, quando falamos de projetos na área do ensino, o que são

objetivos de ensino e o que são objetivos de pesquisa. Os objetivos de ensino são

aqueles ligados às competências e habilidades que queremos que os alunos

desenvolvam. Para isto desenvolvemos estratégias de ensino e produzimos materiais

instrucionais (jogos, programas de simulação, sequências didáticas alternativas, etc.).

Os objetivos de pesquisa estão relacionados à avaliação do efeito destes materiais e

das abordagens a eles associadas na aprendizagem dos alunos. Assim, por exemplo,

consideremos um projeto de pesquisa que tenha por objetivo avaliar o uso de um

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novo programa de simulação na aprendizagem de conceitos de Física Moderna por

alunos do terceiro ano do ensino médio. Neste caso, um objetivo de ensino seria:

Ao final da sequência didática os alunos deverão saber calcular a intensidade da

corrente elétrica gerada por efeito fotoelétrico em uma placa metálica.

Este objetivo diz respeito ao que o professor espera que os alunos sejam capazes de

realizar após o desenvolvimento da sequência didática aplicada. Por outro lado, um

objetivo de pesquisa seria:

Qual o efeito da utilização de um programa de simulação sobre o efeito

fotoelétrico na aprendizagem do cálculo da intensidade da corrente elétrica em

uma placa metálica?

Como podemos ver são objetivos completamente diferentes. Em um projeto de

pesquisa, na seção dos objetivos, devemos listar os objetivos de pesquisa e não os

objetivos de ensino (objetivos didáticos). Observe que nada falamos sobre o

desenvolvimento do programa de simulação como um dos objetivos do projeto. Do

ponto de vista do projeto, o desenvolvimento do programa não é um objetivo, mas

uma ferramenta necessária ao desenvolvimento do projeto. O que queremos avaliar é

o efeito desta ferramenta sobre a aprendizagem dos alunos.

5. Metas

A palavra Meta pode ter duas interpretações. Pode ser entendida como um objetivo de

caráter mais geral ou como um objetivo ao qual associamos indicadores de

mensuração. Por exemplo: formar 90% dos acadêmicos da Física com uma nova

metodologia de ensino.

6. Metodologia

Nesta parte, o pesquisador demonstra seu domínio do tema e das técnicas disponíveis

(ou que estão sendo propostas) para atingir os objetivos propostos. Na Metodologia, o

pesquisador descreve as ações que serão desenvolvidas para atingir os objetivos e

metas. É nesta parte que tipificamos a pesquisa que será executada, se experimental

ou não, qualitativa ou não.

É importante salientar que a proposta metodológica do projeto é subordinada ao

Referencial Teórico e à Questão Básica da pesquisa que está sendo proposta. A Figura

3 mostra, esquematicamente, esta subordinação da Metodologia. Discutiremos mais

este aspecto da Metodologia no próximo capítulo.

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Figura 3 – Elementos que devem constar da descrição da metodologia do projeto de

pesquisa.

7. Referências

Nesta parte do formulário do projeto você deve listar, segundo as normas exigidas,

normalmente as da Associação Brasileira de Normas Técnicas3 (ABNT), os trabalhos

citados no projeto. Quanto a isto, você deve responder a duas perguntas:

i) Todos os trabalhos citados são listados?

ii) Todos os trabalhos listados são citados?

Se as respostas a estas duas questões for positiva, então a lista de referências está

completa. Uma forma segura de garantir a resposta afirmativa a estas duas questões é

usar os mecanismos de indexação bibliográfica que os editores de texto moderno

oferecem.

8. Instituições participantes

Neste item, listamos as instituições que participarão do projeto, com as funções de

cada instituição no projeto.

9. Participantes do Projeto

Nesta parte do formulário de pesquisa são listadas as pessoas que participarão do

projeto. Listamos suas funções e a carga horária que elas gastarão no projeto. Aqui

devemos ser absolutamente honestos, pois, senão, o projeto pode ficar inviável.

10. Cronograma

Neste item, fazemos uma descrição do tempo que será gasto em cada tarefa do projeto.

Muito cuidado deve ser tomado na análise de tempo que será gasto em cada etapa. A

elaboração do cronograma é fundamental para que possamos desenvolver o projeto

no prazo que nos propomos.

3 http://www.abnt.org.br

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Deixe sempre uma folga no Cronograma, pois imprevistos que consomem tempo

acontecem e podem atrasar o desenvolvimento de uma atividade da qual dependem

todas as outras. Somente a experiência no desenvolvimento de projetos nos dá uma

visão mais acurada de quanto tempo cada tarefa nos tomará.

Figura 4 – Fluxograma auxiliar para elaboração do Cronograma.

Apesar de ser necessária experiência para elaboração de um bom cronograma,

algumas ações favorecem a construção do Cronograma:

Liste todas as ações que serão necessárias para desenvolver o projeto;

Construa um fluxograma, colocando no topo as ações que primeiro precisam

ser desenvolvidas e as ações que podem ser desenvolvidas

concomitantemente na mesma linha (veja a Figura 4);

Construa o cronograma, colocando as tarefas que devem ser executadas na

ordem em que elas deverão ser realizadas, como expressa no fluxograma

(veja a Figura 5).

Tarefa a ser realizada Mês de desenvolvimento

1 2 3 4 5 6

Tarefa 1

Tarefa 2

Tarefa 3

Tarefa 4

Figura 5 – Modelo de tabela de cronograma.

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Observe que a tabela do cronograma deve ficar parecendo uma escada. No modelo que

apresentamos, a unidade de tempo utilizada foi o mês. Naturalmente, isto deve ser

adaptado às necessidades do projeto.

11. Orçamento detalhado

Nesta parte do formulário do projeto de pesquisa, o pesquisador aponta os gastos que

decorrerão da execução do projeto. Um ponto importante é o seguinte: somente são

justificáveis gastos com atividades do projeto. Não coloque nenhum gasto que não

possa ser justificado a partir das necessidades da pesquisa. Seu projeto será

reprovado pelas agências de financiamento, com certeza4.

Um exemplo: se você colocar um notebook como item de um projeto que não envolve

pesquisa de campo, na qual esse tipo de aparelho pode ser útil, seu projeto poderá não

ser aprovado.

Outro ponto importante é justificar claramente cada item pedido em função das

necessidades do projeto. Não adiante pedir um computador se o projeto não necessita

desse tipo de equipamento, por mais que o seu computador esteja pedindo água!

Normalmente, nas agências públicas5 que financiam pesquisas, o Orçamento é

dividido em dois grandes grupos: Custeio e Capital. As despesas de Custeio são

aquelas correntes enquanto que as despesas de capital normalmente são associadas a

equipamentos e materiais permanentes. Cada item de gasto é chamado de rubrica.

Despesas de Custeio

As Despesas de Custeio são classificadas em:

a. Diárias

Este tipo de gasto tem por objetivo cobrir gastos decorrentes de deslocamentos dos

integrantes da equipe do projeto e pode ser usado para pagar hotéis, refeições, etc. O

valor é definido pelo órgão que financia o projeto e é estipulado por dia de

afastamento da sede do pesquisador. Usualmente, o coordenador do projeto paga em

espécie ou deposita na conta do pesquisador que recebe a diária.

b. Passagens e despesas de locomoção

Este tipo de gasto também existe para cobrir despesas de locomoção para fora da sede

do projeto tais como: táxi, passagens aéreas, passagens terrestres, etc. Normalmente é

vedado o uso desse recurso do projeto para cobrir participação em encontros

4 Em projeto apresentado a certa agência de fomento, um pesquisador colocou uma impressora no projeto com a justificativa de que precisava imprimir! Outro justificou o pedido em duplicata de um mesmo equipamento argumentando que se o equipamento estragasse ele teria um sobressalente! 5 Algumas agências públicas de fomento à pesquisa científica são: Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Conselho Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento (CNPq), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT).

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científicos (assim como os valores reservados a diárias). Um aviso importante: se você

pagou Diárias, você não pode pagar despesas de táxi ou outro meio de transporte

urbano, tampouco despesas com hospedagem não podem ser pagas

c. Serviços de Terceiro - Pessoa Física

Este tipo de recurso é usado para pagar eventuais trabalhos de autônomos em

atividades ligadas ao projeto. Hoje em dia, evita-se gastar nessa rubrica, pois,

normalmente, não há previsão de cobertura para gastos sociais (impostos, taxas, INSS,

etc.) que são contrapartida do empregador (no caso o coordenador do projeto). Além

disso, este tipo deve-se ter cuidado para que a frequência com que este tipo de

pagamento é realizado não pode caracterize vínculo empregatício.

d. Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica

Este tipo de recurso existe para pagar empresas por atividades desenvolvidas em

função do projeto. As empresas contratadas devem estar em dia com suas obrigações

fiscais e previdenciárias. O coordenador do projeto deve ter bastante cuidado a esse

respeito, porque senão terá problemas na prestação de contas do projeto.

e. Consumo

Neste item são detalhados os gastos com materiais descartáveis a serem utilizados no

projeto. Por exemplo, o mouse de um computador é material de consumo, assim como

a tinta da impressora e o papel. Reagentes químicos, filmes fotográficos, CDs são

outros exemplos de materiais de consumo. Normalmente, cada agência lista os

materiais que considera de consumo. É sempre bom consultar esta lista antes de

classificar os materiais previstos no projeto.

Outro ponto que você como coordenador tem que prestar atenção é o seguinte: um

material que é considerado como consumo, um pente de memória para computador,

por exemplo, pode não ter sua compra autorizada pela agência de fomento se ela

considerar que a compra desse material é uma contrapartida da instituição na qual o

projeto será desenvolvido.

Despesas de Capital: Equipamentos e Material Permanente

No Setor Público, esse é o tipo de dinheiro mais difícil de ser conseguido no orçamento

dos diferentes órgãos. Por material permanente é entendido todo o tipo de compra

que durará bastante tempo. Mesas, cadeiras, armários, máquinas em geral,

computadores, etc., são classificados como materiais permanentes. Em geral, qualquer

item passível de ser patrimoniado é considerado material permanente. Pela Portaria

448 de 13 de setembro de 2002 (BRASIL/STN/MF, 2002) todo bem com vida útil

superior a dois anos é considerado material permanente.

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Importante: você não pode usar recurso alocado em uma rubrica em outra, mesmo

que esteja sobrando, sem autorização explícita do órgão financiador. Em geral, é

vedado o uso de recursos de Custeio em Materiais Permanentes e vice-versa.

12. Cronograma de desembolso

Nesta parte do formulário, a programação de liberação dos recursos é sugerida à agência de

fomento (ou instituição que financiará o projeto). Nele, você deverá apontar em que momento

ao longo do projeto os recursos precisam estar disponíveis.

Embora este quadro seja quase sempre solicitado, na maior parte das vezes os recursos são

liberados de uma única vez na conta do projeto quando do seu início.

Os projetos de pesquisa são submetidos às agências financiadoras de duas maneiras distintas: por

demanda espontânea ou por demanda induzida. No primeiro caso, o pesquisador apresenta o projeto à

agência, na forma de fluxo contínuo: o pesquisador apresenta a qualquer momento o seu projeto de

pesquisa. No segundo caso, o mais comum, a agência de financiamento lança um Edital, anunciando

que financiará projetos em certo campo do conhecimento. A Figura 6 mostra esquematicamente estes

dois esquemas de submissão de projetos de pesquisa.

Figura 6 - Modos de apresentação de projetos de pesquisa.

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Capítulo 2. O trabalho científico e sua metodologia

Um texto sobre Metodologia, como o próprio nome sugere, é um texto dedicado ao método adequado

pelo qual alguma tarefa deve ser realizada. Sobre o verbete Metodologia o dicionário Houaiss nos

ensina que Metodologia é (HOUAISS, 2001):

1 Rubrica: lógica.

ramo da lógica que se ocupa dos métodos das diferentes ciências

1.1 parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela própria recorre

1.2 Rubrica: literatura.

em literatura, investigação e estudo, segundo métodos específicos, dos componentes e do caráter subjetivo de uma narrativa, de um poema ou de um texto dramático

2 Derivação: por extensão de sentido.

corpo de regras e diligências estabelecidas para realizar uma pesquisa; método

Nesta definição, o termo Método aparece de forma intensa, o que nos leva a questionar o que Método

significa. Novamente, recorremos ao dicionário (HOUAISS, 2001):

1 procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma coisa, esp. de acordo com um plano

Ex.: há dois m. diferentes para executar essa tarefa

2 processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, instrução, investigação, apresentação etc.

Ex.: m. analítico, dedutivo

3 ordem, lógica ou sistema que regula uma determinada atividade

Ex.: ensinar com m. 4 modo de agir; meio, recurso

Ex.: encontrou um bom m. para economizar

5 conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino ou a prática de uma arte

Ex.: aprendeu a ler pelo m. da silabação

6 Rubrica: filosofia.

conjunto sistemático de regras e procedimentos que, se respeitados em uma investigação cognitiva, conduzem-na à verdade.

Portanto, Metodologia pode ser entendida como o conjunto de regras ou procedimentos (o método)

pelo qual fazemos algo. Por outro lado, Metodologia da Pesquisa, se refere ao termo Pesquisa, a qual,

ainda segundo o Houaiss pode ser definida como (HOUAISS, 2001):

- conjunto de atividades que tem por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico, literário, artístico etc.;

- investigação ou indagação minuciosa

Portanto, podemos definir a Metodologia da Pesquisa como sendo o estudo do método pelo qual

fazemos pesquisa ou, em outras palavras, o estudo dos métodos que nos permitem obter novos

conhecimentos.

Em particular, como o título de nosso texto aponta, estamos interessados no estudo da Metodologia da

Pesquisa em Ensino de Ciências, ou seja, estamos interessados nos métodos pelos quais a pesquisa em

Ensino de Ciências deve ser realizada. Portanto, uma possível definição de Metodologia da Pesquisa em

Ensino de Ciências é:

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Metodologia da Pesquisa em Ensino de Ciências, então, é o estudo dos métodos

que nos permitem descobrir novos conhecimentos no Ensino de Ciências, ou

novos conhecimentos sobre como ensinar Ciências.

Essa, talvez, deva ser a primeira lição: não há um único método ou o método certo pelo qual podemos

conhecer algo a respeito do Ensino de Ciências. O que existe são diferentes abordagens para diferentes

problemas. A abordagem que é adequada a uma classe de problemas pode não ser a mais adequada

para outra classe de problemas. Nosso objetivo é oferecer a você ferramentas variadas, de modo que

você, frente à determinada situação, escolha a mais adequada.

O importante, e o pesquisador deve ter isto sempre em mente, é o fato de que os métodos de pesquisa

(ou procedimentos de pesquisa) são subordinados ao Referencial Teórico do pesquisador e, portanto,

devem ser coerentes com ele.

2.1 A Estrutura da Pesquisa Científica - O V Epistemológico de Gowin

A pesquisa científica não acontece de forma isolada do contexto social no qual o pesquisador está

inserido. Este contexto é formado pelos aspectos físicos, sociais e históricos da sociedade particular na

qual a pesquisa é realizada. Importante, também, lembrar que a pesquisa ocorre em um momento no

tempo. Como consequência disto, o pesquisador tem a sua frente questões de pesquisa específicas

oriundas de um modo particular (e histórico) de interagir com o mundo a sua volta. Este conjunto de

elementos presentes na mente do pesquisador é chamado de Domínio Conceitual da pesquisa. Por

outro lado, ao realizar a pesquisa, o investigador da ciência faz uso de certos métodos, concebidos a

partir de sua visão particular do assunto objeto da pesquisa. Estes métodos são compostos por

conceitos, formas de construir dados, asserções de valor e asserções de conhecimento. A este conjunto

chamamos de Domínio Metodológico da pesquisa. O V Epistemológico de Gowin é uma figura na qual

representamos os dois ramos da Pesquisa Científica, os domínios metodológico e conceitual

(MOREIRA, 1990). O V é mostrado na Figura 7.

No campo educacional, além de nos permitir visualizar a estrutura dos experimentos científicos, o V

Epistemológico de Gowin, ou simplesmente V Epistemológico, é uma ferramenta muito útil em vários

contextos: como auxiliar no Planejamento, como recurso instrucional, como instrumento de avaliação

do aluno, como ferramenta auxiliar na análise do material instrucional, na análise do Currículo6 de um

material instrucional, etc. Por material instrucional entende-se uma aula, um experimento de

laboratório, um livro, um artigo de revista, um programa de computador, um vídeo, etc. A vantagem do

uso do V Epistemológico, em relação a outras ferramentas de análise, é a capacidade de síntese que

aquele possui.

6 Por currículo entende-se o que pode ser apreendido daquele material instrucional. Nesse sentido, currículo deve ser diferenciado de uma grade curricular que simplesmente é um conjunto de disciplinas que compõem um curso.

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A rigor, o V Epistemológico não traz novidades conceituais em termos da interpretação da atividade de

pesquisa. A sua grande virtude está na forma como estes conceitos são apresentados, a síntese visual

que possibilita e a maneira lógica como os vários elementos que compõem a pesquisa são identificados.

A base sobre a qual o V Epistemológico se sustenta é a ideia de que a pesquisa é construída sobre uma

rede de significados composta por conceitos, teorias, eventos, questões, transformações de dados,

asserções de valor e significado. O papel do V Epistemológico é o de explicitar esses componentes. Esta

crença, por sua vez, tem sua base na hipótese cognitivista de que o conhecimento é estruturado na

mente dos sujeitos e que essa estrutura subsiste por trás do projeto de pesquisa.

Figura 7 – O V epistemológico de Gowin.

2.1.1 O Domínio Metodológico e o Domínio Conceitual

A percepção de um evento passa pela estrutura cognitiva de quem percebe. Da mesma forma, o que é

uma questão básica também depende de quais conceitos o sujeito traz naquela estrutura. Por exemplo,

considere a seguinte questão:

Quanto tempo uma pedra leva para cair?

Evento

Registro

s

Dados

Conceitos

Asserções de

conhecimento

Asserções de

valor

Domínio

Metodológico

Domínio

Conceitual

Leis

Teorias

Filosofias (visões de mundo)

Domínios em

interação

Questão básica

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A formulação desta questão, que parece de uma trivialidade e simplicidade extremas, só foi possível

após o trabalho de Galileu Galilei7 no século XVII e a consequente algebrização da Física iniciada por

ele.

Assim, em toda pesquisa, para que possa haver a compreensão do evento sobre o qual a pesquisa está

interessada, aqui entendida como a identificação do evento estudado, da formulação da questão básica

que suscita e as respostas que porventura possa oferecer, há sempre necessidade da mediação da

estrutura conceitual dos sujeitos.

Para prosseguir, temos que definir o que entendemos por um conceito. Em nossa interação com o

mundo percebemos regularidades em objetos e eventos. Dessa observação de regularidades criamos

entidades mentais que são abstrações das propriedades observadas nestas regularidades. Estas

entidades mentais são os conceitos. Por exemplo, tomemos o conceito de cadeira. Mesmo duas cadeiras

completamente diferentes como as mostradas na Figura 8 são percebidas por nós como sendo objetos

que têm algo em comum e que pertencem à mesma classe de objetos. Por outro lado, o objeto

mostrado na Figura 9, mesmo tendo características similares às de uma cadeira (assento, encosto, pés,

etc.) é percebido claramente como um objeto que pertence à outra classe de objetos, as poltronas.

Figura 8 - Duas cadeiras

O ser humano tem a capacidade de associar signos (verbais ou não) a conceitos. Ao longo do nosso

desenvolvimento, por volta dos dois anos, já temos capacidade de associar um signo sonoro a

diferentes objetos e eventos, aprendendo, assim, a linguagem. A partir daí, temos uma associação, que

para os adultos é quase uma identidade, entre a linguagem e os conceitos. Quando pensamos

internamente, operamos sobre os signos linguísticos em um espaço isomorfo ao dos conceitos. A

discussão desse processo foge ao objetivo deste texto. Se você estiver interessado neste assunto,

sugerimos a leitura do texto de Vygotsky (1993).

7 Físico e Matemático italiano responsável, entre outros, pela matematização da Física e pelo uso do telescópio como instrumento astronômico com fins científicos.

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Figura 9 - Poltrona.

Tomemos, como exemplo, um experimento no qual devemos obter a Lei de Hooke (veja a Figura 10).

Esta lei estabelece que, dentro de certos limites, a força restauradora8 em uma mola é proporcional a

sua elongação, definida como a variação do comprimento da mola em relação à posição de equilíbrio

(quando nenhuma força age sobre ela).

Para entendermos o que está dito na frase anterior é necessário que tenhamos na nossa estrutura

cognitiva os conceitos de mola, força, posição de equilíbrio, comprimento, variação, proporcionalidade

e assim por diante. Ou seja, a interpretação e mesmo o projeto de um experimento que viesse a obter

ou verificar a Lei de Hooke somente seria possível se tivéssemos na nossa mente todos estes conceitos.

Estes conceitos se ligam de forma ordenada e lógica para gerarem asserções que estabelecem como os

entes representados pelos conceitos se relacionam. A estas asserções chamamos uma Lei. Um aspecto

importante de uma Lei é que ela expressa relações de causalidade entre eventos observados. Em geral

a estrutura de uma Lei é: p q. Sendo p e q são duas proposições, a Lei nos diz que se a primeira

proposição, p, for verdadeira então a segunda proposição ,q, também o será9. Um exemplo de Lei é a Lei

de Hooke que enunciamos acima: ela relaciona vários conceitos dizendo como a força restauradora se

comportará se soubermos qual é a elongação da mola.

As leis, por sua vez, podem ser agrupadas em estruturas mais gerais, formando as Teorias. Um exemplo

de teoria é a Mecânica Clássica na Física ou a Genética na Biologia ou a Teoria do Átomo na Química. As

Teorias têm um poder de explicação mais geral que uma Lei e elas expressam uma síntese de todo um

campo do conhecimento. A Lei de Hooke que vimos usando como um exemplo se encaixa dentro da

teoria mais geral da Mecânica Clássica. Enquanto a Lei dá conta de um evento específico, uma Teoria dá

conta de princípios mais gerais envolvidos em todos os eventos de uma mesma classe. A Lei de Hooke é

específica para o evento de uma mola esticada ou comprimida enquanto que as Leis de Newton se

aplicam tanto a situações envolvidas na Lei de Hooke como em outras situações não contempladas pela

última.

Ainda, em um grau mais geral do que as Teorias, encontramos a Filosofia10 subjacente a todo material

instrucional ou currículo. Uma Filosofia é um conjunto de ideias que dão um substrato epistemológico

às Teorias. Por exemplo, por trás da Mecânica Newtoniana se encontra a filosofia racionalista que

8 Força restauradora é a força que aparece em uma mola quando a esticamos ou comprimimos fazendo com que uma mola volte à sua posição de equilíbrio. 9 A este respeito, o trabalho de Toulmin (2006) discute o conceito de Lei e a visão da Lei a partir da lógica. 10 Algumas vezes também chamadas de Visão de Mundo.

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postula que o Universo é passível de entendimento pela razão humana e que as leis naturais podem ser

descritas em termos matemáticos.

Estes elementos assim definidos constituem o que é chamado de Domínio Conceitual do fazer

científico. Conceitual por envolver aspectos ligados à estrutura de conceitos de quem faz um

experimento em Ciência.

Figura 10 - Uma mola que se contrai sob a ação de uma força. Exemplo referente à Lei de Hooke.

Os conceitos são importantes não só como as peças a partir das quais estruturas mais gerais (as Leis,

as Teorias e as Filosofias) são construídas, mas, também, como elementos guia do processo

experimental em Ciência. Senão vejamos o nosso experimento sobre a Lei de Hooke. Se fossemos para

um laboratório para obter a relação entre a força restauradora em uma mola e a sua elongação, como o

faríamos? Bem, o procedimento mais simples é medir a mola em repouso, na horizontal (por quê?) e a

seguir, usando várias massas pequenas, medirmos a elongação da mola quando submetida ao peso das

massas. A partir desse experimento construiríamos uma tabela do tipo mostrado no Quadro 1

(resultados fictícios).

Quadro 1- Dados fictícios para um experimento sobre a Lei de Hooke.

Massa (g) Elongação observada (cm)

0 0

1 2

2 4

3 6

4 8

5 10

Elongação

Mola antes da ação da força Mola após a ação da força

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Se traçarmos um gráfico destes dados, colocando no eixo horizontal os valores das massas e, no eixo

vertical, os valores da elongação, obteremos um gráfico semelhante ao mostrado na Figura 11.

Figura 11 – Gráfico para a Lei de Hooke (dados fictícios).

Analisemos, agora, que conceitos estão intervindo nesse processo. O fato de medirmos a elongação (ou

seja, o quanto a mola esticou em relação à situação na qual a mola não está esticada ou comprimida)

tem sentido na medida em que tenham sido construídos pelo sujeito os conceitos de medição e de

diferença de comprimento. Sem eles, é impossível entender o processo. Outro conceito que intervém é

o de força restauradora, que aqui aparece conjugado ao conceito de força. Como se vê, o processo de

medida não é independente do Domínio Conceitual envolvido. Mas vamos adiante. Outro conceito

envolvido, de forma subjacente por certo, é o conceito de proporcionalidade. Sem ele, fica impossível

obter a expressão para a Lei de Hooke.

Para que possamos analisar o evento sob estudo e responder à questão básica formulada, qual a

relação funcional entre a elongação e a força restauradora, certas transformações sobre os dados

brutos obtidos no experimento devem ser feitas. As grandezas que realmente são medidas nesse

experimento são um comprimento (da mola) e uma massa (do contrapeso colocado). Todo o resto

(elongação, peso, tabelas, gráficos) são transformações desses Registros de Eventos chamadas de Dados.

Portanto, um Dado é o resultado de uma (ou mais) transformação que é feita sobre os Registros de

Eventos. Exemplos de Dados são a tabela e o gráfico que apresentamos acima. Um ponto importante

que deve ser ressaltado aqui: os Dados são sempre resultado de um processo de construção mediado

pelos conceitos que o pesquisador tem em sua estrutura cognitiva. Principalmente em Ciências Sociais,

o dado nunca existe independente da teoria que orienta o trabalho do pesquisador.

A partir dos Dados podemos fazer afirmações a respeito do evento sobre o qual fizemos a nossa

questão básica tentando agora respondê-la. No nosso exemplo, uma Asserção de Conhecimento é: a

relação entre a elongação x da mola e a força restauradora F é do tipo11:

F kx . (Lei de Hooke)

Nessa expressão, k é uma constante que depende da mola somente. Obtemos essa expressão a partir da

forma do gráfico: uma reta12. Essa expressão é a chamada Lei de Hooke. (Pergunta: qual a origem do

sinal negativo que temos na expressão da Lei de Hooke?)

11 Por simplicidade tomamos a equação escalar.

Massa E

lon

ga

ção

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O nosso experimento, entretanto, não se esgota na obtenção dessas asserções de conhecimento. Todo

conhecimento, e o científico em particular, deve servir a algum propósito. Para que serve estudar a Lei

de Hooke? Por que devemos gastar preciosos minutos de nossas vidas tentando obtê-la? A (s) resposta

(s) a esse tipo de pergunta é o que chamamos de Asserções de Valor, pois são afirmações a respeito da

utilidade, particular ou social, daquele conhecimento obtido. No nosso exemplo, estudar a Lei de Hooke

é importante porque muitos sistemas físicos são bem descritos, dentro de certos limites, por

expressões semelhantes à obtida neste experimento. Todas essas informações a respeito da

metodologia da realização do experimento formam o Domínio Metodológico de um experimento.

Podemos representar esses dois domínios (Conceitual e Metodológico) por um V como na Figura 7.

Proposta de exercício: construa o V Epistemológico para o experimento da Lei de Hooke.

2.1.2 O uso do V Epistemológico no Ensino

Como dissemos anteriormente, além de usarmos o V Epistemológico em situações de pesquisa,

podemos usá-lo em várias situações de ensino. A seguir as listaremos e teceremos alguns comentários

a respeito.

1. Planejamento

Uma possível aplicação do V Epistemológico é durante a fase de planejamento de um curso, de

uma aula expositiva, de um experimento, etc. Nesse momento o professor pode usar o V

Epistemológico como uma forma de explicitar relações e esclarecer como os conceitos e leis a

serem ensinados se ligam e explicitar relações de dependência entre as várias partes do

currículo.

Ainda dentro deste domínio, outra aplicação do V Epistemológico é como auxiliar na escolha do

livro didático por parte do professor. O V é um excelente instrumento para explicitar a

estrutura do material instrucional contido nos livros sob análise e, a partir daí, decidir qual

livro adotar para aquela turma específica.

2. Instrumento de ensino

Esta é outra aplicação potencial do V Epistemológico. Como o V traz a informação contida no

currículo do material instrucional em uma forma compacta ele pode ser usado como forma de

apresentar o conteúdo do material instrucional antes ou após o seu desenvolvimento. Uma

aplicação na qual o uso do V se mostra particularmente útil é na análise de experimentos de

laboratório, depois da sua realização, como ferramenta de feedback, propiciando a reflexão por

parte do aluno sobre a atividade experimental desenvolvida.

3. Ferramenta de Avaliação

Ao invés de pedirmos relatórios de experimentos de laboratório podemos solicitar aos alunos

que construam um V Epistemológico; da mesma forma, ao invés de solicitar que os estudantes

12 Como sabemos, a expressão de uma reta é dada por y ax b .

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respondam a um questionário sobre determinado capítulo de um livro porque não solicitar a

construção de um V daquela unidade?

Enfim, estas são apenas algumas possíveis aplicações do V Epistemológico no cotidiano da sala de aula.

Seguramente, o Professor será capaz de imaginar outras aplicações e adaptar o V Epistemológico à sua

situação concreta.

Figura 12 – Fases do trabalho científico.

2.2 Fases do Trabalho Científico

Mais do que falar em método científico, cremos ser melhor falarmos nas fases de um trabalho científico

(veja Figura 12). Antes de fazermos algo em Ciência precisamos ter percepção de que não sabemos

algo. É somente a percepção de nosso desconhecimento que nos permite desenvolver um trabalho

científico. Essa fase é a fase da formulação do problema com a explicitação da questão básica de

pesquisa.

Sabendo da necessidade de investigar algo que desconhecemos, passamos à fase de planejamento de

nossa investigação. Nessa fase, estudamos os meios de que dispomos para atingir nosso objetivo,

listamos as estratégias a serem seguidas para obtermos a solução do problema, estimamos o custo

financeiro das estratégias propostas e o tempo que elas tomarão para serem desenvolvidas. Essa é a

fase de construção do Projeto de Pesquisa.

A terceira fase é a fase da execução das atividades de pesquisa propriamente. Nessa etapa, as

estratégias descritas no Projeto de Pesquisa são desenvolvidas. Normalmente, essa fase é chamada de

Desenvolvimento da Pesquisa.

Por fim, do ponto de vista social, uma atividade de pesquisa somente se justifica se os resultados forem

compartilhados com quem financiou a pesquisa. Além dessa razão, há outra muito importante: o

resultado de uma pesquisa somente pode ser aceito se ele for reprodutível. Isso quer dizer que outros

pesquisadores, partindo das mesmas premissas, devem ser capazes de obter os mesmos resultados.

Para que isso possa ser feito, os outros pesquisadores precisam saber o que foi feito. É, portanto, uma

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obrigação ética do pesquisador a comunicação dos resultados de uma pesquisa em uma forma

compreensível. Essa fase é a fase de Comunicação dos Resultados.

Podemos detalhar um pouco mais as fases da pesquisa científica (RUNKEL e MC GRATH, 1972):

1. Formular o problema - Para que o investigador possa ser sistemático em sua pesquisa, deve

escolher um problema delimitado dentre todos aqueles problemas gerais do seu campo de

trabalho;

2. Delinear a pesquisa - Como salientado na introdução deste texto, o delineamento é uma das

fases mais importantes da pesquisa. Delinear uma pesquisa consiste em escolher os atores, os

comportamentos e contextos a serem observados, as partições a serem feitas entre eles e as

comparações de que serão objeto as observações. Parte importante do delineamento da

pesquisa é a definição da maneira pela qual os dados serão construídos.

3. Delinear um Plano Operacional - Como pode o pesquisador ser confiante em que

apreenderá algo sobre estas pessoas ou grupos, os quais não serão observados em sua

totalidade? Que coisas existem para serem observadas que podem servir como indicadores de

alguma propriedade intangível? Como pode o pesquisador estar seguro de que aquele

comportamento observado é de fato o comportamento “natural” esperado? O Plano

Operacional permeia a pesquisa e é o seu norte. Nele devemos estabelecer as etapas, os

cronogramas de execução, fontes de recursos, etc... É importante ter em mente o seguinte: é na

definição do Plano Operacional que as características inerentes aos diferentes delineamentos

da pesquisa (se empírica ou não, se qualitativa ou quantitativa) irão aparecer e deverão ser

traduzidas em ações pelo pesquisador.

4. Executar o Plano Operacional – Esta é a fase na qual as ações definidas no Plano Operacional

serão realizadas

Figura 13 - Fases do trabalho científico.

5. Mapear registros em dados – O registro das vezes nas quais os comportamentos de

diferentes tipos ocorrem e sua posterior manipulação, no processo de construção dos dados,

pode habilitar o investigador a fazer comparações entre conjuntos de observações. Muitas

vezes, em vários delineamentos de pesquisa de tipo qualitativo o próprio registro é o dado,

pois já é resultado de uma transformação da interação do pesquisador com a situação de

pesquisa. Por exemplo, o Diário de Campo, comum a muitas metodologias de pesquisa é um

registro filtrado pela memória do pesquisador, portanto, também é um dado, pois é resultado

de um processo de reconstrução por parte do pesquisador.

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6. Mapear dados em variáveis ou categorias - Dados podem acumular-se em uma vasta

coleção. Como pode o investigador simplificar uma grande quantidade de dados em um modo

compreensível e facilmente manipulável? Para isso, o pesquisador precisa construir variáveis.

Nas metodologias de tipo qualitativo, muitas vezes estas variáveis são chamadas de categorias.

Quer chamemos de categorias ou variáveis, o importante é o processo de sistematização e

redução envolvido. Neste processo, o pesquisador busca o que há de geral nos dados

construídos, em um processo de generalização. Esse processo, nas pesquisas de natureza

qualitativa, é usualmente de tipo Generalização Analítica. Nele, o pesquisador procura insights

para a construção de teorias explicativas do fenômeno social observado.

7. Explorar relações - Quando a frequência de ocorrência de uma característica em uma

população varia concomitantemente com a frequência de ocorrência de outra característica, a

concorrência é chamada relação. Que tipos de relações são úteis e para quais propósitos?

Deve-se observar que estas relações podem ser de natureza qualitativa ou quantitativa.

8. Tirar conclusões - Que hipóteses poderiam ter sido feitas sobre pessoas ou grupos que

poderiam ser explicações alternativas para os resultados obtidos? Qual a probabilidade de que

os resultados sejam obra do acaso? Que comparações poderiam ainda ser feitas de modo a

aumentar a confiança nos resultados obtidos? Que evidências o pesquisador tem a sua

disposição e como estas evidências dão suporte às conclusões que foram tiradas?

Não importa quão objetivamente o pesquisador execute seu estudo e registre-o para consulta dos

outros pesquisadores, sua escolha de uma questão (ou hipóteses) como guia da pesquisa é sempre, em

uma larga extensão, idiossincrática, arbitrária e pessoal. A escolha inicial de uma questão de pesquisa é

o resultado de uma interação entre quatro fontes de conceitualização. Uma dessas fontes é o conjunto

de ideias já disponíveis na mente do pesquisador. Outra fonte é o corpo de conhecimento presente na

área da pesquisa. A terceira fonte possível é o mundo real observável de eventos o qual fornece ideias

ao pesquisador quando da interação direta entre este mundo e o ser humano que é o pesquisador13.

Por fim, mas não menos importante, são as interações sociais às quais o pesquisador está submetido.

Qualquer projeto de pesquisa é formado em alguma extensão por todas estas fontes de

conceitualização.

13 Claro que isto não acontece dissociado do que o pesquisador tem em sua mente. Somente é possível de ser percebido algo que já está na mente do sujeito como conceito.

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Capítulo 3. A questão básica de pesquisa

Pesquisamos porque queremos responder alguma pergunta sobre o mundo percebido por nós. As

origens destas perguntas são as mais diversas: a realidade imediata, a provocação intelectual colocada

pelos resultados de outras pesquisas, discussões com colegas de profissão, acidentes, etc.

3.1 O que é um evento ou fenômeno?

Observamos na natureza que certas ações são executadas. Por exemplo, veja a Figura 14.

Figura 14 – Uma pirâmide.

Como você pode observar é a imagem de uma pirâmide. Esse é o evento. Algo que acontece no mundo

externo e que percebemos conscientemente. Outro exemplo, o brilho de uma estrela, você encontra na

Figura 15.

Figura 15 – Uma estrela.

Novamente, temos algo que ocorre e que percebemos conscientemente. Temos outro evento.

Ao percebermos um evento, este pode despertar nossa curiosidade. Podemos, então, colocar algumas

questões de natureza geral sobre o evento:

1. Como as pirâmides foram construídas?

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2. Quem as construiu?

3. Qual a cor com a qual a estrela brilha?

4. Qual o efeito das queimadas sobre o meio ambiente?

e tantas outras. Essas questões são o que chamamos de problema de pesquisa. O problema é colocado

como uma curiosidade que o evento percebido nos coloca.

Erroneamente, a maior parte das pessoas pensa que fazer Ciência é apresentar respostas. De fato, a

etapa mais importante é definir um problema e quais perguntas podemos fazer sobre esse problema.

Portanto, o foco de um cientista não é buscar respostas, mas sim apresentar boas perguntas.

Tomemos um exemplo. Os agricultores no Centro-Oeste têm por hábito realizar queimadas durante os

meses de agosto, setembro e outubro, principalmente. Esse é o nosso evento. Sobre o evento podemos

formular o seguinte problema:

Quais os efeitos das queimadas sobre o meio ambiente e o homem?

Sobre esse problema podemos apresentar uma série de perguntas (subproblemas):

1. Ao realizarem queimadas, que substâncias são liberadas para a atmosfera?

2. Como se modifica a composição do solo após uma queimada?

3. Qual o aumento de produtividade o agricultor obtém após realizar as queimadas?

4. Qual a origem histórica das queimadas?

5. Como se organizam as populações onde as queimadas acontecem?

6. Quais são os danos à saúde que esse hábito das queimadas provoca?

7. Quais são os mecanismos pelos quais o produto das queimadas atinge o organismo?

8. Quanto tempo o ar leva para recuperar a composição anterior às queimadas?

9. Quanto tempo leva o solo para recuperar a composição de antes das queimadas?

10. Que tipo de atividade poderia substituir as queimadas?

Claro que, além destas, poderíamos colocar muitas outras questões. Mesmo as que colocamos acima

podem ser refinadas. Por exemplo, a questão 2 poderia ser subdividida em duas outras (pelo menos):

1. Como é modificada a composição físico-química do solo?

2. Como é modificada a composição biológica do solo?

Enquanto a primeira subquestão diz respeito aos químicos, a segunda diz respeito aos biólogos. Deve

ser observado que afirmar que o hábito da queimada é danoso ou benéfico ao meio ambiente vai ser

função das respostas que obtivermos às perguntas acima.

