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UMA PERSPECTIVA CONCEITUAL DO CONFORTO AMBIENTAL NA ARQUITETURA E A PRIMEIRA FASE DO MODERNISMO BRASILEIRO NAS CIDADES DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO Clara Passaro Martins (1) ; Joana Carla Soares Gonçalves (1) (1) Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética do Departamento de Tecnologia de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Rua do Lago, 872 – Cidade Universitária, cep:05508-900 São Paulo - SP e-mails:[email protected], e-mail:[email protected] RESUMO O modernismo brasileiro, no seu primeiro momento (1930-1960), contemplou questões de conforto ambiental, produzindo inúmeras obras com qualidade bioclimática, reconhecidas internacionalmente. Desde então, a arquitetura brasileira seguiu trôpega nos quesitos de desempenho ambiental, alcançando, há pouco mais de duas décadas, uma carência de soluções projetuais que pudessem responder para os desafios ambientais da arquitetura contemporânea. Desta forma, a pesquisa foi desenvolvida com base em dois objetivos principais. Primeiramente, buscou-se o levantamento de conceitos de conforto ambiental na arquitetura e a evolução de demais aspectos ambientais afins a esse tema, partindo de referências históricas e chegando a discussão atual, mantendo uma perspectiva internacional. Em um segundo momento, realizou-se uma seleção de projetos, incluindo residências, escritórios e escolas com características bioclimáticas, dentro do período auge do modernismo brasileiro, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que foram avaliados qualitativamente tomando- se em consideração aspectos básicos como: orientação solar, tratamento das fachadas e configuração de proteções solares, que, por sua vez, foi sistematizada na forma de fichas de apresentação. Os resultados são uma leitura objetiva das colocações conceituais do conforto ambiental na arquitetura, somada a uma apresentação crítica de uma série de projetos do modernismo brasileiro. ABSTRACT The Brazilian Modern Movement considered issues of environmental comfort in its first period (1930- 1960), generating a number of buildings from a bioclimatic architecture, recognized worldwide. Around two decades ago, Brazilian architecture fell in a decaying stage for environmental criteria, getting into a phase of shortage of design ideas that could respond to the contemporary buildings’ environmental challenges. Hence, the under-graduate research (which is the basis for this article) was structured around two objectives. Firstly, it was developed a literature review on concepts of environmental comfort and the evolution of other related environmental aspects, starting from historical references until the introduction of the current discussion. In a second moment, it was carried out a selection of buildings and projects, including residences, offices and schools, from the pick of the Brazilian Modern Movement in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, with bioclimatic features. Such case studies were qualitatively assessed taking into consideration basic aspects, such as: solar orientation, treatment of facades and configuration of shading devices. This evaluation was systemized in presentation files. The outcomes are a summary of concepts of environmental comfort in architecture, added to a critical review of examples from the Brazilian Modern Movement. 1. INTRODUÇÃO Lúcio Costa em seu texto Arquitetura Bioclimática (COSTA, 1983), revela as preocupações de um arquiteto brasileiro sobre o impacto ambiental da arquitetura. Esse texto cabe em considerações atuais da arquitetura, de como projetos são concebidos, executados e, posteriormente, utilizados. “Cabe - 1143 -

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UMA PERSPECTIVA CONCEITUAL DO CONFORTO AMBIENTAL NA ARQUITETURA E A PRIMEIRA FASE DO MODERNISMO

BRASILEIRO NAS CIDADES DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO

Clara Passaro Martins(1); Joana Carla Soares Gonçalves(1) (1) Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética do Departamento de Tecnologia de

Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Rua do Lago, 872 – Cidade Universitária, cep:05508-900 São Paulo - SP

e-mails:[email protected], e-mail:[email protected]

