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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 35, n. 4, 4501 (2013) www.sbfisica.org.br Desenvolvimento em Ensino de F´ ısica Uma proposta para o ensino da astronomia e astrof´ ısica estelares no Ensino M´ edio (A proposal for the teaching of stellar astronomy and astrophysics in the Middle/High School) J.E. Horvath 1 Departamento de Astronomia, Instituto de Astronomia, Geof´ ısica e Ciˆ encias Atmosf´ ericas, Universidade de S˜ao Paulo, S˜ao Paulo, SP, Brasil Recebido em 10/1/2013; Aceito em 12/2/2013; Publicado em 15/10/2013 Discutimos neste trabalho uma abordagem emp´ ırica para o ensino da astrof´ ısica estelar no Ensino M´ edio. Utilizando um m´ ınimo de informa¸c˜ ao, desenvolvemos alguns pontos-chave para a realiza¸c˜ ao de aulas e trabalhos que resultam an´alogos em dificuldade e conceitos `aqueles realizados para o estudo do sistema Terra-Sol-Lua a partir da fenomenologia observada. A abordagem dispensa o uso de conceitos mais avan¸ cados (por exemplo, fus˜ ao nuclear) em favor da possibilidade concreta de incorporar estes temas de astrof´ ısica das estrelas na sala de aula, tal como sugerido pelos PCNs. Palavras-chave: estrelas, empirismo, astrof´ ısica estelar. We discuss in this work an empirical approach for the study of stellar astrophysics in the Middle/High School. Using a minimum of information, we develop some key points to perform tasks and lessons which result analogous in difficulties and concept to those made for the system Earth-Sun-Moon starting from the observed phenomena. This approach does not require the use of more advanced concepts (such as nuclear fusion) in favor of the concrete possibility to incorporate these stellar astrophysics subjects in the classroom, as suggested by brazilian PCNs. Keywords: stars, empirism, stellar astrophysics. 1. Introdu¸c˜ ao As ciˆ encias naturais est˜ao cada vez menos “naturais”. Embora seja verdade que, no in´ ıcio, as ciˆ encias naturais estavam dentro do alcance e a vivˆ encia poss´ ıvel das pes- soas, hoje vemos que isto ´ e cada vez menos verdadeiro. O cont´ ınuo aprimoramento tecnol´ogico provoca o afas- tamento progressivo da apreens˜ao direta das ciˆ encias pelo professor e pelos alunos; por exemplo, enquanto a biologia se contentava com classificar e comparar plan- tas e animais, n˜ao resultava dif´ ıcil se introduzir na dis- ciplina. No S´ eculo 19 as coisas mudaram bastante, e tanto os desenvolvimentos devidos a Mendel quanto a teoria da Evolu¸c˜ ao de Darwin exigiram consider´avel es- for¸co (n˜ao s´o pela dificuldade, mas antes pela oposi¸c˜ ao `as ideias muito enraizadas...), para serem incorporadas e elaboradas no S´ eculo 20, e finalmente pertencerem `a bagagem cultural das pessoas instruidas. J´a os desen- volvimentos na segunda metade do S´ eculo 20 est˜ao at´ e hoje esperando uma s´ ıntese educativa abrangente, que come¸ce pela descoberta do ADN e continue at´ e a mo- derna gen´ etica molecular e seus desdobramentos (plan- tio de transgˆ enicos, terapias com c´ elulas-tronco, etc.). O certo ´ e que a biologia escapou bastante do ´ambito “natural”, no sentido de que suas descobertas e objetos de interesse b´asicos n˜ao mais s˜ao percept´ ıveis com os sentidos e descansam mais e mais nos instrumentos es- pecializados desenhados para pˆor em evidˆ encia sua pre- sen¸ca e funcionamento, inclu´ ıdas a´ ı v´arias ferramentas conceituais muito sofisticadas. Estasitua¸c˜ ao exemplificada com a biologia se re- pete na astronomia, onde a percep¸c˜ ao natural do ser humano deu passagem h´a muito tempo `a percep¸c˜ ao atrav´ es dos instrumentos, muito complexos e eficientes, diga-se de passagem, mas totalmente alheios `as pes- soas enquanto suas vivˆ encias e experiˆ encias no dia-a- dia. Assim, criou-se uma divis˜ao cada vez mais pro- funda entre aquilo que vemos e tentamos compreender (fenˆ omenos atmosf´ ericos, a Lua, eclipses, etc.) e aquilo no qual devemos confiar, j´a que feito pelos profissio- nais do mundo globalizado com um not´avel esfor¸co ci- ent´ ıfico e financeiro. O nosso ponto central ´ e que, em- bora acreditemos e fiquemos fascinados pelas imagens dos telesc´opios Hubble, Spitzer, VLT e outros, existe uma completa delega¸ c˜ao de competˆ encia aos cientistas para nos dizer como funciona isto ou aquilo, ou como entender as medidas e ideias a respeito do universo e 1 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 35, n. 4, 4501 (2013)www.sbfisica.org.br

Desenvolvimento em Ensino de Fısica

Uma proposta para o ensino da astronomia e astrofısica estelares

no Ensino Medio(A proposal for the teaching of stellar astronomy and astrophysics in the Middle/High School)

J.E. Horvath1

Departamento de Astronomia, Instituto de Astronomia, Geofısica e Ciencias Atmosfericas,Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brasil

Recebido em 10/1/2013; Aceito em 12/2/2013; Publicado em 15/10/2013

Discutimos neste trabalho uma abordagem empırica para o ensino da astrofısica estelar no Ensino Medio.Utilizando um mınimo de informacao, desenvolvemos alguns pontos-chave para a realizacao de aulas e trabalhosque resultam analogos em dificuldade e conceitos aqueles realizados para o estudo do sistema Terra-Sol-Lua apartir da fenomenologia observada. A abordagem dispensa o uso de conceitos mais avancados (por exemplo,fusao nuclear) em favor da possibilidade concreta de incorporar estes temas de astrofısica das estrelas na sala deaula, tal como sugerido pelos PCNs.Palavras-chave: estrelas, empirismo, astrofısica estelar.

