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Uma j ane la para 0 unIve rs o 2 km abaixo da te rra É PRECISO DESCER (E MUITO!) PARA TENTAR DESVENDAR O MISTÉRIO DOS NEUTRINOS E DA MATÉRIA ESCURA NO COSMOS ual é a natureza de 96% do uni- verso l E por que ele é formado de matéria , e não de anti matéria? As respostas a essas e outras per- guntas igualmente complexas são ensaiadas no Snolab, laboratório especializado na pesquisa de neutrt nos e matéria escura . O Snolab faz parte de uma comunidade formada por 70 insti- tuições em 14 países que se debruçam sobre o assunto, visto por muitos espe- cialistas como o maior desafio da ciência hoje. O problema é que a matéria escura é formada por partículas que quase não interagem com o resto da matéria, e os neutrinos são partículas subatômicas de fraca interação, o que torna quase impos- sível detectá - los . Por isso , o laboratório fica mais de dois quilômetros abaixo da terra , em uma mina da Vale na cidade de Sudbury, no Canadá . A mina é praticamen- te livre de radioatividade e raios smicos (partículas de alta energia que vêm do universo e penetram a Terra por todos os lados, atingiMo a totalidade da superfície) . Para saber como anda a pesquisa cósmica , GALlLEU conversou com Nige f Smith , dire- tor do Snolab . = GABRIELA LOUREIRO 16 JANEIRO /201S No mundo da lua: Para Nigel Smith, diretor do Snolab , poderemos enxergar a matéria escura em 5 anos Épossível dízer que o objetivo da equipe do S nolab é tent ar descobrir do que é fei to o universo? Sim. Temos duas pesquisas-chave, uma delas sobre matéria escura, um material estranho que sabemos que existe no universo porque tem efeito gravitacional. As estrelas se movi- mentam bem rápido, e se não houvesse nada sustentando-as não haveria galáxias; por isso é necessário que exista algo que as mantenha lá. A matéria escura precisa estar no universo para sustentar as galáxias. Não conseguimos enxergá-la, por isso é chamada de matéria escura, Uma ideia é que ela seria uma nova partícula subatômica, e os experimentos que construímos estão procurando por uma interação com essa partícula debaixo da terra. O Snolab tem uma longa história também na pesquisa de neutrinos. Percebemos que eles mudavam muito, até descobrir que existem três tipos de neutrinos e que eles podem mudar de um estado para outro , A pesquisa atual do Snolab busca 1

Uma janela para 0 unIv erso 2km abaixo da terra filesávamos. Mas esperamos vê-las nos próximos cinco anos. Depois dessa descoberta, como a matéria escura muda a forma como pensamos

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Uma janela para 0

•unIverso 2km abaixo da terra ÉPRECISO DESCER (E MUITO!) PARA TENTAR DESVENDAR O MISTÉRIO DOS NEUTRINOS E DA MATÉRIA ESCURA NO COSMOS

ual é a natureza de 96% do uni­versol E por que ele é formado de matéria , e não de anti matéria? As respostas a essas e outras per­guntas igualmente complexas são ensaiadas no Snolab, laboratório

especializado na pesquisa de neutr tnos e matéria escura . O Snolab faz parte de uma comunidade formada por 70 insti­tuições em 14 países que se debruçam sobre o assunto, visto por muitos espe­cialistas como o maior desafio da ciência hoje. O problema é que a matéria escura é formada por partículas que quase não interagem com o resto da matéria, e os neutrinos são partículas subatômicas de fraca interação, o que torna quase impos­sível detectá -los . Por isso, o laboratório fica mais de dois quilômetros abaixo da terra , em uma mina da Vale na cidade de Sudbury, no Canadá . A mina é praticamen­te livre de radioatividade e raios có smicos (partículas de alta energia que vêm do universo e penetram a Terra por todos os lados, atingiMo a totalidade da superfície) . Para saber como anda a pesquisa cósmica , GALlLEU conversou com Nigef Smith, dire­tor do Snolab. =GABRIELA LOUREIRO

16 JANEIRO /201S

No mundo da lua: Para Nigel Smith, diretor do Snolab, poderemos enxergar a matéria escura em 5 anos

Épossível dízer que o objetivo da equipe do Snolab é tentar descobrir do que é feito o universo?