RESUMO

O modernismo brasileiro, no seu primeiro momento (1930-1960), contemplou questões de conforto ambiental, produzindo inúmeras obras com qualidade bioclimática, reconhecidas internacionalmente. Desde então, a arquitetura brasileira seguiu trôpega nos quesitos de desempenho ambiental, alcançando, há pouco mais de duas décadas, uma carência de soluções projetuais que pudessem responder para os desafios ambientais da arquitetura contemporânea. Desta forma, a pesquisa foi desenvolvida com base em dois objetivos principais. Primeiramente, buscou-se o levantamento de conceitos de conforto ambiental na arquitetura e a evolução de demais aspectos ambientais afins a esse tema, partindo de referências históricas e chegando a discussão atual, mantendo uma perspectiva internacional. Em um segundo momento, realizou-se uma seleção de projetos, incluindo residências, escritórios e escolas com características bioclimáticas, dentro do período auge do modernismo brasileiro, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que foram avaliados qualitativamente tomando-se em consideração aspectos básicos como: orientação solar, tratamento das fachadas e configuração de proteções solares, que, por sua vez, foi sistematizada na forma de fichas de apresentação. Os resultados são uma leitura objetiva das colocações conceituais do conforto ambiental na arquitetura, somada a uma apresentação crítica de uma série de projetos do modernismo brasileiro.

ABSTRACT

The Brazilian Modern Movement considered issues of environmental comfort in its first period (1930-1960), generating a number of buildings from a bioclimatic architecture, recognized worldwide. Around two decades ago, Brazilian architecture fell in a decaying stage for environmental criteria, getting into a phase of shortage of design ideas that could respond to the contemporary buildings’ environmental challenges. Hence, the under-graduate research (which is the basis for this article) was structured around two objectives. Firstly, it was developed a literature review on concepts of environmental comfort and the evolution of other related environmental aspects, starting from historical references until the introduction of the current discussion. In a second moment, it was carried out a selection of buildings and projects, including residences, offices and schools, from the pick of the Brazilian Modern Movement in the cities of São Paulo and Rio de Janeiro, with bioclimatic features. Such case studies were qualitatively assessed taking into consideration basic aspects, such as: solar orientation, treatment of facades and configuration of shading devices. This evaluation was systemized in presentation files. The outcomes are a summary of concepts of environmental comfort in architecture, added to a critical review of examples from the Brazilian Modern Movement.

1. INTRODUÇÃO

Lúcio Costa em seu texto Arquitetura Bioclimática (COSTA, 1983), revela as preocupações de um arquiteto brasileiro sobre o impacto ambiental da arquitetura. Esse texto cabe em considerações atuais da arquitetura, de como projetos são concebidos, executados e, posteriormente, utilizados. “Cabe

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agora aos arquitetos, engenheiros e demais profissionais da construção manter vivo o assunto, para que a arquitetura brasileira encontre novos caminhos, compatíveis com a era atual, em que todo esforço deve ser feito para se economizarem materiais de construção e, sobretudo, energia. Para isso, acreditamos que as técnicas bioclimáticas devem constituir-se em temas obrigatórios de ensino e pesquisa nas faculdades de arquitetura, e que os profissionais militantes devem informar-se sobre o assunto, seja através de publicações especializadas, seja mediante a realização de seminários específicos, nos quais apresentem, em detalhe, técnicas arquitetônicas em que as condições ecológicas e bioclimáticas entrem, efetivamente, como variáveis de projeto e construção”.

No Brasil, a arquitetura modernista, no seu período de apogeu entre 1930-1960, contemplou questões de conforto ambiental, produzindo inúmeras obras com qualidade bioclimática reconhecidas internacionalmente. Todavia, notoriamente desde as ultimas três décadas a arquitetura brasileira (seguindo a tendência de toda América Latina) seguiu trôpega nos quesitos ambientais, alcançando um estado de carência de soluções arquitetônicas que considerem os desafios ambientais da arquitetura da atualidade.

Assim, a pesquisa foi desenvolvida com base em dois objetivos principais. Primeiramente, buscou-se o levantamento de conceitos de conforto ambiental na arquitetura e a evolução de demais aspectos ambientais afins a esse tema, partindo de referências históricas e chegando a discussão atual, mantendo uma perspectiva internacional.