We discuss in this work an empirical approach for the study of stellar astrophysics in the Middle/HighSchool. Using a minimum of information, we develop some key points to perform tasks and lessons which resultanalogous in difficulties and concept to those made for the system Earth-Sun-Moon starting from the observedphenomena. This approach does not require the use of more advanced concepts (such as nuclear fusion) in favorof the concrete possibility to incorporate these stellar astrophysics subjects in the classroom, as suggested bybrazilian PCNs.Keywords: stars, empirism, stellar astrophysics.

1. Introducao

As ciencias naturais estao cada vez menos “naturais”.Embora seja verdade que, no inıcio, as ciencias naturaisestavam dentro do alcance e a vivencia possıvel das pes-soas, hoje vemos que isto e cada vez menos verdadeiro.O contınuo aprimoramento tecnologico provoca o afas-tamento progressivo da apreensao direta das cienciaspelo professor e pelos alunos; por exemplo, enquanto abiologia se contentava com classificar e comparar plan-tas e animais, nao resultava difıcil se introduzir na dis-ciplina. No Seculo 19 as coisas mudaram bastante, etanto os desenvolvimentos devidos a Mendel quanto ateoria da Evolucao de Darwin exigiram consideravel es-forco (nao so pela dificuldade, mas antes pela oposicaoas ideias muito enraizadas...), para serem incorporadase elaboradas no Seculo 20, e finalmente pertencerem abagagem cultural das pessoas instruidas. Ja os desen-volvimentos na segunda metade do Seculo 20 estao atehoje esperando uma sıntese educativa abrangente, quecomece pela descoberta do ADN e continue ate a mo-derna genetica molecular e seus desdobramentos (plan-tio de transgenicos, terapias com celulas-tronco, etc.).O certo e que a biologia escapou bastante do ambito

“natural”, no sentido de que suas descobertas e objetosde interesse basicos nao mais sao perceptıveis com ossentidos e descansam mais e mais nos instrumentos es-pecializados desenhados para por em evidencia sua pre-senca e funcionamento, incluıdas aı varias ferramentasconceituais muito sofisticadas.

Esta situacao exemplificada com a biologia se re-pete na astronomia, onde a percepcao natural do serhumano deu passagem ha muito tempo a percepcaoatraves dos instrumentos, muito complexos e eficientes,diga-se de passagem, mas totalmente alheios as pes-soas enquanto suas vivencias e experiencias no dia-a-dia. Assim, criou-se uma divisao cada vez mais pro-funda entre aquilo que vemos e tentamos compreender(fenomenos atmosfericos, a Lua, eclipses, etc.) e aquilono qual devemos confiar, ja que feito pelos profissio-nais do mundo globalizado com um notavel esforco ci-entıfico e financeiro. O nosso ponto central e que, em-bora acreditemos e fiquemos fascinados pelas imagensdos telescopios Hubble, Spitzer, VLT e outros, existeuma completa delegacao de competencia aos cientistaspara nos dizer como funciona isto ou aquilo, ou comoentender as medidas e ideias a respeito do universo e

1E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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seu conteudo. Assim, a brecha mencionada entre a per-cepcao sensorial dos fenomenos e os objetos almejadospelos instrumentos de ultima geracao so aumenta. Naovamos observar com nossos olhos nem com instrumen-tos de pequeno porte coisas como buracos negros su-permassivos, ou estrelas prestes a morrerem, ou deta-lhes finos dos asteroides: devemos confiar que todo istoacontece tal como se nos diz que acontece porque os ins-trumentos assim o mediram. Existe assim um afasta-mento progressivo dos fenomenos que dificulta qualquerabordagem pedagogica, e coloca uma barreira muitosubstancial para o ensino das ciencias segundo o cons-tructivismo [2] e varias outras possıveis abordagens.

Desta discussao resulta evidente (pelo menos parao autor) que o ensino de astronomia (e outras disci-plinas) esta em um beco sem saıda: o que e tangıvel,torna-se finalmente enfadonho e e repetido ad nauseamnos ciclos da educacao , enquanto o que faz a cabecados alunos (e professores) esta se deslocando rapida-mente para longe do alcance deles e fica cada vez maisdifıcil de ser incorporado aos temas tratados na sala deaula. Os PCNs recomendam, no entanto, uma serie detemas desta classe “nao natural”, indo desde as estrelasate a cosmologia e o Big Bang. Como nem mesmo osconteudos do Sistema Solar sao discutidos e apresenta-dos de forma substanciosa e logica na maioria das ve-zes, segue-se que o professor esta normalmente inseguroe reticente para entrar nesses problemas menos famili-ares para ele/ela. Porem, estes contem grande parteda astronomia do Seculo 20, e resultam muito atrati-vos e desafiadores, especialmente para aqueles alunoscom inclinacao cientıfica (≤ 5% do total, segundo estu-dos recentes, mas ainda assim vitais para a saude e de-senvolvimento das sociedades [1]). Nem mesmo temasimportantes ja descobertos antes da virada do Seculo19 sao incorporados apropriadamente (natureza da luz,emissao e absorcao , radiacao do corpo negro, etc.), es-tes todos elementos basicos para estudar as estrelas. Apergunta a fazer e: sera possıvel discutir em sala deaula conteudos astronomicos, por exemplo, as estrelas,da mesma forma que se faz com o Sistema Solar? Maisainda, como comecar? Como esprimir uma abordagemempırica que resulte em um avanco real para compre-ender as estrelas? O restante deste artigo contem umprincıpio de resposta (positiva) para esta questao, pelomenos para pisar em terreno firme e motivar os alunospara irem alem da astronomia do sistema Sol-Terra-Lua. A ideia e a de tender uma ponte inicial que possaligar o conhecimento empırico a construcao de um qua-dro basico a respeito das estrelas, utilizando um mınimode informacao e trabalhando o contato dos alunos comos fenomenos observados.

