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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 1 http://sisejufe.org.br

Uma página infeliz de nossa história - ou sobre como a ditadura prendeu e torturou meu tio "por engano"

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Í N D I C E

Editorial

Texto da jornalista Ana Helena Tavares so-bre a criação da Comissão da Verdade abrea 1ª edição de Ideias em Revista de 2010. Página 4

Revisão Salarial

Seguindo orientação da Fenajufe, sindica-to volta a carga na mobilização para pres-sionar deputados a aprovarem projeto darevisão salarial. Páginas 6 e 7

Entrevista Idéias

Num bate-papo, com Roberto Poncianoe Max Leone, Lucio Sanfilippo conta suatrajetória na música e como a religião in-fluencia seu trabalho e revela o precon-ceito por cantar samba. Páginas 20 e 21

Dicas Culturais

Trabalhadores sindicalizados de entidadescutistas terão 50% de desconto para ver o filme“Lula, o filho do Brasil”. Outra dia é peça “Atéque a sogra nos separe”, em que o servidor doTRE Daniel Müller atua no Teatro Ipanema. Página 12

Justiça do Trabalho

O representante sindical do TRT David Cor-deiro participa de reunião do Conselho deGestão Estratégica e defende propostasque refletem na vida dos servidores. Página 10

Sindicais

Confira ações e processos administrati-vos que o Departamento Jurídico deuentrada, como o pedido para reincorpo-rar reajuste de 11,98%. Página 5

Congrejufe

A Fenajufe e os sindicatos filiados, entreeles, o Sisejufe, nos preparativos para rea-lização do 7º Congresso Nacional da Fe-najufe (7º Congrejufe). Página 11

Oficina Literária

Nossa fiel colaboradora Marlene de Limadescreve como um sujeito pode se trans-formar, largando a esbórnia e as raparigas. Página 13

Polêmica

O apresentador Boris Casoy mostra maisuma vez todo seu preconceito de direita.ao insultar dois garis que desejavam FelizNatal aos telespectadores. Páginas 14 e 15

Mulheres

O livro de Simone Beauvoir, o “SegundoSexo”, completou 60 anos em 2009. Artigode Nalu Faria, mostra a atualidade do textoda feminista francesa. Páginas 16 e 17

Página 18

Reforma Agrária

Nosso cartunista Carlo Latuff conta a ex-periência de estar num acampamento daLiga dos Camponeses Pobres (LCP), nointerior de Rondônia. Páginas 26 e 27

Marighella vive

A servidora Edileuza Lima da Justiça Fede-ral colabora com texto sobre os 40 anosdo assassinato de Carlos Marighella. Página 22

Mensalão do DEM

Dinheiro na meia, pagamento de propinas,deputados orando agradecendo o esque-ma de suborno. É a marca da gestão dogovernador José Roberto Arruda, no Dis-trito Federal. Página 23

PNDH

O jornalista Luiz Carlos Azenha debate apolêmica do Plano Nacional de DireitosHumanos. CUT e a ABGLT são favoráveisao programa. Página 25

Confecom

Os repórteres Vinícius Souza e Maria Eu-gênia Sá relatam os bastidores da I Con-fecom realizada na segunda quinzena dedezembro de 2009. Páginas 28, 29, 30, 31 e 32

Salário Congelado

Além da campanha pela revisão salarial,servidores em geral se preparam para en-frentar a luta contra o projeto que conge-la salários do funcionalismo público. Páginas 8 e 9

FSM

O Fórum Mundial Social (FMS) aconteceem Porto Alegre, após dez anos ,entre 25a 29 de janeiro. Página 18

Direitos Humanos

Sob a bênção dos Orixás, o cantor e com-positor Lucio Sanfilippo revela como re-nasce de um iaô. Página 19

Comissão da Verdade

Apesar da chororô dos militares, o presi-dente Lula assinou decreto que cria o Pro-grama Nacional dos Direitos Humanos eimplementa a Comissão da Verdade. Página 24

Internacional

Eduardo Galeano aponta “os pecados doHaiti”, país arrasado por terremoto quematou pelo menos 200 mil pessoas. Página 35

Fulgêncio Pedra Branca

Apesar de Rubro-Negro, Fulgêncio reve-la provas irrefutáveis de que os times abri-ram as pernas para o Mengão ser Hexa. Página 33

Nacional

Jeansley Lima desnuda a tentativa da CNAde manipular pesquisa de opinião e ten-tar desmoralizar o MST. Página 34

Internacional

Ideias em Revista faz merecida homena-gem à médica Zilda Arns, que morreu noterremoto do Haiti. Página 36

Nacional

Artigo da procuradora regional da Re-pública Janice Ascari critica as manifes-tações em defesa dos investigados pelaOperação Satiagraha. É por essas e ou-tras que a Justiça está na UTI. Página 37

Latuff

Nosso cartunista expõe os dois lados datortura: o torturador e o torturado. Página 38

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Luta armada contra ditadura não pode ser classificada como terrorismoEditorial

Ana Helena Tavares*

A ditadura foi aqui. A dita bran-da que povoa a fantasia dos quehoje têm medo da verdade. Da-queles que hoje têm medo de queseus netos e bisnetos saibam le-tra por letra o que eles fizeramno milênio passado. Aristótelesdizia que “o homem é um ani-mal político”, mas até que pon-to pode chegar o ser humanoem nome de ideologia, acho quenem Freud em seus maiores de-lírios seria capaz de entender. Eas atrocidades de determinadosmilitares na época da ditaduraforam, certamente, documenta-das de forma bastante vasta.Dentro da caserna, havia pesso-as com a única função de regis-trar aquela horrenda realidadeem sabe-se lá quantas laudas.

Muitos destes arquivos foram,provavelmente, destruídos oupela ação do tempo ou pela açãohumana, ambas implacáveis.Mas, seja nas mãos de militaresou de civis, não tenho dúvidasde que ainda hoje esta “páginainfeliz de nossa história”, queChico e outros tantos narraramem prosa, verso e música, per-manece também legível em ano-tações das mais diversas e docu-mentos oficiais.

Vale lembrar que a grandeimprensa da época não publicousó versos de Camões e receitasde bolo. É claro que houve osque preferiram emprestar car-ros de reportagem para tortu-radores, mas, seja em jornalõesou publicações alternativas, éconsiderável o número de jor-nalistas que conseguiu driblarbravamente a censura notician-do os fatos e opinando sobreeles de forma corajosa e com-petente. Além disso, outra coisaque ainda nos resta - e isto paraser apagado precisaria muitagente morrer - é a memória de

Uma página infeliz de nossa históriaquem viveu o horror e resistiu aele, a memória de seus familia-res e dos familiares dos mortos.Será que alguém poderá ser ca-paz de me dizer que é justo queum sujeito que era conhecidocomo “Tenente Mata Rindo”continue rindo por aí, sabe-se lárindo de que, mas solto – livre,leve e solto? É este tipo de genteque os comandantes militares dehoje são contra a “Comissão daVerdade?”

Luta armada, num regime deexceção, contra uma ditadura(que de branda nada teve), nãopode de modo algum ser classi-ficada como terrorismo. Seriaquase como dizer que Tiraden-tes e os inconfidentes eram ter-roristas porque pegaram em ar-mas para lutar contra a monar-quia portuguesa. (…)

Eu tive parente torturado bru-talmente e quase morto. (…) Eleficou cinco dias desaparecido.Encontrava-se nu, trancafiadonuma cela com luz constante.Apanhou muito e conta que im-plorava para que não batessemem sua cabeça. Vão apelo de uminocente que recebeu choqueelétrico e lavagem cerebral, agra-vando os problemas neurológi-cos que já tinha. A família moveucéus e terras e conseguiu encon-trá-lo graças, primeiramente, àintuição de sua mãe que pediupara que o procurassem no Dops.(...)Só quem viveu o inferno e tematé hoje a sensação de impuni-dade sabe as razões pelas quaisainda não consegue se sentir se-guro nas ruas deste país.

Quem agora é capaz de meconvencer que aqueles militaresque em nenhum momento de-ram chance de defesa a um ino-cente e fizeram com ele tudo oque fizeram merecem ser hojevovôs que levam impunementeos seus netos à pracinha?!?! ?!Pelo amor de Deus, algum dia o

Brasil tem que fazer justiça e ofe-recer um mínimo de paz a todosos sobreviventes dos porões daditadura, aos seus familiares eaos familiares dos mortos.

Tenho certeza de que quemestivesse no meu lugar tam-bém iria morrer pedindo jus-tiça. E este sentimento é ain-da maior por eu saber que nãofoi só com ele. Se tem algo quesalta aos olhos neste país éque nós ainda vivemos numaditadura, uma ditadura disfar-çada de democracia. Ainda há,sim, torturas. Torturas nocampo, por exemplo, que a

grande mídia sempre escon-de. (…) Enquanto nosso paísnão acertar contas com suahistória, tal como já fizeramoutros países da América Lati-na, não poderá se dizer umpaís democrático. Hoje perce-bo que Lula já deveria ter fei-to isso há bem mais tempo.Agora que começou não dápra deixar para o próximomilênio.

* Escritora, poeta, jornalista ecolunista da “Revista Médio Paraí-

ba” e editora/administradora doblog “Quem tem medo do Lula?”

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SEDE: Avenida Presidente Vargas 509, 11º andar – Centro – Rio de Janeiro-RJ – CEP 20071-003TEL./FAX: (21) 2215-2443 – PORTAL: http://sisejufe.org.brENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]

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Filiado à Fenajufe e à CUT

DIRETORIA: Angelo Canzi Neto, Dulavim de Oliveira Lima Júnior, Gilbert de Azevedo Silva, João Ronaldo Mac-Cormick da Costa, João Souza da Cunha, José Fonsecados Santos, Leonardo Mendes Peres, Lucilene Lima Araújo de Jesus, Luiz Carlos Oliveira de Carvalho, Marcelo Costa Neres, Marcio Loureiro Cotta, Marcos André LeitePereira, Maria Cristina de Paiva Ribeiro, Mariana Ornelas de Araújo Goes Liria, Moisés Santos Leite, Nilton Alves Pinheiro, Og Carramilo Barbosa, Otton Cid daConceição, Renato Gonçalves da Silva, Ricardo de Azevedo Soares, Roberto Ponciano Gomes de Souza Júnior, Valter Nogueira Alves, Vera Lúcia Pinheiro dos Santose Willians Faustino de Alvarenga. ASSESSORIA POLÍTICA: Márcia Bauer.

IDEIAS EM REVISTA – REDAÇÃO E EDIÇÃO: Max Leone (MTb/RJ 19.002/JP)DIAGRAMAÇÃO: Kamilo – ILUSTRAÇÃO: Latuff – CAPA: arte de Carlos LatuffCONSELHO EDITORIAL: Roberto Ponciano, Henri Figueiredo, Max Leone, Márcia Bauer, Valter Nogueira Alves, Nilton PinheiroIMPRESSÃO: Gráfica e Editora Minister (8,6 mil exemplares)

As matérias assinadas são de responsabilidade exclusiva dos autores. As cartas de leitor estão sujeitas a edição por questões de espaço.Demais colaborações devem ser enviadas em até 2 mil caracteres e a publicação está sujeita a aprovação do Conselho Editorial. Todos ostextos podem ser reproduzidos desde que citada a fonte.

Sindicais Parecer do Jurídico atribui escolha ao funcionário

Protocolado pedido para reincorporar reajuste de 11,98%

Sisejufe ajuíza açãopara pagamento doauxílio-saúde no TRT

Jornada de trabalho no TRT de 7 horasé opção do servidor e não da chefia

Recurso contra decisão para devolver valores de FC e CJ integrais

O reajuste do plano de saúde dosindicato será de 8,85% para quemestá no contrato novo, ou seja, apartir de dezembro de 2008, quempermaneceu no antigo será rea-justado somente em julho, no ven-cimento daquele contrato. A dire-ção do Sisejufe informa que emfunção de problemas nos prazosde fechamento das folhas dos tri-bunais e da corretora o descontose dará a partir de fevereiro.

Requerimentos administrativosforam protocolados em todos ostribunais para exigir o restabele-cimento, na folha de pagamentodos sindicalizados, do reajuste de11,98%, extinto pelas Leis 9.421/1996 e 10.475/2002. Os pedidos

A direção do Sisejufe entroucom ação coletiva para seus fili-ados, exigindo repasse mensaldos valores pelo TRT do auxílio-saúde e a cobrança dos valoresatrasados, retroativos aos últi-mos cinco anos. Segundo o De-partamento Jurídico, o servidortem direito ao auxílio para cus-teio de despesas com assistên-cia à saúde. No Rio, a cota-partede responsabilidade do TRT épaga se o servidor aderir à ope-radora contratada pelo tribunal.No entanto, o procedimento écontrário à lei. Para o diretor dosindicato Roberto Ponciano, nosúltimos cinco anos, os servido-res que optaram ou desejaramtêm outras operadoras de pla-nos de saúde foram obrigados adesistir de suas pretensões ouficaram sem a co-participação.Os servidores que quiserem po-dem se sindicalizar para serembeneficiados pela ação.

Parecer do Departamento Jurí-dico do sindicato avalia que a jor-nada de trabalho no TRT de 7horas é opção do servidor do tri-bunal e não da chefia. A escolhaentre 8 horas com intervalo e 7horas ininterruptas cabe ao ser-vidor. A resolução do TRT permi-te apenas a fiscalização pelo su-perior. A matéria foi objeto dequestionamentos na implantação

da Lei 8.112/1990 e a transposi-ção de vários empregados públi-cos (celetistas) para cargos esta-tutários. O Poder Judiciário afir-mou que os servidores estatutá-rios não estão submetidos às re-gras da CLT sobre jornada de tra-balho, tendo em vista que a Lei8.112 (Artigo 19) e os regulamen-tos dos tribunais (Artigo 96, I, b,CF/88). O parecer lembra deci-

sões do CNJ que consideraramválidas as fixações dos tribunaissuperiores e conselhos em 8 ho-ras com intervalo, 7 horas inin-terruptas ou 6 horas ininterrup-tas, bem como a autonomia paraescolher o melhor regulamento.Conclui ser possível fixar 7 horasininterruptas, assim como é pos-sível a inclusão de intervalo.

foram feitos antes do recesso emdezembro passado. A medida sejustifica por não ter havido limi-tação temporal para pagamentodo reajuste, uma vez que os pla-nos de carreira dos servidores,seja na versão da Lei 10.475 ou

no instituído pela Lei 11.416/2006, não trataram do percen-tual em questão. Há precedentesadministrativos específicos dosTREs do Ceará, do Maranhão edo Amapá, reconhecendo o di-reito à reincorporação.

Sindicato denúncia avaliação de desempenho feita de forma subjetivaEm 15 de outubro de 2009, o

sindicato protocolou represen-tação no TRT, envolvendo sus-peição de avaliador que teria re-lação de inimizade com avalia-do. O episódio foi confirmadopelo tribunal que, após vários re-cursos interpostos pelo subor-dinado, reconheceu a inimiza-

No em 17 de dezembro, o Sise-jufe protocolou recurso adminis-trativo com pedido de efeito sus-pensivo contra decisão do CJF, re-ferente ao processo administrati-vo 2009.16.1137/CJF, que deter-mina cobrança de valores pagosa servidores do TRF da 2ª Região.

O pagamento é resultante da cu-mulação da remuneração do car-go efetivo com a VPNI dos quin-tos e o valor integral da FC cheia.O TRF encaminhou notificaçõesàs vésperas do recesso de final deano, informando que o servidordeve se defender. O Departamen-

to Jurídico diligenciará para sus-pensão dos procedimentos decobrança, em regime de urgên-cia. Os atingidos devem agendaratendimento no sindicato. As mi-nutas de defesa estão prontas. Aentidade sindical poderá buscara suspensão na esfera judicial.

de entre o denunciado e o servi-dor, anulando a avaliação de de-sempenho e nomeando outroavaliador. Entre os princípiosconstitucionais que devem serobservados pela administraçãopública, estão os da moralidadee da impessoalidade, logo, a ava-liação deve respeitar critérios

objetivos e, em nenhuma hipó-tese ser realizada por quem te-nha razões meramente subjeti-vas para reprovar um desafeto.Nesse contexto, os filiados de-vem procurar o sindicato e evi-tar que a avaliação de desempe-nho se transforme em ferramen-ta de assédio moral.

Reajuste anual doPlano de SaúdeSisejufe/Unimedserá de 8,85%

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Seguindo orientação da Fenajufe, a direção do Sisejufe arregaçaráas mangas e começará 2010 na luta pela aprovação do projeto derevisão salarial dos servidores do Judiciário Federal. A federaçãodeliberou que os sindicatos filiados pressionem os deputados fede-rais de seus estados para debater o PL 6.613/2009, que trata doassunto, mesmo durante o recesso parlamentar. Assim, os direto-res do Sisejufe vão procurar os parlamentares fluminenses quefazem parte das comissões em que o projeto tramitará na CâmaraFederal. A linha de trabalho será agendar, inicialmente, audiênciascom os deputados das comissões de Trabalho, Administração eServiço Público (CTASP), cuja titular é Andreia Zito (PSDB) e os su-plentes Carlos Santana (PT), Filipe Pereira (PSC) e Vinicius Carvalho(PT do B). A CTASP é a primeira comissão que analisará o projeto.

“Além desse trabalho, temos que manter a mobilização, como fize-mos na greve do ano passado, para retomar a luta pela aprovaçãoda revisão salarial”, afirma Valter Nogueira, diretor do Sisejufe e daFenajufe, referindo-se à mobilização que culminou numa passeatacom cerca de 1,1 mil servidores no Centro do Rio.

A segunda comissão a receber o projeto será a de Finanças e Tribu-tação (CFT), onde o deputado Eduardo Cunha (PMDB) é suplente. Emseguida é a vez da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania(CCJC) analisar a proposta. Lá são titulares Antônio Carlos Biscaia (PT),Eduardo Cunha (PMDB), Fernando Gonçalves (PTB), Geraldo Pudim(PR), Arolde de Oliveira, Índio da Costa (DEM) e Marcelo Itagiba (PSDB).Como suplentes atuam Hugo Leal (PSC), Jair Bolsonaro (PP), PauloRattes (PMDB), Solange Amaral(DEM), Chico Alencar (PSOL) e Eduar-do Lopes (PRB). Ao passar por essas etapas, o projeto seguirá aoSenado. Entretanto, a proposta tramita em caráter terminativo e podeser aprovada sem passar pelo plenário das duas casas.