Em um primeiro contato com a bibliografia selecionada, foi verificado um amplo conhecimento sobre conforto ambiental, mas uma carência de definições claras e conceituação específica sobre arquitetura sustentável, sendo esse o tema para o qual evoluiu a discussão do conforto na arquitetura. Apenas nas bibliografias mais recentes, a pressão proveniente da disseminação da arquitetura sustentável, ou de baixo impacto ambiental, vem provocando algum posicionamento quanto a possíveis definições. Dessa forma, uma segunda leitura foi proposta, desta vez buscando noções sobre arquitetura bioclimática e arquitetura sustentável, sem que seja reconhecida uma clara intenção de conceituação.

Em um segundo momento, realizou-se uma seleção de projetos, incluindo residências, escritórios e escolas com características bioclimáticas, dentro do período auge do modernismo brasileiro, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que foram avaliados qualitativamente tomando-se em consideração aspectos básicos do projeto de arquitetura, como: orientação solar, tratamento das fachadas e configuração de proteções solares, que, por sua vez, foi sistematizada na forma de fichas de apresentação. Assim, um primeiro conjunto de fichas traz informações sobre o clima da cidade e as recomendações para uma arquitetura bioclimática, seguida de uma análise preliminar de determinados aspectos da arquitetura de um projeto específico. Na seqüência, em um segundo grupo de fichas, ainda referente ao mesmo projeto, o desempenho térmico e iluminoso é aprofundado com o auxilio de ferramentas de simulação e cálculos analíticos simplificados.

Os resultados do trabalho são uma síntese sobre uma leitura objetiva das colocações conceituais do conforto ambiental na arquitetura, somada a uma primeira apresentação crítica e focada de uma série de projetos do modernismo brasileiro. A análise mais detalhada do desempenho ambiental dos projetos (que surgue no segundo grupo de fichas), não foi explorado para todos os casos, uma vez que, de acordo com os propósitos desse trabalho, deu-se ênfase a primeira etapa de avaliação. Com isso, tem-se um banco de projetos apresentados segundo uma análise crítica preliminar, com a finalidade de apoiar estágios iniciais de estudos de arquitetura.

2. A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE ARQUITETURA E CLIMA

Através da leitura da bibliografia fundamental, foi formado um repertório a respeito de conceitos e noções de arquitetura bioclimática, cujas características estão fortemente ligadas ao conforto ambiental e arquitetura sustentável. Nos subitens a seguir, essas informações foram articuladas formando uma seqüência de idéias e conceitos de cada assunto abordado, relacionando trechos chaves das referências bibliográficas.

Cabe informar que não foram realizadas críticas ou comparações entre autores, entretanto foi formada uma compreensão única e básica do assunto através do relacionamento de frases sínteses do pensamento de referência do contexto internacional e nacional.

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Dentro do círculo de autores que, de alguma forma, defendem um modo de vida sustentável, é consenso que as práticas atuais de exploração de recursos e de consumo recorrentes são egoístas e egocêntricas no sentido de desprezarem o futuro e desrespeitarem o ambiente natural. Dessa forma, ter um relacionamento não mais unilateral com o ambiente em que vivemos tornou-se requisito essencial no comprometimento com um futuro próspero, não resultante das atividades inconseqüentes do presente.

2.1 Conforto Ambiental e Estratégias de Projeto

Automóveis, telefones celulares, forno microondas. Esses são poucos exemplos, dentre milhares de inovações tecnológicas, do resultado da busca pelo conforto, que pode ser destrinchado em inúmeras variáveis como praticidade, velocidade, comodidade. Na arquitetura, a busca pelo conforto pode ser traduzida através do conforto ambiental, uma variável resultante da fisiologia humana, ou seja, a resposta que o corpo humano dá às questões ambientais. Em geral, pode-se associar o conforto térmico às situações onde se tem um mínimo de esforço fisiológico para adaptação ao ambiente em questão. Especificamente com respeito ao conforto térmico, a ASHRAE (1992) apresenta a seguinte definição: “that state of mind which expresses satisfaction with the thermal environment”, tendo essa que um caráter oficial internacionalmente. Nesse sentido, a arquitetura pode ser entendida como meio de se trabalhar a relação homem-meio ambiente produzindo-se estímulos e provocando sensações.