2. Comparando as estrelas

Para continuarmos e preciso comecar por uma consi-deracao de carater geral e hipotetica, ja que precisamoscomparar as estrelas com algo bem conhecido. A as-

tronomia indiana fez essa identificacao ha quase 2000anos (tal como registrada nos versos do Veda), e o in-diano Aryabhata por volta do ano 500 D.C. tinha porcerto que as estrelas eram, na verdade, outros sois [3].Note-se que nao e necessario agora nos perguntarmos arespeito da sua natureza exata, basta adimitirmos, pro-visionalmente, que as estrelas que observamos sao cor-pos como o Sol. No ocidente, um milenio mais tarde,Giordano Bruno (1548-1600) foi censurado e depois exe-cutado pela Igreja Catolica por fazer a mesma hipotese,acrescentada da ideia de infinitos planetas habitados(isto ultimo foi demais para os teologos da epoca). Cha-maremos a esta identificacao Sol = estrelas de hipotesede semelhanca.

Como e que a hipotese de semelhanca pode ser uti-lizada? A resposta passa pela comparacao do brilhodas estrelas. Quando aceita aquela hipotese, estamosadmitindo que existe um padrao de estrela (o Sol) eque, se todas as estrelas sao iguais a ele, entao as va-riacoes que observarmos devem-se somente a distancia.Daı que de conseguirmos medir o fluxo F da luz deuma estrela (quantidade de energia por unidade dearea e de tempo), a distancia fica totalmente deter-minada, ja que este fluxo cai como o quadrado dadistancia. O exemplo mais simples, em escala humana,e o de ter uma lampada de potencia dada (digamos,100 Watts) e medirmos o fluxo a uma distancia conhe-cida (digamos, 1m). Uma lampada identica levada auma distancia qualquer pode ser localizada medindo ofluxo, ja que a distancia d estara determinada como

d = 1m

(F1m

F

)1/2

. Isto so e possıvel porque sabemos

que as lampadas sao identicas. Transportado ao casoestelar, o argumento precisa da hipotese de semelhanca.

Porem, no caso especıfico das estrelas, a escala debrilho utilizada traz algumas novidades particulares.Este problema do brilho das estrelas ja foi abordadono Seculo III A.C. pelo astronomo grego Hipparcos,quem se preocupou de definir uma hierarquia de bri-lhos em termos de uma quantidade que chamou demagnitude. Mais tarde, Ptolomeu a difundiu na suaobra Almagesto. A escala grega propunha que as es-trelas mais brilhantes do ceu eram (por definicao ) deprimeira magnitude, e as menos brilhantes, quase in-visıveis, de magnitude 6 (tambem por definicao ). Maistarde formalizou-se esta classificacao definindo que cada5 magnitudes exista um fator 100 no brilho das estre-las. Ou seja, uma estrela de magnitude 1 e uma demagnitude 6 diferem em 100 no brilho observado [4].Como esta definicao se refere somente a observacao ,sem dizer nada a respeito da natureza estelar nem a suadistancias (a mesma estrela muito mais longe brilharamenos e tera uma magnitude diferente), denomina-sede forma mais precisa magnitude aparente.

E possıvel escrever de forma matematica uma ex-pressao simples para a magnitude aparente de umaestrela com um certo brilho (caracterizado tambem

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pelo fluxo F ), respeito de um valor de referencia comsubındice “0” . Assim temos

m−m0 = −2.5 log10

(F

F0

), (1)

onde F0 e o fluxo de referencia, a ser escolhido parareferir a magnitude aparente a estrela (u outro objeto)padrao em um dado comprimento de onda, por exem-plo, nos sempre utilizaremos aqui a luz visıvel denomi-nada V na notacao astronomica . Note-se que quantomais fraca e a estrela, maior resulta sua magnitude. Istodecorre do sinal (-) na Eq. (1), e do fato que o log10 deum numero < 1 e negativo. Assim, a expressao da umaideia real do que acontece com estrelas identicas (igualfluxo) a distancias cada vez maiores: a magnitude apa-rente aumenta, mas so segundo o logaritmo do fluxo,ou seja mais ou menos suavemente (vide Fig. 1)

Figura 1 - O logaritmo do fluxo da luz estelar F , funcao quecresce suavemente conforme F aumenta. Hipparcos e seus segui-dores adotaram implicitamente esta forma ao definir um intervalo(escala) de magnitudes visıveis, posteriormente matematicamenteesprimida na Eq. (1), a qual continua sendo utilizada ate hoje.Quando o fluxo F resulta menor que aquele da refer encia F0,a funcao e negativa e a magnitude aparente m cresce numerica-mente.