Um trabalho científico somente pode ser iniciado se soubermos colocar questões como as que

colocamos sobre as queimadas.

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3.2 Problema de pesquisa versus questão básica de pesquisa

Não existe pesquisa sem um problema de pesquisa. Faremos inicialmente a distinção entre problema

de pesquisa (ou situação de pesquisa) e questão básica de pesquisa (ou, simplesmente, questão

básica). Um problema de pesquisa ou situação de pesquisa é uma situação sobre a qual queremos obter

informações.

Nem todo problema, como os apresentados na seção anterior, é um bom começo para uma pesquisa.

Em geral, no nível de formulação de problemas, as questões ainda não são suficientemente específicas

para um bom projeto de pesquisa.

Definimos como uma questão básica de pesquisa uma questão formulada sobre o

nosso problema tão específica que contenha dentro dela a maneira como vamos

respondê-la.

Analisemos, por exemplo, a primeira pergunta da seção anterior:

Como as pirâmides foram construídas?

Uma boa questão básica seria a seguinte:

Qual tipo de pedra foi usado em sua construção?

Observe que essa questão indica claramente como vou respondê-la: devo retirar uma ou várias

amostras das pedras da pirâmide e analisá-la para ver o tipo de material das pedras usadas na

construção das pirâmides.

Outro exemplo, ainda sobre a pirâmide, se refere à questão de número 2:

Quem as construiu?

Como as pirâmides estão no Egito, a primeira ideia que vem à mente é que as pirâmides foram

construídas pelos egípcios. Então uma boa questão básica seria a seguinte:

Os registros históricos indicam que os egípcios há cinco mil anos tinham a

capacidade de construir monumentos de tal ordem?

Novamente, a questão colocada dessa forma aponta para uma estratégia de busca de resposta: vamos

ler os registros históricos sobre o antigo Egito e procurar neles alguma informação sobre a tecnologia

de construção dominada pelos egípcios há cinco mil anos.

Por fim, poderíamos colocar uma questão básica para a observação da estrela na seção anterior:

Em qual comprimento de onda a estrela emite mais radiação?

Essa questão aponta, do mesmo modo que as anteriores, para a sua solução: tomamos um

espectrômetro e analisamos a luz emitida pela estrela.

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Outro exemplo é o estudo da influência das ações do Homem sobre as alterações climáticas. Este é um

problema de pesquisa ou uma situação de pesquisa. Uma questão básica de pesquisa são perguntas

pontuais que fazemos sobre o problema ou situação de pesquisa. Um exemplo de questão básica de

pesquisa é: qual a correlação entre a produção industrial e o degelo na Antártida? Veja, o problema de

pesquisa é geral e gera muitas questões básicas de pesquisa. A concatenação de diferentes pesquisas,

envolvendo várias questões básicas de pesquisa, as quais cobrem o problema de pesquisa de maneira

mais ou menos completa é um programa de pesquisa.

A falta desta distinção entre um problema de pesquisa e uma questão básica de pesquisa é a origem

das angústias de muitos estudantes ao iniciarem seus cursos de pós-graduação. Muitas vezes, os

estudantes propõem problemas de pesquisa quando em um curso de Mestrado (e mesmo de

Doutorado) o estudante tem tempo apenas para abordar uma ou mais questões básicas de pesquisa.

Uma das principais tarefas de um orientador é levar o estudante a construir uma boa questão básica de

pesquisa. Em grupos de pesquisa, com vários pesquisadores e estudantes (de iniciação científica,

mestrado ou doutorado), normalmente as pesquisas ligadas às diferentes questões básicas de pesquisa

abordadas pelo grupo dentro de seu programa de pesquisa são divididas entre seus vários membros.

Assim, seguindo o exemplo dado anteriormente, enquanto um aluno de doutorado investiga a

correlação entre a produção industrial e o degelo da Antártida, outro estuda essa correlação, mas com

o Ártico. Outro ainda pode estudar os efeitos da produção industrial com as taxas de reprodução dos

pinguins.

Uma característica de uma boa questão básica de pesquisa é que dentro dela temos uma indicação

clara de como vamos respondê-la. Veja a questão que colocamos mais acima e que repetimos abaixo:

Qual a correlação entre a produção industrial e as taxas de

reprodução dos pinguins?

Esta questão aponta claramente a forma como pode ser respondida: peguemos a produção industrial

do planeta em certo período de tempo (os últimos cinquenta anos, por exemplo) e as taxas de

reprodução dos pinguins no mesmo período e calculemos o coeficiente de correlação entre as duas

variáveis. Caso a correlação seja negativa (e perto de um) podemos então afirmar que há indícios de

que o aumento na produção industrial deste período pode ter levado a uma diminuição das taxas de

reprodução entre os pinguins. Se o coeficiente de correlação for próximo de zero, então nossa

conclusão será de que, provavelmente, as taxas de reprodução dos pinguins não são afetadas para mais

ou para menos pelas taxas de produção industrial. Por fim, se o coeficiente de correlação for positivo e

próximo de um, isto significará que há indícios de que o aumento das taxas de produção industrial

pode influenciar positivamente as taxas de reprodução dos pinguins14.

Observe que esta metodologia de responder a questão básica de pesquisa não estará presente se

modificarmos ligeiramente a forma como a questão básica for colocada:

14 Discutiremos mais adiante a interpretação correta do coeficiente de correlação e porque não podemos baseados nele atribuir relação de causalidade entre duas variáveis.

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Qual o efeito da produção industrial sobre os pinguins?

Agora, não temos mais um indicativo do que fazer. Qual efeito procuramos: sobre as taxas de

reprodução, como antes? Sobre os hábitos migratórios? Sobre a cor da pelagem dos pinguins? Sobre os

hábitos alimentares dos pinguins? Como você pode ver a variedade de questões básicas de pesquisa

subjacentes à questão proposta é ampla. O pesquisador experiente dedica bom tempo da fase inicial da

pesquisa na tarefa de definir com clareza qual é a verdadeira questão básica de pesquisa.

Resumindo o que dissemos até agora, ao formular a sua questão básica de pesquisa responda de forma

honesta as seguintes perguntas:

Há uma pergunta claramente formulada?

O universo da pesquisa está claramente delimitado?

A formulação da pergunta sugere uma maneira de respondê-la?

3.3 A origem da questão básica

Mas qual a origem das questões básicas? Ninguém acorda e, em frente ao espelho, diz para si mesmo:

vou responder tal questão básica hoje. A questão básica surge da nossa experiência com o tema. Essa

experiência possui duas fontes básicas:

1. O nosso próprio trabalho de pesquisa, nossa experiência pessoal com o tema;

2. O trabalho dos outros pesquisadores no mesmo campo, divulgado por meio das

revistas científicas.

Para construir o novo, é necessário que tenhamos um profundo conhecimento sobre o que já é

conhecido no nosso campo de trabalho. Essa é a razão pela qual, na maior parte dos casos, os trabalhos

acadêmicos começam por uma profunda revisão da bibliografia sobre o tema de pesquisa (o

problema). Essa revisão tem por objetivo a tomada de posse por parte do pesquisador daquilo que já

foi produzido na área e, naturalmente, indica o que ainda não é conhecido.

Tomemos o nosso exemplo das pirâmides. O nosso pesquisador colocou a seguinte questão:

Qual o tipo de pedra usada na sua construção?

Vamos supor que outra pessoa já tenha feito essa mesma pergunta e tenha publicado os resultados

dessa pesquisa (nos moldes que descrevemos antes) em alguma revista de divulgação científica. O

nosso pesquisador estaria então perdendo o seu tempo.

A questão básica traz uma proposta de resposta a ela mesma: a hipótese. A hipótese é uma verdade

provisória. Fazemos a seguinte pergunta: e se isso for verdade quais as consequências?

A ciência moderna se estrutura de maneira dedutiva. Por dedutiva, entendemos o seguinte

procedimento: dado um problema e uma questão básica, fazemos uma afirmação provisória sobre a

solução do problema. Dessa afirmação retiramos consequências. Se as consequências se mostram

verdadeiras então a nossa verdade provisória assume o valor de verdade permanente provisória.

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Esse termo, permanente provisória, indica que tomamos a nossa afirmação como verdadeira até que

alguma outra evidência a questione. Ou seja, a ciência não assume que algo seja verdadeiro de forma

permanente.

Voltemos ao exemplo da nossa pirâmide. A pergunta básica que nosso pesquisador tinha feito era:

Qual o tipo de pedra usada na sua construção?

Implícita nessa questão há uma hipótese: a pirâmide é feita de pedra. Pode parecer óbvio, mas essa é a

ideia que orienta a questão básica. Menos óbvia é a questão que dirige os trabalhos de análise: a técnica

escolhida para testar a pedra da qual a pirâmide é feita. Essa pedra pode ser de tipo sedimentar,

vulcânica, etc. Cada uma exige uma técnica diferente de análise. Ao escolher a técnica de análise

estamos fazendo uma hipótese: a pedra é vulcânica então usarei tal técnica. Se o resultado for negativo,

então a nossa verdade provisória (a pedra é vulcânica) não terá sido corroborada e a descartamos.

Um exemplo na área de ciências sociais é a seguinte: você está estudando pela Internet em um curso de

Mestrado em Ensino de Ciências. Qual a verdade provisória? A resposta é: estudando a distância

podemos aprender tanto quanto em um curso presencial. Ao final desse curso você saberá se aprendeu

ou não e seu desempenho é equivalente ao de alguém que estudou em um curso presencial. Aí então

poderá dizer se a hipótese é verdadeira ou falsa.

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Capítulo 4. Delineamentos de Pesquisa com Intervenção

Um Delineamento de Pesquisa é o desenho de como a pesquisa será executada. Envolve a descrição de

como os registros serão coletados e analisados, como os grupos que participarão da pesquisa serão

escolhidos, como os dados serão construídos e analisados, etc. (veja a Figura 16). Os Delineamentos de

pesquisa podem ser classificados com e sem intervenção. No primeiro caso, Delineamentos com

Intervenção, o pesquisador altera o ambiente estudado de alguma maneira e analisa o efeito desta

alteração. No segundo, Delineamentos sem Intervenção, o pesquisador estuda o ambiente sem

modificar ou introduzir nenhum elemento.

Figura 16 - O delineamento da pesquisa.

Neste capítulo analisaremos os delineamentos com intervenção e no próximo os delineamentos sem

intervenção.

4.1 Diferentes tipos de pesquisa

As pesquisas em Ciências Sociais em geral podem ser classificadas segundo uma das células do Quadro

2. Uma pesquisa é dita empírica quando busca na realidade observável os registros sobre os quais

tecerá sua análise. Assim, por exemplo, a Observação Participante e a pesquisa de natureza

fenomenológica são empíricas.

Dizemos que a pesquisa é empírica experimental se houver intervenção de qualquer tipo, com a

intencionalidade de modificar de forma controlada certas condições do meio onde a pesquisa está

sendo realizada e observar o resultado dessa intervenção. O caráter experimental da pesquisa vem da

característica de intervenção na realidade que se quer estudar e da intenção do pesquisador de

controlar as variáveis que regem o fenômeno sob análise.

Por outro lado, o caráter quantitativo ou não da pesquisa vem do uso ou não de ferramentas

quantitativas (tipicamente ferramentas da Estatística Inferencial) para análise dos registros colhidos.

Pesquisas qualitativas têm por característica não usarem estas ferramentas, privilegiando o uso de

ferramentas baseadas na interpretação subjetiva dos registros por parte do pesquisador. A Figura 17

mostra na forma de um esquema as informações contidas no Quadro 2.

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A pesquisa empírica experimental qualitativa é caracteriza como uma intervenção na realidade cuja

avaliação faz uso de instrumentos de coleta que fazem a recolha dos registros do tipo que se presta

mais a uma análise de natureza qualitativa. Tipicamente, este tipo de pesquisa utilizará a Entrevista, o

Questionário, a Filmagem, o Opinário e mesmo testes com questões abertas para coletar os registros. A

técnica de análise que é mais utilizada é Análise de Conteúdo Categorial.

São exemplos deste tipo de pesquisa aquelas nas quais novos métodos de ensino ou novas tecnologias

são introduzidos para serem avaliados quanto à sua influência na aprendizagem pelos alunos de

determinados conteúdos. Mudanças de percepção a respeito de determinado tema ou assunto

induzidas por atividades com os alunos também são exemplos de estudos que têm esta natureza.

Diferentemente das outras metodologias qualitativas, na Pesquisa Experimental Qualitativa há

intervenção do pesquisador na realidade observada e esta intervenção é que será avaliada. Observe-se,

ainda, que o pesquisador mantém, ou procura manter, seu posicionamento distante e externo ao

universo da pesquisa, o caráter qualitativo sendo dado pelos Instrumentos de Coleta de Registros e

pelas Técnicas de Análise dos Registros, que são característicos de pesquisas qualitativas. Podemos

dizer que este tipo de pesquisa ainda é positivista por origem, diferindo das Pesquisas Experimentais

Quantitativas apenas nas Técnicas de Análise de Registros e na natureza interpretativa dessa análise.

Quadro 2 – Tipos de Pesquisa Empírica em Ciências Sociais

Natureza da intervenção Natureza do processo de análise dos dados

Quantitativa Qualitativa

Há intervenção na realidade

(com controle de variáveis)

Empírica Experimental Quantitativa Empírica Experimental Qualitativa

Há intervenção na realidade

(sem controle de variáveis)

Empírica Quantitativa Empírica Qualitativa

Há somente observação da realidade Empírica Quantitativa Empírica Qualitativa

Quando analisamos o tipo de conhecimento que estes tipos de pesquisa nos trazem, há uma diferença

fundamental entre as pesquisas quantitativas e qualitativas. A pesquisa quantitativa é capaz de nos

dizer se há diferença ou não entre grupos observados. Contudo, ela não nos diz qual a origem desta

diferença. Por exemplo, suponhamos que tenhamos usado com um grupo de alunos, mas não com

outro, uma nova maneira de ensinar o conteúdo Cinética Química. Ao final, aplicamos um teste aos dois

grupos e observamos que há uma diferença na média dos dois grupos obtida no teste e atribuímos essa

diferença ao nosso trabalho com um dos grupos. Considerando que tenhamos aplicado corretamente o

teste e que a diferença observada seja real esse dado sozinho não nos permite responder à seguinte

pergunta: qual o mecanismo que levou um grupo a se tornar diferente do outro? Para responder a esta

pergunta necessitamos de uma análise qualitativa.

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Figura 17 - Tipos de delineamentos de pesquisa.

A pesquisa qualitativa também é bastante útil para levantarmos hipóteses em situações nas quais não

temos ideia de quais mecanismos estão atuando. Consideremos a seguinte situação: você tem que

realizar um estudo envolvendo a evasão de escolas que pertencem a certa região da cidade onde mora.

Quando você vai a campo, ainda não sabe quais seriam estas possíveis causas. Esta é uma situação

típica de uma pesquisa de natureza qualitativa.

No que diz respeito à intencionalidade, a Pesquisa Qualitativa é uma pesquisa que não tem por objetivo

imediato a generalização dos resultados obtidos. Nesse tipo de pesquisa, estamos interessados em

levantar quais são as possíveis causas do evento observado pelo pesquisador, quais são as relações que

determinam o comportamento de um determinado grupo ou sujeito. Ela tem um caráter exploratório,

no sentido de que fazemos um mapeamento do terreno estudado, visando a sua descrição detalhada. Já

a Pesquisa Quantitativa busca, como intencionalidade, a generalização das observações e resultados

obtidos para um número pequeno de sujeitos para uma população inteira. Para isso, faz uso intensivo

de Estatística Inferencial.

Figura 18 - O espaço da pesquisa.

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No que diz respeito a aspectos metodológicos, a Pesquisa Qualitativa procura utilizar instrumentos que

privilegiem a qualidade da observação, normalmente estudando em profundidade poucos casos do

evento, tentando identificar o que esses poucos casos têm em comum. Já a Pesquisa Quantitativa

procura estudar em extensão muitos casos do evento procurando padrões generalizáveis. Quando

realizamos pesquisas quantitativas, técnicas de Estatística Inferencial são usadas para estudar o

comportamento de populações15. A pergunta que procuramos responder com esse tipo de pesquisa é a

seguinte: com base nos resultados obtidos com a amostra, qual a probabilidade que temos de que esse

resultado seja válido para a população inteira?

Na pesquisa qualitativa estamos mais interessados em aspectos qualitativos dos dados do que em

aspectos quantitativos. Este tipo de pesquisa é usado, principalmente, para analisar questões que não

podem ser mensuradas ou para as quais queremos construir um modelo explicativo. Por exemplo, fica

difícil quantificar a esperança em um novo governo16. Podemos apenas dizer se as pessoas têm

esperança ou não. Da mesma forma, como quantificar a interpretação de um sonho? A Figura 18

mostra o espaço da pesquisa. Uma pesquisa pode ser classificada em qualquer um dos quatro

quadrantes deste espaço. O mai usual, contudo, é termos pesquisas que ocupam mais de um quadrante

neste espaço.

Ao executarmos uma pesquisa empírica com intervenção, aquele tipo de pesquisa no qual intervimos

sobre o meio e queremos avaliar a extensão do efeito da intervenção, com a intencionalidade de

generalizar nossos resultados, devemos nos preocupar com quais fatores podem fazer com que

cheguemos a conclusões incorretas a partir dos dados que obtemos na realidade investigada. Para

outros tipos de pesquisa, como o Estudo de Caso e a Fenomenologia, por exemplo, estes vínculos são

menos rígidos ou a intenção de generalização é completamente abandonada (veja a Figura 19).

Figura 19 - Características da Pesquisa Empírica Experimental.

15 O leitor interessado nos aspectos da pesquisa quantitativa pode consultar Moreira e Rosa (2013). 16 Embora isso seja possível se usarmos uma das técnicas de Análise de Conteúdo descritas mais adiante.

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Os fatores que podem invalidar nossas conclusões, e que dizem respeito à metodologia utilizada, são

chamados de Fatores de Validade Interna da pesquisa. Por outro lado, sempre que pesquisamos uma

situação particular com a intencionalidade de generalizar os resultados e conclusões que obtemos para

outras situações, generalizando as conclusões, precisamos analisar os fatores que nos permitem ou não

fazer isso. Esses fatores são chamados de Fatores de Validade Externa da pesquisa. Analisaremos cada

um deles agora.

4.2 Fatores de Validade Interna

Os fatores que devem ser analisados de modo a atestar a Validade Interna de uma pesquisa são em

número de oito (CAMPBELL e STANLEY, 1979) e são mais críticos em pesquisas empíricas de natureza

experimental, quando testamos alguma metodologia ou algum material instrucional (Figura 19).

Suponha que você realizou uma pesquisa envolvendo um grupo de alunos e uma atividade

diferenciada, chamada de tratamento. Observe que você está buscando analisar o resultado da sua

intervenção para saber se foi positiva, negativa ou indiferente17.

4.2.1 Maturação

A maturação diz respeito às modificações que ocorrem nos sujeitos sendo pesquisados simplesmente

porque o tempo passa e eles ficam mais velhos, com mais experiência ou em um nível cognitivo

diferente. Por maturação, entendemos variações internas que ocorrem nos respondentes devidas,

simplesmente, à passagem do tempo e são independentes do tratamento que se quer estudar. Essas

são, por exemplo: fome, cansaço, envelhecimento, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento

psicomotor, desenvolvimento afetivo, etc.

Imagine que você esteja querendo estudar o efeito de determinada metodologia de ensino de ciências

ao longo de 3 anos em crianças entre 5 e 8 anos. É claro que os seus resultados serão mascarados pelo

fato de que neste período de tempo as variações cognitivas (passagem do estágio pré-operatório para o

estágio operatório concreto na descrição piagetiana do desenvolvimento) são extremamente

importantes. Como saber se os resultados observados são resultado do método empregado e não

consequências do processo de maturação ele mesmo?

4.2.2 História

A História diz respeito ao conjunto de eventos que acontecem durante o transcorrer do experimento.

Esses eventos podem ser tanto internos ao ambiente de pesquisa como externos.

Suponha que você esteja fazendo um estudo sobre a percepção a respeito da Ciência e como o ensino

de ciências pode afetar esta percepção entre os alunos de uma determinada comunidade. Você aplica

17 Estas palavras são perigosas, se não forem bem definidas. Por positivo, entendemos que o tratamento provocou a aprendizagem e por negativo quando o tratamento dificultou a aprendizagem. Por outro lado, indiferente entendemos o tratamento que não influenciou de modo algum a aprendizagem. Naturalmente, a definição do que seja aprendizagem e sua detecção é função do referencial teórico escolhido.

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um questionário em um dado instante do ano escolar, no início, e volta a aplicar o questionário em

outro momento, no final do ano por exemplo. Entretanto neste intervalo foi descoberta a cura para

uma determinada doença que aflige em particular aquela comunidade. Será que este fato não alterará a

percepção que os alunos apresentam à segunda aplicação do questionário?

Este é um exemplo típico de como a historia pode afetar uma pesquisa. Eventos específicos que

acontecem durante a aplicação do tratamento que se quer investigar, após o pré-teste e antes do pós-

teste, podem afetar em larga medida os resultados obtidos.

4.2.3 Testagem

São os efeitos do pré-teste sobre os resultados do pós-teste. Dependendo do pré-teste este pode

catalisar algum processo de maturação que afetará os resultados do pós-teste. Por exemplo, você está

fazendo uma pesquisa sobre a posição dos alunos sobre o uso do tabaco. Você faz uma entrevista na

qual os coloca frente a várias situações nas quais o uso do tabaco ocorre. Isto pode levá-los a refletir

sobre este uso, fato que não aconteceria se a entrevista não tivesse acontecido. Se você em seguida

aplicar uma segunda entrevista os resultados não serão mais os mesmos em relação a uma situação na

qual a primeira entrevista não tivesse acontecido.

Figura 20 - Fatores que afetam a validade interna de uma pesquisa empírica experimental.

4.2.4 Instrumentação

Uma medida posterior pode variar de uma medida anterior pela variação do instrumento de medida

e/ou das condições nas quais o primeiro teste foi aplicado. Exemplo clássico: você aplica dois testes

sem verificar se eles realmente estão medindo a mesma coisa.

4.2.5 Seleção

Se os sujeitos são distribuídos em diferentes grupos de qualquer modo que não o aleatório, resultarão

diferenças sistemáticas entre os grupos que podem ter efeitos no desempenho.

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Por exemplo, você está fazendo uma pesquisa sobre a percepção que os sujeitos de dada comunidade

têm sobre a AIDS. Para isto, você seleciona para uma entrevista vários indivíduos que tiveram pessoas

de suas relações contaminadas pelo vírus. É claro que a percepção destas pessoas será totalmente

diferente da percepção das pessoas que não foram diretamente afetadas pela doença e os resultados da

pesquisa serão mascarados por este fator.

4.2.6 Mortalidade

Perdas de respondentes entre os grupos sendo comparados é outra fonte de não validade interna. Se

alguns dos sujeitos analisados na primeira medida saem do experimento antes da medida final, as

características dos grupos não mais serão as mesmas e estas diferenças podem ter efeitos diretos no

desempenho final.

Imagine uma pesquisa na qual você esteja interessado em analisar a percepção sobre o futebol no Rio

Grande do Sul. Para isto você seleciona um número de torcedores composto metade a metade por

gremistas e colorados, para duas entrevistas, separadas no tempo por três meses. No entanto, como o

Internacional foi desclassificado no meio do campeonato, os colorados se desinteressam de

comparecer a uma segunda entrevista. Neste caso, o não comparecimento dos colorados alterará as

conclusões a que você poderá chegar somente contando com os gremistas.

4.2.7 Regressão

Se um grupo de sujeitos é selecionado a partir de seu desempenho em uma dada medida, as

imperfeições daquela medida podem produzir um deslocamento sistemático para a média quando os

escores são tomados após aquela mesma medida. Este é um efeito estatístico e pode se manifestar, por

exemplo, na situação onde um grupo de alunos passa por um tratamento especial por ter ido mal em

uma prova. A média do grupo assim formado apresenta uma tendência de se deslocar para o valor

médio do grupo original.

4.2.8 Efeitos de interação entre os vários fatores

Qualquer um dos fatores acima mencionados pode interagir com o tratamento experimental e produzir

efeitos que mascaram o real efeito do tratamento. Por exemplo, a pré-testagem pode sensibilizar o

sujeito somente quando for seguida pelo tratamento X. Ou os tipos de sujeitos que abandonam o

estudo (mortalidade) podem diferir entre o grupo recebendo o tratamento e o grupo que não recebe o

tratamento X.

A Figura 20 mostra os fatores que afetam a validade interna de pesquisas empíricas experimentais.

4.3 Fatores de Validade Externa

Como dissemos, os fatores de validade externa dizem respeito ao grau de generalização dos resultados

obtidos durante a pesquisa. Em pesquisas não experimentais (normalmente associadas com

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metodologias qualitativas) esses fatores não são críticos, pois os resultados obtidos a partir desse tipo

de pesquisa são de difícil generalização ou, como já dissemos, a generalização é descartada a priori.

A extensão e o modo pelo qual os resultados de um experimento podem ser generalizados a diferentes

sujeitos, condições, experimentadores e, possivelmente, testes é chamada de validade externa do

experimento. Podemos relacionar os pontos de estrangulamento que restringem a validade de um

experimento às condições nas quais o experimento se realizou. Estes pontos de estrangulamento da

validade externa de um experimento podem ser agrupados em duas classes: validade de população e

validade ecológica. Estas duas classes são bastante gerais. Passaremos agora a analisar cada uma

delas.

4.3.1 Validade de População

Falamos de Validade de População quando lidamos com fatores ligados à generalização dos

resultados a populações de sujeitos das quais a amostra foi retirada:

Que tipo de sujeito pode ser esperado comportar-se do mesmo modo como o fez a

amostra experimental?

População experimentalmente acessível vs. população alvo

A generalização da população de sujeitos que é disponível ao experimentador (a população acessível)

para uma população de sujeitos sobre a qual ele está interessado (a população alvo) exige um

conhecimento detalhado das características de ambas. Os resultados de um experimento podem

aplicar-se somente para aqueles tipos especiais de pessoas das quais os sujeitos pertencentes ao grupo

experimental foram selecionados e não a uma população qualquer.

Interação de variáveis pessoais e efeitos do tratamento

Se a superioridade de um tratamento experimental sobre outro puder ser revertida quando sujeitos

em diferentes níveis de alguma variável descritiva forem expostos ao tratamento, então existe uma

interação dos efeitos do tratamento com variáveis de caráter pessoal.

4.3.2 Validade Ecológica

Este tipo de validade lida com variáveis ligadas ao ambiente do experimento. Sobre quais condições,

isto é, parâmetros, tratamentos, experimentadores, variáveis dependentes, etc., podem os mesmos

resultados ser esperados?

Descrição explícita da variável independente

A generalização e repetição do experimento e seus resultados pressupõe um conhecimento completo

de todos os aspectos do tratamento e condições experimentais.

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Interferência de múltiplos tratamentos

Quando dois ou mais tratamentos são administrados consecutivamente às mesmas pessoas dentro do

mesmo ou de diferentes estudos, é difícil, se não mesmo impossível algumas vezes, identificar as

causas dos resultados experimentais ou generalizar os resultados a condições nas quais somente um

dos tratamentos está presente.

Interação sujeito - experimento (Efeito Hawthorne)

O comportamento do sujeito pode ser influenciado parcialmente por sua percepção do experimento e

de como ele poderia responder aos estímulos experimentais. Sua consciência de participação em um

experimento pode precipitar comportamentos os quais não ocorreriam em condições não percebidas

como experimentais.

Fatores novidade e mudança

Os resultados experimentais podem ser devidos, parcialmente, à quebra da rotina ou ao entusiasmo

gerado pela novidade do tratamento. O efeito de algum programa novo em condições onde variações

são comuns pode ser muito diferente do efeito em condições onde muito poucas variações são

experimentadas.

Influência do experimentador

O comportamento dos sujeitos pode ser influenciado não intencionalmente por certas características

ou comportamentos do experimentador. As expectativas do experimentador podem também

influenciar a aplicação do tratamento e as observações do comportamento dos sujeitos.

Sensibilização devido ao pré-teste

Quando um pré-teste foi administrado, os resultados experimentais podem parcialmente ser resultado

da sensibilização ao conteúdo do tratamento. Os resultados do experimento podem não ser aplicáveis a

um segundo grupo de sujeitos que não foram pré-testados.

Sensibilização devido ao pós-teste

Efeitos do tratamento podem ser latentes ou incompletos e aparecer somente quando um teste pós-

experimental for aplicado. O pós-teste pode clarear alguns pontos.

Interação entre História e Tratamento

Os resultados podem ser unicamente devidos a eventos estranhos ao tratamento que ocorreram

paralelamente à aplicação do mesmo.

Medidas da variável dependente

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A generalização dos resultados depende da clara identificação das variáveis dependentes e da seleção

dos instrumentos para medir estas variáveis.

Interação entre o tempo de medida e o tratamento

Medidas da variável dependente em dois instantes de tempo diferentes podem produzir resultados

diferentes. Certo efeito do tratamento observado imediatamente após sua aplicação pode não ser

observado algum tempo depois, e vice-versa.

Interação entre a seleção e o tratamento

Se estivéssemos conduzindo um experimento dentro de uma escola específica, usando distribuição

aleatória dos sujeitos entre os grupos experimental e de controle, poderíamos não nos preocupar

muito com o efeito principal: a própria escola. Se, por outro lado, existissem características da escola

que influenciassem o tratamento experimental de modo que esse fosse mais ou menos efetivo do que o

seria quando aplicado em outra população alvo pertencente a outra escola, isto poderia ser um

problema sério para a generalização dos resultados obtidos.

Interação entre a instrumentação e o tratamento

São aqueles efeitos associados à influência da instrumentação de medida sobre os resultados do

tratamento. Por exemplo, a análise de uma entrevista clínica sabendo se o sujeito era do grupo

experimental ou de controle.

Interações estatísticas

Interações estatísticas não são aquelas entre indivíduos ou grupos, mas são aquelas entre variáveis

independentes. Questões sobre a generalidade dos resultados podem ser vistas como questões sobre os

efeitos de interação. Por exemplo, a presença de interação entre o tratamento (isto é, a variável

independente primária) e o que o pesquisador espera como resultado do tratamento é evidência de

falta de possibilidade de generalização do estudo. Validade externa exige a ausência de interações

entre a principal variável independente do estudo e as condições de pesquisa na variável dependente.

Para uma interpretação mais fácil, gráficos são muitas vezes traçados para mostrar efeitos de

interação. Neste tipo de gráfico, a variável dependente é traçada no eixo vertical. Uma das variáveis

independentes (notas, por exemplo) é traçada no eixo horizontal. Os escores médios de ambos os

grupos são então traçados, deste modo obtendo-se duas linhas.

Linhas paralelas indicam uma diferença constante e falta de interação. Interações são medidas em

diferenças – por linhas não paralelas – e não por se alguma diferença é para mais ou para menos.

Naturalmente, se linhas se cruzam deve existir interação presente na amostra dos dados sendo

mostrados, mas cruzamento de linhas não é requerido para que haja interação, basta que sejam não

paralelas.

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Raramente estamos interessados em um grupo particular de sujeitos: queremos generalizar nossos

resultados para populações reais ou hipotéticas. Testes de significância de interações dão-nos uma

estimativa da probabilidade de que nossos resultados, tais como o não paralelismo das linhas em nossa

amostra de dados, reflitam o resultado da população como um todo. Isto é, a tradicional hipótese nula

é a de que não haja interação entre as populações, e a questão é se a interação que obtivermos em

nossa amostra é pequena o suficiente para ser consistente com essa hipótese nula. A análise da

variância é o teste mais comumente usado para verificar a significância estatística da interação.

Problema: Suponhamos que os escores mostrados na Tabela 1 para o pós-teste, fossem obtidos em um

experimento com estudantes dos sexto ao oitavo ano. O mesmo tratamento foi aplicado aos grupos

experimentais nos três anos.

Tabela 1 - Tabela de escores médios em três turmas do ensino fundamental.

Série Grupo Experimental Grupo de Controle

Sexto ano 67,7 29,1

Sétimo ano 48,0 24,9

Oitavo ano 45,6 28,1

A questão a ser respondida é: houve ou não interação estatística? Sugestão: representar graficamente

estes dados, colocando as séries em um eixo e as médias em outro. Linhas paralelas indicarão ausência

de interação estatística e as linhas não paralelas evidenciarão a existência de interação estatística.

Figura 21 – Exemplo de gráfico de interação estatística.

Novamente, sugerimos ao leitor interessado neste tipo de pesquisa mais quantitativa a consulta à obra

Moreira e Rosa(2013).

6,0 6,5 7,0 7,5 8,0

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

Escore

s

Ano

Grupo Experimental

Grupo de Controle

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Capítulo 5. Delineamentos de pesquisa sem intervenção

Os Delineamentos de pesquisa sem intervenção são os mais diversos, não sendo correto dizer-se que

existe o Delineamento de pesquisa sem intervenção. Exploraremos aqui apenas as características de

alguns deles, os mais usados na área de Ensino. Deste modo, alguns Delineamentos de pesquisa

importantes em outros ramos das Ciências Sociais não serão abordados como, por exemplo, a Pesquisa

Etnográfica, bastante usada na Antropologia.

Aqui, nos deteremos nos delineamentos de pesquisa sem intervenção mais utilizados:

1. Análise Documental;

2. Observação Direta;

3. Estudo de Caso;

4. Observação Participante;

5. Pesquisa Participante;

6. Pesquisa Ação;

7. Grupos Focais.

Normalmente, os registros obtidos pelo pesquisador que faz uso deste tipo de delineamento são

obtidos por Instrumentos de Coleta de Registros propícios para serem associados a Técnicas de

Análise de Dados qualitativas. Convêm, neste momento, separar estes dois conceitos. Os Instrumentos

de Coleta de Registros são as ferramentas que utilizamos para coletar registros sobre a realidade

estudada. As Técnicas de Análise de Registros são as ferramentas que utilizamos para extrair

informações dos registros coletados, transformando-os em dados que nos permitirão construir nossos

juízos de conhecimento.

Os Instrumentos de Coleta de Registros mais utilizados nas pesquisas de caráter qualitativo em Ensino

são:

1. Questionários;

2. Entrevistas;

3. Opinários;

4. Caderno de Campo;

5. Testemunhos de Vida;

6. Testes;

7. Filmagens.

Dentre as Técnicas de Análise de Registros, a Análise de Conteúdo Categorial é das mais utilizadas.

Analisaremos neste capítulo os diferentes Delineamentos de Pesquisa Sem Intervenção, deixando para

o próximo a descrição dos Instrumentos de Coleta de Registros e, em outro, das Técnicas de Análise de

Registros. Mas, primeiro, vamos analisar as características de uma pesquisa qualitativa.

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5.1 Características da Pesquisa Qualitativa sem intervenção

Este tipo de pesquisa se caracteriza por ser de natureza interpretativa. O pesquisador deve interpretar

os registros obtidos a partir da pesquisa tendo como base a sua matriz cultural e seu referencial

teórico. Para isso, neste tipo de pesquisa, o pesquisador deve estar imerso no universo estudado.

Segundo Patton (1980) e Glazier (1992), apud Dias (2011), os registros em pesquisas qualitativas são

obtidos a partir de:

Descrições detalhadas de fenômenos, comportamentos;

Citações diretas de pessoas sobre suas experiências;

Trechos de documentos, registros, correspondências;

Gravações ou transcrições de entrevistas e Discursos;

Dados com maior riqueza de detalhes e profundidade;

Interações entre indivíduos, grupos e organizações.

Um aspecto fundamental de todas as metodologias de pesquisa qualitativa sem intervenção é a

intencionalidade de estudar os sujeitos em estado natural, ou seja, o pesquisador não retira os

indivíduos estudados de seu contexto, tampouco altera este contexto, uma vez que este contexto

determina as atitudes e respostas dos sujeitos18.

Este é um ponto sobre o qual devemos nos deter mais. Vemos muitos trabalhos serem chamados por

seus autores como trabalhos qualitativos apenas porque usam Análise de Conteúdo Categorial, por

exemplo, como ferramenta de análise dos dados. Usam este termo como sinônimo de delineamentos

sem intervenção, fugindo da “alcunha” de pesquisa empírica, quando de fato fazem uma intervenção no

ambiente, o modificando em relação ao seu estado natural. Esquecem, por vezes, que a simples

presença do pesquisador já é uma intervenção e o simples fato de os sujeitos saberem que estão sendo

observados modifica seus comportamentos. Devemos insistir na diferenciação entre um delineamento

empírico, no qual o pesquisador observa a realidade in loco, o qual pode ser um delineamento de tipo

experimental com intervenção, empírico não experimental com intervenção, um delineamento

empírico não experimental sem intervenção e delineamentos não empíricos (sem intervenção alguma,

portanto, não podem ser experimentais). É sobre estes últimos tipos que nos deteremos aqui, nos

delineamentos sem intervenção, empíricos ou não. Em todos os casos listados, o que torna a pesquisa

qualitativa ou quantitativa é como os dados são construídos e como os dados são analisados.

5.2 Análise Documental

Nesse tipo de pesquisa, buscamos em documentos as informações que necessitamos. Embora não seja

uma forma de pesquisa empírica, nosso foco neste texto, a Análise Documental é importante como

técnica de pesquisa, e nos interessa particularmente por duas razões:

Este tipo de pesquisa pode ser um fim em si mesmo; e,

18 Naturalmente que a questão da alteração do estado natural pela simples presença do pesquisador está sempre presente.

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Esse tipo de pesquisa é, normalmente, a etapa inicial de uma pesquisa empírica.

No primeiro caso, é utilizada como ferramenta de coleta de registros para um trabalho de pesquisa

baseado na interpretação de documentos. No segundo caso, a análise documental é utilizada para que o

pesquisador tenha noção do estado da arte no seu campo de pesquisa: o que já foi realizado? Quais os

principais resultados que já foram obtidos por outros pesquisadores? Que metodologias já foram

utilizadas para estudar este assunto? Etc.

Podemos dividir esse tipo de pesquisa em dois grupos (veja a Figura 22):

1. Pesquisa em fontes primárias

Documentos primários são os documentos produzidos ao longo do processo que se quer estudar pelos

participantes dos eventos.

Exemplo: uma pesquisa em que queremos saber quais foram as políticas públicas

em relação à Educação a Distância nos últimos 100 anos. Nesse caso, fontes

primárias seriam documentos do Ministério da Educação que tratem do assunto,

leis publicadas no período (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por exemplo),

transcrições de debates no Congresso Nacional, cartas trocadas entre gestores

da educação no país que tratem do tema, etc.

2. Pesquisas em fontes secundárias

Fontes secundárias são aquelas que comentam, citam, informam sobre o conteúdo das fontes

primárias.

Exemplo: em uma pesquisa sobre a delinquência juvenil na escola a tese de

doutorado de alguém que estudou o problema pode ser uma fonte secundária

sobre o tema.

Figura 22 – Visão esquemática da Análise Documental.

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Naturalmente que, em pesquisas documentais, a preferência deve ser dada às fontes primárias. Certa

vez, perguntado sobre o que alguém deveria ler para entender Shakespeare, Mário Quintana19

respondeu simplesmente: leia Shakespeare!