O valor ambiental que é agregado ao projeto de arquitetura pelo cuidado com o desempenho das áreas do conforto ambiental é evidenciado nas palavras de um dos mais importantes arquitetos do modernismo no mundo, Louis Kahn: “Arquitetura é uma arte: uma arte visual, uma arte plástica, uma arte espacial. Porém deve-se perceber que a experiência da arquitetura é recebida por todos os nossos sentidos e não unicamente pela visão. Assim, a qualidade do espaço é medida pela sua temperatura, sua iluminação, seu ambiente, e o modo pelo qual o espaço é servido de luz, ar e som devem ser incorporados ao conceito de espaço em si.” (trecho de Louis Kahn, citado no livro “Iluminação e Arquitetura”, de Joana Gonçalves).

O conforto ambiental concentra vários aspectos: qualidade da iluminação e da insolação, temperatura do ambiente favorável, acústica controlada, móveis ergonômicos, ventilação natural. Está comprovado através de pesquisas realizadas (que não serão detalhadas nesse trabalho), que condições ambientais favoráveis colaboram para um melhor rendimento na atividade praticada. Muitos autores exploram a questão de como esse conforto é atingido. Em geral, da forma como os projetos são concebidos atualmente, muita energia é gasta desnecessariamente, que pode ser evitada com a reintrodução de conceitos de uma arquitetura bioclimática e tecnologias para a eficiência energética.

Além da crise energética, marcante na década de 1970, época em que foi publicada a segunda edição do livro de Givone Baruch “Man, Climate and Architecture”, há fatores econômicos e ambientais que motivam uma contenção do gasto energético atual. Conforme explicado, o interesse recente na utilização de energia natural para uso residencial é evidente devido a dois fatores principais: o primeiro é o crescente custo e escassez dos combustíveis convencionais, e o segundo é o desejo de reduzir a poluição do ar causada por combustíveis fósseis.

Depois de colocado e destrinchado o problema, parte-se para uma busca pela solução. Essa busca se torna projeto de pesquisa de muitos autores, que trazem resultados de naturezas diferentes, desde seus aspectos projetuais como de sistemas tecnológicos para os mais variados usos e contextos climáticos. A busca envolve conceitos de projeto, partido arquitetônico, o aprimoramento do conhecimento dos fenômenos físicos que ocorrem nas envoltórias e no ambiente construído, chegando ao campo da tecnologia de projeto, de legislação e de políticas públicas (como no caso da Comunidade Européia).

A exemplo disso, Hagan (2001) destaca a concentração de pesquisas em campos específicos que podem resultar em soluções projetuais sustentáveis. Ela sugere prestar atenção nas atas de qualquer conferencia sobre arquitetura sustentável dos últimos vinte anos, pois é clara a ênfase em disciplinas como: condutividade térmica dos materiais, tecnologia fotovoltaica, simulação computacional ou análise do ciclo de vida. Nesse contexto, Givoni (1976) destaca as possibilidades outras formas de energia, consideradas mais “limpas”: fontes de energia que não são derivadas de combustíveis fóssis ou nucleares, por exemplo, radiação solar, aquecimento noturno por convecção e evaporação de água.

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Com ênfase para o histórico da arquitetura da América do Sul, Evans (1998), coloca a importância de uma mudança com raízes políticas, na qual ferramentas políticas são necessárias para que sejam construídos edifícios com preocupações ambientais na América do Sul, garantindo como resultado simplesmente boa arquitetura.

2.2 O Edifício na Cidade e o Impacto Ambiental da Arquitetura

O tema arquitetura sustentável não se encerra nos limites da edificação, mas cresce na direção do urbano. A cidade é o suporte da arquitetura, ela instiga, direciona, limita, valoriza (ou esconde) suas formas, dá suporte físico, econômico, político, enfim, ambienta a arquitetura. Uma série de estudos mostram o quanto a intervenção humana no ambiente natural, quando desorientada, pode ser maléfica, causadora de desastres e desconfigurações na natureza. Frente a isso posições extremistas negam o cosmopolitismo e aderem a uma vida mais natural, mais próxima ao meio ambiente em suas condições mais simples.