A utilizacao imediata da hipotese de semelhanca nosdiz que o fluxo que aparece dentro dos logaritmos naEq. (1) pode ser traduzido em distancia logo mais, jaque se todas as estrelas forem iguais, brilharao mais oumenos se estiverem mais perto ou mais longe, de talforma que o fluxo diminui proporcionalmente ao qua-drado da distancia a fonte F = C/d2 (isto deveria serbem familiar para os alunos), e chegamos assim a

m−m0 = −2.5 log10

(d

d0

)2

. (2)

Da expressao da magnitude tambem resulta que duasestrelas com magnitudes diferentes m1 e m2 (onde aprimeira e suposta mais fraca que a segunda), tem umadiferenca de brilho de

Diferenca = 2.5m1−m2 (3)

(o valor exato da base e 5√100 ∼ 2.512, decorrencia da

definicao formal de uma amplitude = 100 entre a 1a ea 6a magnitude). Portanto, se medirmos a magnitudede uma estrela fraca e a compararmos com a solar, te-remos como dizer a distancia dela respeito da distanciaTerra-Sol. O Sol esta tao proximo (astronomicamentefalando), e brilha tanto, que sua magnitude aparenteresulta ser = −26.7, valor enorme e negativo de taobrilhante (de novo, o sinal “−” na Eq. (1)) . Por outrolado sua distancia foi estimada com varios metodos eresulta, em media, de 150 × 109 m, ou 150 milhoes dequilometros. Tambem seria possıvel referenciar tudoa outra estrela que nao o Sol, proxima, da qual co-nhecamos a distancia, ja que feita que foi a hipotese deque todas sao iguais (semelhanca), e o resultado seriaequivalente. Por exemplo, a magnitude aparente da es-trela Alfa do Centauro, terceira mais brilhante do ceu,e de −0.27. Sua distancia estimada e de 4, 37 anos-luz,baseada na medida da paralaxe estelar e serve para esteproposito.

Vamos agora propor aos alunos observar o ceu edetectar a estrela mais fraca que seja possıvel enxer-gar. Isto e todo um desafio para eles e constitui em siproprio um programa altamente interessante. Leve aturma para um lugar bastante escuro e peca para eleslocalizarem e desenharem as Tres Marias ou o Cruzeirodo Sul e seu entorno no papel. A partir daıpeca paralocalizarem a estrela mais fraca proxima destas. O olhohumano enxerga ate magnitude +6 aproximadamente,portanto, a determinacao deles deve ser uma estrela en-tre magnitude ≥ +5. Supondo que o valor mais elevadoe atingido, peca para eles calcularem quanto mais dis-tante que o Sol ou que Alfa do Centauro esta a estrelaque supuseram identica. Usando a Eq. (3), o resul-tado e +6 − (−0.27) = 6.27, de tal forma que, usandoAlfa do Centauro como comparacao e 2.56.27 ≃ 322 ve-zes mais brilhante. Agora, se aceitarmos 4.37 anos-luzcomo a distancia a referencia Alfa do Centauro, po-deremos utilizar as Eqs. (2) e (3) para calcular d aestrela fraca, e definir uma esfera de raio igual a estadistancia onde poderemos observar estrelas, enquantoas mais longınquas nao serao visıveis ao olho humano,esta esfera tera um raio de uns 90 anos-luz (mais tarde,ao questionar a hipotese de semelhanca, veremos queisto nao e totalmente correto, mas por ora as coisaspodem ficar assim).

Ja temos um excelente ponto de partida para discu-tir as distancias estelares, em particular para entenderpor que os astronomos teimam em usar o ano-luz e oparsec (= 3,26 anos-luz) para medir distancias: estassao realmente enormes para a escala humana e preci-sam de unidades adequadas. Quando feita a estima-tiva, os alunos vao refletir a respeito e se convencer logodesta conveniencia. Ato seguido, sugerimos o seguinteexercıcio para fixar a ideia de distancias: suponha queo Sol e do tamanho de uma bolinha de gude e agorapeca para colocar, em escala, uma segunda bolinha de

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gude que represente Alfa do Centauro. Uma regra detres simples dara a resposta (digamos, para um raio de∼ 1 cm, a distancia e de uns 500 km!). Lembrandoque a estrela fraca e, por hipotese, da mesma classeque o Sol), peca para imaginarem um lugar para osalunos depositarem uma terceira bolinha de gude, es-tando a primeira (o “Sol”) na frente da sala de aula.A distancia necessaria levaria esta bolinha para Tokio(...) E lembre que podem existir estrelas ainda maisfracas, ja que somente estiveram limitados pela capa-cidade do olho. Peca para trazerem binoculos e obser-varem a mesma estrela. Possıvelmente “descobrirao”outras mais fracas ainda, umas duas magnitudes maiorpelo menos (+8 e um bom chute...). Repita a operacaode posicionamento, sem se importar se as distanciasestao alem da escola. Para finalizar, e embora nao re-sulte estrictamente um topico estelar, peca que indi-quem a orbita de Plutao (umas 40 U.A., ou 40 vezes150 milhoes de quilometros) na mesma escala. Teraodado um grande e interessante passo para os alunos re-lacionarem uma escala cosmica com seus equivalentesterrestres, os ultimos bem conhecidos e apreendidos emtermos da escala humana.

Tabela 1 - As 20 estrelas mais brilhantes do ceu (Ref. [5]).