PRIMEIROS PASSOS – No dia 14 de janeiro, representantes do Si-traam-AM, do Sinjeam-AM e da Assejuf-AM se reuniram com o pre-sidente da CTASP, deputado Sabino Castelo Branco (PTB/AM), emManaus. Os servidores entregaram ao parlamentar cópia do PL6.613 e explicaram a necessidade da aprovação imediata. Segundo

Sisejufe pressionará deputados de comissões.

Sindical

Foto: Henri Figueiredo

Foto: Max Leone

Foto: Henri Figueiredo

Grande passeata: demonstração de força da categoria

Servidores do TRF Acre participam de assembleia

No TRT da Lavradio, a mobilização foi crescente

Foto: Max Leone

A greve na Venezuela teve a participação do funcionalismo

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 7http://sisejufe.org.br

o diretor do Sitraam-AM Hélder Vieira, o parlamentar disse ser favo-rável à reivindicação da categoria e se comprometeu a ser o relatorna Comissão de Trabalho. Sabino Branco fez contato com a Câmaraoficializando que assumirá a função.

O assessor parlamentar da Fenajufe, Antônio Augusto Queiroz, in-formou que, embora a composição da Comissão de Trabalho sejaalterada logo após o retorno dos trabalhos do Congresso Nacional,em 2 de fevereiro, o atual presidente pode avocar a relatoria antesmesmo de passar o cargo para o seu sucessor. A coordenadora dafederação Lúcia Bernardes afirmou que assim que o Legislativo vol-tar ao trabalho em 2 de fevereiro, a diretoria da Fenajufe pediráaudiência com o deputado Sabino Castelo Branco para tratar datramitação do PL 6.613.

“O contato com todos os parlamentares de imediato será válido,uma vez que vamos enfrentar outras etapas da tramitação, além daComissão de Trabalho e Serviço Público”, ressalta Lúcia.

Fenajufe e sindicatos retomam mobilização

Comissão de Trabalho, Admi-nistração e Serviço Público(CTASP) - Andreia Zito (PSDB)titular e suplentes Carlos San-tana (PT), Filipe Pereira (PSC) eVinicius Carvalho (PT do B);

Comissão de Finanças e Tribu-tação (CFT) - Eduardo Cunha(PMDB) é suplente;

Comissão de Constituição eJustiça e Cidadania (CCJC) -

* Da Redação, com informações da Imprensa da Fenajufe

Veja os representantes do Rio nas comissões:titulares: Antônio Carlos Bis-caia (PT), Eduardo Cunha(PMDB), Fernando Gonçalves(PTB), Geraldo Pudim (PR),Arolde de Oliveira, Índio daCosta (DEM), Marcelo Itagi-ba (PSDB); suplentes: HugoLeal (PSC), Jair Bolsonaro(PP), Paulo Rattes (PMDB),Solange Amaral (DEM), Chi-co Alencar (PSOL) e EduardoLopes (PRB).

Foto: Henri Figueiredo

Foto: Henri Figueiredo

Foto: Henri Figueiredo

Categoria tomou a avenida Rio Branco, no Centro

Na Justiça Federal Rio Branco, a mobilização também foi forte

Servidores do TRE demonstraram como se faz greve

Foto: Max Leone

No TRF, os servidores resolveram fazer paralisação

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8 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Os desafios no início de 2010são muitos para os servidores doJudiciário Federal. Além de atu-ar para garantir que os projetosque revisam os Planos de Car-gos e Salários (PCSs) sejam apro-vados de imediato, a Fenajufe,os sindicatos de base, entre eleso Sisejufe, a Central Única dosTrabalhadores (CUT) e outrasentidades sindicais trabalharãoem conjunto para impedir queo PLP 549/2009, que passou noSenado como PLS 611/2007 sejaaprovado na Câmara dos Depu-tados. A proposta, de autoria dosenador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Sena-do, se aprovada, acarretará nocongelamento dos salários detodo o funcionalismo público fe-deral até 2016. Também impedi-rá que a administração públicainvista mais em serviços e possacontratar novos servidores.

O projeto estabelece que nospróximos dez anos o aumentoanual da folha de pagamento dosservidores públicos não poderáultrapassar a correção do Índi-ce Nacional de Preços ao Con-sumidor Amplo (IPCA) acrescidade 2,5% ou da taxa de crescimen-to do PIB, o que for menor. Éimportante ressaltar que essesíndices se referem à folha salari-al de forma global, incluindo,por exemplo, as despesas comnovas contratações de servido-res. As restrições valerão do pe-ríodo de 2010 a 2019. Nessesentido, de nada adiantará aaprovação dos PLs 6.613/2009e 6.697/2009, caso o PLP 549passe na Câmara, uma vez queos limites impostos por ele im-pedirão a implementação da re-visão salarial do Judiciário Fede-ral e do MPU.

O diretor do Sisejufe RobertoPonciano avalia que a luta con-tra o PL 549 deve ser também

Todos na luta contra projeto que congelasalários dos servidores por uma década

uma das campanhas prioritári-as dos trabalhadores no mo-mento. “A aprovação ameaçaqualquer possibilidade de imple-mentação de propostas que va-lorizem as carreiras do funcio-nalismo público federal”, afirma

Para a federação e o sindicato,a proposta inviabiliza várias dasreivindicações históricas da ca-tegoria, como o direito à negoci-ação coletiva, a definição de di-retrizes de plano de carreiras, re-composição das perdas salariaise substituição dos terceirizadospor servidores concursados.

A direção da Central Única dosTrabalhadores (CUT) consideraum grave retrocesso a aprovaçãodo projeto que pode eliminarqualquer possibilidade de recu-peração salarial e material do ser-viço público brasileiro, sucatea-do até o limite durante os gover-nos de FHC. Na avaliação da CUT,sua implementação significarásomente a manutenção do cres-cimento vegetativo da folha depessoal, inviabilizando as nego-ciações e a realização de concur-

sos públicos com a contrataçãomais do que necessária de novosservidores, comprometendoqualquer processo - real e efeti-vo - de valorização e melhoria dosserviços. Em nota, a direção dacentral sindical reitera “que a re-lação entre a Despesa com Pes-soal e a Receita Corrente Líquidamostra que os gastos com o fun-cionalismo estão longe de repre-sentar o grande problema paraas contas públicas”.

Outras entidades também es-tão na luta contra a aprovaçãodo projeto. A direção da Confe-

deração dos Trabalhadores doServiço Público Federal (Cond-sef) critica a medida e avalia que,na prática, ficam congelados in-vestimentos públicos o que vaicontra o próprio Programa deAceleração do Crescimento (PAC)do governo. A confederação en-tende que com o teor altamentedesfavorável os servidores preci-sam se mobilizar para derrubara proposta. A partir de 1º de fe-vereiro, quando deputados vol-tam do recesso, a Condsef vai re-tomar o trabalho de pressão, jun-tamente com os demais repre-sentantes de servidores, tantocontra o PLP 549 quanto o PLP01/07 que ainda tramita no Con-gresso e têm mesmo conteúdode limitação a investimentos pú-blicos. “Não podemos de formaalguma deixar que isso aconteçaou ficaremos até 2016 a mercêde interesses políticos que nãonecessariamente são os mesmosinteresses do povo brasileiro”, re-sumiu Sérgio Ronaldo da Silva, di-retor da Condsef.

Da Redação, com informa-ções da Fenajufe e da Condsef

Sindical

A proposta inviabilizavárias das reivindicaçõeshistóricas, como o direitoà negociação coletiva, adefinição de diretrizesde plano de carreiras,recomposição dasperdas e substituiçãodos terceirizados porconcursados.

Foto: Henri Figueiredo

Ponciano: “A aprovação ameaça a implementação de propostas que valorizem o funcionalismo”

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 9http://sisejufe.org.br

Antônio Augusto de Queiroz*

Em sessão realizada dia 16 dedezembro, os senadores apro-varam, por 48 votos favoráveise nenhum contrário, o Projetode Lei (PLS) 611/2007 (comple-mentar), de autoria dos entãolíderes do Governo, RomeroJucá (PMDB/RR); do PT, Ideli Sal-vatti (SC); do Congresso, Rosea-na Sarney (PMDB/MA); e doPMDB, Valdir Raupp (RO), queacrescenta dispositivo à LeiComplementar 101, de 4 demaio de 2000 (Lei de Responsa-bilidade Fiscal), para congelar ovalor gasto com pessoal e en-cargos sociais no exercício de2009, autorizando apenas a re-posição da inflação e mais 2,5%ou a taxa de crescimento do PIB,o que for menor, até 2016. Nostrês níveis de governo – União,estados e municípios – o poderou órgão público que excederos novos limites, seja com rees-truturação, contratação oumesmo com a nova despesacom previdência complemen-

Senado aprova proposta que restringegasto do governo com folha de pessoal

tar, ficará impedido: de criarcargos, empregos ou funções,de alterar a estrutura de car-reira que implique aumento dedespesa, de fazer o provimen-to de cargo público, admissãoou contratação de pessoal aqualquer título, ressalvadoeducação, saúde e segurança,de conceder vantagens, au-mento, reajuste ou adequaçõesde remuneração a qualquer tí-tulo, salvo sentença do Judici-ário ou revisão geral, e de con-tratar hora extra.

A proposição, a bem da verda-de, não trata da limitação dadespesa com pessoal e encar-gos, pois esse limite já existe eestá longe de ser atingido, masda expansão dos gastos. Atual-mente, a União pode gastar compessoal e encargos até 50% dareceita líquida corrente (2,5%para o Legislativo, inclusive TCU;6% para o Judiciário; 0,6% parao MPU; 3% para DF e ex-territó-rios e 37,9% para o Poder Exe-cutivo), e os estados, o DistritoFederal e os municípios até 60%da receita corrente líquida. O

projeto cuida de limitar a expan-são da despesa, que é influenci-ada pela remuneração e pelosencargos, mas também pelaquantidade de servidores em ati-vidade, dificultando a reposiçãode quadros em decorrência demorte, aposentadoria ou de de-mandas da sociedade, tanto naárea de fiscalização (trabalhista,tributária, previdenciária e sani-tária) e regulação por força docrescimento dos negócios,quanto do atendimento direto àpopulação, notadamente nossetores de Educação, Saúde, Se-gurança e Justiça.

Ao congelar a despesa com pes-soal e encargos, permitindo ape-nas a reposição da inflação maisde 2,5% de aumento real, o pro-jeto não leva em consideração oaumento populacional, o cres-cimento das demandas pela am-pliação dos serviços de Saúde,Educação, Justiça nem tampou-co o crescimento ou a diversifi-cação do processo econômico,que terão efeito direto sobreserviços de fiscalização, regula-ção, controle etc. A aprovação

conclusiva do PLS 611 no Sena-do, que ainda será submetido àCâmara dos Deputados, conge-lará a capacidade governamen-tal de corrigir distorções exis-tentes na estrutura remunerató-ria dos servidores, tornandoproibitiva a continuidade daMesa de Negociação com os ser-vidores na União, além de dei-xar o governo na dificílima con-dição de ter que escolher entrea reposição do poder de com-pra dos salários ou a mínimaexpansão dos serviços públicos.

Trata-se de uma cópia do PLP1/2007, de autoria do governofederal, encaminhando à Câ-mara como uma das proposi-ções integrantes do PAC, quenão prosperou na Casa, ondeaguarda deliberação. A dife-rença entre o PLS - complemen-tar do Senado e o PLP da Câ-mara, é que o primeiro ampliade 1,5% para 2,5% o aumentoreal, além da inflação.

* Jornalista, analista político e di-retor de Documentação do Diap

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10 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Conselho discute índice de produtividade ediminuição de licenças de saúde no tribunal

Max Leone*

A última reunião do Conselhode Gestão Estratégica (CGE) doTribunal Regional do Trabalho(TRT) em 2009 discutiu assuntospolêmicos que geraram divergên-cias entre os participantes como:a implementação de índices deprodutividades para os magistra-dos e a proposta de redução dasausências de servidores do tribu-nal por motivos de doenças ocu-pacionais. O CGE é responsávelpela elaboração do PlanejamentoEstratégico do Tribunal Regionaldo Trabalho (TRT) 2009-2013. Areunião aconteceu no dia 17 denovembro. O representante sin-dical de base David Batista Cor-deiro da Silva participou do en-contro em nome do Grupo deTrabalho (GT) do Sisejufe. A dire-tora do sindicato Vera Lúcia Pi-nheiro dos Santos também é mem-

bro do conselho. No ponto quetratou da fixação de índices de de-sempenho para juízes, Cordeiroavaliou que essa medida teria re-flexos diretos sobre as atividadesdos servidores.

“Muitos servidores acabam fa-zendo as sentenças e os acór-dãos. Os juízes trabalham muito

sim, mas os servidores tambémestão sobrecarregados. Aumen-tando o trabalho dos magistra-dos aumentará o nosso também.No final das contas vamos terque cumprir essas metas de pro-dutividade”, afirmou.

A proposta aprovada pela mai-oria do conselho determina que

os magistrados devem ser obri-gados a julgar, dentro de um ano,o mesmo número de processosdistribuídos mais 20% desse to-tal. “Se uma vara recebe por ano1.500 processos, por exemplo, omagistrado terá de julgar esses1.500 mais 300, que são os 20%,o que dará 1.800 sentenças aoano”, exemplificou Cordeiro.

O representante fui o único adefender percentual menor (10%).Ele ressaltou que a se políticas daFundação Getúlio Vargas (FGV) edo Conselho Nacional de Justiça(CNJ) visam elevar a produtividadedos órgãos, que sejam implemen-tadas de outra forma e não comaumento de trabalho. David Cor-deiro também defendeu a reali-zação de concursos, tanto paracontratação de novos servidores,quanto para juízes.

Outro tema que provocoupolêmica diz respeito à redu-ção das ausências de servido-res por motivos de doençasocupacionais. Em princípio, aproposta do tribunal era re-duzir as licenças em 10%. Orepresentante criticou a pro-posta devido a falta de critéri-os para implementação. “Poisé, em relação ao trabalho sóquerem aumento, mas, em re-lação às doenças ocupacio-nais, contentavam-se com mí-seros 10% de redução. Defen-di o aumento do percentualpara 50%, alegando que o tri-bunal precisa ter uma políti-ca agressiva contra as causasdos afastamentos”, explicou.

De acordo com ele, ficou es-tabelecido que o índice nãodeve ser relativo ao afasta-mento por doenças, mas porqualquer motivo. Mais um ve-zes David se contrapôs, di-zendo que “cabe identificara causa das doenças, casocontrário não se saberá oque a provocou se as condi-ções de trabalho ou outromotivo”. Propôs então quefossem criados índices espe-cíficos para esses casos. Masdisseram que não seria pos-sível, pois o serviço médiconão identifica os motivos dosafastamentos. “Isso era sim-ples de resolver. Basta deter-minar que fazer a perícia, sem

identificar o servidor. Essaatitude mostra que o tribunalnão está preocupado com asaúde do seu trabalhador”,afirmou o representante.

No final, a questão foi re-solvida da seguinte maneira:haverá um índice genéricosobre os afastamentos e opercentual de redução seráde, no mínimo, 30% até 2014.Segundo David Cordeiro, ou-tros dois temas ficaram parao período das “ações” quesão: as remoções e o proces-so seletivo. Segundo o repre-sentante, os pontos serãoobjeto de pesquisa de opiniãoda categoria.

No final do mês de novem-bro, o Órgão Especial do TRTaprovou as propostas enca-minhadas pelo conselho. Apartir de agora começa afase das ações a serem im-plementadas, ou seja, a polí-tica do tribunal para alcan-çar as metas. “Aí defendere-mos a nossa política em fa-vor dos servidores, a não serque tentem nos retirar doconselho, que fará reuniõestrimestrais para fiscalizar ocumprimento do plano”, dis-se, ressaltando que a reso-lução que implementará oplano dará poderes ao con-selho acima do presidentedo tribunal.

Redução de afastamentos recebe críticas de representante

Da Redação*

TRT CGE debate temas polêmicos que geraram divergências que refletem diretamente na vida dos servidores

Henri Figueiredo

O representante sindical David Codeiro participou da reunião

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 11http://sisejufe.org.br

Além de lutar pela aprovação,no Congresso Nacional, das pro-postas que revisam os Planos deCargos e Salários (PL 6.613 e6.697), a categoria do JudiciárioFederal em todo o país tem umgrande compromisso no mês demarço deste ano. É quando acon-tece o 7º Congresso Nacional daFenajufe (7º Congrejufe), o prin-cipal evento dos servidores em2010, que é realizado a cada trêsanos e reúne funcionários detodo o país. O congresso estámarcado para Fortaleza, no Cea-rá, de 27 a 31 de março. No Con-grejufe serão discutidas conjun-turas nacional e internacional,será feita avaliação da atual ges-tão da Fenajufe, traçados novosrumos para a luta dos servidores

Congresso da Fenajufe acontece de27 a 31 de março em Fortaleza

do Judiciário Federal e do Minis-tério Público, como também ana-lisar a prestação de contas da fe-deração referente ao período deabril de 2009 a fevereiro de 2010.

Também está prevista a revi-são do estatuto e eleição da novadiretoria executiva e do conse-lho fiscal para a gestão 2010/2013. Um dos momentos de des-taques será a votação da pautade reivindicações e do plano delutas da categoria. Para a dire-toria da federação, o congressodeste ano vai ser mais represen-tativo dos últimos tempos, umavez que novos sindicatos se filia-ram ou regulariza sua situaçãofinanceira com Fenajufe nestagestão. A diretoria da federação

informou, também, que já nego-ciou com dois hotéis para abri-gar o evento, que terá mais de500 delegados.