Todavia, sem extremismos, o tema sustentabilidade se desenvolve abraçando a cidade: “De qué forma podria el mundo ser outra cosa que uma suma de significantes tan robustos como las ciudades?”, coloca Pasqual Maragal, no Prólogo do livro de Rogers (ROGERS, 1997). Os centros urbanos são o cenário principal da vida humana. Sua existência jamais fora questionada (por profissionais que defendem idéias sustentáveis), contudo, a forma como ela é construída e utilizada é constantemente alvo de críticas.

A respeito do impacto ambiental urbano, há questões centrais que vem sendo discutidas no ambito internacional e interdisciplinar, que destacam as condições ambientais (e insustentáveis) das cidades, inclusive já inteiramente comprometidas com problemas sociais. A primeira delas é a respeito da expansão dos centros urbanos. Em algumas cidades mundiais, está perdido o controle do crescimento. Desta forma, cresce a necessidade de transportes, e, consequentemente, sua concentração nos centros urbanos mais requisitados.

Tratando-se especificiamente da energia, o uso abusivo de energia, por si só, pode ser argumentado como não ser um fator de preocupação ambiental, mas o uso equivocado e exagerado de combustíveis fósseis provoca poluição atmosférica e degrada o ambiente natural. Quanto aos impactos climáticos, crescimento elevado e desordenado, assim como utilização irracional dos meios de transporte são dois exemplos da ocupação irregular dos centros urbanos, e podem ter implicações como mudanças no microclima urbano, ilhas de calor e poluição atmosférica.

Sobre as questões mencionadas anteriormente, Behling (1996) fornece bons exemplos de fatos que testemunham a devastação ambiental. Dentre eles: morte dos lagos em países escandinavos e ao sul do Canadá; dissipação da fome na África durante as décadas de 1970 e 1980; aumento da pobreza e da subnutrição para uma grande parcela da população mundial; o crescimento na ocorrência de câncer de pele associado com a diminuição da camada de ozônio; e o crescimento do número de pessoas que sofrem de asma em áreas urbanas congestionadas, relacionados ao baixo nível da camada de ozônio e poluição atmosférica.

Em Rogers (1997), Cities for a Small Planet, grande parte do conteúdo do livro foi destinado a uma apresentação de problemas ambientais globais, que comprometem fortemente o futuro, como visto no trecho:“Hacia mediados del próximo siglo escasearán los suministros alimenticios en muchos puntos del planeta.(…)La demanda de agua se dobla actualmente cada veinte años. Incluso si hacemos un uso mejor y más racional de los recursos de agua, los suministros disponibles son prácticamente los mismos que en la era glacial. Las ciudades cada vez tienen que ir más lejos para abastecerse de agua, y ese conflicto – uno de los más antiguos en la historia del hombre – podría llegar a ser peligroso en el futuro.(…) A esto hay que añadir el cambio climático inducido por el hombre. Un cambio que tiene lugar tan lentamente que siquiera lo notamos.”

Desta forma, o problema está colocado e muito bem divulgado. Nesse momento, fica evidente a necessidade de uma busca intensa por soluções tecnológicas e de projeto de menor impacto ambiental, e iniciativas de caráter iconográfico e também de grande escala, que estejam conscientes da importância de um meio ambiente saudável.

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2.3 Conceitos Fundamentais: Arquitetura Bioclimática e Arquitetura Sustentável

É importante, no contexto específico da pesquisa de Iniciação Científica que deu origem a esse artigo, assim como para um entendimento mais completo do assunto, a formulação de uma definição clara da diferença entre os conceitos de arquitetura bioclimática e arquitetura sustentável, visto que, durante o desenvolvimento desses estudos, ambos os conceitos foram aplicados.

Oscar Corbella e Simmos Yannas apresentam uma definição sucinta em relação a esses conceitos, que pode ser enriquecida com a definição dada por Ken Yeang, muito extensa e detalhada, em seu livro “The Green Skyscraper”:

“A Arquitetura Sustentável é a continuidade mais natural da Bioclimática, considerando também a integração do edifício à totalidade do meio ambiente, de forma a torná-lo parte de um conjunto maior. É a arquitetura que quer criar prédios objetivando o aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente construído e no seu entorno, integrando as características da vida e do clima locais, consumindo a menor quantidade de energia compatível com o conforto ambiental, para legar um mundo menos poluído para as próximas gerações.” (CORBELLA e YANNAS, 2003).