Nome m ConstelacaoSirius -1.44 Canis MajorCanopus -0.63 CarinaAlfa do Centauro -0.01 CentaurusVeja +0.03 LyraCapella +0.08 AurigaArcturus +0.16 BootesRigel +0.28 OrionProcyon +0.40 Canis MinorAchernar +0.54 EridanusBetelgeuse +0.57 OrionHadar +0.64 CentaurusAltair +0.93 AquilaAldebaran +0.99 TaurusSpica +1.06 VirgoAntares +1.07 ScorpiusPollux +1.22 GeminiFomalhaut +1.23 Piscis AustralisAcrux +1.28 CruxMimosa +1.31 CruxDeneb +1.33 Cygnus

3. A distribuicao espacial das estrelas

Um passo alem da comparacao baseada na hipotese desemelhanca esta a questao da distribuicao espacial dasestrelas. Estao isoladas (o Sol nao tem companheiras)?Estao em grupos? Como e possıvel determinar se estaofisicamente juntas, embora parecam esta-lo no planodo ceu? Esta questao levara de imediato ao reconheci-mento das constelacoes . E um excelente momento paradescrever a historia das constelacoes e suas implicacoesculturais, ja que o topico se presta para esses fins (vide,por exemplo, a referencia [5]). O tempo que pode serdedicado a esta discussao depende das circunstancias,

e idealmente deveria ser coordenado com os professo-res de historia e geografia para dar uma enfase adici-onal que ponha em evidencia aspectos interdisciplina-res varios. Peca aos alunos para calcularem, de novousando a formula da magnitude e a hipotese de seme-lhanca, a distancia relativa entre as estrelas de umaconstelacao (na Ref. [5] encontrarao as magnitudesde varias estrelas do Cruzeiro do Sul, de Orion e ou-tras, vide Tabela 1). Em posse das distancias dıspares,os alunos podem concluir bastante rapidamente que asconstelacoes sao resultado da projecao (embora algu-mas estrelas estejam sim, fisicamente proximas). E im-portante destacar que isto nao prova que nao ha estrelasassociadas, somente diz que a maior parte delas que par-ticipa das constelacoes conhecidas nao o esta. Um se-gundo ponto interessante e a observacao da Vıa Lactea,de enorme significacao cultural. Uma revisao das ideiase visoes da Vıa Lactea pelos povos antigos constitui umassunto de interface com as aulas de historia que naodeve ser desperdicado. Como explicar a Vıa Lactea?Que tipo de informacao esta oculta na sua existencia?(os filosofos gregos Leucipo e Democrito, pais do ato-mismo, pensavam, por exemplo, que a Vıa Lactea es-tava constituıda de estrelas muito pequenas -isto e, naoas identificavam como sendo similares ao Sol-, o seumundo era assim muitıssimo menor ja que as estreli-nhas deviam estar proximas da Terra, embora alem docırculo lunar [6]). Em todo caso, antes de introduzir aideia de estarmos dentro de uma distribuicao plana (naoesferoidal) e compara-la com outras alternativas (porexemplo, que a Vıa Lactea seja um conjunto de estrelastotalmente externo a nos, e procedimentos para confe-rir qual e a proposta mais acurada -no ultimo caso, valeobservar a Vıa Lactea no hemisferio norte e no sul, e emtodas as epocas do ano-); faca junto com os alunos umlevantamento a respeito desta questao na historia dasciencias. Isto sera de grande valor para localizar os alu-nos no entorno astronomico local. Por ultimo, algunsexemplos de associacao espacial podem ser trazidos atona. Um conjunto muito evidente sao as Tres Ma-rias no cinturao de Orion. As tres estrelas tem quase omesmo brilho e estao muito proximas, poderiamos dizerque estao associadas (pesquisar). Uma ultima atividadeinteressante pode ser a localizacao da Caixinha de Joias(carta do ceu na Ref. [5]) e a discussao da sua naturezae proximidade fısica. Os alunos podem ser informadosque, segundo os estudos astronomicos, mais da metadedas estrelas que eles observam sao binarias, embora se-jam muitas vezes difıceis de identificar como tais (Alfado Centauro, por exemplo, e um sistema duplo comuma componente muito mais fraca que a outra, emboraa efeitos das tarefas propostas esta realidade nao fazmuita diferenca e foi tratada como uma estrela unica).O Sol parece pertencer a uma minoria neste sentido.A existencia de associacoes com mais de dois membrose bastante natural, e “enxames” como a Caixinha deJoias ou aglomerados globulares (nao observaveis dire-

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tamente a olho nu) um grupo que nasceu ao mesmotempo e evolui junto desde entao.

4. Variam seu brilho as estrelas?

O comeco da sistematizacao das observadas pelo gregoHipparcos traz uma interessante questao a tona: se-riam as estrelas observadas por Hipparcos ha mais de 2milenios as mesmas que observamos hoje? Obviamenteo grego classificou primeiro as estrelas mais brilhantesdo hemisferio norte, as quais deveriam ser visıveis atehoje. Uma tabela com ≤ 1000 destas estrelas [7] e aconstatacao da permanencia delas no ceu atual permiteafirmar que as propriedades dessas estrelas nao mu-daram significativamente em tempos inferiores a 2000anos. Ou seja, a natureza das estrelas as faz muitoestaveis e de muito longa duracao brilhando no ceu.Trazida para a sala de aula, esta discussao esta longede ser obvia: lidamos com coisas que permanecem es-sencialmente iguais desde o comeco da historia humana.Mais ainda, os registros geologicos contem fosseis de 3bilhoes de anos que mostram que a iluminacao solarmudou pouco nesse intervalo (!), a relacao com outrosestudos em ciencias fica por conta de cada professor.