Rio elege 45 titulares

E os servidores do Rio já estãopreparados para participar do 7ºCongrejufe. Em uma grande As-sembleia Geral realizada dia 16de dezembro do ano passado,em frente à Seção Judiciária doRio de Janeiro, na avenida RioBranco, a categoria no estado es-colheu a delegação fluminensepara o evento. Os 149 participan-tes se credenciaram, receberamcrachás, votaram e elegeram, porunanimidade, uma chapa única

composta por 45 membros titu-lares, 23 suplentes e cinco ob-servadores que representam to-dos os tribunais federais no Rio.

Para poder participar, todos ossindicatos deverão realizar até odia 27 de fevereiro, a assembleiageral, devidamente convocadapara eleger os delegados. No dia5 de fevereiro termina o períodopara inscrever as teses que serãodebatidas no congresso. E no dia3 de março acaba o prazo paraos sindicatos confirmarem a par-ticipação dos delegados e obser-vadores do Congrejufe.

*Da Redação, com informações

da Imprensa Fenajufe

Congrejufe Evento vai definir estratégias de luta da federação para os próximos anos

Foto: Henri Figueiredo

Em uma grande assembleia, na avenida Rio Branco, a categoria no Rio elegeu a delegação fluminense com 45 delegados titulares

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12 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

DICAS CULTURAIS

Trabalhadores sindicaliza-dos terão desconto para vero filme “Lula, o filho do Bra-sil”. A promoção foi fechadapela Central Única dos Tra-balhadores (CUT). Desde odia 8 de janeiro, todo traba-lhador associado a seu sin-dicato poderá comprar umingresso inteiro com 50% dedesconto sobre o preço dabilheteria. A promoção nãoé cumulativa e vale somentepara um ingresso. É precisoapresentar a carteirinha defiliação do sindicato e umdocumento de identidadecom foto.

A direção da CUT orientaos trabalhadores que aocomprar o bilhete, o espec-tador deverá escolher adata e a hora da sessão em quepretende ver o filme, observan-do o período de início das ses-sões promocionais. Os bilhetes

Bay Market 1Botafogo Praia Shopping sl.06Shopping Downtown sl.09 / sl.10Carioca Shopping sl.03 / sl.05UCI New York City Center sl.06 /

sl.07 / sl.09Iguaçu Top 3Iguatemi 7Kinoplex Fashion Mall 3Kinoplex Grande Rio 4Kinoplex N. América 4Kinoplex Tijuca 3Kinoplex Leblon 4Art West Shopping 3Cinesystem Bangu sl.04 / 06Recreio sl.01Arteplex Rio sl.06Rio Desing sl.03OdeonStar Center Shop. Rio SL.04Ponto CineCine SantaArt Unigranrio sl.01Santa Rosa 1Madureira 2Nilópolis Square sl.03Ilha Plaza sl.04Cinebox sl.01Gran Cine BardotCinemagic Plaza Macaé sl.04Cinemagic Campos Rio sl.03 / sl.05Cine Angra Shopping sl.1Cine Show Volta Redonda sl.04Cine Show Friburgo sl.03Mercado Estação sl.03Rio Sul 3Roxy 2São Luiz 1UCI Kinoplex Norteshopping 3 / 8Via Parque 6

A comédia “Até que a sogranos separe”, de Anderson Olivei-ra, voltou ao Teatro Ipanema(Rua Prudente de Morais 824,em Ipanema). A peça, que feztemporada no mesmo espaçono ano passado, conta a histó-ria dos personagens Bia (Fer-nanda Zau) e Beto (Daniel Mül-ler) durante a primeira crise con-jugal do casal. Além de ator, di-retor e produtor de teatro, Da-niel Müller é servidor do Tribu-nal Regional Eleitoral (TRE) doRio de Janeiro.

Para enrolar ainda mais a re-lação, a sogra, uma italiana ex-cêntrica chamada Gioconda

CUT dá desconto de 50% para sindicalizadosassistirem ao filme “Lula, o filho do Brasil”

adquiridos com base nesta pro-moção não são passíveis de re-embolso. A aquisição dos ingres-sos está sujeita à lotação das sa-las de cinema.

Baseado no livro homô-nimo escrito pela jornalis-ta Denise Paraná, o filmenarra a história de Lula,desde seu nascimento atéa morte de sua mãe, DonaLindu, quando ele já é umlíder sindical de 35 anosdetido pela ditadura mili-tar. O roteiro foi escritopor Paraná, Fábio Barretoe Daniel Tendler.

No elenco, destaquepara o ator Rui RicardoDias que interpreta Lulana fase adulta. Os outrosnomes importantes doelenco principal são osde Glória Pires, Cléo Pi-res e Juliana Baroni, queinterpretam a mãe, aprimeira esposa de Lula e

dona Marisa Letícia, respectiva-mente. O filme é produzido porLuiz Carlos Barreto e Paula Bar-reto, pai e irmã do diretor.

Servidor do TRE em cartaz no Teatro Ipanema(Anderson Oliveira), chega deviagem e torna a vida da norainsuportável. Enquanto o casaltenta refletir sobre os desgas-tes da vida a dois, Giocondaapronta mil confusões. A che-gada do irmão caçula de Bia,Mauricinho (André Sobral) com-pleta o cenário caótico de umafamília que vai se revelandocada vez mais neurótica.

A peça pode ser vista às sex-tas-feiras, sábados de domingosaté o dia 28 de fevereiro. Sextase sábados começa às 21h30m enos domingos, às 20h30m. Oingresso custa R$ 30 (6ªf) e R$40 (sábados e domingos).

Confira as salas deapresentação

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 13http://sisejufe.org.br

Marlene de Lima*

Final dos anos quarenta. De-sembarquei do cargueiro RioTejo e voltei para casa, em SãoLuiz.

Naquela época, eu vivia nagandaia. Floriano, meu amigo ecompadre, aconselhava. “Lar-gue a esbórnia, Zimba, cuide dafamília.” Nem ligava. Gastava osalário nos puteiros.

Sempre nos trinques, bem fa-lante e cheiroso, eu não chegavapara as encomendas. Um dia meenrabichei por uma novata doSalão Grená. Ficamos de xodó,até o embarcadiço da morenachegar de viagem. Pra saber datraição foi num instante.

Ele e os parceiros caíram emcima de mim. Debaixo de socose pontapés, fui atirado escadaabaixo. Me apaguei no meio darua, na noite chuvosa.

Acordei com o apito do trem.Os safados tinham me atraves-sado na linha. Senti alguém mearrastando. Era Floriano. Mesentou num caixote. “É melhorir pra casa, Zimba.”

Caminhava penosamente, en-charcado e mancando, quandovi os dois caras com a rede vin-do em minha direção.

Muitos pobres levavam o mor-to, de madrugada, numa redevelha, para enterrar nos fundosdo cemitério. Esperei na clarida-de do poste. “Quem é o cristão?”

“Não se sabe, meu branco.” Umrespondeu de má vontade.

“Vai sem nome?”

“O nome é... Como é, Justino?”

Justino embolou as palavras:“Hori, Horoban, ah, Horozimbano.”

Senti um baque no peito: “Dequê?”

Tirou um papel do bolso:“Paf...Palf... Palfúrio. Horozimba-no Palfúrio.

“Que brincadeira é esta?”

“Brincadeira?”

“Porque este é o meu nome.”

“Seu nome?”

“De batismo e de cartório.”

O homem respirou fundo.

“Quantas cachaças vosmecê jábebeu hoje? Respeite o finado.”

Nervoso, pedi que me deixas-sem ver o morto. Quem mais se-ria merecedor desse estrupíciode nome inventado por meu pai?

Arriaram a rede e tiraram opano do rosto do defunto.

Um frio na minha espinha: es-tirado na lona desbotada, jaziao Zimba aqui, em carne e osso.

Meu nariz, o cabelo amarelo.Um olho verdão, meio aberto. Osinal no meio da testa. Fui pu-xando o cobertor puído. O pei-to liso, sem pelos. O dorso dasmãos sardento do sol. O dedãomenor que o segundo dedo dopé. O infeliz era eu, sem tirarnem pôr.

Pensei no susto deles meolhando, se não fosse a lama e acara inchada.

Sem ação, vi a dupla levantar arede, ir em frente e dobrar nacurva. O poste apagou. Clareava.

Cheguei esbaforido. Esmurreia porta de casa, com pavor de

alguém abrir e não me enxer-gar. Eu era o morto da rede. Alina calçada, só o espírito.

A porta abriu. O rosto furiosode Zefinha me mostrou que euainda estava entre os vivos. Jo-gado na cama, cheio de dor efebre, contei o ocorrido. Menosa queda puteiro abaixo, não é?

“Te conheço, Zimba. Bebedeirabraba.” Eu não merecia crédito.

Mas virei outra pessoa. Lar-guei a esbórnia e as raparigas.Quem acredita na minha histó-ria é Marina – segunda mulher ecompanheira até hoje. E o cha-pinha Floriano, lá no Céu.

Oficina Literária

Um xará na madrugada

*Servidora aposentada do TRT

Estirado na lona desbotada, jazia o Zimba aqui, em carne e osso

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14 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Celso Lungaretti*

As dezenas de postagens noYouTube referentes aos co-mentários que o apresentadorBoris Casoy inadvertidamentefez sobre os garis no Jornal daBand já haviam sido vistas qua-se 1,2 milhão de vezes. A maisassistida estava na casa de 850mil hits. Se alguém ainda nãosabe, o noticioso levou ao arsaudações de Ano Novo de doissimpáticos garis: um senhorbranco já com cabelos bran-cos e um negro na faixa de 40anos. Causaram ótima impres-são, com seu ar digno e umaalegria que não parecia força-da. Depois, enquanto eram exi-bidas vinhetas, ouviu-se a vozde Casoy no fundo, comentan-do com a equipe: “Que merda!Dois lixeiros desejando felici-dades do alto das suas vassou-ras... dois lixeiros... o mais bai-xo da escala de trabalho!”

No dia seguinte Casoy pediu“profundas desculpas aos ga-ris e aos telespectadores daBand” pelo que escutaram emrazão de um “vazamento deáudio” (na verdade, só ouviramisso porque ele disse...). Fê-lo,entretanto, de maneira buro-crática e pouco convincente,não aparentando estar nemum pouco arrependido do des-prezo aristocrático que mani-festou pelos trabalhadores hu-mildes. As postagens relativasno YouTube não somavam hojenem 100 mil exibições. Lem-brei-me da rainha Maria Anto-nieta recomendando aos po-bres que, se não tinham pães,que comessem bolos. Perdeu acabeça. Casoy teve mais sorte,só quebrou a cara...

Fiquei matutando sobre odestino e seus contrapesos. Às

O destino acerta con

vezes a mesma pessoa é brin-dada com a sorte grande nummomento e tira o azar grandeadiante. Ou vice-versa. Casoy éelitista, racista, conservador ereacionário desde muito cedo.Um velho companheiro quecom ele cursou Direito no Ma-ckenzie me contou: aos 23anos, Casoy era um dos líderesda ala jovem do Comando deCaça aos Comunistas (CCC), quetinha nessa faculdade um deseus focos principais.

Mais: nos idos de 1964, Ca-soy chegou a ser citado em re-portagem da revista Cruzeirocomo membro destacado dajuventude anticomunista. Aquartelada o beneficiou, claro:foi homem de imprensa de umministro do Governo Médici edo secretário da Agricultura deSP, Herbert Levy, outra figuri-nha carimbada da direita.

Mas, nem tinha texto de quali-dade superior, nem era uma fi-

gura agradável na telinha, por-tanto estava direcionado parauma carreira mediana no jorna-lismo, não fosse uma moeda quecaiu em pé. Isto aconteceu quan-do o comando do II Exércitoaproveitou uma frase impruden-te do cronista Lourenço Diafé-ria (sobre mendigos urinarem naestátua de Caxias) para intervirna Folha de S. Paulo.

Os militares exigiram a des-tituição do diretor de redação

Nacional

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 15http://sisejufe.org.br

A Federação Nacional dosTrabalhadores em Servi-ço, Asseio e Conservação,Limpeza Urbana, Ambien-tal e Áreas Verdes (Fenas-con) protocolou uma açãocivil pública contra a Bande Boris Casoy no fórumJoão Mendes, em São Pau-lo. O processo foi motiva-do pela frase polêmicadita por Casoy no “Jornalda Band” dia 31 de dezem-bro. Para Moacyr Pereira,presidente da Fenascon, ojornalista deve se retratarna Justiça.

“O pedido de desculpa foimeramente formal, porisso não aceitamos. Ele foipreconceituoso”, afirmouo presidente.

Para Pereira, se a ação re-sultar em prestação deserviços públicos, “seriainteressante que Bóris Ca-soy fosse condenado atrabalhar algumas horascomo gari, para que elesinta a importância dafunção”. Outras duasações devem ser protoco-ladas, sendo uma delascriminal.

ntas com Boris CasoyFederação de garis

processa apresentadorpor declarações

Cláudio Abramo (trotskista his-tórico), o afastamento de al-guns profissionais (demitidosou realocados) e o abranda-mento da linha editorial. Oproprietário Otávio Frias, quesempre se definiu como co-merciante e não jornalista, ne-gociou. Servil, aceitou até subs-tituir Abramo por um homemde absoluta confiança do regi-me militar: Casoy, que editavao Painel (coluna sobre os bas-tidores políticos), então umespaço dos mais secundáriosno jornal.

Igualmente secundário eraCasoy para os leitores da Fo-lha e para os próprios militan-tes/simpatizantes da esquerda.Suas posições fascistóideseram ignoradas pela maioria.Aí, como diretor de redação,calhou de ser ele o principaldefensor do jornal num episó-dio de reação à censura. Ouseja, sob palco iluminado, olobo teve seu momento de cor-deiro, o caçador de comunis-tas maquilou sua imagem paraa de defensor da liberdade deexpressão!

Sua carreira deslanchou.Depois de comandar a reda-ção da Folha por sete anos(saiu para dar lugar ao filhi-nho do patrão), voltou a edi-tar a coluna Painel, cuja im-portância crescera. Finalmen-te, tornou-se conhecido pelogrande público como apre-sentador do telejornal Brasildo SBT, entre 1988 e 1997.

Novamente os fados o bafe-jaram. Numa emissora que in-vestia pouco em jornalismo,o jeito foi deixar crescer o es-paço do apresentador. Casoypôde, assim, atuar como umâncora à moda dos EUA, fa-zendo comentários catárticossobre episódios de corrupçãopolítica (principalmente) queeram concluídos com um ououtro de seus bordões habi-tuais: “Isto é uma vergonha!'é “É preciso passar o Brasil alimpo!”.

Ou seja, para telespectado-res da classe C e D, ele passoua personificar o justiceiro queatirava a verdade na cara dospoderosos. É um público que,em sua ingenuidade, valorizadesmesuradamente essa justi-ça retórica e ilusória, sem per-ceber que, depois do desaba-fo, continua tudo na mesma...Assim, por novo golpe do des-tino, um comunicador azedoconquistou a simpatia dos po-bres e dos muito pobres, aoexpressar seu inconformismoimpotente face às agruras queos atingem e eles são incapa-zes de compreender em todasua extensão.

É fácil canalizar seu justoressentimento contra os polí-ticos desonestos. Tanto quan-to é conveniente, para os po-derosos, mantê-los na igno-rância de que o maior vilão emsuas sofridas existências aten-

* Jornalista e escritor, man-tém os blogues http://naufra-go-da-utopia.blogspot com e

http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com

Casoy é elitista, racista,conservador ereacionário desde muitocedo. Um velhocompanheiro que comele cursou Direito noMackenzie me contou:aos 23 anos, Casoy eraum dos líderes da alajovem do Comando deCaça aos Comunistas(CCC), que tinha nessafaculdade um de seusfocos principais.

Nos idos de 1964, Casoychegou a ser citado emreportagem da revistaCruzeiro como membrodestacado da juventudeanticomunista. Aquartelada obeneficiou, claro: foihomem de imprensa deum ministro do GovernoMédici e do secretárioda Agricultura de SP,Herbert Levy, outrafigurinha carimbada dadireita.

de pelo nome de capitalismo.Servindo tão bem aos interes-ses do sistema, Casoy atraves-sou as duas últimas décadascomo um aclamado populistatelevisivo de direita.

Só teve alguns percalços aoexagerar na dose contra o Go-verno Lula, mas seus pés debarro continuaram, tantoquanto possível, ignoradospelo grande público. Agora,um acaso revelou ao Brasil in-teiro que indivíduo insensívele preconceituoso é, na verda-de, Boris Casoy. Alguns virameste episódio como um exem-plo da justiça divina em ação.Quem sabe?

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16 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Por isso, as mulheres precisa-vam superar o eterno femininoque as engessava e formar o seupróprio ser, escolher seu pró-prio destino, libertando-se dasidéias preconcebidas e dos mi-tos pré-estabelecidos. O livrobuscou justamente desnaturali-zar a construção da feminilida-de e mostrar que esta é umaconstrução social. Foi daí que setornou célebre a frase “não senasce mulher, torna-se mulher”.

Simone de Beauvoir pode serconsiderada herdeira da primei-ra onda do movimento feminis-ta, que teve nas francesas gran-des expoentes como Olympes deGouges, Flora Tristan, Louise Mi-chel e tantas outras. O livro “O

M U L H E R E S

Simone de Beauvoir:

os 60 anos de uma

obra referênciaNalu Faria*

O livro “O Segundo Sexo”, escrito pela francesa Simone deBeauvoir, foi lançado em 1949 e marcou um novo momentopara o debate sobre a condição das mulheres e a relaçãoentre os sexos. Publicado em dois volumes, é uma obraminuciosa, escrita com todo o rigor que caracterizava aautora, que utilizou conhecimentos de várias disciplinas taiscomo história, filosofia, economia, biologia e também deexperiências de vida para compô-lo com o intuito de colocara nu a condição feminina. Beauvoir buscou mostrar que aprópria noção de feminilidade era inventada pelos homens etinha como intenção a auto-limitação das mulheres.Questionava que, apesar de todo o avanço da humanidadeaté o século XX, a construção das mulheres como inferiores esua posição de subordinação permaneciam, e eram poucas aspessoas que aceitavam denunciar ou condenar essa situação,mesmo entre as mulheres. Dizia que elas tinham que seadequar aos ideais e interesses masculinos. Realizarem suafeminilidade as convertia em objetos e presas.