“To avoid confusion between what is bioclimatic design and what is ecological design we should clarify the differences. Generally, bioclimatic design is the passive low-energy design approach that makes use of the ambient energies of the climate of the locality to create conditions of comfort for the users of building. (…) Ecological design is a much more complex endeavor (…) the crucial property of ecological design is the connectedness between all activities, whether manmade or natural; this connectedness means that no part of biosphere is unaffected by human activity and that all actions affect each other.” (YEANG, Ken)

Em suma, a arquitetura bioclimática preocupa-se com a inserção da edificação de forma que absorva as exigências climáticas da região implementada, além de preocupar-se com o conforto ambiental. A arquitetura sustentável pode ser considerada uma expansão do conceito da arquitetura bioclimática, apresentando grandes preocupações com o conforto ambiental e com a conservação dos recursos e a eficiência energética.

Algumas dessas preocupações podem ser resolvidas numa edificação primordialmente através de três fatores determinantes do desempenho do projeto: implantação, na qual a direção do sol, dos ventos, do ruído forma uma base sólida de projeto; forma e volume, principalmente no posicionamento das aberturas e, por fim; materiais, que contribuem de duas formas distintas: através do desempenho energético dos mesmos, que é relacionado com o conforto térmico, e através dos impactos ambientais relacionados com o ciclo de vida útil do material ou componente construtivo.

3. ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA E A ABORDAGEM BIOCLIMÁTICA SEGUNDO ASPECTOS DO CONFORTO AMBIENTAL

3.1 Conceituação e Contexto Histórico

Partindo de uma perspectiva histórica internacional, o século 20 deu coordenadas absolutamente inéditas ao mundo provocando transformações radicais e profundas. De acordo com Brito (1955): “Sob o seu signo, registra-se o apogeu da época industrial e técnica, a formação da burguesia e do proletariado, o estabelecimento organizado do capitalismo.” O movimento moderno foi um reflexo de todas essas mudanças, apresentando assim uma relação intrínseca com os aspectos econômicos e sociais da sua época, resultando de um período de grandes novidades, se tornando também uma grande inovação por si só.

Os arquitetos passaram a trabalhar em condições diferentes que seus antecessores: novos materiais à disposição do artista, novas técnicas construtivas, novos clientes, que habitavam uma diferente camada social. A exemplo disso, Gregori Warchavchik, em uma matéria escrita para o Correio da Manhã, no dia 1º de novembro de 1925, discorre sobre princípios importantes que marcaram o movimento: o progresso, a industrialização, a preocupação social.

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Além da visão futurista dos arquitetos modernos, Warchavchik, expõe a repercussão da industrialização na produção arquitetônica, que passou a valorizar a produção em escala de elementos estandardizados. Mais baratas, a construção pré-fabricada permite o acesso de camadas mais inferiores da escala social, principalmente através de investimentos do governo em habitações sociais, e a alta rotatividade valoriza e estimula a própria indústria.

Somado ao discurso sócio-econômico, outro fator que provocou grande mudança foi o progresso nas técnicas construtivas. Bem compreendida a independência entre parede e estrutura, clareia-se uma das intenções do arquiteto moderno, não apenas em relação à liberdade da planta, mas no que diz respeito à fachada, naquele momento, denominada “livre”. Ao transferir as colunatas para o interior do edifício, deixa às fachadas, agora simples vedação, absoluta liberdade de tratamento: do fechamento total ao pano-de-vidro. Dessa maneira, o edifício deixa de ser introspectivo e abre-se para a natureza: “A casa se transforma num poderoso elemento vital. Ela não é mais uma fortaleza contra o meio, mas uma redução poética da natureza. A casa abre as janelas, protege-se da luz, serve-se dos rios, sobe e desce montanhas. E é a casa brasileira que vai buscar na paisagem todos os elementos essenciais para ser original, agradável e bela” (José Lins do Rego, 1952).

