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JULHO 1999 PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO Uma proteção luminosa para os bebês Pequena empresa brasileira desenvolve manta de fibra óptica para tratar a icterícia Pág. 17 Encarte especial Genoma Humano 2: A poucos passos do seqüenciamento do DNA do homem

Uma proteção luminosa para os bebês

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Notícias FAPESP - Ed. 44

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Page 1: Uma proteção luminosa para os bebês

JULHO 1999 PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Uma proteção luminosa para os bebês

Pequena empresa brasileira desenvolve manta de fibra óptica para tratar a icterícia

Pág. 17

Encarte especial

Genoma Humano 2: A poucos passos do seqüenciamento do DNA do homem

Page 2: Uma proteção luminosa para os bebês

Notícias FAPESP é uma publicação mensal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Conselho Superior Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz

(Presidente)

Dr. Mohamed Kheder Zeyn (Vice-Presidente)

Prof. Dr. Adilson Avansi de Abreu

Prof. Dr. Alain Florent Stempfer Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva

Prof. Dr. Celso de Barros Gomes

Dr. Fernando Vasco Leça do Nascimento Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes

Prof. Dr. José Jobson de A. Arruda Prof. Dr. Maurício Prates de Campos Filho Prof. Dr. Paulo Eduardo de Abreu Machado

Prof. Dr. Ruy Laurenti

Conselho Técnico-Administrativo Prof. Dr. Francisco Romeu Landi

(Diretor Presidente)

Prof. Dr. Joaquim J. de Camargo Engler (Diretor Administrativo)

Prof. Dr. José Fernando Perez

(Diretor Científico)

Equipe Responsável

Coordenador Prof. Dr. Francisco Romeu Landi

Editora responsável Mariluce Moura (MTB 790)

Editora exec{ftiva Mana da Graça Mascarenhas

Editor assistente Fernando Cunha Editor de Arte Moisés Dorado

Capa Hélio de Almeida

Foto: Eduardo César Colaboradores: Carlos Fioravanti, Marcos de Oliveira, Marcos Pivetta,

Mário Leite Fernandes, Mauro Bellesa, Miguel Glugoski, Mônica Teixeira, Otto Filgueiras, Sérgio Bueno,

Ulisses Capozoli e Wilson Marini Encarte especial: Genoma Humano 2

Planejamento gráfico: Hélio de Almeida

Produção gráfica: Tânia Maria dos Santos Fotolitos e Impressão: GraphBox Caran

Tiragem: 22.000 exemplares

FAPESP- Rua Pio XI, nº 1500,

CEP: 05468-901 -Alto da Lapa São Paulo-SP-Tel: (011) 838-4000

Fax: (011) 838-4117

Este informativo está disponível na

home-page da FAPESP: http://www.fapesp.br E.mail: [email protected]

CARTAS

História da FAPESP O Notícias FAPESP No 42, de maio de

1999, à página 6, em Política Científica e Tecnológica - Homenagem a Ulhoa C intra, traz uma citação do Projeto FAPESP - His­tória e Memórias. Gostaria de obter informa­ções a respeito. Esse projeto está disponível aos pesquisadores?

Anna Maria Martinez Corrêa Cedem, UNESP

O Projeto FAPESP-História e Memória, de­senvolvido pelo professor Shozo Motoyoma, da Universidade de São Paulo, resultou em dois li­vros: FAPESP- Uma História de Política Científi­ca e Tecnológica e Para uma História da FAPESP: Marcos Documentais, que estão em fase final de edição pela própria FAPESP e serão distribuídos às bi­bliotecas de universidades e centros de pesquisa.

Domeni co de Mas i Lendo a revista da FAPESP vi

que o sociólogo Domenico de Mas i proferiu palestra "O Trabalho Cri­ativo nos Centros de Ciência e Tec­nologia" no IPT, em 27/05. Gosta­ria de saber se vocês têm acesso ao conteúdo da palestra e, se possível, obtê-la na íntegra.

Datei Maria dos Santos Analista em Ciência e Tecnologia - CNPq

Não possuímos o texto da palestra. Su­gerimos entrar em contato com a assessoria de imprensa do I PT: telefone O(XX)11 3767-4720, com João Garcia.

Trabalho sério É com prazer sempre renovado quere­

cebemos o mensário Notícias FAPESP. Com tanto noticiário negativo a respeito do Brasil em geral e de São Paulo em particular, os re­latos sobre tantos esforços sérios de pesqui­sa, tantas novidades tecnológicas e- por que não dizer? - tanto progresso real em nossas universidades, institutos de pesquisa e soci­edades privadas, tudo isto nos toma otimis­tas e alimenta o entusiasmo em trabalhar e ensinar. Seria muito salutar para o País se esse noticiário fosse ainda mais divulgado.

Roberto Gomes da Silva, Professor Titular, Departamento

de Zootecnia, Unesp, Jaboticabal

Ficamos felizes em saber que o Notícias FA-

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PESP está cumprindo seus objetivos de divulgar o importante trabalho dos pesquisadores paulis­tas. Concordamos plenamente que há muito tra­balho sério e de grande importância para o país sendo desenvolvido, silenciosamente, nos insti­tutos e universidades.

Livro sobre São Paulo Trabalho em uma agência das Nações

Unidas (ONU) que agora está sediada em Bonn, Alemanha. Fui professor associado da USP durante três anos e durante esse período tive estreita ligação com a FAPESP em assun­tos relacionados com pesquisa.

Lia muito, e continuo às vezes receben­do aqui, a publicação Notícias FAPESP. No seu número 42 (maio 1999), a publicação traz

em sua contracapa uma reporta­gem sobre o livro Memória em Branco e Negro: Olhares sobre São Paulo, de Teresinha Bernar­do (Educ/FAPESP/Edit. da Unesp ). Gostaria de adquirir esse livro, mas não sei como fazê-lo aqui da Alemanha. Aproveito para parabenizar sobreoNotíciasFAPESP, re­vista que me traz sempre in­formações interessantes e im-

portantes sobre São Paulo e Bra­sil (além do que, num lado mais pessoal, me ajuda também a matar um pouco a minha sau­dade dos meus tempos de São Paulo e USP).

Edmundo Werna Urban Development Specialist Research

and Development Unit United Nations Volunteers Programme

Agradecemos por sua apreciação do No­tícias FAPESP. Estamos tentando melhorar sempre. Quanto ao livro, entramos em contato com a pesquisadora, que deverá enviá-lo dire-

. lamente.