Segundo Sexo” influenciou deforma decisiva o surgimento dasegunda onda do movimento fe-minista, iniciada no final dos anos60. Já foi traduzido para mais de70 idiomas e continua uma refe-rência para novas gerações e ofeminismo atual, inclusive paraaquelas que são criticas à visãode Simone de Beauvoir.

A segunda onda do feminismoteve como centralidade as rela-ções entre o mundo público e oprivado e trouxe para o debateque aquilo que se vive na vida pes-soal e familiar é político. Isso sedeu tanto considerando as rela-ções familiares, a sexualidade, oafeto, quanto em relação ao tra-balho invisível e não reconhecido

das mulheres, a desigualdade sa-larial, a exclusão dos espaços depoder. Defendeu a construção deum movimento autônomo, cons-truído e dirigido por mulheres. Damesma forma, colocou em deba-te a necessidade da autoconsci-ência das mulheres como cami-nho para romper com o modelode feminilidade que as aprisiona-

va. Elas deveriam agir com liber-dade e autonomia para decidirempor si mesmas seu destino.

* Coordenadora da Sempreviva

Organização Feminista (SOF). Artigo

originalmente publicado na “Folha

Feminista”, em novembro de 2009.

Reprodução/internet

Reprodução/internet

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 17http://sisejufe.org.br

Atualmente, é cada vez maiscomum ouvir que a vida dasmulheres mudou muito, que jáconquistaram tudo. Mas jun-to com isso, cresceu uma ou-tra idéia de que as mulheressão mais protetoras, acolhe-doras, cuidadosas, éticas. Es-sas características, muitas ve-zes, são usadas como argu-mentos para dizer que as mu-lheres são mais eficientes ou,até mesmo, superiores. À pri-meira vista, isso pode pareceralgo positivo, como se fosseum contraponto às idéias desubordinação e inferioridadedas mulheres, e assim, as te-ses de “O Segundo Sexo”, deSimone de Beauvoir, teriamsido superadas. No entanto,essa visão vincula as habilida-des construídas pelas mulhe-res à maternidade e conside-ra que existe uma essência fe-minina, fixando-as em seu pa-pel tradicional. Portanto, se-gue não reconhecendo queelas são dotadas de inteligên-cia e razão, ao mesmo tempoem que relaciona as caracte-rísticas à biologia.

A atualidade do pensamento da feminista francesa

Um pequeno número de mu-lheres obteve ganhos expressi-vos. No entanto, elas são asmais pobres; a maior parte dosdesempregados; cada vez maistêm a responsabilidade demanter as famílias sozinhas;tem aumentado sua contami-

Quando uma mulhernão se preocupa coma aparência,considera-se que algoque está fora do lugar,é um desvio. Assim,podemos concluir quecontinuamos diante deum modelo defeminilidade queaprisiona e nega aliberdade e aautonomia paradecidir.

nação pelo HIV; há um incre-mento no tráfico e na prosti-tuição, etc. Há também um evi-dente retrocesso ideológico.Entre os exemplos disso está aexpansão da mercantilizaçãoda vida e do corpo das mulhe-res, também marcada pela di-mensão de classe.

De um lado, as privatizaçõesdos serviços públicos e a di-minuição do Estado de bem-estar, sob o neoliberalismo,aumentaram o trabalho do-méstico e de cuidados. Ouseja, no mundo inteiro, foi so-bre os ombros das mulheresque recaiu enorme carga detrabalho, com a diminuiçãodas políticas sociais. Do outrolado da mercantilização estáa imposição de um padrão de

beleza como norma a ser cum-prida obrigatoriamente e que,supostamente, pode ser com-prada no mercado. Dessa for-ma, são vendidas centenas deprodutos e tecnologias queprometem eterna juventude e ocorpo perfeito, ou seja, magro.

Essa perspectiva de belezaestá vinculada ao que se podeconsumir. Ao lado da indústriade cosméticos e da beleza, ou-tro setor que aufere grandeslucros com a mal-estar das mu-lheres é a indústria de medica-mentos. Esta também vende ilu-sões de bem-estar e felicidadeenquanto invade o corpo e negasua autonomia. Mas, enfim, de-vem ser agradáveis, flexíveis ebonitas, para mostrar que sãoadequadas e femininas. Quan-do uma mulher não se preocu-pa com a aparência, considera-se que algo que está fora dolugar, é um desvio. Assim, po-demos concluir que continua-mos diante de um modelo defeminilidade que aprisiona enega a liberdade e a autonomiapara decidir. (Nalu Faria)

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18 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

O Fórum Social Mundial(FSM) voltou às origens. Apósdez anos de atividades, um doseventos da 10ª edição será re-alizado em Porto Alegre, no RioGrande do Sul, local do primei-ro encontro. Lá, entre os dias25 e 29 de janeiro, acontece oseminário internacional “10Anos depois: desafios e pro-postas para um outro mundopossível”. No entanto, o FSMdeste ano terá uma programa-ção descentralizada ao longode 2010 em diversas partes domundo e do país. O fórum de2010 tentará sanar as maiorescríticas recebidas até hoje, a deser muito disperso e poucopropositivo. Pela primeira vez,o evento se concentrará na dis-cussão de suas perspectivas eestratégias.

As discussões tiveram comoponto central as dimensões da

Fórum Social Mundial 2010 discutedimensão da crise mundial

crise mundial: econômica, po-lítica, social, ambiental, alimen-tar, civilizatória e cultural. Paracomemorar e debaterá os dezanos de FSM, uma programa-ção diferente foi preparada.Além do balanço de dez anos,o seminário debateu a atualconjuntura mundial, os ele-mentos de uma nova agenda ea sistematização de questões econtribuições para o processodo FSM. Criado em 2001 comooposição ao fórum econômi-co de Davos, o encontro seconsolidou como o principalponto de debate dos movimen-tos sociais e entidades da soci-edade civil do mundo.

O evento contará com a par-ticipação de pesquisadores eativistas nacionais e internaci-onais, tais como: Boaventura deSouza Santos, de Portugal; Da-vid Harvey e Immanuel Wallers-

tein, dos Estados Unidos; eFrancisco Whitaker e João Pe-dro Stédile, do Brasil. O “Fó-rum Social 10 Anos Grande

Porto Alegre” terá atividadesautogestionadas na cidade eregião metropolitana (Canoas,Sapucaia, São Leopoldo, NovoHamburgo, Campo Bom e Sa-piranga). O Acampamento In-ternacional da Juventude tam-bém faz parte do evento.

AÇÕES NO RIO – Além dessas,outras ações já estão progra-madas para todo o ano comoparte das atividades da 10ª edi-ção do FSM. Entre 22 e 26 demarço, o Rio de Janeiro serápalco das Ações pelo Direito àCidade, durante o Fórum Mun-dial Urbano, da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU). Ou-tros Fóruns Sociais também es-tão programados em diversospaíses, como o de Madri, na Es-panha; o das Américas 2010, noParaguai; e o de Educação, naPalestina. A ideia é promoveranálises, propostas e experiên-cias dos participantes dos dife-rentes locais para reunir todasno próximo evento centraliza-do, que acontecerá em 2011em Dacar, no Senegal.

As centrais sindicais brasilei-ras - CUT, CTB, FS, NCST, CGTBe UGT - preparam conferênciasobre práticas antissindicais noPaís, durante o Fórum SocialMundial 2010, em Porto Ale-gre. Para os sindicalistas, o FSMé um espaço importante paradar visibilidade às práticas an-tissindicais ocorridas no Brasil,tais como perseguição, assas-sinatos e intervenção do Minis-tério Público com interditosproibitórios. Em dezembro, asentidades promoveram semi-nário sobre o tema no Pará,estado e com um elevado índi-ce de violências praticadascontra lideranças sindicais etrabalhadores.

O evento contará com aparticipação depesquisadores eativistas nacionais einternacionais, taiscomo: Boaventura deSouza Santos, dePortugal; David Harveye ImmanuelWallerstein, dosEstados Unidos; eFrancisco Whitaker eJoão Pedro Stédile, doBrasil.

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Índios caiapós participam da passeata de abertrua do fórum de 2009, em Belém do Pará

Reprodução/internet

Nacional Edição deste ano terá programação descentralizada em diversas partes do país e do mundo

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 19http://sisejufe.org.br

Lucio Sanfilippo*

“Todo fim de ano é fim de mun-do e todo fim de mundo é tudoque já tá no ar, tudo que já tá.Todo ano é bom, todo mundo éfim. Você tem amor em mim”.

Versos de Caetano Veloso emFlor do Cerrado me vieram denovo à cabeça na linda voz de GalCosta. Bahia, terra da felicidade,do Porto Seguro de entrada denegros, brancos que, misturadosaos habitantes naturais de Pindo-rama, deram origem a essa cultu-ra tão imensa quanto conturba-da. O ano novo entrando comforça sob a bênção dos orixás,santos, duendes, e toda a sortede energias que se misturam so-bre o território rico, misturandoos ares e espalhando as diferen-ças pelos subsolos sagrados. E oamor em mim, em vós, em nós?

Feito um iaô

A monografia de minha amiga/orientanda Fátima sobre como onegro era retratado nos sambasde enredo dos anos 60 me fazpensar em como é retratado hojeainda, em tempos de internet, denovas alternativas de vida. Comonós negros, brancos, amarelos,vermelhos nos vemos nas páginas,telas cada vez maiores e menores,no dia a dia quase entrópico dascidades que ainda desabam sobfortes temporais. Na Bahia, roçasde candomblé derrubadas; no Rio,a professora não pode utilizar olivro sobre Exu, recomendadopelo MEC. Por outro lado, no Ins-tituto Nextel aliado ao Cecip doRio, trabalho com liberdade – decausar inveja, concordo – paratratar dos temas e discutí-los comos colegas de maneira democrá-tica e humana. É possível na atua-lidade um diálogo em que as dife-renças não precisem ser tolera-das, mas respeitadas?

Acabo de voltar da entrada de 3iaôs na minha casa de santo e, sem-pre, saio de lá envolto pela emo-ção da lembrança, do amor, daentrega, do sacrifício. O iaô é oque renasce. Renasce curado, sa-rado, livre de todos os males. Ex-perimentou uma vida e agoraacorda renovado pelo desapego.Fica recolhido, tiram-lhe os cabe-los, amarram-lhe um chocalho aopé para que controlem seus pas-sos. Come com as mãos aquiloque lhe dão como refeição. Ba-nha-se com a água e o sabão quelhe cabem neste latifúndio. Viveo sofrimento pelo qual passaramincontáveis almas em corposmaltratados desde a sua terranatal. Dorme e acorda novo,outro. Porque valoriza a vida,depois da sofreguidão e priva-ção e percebe o amor nos míni-mos detalhes, quando lhe falta afamília e nasce outra ali do lado.

Talvez, a solução para que o res-peito à diferença invada os cora-ções seja a viagem do iaô de voltaao tempo da escravidão. Uma visi-ta ao hospital do câncer ou à IlhaGrande, para perceber o quão frá-gil é a vida humana à mercê dasintempéries naturais ou patológi-cas e quão sem nexo é chutar asanta do próximo. Lembrar o quãogrande pode ser essa vida, se to-dos virarmos nossos braços tor-tos e alimentarmos os estômagosuns dos outros. E celebrarmos agratidão! Os diferentes, juntos,não precisam ser desiguais. Ocaminho é feito para que todostrilhem e cheguem ao mesmofim que se renova e se inicia, em-bebido de amor, saúde, paz e fe-licidades tantas quantas mere-çamos. Axé e feliz 2010!

* Cantor, compositor e pes-quisador cultural

Foto: Henri Figueiredo

Direitos Humanos Tolerância religiosa, um direito inalienávvel

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Descendente de italianos católi-cos, o cantor e compositor LucioSanfilippo, de 38 anos, trocou a“Casagrande” pela “Senzala”,como ele mesmo diz, ao desco-brir e assumir a religiosidadeoriunda da África. Branco, filhode santo – seus pais no terreirosão os Orixás Logum Edé e Oxum– leva para a música todo o ritualafro, utilizando batuque e danças.Lança mão de dialetos e cançõesdo Candomblé. Em entrevista àIdeias em Revista, Sanfilippo reve-la, no entanto, que apesar de ma-tar um “elefante” por dia e não“um leão” para ter espaço nagrande mídia, não sofre precon-ceito ao fazer a mistura com reli-gião. Ele afirma que o problemaaparece ao cantar samba. “Eu so-fri preconceito quando comecei acantar samba. É engraçado, né?”.Sanfilippo conta relação com o Jon-go, com a Lapa, com a Educação esua militância de esquerda. Ele cri-tica a grande mídia que alega nãohaver cantores na Lapa: “Como éque não tem cantor? Eu posso fa-lar aqui uns dez.....”

O que você tem feito atu-almente?

Lucio Sanfilippo – Além de jorna-lista e professor de Educação Física,canto às terças com o “Razões Africa-nas”, grupo formado por mim e trêscantoras do Jongo da Serrinha, a La-zir Sinval, a Dely Monteiro e a LuizaMarmello. E mais Marcello Mattos eAnderson Vilmar que tocam percus-são. Tem o Maurício Abreu na viola ecavaquinho, e o Adriano Furtado noviolão 7 cordas.

E que tipo de música vo-cês tocam?

Sanfilippo – A gente trabalha commúsica brasileira com inspiraçãoafricana. Têm músicas africanas comdialetos, canções de Candomblé.Canto no Ernesto (bar), um trabalhoantigo. Canto samba que é anfitriãodos ritmos brasileiros.

“Eu optei pela senzala”

E como começou a tra-jetória na música?

Sanfilippo – Eu sempre gostei decantar. A minha família é italiana etodos cantam, dançam. A Vanda Frei-tas, uma amiga, e a Vita Paris me de-ram telefones de professores de canto.Eu comecei a fazer aulas.

E a primeira experiên-cia na música...

Sanfilippo – Vizinho e amigo de in-fância, falou: “Pô! Um amigo abriubarzinho em Santa Teresa e precisa dealguém pra cantar”. Foi em janeiro de94. Fiz um teste. Cantei 3 ou 4 músi-cas. Era um lugar pequeno. A maiorsensação. Eu fazia sambas antigos deCandeia, Geraldo Pereira, Noel Rosa,Cartola, coisas que não se ouvia. Mis-turava Mutantes, Secos & Molhados,Caetano. Era uma noite divertida.

Porque está muito tem-po na estrada e sempre reman-do contra a maré?

Sanfilippo – Ao mesmo tempo emque é matar um leão por dia, pra mimé a felicidade. Eu não faço o menor es-forço pra fazer esse tipo de coisa, gos-to muito. É a minha vida que está ali.

E como acontece?

Sanfilippo – Acontece porque co-meço a detectar onde acho que faltaaparecer esse tipo de coisa para as pes-soas poderem ter acesso. Quando co-mecei a cantar não se ouvia Candeianem Geraldo Pereira. As pessoas mecobravam: “Você conhece aquela doLupicínio Rodrigues?” e eu tinha sorteporque conhecia. Meu pai tinha ban-ca de jornal. Eu ouvia discos que saí-am nas bancas com compositores im-portantes da MPB.

E a descoberta da reli-gião?

Sanfilippo – Tem uma coisa que sechama ‘bolar’ no Candomblé. A pes-soa quando desmaia é aviso do Orixáque você precisa ser iniciado. E eu tiveisso com 8 anos de idade em casa. Mi-nha mãe não sabia o que era, muitomenos eu e o meu pai. Ninguém sabia.

Normalmente, o italia-no é muito católico....

Sanfilippo – É. Lá em casa todoseram muito católicos. Comecei a fa-lar umas coisas. Minha mãe não en-tendia, eu não me lembro. Ela se deses-perou. Não sabia o que era. Me levoupra fazer eletro, terapia. Até que al-guém da esquina falou: “Leva ele alina Umbanda”. Tinha uma aqui em

Santa Teresa: “Leve ele pra conversarcom a moça de lá”. Lá, falaram quetinha que ser no Candomblé. Foi feitotrabalho e deu uma segurada até en-trar na faculdade com 17, 18 anos.Começou de novo. Acabei frequen-tando e gostei.

Nesse meio tempo vocêteve mais contato com o Can-domblé?

Sanfilippo – Engraçado a coisa da an-cestralidade. Eu gosto muito. Eu faziaaula de inglês e no curso sempre fiz tra-balho sobre uma criolice. Fui fazer edu-cação física, na lição sobre folclore, fi-quei maluco com a Zezé do Folclore queé uma negona de henê. Ela falou: “Sentaaí no chão”, aquilo mudou minha vida.Percebi que a escola emburrece...

Tirou proveito?

Sanfilippo – Acabei unido o útil aoagradável, a academia que me trouxeo lúdico pra dentro da sala de aula, e olúdico na realidade o meu trabalhoque é cantar. Peguei esses ritmos to-dos que eu tinha acesso e pesquisava elevei pra noite também.

Você já foi hostilizadoexplicitamente?

Sanfilippo – Você levar Candomblé

Músico e compositor que utiliza elementos do Candomblé em seu trabalhodiz que maior preconceito não é com a religião e sim no sambaRevisão Salarial

Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010

Max Leone e Roberto Ponciano*

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pra um restaurante alemão, na Lapa...(risos)... Não é propriamente a coisamais comum de acontecer. Mas nãosou hostilizado porque canto coisas deCandomblé. Não sei se as pessoas sesurpreendem muito, porque eu soumuito branco de pele. Na verdade,nunca falaram comigo que acharamestranho. As pessoas falavam que gos-tam muito de se surpreender, mas sem-pre para o bem. Eu sofri muito precon-ceito quando eu comecei a cantar osamba. É engraçado isso, né?

No samba tem mais pre-conceito?

Lucio Sanfilippo – É. Por ser brancono meio daquele samba. Tem mais pre-conceito do que a religião. Mas até hojetem gente que não me chama pra tra-balhar. Não sei se por eu ser branco oupela voz que não é uma voz comum, éaguda. Eu sei que muita gente que co-meçou depois de mim teve muito maisespaço na mídia. Isso que você diz,matar um leão por dia, vamos falar demídia. Eu não consigo até hoje. Nãotenho uma reportagem desse tamanhi-nho assim. Pra conseguir um tijolinhono jornal, tenho que matar um elefan-te, não é um leão. Noutro dia, uma alu-na mandou uma resposta que ela deupara o Joaquim Ferreira dos Santos, deO Globo, que escreveu que não tem can-tor na Lapa: “Cadê os cantores?” Eu nãoli porque eu não leio O Globo, não soumuito adepto de ficar lendo...

