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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÓGICA E METAFÍSICA UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA Kissel Goldblum Rio de Janeiro 2019

UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA · exigirá algo mais do que interpretações, significantes e significados. No Tratado Teológico-Político, notamos que nossa mente, só pelo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÓGICA E METAFÍSICA

UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA

Kissel Goldblum

Rio de Janeiro

2019

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Kissel Goldblum

UMA PERSPECTIVA ETERNA DA NATUREZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Lógica e Metafísica, Instituto de Filosofia

e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Filosofia.

Orientador: Dr. Ulysses Pinheiro

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Goldblum, Kissel

Uma perspectiva eterna da Natureza/ Kissel Goldblum. Rio de

Janeiro: UFRJ, IFCS, 2019.

Orientador: Dr. Ulysses Pinheiro

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós-Graduação

em Lógica e Metafísica.2019.

Referências Bibliográficas

1. Metafísica. 2. Epistemologia 3. Intuição I Pinheiro, Ulysses

(orientador). II Universidade Federal do Rio de Janeiro - Programa

de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica.

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Aprovado em junho de 2019

______________________________________________________

Prof. Dr. Ulysses Pinheiro, UFRJ

______________________________________________________

Prof. Dr. Edgar Marques, UFRJ

______________________________________________________

Prof. Dr. Maurício Rocha, PUC-Rio

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Agradecimentos

Primeiramente, ao Ulysses, pelos ensinamentos, pelo apoio, pela atenção às minhas ideias

e por compartilhar de uma perspectiva que enxerga a filosofia como um campo de ação, de

combate, de vida real e não meramente restrita ao ambiente acadêmico. Ao Maurício, por aceitar

participar da banca, pelos momentos alegres e por compartilhar sua perspectiva sempre atenta e

sagaz da filosofia de Espinosa. Ao Edgar, por aceitar participar da banca e pelos conselhos exatos

e atentos sobre minha pesquisa. Aos meus pais, pela vida dedicada à família, o que proporcionou

a estrutura responsável por eu estar aqui hoje. À minha tia Esther, pela memória. Ao meu irmão

Avner pelo companheirismo e pelos momentos de reflexão. Às minhas irmãs Alessandra, Shila e

Vanessa, e aos meus sobrinhos Gael, Miguel, Nina e Theo, por todo amor que compartilhamos. À

Letícia, pelos afetos e afecções que vivemos juntos, sem eles esta pesquisa teria outro resultado.

Ao Pedro Rego e Paulo Henrique por terem aceitado serem suplentes da minha banca de defesa.

Aos professores do PPGLM. À FAPERJ, pela bolsa. E aos camaradas, digo o que disse Espinosa:

“Nada estimo mais, entre todas as coisas que não estão em meu poder, do que contrair uma

aliança de amizade com homens que amem sinceramente a verdade”.

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דע לפני מי אתה עומד.1

1 “Saiba diante de quem você está”. (Berakot 28b, Mishnat)

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Abreviaturas

E – Ética

PM – Pensamentos Metafísicos

TEI – Tratado de Emenda do Intelecto

TTP – Tratado Teológico Político

BT – Breve Tratado

P – Parte

Ax – Axioma

Def – Definição

Prop – Proposição

Dem – Demonstração

Col – Corolário

Esc – Escólío

Exp – Explicação

Apên – Apêndice

Cap – Capítulo

Con – Conclusão

Pref – Prefácio

Post - Postulados

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é analisar como podemos compreender a natureza por meio de uma

perspectiva eterna da mente humana. Espinosa expôs a possibilidade de nossa mente

compreender a essência dos corpos sob uma perspectiva eterna, que não está relacionada com a

existência atual e presente dos corpos. Neste sentido, pretendo mostrar a importância em

direcionarmos nosso entendimento à busca de uma via que supere o ponto de vista da duração,

tão fundamental para a realização do verdadeiro conhecimento da Natureza. Conhecimento que

exigirá algo mais do que interpretações, significantes e significados. No Tratado Teológico-

Político, notamos que nossa mente, só pelo fato de conter em si, objetivamente, “a natureza de

Deus e dela participar, tem o poder de formar certas noções que explicam a natureza das coisas”2.

Se quisermos, realmente, entender a Natureza, precisamos nos considerar de maneira interna, e

não externa a ela. Mostraremos que, apenas através de uma análise não antropocêntrica dos

gêneros do conhecimento de Espinosa, podemos vislumbrar a conciliação entre a essência da

Substância e a essência do modo e, assim, participar adequadamente da Natureza. “Não há nada

fora da substância. A própria substância tem que responder por si mesma, sendo entendida: tem

que se entender”3.

Palavras-chave: Espinosa; Conhecimento; Natureza; Eternidade; Intuição.

2 TTP, cap.1.

3 KAUFFMAN, F. Spinoza’s System as Theory of Expression. 1940, p.91, tradução nossa.

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ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to analyze how we can understand Nature through an eternal

perspective of the human mind. Spinoza exposed the possibility of our mind to understand the

essence of the bodies from an eternal perspective, which is not related to the present existence of

bodies. In this sense, I intend to show the importance in directing our understanding to the search

for a way that surpasses the point of view of duration, so fundamental for the realization of the

true knowledge of Nature. Knowledge that will require something more than interpretations and

signs. In the Political-Theological Treatise, we note that our mind simply because containing

“the nature of God within itself in concept, and partakes thereof, and is thereby enabled to form

certain basic ideas that explain natural phenomena” 4

. If we really want to understand Nature, we

must consider ourselves inwardly and not externally of it. We will show that only through a non-

anthropocentric analysis of the kinds of Spinoza's knowledge can we catch a glimpse of the

conciliation between the essence of Substance and the essence of mode, thus, properly participate

in Nature. “There is nothing outside the substance. The substance itself has to answer for itself

being understood: it has to understand itself”5.

Keywords: Spinoza; Knowledge; Nature; Eternity; Intuition.

4 TTP, cap.1.

5 KAUFFMAN, F. Spinoza’s System as Theory of Expression. 1940, p.91.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 11

PREÂMBULO

1.1 Distinções entre as concepções cartesiana e espinosana de Substância ................................ 19

1.2 Uma filosofia mística? ........................................................................................................... 24

UMA ANÁLISE ONTOLÓGICA

2.1 A unidade da Natureza ........................................................................................................ 27

2.2 Deus e os modos de ser ....................................................................................................... 28

UMA EPISTEMOLOGIA ENVOLVENTE

3.1 A ideia e a expressão .......................................................................................................... 35

3.2 A imanência da Substância e a expressão de seus modos .................................................. 40

3.3 A potência de pensar e a potência da Natureza para existir e agir ..................................... 43

3.4 A essência da Substância e a essência do modo ................................................................. 46

3.5 O primeiro gênero - a imaginação e seus signos ................................................................ 52

3.6 O segundo gênero - a razão ................................................................................................ 58

3.7 O conhecimento reflexivo não exige signos ....................................................................... 61

3.8 A imaginação e o intelecto ................................................................................................. 65

3.9 A definição e o método reflexivo: a ordem e as coisas fixas e eternas ............................... 67

UMA FUNÇÃO MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE SIGNIFICAR

4.1 Produção e compreensão ..................................................................................................... 74

4.2 Um trampolim para eternidade ............................................................................................ 76

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CONCLUSÃO .................................................................................................................... 83

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 91

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INTRODUÇÃO

Quem conhece a obra de Espinosa sabe o quanto ela é árida, complexa e mesmo

inacessível, como o comentador Arnold Zweig expõe, mostrando que algumas partes do seu

pensamento só podem ser entendidas com total clareza se convertermos alguns de seus termos

para o idioma hebraico6. Assim, naturalmente, ao longo da leitura de sua obra, deparar-nos-emos

com certos obstáculos filosóficos que, para o leitor desavisado, podem parecer algo exótico

demais pela própria raridade do projeto espinosano. Rareza que exige uma certa disposição para

alcançar não apenas novas ideias, mas também novas formas pelas quais podemos compreender a

própria maneira que compreendemos as ideias.

Russell, em a História do pensamento ocidental, expõe que a tendência, ainda atual, do

estudo acadêmico de buscar cada vez mais especializações sobre temas muito específicos faz com

que o homem moderno esqueça suas dívidas intelectuais para com seus antepassados7. Neste

sentido, ignoram que problemas filosóficos do presente não surgiram do nada no tempo, assim

como negligenciam que a sociedade é produto das circunstâncias e da educação que os homens

desenvolvem. Estes mesmos homens - produtos de uma sociedade modificada – são, assim,

resultados de circunstâncias modificadas. Desta maneira, não podemos esquecer “que as

circunstâncias são modificadas precisamente pelos próprios homens e que o próprio educador

precisa ser educado”8. Por conseguinte, essa dissertação pretende sondar novos protocolos de

experiência, novas zonas de intensidades, ou ainda, novos campos de potências, ao investigar

uma perspectiva eterna do conhecimento da Natureza na filosofia espinosana.

Espinosa aponta para um novo entendimento, que busca superar uma análise extrínseca da

Natureza9, ao conceber não mais o conhecedor e o conhecido através de substâncias distintas. O

conhecedor e o conhecido se fundem em um conhecendo. Em “Espinosa, os atributos são formas

dinâmicas e ativas. Eis aí o que parece essencial: o atributo não é mais atribuído, ele é, de certa

6 Cf. ZWEIG, A. O pensamento vivo de Spinoza, 1961, p.11.

7 Cf. RUSSELL, B. Historia do pensamento ocidental, 2016, p.8.

8 MARX, K. Teses de Feuerbach. 1845, p.3.

9 Durante o decorrer desta dissertação veremos a palavra natureza escrita ora como “Natureza”, ora como “natureza”.

No primeiro caso, nos referimos à Natureza sinônimo de Deus ou de Substância; no segundo, nos referimos à

natureza tal como aparece na extensão ou no pensamento. Mais precisamente: “Natureza e natureza” estão

relacionadas com as noções de “natureza naturante e natureza naturada”, (que veremos mais à diante).

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forma, ‘atribuidor’”10

. Uma perspectiva eterna da natureza aponta para uma realidade absoluta, o

que possibilita o desenvolvimento de novas circunstâncias, um novo modo de pensar, capaz de

superar o ambiente que mantém o homem em uma gramática de significados, estruturado na ideia

de um homem substancial, o qual erigiu um império dentro de um império.

Utilizarei uma série de comentadores de Espinosa para auxiliar na exposição das ideias e

objetivos que compõem o eixo argumentativo desta dissertação, cada um com o seu grau de

influência. Gostaria de enfatizar a importância de alguns destes filósofos no desenvolvimento

desta pesquisa: Lorenzo Vinciguerra, comentador recente, italiano, nos ajudará a pensar a

filosofia espinosana de uma perspectiva não antropocêntrica da imaginação e dos gêneros do

conhecimento em geral; Deleuze, sem dúvida, um dos mais importantes comentadores de

Espinosa, também merece destaque nesta pesquisa, e suas obras serão importantes no caminho

para a compreensão de linhas de pensamento capazes de superar o âmbito da mera interpretação

das coisas na duração em direção a uma perspectiva eterna da Natureza. Em muitas obras de

Deleuze vemos essa crítica à interpretação: em Kafka, Por uma literatura menor - “Acreditamos

apenas em uma experimentação de Kafka, sem interpretação nem significância, mas somente

protocolos de experiência”11

. Sobre o Mil Platôs, François Ewad diz que “Gilles Deleuze e Félix

Guattari detestam a interpretação. ‘Interpretar’, dizem, ‘é nossa maneira moderna de crer e de ser

piedosos’. À interpretação, eles opõem a experimentação”12

. Em O Anti-Édipo, Deleuze e

Guattari investigam processos epistemológicos que não têm o seu fim na busca por significados

do inconsciente - “A significação não está presa ao significado para o qual remete cada um dos

significantes enunciados, mas é constituída pelo processo, pela sutura, pela concatenação dos

elementos encadeados”13

. Contudo, utilizarei, principalmente, suas obras específicas sobre

Espinosa14

, ainda que possa citar um ou outro conceito criado por Deleuze (muitas vezes em

conjunto com Guattari) para auxiliar no desenvolvimento desta dissertação. Trabalharei também

com comentadores mais clássicos, como Pierre-François Moreau, Alexandre Matheron e Martial

Gueroult, os quais, acredito, não podem ser ignorados.

10

DELEUZE, G. O Problema da Expressão em Espinosa. 2017, p.47. 11

DELEUZE, G. Kafka por uma literatura menor. 2015, p.16. 12

DELEUZE, G. Mil Platôs. 2017. 13

DELEUZE, G. O Anti-Édipo. 2017, p.93. 14

DELEUZE, G. O Problema da Expressão em Espinosa. 2017; Espinosa. Filosofia Prática. 2002; Les cours de

Gilles Deleuze. 1981.

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Esta pesquisa busca entender como definir a existência a partir de uma perspectiva eterna,

como formalizar a superação do campo da duração. Em outras palavras, investigar a qualidade da

mente humana que não está contida na matriz da experiência da existência. Na quinta parte da

Ética, quando Espinosa fala sobre o amor intelectual, temos um outro exemplo desta perspectiva

da eternidade: “O amor intelectual da mente para com Deus é o próprio amor de Deus, com o

qual ele ama a si mesmo, não enquanto é infinito, mas enquanto pode ser explicado por meio da

essência da mente humana, considerada sob a perspectiva da eternidade”15

(grifo nosso).

Descobriremos que só superaremos o âmbito da duração quando apreendermos uma maneira de

participar da Natureza; quando participarmos disso que a consciência imaginativa só pode

interpretar. E somente o intelecto, que rompe com a experiência vivida, é capaz de conceber o

infinito como atual. A consciência é, neste sentido, apenas um sintoma das interpretações do

mundo baseadas nos dois primeiros gêneros de conhecimento: “a consciência é apenas um sonho

de olhos abertos”16

.

Conhecer a Natureza é um processo que consiste em compreender os atributos que nos

explicam, e envolvem desde uma perspectiva interna, e não externa à coisa. Neste sentido, os

gêneros do conhecimento de Espinosa não podem ser compreendidos da perspectiva de

faculdades humanas, mas sim, devemos compreendê-los como a maneira própria pela qual Deus

conhece a si mesmo. Ao abandonarmos a ideia de “faculdades humanas”, podemos abandonar

também uma tentativa de compreender a Substância por meio de uma relação de significados

entre homem e natureza. Para Espinosa, o conhecimento da Natureza não é alcançado por meio

de um o método analógico, ou seja, um conjunto determinado de ideias, que, de alguma maneira,

adquire autoridade como método prévio capaz de tematizar nosso acesso aos sinais da verdade. A

verdade não é composta por um conjunto de significados: “o verdadeiro método não é buscar

signos da verdade depois da aquisição das ideias”17

. Na filosofia espinosana, vemos uma

distinção entre método e “Método”. Quando o autor da Ética fala sobre “o verdadeiro Método”,

não se refere a um método superior a todos os outros – ou o melhor método até então

desenvolvido -, mas à maneira própria pela qual a Natureza conhece a si mesma. “Deleuze disse

certa vez que não nos tornamos spinozanos, mas que nos descobrimos spinozanos, pois o

15

EV, Prop.36. 16

DELEUZE, G. Filosofia Prática. 2002, p.26. 17

TEI,§36.

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14

pensador holandês foi aquele que ensinou a alma a viver sua vida, não a salvá-la”18

. Distingue-se,

assim, da concepção que compreende o método como um instrumento utilizado por um homem,

que substancialmente distinto da natureza exterior a ele, carece de um metodologia que dê conta

desta relação entre Substâncias de naturezas distintas.

Muito influenciado pelo pensamento de Descartes, que acentuou o entendimento da mente

e do corpo como seres substanciais distintos19

, a tradição continua exercendo uma enorme

influência na maneira como pensamos nos dias de hoje. O autor de Meditações concede à

distinção real um valor numérico, uma possibilidade de dividir substancialmente a natureza e as

coisas. “Leibniz apresenta, também aqui, a crítica à prova cartesiana a priori da existência de

Deus, ou seja, é preciso mostrar a compatibilidade dos atributos”20

. Espinosa nos mostra que não

há várias Substâncias, deste modo, não podemos distinguir numericamente a Substância. Isso fica

mais claro quando entendemos que não há nenhuma Substância com limites: toda Substância é

infinitamente perfeita em seu gênero; “isto é, que no intelecto infinito de Deus não pode haver

uma Substância mais perfeita que aquela que já existe na Natureza”21

. Neste sentido, faremos um

pequeno cotejo, no próximo capítulo, entre as perspectivas espinosana e cartesiana de Substância,

apenas para auxiliar na compreensão da filosofia de Espinosa e do seu modo particular de

conhecer a Natureza.

A filosofia espinosana revela a necessidade de examinarmos a causa se quisermos,

realmente, conhecer o efeito. Conhecer pela causa é o único meio de conhecer a essência. Para

entendermos os próprios efeitos, necessitamos, antes, conhecer a causa. Por exemplo, as

características extrínsecas de um círculo não são suficientes para descrever sua causa adequada22

.

Quando confundimos universais com particulares, julgamos as coisas de acordo com sua

disposição em nosso cérebro, ou melhor, tomamos as afecções de nossa imaginação pelas

próprias coisas reais. Entender é conhecer a causa das coisas, saber como as coisas foram

18

ROCHA, M. “Spinoza em Deleuze”. 2014, p.452. 19

Com Descartes, “as ideias deixam de ser entidades independentes existindo em um mundo próprio como em

Platão, e passam a ser entendidas como entidades mentais, inicialmente na ‘mente de Deus’, posteriormente na mente

humana. Este processo terá seu ponto culminante na teoria das ideias de Descartes”. (MARCONDES, 2002, p.106) 20

MOURA, T. “Leibniz leitor de Espinosa”. Revista Conatus – Filosofia de Spinoza – Volume 5 – Número 9 – Julho

2011, p.95-101, p.99. 21

BT, PI, Cap.II,§2. 22

Veremos adiante esta questão.

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produzidas, deste modo, quanto mais coisas conhecemos, mais aptos a mais coisas somos23

. No

Tratado de Emenda do Intelecto, vemos que as causas das ideias das coisas particulares são

outras ideias específicas que a produziram24

. O método sintético também pode ser considerado

reflexivo, já que nos mostra a ideia que é causa do efeito, dado que (a ideia) é existente apenas

em ato25

. As noções de causa de si e por si são, assim, indispensáveis, pois o método espinosano

também é um Método genético.

O Método consiste em conhecer as próprias maneiras pelas quais podemos conhecer. Não

se trata de uma busca por significados, mas a compreensão da maneira própria pela qual

conhecemos as forças que se expressam na natureza tais como elas são em si mesmas. A

expressão26

assume, assim, uma função fundamental na dinâmica de conhecimento e progresso27

.

Deus não fabrica signos. Deus se expressa, e a expressão não é nem simbólica e nem mística. Em

Espinosa e o problema da expressão, Deleuze escreve que o problema para compreender

Espinosa decorre do fato de que a ideia não é objeto de demonstração e nem de definição28

. Nas

definições da parte dois da Ética, Espinosa explica que ideia é um conceito da mente, que a

mente forma, simplesmente, por ser uma coisa pensante. Enfatizando o fato da escolha da palavra

conceito e não percepção, o autor explica que a palavra conceito exprime uma ação enquanto

percepção parece indicar uma posição passiva, como um espelho que forma imagens, refletindo

de maneira passiva os objetos do mundo.

Knox Peden lembra que o espinosismo é uma filosofia do savoir: “Gueroult escreve sobre

savoir absolu, não connaissance absolue. Só porque Deus, ou Substância, é ‘incognoscível’ em

um sentido exaustivo não significa que uma compreensão ‘adequada’ da idéia de substância seja

23

“Quem tem um corpo capaz de muitas coisas tem uma mente cuja maior parte é eterna”. (EV, Prop.39) 24

O “Método nada mais é que o conhecimento reflexivo ou ideia da ideia; e porque não se dá ideia da ideia a não ser

que primeiro se dê uma ideia, não se dará, portanto, Método, a não ser que primeiro se dê uma ideia”. (TEI,§38) 25

O objeto da ideia é sempre um modo definido da extensão existente em ato. 26

É importante ressaltar que Espinosa utiliza a palavra expressão em uma concepção ontológica e não, apenas,

semântica. Logo nas primeiras definições da primeira parte da Ética, Espinosa afirma: “pertence à essência do que é

absolutamente infinito tudo aquilo que exprime uma essência e não envolve nenhuma negação”. (EI, Def.6, grifo

nosso) Neste sentido, o ser absolutamente infinito, ou seja, a Substância, Deus ou a Natureza, é uma coisa expressiva

e que não envolve nenhuma negação. Isto, compreendido de uma perspectiva ontológica. 27

Utilizo a palavra progresso, em referência à passagem do Tratado da Emenda do Intelecto: “À medida que

confundimos a imaginação com intelecto, julgamos inteligir o que imaginamos. [...] Por isso antepomos o que

devemos pospor e assim se desfaz a verdadeira ordem do progresso e não se conclui nada legitimamente”. (TEI, §89) 28

Cf. DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.15.

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impossível”29

. A expressão assume um papel precípuo e intrigante na dinâmica de conhecimento.

A Natureza se expressa e, ao expressar-se, revela relações; “que a natureza não tenha nenhum fim

que lhe tenha sido prefixado e todas as causas finais não passam de ficções humanas, não será

necessário argumentar muito”30

.

Ao confundir a eternidade com a duração, pensamos na mente como possuidora de uma

finalidade, como se agisse em vista de algum fim. Paul Wienpahl afirma que, desde a obra Fedón

de Platão, a tradição desenvolveu, com certa dificuldade, os temas relacionados ao pensamento e

ao “pensar”31

. Ainda não estamos totalmente certos ou conscientes do que vemos quando

olhamos para dentro. Se estivéssemos, ensinaríamos, desde cedo, a pensar como pensar. Quando

a comentadora argentina Diana Cohen32

lembra que a mente não pode ser absolutamente

destruída com o corpo (alguma coisa, eterna, resta), notamos uma via, um possibilidade de

experimentar algo eterno nesta vida33

. Da perspectiva da eternidade, podemos vislumbrar um

ponto de vista eterno do corpo, sem relação com a duração e que também não possui relação com

as outras coisas; é como ter acesso a uma certa quididade específica de cada modificação. Como

a mente humana só conhece o corpo humano através das ideias das afecções pelas quais o corpo é

afetado34

, inevitavelmente - posto que a ideia de duração está sempre relacionada à ideia dos

corpos na extensão -, parece impossível para o homem atual contemplar uma perspectiva eterna

da Natureza, esta possibilidade parece muito distante para nós. Conhecer coisas eternamente é

conhecer uma coisa no seu mais íntimo singular, é conhecer um indivíduo, não em relação com

outros indivíduos, não em relação a suas qualidades na duração, mas nas suas próprias qualidades

particulares, imutáveis e eternas.

Espinosa expõe uma maneira de conhecer a natureza muito peculiar, cujo processo de

conhecer suprime todas as distinções entre sujeito e objeto. Na visão de Alquié, a dissolução do

29

KNOX, P. “Descartes, Spinoza, and the impasse of french philosophy: Ferdinand Alquie versus Martial Gueroult”.

2011, p.83, tradução nossa. 30

EII, Apên. 31

Cf. WIENPAHL, P. Spinoza Radical. 1969, p.107. 32

COHEN, D. “La Identidad Personal: Del cuerpo propio a la Ética”. UBA. 2008, págs. 187-203. 33

Assim como na passagem: “O amor intelectual da mente para com Deus é o próprio amor de Deus, com o qual ele

ama a si mesmo, não enquanto é infinito, mas enquanto pode ser explicado por meio da essência da mente

humana, considerada sob a perspectiva da eternidade; isto é, o amor intelectual da mente para com Deus é uma

parte do amor infinito com que Deus ama a si mesmo”, (EV, Prop.36, grifo nosso). 34

EII, Prop.19.

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“eu” é o evento central na filosofia de Espinosa35

. Um dos objetivos centrais desta exposição é

mostrar que, apenas por meio de uma análise não antropocêntrica dos gêneros do conhecimento

de Espinosa, podemos vislumbrar o objetivo supremo do seu tratado: “Compreender as coisas por

meio do terceiro gênero de conhecimento”36

. Pretendo expor uma linha de pensamento que

descobre uma mesma ordem na descrição dos gêneros do conhecimento de Espinosa, em suas

diferentes obras, distinguindo-se apenas pela velocidade e amadurecimento com o qual se propõe

a alcançar a ciência intuitiva. Deste modo, reconheceremos a intuição como uma ferramenta

fundamental para alcançarmos a perspectiva da eternidade das coisas.

Ao negligenciar a importância de se atingir o terceiro gênero, mal compreendemos a função

do primeiro e do segundo. Este engano ocorre porque tradicionalmente tratamos a imaginação e a

razão como fins em si e sem relação recíproca: o primeiro tomamos como fantasia37

e o segundo,

como verdade eterna. Não obstante, conhecer para Espinosa é conhecer ativamente a Natureza.

Veremos em que sentido podemos falar sobre uma potência humana, dentro dos limites

epistemológicos e ontológicos das modificações dos modos da natureza.