Educação Indígena Li na revista Notícias FAPESP No 41 ,

de abril de 1999, a reportagem Os novos ca­minhos da educação indígena, na página 22, mencionando as antropólogas Aracy Lopes da Silva e Mariana Kawall Leal Ferreira. Gostaria, se possível, de saber o e-mail delas.

Renzo Morishita Unicamp

As antropólogas podem ser contatadas no Ma ri- Grupo de Educação Indígena, do De­partamento de Antropologia da USP. E-mail: [email protected]. Telefone: O (XX)tt-818-3569

Page 3: Uma proteção luminosa para os bebês

Editorial ..................................... Pág. 4 Opinião ...................................... Pág. 5 Notas ......................................... Pág. 6 Memória ...... .................... ...... ... . Pág. 8 Fórum das FAPs .................. ..... Pág. 9 A reunião da SBPC ................... Pág. 1 O Livro .......................................... Pág. 32

FAPESP e FACEPE assinam convênio para a participação de pesquisadores de Pernambuco no Genoma Cana

Pág. 12

Os primeiros resultados do

Genoma Humano do Câncer

Pág. 14

O Laboratório de Investigações Médicas em Neurociências, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, vai realizar pesquisas voltadas para a neurociência básica e para a medicina psiquiátrica

Pág. 15

Pequena empresa de Campinas desenvolve manta de fibra óptica para tratar a icterícia dos recém-nascidos

Pág. 17

ÍNDICE

O Telescópio Solar para Ondas

Submilimétricas vai investigar o Sol na faixa de ondas do

infravermelho distante Pág. 20 ~

Novos materiais: membranas e filmes com aplicações múltiplas

Pág.22

Pesquisa sobre o plantio, manejo e

aproveitamento da floresta de caixeta

Pág.24

Está pronto o Dicionário Brasileiro da Língua de Sinais

Pág.28

O desenvolvimento de um novo antiinflamatório brasileiro

Pág.26

Pesquisa busca desvendar a relação entre a

alteração da pronúncia e da sintaxe do português falado hoje em Portugal

Pág.30

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EDITORIAL

Pesquisa relevante em qualquer campo Boa parte do material jornalístico que vem sendo

publicado no Notícias FAPESP parece reiterar a tese de que a separação clássica entre pesquisa básica, pesqui­sa aplicada e pesquisa tecnológica perdeu a eficácia no contexto atual da produção de ciência e tecnologia. As fronteiras entre essas categorias diluem-se. E os produ­tos resultantes do que seria uma pesquisa altamente re­levante em ciência básica podem se mostrar imediata­mente úteis para uso social, do mesmo modo que resul­tados de uma pesquisa claramente orientada para uma inovação tecnológica relevante podem também repre­sentar contribuições significativas para a acumulação do conhecimento básico. Assim, uma palavra-chave neste momento, um termo que de certo modo dá um sentido unificado à pesquisa científica e tecnológica, por mais díspares que sejam as áreas de conhecimento a que se refere, parece-nos ser, exatamente, relevância. Como disse o diretor-presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, durante a assinatura do primeiro acordo de cooperação técnica desta fundação com uma institui­ção congênere de outro Estado brasileiro - a pernam­bucana FACEPE - , em 30 de julho último, a importância da pesquisa de-

cela importante dos recém-nascidos, ganhos econômi­cos são alguns resultados de um projeto no qual o in­vestimento total da FAPESP, ao final , terá sido de R$ 250 mil.

Pesquisa de alta relevância e exposição da espé­cie de continuum que vai se formando entre pesquisa básica, pesquisa aplicada e tecnologia é o que aparece no encarte especial do Notícias FAPESP deste mês. Trata-se do segundo encarte baseado em entrevistas que foram feitas para a série de documentários "Genoma: em busca dos sonhos da ciência", produzida pela TV Cultura e programada para exibição de 16 a 20 de agos­to, às 21 horas, na Cultura e nas tevês educativas de mais 15 Estados brasileiros. O objeto da série é o Programa Genoma da FAPESP, partindo de seu projeto pioneiro, o de seqüenciamento da Xylle/a fastidiosa - e honra de maneira especial esta fundação que uma de suas mais importantes iniciativas, em toda sua história, tenha se tornado tema de um documentário nos moldes do me­lhor jornalismo científico feito internacionalmente.

O genoma está tratado também no corpo do Notí­cias FAPESP, em matéria que apre­senta os primeiros resultados estimu­

fine-se por sua relevância, seja para a produção do conhecimento, seja para o desenvolvimento socioeconômico.

Esse critério da relevância está sem nenhuma dúvida respeitado na escolha da reportagem de capa desta edição do Notícias FAPESP. É esta a primeira vez que o resultado de um projeto do jovem programa de Inova­ção Tecnológica em Pequena Empre-

':.4 separação entre pesquisa básica,

aplicada e tecnológica

lantes do Projeto Genoma Humano do Câncer. Apenas quatro meses depois de iniciado, o projeto já gerou 4.506 seqüências e, o que é mais animador, dessas, 818 são inéditas, ou seja, nun­ca antes haviam sido identificadas por qualquer projeto científico interna­cional dedicado ao seqüenciamento do genoma humano.

é anacrônica. Importa só a

relevância da pesquisa"

sa-PIPE vai para a capa do informati-vo. E dado o enorme potencial criativo dos projetas que estão sendo financiados no âmbito desse programa, dado também o papel que a pequena empresa parece estar fadada a desempenhar na generalização de uma cultura de inovação mais ágil e consistente dentro do universo produtivo nacional, certamente este fato se repetirá muitas vezes. Desta feita , mostramos o desen­volvimento de uma malha de fibras ópticas que deverá se tornar uma alternativa muito melhor ao tratamento da icterícia, problema que anualmente atinge 200 mil recém-nascidos no País, ou seja, 5% da totalidade de­les. A tecnologia nacional para essa manta resulta num produto cujo custo deverá equivaler a pouco menos de um terço do similar importado. Mais: esse custo é igual ao dos desconfortáveis equipamentos convencionais de fototerapia hoje usados para livrar bebês do excesso de bilirrubina no sangue (a causa da icterícia). Maior co­nhecimento nos usos da fibra óptica, mais eficiência e conforto no tratamento de um problema que atinge par-

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Em vários outros campos há ma-térias interessantes - e sempre rele­

vantes - para ler nesta edição do Notícias FAPESP. Por exemplo, vamos à astronomia para contar sobre um radiotelescópio concebido no Brasil e desenvolvido em parceria internacional, que opera no comprimento de onda do infravermelho distante, onde a atividade solar ainda é praticamente desconhecida. Passando a área muito diversa, nas ciências humanas, informamos de­talhadamente sobre o primeiro dicionário brasileiro da língua de sinais (para deficientes auditivos) desenvol­vido no Instituto de Psicologia da USP. Contamos tam­bém sobre uma pesquisa que tenta identificar como as mudanças de pronúncia no português influenciam a longo prazo as mudanças na sintaxe. E, para fechar como abrimos, com um projeto ligado à inovação tec­nológica, só que no esquema de parceria empresa-ins­tituição de pesquisa, no caso entre uma indústria far­macêutica e um pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, contamos sobre um novo antiin­flamatório, que está em fase de patenteamento.