É uma posição política?

Lucio Sanfilippo – É. A gente fica

pensando: “Como é que não tem can-tor?”, eu posso falar aqui uns dez: Mar-cos Sacramento, Moisés Smart, Nuno,Marta e Max, Alfredo, Pedro Paulo,Pedro Holanda, Pedrinho Miranda,Edu, e eu né? Eu estou aí, e vou fazer 16anos agora. E como é que não tem can-tor? Quer dizer, até nisso eles são pre-conceituosos. Porque não tem cantor?Um cara de jornal falar isso é vergonho-so. A minha aluna escreveu: “Você nun-ca foi na Lapa? Vai no Ernesto”. Tenhoque pedir pro jornalista ir me ver pra sa-ber que eu existo há 15 anos.

Sobre a parceria com oJongo, como você é recebido noquintal Tia Maria?

Lucio Sanfilippo – O Jongo foiamor à primeira vista. A gente se apai-xonou. Aí, eu resolvi fazer uma mono-grafia sobre o Jongo, me formei emEducação Física. Peguei as letras e do-cumentei. A Serrinha me botou no colodesde o primeiro momento. Então, voulá na Tia Maria, entro na casa dela e elapergunta o que eu quero comer. A horaque eu quero: “Tia Maria vem fazeruma participação aqui no Ernesto”,não tem uma vez que ela não vá. Eu che-go na Serrinha, ela fala: “Eu sei as suasmúsicas todas do seu disco”. Cantei emdezembro no Império Serrano, no ani-versário da Tia Maria, ela fez 89 anos.Ela falou: “quer que eu cante agora?Qual é que você quer que eu cante?”

E o renascimento daLapa? Como é que você se inse-riu nisso?

Sanfilippo – O Nestor teve ideia defazer o “Esposa da Antiga” dentro doAntiquário. Lá na Rua do Lavradio. ALuciane Menezes que era cantora doDobrando a Esquina ficou grávida. Emnovembro de 97 ela me ligou: “Lucio,eu estou me sentindo mal, estou grávi-da. E eu não conheço ninguém que pos-sa ir lá cantar pra mim noite inteira desamba”, e não tinha mesmo. Você podeir lá? E só dá o tom que os meninos vão”,e foi o maior sucesso. Quando foi ter oneném, ela falou: “Lucio fica! - Claro”.

A Lapa voltou a ser umlugar de referência de cultura ede resistência?

Sanfilippo – Claro. Importantetambém na criação do novo. Não adi-anta fica só “Vamos cantar a velhaguarda da Portela, da Mangueira”.Mas você compõe... Tem muita gentehoje em dia fazendo música. As pesso-as conseguiram espaço ali, não exis-tia nada.

A mídia é cruel em ter-mos de qualidade?

Lucio Sanfilippo –Eu escolhi sofrercom isso, na verdade, porque eu faço omeu trabalho lá dentro do restauran-te alemão, e o meu disco é resultadodo meu trabalho. Acho que as pessoasda Lapa, a Teresa Cristina que é a maissortuda de todos, que desde o início aspessoas, e a mídia se aproveitam tam-bém porque ela é negra. Não vão darespaço pra mim. Eu vou falar o quê?Eles querem botar um negro que não-sei-o-quê, que fez, que veio do subúr-bio, e não-sei-o-quê,.

Você é uma pessoa quetem alternativa socialista. Issose reflete no seu trabalho?

Sanfilippo – O meu trabalho na edu-cação e o meu trabalho a noite, eles seconfundem. Eu resolvi trabalhar comisso. Eu cismei que felicidade e amor sãoas coisas mais importantes. E acho quevocê tem que ter conhecimento, e por quenão conhecimento se divertindo com acultura e com a dança e com a música?Você pode falar do amassar o café noJongo, você está falando da farinha decafé, eu acabei de falar aqui que o Jongoveio da farinha de café. É o passo paraamassar o café, está se movimentando,dançando, está se divertindo...

Você veio da casa gran-de, você é descendente de euro-peu, e mudou pra senzala?

Sanfilippo – Eu optei pela senzala,porque, na verdade eu nasci na senzala.(risos...) Tem ligação antiga. Porque nãoé possível não ter, então, eu faço isso.

Até que ponto a religiãoinfluencia o seu trabalho?

Sanfilippo – As coisas todas se con-fundem, por quê? O meu novo disco vaise chamar “Flor do Velho Engenho”,por exemplo, que faz uma referênciaao Engenho Velho da Bahia, da 1ª casade Candomblé do Brasil, e de onde des-cende a minha casa. Anitinha é a flordo velho engelho e personagem da mú-sica era a minha avó de santo, mãe desanto do meu pai de santo, que iniciouo meu pai de santo e que foi o que meiniciou. Ela pegou o povo de Orubá prin-cipalmente, e montou uma religiosida-de com todos esses Orixás... Eles convi-vem num mesmo espaço. O que era umacidade inteira só pra cultuar o Oxossi,uma só pra Ogum, uma só pra Xangô,lá é cultuado no mesmo espaço. Quan-do eu digo a Flor do Velho Engenho, sópra falar um pouco do disco, eu digoque a flor é a parte condutora...Fui des-cobrir isso agora depois de estudar umpouquinho mais. A história religiosa, apercussão religiosa, é um negócio queencanta. O tambor é uma coisa que vi-bra de tal maneira..Emociona. É umacoisa do arrepio. Eu não consigo maisseparar isso do trabalho.

No seu trabalho você fezum CD...

Sanflippo – Eu tenho um CD solo cha-mado “Canções de Amor ao léu”, é omeu 1º disco solo, com a participaçãoda Lia de Itamaracá, com a Tia Maria...E tem o CD antes desse que chama “Cor-del das Fitas”, que eu fui convidado peloLenildo Gomes do Dobrando a Esqui-na. Agora estou fazendo esse novo dis-co que é “A Flor do Velho Engenho”, nomesmo molde do outro disco, que é mi-nha vida mesmo, que é essa coisa mili-tante, pedagógica, religiosa mistura-da. Quis botar músicas de amigos quesão talentosos. Deve sair depois do car-naval junto com um livro também queeu vou lançar.

O livro trata sobre...

Sanfilippo –O livro é sobre interdis-ciplinaridade na escola. Chama “In-terdisciplinando a Cultura na escolacom o Jongo” e que é o que eu estavafalando: Por que a gente não se diver-te? Por que não aprende se divertin-do? A escola esquece que pode brin-car, cantar, dançar e aprender. Eufaço essa proposta de dar uma aulade Jongo. E as outras disciplinas quese integrassem e planejassem nas au-las com conteúdos relacionados aouniverso do Jongo. E no final de tudotem sugestões dos professores de ou-tras disciplinas dizendo: eu posso tra-balhar assim com conteúdo.

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Em novembro de 2009, Mari-ghella recebeu o título póstu-mo de cidadão paulistano. A ci-dade de seus assassinos reco-nheceu a importância de sualuta. Exposições sobre sua vidaocorreram em São Paulo, noMemorial da Resistência; e emSalvador, no Teatro Castro Al-ves. No Rio, na Caixa Cultural,na avenida Almirante Barroso,a exposição terminou em 17 dejaneiro. A vida de Marighella écontada por meio de cartas, li-vros, depoimentos, fotos e tex-tos da autoria do próprio. Eletambém recebeu o título de ci-dadão carioca “in memoriam”

Carlos Marighella, um mulato baiano, como ele mesmo se definia, foi assassinado há 40

anos, em São Paulo, em 4 de novembro de 1969, durante emboscada armada pelo delega-

do Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Filho de

imigrante italiano com negra descendente de escravos, nasceu em 1911. Abandonou os

estudos de Engenharia quando tinha pouco mais de vinte anos e aderiu ao Partido Comunis-

ta Brasileiro (PCB). Foi eleito deputado para a Assembleia Constituinte de 1946 após passar

mais de seis anos preso. Teve o mandato cassado em 1948, foi para clandestinidade da qual

não mais saiu. Com o golpe de 1964, passou a discordar das teses de resistência pacífica do

PCB. Em fins de 1967, fundou a organização guerrilheira Ação Libertadora Nacional (ALN).

*Técnica judiciária da Justiça Federal

Venezuela, historiadora e autora do

livro “Virgílio Gomes da Silva – De

retirante a guerrilheiro”.

Edileuza Pimenta Lima*

criticando o modelo brasileiroque, apesar das condições objeti-vas não consegue avançar em di-reção ao programa que ele pre-conizava para o Brasil.

Se em 1967 Marighella aderiuà Organização Latino-Americanade Solidariedade, hoje suas idei-

em dezembro último no espa-ço da Caixa Cultural.

Ao defender a luta armada, elefalava do perigo de os marxistas,seguindo estratégia pelo caminhopacífico, “ajudarem a transformaro Brasil num país social democrá-tico, exercendo em nome dos Es-tados Unidos o papel de freio domovimento de libertação da Amé-rica Latina”. Ele não poderia sermais atual. Se tivesse sobrevivido,analisaria o fenômeno recente daguinada à esquerda da AméricaLatina, por meio da ascensão donacionalismo revolucionário empaíses como Venezuela e Bolívia,

as poderiam contemplar aosadeptos da Alternativa Bolivaria-na para as Américas, pois, segun-do enunciou em outro documen-to, o Chamamento ao Povo Brasi-leiro, de dezembro de 1968, en-tre algumas das medidas estariaa seguinte: “Tornaremos efetivoo monopólio estatal das finanças,comércio exterior, riquezas mi-nerais, comunicações e serviçosfundamentais”.

Após 40 anos de sua morte, opensamento de Marighella perma-nece vivo. Há décadas ele dizia queas elites brasileiras já tinham mos-trado seu fracasso, e que uma es-tratégia revolucionária deveria le-var em conta a separação entre opartido do proletariado e os par-tidos da burguesia. É justamenteisso o que falta ao país. Marighe-lla sempre soube que “o segredoda vitória é o povo” .

Ele não poderia ser maisatual. Se tivessesobrevivido, analisaria ofenômeno recente daguinada à esquerda daAmérica Latina

Opinião Guerrilheiro recebe homenagens no Rio e em SP que reforçam importância de sua luta

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Em 28 de junho de 2007, o BlogDemocrata, oficial do partido De-mocratas (DEM), publicou um tex-to em que se referia ao PT. Na oca-sião, matéria foi veiculada em quenum trecho dizia: “O Globo dehoje informa que 'passados maisde dois anos do escândalo domensalão...o PT está decidido aesquecer o passado'. O Blog De-mocrata, porém, tem memória. Enão esquece a “quadrilha do men-salão que se instalou no governoLula”. Ao tentar posar de guardiãoda moralidade nacional, no anopassado, veio à tona o Mensalãodo Democratas, capitaneado pelogovernador do Distrito Federal,José Roberto Arruda, então noDEM. No possível esquema inves-tigado pela Polícia Federal, exis-tem indícios do governador, do

Nacional Investigação da PF revela escândalo na administração no Distrito Federal

Mensalão do Democratasmarca gestão de Arruda

vice, de deputados e de secretári-os estarem envolvidos em falca-truas. Imagens gravadas mostramaté o presidente da Câmara Legis-lativa do DF, deputado distritalLeonardo Prudente, ex-DEM eatualmente sem partido, colocan-do maços de dinheiro na meia.Uma liminar da Justiça determi-nou que Prudente fosse afastadodo cargo.

Para refrescar a memória dequem sabe, ou pelo menos ten-ta esquecer, é bom relembrarum pouco da história do Demo-cratas. Durante a ditadura mili-tar, existiam apenas dois parti-dos. O da oposição era o MDB eo que apoiava a ditadura era aArena. Naqueles tempos, desfi-lavam na política nacional, figu-

ras como ACM, Borhausen, Ma-luf, Sarney, etc. A partir de1979-80, o país voltou a ter vá-rios partidos. Assim, a Arena(Aliança Renovadora Nacional)mudou de nome e passou a sechamar PDS. Ouvia-se nas ruaso coro popular: “o povo não es-quece, abaixo o PDS!”. Foi pre-ciso mais uma vez mudar denome e o PDS rachou em doisnovos partidos, o PP e o PFL.Para aqueles que acompanhamum pouco da política, o PFL mu-dou novamente de nome e ago-ra se chama Democratas e é di-rigido pela segunda geração“daqueles” políticos: neto doACM, filho do Borhausen, filhodo César Maia, etc.

E o José Roberto Arruda, vocêlembra dele? Pois é, quem acom-panha um pouco de política,com certeza vai lembrar. Em2001, Arruda era senador peloPSDB do Distrito Federal e líderdo governo FHC no Senado. Oescândalo foi a violação do pa-inel da Casa. O presidente doSenado era ACM (PFL) e houveum processo de cassação dosenador Luiz Estevão (PMDB-DF)por quebra de decoro parla-mentar naquele escândalo dedesvio de recursos na constru-ção do prédio do TRT. Lembra-se do “Lalau”? Acontece que avotação da cassação no plená-rio do Senado era para ser se-creta, mas ACM e Arruda con-seguiram a lista e o voto de cadasenador, e passaram a chanta-gear aqueles que não votaramcomo eles queriam. No início,fez um discurso na tribuna doSenado, negando os fatos.Quando a coisa complicou re-

nunciou ao mandato de sena-dor para evitar a perda dos di-reitos políticos. Foi para o DEMaumentando a longa ficha cor-rida de escândalos de corrup-ção do partido.

Flagrado pela operação Caixade Pandora, da Polícia Federal,que revelou ao país um possívelesquema de caixa dois e paga-mentos de propinas a políticosem Brasília, o Mensalão do DEMmovimentaria milhões de reais ejá funcionaria, sem interrupção,há dez anos. Em três dezenas devídeos divulgados – há centenasde outros ainda inéditos – foipossível ver o governador JoséRoberto Arruda receber R$ 50mil em caixa dois; o presidenteda Câmara Legislativa, deputadoLeonardo Prudente (DEM), guar-dar dinheiro nas meias; deputa-dos orando a Deus em agradeci-mento pela propina; e empresá-rios, ora colocando maços de di-nheiro na cueca, ora pagandopropinas em troca de contratoscom o governo de Brasília. Alémde Arruda, o vice-governadorPaulo Octávio Pereira (DEM), oitodos 24 deputados distritais deBrasília e a maioria dos secretári-os do governo do DF são suspei-tos de se beneficiarem do esque-ma. São investigados também de-sembargadores do Tribunal deJustiça e promotores públicos.

Ao começar o governo no DFem 2007, Arruda tentou impri-mir a sua gestão a marca de umadministrador moderno. Anun-ciou corte de despesas, a revi-são de contratos e a suspensãode pagamentos. Mas ao que tudoindica não será essa a marca quedeixará na política.

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Luiz Carlos Azenha*

Definiu um leitor do Nassif que“a montanha pariu um rato". Se-ria uma boa imagem se, depois detantos litros de tinta, tantas pági-nas de jornal, tantos minutos ememissoras de rádio e televisão de-dicados à polêmica do Plano Na-cional de Direitos Humanos(PNDH) não extraíssemos absolu-tamente nada. Não foi o caso. Po-demos dizer que a polêmica pa-riu discussão sobre Direitos Hu-manos e renovou o ímpeto daque-les que lutam para aprofundar ademocracia e fazer valer direitosnão apenas aos latifundiários daterra e do espaço eletromagnéti-co. Um leitor do Viomundo apon-tou o nexo entre esses dois gru-pos por trás da polêmica.

Não é por acaso que, do ladode lá, sustentando a teoria doi-divanas de que o PNDH repre-senta algum tipo de “cobertu-ra” a um “golpe autoritário” noBrasil, estavam editorialistas da

Nacional “Se algum brasileiro se engajar na defesa do PNDH, a 'crise militar' terá valido a pena”

O que aprendi na polêmica do PNDHFolha, do Estadão, páginas daVeja, Ali Kamel,Boris Casoy, IvesGandra Martins, ConfederaçãoNacional da Agricultura, OABpaulista (a mesma do “Cansei”),setores conservadores da Igre-ja, José Nêumanne, AlexandreGarcia e uma infinidade de ou-tros personagens menores. Oleitor Gustavo Paim Pamplonadisse, em comentário, que o ter-remoto no Haiti - e as trágicasmortes de Zilda Arns e dos mili-tares brasileiros - abortou a pri-meira grande “crise” de 2010.

(…) Dava para notar para ondecaminharia a “crise”, não fossepelo infortúnio caribenho: iriabater às portas da Casa Civil e deDilma Rousseff. Há quem diga quefoi tudo tramado por José Serraou assessores dele: a crise perfei-ta. Presidente da República emférias, a musa da febre amarelavaza relatório que ainda não ti-nha chegado ao Ministério da De-fesa dando conta de que a FABmontou pódium com medalhinhade ouro para o jato sueco, de pra-

ta para o jato americano e de bron-ze para o jato francês, justamenteo preferido do presidente. Some-se a isso o descontentamento mi-litar com o Plano Nacional dosDireitos Humanos, especificamen-te com a Comissão da Verdadepara apurar os crimes cometidospela “repressão política” duranteo regime militar.

(…) Resisto em acreditar emmaquinações que requeiram aarticulação de mais de meia dú-zia de pessoas. Mas o “modo deoperação” é conhecido: os jor-nais repercutem notícias uns dosoutros, que ganham perna nostelejornais e...vira uma bola deneve. Vi isso nos tempos em queera repórter da TV Globo: sai naVeja, ganha pernas no JornalNacional de sábado, sai nosjornalões de domingo e segun-da-feira tem “crise”.

(…) A falta de entendimentoou a má fé - é difícil dizer quan-do é preguiça e quando é malícia- resultou em abordagens inacre-ditáveis, como a já famosa repor-

tagem do Jornal da Band que jun-ta tudo o que pode haver de piorno Jornalismo: deveria ser grava-da e mostrada nas salas de aulapelos professores como exemplode como não fazer.