Sim. Temos duas pesquisas-chave, uma delas sobre matéria escura, um material estranho que só sabemos que existe no universo porque tem efeito gravitacional. As estrelas se movi­mentam bem rápido, e se não houvesse nada sustentando-as não haveria galáxias; por isso é necessário que exista algo que as mantenha lá. A matéria escura precisa estar no universo para sustentar as galáxias. Não conseguimos enxergá-la, por isso é chamada de matéria escura, Uma ideia é que ela seria uma nova partícula subatômica, e os experimentos que construímos estão procurando por uma interação com essa partícula debaixo da terra. O Snolab tem uma longa história também na pesquisa de neutrinos. Percebemos que eles mudavam muito, até descobrir que existem três tipos de neutrinos e que eles podem mudar de um estado para outro, A pesquisa atual do Snolab busca

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entender as implicações des­sa transformação, conhecer a massa e as características dos neutrinos. Tanto eles quanto a matéria escura são importantes para entender o funcionamentoodo Cosmos.

Existe relação entre as duas linhas de pesquisa? Sim, usamos técnicas pare­cidas. O motivo de estarmos debaixo da terra é que na su­perfície somos bombardea­dos por radiação cós;ica o tempo todo, e isso mascara os sinais que procuramos. A interação da matéria escura é muito fraca , e os neutrinos interàgem raramente, então precisamos nos livrar de toda essa interferência usando de­tectores bastante sensíveis.

• Quando vamos descobrir oque é a matéria escura? Estamos tentando vê-la há 20 anos, e até agora nada. Nossos detectores são cada vez mais sensíveis, e mesmo assim não vemos as partí­culas . A interação delas é bem mais fraca do que pen­

sávamos. Mas esperamos vê-las nos próximos cinco anos .

Depois dessa descoberta, como a matéria escura muda a forma como pensamos o universo? Entendemos apenas 4% do universo. Quando olhamos para cima e vemos as estrelas e galáxias, sabemos que isso é uma parte ínfima do todo. É muito frus­trante saber tão pouco. Há algo bastante esquisito chamado energia negativa, que se observa em escala cosmológica. Ela pode estar conectada às forças da gravi­dade, que constituem cerca de 700/0 do universo; o resto é matéria escura. Já os neutrinos possivelmente explicam por

que o universo é feito de matéria, e não de antimatéria. Quando o universo co­meçou a existir, por ocasião do Big Bang, deveria haver uma quantidade igual de matéria e antimatéria, que aniquilariam uma à outra, de modo que só sobrasse energia. Por causa dos neutrinos, pode ter acontecido um processo físico que deu origem a uma quantidade maior de matéria do que de antimatéria. Com a aniquilação, teria sobrado um pouco de matéria, e é nesse ponto que estamos.

Por que é tão difícil observar a matéria que forma 80% do universo? Isso ajuda muito na explicação (barulho

de furadeira e choro de c1"iança na sala ao

lado). Nossos detectores precisam traba­lhar além do ruído de fundo. O proble­ma é que procuramos por uma interação fraca e silenciosa com nossos detectores. A matéria escura e o neutrino liberam quantidades muito pequenas de energia, que é mascarada por algo como o baru­lho dessa furadeira. A cada segundo, dois ou três raios cósmicos atravessam sua mão. É como se eu sussurrasse ao dar esta entrevista, com uma criança choran­do e uma furadeira ao fundo. Você tem de isolar o barulho para conseguir ouvir minha voz. Os raios cósmicos são fáceis de detectar, mas a matéria escura não.

Sob sua direção, o Snolab expan­diu suas atividades para diferentes campos de pesquisa. (omo isso fun­ciona na prática? A física sempre vai ser nosso maior foco, mas a pesquisa de ciência viva também é importante. Por exemplo, observamos mosc.as-da-fruta subindo à superfície e descendo até o labora­tório para entender o que acontece no metabolismo delas com a mudança de pressão do ar. Assim podemos saber qual a dieta ideal para pessoas que descem muitos metros abaixo da terra. Também estudamos o efeito dos níveis de radiação, algo que vai impactar a radiologia e como a célula é afetada.

FOTO: Divulgação. INFOGRÂFICO :Gabnela Loureiro.Gabriela Oliveira e MauroG,rào/Editora Globo

Laboratório subterrâneo Livre de "ruídos", o Snolab fica em uma mina da Vale

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100 milhões de vezes menos radioatividade

2015 / JANEIRO 17