A metodologia da pesquisa documental envolve quatro momentos:

1. Definição das palavras-chave

Escolha um conjunto de palavras-chave. Este conjunto deve ser composto por

palavras do campo de interesse da pesquisa. Use de vinte a trinta palavras ou

expressões. Caso este número se mostre inadequado, o altere. Estas palavras ou

expressões irão orientar o processo de seleção dos documentos que comporão o

corpus da pesquisa;

2. Definição do escopo

Defina a priori o escopo da pesquisa, ou seja, responda às seguintes questões:

Que tipo de documento será buscado?

Qual o intervalo de tempo será pesquisado?

Quais fontes dos documentos serão pesquisadas?

Quais campos dos documentos serão analisados em busca das

palavras-chave?

3. Seleção do corpus

Tendo definido as palavras-chave e o escopo da pesquisa documental, colete os

documentos que atendam a esses critérios. Por exemplo, se você selecionou os

campos Título e Resumo de artigos científicos em um conjunto de revistas sobre o

Ensino de Física, busque nas revistas selecionadas todos os artigos que atendam

seu critério de busca. Nesta fase, os artigos não são lidos, apenas lemos os campos

previamente selecionados na etapa dois.

4. Análise

Esta é a fase na qual lemos os documentos coletados e buscamos as informações

desejadas. Você usará aqui uma das ferramentas de análise de registros que

descreveremos mais adiante. O processo de análise passa pelo fichamento dos

textos coletados (elaboração de fichas de leitura para cada um dos documentos

coletados).

Um instrumento bastante útil para a pesquisa documental é a ficha de leitura. Antigamente, a ficha de

leitura consistia de um cartão no qual os dados bibliográficos relevantes (autor, nome do livro ou título

do trabalho, data de publicação, etc.) e as ideias principais para futura referência eram anotados.

Entretanto, nos tempos modernos isto não se justifica mais.

19 Poeta gaúcho (1906 – 1994).

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Embora o termo fichamento remeta à ficha de leitura (papel), nos dias de

hoje não se justifica mais este tipo de suporte para esta tarefa. Use um

banco de dados (como os normalmente encontrados em pacotes para

escritório) para criar suas fichas de leitura. A vantagem de usar esta

ferramenta é a possibilidade de recuperar rapidamente a informação por

meio da busca por palavras-chave.

É muito importante nesse tipo de pesquisa a anotação sistemática de tudo que for relevante para o

trabalho. Não confie na sua memória para guardar esse tipo de informação.

Uma boa ficha de leitura deve conter os seguintes elementos do texto:

Título do documento;

Autores do documento;

Local de publicação do documento (quem publicou, meio de divulgação, dados do meio de

divulgação, etc.);

Data de publicação do documento;

Resumo do documento: assunto sobre o qual trata o documento, hipóteses de trabalho,

modelo utilizado, metodologia do trabalho, principais conclusões do trabalho;

Sua opinião sobre o trabalho e de como este trabalho se relaciona com seu próprio

trabalho e com outros que foram analisados.

Podemos indexar as fichas de várias maneiras. Hoje, com os bancos de dados relacionais, podemos

criar índices que cubram as quatro categorias abaixo, a busca sendo feita pelo próprio banco de dados.

Deste modo, as categorizações abaixo indicam mais a forma como vamos buscar a informação no banco

de dados do que propriamente do processo de catalogação.

1. Por autor - nesse caso teremos uma ficha para cada autor. Desse modo, todas as referências

a um determinado autor estarão em uma mesma ficha. Essa forma é bastante útil quando

estamos estudando vários autores. Por exemplo, em um trabalho no qual analisamos as

concepções sobre o papel do professor que aparecem nos trabalhos dos cognitivistas, teríamos

uma ficha para Piaget, outra para Vygotsky, outra para Wallon, etc.

2. Por assunto - indexamos por assunto, colocando em uma mesma ficha todas as referências

ao assunto tratado. Essa é a forma mais adequada em trabalhos que envolvam vários temas.

Assim, por exemplo, em um trabalho sobre as várias escolas psicológicas (cognitivismo,

comportamentalismo, humanismo, etc.) e sua influência na concepção de educação à distância

teríamos uma ficha para o cognitivismo, outra para o comportamentalismo e assim por diante.

3. Por data - o índice de entrada nesse caso é a data de publicação do assunto. Em um trabalho

no qual analisamos o papel da imprensa como formadora de opinião sobre determinado tema

podemos organizar por ano as nossas anotações.

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4. Por obra - nesse caso temos uma ficha por obra consultada. Essa não é a melhor forma de

fazer análise documental, as formas anteriores sendo melhores. No entanto, essa forma de

ficha de leitura é das mais difundidas.

Hoje em dia, as pesquisas na Internet são bastante comuns. Não se esqueça de anotar na ficha de

leitura a data em que a página foi acessada.

Você deve observar que uma ficha de leitura bem escrita fornece a base do texto que você vai produzir

sobre o assunto. Além disso, quanto mais completas forem as fichas de leitura, mais fácil ficará

escrever o capítulo de revisão da bibliografia do seu trabalho.

A análise documental termina, normalmente, pela construção de um texto no qual relatamos a revisão

que foi feita. Tendo por base as fichas de leitura elaboradas, podemos construir o texto de revisão de

duas maneiras: Crônica ou Síntese. Na primeira, tipo Crônica, descrevemos quem fez o quê. Neste tipo

de texto, descrevemos o que cada um dos trabalhos analisados produziu: qual pergunta respondeu,

qual metodologia usou, quais resultados obteve e assim por diante. Indexações por autor, obra ou data

são as mais utilizadas quando queremos fazer este tipo de revisão. No segundo tipo de análise, tipo

Síntese, procuramos sintetizar resultados semelhantes obtidos em diferentes trabalhos, apontando

similaridades e divergências entre eles. Aqui, queremos construir uma visão geral sobre o campo de

estudo. Neste caso, a indexação por assunto é a que deve ser utilizada. O texto tipo Crônica é mais

simples e fácil de produzir do que o texto tipo Síntese. Contudo, este último torna a leitura mais

agradável e nos dá um conhecimento mais sistemático do assunto. A Figura 23 mostra

esquematicamente estes dois tipos de relatos.

Figura 23 – Natureza dos relatos da Análise Documental.

Um último comentário:

O texto de revisão deve ser seu. Transcreva o mínimo possível dos textos que você

consultou. Leia-os, reflita sobre eles e descreva o que eles obtiveram.

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5.3 Observação direta

A Observação Direta se caracteriza pela presença do observador no ambiente do grupo estudado sem

que haja por parte dele uma proposta de intervenção. Na Observação Direta o pesquisador é alguém

externo ao grupo pesquisado (o que diferencia esta metodologia da Observação Participante)20.

O pesquisador está ali somente para coletar dados em tempo real, enquanto os processos de interesse

se desenvolvem dentro do grupo.

Bastante usada em pesquisas de campo, esse tipo de pesquisa exige que o observador permaneça junto

ao grupo observado. Naturalmente, esse delineamento pode apresentar vieses nos resultados obtidos,

pois nunca se sabe se a presença do observador alterou ou não o comportamento observado. Devemos

ressaltar que a Observação Direta pode ser feita também se usarmos meios eletrônicos. Por exemplo,

se filmamos o comportamento a ser estudado.

Sua metodologia de trabalho é bastante parecida com a do Estudo de Caso. Por essa razão, deixaremos

para descrevê-la quando estudarmos o Delineamento tipo Estudo de Caso.

Um exemplo desse tipo de pesquisa é a observação dos comportamentos no

horário da recreação, em uma pesquisa na qual estudamos o comportamento

afetivo de jovens em escolas de periferia.

Um pressuposto da Observação Direta é a “objetividade” do observador. Mas, até que ponto esta

“objetividade” é possível? Isto nos leva a discutir o Positivismo e sua influência nas Ciências Sociais.

5.4 Intermezzo – O Positivismo e sua influência nas ciências físicas e a

pesquisa empírica

A metodologia de pesquisa empírica das ciências exatas foi transposta sem alterações para o campo

das Ciências Sociais durante o final do século XIX e início do século XX. Esta metodologia de pesquisa

levou para o campo das Ciências Sociais a filosofia das Ciências Exatas de encarar o sujeito da pesquisa

(pesquisador) e o objeto da pesquisa (pesquisado) como entes separados e não dependentes um do

outro. O olhar do observador deveria ser objetivo, não interferindo no comportamento do ente

observado. Ideologicamente, esta postura nega o caráter político – ideológico da pesquisa e, com isso, a

possibilidade de transformação social.

20 Aqui devemos chamar a atenção que usamos uma terminologia diferente da de outros textos de Metodologia da Pesquisa Qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 1991): o que chamamos de Observação Direta, para eles é Observação Participante.

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Figura 24 – A evolução da humanidade segundo o Positivismo.

O cientista duro não vê, normalmente, qualquer tipo de viés ideológico no seu trabalho rotineiro. Para

ele, se houver algum traço ideológico cercando seu trabalho, esse é relacionado ao uso que será feito de

sua descoberta. É comum ouvirmos de físicos, por exemplo, a metáfora da faca: o erro não está em

produzir a faca, que pode ser usada tanto para cortar o pão ou para matar uma pessoa, mas sim no uso

que os outros fazem dela. Ou seja, nas ciências exatas foi construído o mito de neutralidade científica:

cabe ao cientista pesquisar o que “quiser”, não devendo se preocupar com os possíveis usos de suas

descobertas. O cientista, usualmente, não questiona a razão de os problemas de pesquisa serem o que

são e, tampouco, o porquê de as agências de financiamento lançarem editais apoiando certas áreas e

não outras.

Ao longo do final do século XX, estes aspectos foram questionados e surgiram novas concepções do que

viria a ser a metodologia da pesquisa em Ciências Sociais. Para entendermos o que vem a ser essa nova

maneira de fazer pesquisa em Ciências Sociais, precisamos ter em mente quais os pressupostos

(ideológicos, principalmente) da pesquisa empírica.

5.4.1 O Positivismo e sua influência nas ciências físicas

O Positivismo surgiu no século XIX por meio de Auguste Comte (1798 – 1857) como uma filosofia

capaz de dar suporte teórico à dominação das camadas mais desfavorecidas economicamente pela

burguesia industrial já estruturada e o capitalismo.

Figura 25 – A fase científica da evolução da humanidade.

Para Comte, a Humanidade evolui em três etapas ou fases. A primeira fase é a fase Teológica. Nesta

fase, as explicações para as observações feitas pelo Homem são de caráter teológico. É a fase do mito e

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da religião. A segunda fase é a Metafísica, na qual as explicações para estas mesmas observações

assumem caráter filosófico, sendo dada ênfase à explicação das causas dos eventos. A terceira fase da

evolução é a Científica. Neste período, as explicações são de caráter científico, com a ciência buscando

uma explicação não das causas, mas das relações entre dois eventos. Para Comte, na fase científica o

poder político deve ser exercido pelo sábio (definido como Homem de Ciência) cuja função é organizar

o Estado e distribuir a riqueza para as classes menos favorecidas, porém sem alterar a ordem vigente.

Este pensamento leva a uma visão hierarquizada e elitizada do todo social. A propriedade privada e a

posse da riqueza por parte de alguns é vista como apenas um momento histórico do fluxo da riqueza,

que deve voltar ao todo social com o passar do tempo21.

A obtenção de uma sociedade positiva, entretanto, primeiro deve passar pela criação do Homem

Positivo, por meio de uma reforma intelectual do Homem, o que levaria a uma reformulação da

sociedade. Este desígnio leva Comte a criar a Religião da Humanidade.

Figura 26 - A Ciência Positiva.

Dentro deste quadro, a ciência é vista como instrumento de análise e controle, tanto do mundo físico

como do meio social. Ver para prever é o lema positivista. O cientista positivo é aquele que se mantém

alheio ao processo investigado, procurando estudar apenas as relações envolvidas no objeto de estudo.

Como cada ciência estuda apenas uma parte da realidade, a visão geral do Universo será obtida se

metodologia idêntica for aplicada a todos os campos de estudo, produzindo convergência e

homogeneidade dos resultados. A Sociologia assume para Comte o papel de ciência final e integradora,

pois estuda o mais complexo: o corpo social. Esta Sociologia se dividirá em duas partes: a Estática

Social, que estudaria o que existe de constante dentro da sociedade, e a Dinâmica Social, que se

preocuparia com o estudo das leis do desenvolvimento social. A primeira leva à necessidade da ordem

e a segunda ao processo dentro da ordem.

A partir desta visão, a função do Estado é promover a incorporação do proletariado à sociedade

moderna em funções técnicas.

21 Houve um ministro nos anos 1970 que, ao defender a concentração de renda, dizia que era preciso esperar o bolo crescer para depois dividi-lo.

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Diz Comte (1978):

O povo só pode interessar-se essencialmente pelo uso efetivo do poder, onde quer

que resida, e não por sua conquista especial... Numa palavra, o povo está

naturalmente disposto a desejar que a vã e tempestuosa discussão dos direitos

seja, enfim, substituída por uma fecunda e salutar apreciação dos diversos

deveres essenciais, quer gerais, quer especiais... (p 85 -86)

Figura 27 – Características do cientista positivo.

5.4.1 A Pesquisa Etnográfica

O positivismo quando aplicado às ciências físicas provou dar resultados quanto à aquisição de

conhecimentos. O fato de o cientista analisar um sistema físico imparcialmente é útil para a descoberta

das leis que governam a matéria. Contudo, se o objeto de estudo são grupos sociais, será útil este

isolamento científico proposto pelo Positivismo? É a pesquisa empírica, nos moldes positivistas,

eficiente e eficaz quando aplicado ao social?

Essas questões começaram a ser colocadas já no final do século XIX por antropólogos e sociólogos

descontentes com os rumos tomados pelas ciências sociais. A Antropologia no final daquele século era

feita a partir do relato de viajantes e missionários que tinham convivido durante algum tempo entre os

selvagens. A partir destes relatos, o antropólogo fazia a sua construção teórica.

Este tipo de construção começou a ser questionada por Malinowski (1978) que propõe outra

metodologia de pesquisa, chamada Pesquisa Etnográfica. O antropólogo para Malinowski deve

imiscuir-se na vida tribal para a apreensão das estruturas que organizam e regulam a sociedade

estudada. Todavia, apesar de pregar a participação do antropólogo na vida tribal, o mesmo não deve

interferir na vida da sociedade, ou deve fazê-lo o mínimo possível, mantendo o seu distanciamento

objetivo.

Diz Malinowski (1978):

O objetivo fundamental da pesquisa etnográfica do campo é, portanto,

estabelecer o contorno firme e claro da constituição tribal e delinear as leis e os

padrões de todos os fenômenos culturais, isolando-os de fatos irrelevantes.

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Em relação ao método adequado para observar e registrar estes aspectos

imponderáveis da vida real e do comportamento típico, não resta dúvida de que

a subjetividade do observador interfere de modo mais marcante do que na coleta

de dados etnográficos cristalizados. Porém, mesmo neste particular, devemos

empenhar-nos no sentido de deixar que os fatos falem por si mesmos. Se, ao

fazermos nossa ronda diária na aldeia, observamos que certos pequenos

incidentes, o modo característico como os nativos se alimentam, falam,

conversam e trabalham, ocorrem repetidamente, ..., devemos registrá-lo o

quanto antes.

Por outro lado, neste tipo de pesquisa, recomenda-se ao etnógrafo que de vez em

quando deixe de lado a máquina fotográfica, lápis e caderno e participe do que

está acontecendo. (p. 24 e 31)

Figura 28 – Metodologia da Pesquisa Etnográfica

Embora em Malinowski o sujeito da pesquisa e o objeto da pesquisa estejam dissociados, é nele que

surge pela primeira vez a ideia de explicar a cultura por meio da lógica e da ótica da própria cultura.

Contudo, esse objetivo não pode ser plenamente alcançado, uma vez que esta explicação é uma

reconstrução racional por parte do antropólogo, o qual nunca pode olhar a cultura de dentro, já que a

análise do antropólogo parte de sua matriz cultural.

Figura 29 – Características do Relatório de Campo na Pesquisa Etnográfica.

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A outra vertente, por assim dizer, da pesquisa participante surge com Marx (1978) e poderíamos

chamá-la de Participação da Pesquisa.

A pesquisa, em Marx, assume um papel político. Marx não fez pesquisa etnográfica, no sentido de

Malinowski; a pesquisa para ele está intimamente relacionada ao seu projeto de transformação social.

A pesquisa é um instrumento de ação política, e não um fim em si mesmo, como no positivismo.

Convém destacar que tanto em Marx como em Malinowski a distinção sujeito – objeto da pesquisa é

marcante e determinante do tipo de pesquisa a ser feita e do resultado obtido.

5.4.2 Dinâmica Social: aspectos dialéticos

Marx aponta para a necessidade de buscar na História e nos fatores econômicos as causas da situação

atual e uma destinação política para a pesquisa. Entretanto, sua análise ainda é positivista, no sentido

de que Marx estuda o movimento social de fora, a partir de uma ótica intelectual que busca explicações

para a situação apresentada pelo movimento social de seu tempo. O operariado, objeto da pesquisa,

participa dela por meio da resposta a questionários. É uma pesquisa individual.

Por outro lado, a observação participante de Malinowski objetiva a obtenção de uma fotografia social,

como se as instituições fossem estáticas, sem alteração temporal, evolução. No entanto, as relações

entre grupos sociais possuem, como maior característica, a dinamicidade, sendo o conjunto das

relações sociais um constante vir a ser, em uma relação dialética entre a aparência (o que é visto,

resultado) e a essência (o que é), mediada pelo processo em determinada sociedade. Este vir a ser

constante não pode ser apreendido de fora, a partir de uma posição de isolamento crítico e analítico,

mas nasce da vivência da práxis, a partir de uma visão de quem é interno ao grupo e que tem por

objetivo sua transformação.

Esse aspecto dialético, portanto, não pode ser apreendido pela pesquisa nos moldes positivistas, pelas

próprias características e pressupostos desta, tanto por sua ideologia como pelos seus aspectos

metodológicos, daí a necessidade de outro tipo de pesquisa. Esse novo tipo de pesquisa deve desvelar e

compreender o aspecto dinâmico do social, paralelamente a seu lado estático, que nada mais é que o

congelamento de um momento histórico por meio de gráficos, tabelas, etc.

Figura 30 – Características da Observação Participante.

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5.5 Observação Participante

Esse tipo de pesquisa é bastante usado na análise de movimentos sociais. Nela, a fronteira entre o

pesquisador e o objeto da pesquisa não existe e o pesquisador, ao mesmo tempo em que reflete sobre o

tema, está inserido no contexto estudado por ser parte do universo estudado.

Na Observação Participante o pesquisador está inserido em um determinado grupo, no sentido de que

faz parte dele, participando das ações desse grupo, enquanto o observa. O pesquisador, como tal, não

interfere no que o grupo faz ou deixa de fazer, isto é, o pesquisador não sugere ações ao grupo porque

essas ações gerarão situações que deseja pesquisar. Ele contribui com o grupo como seu integrante.

Durante sua atuação como membro do grupo o pesquisador coleta os registros e os analisa, podendo

ou não devolver ao grupo os resultados obtidos.

Este último ponto é importante: o pesquisador desempenha dois papéis neste tipo de pesquisa, o de

membro do grupo e o de pesquisador. Como parte do grupo ele atua normalmente e como pesquisador

ele o observa. Não há intervenção do pesquisador no sentido de provocar reações do grupo, ele apenas

observa o grupo em seu habitat, registrando ações, atitudes, cadeias de decisão, etc.

É isto que difere a Observação Participante da Pesquisa Etnográfica e da Observação Direta, que

discutimos antes. Nestas, o pesquisador é alguém externo ao grupo estudado, que analisa este grupo a

partir de uma matriz cultural diferente da matriz cultural do grupo sob estudo. Na Observação

Participante, como o pesquisador é um membro do grupo, a análise parte sempre da matriz cultural do

grupo estudado. Em certo sentido, a análise na Pesquisa Etnográfica fornece uma análise externalista

do fenômeno, enquanto a Observação Participante fornece uma análise internalista.

5.6 Pesquisa Participante

Não existe uma definição precisa do que seja Pesquisa Participante. A própria denominação não é

consenso, sendo usadas, ainda, as expressões Pesquisa Participativa, Pesquisa Popular, etc. Muitas

vezes o termo Pesquisa Ação também é usado como sinônimo de Pesquisa Participante, uso com o qual

não concordamos. Permeando todas estas definições, existe um traço comum: é a ênfase no fato de que

pesquisadores e pesquisados são sujeitos de um trabalho comum. Uma definição possível, segundo

Borda (1980), apud WEBER et al. (1984), seria:

Pesquisa da ação voltada para as necessidades de populações que compreendem

operários, camponeses, agricultores e índios, as classes mais carentes nas

estruturas sociais contemporâneas, levando-se em conta suas aspirações e

potencialidades de conhecer e agir. É a metodologia que procura incentivar o

desenvolvimento autônomo (autoconfiante), a partir das bases e de uma relativa

independência do exterior.

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Outra definição é apresentada por Grossi (1981), apud WEBER et al. (1984):

... é um modo de pesquisa social mediante o qual se busca a plena participação

da comunidade na análise de sua própria realidade, com o objetivo de promover

a transformação social para o benefício dos participantes da pesquisa. Estes são

os oprimidos, marginalizados e explorados. Esta atividade é, portanto, atividade

educativa de pesquisa e ação social.

Figura 31 – Características da ideologia.

As principais diferenças entre a Pesquisa Participante e a pesquisa tradicional são:

1. A consciência em Pesquisa Participante de que a Estatística e a Matemática não são os

únicos caminhos para o conhecimento e a Ciência;

2. Para a Pesquisa Participante a dissociação sujeito - objeto da pesquisa é indevida, pois

o pesquisador (sujeito) faz parte da sociedade que investiga. Portanto, o

distanciamento e a frieza exigidos pelo positivismo são inatingíveis. Há produção

coletiva do conhecimento;

3. A Pesquisa Participante é a forma de ação orientada para projetos de transformação

social;

4. Para a Pesquisa Participante, o processo de conhecimento, na medida em que está

relacionado com a participação, está também com a concepção de sociedade, como

uma estratégia de uma ação possível efetiva, sendo um processo político localizado;

5. O aspecto básico da Pesquisa Participante é de que só a produção de conhecimento,

em uma ação concreta de transformação da realidade na qual as pessoas estão

inseridas, gera consciência sobre esta mesma realidade.

Para o que segue, precisamos entender o que significamos pelo termo ideologia. Este termo

designa certa forma de representar a realidade por meio de um conjunto de ideias. Ou seja, a

ideologia tem um caráter de abstração da realidade. Entretanto, diferentemente de outras formas

de representar a realidade, a ideologia tem um caráter político: a ideologia como um conjunto de

ideias representa a realidade a partir da visão de um grupo social específico, que tenta impor esta

forma de representar a realidade aos outros grupos sociais (classes). O conceito de classe é

fundamental aqui:

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Conjunto de indivíduos agrupados segundo algum critério (usualmente

econômico) e que partilham de interesses comuns.

É importante observar que a ideologia se manifesta pelas ideias que explicita, mas também pelas ideias

que não explicita. Em geral, temos várias ideologias em disputa dentro de determinada sociedade,

sendo dominante aquela defendida pelo grupo dominante naquele contexto histórico - social

particular. O grupo dominante pode ser composto por apenas uma classe ou por um conjunto de

classes que produzem acordos a partir de interesses momentâneos. Este grupo, ao se apropriar do

Estado, difunde a sua ideologia por meio de dois mecanismos: os Aparelhos Ideológicos do Estado, como

a Escola, e os Aparelhos Repressores do Estado, como os organismos policiais. Enquanto os Aparelhos

Ideológicos do Estado têm caráter doutrinário, procurando fazer com que os indivíduos adotem a

ideologia da classe dominante como a sua ideologia, os Aparelhos Repressores do Estado têm como

função reprimir os movimentos contrários à ideologia dominante e que podem, potencialmente, levar à

substituição da classe dominante por outra que se lhe opõe.

Figura 32 - Exemplos de classe.

Em uma pesquisa tradicional é possível, em princípio, mascarar a ideologia do pesquisador e/ou

instituição, não a expressando claramente, até o momento da utilização dos resultados, enquanto na

Pesquisa Participante o cientista é vinculado à comunidade por meio de um compromisso e esta a um

compromisso com sua própria realidade, estando a ideologia que dirige a pesquisa explícita desde o

momento em que o pesquisador opta por este tipo de pesquisa e vai se fortalecendo até a utilização

dos resultados.

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Figura 33 - Mecanismos ideológicos.

Na Pesquisa Participante não há separação entre a busca do conhecimento e a intervenção na

realidade, porque a ação de pesquisar não isola a ação de transformar, mesmo ao nível de consciência,

por exemplo.

Figura 34 – Relação entre classe dominante, Estado e ideologia.

Quando utilizada como instrumental de trabalho, por parte do Estado ou instituições ligadas ao poder,

a Pesquisa Participante será apenas uma forma de levar as pessoas a agirem segundo os objetivos

daqueles interessados em dirigi-las.

Na Pesquisa Participante, o pesquisador participa do grupo nesta condição, colocando suas habilidades

técnicas a serviço do grupo e interferindo no processo, apontando e discutindo temas a serem

pesquisados e métodos de análise dos dados. A decisão sobre quais as temáticas da pesquisa pertence

ao grupo, assim como a decisão sobre a metodologia a ser usada. Neste caso, os resultados da pesquisa

executada pertencem e devem, necessariamente, retornar ao grupo. De fato, a análise dos resultados

da pesquisa também deve ser feita pelo grupo, subsidiada pela competência técnica do pesquisador.

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Figura 35 – Participação do grupo pesquisado na definição a Pesquisa Participante.

Observe a diferença para a Observação Participante: naquela, o pesquisador não intervém na rotina do

grupo observado, enquanto que na Pesquisa Participante o pesquisador atua efetivamente e pode

sugerir mudanças na rotina do grupo.

Figura 36 – Metodologia da Pesquisa Participante.

Outro ponto importante, que diferencia a Observação Participante da Pesquisa Participante é a origem

da questão a ser pesquisada. Na Observação Participante, o pesquisador é quem define o tema da

pesquisa, de forma isolada e pessoal. Na Pesquisa Participante, o grupo define, juntamente com o

pesquisador, os temas a serem pesquisados.

Não se deve entender por isso que o pesquisador não possa apontar possíveis temas de pesquisa. Ele

pode e deve fazê-lo, como já dissemos. Contudo, cabe ao grupo pesquisado decidir se faz ou não a

pesquisa sobre estes temas.

A Pesquisa Participante é desenvolvida a partir do diálogo do pesquisador com o grupo pesquisado,

compreendendo quatro fases, tipicamente. A primeira fase da Pesquisa Participante é a Montagem

Institucional e Metodológica da Pesquisa. Nesta fase, o pesquisador discute o projeto de pesquisa

com a comunidade (a população e seus representantes). Também é nesta fase que o quadro teórico da

pesquisa é definido:

Quais os objetivos da pesquisa?

Quais hipóteses e métodos serão utilizados?

Que conceitos serão abordados?

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A delimitação da região a ser estudada é importante também. A seguir, passa-se ao processo de

organização da pesquisa que será desenvolvida:

Quais instituições e grupos participarão da pesquisa?

Quem cumprirá as diferentes tarefas?

Como as decisões serão tomadas?

Para finalizar esta parte, é necessário definir quem serão os pesquisadores e como os diferentes

grupos de pesquisa serão formados. Por fim, o cronograma e o orçamento das ações devem ser

produzidos.

A segunda fase da Pesquisa Participante é chamada de Estudo Preliminar da região e da População

Envolvida. Nesta fase, procuramos identificar as características da população que será alvo do estudo,

identificando as necessidades e os problemas daquela população. Estes problemas serão classificados

segundo categorias definidas pelo grupo de pesquisa (como a classe social, por exemplo). A

descentralização da pesquisa ocorre nesta fase. Ações típicas desta fase são: a descoberta do universo

dos pesquisados, o levantamento de dados socioeconômicos e um primeiro retorno da pesquisa ao

grupo envolvido.

A Análise Crítica dos Problemas Considerados Prioritários constitui a terceira fase. Como o

próprio nome diz, nesta fase os participantes, distribuídos em grupos de estudo e discussão, buscarão

analisar criticamente os problemas, analisando possíveis estratégias de superação.

Na quarta fase, Programação e Aplicação de um Plano de Ação, as ações planejadas são executadas

e a pesquisa propriamente dita acontece. Nesta etapa, as ações que foram delineadas nas etapas

anteriores serão executadas e o grupo recebe os resultados.

A Figura 37 ilustra o processo.

Figura 37 - Esquema operacional da Pesquisa Participante.

As deficiências que têm sido apontadas na metodologia da Pesquisa Participante, a partir da lógica da

ciência de caráter positivista, são:

Fase I: Institucional e

Metodológica da

Pesquisa.

Fase II: Estudo Preliminar

da região e da População

Envolvida.

Fase III: Análise Crítica dos

Problemas Considerados

Prioritários.

Fase IV: Programação e

Aplicação de um Plano de

Ação.

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1. Indefinições metodológicas específicas, pois não existem hipóteses, instrumentos de coleta

de dados, temática e problemática definidos a priori pelo pesquisador;

2. O caráter participante é local (realidades específicas), sendo difícil a generalização dos

resultados da pesquisa participante;

3. Há dependência no grau de motivação, do nível de comprometimento da comunidade,

sobretudo das possibilidades políticas do contexto no qual se insere a pesquisa.

Cellis (apud FREITAS FILHO, 1984) classifica os tipos de participação já tentados em Pesquisa

Participante:

1. Participação a partir da devolução da informação;

2. Participação a partir da coleta de dados;

3. Participação em todo o processo a partir de um tema escolhido pelo especialista;

4. Participação em todo o processo a partir de um tema proposto pela própria comunidade;

5. Participação na investigação a partir da ação educativa.

A Pesquisa Participante impõe uma redefinição do paradigma geral da ciência e sugere uma nova

demarcação do que seja investigação científica: seu produto específico (teoria ou prática social) e sua

função social.

Ao mesmo tempo em que cumpre alguns dos critérios mais ou menos aceitos como científicos pelas

diversas correntes metodológicas (consistência e coerência, por exemplo), a Pesquisa Participante

deixa de produzir, pelo menos no nível de exigência destas mesmas correntes metodológicas, teorias

explicativas mais abrangentes da realidade.

A reflexão sobre a cientificidade da Pesquisa Participante indaga, necessariamente, se os critérios

aceitos nos moldes tradicionais de investigação da realidade social são os únicos a serem pensados

como científicos.

A Pesquisa Participante se desenvolveu mais em sociedades que apresentaram regime político

autoritário ou alto grau de desigualdade social. Nesses contextos, não só a Pesquisa Participante, como

a ação transformadora que a justifica, são práticas sociais alternativas, reprimidas ou toleradas, tal

como a participação geral da sociedade civil nas decisões do Estado.

5.7 Pesquisa Ação

O termo Pesquisa Ação tem duas acepções. A primeira, ligada aos movimentos sociais das décadas de

60 a 90, principalmente em países de terceiro mundo, está associada a uma ação política cujo objetivo

é a transformação social. Neste sentido, a Pesquisa Ação é bastante similar à Pesquisa Participante

quanto à metodologia. Contudo, há uma diferença fundamental: o pesquisador vai para dentro do

grupo com a intencionalidade de exercer uma ação política de transformação do grupo, com a pesquisa

sendo a ferramenta para isto (Figura 38).

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Figura 38 – A Pesquisa Ação.

Mais recentemente, este termo tomou outro significado, apontando para um tipo de pesquisa que é

desenvolvida enquanto a ação acontece. Neste caso, a Pesquisa Ação passa por um ciclo, como o

mostrado na Figura 39.

Figura 39 – Ciclo da Pesquisa Ação como reflexão sobre a prática.

No campo educacional, este tipo de entendimento do que é Pesquisa Ação é associado a projetos de

pesquisa nos quais o professor é o pesquisador e o objeto da pesquisa é a própria prática do docente. A

ideia central é que o professor sistematize suas práticas, construindo um conhecimento de nível mais

geral baseado na reflexão teórica sobre a prática, a transformando, assim, em uma práxis. Embora este

tipo de pesquisa seja também associado a práticas transformadoras da realidade da escola, seu

objetivo é bem menos amplo que o sentido original.

A ideia de transformar o professor em um pesquisador encontra a nosso ver um problema sério.

Muitas vezes, durante o processo de pesquisa somos confrontados com situações para as quais temos

que escolher entre o papel de docente e o papel de pesquisador. É impossível exercer os dois papéis ao

mesmo tempo nesses casos. Eticamente, nessas situações o papel de pesquisador deve ser deixado de

lado e o papel de docente deve prevalecer.

5.8 Estudo de Caso

O Estudo de Caso, como o próprio nome diz, é um tipo de pesquisa que não busca a generalização pelo

estudo de muitos casos, mas busca especificidade da situação concreta. O Estudo de Caso é

especialmente indicado para analisarmos situações complexas para as quais não temos indicativos de

quais as causas da situação observada. O texto fundamental para este tipo de delineamento de

pesquisa é o texto de Yin (2005).

Reflexão Ação Reflexão sobre a ação

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Segundo Adelman (apud ANDRÉ, 1984) o Estudo de Caso é uma família de métodos de pesquisa cuja

decisão comum é o enfoque numa instância.

O Estudo de Caso ainda é indicado quanto queremos coletar elementos para construir hipóteses de

trabalho, as quais passarão pelo teste da generalização em outras investigações. O Estudo de Caso

também pode ser usado para estudarmos situações que já ocorreram e que geraram um resultado

específico para o qual queremos obter as causas ou explicitar os fatores que levaram ao resultado

observado.

Um ponto importante no que diz respeito ao Estudo de Caso (assim como para outras formas de

pesquisa qualitativa) é o tipo de generalização que o Estudo de Caso permite (e que o pesquisador

deseja). Ao contrário de pesquisas com amostras, as quais buscam a generalização a uma população, o

Estudo de Caso busca a Generalização Analítica. Enquanto a Generalização a uma População se

preocupa com a questão Com qual probabilidade o pesquisador pode afirmar que os resultados obtidos

para uma amostra da população são válidos para a população como um todo? A Generalização Analítica

procura responder à questão Qual teoria pode ser construída a partir do estudo do caso observado e que

explica sua dinâmica? Portanto, o pesquisador que utiliza a metodologia do Estudo de Caso está

interessado na construção de uma teoria explicativa (modelo) para a realidade observada. Este modelo

será, então, objeto de outras pesquisas, envolvendo outros casos, de modo a testar sua generalidade.

5.8.1 Definição e Validação de Estudos de C aso

Segundo André(1984), o Estudo de Caso têm por características:

1. Os Estudos de Caso buscam a descoberta;

2. Os Estudos de Caso enfatizam a “interpretação em contexto”;

3. Estudos de Caso procuram representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos de

vista presentes em uma situação social;

4. Os Estudos de Caso usam uma variedade de fontes de informação;

5. Os Estudos de Caso revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas;

6. Estudos de Caso procuram retratar a realidade de forma completa e profunda; e,

7. Os relatos de Estudo de Caso são elaborados numa linguagem e numa forma mais acessível

do que outros tipos de relatórios de pesquisa.

Ainda conforme André (op. cit.):

... o conhecimento derivado do estudo de caso é mais concreto, mais contextual e

mais sujeito à interpretação do leitor do que o conhecimento gerado em outros

tipos de pesquisa. (página 54)

O maior problema metodológico do Estudo de Caso vem a ser exatamente determinar o que é o caso.

Para isso, primeiro, devemos definir qual o universo que queremos estudar e, a partir desta definição,

escolher o caso. O caso pode ser um indivíduo, uma turma, uma escola ou mesmo um Sistema de

Ensino (a Secretaria de Educação do Estado, por exemplo). Uma vez definido o caso, as variáveis

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analisadas devem dizer respeito a ele, não se devendo misturar, em um mesmo estudo, variáveis que

caracterizam diferentes tipos de caso.

Tomemos um exemplo. Vamos avaliar porque na sua cidade o gosto musical é tão desenvolvido e há

suspeita de que isso seja consequência da educação recebida nas escolas públicas municipais.

Considere o conjunto de alunos da rede pública de sua cidade. Este é o universo.

Figura 40 - Classificação dos Estudos de Caso - Dimensão compreensão buscada pelo pesquisador

(STAKE, 1995, apud COUTINHO & CHAVES, 2002).

O caso seria um estudante deste universo. Por outro lado, se você definisse o seu universo o conjunto

de escolas da sua cidade, o caso seria uma escola específica. No primeiro exemplo, você seguiria um

aluno individual. No segundo, você observaria uma escola individualmente. Deste modo, as variáveis

analisadas no primeiro caso seriam características individuais do aluno observado, enquanto que no

segundo caso as variáveis seriam as da escola. Um exemplo de variável a ser acompanhada no primeiro

caso seria a nota do aluno em Música ou a sua frequência. No segundo, o número de alunos

matriculados na disciplina de Música ou a formação dos professores de música da escola.

Outra característica importante do Estudo de Caso é que, mesmo sendo uma pesquisa empírica, no

sentido que estudamos o fenômeno no ambiente em que o mesmo acontece, no Estudo de Caso não há

intervenção por parte do pesquisador no sentido de provocar mudanças controladas nas variáveis

estudadas.

Existem várias propostas de classificação dos casos. Por exemplo, Stake (1995, apud COUTINHO e

CHAVES, 2002) propõe classificar o Estudo de Caso a partir de três categorias que têm a ver com o tipo

de compreensão buscada pelo pesquisador:

1. Estudo de Caso de Tipo Intrínseco - nesta categoria estão aqueles casos nos quais o

pesquisador possui interesse nas relações internas do caso. Por exemplo, em uma escola,

queremos analisar o fluxo de informações e como os dirigentes daquela escola manipulam

a circulação de informações relevantes como forma de manter o poder;

2. Estudo de Caso de Tipo Instrumental - nesta categoria são enquadrados os casos que são

usados para validar teorias, obter variáveis de natureza causal que poderão ajudar a

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compreender outros casos. No nosso exemplo anterior, o estudo de caso teria esta

natureza se procurássemos variáveis que explicassem o sucesso de uma escola no ENEM e

usássemos esta informação para analisar, segundo estas variáveis, outros casos;

3. Estudo de Caso de Tipo Coletivo - neste tipo de estudo, analisamos vários casos, conforme

resultados observados em alguma categoria de análise, buscando semelhanças e

diferenças que explicassem os resultados diferentes observados nestas categorias.

Quanto à natureza dos objetivos, o Estudo de Caso pode ser classificado como: exploratório, descritivo

ou explanatório (GOMEZ, FLORES & JIMENEZ, 1996).

O Estudo de Caso é dito exploratório quando seu objetivo é obter evidências sobre quais variáveis ou

processos estão governando o problema estudado. Quando o objetivo do Estudo de Caso for, apenas, a

descrição pormenorizada de certa situação de interesse, o Estudo de Caso é chamado de descritivo.

Finalmente, quando queremos responder a questões do tipo como ou por quê o Estudo de Caso é dito

explanatório.

O Quadro 3 mostra uma possível classificação do Estudo de Caso proposta por Gomez, Flores & Jimenez

(1996, apud COUTINHO e CHAVES, 2002).