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OPINIÃO

Prioridades em um novo contexto socioeconômico: o ponto de vista de um industrial

Atravessamos um momento no qual exis­te o risco de o conhecimento científico, do qual dependem as opções sobre nosso futuro , ser dominado pelo excesso de preocupação com resultados a curto prazo. Isso ocorre tanto na Pesquisa e Desenvolvimento industrial como nas pesquisas patrocinadas pelos governos. Ao mesmo tempo, a fronteira entre pesquisa e política industrial foi rompida e estamos diante de dois paradoxos.

Há várias razões para isso. Maiores inves­timentos em pesquisa não levam, necessaria­mente, a mais empregos. A longo prazo, o au­mento do padrão de vida sempre dependeu e continuará a depender do progresso tecnológi­co. Mas é dificil provar que exista uma ligação di reta entre os recursos aplicados em pesquisa num local e o desenvolvimento desse local.

Esse paradoxo aparente tem duas explica­ções. Primeiro, os resultados das pesquisas ci­entíficas se espalham muito rapidamente. Se­gundo, o fator decisivo é a capacidade de usar os resultados das pesquisas, não os resultados em si. A pesquisa é apenas uma pequena parte de todo um processo de inovação que inclui o uso do conhecimento científico pela indústria.

Muitos desenvolvimentos tecnológicos tiveram origem em descobertas científicas. Mas várias bases científicas foram estabeleci­das a partir de desenvolvimentos industriais. O modelo não é linear. A ciência e a tecnolo­gia se desenvolvem de forma paralela.

Na empresa industrial, o processo de ino­vação é uma espécie de gerência do conheci­mento e esse conhecimento vem de diversas fontes, como a convivência com clientes e for­necedores. Além disso, a empresa precisa for­mar em seu interior as competências necessá­rias para o aproveitamento desse conhecimen­to. Nas últimas décadas, o caráter das pesqui­sas industriais mudou de maneira significati­va. Conceitos como a concentração no negó­cio principal e maior preocupação com os be­neficias para os acionistas levaram a cortes importantes nas atividades de pesquisa e de­senvolvimento. Isso colocou em risco a visão a longo prazo, a base da renovação e da manu­tenção da competitividade das empresas.

Algumas empresas tentam resolver a si­tuação, de diversas maneiras. Uma delas é ter­ceirizar as pesquisas a longo prazo para insti­tuições públicas, muitas das quais, naturalmen­te, estão ansiosas para obter contratos desse tipo. A situação também abriu espaços para a criação de pequenas empresas de alta tecno­logia, especializadas em nichos tecnológicos. Entretanto, há um limite para o que pode ser terceirizado. Uma empresa precisa manter suas competências fundamentais e a capacidade de

J.R. Rostrup-Nielsen acompanhar e adaptarnovos conhecimentos. O esforço em P &D não pode ser avaliado apenas com base em projeções de retomo financeiro.

O setor de P&D, porém, exige equipa­mentos e serviços cada vez mais caros. Isso está levando à formação de fusões e alianças, nas quais as empresas dividem custos e riscos. Muitos desses consórcios e redes de pesquisas têm caráterglobal. Hoje, aP&D industrial está sendo globalizada. Isso inclui o Terceiro Mun­do. A P&D costuma ser colocada ou junto ao mercado ou junto ao centro de competência científica. O Terceiro Mundo tem as duas coi­sas. Tem grupos de alta qualidade em ciência e tecnologia, com grande potencial. Tem tam­bém riqueza em matérias-primas e vastos mer­cados. Os centros de conhecimento do Tercei­ro Mundo devem ser integrados à rede atual de P&D industrial , em bases de respeito mútuo e divisão igualitária de funções .

Um dos principais elementos para um lo­cal obter mais investimentos e empregos espe­cializados é um sistema universitário forte . A indústria vê a universidade como fornecedora de candidatos a emprego. Assim, é importante que os universitários façam sua formação de acordo com os conhecimentos mais avançados e, além disso, estejam informados sobre as últi­mas fronteiras da pesquisa. Este é o principal motivo pelo qual as universidades devem ter programas de pesquisa ambiciosos, dos quais saiam novos conhecimentos e novos conceitos.

Nos últimos tempos, as universidades vêm sendo pressionadas a participarmais do procés­so de inovação. Há pressões políticas para que elas se tomem fornecedoras de tecnologia e conhecimento para o beneficio da indústria e da sociedadeemgeral.Éimportantequeessaaber­tura para a sociedade e para a indústria não se transforme na razão de ser da pesquisa univer­sitária. Isso poderia, inclusive, destruir os canais informais de cooperação entre a universidade e a indústria e levar a uma preocupação excessi­va com objetivos a curto prazo. O dinheiro pú­blicogastonasuniversidadesdevetercomofoco a pesquisa a longo prazo.

A principal força por trás da inovação nas empresas mudou. A visão voltada para o mer­cado foi parcialmente substituída por novas exigências da sociedade, que se traduzem em mais regulamentações. Mas, para que a nova legislação tenha uma base duradoura, ela pre­cisa estar fundamentada no conhecimento. Sua implementação deve ser muito bem planeja­da. Precisamos estabelecer prioridades com base no conhecimento.

Para a indústria, esse processo pode ser perigoso. As forças do mercado serão substi­tuídas por processos políticos imprevisíveis.

s ~SP

Não adianta ter a melhor tecnologia se as de­cisões políticas capazes de colocá-la em prá­tica não forem tomadas. Vemos com freqüên­cia o aparecimento de legislações arbitrárias e decisões tomadas olhando apenas o curto pra­zo. Isso significa que o curto prazo poderá dominar o planejamento da indústria. A admi­nistração desse processo é um dos maiores desafios do novo contexto sócio-econômico.