Tradicionalmente, temos utilizado a razão como a ferramenta epistemológica capaz de

compreender a Natureza e conduzir o homem a uma vida superior. Não obstante, Espinosa

mostra que, ao encontrarmos seu verdadeiro papel na dinâmica de conhecimento, podemos

desqualificá-la desta função. Se o homem quiser, realmente, entender a Natureza, ele não pode

considerar-se de maneira externa ao objeto da análise. A concepção de que o homem possa ser

definido como uma substância separada das demais ainda remonta ao conceito aristotélico

synolon. A gota separada do oceano não reconhece sua natureza. O sujeito apartado do mundo

carece de um método que dê conta de uma linguagem capaz de interpretar “as verdades do

mundo exterior”. E é neste sentido que o homem não pode superar um entendimento subjetivo

interpretativo da natureza. O método espinosano só é válido quando escapamos do signo, ao

abandonar a aparente cisão entre mim e o mundo.

A filosofia do autor da Ética pretende romper com a herança da história do

desenvolvimento linear do pensamento filosófico ocidental: “A autoridade de Platão, Aristóteles

35

The “central event of Spinoza’s philosophy is the dissolution of the “I””. (KNOX, p.90) 36

EV, Prop.25. 37

“No século XVII, imaginação não significava fantasia criadora, mas sensação, percepção e memória”. (CHAUÍ,

1995, p.34)

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e Sócrates exerce pouca influência em mim”38

. Espinosa descreve um projeto que pretende

mostrar simplesmente como entender como entender39

. Este entendimento é o que nos

proporciona o salto a novas linhas de pensamento – o “modo de viver filosófico é o único a

oferecer alguma esperança de superar os acasos da existência, propiciando uma fuga à roda do

destino”40

.

Fritz Kauffman mostra que Espinosa descreve o intelecto como “um intellectus actu, uma

intelecção atual, idêntica à volição real e nunca, de modo algum, um intelecto meramente

potencial”41

. Procurarei mostrar como a compreensão correta da própria maneira pela qual

conhecemos pode superar certos aspectos centrais da epistemologia baseada em uma semiologia

da significação, nos conduzindo, assim, ao entendimento das ideias adequadas da natureza. “Seus

três gêneros do conhecimento não se referem a três gêneros de alguma faculdade humana; ao

contrário, eles são as três maneiras pelas quais Deus conhece a sua própria natureza”42

. Deste

modo, a Filosofia deve superar a perspectiva que a reduz a uma atividade meramente abstrata.

Espinosa demonstra um tratado que se propõe a produzir novas linhas de pensamento capazes de

conceber uma ética, mas que, todavia, não possui pretensão de se tornar um método prévio

universal. “Os homens, que não sabem a verdade das coisas, procuram ater-se ao certo, a fim de

que, não podendo satisfazer ao intelecto com a ciência, ao menos a vontade repouse sobre a

consciência”43

.

38

Carta 56, a Hugo Boxel. 39

“E, por isso, o fulcro de toda esta segunda parte do método consiste apenas no seguinte: justamente em serem

conhecidas as condições da boa definição e, em seguida, no modo de as descobrir.” (TEI §94, grifo nosso) 40

RUSSELL, B. A História do pensamento ocidental. 2016, p.28. 41

KAUFFMANN, F. Spinoza’s system as theory of expression. 1940, p.95, tradução nossa. 42

VINCIGUERRA, 2012, p.136. 43

VICO, G. Nova Ciência. 1967, p.33.

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PREÂMBULO

Distinções entre as concepções cartesiana e espinosana de Substância

“A teoria de Platão das faculdades da alma e sua dualidade com o corpo, assumida pela

tradição agostiniana e renovada por Descartes, moldou muito de nossa epistemologia e

antropologia”44

. Lorenzo Vinciguerra enfatiza que, se quisermos entender a noção de imaginação

em Espinosa, precisamos escapar da longa tradição ocidental que trata o tema de maneira

antropocêntrica. Ou seja, temos que superar a perspectiva que ainda trata a imaginação como uma

faculdade humana e, de maneira distinta, necessitamos considerá-la como parte da própria

cosmologia e física do autor.

Todavia, a tradição continua exercendo uma enorme influência na maneira como

pensamos nos dias de hoje, quer dizer, tendemos, naturalmente, a pensar na imaginação, razão e

intuição como faculdades do pensamento humano. Descartes concebeu a mente e o corpo como

seres substanciais, de tal maneira que a união entre estas substâncias distintas se daria por meio

da glândula pineal45

. De outra forma, Espinosa nos mostra que a mente não tem nenhuma

faculdade de entender, desejar, amar etc. A noção de que existem faculdades na mente está

enraizada na perspectiva de que os homens são seres substanciais46

. Para Espinosa, não há mais

de uma Substância, ou seja, não podemos distinguir numericamente a Substância. Não há várias

Substâncias que correspondam a diferentes atributos. Isso fica mais claro quando entendemos que

a Substância tem limites e que toda Substância é infinitamente perfeita em seu gênero, “isto é,

que no intelecto infinito de Deus não pode haver uma substância mais perfeita que aquela que já

existe na Natureza”47

. De modo distinto, Descartes concede à distinção real um valor numérico,

uma possibilidade de dividir substancialmente a natureza e as coisas.

A filosofia espinosana procura sobrepor a noção cartesiana das quantidades substanciais

por uma noção de potência. O atributo não é uma forma relativa de ver ou de considerar as

44

VINCIGUERRA, 2012, p.131, tradução nossa. 45

Cf. EV, Pref. 46

Esta concepção ficará mais clara quando falarmos, mais a frente, sobre a potência de agir e de existir. 47

BT, PI, Cap.II,§2.

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coisas, e sua relação com o entendimento é certamente fundamental. Esta originalidade, de certa

forma, está ligada à maneira com que Espinosa lida com a potência e a essência:

O axioma de Descartes48

, reconheço, é um pouco obscuro, como

haveis observado; ele teria dado um melhor enunciado se houvesse dito: a

potência de pensar não é maior para pensar do que a potência da natureza

para existir e agir. Esse é um axioma claro e verdadeiro, a partir do qual a

existência de Deus segue de sua ideia de maneira clara e eficaz49

.

Descartes não superou o âmbito da consciência psicológica para alcançar a forma lógica

da ideia e pela qual a coisa, realmente, pode ser entendida. Ele não concebeu a unidade do

absoluto, isto é, um ser absoluto que compreende o real ao reproduzir suas ideias na ordem da

natureza. Em outras palavras, tratamos da distinção entre, de um lado, a ideia clara e distinta

cartesiana e de outro, a ideia espinosana. O cartesianismo nos mostrou que as ideias claras e

distintas são o que há de mais verdadeiro na relação entre o homem e a natureza. Todavia, há um

impasse – a causa fundamental do erro - gerado entre os limites do entendimento e o ilimitado da

vontade50

. Ou seja, quando a vontade nos conduz a falar sobre temas que não entendemos. Sobre

isso, nas últimas linhas de Pensamentos Metafísicos, Espinosa diz “Portanto, quando sustentam

que a vontade é indeterminada, parecem concebê-la também como um corpo posto em equilíbrio;

e já que aqueles corpos nada têm senão o que receberam das causas externas, eles pensam que o

mesmo segue-se na vontade”51

.

Espinosa nega a teoria de Descartes ao negar a assimetria entre entendimento e vontade. A

“ideia nasce de um objeto que é existente na Natureza”52

, desta forma, a verdade não é um termo

transcendental, ou seja, a ideia não é formada na mente dos homens como uma coisa que

transcende à coisa. Para uma ideia (essência objetiva) existir, necessita-se apenas do atributo

pensamento (essência formal).

48

O axioma que Espinosa se refere fala sobre a existência de Deus, dadas por Descartes na terceira e quarta

Meditação. 49

Carta 40, à Jelles. 50

Cf. DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. IV Meditação. 51

PM, PII, Cap.XII 52

BT, PII, Con §12

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A consideração cartesiana de Deus como causa transcendente e a

consideração spinozista de Deus como causa imanente, é, em última

análise, o que vai ocasionar a diferença na concepção do entendimento

divino e humano na Filosofia de Descartes e de Spinoza53

.

Descartes não alcançou a causa que revela como a coisa é aquilo que é. No início da

terceira parte da Ética, Espinosa faz observações neste sentido:

Sei, é verdade que o muito celebrado Descartes, embora também

acreditasse que a mente tem um poder absoluto sobre suas próprias ações,

tentou aplicadamente, entretanto, explicar os afetos humanos por suas

causas primeiras e mostrar, ao mesmo tempo, a via pela qual a mente pode

ter domínio absoluto sobre os afetos. Mas ele nada mais mostrou, em

minha opinião, só que a perspicácia de sua grande inteligência,como

provarei no momento oportuno54

.

O claro e o distinto, como imagens das coisas, nos possibilita um conhecimento apenas

parcial, já que não alcança a essência formal da coisa, e jamais atinge a causa da ideia na qual as

propriedades desta coisa se estruturam55

. Entendemos, assim, apenas o resultado dos modos de

como estes objetos aparecem, por meio das ideias inatas que Deus imprimiu em nós. A ideia clara

e distinta não pode revelar sua própria causa imanente. Descartes busca causas naquilo que

Espinosa considera efeito, o autor da Ética afirma que essa lógica inverte a natureza, pois toma

como efeito aquilo que é realmente causa e vice-versa. “Além disso, converte em posterior o que

é, por natureza, anterior”56

.

Espinosa opera uma conciliação entre uma longa tradição teológica que afirmava o

determinismo das coisas criadas, e uma outra longa tradição física e materialista que afirmava das

coisas criadas toda sua potência de agir. Na obra do autor, as duas correntes se juntam, uma

53

FRAGOSO, E. “Descartes e Espinosa. O Método e o entendimento”. Estud.filos, n.33, p.53-64, 2006, p.11. 54

EIII,Pref. 55

Cf. Carta 1, à Oldenburg. Especificamente a resposta que Espinosa dá à pergunta: “que defeitos observais na

filosofia de Descartes e na de Bacon?”. 56

EI, Apên.

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fazendo referência à essência da Substância, e outra, à essência dos modos.57

O cartesiano utiliza

uma metodologia regressiva e analítica, já o espinosismo examina a causa e não o efeito, ou seja,

utiliza uma metodologia reflexiva e sintética. É conhecendo as maneiras pelas quais podemos

conhecer que reconhecemos as ideias verdadeiras. O espinosismo exprime um princípio capaz de

superar totalmente a subjetividade ao compreender o observador e a coisa observada como

constituindo partes de uma mesma estrutura. Em outras palavras, o observador não pode

compreender as ideias como devem ser compreendidas se não compreender que ele mesmo é

parte do intelecto infinito de Deus, ou seja, que ele mesmo é uma ideia.58

É preciso chegar nos

primeiros elementos, isto é, na fonte de origem da Natureza.

Necessitamos entender a ênfase que Espinosa dá na questão da unidade absoluta. O

método não se baseia em nos fazer entender alguma coisa (ou todas as coisas) da natureza, mas

em expor uma via que revela uma inserção imanente da potência de pensar do homem no

intelecto infinito de Deus - nossa própria potência de compreender. Os homens têm uma potência

de pensar na medida em que participam da potência absoluta de pensar59

.

Neste sentido, podemos entender que a mente humana para Espinosa é um modo do

atributo pensamento, uma parte do entendimento da própria natureza. Ao compreender Deus, nos

compreendemos. Para Descartes, nunca compreenderemos realmente Deus, porque existe um

desalinhamento natural, causado pela finitude de meu intelecto e a infinitude da sua natureza

(todavia, não é por isso que não podemos ter ideias claras e distintas). O autor das Meditações

distingue o conceito de “inteligir” e de “compreender”: podemos “inteligir” Deus, mas não

“compreendê-lo”.

Para o cartesianismo, possuímos um conhecimento claro e distinto de um efeito antes de

termos um conhecimento claro e distinto da causa. Posso saber que existo como sendo um ser

pensante antes mesmo de conhecer a causa pela qual existo. O conhecimento claro e distinto do

efeito infere algum conhecimento da causa, mas apenas um conhecimento desordenado60

.

Descartes mostra que a ordem das razões humanas deve partir dos efeitos para as causas.

57

“Por um lado, devemos atribuir a Deus uma potência de existir e de agir idêntica a sua essência formal ou

correspondente à sua natureza. Por outro lado, porém, devemos igualmente atribuir a ele uma potência de pensar,

idêntica a sua essência objetiva ou correspondente a sua ideia”. (DELEUZE, 2017, p.126) 58

Cf. EII, Def.3. 59

Cf. EIV, Prop.29,30 e 36. 60

Cf. DELEUZE, G. Espinosa e o problema da Expressão. 2017, p.172, NT.

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Portanto, “a distinção entre a natureza da causa do entendimento em Descartes e Spinoza terá

como conseqüência a não aceitação por parte de Spinoza da heterogeneidade total entre o

entendimento divino e humano”61

. Esta e outras distinções farão com que Espinosa não utilize o

método analítico. Para Descartes, é indispensável a promessa de que, a partir de uma ideia clara e

distinta do efeito, podemos alcançar uma ideia clara e distinta da causa. Já, o autor da Ética

expõe que a ideia clara e distinta da causa não revela nada além do que sua filosofia entende

como um efeito - um sintoma -, e não como conhecimento adequado, que, de fato é o que

demonstra a causa de sua existência. As características extrínsecas não são suficientes, por

exemplo, para descrever a essência de um círculo, mas apenas sua causa adequada. Entender é

conhecer a causa das coisas, saber como as coisas foram produzidas, e quanto mais coisas

conhecemos, mais aptos a mais coisas somos62

.

Sabemos que a substância infinita cartesiana é causa de si de maneira distinta à forma com

que é causa das coisas que gera; sendo causa apenas de maneira análoga à causa das coisas que

cria. Em Espinosa, a substância é causa de si, exatamente da forma que é causa das coisas que

origina. Faltou ao autor das Meditações a compreensão de uma razão lógica, pela qual a causa de

si é atingida por ela mesma, estruturada na lógica da natureza absoluta da Substância. Quando a

filosofia espinosana fala que a essência se expressa nos atributos e que estes atributos não

compõem a essência da substância sem constituir sua existência, ele mostra também que eles não

exprimem a essência sem exprimir a existência que naturalmente dela decorre; assim, a existência

se concilia com a essência. Neste sentido, a causa de si tem uma razão lógica formal não só por

analogia, mas eficientemente.

Vemos, na sexta definição da segunda parte da Ética, que, por realidade e perfeição,

podemos compreender o mesmo, pois Deus age como existe. A causa de si é desvelada por sua

própria natureza. As coisas que gera, gera necessariamente e não acidentalmente. Todavia,

quando falamos sobre o ser em um sentido formal no cartesianismo, falamos sempre de uma

maneira análoga à causa eficiente. O nada não tem atributos. Desta forma, quantitativamente,

todo atributo é uma propriedade de uma Substância. Destarte, todas as coisas ou existem em si ou

61

FRAGOSO, E. “Descartes e Espinosa. O Método e o entendimento”. Estud.filos, n.33, p.53-64, 2006, p.9. 62

“Quem tem um corpo capaz de muitas coisas tem uma mente cuja maior parte é eterna”. (EV, Prop.39)

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em outra coisa, ou seja: Substância, propriedade ou modo63

. Da perspectiva dos modos, não há

acidentes, não há atributos que não deveriam necessariamente serem exprimidos.

Na filosofia espinosana, a teoria da imanência e a do método sintético são fundamentais.

O cartesianismo explica a causa do erro por um desalinhamento existente entre a finitude da

mente humana e a infinitude da natureza. As propriedades permanecem como acidentais em

Descartes, porque ele precisa manter uma certa causalidade nas coisas externas. Em Espinosa,

vemos que há uma necessidade intrínseca nos modos de ser. A Substância é a causa de todas as

coisas da natureza porque não se distingue dela. Por esse ângulo, podemos notar como tudo na

natureza é logicamente necessário. No início do apêndice da EI, Espinosa revela que as coisas

foram pré-determinadas não por pura vontade de Deus, mas por sua própria natureza, ou seja, por

sua forma, por sua ação. Neste sentido, a imanência é fundamental para compreendermos a

Substância única espinosana.

Em suma, a causa do erro para Espinosa não reside em uma incapacidade do ser humano

de compreender a infinidade da natureza, ou seja, não está em uma suposta assimetria existente

entre o intelecto e a vontade (como acreditava para Descartes). Para o autor da Ética, a causa do

erro está relacionada com uma má compreensão dos modos do pensamento, como podemos

conferir no TEI: “aqueles que não estabelecem cuidadosamente a distinção entre a imaginação e

o entendimento incorrem em erros enormes”64

.

Uma filosofia mística?

A dificuldade na compreensão da obra de Espinosa é apontada por praticamente todos os

estudiosos que se dedicam à matéria. As novidades que anunciava no século XVII ainda

conservam uma peculiaridade de estranheza por permanecerem raras. Com tantas minúcias

filosóficas necessárias para descrever Deus, seus atributos e suas infinitas modificações, é preciso

anos de estudos e reflexões aprofundadas para se encontrar os pontos de contato de seus

princípios fundamentais, outros para caminhar neste campo e tantos outros mais para

compreender sua intuição. Para entender o impacto do seu pensamento, podemos lembrar que

63

Cf. EI, Prop.4. 64

TEI, §87-89.

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Espinosa fora excomungado de sua comunidade judaica aos vinte e três anos, antes mesmo de

publicar qualquer obra. Arnold Zweig, em O Pensamento Vivo de Spinoza, nos diz que somente

os homens de hoje em dia podem medir o que, realmente, significou a palavra espinosista à

época: traduzindo-a por bolchevista65

.

Curiosamente, uma certa aura de misticismo e incerteza rondam a obra de Espinosa. Digo

curiosamente porque, como Claudio Ulpiano lembrava, o problema para Espinosa não é

propriamente o erro, mas exatamente a superstição e a tolice. Contudo, certas características

místicas rondam sua história. Espinosa estudou durante um certo tempo com o rabino Isaac

Aboab da Fonseca, que tinha uma forte tendência ao misticismo, embora discordassem acerca da

relevância da Cabala66

. Também estudou na yeshivá Keter Torah, onde foi introduzido ao

pensamento de Maimônides67

pelo rabino Mortera. Alguns comentadores identificam o

espinosismo como o acabamento e síntese de um longo desenvolvimento da teologia e do

misticismo judaico. Por exemplo, o filósofo alemão Johann Wachter68

realiza um estudo sobre a

influência que o misticismo teve nos trabalhos de Espinosa. Na mesma linha, Jean-Claude

Piguet69

identifica a influência da tradição cabalística na Ética, assim como Henry Walter Brann,

que possui um artigo intitulado Spinoza and the Kabbalah70

.

Outro tema que merece atenção é o rigor de sua excomungação: ela dizia para ninguém

”comunicar-se com ele oralmente ou por escrito, nem lhe prestar nenhum favor, nem estar com

ele sob o mesmo teto nem dentro de quatro cúbitos de sua vizinhança, nem ler nenhum tratado

composto ou escrito por ele”71

. A rigidez e severidade com que o documento fora redigido é

motivo de debate até os dias de hoje72

. Inclusive, é curioso o fato de estar escrito na

excomungação “não ler nenhum tratado composto ou escrito por ele”. Acredito que isto revela a

possibilidade histórica de Espinosa ter escrito algum texto, à época, que tenha sido destruído, mas

65

ZWEIG, A. O pensamento vivo de Spinoza.1973, p.58. 66

NADLER, S. Um livro forjado no inferno. 2013, p.21. 67

Sua principal obra - O Guia dos Perplexos - é notavelmente reconhecida como base e referência para o estudo do

misticismo judaico. 68

WACHTER, J. Der Spinozismus im Jüdenthumb. 1699. 69

PIGHET, J. Le Dieu de Spinoza, 1989. 70

Cf. WALTER, H. “Spinoza and the Kabbalah”, Speculum Spinozanum, 1677-1977, London: Routledge & Kegan

Paul, pp.108-18. 71

GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa II: correspondência Completa e Vida. 2014, p.347. 72

“Nem o próprio herém nem qualquer documento do período nos dizem exatamente quais teriam sido suas supostas

‘más opiniões e atos’, nem quais ‘abomináveis heresias’ ou ‘feitos monstruosos’ ele alegadamente teria praticado e

ensinado”. (NADLER, 2013, p.25)

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talvez nunca saberemos. É certo que algumas de suas obras se perderam e tantas outras foram

destruídas pelo próprio autor, como, por exemplo, um escrito chamado Tratado do Arco-Íris e

uma tradução que havia começado do Antigo Testamento para o flamengo, ambos lançados ao

fogo pelo próprio Espinosa. Durante sua vida, o autor demonstrou enorme receio e preocupação

constante com as pessoas que tinham acesso às suas obras. Fora ameaçado inúmeras vezes,

inclusive sofreu uma tentativa de assassinato por esfaqueamento na saída de um teatro. Publicou

apenas dois livros em vida, sendo um de forma anônima, este “considerado por contemporâneos

de Espinosa como o livro mais perigoso que já fora publicado”73

. Certamente, não iremos

investigar se há alguma relação do conteúdo das obras de Espinosa com o misticismo do século

XVII, da Cabala ou de qualquer outro. Tampouco investigaremos o porquê de tanta perseguição,

mas apenas achamos relevante atentarmos a esta questão. Quiçá, centenas de anos de estudos

acadêmicos sobre o espinosismo têm ignorado algo que o pensamento meramente racional não

pode alcançar. Pois bem, após esta breve digressão, voltemos ao tema central.

73

NADLER, S. Um livro forjado no inferno. 2013, p.11. O livro em questão é o Tratado Teológico-Político.

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UMA ANÁLISE ONTOLÓGICA

A unidade da Natureza

Para o homem compreender a unidade e conhecer a união da mente com a natureza

absoluta, necessita-se algo mais que palavras, demonstrações ou definições. Na terceira e quarta

definição da primeira parte da Ética, Espinosa fundamenta a estrutura una da Natureza: tudo o

que existe, existe ou em si mesmo ou em outra coisa, e aquilo que não pode ser concebido por

outra coisa deve ser concebido por si. Neste sentido, as quatorze primeiras proposições do

primeiro livro da Ética tratam de examinar esta unidade e explicar a Substância, seus infinitos

atributos de modos infinitos.

Procuraremos entender o que esta visão representa na prática epistemológica e ontológica

de sua filosofia. Se a Substância é composta de infinitos atributos de infinitos modos, devemos

compreendê-la, portanto, por meio de uma estrutura infinita que se organiza de maneira certa e

determinada. Neste sentido, entendemos o que Lorenzo Vinciguerra quis dizer com - “a

epistemologia anda de mãos dadas com a ontologia”74

. Em Espinosa, todas as coisas serão

referidas como “um modo de ser-ente”75

, dado que a sua essência objetiva não é distinta da ideia

do corpo existente em ato. Eu sou um modo de ser-ente, você é um modo de ser-ente, este

computador em que escrevo essa dissertação é um modo de ser-ente, Espinosa era um modo de

ser-ente. O que tem o nome de flor é um modo “florido” de ser-ente. O conhecedor e o conhecido

se transformam em um sendo-conhecendo. A filosofia espinosana explica que o que existe é um

único substantivo verdadeiro: ser e suas ações, ou Deus e a natureza.

Explicitada a unidade indivisível do ser, seguem-se, naturalmente, algumas questões

envolvendo: determinismo, função das partes, essência, modo etc. Espinosa nos explica que, por

atributo, devemos entender aquilo que um intelecto (entendimento) percebe de uma Substância

74

VINCIGUERRA, L. 2012, p.131, tradução nossa. 75

A palavra essência em português não é uma tradução da palavra essentia em latim, mas uma transliteração,

essentia em sua raiz advém do termo esse (ser). “O verbo latino para ‘ser’ é esse. Com ele formamos os particípios

presentes essentia e ens, e o gerúndio essendi (Essentia foi traduzido para o inglês como ‘essence’ (essência) e ens

como ‘being’ (ser). De fato, ‘essence’ não é uma tradução de essentia. É uma transliteração. [...] cada vez que em

uma tradução inglesa ou espanhola de BDS o leitor encontra a palavra ‘essence’ (essência) deve substituí-la por

‘being’ (ser-ente)”. (WIENPAHL, 1979, p.70)

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como constituindo sua essência.76

O homem como um modo de um atributo da natureza não é

uma substância que exista independentemente de qualquer outra coisa. O entendimento das

maneiras pelas quais o homem conhece a si só pode ser alcançado a partir da percepção de que o

homem, inevitavelmente, insere-se na totalidade da natureza, da mesma forma com que um

atributo constitui a essência da Substância. Ademais, “é impossível que o homem não seja uma

parte da natureza e que não siga a ordem comum desta”77

.

Descrever a dinâmica do modo com que o ser conhece é diferente de conceber um método

para a compreensão da verdade78

. Quando nos dedicamos à construção de um método que

tematize o acesso à verdade, conservamos, sem nos darmos conta, este homem aristotélico

cartesiano que a tradição do pensamento ocidental ensinou, pois a construção de um método só é

válida se conservarmos um homem que o utilize. A filosofia espinosista descreve as próprias

maneiras pelas quais a natureza conhece, ou seja, ela não envolve uma busca por signos da

verdade. A utilização de fórmulas e algoritmos conserva o estudo ontológico como um estudo

diverso da epistemologia, este, dedicado ao estudo das possibilidades de conhecimento do

homem, e aquele, dedicado ao estudo do ser próprio da natureza exterior.