Quadro 3 - Classificação dos vários tipos de Estudo de Caso segundo Gomez*.

Tipo de Caso Modalidades Descrição

Estudo de Caso Único Histórico Ocupa-se da evolução de uma instituição

Observacional Tem na observação participante ou etnográfica a principal técnica de

recolha de dados.

Biografia Com base em entrevista intensiva com uma pessoa, produz uma

narração na primeira pessoa.

Comunitário Estuda uma comunidade.

Situacional Estuda o acontecimento na perspectiva de quem nele participou.

Micro etnografia Ocupa-se de pequenas unidades ou atividades dentro de uma

organização.

Estudo de Caso

Múltiplo

Indução

Analítica

Busca desenvolver conceitos abstratos contrastando explicações no

marco representativo de um contexto mais geral.

Comparação

Constante

Pretende gerar teoria contrastando proposições (hipóteses)

extraídas de um contexto noutro contexto diferente.

Fonte: Flores & Jimenez (1996), apud COUTINHO e CHAVES, 2002.

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Por romper com metodologias tradicionais, o Estudo de Caso, como a Pesquisa Participante, sofre

inúmeras críticas. Dentre elas podemos apontar as seguintes:

Falta rigor à metodologia – pela sua própria natureza o Estudo de Caso não tem o rigor

metodológico de outras formas de pesquisa (como a Pesquisa Experimental Quantitativa, por

exemplo). A esta crítica, pode-se argumentar que há maneiras de verificar a validade e a

confiabilidade do estudo realizado;

Viés devido ao pesquisador – no Estudo de Caso o papel do pesquisador é central, uma vez que

é ele quem determina o caso a ser estudado e o analisa segundo seu referencial particular. Se o

pesquisador, mesmo inconscientemente, esperar obter o resultado da pesquisa apontando em

alguma direção então isto poderá causar a seleção de variáveis (ou mesmo caso) que sejam

favoráveis ao resultado esperado. A respeito desta observação, pode-se também argumentar

que formas de validação e de verificação da confiabilidade podem ser aplicadas;

A falta de base para generalizações – por ser baseado no estudo de um ou poucos casos, o

Estudo de Caso não permitiria a generalização dos resultados obtidos. Isto em parte é verdade,

se quisermos dar ao Estudo de Caso um caráter que ele não tem. O Estudo de Caso procura

asserções de conhecimento gerais (Generalização Analítica) e não afirmações sobre grupos

específicos de sujeitos (Generalização à População). Estas asserções de conhecimento são

passíveis de verificação em outros tipos de estudo, como a Pesquisa Empírica Qualitativa ou

outros Estudos de Caso;

Extensão no tempo – segundo seus críticos, o Estudo de Caso é muito extenso e toma muito

tempo para ser realizado. Os defensores da metodologia, por outro lado, argumentam que

podemos ter Estudo de Caso que utilize ferramentas que não consumam tanto tempo.

Associado a isto, o Relatório do Caso, principal ferramenta de comunicação dos resultados

obtidos, não precisaria ser detalhista em extremo.

Figura 41 - Classificação dos Estudos de Caso - Dimensão natureza do estudo.

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O delineamento do estudo de caso passa por cinco etapas:

1. Ter claramente uma questão expressa usando os termos como e por quê. Este tipo de

questão aponta para explicações de natureza causal para o fenômeno estudado;

2. Listar as questões orientadoras do estudo claramente. Estas questões podem se desdobrar

em questões mais específicas (secundárias);

3. Definir o que é o caso, apontando claramente aqui o que é a unidade de análise;

4. Ter clareza do tipo de estrutura lógica que será usada na análise dos dados, permitindo a

construção de asserções de conhecimento;

5. Definir claramente o Referencial Teórico que será utilizado e as categorias que serão

utilizadas na análise do caso.

São quatro os tipos de validação que podemos usar em Estudos de Caso:

1. Validação de Constructo

Neste tipo de processo de validação, procuramos analisar cada variável a partir de diferentes

instrumentos, buscando várias fontes de evidência para a variável. A definição de quais são as

variáveis (bem como os conceitos e princípios operacionais) deve ser feita a priori. A validação

se dá quando obtemos o mesmo resultado a partir de diferentes fontes para uma dada

variável.

2. Validação Interna

Neste tipo de processo de validação, buscamos uma explicação de tipo causal envolvendo as

diferentes variáveis e os resultados obtidos. Assim, para certa situação observada (resultado)

buscamos as causas dessa situação em variáveis presentes no meio estudado. Por exemplo,

observamos que em uma escola (nosso caso) há um grande interesse por música (resultado

observado) e que nesta escola existem professores Licenciados em Música (variável professor).

Podemos então propor a relação causal:

Se há professores de música na escola os alunos desenvolverão interesse pela

música devido à qualificação dos professores que serão capazes de ensinar

música de forma adequada.

3. Validação Externa

Neste caso, procuramos estudos semelhantes, com casos parecidos, e procuramos evidência de

que nossos resultados são coerentes com aqueles.

4. Validação por replicação

Se os resultados de um estudo (de Caso ou não) puderem ser replicados isto é um forte indício

de que o Estudo de Caso obteve resultados consistentes. Para isso, o Protocolo de Estudo de

Caso (que discutiremos a seguir) é fundamental.

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5.8.2 Metodologia do Estudo de Caso

O Estudo de Caso é construído a partir de um conjunto de ações. Primeiro, o pesquisador tem que ter a

qualificação e o treinamento necessários para conduzir o estudo apropriadamente. Uma característica

do Estudo de Caso é que a interpretação dos dados ocorre quase que simultaneamente com a sua

coleta.

Figura 42 – Características desejáveis do pesquisador que desenvolve estudos de caso.

Algumas características do bom pesquisador em Estudo de Caso são (Figura 42):

Ser capaz de formular boas questões;

Ser bom ouvinte;

Ser livre de preconceitos sobre o tema estudado;

Ser adaptativo e flexível, mas com rigor;

Ter conhecimento sobre o assunto investigado;

Ter coragem de mudar de caso ou delineamento se isto for necessário.

O desenvolvimento do Estudo de Caso (veja a Figura 43) passa pela elaboração de um Protocolo de

Estudo de Caso (YIN, 2005). Este Protocolo é um documento que registra todos os procedimentos e as

regras gerais seguidas pelo pesquisador ao longo do Estudo de Caso. As partes de um Protocolo de

Estudo de Caso são:

Visão Geral do Projeto de Estudo de Caso;

Descrição do Processo de Coleta de Dados;

Questões Norteadoras da Pesquisa;

Formato do Relatório Final.

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Figura 43- Etapas do Estudo de Caso.

Na parte Visão Geral do Projeto de Estudo de Caso, o pesquisador descreve o Referencial Teórico da

Pesquisa e indica aos entrevistadores quais são as regras gerais de comportamento ao longo da

pesquisa, bem como as questões de pesquisa e as questões orientadoras iniciais.

Figura 44 – Componentes do Protocolo de Estudo de Caso.

Na Descrição do Processo de Coleta de Dados, o pesquisador indica qual deve ser o comportamento dos

pesquisadores em campo e quais tarefas deverão ser completadas: acesso ao ambiente no qual a

pesquisa vai ser realizada, recursos necessários ao desenvolvimento da pesquisa, cronograma de

execução de atividades, tratamento de condições imprevistas, etc.

No item Questões Norteadoras da Pesquisa o pesquisador deve ter em mente que as questões propostas

deverão ser respondidas por ele, pesquisador, e não pelo “caso”. Aqui, devem ser discriminadas as

fontes de evidência às quais o pesquisador poderá recorrer para obter as respostas às questões

propostas.

Quanto ao Formato do Relatório Final, não há uma receita. O pesquisador deve procurar um formato

que facilite a compreensão do caso e a reprodutibilidade, até onde isto é possível neste tipo de estudo,

do estudo realizado. Entretanto, segundo Coutinho & Chaves (2002) um Relatório de Estudo de Caso

deve contemplar, necessariamente22:

1. A definição clara do caso e a delimitação de suas fronteiras;

22 Esta lista está um pouco modificada em relação ao texto original. Neste texto, alguns verbos estão no futuro, o que apontaria critérios mais pertinentes ao Protocolo do Estudo de Caso (que é prospectivo) que ao Relatório do Estudo de Caso (que deve ser descritivo das ações realizadas e das escolhas metodológicas feitas). Na lista, colocamos todos os verbos no passado.

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2. Descrição pormenorizada do contexto em que o caso se inseriu;

3. Justificativa da pertinência do estudo e quais os objetivos gerais que perseguiu;

4. Identificação da estratégia geral, justificando as razões da opção por caso único ou

múltiplo;

5. Definição do que foi a unidade de análise (ou unidades de análise);

6. Fundamentação dos pressupostos teóricos que conduziram o trabalho de campo;

7. Descrição clara de como os dados foram construídos, de quem e quando;

8. Justificativa da lógica das inferências feitas (se for o caso);

9. Definição dos critérios que aferiram a qualidade do estudo.

Figura 45 – Características do Relatório de Campo.

As fontes de evidência para o estudo de caso (Figura 47 e Figura 48) podem ser documentos, registros

em arquivos, observações do pesquisador in loco, etc. Contudo, na análise dos dados coletados três

princípios devem ser respeitados:

1. Use múltiplas fontes de evidência;

2. Construa ao longo do estudo uma base de dados;

3. Forme uma cadeia de evidências.

Figura 46 – Elementos que devem estar presentes no Relatório Final do Estudo de Caso.

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O primeiro princípio é geral para várias metodologias de pesquisa, não somente para o Estudo de Caso.

O uso de múltiplas fontes de evidência nos permite cruzar os dados, fortalecendo deste modo as

conclusões obtidas. Por exemplo, você está estudando uma escola como seu caso e propõe que a

formação dos docentes de Biologia é a responsável pelos bons resultados obtidos por esta escola no

ensino desta disciplina. Como fonte de evidência poderíamos ter um questionário aplicado no qual fica

evidente que esta característica é importante. Como uma segunda fonte de evidência, podemos ter a

análise dos documentos dos docentes mostrando que todos são formados em Biologia e possuem título

de mestre em Ensino de Biologia. São duas fontes distintas apontando para o mesmo resultado.

O segundo princípio geral aponta para a necessidade da sistematização do armazenamento dos dados

coletados para que o pesquisador ou outros pesquisadores possam analisá-los e replicar o estudo se

necessário.

O terceiro princípio, formar uma cadeia de evidências aponta para a necessidade de que o Estudo de

Caso seja organicamente construído, com uma hipótese nova levantada apoiando-se em evidências

obtidas em momento anterior e sendo, por sua, vez corroborada com uma nova evidência. Dessa

maneira, obtemos um conjunto de asserções de conhecimento articulado.

Figura 47 – Fontes de evidência em estudos de caso.

A análise das evidências no Estudo de Caso é complicada, não havendo novamente, uma regra geral.

Entretanto, é preferível que essa análise seja feita a partir das proposições teóricas que delinearam o

Estudo de Caso. Procuramos relações de tipo causal entre os fatos observados e as evidências

levantadas. Uma boa alternativa é o uso de categorias.

Para finalizar esta parte, devemos dizer que o bom Estudo de Caso deve ser completo. Por completo,

entendemos que o Estudo de Caso deve apresentar as seguintes características:

1. Delineamento claro de qual é o escopo do estudo.

Isto significa que deve ficar claro o que pertence ao caso e o que não pertence; o que é o

fenômeno estudado e o que é o seu contexto.

2. Relevância nas evidências coletadas.

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O pesquisador deve mostrar que as evidências que coletou são realmente relevantes para

as questões propostas.

3. Tempo e recursos adequados e suficientes.

O Estudo de Caso não pode ser encerrado pela falta de um destes dois fatores. Se for encerrado por

essas razões, então, quase fatalmente, não estará completo.

Figura 48 – Princípios de análise no Estudo de Caso.

5.9 Grupos Focais23

O Grupo Focal é um método de pesquisa qualitativa que pode ser utilizado no entendimento de como se

formam as diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviços (KRUEGER,

1988). Na definição de grupo seguiremos Pichon - Riviére (1991, apud DALL’AGNOL & TRENCH, 1999):

... conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço e

articuladas por sua mútua representação interna, que propõe explícita ou

implicitamente uma tarefa, o que constitui sua finalidade.

Desse modo, podemos definir a estratégia de pesquisa Grupo Focal como (NETO et al, 2002):

... técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, em um mesmo local e

durante certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte

do público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do

diálogo e do debate com e entre eles, informações a respeito de um tema

específico.

O Grupo Focal não é, em geral, considerado adequado para estudar a frequência com que determinados

comportamentos ou opiniões ocorrem. Trata-se de um tipo especial de grupo em termos de seus

propósitos, de seu tamanho, de sua composição e de sua dinâmica. Basicamente, o Grupo Focal pode

ser considerado uma espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo no

qual se alternam perguntas do pesquisador e resposta dos participantes. Diferentemente, a essência do

23 O texto que segue sobre grupos focais é largamente baseado em Carlini- Cotrim (1996). Utilizamos, com autorização da autora, porções deste texto como texto base, ampliando-o e modificando-o para adaptá-lo ao Ensino de Ciências. Outra fonte importante de informação foi o texto de Dall’Agnol & Trench (1999). Naturalmente que qualquer erro que tenha sido gerado ao longo do processo de construção de nosso texto é de inteira responsabilidade nossa.

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Grupo Focal consiste justamente em se apoiar na interação entre seus participantes para colher dados,

a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (que vai ser no caso o moderador do grupo,

MORGAN, 1988). Uma vez concluído, o material obtido vai ser a transcrição de uma discussão em

grupo, focada em um tópico específico (por isso o grupo é chamado de Grupo Focal).

Tipicamente, o Grupo Focal é composto de seis a dez participantes que não são familiares uns aos

outros. Estes participantes são selecionados porque eles apresentam certas características em comum,

associadas ao tópico que está sendo pesquisado por meio do Grupo Focal. Sua duração típica é de uma

hora e meia a duas horas (MORGAN, 1988; KRUEGER, R., 1988; DALL’AGNOL & TRENCH, 1999).

A coleta de dados por meio de Grupo Focal tem como uma de suas maiores riquezas ser baseada na

tendência humana de formar opiniões e atitudes na interação com outros indivíduos (KRUEGER,

1988). Ela contrasta, nesse sentido, com dados colhidos em questionários fechados ou entrevistas

individuais, nos quais o indivíduo é convocado a emitir opiniões sobre assuntos sobre os quais, talvez,

nunca tenha pensado. As pessoas, em geral, precisam ouvir as opiniões dos outros antes de formar as

suas próprias. Constantemente as pessoas mudam de posição (ou fundamentam melhor sua posição

inicial) quando expostas a discussões de grupo (MORGAN, 1988; KRUEGER, 1988). É exatamente este

processo que o Grupo Focal tenta captar.

Cabe ao pesquisador moderador do grupo criar um ambiente adequado para que diferentes

percepções e pontos de vista venham à tona, sem que haja pressão para que seus participantes votem,

cheguem a um consenso ou estabeleçam algum plano. Este ambiente relaxado e condutor de troca de

experiências e perspectivas deve ser também garantido por outros cuidados:

a) Seus participantes não devem, idealmente, pertencer ao mesmo círculo de amizade ou

trabalho. Isto visa evitar que a livre expressão de ideias no grupo seja prejudicada pelo temor

do impacto (real ou imaginário) que essas opiniões vão ter posteriormente (MORGAN, 1988).

O Grupo Focal deve procurar mimetizar, segundo Krueger (1988), aquelas longas conversas

nas quais, frequentemente, duas pessoas desconhecidas se engajam durante uma viagem de

avião. A franqueza e a profundidade da troca de experiências ocorridas num contexto como

esse, muitas vezes, são especialmente ricas justamente pelo fato de seus participantes não

terem nenhum compromisso posterior de se verem ou conviverem a partir desse encontro

casual. Embora essa característica do Grupo Focal seja altamente desejável, ela nem sempre é

possível, como é o caso, por exemplo, da utilização de grupos focais para coleta de dados em

pequenas comunidades (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1992).

b) Seus participantes devem ser homogêneos em termos de características que interfiram

radicalmente na percepção do assunto em foco, visando garantir um clima confortável para a

troca de experiências e impressões de caráter muitas vezes pessoal.

Em pesquisas sobre abuso de substâncias, por exemplo, é frequente a constituição de

diferentes subgrupos para as diversas faixas etárias, gênero, orientação sexual, renda e etnia. É

importante enfatizar, no entanto, que a busca de homogeneidade em algumas características

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pessoais não deve implicar na busca de homogeneidade na percepção do problema. Se assim

fosse, o Grupo Focal perderia sua riqueza fundamental, que é o contraste de diferentes

perspectivas entre pessoas semelhantes.

Enfim, para Morgan (1988), os participantes devem ser selecionados de modo que o grupo não

resulte em incontornáveis discussões frontais ou em recusa sistemática em emitir opiniões.

Em um estudo que utilize Grupo Focal, as discussões são conduzidas várias vezes, com

diferentes grupos, visando identificar tendências e padrões na percepção do que se definiu

como foco do estudo (MORGAN, 1988; KRUEGER, 1988; WORLD HEALTH ORGANIZATION,

1992). A análise sistemática e cuidadosa das discussões vai fornecer pistas e insights sobre

como um produto, serviço ou plano é percebido.

5.9.1 Como montar, conduzir e analisar dados de Grupo s Focais

Montagem

O planejamento e montagem do Grupo Focal é talvez a parte mais trabalhosa de um estudo que utilize

esse método de pesquisa (MORGAN, 1988). É claro que, como qualquer outro estudo, as possibilidades

a serem consideradas dependerão de dois fatores básicos: tempo e recursos financeiros. De qualquer

maneira, há demandas que precisam ser respondidas e que se referem basicamente ao recrutamento

de participantes, a escolha de um moderador e seu assistente, aos recursos técnicos para gravação das

sessões, local para realização dos trabalhos dos grupos e profissionais para transcrever e analisar os

dados (MORGAN, 1988; KRUEGER, 1988).

O recrutamento dos participantes vai ocorrer após a clara determinação do grupo social que se quer

estudar. É importante ter em mente que pesquisa qualitativa, como é o caso de Grupo Focal, não

trabalha com amostras probabilísticas e nem visa estudar a frequência com que determinado

comportamento ou opinião ocorre (MORGAN, 1988). Trata-se sim, como já discutido, de utilizar o

Grupo Focal no entendimento de como diferem e se formam diferentes percepções, opiniões e atitudes

acerca de um fato, produto ou serviço (KRUEGER, 1988).

Assim, definidas as características das pessoas ou o grupo social a ser estudado, seu recrutamento deve

objetivar abarcar sua variabilidade (etária, de gênero, de classe social, se for o caso), tendo-se em vista

as observações feitas sobre a importância de se evitar alocar em um só grupo pessoas do mesmo

círculo imediato de convivência ou que apresentem características muito contrastantes. Observadas

estas regras básicas, o recrutamento de voluntários pode se dar de modo aleatório pelo telefone,

utilizando-se um breve questionário para selecionar os participantes adequados; por anúncios de

jornal; por meio do atendimento em serviços pertencentes à população-alvo do estudo (método de

bola de neve, TROST, 1986), ou por meio de informantes - chave da comunidade em questão (GREGOR

& GALASKA, 1990). Quando falamos do ensino, o grupo pode ser formado a partir do convite direto às

pessoas pertencentes à população alvo diretamente nas escolas. A possibilidade de fornecer algum

incentivo aos seus participantes (almoço em um restaurante, participação em sorteio, pagamento em

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dinheiro) pode ser fator de peso na possibilidade de sucesso do recrutamento. Enfim, qualquer que

seja o método adotado, é recomendado recrutar cerca de 20% a mais de pessoas do que realmente será

necessário para a condução de cada Grupo Focal, para prevenir ausências inesperadas de participantes

(MORGAN, 1988).

O número de Grupos Focais necessários para completar um estudo vai variar bastante, sendo possível

encontrar na literatura desde apenas quatro até dezesseis. Há certo consenso, no entanto, de que

quatro grupos focais para cada subgrupo homogêneo definido pelo estudo são suficientes para

obtermos os dados necessários. Assim, um estudo sobre a percepção do álcool como droga por

adolescentes de classe média poderia ser concluído com 16 grupos focais, caso se considerasse

necessária a divisão dos participantes por sexo e pelo fato de já terem ou não usado álcool pelo menos

uma vez na vida (4 grupos focais x 4 subgrupos homogêneos).

Caso haja possibilidade de se garantir 6 a 8 grupos focais homogêneos, o trabalho pode se enriquecer

pelo maior detalhamento e profundidade (MORGAN, 1988). Nesse sentido, o número de grupos focais

vai ser definido em função das subdivisões (sexo, idade e outros) que o estudo apresentar e,

obviamente, do orçamento em pauta. Segundo Dall’Agnol & Trench (1999) uma estratégia interessante

é montar-se pelo menos dois subgrupos para cada categoria do estudo. A ideia é que se os resultados

dos dois subgrupos construídos a partir do mesmo conjunto de critérios sejam muito divergentes um

terceiro subgrupo poderia ser usado para levantar a inconsistência dos dois resultados. Outro ponto

levantado por estas autoras é a necessidade de formação de subgrupos até que o assunto da pesquisa

esteja esgotado. Novamente, se os resultados forem divergentes entre subgrupos, a análise deve

prosseguir até que a compreensão sobre o assunto apareça.

O moderador, peça-chave para o desenvolvimento satisfatório do grupo, deve, preferencialmente, ter

treinamento específico para tal e/ou ser membro da equipe responsável pelo estudo. Naturalmente

que, a exemplo da Entrevista Clínica, o moderador deve ser um profundo conhecedor do assunto a ser

discutido. Seu papel fundamental é garantir, por meio de uma intervenção ao mesmo tempo discreta e

firme, que o grupo cubra os tópicos de interesse do estudo da maneira menos diretiva possível

(MORGAN, 1988). O moderador deve contar com a presença de um assistente ao qual caberá observar

a conduta do grupo, auxiliar na anotação de acontecimentos-chave e, eventualmente, intervir na

condução do grupo (KRUEGER, 1988). O local no qual o Grupo Focal vai se realizar deve idealmente ser

neutro, acessível, quieto, não movimentado e composto de uma sala com mesa retangular ou oval e

cadeiras (KRUEGER, 1988; MORGAN 1988). Entretanto, a utilização de residências, escritórios, salões

de igreja ou salas de aula não é incomum (KRUEGER, 1988; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1992;

YACH, 1992). Qualquer que seja a opção, no entanto, a maior privacidade possível e silêncio suficiente

para a obtenção de gravações de boa qualidade são recomendados.

Finalmente, é preciso prever um montante razoável de tempo dedicado à transcrição das gravações e

sua análise, que serão peças-base do relatório final de pesquisa. Se a transcrição pode ser tarefa de

profissionais não pertencentes ao grupo de investigadores responsáveis, o mesmo obviamente não

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acontece com a análise dos dados, que deve constar do cronograma da equipe central de

pesquisadores.

Critérios de formação dos grupos

Como dissemos anteriormente, os grupos devem ser formados de modo a serem o mais homogêneos

possível. Contudo, deve ser observado que grupos homogêneos demais podem ser contraproducentes,

pois se as opiniões dos participantes forem muito semelhantes entre si não haverá debate e o

consequente aprofundamento das opiniões expressas ficará prejudicado.

Isto aponta para a necessidade de termos categorias de classificação dos sujeitos para a formação dos

grupos. Listaremos a seguir um conjunto destas categorias, sem a pretensão de esgotá-las,

naturalmente, que podem ser usadas para formar os grupos:

Classe Social

Não é aconselhável ao formar o grupo colocar trabalhadores com seus patrões, por exemplo.

Isto poderá inibir a livre expressão das percepções do primeiro grupo por receio de

represálias do segundo grupo por alguma expressão ou ideia expressa no interior do grupo.

Além disso, as perspectivas e formação das pessoas oriundas de classes diferentes podem

quebrar a homogeneidade do grupo.

Ciclo Temporal

Participantes com histórias de vida muito diferentes não deveriam pertencer ao mesmo grupo.

Isto poderia levar à formação de um grupo no qual as perspectivas a respeito do assunto

fossem fortemente influenciadas pelas experiências passadas pelos sujeitos. Consideremos o

seguinte exemplo: estamos interessados nas opiniões a respeito da carreira docente e das

expectativas a respeito desta carreira em professores da rede pública de Campo Grande. Nesta

situação, colocar lado a lado docentes que foram formados e trabalham na zona rural com

docentes formados e trabalhando na zona urbana poderia levar a opiniões conflitantes,

prejudicando o andamento do grupo.

Nível de Experiência

Não é aconselhável formar grupos com indivíduos com níveis de experiência, em relação ao

tema do grupo, muito diferentes. Por exemplo, se colocarmos em um mesmo grupo

professores com trinta anos de serviço e professores com três anos de serviço as ideias e

concepções explicitadas pelos participantes do grupo sobre o papel do docente na sua relação

com os alunos serão, provavelmente, completamente diferentes.

Idade e Estado Civil

Novamente, colocar pessoas de estado civil diferente em um mesmo grupo ou pessoas mais

velhas com pessoas jovens pode levar o grupo a ter um grau de heterogeneidade tão grande

que as opiniões sejam muito divergentes dentro do grupo, causando conflitos indesejáveis.

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Assim, em um Grupo Focal sobre gravidez na adolescência, colocar uma senhora com sessenta

e cinco anos junto a uma jovem de quinze anos não seria uma boa ideia. Alem disso, deve ser

lembrado que o fator idade concorre para a não homogeneidade do grupo também nos

quesitos Nível de Experiência e Ciclo Temporal.

Diferenças Culturais

Neste quesito devemos nos preocupar com as diferenças culturais dos participantes do grupo.

Por diferenças culturais entendemos as diferenças oriundas de escolaridade (escolarização

fundamental versus escolaridade superior, por exemplo), mas também, e, sobretudo, com

diferenças culturais entendidas como diferentes heranças e saberes em diferentes sociedades

(como, por exemplo, pessoas que são de Porto Alegre e pessoas que são de Aracaju).

Tanto uma como a outra podem levar a diferentes perspectivas de mundo e conceitos sobre o

tema do Grupo Focal, levando novamente à heterogeneidade do grupo, característica que como

vimos não é desejável.

Gênero

A variável Gênero é uma variável importante quando o tema do grupo de estudo envolve esta

temática ou quando as opiniões expressas pelos participantes sobre o tema possam ser

afetadas pelos estereótipos e preconceitos derivados dos papéis sociais definidos pelo gênero.

Por exemplo, em um Grupo Focal cuja temática seja a dupla jornada da mulher professora,

formar grupos com homens e mulheres pode levar a opiniões divergentes ocasionando a não

efetividade do Grupo.

5.9.2 Condução

Seguindo Dall’Agnol e Trench (1999), listamos abaixo os vários momentos que se sucedem ao longo de

um encontro com o Grupo Focal:

Abertura da sessão; Apresentação dos participantes; Esclarecimento sobre a dinâmica do grupo; Estabelecimento das regras do grupo; Debate; Síntese dos momentos anteriores;

Encerramento da Sessão.

Antes de iniciarmos a descrição dos momentos da sessão do Grupo Focal, convém lembrar

(DALL’AGNOL e TRENCH, 1999) o que o Grupo Focal não é:

O Grupo Focal não é um teste de conhecimentos. Portanto, não há respostas certas ou erradas; O Grupo Focal não tem por fim apenas informar; O Grupo Focal não tem por fim persuadir.

Quanto ao moderador:

O moderador não é um professor; O moderador não é um juiz;

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O moderador não é um chefe; O moderador não deve expressar acordo ou desacordo com pontos de vista apontados pelos

participantes do grupo; O moderador não deve por palavras na boca dos participantes.

Além dessas características, o moderador deve desempenhar seu papel com autenticidade, não como

se estivesse desempenhando um papel. Para isso, ele deve genuinamente se integrar ao grupo, como

um de seus membros, escutando atentamente o que é dito.

Citando Dall’Agnol e Trench (1999, página 16):

Neste sentido, é bilateral a atenção dirigida à comunicação verbal, não-verbal e

extra-verbal, em se tratando dos sujeitos em interação (pesquisadores e

pesquisados). Cada um utiliza este manancial singularmente, porém, no

compasso da expectativa que é projetada na ação conjunta.

Ainda segundo estas autoras:

Grande parte da (in)coerência do Discurso é detectada na (in)coerência

percebida entre palavras, gestos, expressões e olhares.

Segundo Debus (1997, apud DALL’AGNOL e TRENCH, 1999) há dois tipos de técnicas de moderação:

Diretivas – nesta técnica, o moderador conduz o grupo por um conjunto de questões

previamente definidas, com pouca ou nenhuma flexibilidade de explorar as respostas dadas

pelo grupo;

Não diretivas – as questões são abertas, e a discussão entre os participantes do grupo ocorre

com um mínimo de influência do moderador. Esta é a técnica mais utilizada e preferível.

Quanto à estruturação do Grupo Focal, este pode ser:

Estruturado – Neste caso, há um guia de temas previamente elaborado que serve para que o

moderador conduza as discussões do grupo;

Não estruturado – O guia de temas é vago e não diretivo, apontando somente as grandes linhas

que devem ser seguidas pelo Grupo;

Semiestruturado - É um guia que fica em um meio-termo entre os dois primeiros. Se por um

lado aponta linhas específicas ao longo das quais a discussão seguirá, por outro deixa espaço

para que o próprio grupo organize as discussões com certo grau de liberdade.

Uma das etapas importantes do trabalho do Grupo é a definição das Regras de Convivência do Grupo.

Estas regras definem de modo claro para todos integrantes do Grupo quais são as regras que deverão

ser seguidas por todos os integrantes do Grupo.

Estas regras definem dois tipos de compromissos éticos: os compromissos éticos unilaterais dos

pesquisadores para com o Grupo e os compromissos éticos bilaterais, entre os membros do grupo e

entre os membros do Grupo e os pesquisadores.

Alguns compromissos dos pesquisadores com os membros do Grupo são:

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Convite aos possíveis participantes – esta carta convite explicita para os possíveis

participantes do grupo o desejo do pesquisador de que a pessoa faça parte do

grupo e aponta as finalidades da pesquisa;

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – este documento, padronizado

pelas Comissões de Ética, coloca claramente os objetivos e as condições que

devem ser respeitadas ao longo da pesquisa. Por exemplo, se as atividades do

Grupo envolverem a filmagem da participação dos integrantes do grupo, isto deve

ser claramente apontado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Em relação aos compromissos dos participantes para com o grupo e entre si, podemos listar:

Respeito aos horários de início e tempo de duração das sessões;

Respeito quanto às regras de atrasos e faltas;

Notificar o pesquisador que conduz a pesquisa sobre a intenção de desistir de

participar do Grupo;

Usar o crachá de identificação durante as sessões do Grupo;

Manter sigilo sobre as discussões do Grupo, conforme decidido nas regras do

Grupo;

Respeito à Dinâmica do debate.

O trabalho de boa condução de um Grupo Focal começa no momento em que o primeiro participante

entra na sala de discussão. Além de receber cada participante de maneira cordial, cabe ao moderador e

ao seu assistente criar um ambiente agradável de espera e evitar ao máximo que o tema do Grupo Focal

seja abordado precocemente em conversas informais, o que eventualmente pode “esfriar” a discussão

no momento formal de coleta de dados. Nesse sentido, é recomendada a escolha prévia de alguns

assuntos neutros a serem abordados antes do início dos trabalhos: tópicos como o clima, trânsito,

facilidade de localizar o local da reunião, entre outros, são frequentemente escolhidos (KRUEGER,

1988). É muito comum, também, a distribuição de uma folha de autopreenchimento visando obter

informações básicas sobre o participante (idade, sexo, profissão), para posterior controle da equipe de

pesquisa; esta folha pode ser distribuída antes do início da sessão para os que chegarem cedo e no fim

para os retardatários ou estritamente pontuais (MORGAN, 1988). Uma vez iniciados os trabalhos, a

palavra cabe primeiramente ao moderador, que vai se apresentar e brevemente expor os objetivos da

pesquisa e do grupo, de modo honesto, mas genérico.

Segundo Morgan (1988), a melhor maneira de introduzir o que se espera daquele grupo é francamente

admitir que o moderador lá está para aprender. Só que este aprender deve ser colocado em termos de

entendimento incompleto e não de total ignorância, o que obviamente pode soar falso. O segundo passo

é explicar a forma de funcionamento do grupo, quando, além das regras gerais, deve ser explicitamente

enfatizado que não se busca consenso na discussão a ser empreendida e que a divergência de

perspectivas e experiências é extremamente bem-vinda. Alguns autores recomendam que tal

comentário seja refeito pelo menos uma vez durante o decorrer da sessão.

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Faz-se então uma breve rodada de apresentação dos participantes, que serve como quebra de gelo

inicial e como uma última tática para esperar os retardatários. Tipicamente não se admite mais a

entrada de pessoas a partir desse ponto. Daí para frente, a exploração do foco do estudo é iniciada.

A condução do Grupo Focal se dá a partir de um roteiro de tópicos relacionados, obviamente, com as

questões de investigação que o projeto em pauta visa responder. Como a proposta do método é

desenvolver uma discussão focada em um tema específico, recomenda-se que esse roteiro contenha

entre dois e cinco tópicos no máximo, dependendo do tempo disponível, do número de participantes e

do estilo do moderador (mais ou menos diretivo, MORGAN, 1988; KRUEGER, 1988). Estes tópicos não

devem ser apresentados ao grupo em forma de perguntas, mas na forma de dicas, de pequenos

estímulos para introduzir o assunto: tipicamente trata-se de uma solicitação para comentar algo ou

descrever alguma experiência; podem, também, ser utilizados como estímulos cartazes, figuras, filmes

ou uma história. Algo sucinto, mas que instigue a discussão. A definição deste roteiro de tópicos deverá

obviamente ter sido feita a priori, por meio de uma discussão da equipe central do trabalho.

Recomenda-se que ele seja flexível o suficiente para sofrer modificações de pequeno porte a partir de

sua utilização.

Durante a condução do grupo, cabe ao moderador exercer os mais variados papéis: solicitar

esclarecimento ou aprofundamento de pontos específicos, conduzir o grupo para o próximo tópico

quando um ponto já foi suficientemente explorado, estimular os tímidos, desestimular os tipos

dominadores, que não conseguem parar de falar, entre outros (MORGAN, 1988; KRUEGER, 1988;

WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1992). Este ponto, em particular pode ser problemático. Se

estivermos interessados em saber as opiniões dos sujeitos em ambientes de interação, como é o Grupo

Focal, inibir os faladores ou estimular os tímidos pode incluir uma variável extra no problema e

desvirtuar o grupo de seus objetivos. Se necessária, este tipo de ação de inibição ou de estímulo deve

ser discreta e conduzida com suavidade de modo a não ser percebida pelo grupo.

Cabe, também, ao moderador finalizar o grupo, solicitando uma última rodada de fechamento. Aqui, ao

contrário dos procedimentos recomendados antes do início do grupo, vale a pena estimular

comentários, caso o assunto em pauta continue sendo abordado após o término formal do grupo. É

possível que alguma perspectiva nova sobre o assunto seja lançada justamente nesse momento final

(MORGAN, 1988).

Idealmente, a equipe que realiza o Grupo Focal é composta por quatro membros: o Moderador, o

Observador, o Relator e o Assistente de Gravação.

Sobre o moderador já falamos bastante. O Relator é a pessoa que anotará as reações dos participantes

e o contexto das falas dos participantes do grupo. O Relator não transcreverá as falas, já que as sessões

serão gravadas, sempre que possível. Sua função é contextualizar as falas a partir da sua percepção de

como o grupo evolui.

O Observador é um pesquisador experiente que observará e depois discutirá com o moderador a

condução das discussões do grupo, apontando pontos nos quais esta condução poderia ser melhor ou

pontos que poderiam ter sido mais bem explorados.

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Por fim, o Assistente de Gravação é o responsável pela operação do equipamento de gravação das

sessões do grupo. Além desses, na fase de pós-produção, temos necessidade de pessoas que

transcrevam o material e que façam a análise do mesmo. Esta última tarefa é dos pesquisadores

envolvidos, mas a parte de transcrição pode ser terceirizada (ou seja, alguém pago para realizá-la).

Na prática da pesquisa acadêmica, devido a limitações de orçamento, a equipe do Grupo Focal é

formada por duas pessoas: o Moderador e outra que desempenha os papéis de Observador e Relator.

Com uma câmera em plano aberto, a figura do operador pode ser dispensada. Os dois transcrevem e

analisam os dados obtidos.

5.9.3 Análise dos registros

Os registros colhidos em de Grupos Focais são de natureza qualitativa. Isto vai implicar a necessidade

de se analisar os registros também de forma qualitativa. Ou seja, não há tratamento estatístico

envolvido, mas um conjunto de procedimentos que visam a organizar os registros de modo que eles

revelem, com a objetividade e isenção possíveis, como os grupos em questão percebem e se relacionam

com o foco do estudo em pauta. As duas maneiras básicas de se proceder a análise são os sumários

etnográficos e a codificação dos dados via Análise de Conteúdo (MORGAN, 1988). A diferença principal

entre estes dois procedimentos é que o primeiro vai repousar nas citações textuais dos participantes

do grupo, que vão assim ilustrar os achados principais da análise, enquanto o segundo enfatiza a

descrição numérica de como determinadas categorias explicativas aparecem ou estão ausentes das

discussões e em quais contextos isto ocorre. Cabe comentar que eles não são excludentes entre si,

sendo possível combiná-los em um só relatório de análise.

Como em qualquer análise qualitativa (KRUEGER, 1988), são necessárias ao menos duas pessoas

envolvidas na análise dos registros, que vão primeiramente o fazer de maneira independente entre si.

O primeiro passo é possibilitar a imersão de cada pesquisador nos registros obtidos, por meio de uma

leitura de todo o material obtido (transcrição das sessões gravadas), o corpus, seguida da anotação das

categorias qualitativas que sejam evidenciadas a partir desse primeiro contato sistemático com os

registros. A partir daí é necessário que os dois profissionais envolvidos na análise verifiquem seus

achados, confiram as semelhanças e diferenças, e cheguem, revisando constantemente os dados

construídos a partir dos registros, a um consenso do que deve ser mantido como achados legítimos do

material obtido ou o que deve ser eliminado.

Convém esclarecer que muitas vezes o processo de análise (e a consequente construção dos dados)

acontece de modo simultâneo com a coleta de registros. Por adotar um processo indutivo, no qual as

categorias e hipóteses explicativas se formam a partir dos dados, é procedimento habitual de pesquisa

qualitativa refletir e analisar resultados parciais, visando melhor adequar os procedimentos de coleta

de dados aos objetivos da pesquisa. Exemplo do tipo de resultado obtido mediante análise qualitativa

de Grupos Focais pode ser encontrado em Beck e Bargman (1993). Neste trabalho, os autores

estudaram o envolvimento com álcool de adolescentes de origem hispânica nos Estados Unidos,

visando entender os diferentes estilos de beber, não em termos do padrão epidemiológico de consumo,

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mas das diversas situações de vida desse grupo social no qual o álcool estava presente. Por meio da

análise da transcrição de quatro grupos focais por dois pesquisadores, identificaram-se as seguintes

categorias: beber por diversão, beber por competição, beber para ficar bêbado e beber para alívio.