A pesquisa e a inovação deixaram de ser objetivos em si mesmos. Elas agora precisam atender necessidades sociais e individuais. Mas é necessário um limite para o controle social da ciência e da tecnologia. A relevância da pesquisa não pode ser julgada no dia-a-dia. As interferências podem facilmente deter o progresso. O público pode ser mais capaz de definir o que devemos fazer ou qual das opções disponíveis devemos seguir. Mas a indústria é mais capaz de administrar o processo de trans­ferência da ciência para a produção, com os parceiros de sua escolha.

É perigoso para a ciência permitir que um processo político determine qual deve ser mo­tivo de suas pesquisas. A história está cheia de julgamentos errados. Precisamos manter a vi­são científica de procurar a verdade e nunca parar para questionar a base de nosso conheci­mento. A ciência não deve buscar o consenso. Deve perseguir resultados verdadeiros, não re­sultados que satisfaçam a todos. Se não fizer­mos isso, bloquearemos a renovação de nossa sociedade. Indústrias e governos têm diante de si grandes desafios sobre como usar melhor o conhecimento científico para o desenvolvimen­to a longo prazo.

As tendências do momento envolvem diversos riscos. Devem sair-se melhor: as empresas que mantiverem programas a longo prazo de P&D para abrir novas opções; as empresas que conseguirem integrar o poten­cial de pesquisas do Terceiro Mundo em ba­ses igualitárias; os países que conseguirem formular e aplicar uma política integrada de ciência, tecnologia e inovação, evitando as ar­madilhas do modelo linear; e os países e regi­ões que conseguirem administrar a formatação social da tecnologia de maneira a evitar are­gulamentação excessiva e permitir pesquisas ambiciosas e de longo prazo.

Devemos ter a coragem de explorar no­vos horizontes, seja qual for sua relevância para a política atual. Como disse Günther Grass: O que é correto não é necessariamente verdadei­ro. A verdade é uma longa história.

Diretorda HaldorTopsoe AiS, da Dinamarca Resumo de palestra apresentada na Conferência Mundial de Ciência, realizada em Budapeste, em junho passado

Page 6: Uma proteção luminosa para os bebês

NO~SNOThSNOThSNOThSNOThSNOTh~ NOThS TIASNOThSNOThSNOThSNOThSNOThSNOThS

Impactos da pesquisa acadêmica Fórum de C&T A pesquisa acadêmica tem

efetivamente impacto sobre a pro­dução econômica sob a forma de inovações de produtos ou proces­sos, com níveis variados de esca­la deaplicação.Além disso, o pro­cesso de inovação também se dá por via decontatos pessoais, atra­vés de treinamento ou da resolu­ção de problemas práticos, sendo um resultado da interação entre a produção e a Pesquisa & Desen­volvimento(P&D).Éaconclusão da dissertação de mestrado Iden­tificação de Impactos Económi­cos a Partir da Pesquisa Acadê­mica: um Estudo de Projetas Te­máticos da FAPESP, defendida pelo pós-graduando André Luiz Sica de Campos, da área de Polí­tica Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Uni­camp, no dia 2 de julho, tendo como orientador o professor An­dréTosi Furtado.

Para o trabalho, ele selecio­nou 21 projetas temáticos finan­ciados pela FAPESP, nas seguin­tes áreas de conhecimento: Agrá­rias, Humanas, Biológicas,Astro­nomia e Espaciais, Engenharia, Física, Administração e Econo­mia, Matemática e Computação, Química e Saúde. Os projetas fo­ram realizados no InstitutoAgro­nômico de Campinas (IAC), no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e na Unicamp. Seus coordenadores foram entre-

vistados em 1997. O levantamen­to constatou que 20 projetas ti­nham impacto científico-tecnoló­gico; 16, impacto socioeconõmi­co; I O, impacto de interiorização da pesquisa; 5, impacto sociocul­tural, e I , impacto na formulação de políticas públicas.

No âmbito específico dos impactos socioeconômicos dos resultados dos projetas, ele cons­tatou que 4 projetas tinham im­pactos reais efetivos (isto é, já aplicados na produção em gran­de escala), 4, impactos reais mas ainda em fase de transferência/ difusão, e 8, tinham potencial de aplicação econômica. Exemplos dos primeiros: o desenvolvimen­to de variedade de milho híbrido tolerante a alumínio, um aplica­tivo de verificação ortográfica, gramatical e de sinônimos, e o desenvolvimento de método de diagnóstico de doença causada pelaXylella fastidiosa em citros. Dentre os segundos (projetas com impactos reais ainda em fase de transferência/difusão) foram citados o desenvolvimen­to de um método de análise de solos para identificação de teo­res de micronutrientes, o desen­volvimento genético de um novo cultivar de amendoim, e o desen­volvimento de variedades de la­ranja livres de doenças e de se­ringueiras adequadas ao clima de São Paulo. Dentre os projetas na

Carlos Chagas Foi inaugurada oficial­

mente a Biblioteca Virtual Carlos Chagas (http: //www.

sador, o TrFpanosoma cruzi , quanto do vetor, o inseto co­nhecido como barbeiro. A tua!-

prossiga.br chagas/), resul­tado da parcc­na entre o CNPq/Prossi­ga e a Fundação Oswaldo Cruz. O site traz in­formações so­bre a vida e a produção c i en­ti fica do cien­

..A :J·~~"~ <•J~ 4 0-ffl-....t.h ~ ' ;..,) ~

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tista Carlos Chagas e sobre o chamado Mal ou Doença de Chagas, da qual ele foi odes­cobridor, tanto do agente cau-

("""-)

mente, nas grandes cidades, a transfusão de sangue é o prin­cipal meio de transmissão da doença.

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ocasião classificados como de impacto potencial, foram desta­cados: processo para aproveita­mento de xisto, processo para produção de piche mesofásico, desenvolvimento de software de controle de produção, desen­volvimento de protótipo para produção de energia a partir do carvão, método matemático para processamento de imagens e processo de desenvolvimento de hormônio do crescimento a partir de vegetais.