Como tudo o que existe é a Substância e seus modos (de tal maneira que os modos nada

mais são do que afecções dos atributos de Deus), podemos concluir que o conhecimento

ontológico é o próprio conhecimento. Conhecer a maneira com que conhecemos é conhecer - é o

que Deleuze chama de investigação sobre a “genealogia da essência da substância”79

.

Deus e os modos de ser

A distinção fundamental que devemos realizar a fim de compreender a natureza da

Substância é: de um lado, a natureza naturante (natura naturans); de outro, a natureza naturada

(natura naturata), isto é, entre Deus ou Ser, e os modos de ser. Para examiná-los, devemos,

76

Cf. EI, Def4. 77

EIV, Apên, cap.7. 78

O próprio título do artigo de Emmanuel Fragoso - “Descartes e Spinoza. O método e o entendimento” -, explicita

essa distinção. 79

Cf. DELEUZE, 2017, p.12. “Généalogie de l’essence de la substance”.

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como Deleuze explica em Cursos sobre Spinoza, procurar entendê-los, não por meio de signos,

muito menos superstições, mas compreendê-los como expressões – a substância que se exprime,

o atributo que a exprime e a essência exprimida80

. O que existe pode ser visto como ser, antes que

como Substância, atributo e movimento.

O absolutamente perfeito compreende a Substância e seus atributos. Na sexta definição da

primeira parte da Ética, Espinosa explica que a substância é composta por infinitos atributos, de

tal maneira que cada um desses atributos exprime uma essência eterna e infinita. A filosofia

espinosana supera uma visão antropocêntrica do infinito, para entender a necessidade do

absolutamente infinito, o qual possui uma estrutura descrita por sua própria natureza. Não há

atributos iguais. A distinção real nunca é numérica, ou seja, não podemos distinguir

numericamente modificações entre atributo da Substância. Tampouco atributos podem ser

considerados acidentes, posto que a causa da existência da natureza é a mesma pela qual ela

existe – perfeição é igual a existência. Não há na natureza qualquer coisa a qual podemos atribuir

a algum vício ou carência, pois à natureza não podemos atribuir características humanas. De um

certo modo, podemos entender a natureza de todas as coisas por meio do conhecimento da união

que a mente tem com a Natureza inteira. “Espinosa repete desde o Curto tratado e o Tratado da

Reforma do Entendimento até a Parte V da Ética, o bem supremo consiste em nossa união com

um ser substancial eterno e imutável”81

. Adquirir tal natureza e esforçar-se para que muitas

adquiram comigo se torna parte essencial da ética espinosana.

O entendimento da Natureza não passa por uma interpretação subjetiva. Temos a potência

de enxergar as coisas absolutamente sendo da maneira como são. Cada atributo exprime a

infinidade e a necessidade de sua existência, ou seja, sua eternidade82

. Os modos são expressivos,

eles exprimem a essência de Deus, uma espécie da expressão da expressão. Em um primeiro

momento, devemos notar que a Substância se exprime em seus atributos e cada atributo exprime

uma essência, posto que origina-se da essência da Substância. Em seguida, os atributos se

expressam: eles se expressam nos modos que necessitam deles, e cada um expressa modificações

por meio de uma produção de coisas reais.

80

Cf. Deleuze, G. Espinosa e o problema da Expressão, 2017, p. .30 81

PINHEIRO, U. “Eternidade e esquecimento: memória, identidade pessoal e ética segundo Espinosa”. 2009, p.45. 82

“O principal atributo, a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela qual explicamos a sua

duração; para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”. (PM, PII, Cap.1)

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Aprendemos que o intelecto compreende dois atributos de Deus – a extensão e o

pensamento – de tal maneira que ambos atributos estão eternamente pensando e se

“extensionando”. O atributo do pensamento se expressa em todas as coisas, assim como o

atributo extensão: não há pensamento sem extensão e extensão sem pensamento. A ordem e a

conexão das ideias é igual a ordem e conexão das coisas. Os atributos da extensão e do

pensamento são aspectos da mesma coisa: de Deus e de cada modo específico de ser. Todos os

seres são animados, não há atributo morto ou sem nenhum movimento, assim, passáros e pedras

são igualmente animados. Conjuntos específicos de corpos constituem indivíduos, estes

expressam-se de forma mental e corporal.

Todas as coisas na natureza participam tanto do atributo mental como da extensão física.

Na parte dois da Ética, Espinosa mostra que nenhum atributo pode existir sem o outro. Os

atributos não podem ser compreendidos como espelhos que refletem a Substância, mas como

elementos vivos ou orgânicos que não se distinguem no nível de perfeição. A proposição

dezesseis da parte um revela as infinitas coisas que devem seguir de infinitos modos e por meio

dos quais atingimos os elementos primeiros, a noção da substância única. Todo atributo reproduz

uma qualidade, uma certa quididade, porque qualifica a Substância como sendo o que é, ao passo

que também reproduz um modo da diversidade da Substância. Não podemos enxergar os

atributos como simples características. Eles são, de certo modo, atribuidores, não são apenas

qualidades atribuídas a algo, possuem um valor expressivo, estão em movimento – vivos. Eles

não são mais atribuídos, considerados como eram pela tradição, como meros acidentes ou coisas

subjetivas. Eles exprimem uma essência infinita, uma qualidade ilimitada.

Por meio dos atributos, entendemos Deus, ou seja, podemos alcançá-lo, partindo de seus

modos, mas o entendimento proveniente dos modos não é alcançado através de abstrações e nem

através de analogias. A metodologia espinosana não é analógica e nem ideal, mas um

entendimento prático.

Cada vez que criamos um signo de uma certa expressão, criamos limites, periferias,

superstições, fantasias, todas as argúcias metafísicas, com as quais se estruturam

epistemologicamente a Torá, o Evangelho etc. Esta dinâmica epistemológica analógica produziu

um certo desconhecimento geral dos homens em relação às leis naturais, o que acabou por

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construir uma relação dúbia entre a necessidade e as leis dos homens. Todas as leis adquirem um

conteúdo moral se não realizamos esta distinção de maneira eficaz.

Todo o movimento do universo segue imediatamente do atributo da extensão, do mesmo

modo como toda ideia segue do atributo pensamento83

. É importante notar, como é exposto nas

EII7e13, que existe uma correlação entre os atributos extensão e pensamento. Devido a esta

conexão, a tradição espinosista acostumou-se a chamar de “paralela” a relação dos atributos de

Deus. Por certo, os atributos de Deus estão numa eterna constância, de tal sorte que não há

nenhum pensamento sem que haja um correlato na extensão. E, nesta esteira, Matheron, em um

de seus artigos84

, realiza uma investigação para encontrar uma resposta à seguinte questão: qual o

correlato na extensão da compreensão de uma ideia verdadeira no pensamento?85

Digo isto para

mostrar o quão rigorosa é a relação de correspondência entre os atributos. É importante notar, que

esta relação de similaridade entre os atributos não representa apenas uma coincidência no

encadeamento dos correlatos das naturezas de cada atributo, porém um equivalência em relação à

origem de princípio entre as sequências, que necessitam ser entendidas como autônomas:

“Quando Espinosa afirma que os modos dos atributos diferentes não tem apenas a mesma ordem,

mas também a mesma concatenação, ele quer dizer que os princípios dos quais eles dependem

são eles mesmos iguais”86

. Por um outro lado, há filósofos que discordam da utilização deste

conceito (paralelismo) para explicar a dinâmica dos atributos. Por exemplo, no artigo de Ericka

Itokazua, “A última tentação do paralelismo na interpretação da filosofia de Espinosa”, vemos

que a autora cita Chantal Jaquet como exemplo de uma filósofa que expõe o termo paralelismo

como um instrumento conceitual “que mais atrapalha do que ajuda” na compreensão dos

atributos87

. Deleuze entende que Leibniz, ao conceber o termo “paralelismo”, utilizou-o de

83

Neste sentido, entendemos quando Espinosa afirma no BT: “No que toca agora à Natura naturata, ou aos modos

ou criaturas que dependem imediatamente de Deus, ou são criados imediatamente por Ele, não conhecemos mais do

que dois deles, à saber, o movimento na matéria e o intelecto na coisa pensante.” (BT, PI, cap.IX, §1, grifo nosso) 84

MATHERON, A. “Etudes sur Spinoza et les philosophes de lage classique”. 2011. 85

Ibid, p.693. “que se passe-t-il das le corps lorsque l’espirit compred?”. 86

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expresão. 2017, p.117. 87

ITOKAZUA, E. “A última tentação do paralelismo na interpretação da filosofia de Espinosa”. Revista Conatus -

Filosofia de Spinoza - volume 4 - número 8 - dezembro 2010. “Não é aqui nosso propósito procurar a exata datação

da primeira vez em que o termo aparece associado a Espinosa, nem fazer má análise histórica do paralelismo,

bastando-nos o breve exame das ocorrências mais conhecidas. Quanto à sugestão de seu primeiro uso nas cartas de

Jacobi, seguimos a referência feita por Maxime Rovere no seu trabalho La tentation du parallelisme: um fantasme

géometrique dans l´histoire du spinozism” in La théorie spinoziste des rapports corps-esprit et ses usages actuels

organizado por Jaquet, C., Sévérac, P., Suhamy, A., Hermann, Paris, 2009.”

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maneira muito generalizada, já que a relação de encadeamentos entre naturezas independentes

resulta de um mesmo princípio (da natureza naturante).88

Não obstante, e levando em consideração o que já expliquei sobre a distinção entre

natureza naturada e natureza naturante, enfatizo que o termo “paralelismo” deve ser empregado

apenas aos modos do Ser, posto que a natureza não pára de agir constantemente, produzindo na

mesma sequência de encadeamento nos infinitos atributos. Sendo assim, há, de certo modo, uma

relação entre os modos dos infinitos atributos, já que exprimem uma substância única, ou seja,

constituem incessantemente uma mesma modificação.

De uma perspectiva extensional, podemos identificar partes individuais que se

diferenciam pelo movimento e repouso e também partes individuais justapostas que constituem

indivíduos89

. Essa pluralidade de indivíduos se relacionam no sentido em que constitui um

mesmo indivíduo, no mesmo sentido em que um indivíduo é composto de vários modos,

“concebemos facilmente que a natureza inteira é um só indivíduo, cujas partes, isto é, todos os

corpos variam de indefinidas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo inteiro”90

.

A ordem e a concatenação das ideias são as mesmas que a ordem e a concatenação das

coisas. Esta proposição de Espinosa, em um certo sentido, aponta para uma influência aristotélica

no espinosismo: saber o que uma coisa é, é entender a sua causa. Uma ideia verdadeira só é

explicada de maneira correta quando explicamos sua causa no atributo pensamento, no mesmo

sentido em que só descobrimos o que um corpo é se examinarmos sua causa na extensão. Uma

coisa extensa não pode produzir uma ideia, ou seja, um modo do pensamento, e vice-versa. A

cada ideia condiz uma coisa.

A natureza se produz ao passo que se compreende. Ao agir, ela compreende o que produz.

A filosofia de Espinosa é uma lógica, de tal sorte que a natureza que fundamenta sua lógica é, ao

mesmo tempo: epistemologia e ontologia. Neste sentido, o ser humano é um composto

constituído de mente e corpo91

, de tal modo que estes compostos não existem como coisas

separadas, ou seja, são atributos da mesma coisa consideradas de formas distintas - modificações

88

DELEUZE, 2017, p.161. 89

EII, P13. 90

EII, P13. 91

Em referência com o que vimos acima: “O corpo humano compõe-se de muitos indivíduos (de natureza diferente),

cada um dos quais é também altamente composto”. (EII, Prop.13, Post)

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dos modos da Substância.92

Não constituem por si só substâncias. O ser humano aparece na

segunda parte da Ética93

constituindo a parte que trata sobre a origem e natureza da mente. Não

obstante, tendemos a pensar os seres humanos como seres substanciais, independentes de outros

seres, como o aristotelismo nos ensinou, e que se reflete na estrutura de nossa gramática

construída sob a erige do sujeito e predicado.

A extensão não é o reflexo do conjunto constituído pela soma de cada corpo particular,

pois, antes de constituir seres particulares, ela exprime a essência de uma Substância única. A

mente humana necessita de outras mentes para desenvolver o seu próprio modo de pensar. Desta

maneira, as ideias só podem ser geradas por outras ideias, assim como corpos só podem surgir do

relacionamento de outros corpos. Neste sentido, Espinosa diz que nada é mais útil ao homem do

que outro homem. Os seres humanos expressam a essência de Deus por meio das modificações

de seus atributos, um modo de ser-ente extensional e “pensamental”, cujo poder de afetar e de ser

afetado é sempre exercido. Poder compartilhado também por todos os outros seres.

Temos pensado que nosso pensamento encontra-se em nosso cérebro, assim como

pensamos que nossas ideias estão separadas de outras ideias. Isto porque tendemos a pensar as

ideias do pensamento da mesma forma como pensamos as coisas na extensão, distinguindo ideias

como distinguimos corpos, ou seja, por meio de suas imagens e palavras na duração. Desta

forma, “confundiram a mente com as coisas corpóreas; o que teve origem porque, para significar

as coisas espirituais que não entendiam, utilizaram as palavras que costumam utilizar para as

coisas corpóreas”94

. Entretanto, vemos como o corpo e a mente humana não existem de maneira

isolada. Para o corpo existir, antes foi necessário que existisse uma comunidade de pessoas que o

produziram, do mesmo modo, para existir a mente humana (a ideia do corpo), antes foi

necessário que existisse uma relação de ideias que a produziram. Uma mente (ou um corpo),

considerados unicamente em si mesmos, são pouco conscientes de si e da Natureza. Como um

peixe em um oceano que, ao conhecer a natureza do mar, conhece a sua mesma. O homem ao

descobrir a Natureza, descobre quem é.

92

A “substância pensante e a substância extensa são uma só e a mesma substância, compreendida ora sob um

atributo, ora sob outro. Assim, também um modo da extensão e a ideia desse modo são uma só e mesma coisa, que se

exprime, entretanto, de duas maneira”. (EII, Prop.7, cor) 93

A segunda parte do BT intitula-se: Do homem e de quanto lhe pertence. 94

PM, PII, Cap.XII.

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A relação existente de amor entre o homem e a Natureza, ou seja Deus, existe na medida

em que há uma coincidência entre o fato de Deus amar a si mesmo num amor compreensivo, e a

tomada de consciência dos homens da parte eterna da mente. Deus não ama o homem enquanto

considerado como um ser infinito, que realiza todos os atos e ações com tudo e com todos, mas

sim, enquanto é explicado por constituir a essência da mente humana. Nada pode ocorrer que

possa extinguir este amor compreensivo.95

“Sou imperfeito, logo, não tenho existência necessária,

logo, não tenho a potência de me conservar; sou conservado por outro, mas um outro que tem

necessariamente o poder de conservar a si mesmo, [...] que existe necessariamente”96

.

As relações entre corpos resultam sempre em uma composição ou em uma decomposição.

Um corpo é capaz de agir e de padecer à medida que compreende adequadamente ou que

compreende inadequadamente. Esta é a medida de inferioridade e superioridade entre as mentes

humanas. Quando Espinosa nos explica que a Natureza tem esta ou aquela ideia, não devemos

entender que Deus tem infinitas ideias, ou que tem várias ideias, ao passo que temos apenas uma

por vez. De maneira distinta, temos de entender que a mente humana, às vezes, percebe as coisas

parcialmente, ou seja, inadequadamente, enquanto o intelecto divino (essência formal da mente

humana) existe absolutamente por sua própria natureza.97

95

Cf. EV, Prop.36. 96

DELEUZE, G. Espinosa e Problema da Expressão. 2017, p. 96. 97

EII, Prop.11,cor.

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UMA EPISTEMOLOGIA ENVOLVENTE

A ideia e a expressão

Na sexta definição da primeira parte da Ética, Espinosa expõe uma característica

fundamental dos atributos: eles são expressivos. Cada um exprime uma essência eterna e infinita.

A expressão assume, assim, uma função essencial na dinâmica de conhecimento.

Como disse o professor emérito da UFRJ Carneiro Leão: “conhecer aquilo que podemos

enxergar é muito fácil, difícil é descrever aquilo que não enxergamos”. Tradicionalmente, o

pensamento tem aparecido como algo de natureza incerta e complexa demais para se

compreender. Tanto é assim que nunca tivemos aula de como pensar ou sobre o que é o

pensamento. Ainda hoje, tratamos o tema com uma certa obscuridade. Nas definições da segunda

parte da Ética, vemos que a ideia é um conceito da mente, que a mente concebe, dado que é uma

coisa que pensa. Espinosa utiliza a palavra conceber pois se trata de um verbo, ou seja, uma ação,

e o pensamento é ativo e não, passivo. As ideias não surgem como representações de um modelo

imaginativo, quer dizer, não surgem como resultado da impressão da imagem de um objeto

exterior no pensamento. As ideias só podem resultar de outras ideias, assim como os corpos só

podem resultar de outros corpos - corpos não produzem ideias.

Como dissemos, Espinosa não trata de conceber um método para que os homens possam

compreender a natureza, mas sim, entender as próprias maneiras pelas quais a Substância

compreende. Se não existe um método98

, tampouco existe uma finalidade no conhecimento. Não

se trata de uma busca por signos, mas a compreensão da maneira própria pela qual conhecemos

as forças que se expressam na natureza tais como elas são em si mesmas. E assim, a expressão

assume uma função fundamental na dinâmica de conhecimento e progresso99

. Deus não fabrica

signos, Deus se expressa e a expressão não é nem simbólica e nem mística. A Natureza se

98

No TEI, Espinosa diz várias vezes que há um Método (com m maiúsculo), no caso, este Método não trata de uma

método analógico. Espinosa não trata de um “método” no sentido analógico, de um certo mecanismo de mediação

entre a finitude humana e a infinidade da natureza. No entanto, Método no sentido espinosano é o próprio

entendimento. Não podemos tratar em termos de uma metodologia, pois a Beatitude não é o prémio da virtude, mas a

própria virtude, ou seja, a compreensão. 99

Utilizo a palavra progresso em referência à passagem do Tratado da Emenda do Intelecto: “À medida que

confundimos a imaginação com intelecto, julgamos inteligir o que imaginamos.[...] Por isso antepomos o que

devemos pospor e assim se desfaz a verdadeira ordem do progresso e não se conclui nada legitimamente”. (TEI, §90)

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expressa e, ao expressar-se, revela relações. A expressão não pode, assim, ser compreendida

como uma coisa fixada pela consciência, mas o conhecimento da natureza da expressão surge da

compreensão de que isso que se expressa é o mesmo que se compreende. Analisando a

expressão, Deleuze desvenda seus dois correlatos100

: explicare et envolvere101

. Exprimir é

envolver e explicar, estes são os dois aspectos da expressão. Envolver é explicar e explicar é

desenvolver. As duas palavras advém da palavra latina plicar, que significa dobrar. Nesta esteira,

implicar ou envolver introduzem a ideia de dobrar para dentro, enquanto explicar e desenvolver,

dobrar para fora. A expressão é, assim, uma manifestação do uno no múltiplo. A Substância se

expressa no todo, ou seja, o todo desdobra as suas partes. Em outras palavras o observador é a

coisa observada.

As expressões exprimem a própria unidade, “são os olhos da alma. São, portanto, os

órgãos que nos colocam em contato com as coisas e, por ocasião desse contato, nos transmitem

esse sentimento de nós mesmos”102

. A tradição, ao caracterizar a mecânica epistemológica do

processo de formação das ideias a partir do modelo imaginativo, ensinou que as ideias surgem

como resultado do encontro do pensamento com a extensão. Esta concepção negligencia o caráter

expressivo da ideia e falseia o índice da verdade, que está na própria coisa ou na ideia. Gabriel

Leitão expõe o erro fatal daqueles que “julgam as coisas pelos nomes e não os nomes pelas

coisas”103

. Portanto, “compreenderá claramente que a ideia (por ser um modo do pensar) não

consiste nem na imagem de alguma coisa, nem em palavras”104

.

A ideia é outro modo de considerar os corpos da extensão e vice-versa - res extensa é

igual à res cogitans – cada modo expressa a essencialidade eterna e infinita da Substância. Em

grego, ideia significa forma, um aspecto ou aparência de alguma coisa. Para Espinosa, tudo tem

ideias: pedras, pássaros, homem etc. Todas as coisas têm uma forma, o que equivale a dizer que

todas as coisas têm uma ideia. O objeto da ideia que é, por exemplo, a mente de um ser humano,

é o corpo de sua ideia. A forma de um corpo humano é a mente deste corpo, é o que possibilita a

distinção de um objeto de outro. A mente de uma planta, é muito mais simples do que a de um ser

humano, uma planta é animada em um nível muito menor.

100

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da Expresão, 2017. 101

Ibidem. 102

MOREAU, F. MOREAU, F. Spinoza l’expérience et l’éternite. 1994, p.547, tradução nossa. 103

LEITÃO, G. “O problema da linguagem em Espinosa”. Linguagens e Diálogos, v.1, n.1, p. 24-41, 2010, p.30. 104

EII, Prop.49esc.

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A ideia verdadeira distingue-se das demais porque é adequada, e não pela correspondência

com seu ideado. Uma coisa é o círculo e outra, a ideia de círculo105

. O círculo, como vimos, tem

centro e periferia, todavia, a ideia do corpo não é o corpo: “querendo dividir a água divido senão

o modo da substância e não a substância mesma”106

. Para que a mente reproduza o modelo da

natureza, ela deve produzir todas as suas ideias a partir daquela que reproduz a origem e a fonte

da Natureza; “O escopo, então, é ter ideias claras e distintas, tais que, como se pode ver, sejam

feitas a partir da pura mente e não de movimento fortuitos do corpo”107

(grifo nosso).

Conheceremos a maneira correta de conhecer quando tivermos a ideia do ser perfeitíssimo e,

como sabemos, a ideia é uma sensação em ato. Esforçar-nos-emos para concatenar as ideias de

tal modo que nossa mente reproduza objetivamente a formalidade da natureza, ou seja, que nosso

intelecto humano reproduza o intelecto divino, e que as coisas sejam concebidas por meio de sua

essência.

A ideia exprime a perfeição das coisas no pensamento. A modificação de um modo exprime

a ideia de um corpo que manifesta a essência da Natureza imediatamente. Na demonstração da

manifestação da expressão, esta envolve e a explica. Não podemos entender a expressão a partir

de suas explicações, apenas através da própria expressão. A explicação aponta mas permanece

sempre após o acontecimento. A essência formal não é expressa sem que haja entendimento

divino, visto que é a expressão que funda a conexão com o entendimento. “Por Deus

compreendo as afecções de uma Substância, ou seja, aquilo que existe e que consiste de infinitos

atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita”108

. É na medida que a

Substância se exprime nos atributos que os atributos exprimem a essência formal.

Os atributos são como pontos de vista da Natureza. Mas, no absoluto, os pontos de vista não

são exteriores (no absoluto não existe interior e exterior). A Natureza compreende em si a

infinidade de seus próprios pontos de vista. Não é um ponto de vista que adquire um

entendimento finito perfeito, que entende todas as propriedades, uma a uma, e as explica ao

compará-las com outras coisas próximas. A coisa que se exprime é ela mesma que se explica.

A expressão não pode ser objeto de repetição e demonstração - é ela própria em ato que se

105

TEI, §33. 106

BT,PI,Cap2,§21. 107

TEI ,§91. 108

EI, Def.6.

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exprime no absoluto, que manifesta imediatamente a essência da Substância. Não é possível

entender qualquer ideia sem que haja expressão. Cada expressão é como se fosse a existência do

exprimido, de tal forma, que a essência exprimida é a essência da Natureza.

A expressão é como uma semente que exprime, de certa forma, a árvore toda. A essência da

Natureza é expressa nos modos, assim como o espelho aponta para o olho que vê a imagem. O

que é expresso está envolvido na expressão assim como a árvore e a semente: a essência da

Substância é constituída pelos atributos que a exprimem e não meramente refletida nos atributos.

A expressão reúne Deus (natureza naturante) e o mundo (natureza naturada). Os modos se

exprimem, desenvolvem ou explicam a Natureza. A potência é a coesão absoluta de Deus e o

mundo. Mas Deus tem outra potência, outro modo da expressão: Deus se exprime e se entende

objetivamente. Quando Espinosa diz: “a potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual

de agir. Isto é, tudo o que se segue, formalmente, da natureza infinita de Deus segue-se

objetivamente em Deus, na mesma ordem e segundo a mesma conexão, da ideia de Deus”109

, e

que “quando a mente humana percebe isto ou aquilo não dizemos senão que Deus, não enquanto

é infinito, mas enquanto é explicado por meio da natureza da mente humana, [...] tem esta ou

aquela ideia”110

, vemos que essência de Deus age formalmente nos modos que constituem sua

natureza e objetivamente na ideia que exprime essa natureza. A essência objetiva é uma potência

de Deus. Não existe um ser que seja a causa de todas as coisas sem que também seja causa de

fato das ideias.

Espinosa estava dizendo que há uma relação da potência infinita de Deus de pensar e da

essência objetiva que exprime as ideias. Sabemos que a Natureza pensa infinitas coisas de

infinitos modos.111

Para que ela conceba uma ideia de sua própria essência é necessário que ela

possua, no atributo pensamento, uma potência de pensar idêntica à potência de existir. A potência

infinita do pensamento de pensar é a essência objetiva de Deus: não há causa objetiva se não

houver uma essência formal.