Cada um desses padrões tinha, na perspectiva dos adolescentes hispânicos, diferentes significados. O

beber por diversão era sempre visto como não excessivo, desde que cumpria o papel de ajudar a

socialização entre os jovens; beber por competição acontecia entre os adolescentes do sexo masculino

e estava associado à prova de virilidade por meio de competições de quem aguentava beber mais; já os

dois últimos eram associados com problemas emocionais ou de família. Os mesmos autores

descobriram também, por meio da coleta e análise desses dados, que o dirigir embriagado era

frequentemente considerado mais seguro do que o dirigir sóbrio, entre esses jovens. A visão deles era

de que quando o jovem dirigia embriagado ele tinha tanto medo de ser flagrado pela polícia (as penas

nesse caso são extremamente severas nos EUA) que acabava prestando muito mais atenção ao volante

e às regras de trânsito do que quando estava sóbrio. Enfim, dados interessantes e inovadores que

podem, sem dúvida, ser usados com riqueza em programas preventivos ao abuso de álcool nessa

população. É este o tipo de resultado que uma análise qualitativa de dados de Grupo Focal pode

oferecer.

Classicamente, o material necessário para proceder à análise era, tipicamente, tesoura e cola e/ou

pincéis atômicos de diferentes cores. Este material permitia aos pesquisadores a divisão dos vários

trechos da discussão em grupo por temas similares, a comparação dos contextos, a definição de

categorias com suas respectivas citações, entre outros. Atualmente, esta análise é feita usando-se os

editores de texto e as propriedades de realce de trechos do texto que eles oferecem (como a usada na

palavra realce nesta frase). A vantagem é que mantemos a frase em seu contexto e o trabalho é mais

rápido.

5.9.4 Comentários finais sobre Grupos Focais

O método do Grupo Focal discutido no presente trabalho pode ser utilizado para vários propósitos:

gerar hipóteses sobre um assunto a partir da perspectiva dos informantes selecionados; avaliar um

serviço ou intervenção; fornecer um quadro inicial para estudo de um campo até então não explorado

cientificamente; obter a interpretação de um determinado grupo sobre resultados quantitativos

obtidos em estudos prévios ou contribuir para a montagem e testagem de questionários e escalas para

projetos de pesquisa quantitativos (KRUEGER, 1988; MORGAN, 1988; Who, 1992). Entretanto, deve ser

observado que a possibilidade do Grupo Focal ser útil não implica que ele vai ser sempre adequado

para abarcar um tema de investigação. Temas de natureza muito pessoal e delicada possivelmente

apresentarão resultados decepcionantes se abordados em Grupo Focal. Da mesma forma, é preciso ter

em mente que estudos com Grupo Focal não oferecem boas estimativas de frequência, uma vez que não

é esse o seu propósito. Ou seja, a adoção de Grupos Focais em um projeto deve ser bastante refletida,

como, aliás, a adoção de qualquer método.

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5.10 Críticas aos delineamentos sem intervenção com análise qualitativa

As principais críticas que são feitas a estes delineamentos estão listadas na Figura 49. Essas críticas

estão centradas na validade e na possibilidade de generalização dos resultados obtidos por pesquisas

com este tipo de delineamento.

Figura 49- Críticas aos delineamentos de pesquisa sem intervenção.

Um primeiro ponto que deve ser lembrado é que este tipo de pesquisa, normalmente, abre mão da

generalização a priori para populações. Não é seu objetivo ser generalizável neste sentido. O que o

pesquisador busca é a Generalização Analítica (YIN, 2005). Neste tipo de generalização, o pesquisador

busca elementos para a construção de uma teoria que explique o fenômeno observado. Contudo,

vamos analisar cada uma das objeções a este tipo de delineamento e suas possíveis respostas:

Faltaria rigor a este tipo de pesquisa devido à falta de métodos procedimentais rígidos e

de hipóteses a priori;

Faltaria rigor a este tipo de pesquisa devido a sua dependência das características do

pesquisador e por serem fortemente apoiadas na subjetividade;

Pelo fato de grupos muito particulares de sujeitos serem estudados, estas pesquisas não

forneceriam base para generalização de seus resultados;

Estas pesquisas tomariam muito tempo.

Como resposta à primeira objeção, a falta de confiabilidade, os defensores deste tipo de pesquisa

apontam que há modos de aumentar a confiabilidade deste tipo de pesquisa, usando, por exemplo,

múltiplas fontes de evidência durante o processo de pesquisa.

À segunda objeção, podemos argumentar da mesma forma: o uso de múltiplas evidências e mesmo

mais de um pesquisador analisando o grupo de sujeitos e cruzando as informações coletadas

diminuem o peso de aspectos idiossincráticos ligados ao pesquisador.

Sobre a falta de base para generalizar, é argumentado de que uma única pesquisa, seja de que tipo for,

serve de base para uma generalização segura, sendo necessárias várias pesquisas para que possamos

ter uma visão mais completa do campo de estudo.

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Por fim, a questão tempo é realmente uma objeção forte apenas para pesquisadores ligados a projetos

de pesquisa com tempo delimitado para serem apresentados, como um projeto de pesquisa associado a

uma dissertação de mestrado, por exemplo. Esse ponto é importante se você está neste tipo de

situação. Por essa razão, se você é um estudante em curso de mestrado deve refletir bem se este tipo

de delineamento é factível na sua situação particular.

A Figura 50 mostra esquematicamente as ações possíveis e os problemas que solucionam.

Figura 50 – Possíveis respostas às objeções sobre os delineamentos de pesquisa sem intervenção.

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Capítulo 6. Os Instrumentos de Coleta de Registros

Instrumentos de Coleta de Registros são as ferramentas que o pesquisador utiliza para obter registros

os quais, depois de processados, constituirão os dados da pesquisa. Esta é uma diferenciação

importante. Por exemplo, a gravação de uma entrevista é um registro. A análise que fazemos dela, a

começar pela sua transcrição, retirando excertos para comporem categorias é que formarão os dados.

Em suma, o dado é sempre o resultado de uma transformação que fazemos sobre os registros.

Dentre os mais utilizados na pesquisa em ensino estão: o Questionário, o Opinário, a Entrevista, a

Filmagem e Testes. Passaremos agora a analisar em detalhe cada um deles. Novamente, convêm

chamar a atenção que não são os instrumentos utilizados o que torna a pesquisa qualitativa ou

quantitativa, mas a análise que fazemos dos registros obtidos.

6.1 O questionário

Este instrumento é dos mais utilizados e consiste em uma lista de perguntas a serem respondidas pelos

componentes da amostra. Podemos classificar os questionários em dois grupos. Pertencem ao primeiro

grupo, chamado de questionário restrito ou de forma fechada, aqueles questionários que pedem

respostas curtas, do tipo sim ou não, ou do tipo de marcar itens de uma lista de respostas sugeridas,

etc. O segundo grupo, chamado de aberto, é formado por aqueles questionários que pedem aos

respondentes que usem suas próprias palavras (oralmente ou por escrito) para responderem aos itens

do questionário. Tanto na forma oral como na forma escrita, o que caracteriza o questionário é que,

depois da fala do entrevistado, o pesquisador não complementa a pergunta com outras de

esclarecimento. Se isso acontecer, teremos uma entrevista e não um questionário. Outra diferenciação

importante é entre o questionário e o teste. O questionário busca informações obter opiniões e

percepções dos sujeitos enquanto os testes buscam aferir conhecimento do sujeito sobre um tema.

Um ponto importante na confecção do questionário é que sua construção passa, primeiro, pela

definição das categorias que o compõe. Uma categoria designa uma classe de informações que se quer

obter. Por exemplo, em um questionário sobre as causas da repetência escolar, uma categoria seria a

Família. Nesta categoria, teríamos questões sobre a estrutura da família, renda familiar, escolaridade

dos pais, grupo social no qual a família se insere, etc. A importância que o pesquisador atribui a cada

categoria será refletida no número de questões que fará sobre cada uma das categorias do

questionário.

6.1.1 Cuidados necessários ao elaborar os itens de um questionário

Um bom questionário deve ser construído de modo que seja simples de ser respondido, solicite apenas

informações que não possam ser obtidas de outra forma e seja relevante ao respondente. Listaremos a

seguir algumas normas para a construção de bons questionários. Embora já tenhamos abordado esta

temática em outro trabalho (ROSA, 2011) vamos reproduzir aqui parte do que já foi dito para que o

estudante tenha uma descrição completa do método de produção dos questionários. Focaremos a

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forma escrita, por ser a mais utilizada. Contudo, as nossas sugestões podem ser adaptadas à forma oral

sem dificuldade.

1. Defina ou qualifique os termos que poderiam facilmente ser mal interpretados.

Por exemplo, considere a seguinte questão de um questionário hipotético:

Qual o valor de sua casa?

Não fica claro para o respondente se o pesquisador quer saber o valor financeiro (quantos

reais vale a casa) ou afetivo (o quanto o dono gosta dela).

Uma melhor redação deste item seria:

Qual o valor da sua casa no mercado imobiliário (em Reais) ?

2. Seja cuidadoso ao usar adjetivos descritivos e advérbios que não têm um significado preciso.

São exemplos desse tipo de palavras: frequentemente, ocasionalmente, raramente. Estas

palavras não têm o mesmo significado para pessoas diferentes. Por exemplo, qual o significado

de uma pergunta como a apresentada abaixo:

Você toma banho frequentemente?

O que significa o advérbio frequentemente? Uma vez por dia? Uma vez por semana?

3. Ao enunciar as questões, de preferência a formas afirmativas às negativas. Se o uso da forma

negativa for incontornável, tome cuidado com as negações duplas. Realce as negativas para fins

de clareza, usando recursos gráficos como o sublinhado, negrito ou um tipo de letra diferente.

Por exemplo, a frase abaixo deve ser evitada:

Você não se opõe a que os alunos tomem banho após as aulas de ginástica?

A forma correta seria:

Você não se opõe a que os alunos tomem banho após as aulas de ginástica?

Mas, o melhor ainda seria colocar a questão nestes termos:

Você se opõe a que os alunos tomem banho após as aulas de ginástica?

Observe que a mesma informação é obtida sem o uso da negativa.

4. Seja cuidadoso com as alternativas inadequadas.

Por exemplo, o seguinte item de um questionário seria um mau item:

Casado? ( ) Sim ( )Não

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Este é um mau item, pois a pessoa poderia ser divorciada ou viver com outra pessoa sem ser

legalmente casada. Este tipo de informação não seria contemplado pelo item.

5. Evite questionar mais do que um assunto por item. Nessa situação, pode acontecer da pessoa

concordar (ou discordar) de uma parte da questão enquanto tem uma opinião contrária (ou a

favor) a respeito da outra parte do item.

Por exemplo, considere a seguinte pergunta:

Você pensa que o Banco Central do Brasil deva ser independente e que deva

fiscalizar o sistema financeiro?( ) Sim( ) Não

O respondente poderia concordar com a independência do Banco Central do Brasil, mas

poderia achar que o papel de fiscalizador do Sistema Financeiro deveria ser exercido pela

Receita Federal. Nesse caso, não haveria resposta possível.

6. Sublinhe ou ressalte com letra de tipo diferente aquelas palavras para as quais você deseja

chamar a atenção.

Por exemplo, a questão abaixo:

As escolas públicas deveriam oferecer cursos de Espanhol em virtude do

MERCOSUL?

Ficaria bem melhor escrita da seguinte forma:

As escolas públicas deveriam oferecer cursos de Espanhol em virtude do

MERCOSUL?

Observe que na nova redação salientamos que a questão se refere às escolas públicas, que a

língua que queremos que seja ensinada é o Espanhol e que a causa deste ensino é o

MERCOSUL.

7. Quando a pergunta do questionário envolver classificações ou comparações, é necessário o

fornecimento de um ponto de referência.

Considere a pergunta:

Como você classificaria o ensino ministrado pelo professor em sala de aula?

Superior ( )

Médio ( )

Inferior ( )

Esta pergunta é sem sentido, pois o respondente fica sem saber em relação a que as

atribuições de superior, médio ou inferior dizem respeito. Uma melhor redação seria dada por:

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Em relação aos demais professores com os quais você trabalhou neste período

letivo, como você classificaria o ensino ministrado pelo professor desta

disciplina em sala de aula?

Superior ( )

Médio ( )

Inferior ( )

8. Evite hipóteses sem base.

Por exemplo, veja a questão abaixo:

Você achou correto o aumento de salário recebido?

Neste caso um não poderia significar que o trabalhador achou insuficiente o aumento recebido

(que, no fundo, é a hipótese com a qual o pesquisador trabalha inconscientemente) ou poderia

significar que o trabalhador achou o aumento maior do que o devido. Ou seja, um não, nesse

caso, seria inconclusivo. Uma melhor redação seria dada por:

Em relação à cobertura das suas necessidades básicas (alimentação, saúde,

educação e transporte) o seu salário, após a incorpo ração do aumento

recebido, é suficiente para satisfazê-las?

9. Redija as questões em uma forma na qual ela seja apropriada a todos os respondentes.

Uma questão como a seguinte:

Qual o seu salário mensal?

Seria sem significado se no universo pesquisado existissem pessoas que ganhem por tarefa

executada. Esta questão seria mais bem escrita como:

Em um intervalo de 30 dias, qual a quantia que você recebe como remuneração

pelo seu trabalho?

Outra redação poderia ser:

Qual o seu salário? Indique a periodicidade de recebimento.

10. Projete questões que forneçam respostas completas e conclusivas.

Uma questão do tipo:

Você leu o livro Mulher de Trinta Anos?

De nada adianta se estamos querendo estudar os hábitos de leitura dos respondentes.

11. Forneça um sistema de classificação ao respondente.

Por exemplo, considere o seguinte item de um questionário:

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Liste quais são os seus programas de televisão favoritos .

O problema com esta formulação do item é que a lista produzida poderia ser escrita em ordem

crescente de preferência ou em ordem decrescente de preferência. O pesquisador não teria

como dizer qual o programa preferido do respondente.

Uma redação melhor seria dada por:

Liste quais são os seus programas de televisão favoritos. Ordene em ordem de

preferência, começando pelo preferido e listando os demais em ordem

decrescente de preferência.

12. Classifique as respostas segundo categorias estabelecidas por você e não por categorias

definidas pelos respondentes.

6.1.2 Outros cuidados necessários na elaboração de questio nários

Além dessas características, que dizem respeito à forma de construção dos itens do Questionário,

existem outras características gerais do Questionário que devem ser observadas:

1. Um bom Questionário lida com tópicos significativos para o respondente de modo que este

se disponha a gastar seu tempo e esforço para respondê-lo. Se a importância do tema do

Questionário não for evidente por si, uma carta ou observação no próprio questionário deve

ser providenciada;

2. Não há sentido em solicitar-se no questionário informações que poderiam ser obtidas de

outras fontes. Por exemplo, em um questionário aplicado a um grupo de professores de certa

escola, dados de identificação, tais como endereço e formação profissional, podem ser obtidos

a partir das fichas funcionais dos professores junto à secretaria da escola na qual estamos

executando a pesquisa;

3. O Questionário deve ser tão curto quanto possível. Questionários longos têm por destino

mais provável a lata de lixo do que voltarem para a mesa do pesquisador;

4. O Questionário deve ter uma aparência agradável, limpa e com redação cuidadosa;

5. As ordens devem ser claras e completas;

6. Termos importantes devem ser definidos;

7. Cada questão deve lidar com uma única ideia;

8. Todas as questões devem ser escritas de forma simples e tão claras quanto possível e as

categorias apresentadas devem ser do tipo que tornem as respostas fáceis e não gerem

ambiguidades;

9. As questões devem ser objetivas, sem termos ou redação que indiquem o desejo por algum

tipo de resposta;

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10. As questões devem ser apresentadas em uma forma organizada logicamente, as questões

mais gerais sendo apresentadas primeiro e, a seguir, aquelas mais específicas. Esta ordem

ajuda os respondentes a organizarem seu pensamento, tornando suas respostas lógicas e

objetivas;

11. Procure apresentar as questões em uma forma agradável ao respondente, criando um

clima favorável. Evite perguntas que possam levantar rejeição ou criar situações de embaraço

aos respondentes;

12. Organize o Questionário de forma que a tabulação seja fácil e a interpretação direta. É

aconselhável construir uma tabela previamente, antecipando como os dados serão tabulados e

interpretados, antes que a forma final do Questionário seja estabelecida. Esta etapa é

importante para evitar ambiguidades na forma final do questionário.

6.2 Opinário ou Escala de Atitudes

Os Questionários que têm por objetivo medir as atitudes ou crenças de um indivíduo são conhecidos

como Opinários ou Escalas de Atitudes. Neste tipo de situação, o pesquisador está interessado nas

crenças, sentimentos, opiniões e atitudes dos respondentes a respeito de determinado tema. A ideia

geral por trás de um instrumento deste tipo é a de obter-se um quadro das crenças dos sujeitos a partir

de afirmações com as quais os respondentes podem concordar ou não.

Por exemplo, um par de afirmações seria o mostrado abaixo:

O meu esporte preferido é o basquete.

O meu esporte preferido é o vôlei.

Como você pode observar, estas afirmações se negam mutuamente, uma vez que o respondente não

pode ter, ao mesmo tempo, o vôlei e o basquete como seu esporte preferido.

A primeira etapa da construção desse instrumento é coletar-se um conjunto de afirmações sobre o

objeto da pesquisa (veja a Figura 51). A correção das afirmações não é fundamental, o que importa é

que elas expressem possíveis opiniões partilhadas pelas pessoas que responderão ao Opinário. O

fundamental é que as sentenças expressem opiniões afirmativas sobre o conteúdo, favoráveis ou

desfavoráveis a determinado ponto de vista, evitando-se formas negativas construídas pelo uso da

palavra não. O número de questões favoráveis deve ser aproximadamente o mesmo das questões

desfavoráveis.

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Figura 51 – Características do Opinário.

É importante que, na construção do Opinário, se distribua aleatoriamente as questões favoráveis e as

desfavoráveis de maneira que opiniões do pesquisador não influenciem a sequência das questões e

esta última influencie as respostas.

Há várias formas de analisar-se este tipo de teste. A mais simples delas é indicar o percentual de

respostas para cada afirmação individual. É também possível combinar as categorias para indicar as

percentagens. Uma forma mais elaborada de analisar-se um Opinário é a chamada Escala Likert.

Quando usamos esta escala, para cada uma das afirmações contidas no Opinário é fornecida uma escala

para que o respondente marque o grau de concordância que tem com a afirmação. Esta escala

normalmente comporta cinco categorias de classificação da opinião do respondente, em relação à

afirmação feita: Concordo Fortemente, Concordo, Sem Opinião24, Discordo, Discordo Fortemente. O

respondente deve assinalar apenas uma dentre as cinco categorias propostas. Podemos, então,

construir um escore total para o teste de cada respondente atribuindo valores numéricos a estas

categorias. Por exemplo, podemos atribuir o valor 5 à categoria Concordo Fortemente e valor 1 à

categoria Discordo Fortemente.

Na análise desse tipo de questionário procede-se da seguinte forma: são comparadas as afirmações

favoráveis com as afirmações desfavoráveis correspondentes. Caso haja coerência entre as duas

mantém-se apenas uma delas (as formas positivas de preferência, como no nosso exemplo) para fins

de construção do escore, que pode então ser objeto de análise estatística. É importante que os itens nos

quais o sujeito assinalou a mesma categoria de resposta para a afirmação e sua negativa sejam

descartados (concordo para as duas, por exemplo), pois isto indica que, para esses itens, os sujeitos não

possuem opinião coerente.

Assim, como exemplo, consideremos um Opinário composto por 30 afirmativas (15 favoráveis e 15

desfavoráveis) no qual as categorias de respostas são definidas como acima. Neste caso, os seguintes

escores totais seriam interpretados da seguinte forma (tomamos aqui somente as formas favoráveis ou

positivas dos enunciados das questões):

24 Esta pode ser substituída pela expressão indiferente.

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15 x 5 = 75 - Atitude mais favorável possível (Concordância total).

15 x 3 = 45 - Atitude neutra.

15 x 1 = 15 - Atitude mais desfavorável (Discordância total).

Embora estejamos interessados aqui nas técnicas de análise de natureza qualitativa, um ponto

importante a respeito da interpretação dos dados de Opinários que fazem uso da escala Likert

(JAMIESON, 2004), e que reside na natureza dos dados da escala, tem que ser ressaltado. Apesar de,

aparentemente, estes dados serem de natureza intervalar, ou seja, dados para os quais há um intervalo

fixo entre os valores atribuídos (no nosso caso, atribuímos uma diferença de 1 entre dois pontos da

escala) estes dados na verdade são ordinais. Isto porque, para o respondente, uma diferença de 1 entre

Concordo e Concordo Fortemente pode não ter o mesmo significado que uma diferença de 1 entre

Discordo e Discordo Fortemente. Temos, portanto, apenas um ordenamento: sabemos que o

respondente concorda mais ou menos com a afirmação. Por essa razão, ao analisarmos um Opinário

que usa a escala Likert, as medidas de tendência central a serem usadas são a Moda e a Mediana, não a

Média. Este tipo de instrumento, contudo, se presta melhor a uma análise de natureza qualitativa das

respostas dos indivíduos.

6.3 A Entrevista Clínica

A entrevista clínica, ou simplesmente entrevista, é uma maneira de obtermos informações

diretamente com as fontes. As entrevistas podem ser, basicamente, de dois tipos (veja a Figura 52).

Figura 52 –Tipologia da entrevista.

1) Aberta - nesse caso o entrevistador não segue um roteiro pré-definido, orientando-se pelas

respostas do entrevistado.

2) Fechada - nesse caso existe um roteiro pré-definido das perguntas a serem seguidas e o

entrevistador não deve desviar-se dele25.

25 Como dissemos antes, nesse caso temos um questionário e não uma verdadeira entrevista.

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No entanto, o caso mais comum é quando o entrevistador possui um roteiro de questões a serem feitas

ao entrevistado, mas é permitido ao entrevistador digressões desse roteiro para explorar as respostas

dadas pelo entrevistado.

O fundamental durante a entrevista é a postura do entrevistador. Esta deve ser o mais neutra possível

de modo a não induzir a emissão pelo entrevistado de respostas esperadas pelo entrevistador.

Figura 53 – Aspectos da entrevista.

6.3.1 Conteúdo, tarefas e método da entrevista clínica26.

Existem três aspectos da entrevista clínica que têm sido ignorados ou confundidos: o conteúdo, a tarefa

e o método (Figura 53). O conteúdo se refere ao objeto da entrevista. A tarefa se refere ao problema

particular, a situação ou caso específico apresentado ao entrevistado.

O método diz respeito à técnica pela qual procuramos obter informações dos sujeitos. Existe,

naturalmente, conexão entre os três, uma vez que a técnica é sempre projetada para um conteúdo

particular presente em uma tarefa particular.

O conteúdo da entrevista é apresentado aos entrevistados por meio de problemas específicos,

situações e casos particulares, aos quais nos referimos como tarefas. Estas tarefas não são equivalentes

ao conteúdo, sendo mais instrumentos para o ganho de informações em um domínio específico. As

tarefas também são instrumentos no sentido de que são exemplos de um conjunto muito mais geral de

possibilidades e alternativas. Além disso, uma tarefa específica pode ser adequada a um grande

número de conteúdos. Algumas tarefas são mais apropriadas a uma área do conteúdo do que a outra,

dependendo do propósito da entrevista e dos sujeitos que serão entrevistados.

O método ou o formato da entrevista clínica refere-se às técnicas de entrevistar ou, em outras palavras,

como o entrevistador utiliza as tarefas e manipula os modos de questionamento pelos quais as

informações sobre determinado conteúdo são obtidas. O método pode variar de um formato

extremamente rígido, o qual não permite nenhuma flexibilidade, a um modelo fluido, no qual o

26 O que segue, até o final desta seção, é uma tradução de partes do texto Pines et al. (1978). Algumas adaptações foram feitas para atualizar certas partes do texto.

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entrevistador segue as respostas dos entrevistados. Os métodos podem ainda serem classificados

segundo dois outros critérios:

Quanto aos aspectos técnicos os quais podem ser preparados antes de a entrevista acontecer;

Quanto a aspectos mais fluidos os quais exigem uma base experiencial rica por parte do

entrevistador, associada ao domínio profundo do conteúdo investigado.

Qual dos formatos utilizar? Isto é função do tipo de pesquisa que queremos realizar. O formato rígido é

mais fácil de preparar, o formato mais aberto nos fornece uma gama maior de informações e nos

permite lidar com situações inesperadas.

É importante observar que não existe vínculo entre o conteúdo, o método e a tarefa selecionados.

Portanto, dois entrevistadores distintos podem usar a mesma tarefa para representar o mesmo

conteúdo ou conteúdos diferentes, enquanto usam métodos e técnicas distintas.

Em um formato totalmente flexível, o entrevistado é apresentado a uma tarefa e é feita a ele alguma

pergunta. Não importando qual a tarefa que foi apresentada ou qual foi a resposta do sujeito à primeira

questão, o entrevistador é obrigado a seguir cada resposta. O sujeito que responde nunca é

interrompido enquanto responde e suas observações são decisivas no curso que a entrevista tomará.

Duas coisas ficam imediatamente claras. Primeiro de tudo, a tarefa real que iniciou a entrevista torna-

se quase irrelevante e sua importância diminui à medida que a entrevista avança. Segundo, a entrevista

não tem estrutura; não pode existir uma concepção a priori do que será o conteúdo da entrevista. O

único guia a seguir é que tentaremos seguir cada uma das respostas fornecidas pelo entrevistado.

Existe certo número de corolários importantes do que foi dito:

É pouco provável que duas entrevistas se pareçam. Isto é válido para o mesmo sujeito

sendo entrevistado duas vezes sobre o mesmo objeto, bem como para dois sujeitos

diferentes;

O resultado da entrevista será diferente se realizada por dois pesquisadores diferentes ou

se for realizada em duas ocasiões diferentes;

Os dados provenientes da entrevista terão pouca estrutura, serão diversos e conterão uma

quantidade muito grande de informação.

O Quadro 4 mostra uma comparação entre os dois formatos de entrevista.

O formato inflexível da entrevista é útil para obter dados precisos que possibilitem ao pesquisador

discriminar entre pessoas, enquanto o formato flexível não permite discriminações de forma simples,

mas nos fornece informações sobre o que os sujeitos estão pensando, sobre seus conhecimentos e

crenças, e suas causas.

O formato de entrevista inflexível é, de muitas maneiras, como testes fidedignos e por esta razão para

apontar diferenças entre os sujeitos. Deste modo, elas podem ser usadas eficientemente para

classificar os sujeitos segundo alguma variável padrão ou para avaliar possíveis diferenças em alguma

variável dependente após algum tratamento. Entretanto, a menos que usemos métodos mais flexíveis,

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pouca informação adicional pode ser obtida sobre os sujeitos classificados na categoria discriminada

pelo formato inflexível.

6.3.2 Fidedignidade e Validade

Problemas de validade interna e externa devem ser levados em conta em qualquer programa de

pesquisa. Problemas relativos à validade externa devem ser considerados quando o programa de

pesquisa é projetado e questões relativas à amostragem são consideradas. Problemas de validade

interna, embora não totalmente discrimináveis daqueles da validade externa, dizem mais respeito com

o procedimento de medida realmente utilizado.

É óbvio que se a validade interna está faltando, não existe possibilidade de se obter validade externa

ou que os resultados sejam generalizáveis. A fidedignidade dos procedimentos de medida é

intimamente ligada a problemas de validade interna, no sentido em que, se as medidas não forem

precisas, faz pouco sentido perguntar se as medidas estão medindo o que se propõem a medir. Esta

lógica tem levado a uma ênfase excessiva na precisão dos instrumentos em termos de fidedignidade.

Entretanto, se um instrumento mede alguma coisa com fidedignidade isto não implica que ele esteja

medindo aquilo que se propõe a medir, ou seja, ele pode ainda ser inválido.

Do exposto acima, devemos enfatizar que a entrevista clínica não produz resultados idênticos de uma

entrevista para a próxima com o mesmo sujeito, mesmo com o mesmo entrevistador. Nosso

argumento, entretanto, que a entrevista clínica é fidedigna no sentido em que uniformidade no

conteúdo de informação obtido é possível e entrevistadores treinados podem mostrar coeficientes de

correlação da ordem de 0,9 ou superiores. Além disso, se precauções forem tomadas para assegurar a

validade máxima das respostas, então os dados obtidos são extremamente válidos, especialmente

quando dizem respeito sobre o que o aprendiz já sabe. Embora as palavras exatas que uma criança usa

de uma entrevista para outra possam variar, isto não implica necessariamente em falta de

fidedignidade na técnica de obtenção dos dados. De fato, seria extremamente surpreendente se alguém

repetisse exatamente as mesmas respostas em duas ocasiões diferentes. De fato, se uma repetição

palavra por palavra acontecesse, então deveríamos suspeitar que ocorreu algum processo de

memorização, ao invés de aprendizagem significativa.

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Quadro 4 - Comparação das características entre os dois tipos de formato de entrevista.*

Categorias

Formato da Entrevista

Inflexível Flexível

Papel da tarefa inicial As tarefas são altamente relevantes e relacionadas ao formato da entrevista. As tarefas são somente relevantes com um estímulo para o começo da

entrevista.

Fidedignidade AS entrevistas são reprodutíveis porque o formato não depende do

entrevistador e também não depende do entrevistado

As entrevistas têm pouca ou nenhuma capacidade de serem reproduzidas

e dependem fortemente do entrevistado e, em certo grau, do

entrevistador, do contexto e das circunstâncias nas quais foi feita.

Poder preditivo do resultado O formato da entrevista e os dados resultantes podem ser antecipados a priori. Exceto pelo princípio geral de seguir as respostas dos estudantes, o

formato preciso da entrevista e os dados resultantes não podem ser

antecipados a priori.

Conteúdo informacional Os dados obtidos são precisos, mas com pouca quantidade de informação. Os dados obtidos têm pouca estrutura e são ricos em informação.

Interpretação dos resultados A interpretação dos resultados é direta. A interpretação dos dados é muito difícil.

Possibilidade de categorização Os resultados são categorizáveis, normalmente em categorias dicotômicas. A entrevista como um todo não pode ser facilmente categorizada em

qualquer sentido.

* Adaptado de PINES et al (1978).

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6.3.3 Conduzindo a entrevista

Nesta seção, faremos uma descrição dos fatores que devem ser considerados cuidadosamente antes,

durante e depois da entrevista.

Figura 54 – Primeira fase da entrevista.

No que segue, estaremos nos referindo ao formato flexível da entrevista, aquele que tem por objetivo

investigar aspectos particulares do conhecimento dos sujeitos. Deste modo, a situação de entrevista é

altamente dependente das respostas dos sujeitos e não pode ser totalmente antecipada de antemão.

Previamente, nós explicamos que este tipo de entrevista mais flexível pode ser dividido em dois

aspectos que são qualitativamente diferentes. Algumas coisas podem ser antecipadas e preparadas,

podendo ser praticadas até atingir-se a perfeição, é a parte inflexível. Outros aspectos não são passíveis

deste tipo de sistematização, são os aspectos flexíveis da entrevista. A porção flexível da entrevista

refere-se tanto ao método de questionamento como também ao real conteúdo da entrevista.

A porção inflexível da entrevista clínica pode ser colocada como regras ou pontos de preparação de

uma forma sucinta. Obviamente, esta lista deveria ser longa se mencionasse todos os pontos possíveis.

Portanto, a lista que nós incluímos não será completa e enumerará somente aqueles itens que são

importantes ou tendem a ser negligenciados. Seguindo o procedimento para preparação, nós

providenciaremos guias mais gerais para lidar com os aspectos flexíveis da entrevista clínica.

A porção inflexível: preparação para a entrevista

Pedimos ao entrevistado que se sente e tentamos colocá-lo tão a vontade como possível. Deve-se dar a

ele alguns momentos para que se acostume ao ambiente e ao entrevistador. Isto é especialmente

importante em entrevistas com crianças. Às vezes, mais de uma seção pode ser necessária até que o

entrevistado se acostume com o ambiente da entrevista. A quantidade de tempo necessário para que o

sujeito da entrevista se acostume com o ambiente no qual a entrevista será executada é função das

características psicológicas do entrevistado. Há sujeitos que recusam serem entrevistados, e isto deve

ser respeitado.

Geralmente, a introdução da primeira entrevista consiste em informar ao entrevistado o que vai

acontecer, mostrando, se for o caso, o dispositivo de gravação que vai ser usado e mesmo mostrando

como funciona se necessário. Pede-se ao entrevistado enunciar seu nome completo logo no início da

entrevista. O entrevistador deve começar falando com o entrevistado de modo a criar uma ligação

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entre os dois. Nesta etapa, a conversa deve ser informal e deve ser gravada, a menos que alguma razão

(ansiedade do entrevistado, por exemplo) o impeça. Pelo menos algumas questões não relacionadas

com o assunto da entrevista devem ser feitas primeiro, para ajudar a colocar o respondente da

entrevista à vontade.

É importante chamar a atenção do entrevistado de que a entrevista não é um teste, no sentido que vai

lhe ser atribuída alguma nota e que, principalmente, não há resposta certa ou resposta errada. Esta

afirmação deve ser feita de maneira firme e convincente, como se fosse feita exclusivamente para o

entrevistado. Caso mais de uma entrevista seja feita, estas afirmações podem ser repetidas, com o

cuidado de repeti-las todas e sem acrescentar novas.

Encerrada esta fase, com o entrevistador sentindo que o entrevistado está pronto para começar, a

primeira tarefa deve ser apresentada ao entrevistado. A primeira tarefa é especialmente importante na

primeira entrevista e desempenha um papel de transição para a tarefa principal que segue. Ela

“aquece” o entrevistado sem que o entrevistador tenha que seguir cada resposta dada pelo sujeito, o

que pode ser inicialmente intimidador.

A verdadeira entrevista então começa com a apresentação da tarefa que serve como estímulo inicial

para a entrevista. Um resumo do formato da entrevista é mostrado na Figura 55. A tarefa é

apresentada e uma questão sobre ela é colocada. Após o entrevistado respondê-la, o entrevistador

segue de acordo com a resposta dada. Se a resposta for relevante para o conteúdo em discussão, ela é

seguida e explorada. Entretanto, se a resposta for irrelevante, o entrevistador deve voltar à tarefa

apresentada inicialmente. A entrevista termina após a última tarefa tenha sido apresentada e discutida.

Alguns pontos devem ser seguidos para que armadilhas sejam evitadas, as quais podem levar a perda

de tempo e frustração:

1. Estudo Piloto - cada programa de pesquisa no qual a utilização de entrevista clínica está prevista

deve realizar um estudo piloto no qual as entrevistas possam ser desenvolvidas. As entrevistas piloto

devem ser feitas em uma população similar em todos os aspectos àquela que será objeto do estudo

principal.

Os maiores objetivos do estudo piloto são determinar quais tarefas podem ser usadas para atingir os

objetivos da entrevista e acostumar o entrevistador com a população de sujeitos que serão objeto do

estudo principal. Novos estudos piloto devem ser realizados se necessário até que estes dois objetivos

tenham sido atingidos.

2. Preliminares - Se as entrevistas forem conduzidas dentro de um ambiente institucional, todos os

contatos com as autoridades devem ser feitos com antecedência. Espaço e agendamento das

entrevistas devem ser garantidos. Se estas instituições são escolas, professores devem também ser

contatados para planejar os detalhes do trabalho.

Qualquer informação sobre os sujeitos que serão entrevistados e que possa ter alguma influência

durante a entrevista deve ser providenciada de antemão. Por exemplo, deficiências auditivas,

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problemas relativos à manipulação dos objetos, ou fatores de personalidade específicos influenciarão a

condução da entrevista.

Os dados da entrevista (a sala de aula dos sujeitos, e quaisquer outras informações pertinentes

conhecidas) devem ser escritos nas capas de fitas ou em um arquivo associado à gravação digital antes

de a entrevista começar.

Algum sistema que assegure a presença (e a ordem apropriada) dos sujeitos entrevistados deve ser

previsto. Quando entrevistando crianças jovens em escolas, o entrevistador pode pedir ao final da

entrevista que a criança chame o próximo ou diga ao professor para mandar outro aluno para ser

entrevistado. Entretanto, no caso de crianças jovens, ou quando a entrevista é longe da sala de aula,

pode ser necessário que o entrevistador acompanhe o entrevistado até sua sala de origem. Não

importa o arranjo, ele deve ser combinado com o professor antes de as entrevistas começarem.

Uma lista de nomes de todos os alunos a serem entrevistados deve ser obtida. Cada sujeito que é

entrevistado deve ter seu nome marcado nesta lista. Caso não seja possível completar a entrevista com

determinado sujeito, uma nota deve ser anexada ao seu nome apontando claramente os tópicos que

ainda não foram cobertos.

Figura 55 - Formato da Entrevista.

Fenômeno: estímulo ou tarefa para

iniciar a entrevista.

Questão.

Resposta

Relevante?

Sim

Nova questão. Não

Redirecionamento

Resposta

Relevante?

Sim

Não

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2. Equipamentos27 - O entrevistador deve verificar se está com todo o equipamento necessário à

realização e registro da entrevista. Especial cuidado deve ser tomado com as baterias dos

equipamentos e com a disponibilidade de memória dos gravadores e filmadoras. O entrevistador deve

verificar previamente se existem tomadas no ambiente no qual as entrevistas serão realizadas e se

estas tomadas são compatíveis com os cabos dos equipamentos que serão utilizados.

O entrevistador deve manter um kit de entrevista, incluindo cabos e extensões, principalmente se o

local das entrevistas não for fixo. Devem fazer parte do kit peças de reposição quando for o caso. Se as

entrevistas forem armazenadas em fitas, carregue fitas extras. Assegure que haja tempo suficiente para

o registro da entrevista na fita. Caso contrário, use o outro lado ou troque a fita. Um problema com os

gravadores digitais é a necessidade de descarregar as entrevistas realizadas em um computador

quando a capacidade de armazenamento se esgotou. Esteja certo de que o computador disponível é

compatível com o gravador e que o gravador será reconhecido pelo computador permitindo o

esvaziamento da memória do gravador.

Todos os equipamentos e materiais que serão utilizados durante a entrevista devem ser testados

previamente.

Verifique periodicamente se o registro da entrevista está

acontecendo de forma adequada!

Não deixe para descobrir ao final da tarde que as três entrevistas foram perdidas por um problema

qualquer no gravador de áudio ou imagem.

Cadeiras e outros móveis (por exemplo, ar condicionado) devem ser verificados antes que a entrevista

comece. Quando o entrevistado for uma criança, os assentos devem ser de mesmo tamanho de modo a

evitar efeitos ligados ao “grande e pequeno”. As cadeiras devem ser confortáveis e de altura adequada

para garantir que os objetos colocados sobre a mesa sejam alcançados e manipulados com facilidade

pelo entrevistado. A mesa deve ser grande o suficiente para acomodar todo o material que vai ser

utilizado e ainda ter espaço sobrando para que anotações possam ser feitas se for o caso. Se vários

equipamentos forem utilizados ao longo da entrevista eles devem ser colocados em uma caixa ao lado

da mesa, sendo colocados sobre ela apenas no momento de sua utilização. Isto evitará distrações.