E claro que as excecoes podem ser ate mais interes-santes do que a regra: em tempos historicos, uma queoutra estrela decidiu dar espetaculo, aumentando vio-lentamente seu brilho primeiro e depois sumindo de vez.Um destes casos aconteceu no ano 1006 A.D., e a faltade registros na Europa Medieval (afetada pelo dogmada imutabilidade dos ceus, heranca de Aristoteles esua conceicao do mundo) resulta significativa. No en-tanto, astronomos chineses viram essa estrela brilharmuito no firmamento, e a interpretaram em termos deaugurios (positivos) para o Imperador. Como resultadifıcil achar razoes para entender por que um conjuntogrande de homens instruıdos possa ter deixado de vera estrela de 1006 A.D., especialmente na Italia onde asupernova deve ter sido visıvel acima do horizonte porvarias horas todos os dias, temos na mao um possıvelexemplo de como as crencas afetam a objetividade hu-mana: a estrela “nao poderia ter estado aı” dentro davisao aristotelica, mas estava. Ja no ano de 1054 A.D.,outra estrela irrompeu no ceu, para depois esmaecerdefinitivamente, e foi registrada na Europa, embora aconcordancia com as observacoes na China tem sidocontestada [8]. Este evento deve ter originado a atualnebulosa do Caranguejo, a qual sabemos que contemuma estrela de neutrons muito energetica, no meio das“cinzas” daquela explosao. E razoavel pensar que osmonges mais cultos tinham “aprendido” a ver as estre-las violentamente variaveis. Registros na cultura Ana-zasi na America parecem tambem corresponder a estaexplosao historica [9]. Uns seculos mais tarde, e com aevolucao do pensamento e a mudanca de mentalidadedos cientistas, ja nao houve problemas para JohannesKepler (1450-1450) e Tycho Brahe (1430-1430), dois

dos mais eminentes astronomos da historia, registraremdois eventos do mesmo tipo (denominados supernovas)que hoje levam seus nomes e ainda sao objeto de estu-dos cientıficos. A ultima versao destas explosoes visıvela olho nu aconteceu em 1987, com a explosao da super-nova 1987A (Fig. 2), depois de mais de quatro seculosde quietude.

Figura 2 - A SN1987A, a direita na imagem que contem a Ne-bulosa da Tarantula. A estrela progenitora da supernova foi re-gistrada em imagens anteriores a explosao e tinha umas 18 vezesa massa do Sol. No brilho maximo a magnitude aparente da su-pernova atingiu +3. A reconstrucao da supernova de 1006 A.D.sugere um valor maximo de −7.5, e pela Eq. (3), um brilho 367vezes maior do que a 1987A. Resulta difıcil acreditar que aquelanao foi vista no sul da Europa na epoca.

Se ignorarmos as supernovas, e aceitamos as tabelasde Hipparcos-Ptolomeu e outros catalogos ao longo dosseculos, concluimos que poucas estrelas variam defini-tivamente seu brilho, mesmo em tempos muito longos.Existem tambem exemplos menos espetaculares e maisnumerosos de variabilidade estelar, por exemplo, a su-pergigante Betelgeuse (a mais brilhante na parte infe-rior da Fig. 3), varia seu brilho bastante e chega a ficarmais brilhante que Rigel (na parte superior da mesmaimagem). E possıvel monitorar esta variacao no tempocom a ajuda de binoculos. Este tipo de constatacao trazelementos adicionais para depois considerar a naturezaestelar.

5. O problema da energia, a luminosi-dade e a idade do Sol e as estrelas

A questao da energia emitida pelas estrelas passa, denovo, por trazer para uma escala humana os numerosmedidos e obtidos. Embora e dito que o Sol e nossafonte de energia para a fotossıntese e outros processosfundamentais, e difıcil dar uma ideia quantitativa dapotencia irradiada por ele.

Para medirmos a luminosidade ou potencia (ener-gia por unidade de tempo) emitida pelo Sol, podemosconstruir um fotometro elementar que emprega materi-ais comuns. Os elementos sao:

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∗ Uma folha de papel branco comum;∗ Um pouco de oleo de cozinha;∗ Uma lampada de 100 Watts.

Figura 3 - As Tres Marias (centro) e estrelas proximas na cons-telacao de Orion.

Espalhe uma gota de oleo numa area de uns 2 cmde diametro no papel. Acenda a lampada ao ar livre,onde o Sol incida diretamente. Ponha o papel proximoa lampada e afaste-o ate que o brilho de ambos os la-dos (aquele que e iluminado pela lampada e o que estavoltado para o Sol) seja o mesmo. A cor dos lados dopapel sera levemente diferente, ja que a lampada estamais fria do que a superfıcie do Sol. Quando o brilho forigual, faca a medida da distancia a lampada. Da igual-dade do brilho de cada lado sabemos que o fluxo lumi-noso e aproximadamente o mesmo. Como este ultimodiminui conforme o quadrado da distancia a fonte, e re-sulta diretamente proporcional a luminosidade da fonte(ou seja, a emissao de energia luminosa de ambos os la-dos da folha, grosseiramente diferente para a lampadae para o Sol), escrevemos que

L⊙

d2⊙=

Llamp

d2lamp

, (4)

como ja medimos dlamp e sabemos sua luminosidade(potencia) diretamente, podemos estimar a luminosi-dade do Sol sabendo que a sua distancia e de 1 U.A.,

ou 150 milhoes de quilometros. Os calculos a seremcompletados indicam algo como L⊙ = 4 × 1026 Watts.Este numero confere com o seu resultado? Para efei-tos de comparacao , uma usina hidreletrica de grandeporte, a maior do mundo na China, produz 1.8 × 1010

Watts. Assim, vemos como o Sol produz e emite umaenergia muitos bilhoes de vezes maior que a producaototal de energia pela humanidade por todos os metodosdisponıveis hoje. Alguns fatores que complicam umacomparacao direta sao as diferentes temperaturas dalampada e do Sol (de fato, a Tlamp e menos da metadede T⊙), e assim a fracao da energia emitida na forma deluz visıvel e maior para o Sol do que para a lampada.A atmosfera espalha e absorve ainda parte desta luz, eassim deverıamos introduzir uma correcao nos calculospara levar em conta esses efeitos. O resultado pode serpreciso dentro de um fator 2-3 devido a estes erros ex-perimentais e incertezas no processo de medida, mascertamente nada pior que isso. Determinar com ummetodo direto a energia que sai do Sol por segundo naofoi possıvel ate depois da Revolucao Industrial (assim,os alunos podem se sentir legitimamente orgulhosos deter atingido agora esse patamar...).