Possibilidades e necessidades constituem a potência da existência e das ações de Deus:

possibilidades relativas aos modos formalmente distintos e à necessidade relativa à unicidade da

109

EII, Prop.7, cor. 110

EII, Prop.11, cor. 111

Cf. EI, Def.6.

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Substância. “A essência formal não é por si e tampouco criada; com efeito, os dois suporiam que

a coisa existe em ato, mas ela depende só da essência divina, na qual tudo está contido”112

.

Como a Natureza é um ser do qual se afirmam atributos infinitos e

contém em si todas as essências das coisas criadas, é necessário que de

tudo isso, seja produzido no pensamento uma ideia infinita que contenha

em si objetivamente a Natureza inteira, tal qual ela realmente é em si

mesma.113

Se quisermos examinar uma perspectiva, digamos, lógica do pensamento de Deus,

certamente, o objeto desta ciência só poderia ser sua própria natureza. O atributo pensamento

constitui-se de maneira formal de modificações que objetivamente expressam o atributo. Em

outras palavras, a diferenciação entre causa formal e objetiva coincide no pensamento com a

diferenciação entre essência formal e realidade. Neste sentido, para tudo que existe de maneira

formal há uma ideia que objetivamente corresponda a esta formalidade. “Deus contém

eminentemente aquilo que se encontra formalmente nas coisas criadas, isto é, Deus tem atributos

tais que contêm todas as coisas criadas da maneira mais eminente”114

.115

Para investigarmos a natureza da ideia de Deus, é necessário inquirir uma resposta que

resida no próprio atributo pensamento, que é dizer, quando investigamos a ideia de Deus, estamos

procurando a natureza da expressão. Para tal, é essencial manter uma distinção muito clara na

mente entre aquilo que exprime e o que é expresso. O expresso é a causa, mas o que se exprime é

a potência de entender as maneiras pelas quais entendemos. No início do apêndice da EI,

Espinosa diz que tudo o que acontece tem como causa Deus pela própria natureza da sua forma.

As ideias seguem da ideia de Deus e, formalmente falando, de sua potência de pensar.

112

PM, PI, Cap.2. 113

BT, PII,Con,§3. 114

PM,PI,Cap.2. 115

Poderíamos nos questionar se a Ética Espinosa dá espaço para a noção de Deus como causa eminente. No

EI17esc, o autor afirma: “E por isso o intelecto, enquanto concebido como constituindo a essência de Deus, é,

realmente, a causa das coisas, tanto de sua essência como de sua existência, o que parece ter sido percebido também

por aqueles que afirmaram que o intelecto, a vontade e a potência de Deus são uma única e mesma coisa. Portanto,

como o intelecto de Deus é a única causa das coisas, isto é, tanto de sua essência como de sua existência, ele deve

necessariamente delas diferir, seja no que toca à essência, seja no que toca à existência. Como efeito, o que é causado

difere da respectiva causa precisamente naquilo que ele recebe dela”.

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“Ademais, como para a existência de uma ideia (ou essência objetiva) somente se requer o

atributo pensante e o objeto (ou essência formal), o que dissemos é certo: a ideia ou essência

objetiva é a modificação mais imediata do atributo”116

. Sem dúvida, nossas ideias de afecções

“envolvem” sua própria causa, ou seja, a essência objetiva do corpo exterior, mas elas não a

“exprimem” nem a “explicam”. As afecções que temos revelam uma perspectiva de nosso corpo,

todavia, não podem explicar a essência da natureza exterior. As imagens que temos são marcas,

imagens impressas em nossa retina e não ideias expressivas; são apenas sensações, não

compreensões. Devemos lembrar: conceber uma ideia, da perspectiva da eternidade, tem menos

relação com interpretar e mais com participar da natureza. “A ideia inadequada é a ideia

inexpressiva”117

.

A imanência da Substância e a expressão de seus modos

Participamos da Natureza enquanto entregamos energia para a produção. Participamos

emanativamente: tudo é emanado. A participação acontece enquanto há entrega: entregamos ao

participar. Deleuze, em Espinosa Filosofia Prática, afirma que a emanação aparece como um

conjunto entre o doador, o que é doado e o que recebe. A modificação compartilha da ação, ou

seja, da expressão, durante o tempo em que, definido absolutamente por aquilo doado, coincide

com o concessor. Encontramos, aqui, um fator que reúne a causa emanente e a causa imanente. A

modificação causa, mas esta causa está para além de sua total apreensão. Logicamente, digamos

assim, a causa eficiente é a modificação, e o efeito só é efeito pois a causa é uma modificação

definida. Da perspectiva da imanência, “nenhuma coisa criada pode existir por sua natureza

sequer um instante, mas é continuamente procriada por Deus”118

. A Natureza que emana, emana

porque apreende e compartilha de uma imanação da qual as coisas se originam e coincidem. O

que emana causa o mundo, não obstante, causa pois compartilha de uma imanação.

Para investigarmos aquilo que é imanente, precisamos direcionar nosso foco para o estudo

ontológico em uma concepção clássica do conceito. A imanência absoluta se expressa

absolutamente em todas as modificações a todo momento. Como vimos, Deus se desenvolve da

116

BT, PII, Con,§7. 117

DELEUZE, 2017, p. 118

PM, Cap.12.

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mesma maneira que desenvolve o mundo, e não apenas de maneira analógica. Deste modo,

observamos a natureza da perspectiva da eternidade, na qual compreendemos diretamente Deus

por meio das essências formais das coisas do mundo. Aparentemente, enxergamos um

predomínio da causa objetiva em detrimento da causa imanente, todavia, a causa objetiva não

pode ir além das características extrínsecas. A imanência não opera por analogia; “todas as

coisas existem em Deus e dele dependem de tal maneira que não podem existir nem ser

concebidas sem ele”119

. Vemos que a causa objetiva tem predominância sobre o efeito mas não

supera aquilo que produz no nível da aparência. Necessitamos observar a produção sempre de

maneira positiva. A mente concebe por meio de uma dinâmica que envolve coisas formais, não

representativas. Por isso, podemos afirmar que, por meio das essências das partes, podemos

alcançar o entendimento de Deus.

É preciso considerar que uma causa passageira é aquela cujas

produções são exteriores ou fora de si mesma, como alguém que joga uma

pedra no ar. Ou um carpinteiro que constrói uma casa. Ao passo que uma

causa imanente age interiormente e se detém em si mesma, sem sair de

modo algum. Assim, quando nossa alma pensa ou deseja alguma coisa, ela

é ou se detém nesse pensamento ou desejo sem dele sair, sendo sua causa

imanente. É dessa maneira que o Deus de Spinoza é a causa deste

Universo, onde está e não além.120

Enquanto explicamos, complicamos. Em outras palavras, dobramos aquilo que é - a

coisa nunca sai de Deus. O observador não se desgruda da coisa observada. A imanência implica

a unidade da Natureza; “pois é o mesmo ser, ao qual as coisas estão presentes, que está presente

nas coisas. A imanência se define pelo conjunto da complicação e da explicação, da inerência e

da implicação”121

. A expressão emana, por meio de sua essência objetiva, a essência formal

imanente. Aquilo que emana não emana significantemente, tampouco, misticamente, mas

expressivamente.

119

EI, Apên. 120

GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa I. A Vida de Barukh de Spinoza. 2014, p.344. 121

DELEUZE, 2017, p.193.

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A modificação compartilha com o modo à medida que causa o efeito daquilo que é

imanente. Aquilo que expressa desvela a realidade, e assim: a perfeição122

. A Natureza se

exprime em si mesma ao exprimir-se no mundo. Este mundo é o ato que Deus expressa. Deus não

é imanente no sentido de que todas as modificações, de todos os modos, expressam a mesma

essência de Deus. Por isso, chocou a todos, no século XVII, quando Espinosa disse que aquele

martelo que viam era a própria forma de Deus na extensão. É no desvelar da extensão que Deus

se explica e se compreende. A Substância se exprime no mundo, e o mundo expressa os modos

da Substância. Deus se expressa.

Não podemos explicar sem se envolver e complicar. A explicação supõe um nível de

envolvimento entre os corpos na extensão e entre as ideias no pensamento. O efeito que emana é

expresso, revelado e, por si, explicado na medida em que a Substância é a causa de todos os

modos e modificações. Nos desenvolvemos como existimos formalmente. Como as ideias não

surgem do modelo imaginativo, as ideias não são modelos das modificações dos modos

extensionais da Natureza. Deus não produz gêneros universais. “Aristóteles, mais ainda, errou

gravissimamente se acreditou ter explicado adequadamente a essência humana por sua

definição”123

, e como “todo é somente um ente de razão”124

, o progresso no conhecimento erige-

se sobre coisas reais, em outras palavras, formais. Devemos “sempre deduzir nossas ideias a

partir de coisas físicas, ou seja, de entes reais, progredindo, o quanto se possa fazer, [...] a partir

de um ente real para outro ente real”125

. Conhecer é conhecer a Natureza, e conhecer a Natureza

não é conhecer as palavras, tampouco as imagens.

Participamos da expressão na medida que conhecemos sua formalidade, compartilhando

com a Natureza que emana, e apreendendo suas formas. O que objetivamente emana causa o

mundo. Causa pois compartilha de uma emanação formal. A expressão reúne a distinção dos

modos com a constituição una da Natureza. A tradição teológica explicou Deus de modo distinto

ao mundo material. A Natureza se exprime em si mesma ao exprimir-se no mundo. Este mundo é

composto pelos modos expressos por Deus.

122

Cf. EII, Def.6. 123

PM, PI, Cap.1 124

BT, PI §9. 125

TEI, §99.

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A potência de pensar e a potência da natureza para existir e agir

Podemos notar que Espinosa prova a existência da Substância partindo da potência, ou

seja, não de alguma coisa transcendental126

. A prova não passa pela ideia de um Deus, tampouco

tenho uma ideia de Deus porque Deus é infinito, e sendo, assim, supostamente, seria a fonte de

todas as ideias.127

O entendimento da Natureza acontece imediatamente na existência por meio da

sua potência de existir.

Espinosa afirma que o mundo produzido nada acrescenta à essência de Deus – as

“essências das coisas são desde toda eternidade e permanecerão imutáveis por toda a

eternidade”128

. Podemos identificar e separar dois níveis da expressão: a Natureza se expressa em

si mesma (natura naturante), antes de se expressar nos seus modos (natura naturada), e, neste

sentido, o mundo pode ser considerado como uma expressão em segundo nível. E como

“nenhuma coisa criada faz algo pela própria força, do mesmo modo que nenhuma coisa criada

começa a existir por sua própria força”129

, um ser finito não existe por sua própria essência e

potência, mas em virtude de uma causa externa. Essência, ideia, potência e existência são

distinções que podemos fazer apenas nos modos da Natureza, como quando afirmamos existir

todo e parte130

. No mesmo sentido, “um intelecto em ato, quer seja finito, quer seja infinito, tal

como a vontade, desejo, o amor etc., deve estar referido à natureza naturada não à naturante”131

.

Os seres finitos são dependentes. Os atributos são expressões comuns à substância e aos modos

que os implicam. É através dos atributos que a Natureza comunica a todas as modificações a

potência que lhes é devida. Não obstante, o autor da Ética não está dizendo que um ser

dependente não tem potência. As modificações têm potência para agir, porém, à medida que se

compreende como parte de um todo, este que existe por si e “que pelo seu concurso procria

todas as coisas a cada instante”132

.

126

“Enganaram-se completamente aqueles que julgaram o verdadeiro um termo transcendental”. (PM, PI, cap.VI) 127

EV, Prop.36. 128

BT, PI, Cap.1,§2. 129

PM, p.211. 130

BT, PI, Cap.1,§19. 131

EI, Prop.31. 132

PM, PI, cap.III, p.211.

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O homem, como uma modificação de um modo de Deus, é uma coisa finita. É necessário

que aquilo que identificamos como sua mente seja uma modificação do atributo pensamento, e

caso essa modificação seja destruída, o atributo pensamento permanecerá intacto. No mesmo

sentido, o corpo humano é uma modificação do atributo extensão. Se destruído, deixa de existir,

e, da mesma forma, o atributo extensão não se alterará. Estes modos são partes da potência

infinita de Deus, a modificação atua na existência pela potência de existir. Quem tem a potência

de se conservar existe, portanto, necessariamente. O homem não tem uma existência necessária,

não tem potência de se conservar. Somos conservados por outro, cuja existência é necessária. A

potência é equivalente à essência, e é justamente por esta identidade que as coisas existem e se

conservam. “De fato, se fosse uma criatura, precisaria da potência de Deus para que fosse

conservada e assim dar-se-ia um progresso ao infinito”133

. Quer dizer, por meio da potência,

notamos sua essência, “não passa mais pela ideia de Deus, nem por uma correspondente potência

de pensar, para chegar, em conclusão, a uma potência infinita de existir. Ela opera imediatamente

na existência pela potência de existir”134

.

Na sétima proposição da segunda parte da Ética, notamos que a potência de pensar de

Deus é igual a sua potência de agir, dado que a ordem e conexão das ideias é a mesma que a

ordem e a conexão das coisas. Afirma-se uma certa identidade entre os objetos e as ideias. Este

pedaço de seda que estou vendo é uma modificação em relação à potência de existir do atributo

formal ao qual depende; paralelamente, também é uma ideia objetiva do pensamento do qual

depende formalmente sua potência de pensar. Em termos de potência, podemos notar que o

pedaço de seda e a ideia deste pedaço de seda são uma só e mesma coisa expressa de duas

maneiras distintas. A “potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual de agir. Isto é, tudo

o que se segue, formalmente, da natureza infinita de Deus segue-se, objetivamente, em Deus, na

mesma ordem e segundo a mesma conexão da ideia de Deus”135

.

A Natureza produz ao passo que pensa sua produção. Deus tem uma potência de existir e

de agir equivalente a sua essência formal, quer dizer, expressa por sua natureza. De uma outra

perspectiva, Deus tem uma potência de pensar equivalente a sua essência objetiva, ou seja,

133

PM, PII, cap.IV. 134

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.95. 135

EII, Prop.7, cor.

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relativa a sua ideia. Quando Lorenzo Vinguerra enfatiza que a ontologia de Espinosa anda de

mãos dadas com sua epistemologia, ele está dizendo que Deus possui uma potência de pensar e

de conhecer à medida que possui uma potência de existir e de agir. A natureza naturada possui

duas potências, é em si e por si: “a saber, o movimento na matéria e o intelecto na coisa

pensante”136

. O que existe na Natureza são coisas ou ações137

. Espinosa utiliza cogitatio absolute

como potência de pensar e intellectus absolute infinitus para denominar o entendimento infinito.

Para o autor da Ética, agimos, ou seja, somos ativos, quando temos uma ideia adequada da

natureza, e passivos, quando temos apenas uma ideia inadequada.

Porque existimos como homens somos constituídos por um modo da extensão e um modo

do pensamento. Participamos da potência de Deus na medida em que nosso corpo participa da

potência de existir e nossa alma participa da potência de pensar. Somos partes da potência da

Natureza. Do mesmo modo como outros corpos agem sobre nossos corpos, ideias agem sobre

nossa alma (a ideia do corpo). E é por fazermos parte desta dinâmica, onde afetamos e somos

afetados por outras ideias, que temos ideias. Quando interpretamos alguma coisa, estamos apenas

nomeando o efeito que esta coisa tem sobre nossa consciência138

, o que chamamos de “eu” é a

ideia que temos do nosso corpo e da nossa alma, enquanto agem ou padecem.139

Nossa verdadeira

potência de pensar revela-se na medida em que compreendemos adequadamente a mais íntima e a

mais vívida relação entre a existência dos corpos e o conhecimento da causa de suas ações.

136

BT, PI, cap.IX,§1. 137

Cf. BT, PI, cap.X,§4. 138

“Com efeito, todas as ideias que temos dos corpos indicam antes o estado atual de nosso corpo do que a natureza

do corpo exterior”. (PIII, Definição geral do Afetos, Exp.) 139

Prosseguirei no tema, de maneira en passant, todavia, para não correr o risco de ser mal compreendido, o que

quero salientar é a importância de notarmos isso: a vontade, como um modo do pensar, origina-se de causas

exteriores à mente humana, assim como todos os outros modos, como as percepções, o intelecto etc.; quer dizer,

mesmo “o entender é uma pura paixão, isto é, uma percepção, na mente, da essência e da existência das coisas, de

modo que nunca somos nós que afirmamos ou negamos algo da coisa, mas que ela mesma, em nós, afirma ou nega

algo de si mesma”. (BT, PII, cap.XVI, §5) De uma outra perspectiva, o autor da Ética afirma: “a vontade, tal como o

intelecto, é apenas um modo definido do pensar [...] É por isso que a vontade, assim como as outras coisas naturais,

não pertence à natureza de Deus, mas tem, com esta natureza, a mesma relação que têm o movimento e o repouso

e todas as outras coisas que se seguem, como mostramos, da necessidade da natureza divina, e que são por ela

determinadas a existir e a operar de uma maneira definida”. (EI, Prop.32, Dem., cor.2, grifo nosso) Como não há

faculdades na mente em um nível inferior aos modos do pensar, ou em qualquer outro nível, podemos entender

melhor que também não existe, ou ao menos não é por meio dos modos do pensamento, que poderemos encontrar

qualquer fundamento para o que se pode chamar de dêitico “eu” no espinosismo. Sendo assim, o leitor pode entender

quando afirmei acima que “o que chamamos de “eu” é a ideia que temos do nosso corpo e da nossa alma, enquanto

agem ou padecem”.

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A essência da Substância e a essência do modo

Há dois processos que coadunam: um referente à essência da Substância e outro, à

essência do modo. Todo corpo, por ser uma modificação, está a todo momento afetando e sendo

afetado. Deste modo, sua potência é constantemente atualizada. “À potentia corresponde uma

aptitudo (aptidão) ou potestas (poder)”140

. Quando nos referimos à essência do modo, devemos

notar que ela condiz, de uma certa maneira, com uma potência de poder ser afetado, e como os

corpos são todos modificações, afetam-se, ou seja, modificam-se a todo momento, ora por

afecções adequadas ora por afecções passivas. “Evidentemente, esta tendência será frustrada por

todos os tipos de causas externas que, na maioria das vezes, impedirão que ele se atualize”141

.

Agora, quando falamos da essência da Substância nos referimos a uma potência sempre atual,

imanente, a Natureza é absoluta, é tudo que é a todo momento142

. Ela produz como existe, a

potência de Deus não se distingue de sua essência. Deus só se afeta adequadamente. “Deus é

causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas”143

.

Sabemos que as modificações - os seres finitos - não podem existir por suas próprias

causas, são dependentes de uma potência externa para ser. Possuem uma essência particular,

conquanto essa essência, desacompanhada, não tem poder para realizar-se na existência. Somente

quando nós nos concebermos como alguma coisa que só pode ser à medida que é parte de um

todo (que existe necessariamente), apreenderemos, de fato, o que é ser uma modificação de um

modo da Substância. É por este caminho onde encontraremos a medida da potência, ou seja, do

poder ou aptidão que cabe à essência do modo: participar ativamente do atributo, o qual somos

uma modificação.

Dado que seu potencial abarca plenamente a totalidade do que existe, a Natureza é

absoluta, ela abrange a integralidade da duração e da eternidade. Russell, em a História da

Filosofia, afirma sobre a filosofia espinosana: “só a ignorância nos faz supor que podemos

modificar o futuro: o que há de ser será, e o futuro está fixado de modo tão inalterável quanto o

passado”144

. Seus modos (os atributos) são as condições que permitem ao intelecto perceber

140

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.101. 141

MATHERON, 2011, p.698, tradução nossa. 142

“A existência de Deus e sua essência são uma única e mesma coisa”. (EI, prop.20) 143

EI, Prop.18. 144

GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa II: correspondência Completa e Vida. 2014, p.370.

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aquilo que constitui a essência da Substância, que por sua vez, às contêm formalmente145

. As

modificações dos seus atributos envolvem distinções racionais e são implicados pelos modos na

duração. Como um composto de corpo e alma, ou seja, de modificações dos modos da Natureza e

que possuem cada qual uma essência objetiva, o homem é, a todo momento, de certa forma,

determinado pela essência da Substância à medida que as essências do seu corpo e de sua alma

(mente humana) exprimem sua imanência. A dinâmica de conhecimento da Natureza formaliza

este processo de coadunação de duas essências (da Substância e do modo), processo que podemos

observar, descrito de uma determinada abordagem no TEI, quando o autor da Ética fala sobre a

necessidade de inquirir uma ordem correta - seguir a partir das coisas particulares “a fim de que

sua essência objetiva seja também a causa de todas as nossas ideias e, então, nossa mente venha a

reproduzir maximamente a Natureza”146

. Em seguida, fala sobre como progredir desde os entes

reais como uma estrutura a ser desvelada uma à uma, progredindo “segundo a série das causas”.

Não obstante, devemos “notar que eu aqui não intelijo por série das causas e dos entes reais, a

série das coisas singulares mutáveis, mas exclusivamente a série das coisas fixas e eternas”147

.

Pois bem, com isto em mente, temos uma perspectiva que mostra o porquê não é através da

interpretação dos significados das palavras que a Natureza manifesta sua perfeição aos homens -

“poder-se-ia perguntar com razão como Deus pode fazer-se conhecer ao homem [...]

Respondemos: jamais por palavras”148

. A essência imanente expressa pelos modos, por meio das

essências objetivas, não transmite suas verdades de uma maneira transcendental ao próprio

movimento da matéria ou ao intelecto na coisa pensante. Ao contrário, ela os determina

iminentemente, a todo momento, desde sempre para sempre.

Para entender em que medida podemos enunciar uma potência das essências objetivas nos

seres criados – dada a imanência da essência da Substância -, temos que investigar a aptidão149

das coisas finitas para agir, existir e perseverar na sua existência, em outras palavras, em que

consiste sua potência. Na oitava definição da quarta parte da Ética, Espinosa afirma que virtude e

potência têm o mesmo sentido. Deste modo, enquanto referida, por exemplo, ao homem é sua

145

Cf. EI, Def.4. 146

TEI, §99 147

Ibidem, §100 148

BT, PII, cap.XXIV, §9-10. 149

Ou poder.

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própria essência ou natureza150

, quando age exclusivamente por meio de leis próprias151

. As

coisas na duração, ou seja, que dependem das coisas eternas, têm potencial para agir à medida

que se compreendem como causa adequada. Assim, “Padecemos à medida que somos uma parte

da natureza, parte que não pode ser concebida por si mesma, sem as demais”152

. Notamos que

padecemos quando somos apenas uma causa parcial, quando temos uma ideia inadequada, por

meio da ideia de nossa própria mente separada da Natureza, por exemplo, à medida que imagina,

a mente humana não tem um conhecimento adequado153

. De modo contrário, persevera quando é

consciente que suas ações fazem parte do movimento da extensão, e além do mais, “não pode

ocorrer que o homem não seja uma parte da natureza”154

. A potência do homem é uma parte da

potência infinita de Deus. Expressamos nosso quinhão da potência de Deus quando explicamos

essa potentia por nossa própria essência. Essa aptidão, essa disposição inata das essências

objetivas, só pode ser compreendida em termos de uma participação na potência, na capacidade

de se mover na matriz da experiência da duração. Veja bem, a participação não acaba com as

diferenças entre as essências: “minha potência continua sendo minha própria essência, a potência

de Deus continua sendo a sua própria essência, ao mesmo tempo em que minha potência é uma

parte da potência de Deus”155

.

Do ponto de vista da produção dos modos, o que se deduz imediatamente da natureza de

Deus é que Deus doa necessariamente a si mesmo todos os modos concebidos pelos atributos. O

modo infinito imediato de cada atributo é a propriedade pela qual Deus produz tudo o que é

concebível em suas modificações. Em sua obra, Etudes sur Spinoza et les philosophies de lage

classique156

, Alexandre Matheron atribui ao movimento e repouso a função de transmitir, na

prática, a comunicação da essência formal com a essência dos modos no atributo extensão. “Na

extensão, a propriedade que Deus tem necessariamente para doar a todos os modos concebíveis é

precisamente o movimento e o repouso, posto que é unicamente pelo movimento e repouso que

150

Neste sentido, vale ressaltar, como conceitos clássicos da metafísica que o autor conserva da filosofia grega e da

escolástica, como potência, essência, Substância, modo etc., assumem, na filosofia espinosana, uma função diferente

da tradição. Suas investigações se afastam de uma visão antropomórfica, transcendental ou mitopoética da Natureza.

Por mais complicado que seja abandonar, por exemplo, as características religiosas que o termo Deus carrega. 151

Cf. EIV, Def.4. 152

EIV, Prop.2. 153

Cf. EII, Prop.26. 154

EIV, Prop.4. 155

DELEUZE, 2017, p.99-100. 156

MATHERON, A. Etudes sur Spinoza et les philosophies de lage classique. 2011.