(...)Há que se investigar o pas-sado, punir os criminosos quecometeram seus crimes em nomee em defesa de um regime ilegíti-mo. Ponto. De outra parte, se al-gumas centenas de brasileiros seengajarem na defesa dos princí-pios expressos no PNDH, a “crisemilitar” terá valido a pena.

Descomprimir a imensa pane-la de pressão que é um país in-justo como o Brasil requer paci-ência e cuidado, especialmentequando mudanças rápidas co-locam em xeque um modelo con-centrador de renda, de terra ede poder. Nesse contexto, Direi-tos Humanos representam umaameaça por serem exatamenteo que são: universais.

A Central Única dos Trabalha-dores (CUT) divulgou nota, nodia 11 de janeiro, em que de-fende a política de direitos hu-manos desenvolvida pelo gover-no federal e pede a punição dosresponsáveis pelos crimes co-metidos por agentes do Estadodurante a ditadura militar. Notexto, a central acredita que ainiciativa “é um desejo legítimoda sociedade e deve ser imple-mentado pelo Estado”. A Asso-ciação Brasileira de Lésbicas,Gays, Bissexuais, Travestis eTransexuais (ABGLT) tambémmanisfestou apoio às resoluçõespresentes no Programa Nacionalde Direitos Humanos. A entidadecompreende que os direitos se-

CUT e ABGLT são favoráveis ao programaxuais de lésbicas, gays, bissexu-ais, travestis e transexuais são di-reitos humanos e por isso funda-mentais a serem respeitados emuma sociedade democrática.Confira a nota da CUT:

Em defesa dos direitos huma-

nos, da verdade e da justiça

“O Programa Nacional de Di-reitos Humanos do Governo Fe-deral tem levantado um debateimportante na sociedade brasi-leira com suas propostas de de-mocratização e de aplicação dosdireitos fundamentais para am-plos setores sociais. Essas propos-tas alteram o status quo de quemadvoga a manutenção do silên-cio, pois suscita a investigação da

verdade e da justiça sobre os cri-mes de lesa-humanidade come-tidos por agentes de estado. Nospaíses que têm essa mácula, issoé mais um direito, é um desejolegitimo da sociedade e deve serimplementado pelo Estado.

Os defensores da tortura ale-gam que os dois lados em confli-to deveriam ser investigados.Acontece que os opositores daditadura militar já foram puni-dos, com sequestros, cárceresclandestinos, estupros, mortes,“desaparecimentos”, prisões,torturas, exílios forçados. Mesmodentro das leis do regime de ex-ceção, foram cometidos crimesde lesa-humanidade que nuncaforam investigados. O Brasil é o

único país da América Latinaque ainda não julgou seus tor-turadores.

A CUT se soma aos diversos se-tores sociais e do governo fede-ral, especialmente, com o Minis-tro Paulo Vannuchi, na defesada democratização da socieda-de brasileira. Banalizar a tortu-ra favorece a continuidade da vi-olência dos agentes de Estadocontra a população pobre e dosmovimentos sociais no país. Nãoà impunidade! Que a verdade ejustiça prevaleçam sobre os tor-turadores!”

Do portal Mundodo Trabalho/CUT

* Jornalista – Leia a íntegra em http://

www.viomundo.com.br/opiniao/o-

que-aprendi-na-polemica-do-pndh/

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O vice-presidente bolivianoAlvaro Garcia Linera anunciouque a Bolívia elegerá por votoseus juízes e magistrados. O ob-jetivo é melhorar o sistema judi-cial na nação andina. “A Consti-tuição Política do Estado (CPE)estabelece uma revolução do

Em decreto assinado dia 13 dejaneiro deste ano, o presidenteLuiz Inácio Lula da Silva pôs fimnos desentendimentos entre se-tores militares e a pasta dos Di-reitos Humanos em torno do IIIPrograma Nacional de DireitosHumanos. Com a medida, Lulacria o grupo de trabalho paraelaborar o projeto de lei da Co-missão da Verdade, suprimindoa expressão “repressão política”da parte que trata da apuraçãode casos de violação de direitosno contexto do regime militar.

Em seu blog, o jornalista Pau-lo Henrique Amorim, afirma queLula saiu vitorioso e enumera:

“Vitória número 1 de Lula so-bre Jobim: a Comissão da Ver-dade vai existir; a finalidade dacomissão da verdade permane-ce, ou seja, apurar os crimes dostorturadores. O ministro serris-ta Nelson Jobim tentou dinami-tar a Comissão da Verdade ebotou um bode na sala. O bodena sala era a utilização da ex-pressão “repressão política”.Agora, Lula devolve o bode aoquintal do ministro traíra e ser-rista. E a Comissão da Verdadepassa a ser para apurar “viola-ções dos direitos humanos”.

Ou seja, o golpe de Jobim e deFernando Henrique Cardoso nãodeu certo. Fernando HenriqueCardoso e Jobim queriam que

Bolívia será único país do mundo a eleger juízes por votosistema judicial na qual os car-gos da administração jurídica emdiversos níveis hierárquicos serãoescolhidos com o voto do povopela primeira vez na Bolívia e nomundo”, assinalou Linera.

O presidente Evo Morales deci-

diu designar autoridades judici-ais por um ano e de maneira inte-rina, mediante lei transitória queserá a primeira norma a ser apro-vada pela nova Assembleia Legis-lativa Plurinacional. A Carta Mag-na, conforme explicou o vice-pre-sidente boliviano, estabelece que

se deve eleger as autoridades dosórgãos Supremos da Justiça. Elemencionou que as mudanças doPoder Judiciário requerem trans-formação do próprio comporta-mento dos funcionários da Justi-ça para mais acessível, rápido, efi-ciente e protetor do cidadão.

Lula matasse a Comissão da Ver-dade e, com isso, fazer com queLula capitulasse diante dos mili-tares como Fernando Henriquecapitulou. Lula abriu a portapara punir os torturadores”.

A também jornalista HildegardAngel, do Jornal do Brasil, nãopoupou críticas às reclamaçõesdos militares contra o Plano Na-cional dos Direitos Humanos.“Despertam como se fossemzumbis ressuscitados e vêm as-sombrar nosso cotidiano comelogios à ação sanguinária dosditadores, os quais torturarame mataram nos mais sórdidosporões deste país, com instru-mentos de tortura terríveis, bar-baridades medievais, e trucida-ram nossos jovens idealistas, nagrande maioria universitários da

classe média, que se viram im-pedidos, pelos algozes, de pros-seguir seus estudos nas escolas,onde a liberdade de pensamen-to não era permitida, que dirá ade expressão!”

Enquanto isso, nos

otros hermanos....

Ao mesmo tempo em que osmilitares brasileiros reclamamda possibilidade de serem inves-tigados, nossos vizinhos, quetambém sofrem os horrores daditadura, tomaram atitudes di-ferentes. O governo da Argenti-na tornou acessível toda a do-cumentação existente sobre asações das forças armadas du-rante a última ditadura (1976-83), com exceção dos fatos re-gistrados durante a Guerra dasMalvinas de 1982, por meio de

um decreto presidencial. A pre-sidente do Chile, Michelle Bache-let, também decidiu liberar osarquivos da ditadura de Pino-chet, que permaneceu no poderaté 1990.

“Manter classificações desegurança de caráter não pú-blico, em relação a informa-ções e documentação relati-vas às ações das forças arma-das durante a vigência do ter-rorismo de Estado, vai con-tra a política de memória, ver-dade e justiça que o Estadovem adotando desde 2003”,indicou o decreto assinadopela presidente argentina,Cristina Kirchner.

Essa medida agilizará “agrande quantidade de reque-rimentos judiciais de informa-ção” criados a partir da rea-bertura de centenas de cau-sas por violações dos direitoshumanos após a anulação, em2003, das leis de anistia, se-gundo o decreto.

O material em questão - queera acessível apenas ao Arqui-vo Nacional da Memória, queadministra a documentaçãodo Ministério da Defesa - nãopodia ser publicado sem umdecreto específico em cadacaso, informou a secretariade Direitos Humanos em umcomunicado.

Nacional/Inter Apesar de chororô dos militares, Plano Nacionaldos Direitos Humanos sairá do papel

Lula cria grupo de trabalho paraelaborar Comissão da Verdade

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26 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Carlos Latuff*

A convite do Centro Brasileirode Solidariedade aos Povos (Ce-braspo) passei uma semana nacompanhia de lavradores nosacampamentos da Liga dos Cam-poneses Pobres (LCP), no interi-or de Rondônia, em outubro doano passado. Ao lado dos alde-ões, tive a honra de comer, par-ticipar das conversas, da rotina,tomar conhecimento das neces-sidades, demandas e sonhos.Povo forte, que sofre o diabo,mas que não tem medo dele.Passei as noites numa cabana depalha, onde vivem seu Abel e suaesposa Zilda. Reservaram umacama para mim, me receberamcom todo carinho e gentileza.Mesmo na simplicidade da chou-pana, havia extrema preocupa-ção em me agradar.

Acordava-se bem cedo, aindaescuro. “Bom dia, dormiu bem?".Escova de dentes na mão, rumoao rio que beira a cabana. Nomoedor à manivela, os grãos decafé eram preparados para odesjejum. O leite fervia no fo-gão a lenha. A mesa posta, o si-lêncio era discretamente inter-rompido tanto por mim quan-to pelos pássaros. Seu Abel se-guia para a roça, para cortarlenha, capinar, irrigar mudas,para transformar seu pequenopedaço de selva em lar.

Os lavradores humildes preci-sam de bem pouco para viveruma vida digna. Com o argu-mento do combate ao desmata-mento, o Ibama persegue e apli-ca multas altas aos que vivem daagricultura de subsistência, usaa Polícia Federal, a Força Nacio-nal de Segurança e o Exércitopara sufocar as comunidades,como no caso de Rio Pardo. Lá,barreiras foram erguidas nasentradas e saídas, pessoas e veí-culos revistados, postos de com-bustível do acampamento remo-

Palestinos da Amazônia vivem em Rondônia

vidos, um rigor que não tem sidoaplicado a latifundiários.

O histórico de violência naque-la área já vem de longe. No Bra-sil Colônia, o vale do Guaporéfoi palco de disputas imperialis-tas entre Portugal e Espanha,que só terminaram com o Tra-tado de Madrid em 1750. Noséculo XVIII, com o ciclo da mi-neração e particularmente nofinal do século XIX, com o ci-clo da borracha, grande levade migrantes de diversas par-tes da Bolívia foi atraída, cau-sando conflitos. Só foram re-solvidos em 1903 com o Trata-do de Petrópolis.

Em 1943, como resultado dodesmembramento de áreas dosestados do Amazonas e do MatoGrosso, foi criado por GetúlioVargas o Território Federal deGuaporé, rebatizado para Ron-

dônia em 1956, em homenagemao marechal Cândido Rondon,militar que entre 1910 e 1940comandou expedições de Cuia-bá até o Amazonas para instalarlinhas telegráficas e levar a boae velha civilização branca aosíndios. Rondônia torna-se esta-do em 1982.

O que pude presenciar duran-te minha visita foram trabalha-dores rurais e suas famílias ar-mados, isso sim, de uma força

de vontade poderosa, capaz deenfrentar os rigores da Amazô-nia Ocidental. O clima equatori-al, extremamente quente e úmi-do, onde o sol castiga a carne,as doenças tropicais como aleishmaniose e a malária, quepor aquelas bandas são tão co-muns quanto um resfriado, ani-mais selvagens como onças, por-cos-do-mato e serpentes vene-nosas, um risco sempre presen-te, oculto pela densa vegetação.Operações constantes do Ibama

Vista de um dos acampamentos da Liga dos Camponeses Pobres no coração de Rondônia

Latuff entre os camponeses “Marcão” e seu Abel

Fotos: Carlos Latuff

Reforma Agrária

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Não são os rigores da selva ama-zônica os maiores inimigos dopovo do campo. São os fazendei-ros milionários e seus exércitosparticulares formados por assas-sinos de aluguel e policiais, cujasações criminosas são sustentadaspor políticos locais e a imprensa,que alimentada com verbas pu-blicitárias e mesmo matérias pa-gas, tenta demonizar a justa resis-tência dos pequenos agricultores.Conceitos como direitos huma-nos e cidadania inexistem noscantões de Rondônia. A pistola-gem é instituição consagrada pelasociedade. Numa corrida de taxiem Ariquemes, com mais três pas-sageiros, ouvi animadas históriasde fazendeiros, políticos e mortesencomendadas. Uma delas repro-duzo aqui:

Um homem pescava num rio.Conseguiu apanhar dois pintados.Amarrou os peixes na garupa desua bicicleta e seguiu por umaestrada. No meio do caminho foiparado por um fazendeiro e seujagunço numa caminhonete.

“Onde você pescou isso?”, per-guntou o fazendeiro.

“Naquele rio logo ali”, respon-deu o sujeito.

“Então pode deixar por aí mes-mo, que aquele rio é meu”, disse ofazendeiro, no momento em queo capanga já saía do veículo deforma ameaçadora. O pescadorteve de fugir. Ao comentar esse

e das polícias tentam tomar osarmamentos rústicos das mãosdos lavradores, impedindo queeles se defendam tanto de ani-mais ferozes quanto de pistolei-ros. O direito à legítima defesatambém lhes é negado. Os cam-poneses seguem resistindo a es-tas agressões como podem. Nãose entregam nunca. São os pa-lestinos da Amazônia.

*Cartunista e colaborador daIdeias em Revista

Maiores inimigos dos camponeses são osfazendeiros e seus exércitos de assassinos

caso com o pessoal da LCP, medisseram que ele teve sorte de nãoter sido simplesmente baleado. Ésomente uma das histórias queexplicam a razão da revolta que ocamponês traz consigo no peito.

Historicamente, a reforma agrá-ria no Brasil nunca se deu de ma-neira espontânea pelos governos,e sim pela pressão feita pelos mo-vimentos populares de luta pelaterra. No caso da LCP, sequer con-ta com o Incra para assentar asfamílias. Para os integrantes daLCP, não existe o conceito de “de-sapropriação de terras improdu-tivas”, visto que mesmo as produ-

tivas, em mãos de ricos fazendei-ros, servirão aos interesses doagronegócio.

No Brasil Colônia, ovale do Guaporé foipalco de disputasimperialistas entrePortugal e Espanha,que só terminaramcom o Tratado deMadrid em 1750

Não são os rigores daselva amazônica osmaiores inimigos dopovo do campo. São osfazendeiros milionáriose seus exércitosparticulares formadospor assassinos dealuguel e policiais,cujas ações criminosassão sustentadas porpolíticos locaise a imprensaBase da Força Nacional de Segurança em Rio Pardo (RO)

Caminhando pela imensidão da selva amazônica

"Dedico este ensaio a ElcioMachado "Sabiá", que conhe-ci pessoalmente e Gilson Gon-çalves, ambos sequestrados,torturados e assassinadospor pistoleiros em Buritis, nointerior de Rondônia, no dia9 de dezembro de 2009, doismeses depois de ter produ-zido essas fotos".

Carlos Latuff

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28 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

A primeira luz numa nova era I Conferência Nacional de Comunicação abre as portas e indica

os caminhos para a regulamentação e a democratização de um

dos mais importantes e oligopolizados setores do país

Texto e fotosVinicius Souza e Maria Eugênia Sá

Se perguntarem o que de maisimportante aconteceu no Brasil em2009, não foi a vitória sobre a tãoalardeada “crise econômica mun-dial”, nem a maior inserção do paísno cenário mundial e tampouco aescolha do Rio de Janeiro para asOlimpíadas de 2016. O principalevento do ano ocorreu no apagardas luzes, na segunda quinzena dedezembro e recebeu coberturapífia da Grande Mídia, especial-mente da televisão: a I Conferên-cia Nacional de Comunicação.Realmente não era de se estra-nhar esse tratamento. Afinal,num setor dominado nacional-

mente por apenas seis ou setefamílias, qual delas teria interes-se em divulgar com isenção asiniciativas para a sua democra-tização?

Mas num país em que há maisfamílias com televisor do que comgeladeira e quase mais celularesdo que cidadão, discutir como sefaz, se acessa e se distribui os pro-dutos da comunicação é, para sedizer, no mínimo, essencial. Es-pecialmente num mundo pós-moderno de convergência e por-tabilidade das mídias e tecnolo-gias audiovisuais, mediando asrelações interpessoais e forma-tando as visões que temos dessemundo! Estranho mesmo foi verchegar os caminhões de todas asredes de TV e um batalhão de

repórteres ao prédio da Assem-bléia Legislativa de São Paulo,onde acontecia no final de no-vembro a etapa estadual da Con-fecom. Só depois do susto des-cobrimos que ali seria velado ocorpo do ex-prefeito da capital,Celso Pitta. A comunicação, cla-ro, estava fora da pauta dos noti-ciários e nenhuma das câmerasapontou para os debates.

Apesar de todas as dificuldadese percalços para convocação erealização da I Confecom, a con-ferência foi um grande sucesso.Primeiro pela enorme mobilizaçãoque gerou durante todo o ano epelas múltiplas oportunidadespúblicas para um debate que eraquase tabu no Brasil. Sem contaros inúmeros encontros prepara-

tórios e reuniões esparsas de in-teressados no tema. Somente nasetapas municipais e estaduaisda Confecom participaram ofi-cialmente cerca de 30 mil pes-soas para que fossem eleitos os1.684 delegados (20% repre-sentantes do poder público,40% da sociedade civil não-em-presarial como ONGs, sindica-tos e movimentos sociais; e 40%dos empresários do setor).

Ao todo, foram aprovadas 672propostas, das quais somente 71tiveram de ir à votação na plená-ria final, por tratarem de temasdivergentes, e 601 receberammais de 80% de aprovação aindanos grupos de trabalho, tornan-do desnecessária a votação (a listacompleta pode ser baixada no

Plenária cheia: 20% dos participantes eram do poder público, 40% da sociedade civil, Ongs e sindicatos e 40% de empresários do setor

Democracia da Mídia

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 29http://sisejufe.org.br

das comunicações no Brasilendereço http://w w w . c o n f e c o m . c o m . b r /propostas_aprovadas ). O própriocritério de votação foi uma vitóriaem si, já que no momento de aber-tura dos trabalhos os grandesempresários tentaram novamen-te mudar o regimento internopara ter mais controle sobre oschamados “temas sensíveis” antesda plenária. Com alguma flexibili-dade e muita maturidade as par-tes conseguiram chegar a umacordo que garantiu a instalaçãoe a continuidade da conferência.