A dissertação de Campos busca contribuir para uma me­todologia de identificação de impactos econômicos de P&D, adequados para a compreensão do ambiente econômico do País. Segundo ele, a avaliação econô­mica de P&D tem abordagens tanto quantitativas como de cor­te sociológico. Entretanto, a li­teratura existente, baseada em avaliações dos investimentos de P&D feitas especialmente em países desenvolvidos, é centra­da em processos de inovação apoiados no setor privado, con­centrando, portanto, o levanta­mento de dados em empresas. No caso brasileiro, os investi­mentos dependem principal­mente do setor público e Cam­pos mostra que o levantamento de dados para essa avaliação deve ser feito a parti r de pesqui­sadores acadêmicos.

Foi instalado, no dia 31 de maio passado, o Fórum de Ciên­cia e Tecnologia do Mato Gros­so do Sul, composto por repre­sentantes do governo e das co­munidades científica e empresa­rial. Na ocasião foi definida, em um documento, uma política de ciência e tecnologia para o Esta­do, visando a um novo modelo de desenvolvimento. As iniciativas foram desmembradas em quatro tópicos: diretrizes gerais, recur­sos humanos, apoio à pesquisa científico-tecnológica e fortale­cimento e gestão de C&T.

No primeiro, entre as medi­das previstas, estão a promoção da integração entre os diversos agentes atuantes na área de C&T, com o objetivo de construir par­cerias, e a promoção de mecanis­mos e programas por meio dos quais o conhecimento científico e tecnológico possa ser apropri­ado pelos setores produtivos. No tópico referente a recursos hu­manos, entre as medidas previs­tas estão o apoio à formação de recursos humanos em ciência e tecnologia, o desenvolvimento de estudos e programas que pos­sibilitem a fixação de mestres e doutores no Estado e o desenvol­vimento de programas para a for­mação de recursos humanos em áreas científico-tecnológicas es­tratégicas para o desenvolvimen­to do Mato Grosso do Sul.

ProBE em expansão O comitê dirigente do Pro­

grama Biblioteca Eletrônica(Pro­BE) realizou, nos dias 4 e 5 de agosto, um ciclo de reuniões com editoras e agentes fornecedores de assinaturas eletrônicas de pe­riódicos científicos para avaliaras possibilidadesdeexpandiropro­grama. Os entendimentos foram feitos com representantes das edi­toras norte-americanasAcademic Press e High Wire Press e quatro diretores de agentes fornecedores que reúnem um grande conjunto de editores: OnlineComputer Li­brary Center (OCLC), Bla­ckwell's, EBSCO Brasil e SWETS Subscription Service.

A coordenadora do Pro B E e diretora do Sistema de Bibliote-

'ESP

cas da USP, Rosaly Favero Kr­zyzanowski, adianta que, inicial­mente, a idéia é estender a todas as instituições do consórcio (USP, Unesp, Unicamp, UFSCar, Uni­fesp e Bireme) o acesso eletrôni­co a títulos que só algumas pos­suem de forma impressa, elimi­nando duplicações de assinaturas ao mesmo tempo em que promo­ve a transição para o acesso via In­ternet a artigos científicos. Nesta primeira etapa, serão apresenta­das propostas elaboradas segun­do critérios de qual idade, rapidez e valores agregados. Numa se­gunda fase, o programa vai incor­porar novos periódicos e definir as normas para adesão de outras instituições.

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NO~SNO~SNO~SNO~SNOffiSNO~~ NO~S J~SNO~SNO~SNO~SNO~SNO~SNO~S

A FAPESP em BH

A FAPESP esteve presente na 2"d iUPAC -lnternational Conference on Biodiversity, realizada em Belo Horizonte, de 11 a 15 de julho, que reuniu cerca de 250 pesquisadores de diversos países. O coordenador do Programa Biota-FAPESP, Carlos Al­fredo Joly, fez uma palestra sobre o programa, que pretende realizar todo o levantamento da fauna, flora e mi-

crorganismos do Estado de São Pau­lo. Também Andrew Simpson, coorde­nador dos projetas Genoma-Xylella e Genoma Humano do Câncer, que se desenvolvem no âmbito do Programa Genoma FAPESP, participou do en­contro. No estande da FAPESP, bas­tante visitado, os pesquisadores pu­deram receber mais informações so­bre a Fundação e os seus programas.

Jornalismo Científico Durante dois dias, após a

conclusão da Conferência Mun­dial sobre Ciência para o Século 21: um Novo Compromisso, rea­lizada em Budapeste, Hungria, de 26dejunhoa l0 dejulho, 146jor­nalistas científicos de 30 países elaboraram uma declaração com oito recomendações para o exer­cício do jornalismo científico. O documento, resultado da Segun­da Conferência Mundial de Jor­nalistas Científicos, parte do tex­to elaborado na primeira confe­rência, que aconteceu em Tóquio, em 1992, e chama a atenção des­ses profissionais para sua cres­cente responsabilidade na repor­tagem de fatos científicos de for­ma acurada, clara, completa e in­dependente.

A declaração alerta para a necessidade de jornalistas cientí­ficos estarem atentos não apenas para a Ciência e Tecnologia em si mesmas, mas para seu contexto social e político e seus meios de produção. Os efeitos e dimensões internacionais de C&T, segundo o documento, devem também mo ti­var jornalistas a superar barreiras de idiomas e aumentar esforços para atingir outras culturas. Edito­res e organizações de comunica­ção devem reconhecer o amplo in­teresse público e a importância social e para a democracia do jor­nalismo científico, oferecendo

maior suporte, espaço, tempo na programação, profissionais e trei­namento para jornalistas que tra­balham ou que estão entrando neste campo.

Outras recomendações com respeito ao desenvolvimento do fluxo de informações na Inter­net em outras línguas, além do inglês, e a atenção para a neces­sidade de monitoramento cons­tante da qualidade, objetividade e integridade da informação na rede mundial de computadores também foram feitas no encon­tro. Na ocasião, os jornalistas concordaram em convocar a Unesco e outras organizações para apoiar a criação de uma federação mundial de associa­ções de jornalistas, que se reu­niria a cada dois anos e que cri­aria uma comunidade de jorna­listas científicos por meio de uma página eletrônica bem fei­ta, acessível, editada e de qua­lidade controlada.

Finalmente, o encontro de jornalistas científicos sugere a chamada da Unesco e de outras organizações mundiais para criar meios acessíveis de for­mação de jornalistas científicos a todas as nações. Esses meios devem refletir o novo e amplo papel do jornalismo científico, evidenciado na Conferência Mundial sobre Ciência.