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os corpos podem aparecer; e com todas as suas leis, produzir tudo que existe”157

. A essência de

um modo possui realidade ontológica na medida que é constituído por aquilo doado por Deus. A

essência de um corpo é justamente uma certa quantidade de movimento e repouso158

caracterizado por certas leis, que não podem constituir para si nada além de uma combinação

particular das leis universais da Natureza. As essências de nossos corpos, como verdades eternas,

compreendem eternamente os padrões de encadeamento lógico que nossos corpos devem seguir

para receber e doar, enquanto as causas exteriores não atrapalham.159

Nós temos, portanto,

eternamente, o conhecimento da forma de encadeamento e da aptidão de nosso corpo, mesmo se

uma imaginação o mantiver escondido por uma grande parte de nossas vidas.

Nossa mente, a ideia de um corpo existente em ato, possui dois aspectos. Como Matheron

coloca, “ela é ao mesmo tempo, a eterna idéia daquela verdade eterna que é a essência de nosso

corpo e a idéia não eterna dessa verdade não eterna que é a existência presente, aqui e agora, do

nosso corpo na duração”160

. Destes dois aspectos da nossa mente, só o primeiro conhece

adequadamente, posto que alcança o ponto de vista da eternidade. A ideia de nosso corpo

presente, aqui e agora, não é capaz de exprimir a eternidade do meu próprio corpo. A própria

palavra agora deriva do latim hac hora, que podemos descrever como neste momento, e este

momento está sempre na duração. Por sua vez, a palavra momento deriva do latim momentum,

uma contração de movimentum - este momento é sempre uma expressão de um Deus ativo e

imanente. “O principal atributo a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela

qual explicamos sua duração”161

. Esta noção, só pode, portanto, vir do aspecto de nós mesmos

que é a ideia eterna da nossa essência.

E na medida exata em que temos uma parte da ideia de que somos,

isto é, onde nós mesmos sabemos algo da essência do nosso corpo - e,

157

MATHERON, 2011, p.699, tradução nossa. 158

“A essência objetiva dessa proporção existente e que está no atributo pensante, dizemos que é a mente do corpo.

Assim, se uma dessas modificações (o repouso ou o movimento) se altera para mais ou para menos, também a ideia

se altera para mais ou para menos, também a ideia se altera na mesma medida; por exemplo se o repouso vem a

aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada ado ou tristeza que denominamos frio. Pelo contrário, se o

movimento é que cresce, assim é causada a dor que denominamos calor.” (BT,PII, Apên, §15) 159

“Durante o tempo em que não estamos tomados por afetos que são contrários à nossa natureza, nós temos o poder

de ordenar e concatenar as afecções do corpo segundo a ordem própria do intelecto”. (EV, Prop.10) 160

MATHERON, 2011, p.702, tradução nossa. 161

PM, PII, Cap.I

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reflexivamente, da nossa mente - sob o aspecto da eternidade, [...] que

somos esse conhecimento do terceiro tipo que forma a Deus: sabemos que

estamos em Deus e que somos concebidos por Deus.162

Vimos como na metafísica de Espinosa, dois processos se harmonizam; um descrevendo a

essência da substância, e outro, a essência do modo. Toda potentia (potência) representa um

poder de ser afetado que é sempre exercido, e sendo assim, todo poder163

é absolutamente atual.

Como sabemos, os modos não têm poder de existir por si só, eles precisam, a todo momento, ser

conservados pela Substância; “Portanto, tampouco Deus é, em relação a seus efeitos ou criaturas,

outra coisa que uma causa imanente”164

. É neste sentido que a essência objetiva é constantemente

afetada. Esta dinâmica é imprescindível para que as criaturas possam perseverar no seu ser, e

como não param de se afetar - afetam-se sempre, seja através de ideias inadequadas, seja através

de ideias adequadas (descritas por nossa essência particular).

Assim, a distinção da potência e do ato, no nível do modo,

desaparece em benefício de uma correlação entre duas potências

igualmente atuais, potência de agir e potência de padecer, que variam em

razão inversa, mas cuja soma é constante, e constantemente efetuada. Eis

por que Espinosa pode apresentar a potência do modo, ora como um

invariante idêntico à essência pois que o poder de ser afetado permanece

constante, ora como sujeita a variações, pois a potência de agir (ou força

de existir) "aumenta" ou "diminui", segundo a proporção das afecções

ativas que contribuem para preencher esse poder a cada instante165

.

Agora, se analisarmos a essência da Substância, veremos, primeiramente, que sua

potência é eterna166

. Deste modo, caracterizá-la como “sempre atual” não satisfaz, pois não a

diferencia das essências dos modos. Precisamos dizer que a essência da Substância também é

162

MATHERON, 2011, p.703, tradução nossa. 163

Ou aptidão. 164

BT, PI, cap.II, Diálogo entre o intelecto, o amor, a razão e a Concupiscência, §12. 165

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.102. 166

“O principal atributo, a ser considerado antes de todos, é a eternidade de Deus, pela qual explicamos a sua

duração; ou antes, para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”. (PM, PII, cap.I)

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uma força plenamente ativa. A essência pode ser caracterizada como potência, no sentido em que

é essência de alguma coisa na qual predomina, em que exerce força. De outro lado, a essência dos

modos só pode ser caracterizada como potentia quando em relação à essência da Substância. “É

de notar enfim que a necessidade, que pela força da causa está nas coisas criadas, é dita ou em

relação à essência delas ou em relação à existência delas”167

. Os modos têm aptidão para exprimir

o eterno posto que são como suas criaturas, e assim, dependem só da essência divina na qual tudo

está contido. É impossível para o homem conhecer a si mesmo sem conhecer a origem da sua

natureza, de sua causa; da mesma maneira, é impossível, partindo da natureza da parábola ainda

não conhecida, conhecer a natureza de suas ordenadas.168

Provavelmente, a conjuminação das essências é um dos temas mais complexos dentro da

metafísica espinosana. A dificuldade reside na tarefa de conciliá-las ao passo em que

conservamos suas diferenças. O próprio autor reconhece este fato pelo menos duas vezes em

Pensamentos Metafísicos: “nenhum homem quer ou opera algo a não ser o que Deus decretou

desde toda eternidade que ele quisesse e operasse. De que modo isso pode ocorrer, preservada a

liberdade humana, excede nossa compreensão”169

. E, também, quando afirma:

Agora, para que se pudesse entender devidamente a ubiquidade

de Deus ou sua presença em cada coisa, necessariamente dever-se-ia

penetrar a natureza íntima da vontade divina, pela qual criou as coisas e

pela qual as procria continuamente; como isso supera a compreensão

humana, é impossível explicar de que maneira Deus está em toda parte.170

Bom, é certo que, como modos, os homens têm a aptidão para partilhar da natureza divina

e, desta maneira, têm o poder de formar ideias que explicam a causa da natureza das coisas. Tudo

o que compreendemos adequadamente compreendemos da ideia da Substância e de quem a

expressa, não por palavras, “mas de uma forma ainda mais excelente e adequada à natureza da

mente, como, sem dúvida, sabe por experiência própria todo aquele que alguma vez

167

PM, PI, cap.III. 168

Cf. PM, PI, cap.II. 169

PM, PI, cap.III. 170

PM, PII, cap.III.,

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experimentou a certeza do entendimento”171

. Deus produz uma infinidade de coisas e ele não se

limita em apenas criá-las, ele se comunica imanente, eterna e absolutamente com elas, “tudo o

que o homem tem de forma, movimento, e outras coisas, são igualmente modos dos outros

atributos que referimos a Deus”172

.

O primeiro gênero do conhecimento – a imaginação e seus signos

Para pensarmos o papel da imaginação na filosofia de Espinosa, precisamos abandonar a

noção que, tradicionalmente, desenvolvemos sobre o assunto, ou seja, tratando a imaginação

como uma faculdade humana. O autor da Ética nos explica que não existem faculdades na mente

humana173

; logo, não há também um centro que possa controlar conscientemente a imaginação ou

qualquer outra suposta faculdade. A natureza age absolutamente por leis próprias, “além da

perfeição de sua própria natureza, não existe nenhuma causa que, extrínseca ou intrinsecamente,

leve a agir”174

.

Imaginar é tomar as coisas por suas imagens, conhecer as coisas por meio de signos. Esta

estrutura só pode ser entendida na sua totalidade dentro da teoria das marcas e das imagens, e que

se refere a todo modo que é capaz de marcar e ser marcado por outros corpos na infinita semiose

da natureza, “O problema do signo, de certa forma, remonta à origem da própria filosofia”175

. No

Tratado Teológico-Político, Espinosa trata a imaginação como um método para adquirir

conhecimento por meio de signos - imaginatio as cognitio ex signis. Todavia, os profetas seriam

os únicos capacitados para interpretar este conhecimento. De outro lado, há o conhecimento

adquirido via luz natural, por meio do entendimento, através da Filosofia. O Tratado da Emenda

do Intelecto refere-se a uma teoria sobre a verdade e a certeza, na qual a distinção entre

imaginação e entendimento é parte fundamental do Método176

.

A imaginação não pertence apenas aos homens, mas a todos os corpos e indivíduos que,

embora em diferentes níveis, são todos capazes de afetarem e serem afetados. Essa compreensão

171

TTP, cap.1. 172

BT, PII, §3. 173

EII, Prop.49. 174

EI, Prop.17c2. 175

VINCIGUERRA, 2012, p.130, tradução nossa. 176

TEI, §86.

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para Vinciguerra não passa por uma hermenêutica subjetiva, ao contrário, ela é o fundamento do

que o autor chama de “realismo radical”: significado é um produto da natureza envolvendo todas

as mentes, estas consideradas como ideias.

A ideia sempre expressa consigo uma afirmação ou uma negação. Os que não atentam a

diferenciação entre a ideia e a palavra exteriorizam palavras querendo, inutilmente, expressar

ideias. Como quando dizem odiar firmemente alguém, quando na realidade desconhecem o que

sentem, e a exteriorização quer fazer crer que dizer o que dizem supera a própria verdade da

ideia; ou ainda, acreditam que podem não querer o que querem quando dizem não querer.

“Portanto, compreenderá claramente que a ideia (por ser um modo do pensar) não consiste nem

na imagem de alguma coisa, nem em palavras”177

.

O que existe de comum entre as ideias é uma afirmação, ou seja, a definição das próprias

ideias adequadas ou inadequadas, afirmações singulares. Não é uma ideia universal que define

ideias distintas, mas o próprio ato de explicar a causa adequada de cada ideia particular; “Por

isso, é conveniente observar, sobretudo, o quão facilmente nos enganamos quando confundimos

os universais com singulares e os entes de razão e abstratos com os reais”178

.

A física de Espinosa está relacionada com a produção de imagens; a teoria sobre a

reprodução dos universais, inclusive, é parte do que chamamos da pequena física do autor179

. As

imagens originam-se nas marcas (vestigia) do corpo. Seja em indivíduos humanos ou outros,

como pássaros, pedras etc.180

Corpos são capazes de afetar e de serem afetados, são capazes de

imprimir vestigia em outros corpos e podem ser marcados, cada qual de acordo com suas

possibilidades. Vinciguerra nos mostra que procurar sentido nas marcas e signos, seja fora de

nossos corpos ou por meio de causas internas, não é uma característica limitada ao intelecto

humano. O conhecimento resultante da imaginação não é um fenômeno exclusivo do ser humano,

a imaginação pertence a todos os indivíduos que se encaixam na descrição de corpos que se

relacionam com os vestígios na pequena física de Espinosa. Já que a imaginação depende de

signos, que naturalmente dependem das marcas externas, nós somos apenas seus intérpretes. O

signo é um resultado de marcas, não é um atributo da natureza. Os homens acostumados a

177

EII, Prop.49,esc. 178

EII, Prop.49,esc. 179

EII, Prop.13. 180

EII, Prop.13,esc.

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investigar e encontrar uma causa final nos eventos da natureza distorceram sua ordem ao tratarem

os meios como fins181

.

A dinâmica de funcionamento da imaginação dos corpos citados acima (como homens,

pássaros etc) funciona da mesma maneira, através de uma estrutura que se move semioticamente

de maneira autônoma. Somos corpos que imaginam porque, da mesma forma como todos os

outros corpos, participamos nesta estrutura orgânica de funcionamento e processamento dos

signos. Tanto faz se é um filósofo que passa anos buscando encontrar determinado significado

para uma certa ideia de sua imaginação, ou se é uma formiga que ao entrar em contato com um

buraco na floresta tem uma reação automática, que a fará seguir, dar a volta etc. Porque nos dois

casos, o significado é um resultado, um sintoma da relação de corpos182

. Não obstante, os

significados também estão intimamente ligados com o seu interpretador e ao modo particular do

pensamento de quando foi feita a interpretação. Pommum não significa nada para alguém que não

fala latim, para alguém que não tem esse código linguístico não é uma linguagem, assim como

uma marca na floresta não tem significado se não tiver ninguém para interpretá-la. Além de estar

familiarizado com o código linguístico, as particularidades do interpretador influenciarão na

interpretação: se um confeiteiro ouve a palavra bomba, provavelmente significará uma coisa para

comer, se for um soldado significará algo bélico. Vemos assim, que a cadeia de significados é

direcionada pelo apetite. Imaginar é produzir imagens a partir da cadeia de processamento

determinada pela posição do intérprete na existência. Como o intelecto e a vontade são modos de

pensar, ou seja, não são distintos por natureza, a tendência da cadeia da imagem (concatenatio)

naturalmente seguirá a ordem das afecções do corpo que já se encontram no hábito (consuetudo).

O hábito, de certa maneira, determina o apetite e é na verdade o fundamento do significado

“Os poetas sabem, e Sigmundo Freud confirmou, o que Rudyard Kipling se utilizou como

epígrafe de sua última obra: ‘Dá-me os sete primeiros anos de uma criança e fica-te com o

resto’”183

. A imaginação está, de certa maneira, associada à infância de todo ser humano. E como

vimos no TTP, ao opor imaginação ao intelecto, o autor da Ética mostra que o povo judeu, como

todos os outros povos, em seus primórdios, era um povo infantil. Neste sentido, o tempo que

passaram no deserto serviu para que os profetas pudessem educá-los por meio dos textos

181

EI, Apên. 182

VINCIGUERRA, 2012, p.137-138, tradução nossa. 183

ZWEIG, 1979, p.31.

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sagrados. Contemporaneamente, por meio do avanços da psicologia, psiquiatria etc., sabemos

como a infância é um período fundamental para o desenvolvimento do ser humano, que

influenciará durante toda a vida do indivíduo.

Em seu livro Uma filosofia da Liberdade, Marilena Chauí aponta para importância de não

analisarmos a imaginação de maneira anacrônica, pois no “século XVII, imaginação não significa

fantasia criadora, mas sensação, percepção e memória”184

. O meu objetivo neste capítulo é

entender a função da imaginação nessa complexa estrutura de envolvimento e desenvolvimento

do conhecimento, até o cume da sabedoria185

. “Gostaria, em primeiro lugar, advertir que eu não

atribuo à Natureza nem beleza nem feiúra, nem ordem nem confusão. Pois as coisas não podem

ser ditas belas ou feias, ordenadas ou confusas senão por nossa imaginação”186

.

Para enfatizar esta questão dos signos, utilizarei o conto do autor Michel Tournier187

, no

qual ele nos conta a história sobre a superstição de um povo originário das ilhas nórdicas. Esta

tribo, historicamente, tem associado os ventos que sopram do norte à morte ou a desfortúnios.

Tournier desvela que este medo está associado às invasões de povos nórdicos à época das

conquistas vikings. Ou seja, este povo conservou o medo (um modo de pensar) resultante da

possibilidade de que estes ventos estivessem ajudando a soprar as velas dos invasores. O que

vemos aqui? Vemos um exemplo de como o signo, uma marca, é resultante de toda uma cadeia

de significados e significantes, que seguem uma tendência própria - concatenatio -, e que, através

do hábito – consuetude -, tem conservado secularmente este significado, sem que nunca tenham

se questionado sobre sua causa. Espinosa faz referência a este fato no prefácio da parte três da

Ética, onde explica que os homens crêem ser livres por terem consciência de seus apetites e

volições – no caso, o medo resultante dos ventos do norte –, todavia, não se questionam sobre as

184

CHAUÍ, 1995, p.34. 185

“Para forjar o ferro é necessário um martelo e, para ter um martelo, é necessário fabricá-lo, para o que são

necessários outro martelo e outros instrumentos, os quais, por sua vez, para que os possuíssemos, exigiriam ainda

outros instrumentos, e assim ao infinito […] do mesmo modo que os homens, de início, conseguiram, ainda que

dificultosa e imperfeitamente, fabricar, com instrumentos naturais, certas coisas muito fáceis e, feitas estas,

fabricaram outras coisas mais difíceis já com menos trabalho e maior perfeição e assim, progressivamente, das obras

mais simples aos instrumentos, e dos instrumentos a outras obras e outros instrumentos, chegaram a fabricar com

pouco trabalho coisas tão difíceis; assim também a razão pela sua força natural fabrica para si instrumentos

intelectuais com os quais ganha outras forças para outras obras intelectuais e com estas cria outros instrumentos ou

capacidades para continuar investigando; e assim, progressivamente, avança até atingir o cume da sabedoria”. (TEI,

§30-31) 186

Carta 32, à Oldenburg. 187

TOURNIER, M. A Gota de Ouro. 1987.

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causas (nem em sonhos) destas volições. Concluímos que os homens nascem ignorantes das

causas das coisas da natureza, e que, a princípio, todos apetecem buscar a sua própria utilidade;

ou seja, quando não conhecemos as causas de nossos apetites, tendemos a seguir o próprio hábito.

“Deve-se, entretanto, observar que essas noções não são formadas por todos da mesma maneira.

Elas variam, em cada um, em razão da coisa pela qual o corpo foi mais vezes afetado, e a qual a

mente imagina ou lembra mais facilmente”188

. Para imaginar e recordar dependemos de nossos

corpos particulares, pois dependemos das pinturas mentais que formamos das coisas.

Para finalizar este exame sobre a imaginação, explicarei, de maneira bem sucinta, a teoria

chamada Traçabilidade189

, de Lorenzo Vinciguerra190

, para entender melhor a estrutura da

imaginação e seguir para o segundo gênero do conhecimento. Como vimos, um corpo é um modo

que existe em comunhão com outros corpos, de tal maneira, que todos os corpos não param de se

encontrar e produzir resultados de composição ou de decomposição. Neste sentido, o autor utiliza

o termo – Modificação cinética e Traçabilidade191

- para descrever este ambiente em que

estamos, de alguma forma, sob o domínio do acaso, sendo “traçados”, compondo ou sendo

decompostos.

Nesta perspectiva, o corpo seria como uma espécie de escritura, como um campo em que

são continuamente inscritas marcas e signos por meio dos resultados das interpretações dos

encontros com outros corpos. A memória exerce, nesta estrutura, um papel fundamental na

formação da identidade pessoal do corpo. Para investigarmos o centro e as extremidades desta

identidade pessoal, Espinosa cita o poeta espanhol que por uma certa causa se esqueceu das

fábulas e das tragédias de suas peças.192

E como a imaginação não é uma função exclusiva dos homens, todas as coisas se

constituem, em certa medida, de traços de afecções: a “traçabilidade” (tracebility) é uma

caraterística que todos os indivíduos na natureza possuem. Posto que os corpos se diferenciam,

como podemos notar na parte dois da Ética, por uma diferença entre o movimento e o repouso (se

tratarmos apenas de corpos simples), e, também, quando os corpos simples são forçados a se

188

EII, Prop.40,esc.1. 189

Tracebilility. 190

Teoria do Vinciguerra intitulada: “Traceability: A Hypotheses about the Facies Totius Universi”. 191

Kinetic modification e Traceability. 192

EIV, Prop.39, esc.

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justaporem e formarem proporcionalmente um único movimento (por meio da justaposição de

seus corpos) - por estarem “juntos, compõem um só corpo ou indivíduo, que se distingue dos

outros por essa união de corpos”193

, formando assim corpos compostos. Estes corpos compostos,

diferentemente dos simples, distinguem-se entre si por uma diferença de tamanho de suas

superfícies, descritos por Espinosa por superfícies duras, moles ou fluídas. Esta estrutura é o

modo infinito mediato da extensão (faceis totius universi).

Nesta esteira, todos os corpos compõem um só indivíduo na natureza194

, de tal sorte, que a

variação de movimento e repouso entre as partes não altera, de nenhuma maneira, a natureza

deste indivíduo uno. Somos corpos que vivem entre uma multidão de outros corpos - como um

grande cosmo -, no qual, os encontros que os corpos celestes realizam resultam de um longo

processo semiológico cósmico histórico e orgânico, o qual nunca teve inicio e nunca terá fim.

“Então, imaginação é uma interpretação cósmica dos sinais, e o panpsiquismo espinosano tende a

um gênero muito especial de pansemiótica”195

.

Os profetas teriam a função de interpretar os signos de Deus. Entretanto, as revelações

proféticas não podem superar o âmbito da imaginação porque, como vimos acima, os significados

dos signos dependem do hábito de cada indivíduo particular e da cadeia das imagens que os

corpos constituíram ao longo da história. Vinciguerra pretende nos mostrar que a imaginação é

uma função orgânica, pertencente a todos os corpos. Para a superação da interpretação subjetiva

dos signos, necessitamos superar este ambiente imaginativo das marcas - a natureza não pode ser

explicada por modelos imaginativos. Não podemos utilizar nossa prática semiótica para procurar

os significados da natureza, porque a natureza não tem nenhum significado. Procurar

significado é uma função da imaginação.

A seguir, descreveremos o segundo gênero do conhecimento, procurando mostrar como o

autor da Ética propõe a superação das linhas de significação, passando pelo segundo gênero, a

caminho do entendimento verdadeiro da natureza, que de nenhuma maneira pode ser objeto de

interpretação.

193

EII, Prop.13, Dem.1. 194

“Conceberemos facilmente que a natureza inteira é um só indivíduo, cujas partes, isto é, todos os corpos, variam

de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo inteiro”. (EII, Prop.13) 195

VINCIGUERRA, 2012, p.5, tradução nossa.

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O segundo gênero do conhecimento - a razão

Para analisarmos a razão de uma perspectiva ampla nas obras de Espinosa, previamente

ao estudo do tema em si, é importante ter em mente uma espécie de “linha do tempo” do

desenvolvimento histórico da razão nas obras do autor. O TEI foi escrito de 1656 a 1662, a Ética

começou a ser escrita em 1662, interrompida em 1665 para a produção do TTP, retomada em

1670 e finalizada em 1675. Em 1663, ele inicia os Princípios da Filosofia Cartesiana e os

Pensamentos Metafísicos. Por último, o Tratado Político, que ele escreve de 1675 à 1677. O

segundo gênero do conhecimento para Espinosa, conforme é explicitado na Ética, mostra uma

categoria da sua epistemologia que supera o mero conhecimento mutilado proveniente da

experiência errática, assim como das ideias universais que formamos a partir dos signos da

imaginação. Este gênero do conhecimento passa a conhecer as relações das ideias provenientes

do primeiro gênero, e, desta maneira, conhece as ideias adequadas das propriedades das coisas,

não apenas “por ter ouvido ou lido certas palavras”, mas por investigarem suas relações passam a

conhecer suas causas. Neste sentido, “nós recordamos das coisas e delas formamos ideias

semelhantes àquelas por meio das quais imaginamos as coisas que conhecemos”196

. Além destes

dois modos, Espinosa fala da necessidade de um esforço supremo para direcionarmos nosso

conhecimento para um terceiro gênero; este, o único capaz de conhecer, realmente a natureza das

coisas197

. No caso, o terceiro gênero não será propriamente objeto de estudo desta dissertação,

mas é importante compreender sua posição na dinâmica de conhecimento da Natureza. No Breve

Tratado, Espinosa menciona um modo de “adquirir conceitos” capaz de superar o modo que

apenas expressa uma opinião ou crença - “como um papagaio repete o que lhe ensinaram”198

-,

assim como a tentativa de utilizar casos particulares como regra para conhecer o todo. O autor da

Ética separa a imaginação em duas formas de “adquirir conceitos”: “Este opina ou crê não

somente por ouvir dizer, mas pela experiência. São essas as duas maneiras de opinar”199

. Desta

forma, a razão é o terceiro modo de adquirir conceitos no BT; um que jamais pode nos enganar,

pois não se baseia em opiniões, nem em “ouvir falar”, conhecendo as causas pelas quais as coisas

196

EII, Prop.40esc2. 197

À saber: a intuição. 198

BT, PI, Cap.1. 199

BT, PI, Cap.1.

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que são não podem deixar de ser. Além destes três primeiros modos, o autor menciona um quarto

modo que não precisa da arte de raciocinar, “porque com sua intuição vê imediatamente a

proporcionalidade e todos os cálculos”200

. No Tratado de Emenda do Intelecto, Espinosa reduz

todos os “modos de perceber” também a quatro: o primeiro descrito como uma percepção que

tomamos por ter ouvido falar, o segundo modo é a percepção resultante da experiência vaga, uma

que ainda não é determinada pelo intelecto; o terceiro modo é aquele que conhecemos a causa a

partir do efeito, ou a partir de ideias universais; há um quarto modo, que “a coisa é percebida

através de sua essência tão somente, ou através do conhecimento de sua causa próxima.”201

. O

TEI, ao longo de seu desenvolvimento, aponta para um gênero de conhecimento que desvela uma

ordem capaz de inteligir a série das causas e dos entes reais, não a partir das coisas singulares,

mas exclusivamente da série das coisas fixas e eternas.202

A razão para Espinosa é um meio pelo qual podemos ter a ideia adequada das coisas, ou

seja, é a ferramenta epistemológica capaz de formar ideias universais. As ideias adequadas

formadas pela razão são aquelas que, após analisadas as ideias comuns percebidas de forma

mutilada e confusa pela imaginação, passam a conhecer a causa, ou seja, a maneira pela qual

determinado ente se produziu - seja “extensionalmente” através de encontros de corpos, ou no

pensamento, através do relacionamento de ideias.