“O grande saldo da Confecomfoi mesmo a pavimentação de umaestrada de diálogo entre os dife-rentes seguimentos da comunica-ção que certamente permitiránovos avanços políticos no setor”,acredita Renato Rovai, editor darevista Fórum e um dos articula-dores do grupo de “empresáriosprogressistas” que participou doevento. “Pode não ser tudo o queesperávamos, mas não se con-quista o céu por decreto e o pro-cesso democrático de fato deman-da tempo, organização e amplia-ção dos campos de debate”. Nes-se sentido, segundo ele, foi fun-damental a atuação dos 20 “em-presários progressistas” paulistase de mais cerca de 20 vindos deoutros estados que estavam ideo-logicamente mais alinhados aosmovimentos sociais.

Entre as propostas importantesaprovadas na Confecom, Rovaicita algumas que sequer precisampassar pelo Congresso para seremefetivadas. “Com o aval de mais de80% de aprovação por parte deempresários, ONGs e do própriogoverno, propostas como a dacriação do Conselho Nacional deComunicação Social, que neces-sita apenas de um despacho oudecreto do Executivo, ganhamcondições políticas para viraremrealidade rapidamente”, diz. “Omesmo pode acontecer com a

descriminalização das rádios co-munitárias e a retirada do poderde fechamento pela Policia Fede-ral, ou a melhor distribuição dapropaganda governamental emveículos regionais, ou ainda a pos-sibilidade dos Correios se torna-rem uma alternativa para distri-buição de jornais e revistas, que-brando o quase monopólio daAbril no setor com a fusão das dis-tribuidoras Dinap e Chinaglia”.

A secretária de Comunicação daCUT Nacional, Rosane Bertotti,que fez parte do Comitê de Orga-nização da Confecom, segue pelamesma linha. “Foi uma conferên-cia bem diferente das outras quetiveram participação da CUT, comnecessidade muito maior de ma-

turidade, diálogo e negociaçãocom os diversos setores da socie-dade representados”, analisa.“Mas mesmo propostas importan-tes para nós que não foram apro-vadas na votação final, como porexemplo o ‘direito de antena’ parao movimento sindical garantir es-paço dentro da programação dasTVs privadas, tiveram mais de 55%dos votos, o que cria uma possibi-lidade real de conquistarmos essedireito mais à frente”. Ela lembraque na Argentina o povo teve de iràs ruas para o governo conseguiraprovar a nova lei de comunica-ções do país e que talvez isso tam-bém seja necessário no Brasil.“Mas para isso precisamos nosrearticular já a partir do FórumSocial Mundial, no final do mês

em Porto Alegre, e seguir mobili-zados para garantir a implanta-ção, ainda esse ano, do ConselhoNacional de Comunicação Social,da regulamentação das rádios co-munitárias e da exigência de for-mação profissional em comunica-ção”, afirma. “Além dessa pautaprioritária, devemos também ini-ciar os preparativos para II Con-fecom em 2012”.

Um dos coordenadores do Co-letivo Intervozes, grupo atuantena luta pela democratização dosmeios de comunicação, JoãoBrant também acredita ser funda-mental manter e fortalecer a mo-bilização conquistada na I Confe-com. “A conferência provou queé possível debater os diferentespontos de vista sobre a comuni-cação e que apesar das divergên-cias, até por interesses comerci-ais ou de poder político, há umgrande espaço para mudançasconsensuais”, atesta. “Temos demanter e ampliar esse saldo orga-nizativo da sociedade civil não-empresarial para batalhar pelaimplementação das propostas epara isso já estamos começandoa organizar novas reuniões esta-tuais”. Para Brant, as propostasaprovadas por consenso repre-sentam um enorme avanço e defi-nem uma boa agenda para temascomo um novo marco regulató-rio para as concessões e renova-ções de concessões de rádio deTV; para o fornecimento de ban-da larga de internet em regimepúblico; para o fortalecimento dosistema público de comunicação;para o incentivo à produção naci-onal e regional (cujas propostasainda precisam ser melhor tra-balhadas); a proibição da pro-priedade cruzada de meios decomunicação; a imposição dorespeito ao Estatuto da Criançae do Adolescente na propagan-da; a garantia de tratamentocondigno para mulheres, ne-gros e população LGBT; etc.

Brant: “É possível debater pontos de vista apesar de divergências”

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Desde que o presidente LuizInácio Lula da Silva anunciou aconvocação da I ConferênciaNacional de Comunicação, du-rante o Fórum Social Mundial emBelém, em janeiro de 2009, to-dos que lutamos de alguma for-ma pela democratização do se-tor sabíamos que essa seria umabatalha provavelmente de pou-cos resultados. Isso se a confe-rência afinal saísse do papel.Uma discussão mais séria dessesetor reivindicada pela socieda-de pelo menos desde a Consti-tuinte de 1988, que levou à cria-ção do Fórum Nacional da De-

mocratização da Comunicação(FNDC). Os debates, entretanto,ficaram praticamente restritosao meio acadêmico e a algumasentidades da sociedade civil esindicatos. Uma pressão maiorpela conferência, seguindo omodelo de outros setores comoo dos direitos humanos, saúde,cultura, etc, só se instalaria apósa chegada do PT ao governo fe-deral e com mais força há cer-ca de quatro anos (já foram re-alizadas 60 conferências no go-verno Lula). Ainda assim, devi-do a resistências dentro do pró-prio governo, em especial na-quele que teoricamente deve-ria ser o primeiro interessadona Confecom, o Ministério das

Comunicações, a convocaçãooficial levaria mais três mesespara ser publicada, em abril,com o tema “meios para a cons-trução de direitos e cidadaniana era digital”.

Em maio, R$ 6,5 milhões dosR$ 8,2 milhões destinados aoevento foram “contingenciados”e somente após muita pressãodos movimentos sociais a dota-ção foi recomposta por meio doProjeto de Lei 27/2009, aprova-do pelo Congresso Nacional emagosto. A pendenga só foi deci-dida pela interferência direta dopresidente e pela participação demais duas secretarias com sta-tus de ministérios na organiza-

Uma conferência sempre na corda bamba.

Texto e fotosVinicius Souza e Maria Eugênia Sá

Democracia da Mídia

A Confecom finalmente saiu do papel. Após grande pressão do movimento social, os recursos foram liberados para organizar a conferência

ção da Confecom: a Secretariade Comunicação Social e a Se-cretaria-Geral da Presidência daRepública. Os prazos para reali-zação das etapas municipais eestaduais, entretanto, eram mí-nimos, levando mesmo entida-des da sociedade civil a cogita-rem adiar a conferência para2010. E o próprio Lula mudoumais tarde a agenda final (da pri-meira para a terceira semana dedezembro) de modo a poder fa-zer o discurso de abertura.

Um segundo grande impassese deu na definição do regimen-to interno da Confecom, já emagosto. No dia 13 daquele mês,as seis principais entidades do

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empresariado (representandopraticamente todas as grandesfamiglias do mercado), abando-naram o processo. Os represen-tantes da Associação Brasileirade Emissoras de Rádio e Televi-são (Abert), da Associação Brasi-leira de Internet (Abranet), daAssociação Brasileira de TVs porAssinatura (ABTA), da AssociaçãoNacional dos Editores de Revis-tas (Aner), da Associação dosJornais do Interior (Adjori) e daAssociação Nacional dos Jornais(ANJ) alegaram que “a defesa deprincípios como liberdade deexpressão, direito à informaçãoe legalidade foi entendida poroutros interlocutores da comis-são organizadora como um obs-

táculo à confecção do regimen-to interno e do documento-basede convocação das conferênci-as estaduais, que precedem anacional”.

Ainda assim, os grandes em-presários conseguiram uma re-presentação de 40% nos delega-dos na conferência, muito mai-or do que de fato o setor possuina sociedade brasileira. E en-quanto Globo, Record, SBT, Es-tadão, Folha e outros se recusa-vam a discutir, a Associação Bra-sileira de Radiodifusão (Abra),que reúne o Grupo Bandeiran-tes e a Rede TV! e a Telebrasil,entidade de operadoras de tele-fonia como a Tim, a Telefônica,a Vivo, a Claro, a Oi etc, perma-neceram no debate com aindamais força, praticamente garan-tindo um poder de veto parapropostas fora dos interessesempresariais. Esse foi o preçoinicial para se manter a repre-sentatividade de todos os seto-res da sociedade. Foram-se asentidades, mas ficou o lobby.

Ao mesmo tempo, estados go-vernados pela oposição ao go-verno federal e alguns no nortedo país boicotavam ou tinhamdificuldades em convocar asconferências municipais e esta-duais que elegeriam os delega-dos para a etapa nacional e

definiriam um conjunto de pro-postas-base. Sem representativi-dade de todo o Brasil, a confe-rência estava novamente em pe-rigo. Enquanto estados comoPará e Paraná deram todo apoioao processo, no Rio Grande doSul, Santa Catarina e Tocantins,as conferências por pouco nãodeixaram de acontecer. Umexemplo claro é o governador/candidato José Serra, que sim-plesmente “perdeu o prazo” de15 de setembro para convocara etapa paulista da Confecom.

Sem representaçãoCom isso, a Assembléia Legis-

lativa, a segunda na linha para aconvocação, teve apenas cincodias para organizar o evento emSão Paulo, atrás de 19 outrosestados e do Distrito Federal.Outro problema foi o peso darepresentação estadual na con-ferência nacional. Apesar depossuir cerca de 23% da popu-lação do país, São Paulo foi oúnico a não ter uma representa-ção proporcional à sua popula-ção, elegendo apenas 13% dosdelegados da Confecom.

A última tentativa por partedos empresários de controlar oprocesso antes do encontro fi-nal em Brasília, entre 14 e 17 dedezembro, se daria também em

São Paulo. Diferente de outrosestados em que os representan-tes da “sociedade civil empresa-rial” eram quase que invariavel-mente empregados das Teles oudas retransmissoras da Band e daRede TV!, jornalistas independen-tes que foram “terceirizados” nasredações e obrigados a montarmicro-empresas para continuartrabalhando se organizaram numgrupo de “empresários progres-sistas” com posições mais próxi-mas da “sociedade civil não em-presarial” e conseguiram garan-tir quase metade das inscriçõesna etapa estadual.

Com isso, deveriam ter direi-to a eleger cerca de 40 dos 84delegados do setor empresari-al. As Teles, contudo, “ofereci-am” dez vagas, dizendo que“estava bom demais”. Foi preci-so os pequenos empresáriosameaçarem entrar na justiça eparar a conferência para quehouvesse um acordo que ga-rantiu aos “progressistas” ape-nas 20 delegados para a etapafinal. Mas esse número, junto aoutros empresários “indepen-dentes”, iria funcionar comoum fiel da balança e como pon-to médio entre posições maisfechadas do governo, setoresmais radicais do movimentosocial e chantagens dos gran-des empresários.

Impasses quase inviabilizam o evento

Bancada dos empresários progressistas: o fiel da balança

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32 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

A movimentação em torno daConfecom foi tão intensa e osresultados tão evidentes, que nofinal não pôde ser ignorada pelaGrande Mídia, apesar das abor-dagens “equivocadas”. Enquan-to os mais raivosos como DiogoMainard e Reinaldo Azevedo(Veja) berravam que a conferên-cia seria um fracasso como to-das as iniciativas anteriores dogoverno Lula de “censurar osmeios de comunicação”, o jor-nal O Globo (e também o JornalNacional da Globo com menosênfase) trazia editorial “infor-mando” que as propostas apro-vadas seriam todas “de vezo in-constitucional” e alertava sobreoutros processos bem sucedi-dos também surgidos de “con-ferências com tinturas demo-cráticas” na Venezuela, Equa-dor e Argentina.

Já o Estadão, chegou a louvaras propostas de regulamenta-ção dos Artigos 220 e 221 daConstituição (que tratam respec-tivamente da proibição de mo-nopólios/oligopólios e da pro-gramação de rádios e TVs) paraem seguida gritar contra a novaproposta para um Conselho Fe-deral de Jornalismo, que eles

Não importa o que digam Fo-lhas, Globos, Bands e Vejas. Fa-tos são fatos. E o fato é que todaa “polêmica” com os militaresem torno do lançamento do IIIPlano Nacional de Direitos Hu-manos não levou a um recuo dogoverno, mas sim a um grandeavanço na edição de um novodecreto para a instalação doGrupo de Trabalho para orga-nizar e instituir a Comissão daVerdade, que deverá colocar empratos limpos as violações dosdireitos humanos durante a di-tadura. A questão se torturado-res e assassinos fardados serãofinalmente julgados ou estão soba proteção da Lei de Anistia, jáestá nas mãos do Supremo Tri-bunal Federal, que deve decidirem breve sob os olhos ainda maisatentos da população. Recuo ouderrota seria a revogação do

Grande mídia faz cobertura tendenciosachamaram de “exumação deuma ameaça”.

Depois de toda a “polêmica”inventada pelos jornalões emcima do Plano Nacional de Di-reitos Humanos, o próximoalvo de acusações de “cercea-mento da liberdade de expres-são” deve ser a II ConferênciaNacional de Cultura, marcadapara março. Afinal, o encontrodeverá trazer novamente emsuas propostas expressõesmalditas para a direita conser-vadora como “controle socialda mídia”, “quebra do mono-pólio dos meios de comunica-ção”, “necessidade de umaprogramação regionalizada”,“maior atuação do Estado”, etc.

Num ano eleitoral em que aoposição não tem uma propostaalternativa de governo que pos-sa seduzir o eleitorado, a GrandeMídia certamente continuará in-vestindo na desinformação e nomedo que parcelas da populaçãoteriam do que eles denominamde “autoritarismo populista” queviria de uma democracia mais di-reta, com maior participação efe-tiva da população, como ocorrenas conferências nacionais.2010 promete!

A comunicação como Direito Humano

decreto para sua modificação ereedição, o que não aconteceu.

Exatamente ao contrário dis-so, o PNDH-3 representa, na ver-dade, uma das primeiras vitóri-as concretas da Confecom. Afi-nal, apesar de oriundo de um ou-tro processo mais consolidadopor 11 Conferências de Direitos

Humanos já realizadas e estarem sua terceira versão (enquan-to a Confecom ainda não pro-duziu qualquer “plano nacionalde comunicação”), o texto trazno título de sua diretriz 22: a“garantia do direito à comuni-cação democrática e ao acessoà informação para a consolida-ção de uma cultura de direitos

humanos.” Ora, o acesso à co-municação como direito hu-mano, é uma das novas ban-deiras do movimento pela de-mocratização nas comunica-ções e foi exaustivamente de-batido nas reuniões prepara-tórias da Confecom e nas eta-pas municipais e estaduais. Epropostas nesse sentido foramdevidamente aprovadas ou porconsenso (mais de 80% dos de-legados nos Grupos de Traba-lho) ou na plenária final da con-ferência (por exemplo as pro-postas 630 e 635 do GT-10). Otema sem dúvida estará na pau-ta de outras conferências,como a de Cultura a ser reali-zada em março, e está criandouma massa crítica que não odeixará ser ignorado nem pelaGrande Mídia, nem pelo pró-prio Congresso Nacional.

Credenciamento: 1.684 delegados eleitos para a conferência

Grupos de trabalho: 601 propostas receberam 80% de aprovação

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 33http://sisejufe.org.br

Fulgêncio Torcedor arco-íris denuncia conspiração para entregar Hexa de mão beijada ao Mengão

Fulgêncio Pedra Brancaé alcoólatra, hipocondríaco e

escreve de graça para estapágina por falta de coisa mais

útil que fazer.

Além de escritor diletante, jor-nalista desempregado, alcoóla-tra, hipocondríaco, bipolar emitômano, tenho outro vício:sou torcedor fanático daqueletime cuja torcida se chama Na-ção. Mas, como sou um homemsério, ciente de minhas obriga-ções, recebi uma denúncia anô-nima, de um agente da torcidaarco-íris que prova por A maisB que o Hexa foi armado para oFlamengo. São provas irrefutá-veis! Na próxima coluna vouprovar que Elvis não morreu,que Michael Jackson era agen-te da KGB e que Vinícius de Mo-raes, na verdade, simulou terpartido desta para melhor paraviver com suas nove esposasnum protetorado muçulmano.Então vamos à carta recebidacom os fatos:

“Caro Fulgêncio, aqui vai de-núncia muito séria sobre arma-ção feita para o Flamengo serhexacampeão brasileiro, assi-nado, Torcedor Arco-íris Can-sado de ser Vice.

Senhor Fulgêncio, não adian-ta negar, mas este campeonato

Flamengo ganhou um título arranjado

foi arranjado para o Flamengo.

Vejamos os fatos:

- O Flamengo teve a melhorcampanha do 2º turno, alcan-çando desta maneira a lide-rança.

- O Flamengo teve a 2ª melhordefesa do campeonato.

- O Flamengo tem o artilheirodo campeonato e o craque docampeonato: Adriano e Pet.

- O Flamengo tem apenas 1derrota nas últimas 16 rodadas(11 vitórias, 4 empates e 1 der-rota) e está invicto nas 5 últimas(4 vitórias e 1 empate).

- O Internacional perdeu de4x0 no Maracanã com time mis-to para ajudar o Flamengo.

- O Atlético-MG perdeu emcasa, com gol olímpico de Pet,diante de 65 mil torcedores, sópara ajudar o Flamengo.

- O Santos perdeu em casa sópra dar o título para o Flamengo.Aliás, no jogo do Maracanã, omeia do Santos perdeu 2 pênal-tis só para ajudar o Flamengo.

- O Lúcio Flávio, do Botafogo,perdeu um pênalti só para aju-dar o Flamengo.

- O Náutico perdeu em casa,aceitando assim, ser rebaixado,só para ajudar o Flamengo.

- O Palmeiras, até então líderdo campeonato, perdeu em casa,com gol olímpico de Pet, só paraajudar o Flamengo. E o VagnerLove ainda ajudou chutando umpênalti longe, já pensando em irpara o Mengão.