4. Tarefas ou estímulos - O entrevistador deve praticar cada tarefa antes da entrevista. Isto inclui

montar e executar a tarefa com a máxima eficiência.

Nenhuma tarefa que possa ser perigosa para os entrevistados deve ser utilizada

sem as precauções apropriadas.

5. Procedimentos - tanto a cadeira do entrevistado como do entrevistador devem ser colocadas do

mesmo lado da mesa para permitir a maior clareza possível aos registros de áudio. Muitas situações de

entrevista empregam um arranjo no qual entrevistador e entrevistado ficam um em frente ao outro.

27 Aqui, atualizamos o texto original.

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Este tipo de arranjo pode ser inconveniente e desconfortável se não for natural. Quando tanto o

entrevistado como o entrevistador estão do mesmo lado da mesa, o contato “olho no olho” também

acontece sem este tipo de constrangimento. Existe ainda a percepção por parte do entrevistado de que

“tanto eu como o entrevistador estamos trabalhando sobre o mesmo problema”.

É importante manter um diário no qual as entrevistas agendadas possam ser registradas. É também

importante anotar quaisquer fatos ou eventos que sejam extraordinários ou potencialmente

importantes.

Quando a entrevista for do tipo semiestruturada, é importante que o entrevistador tenha a vista um

fluxograma da entrevista. Este fluxograma deve ser colocado em uma posição de fácil visualização pelo

entrevistador.

Um cronômetro deve ser visível para o entrevistador de modo que o tempo da entrevista possa ser

controlado. No caso de crianças pequenas, a duração da entrevista deve ser de 20 minutos,

aproximadamente. Este tempo é calculado em função da capacidade destas crianças manterem a

atenção nas tarefas. Se uma entrevista excede os 25 minutos as crianças tendem a ficar inquietas e

perderem a concentração. Deste modo, estender a entrevista além desse tempo é contraproducente.

Todas as tarefas devem ser realizadas dentro deste tempo. Contudo, não adianta, como veremos mais

adiante, aumentar o número de questões por unidade de tempo, pois há limitações quanto a este

aspecto. É mais adequado dividir o conteúdo da entrevista em vários encontros.

Especialmente quando a entrevista está sendo gravada, é importante que cada questão seja enunciada

coerentemente e em voz audível. Se qualquer das respostas for enunciada em voz baixa pelo

entrevistado, ela deve ser repetida imediatamente para o propósito do registro. Da mesma forma,

quando a resposta do entrevistado envolver formas não verbais (como apontar algo, por exemplo) a

resposta deve ser repetida verbalmente, pelo entrevistador ou pelo entrevistado.

Todos os objetos que não estejam sendo utilizados devem ser mantidos longe do olhar das crianças.

Somente uma tarefa deve estar sobre a mesa a qualquer tempo (a menos que exista alguma razão

específica para deixar um objeto a vista após o seu uso). Após a tarefa ter sido completada, os objetos

devem retornar para a caixa na qual ficam armazenados. Este cuidado é importante para evitar

distrações visuais, especialmente quando entrevistando crianças pequenas.

Cuidado especial também deve ser tomado com os ruídos do ambiente, de modo que estes não

mascarem a gravação da entrevista. Se possível, estes ruídos devem eliminados antes de a entrevista

começar.

6. Comportamento do entrevistador - O entrevistador deve estar descansado para iniciar um dia de

entrevistas. Geralmente, a agenda das entrevistas deve ser organizada de modo a incluir intervalos de

descanso regulares ao longo do dia. Intervalos de descanso mais frequentes são necessários ao final do

dia.

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Quando o entrevistador não estiver se sentindo bem, todas as entrevistas devem ser canceladas. Isto é

importante não somente para garantir a qualidade de cada entrevista conduzida, mas também para a

saúde dos entrevistados.

O entrevistador deve chegar ao local das entrevistas com tempo suficiente para montar os

equipamentos e evitar problemas de última hora,

Se os entrevistados não estão se sentindo bem ou quiserem deixar a entrevista por qualquer razão, isto

deve ser respeitado. No caso em que a criança não estiver se sentindo bem, é obrigação do

entrevistador garantir que a criança receba os cuidados necessários e que o professor (ou outro

responsável) seja comunicado do fato. O entrevistador deve estar consciente que, durante a entrevista,

ele é o responsável pelo bem estar da criança.

O entrevistador não deve dar, em circunstância alguma, qualquer recompensa ou incentivo ao

entrevistado, tais como doces, brinquedos, etc., sem a permissão específica do professor ou dos pais.

Durante a entrevista, em momento algum, o entrevistador deve fumar, chupar balas ou mascar

chicletes.

6.3.4 A porção flexível: linhas gerais de atuação

A entrevista clínica é análoga a caminhar sobre uma linha fina. De um lado, o entrevistador está

tentando obter o máximo de informação relevante do entrevistado; de outro lado, o entrevistador não

quer fornecer ao entrevistado qualquer informação que não seja já parte da estrutura cognitiva do

sujeito e, tampouco, restringir as respostas dos entrevistados de modo a evitar perdas de informação.

Deste modo, o entrevistador está constantemente sendo empurrado entre os objetivos a priori da

entrevista e as respostas dos entrevistados.

1. Competência do entrevistador no tema da entrevista

A entrevista clínica não pode ser considerada separadamente da pessoa que a realiza. Uma das razões

para isso vem da necessidade de que o entrevistador seja um especialista nos assuntos que constituem

o tema da entrevista. É impossível para um não especialista no assunto projetar e realizar a entrevista.

Se o entrevistador não é um especialista no assunto, não poderá perceber as relações que o

entrevistado está tentando estabelecer. De fato, sem um profundo entendimento do assunto, as pré-

concepções do entrevistador podem atrapalhar. Se este for o caso, muitas respostas potencialmente

úteis podem ser consideradas irrelevantes (ou, simplesmente, não serem consideradas) e, deste modo,

a entrevista não será conduzida de forma adequada. Nuances conceituais são de importância

fundamental na avaliação da estrutura cognitiva.

2. Experiência no processo de entrevistar

Entretanto, não é suficiente ser um especialista no assunto da entrevista. Uma grande quantidade de

prática é também necessária para levar a bom termo a entrevista. Este ponto foi salientado por Piaget

(1929), que estimou que um ou dois anos de prática eram necessários para desenvolver

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adequadamente as técnicas de entrevistar. Em geral, em torno de dez sessões são suficientes para

tornar alguém um bom entrevistador, no sentido de que as entrevistas por ele realizadas são

confiáveis. Muitos fatores estão envolvidos na determinação de quanto tempo é necessário para tornar

alguém um bom entrevistador. Estes fatores incluem traços de personalidade e flexibilidade da técnica

de entrevistar. Certas técnicas são somente adquiridas pela experiência, incluindo a habilidade de

perceber as muitas sutilezas nas respostas, as quais carregam informações na forma implícita. Obter a

maneira certa de colocar questões e a linguagem apropriada para aquelas questões pode ser aprendido

somente pela experiência. Além disso, competência na realização de entrevistas em um domínio não

pode ser transferida automaticamente a outros domínios. Estes dois aspectos - domínio do assunto da

entrevista e experiência do entrevistador - são provavelmente os fatores mais importantes

influenciando o sucesso do entrevistador. Com estes dois pré-requisitos gerais da entrevista em mente,

vamos agora analisar as questões e respostas que constituem o Discurso da entrevista.

3. Questionando: tipos e níveis

Tipos e níveis de questões devem sempre ser misturados para eliminar a possibilidade de o sujeito

entrevistado inventar um conjunto de respostas. É aconselhável misturar tipos de questões (p. ex.,

previsões, descrições, explicações) e os níveis de dificuldade inerentes a elas. Especificamente, se o

entrevistado está tendo problemas com determinado tipo de questão, o entrevistador deve tentar

empregar outros tipos mais fáceis. As questões colocadas não podem estar além da capacidade do

sujeito entrevistado. A quantidade de tipos e níveis de questões que podem ser usados é grande.

Geralmente, a entrevista deve começar com questões bem gerais e então focar em aspectos mais

específicos. As primeiras questões devem ser não diretivas e então, aos poucos, devem focar o assunto

da entrevista. Sempre que possível, após a enunciação de uma resposta superficial, deve ser tentada a

produção de respostas profundas envolvendo explicações causais. Lembre-se: os sujeitos respondem

de formas diferentes, alguns fornecendo imediatamente a resposta mais completa, outros tendo que

ser estimulados a fazer isto.

Deve ser dado aos sujeitos da entrevista oportunidades para concentrarem-se nas tarefas da

entrevista. Muitos fatores limitam o potencial de concentração (p. ex., condições físicas da sala, colegas

de sala, nível de ruído, etc.). Entretanto, a despeito dos fatores sobre os quais o entrevistador não tem

controle, o máximo esforço deve ser direcionado para permitir aos entrevistados absorver a tarefa que

eles têm que resolver. Por exemplo, um esforço consciente deve ser aplicado para não realizar

qualquer tarefa em paralelo que faça com que o entrevistado preste atenção no entrevistador e não na

tarefa. Muito importante: o entrevistado nunca deve ser perturbado quando estiver realizando uma

tarefa ou dando alguma resposta.

Durante a entrevista o entrevistador deve segurar o ímpeto de ensinar o entrevistado. Embora a

entrevista clínica seja executada em um contexto muito conveniente e útil no qual ensino e

aprendizagem podem ser obtidos de forma completa, o avaliador nunca deve usar esta parte da

metodologia de avaliação como um meio de realizar o ensino. A entrevista clínica, no contexto de

avaliação, é usada para acessar a estrutura cognitiva; portanto qualquer tipo de ensino invalidará os

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dados obtidos. Muitas vezes, é muito difícil segurar o ímpeto de ensinar durante a realização da

entrevista. Esta é outra razão para a autodisciplina. O ensino socrático tem seu espaço, mas não

durante a realização da entrevista, quando esta é usada como avaliação.

Sempre que possível, o entrevistador deve usar a terminologia dos entrevistados de modo a aumentar

a compreensão e deve evitar sugerir termos que o entrevistado não utiliza. Mesmo se a terminologia

do entrevistado for especificamente incorreta, as questões que seguem a utilização destes termos

devem empregar os termos dos entrevistados. Por exemplo, se uma criança da escola primária está

mostrando algumas sementes e pede-se que ela as identifique, se ela responder que são “feijões”, o

entrevistador deve continuar usando a palavra “feijões” sem qualquer preocupação. Possibilidades

existem de corrigir a nomenclatura posteriormente.

Na medida em que a entrevista prossegue e diferentes áreas são cobertas, o entrevistador pode

começar a introduzir novos termos específicos, para verificar se eles estão no vocabulário do

entrevistado e descobrir o que ele, o entrevistado, sabe sobre eles. Por exemplo, perto do final da

entrevista, o entrevistador pode perguntar você já ouviu a palavra energia? O que energia significa?

Neste caso, esforços anteriores para esclarecer o que a criança pensa a respeito haviam falhado (PINES,

1977). Entretanto, o entrevistador deve sempre controlar o fluxo de questões, de modo que as

questões menos dirigidas sejam esgotadas primeiro. A razão para isso é para que as questões dirigidas

não poluam as respostas dos entrevistados.

Se uma questão envolve uma série de alternativas de resposta, cada uma delas deve ser explicitada.

Perguntas que levam a respostas dicotômicas, do tipo sim ou não devem ser evitadas. Por exemplo, em

uma tarefa relacionada à conservação do número, nunca se deveria perguntar para a criança: Qual dos

montes tem mais pedras? Melhor seria perguntar à criança:

Há mais pedras em algum dos montes ou eles têm a mesma quantidade?

Em geral, existem três níveis diferentes de questões (ver Figura 56). O primeiro são as Questões não

específicas gerais. Este tipo de questão refere-se a um largo espectro de fenômenos e não são

específicas de uma tarefa. Deste modo, questões como:

O que você está vendo?

O que está acontecendo?

Você poderia me explicar isto?

São consideradas Questões não específicas gerais. O segundo grupo de questões são as Questões

específicas diretas. Estas se referem a alguma tarefa específica e são preparadas para ganhar mais

informação ou uma explicação mais profunda sobre um fenômeno específico. Deste modo, questões do

tipo:

Por que a ventoinha está girando?

O que a bateria tem a ver com a lâmpada?

Por que as galinhas comem milho?

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São características das Questões específicas diretas. Finalmente, existem as Questões neutras as quais

não se referem ao assunto, mas são projetadas para auxiliar o entrevistado a verbalizar. Deve ser

reforçado que o entrevistador nunca deve mostrar aprovação ou desaprovação às respostas dadas pelo

sujeito entrevistado.

Figura 56 – Tipos de questões da entrevista

Normalmente, todas as perguntas do entrevistador caem em uma das três categorias acima. No início,

as Questões não específicas gerais são empregadas, então as Questões específicas diretas são

apresentadas. Questões neutras permeiam toda a entrevista.

O entrevistador deve desenvolver uma coleção de questões neutras que possibilitem ao entrevistado

verbalizar e aprofundar algum conteúdo que foi discutido. Assim, por exemplo, o entrevistador pode

periodicamente (e especialmente no fim da entrevista) dizer Eu penso que entendi isso agora. Mas você

pensa que você pode dizer-me novamente o que você me disse sobre isto? Ou Isto é muito interessante,

mas eu não estou realmente seguro de que eu entendi isso; você poderia me explicar novamente de modo

que eu entenda melhor? Este tipo de questão encoraja o entrevistado a resumir o que foi dito e pode ser

muito útil para colocar em uma totalidade mais compreensível respostas que foram dadas de modo

esparso.

4. Escutando as respostas

Não somente o entrevistador tem a responsabilidade por perguntar questões interessantes, mas, e

talvez isto seja mais importante, de prestar atenção nas respostas do entrevistado. O entrevistador

deve estar sempre inferindo a partir das respostas dos entrevistados, tentando antecipar em que

direção uma resposta particular pode levar, em um esforço para preparar o curso mais fértil dos

questionamentos futuros. Hipóteses são continuamente levantadas e, sobre sua confirmação ou

rejeição, o rumo da entrevista vai ser determinado. Quando o entrevistador está alerta, questões serão

bem formuladas e a entrevista será rica. No tipo de entrevista flexível descrito aqui, o entrevistador

não estará interessado em qualquer resposta que, a priori, seja específica ou correta. O entrevistador

tentará manter uma mente aberta, ativa e inquiridora. É imperativo que muitas das pré-concepções

sejam deixadas de lado. O propósito da entrevista é acessar a estrutura cognitiva existente do

entrevistado. Portanto, a ênfase deve ser de receber respostas autênticas (e não necessariamente

corretas), as quais, de fato, mostrem a natureza dos relacionamentos conceituais existentes na

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 112

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estrutura cognitiva dos sujeitos. Nenhuma lógica externa deve ser sobreposta ao raciocínio dos

entrevistados.

Isto aponta para a necessidade de escutar atentamente e cuidadosamente o que cada sujeito diz e não

confiar em qualquer questão preconcebida que não surja das respostas do sujeito entrevistado. A

essência profunda da entrevista clínica é seguir as respostas dos sujeitos de modo a investigar a

estrutura cognitiva do entrevistado em determinada área. Isto somente pode ser obtido se o

entrevistador se concentrar completamente em cada resposta, deste modo percebendo todas as suas

implicações de modo a escolher dentre elas a que seja potencialmente mais relevante e fértil para

seguir. Existe a necessidade de dirigir e limitar a entrevista ao domínio de interesse, mas isto em

nenhum caso implica em forçar qualquer lógica a priori sobre o objeto ou sobre a entrevista. Embora o

entrevistador possa sempre levantar hipóteses, antecipando as respostas do entrevistado, novas

situações surgem continuamente. Elas exigem respostas criativas e rápidas por parte do entrevistador

e exigem concentração contínua.

O entrevistador deve evitar ser sugestivo ou fornecer aos entrevistados pistas. Este ponto é fortemente

enfatizado por Piaget (1929). A maneira como as questões são enunciadas podem dar pistas ao

entrevistado sobre quais são as expectativas do entrevistador. A menor expressão facial do

entrevistador pode ser facilmente interpretada pelos entrevistados. Deste modo, se o entrevistador

tem certas suposições ou expectativas, e estas se manifestam no seu comportamento ou ficam

evidentes pelo modo como as perguntas são colocadas, então o entrevistado aprenderá muito

rapidamente a satisfazer o entrevistador, deste modo invalidando os dados da entrevista. Crianças em

particular são muito rápidas em aprender como jogar o jogo. O único modo em que os problemas deste

tipo podem ser eliminados é garantir que nenhuma resposta específica é desejada e ser cuidadoso com

as pressuposições implícitas nas questões, mantendo essas pressuposições em um nível mínimo. Uma

vez que o entrevistador adote uma postura mental que não é direcionada para medir os ganhos dos

sujeitos, mas focada em investigar o que os sujeitos entendem da tarefa proposta, respostas certas ou

erradas ficam igualmente importantes. Deste modo, muitos problemas são eliminados. O entrevistado

não receberá pistas sobre qual é a resposta correta se o julgamento do entrevistador sobre correção

for temporariamente suspenso.

Para minimizar a extensão na qual o entrevistador dirige o entrevistado, as reações do entrevistador às

respostas dos entrevistados devem ser neutras. Respostas do tipo Eu sei... Você pode me falar mais a

respeito disso? Como você acha que isto funciona? São as desejadas. Por outro lado, respostas do tipo

Sim... Não... Isto está correto... Você está pegando a ideia... conduzem o entrevistado como em um jogo de

charadas. O inconsciente balançar de cabeça do entrevistador, por exemplo, será capturado pelo

entrevistado como concordância ou discordância da resposta dada. Se isto acontece, a entrevista torna-

se um ensino do tipo socrático e não uma forma de ter conhecimento sobre a estrutura cognitiva dos

entrevistados.

Atenção total deve ser dada ao entrevistado, de modo a detectar todas as pistas não verbais, as quais

podem ser bastante reveladoras. Na ausência de equipamento de gravação de vídeo, estas pistas

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 113

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devem ser anotadas para que possam servir posteriormente como uma dimensão adicional na

interpretação dos dados.

Se existe qualquer inconsistência ou contradição nas respostas do entrevistado, estas devem ser

esclarecidas durante a entrevista. O entrevistador deve esclarecer, quando frente a duas afirmações

contraditórias, em qual delas o entrevistado realmente acredita. Entretanto, uma vez que o

entrevistador não deve sobrepor a sua lógica sobre a lógica do entrevistado, deve ser assegurado que o

entrevistado não tenha alguma pré-concepção que gere duas afirmações conflitantes ou contraditórias

que coexistem na sua estrutura cognitiva. Durante a transcrição e análise dos dados, o entrevistador

sempre encontrará situações nas quais, em uma análise a posteriori, respostas que deveriam ter sido

mais exploradas não o foram, ou afirmações dos entrevistados que foram mal interpretadas no

momento da entrevista. Estas análises de entrevistas antigas são uma fonte de feedback a qual deve ser

usada para melhorar futuras entrevistas.

É importante que as questões tenham significado e sejam inteligíveis para os entrevistados. Se

nenhuma resposta é recebida após o tempo de espera recomendado, conforme será discutido mais

adiante, então a mesma pergunta deve ser refeita em uma forma mais simples.

O entrevistador nunca deve tomar as respostas dos entrevistados pelo seu valor de face, acreditando

fortemente em uma única resposta. Se existir qualquer dúvida sobre a validade ou sobre o significado

de certa afirmação ou proposição, o entrevistador deve colocar questões adicionais para se assegurar

de que ele de fato capturou o significado da resposta. Toda resposta ambivalente deve ser criticamente

avaliada sugerindo exemplos contrários ou conflitantes para se assegurar o que o entrevistado

realmente acredita. Além disso, se o entrevistador encontra afirmações conflitantes ou dados que são

difíceis de interpretar, ele deve, se possível, retornar ao entrevistado para esclarecer todas as situações

sem solução.

O entrevistador deve tentar entender objetivamente o que o entrevistado está dizendo, em um esforço

para avaliar as respostas a partir do ponto de vista do entrevistado. Tanto experiência como

concentração são necessárias para isto, e tanto quanto possível, as respostas devem ser entendidas a

partir do sistema de referência do entrevistado, e não distorcidas para se adaptarem ao sistema de

referência do próprio entrevistador, talvez mais sofisticado. O objetivo é colocar a si mesmo no lugar

do entrevistado. A sensibilidade do entrevistador desempenha um papel importante aqui.

Não existe nenhuma contingência necessária entre as perguntas do entrevistador e as respostas

emitidas pelo entrevistado. Deste modo, o entrevistador pode perguntar uma questão específica,

esperando uma resposta definida, e pode obter uma resposta totalmente inesperada. Esta é uma razão

pela qual o entrevistador deve estar concentrado todo o tempo. Quando o entrevistado responde deste

modo inesperado, o entrevistador deve tomar uma série de decisões rápidas. Primeiro, ele deve se

assegurar de que o que foi perguntado foi entendido pelo entrevistado e que o entrevistado está

realmente respondendo o que foi perguntado. Se existir qualquer dúvida sobre o que o entrevistado

escutou a questão claramente ou entendeu a terminologia usada, então a questão deve ser repetida ou

recolocada em outros termos. Mesmo assim, existe sempre a possibilidade de que o entrevistador não

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 114

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capturou o significado da resposta do entrevistado e que alguma informação valiosa esteja faltando. É

um erro assumir que toda resposta inesperada sugere que o entrevistado não compreendeu a questão.

Muitas vezes, o entrevistador é bloqueado por suas próprias crenças e não reconhece que a resposta é

apropriada e significativa. Vemos confusão similar quando um professor pensa que uma questão de

múltipla escolha tem apenas uma resposta correta. De modo a minimizar este tipo de erro, a

experiência e o conhecimento do assunto são fundamentais.

Certos tipos de questões podem ser eliminados com base no fato de que elas são raramente

entendidas. Outras serão reconhecidas como compreensíveis e, portanto, obtém melhores respostas

mais frequentemente. Muitas vezes, a solução para o problema da compreensão das questões

colocadas pelo entrevistador é obtida examinando o modo como uma questão reformulada é mais bem

compreendida pelo entrevistado. Porém, algumas vezes a diferença pode ser de natureza mais

substantiva.

É importante que nenhuma confusão seja feita entre compreensão verbal e conceitual. O entrevistador

está interessado no entendimento conceitual dos entrevistados e é muitas vezes o caso que certos

conceitos sejam entendidos, mas expressos de uma forma inadequada. Se o problema for verbal, então

reformular as respostas do entrevistado sem uma mudança substantiva no significado é possível e

desejável. Entretanto, se o problema for conceitual, então simplesmente reformular as respostas não

será suficiente e uma variação no nível de sofisticação da pergunta ou na direção de abordagem da

questão é aconselhável. O conjunto de habilidades que permite ao entrevistador reformular as

questões colocadas e distinguir entre problemas verbais e conceituais somente é adquirido com a

prática.

5. Tipos de respostas

Existem muitos modos de os sujeitos responderem. Nesta seção, lidaremos com a distinção entre

respostas superficiais e respostas profundas. Essa distinção se mostrou útil para esclarecer e analisar as

respostas dos entrevistados. Nós iremos discutir dois tipos de respostas que o entrevistador vai

encontrar: Eu não sei e o sujeito que não responde.

a) Respostas superficiais versus respostas profundas

Respostas superficiais referem-se àquelas respostas que não proporcionam uma explicação

para o fenômeno. Este tipo de resposta inclui, por exemplo, descrições, definições, citação de

nomes e reconhecimento. Respostas profundas, por outro lado, tentam explicar um fenômeno;

elas são explicações causais ou justificativas. Durante a entrevista clínica, o entrevistador está

sempre tentando obter respostas profundas bem como examinar a aplicação dos conceitos por

parte dos sujeitos. Entretanto, tanto as respostas superficiais como as respostas profundas

revelam parte da estrutura cognitiva do entrevistado.

A mesma proposição pode ser em um caso uma resposta profunda e em outro contexto uma

resposta superficial. Além disso, os dois tipos de respostas podem ser corretas ou não. Esta

caracterização em respostas superficiais e profundas é útil desde que forneça um guia para o

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 115

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entrevistador, que busca obter respostas profundas dos entrevistados. O entrevistador deve

descontinuar a linha que está seguindo ao receber uma ou duas respostas do tipo superficial.

Muitas vezes os entrevistados darão respostas que parecem profundas, mas que são, de fato,

superficiais. O entrevistador pensa que o entrevistado está dando uma resposta de tipo causal,

classificada como profunda, quando de fato a resposta é superficial e o entrevistado está

reelaborando o problema, ou dando uma descrição, ou se referindo a um aspecto visível da

tarefa em execução. Este tipo de resposta foi classificado por Piaget como pré-causal.

b) Respostas do tipo Eu não sei

Este tipo de resposta é de especial importância e não fornece, virtualmente, nenhuma

informação se, de fato, o entrevistado realmente enuncia este tipo de resposta porque ele

simplesmente não sabe. Isto também pode ser ambíguo. Por exemplo, suponhamos que seja

perguntado ao entrevistado: Por que as galinhas comem milho? E o entrevistado responde: Eu

não sei. Isto pode significar que o entrevistado não sabe por que as galinhas comem milho mais

do que cenouras, ou que o entrevistado não sabe o porquê de as galinhas comerem milho. Se

este tipo de resposta for rapidamente aceito, o entrevistador provavelmente interpretará

resposta de forma incorreta. A estratégia mais útil frente a este tipo de resposta é investigar

mais com questões do tipo: O que você pensa? Como regra geral, bons entrevistadores nunca

deixam uma resposta do tipo Eu não sei sem investigação.

c) Não respondedores

É importante assegurar um meio ambiente calmo e relaxante quando conduzindo uma

entrevista. Mesmo quando isto é conseguido em alto grau, existem ainda aqueles sujeitos que

não respondem, e que serão chamados de não respondedores. Tarefas não verbais especiais

podem ser usadas para sobrepor as dificuldades com estes sujeitos. Entretanto, se o sujeito

não explica verbalmente porque ele está realizando determinada atividade de um modo

particular, ou revela por que X é um exemplo de Y ao invés de Z, então não podemos nunca

estar seguros quais são as verdadeiras razões por trás do comportamento observado.

Respostas do tipo não verbal nos dão bases adequadas apenas para a mera especulação.

Os sujeitos que não respondem colocam um problema muito difícil na análise dos dados da

entrevista. A razão é que, não importa o que o entrevistado não diga, isto não pode ser

assumido como conhecido. O que fazer então? O pesquisador pode retirar estes casos de sua

amostra, mas não sem prejudicar o estudo. Excluir um subconjunto de sujeitos da análise dos

dados coloca o problema da validade externa. A alternativa seria deixar os sujeitos não

respondentes na amostra e avaliá-los como equivalentes aos sujeitos que não conhecem o

assunto. Mas, neste caso, nós sempre estaremos violando a validade interna porque nós

sabemos que aos sujeitos não respondentes não falta, necessariamente, conhecimento.

Pedagogicamente, não temos meios de prescrever uma linha de abordagem para os sujeitos

não respondentes. Somos ignorantes do que eles sabem e o que eles não sabem. Não sabemos

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quais pré-concepções eles têm ou onde suas confusões estão. Serão estes sujeitos não

respondentes especificamente no contexto da entrevista ou em outras situações eles se

comportam do mesmo modo? Este é um problema em aberto.

6. Tempo de resposta

Um dos fatores mais importantes na condução de uma entrevista exitosa é dar aos entrevistados

tempo suficiente para que respondam. No esforço de obter tanta informação quanto possível dos

sujeitos, o entrevistador, muitas vezes, é tentado a colocar muitas questões sem deixar um tempo

adequado para as respostas. Este bombardeamento de questões não é produtivo por inúmeras razões.

Primeiro, pesquisas mostram que existe um limiar de tempo de resposta abaixo do qual as crianças

tem mais probabilidade de não responder (ROWE 1974). Além do mais, esforços seguidos para fazê-las

falar as tornam mais inibidas que encorajadas a falar. Segundo, como o tempo da entrevista é curto, e é

informação que queremos dos entrevistados, é de suma importância que os sujeitos falem o mais

possível. Embora decisões relativas à relevância das respostas sejam as mais difíceis de tomar, é

melhor ter alguma informação irrelevante entre as respostas dos entrevistados que ter respostas

curtas relevantes a longas e elaboradas questões. Em resumo, pesquisadores devem estar interessados

em ouvir o que os entrevistados têm a dizer, com o mínimo de tempo possível reservado para a fala do

entrevistador.

Do exposto acima, o entrevistador deve colocar cuidadosamente cada questão e então dar ao

entrevistado tempo suficiente para responder, sem adicionar mais comentários, questionamentos,

avisos ou encorajamento. Isto parece fácil de compreender, mas pode ser a habilidade mais difícil de

atingir. Ela exige profunda autodisciplina para restringir a si mesmo durante o que pode parecer uma

eternidade de silêncio. O tempo que a experiência mostra ser o mais adequado, antes de colocar mais

questionamentos ou chamar a atenção do entrevistado, é entre vinte e trinta segundos. Este tempo é

aproximadamente vinte e cinco vezes o que Rowe (1974) observou que os professores esperam.

7. Relevância das respostas

É importante quando entrevistando ser capaz de distinguir entre aqueles tipos de respostas que são

relevantes (e, portanto, serão seguidas pelo entrevistador) e aquelas que são irrelevantes (e não serão

consideradas). Nós não devemos confundir respostas relevantes com informações corretas, válidas ou

fatualmente corretas. Do mesmo modo, as respostas irrelevantes com informação falsa, inválida ou

fatualmente incorreta. Estas são duas dimensões completamente diferentes. Uma proposição ou grupo

de proposições pode ser verdadeiro e válido e, ainda assim, não ter relação alguma com o assunto em

discussão. Por outro lado, uma resposta pode ser incorreta (ou seja, pode apontar para alguma

concepção errônea na estrutura cognitiva ou uma inferência inválida) e ainda assim ser altamente

relevante para o assunto analisado. Se estas concepções são julgadas irrelevantes pelo entrevistador e

não forem seguidas, um aspecto importante da entrevista clínica pode ser perdido.

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8. Mapas conceituais e redes semânticas

Para que possa decidir sobre a relevância das respostas, o entrevistador deve conhecer os limites do

conteúdo, de modo a ser capaz de tomar decisões sobre o que incluir e sobre o que não incluir. Este

tipo de guia pode ser obtido de um resumo que mostre o conteúdo. Quando o conteúdo é conceitual,

então o guia para a entrevista pode ser um mapa conceitual (ROSA, 2011).

Mapas conceituais podem ser úteis ao pesquisador de inúmeras maneiras e servir a muitos propósitos.

Se o mapa conceitual mostra e reflete a estrutura do conteúdo sobre o qual a investigação está sendo

realizada, então ele pode servir ao propósito de um resumo conciso para planejar a intervenção e a

avaliação.

Mais do que representar o conteúdo de uma forma hierárquica, focando somente em classes e

subclasses de relações entre conceitos, o pesquisador pode representar o conteúdo com uma grande

ênfase na variedade de relações entre os conceitos ou nodos.

Mapas conceituais e redes semânticas também são úteis na análise do protocolo da entrevista. Por

exemplo, podemos transformar o conteúdo da entrevista em um conjunto de proposições as quais são

mapeadas em uma rede conceitual.

Estas redes podem ser comparadas com redes representando o mesmo conhecimento do entrevistado

em diferentes instantes de tempo, ou diferentes entrevistados ou a representação dos conceitos da

área sob investigação presente nos materiais instrucionais ou como vistos por um especialista naquele

conteúdo.

9. Finalizando a entrevista

É importante que o entrevistado deixe a entrevista com um sentimento positivo. Isto é imperativo por

pelo menos duas razões: (a) O entrevistado não deve ser visto como um espécime de pesquisa, mas

como um ser humano cujos sentimentos são de máxima importância; (b) o entrevistado não deve

relutar em participar de futuras entrevistas, o que pode acontecer se ele sair com um sentimento

negativo da entrevista. Estes dois pontos, especialmente o primeiro, devem ser de preocupação

primária ao longo da entrevista, não somente nos últimos momentos. Entretanto, os últimos momentos

da entrevista devem ser dedicados especificamente a agradecer ao entrevistado pela sua participação e

devem ser focados unicamente nos conhecimentos e sucessos do entrevistado. Os tipos de frases de

encerramento da entrevista podem variar de acordo com o sujeito específico sendo entrevistado, o

entrevistador, e as circunstâncias nas quais a entrevista aconteceu; deve sempre ser expresso algum

tipo de reconhecimento e agradecimento.

Outro ponto que gostaríamos de salientar28 é a necessidade de o entrevistador levar o entrevistado a

um estado de calma antes de finalizar a entrevista, caso observe que o entrevistado ficou perturbado

pela entrevista. Isto pode acontecer, por exemplo, quando o entrevistado não obteve sucesso na

solução da tarefa proposta e se sentiu perturbado por isso. Este tipo de situação também pode ocorrer

28 Este parágrafo é nosso, não constando do texto original.

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quando a temática é particularmente difícil para o entrevistado. Considere uma entrevista sobre o

conhecimento de métodos contraceptivos com adolescentes. Suponha que uma delas tenha tido uma

experiência sexual anterior traumática. Neste caso, a entrevista pode mexer em feridas ainda não

suficientemente cicatrizadas.

Mais adiante, descreveremos a técnica de transcrição da entrevista, apontando para uma metodologia

para a padronização das transcrições, que serve também para outros tipos de transcrições necessárias

em outras técnicas de investigação.

6.4 Construindo testes

Este assunto já foi abordado por nós em outros textos (ROSA, 2011; MOREIRA & ROSA, 2012).

Contudo, faremos aqui alguns comentários sobre a construção de testes e sua utilização

principalmente em delineamentos de tipo experimental ou quase-experimental.

Um teste deve satisfazer primariamente dois atributos: deve ser fidedigno e válido. O segundo

atributo, validade somente pode ser obtido se o primeiro, fidedignidade, for satisfeito. Em outras

palavras, a fidedignidade é uma condição necessária (mas não suficiente) para a validade de um teste.

A fidedignidade é relacionada com a capacidade de o teste reproduzir nas mesmas condições o mesmo

resultado. É comum fazer-se uma analogia entre a fidedignidade e um jogo de dardos. O objetivo do

jogo de dardos é que o dardo atinja sempre o centro do alvo. Dizemos que o jogador é fidedigno se o

dardo que ele jogar sempre acertar a mesma posição (ou pontos próximos). Quanto mais próximos

forem os pontos atingidos, mais fidedigno é o jogador. Por outro lado, como o objetivo do jogo é acertar

o alvo central, se o jogador acertar sempre pontos próximos à borda do alvo ele é um jogador

fidedigno, mas não tem validade, pois não consegue atingir o centro do alvo.

A Figura 57 mostra, esquematicamente, as três situações: um jogador que não é válido e tampouco

fidedigno, um jogador que é fidedigno, mas que não é válido, e, por fim, um jogador que é fidedigno e

válido.

Figura 57 - (a) Um atirador que não é fidedigno, porque não acerta sempre em torno do mesmo ponto,

e tampouco válido, pois não acerta o centro; (b) Um atirador é fidedigno, porque acerta sempre em

torno do mesmo ponto, mas não válido porque não acerta o centro; (c) Um atirador que é fidedigno,

pois acerta sempre em torno do mesmo ponto, e válido, porque acerta o centro, objetivo do jogo.

(a) (c) (b)

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Uma das formas de obter-se a fidedignidade de um teste é pelo uso do coeficiente de Cronbach,

definido por:

.

Nessa expressão, n é o número de itens do teste, Vi é a variância em cada item e VT é a variância total no

teste (ver MOREIRA & ROSA, 2012 para mais detalhes de como calcular estas quantidades).

Este coeficiente assume, normalmente, valores entre 0,0 e 1,0. Quanto mais próximo de 1,0 melhor o

teste. Quanto mais próximo de zero (ou mesmo valores negativos) pior o teste. Qual a fonte de valores

pequenos neste tipo de coeficiente? O baixo valor do coeficiente de Cronbach de um teste indica que

as questões que compõem o teste estão medindo habilidades ou conteúdos diferentes, ou as duas

coisas, daí a baixa fidedignidade.

A solução para este problema consiste na retirada de questões do teste ou na reformulação das

questões que compõem o teste. A ferramenta básica para descobrirmos quais questões estão baixando

a fidedignidade do teste é a análise de correlação entre os escores obtidos em cada uma das questões

que compõem o teste o escore total do teste, obtida pela nota em todas as questões. O coeficiente de

correlação entre duas sequências de dados, compostas por n escores cada, chamadas aleatoriamente

de x e y, é calculado por:

.

Nesta expressão, e 29. Este coeficiente assume valores entre -1 e +1. Quanto

mais positivo mais o comportamento das duas variáveis se relacionam, quanto mais negativo mais o

comportamento das duas variáveis é oposto. É sempre bom lembrar que o índice de correlação não

implica em relações causais entre as variáveis, mas apenas indica que quando uma se comporta de

determinada maneira a outra se comportará de forma semelhante (se o coeficiente de correlação for

próximo de 1) ou terá comportamento oposto (se o coeficiente de correlação for próximo de -1).

O procedimento então é calcular o coeficiente de correlação entre os escores obtidos em cada questão

e o escore total do teste e eliminar as questões com baixo coeficiente de correlação (ou com valores

negativos).

Uma observação deve ser feita: se a análise descrita acima apontar para a retirada de um grande

número de questões, o teste como um todo deve ser refeito. Se isso acontecer é porque o teste foi mal

concebido e escores totais não podem ser construídos.

Como dissemos, a Análise de Fidedignidade é pressuposto para a validade do teste. A validade por sua

vez resulta de uma análise qualitativa das questões do teste que tenta responder às questões seguintes:

29 Os valores com barra, seguindo a convenção anterior, são as médias em X e Y.

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As questões do teste abordam os conteúdos que o teste pretende investigar?

As questões do teste abordam o conteúdo no nível cognitivo que o teste pretende

investigar?

Estas duas questões somente podem ser respondidas após uma análise cuidadosa das questões

propostas no teste por um especialista (não deve ser quem preparou o teste) que fará esta avaliação.

Testes com baixa fidedignidade são automaticamente considerados não válidos.

O que fazer se temos um teste com baixa fidedignidade e não temos tempo ou condições de realizar

novamente o estudo30? A interpretação de um coeficiente de fidedignidade baixa, como exposto acima,

passa pela conclusão de que não podemos construir um escore total do teste. Ou seja, não podemos

somar os escores individuais das diferentes questões que compõem o teste para construir uma nota no

teste e usar esta nota para comparar grupos. Contudo, podemos ainda analisar as questões de forma

individual, usando técnicas qualitativas de análise, por exemplo.

Outro ponto que é preciso ter cuidado diz respeito aos delineamentos que usam pré e pós-testes, com

grupos de controle e experimental. A ideia de usar pré e pós-testes é garantir que no início, antes da

aplicação da atividade objeto da pesquisa, os dois grupos eram equivalentes nas variáveis que serão

objeto do trabalho ao longo da atividade. Após a atividade, a função do pós-teste é medir o efeito da

atividade nas variáveis observadas.