Temos de manter sempre em mente que o pensamento racional é só um modo de pensar

igual a outros, como amar, desejar etc. O que Espinosa chama de razão na parte dois da Ética

não é precisamente o que chamamos ciência, posto que apenas o terceiro gênero do

conhecimento é descrito como ciência no espinosismo - scientiam intuitivam. A razão espinosana

funciona mais como uma escada203

entre as ideias inadequadas da imaginação e entendimento

que apenas o terceiro gênero do conhecimento pode alcançar.204

Até tomarmos consciência que, no caminho para compreender a natureza, sua extensão e

pensamento, precisamos suplantar o campo da significação, não compreenderemos a razão como

devemos; ou seja, não como um fim em si, mas como um meio para alcançar a ciência intuitiva.

200

Ibidem. 201

TEI, §19-22. 202

TEI, §100 e 102 203

Novamente: “Por fim, vemos também que o raciocínio não é o mais importante em nós, mas somente como uma

escada que nos permite nos elevarmos ao lugar almejado”. (BT, PII, Cap.XXV, §6, grifo nosso). 204

Cf. EV, Prop.25.

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A razão é em si mesma uma afecção205

. Para superarmos o ambiente imaginativo do primeiro

gênero do conhecimento, temos que compreender que a função principal da razão não é procurar

dar significado às coisas206

. Tanto a Ética, quanto o BT e o TEI apontam para um conhecimento

que pretende ir além da razão. Neste sentido, utilizando apenas os dois primeiros gêneros do

conhecimento, o homem só é capaz de compreender a Natureza através de signos207

, ele fica em

uma gramática de significados da verdade208

. Aqueles que buscam sinais da felicidade ou da

beatitude vivem imersos na imaginação. A felicidade ou beatitude é alcançada no momento em

que se compreende a Substância. Não é uma busca pela verdade, é uma compreensão da sua

própria natureza: a “beatitude não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a

desfrutamos porque refreamos os apetites lúbricos, mas, em vez disso, podemos refrear os

apetites lúbricos porque a desfrutamos”209

.

A proposição vinte cinco da quinta parte da Ética nos mostra que o “esforço supremo da

mente e sua virtude suprema consistem em compreender as coisas por meio do terceiro gênero de

conhecimento”. Espinosa sempre nos diz, no decorrer da maioria de suas obras, que devemos ter

em mente o objetivo de compreender a natureza pela perspectiva da eternidade.

Pois, ao nível da racionalidade operatória que aqui se investigou, é

evidente que a ciência produzida manipula as coisas sem habitá-las, sem

se unir a elas e por elas ser habitada. Tal ciência não sente (gevoelen) e

não frui (genieten) a coisa mesma, ela produz índices que funcionam como

205

“Esse gênero de conhecimento não explica, pois, a essência de coisa singular alguma (nullius rei singularis

essentiam explicant). Enquanto conhecimento verdadeiro do bem e do mal, dá origem às regras (regulæ) ou preceitos

(præcepta) da razão, mas não pode, apenas por ser verdadeiro, refrear ou extinguir os afetos, dependendo, para

tanto, daquilo que esse conhecimento seja, ele próprio, enquanto afeto. Sua dimensão prescritiva (præscribit,

postulat) nada contém que seja contra a natureza. Ensina que algo se esforça (conatur) a se auto preservar e a

procurar seu útil próprio. Constitui o fundamento da virtude. Trata-se de um conhecimento que a mente usa (utitur) a

fim de inteligir e não a fim de outra coisa; ou seja, enquanto a mente raciocina (ratiocinatur), nada concebe de bom

para si senão o que conduz (conducit) a inteligir (intelligere). (CRISTIANO, 2004, p.68) 206

Dar significado é uma prática da imaginação. 207

E o “verdadeiro Método não é buscar um signo da verdade depois da aquisição de ideias, mas que o

verdadeiro Método é a via para que a própria verdade, ou as essências objetivas das coisas, ou as ideias (tudo isso

significa o mesmo), sejam buscadas na devida ordem”. (TEI, §37, grifo nosso) 208

Devemos notar que as noções comuns se estabelecem a partir de "dados sensoriais", de ideias mutiladas. Na

Ética, Espinosa afirma: “A partir de signos; por exemplo, por ter ouvido ou lido certas palavras, nós nos recordamos

das coisas e delas formamos ideias semelhantes àquelas por meio das quais imaginamos as coisas. Por termos,

finalmente, noções comuns e ideias adequadas das propriedades das coisas. A este modo me referirei como razão e

conhecimento e segundo gênero. Além desses dois gêneros de conhecimento, existe ainda um terceiro, como

mostrarei a seguir, que chamaremos de ciência intuitiva.”. (EII, Prop.40) 209

EV, Prop.42.

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definições, mas que passam ao largo do que está concretamente dado

(datorum numerorum), e trata seu objeto como “objeto em geral”

(aliquid), construído sob medida para suportar as atribuições racionais de

efeitos ou propriedades210

.

O conhecimento reflexivo não exige signos

O caminho que atinge o conhecimento verdadeiro não procura encontrar nenhum signo. A

verdade não exige significados. Para conhecê-la, necessitamos conhecer como conhecer as

essências objetivas das coisas ou, o que é o mesmo, das ideias. O conhecimento da Natureza não

exige um conjunto de ideias organizadas que formam um algoritmo capaz de apreender,

exatamente, as modificações da natureza. É o próprio exame da estrutura da natureza do mundo

que revela as maneiras pelas quais as conhecemos. O método nada mais é do que um

conhecimento reflexivo. Ao conhecermos a estrutura da natureza, conhecemos a nós mesmos. Do

mesmo modo, a mente humana tanto melhor se intelige quanto mais intelige a natureza. Estamos

em um processo infindável de reflexão sobre a natureza do ser.

Em o Tratado Teológico-Político, Espinosa opõe o conhecimento da luz natural ao

império dos signos constituídos secularmente através das escrituras sagradas. Contudo, “aquele

que as ignora e todavia reconhece pela luz natural que Deus existe etc., e observa, além disso, a

verdadeira regra da vida, esse possui inteiramente a beatitude”211

. O signo adquire a forma de um

presságio. Enquanto a filosofia for considerada como um poder de pensar abstrata e

independentemente da realidade de nosso mundo, nunca poderemos superar o pensamento

teológico antropomorfizado. Para conhecer a verdade, não carecemos de nenhum símbolo. De

fato, não necessitamos de nenhum critério externo, apenas da ideia verdadeira. Porque ter certeza

é apenas entender como apreender a essência objetiva em si, ou seja, a maneira pela qual nós

tomamos consciência da essência formal é a própria certeza em si. Dependemos da qualidade de

nosso discernimento sobre a natureza das ideias para reconhecê-las, enquanto o pensamento

religioso necessita de sinais que necessitam ser interpretados e que revelem o caminho do divino,

a filosofia lida com uma verdade que não necessita de signos. A filosofia não “revela”

propriamente uma verdade, mas é o conhecimento da própria natureza da filosofia que viabiliza o

210

NOVAES, 2006, p.32. 211

TTP, cap.V, §78.

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conhecimento de Deus - a epistemologia é inseparável da ontologia. Deus como um ser infinito e

perfeito ao conhecer conhece a si mesmo.

Temos tentado pensar na eternidade da natureza por meio da imaginação. O primeiro

gênero do conhecimento, por exemplo, as opiniões, memórias, imaginações, são conhecimentos

constituídos por símbolos – cognitio ex signis. Textos escritos ou falados são signos. As palavras

procuram representar a natureza, ou seja, um ser infinito mas, todavia, não podem superar o

âmbito da duração uma vez que simplesmente necessitam, a priori, de um sistema linguístico

historicamente desenvolvido para significar algo. Ou seja, toda letra precisa de um tempo

determinado na duração para reverberar nos ouvidos. Os vocábulos não funcionam como uma

conexão verdadeira entre Deus e suas criaturas, mas sim, como determinações extrínsecas que

somente indicam o modo pelo qual as criaturas imaginam a Natureza. Assim, devemos ter cautela

para não confundir características externas com a expressão de Deus, confundindo a expressão

com os signos. A expressão dos modos não aparece como um conjunto unívoco de significados.

Assim, podemos entender por que as “verdades” advindas das interpretações não são

capazes de “tocar” a Natureza. É impossível que exista um conjunto pré-definido de ideias

capazes de conceber uma regra geral para processar todas as ideias e, desta forma, apontar as

verdadeiras. Sendo assim, os “homens especiais” que se declararam “iluminados” ou

“santificados” ao longo da história e, por isso, aptos a revelarem a verdade, apenas exteriorizaram

a sua maneira particular de processar os vestígios deixados pelo movimento dos espíritos.

Para aperfeiçoarmos a suplantação do âmbito dos significados, cabe atentarmos, como

explicitado em Pensamentos Metafísicos, a distinção fundamental entre as concepções de ente

real e ente de razão212

, este descrito por três modos de pensar que utilizamos para explicar as

coisas entendidas. São eles: o tempo, o número e a medida213

. No Breve Tratado, o autor

explica-os da seguinte maneira:

Algumas coisas estão em nosso intelecto, e não na Natureza e,

portanto, são também uma obra unicamente nossa e servem para entender

distintamente as coisas; entre elas incluímos todas as relações que se

212

Sobre esta descrição dos entes, Cf. PM, PI, Cap.1. 213

Ibid, Parte I, Cap.1. §3. p. 197.

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referem às coisas diversas, e às quais chamamos Entia Rationis (entes de

razão).214

O autor da Ética está dizendo, de maneira resumida, que ou você pode entender (por meio

dos entes reais) ou você explicar (por meio dos entes de razão), utilizando, por exemplo, o tempo

para explicar a duração, ou o número para explicar as quantidades discretas. Podemos

“facilmente ver com quanto zelo cabe precaver-se na investigação das coisas, a fim de não

confundirmos os entes reais com os entes de razão”215

. Porque “uma coisa, com efeito, é inquirir

a natureza das coisas, outra, inquirir os modos pelos quais as coisas são por nós percebidas”216

.

Uma vez que os modos de pensar217

são sempre modos que explicam as coisas relativamente às

outras, o progresso do conhecimento só é possível quando atingimos as causas adequadas dos

entes reais: “a série das coisas fixas e eternas”218

. Podemos também distingui-los entre um ente

que por sua natureza existe necessariamente, quer dizer, que sua essência envolve a existência; e

outro, cuja essência não envolve a existência.

Sabemos que Deus não tem duração. Não podemos utilizar o tempo como um modo para

pensar em Deus, e “para não atribuirmos nenhuma duração a Deus, dizemos que ele é eterno”219

.

Não há qualquer possibilidade de entendê-lo por meio de signos, apenas o conhecimento

reflexivo pode alcançá-lo, posto que a verdade é imanente à tomada de consciência de nossa

própria natureza. A beatitude não é o prêmio da virtude, e não a atingimos porque

compreendemos racionalmente, por exemplo, como nos livrar dos pensamentos lúbricos. Ao

contrário, é por ascendermos à beatitude que podemos nos livrar dos pensamentos lúbricos.

Ergue-se uma gigantesca questão: como conhecer a Natureza de maneira direta e exata,

sem dispositivos de intermediação? Dedicar-me-ei a este exame mais à frente. Neste momento,

irei apenas expor um ou dois exemplos de linhas de pensamento que, talvez, possam dar conta

desta tarefa. Nesta esteira, Agamben, em O tempo que Resta, aponta para uma série de conceitos

214

BT, PII, cap.X, §1. 215

Ibid. 216

Ibid. 217

“Disso claramente patenteia-se que estes modos de pensar não são ideias de coisas e de modo algum podem ser

colocados entre as ideias; por isso também não têm eles nenhum ideado que exista necessariamente ou que possa

existir”. (PI, cap.I) 218

TEI, §100. 219

PM, PII, cap.1, Da eternidade de Deus.

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paulinos que podem nos auxiliar a entender a Natureza para além de uma perspectiva

estritamente comparativa. Como, por exemplo, a klesis220

e o hos me221

, este uma ferramenta

epistemológica com a qual podemos perceber um caminho que ultrapassa o ambiente da

significação, no sentido em que o hos me não pretende explicar os modos de tal maneira a se

restringir em uma análise comparativa, ou seja, restrita ao primeiro e segundo gêneros do

conhecimento de Espinosa mas, de outra maneira, vai ao encontro com suas próprias

particularidades.

O hos me paulino aparece, como um tensor de tipo especial, que

não tensiona o campo semântico de um conceito em direção a outro

conceito, mas o coloca em tensão consigo mesmo na forma do como não:

chorosos como não chorosos. Isto é, a tensão messiânica não vai em

direção a um alhures nem se esgota na indiferença entre alguma coisa e o

seu oposto. Uma determinada condição factícia é posta em relação consigo

mesma – o choro é tensionado em direção ao choro, a alegria em direção à

alegria222

.

Agamben também nos revela que, de acordo com Paulo, viver messianicamente

significaria usar a klesis223

, que, no caso, só pode ser utilizada quando não a possuímos. No

entanto, como entender “usar sem possuir”? Primeiramente, quando falamos em entender um

método que não se propõe à apropriação da ação, não entendemos que o homem deva realizar

uma ação vazia ou negativa. De maneira distinta, não se trata de uma mudança qualitativa da

ação. Não buscamos uma ação negativa, mas a negativa da ação; de uma ação que se realiza à

medida que o homem abdica da ação. Talvez, este exemplo que Agamben dá seja um caminho

pelo qual podemos vislumbrar o abandono de uma epistemologia baseada na tradução de

significados, suplantando, assim, as características extrínsecas e simbólicas do âmbito da

duração.

220

Como nos diz Agamben: klesis - “o chamado”. (AGAMBEN, 2015, p.38) 221

Cf. AGAMBEN, G. O tempo que Resta. 2015, p.38. O conceito de hos me: “na forma do como não”. 222

Ibid, p.38. 223

klesis ou “o chamado”. (AGAMBEN, 2015, p.38)

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A imaginação e o intelecto

Em vários momentos de sua obra, Espinosa relaciona o erro à incapacidade de se

distinguir corretamente a imaginação do intelecto. No TEI, afirma que facilmente “podem cair

em grandes erros aqueles que não distinguiram acuradamente entre imaginação e intelecto”224

. Na

Ética, expõe “como aqueles que não compreendem a natureza das coisas nada afirmam sobre ela,

mas apenas as imaginam, confundindo a imaginação com o intelecto, eles creem firmemente que

existe uma ordenação das coisas, ignorando tanto a natureza das coisas quanto a sua própria”225

.

Por imaginação entendemos, como já analisamos acima, o primeiro gênero do

conhecimento de Espinosa. O que pretendo evidenciar aqui é o tamanho de sua abrangência

devido ao fato de que a imaginação é o primeiro gênero do conhecimento. Eu, aqui, agora,

escrevendo nesse teclado, olhando para essa tela, dentro de um quarto, com uma janela etc. Tudo

o que vejo, em um primeiro momento, todas essas luzes, cores, sombras, ou seja, as imagens à

minha volta, resultam da minha imaginação – imaginar é tomar as coisas por suas imagens, por

suas características extrínsecas. Porque o que quer que eu perceba pela imagem necessita de um

tempo para que eu possa perceber, é necessário um tempo para que minha retina perceba algo e

mande essa informação para o meu lobo occipital. Assim sendo, não importa quanto tempo eu

dedique para descobrir a verdade de uma palavra (palavras fazem parte da imaginação)226

, nunca

irei encontrá-la, porque a verdade não tem duração. “Tudo isso mostra suficientemente que cada

um julga as coisas de acordo com a disposição de seu cérebro, ou melhor, toma as afecções de

sua imaginação pelas próprias coisas”227

. Por exemplo, valores que comumente acostumamos

formar como cheiroso ou fedido, desorganizado ou organizado etc., são apenas maneiras com as

quais os homens acostumaram a explicar a Natureza. Neste sentido, quando, por algum motivo,

enxergaram uma harmonia nos movimentos celestes também atribuíram à Natureza divina uma

harmonia. “A isto respondemos: que parte e todo não são entes verdadeiros ou reais, mas somente

entes de razão e, por conseguinte, na Natureza não existe nem todo nem partes”228

.

224

TEI, §87. 225

EI, Apên. 226

“Como as palavras são partes da imaginação. [...] São signos na medida que estão na imaginação e não no

intelecto”. (TEI, §88 ) 227

EI, Apên. 228

BT, P.II, cap.II, §19.

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Por intelecto compreendemos o “corpo” do atributo pensamento, do mesmo modo como o

movimento é o “corpo” da extensão. Tendemos a pensar a extensão como uma coisa definida e

finita, como as primeiras teorias atômicas descreveram, todavia, a extensão é tão infinita quanto o

pensamento, pela própria natureza de seu gênero. Dizemos que o movimento na matéria e o

intelecto na coisa pensante existiram desde sempre e assim permanecerão existindo por toda

eternidade. Uma “obra verdadeiramente tão grande quanto convinha à grandeza do artífice”229

. A

única característica do intelecto é “entender tudo clara e distintamente em todos os tempos; de

onde emana uma íntima ou perfeitíssima satisfação imutável, visto que não pode deixar de fazer o

que faz”230

.

Para que a força do intelecto suplante a força da imaginação, podemos tomar alguns

cuidados: por exemplo, notar que a imaginação é sempre afetada por coisas singulares, por

modificações do pensamento ou da extensão - ela permanece na superfície, não procura se

aprofundar e encontrar a causas dos movimentos. Todas as ideias que não são verdadeiras têm

sua origem na imaginação, em alguma sensação fortuita: “os homens estão de fato, conscientes

de suas ações e de seus apetites, mas desconhecem as causas pelas quais são determinados a

apetecer algo”231

. Os efeitos objetivos do intelecto procedem na alma como a razão da

formalidade de seu objeto. A verdadeira ciência é a compreensão da causa adequada das forças

que se exercem na realidade. As operações pelas quais as imaginações são produzidas se fazem

segundo leis que não reproduzem “objetivamente a formalidade da natureza, tanto no todo como

em suas partes”232

, mas apenas dos vestígios dos movimentos dos corpos.

Devemos notar que as ideias que se originam do intelecto não são como reflexos da

extensão, mas são coisas ativas formadas ativamente por meio do relacionamento de ideias, assim

como os corpos foram postos em movimento por meio do relacionamento com outros corpos. O

intelecto, por natureza, é uma coisa ativa, e a imaginação, passiva. A imagem representativa é

apenas uma aparência que, examinada mais a fundo, revela um conteúdo expressivo de uma

Substância imanente. A consciência imediata aparente comparada à necessidade lógica da coisa,

229

BT, P.I, cap. IX, §1. 230

Ibid, §3. 231

EIV, Pref. 232

TEI, §91.

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do autômato propriamente dito, do próprio expressar do desenvolvimento das ideias e do

movimento, é apenas um sintoma.

O conhecimento que adquirimos com os signos não é o conhecimento da expressão. Ele

não pode ser expressivo posto que o cristalizamos, ele não tem movimento, e sendo assim, não

supera, em nenhum sentido, o primeiro gênero do conhecimento. O intelecto é o “movimento” do

pensamento. As ideias verdadeiras que dele se originam expressam suas próprias causas, não por

meio de determinações extrínsecas (clareza e distinção), mas intrínsecas (adequadas). Portanto,

apenas a definição genética nos conduz à verdade das coisas porque nos coloca no ponto de vista

da criação da própria coisa. As ideias do intelecto só podem ser descritas através de suas

expressões: na expressão, no movimento ou na ação de seu surgimento. Os signos que criamos

para defini-los não os explicam adequadamente, talvez, no máximo, nos dão um certo parâmetro,

mas nunca são explicações intelectuais (definições genéticas ou causais de Deus), mas, sim,

imaginativas. A revelação desta verdade genética é uma expressão. “A oposição entre as

expressões e os signos é uma das teses fundamentais do espinosismo”233

. E, dito isto, entendemos

porque apenas a descrição do círculo como um elemento que possui um ponto fixo e outro móvel

define-o corretamente, posto que revela sua causa adequada.

A definição e o método reflexivo: a ordem e as coisas fixas e eternas

Como Espinosa afirma, primeiramente, devemos conhecer as condições de uma boa

definição, entender como explicar a essência íntima das coisas. Vimos que não devemos

confundir os signos, as propriedades extrínsecas, com a expressão da Substância imanente. Para

definir a coisa criada234

, podemos compreendê-la por meio de alguma causa próxima; para definir

a Substância, devemos compreendê-la apenas por sua própria.

O intelecto humano deve reproduzir maximamente a ordem da natureza e, para isso, deve

deduzir sempre as ideias de entes reais, de coisas que existem para além de nossa própria mente,

investigando a maneira pelas quais as coisas foram geneticamente produzidas, indo de “um ente

real para outro ente real, de modo que não passamos às ideias abstratas e universais”235

(isso

confundiria toda dinâmica epistemológica). O método reflexivo reflete sobre as coisas fixas e

233

DELEUZE, 2017, p.201. 234

Os atributos e suas modificações. 235

TEI. §99

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eternas, não sobre os objetos da imaginação. Essa ou aquela imagem singular não definem as

essências, são denominações extrínsecas, não revelam nada além de características dos vestígios.

As verdades das coisas estão inscritas nelas como “seus verdadeiros códices”: a verdade não é

como uma mercadoria de onde não se vê sinais de seus produtores.

A definição que descreve a ordem das coisas fixas e eternas não examina a existência,

mas os próprios fundamentos que dirigem nosso pensamento, dado que o método é o próprio

conhecimento reflexivo. O conhecimento da estrutura da verdade desvela as forças do intelecto,

e, como já vimos, a característica principal do pensamento é entender perfeitamente as ideias

verdadeiras. Quando conhecemos a coisa, temos o conhecimento da Natureza. No mesmo

sentido, a conexão que a Natureza tem com as coisas é o mesmo que as coisas têm em si com a

Natureza. Por “isso é que certos hebreus parecem ter visto, como que através de uma nuvem, pois

admitem que Deus, o entendimento de Deus e as coisas compreendidas por ele são uma única e

mesma coisa”236

. Não existem ordens de naturezas formais distintas. A ordem da razão é a

mesma da ordem do ser, ou seja, o autor da Ética está dizendo que é impossível dividir o ser, de

nenhuma forma. A distinção formal se dá apenas nos atributos. Dessa maneira, as Afecções são

distintas formalmente, todavia, possuem a mesma identidade no ser, ontologicamente a mesma,

formalmente diversa.

É na expressão da essência eterna imanente de Deus que o definimos como a causa de

todas as coisas237

, no mesmo sentido em que é causa de si mesmo. A ubiquidade de sua presença

e de sua potência absoluta são como afecções universais, “Deus é uma causa imanente e não

transitiva, já que opera tudo em Si mesmo e não fora, posto que fora dele não há nada”238

. A

ordem de si é a ordem de tudo. Ao defini-lo, definimos as leis fixas e eternas da natureza, aquelas

impossíveis de serem transgredidas. Deus age “unicamente segundo as leis da sua natureza”.

Tudo que acontece, acontece porque tem que acontecer. Digo isso, não porque estava “escrito”

em algum lugar que tudo iria acontecer antes do ocorrido, mas porque as leis eternas que

consubstanciam o movimento da extensão e o intelecto do pensamento funcionam por meio das

mesmas leis eternas que sempre produziram tudo da mesma maneira desde toda a eternidade.

236

DELEUZE, 2017, p.114. 237

EI, Apên. 238

BT, PI, cap.III, §2.

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Vimos que os atributos não são substantivos, muito menos adjetivos, mas verbos. Os

modos dos atributos da Substância são períodos que derivam das orações principais. Estas

constituem todo o roteiro da existência, que existe sobre uma ordem na qual Deus produz tudo

ativamente. A expressão engendra a imanência na existência, de tal modo, que esta imanência se

exprime numa mesma ordem até a infinidade de suas modificações. Essa ordem descarta a

conexão de causalidade das coisas na existência como o fundamento de toda a ação. A primeira

parte do método espinosano não se baseia em nos fazer conhecer qualquer coisa que seja, mas em

nos fazer entender a potência do ato de compreender, apreender essa potentia, essa aptidão.

Neste sentido, é que dizemos que o método é reflexivo. Ele é descrito pelo entendimento puro,

pelo observador observando as próprias leis que estruturam as essências eternas exprimidas pela

Substância. A epistemologia é a forma e o conteúdo da filosofia.