A defasagem entre a ciência e a tecnologia nacionais Na edição passada do Notí­

cias FAPESP, a de N° 43, publica­mos, na seção Opinião, artigo do professor Edgar DutraZanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, com o título A defasagem entre a ciência e a tec­nologia nacionais. A Tabela II que acompanhava o artigo foi publica­da com incorreção. Estamos repu­blicando a tabela com o trecho do artigo que faz referência a ela:

"Impacto da Ciência Nacional Os fatores de impacto (FI)

apresentados na Tabela II foram obtidos do excelente trabalho de DeMeise Leta (JJ_ Dentre inúmeros levantamentos, DeMeis e Leta computaram, para várias áreas do conhecimento, o número de cita­ções dos trabalhos científicos assi­nados por autores vinculados a ins­tituições brasileiras, acumuladas entre 1981 e 1993 (13 anos), e o dividiram pelo número de publica­ções de autores brasileiros no pe­ríodo 1981-1990 (I O anos). Além disso, DeMeis e Leta contabiliza­ram o percentual dos artigos na­cionais indexados nunca citados, nesses 13 anos ( 44% ), e demons­traram que esse percentual é simi­lar ao dos artigos mundiais jamais citados(49% ). Tal coincidência de

índices poderia levar à conclusão de que a qualidade média das pu­blicações nacionais é semelhante à qualidade média dos trabalhos internacionais.

Evitando discorrer sobre a polémica questão de saber se a qualidade de um determinado tra­balho ou periódico científico pode realmente ser avaliado pelo núme­ro de citações ou fatores de impac­to(acreditamosqueestessejam in­dicadores relativos aceitáveis, pelo menos para comparações no inte­rior de uma mesma área do conhe­cimento), apresentaremos a seguir uma análise sobre o impacto da produção científica nacional, usando dados de DeMeis e Leta, além de evidências adicionais.

Significativo é o fato de que as publicações de autores radica­dos no Brasil em co-autoria com pesquisadores estrangeiros (ge­ralmente de países desenvolvi­dos) têm aproximadamente o do­bro do impacto dos artigos publi­cados somente pelos primeiros. Por exemplo, a Tabela II mostra que o fatorde impacto médio (FI) das Engenharias nacionais salta de 3 para 7 e o de Física salta de 4 para 8, quando há participação de co-autores de instituições es­trangeiras."

ÁREA "FATOR DE IMPACTO " ARTIGOS BRASILEIROS COLAB. EXTERIOR NUNCA CITADOS

Física 4,0 8,0 20% Química 4,5 7,0 18% Engenharia 3,0 7,0 35%

Média de todas as ciências: (1981-90) BrasiUmundo 4,4/7,1 44 /49 %

Tabela 11. Falar de impacto dos artigos publicados somente por autores 'oinculados a instituições nacionais e daqueles publicados em colaboração internacional, em penódicos indexados pelo ISI (número de citações entre 1981 e 1993 di'oidido pelo número de artigos publicados entre 1981 e 1990).

Escritório de patentes A Fundação para o Desenvol­

vimento da Unesp (Fundunesp) criou o Escritório de Patentes, para auxiliar o registro de invenções de pesquisadores da universidade. O Escritório funciona junto ao prédio daFundunesp,emSãoPaulo,etem como responsável Antônio Carlos Massabni, diretor de fomento à pesquisa da Fundação. Segundo ele, atualmente, a complexidade

das exigências para registro de uma patente é enorme e todo o pro­cesso é bastante demorado.A fun­ção do escritório é a de assessorar o pesquisador nessa tarefa. Uma comissão formada por pesquisa­dores da Unesp avaliará os traba­lhos, antes de ser encaminhado o requerimento de patente ao Insti­tuto Nacional de Propriedade In­dustrial (INPI).

7 p, p

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MEMÓRIA

Franco Montoro e a Ciência O governador pôs em dia o repasse de recursos à FAPESP

Ao assumir o governo do Estado de São Paulo, em março de 1983, eleito com 5 mi­lhões de votos, na primeira eleição di reta para governador após o golpe militar, André Fran­co Montoro afirmou: "A grande obra do meu governo será a soma das pequenas obras". Ali ele definia o seu estilo: pouca importância para as aparências e realizações de curto pra­zo e ênfase ao trabalho duradouro, com resul­tados significativos para a sociedade.

Poucos meses após a sua posse, talvez tenha passado despercebido do grande públi­co o significado de um pequeno gesto do go­vernador: depois de uma audiência com os diretores da FAPESP, Montoro assegurou a regularidade da transferência dos recursos do Estado para a Fundação, que, a partir de en­tão, não atrasaram mais. Eram transferên­cias asseguradas pela Constituição de 1947, mas que nem sempre foram rigorosamente feitas . Foi um gesto de pouca visibilidade do ex-governador, mas estratégico o bastante para permitira manutenção das atividades ro­tineiras da Fundação, que freqüentemente ti­nha de recorrer às reservas próprias para as­segurar a continuidade da concessão de bol­sas e de auxílios à pesquisa.

Mas o governador foi mais além. "Os re­cursos destinados à FAPESP - 0,5% do orça­mento - eram transferidos pelo Estado com dois anos de atraso, o que reduzia seu valor a menos da metade", escreveu ele, no artigo "Trinta Anos de Apoio à Pesquisa", publica­do na imprensa, por ocasião dos trinta anos da Fundação. Como solucionar isso? Ainda em 1983, logo após um seminário realizado na Assembléia Legislativa com a finalidade de aproximar a comunidade científica e a clas­se política, com marcantes pronunciamentos do próprio Franco Montoro a favor da ciên­cia e da educação, o deputado Fernando Leça elaborou uma proposta de emenda à Consti­tuição estadual para regularizar definitiva­mente o fluxo de recursos à FAPESP, que se­ria calculado com base no ano anterior e re­passado em duodécimos mensais.

A emenda foi debatida, votada e por fim aprovada, passando a vigorar a partir de 1985. "Se Montoro não apoiasse, a proposta não passaria", comenta Leça, hoje diretor-supe­rintendente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e mem­bro do Conselho Superior da FAPESP. Odes­dobramento dessa outra aparentemente pe­quena obra do governador, falecido recente­mente, no dia 16 de julho, dois dias após com­pletar 83 anos, foi que a dotação anual da Fundação triplicou, favorecendo o desenvol-

vimento de suas atividades, que se desdobra­ram inclusive em grandes projetos científicos de impacto em São Paulo e no País.