Agora que conferimos quanta energia por segundosai do Sol na forma de luz visıvel, podemos tentar re-laciona-la com as propriedades solares. Para fazer istodevemos recorrer a um desenvolvimento do Seculo 19que descreve a tal luminosidade (potencia na forma deluz) de um corpo incandescente (a chamada radiacaodo corpo negro). A constatacao dos fısicos da epocafoi que a emissao nao depende do tipo de corpo (com-posicao ), mas tao somente da temperatura. Mais pre-cisamente, da temperatura elevada a quarta potencia.Empregaremos este resultado para caracterizar as es-trelas, com boa aproximacao , corpos negros (lembre-se que esta ultima denominacao se refere a forma daemissao, nao a cor real que pode variar bastante). Ima-ginemos agora uma bola de ferro exposta ao fogo. Estecorpo cumpre com todas as hipoteses das leis de ra-diacao de corpo negro anteriores, e daria na mesma quefosse de qualquer outro material. Observando a bolacom cuidado, veremos que ela comeca a ficar averme-lhada conforme o tempo passar. Se continuar expostaao fogo um pouco depois apresentara uma cor averme-lhada intensa e mais tarde (e se nao derreter antes!)branco-amarelada. Como a bola esquenta progressiva-mente, estas observacoes sugerem que a cor pode serusada como indicador da temperatura. Por exemplo, ominerio de ferro derretido na metalurgica a uma tem-peratura de quase 2000 K apresenta uma cor amarelo-avermelhada. Seria possıvel conhecer a temperaturasomente olhando para essa cor, independentemente desaber se o metal e ferro ou qualquer outro. Isto e o quede fato fazemos na astrofısica estelar para identificar-mos a temperatura das estrelas!

E importante apontar que ao coletar toda essa ra-diacao emitida, poderıamos calcular o fluxo de radiacao

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Uma proposta para o ensino da astronomia e astrofısica estelares no Ensino Medio 4501-7

F da Eq. (1) (ou quantidade de energia que atravessaa unidade de area por segundo) e conferir que este au-menta rapidamente conforme sobe a temperatura, se-gundo

F = σT 4, (5)

onde σ = 5.67 × 10−8 Watts m−2 K−4 e uma cons-tante. Esta e a relacao que foi estudada e confirmadano Seculo 19 para o corpo negro, conhecida como leide Stefan-Boltzmann [10]. A Eq. (5) relaciona a quan-tidade de energia radiante recebida por segundo porunidade dearea com a temperatura do corpo que a estaemitindo, mas nao diz quanta energia esta sendo emi-tida no total. Precisarıamos ainda saber a distancia abola. No caso das estrelas, como saber o valor da ener-gia total emitida? Isto e muito importante ja que e umapropriedade do corpo emissor, e nao simplesmente umaquantidade que nos observamos. Por exemplo, ao levaruma lampada comum a um quarteirao de distancia, ofluxo que receberemos e muito diferente, mas a energiada lampada (corpo emissor) sera a mesma. Assim, efundamental ter alguma estimativa da distancia ate afonte quando considerarmos as estrelas (note-se que nocaso do calculo da L⊙ ja sabıamos a distancia ao Solindependentemente da medida).

O que permite relacionar o fluxo com a energia emi-tida por segundo e considerar que a emissao e igual paraqualquer direcao , assim a energia por segundo resultasimplesmente o fluxo multiplicado pela area que emite,isto e, a area total da estrela, portanto

L = Area× Fluxo = 4πR2 × σT 4, (6)

e ainda sabemos que, estando a uma distancia d da es-trela, mediremos um fluxo que cai com o inverso doquadrado desta distancia, ja que a luminosidade L daestrela e fixa (nao depende de onde esta o observador),ou seja F ∝ L/d2. Combinando a medida obtida paraa luminosidade em Watts com a Eq. (6), podemos cal-cular de imediato o raio solar, desde que utilizarmos atemperatura de ∼ 5800 K (faca os calculos e compareseus resultados com o valor “preciso” dos astronomos,R⊙ = 6.96 × 105 km). Se formos capazes de calcu-lar ainda quanta energia esta estocada no Sol para estecontinuar brilhando, poderiamos de imediato estimarsua idade, ja que emitindo a uma taxa L⊙ (e supondoque esta nao variou ao longo de ∼ bilhoes de anos), aenergia que tem E⊙ serıa exaurida em um tempo τ⊙(a idade), que resulta ser τ⊙ = E⊙/L⊙ . Porem, estaestimativa da energia “combustıvel” nao pode ser feitasimplesmente com o que conhecemos, e necessario umtratamento da natureza do Sol e sua luminosidade, paraconseguirmos este valor (que depende do mecanismo defusao nuclear do hidrogenio, e portanto, da fracao desteno interior).

6. Questionando a hipotese inicial: asestrelas e sua semelhanca

Ate agora a hipotese de semelhanca foi suficiente paracalcularmos distancias estelares e distribuicao espacial,analisarmos as constelacoes e colocarmos em perspec-tiva o Sistema Solar. Mas fica a pergunta a respeito davalidade da hipotese. Nas ciencias, todas as hipotesesempıricas sao provisionais, somente o experimento podedizer se resultam verdadeiras, e nada mais natural quecorrigi-las. Para questionar a hipotese, nada melhorque voltarmos a observar o ceu. Localize, por exemplo,as Tres Marias de novo (Fig. 3) e observe as estrelasproximas. Tente determinar a cor delas a olho nu.