Dentre a miríade de informações importantes que a EII49 expõe, uma delas é a

importância em distinguirmos corretamente entre “as imagens, as palavras e as ideias”239

. O

atributo pensamento pensa porque possui uma potência infinita de pensar, não porque reflete a

extensão ou qualquer outra coisa. Esta noção advém da ideia de que a verdade seja definida por

um modelo de correspondência. Todavia, este modelo revela apenas definições nominais ou

extrínsecas. A aptidão de compreender é a capacidade de pensar da própria Substância enquanto

ela se explica por cada ideia. A ordem é a forma da mente, porque a mente é a coisa existente em

ato. A clareza e a distinção não alcançam a essência exprimida, somente o seu conteúdo

representativo - a imagem. Neste sentido, descuidamos de distinguir “por um lado, a ideia ou o

conceito da mente e, por outro, as imagens das coisas que imaginamos”240

. Deste modo, podemos

até seguir a lógica da construção da imagem, mas não da essência formal. “Há um formalismo

lógico que não se confunde com a forma da consciência psicológica. Há um conteúdo material da

ideia que não se confunde com um conteúdo representativo.”241

. Se buscarmos encontrar uma

ordem para a verdade, veremos que, no máximo, podemos aplicar esse termo - ordem - à

estrutura da própria ideia, o que, por sua vez, remete ao entendimento reflexivo e à própria

definição em si. Nesse caminho, apreendemos a potestade do saber.

239

EII, Prop.49, esc. 240

Ibidem. 241

DELEUZE, 2017, p.143

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Compreendendo a grandiosidade desta tarefa, que é, de certo modo, compreender a ação -

digo isto porque padecemos quando não entendemos as causas de nossos movimentos e agimos

quando as entendemos, que é compreender a própria definição ou o conhecimento reflexivo -,

podemos passar à segunda parte do método242

. A própria definição exige uma segunda parte.

Primeiramente, vimos que o escopo é ter ideias “a partir da pura mente e não de movimentos

fortuitos do corpo”243

. Em seguida, examinaremos esse conteúdo, essa essência adequada

exprimida pela Substância por meio de seus modos. É uma investigação sobre o “conteúdo” da

ideia, 244

a ideia verdadeira expressa e explica uma essência formal, ela envolve e explica a causa

das coisas. Claro, sabemos que o efeito necessita da causa, mas devemos compreender esta

dinâmica numa conjuntura eterna e autônoma. O que queremos dizer com isso é que o fato do

efeito depender da causa não pressupõe que a causa eficiente seja a única razão do movimento

existente em ato, porque se seguirmos a cadeia lógica das causas de qualquer efeito, seja do vento

deste ar condicionado batendo em mim agora, perceberei que, em algum momento, eu o comprei,

mas também em algum momento alguém o imaginou e resolveu produzi-lo, assim seguiremos até

o infinito, de tal modo, que todas as causas das coisas móveis e singulares na existência

expressam imanentemente uma causa formal - toda causa eficiente, seja dos movimentos na

extensão ou no intelecto, diluem-se na onipotência e abundância eterna da causa imanente da

Substância. Quando examinamos um possível “conteúdo” da ideia, buscamos a ideia que exprime

sua causa. Para o autor da Ética, a definição e o método reflexivo apresentam a simples

possibilidade de articular, epistemologicamente, as ideias uma à uma (ou os corpos um a um). Ele

expõe a potência desta dinâmica de relacionamento que segue a ordem das coisas fixas e eternas.

E esta mesma dinâmica revela (através da expressão) sua estrutura e conteúdo formal. Todavia, a

mente humana, ao não refletir sobre si mesma, reflete sobre as imagens desta estrutura e

conteúdo, e, assim, não supera a ideia clara e distinta, permanecendo no conhecimento do efeito,

242

TEI, §91. “Ademais, para que finalmente cheguemos à segunda parte deste método”. Esta divisão em duas partes

presentes no TEI, aparece presente, de uma certa maneira, também na Ética quando, claramente, podemos dividir os

gêneros do conhecimento em dois, de um lado, a imaginação e a razão e, de outro, a intuição. Assim como o Breve

Tratado, o qual Espinosa divide em duas partes, uma primeira sobre “Deus”, e outra, sobre o “homem e seu bem

estar”. O Pensamentos Metafísicos é dividido também em duas partes, uma parte geral e outra especial da metafísica.

Curiosamente, Albert Einstein divide a teoria da relatividade também em duas como em PM: “Teoria Geral da

Relatividade” e “Teoria Especial da Relatividade”. 243

TEI, §91. 244

Sobre a “Geologia da Moral” em Mil Platôs.

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cada vez mais distinto e claro245

. Apenas a causa da ideia, à medida que se expressa, revela a

essência íntima das modificações dos modos da Substância.

Sabemos do que se trata o método reflexivo, todavia, podemos nos questionar: ele nos

arranca toda ação e nos põe numa posição de pura contemplação? Simplesmente devemos

analisar o desenvolvimento do relacionamento de ideias e do relacionamento de corpos, da

perspectiva de “mais um corpo” dentre outros corpos ou de “mais uma ideia” dentre outras

ideias? Se nosso conhecimento dependesse do conhecimento do efeito246

, realmente, tentaríamos

conhecer o conteúdo do oceano sem jamais mergulhar, ou seja, permaneceríamos sempre à sua

margem. Mas, de outra maneira, quando investigamos a causa somos como que arrastados à

razão da existência das coisas que não podem existir por si – a sua imanência -, revelada na

expressão da essência formal. Eu não posso compreender esta relação sem me envolver com ela,

sem uma dinâmica afetiva ativa. Por exemplo, novamente a questão do círculo, quando pretendo

descrevê-lo por uma percepção, digo que possui a mesma distância entre seus lados e seu centro,

não que esta descrição não resulte de uma apreensão real de uma causa extrínseca, mas apenas a

descrição como um ponto fixo e um móvel causa a ideia do círculo. É este processo que produz,

ele mesmo, a ideia verdadeira.

Compreender o “conteúdo” da ideia verdadeira só é possível na expressão, porque é nela

que a essência íntima é exprimida. O método segue a ordem das coisas fixas e eternas, ele não

utiliza nenhuma imagem de onde “essas coisas fixas e eternas, embora sejam singulares, serão

para nós, contudo, em razão de sua ubíqua presença e latíssima potência, como que universais ou

gêneros das definições”247

. Em geral, pensamos que podemos deduzir a existência pelo fato de

que supostamente “eu” esteja aqui agora, vendo o que vejo, ouvindo o que ouço, sentindo o que

sinto; penso: - “não é possível que isso tudo não exista, não estamos vendo, não estamos

sentindo?!”. Entretanto, o que define a existência é a concepção de sua ideia adequada e não de

sua aparência, por mais clara e distinta que pareça ser, porque, quando analisamos mais à fundo,

encontramos uma causa imanente e eterna.

245

Como, por exemplo, quando a psiquiatria avança cada vez mais na distinção e clareza do efeito de uma certa

patologia no corpo humano, e assim, desenvolve cada vez mais “remédios” que busquem “desligar” o efeito no lugar

exato da aparição na duração no corpo humano. Todavia, neste sentido, não superam a ideia clara e distinta do efeito

em busca de sua causa imanente. 246

Como, por exemplo, em Descartes. 247

TEI, §101.

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A dificuldade reside no fato que necessitamos de palavras para descrever a estrutura da

natureza naturada e, sobre isso, Espinosa afirma que devemos tomar cuidado para não cair nos

erros dos “filósofos verbalistas e gramaticistas que julgam as coisas pelos nomes, e não os nomes

pelas coisas”248

. Deste modo, utilizamos termos, como: eternidade, substância, infinito - para

descrever Deus249

, mas nunca como um símbolo capaz de representá-lo. As palavras devem ser

utilizadas como instrumentos que buscam conhecer as ideias adequadas, como as características

extrínsecas250

, que funcionam como os oceanos, que podem conduzir os naufragos às costas de

ilhas paradisíacas, ou à morte em uma tempestade.

Destarte, o conhecimento da natureza na filosofia de Espinosa se baseia, em um primeiro

momento, em expor os caminhos de uma boa definição, que, de outro modo, é o mesmo que o

desvelamento do método reflexivo ou a conscientização da potência de conhecer. Podemos dizer,

de uma certa maneira, que esta primeira parte trata da forma ou do método reflexivo: a forma da

ideia. No caminho do conhecimento, desta forma, surge a segunda fase do método que identifica

um “conteúdo” das ideias: a essência exprimida pela Substância, a qual nossa mente, ao

reproduzir, reproduz “objetivamente a formalidade da natureza, tanto no todo como em suas

partes”251

, assim, revelando os meios de sua produção. Esta segunda fase da metodologia

espinosana busca alcançar as verdades, suplantando a mera clareza e distinção para causar as

ideias através do entendimento adequado. “A adequação constitui a matéria do verdadeiro. [...] A

ideia adequada é, portanto, a ideia expressiva” 252

. Deste modo, explicamos a metodologia da

produção eternamente ativa de Deus.

Deus está sempre muito próximo de tudo. Ele está envolvido iminentemente com a causa

genética de todo o universo. A Natureza se exprime em si mesma antes de se exprimir nos seus

modos. Seus atributos são causas mediadas da Substância, das quais, suas modificações resultam

de uma dinâmica de produção que flui de maneira autônoma do intelecto eterno e do movimento

da extensão. Ser um autômata significa dizer que o movimento só pode ter sua causa na extensão,

assim como a ideia só pode ter sua causa no pensamento. A Substância expressa a essência

248

PM, PI, cap.I. 249

Em hebraico existe a palavras sod para descrever o estudo dos livros da Cabala (do Zoar) que examina as

definições ocultas no texto da Torá. A tradição budista usa o termo satori que descreve um estado de iluminação e

entendimento que supera o ambiente da duração o qual as coisas finitas não podem descrever. 250

Cf. BT, PII, cap.XXIV, §101. 251

TEI, §91. 252

DELEUZE, 2017, p.152.

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formal, que é o que de fato produz imanentemente todos os seus resultados, mas cabe lembrar

que ela se exprime antes de tudo em si mesma, constituindo-se de maneira formal. A Natureza se

expressa em si e para si, e, neste sentido, todos seus modos são os mesmos, ela compreende tudo

que explica e envolve, a ideia verdadeira surge porque a compreendemos - produzimos como nos

entendemos. Neste sentido é que todas as ideias verdadeiras são expressivas.

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UMA FUNÇÃO MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE SIGNIFICAR

Produção e compreensão

A palavra em hebraico ללמוד (que lemos lilmod) significa, ao mesmo tempo, estudar e

aprender. A gramática hebraica utiliza a mesma palavra para descrever duas palavras diferentes

do português. O estudo do conhecimento da natureza na filosofia espinosana pode nos auxiliar na

compreensão desta palavra porque apreende uma linha de pensamento que revela uma dinâmica

na qual a Natureza só produz à medida que se compreende. Mas o que Espinosa quer dizer com

“compreender-se”? Para dar esta resposta, precisamos recordar que: agimos quando

compreendemos e padecemos quando formamos ideias inadequadas. A produção de qualquer

coisa envolve o conhecimento daquilo necessário para produzi-la. A expressão da Natureza

envolve, ao mesmo tempo, sua compreensão e sua explicação.

A Substância age ao passo que seus modos se exprimem. Surge, daí, o princípio da

autonomia das séries de seus modos. A fonte da qual todos os modos se originam é a mesma.

Como a quarta definição da primeira parte da Ética expõe, os atributos constituem a essência da

Substância, ou seja, embora distingam-se pelos modos, constituem uma única e mesma natureza.

Nesse sentido, podemos dizer que todos os modos exprimem uma mesma modificação.

Entretanto, essa modificação persevera apenas enquanto os atributos exprimem a essência íntima

da Substância. Os infinitos atributos mantêm-se à ordem das coisas fixas e eternas, eles apontam

sempre à luz natural, não têm a função de desvelar qualquer coisa que seja – “tudo o que é feito

se faz segundo uma ordem eterna e segundo leis certas da Natureza”253

. O método reflexivo se

baseia em alcançar a natureza para que possamos desfrutar dela, “esforçar-me para que muitos

adquiram comigo; isto é, também pertence à minha felicidade trabalhar para que muitos outros

intelijam o mesmo”254

.

Compreender é uma espécie de afecção porque ao entender nos alegramos, não é apenas

uma ferramenta meramente racional. Mas o que formaliza e explica essa dinâmica? Em outras

palavras, por que ficamos felizes ao entender? Encontramos essa resposta nos últimos parágrafos

do BT. Retornando ao que já dissemos sobre a característica fundamental da extensão – o

253

TEI, §12. 254

Ibid, §14.

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movimento e o repouso -, “cada coisa corpórea particular não é outro senão uma certa proporção

de movimento e do repouso”255

. Assim, o corpo humano é também uma certa proporção de

movimento e repouso, de tal forma que o que determina o equilíbrio desta proporção está na

mente do corpo ou, o que é o mesmo, na sua essência objetiva. Portanto, “se o repouso vem a

aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada a dor e a tristeza que denominamos frio.

Pelo contrário, se o movimento é que cresce, assim é causa da dor que denominamos calor”256

-

desta dinâmica, origina-se toda a multiplicidade das sensações. Neste sentido, dizemos que

compreender é uma espécie de afecção universal. As forças externas que nos impedem de

entender perfeitamente a mente do corpo que nos constitui nos entristecem, nos afastam da ideia

adequada de nossa proporção original, “daí se origina a alegria que denominamos repouso,

exercício agradável e contentamento”257

.

Se a natureza naturada não introduz nada de novo à essência eterna de Deus258

,

poderíamos nos questionar sobre a razão pela qual Deus a gera. A Natureza produz da maneira

como se compreende – quando entendemos, agimos, porque, ao entender, apreendemos a causa

da produção. De fato, sabemos que a razão da existência é a mesma pela qual ela existe. Sendo

assim, devemos nos questionar sobre o que buscamos saber quando procuramos uma razão para a

existência. Como Deus é imanente à duração, não existe uma razão para além da ordem das

coisas fixas e eternas expressas aqui e agora, existentes em ato. Por este motivo, a Natureza não é

capaz de entender sua essência sem produzir as coisas que decorrem no movimento da extensão e

no intelecto do pensamento. Destarte, o tema da definição é basilar no conhecimento da Natureza

para Espinosa, porque o movimento e o intelecto, ou seja, a atividade da extensão e do

pensamento, perseveram por meio de definições. A Natureza está sempre produzindo e se

compreendendo, “segue-se daí que a potência de pensar de Deus é igual à sua potência atual de

agir”259

. Ela não se exprime de maneira formal (nos seus modos), sem se entender de maneira

objetiva (nas modificações). Quer dizer, quando a Natureza se expressa, ela também está se

explicando. Espinosa sempre lembra que toda ação da Natureza é necessária, tudo o que se

expressa revela a verdade de sua produção.

255

BT, PII, Apên, §14. 256

Ibid, §15. 257

Ibid, §17. 258

Cf. PM, PII, cap.IV, Da imutabilidade de Deus. 259

EI, Prop.30.

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76

Com efeito, só temos potência para compreender ou conhecer na

medida em que participamos da potência absoluta de pensar, que

corresponde à ideia de Deus. Quando Espinosa lembra, ao contrário, que

Deus se faz conhecer imediatamente, que ele é conhecido por si mesmo e

não por outra coisa, ele quer dizer que o conhecimento de Deus não

precisa nem de signos, nem de procedimentos analógicos.260

(grifo nosso)

Um trampolim para eternidade

É certo que os homens nunca alcançarão o conhecimento verdadeiro da Natureza

enquanto insistirem em conhecê-la através de algum signo ou de qualquer relação analógica, qual

exija um intermediário. Neste sentido, Espinosa sempre enfatiza para atentarmos à distinção entre

imaginação e intelecto ou entre ente de razão e ente real. Para o autor, é impossível ao homem

conhecer Deus por meio de palavras ou símbolos261

. Abandonar os significados é o primeiro

estágio em direção ao conhecimento da Natureza. Deleuze, em Cursos de Spinoza, afirma:

“Espinosa disse mil vezes que Deus não fabrica nenhum signo, ele se expressa. [...] isto é, ele

revela relações. E revelar relações não é nem místico e nem simbólico”262

. Quiçá, podemos fazer

uma analogia com a Alegoria da Caverna, especificamente na primeira parte da dialética

ascendente. Nas entranhas da Terra, no mundo dos mortos, os prisioneiros “acorrentados e

imóveis desde a infância só podem ver o que se encontra diante deles no fundo da caverna: as

sombras”263

. O primeiro estágio da libertação da caverna passa por reconhecer que o hábito e o

costume fizeram com que estes homens vivessem por toda vida achando que as sombras eram a

luz natural.264

Vico, em seu livro Nova Ciência, realiza um cotejo entre os estágios do desenvolvimento

cognoscível do ser humano e o desenvolvimento histórico das sociedades humanas.265

O autor

260

DELEUZE, 2017, p.156. 261

“Deus pode fazer-se conhecer aos homens: jamais por palavras. [...] Assim estimamos impossível que Deus

possa fazer-se conhecer aos homens por meio de algum signo exterior”. (BT, Cap.XIV,§10, grifo nosso) 262

DELEUZE, G. Cursos de Spinoza. 1978, p.32, tradução nossa. 263

MARCONDES, 2002, p.65. 264

Facilmente poderíamos fazer uma relação com o TTP entre as revelações dos poetas e o conhecimento advindo da

luz natural. 265

“Todas as nações gentílicas, já que todas tiveram os seus Júpiteres e os seus Hércules, foram, nas suas primícias,

poéticas”. De forma correlacionada, quando crianças, baseamos nosso aprendizado na repetição de sílabas, gestos etc

. Notamos que a criança humana, antes de ser capaz de formar os gêneros inteligíveis das coisas, interpreta da

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explica que todas as sociedades arcaicas desenvolveram certos mitos para explicar a natureza

porque a imaginação é o primeiro estágio do conhecimento humano. Sabemos que os povos

antigos possuíam a imaginação muito viva e abundante em seu pensamento, talvez porque ainda

não havia dado tempo para os homens desenvolverem os gêneros do conhecimento - o

“pensamento do homem ocidental antigo era envolvido na imaginação”266

. Podemos entender

essa suplantação da imaginação como parte de um processo natural, como parte da superação da

infância que toda pessoa tem que passar. As crianças tendem a explicar o mundo através de

monstros e fantasmas, ou seja, por meio de imagens, posto que ainda não conhecem a causa do

funcionamento da natureza. Ainda não tiveram tempo de conhecer as causas daquilo que as

determina, ou seja, em termos espinosanos, a criança se constitui, em sua maioria, de ideias

inadequadas. A infância é determinada por uma certa preponderância das paixões sobre as ações.

Agora, podemos entender, um pouco melhor, este cotejo que Vico realiza entre o período da

infância humana e o período das primeiras sociedades quais explicavam a realidade por meio de

narrativas mitopoéticas.

A imaginação, o primeiro gênero do conhecimento de Espinosa, trata da experiência vaga,

que os sentidos representam mutilada. Por exemplo, podemos saber que iremos morrer porque

vimos outros morrerem. Neste mesmo sentido, sabemos que o óleo alimenta o fogo, que a água o

apaga, que a regra de três é uma maneira de conhecer uma quantidade que tenha para outra

conhecida a mesma relação que possui entre si dentre dois valores numéricos etc., sem que

exatamente saibamos a causa de funcionamento de todos estes processos. E como, em um

primeiro momento, as coisas imaginadas oferecem um conforto maior aos homens do que a razão

e a intuição, porque exige um esforço muito menor, tendemos a utilizar as imagens da

imaginação para explicar as causas daquilo que não conhecemos e, assim, permanecemos

apaixonados por nossas mentiras. Os “homens preferem a ordenação à confusão, como se a

realidade por meio de gêneros fantásticos: na exteriorização de monstros e explicações surrealistas, devido ao óbvio

desconhecimento das causas da natureza. “Nas crianças vigoríssima é a memória, e, pois vívida em excesso a

fantasia, que outra coisa não é senão memória ou dilatada ou compósita . É a evidência das imagens poéticas que

precisou de forjar-se o primitivo mundo infante”. Deduzimos que os primeiros poetas assim o foram em virtude de

sua natureza imaginativa. Neste sentido, como mostra Giambattista Vico, as línguas provavelmente começaram pelas

vozes monossilábicas, assim como começam a falar todas as crianças; relativamente, as antigas sociedades humanas

desenvolveram-se nas selvas, a partir dos meios mais rudes e simples, depois nos tugúrios, aldeias, cidades, e, até

edificarem-se as academias. 266

Ibidem, tradução nossa.

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ordenação fosse algo que, independentemente de nossa imaginação, existisse na natureza”267

. No

campo da imaginação, cada um julga as coisas de acordo com a disposição dos movimentos

fortuitos de seu cérebro. Desta forma, tomam “as afecções de sua imaginação pelas próprias

coisas”268

. Alguns não superam a imaginação e vivem por toda vida se constituindo de ideias

inadequadas.

Para superar os significados, necessitamos fazer uma diferenciação entre as ideias e as

imagens das coisas que imaginamos, ou, de uma outra perspectiva: distinguir entre as palavras

que utilizamos para dar significado às coisas, e as ideias. Desta maneira, não confundiremos as

ideias com as palavras ou com as imagens. A concepção de que a verdade seja definida por um

processo de correspondência nos ensinou que as ideias resultam do contato de nossa mente com

as coisas extensas. Nesta conjuntura, as ideias são encaradas como meras pinturas mentais criadas

pelas palavras. No entanto, a ideia não consiste nem nas palavras e nem nas imagens.

Quando nós imaginamos, o pensamento reúne características extrínsecas, imagens, e, aí,

entra a linguagem. A imaginação definida pelos primeiros aspectos quais conhecemos as coisas

são ideias inadequadas, advindas da experiência vaga. Estas ideias não se explicam por si

próprias. Não obstante, o entendimento não passa pela supressão das ideias inadequadas, mas em

utilizar aquilo que há de positivo nelas para conceber cada vez mais ideias adequadas e, assim,

possibilitar que as ideias inadequadas ocupem uma mínima parte em nós. Afinal, a ideia

adequada é aquela que expressa sua produção, que se explica ao se exprimir, expressando sua

própria causa. A ideia inadequada é inexpressiva - ela nos dá certos indícios, no entanto, não nos

explica sua própria causa. Ela permanece sempre à margem da ideia verdadeira.

“Imaginar é sentir os vestígios que se encontram no cérebro devido ao movimento dos

espíritos”269

. Por conseguinte, sucede que imaginamos imagens como entes reais. Por exemplo,

quando tratamos o início, a distância, o inferno, a justiça etc., como ideias, só procedemos deste

modo porque confundimos a imaginação com o intelecto, todavia, estas palavras não são ideias,

já que não possuem ideado. Contudo, dizer que a ideia concorda com seu ideado, realmente, não

define nada intrínseco da ideia, porque a compara com algo externo a ela - o ideado. Para dar

267

EI, Apên. 268

Ibidem 269

PM, PI, Cap.1.

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uma definição intrínseca, precisamos definir a forma lógica das ideias que não se confunde com

as maneiras pelas quais nós as compreendemos.270

Para compreender a Natureza de uma

perspectiva eterna da mente humana é preciso superar as maneiras pelas quais temos tentado

compreender as coisas271

, e ousar compreendê-las como são tudo o que é: entes reais. Os modos

tradicionais são modos de conhecer que exigem algum dispositivo intermediário, alguma

“ferramenta epistemológica” que possibilite “ao homem conhecer a Natureza”. Se seguirmos

nessa trilha, cairíamos “por causa disso em grandes erros, tal como aconteceu a muitos até

hoje”272

. Espinosa não expôs uma metodologia com a qual o homem pode conhecer a natureza,

mas de modo distinto, revelou as próprias maneiras pelas quais a natureza mesma se

compreende.273

Todo o conhecimento parte da imaginação. A partir das noções gerais, conhecemos as

ideias adequadas, conhecemos a via para a qual devemos nos empenhar em dirigir todos os

nossos pensamentos. Em segundo lugar, as ideias adequadas mostram qual deva ser a melhor

percepção, mostram o caminho para chegar à nossa perfeição274

. O “verdadeiro Método não é

buscar um signo da verdade [...], mas que o verdadeiro Método é a via para que a própria

verdade, ou as essências objetivas das coisas, ou as ideias sejam buscadas na devida ordem”275

.

Por este motivo, Espinosa afirma, algumas vezes, que o primeiro passo é distinguir entre as ideias

verdadeiras e todas as demais percepções. A disciplina e a rotina serão também fundamentais

270

“Donde também é fácil ver com quanto zelo cabe precaver-se na investigação das coisas, a fim de não

confundirmos os entes reais com os entes de razão. Um coisa com efeito é inquirir a natureza das coisas; outras,

inquirir os modos pelos quais as coisas são por nós percebidas”. (PM, PI, cap.1) 271

Ou seja, temos tentado compreender a natureza através dos entes de razão, como se estes funcionassem como

uma espécie de intermediário entre mim e a natureza, e que toda teoria do conhecimento estivesse, de certo modo,

resumida nesta operação (à saber, desenvolver um método, ou um algoritmo, capaz de “decifrar” a Natureza e de

interpretá-la perfeitamente). No entanto, negligenciamos, primeiro, que, também como vimos, a Natureza não tem

nenhum fim nas suas ações, assim, toda ideia de finalidade não passa de ficções da mente humana, e, em segundo,

ainda que tivesse, como entre os entes de razão e os entes reais não se dá nenhuma conveniência, nunca

conheceríamos estes por meio daqueles. Não obstante, o autor da Ética está dizendo que a epistemologia correta é

aquela que se propõe a explicar como a própria Substância conhece os entes reais. E não como uma suposta

substância humana poderia conhecê-lo. A razão aponta à intuição, e este gênero do conhecimento conhece a

Natureza. Veja bem, a razão não funciona como um dispositivo epistemológico capaz de “traduzir”, “interpretar” ou

“explicar”, a Natureza, não é esta a sua função, ainda que temos tratado-a como tal. A razão revela o trampolim,

contudo ela não é capaz de interpretar o salto, e se quer ele pode ser interpretado. 272

PM, PI, cap.1. 273

Novamente: “Não há nada fora da substância. A própria substância tem que responder por si mesma sendo

entendida: tem que se entender”. (KAUFFMAN, 1940, p.91, tradução nossa). 274

Cf. TEI, §49. 275

TEI, §36.