Franco Montoro compreendia bem a importância da FAPESP e da ciência e tec­nologia. Em 1993, em entrevista ao jornal Gazeta Mercantil, ele afirmou que "as polí­ticas voltadas para o desenvolvimento cien­tífico e tecnológico nacional ganhariam mais consistência com a multiplicação, por todo o País, de experiências similares à da Fun­dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo." Ele destacava, como pontos a serem imitados, a disposição estatutária que restringe a 5% do orçamento as despesas administrativas da Fundação e a competên­cia admin istrativa da comunidade científi­ca. "A generalização desse modelo da FA­PESP, junto com uma visão de desenvolvi­mento científico e tecnológico que respeita as peculiaridades de cada região, auxi liaria muito o desenvolvimento do País", disse ele.

Institutos de pesquisa Permitira regularidade da transferência

de recursos à FAPESP não seria a única pe­quena obra de grandes efeitos realizada pelo ex-governador na área de política científica. Montoro mostrou-se envolvido com a comu­nidade científica ao longo de todo o seu go­verno. E mais de uma vez agiu como um au­têntico cientista, sabendo esperar, paciente­mente, atento não ao impacto imediato dé suas ações, mas aos beneficias a longo prazo de seu trabalho à sociedade.

Com uma visão abrangente, ele acom­panhou a montagem de um modelo que po­deria resolver a conturbada situação dos ins­titutos públicos de pesquisa paulistas. Quei­xas de salários defasados e de fa lta de condi­ções de trabalho motivaram a formação de um grupo de trabalho, com pesquisadores dos pró­prios institutos e das universidades e represen­tantes do Conselho Estadual de Ciência e Tec­nologia. Fizeram um levantamento das ativi­dades e dos impasses dos institutos e elabora­ram uma proposta de reorientação dos institu­tos, que seriam integrados às universidades. Os pesquisadores das universidades poderiam tra­balhar nos institutos, sendo possível também o caminho inverso. Oplanoeraconstituiruma estrutura única de produção científica. Mon­toro gostou da idéia, mas a aproximação não ocorreu.As instituições de pesquisa preferiram manter as personalidades próprias.

De qualquer forma, os pesquisadores conseguiram, em dezembro de 1983, "dar continuidade à implementação de seu plano

s 'SP

de carreira, após a criação de 1.811 cargos de pesquisador científico. Por sua vez, o orça­mento das universidades estaduais seria rea­justado gradativamente", segundo Marilda Nagamini , autora do artigo A FAPESP nos tempos da globalização; da década de 80 aos dias atuais , em FAPESP, Uma História de Política Científica e Tecnológica.

Coerência "O governo de Montoro foi marcado

pela absoluta coerência entre o discurso e a prática", atesta Fernando Leça. Coerência, aliás, parece ter sido a marca dele, um dos maiores nomes da política brasileira. Nasci­do na cidade de São Paulo em 1916, Franco Montoro formou-se em Direito, tendo sido vereador, professor universitário, deputado estadual e federal, ministro do Trabalho e senador antes de assumir o posto máximo do Executivo paulista. Ao deixar o governo, re­elegeu-se deputado federal , presidindo a Comissão de Relações Exteriores da Câma­ra e o Instituto Latino-Americano (ILAM), cargo que exerceu até a sua morte.

Ao longo de toda a sua vida pública, teve grande preocupação com o social - educação, saúde e trabalho-, vendo sempre o desenvol­vimento do País indissoluvelmente ligado à melhoria das condições de vida da população. "Montoro era um homem de grande visão social", comenta Alberto Carvalho da Silva, escolhido como diretor-presidente da FA~ PESP, com o respaldo da comunidade cientí­fica , no final de seu mandato.

Essa visão está sintetizada em uma de suas frases: "Se unirmos o Brasil em torno da idéia generosa de um desenvolvimento baseado em nossos próprios recursos, um desenvolvimento cujo centro seja a pessoa humana, iniciaremos um movimento de transformações sociais que hão de marcar a nossa história".

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Troca de experiências Fórum das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa reúne-se em Porto Alegre e elege novo coordenador

A continuidade dos trabalhos do Fórum das Fundações de Amparo à Pesquisa de todo o Brasil, segundo o regime de manter encontros periódicos para discussão de problemas co­muns e troca de experiênci­as, foi a principal decisão to­mada por representantes das FAPs sobre a organização do Fórum. Em encontro re­alizado durante a 51 a Reu­nião Anual da Sociedade Brasileira para o Progres­so da Ciência (SBPC), em Porto Alegre, todos os di­retores-presidentes e re­presentantes de Fundações concordaram que a existência do Fórum é fun­damental para o acompanhamento das ques­tões relativas à Ciência e Tecnologia no País, e sua estrutura atual é a mais adequada para contribuir de forma produtiva e autónoma para o avanço dos debates sobre a política na­cional de Ciência e Tecnologia.

a abertura da reunião dos representan­tes das Fundações, que aconteceu nos dias 15 e 16 de julho, a recém-empossada presidente da SBPC, a bioquímica Glaci Zancan, desta­cou a disposição da entidade para lutar, ao lado das FAPs, pela ampliação dos sistemas de Ci­ência e Tecnologia nos Estados e nos municí­pios e pelo fortalecimento das fundações de amparo em todo o País. "Movimentos cíclicos, ondulatórias, são prejudiciais ao sistema. É im­portante que os Estados tenham suas estrutu­ras de apoio à atividade de pesquisa científica dentro de suas possibilidades, preservando a cultura da análise de mérito", afinnou.

Não pode haver dissociação entre Ciên­cia e Tecnologia e desenvolvimento industrial nem, também, em relação ao desenvolvimento económico e social, segundo o economista José Carlos Cavalcanti, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE), que fez uma apre­sentação sobre Avaliação de Projetos e de Im­pacto das FAPs na Sociedade.

Impacto social Escolhido como coordenador do Fómm,

odiretorda FACEPEelogiaos sistemas de ava­liação de mérito, mas lamenta que a preocu­pação nacional com a capacitação não seja acompanhada dos meios de medir seus impac­tos. "Precisamos criar um novo patamar en­quanto fazedores de C&T", disse. Cavalcanti

recomendou a instituição de um sistema naci­onal de inovação, que é geradora de riqueza, e a busca de recursos para consolidação de ca­pital humano.