O problema aqui é garantir a equivalência entre os dois testes. Se isto não for averiguado, pode

acontecer de o pré-teste medir conteúdos diferentes do pós-teste ou medir o mesmo conteúdo em

níveis cognitivos diferentes ou ambos. O problema é que, se os testes medirem habilidades e conteúdos

diferentes, qualquer diferença observada no pós-teste não poderá ser creditada à atividade realizada

com os sujeitos que participaram da pesquisa. Poderia haver uma diferença inicial no conhecimento

dos sujeitos investigados sobre o conteúdo (ou no nível das habilidades cognitivas) que simplesmente

não foi pega pelo pré-teste e que o pós-teste está registrando.

A solução para esse problema passa, novamente, pela análise estatística e pela análise qualitativa dos

dois testes. A análise quantitativa faz uso do coeficiente de correlação entre os escores dos dois testes

em estudos piloto (estudos realizados com o único objetivo de testar as ferramentas e metodologias a

serem usadas na pesquisa). Se a correlação for alta isto indica a equivalência entre os dois testes.

A análise qualitativa passa pela comparação entre as questões presentes nos dois testes de modo a

garantir que haja questões abordando o mesmo conteúdo no mesmo nível de habilidade cognitiva em

número equivalente nos dois testes. Assim, se temos uma questão abordando a Segunda Lei de Newton

no nível de aplicação em um teste deverá haver uma pergunta equivalente no outro teste. Outra

30 Esta situação, infelizmente, é bastante comum. Com os prazos apertados para a finalização de cursos de pós-graduação, o hábito saudável de realizar estudos piloto para validação dos testes, entre outros objetivos, o pós-graduando se vê muitas vezes frente à situação constrangedora de descobrir após aplicar os testes que os mesmos têm baixa fidedignidade.

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preocupação de quem constrói os testes é com a ordem das questões. Ela deve ser equivalente nos dois

testes. Se o pré-teste começa por questões que envolvem apenas a memória e enunciação, assim deve

começar o pós-teste também.

Quando usamos mais de uma ferramenta para obter registros de uma pesquisa (por exemplo, uma

entrevista e um teste escrito) devemos averiguar se a ordem de aplicação não influencia o resultado

obtido. Deste modo, no estudo piloto, enquanto um grupo realiza primeiro a entrevista e depois

responde ao teste, outro grupo cumpre as atividades na ordem inversa. Procuramos então observar

qual a correlação entre os testes. Uma alta correlação significa que a ordem não influenciou os

resultados.

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Capítulo 7. Analisando os registros coletados

Uma vez obtidos os registros por algum dos Instrumentos de Coleta de Registros descritos no capítulo

anterior chega o momento de analisá-los. Esta etapa é que caracteriza uma pesquisa como quantitativa

ou qualitativa. Entretanto, é importante ressaltar, esta etapa é profundamente dependente e

interligada com o delineamento geral da pesquisa. Não há sentido em escolher o instrumento de coleta

de registros independente da forma pela qual a análise destes registros será feita.

As técnicas de análise quantitativas são baseadas no uso da Estatística Inferencial e já as abordamos

em detalhe em outro texto (MOREIRA & ROSA, 2012). Aqui, nos preocuparemos com as técnicas

qualitativas de obter-se informação a partir dos registros coletados, principalmente a Análise de

Conteúdo Categorial, bastante utilizada atualmente.

Figura 58 – Diferenciação entre Análise do Discurso e Análise de Conteúdo.

7.1 O Discurso e sua análise

Antes de entrarmos na Análise de Conteúdo propriamente, temos que discutir o que se entende por

Discurso e a partir daí a diferenciação entre Análise de Conteúdo e Análise do Discurso, duas maneiras de

analisar o Discurso e que são muitas vezes confundidas. Primeiramente, devemos salientar que existem

dois tipos de abordagens da Análise do Discurso. A primeira tem origem na Linguística e se preocupa

com a Estrutura Linguística do Discurso. A segunda tem origem na Sociologia e se preocupa com as

condições sociais de produção do Discurso. Ambas apresentam pontos fortes e pontos fracos conforme

mostra Fairclough (2008), o qual busca uma síntese entre estas duas correntes. Aqui, privilegiaremos a

segunda destas linhas, a Análise Social do Discurso.

O termo Discurso se refere ao conjunto de enunciados emitidos por algum sujeito sobre determinado

objeto. Originariamente, o termo Discurso se refere ao texto escrito (Análise Textual Discursiva,

FAIRCLOUGH, 2008; MORAES & GALIAZZI, 2007). Entretanto, consideramos como Discurso, também,

ao conjunto de enunciados que pode ser registrado na forma de um Discurso oral, na forma de um

filme, um quadro, um desenho, etc. Usaremos aqui o termo Discurso com estas acepções.

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O Discurso de um sujeito está sempre ligado à Ideologia deste sujeito que, por sua vez, é uma visão de

mundo utilizada com a finalidade de justificar posições de classe. Classe, aqui, é entendida como um

conjunto de indivíduos agrupados segundo algum critério (usualmente econômico) e que partilham de

interesses comuns (mostramos na Figura 60 alguns exemplos de classes). A Ideologia justifica estas

posições por enunciados explícitos e também pelos enunciados implícitos ou enunciados que são

simplesmente eliminados pela sua não explicitação. O Discurso é a corporificação da Ideologia e sua

expressão.

Figura 59 – Características da Ideologia.

Sobre um mesmo objeto, vários sujeitos produzem Discursos. Dependendo da classe à qual se filiam,

estes Discursos podem ser convergentes, expressão de uma mesma visão ideológica sobre o objeto do

Discurso, ou antagônicos, quando as Ideologias são opostas e estão em disputa (veja a Figura 61).

Figura 60 – Exemplos de classe.

Assim, por exemplo, consideremos como objeto o sistema de ensino e seu papel social. Sobre este

objeto são produzidos Discursos por diversos agentes pertencentes a classes diferentes. Há o Discurso

da camada dominante e que detém o poder político. Este Discurso é corporificado por meio de

documentos oficiais, tais como Leis, Decretos, Instruções Normativas, etc. Este Discurso também

aparece na forma de Diretrizes e Parâmetros que são passados ao sistema de ensino na forma de

orientações de como as ações devem ser desenvolvidas. Além deste, há o Discurso dos profissionais da

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Educação. Esse Discurso é expresso pelos órgãos de classe do magistério e dos outros profissionais que

trabalham na escola. Interessante observar que podemos ter Discursos antagônicos, e em disputa,

mesmo entre atores que, teoricamente, pertencem à mesma classe31. Um terceiro tipo de Discurso

sobre este mesmo objeto vem dos estudantes e pais de estudantes que pertencem a diferentes classes

da população.

Figura 61 - O Campo Discursivo.

O conjunto destes Discursos com seu objeto formam o Campo Discursivo. Segundo Maingueneau

(1998, p. 19):

No universo discursivo, isto é, no conjunto dos Discursos que interagem em um

dado momento, a Análise do Discurso segmenta campos discursivos, espaços

onde um conjunto de formações discursivas32 estão em relação de concorrência

no sentido amplo, delimitam-se reciprocamente: assim as diferentes escolas

filosóficas ou as correntes políticas que se afrontam, explicitamente ou não,

numa certa conjuntura ...O campo não é uma estrutura estratégica, mas um jogo

de equilíbrios instáveis entre diversas forças que, em certos momentos, move-se

para estabelecer uma nova configuração. Um campo não é homogêneo: há

sempre dominantes e dominados, posicionamentos centrais e periféricos. Um

posicionamento dominado não é necessariamente periférico, mas todo

posicionamento periférico é dominado.

Deste modo, dentro de um Campo Discursivo, vários Discursos estão em disputa. Observe-se que, como

o Discurso é a corporificação da Ideologia, a luta é, de fato, entre diferentes ideologias, ligadas às

justificativas de classe. A Figura 61 mostra, esquematicamente, o Campo Discursivo.

31 Veja-se a disputa entre a ANDES e o PROIFES, no caso das Universidades Federais. 32 Formação Discursiva: Conjunto de enunciados relacionados a um mesmo sistema de regras, historicamente determinadas (MAINGUENEAU, 1998, p. 67 - 68).

Discurso 1

Discurso 5

Discurso 4

Discurso n

Discurso 3

Discurso 2

Objeto do discurso Discursos em

oposição

Discursos em oposição

Discursos convergentes

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Figura 62 – Classe dominante e ideologia.

Ligadas à Análise do Discurso, podemos ter duas posturas diferentes. A primeira, busca a lógica interna

do Discurso e está ligada ao processo de justificação das asserções de conhecimento e valor expressas

pelo Discurso. Neste tipo de análise, buscamos dentro do Discurso os argumentos usados pelo

enunciador do Discurso para basear os enunciados que emite. Nesta categoria, estão as análises de

entrevistas ou de textos produzidos sobre determinado objeto. A segunda categoria procura identificar

as condições de produção do Discurso e como este Discurso se relaciona com os outros Discursos de seu

campo. Também procura identificar que aspectos da Ideologia este Discurso corporifica e tenta

justificar. A primeira destas posturas nos leva à Análise de Conteúdo e a segunda à Análise do Discurso.

Figura 63 – Características da Análise de Conteúdo Categorial.

Podemos ver, então, que a classificação do tipo de Análise que fazemos passa pela resposta à seguinte

questão:

Estou interessado na lógica interna do Discurso ou estou interessado na relação deste Discurso com outros Discursos de um mesmo Campo Discursivo?

Na área do Ensino de Ciências, normalmente queremos analisar a lógica interna dos Discursos

produzidos pelos sujeitos das pesquisas que realizamos. Por exemplo, entrevistamos um professor

para saber sua percepção sobre a carreira docente ou sobre a introdução de conceitos de Física

Moderna no Ensino Médio. Analisamos as respostas de um grupo de alunos em um teste de solução de

problemas em Química, buscando identificar a partir dos argumentos apresentados pelos estudantes

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os conceitos e funções cognitivas mobilizadas para resolvê-los. Em todos estes casos estamos fazendo

Análise de Conteúdo dos diferentes Discursos dos sujeitos.

Por outro lado, se estivéssemos interessados em confrontar o Discurso dos pais em uma escola de

classe alta com o Discurso dos pais em uma escola de classe baixa sobre o papel do ensino na vida dos

seus filhos estaríamos no campo da Análise do Discurso.

Em certo sentido, a Análise de Conteúdo é internalista enquanto a Análise do Discurso é externalista. Nas

palavras de Bardin (2004), a Análise do Conteúdo se caracteriza por ser:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por

procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de

conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis

inferidas) destas mensagens.

Observe-se desta passagem que a Análise de Conteúdo pode ser tanto uma técnica de análise de

natureza qualitativa como de natureza quantitativa. Nos trabalhos encontrados na literatura dos

últimos anos ligados à pesquisa em Ensino de Ciências, em sua grande maioria, um tipo particular de

Análise do Conteúdo tem sido utilizado, a Análise de Conteúdo Categorial que apresentaremos na

próxima seção. Este tipo de Análise de Conteúdo virou quase uma definição, na área do Ensino de

Ciências, do que seja a Análise de Conteúdo e do que seja Pesquisa Qualitativa. Todavia, nas seções

finais deste Capítulo, discutiremos formas de realizar Análise de Conteúdo que podem ser associadas à

Pesquisa Quantitativa. A análise baseada na construção de categorias é apenas um dos métodos de

realizar a análise do conteúdo de um Discurso.

7.2 Análise de Conteúdo Categorial

Na Análise de Conteúdo, em geral, buscamos extrair os significados explícitos e implícitos no Discurso

dos sujeitos. Não existe uma única técnica de Análise de Conteúdo, sendo mais correto dizermos que

temos um conjunto de técnicas de análise dos registros. Passaremos a descrever nesta seção a técnica,

de origem francesa, chamada Análise de Conteúdo Categorial (BARDIN, 2004).

Um ponto importante que deve se salientado antes de começarmos a descrição da Análise de Conteúdo

Categorial diz respeito ao processo de construção de categorias da Análise de Conteúdo Categorial.

Segundo Gohn (1984):

As categorias constituem os elementos do sistema que servem de estrutura ao

conhecimento científico. Elas orientam o pensamento no sentido da procura de

solução de novos problemas científicos. Na dialética, as categorias constituem o

instrumento básico de produção de conhecimentos. Elas exprimem formas, do

modo de ser, não são criações arbitrárias do pensamento. Cada época histórica

engendra as suas categorias e também suas formas de apreensão. O pensamento

tem que aprendê-las e sistematizá-las. Portanto, elas já existem na realidade. O

processo de conhecimento irá explicitá-las, articulando-as ao movimento do

pensamento, indo das mais gerais às mais simples, que captam a singularidade

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dos fenômenos, possibilitando assim a explicitação dos conflitos e contradições

presentes nos mesmos.

Para o analista do conteúdo categorial as categorias não são dadas a priori ou são definidas pelo

pesquisador. As categorias existem no Discurso e devem ser explicitadas no processo de análise, em um

processo a posteriori à produção do Discurso. Neste ponto, a Análise de Conteúdo Categorial se

aproxima da metodologia da pesquisa fenomenológica.

A Fenomenologia se propõe a analisar o fenômeno de uma forma descritiva, partindo da hipótese de

que a consciência somente é consciência de algo. Deste modo, para a Fenomenologia as categorias não

são produto da mente do pesquisador, mas são partes integrantes dos fenômenos. Ao pesquisador,

cabe apenas explicitá-las ao longo do processo de análise. O fenomenólogo abre mão de qualquer

expectativa de generalização da análise feita sobre determinado fenômeno.

Figura 64 – Características do Corpus na Análise do Conteúdo Categorial.

A Fenomenologia também abre mão de buscar relações causais entre os fenômenos, buscando apenas

descrever o que é o fenômeno e como este fenômeno se constitui.

Partindo desta postura teórica, a Análise de Conteúdo Categorial vai buscar nos fenômenos estudados

(os Discursos produzidos) as categorias de análise. Estas são construídas a posteriori, depois que o

pesquisador realiza a análise do material.

A Análise de Conteúdo Categorial tem três momentos:

Pré-análise – Nesta fase, organizamos o material que constituirá o Corpus da pesquisa. Se o

material da pesquisa forem entrevistas, estas devem ser transcritas. Alguns critérios devem

nortear esta fase:

o Exaustividade – toda a comunicação deve fazer parte do Corpus. Não cabe ao

pesquisador selecionar com base em qualquer filtro a parte dos Discursos produzidos

que fará ou não parte da análise que seguirá;

o Representatividade – a amostra escolhida para compor o Corpus deve ser

representativa do universo estudado;

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o Homogeneidade – os dados devem referir-se ao mesmo tema, serem obtidos por

técnicas iguais e colhidos por indivíduos semelhantes;

o Pertinência – os documentos precisam adaptar-se ao conteúdo e objetivo da pesquisa;

o Exclusividade – um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria.

Segue-se a esse primeiro momento da análise a exploração do material. Nesta fase, o pesquisador

toma contato com os Discursos produzidos pelos sujeitos. Nela, procura-se identificar quais

elementos são comuns aos vários Discursos e quais aparecem isoladamente. Os elementos

recorrentes são as unidades temáticas. Estas unidades temáticas podem ser de dois tipos:

a) Unidades de codificação – são as unidades com base na forma como o Discurso foi

produzido. Por exemplo, a palavra, a frase, etc. são unidades de codificação;

b) Unidades de contexto – são unidades construídas em função do contexto no qual o

termo ou enunciado aparece. Por exemplo, a palavra Ciência aparecendo sempre em

contextos negativos, como a degradação do ambiente.

Tendo identificado as unidades temáticas, tem início a fase de categorização dos elementos

encontrados. As categorias são produzidas a partir dos elementos comuns aos vários

Discursos. Estas categorias podem pertencer a duas classes:

o i) Análise dos significados (ex.: análise temática);

o ii) Análise dos significantes (análise léxica, análise dos procedimentos).

O processo de categorização é muitas vezes descrito por analogia ao processo de

engavetamento de documentos, cada documento sendo colocado em uma gaveta específica

junto a outros de mesma espécie: relatórios com relatórios, projetos com projetos,

correspondência recebida com correspondência recebida, e assim por diante. O analista de

conteúdo categorial procurará agrupar as unidades temáticas identificadas por grupos com

características comuns. Por exemplo, todas as unidades temáticas que expressam a visão dos

sujeitos sobre a influência da ciência no processo de degradação do meio ambiente serão

agrupadas em uma mesma gaveta, a categoria.

Por fim, na terceira fase, o analista de conteúdo buscará explicitar os significados contidos nos

enunciados classificados nas diferentes categorias identificadas. Esta é a fase da inferência.

É importante salientar que, ao contrário do que se vê muitas vezes em trabalhos acadêmicos, a Análise

de Conteúdo Categorial não se esgota na construção das categorias (ou seu desvelamento). A parte final

é a síntese que o analista de conteúdo faz após a construção (desvelamento) das categorias a partir do

conjunto de discursos analisados. Nesta síntese, o analista procura a sistematização do conhecimento

contido nas categorias descobertas.

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7.3 Outros tipos de Análise de Conteúdo

Além da Análise de Conteúdo Categorial discutida na seção precedente, podemos, ainda, realizar outros

tipos de Análise do Conteúdo do Discurso. Resumiremos aqui algumas dessas possibilidades. Mais

detalhes podem ser encontrados no texto de Bardin (2004).

7.3.1 Análise de Avaliação

O objetivo desta análise é a determinação das atitudes do sujeito frente a determinado tema. A

hipótese central da Análise de Avaliação é que o Discurso produzido e analisado traduz na sua estrutura

verbal a opinião que o sujeito que o produz tem a respeito do assunto.

Nesta análise, dois conceitos são importantes:

1. A direção da opinião expressa, que pode concordar ou não, ser a favor ou contra determinada

posição;

2. A intensidade, que expressa o grau de convicção com a opinião emitida.

Como estamos interessados nas atitudes dos sujeitos, somente os enunciados que indiquem

posicionamentos nesta variável são analisados, não o Discurso completo. Portanto, a primeira fase da

técnica consiste justamente em separar do corpo do Discurso os enunciados que indiquem atitudes dos

sujeitos.

A segunda etapa consiste na normalização dos enunciados. Nesta etapa, o texto deve ser

desconstruído, buscando-se nos elementos de análise uma de três componentes dos enunciados

avaliativos33:

1. Os Objetos de Atitude (OA) - são os objetos sobre os quais as opiniões serão emitidas pelo

autor do Discurso. Estes termos devem ser escritos em letras maiúsculas. São formados por

substantivos e pronomes pessoais;

2. Os Termos Avaliativos com Significação Comum (sc) - estes são os termos que qualificam

os objetos de atitude. Esses termos devem ser escritos em letras minúsculas e em itálico;

3. Os Conectores Verbais (cv) - estes são palavras que ligam os objetos de atitude aos termos

avaliativos. Serão escritos em letras minúsculas em tipo normal.

Normalizar o texto é escrever cada enunciado que nele aparece em uma forma padrão do tipo:

OBJETO DE ATITUDE AVALIADO/conector verbal/significação comum

OA1/ cv /sc

Ou

OA1/ cv / OA2

33 No que segue, mudamos a notação de Bardin (2004), aportuguesando as abreviaturas dos termos, que naquele texto mantém a notação da língua inglesa.

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Nesta última forma, OA2 pode ser outro objeto de atitude.

A terceira etapa do método consiste na codificação. Aqui, para cada conector verbal será atribuído um

sentido (positivo ou negativo). Nesta etapa, o codificador irá classificar os enunciados como positivos,

no sentido de expressarem opiniões positivas sobre o Objeto de Atitude, ou negativas, expressando

opiniões negativas sobre o Objeto de Atitude. Esta classificação é baseada em uma escala, semelhante à

escala Likert, que vai de uma posição completamente positiva (recebendo valor +3, em uma escala de

sete possibilidades) até uma posição extremamente negativa (a qual recebe valor -3 naquela escala). O

valor zero indica uma posição neutra em relação ao Objeto de Atitude. Os termos de significação

comum, os quais qualificam o objeto, seguem uma classificação semelhante.

Tendo finalizado a codificação, obtemos para cada enunciado identificado um escore obtido pela

multiplicação do valor dado ao conector verbal pelo valor dado ao termo de significação comum. A

partir daí podemos fazer uma média e obter um escore final para o Objeto de Atitude.

A comparação com outros Objetos de Atitude, de modo a podermos comparar qual a atitude do sujeito a

respeito dos diferentes Objetos de Atitude, pode ser feita se dividirmos o escore médio em cada objeto

de atitude por 3N (N é o número de objetos de atitude envolvidos e 3 a amplitude da escala de atitudes:

-3 a +3, incluindo o zero, em nosso caso).

7.3.2 Análise de enunciação

A Análise de Enunciação se baseia na hipótese de que o Discurso não é algo estático e pronto, mas

dinâmico e que se constrói, de fato, no ato formal de sua enunciação. Deste modo, o Discurso não se

encontra pronto na mente do sujeito que o emite, mas é formado quando deve ser enunciado para o

outro. O analista procura neste Discurso, as figuras, as elipses, as omissões, etc.

Estes elementos são formas de quem enuncia o Discurso explicitar (às vezes pelo ocultamento) as

contradições, as incoerências e as imperfeições do Discurso.

Segundo d’Unrug34 apud Bardin (2004):

Perspectivado desse modo, o Discurso é, por um lado, uma atualização parcial de

processos na sua grande parte inconscientes e, por outro, a estruturação e as

transformações provocadas pela passagem pelo fluxo da linguagem e pelo outro.

A Análise de Enunciação pode ser de três tipos:

1. A análise sintática e paralinguística: neste caso, as formas gramaticais empregadas pelo

enunciador do Discurso são as características de interesse na Análise do Discurso;

2. A análise lógica: aqui interessa ao analista do Discurso a forma como os enunciados se

articulam ao longo do Discurso;

34 Os termos sublinhados são transcrições de Bardin do texto de d’Unrug.

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3. A análise dos elementos formais atípicos: o analista procurará o que não é típico do Discurso

como, por exemplo, as omissões, os enunciados ilógicos, as contradições, etc.

O método da Análise de Enunciação segue uma metodologia similar àquela da Análise de Conteúdo

Categorial:

1. Construção do Corpus da Análise - é o conjunto dos Discursos sobre o qual se vai trabalhar.

Aqui o processo de amostragem é importante: a amostra deve contemplar e ser representativa

da população que vai ser estudada. Como sempre, estes Discursos devem ser transcritos para

serem analisados no caso de serem expressos em outras formas. Essa transcrição deve conter

tanto a informação linguística como a paralinguística (silêncios, omissões, risos, etc.);

2. Análise Temática - nesta fase se procura identificar no conjunto dos Discursos um conjunto de

categorias. Aqui o analista procurará a frequência com que certas categorias (temas)

aparecerão nos Discursos. Nesta fase, as categorias são a priori, sendo definidas a partir do

referencial teórico do analista35;

3. Análise de Enunciação - nesta fase, cada Discurso é analisado como uma unidade, sem

categorias definidas a priori. A dinâmica do Discurso é o foco de interesse do analista, em

função dos indicadores escolhidos, adaptados a cada locutor. Esta análise é feita a partir das

seguintes etapas:

a. Análise da dinâmica do Discurso:

i. Análise lógica - verifica as relações entre as proposições;

ii. Análise sequencial - procura-se pelas quebras ao longo do Discurso, com

consequente mudança de assunto ou de estilo ao longo do Discurso;

b. Análise do estilo do Discurso - aqui o analista procurará por elementos de estilo, tais

como:

i. Sobriedade;

ii. Lirismo;

iii. Litanias (repetições próximas);

iv. Interpolações são os elementos do Discurso que retardam o seu avanço como,

por exemplo, as pausas.

c. Elementos atípicos e figuras de retórica:

i. Recorrências - podem indicar importância dada pelo locutor à palavra ou

tema, podem ser de ambivalência, quando o tema volta de forma ilógica, o

que pode indicar que não é claro para o locutor;

ii. Denegação - o retorno a uma mesma ideia pode indicar a necessidade de

autoconvencimento por parte do locutor;

iii. Lapsos – o as trocas de palavras ou expressões por outras (na linguagem da

Psicanálise são os atos falhos);

iv. Ilogismo ou falhas lógicas;

35 Lembrando que na Análise de Conteúdo Categorial a definição das categorias ocorre a posteriori.

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v. Álibis - dizem respeito às justificações apresentadas;

vi. Lugares comuns - sua função é dar corpo ao Discurso. Com eles o locutor se

exime de se comprometer com o que diz, se escondendo atrás do corpo social;

vii. Jogos de palavras - também podem funcionar como um desvio e um

distanciamento frente ao objeto do Discurso;

viii. Figuras de retórica - aparecem para contornar uma ligação forte de natureza

afetiva entre o autor do Discurso e o objeto do Discurso;

ix. Conjunção (paradoxo, hipérbole, redução, etc.) - tentativa do locutor de

reconciliar elementos contraditórios no Discurso;

x. Metonímia - tentativa de reduzir a somente um aspecto o Discurso;

xi. Metáfora - aqui o locutor troca a enunciação do objeto próprio do Discurso, de

difícil manipulação pelo locutor, por outro tipo de enunciação com a qual

consegue lidar.

7.4 Análise Microgenética

Não há como falar desta técnica de análise de registros e construção de dados sem falarmos um pouco

sobre a Teoria Histórico - Cultural como proposta por Vygotsky (1991), a qual, por sua vez, tem raízes

na teoria marxista e nas formas como esta teoria enquadra os eventos sociais.

A base da teoria marxista é o materialismo histórico, o qual pressupõe que a situação que

experienciamos em nosso cotidiano é o resultado de processos históricos e o resultado de ações

humanas. A partir do ponto de vista desta teoria não há uma divindade externa que governe os

destinos dos homens. Este destino é construído a cada instante pelas decisões que tomamos a partir

das relações que estabelecemos com o conjunto dos seres humanos, em processos de natureza macro,

como os movimentos econômicos e sociais. Portanto, devemos procurar nas interações entre os seres

humanos as raízes de nossa situação atual, em particular de nosso desenvolvimento cognitivo e

intelectual. A partir da teoria marxista, nossa condição é o resultado e a consequência de processos

históricos e concretos que moldaram a condição sob a qual vivemos e experienciamos o mundo.

Partindo dessa abordagem política, Vygotsky propõe uma teoria na qual os processos de

desenvolvimento dos seres humanos são mediados pelas suas interações com os outros seres humanos

(processos interpessoais) e pelas interações dos seres humanos com os problemas colocados pelos

mundos físico e social. A principal ferramenta de interação entre os seres humanos é a linguagem. Pelo

uso da linguagem negociamos significados com os outros seres humanos, o que permite a construção

de uma base conceitual comum a partir da qual construímos nossa visão de mundo.

Ao se apropriar do que é desenvolvido em conjunto com outros seres humanos, em um processo

chamado de internalização, construímos nossas formas de interagir com o mundo. Ao contrário de

outros epistemólogos, como Piaget, por exemplo, para Vygotsky o desenvolvimento dos indivíduos e

sua compreensão do mundo são sempre mediados pela Cultura (o que é produzido pelos seres

humanos) e pelos problemas.

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Seguindo este raciocínio, o desenvolvimento e a aprendizagem (processos que em Vygotsky ocorrem

simultaneamente na maior parte dos casos, às vezes com a aprendizagem precedendo o

desenvolvimento) somente podem ocorrer por meio da mediação e da negociação de significados entre

os sujeitos em interação. A consequência desta postura é a orientação de que as atividades em sala de

aula36 devam explorar situações nas quais os sujeitos estão em interação (alunos e professores)37.

A exemplo de outros pesquisadores, para Vygotsky o professor (ou o pesquisador) somente pode ter

acesso aos resultados destes processos, uma vez que eles são internos. Os principais mecanismos de

acesso do professor ou pesquisador ao que os alunos constroem internamente (desenvolvimento e

aprendizagem) são a fala destes alunos e a sua capacidade de resolverem problemas de forma

autônoma. Na linguagem utilizada pelos alunos, o professor e o pesquisador encontrarão indícios de

aprendizagem e desenvolvimento. Estes indícios têm por característica o uso do que foi aprendido no

Discurso utilizado pelos alunos ao explicarem algo ou solucionarem um problema. É nesta ideia central

que se baseia a Análise Microgenética (GÓES, 2000).

O nome por si só já nos indica os pressupostos e os procedimentos a serem seguidos ao utilizarmos

esta técnica. O termo genético indica a busca por indícios de processos de desenvolvimento nos

sujeitos. O prefixo micro aponta para o interesse do pesquisador em episódios que possam ser

seguidos intensamente durante um curto intervalo de tempo. Curto aqui significa que o pesquisador

buscará por episódios que sejam tratáveis do ponto de vista dos recursos à sua disposição, uma vez

que a técnica gera uma quantidade muito grande de dados a serem analisados. Usualmente o uso da

Análise Microgenética necessita do registro (idealmente por meio de filmagem) das interações entre os

sujeitos e a sua transcrição. O termo micro também aponta para o fato de que o pesquisador buscará

nas minúcias, nos episódios do cotidiano os elementos que permitirão a ele a reconstrução do processo

de desenvolvimento daqueles sujeitos.

O termo Análise Microgenética é encontrado em outros contextos teóricos, diferentes do contexto de

Vygotsky, em Piaget, por exemplo. Entretanto, há uma diferenciação importante que deve ser feita.

Enquanto em Piaget a análise tem por foco o processo psicológico, na Análise Microgenética associada à

Teoria Histórico – Cultural a análise também engloba fatores sociais, além do psicológico. Neste

sentido, a Semiótica é uma disciplina que serve como suporte a este tipo de análise.

Segundo Góes (2000):

De um modo geral, trata-se de uma forma de construção de dados que requer a

atenção a detalhes e o recorte de episódios interativos, sendo o exame orientado

para o funcionamento dos sujeitos focais, as relações intersubjetivas e as

condições sociais da situação, resultando num relato minucioso dos

acontecimentos.

36 Não devemos falar aqui de uma Didática acabada. 37 Deriva daí a postura simplista seguida por muitos professores que dizem seguir Vygotsky de que devemos colocar os alunos para trabalhar em grupo. Trabalhar em grupo pode significar interação entre os sujeitos ou não.

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Um ponto importante da Análise Microgenética é que o pesquisador não está interessado unicamente

(ou principalmente) no produto de um processo, mas no processo em si. Este ponto é um diferenciador

desta técnica de análise em relação a outras (como o uso de análises diagnósticas na pesquisa

quantitativa). O importante aqui não é o que acontece, mas como acontece.

Algumas características definem a Análise Microgenética:

Seu foco está nas minúcias do processo de desenvolvimento;

O pesquisador procura por indícios da transformação de processos interpessoais em

processos intrapessoais;

O pesquisador segue o desenvolvimento do processo durante um tempo curto (algumas

sessões de observação) no ambiente natural dos sujeitos ou no ambiente modificado pela

pesquisa;

No material produzido o pesquisador busca recortes (excertos de episódios) que

evidenciem os processos de desenvolvimento dos sujeitos durante episódios de interação;

O pesquisador busca por evidências da apropriação de novos signos pelos sujeitos e nas

situações nas quais estes signos são utilizados.

Pode-se observar do que foi exposto, que a Análise Microgenética tem na situação particular o seu foco

(por exemplo, em um Estudo de Caso Único). Neste sentido, o pesquisador procura a Generalização

Analítica ao final de seu trabalho.

A metodologia da Análise Microgenética é similar a de outras técnicas de pesquisa qualitativa.

Entretanto, ao contrário da Análise de Conteúdo, não existe a busca pela construção de categorias. A

metodologia passa pelas seguintes etapas:

1. Seleção de situações problema nas quais os sujeitos estejam em interação. Estas situações

podem ser aquelas que ocorrem no ambiente natural ou aquelas construídas pelo pesquisador,

situação mais comum quando pensamos em processos de intervenção. O importante,

salientamos, é a busca de situações nas quais os sujeitos estejam interagindo. Assim, por

exemplo, alunos discutindo qual estratégia para solucionar um problema proposto pelo

professor é uma situação de interesse; o professor discorrendo sobre o tema, não;

2. Registro das interações entre os sujeitos ao longo de certo período de tempo. Este registro

deve ser gravado (em vídeo de preferência);

3. O pesquisador deve realizar a leitura do corpus em busca de episódios que evidenciem

processos de evolução nos sujeitos (recortes). Estes episódios são caracterizados, por

exemplo, por mudanças nos signos utilizados pelos sujeitos da pesquisa ou por processos de

negociação de significados entre os sujeitos.

No item 3 da lista anterior foi usada a palavra evolução. Este termo é usado sem o sentido moral que o

caracteriza usualmente: sair de uma situação pior para uma situação melhor. O utilizamos aqui no

sentido da abordagem histórico-cultural: sair de uma situação para outra situação.

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7.5 A questão da transcrição das falas

Uma característica comum aos delineamentos de pesquisa baseados na análise qualitativa é a

transcrição das falas dos sujeitos e das situações nas quais estes sujeitos estão em interação. Esta

etapa, normalmente tediosa, toma muito tempo e é fundamental para que tenhamos consistência nas

análises produzidas a partir destas transcrições.

Sugerimos a seguir um conjunto de regras para normatizar esta análise, mostrado no Quadro 5. Estas

regras foram elaboradas no contexto do Projeto NURC-RJ (COMITÊ NACIONAL ALIB, 2013).

Quadro 5 – Normas para transcrição de falas.

Ocorrências Sinais Exemplificação*

Incompreensão de palavras ou segmentos ( ) do nível de renda... ( ) nível de renda nominal...

Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)

Truncamento (havendo homografia, usa-se

acento indicativo da tônica e/ou timbre) / e comé/ e reinicia

Entoação enfática maiúscula porque as pessoas reTÊM moeda

Prolongamento de vogal e consoante (como s, r) :: podendo aumentar

para :::: ou mais ao emprestarem os... éh::: ...o dinheiro

Silabação - por motivo tran-sa-ção

Interrogação ? eo Banco... Central... certo?

Qualquer pausa ... são três motivos... ou três razões... que fazem com que se

retenha moeda... existe uma... retenção

Comentários descritivos do transcritor ((minúsculas)) ((tossiu))

Comentários que quebram a sequência temática

da exposição; desvio temático. -- --

... a demanda de moeda -- vamos dar essa notação --

demanda de moeda por motivo

Superposição, simultaneidade de vozes. { ligando as linhas A. na { casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram { lá... B.

cozinharam lá?

Indicação de que a fala foi tomada ou

interrompida em determinado ponto. Não no seu

início, por exemplo.

(...) (...) nós vimos que existem...

Citações literais ou leituras de textos, durante a

gravação ""

Pedro Lima... ah escreve na ocasião... "O cinema falado

em língua estrangeira não precisa de nenhuma

baRREIra entre nós"....

* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP n. 338 EF e 331 D2.

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Observações

1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.);

2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, ta (não por está: tá? você está brava?);

3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados;

4. Números: por extenso;

5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa);

6. Não se anota o cadenciamento da frase;

7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa).

8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final,

dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 137

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Capítulo 8. Comunicando os resultados da pesquisa

O ponto final de toda pesquisa científica, principalmente aquela financiada por órgãos púbicos, é a

divulgação dos seus resultados. Esta divulgação atende a dois objetivos, um interno ao próprio

processo de como a pesquisa se desenvolve e outro ligado à função social da pesquisa científica. Há,

naturalmente, pesquisas que não passam pelo processo de divulgação de seus resultados por serem

financiadas por entidades particulares com o objetivo de gerarem patentes e, a partir delas, produtos

comerciais. Entretanto, mesmo estas têm necessidade de divulgar parte de seus resultados.

A razão interna para a divulgação das pesquisas científicas reside na necessidade de replicação dos

resultados obtidos pelos pesquisadores autores da pesquisa por outros pesquisadores. Um resultado

que não pode ser replicado em diferentes laboratórios é um sério candidato a ser classificado como

resultado incorreto ou fraudulento. O teste pelos pares é indispensável para que um resultado seja

aceito pela comunidade científica como verdadeiro e este conhecimento seja incorporado ao corpo de

conhecimentos que chamamos de conhecimento científico.

O outro objetivo de divulgar os resultados da pesquisa está na função social da pesquisa financiada

pelos órgãos públicos. Uma vez que é a sociedade quem financia a pesquisa, ela, a sociedade, tem o

direito de receber de volta os resultados obtidos. Esta é uma questão bastante delicada quando a

pesquisa envolve o registro de patentes e a possibilidade de grandes ganhos financeiros.

Um comentário geral sobre a comunicação científica: não é admissível que em um texto haja erros de

redação, concordância nominal, regência verbal ou ortografia. Embora o estilo seja algo pessoal, o texto

científico não faz uso da primeira pessoa do singular, mas é escrito na forma passiva ou na primeira

pessoa do plural. A linguagem usada deve ser a estabelecida pela língua padrão, devendo-se evitar o

uso da linguagem coloquial e das gírias. Cuidado com os corretores ortográficos: eles ainda não

atingiram a maturidade e muitas vezes apontam erros onde eles não existem. Lembre: quem deve

conhecer a língua é o redator e não o Editor de Textos.

Um ponto relacionado com esse, que é sempre um ponto de dúvida em pesquisas que utilizam a

entrevista ou as questões com respostas abertas, é o da transcrição das falas dos sujeitos. Há

pesquisadores que defendem que as falas sejam “corrigidas” quando transcritas. Outros defendem que

estas falas devam ser transcritas tal como foram expressas. Alinhamos-nos com a segunda posição: é

preciso respeitar as falas dos sujeitos tal qual elas são emitidas. Em nossa opinião, isto representa uma

atitude de respeito com a cultura dos entrevistados, a razão de as falas, muitas vezes, não seguirem a

língua considerada como culta38.

Partiremos da hipótese de que o pesquisador quer divulgar sua pesquisa e descreveremos os

diferentes meios para que isso possa ser realizado.

38 Frequentemente, unicamente por razões ideológicas.

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8.1 O problema das citações e transcrições

Antes de começarmos a discutir os diferentes tipos de trabalhos científicos devemos discutir o

problema geral das transcrições e citações em textos científicos. Uma citação é a paráfrase que fazemos

das ideias de outra pessoa: lemos o que essa pessoa escreveu, captamos o sentido da fala e

expressamos a ideia da outra pessoa com nossas palavras. Por outro lado, transcrever significa copiar

partes do texto produzido por outra pessoa no nosso trabalho. Neste último caso, é moral e eticamente

condenável copiar trechos de trabalhos de outras pessoas e apresentá-los como nossos. Isto é plágio (o

que também é crime contra a propriedade intelectual). Para caracterizar o texto como de outra pessoa

usamos um tipo de letra diferente (itálico ou de tamanho menor, veja as normas da ABNT sobre isto).

Por que citamos ou transcrevemos? Para entender isto, devemos analisar a estrutura do trabalho

científico. Nesse tipo de trabalho, encontramos duas classes de asserções:

As Asserções de Conhecimento;

As Asserções de Valor.