Neste caso, e para muitas outras estrelas no ceu,podem ser constatados desvios substanciais respeito dacor amarelada do Sol. Lembrando da discussao acima,vemos estrelas azuladas e avermelhadas. As primeiras,pela Lei do deslocamento de Wein (1893) [10] corres-pondem a comprimentos de onda menores, e portanto,sua temperatura e maior que a do Sol. Com as averme-lhadas deve acontecer o contrario. Mas se a expressaode Stefan-Boltzmann L ∝ R2T 4 for utilizada como re-presentacao da emissao estelar, uma estrela fria deveemitir muito menos que uma muito mais quente, a me-nos que o fator R2 consiga “compensar” isto, de talforma que as estrelas mais frias tenham sempre raiosmaiores. Isto e improvavel (de fato, poucas vezes e ver-dade, e somente para alguns tipos de estrelas), e assimconcluımos que a hipotese de semelhanca tem todo paraser incorreta: as estrelas podem ser bastante diferentesque o Sol, somente algumas das que tem cores simila-res devem parecer com ele, emitindo (L) quantidadessimilares de energia. Se a temperatura e/ou o raio saodiferentes, a emissao varia muito e as distancias deriva-das resultarao incorretas. Esta constatacao afeta dire-tamente o que dissemos da idade, de fato, e comparandocom o Sol, podemos voltar a expressao τ⊙ = E⊙/L⊙ edividirmos membro a membro para chegar ao quociente

τ

τ⊙=

L⊙

L× E

E⊙. (7)

Assim, uma estrela azul, que emite muito mais queo Sol (L ≫ L⊙) deve viver muito menos que este, amenos que o reservatorio de energia seja muito maior ecompense esse fator. Na pratica, a diferenca em ener-gia e modesta, e a taxa de emissao da energia e o quedetermina a vida. Por outro lado, estrelas menos lumi-nosas (mais frias) tem L ≪ L⊙, e devem brilhar pormuito mais tempo, sem se alterar ainda depois do Solacabar a fusao de hidrogenio. Esta relacao entre a taxade consumacao /emissao da energia e a reserva nao eexclusiva das estrelas: os seres vivos tambem dependemdela e e chamada de metabolismo pelos biologos: umaratinho vive ∼ alguns meses, porque consome energia auma taxa muito grande, enquanto um elefante vai bemmais devagar e vive tanto quanto um ser humano ou

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mais. Em uma analogia mecanica mais direta acontecea mesma coisa: se fornecida a mesma quantidade decombustıvel, por exemplo, um carro pequeno e popu-lar demorara muito mais em gasta-lo (“vivera” mais)enquanto um carro de corrida que desenvolve grandesvelocidades e para isso precisa consumir o combustıvelmais rapido parara (“morrera”) logo mais. As estre-las mais frias que o Sol estao brilhando quase desde aformacao da galaxia, e continuarao assim depois queo Sol esgote seu combustıvel, porque sua luminosidadeou dispendio de energia por unidade de tempo e muitomenor.

7. Conclusoes

Tentamos aqui uma abordagem empırica, suplementadacom alguns conceitos e quantidades necessarios paraconstruir o quadro basico da astrofısica estelar. Naforma de recomendacao ao professor, procuramos ori-entar a respeito de atividades observacionais e calculosque liguem o assunto aos alunos, na sua escala humana,e tambem a outras disciplinas (historia, geografia) deinteresse para o desenvolvimento de uma visao concretadas estrelas. E possıvel ainda adaptar estes procedi-mentos para as ultimas series do Ensino Fundamental,desde que os calculos sejam omitidos, se mantendo emuma abordagem qualitativa. Em um segundo traba-lho vamos a discutir outros aspectos das estrelas menossimples, tais como espectros e a informacao que carre-gam, classificacao estelar, etc., possivelmente adequa-dos para o Ensino Medio e com o auxılio de telescopiospequenos e instrumentos mais avancados, disponıveisde forma pontual. Ainda que limitada, a abordagemapresentada e viavel e segue de perto a metodologia jaaplicada ao estudo do Sistema Solar, sendo que esteparalelo podera ser ampliado pelos proprios professorespara sua utilizacao pratica nas aulas.

Agradecimentos

O autor agradece discussoes e crıticas de L.C. Jafe-lice e P. Bretones a respeito destes e outros temas emEducacao. O CNPq (Brasil) financiou parte destas pes-quisas na forma de Bolsas concedidas ao longo de variosanos ao autor. Finalmente, agradecemos ao referee daRBEF que contribuiu para melhorar a clareza do textoinicial.

Referencias

[1] Documentacao da UNESCO acessıvel em unesdoc.

unesco.org/images/0015/001505/150585por.pdf,consultada em 3/1/2013

[2] J. Matui, Construtivismo: Teoria Construtivista Socio-Historica Aplicada ao Ensino (Ed. Moderna, SaoPaulo, 1995).

[3] Documentacao em http://www.starteachastronomy.

com/indian.html, consultada em 3/1/2013.

[4] Documentacao em http://www.

astronomy-education.com/index.php?page=192,consultada em 3/1/2013.

[5] P.S. Bretones, Os Segredos do Universo (Ed. Atual, SaoPaulo, 2010).

[6] J. Burnet, A Aurora da Filosofıa Grega (Ed. PUC-Rio,Rio de Janeiro, 2007).

[7] Documentacao em http://en.wikipedia.org/wiki/

Hipparchus, consultada em 3/1/20103.

[8] G.W. Collins, W.P. Claspy and J.C. Martin, Publica-tions of the Astronomical Society of the Pacific 111,871 (1999).

[9] Documentacao em http://en.wikipedia.org/wiki/

SN1054, consultada em 3/1/2013.

[10] R. Eisberg e R. Resnick, Fısica Quantica (Ed. Campus,Sao Paulo, 2003).