- O Corinthians que vinha dederrotas consecutivas para tima-ços como Náutico, Santo Andrée Avaí, só não ganhou do Fla-mengo para dar o título ao Ru-bro-Negro Carioca.

- E, até (pasmem) o São PauloFashion Week perdeu pro Goiásde propósito, abrindo mão dotetra consecutivo, porque tinhaem mente ajudar o Flamengo.

c- Além disso o São PauloFashion Week nos dois jogoscom o Flamengo empatou o deSP e perdeu o jogo no Rio

- Para culminar esse HEXA dis-

cutível, o Grêmio, time de piorcampanha como visitante (11derrotas e apenas 1 vitória em18 jogos), contrapondo sua óti-ma campanha no Olímpico, jo-gou com time misto, como o In-ternacional fez no Maracanã,para ajudar o Flamengo.

Concluímos, a partir dos da-dos supracitados, que o Estadodo Rio Grande do Sul mancomu-nado com a CIA, o FBI, a Abin, aAnvisa, a CBF, a Fifa, o STF, aNasa, o Obama e a ComunidadeEuropeia conspiraram para daro HEXA ao Flamengo”.

Diante de fatos irrefutáveiscomo este, só me resta denunci-ar a marmelada que foi este mi-lionésimo título para o únicotime que tem uma torcida quese chama Nação.

E que em 2010 venham mais"marmeladas" como esta!

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34 Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010http://sisejufe.org.br

Falcatrua da senadora Kátia Abreu

Não se sabe ao certo a defini-ção do que é “conhecer bem oMST”, contudo, podemos fazeralgumas suposições. A primeiraé que os entrevistados de algummodo estiveram em assentamen-to conhecem o funcionamentoou processos educativos e cul-turais desenvolvidos. Com isso,teriam elementos para opinar. Amais provável é que os entrevis-tados acompanham a cobertu-ra da mídia, especialmente datelevisão, sobre o MST.

A velhinha de Taubaté seriacapaz de prever os resultados depesquisa encomendada pela se-nadora Kátia Abreu (DEM/TO),postulante a líder dos ruralistas.O caráter panfletário e manipu-lador são expostos em questões,que revelam as verdadeiras in-tenções. Exemplos foram as per-guntas, se o entrevistado con-corda ou discorda que “quem jápossui propriedade hoje tem di-

reito de escolher se quer ou nãoproduzir nela”, ou se o mesmoestá de acordo com a seguintefrase: “o que lhe pertence nin-

guém pode tomar”. Como a gran-de maioria concordou, 77% e87% respectivamente, a CNA pre-tende reiterar que a ocupaçãode terra é crime.

Com os burros n’água

Além de tratar questões polí-ticas e sociais com uma pers-pectiva dissimulada, tenta legi-timar a violência dos proprietá-rios rurais. A pretensão deu comos burros n’água. Cerca de 60%dos entrevistados não concor-dam que latifundiários utilizemdos seus meios para evitar ocu-pações. Os contratantes dapesquisa devem ter ficado de-sapontados. Há mais uma ten-tativa desesperada dos ruralis-tas de relacionar o GovernoLula ao MST, insinuando queas ocupações são financiadascom recursos públicos. Porém,35% acreditam que o governo

é desfavorável ao MST, supe-rado apenas pela mídia, 40%, eo Congresso, 41%.

Também pondera ao públicosobre os objetivos do MST, quesegundo o Ibope são três: a lutapela terra; a distribuição de ren-da e a busca por uma sociedademais justa e igualitária. A CNAgostaria de saber se o seu dis-curso conservador e contra ospobres tinha ressonância, ou sea causa do MST era vista comojusta. E 88% dos entrevistadosconcordam com os objetivosdescritos, enquanto 58% achamque o MST é legítimo porque sãotrabalhadores querendo terrapara trabalhar. Os ruralistas sedefrontam com a legitimidadeda reforma agrária na socieda-de e que a maioria da popula-ção considera justa a sua causa.

Logo depois da aprovação do requerimento

de abertura de uma nova CPMI no Congresso

contra o MST, a Confederação Nacional de

Agricultura (CNA) encomendou pesquisa ao

Ibope, que ouviu 2.002 pessoas de todas as

regiões do país, entre 12 e 16 de novembro

de 2009. Para criar novo fato político e tentar

desmoralizar o MST, a pesquisa CNA/Ibope

contou com habitual complacência das

principais emissoras de TV e grandes jornais

impressos. O destaque dado foi que 60% dos

brasileiros desaprovariam o MST. Somente

20% afirmaram conhecer bem o MST,

enquanto 73% declararam conhecer pouco.

Os ruralistas sedefrontam coma legitimidadeda reformaagrária nasociedade e quea maioria dapopulaçãoconsidera justaa sua causa.

CNA encomenda pesquisa para tentar legitimar violência dos ruralistasNacional

Jeansley Lima*

*Mestre em História Socialpela Universidade de Brasília.

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 35http://sisejufe.org.br

Eduardo Galeano*

A democracia haitiana nasceuhá um instante. No seu breve tem-po de vida, esta criatura faminta edoentia não recebeu senão bofe-tadas. Era uma recém-nascida,nos dias de festa de 1991, quan-do foi assassinada pela quartela-da do general Raoul Cedras. Trêsanos mais tarde, ressuscitou. De-pois de haver posto e retirado tan-tos ditadores militares, os EstadosUnidos retiraram e puseram opresidente Jean-Bertrand Aristide,que havia sido o primeiro gover-nante eleito por voto popular emtoda a história do Haiti e que tive-ra a louca ideia de querer um paísmenos injusto.

Para apagar as pegadas da par-ticipação estado-unidense na di-tadura sangrenta do general Ce-dras, os fuzileiros navais levaram160 mil páginas dos arquivos se-cretos. Aristide regressou acor-rentado. Deram-lhe permissãopara recuperar o governo, masproibiram-lhe o poder. O seu su-cessor, René Préval, obteve quase90 por cento dos votos, e maispoder do que Préval tem qualquerchefete de quarta categoria doFundo Monetário ou do BancoMundial, ainda que o povo haitia-no não o tenha eleito nem sequercom um voto.

Mais do que o voto, pode oveto. Veto às reformas: cada vezque Préval, ou algum dos seusministros, pede créditos interna-cionais para dar pão aos famin-tos, letras aos analfabetos outerra aos camponeses, não re-cebe resposta, ou respondemordenando-lhe: “Recite a lição.E como o governo haitiano nãoacaba de aprender que é preci-so desmantelar os poucos servi-ços públicos que restam, últimospobres amparos para um dospovos mais desamparados do

Internacional Em 1803 os negros do Haiti deram tremenda sova nastropas de Napoleão e a Europa jamais perdoou esta humilhação

Os pecados do Haiti

mundo, os professores dão oexame por perdido”.

Em fins do ano passado, quatrodeputados alemães visitaram oHaiti. Mal chegaram, a miséria dopovo feriu-lhes os olhos. Então oembaixador da Alemanha expli-cou-lhe, em Porto-Príncipe, qualé o problema: “Este é um país su-perpovoado”, disse ele. “A mulherhaitiana sempre quer e o homemhaitiano sempre pode”.

E riu. Os deputados calaram-se.Nessa noite, um deles, WinfriedWolf, consultou os números. Ecomprovou que o Haiti é, com ElSalvador, o país mais superpovo-ado das Américas, mas está tãosuperpovoado quanto a Alema-nha: tem quase a mesma quanti-dade de habitantes por quilôme-tro quadrado. Durante os seusdias no Haiti, o deputado Wolf nãosó foi golpeado pela miséria comotambém foi deslumbrado pela ca-pacidade de beleza dos pintorespopulares. E chegou à conclusãode que o Haiti está superpovoa-do... de artistas. (...)

O Haiti fora a pérola da coroa, acolônia mais rica da França: umagrande plantação de açúcar, commão-de-obra escrava. No “Espíri-to das leis”, Montesquieu haviaexplicado sem papas na língua: “Oaçúcar seria demasiado caro se osescravos não trabalhassem na suaprodução. Os referidos escravossão negros desde os pés até à ca-beça e têm o nariz tão achatadoque é quase impossível deles terpena. Torna-se impensável queDeus, que é um ser muito sábio,tenha posto uma alma, e sobretu-do uma alma boa, num corpo in-teiramente negro”. Em contrapar-tida, Deus havia posto um açoitena mão do capataz. (…)

Em 1803 os negros do Haitideram uma tremenda sova nastropas de Napoleão Bonaparte ea Europa jamais perdoou estahumilhação infligida à raça bran-ca. O Haiti foi o primeiro país livredas Américas. (…) Então começouo bloqueio. (…) Nem sequer Si-món Bolívar, que tão valente sou-be ser, teve a coragem de firmar oreconhecimento do país negro. O

governo haitiano havia-lhe entre-gue sete nave e muitas armas esoldados, com a única condiçãode que libertasse os escravos, ideiaque não havia ocorrido ao Liber-tador. Bolívar cumpriu com estecompromisso, mas depois da suavitória, quando já governava aGrande Colômbia, deu as costasao país que o havia salvo.

(...)O Haiti já estava em mãosde ditaduras militares carnicei-ras, que destinavam os faméli-cos recursos do país ao paga-mento da dívida francesa. A Eu-ropa havia imposto ao Haiti aobrigação de pagar à Françauma indenização gigantesca, amodo de perdão por haver co-metido o delito da dignidade.

A história do assédio contra oHaiti, que nos nossos dias tem di-mensões de tragédia, é tambémuma história do racismo na civili-zação ocidental. Este artigo en-contra-se em http://resistir.info/galeano/haiti_18jan10.html

*Jornalista e escritor uruguaio

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Em seu último discurso, noHaiti, a médica Zilda Arns pe-diu que os agentes sociais lo-cais se unissem na luta pelaproteção à infância e na co-brança de políticas públicaspara saúde e educação. Fun-dadora e coordenadora inter-nacional da Pastoral da Crian-ça, Zilda morreu no terremo-to que arrasou o país caribe-nho dia 12 de janeiro, apósproferir uma palestra paracerca de 150 pessoas em umaigreja de Porto Príncipe. Amédica participava de umaconferência de religiosos, efoi ao Haiti para motivar osagentes e voluntários da en-tidade no país caribenho. Emnota, o senador Flávio Arns(PSDB-PR), sobrinho de Zilda,informou que a médica foiatingida na cabeça e morreuna hora. Ela não ficou soter-rada – o restante do corponão apresentava qualquertipo de ferimento.

Médica pediatra e sanitaris-ta, irmã de Dom Paulo Evaris-to Arns, foi também fundado-ra e coordenadora internaci-onal da Pastoral da Criança e

Missão cumprida de Zilda Arns

Internacional A pastoral acompanhou 1.816.261 crianças menores de seis anos e1.407.743 de famílias pobres em 4.060 municípios brasileiros.

da Pastoral da Pessoa Idosa,organismos de ação social daConferência Nacional dos Bis-pos do Brasil (CNBB). Recebeu

diversas menções especiais etítulos de cidadã honorária nopaís. Da mesma forma, à Pas-toral da Criança foram con-

cedidos diversos prêmiospelo trabalho que vem desen-volvido desde a sua fundação.

Sua experiência fez comque, em 1980, fosse convida-da a coordenar a campanhade vacinação Sabin, para com-bater a primeira epidemia depoliomielite, que começou emUnião da Vitória, no Paraná,criando um método próprio,depois adotado pelo Ministé-rio da Saúde. Em 1983, a pe-dido da CNBB criou a Pastoralda Criança.

No mesmo ano, deu início àexperiência a partir de um pro-jeto-piloto em Florianópolis.Após 25 anos, a pastoral acom-panhou 1.816.261 criançasmenores de seis anos e1.407.743 de famílias pobresem 4.060 municípios brasilei-ros. Neste período, mais de261.962 voluntários levaramsolidariedade e conhecimentosobre saúde, nutrição, educa-ção e cidadania para as comu-nidades mais pobres, criandocondições para que elas se tor-nem protagonistas de sua pró-pria transformação social.

A direção Executiva Nacio-

nal da CUT, reunida em São

Paulo, dia 19 de janeiro de

2010, reafirmou sua solidarie-

dade às vítimas do terremoto

no Haiti. Decidiu começar

campanha para ajudar na re-

construção daquele país, dan-

do ênfase ao movimento sin-

dical com o recolhimento de

fundos entre os sindicatos bra-

sileiros para serem remetidos

às organizações que a CUT

mantém relações no país. Em

contato com sindicalistas hai-

tianos que fizeram parte da

CUT prepara campanha de solidariedade ao Haitidelegação internacional pre-

sente no 10º Concut, em agos-

to de 2009, a central foi infor-

mada da verdadeira catástrofe

que se abateu sobre o povo.

Muitos sindicalistas morreram,

outros tantos tiveram casas e

locais sindicais destruídos. A

CUT assumiu o compromisso

de reconstrução das organiza-

ções dos trabalhadores e assis-

tir às famílias no Haiti.

A direção da CUT orienta

que os sindicatos filiados con-

tribuam com depósitos no

Banco do Brasil, Agência 3324-

3 conta corrente 956251-6

(SOS Sindical Haiti). A CUT na-

cional vai repassar as doações

às entidades haitianas. A dire-

ção propõe também organizar

brigadas de trabalhadores para

ajudar na reconstrução do Hai-

ti, que precisa de médicos,

enfermeiros, engenheiros e

não de tropas de ocupação,

seja dos EUA, seja da ONU.

Para a direção da CUT, a si-

tuação atual não é uma fata-

lidade, é fruto da super ex-

ploração e pilhagem das

grandes potencias, como a

França e os EUA, sobre o

país que se constituiu na pri-

meira nação negra indepen-

dente do mundo em 1804.

A CUT ressalta que o enor-

me número de vítimas, esti-

ma-se em até 200 mil, e mi-

lhões de desabrigados em um

país de 8 milhões de habitan-

tes) e a amplitude da destrui-

ção é resultado das carências

e precárias condições de in-

fra-estrutura e habitações, em

uma situação em que o de-

semprego atingia mais de 60%

dos trabalhadores.

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Ano III – número 27 – janeiro e fevereiro 2010 37http://sisejufe.org.br

Janice Ascari*

Após sucessivas intervençõesjurídicas incomuns encontra-seagonizando, em estado grave,um dos mais escabrosos casosde corrupção e crimes de cola-rinho branco de que se teve no-tícia no Brasil. A Operação Sati-agraha surpreendeu o país. Nemtanto pelos crimes (corrupção,lavagem de dinheiro e outros),velhos conhecidos de todos, massim pelas manifestações de au-toridades e de instituições pú-blicas e privadas em defesa dosinvestigados. Nunca se viu tama-nho massacre contra os respon-sáveis pela investigação. Em vezdo apoio à rigorosa apuração epunição, buscou-se desacreditare desqualificar a investigaçãocriminal colocando em xeque,com ataques vis e informaçõesorquestradas e falaciosas, o sé-rio trabalho conjunto do Minis-tério Público Federal e da Polí-cia Federal, bem como a atua-ção da Justiça Federal.

O poder tornou vilões os quesempre se pautaram por critéri-os puramente jurídicos e reco-

Nacional “O poder tornou vilões os que sempre se pautaram por critérios puramente jurídicos”

A Justiça está na UTI

locaram a questão no campotécnico, no cumprimento dodever funcional. Pouco se falados crimes e dos verdadeirosréus. Em julho de 2008, decre-tou-se a prisão dos investigadospela possibilidade real de or-questração e destruição de pro-vas. A prisão preventiva do ca-beça da organização foi criteri-osamente determinada em sóli-da decisão, embasada em docu-mentos e em fatos confirmadosnos autos, como a grande somade dinheiro apreendida com osinvestigados, provando ser há-bito do grupo o pagamento depropinas a autoridades.

Apesar de tantas evidências,o presidente do STF revogou aprisão por duas vezes em me-nos de 48 horas. Os fatos cri-minosos, gravíssimos, foramignorados. Pateticamente, oplenário do STF referendou o“HC canguru” (aquele habeascorpus que pula instâncias) evoltou-se contra o juiz, massem a anuência dos ministrosJoaquim Barbosa e Marco Au-rélio, o único que leu e anali-sou minuciosamente as deci-sões de primeiro grau.

Iniciou-se um discurso lendá-rio, inconsequente e retóricopara incutir, por repetição, aideia da existência de um terrí-vel “Estado policialesco” e da“grampolândia” brasileira, umafalação histriônica a partir deum “grampo” que jamais exis-tiu. Alcançou-se o objetivo deafastar policiais experientes, detrabalho nacionalmente reco-nhecido e consagrado: o entãodiretor da Abin foi convidado adeixar o cargo; o delegado dePolícia Federal que presidiu oinquérito foi afastado e correrisco de exoneração.

No apagar de 2009, duas de-cisões captaram a atenção dacomunidade jurídica. A primei-ra, pelo ineditismo: na Reclama-ção 9.324, ajuizada diretamen-te no STF, alegou-se dificuldadede acesso aos autos. O juiz in-formou ter deferido todos ospedidos de vista. Sobreveio a inu-sitada liminar: o ministro ErosGrau determinou que todas asprovas originais fossem desen-tranhadas do processo (!) e en-caminhadas a seu gabinete.Doze caixas de provas viajaramde caminhão por horas a fio erepousam no STF.

A segunda foi a liminar dadapelo ministro Arnaldo EstevesLima (STJ,HC 146.796), na vés-pera do recesso. Por meio dedecisão pouco clara e de ape-nas 30 linhas, apesar da robustamanifestação contrária da Pro-curadoria-Geral da República,todas as ações e investigaçõesda Satiagraha foram suspensase poderão ser anuladas, incluin-do o processo no qual já houvecondenação por corrupção. Aalegação foi de suspeição dojuiz, rechaçada há mais de umano pelo TRF-3ª Região. O réunão recorreu naquela ocasião.Preferiu esperar dez meses paraimpetrar HC no STJ. As duas de-cisões são secretas. Não forampublicadas e não constam dossites do STF e do STJ. Juntas, ful-minam a megaoperação queenvolveu anos de trabalho sério.Reforçam a sensação de impu-nidade para os poderosos, quejamais prestam contas à socie-dade pelos crimes cometidos.

* Procuradora regional daRepública e ex-conselheira

do Conselho Nacional doMinistério Público.

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