As Asserções de Conhecimento expressam fatos tidos como verdadeiros: o Sol gira em torno do centro da

Via Láctea. Por outro lado, as Asserções de Valor expressam opiniões dos sujeitos que as emitem,

normalmente sobre aspectos morais ou éticos: foi bom calcular o número Pi até a milionésima casa. Não

entraremos aqui na discussão sobre critérios de verdade para as Asserções de Conhecimento, campo da

lógica (TOULMIN, 2006), mas apontaremos o fato de que as Asserções de Valor são largamente

subjetivas. Por que é bom calcular o valor de Pi até a milionésima casa? Depende do conhecimento

matemático de quem responde a esta questão, de como essa pessoa vê a relação entre a matemática e a

sociedade e assim por diante. Por essa razão, em nossa opinião (uma Asserção de Valor, portanto)

devemos evitar no discurso científico o uso de expressões tais como: é importante, é fundamental, é

válido, etc. Todas expressam asserções de valor e têm alto grau de subjetividade: o que pode ser

importante para o autor do trabalho pode não ser importante para um membro da banca examinadora.

Por outro lado, o texto científico não é lugar para o “achismo”. Toda Asserção de Conhecimento deve ser

baseada em resultados obtidos pelo autor ou por outros. Esta é a função da referência e da transcrição.

Não é nossa crença de que algo é verdadeiro que o torna verdadeiro.

Transcrever a fala de alguém quando esta fala é composta por Asserções de Valor é recorrer ao antigo

princípio da autoridade, banido do método científico há muito tempo. A transcrição somente se

justifica quando for composta por Asserções de Conhecimento. As asserções de valor somente se

mostram úteis na Justificativa do trabalho, quando a opinião de alguém aponta possibilidades não

exploradas no campo e que indicam que vale a pena desenvolver pesquisas naquela área. Por exemplo,

a opinião de Feynman de que a Física deveria se voltar para o muito pequeno influenciou o

desenvolvimento da nanotecnologia nas últimas décadas.

Outro ponto a ser considerado é a pertinência de uma transcrição. Somente há sentido em transcrever

trechos de outros autores quando estes excertos servirão de suporte ao nosso próprio discurso.

Também, só há sentido em transcrever quando o texto transcrito é relacionado ao tema que estamos

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discutindo. Deve-se evitar, a todo o custo, que o texto produzido seja uma colcha de retalhos de textos

de outros autores.

8.2 Trabalhos acadêmicos

O trabalho acadêmico é aquele que tem por origem um curso, como o de especialização ou mestrado

ou, ainda, o doutorado. Neste tipo de trabalho, o aluno realiza uma pesquisa, supervisionado por um

professor, cujos resultados serão apresentados (na forma escrita e na forma oral), normalmente, a uma

banca composta por especialistas da área da pesquisa. Dependendo do nível de profundidade do curso

feito podemos ter o trabalho apresentado em três formas: Monografia, Dissertação ou Tese.

8.2.1 Monografia

Este é um tipo de trabalho apresentado em final de curso de graduação ou especialização. A

Monografia é uma revisão aprofundada de um tema (ou área). Normalmente, a Monografia não

apresenta resultados novos, mas faz uma revisão aprofundada do estado da arte naquele campo. A

monografia é apresentada a uma banca composta por dois ou três professores com título mínimo de

especialista.

8.2.2 Dissertação

A Dissertação é o relato da atividade de pesquisa desenvolvida em um curso de mestrado. Também

com caráter de revisão, a dissertação é mais aprofundada que uma Monografia e, dependendo da área,

pode apresentar resultados novos para o campo da pesquisa. Ao contrário da Monografia, a Dissertação

envolve o domínio da metodologia científica e se exige a análise reflexiva sobre o tema.

Tradicionalmente, uma Dissertação apresenta os seguintes capítulos: Introdução, Revisão da

Literatura, Referencial Teórico, Materiais e Métodos, Análise dos Resultados e Conclusões. A

Dissertação é apresentada a uma banca de três professores com o título mínimo de Doutor.

8.2.3 Tese

A Tese relata o resultado de pesquisas realizadas durante o curso de doutorado. Necessariamente, a

tese deve apresentar resultados novos para o campo da pesquisa. Com estrutura similar a da

Dissertação, a Tese é apresentada a uma banca composta por cinco doutores no campo de estudo.

Em geral, a banca da Dissertação e da Tese têm membros que não pertencem ao programa de pós-

graduação no qual o candidato fez seu curso. A praxe é que na banca de avaliação da Dissertação haja

pelo menos um membro externo ao programa, enquanto que na banca de Tese haja pelo menos duas

pessoas que não pertencem ao programa no qual o candidato fez o seu curso.

Normalmente, em nosso meio, o orientador do trabalho participa da banca de Especialização, Mestrado

ou Doutorado, sendo o responsável pela condução dos trabalhos de avaliação por parte da banca.

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8.3 A estrutura da Tese e da Dissertação

A Tese e a Dissertação possuem a mesma estrutura, dividida em três grandes partes: elementos pré-

textuais, elementos textuais (estruturados na forma de capítulos) e elementos pós-textuais (apêndices

e anexos). Descreveremos a seguir cada um destes itens(ABNT, 2011), destacando em itálico aqueles

que são obrigatórios.

8.3.1 Elementos Pré-textuais

Estes elementos compõem a apresentação do trabalho e normalmente são (além da capa e da lombada,

obrigatórios):

Folha de rosto;

Errata;

Folha de aprovação;

Folha de dedicatória;

Folha de agradecimentos;

Epígrafe;

Resumo em português;

Resumo em língua estrangeira;

Lista de ilustrações;

Lista de Tabelas;

Lista de abreviaturas e siglas;

Lista de Símbolos;

Sumário.

Esta parte do trabalho não possui numeração própria, mas as suas páginas devem ser contabilizadas

no número total de páginas do trabalho.

8.3.2 Elementos Textuais

Este é o corpo do trabalho. Nele, as etapas seguidas e as conclusões obtidas são apresentadas ao leitor.

Dividido em capítulos, o corpo do trabalho tem a seguinte estrutura básica39:

Introdução

Este é o primeiro capítulo do trabalho. Sua função é apresentar o problema, o contextualizando. Na

apresentação do problema, o autor anuncia de forma clara qual foi o problema de pesquisa investigado

e qual a questão básica que o trabalho procurou responder. O problema de pesquisa deve ser

contextualizado, apontando como o trabalho que está sendo apresentado se relaciona com outros

39 Naturalmente, esta é uma sugestão de estruturação do trabalho.

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trabalhos já publicados, quais problemas metodológicos procurou superar e em quais pontos o

trabalho apresentado apresenta respostas a questões ainda não respondidas.

Tendo isso em mente, podemos analisar a outra função da Introdução: a justificação do problema e da

pesquisa que dele se originou. Justificar o trabalho é enunciar e argumentar a favor de juízos de valor

(expressos por asserções de valor):

Por que o trabalho deveria ter sido realizado?

A Introdução finaliza pela enunciação da Questão Básica e pela descrição dos assuntos que serão

discutidos nos diferentes capítulos que compõem o trabalho.

Revisão da Literatura

O objetivo da Revisão da Literatura é apresentar o estado da arte do problema de pesquisa abordado

no trabalho. Neste capítulo, o autor fará uma revisão dos artigos e livros publicados recentemente e

que sejam relevantes para o estudo que está sendo apresentado.

Em geral, somente os artigos mais recentes e aqueles que, mesmo sendo mais antigos, são relevantes

para o problema analisado pelo autor são discutidos. Embora existam várias formas de apresentar esta

revisão da literatura (como vimos no capítulo dos Delineamentos de Pesquisa sem Intervenção)

sugerimos, fortemente, que a apresentação seja do tipo Síntese (ver página 49). Sugerimos este tipo,

pois, ao preparar a Revisão da Literatura, o autor consolidará seus conhecimentos sobre o assunto em

categorias gerais.

Referencial Teórico

O capítulo sobre o Referencial Teórico é dos mais importantes no trabalho. Nele, o autor descreve qual

o Referencial Teórico utilizado e que balizou a escolha do problema de pesquisa e da questão básica a

ele relacionada, a escolha do Delineamento da Pesquisa, a escolha dos Instrumentos de Coleta de

Registros e das Técnicas de Análise de Dados. É fundamental que haja coerência entre o Referencial

Teórico e estas partes do trabalho. Por exemplo, é o Referencial Teórico que fornece ao pesquisador a

própria linguagem usada na descrição dos resultados obtidos.

A descrição do Referencial Teórico deve ser sucinta, mas completa. Devem ser descritos aqueles

elementos do Referencial Teórico que são importantes para a compreensão do trabalho. Neste capítulo,

o autor não precisa mostrar toda sua erudição no tema, mas apontar, claramente, que elementos do

Referencial Teórico são importantes para a compreensão das outras partes do trabalho sendo

apresentado. O autor deve lembrar que, quando da apresentação do trabalho, vai ser cobrado pela

banca examinadora quanto à coerência com o que for colocado neste capítulo.

Procedimentos de Pesquisa

Nesta parte do trabalho, são descritos o delineamento da pesquisa, os métodos utilizados para coletar

os registros e as técnicas utilizadas para analisá-los. Neste capítulo, o autor do trabalho justifica e

embasa suas opções metodológicas. Também neste capítulo, o autor deve apontar as limitações que

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 142

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estas escolhas metodológicas implicam para a Análise dos Registros e as Conclusões que o trabalho

apresentará em capítulos posteriores.

Este capítulo, erroneamente em nossa opinião, tem sido denominado de Metodologia nos trabalhos

acadêmicos. Como vimos, Metodologia é o estudo dos métodos de pesquisa. Neste capítulo, contudo, o

autor descreve os métodos que de fato utilizou em sua pesquisa. Portanto, o que ele descreve são seus

Procedimentos de Pesquisa e não a Metodologia.

Análise dos Resultados

Neste capítulo, os registros obtidos são analisados e dados produzidos. Tabelas, gráficos, transcrições

de falas serão explorados e as questões subordinadas à questão básica são respondidas. No capítulo de

Análise dos Resultados, colocamos apenas aqueles elementos representativos de uma classe de dados,

deixando para os apêndices os demais. Assim, por exemplo, se construímos tabelas com escores de

diversas turmas, estas tabelas devem vir em um Apêndice, enquanto um quadro resumo com as

principais conclusões deve ser apresentado neste capítulo. Outro exemplo são as transcrições das falas

dos sujeitos durante entrevistas: se 20 entrevistados falaram a mesma coisa, basta a transcrição de

duas ou três falas sobre este assunto aqui. As demais vão como Apêndices.

Correndo o risco de sermos repetitivos, devemos salientar que a análise dos resultados deve partir do

Referencial Teórico adotado, usando os conceitos que foram apresentados no capítulo sobre o

Referencial Teórico.

Conclusões

Nas Conclusões fazemos um resumo dos resultados obtidos e respondemos à questão que foi colocada

na Introdução como Questão Básica. Neste capítulo é importante, também, realizarmos uma análise

criteriosa das limitações do trabalho e pontos que ficaram sem investigação por fugirem ao escopo do

trabalho, mas que mereceriam ser investigados em futuros trabalhos.

8.3.3 Elementos Pós-Textuais

Os elementos pós-textuais são as Referências, o Glossário, os Anexos, os Apêndices e o Índice.

As Referências é a lista de todos os trabalhos citados no texto. Não deve haver aqui trabalho que não

corresponda a, pelo menos, uma citação no texto. Da mesma forma, no texto não deve haver nenhuma

citação sem correspondência na lista de referências. Uma forma de garantir a elaboração correta das

Referências é usar as ferramentas de inserção de bibliografia que os modernos editores de texto

disponibilizam. Com elas, você insere a referência em uma base de dados e faz a inserção da referência

no texto diretamente desta base de dados. No final, basta inserir a lista de referências que aparecem no

texto a partir da base de dados. Por exemplo, na elaboração deste texto fizemos uso desta facilidade.

O Glossário é uma lista de definições de termos utilizados no texto.

Os Anexos são materiais não produzidos pelo autor do trabalho, mas que este julga relevantes para o

entendimento do mesmo. Por exemplo, se um mapa de Mato Grosso do Sul é necessário para entender

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 143

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o delineamento do trabalho, este pode vir como um anexo do trabalho40. Outro exemplo é o texto de

uma lei em um trabalho sobre políticas públicas. Por outro lado, os Apêndices são materiais produzidos

pelo autor do trabalho e que não são imprescindíveis para a compreensão do texto. Um exemplo é a

transcrição de entrevistas.

Por fim, o Índice é uma lista de termos e sua localização no texto.

8.4 Trabalho regular de pesquisa

O trabalho regular de pesquisa é aquele realizado pelo pesquisador ao longo de sua vida profissional.

Esse é o tipo de trabalho que Kuhn (1978) chama de pesquisa normal. Quando realizamos uma

pesquisa, podemos comunicar o resultado aos outros especialistas do campo por meio de um dos

seguintes suportes:

8.4.1 Artigo científico

Esse é um texto, tão curto quanto possível, que é enviado a revistas especializadas no campo com a

descrição da pesquisa realizada e os resultados por nós obtidos. Na maioria das revistas, esse texto é

repassado pelo editor da revista a dois árbitros independentes e às cegas (os árbitros não sabem quem

são os autores e os autores não sabem quem são os árbitros e um árbitro não sabe qual é o outro). Os

árbitros analisam o texto e indicam ao editor se o texto está em condições de ser publicado pela

revista. Geralmente, caso os dois pareceres sejam favoráveis o artigo é publicado pela revista e caso os

dois pareceres sejam desfavoráveis o artigo é rejeitado. Caso os dois árbitros não concordem entre si,

um terceiro árbitro é consultado (também às cegas).

A estrutura do artigo científico é semelhante a da dissertação. Nesse caso, no entanto, a objetividade

deve prevalecer e em cada seção somente os elementos essenciais para a compreensão e análise da

pesquisa realizada devem estar presentes. A elaboração do artigo deverá seguir as normas do

periódico em que será publicado, entretanto existe uma estrutura básica comum a todos, que

discutiremos a seguir.

Elementos de identificação do artigo

Identificação

Título: Deve ser sintético e objetivo representando o assunto tratado e esclarecendo o alcance

da pesquisa;

Autores: Indicar o nome completo dos autores utilizando as abreviações cabíveis quando for

necessário;

40 Devemos lembrar sempre que a reprodução de materiais com copyright necessita da autorização do proprietário do material para ser reproduzido, mesmo que o trabalho seja acadêmico.

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Afiliação e endereço dos autores: Registrar o órgão ou instituição a qual estão ligados os

autores. O endereço ou outra forma de comunicação com os autores pode ser indicado quando

for solicitado.

Resumo

Sucintamente, em um único parágrafo, apresenta o problema pesquisado, os objetivos, a metodologia

empregada para atingi-los e os principais resultados alcançados. Usa-se linguagem objetiva, clara e

sintética.

Palavras-chave

São palavras ou grupo de “poucas” (duas ou três) palavras que caracterizam o tema tratado. São

empregadas posteriormente para catalogar o trabalho por assunto. É importante que as palavras chave

não repitam palavras do título do artigo. Este cuidado aumenta a chance de o artigo ser localizado

pelos mecanismos de buscas em bases de dados.

Desenvolvimento

Introdução

Apresenta o tema da pesquisa e o problema estudado esclarecendo as justificativas para o interesse no

estudo. Indica os objetivos visados e a fundamentação teórica que balizou a análise do problema.

Procedimentos de Pesquisa41

Apresenta os métodos de pesquisa utilizados no desenvolvimento da pesquisa: os materiais

(equipamentos e materiais de consumo, se for o caso) e o método utilizado na pesquisa. No caso de

pesquisas na área de ensino, estes materiais serão os equipamentos, programas de computador, etc.,

utilizados pelo pesquisador ao longo do trabalho. Nesta seção, o tipo de delineamento da pesquisa e as

escolhas metodológicas feitas devem ser explicitados.

Resultados e Discussão

Apresenta os resultados e a sua discussão. Expõe os resultados encontrados (utilizando quando forem

pertinentes, transcrições, tabelas, figuras e gráficos), discutindo-os de acordo com a base teórica

balizadora da análise. Neste ponto reside a maior deficiência dos artigos que analisamos como árbitros

de artigos submetidos às revistas na área de Ensino de Física: a dissociação entre o Referencial Teórico

descrito e as escolhas metodológicas e a maneira como os dados são analisados.

3 - Complementos

Agradecimentos e Apoios

41 Veja a discussão feita a esse respeito quando da discussão da Dissertação e da Tese.

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Quando for conveniente, tornar público apoios e contribuições recebidas. Normalmente, as agências

financiadoras exigem que os artigos oriundos de projetos de pesquisa financiados por elas façam este

tipo de reconhecimento. Observe-se que a correta tradução do termo em inglês acknowledgement é

reconhecimento e não agradecimento.

Referências

Devem estar de acordo com as normas do periódico a que se destina o artigo. Em revistas brasileiras,

essas normas normalmente são as normas da ABNT. Para revistas em outras línguas outras regras são

seguidas. Uma dica é analisar como essas referências são feitas em artigos publicados na própria

revista em números recentes.

Apêndices e Anexos

São utilizados para apresentar material complementar, quando for pertinente e estiver de acordo com

as normas de publicação do periódico. Em artigos, em geral, não se usa colocar Apêndices e Anexos.

8.4.2 Relatórios

Com frequência você terá que apresentar Relatórios, normalmente ao final de projetos de pesquisa ou

de auxílios que você recebeu de algum órgão de financiamento de pesquisa. Os relatórios podem ser de

dois tipos: i) Execução Financeira; ou ii) Científicos (também chamados de Técnicos).

Relatórios de Execução Financeira

Os Relatórios de Execução Financeira são produzidos pelo pesquisador para informar e comprovar os

gastos executados com o projeto quando os recursos são liberados diretamente ao pesquisador em um

tipo de conta especial chamada Conta Pesquisador. Quando os recursos são liberados para a conta da

instituição, por meio de convênio, este tipo de relatório será produzido pelo setor financeiro da

instituição.

O Relatório de Execução Financeira é composto pelos seguintes documentos:

Lista de pagamentos – neste documento são listados todos os gastos do projeto, informando ao

gestor da agência financiadora os seguintes dados: nome da empresa, natureza da despesa,

número do cheque ou do recibo de saque que pagou a despesa, número da nota fiscal ou de

serviço, data do gasto. Neste documento, os gastos são listados em ordem crescente por data;

Canhotos dos talões de cheque – todos os canhotos dos cheques utilizados e as folhas não

utilizadas (devidamente inutilizadas) devem ser colados em folhas de papel sulfite, em ordem

crescente de numeração;

Originais das Notas Fiscais – todos os pagamentos efetuados correspondem a uma Nota Fiscal

ou Recibo. Os originais dos comprovantes devem ser encaminhados junto com os documentos

do Relatório de Execução Financeira;

Recibos de Diárias – estes documentos são produzidos quando pagamos diárias a alguém para

realizar alguma atividade relacionada ao projeto (uma viagem, por exemplo);

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Conciliação Bancária – este documento é a lista de todos os depósitos e saques efetuados na

conta corrente do pesquisador. Este documento pode ser obtido na agência bancária detentora

da conta do pesquisador ou pela Internet. O pesquisador não deve, em hipótese alguma, usar a

conta corrente do projeto para qualquer outro fim. O saldo na conta, se houver, deve ser o

mesmo do total liberado pelo projeto menos os gastos feitos. O saldo, aliás, deve ser recolhido

ao caixa da agência de fomento ao final do projeto.

Em geral, as Agências de Fomento possuem formulários e procedimentos específicos para a

apresentação deste tipo de Relatório.

As exigências sobre documentos e regras de prestação de conta variam de agência para agência,

contudo algumas regras são gerais:

1. Notas fiscais devem ser emitidas sem rasuras, com carimbo de recebido e com data anterior

ao cheque ou ao saque que as pagou. Os órgãos de fomento não aceitam, em geral, pagamento

antecipado, mesmo que este pagamento permita economia de recursos por aproveitar uma

oferta;

2. Os gastos devem se ater aos gastos listados no Projeto que originou o recurso, respeitando

as rubricas nas quais os recursos foram liberados. Gastos fora destas condições necessitam de

aprovação por escrito do órgão financiador do projeto antes de serem executados;

3. O prazo para o gasto dos recursos é o do desenvolvimento do projeto. Normalmente, os

recursos são liberados após a publicação em Diário Oficial do Termo de Liberação de Recursos

e os gastos somente podem ser executados após esta data, mesmo que o projeto tenha sido

aprovado em data anterior;

4. Use, preferencialmente, um cheque para cada nota fiscal. Embora um conjunto de despesas

miúdas possa ser agrupado em um único cheque (ou saque), evite fazê-lo.

Relatórios Científicos

Cada agência financiadora possui seu modelo de Relatório de Projeto de Pesquisa. Entretanto, há uma

estrutura básica do Relatório que é a mesma da Dissertação ou Tese. Contudo, no Relatório temos

ainda outras informações que podem (devem) ser fornecidas:

Análise de efeitos do projeto – quais os efeitos do projeto? Quais os objetivos foram atingidos? Quais

não foram e por qual razão?

Financiamentos - Quem financiou a pesquisa? Quanto dinheiro foi investido na pesquisa?

Publicações – que publicações foram geradas pelo projeto? Em quais revistas os artigos foram

publicados?

Recursos Humanos Formados – Houve formação de Recursos Humanos? Por exemplo, houve a

produção de teses e dissertações ligadas ao projeto?

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Problemas que foram encontrados para a execução do projeto – que problemas ou entraves foram

encontrados e que impediram (ou atrapalharam) a execução do projeto?

Lembre, o Relatório é um relato de algo que já aconteceu ou que está em andamento (caso dos

relatórios parciais) e deve ter estrita correlação com o que foi proposto no Projeto de Pesquisa.

Quando analisamos as ações no Relatório, esta análise deve estar em estrita concordância com os

objetivos colocados no projeto aprovado.

8.4.3 Comunicação em encontros científicos

Além do artigo, o pesquisador pode comunicar a seus pares os resultados obtidos em suas pesquisas

em encontros científicos. Esses encontros, realizados com periodicidade variável segundo o campo da

pesquisa, podem ser do tipo:

1. Colóquio - essa é uma reunião informal, de curta duração, cujo objetivo é a divulgação dos

resultados de pesquisa para não especialistas no campo. Um colóquio normalmente dura duas

horas, com uma hora destinada à apresentação pelo especialista convidado e uma hora

destinada às perguntas dirigidas pelos ouvintes ao palestrante.

2. Seminário - O seminário é um encontro no qual especialistas discorrem sobre resultados de

pesquisa para outros especialistas. Do mesmo modo que o colóquio, um seminário dura em

torno de duas horas, com uma hora de apresentação e uma hora de questionamentos ao

palestrante por parte dos ouvintes. Também são chamados de Seminários reuniões que duram

dois ou três dias com a mesma característica.

3. Workshop (Reunião de Trabalho) - neste tipo de encontro, vários especialistas se reúnem para

discutir entre si um dado tema. Normalmente, uma reunião de trabalho desse tipo dura de

dois a três dias.

4. Simpósio - é uma reunião de especialistas que discorrem sobre um tema específico. Também

de longa duração um simpósio pode durar até cinco dias.

5. Congresso - o congresso é uma reunião de especialistas que discorrem sobre diferentes temas

de trabalho para outros especialistas. Diferentemente do Simpósio, os temas de um Congresso

são amplos e cobrem o campo de trabalho inteiro. Como o Simpósio, o Congresso dura em

torno de cinco dias.

Nestes tipos de encontro, são utilizadas duas formas de apresentação:

Comunicação Oral

Como o próprio nome diz, a comunicação oral é uma apresentação feita em 15 minutos (média) pelo

pesquisador para uma plateia de especialistas no campo. Usualmente, há entre 5 a 10 minutos após

cada apresentação para questionamentos ao apresentador por parte da plateia. Em cada encontro

científico, a organização indica o dia e o horário da apresentação de cada pesquisador.

É muito importante que o apresentador respeite o tempo que tem a sua disposição, senão toda a

organização do encontro pode ficar prejudicada. É considerada falta de educação extrapolar o seu

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 148

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tempo. A apresentação oral não existe para que todos os detalhes da pesquisa sejam apresentados,

apenas os pontos principais e os principais resultados. Nas discussões posteriores, o apresentador

poderá discutir os detalhes do trabalho com interessados.

Especial cuidado deve ser tomado pelo apresentador na elaboração de seus slides. O erro mais comum

que observamos ser cometido é a sobrecarga de informações em slides. Não adianta um slide

preenchido com textos longos ou cheio de equações. Ninguém lê. Simples como isso. Perda de tempo.

Coloque no slide apenas o necessário para apoiar a sua exposição oral. Aliada a isso, a lógica de uma

apresentação deve ser diferente da lógica do texto. Lembre, em um slide, o que importa é usar a

linguagem visual. Considere o slide mostrado na Figura 65.

Figura 65 – Exemplo de apresentação inadequada.

Claramente vemos que é um slide carregado de texto que explora pouco o lado visual da apresentação.

Observe agora a “tradução” deste slide mostrada na

Figura 66. Além do aspecto esquemático que facilita a compreensão do conteúdo, o uso das cores

indica diferentes aspectos da mensagem. Naturalmente, o conteúdo informacional é o mesmo que a

formatação anterior. A esse respeito, o leitor pode ver o que escrevemos em Rosa (2010), no capítulo

sobre o uso de recursos audiovisuais.

Cuidado também deve ser tomado com o esquema de cores da transparência. Muita cor prejudica a

leitura da transparência. Gráficos podem ficar ilegíveis se o esquema de cores não for adequado.

Não coloque grandes tabelas em transparências! Elas ficam ilegíveis.

O maior pecado que pode ser cometido pelo apresentador é ler o slide. Nunca faça isto. Primeiro, você

passa a impressão de que não domina os pontos do trabalho que você está apresentando. Segundo,

você estará chamando sua plateia de analfabeta, já que não sabe ler sozinha.

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 149

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Figura 66 - "Tradução visual" da Figura 65.

Finalmente, na fase das perguntas, espere que a pessoa que pergunta termine sua pergunta antes de

começar a responder. Muitas vezes, o que parece uma crítica ao seu trabalho pode terminar como um

elogio ou reconhecimento a este mesmo trabalho. Se você interromper antes do final, ficará a

impressão de que a pessoa que pergunta está fazendo uma crítica, o que não seria verdadeiro. Anote as

perguntas feitas a você pelo questionador e as responda na ordem em que foram feitas. Um ponto

importante que você deve ter em mente quando frente a um questionador mais rude: a plateia tem a

tendência a ficar do lado do apresentador. Se você também for rude, ela mudará de lado. Conclusão:

mantenha a calma e tenha consciência de que você é a pessoa que mais entende daquele trabalho.

Ainda a respeito de postura, há várias pessoas que fazem perguntas que não estão no escopo do

trabalho. Quando for o caso, responda simplesmente que a pergunta é interessante, mas que você não

investigou a questão sob aquele ponto de vista.

Pôster

Neste tipo de comunicação os resultados da pesquisa são apresentados durante um simpósio ou

congresso na forma de um pôster ou banner, em local previamente divulgado pela organização do

encontro. Usualmente, um pôster é apresentado na forma de um tripé com uma prancha de madeira de

1m x 1m (fornecido pela organização do encontro) no qual folhas são afixadas com o texto e as figuras,

se for o caso, contendo a descrição do trabalho realizado. Este material fica em exposição durante o

tempo determinado pela organização e o autor do trabalho deve permanecer junto ao pôster durante o

tempo determinado para que pessoas que se interessam pelo trabalho possam tirar suas dúvidas a

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 150

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respeito do mesmo. Usualmente a organização do encontro pede que os pôsteres sejam fixados com

alguma antecedência de modo que os interessados possam lê-los e escolher aqueles que discutirão com

os autores durante a seção de pôsteres.

Os textos do painel devem utilizar um tamanho de letra que possibilite sua leitura a uma distância de

aproximadamente 1,5 m. Esta advertência também deve ser considerada no caso de apresentação de

figuras, tabelas ou fotos. As especificações das apresentações são indicadas pelos organizadores do

evento em que será apresentado, entretanto, podemos sugerir a seguinte estrutura básica:

1) Título do trabalho: em destaque, com letras maiores do que as do texto.

2) Identificação: indicação do(s) autor (es) e a instituição a que está (ão) vinculado (s). Pode-

se apresentar uma foto dos autores;

3) Objetivos;

4) Descrição do tema;

5) Resultados;

6) Conclusões;

7) Referências: indicar as básicas;

8) Agradecimentos: quando for pertinente.

O aspecto visual de um painel é muito importante e deve ser tal que torne agradável a leitura

destacando os aspectos principais do trabalho apresentado. Podemos utilizar variações de cores e

decoração sem, entretanto, comprometer a clareza da exposição.

Da mesma forma que o slide, o erro mais comum em pôsteres é o preenchimento do espaço do pôster

com excesso de texto e de equações. O pôster é muito bom para mostrarmos esquemas explicativos,

tabelas (com poucas linhas e colunas) e figuras. Textos longos, com letras pequenas, apenas afugentam

o possível interessado no trabalho. É interessante disponibilizar um espaço para que pessoas

interessadas em receber cópias do trabalho (já publicado ou que será publicado) com os detalhes do

resumo apresentado no pôster possam deixar anotados seus endereços eletrônicos. Se o trabalho já foi

publicado, o autor pode disponibilizar algumas cópias para os interessados.

Um problema com o pôster é que, como as seções de apresentação são organizadas de forma temática,

o apresentador do pôster fica privado de discutir com outros pesquisadores trabalhos do seu campo, já

que todos estão apresentando ao mesmo tempo. Uma vantagem do pôster é que o pesquisador novato

fica mais protegido que na apresentação oral e vai adquirindo experiência em discutir seu trabalho

com outros pesquisadores.

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Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino Página | 151

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Anexo

Formulário de Projeto de Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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FUNDAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL

DE MATO GROSSO DO SUL

Formulário

PROJETO DE PESQUISA

Registro Nº:

TÍTULO DO PROJETO:

I – Dados pessoais do COORDENADOR Titulação: ( ) Mestre ( ) Doutor

1) CPF 2) Nome completo, sem abreviação 3)

Matrícula SIAPE

4) Data de nascimento 5) Sexo 6) Nacionalidade 7) Endereço eletrônico

( ) masc. ( ) fem.

II – Origem ou local de trabalho do COORDENADOR

10) Situação funcional 11) Regime de trabalho

( ) Docente ( ) Técnico administrativo ( ) Bolsistas

( ) Tempo Parcial -TP

( ) Dedicação exclusiva - DE

12) Carga horária semanal destinada à execução deste projeto: ( ) h

( ) Outro:

Vigência do Contrato:

III – Enquadramento da solicitação (Leia instruções no Manual)

13) Código da Área/Subárea 14) Vigência

Início:

Término:

15) Natureza do Projeto: ( ) Básica ( ) Aplicada ( ) Outras _________________________________________

O resultado poderá gerar Propriedade Intelectual? ( ) Sim ( ) Não

8) Campus ou Centro 9) Departamento

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16) Categoria do Projeto:

17) Recebeu apoio financeiro de outra instituição ou órgão de fomento?

( ) Sim Qual?____________________ Edital: _______________________ ( ) Não

18) Solicitou apoio financeiro de outra instituição ou órgão de fomento?

( ) Sim Qual?____________________ Edital: _______________________ ( ) Não

19) Grupo de Pesquisa no CNPq:

20) Linha de pesquisa:

21) Requer parecer do Comitê de Ética: ( ) Não ( ) Humanos ( ) Animais ( ) Bio-segurança

22) Situação atual do projeto: ( ) Em andamento ( ) Interrompido ( ) Cancelado ( ) Não iniciado

IV – Há outras Instituições participantes neste Projeto: ( ) Sim ( ) Não

V – Local de execução do projeto (preencher caso não seja a mesma instituição do item II)

23) Instituição (universidade, empresa, fazenda, etc.)

24) Unidade (núcleo, departamento, laboratório, etc.)

25) Cidade: 26) UF: 27) País:

VI – Orçamento Resumido (VALORES EM REAL - R$) – O orçamento detalhado deverá constar no projeto

1 º Ano 2 º Ano TOTAL IMPORTAÇÃO US$

Itens UFMS OUTRA FONTE UFMS OUTRA FONTE UFMS OUTRA FONTE

Custeio

Capital

TOTAL

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Local Data Assinatura do COORDENADOR

VII – Resumo do Projeto (Máximo 14 linhas, espaço simples entre linhas– fonte Arial tamanho 10)

VIII – Palavras-chave (Máximo três)

IX – Aprovação da Instituição

CONSELHO DE DEPARTAMENTO OU COLEGIADO DE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Data Resolução número Nome e assinatura do PRESIDENTE DO CONSELHO OU COLEGIADO

CONSELHO DE CÂMPUS (OU EQUIVALENTE)

Data Resolução número Nome e assinatura do PRESIDENTE DO CONSELHO

COMISSÃO DE PESQUISA (Dispensável quando se tratar de projeto de programa de pós-graduação)

Data Parecer comissão Nome e assinatura do PRESIDENTE DA COMISSÃO

( ) Favorável

( ) Favorável com ressalvas*

( ) Desfavorável

(*) OBSERVAÇÕES:

COORDENADORIA DE PESQUISA

Data Parecer Coordenadoria Carimbo e assinatura do COORDENADOR (A) DE PESQUISA

( ) Favorável

( ) Favorável com ressalvas*

( ) Desfavorável

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(*) OBSERVAÇÕES:

X – Projeto de Pesquisa

(Veja sugestões no Manual de Elaboração de Projeto de Pesquisa no site www.propp.ufms.br)

TÍTULO:

INTRODUÇÃO

OBJETIVOS

OBJETIVOS GERAIS

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

METODOLOGIA

REFERÊNCIAS

RESULTADOS ESPERADOS

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06 INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES

Nome da Instituição / Sigla Objeto da participação (Veja as orientações no Manual de Pesquisa)

07 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO FÍSICA DO PROJETO

ATIVIDADES ANO: ANO:

MÊS DE EXECUÇÃO MÊS DE EXECUÇÃO

J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D

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08 RECURSOS HUMANOS ENVOLVIDOS NO PROJETO

Nome Matrícula Lotação Titulação Tipo de participação* Atividades no Projeto CHP

*Tipo de Participação: Coordenador, Colaborador, Pesquisador Adjunto, Consultor, Aluno de graduação, Aluno de pós-graduação, Técnico de laboratório, Auxiliar de laboratório,

Secretária, Auxiliar administrativo, Auxiliar de campo, outro.

09 ORÇAMENTO DETALHADO (R$) 09.1 - Diárias

Item Localidade Nº de

Diárias

Custo

Unitário Custo Total

Custo por ano

1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO

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TOTAL*

(*) Para processar automaticamente a soma dos totais basta você colocar o cursor na célula na qual quer a totalização e clicar em TABELA / FÓRMULA /OK

09 ORÇAMENTO DETALHADO (R$) 09.2 - Material de Consumo

Item Especificação Und. Quantidade Custo

Unitário

Custo

Total

Custo por ano

1.º ANO 2.º ANO 3.º ANO 4.º ANO

TOTAL

* Itens de pequeno valor podem ser agrupados e denominados de “Diversos”, desde que o valor total não ultrapasse a R$ 200,00 (Duzentos reais) por ANO

09 ORÇAMENTO DETALHADO 09.3 - Material Permanente

( ) Nacional – R$ ( ) Importado – US$

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Item Especificação Quantidade Custo

Unitário

Custo

Total

Custo por ano

1.º ANO 2.º ANO 3.º ANO 4.º ANO

TOTAL

Preencher um formulário para cada tipo de material: nacional e importado.

09 ORÇAMENTO DETALHADO (R$) 09.4 - Passagens e Despesas com Locomoção

Item Trecho Custo Total Custo por ano

1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO

TOTAL

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09 ORÇAMENTO DETALHADO (R$) 09.5 - Serviços de Terceiros: Pessoa Jurídica

Item Especificação 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO Custo Total

TOTAL

09 ORÇAMENTO DETALHADO (R$) 09.6 - Serviços de Terceiros: Pessoa Física

Item Especificação 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO Custo Total

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TOTAL

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10. CRONOGRAMA DE DESEMBOLSO (R$)

ELEMENTOS DE DESPESA 1 ANO 2 ANO 3 ANO 4 ANO TOTAL

Diárias

Material de Consumo

Equipamentos e Material Permanente

Passagens e Despesas com Locomoção

Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica

Serviços de Terceiros – Pessoa Física

TOTAL

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Análise Crítica ............................................................ 66 Aparelhos Ideológicos do Estado............................. 63 Aparelhos Repressores do Estado ........................... 63 Asserções de Conhecimento ................................... 138 Asserções de Valor ..............................................28, 138 categoria ........................................................................ 91 categorias ..................................................................... 31 Científica ....................................................................... 57 classe ............................................................................... 62 Classe ........................................................................... 123 codificação ................................................................ 130 Conectores Verbais ............................................... 129 Crônica .......................................................................... 54 Cronograma ................................................................ 16

de desembolso ......................................................... 20 elaboração ................................................................ 17

Cultura ......................................................................... 132 Dado................................................................................. 27 Delinear

Pesquisa ................................................................... 30 Plano Operacional .................................................. 30

demanda espontânea ................................................. 20 demanda induzida ...................................................... 20 Despesas

capital ......................................................................... 19 custeio ........................................................................ 18

Dinâmica Social............................................................ 57 Domínio

conceitual .................................................................. 22 metodológico ........................................................... 22

Domínio Conceitual .................................................... 23 Domínio Metodológico .............................................. 23 Estática Social............................................................... 57 Estudo Preliminar .................................................... 66 ficha de leitura ............................................................. 52

componenetes ......................................................... 53 Folha de identificação do projeto ..................... 13 Formular o problema ............................................. 30 formulário ..................................................................... 13 Generalização a uma opulação ............................... 69 Generalização Analítica ............................................. 69 hipótese .......................................................................... 36 ideologia ....................................................................... 62 Ideologia ...................................................................... 123 Instituições participantes .................................... 16 Introdução ................................................................... 13 Justificativa ................................................................. 14 Lei .................................................................................... 25

materialismo histórico ............................................ 132 Metafísica ..................................................................... 57 Metas .............................................................................. 15 Metodologia

da pesquisa .............................................................. 21 da pesquisa em ensino ......................................... 21 de projeto ................................................................. 15 definição .................................................................... 21

Montagem institucional ............................................................. 65 metodológica ........................................................... 65

normalização dos enunciados ......................... 129 objetivos

de ensino ................................................................... 14 Objetivos

projeto de pesquisa ............................................... 14 Objeto de Atitude ....................................................... 130 Objetos de Atitude ................................................. 129 Orçamento

detalhado .................................................................. 18 Participantes do Projeto ....................................... 16 permanente provisória ............................................. 36 pesquisa

empírica .................................................................... 38 empírica experimental ......................................... 38 empírica experimental qualitativa ................... 39

Pesquisas qualitativas ............................................................... 38

processo de catalogação ........................................... 53 Programação e Aplicação de um Plano de

Ação ........................................................................... 66 projeto de pesquisa .................................................... 13 Referências ................................................................. 16 Registros de Eventos ................................................... 27 Religião da Humanidade ...................................... 57 Síntese ........................................................................... 54 Teológica ...................................................................... 56 Teorias............................................................................ 25 Termos Avaliativos com Significação C ....... 129 V Epistemológico ......................................................... 28

Ferramenta de avaliação ..................................... 28 V Epistemológico de Gowin

definição .................................................................... 22 validade

ecológica ................................................................... 45 externa ....................................................................... 45 população ................................................................. 45