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para chegar e conservar este nível de entendimento. Neste sentido, angariar uma forma reta e

objetiva de viver para não perder tempo com os imprevistos ordinários.

Quando entendermos que conhecer as maneiras pelas quais podemos conhecer é o próprio

conhecimento, saberemos que “tal Método será perfeitíssimo quando tivermos a ideia do Ente

perfeitíssimo”276

. De tal modo, que o segundo gênero do conhecimento - a razão - funciona como

índice desta ideia perfeitíssima, mas que, todavia, não a alcança. A razão “nos anuncia o sumo

bem a fim de despertar-nos para que o busquemos e nos unamos a ele, união que é nossa

suprema salvação e felicidade”277

. O Ente perfeitíssimo, ou seja, a Natureza, só pode ser

compreendida quando nos unimos a ela, quando participamos dela, e não quando a

interpretamos com os signos da imaginação. União que só ocorre por meio do terceiro gênero do

conhecimento, esta é a fonte da maior satisfação que na mente pode existir278

. A superação da

interpretação subjetiva envolve compreender que é do terceiro gênero do conhecimento que nasce

o amor intelectual de Deus, não “enquanto o imaginamos como presente, mas enquanto

compreendemos que Deus é eterno. É isso que chamo de amor intelectual de Deus.”279

É a expressão que estabelece o entendimento e revela a causa de sua produção. Portanto, a

expressão conecta Deus (natureza naturante) e seus modos de ser (natureza naturada). A Natureza

compreende tudo que expressa, porque ao expressar a explica - produzimos como nos

entendemos. Neste sentido, é que todas as ideias verdadeiras são expressivas e as ideias

inadequadas inexpressivas (como todas as características extrínsecas). Quando expressamos uma

ideia adequada, revelamos a causa da sua produção de uma perspectiva interna e não externa à

coisa; de outro modo, quando definimos a coisa por ideias extrínsecas, permanecemos da

perspectiva das formas da minha percepção, ou seja, permanecemos externos à coisa. Nesta

conjuntura, o máximo que podemos fazer é comparar a ideia verdadeira com a coisa que percebo.

Por exemplo, se digo que uma suposta característica da ideia verdadeira de sol é que ele “’nasce’

dia após dia”, estou apenas comparando a ideia de sol (inadequada que possuo) com o sol mesmo

que vejo todos os dias. Este exemplo deixa mais claro o porquê das ideias extrínsecas, de fato,

não explicarem nada da ideia verdadeira, posto que não afirmam nada da coisa, mas do modo

276

TEI, §49. 277

BT, PII, Cap.XXV, §6. 278

Cf. EV, Prop.32-33. Vale notar que nestas proposições, Espinosa revela mais claramente que o terceiro gênero do

conhecimento envolve a alegria, e daí decorre que precisamos compreender este gênero, também, como uma afecção. 279

EV, Prop.32,cor.

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como as percebemos; ou seja, conservamos a noção tradicional de verdade como

correspondência. Contudo, necessitamos conceber o conteúdo material, assim como a forma

lógica verdadeira da ideia, e estes só podem ser alcançados quando entendemos a causa de sua

produção na expressão.

O objetivo supremo da doutrina espinosana é conhecer as coisas por meio da ciência

intuitiva - “o esforço supremo da mente e sua virtude suprema consistem em compreender as

coisas por meio do terceiro gênero de conhecimento”280

. Conhecer a Natureza não é conhecer o

conjunto de todas as coisas particulares, mas conhecer nossa potência de compreender ou nosso

entendimento: ela descreve o caminho para o conhecimento e deduz, a partir dele, a condição da

beatitude como plena efetivação de nossa potência. É porque conhecemos como conhecer que

podemos conhecer as coisas na sua mais íntima singularidade e não ao contrário, quer dizer, não

é porque conhecemos cada coisa que sabemos o que é conhecer. Nem poderíamos querer

conhecer algo antes de saber o que é conhecer e como a Substância conhece.

Na EV23, Espinosa afirma que a “mente humana não pode ser inteiramente destruída

juntamente com o corpo: dela permanece algo, que é eterno”. Este algo eterno é a ideia que

exprime a essência do corpo sob a perspectiva da eternidade, quer dizer, um modo de pensar, que

pertence à essência da mente. Quando a mente compreende as coisas da natureza sob a

perspectiva da eternidade, não compreende as coisas a partir de suas características na existência

e duração, mas a partir de uma perspectiva eterna da essência dos corpos. De tal modo, que esta

perspectiva só é realmente alcançada por meio do terceiro gênero. “Quem conhece intuitivamente

pode ser comparado com um Buda”281

. Quando alcanço uma perspectiva eterna das essências das

coisas, converto-me em uma ideia verdadeira ou em um modo de ser ente real. Devemos

considerar que o conhecimento intuitivo é um modo de comportar-se afetivamente, e não é

meramente racional.

280

EV, Prop.25. 281

WINPAHL, 1979, p.116, tradução nossa.

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Por fim, vemos também que o raciocínio não é o mais importante

em nós, mas somente como uma escada que nos permite nos elevarmos

ao lugar almejado; ou como um bom espírito que, fora de toda falsidade e

engano, nos anuncia o sumo bem a fim de despertar-nos que o busquemos

e nos unamos a ele, união que é nossa suprema salvação e felicidade282

.

(grifo nosso)

282

BT, PII, Cap.XXV, §6.

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CONCLUSÃO

Vimos ao longo desta dissertação, a importância em direcionarmos nosso esforço para

compreender a Natureza por meio de uma perspectiva eterna da mente humana. Espinosa expôs

uma dinâmica de conhecimento da Natureza que só pode se realizar quando compreendermos as

coisas da extensão e as ideias do pensamento de um ponto de vista interno, e não externo às

coisas. Para alcançar essa perspectiva, é necessário buscar suplantar, de algum modo, o ambiente

da existência, posto que “a eternidade não pode, ser explicada pela duração”283

. A “vida pessoal

no tempo, segundo Espinosa, não importa; não são essas unidades circunstanciais e contingentes

dadas pela memória que constituem nossa essência eterna”284

.

Talvez, a proposição mais importante e enigmática que devemos analisar para a

compreensão do eixo central desta dissertação seja a EV36. Quando Espinosa afirma que o amor

intelectual de Deus, pelo qual ele ama a si mesmo, é o mesmo amor intelectual que a mente tem

para com Deus, enquanto compreende a natureza de uma perspectiva da eternidade285

, notamos

que o autor insere uma modificação, propriamente um afeto, para elucidar a união entre a mente

humana e Deus. Uma categoria que não pode ser compreendida apenas por uma atividade

meramente racional, pois esta não será capaz de, realmente, fruir as coisas que compõem a

Substância e realizar esse amor. Fruição que só será adequadamente efetivada quando

ascendermos a uma perspectiva eterna das coisas do mundo. Ascensão que, por sua vez, apenas

atingiremos quando vislumbrarmos um maneira de participar ou de se envolver nisso que a

consciência imaginativa só é capaz de interpretar. Há uma qualidade da mente humana que não

está retida na matriz da experiência da duração, capaz de conceber o infinito como atual em todas

as coisas. Espinosa afirma que nossa salvação consiste neste amor constante e eterno para com

Deus, o que é o mesmo dizer: no amor de Deus para consigo mesmo. Também podemos intitular

este amor de satisfação do ânimo. Para fruir da natureza das coisas, devemos entender que só

283

EV, Prop. 29, dem. 284

PINHEIRO, U. “Eternidade e esquecimento: memória, identidade pessoal e ética segundo Espinosa”. 2009, p.47. 285

Cf. EV, Prop.36.

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alcançaremos seu cume, sua singularidade, quando concebermos, perfeitamente, o “conhecimento

da união que a mente tem com a Natureza inteira”286

.

A tradição cartesiana concebeu uma Substância distinta das coisas que gera no mundo,

causando-as apenas de forma análoga às coisas que cria. Por outro lado, para Espinosa, a

Substância é causa de si, do mesmo modo como é causa das coisas que expressa. Descartes

desvelou Deus como causa eficiente das coisas que origina; todavia, para Espinosa, ele ignorou

que apenas a causa formal é causa de si. O autor das Meditações negligenciou a compreensão de

uma razão lógica pela qual a causa de si é expressa. Os modos não compõem a essência da

Natureza sem constituir sua existência, tampouco podem exprimir a essência sem exprimir a

existência lógica que dela sucede. É neste sentido que a existência se concilia com a essência.

Assim, a causa de si tem uma razão lógica formal não só por analogia, mas eficientemente. Deus

age como existe.

Os atributos não podem ser compreendidos como espelhos que refletem a Substância, mas

como elementos autômatos. Tendemos a pensar que somos nossos corpos, mas nossos corpos não

pensam que pertencem a quem pensamos que eles pertencem, eles cumprem sua própria agenda e

cadeia de apetite. Não podemos enxergar os atributos como simples características. Eles são, de

certo modo, atribuidores, não são apenas qualidades atribuídas a algo. Eles possuem um valor

expressivo, estão em um eterno movimento. Eles não são mais meros acidentes ou coisas

subjetivas. Eles exprimem uma essência infinita.

“A experiência da nossa eternidade não se refere ao conhecimento das afecções do corpo,

nem ao conhecimento da essência do corpo”287

. Quando o autor nos diz que a mente pode viver

sem o corpo, sabemos que alguma coisa resta desta vida para a eternidade288

. Deduzimos que são

elas as ideias adequadas que, por sua vez, são expressões do infinito para o infinito. São nestes

momentos em que podemos afirmar que Deus conhece a si mesmo. A expressão é fundamental

para apreendermos a dinâmica de conhecimento espinosana. Ao se exprimir, a Natureza se

explica. A explicação é um envolvimento com isso que se explica. Envolver é explicar. A

286

TEI, §13. 287

MOREAU, F. Spinoza l’expérience et l’éternite. 1994, p.547, tradução nossa. 288

“A mente humana não pode ser inteiramente destruída juntamente com o corpo: dela permanece algo, que é

eterno”. (EV, Prop.36)

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expressão é, assim, uma manifestação das particularidades na totalidade. A Substância se

expressa no todo, ou seja, o todo envolve suas partes. A essência de Deus age formalmente nos

modos que constituem sua natureza, e objetivamente na ideia que exprime essa natureza. A

essência objetiva é uma potência de Deus. Não existe um ser que seja a causa de todas as coisas

sem que também seja causa de fato das ideias. Para tudo que existe de maneira formal há uma

ideia que objetivamente corresponda a esta formalidade.

Participamos da Natureza enquanto doamos energia para a produção da vida.

Participamos emanativamente: tudo é emanado. A participação acontece enquanto há entrega:

entregamos para participar. A modificação compartilha da ação, ou seja, da expressão durante o

tempo em que, definido absolutamente por aquilo doado, coincide com o concessor. Quando a

mente humana compreende a eternidade, compreende o amor intelectual de Deus para consigo

mesmo - esta coincidência reúne causa emanente e a causa imanente.289

A modificação causa,

mas esta causa está para além de sua total compreensão em um sentido cognoscível. Nenhuma

“coisa criada pode existir por sua natureza sequer um instante, mas é continuamente procriada

por Deus”290

. A Natureza que emana, emana porque apreende, e compartilha de uma imanação da

qual as coisas se originam e coincidem - o que emana causa o mundo, não obstante, causa pois

compartilha de uma imanação. A imanência absoluta se expressa absolutamente em todas as

modificações. Observamos a natureza da perspectiva da eternidade, na qual compreendemos

diretamente Deus por meio das essências formais das coisas do mundo. A imanência não opera

por analogia; “todas as coisas existem em Deus e dele dependem de tal maneira que não podem

existir nem ser concebidas sem ele”291

. Afirmarmos que, por meio das essências das partes,

podemos alcançar o entendimento de Deus.

É preciso considerar que uma causa passageira é aquela cujas

produções são exteriores ou fora de si mesma, como alguém que joga uma

pedra no ar. Ou um carpinteiro que constrói uma casa. Ao passo que uma

causa imanente age interiormente e se detém em si mesma, sem sair de

modo algum. Assim, quando nossa alma pensa ou deseja alguma coisa, ela

é ou se detém nesse pensamento ou desejo sem dele sair, sendo sua causa

289

Arriscaria relacionar esta passagem com o trecho das Teses de Feuerbach: “A coincidência da mudança das

circunstâncias com a mudança da atividade humana ou com a mudança dos próprios homens só pode ser concebida e

entendida racionalmente como prática revolucionária”. (MARX, 1990) 290

PM, Cap.12. 291

EI, Apên.

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imanente. É dessa maneira que o Deus de Spinoza é a causa deste

Universo, onde está e não além.292

É na expressão que Deus se explica e se compreende. Deus se expressa no mundo e o

mundo exprime suas particularidades. A parte eterna de cada atributo é a propriedade pela qual

Deus produz tudo o que a mente concebe como existente na duração. Por meio dos Modos, Deus

informa suas modificações da potência que lhes é devida; neste caminho Deus e seus atributos se

harmonizam. Cada modificação possui uma aptidão293

para agir, existir e perseverar na sua

existência; em outras palavras, cada parte tem sua potência. Padecemos, exatamente, quando não

somos a causa adequada dos acontecimentos que nos envolvem e nos explicam. Sofremos quando

somos afetados por partes da natureza que não podemos explicar por nós mesmos294

, de outro

modo, agimos quando somos causa adequada dos eventos que nos envolvem. Deste modo,

somos, assim, conscientes do alinhamento existente entre nossas ações e o eterno amor de Deus

para consigo mesmo.

Procuramos mostrar como o primeiro e segundo gênero do conhecimento de Espinosa – a

imaginação e a razão – não podem superar o campo das significações. Seus objetivos não são,

propriamente, dar significado às coisas, mas, desvendar o caminho para o conhecimento

verdadeiro da natureza. Este, não pode ser objeto de interpretação, ele só pode ser alcançado por

meio da expressão da ideia adequada. As ideias adequadas são as ideias expressivas - intrínsecas.

Apenas a definição genética nos conduz à verdade das coisas posto que nos coloca na perspectiva

de suas criações. Os significados que criamos para definir as coisas não as explicam

adequadamente, talvez, no máximo, nos dão uma certa referência, mas não constituem definições

genéticas ou causais de Deus. A revelação desta verdade genética é uma expressão. A “oposição

entre as expressões e os signos é uma das teses fundamentais do espinosismo”295

.

Devemos notar que o fato do efeito depender da causa não pressupõe que a causa eficiente

seja a única razão do movimento existente, porque se buscarmos seguir a cadeia lógica das causas

de qualquer efeito na duração, seguiremos em um infindável abismo. Se o mundo não possuísse

leis internas que estruturassem a dinâmica de suas mudanças, ele não mudaria nunca. Todas as

292

GUINSBURG, J. Spinoza: obra completa I. A Vida de Barukh de Spinoza. 2014, p.344. 293

Ou poder. 294

EIV, Prop.2. 295

DELEUZE, 2017, p.201.

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causas das coisas móveis e singulares na existência expressam imanentemente uma causa formal.

E esta mesma dinâmica revela (através da expressão) sua estrutura e conteúdo formais. Todavia,

a mente humana, ao não refletir sobre si mesma, reflete sobre as imagens desta estrutura e

conteúdo. Deste modo, não supera a ideia clara e distinta, permanecendo no conhecimento do

efeito, mesmo que cada vez mais distinto e claro296

. Apenas a causa da ideia, à medida que se

expressa na expressão, revela a essência íntima das modificações dos Modos da Substância.

A Substância expressa a essência formal, que é o que de fato produz imanentemente

mundo. A Natureza se expressa em si e para si, e, neste sentido, todos seus modos são os

mesmos, ela compreende tudo o que explica e envolve. A ideia adequada surge porque a

compreendemos: produzimos como nos entendemos. Agimos quando compreendemos e

padecemos quando nos apaixonamos. A expressão da Natureza envolve, ao mesmo tempo, sua

compreensão e sua explicação. Ela não se expressa de maneira formal, sem se entender de

maneira objetiva. Quer dizer, quando a Natureza se expressa, ela também está se explicando.

Espinosa sempre lembra que toda ação da Natureza é necessária, tudo o que se expressa revela a

verdade de sua produção.

Com efeito, só temos potência para compreender ou conhecer na

medida em que participamos da potência absoluta de pensar, que

corresponde à ideia de Deus. Quando Espinosa lembra, ao contrário, que

Deus se faz conhecer imediatamente, que ele é conhecido por si mesmo e

não por outra coisa, ele quer dizer que o conhecimento de Deus não

precisa nem de signos, nem de procedimentos analógicos.297

(grifo nosso)

Os homens nunca alcançarão o conhecimento verdadeiro da Natureza enquanto insistirem

em buscar conhecê-la através de algum signo ou de qualquer relação analógica que exija

intermediários. Enquanto o homem fundamentar o conhecimento da Natureza na compreensão de

296

Como, por exemplo, quando a psiquiatria avança cada vez mais na distinção e clareza do efeito de uma certa

patologia no corpo humano, e assim, desenvolve cada vez mais “remédios” que busquem “desligar” o efeito no lugar

exato da aparição na duração no corpo humano. Todavia, neste sentido, não superam a ideia clara e distinta do efeito

em busca de sua causa imanente. 297

DELEUZE, 2017, p.156.

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seus signos, tomará “as afecções de sua imaginação pelas próprias coisas”298

. A ideia verdadeira

não é um significado verdadeiro, mas uma ideia adequada, é aquela que expressa sua própria

causa, que se explica ao se exprimir; já, a ideia inadequada é inexpressiva. Para dar uma

definição intrínseca, precisamos definir a forma lógica das ideias que não se confunde com as

maneiras pelas quais nós as compreendemos

Esta pesquisa procurou mostrar que, tradicionalmente, temos tomado a razão como a

ferramenta epistemológica capaz de compreender a Natureza e conduzir o homem a uma vida

superior. No entanto, Espinosa nos revela que sua verdadeira função não é propriamente entender

a Natureza, mas “nos anunciar o sumo bem a fim de despertar-nos para que o busquemos e nos

unamos a ele, união que é nossa suprema salvação e felicidade”299

. Deus, ou seja, a Natureza, só

pode ser compreendida quando nos unimos a ela, quando participamos dela. União que só

ocorre quando concebemos Deus, não “enquanto o imaginamos como presente, mas enquanto

compreendemos que Deus é eterno. É isso que chamo de amor intelectual de Deus.”300

Amor que,

de certo modo, conecta a natureza naturante e a natureza naturada. Conhecer a Natureza é

conhecer nossa potência de compreender. Sendo assim, não poderíamos querer conhecer algo,

sem antes saber o que é conhecer.

Constatamos que, em suma, na coisa extensa não há nenhuma outra modificação além do

movimento e do repouso, “cada coisa corpórea particular não é outra senão uma certa proporção

de movimento e repouso”301

. Logo, os homens também são uma certa proporção de movimento e

repouso, de tal sorte, que a essência objetiva, ou seja, a ideia verdadeira desta proporção, precisa

existir no pensamento, a qual Espinosa chama de mente do corpo302

. E, à oscilação do equilíbrio

desta proporção, para mais ou para menos, que, no Breve Tratado, o autor da Ética atribuiu as

tendências opostas dos afetos, como o calor e o frio.303

Nesta esteira, “se a mudança ocorre em

uma parte é causa de que ela retorne à sua primeira proporção, daí se origina a alegria que

denominamos repouso, exercício agradável e contentamento”304

. “Sem a virtude, sem a direção

do intelecto tudo leva a ruína, sem que possamos gozar de nenhum repouso, como se vivêssemos

298

Ibidem 299

BT, PII, Cap.XXV, §6. 300

EV, Prop.32,cor. 301

BT, PII, Apên, §14. 302

Cf. BT, PII, Apên, §15. 303

Ibidem. 304

Ibid §16.

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fora do nosso elemento”305

. A essência de um corpo pode ser caracterizada por uma certa

quantidade de movimento e repouso306

que oscila de acordo com leis universais e eternas da

Natureza.307

A essência de um modo existe na medida em que é constituída por aquilo expresso

pela Natureza. Enquanto não somos constrangidos por causas externas308

, temos a aptidão

derivada das essências de nossos corpos de compreender os padrões de encadeamento lógico que

nossos corpos devem seguir para receber e doar - precisamente, porque tudo o que ocorre, ocorre

por um decreto divino. Deste modo, podemos expressar a causa adequada das coisas do mundo.

Apontamos que Espinosa expôs uma teoria do conhecimento cujo objetivo maior é

conduzir o homem à compreensão da Natureza por meio da intuição. Neste sentido, devemos

abandonar, como vimos, de certo modo, uma concepção tradicional do conhecimento que não

supera uma compreensão analógica da Natureza. A epistemologia espinosana concebe um

entendimento que só se realiza, verdadeiramente, na medida em que participamos da natureza

divina da singularidade de cada coisa. Esta participação será mais perfeita quanto mais perfeita

forem minhas ações, que, por sua vez, dependem da perfeição do conhecimento que possuímos

de Deus. Podemos dizer que a tranquilidade de meu espírito309

e a consequente felicidade ou

satisfação de meu ânimo310

(nossa beatitude) dependem do entendimento da Natureza que

possuo, pelo “qual somos induzidos a realizar apenas aquelas ações que o amor e a generosidade

nos aconselham”311

e a “suportar com igual ânimo uma e outra face da fortuna, pois certamente

todas as coisas se seguem do decreto eterno de Deus, com a mesma necessidade da qual se segue

a essência do triângulo”312

.

305

BT, PII, cap.XXVI, §2. 306

“A essência objetiva dessa proporção existente e que está no atributo pensante, dizemos que é a mente do corpo.

Assim, se uma dessas modificações (o repouso ou o movimento) se altera para mais ou para menos, também a ideia

se altera para mais ou para menos, também a ideia se altera na mesma medida; por exemplo se o repouso vem a

aumentar e o movimento a diminuir, assim é causada ado ou tristeza que denominamos frio. Pelo contrário, se o

movimento é que cresce, assim é causada a dor que denominamos calor.” (BT,PII, Apên, §15) 307

“Na extensão, a propriedade que Deus tem necessariamente para doar a todos os modos concebíveis é

precisamente o movimento e o repouso, posto que é unicamente pelo movimento e repouso que os corpos podem

aparecer; e com todas as suas leis, produzir tudo que existe”. (MATHERON, 2011, p.699, tradução nossa.) 308

“Durante o tempo em que não estamos tomados por afetos que são contrários à nossa natureza, nós temos o poder

de ordenar e concatenar as afecções do corpo segundo a ordem própria do intelecto”. (EV, Prop.10) 309

Nesta esteira, Espinosa afirma: “Pois o ignorante, além de ser agitado, de muitas maneiras, pelas causas

exteriores, e de nunca gozar da verdadeira satisfação do ânimo, vive, ainda, quase inconsciente de si mesmo, de Deus

e das coisas”. (EV, Prop.42, esc) 310

Pois “quando se goza dele não se quer trocá-lo por nenhuma outra coisa do mundo”. (BT, PII, cap.XXVI, §3) 311

EII, Prop.49. 312

Ibidem. Ou seja, que a soma de seus três ângulos é igual a soma de dois ângulos retos.

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Finalmente, mostramos que Espinosa expôs uma teoria do conhecimento muito particular

cujo objetivo maior é direcionar o homem à compreensão da Natureza por meio do terceiro

gênero do conhecimento – da ciência intuitiva. Este tal gênero, exige algo mais do que uma

compreensão racional e analógica da Natureza, exige a apreensão de uma maneira pela qual o

homem é capaz de participar da Natureza. Esta participação será mais perfeita quanto mais

perfeita forem nossas ações. A equanimidade de nosso espírito313

, e sua consequente felicidade

ou beatitude, depende da qualidade da potência do conhecimento que temos da nossa natureza.

Não “passa mais pela ideia de Deus, nem por uma correspondente potência de pensar, para

chegar, em conclusão, a uma potência infinita de existir. Ela opera imediatamente na existência

pela potência de existir”314

. Nossa verdadeira potência de pensar se revela na medida em que

compreendemos adequadamente a mais íntima e a mais vívida relação de união entre a existência

presente de nossos corpos e a eternidade de Deus.

“Para concluir, resta-me apenas dizer algo aos amigos para quem escrevo: não vos

assusteis com essas novidades, pois bem sabeis que uma coisa não deixa de ser verdadeira só

porque muitos não a admitem”315

.

313

Nesta esteira, Espinosa afirma: “Pois o ignorante, além de ser agitado, de muitas maneiras, pelas causas

exteriores, e de nunca gozar da verdadeira satisfação do ânimo, vive, ainda, quase inconsciente de si mesmo, de Deus

e das coisas”. (EV, Prop.42, esc) 314

DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. 2017, p.95. 315

BT, PII, Con

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