Juntamente com o surgimento dessa nova concepção arquitetônica, no Brasil surgem também pré-requisitos ambientais de inserção do edifício em um país com condições físicas e ambientais divergentes das regiões de onde essas idéias eram provenientes, nos clima frios da Europa.

Após um envolvimento com a questão moderna em suas mais diversas abordagens, fica claro que os exemplos de aplicação da arquitetura bioclimática no período modernista brasileiro de 1930 a 1960, são indícios consistentes da aplicação de conceitos bioclimáticos. Paralelamente, o movimento moderno trouxe como herança a presença do discurso, visto que cada detalhe considerado inovador era altamente debatido e investigado, as principais características do movimento, assim como seu contexto político, econômico e social eram temas da maioria dos depoimentos.

Apesar do modernismo ter configurado, como consequência de fatores sociais e econômicos já citados, certos elementos plásticos e visuais que marcam o movimento, muitos arquitetos subordinam esses elementos a um estudo minucioso e técnico do ambiente de inserção do edifício, como fica claro nas palavras de Rino Levi: “As teorias e o exemplo de Le Corbusier (...) enalteciam a abertura dos edifícios para o exterior, proporcionando-lhes a penetração do ar, da luz e da natureza. Entretanto, a aplicação desses princípios nos países de clima quente exigiam uma certa adaptação ao meio ambiente e o emprego de alguns dispositivos capazes de combater a insolação e o calor excessivos.” (Rino Levi, em 1925), e, ainda, quando diz: “A arquitetura nunca foi para ele apenas uma casa, um edifício, enfim um volume. Mas, na medida em que permitiam as condições do exercício profissional no Brasil, procurou sempre relacioná-la ao problema de acústica, da ventilação, das condições ecológicas e do urbanismo.” (Roberto Burle Marx, paisagista, escrevendo sobre Rino Levi, 1974)

Outro arquiteto brasileiro de renome internacional, Affonso Eduardo Reidy, reforça as colocações de Rino Levi quando coloca que: “Não se pode negar que a arquitetura contemporânea brasileira apresenta características que a distinguem, que conferem, mesmo às suas mais diferentes realizações, um certo ar de família. Esse denominador comum resulta da presença de um conjunto de fatores, entre os quais podemos mencionar os seguintes: uma particular sensibilidade dos arquitetos às condições regionais, tendo constante preocupação de obter soluções adequadas ao clima, desenvolvendo os mais variados sistemas de proteção contra o calor, os quais, muitas vezes, constituem elementos de grande riqueza plástica(...).” (REIDY, 1961)

Com tudo isso, é consistente afirmar que o conforto e o clima eram muito importantes, no momento do projeto de arquitetura, na primeira fase do modernismo.

3.2 Estudos de Caso e uma Proposta de Avaliação Qualitativa

Um grupo de 17 edifícios e projetos de arquitetura, incluindo residências, escritórios e escolas, localizados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foram avaliados de acordo com dois modelos

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de ficha de apresentação, como mencionado anteriormente. As fichas que são apresentadas nesse artigo, que constituem o primeiro grupo de fichas de avaliação proposto na pesquisa a que esse artigo se remete, trazem os desenhos de implantação com o entorno imediato, plantas e fachadas dos projetos de arquitetura, caracterizando uma introdução a uma análise qualitativa do partido arquitetônico e o seu desempenho quanto aos aspectos do conforto ambiental.

Os casos selecionados foram:

Em São Paulo: Edifício Concórdia, Edifício V Avenida, Conjunto Nacional, SENAI - Escola de Aprendizado Industrial Anchieta, Edifício Esther, Edifício Louveira, COPAN, Edifício Lausanne.

No Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde (MEC), Edifício-Sede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Edifício-sede do Banco Boavista, Edifício Seguradoras, Escola Primária do Conjunto residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), Escola Anita Garibaldi, Edifícios Nova Cintra, Bristol e Caledônia, Edifício do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes – BLOCO A e B.

A apresentação de estudos de casos busca ilustrar e fortificar a análise conceitual do pensamento modernista, evidenciando sua ligação com a preocupação bioclimática.

Parte dos edifícios estudados apresentam as preocupações ambientais diretamente na implantação, como, por exemplo, os edifícios Louveira, que estão orientados sobre o eixo noroeste-sudeste, com as fachadas mais extensas a nordeste e a sudoeste. Para as condições climáticas do lugar, esta é uma das melhores orientações para um edifício tipo lâmina de uso residencial, pois enquanto a fachada sudoeste recebe mais sol no período da tarde, inclusive no verão, a fachada nordeste recebe mais sol no inverno e significativamente menos sol no verão. Dessa forma, os ambientes voltados para a orientação sudoeste são de circulação e áreas molhadas, enquanto os quartos e salas recebem a melhor orientação solar de acordo com o desempenho térmico.

Em outros casos em que a implantação do edifício não favoreceu o desempenho térmico, proteções solares foram projetadas, como no edifício-sede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no Rio de Janeiro. Sendo este um edifício de escritórios, suas principais fachadas dos ambientes de trabalho estão voltadas para oeste e norte, com uma inclinação de 10° para a esquerda do norte. Nos dois casos, a incidência da radiação direta neste lugar de latitude aproximadamente 24º Sul, significa um fator desfavorável para o desempenho térmico do edifício, tendo em vista a intensidade da radiação e a quantidade de horas de incidência direta ao longo do ano. Por isso, foram projetados brises verticais (bem próximos).

Modelo das Fichas de Avaliação de Projeto:

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Figura 1: Ficha de Avaliação de Projeto

Figura 2: Ficha de Avaliação de Projeto

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Figura 3: Ficha de Avaliação de Projeto

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evolução desta pesquisa foi claramente dividida em etapas, apresentando, em seu curso, um cronograma muito bem definido. O levantamento bibliográfico acabou se estendendo e ganhando maior importância dentro da pesquisa, visto que ficou constatada a importância de um repertório crítico elaborado antes da escolha dos estudos de caso.

No entanto, a primeira seleção dos projetos estudados teve que ser revista durante a reunião de materiais e informações sobre os projetos. Como os projetos analisados são antigos, as publicações em livros e, principalmente, periódicos, também eram antigas, muitas ainda mal conservadas. Principalmente as imagens, que, mesmo provenientes de uma bibliografia mais recentes, ainda eram de muito baixa qualidade.

Dessa forma, esta pesquisa busca também reativar o estudo de projetos mais antigos, considerando-os importantes referências de projeto.

Outros importantes autores como Reyner Baham, Jeffrey Cook, Ian Mc Harg, Victor Olgyay, Koen Steemers e Alexandro Tombazis também foram referências para este trabalho, mas não foram citados no conteúdo desse artigo.

As citações aqui colocadas têm seu papel no contexto internacional por terem sido escritas por autores de diferentes posições geográficas no mundo e contextos históricos também distintos, mas que apresentaram motivações afins: a inserção climática e o impacto ambiental da arquitetura. Nesse artigo, estas motivações foram detectadas em cada um dos autores referenciados e colocadas lado a lado. Um número muito mais extenso de citações é encontrado na pesquisa original.

Dentre os principais resultados e contribuições dessa pesquisa, pode ser considerada a apresentação sistematizada de exemplos da arquitetura moderna brasileira, ressaltando aspectos básicos do projeto que estão diretamente ligados ao desempenho do conforto ambiental, evidenciando a coerência dos princípios da abordagem bioclimática no Brasil, que é identificada em uma primeira análise de caráter

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mais geral. Desse modo, esse trabalho introduz uma visão crítica qualitativa e consistente dos exemplos levantados, abrindo perspectivas para uma abordagem mais específica e aprofundada de aspectos do projeto de arquitetura dos estudos de caso, em relação ao seu desempenho ambiental.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COSTA, Lúcio (1983) “Arquitetura Bioclimática”.

EVANS, John Martin (1998) “Bioclimatic Traditions in South America. Lessons for the Past an Pointers for the Future”

GIVONI, Baruch (1976) “Man, climate and architecture”. Applied Science Publishers. London.

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YEANG, K. (2000) The green skyscrapers: the basis for designing sustainable intensive buildings, Prestel, USA.

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