A falta de cobrança da sociedade sobre quando e como o capital investido em C&T re­torna, naopiniãodo professor Francisco Romeu

Landi, diretor-presidente da FAPESP, não justifica a pos­sível ausência de infonna­ções sobre o uso de recursos do contribuinte. "É preciso que todos saibam que o in­vestimento em pesquisa vale a pena. O que se deseja é o desenvolvimento da socie­dade, mas, por outro lado, não podemos concordar com a visão fazendária de que o retorno do investimen­to acontece em pouco tem­po." Landi ilustra sua posi­ção com o Programa Geno­ma, financiado pela funda­ção paulista. "A pesquisa é acadêmica, mas tem aplica­

ção imediata. No caso do GenomaXylella, por exemplo, que está em fase de conclusão do se­qüenciamento da bactéria que causa a praga do amarelinho, há uma ligação direta com questões socioeconómicas. Entretanto, à medida que se afasta das aplicações imediatas, passa a ser muito dificil medir impactos."

Na pauta, a extinção da FAPEMA Um dos temas de destaque durante a reunião

entre diretores-presidentes de FAPs e o presiden­te do Fórum Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia, Adão Villaver­de, do Rio Grande do Sul, foi a extinção da Funda­ção de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPE­MA), decorrente de uma reforma administrativa aprovada pela Assembléia Legislativa daquele estado. Em seu lugar, foi criado um Fundo de fi· nanciamento à pesquisa. O conjunto de represen­tantes das FAPs, sob a coordenação do diretor -pre­sidente da FACEPE, redigirá um documento em que solicita a manutenção, para o Fundo, do repasse de recursos da FAPEMA e a adoção dos mesmos critérios de seleção de projetas.

Para Glaci Zancan, presidente da SBPC, o im­portante é preservar o sistema de análise de mérito pela qualidade do projeto, pela revisão por pares especializados e priorizar pesquisas científicas de acordo com seu interesse para a população, e não pelo imediatismo político. A pesquisadora disse que os estados não podem ser escravos de um modelo de agência de fomento e acredita que é preciso dis­cutir alternativas com as administrações estaduais.

O Fórum de Secretários de Ciência e Tecno­logia também discutiu a extinção da Fundação do Maranhão. Segundo o secretário Adão Villaverde,

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a maioria de seus integrantes reconhece que o es­tado tem autonomia para tomar esta decisão, mui­to embora, em sua opinião, as fundações devam

Reunião conjunta dos dois Fóruns

ser preservadas porque representam uma forma avançada de estruturação de uma política de fo­mento, sobretudo sob os aspectos da análise do mérito e da autonomia científica.

A SBPC e a Secretaria Regional da SBPC do Maranhão também decidiram encaminhar à gover­nadora Roseana Sarney uma cópia do documento aprovado pelo Conselho da Sociedade, que trata dos prejuízos à atividade científica do estado e pede providências para reativação da FAPEMA.

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Sob a coordenação de Alberto Carvalho da Silva, professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, a Fundação está financiandooprojetoAvaliaçãodofmpactoda FAPESP no Desenvolvimento Científico e Tec­nológiconoEstadodeSão Paulo. "O trabalho está definindo parâmetros e estruturando uma metodologia de avaliação de impacto a partir de 130 entrevistas e 600 questionários, e já existem indicadores das áreas em que o traba­lho teve maior relevância para o desenvolvi­mento socioeconômico", relatou Landi .

Outro tema levantado durante a reunião foi a possibilidade de operação, pelas FAPs, dos recursos provenientes dos royalties do petróleo recolhidos pelo governo federal e a flexibiliza­ção de sua aplicação para a área de energia como um todo, pois eles só poderiam serutilizados em pesquisas envolvendo petróleo e gás. No final de novembro de 1998, um decreto presidencial modificou a legislação e passou a transferir para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) os recursos queatéaquela data eram repassados in­tegralmente para Estados e municípios. Com a mudança, o MCT passou a contar com quanti­as extra-orçamentárias equivalentes ao corte de verbasparaC&Tresultantedasmedidasdeajus­te fiscal do início deste ano.

Os sistemas de informação em Ciência e Tecnologia também estiveram na pauta da reu­nião das FAPs. A Coordenadoria de Aperfei­çoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca­pes) se propôs a elaborar e disponibilizar a partir de setembro, na Internet, o LATTES, sis­tema único que encamparia todos os sistemas existentes. O projeto de unificação, apresen­tado por Evandro Mirra de Paula e Silva, vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), não chega a ser polêmico entre os representantes das FAPs, mas levanta algu­mas preocupações em relação ao investi­mento necessário para sua criação.

Financiamento e integração A questão dos desequilíbrios regionais

também foi levantada por Mirra. "A unifor­midade nacional em relação à investigação ci­entífica é possível acima de um certo patamar de recursos. Devemos buscar alternativas para estabelecer esse patamar e construir programas regionais de pesquisa com es­tratégias diferentes, partindo da constatação de que há grupos de excelência em diferen­tes áreas que ampliam o trabalho científico." Para o vice-presidente do CNPq, é necessário localizar esses grupos e formar redes de pes­quisa nas diversas regiões para juntar esforços.

Para a próxima reunião, que será rea­lizada em Recife, nos dias 25 e 26 de no­vembro, o Fórum das Fundações de Ampa­ro à Pesquisa definiu como ternário a dis­cussão de novas metodologias para parce­rias regionais, a definição de estratégias e mecanismos para maior integração entre as FAPs no desenvolvimento de trabalhos conjuntos e a comercialização de Ciência e Tecnologia.

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

SB

Reunião polêmica Transgênicos, Mercosul e financiamento

à pesquisa politizam debates

Produtos transgênicos, relações interna­cionais e escassez de recursos para a pesqui­sa científica no País foram assuntos que de­ram o tom acentuadamente politizado dos debates da 51" Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Realizado na Pontifícia Universida­de Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com o título "Mercosul: A Quebra das Fron­teiras", o encontro atraiu cerca de 40 miles­tudantes, pesquisadores e cientistas doBra­sil e países vizinhos, de li a 16 de julho.

A reunião coincidiu com a posse da nova presidente da SBPC, a bioquímica G la c i Zan­can, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que deverá trabalhar, nos próximos dois anos, na articulação de alianças para am­pliar o poder de influência da entidade na de­finição das políticas nacionais de pesquisa. Glaci assumiu no lugar do farmacólogo Sér­gio Henrique Ferreira, de quem foi vice-pre­sidente durante duas gestões, e já sinalizou para uma aproximação mais efetiva com o Fó­rum Nacional dos Secretários de Ciência e Tecnologia e com o Fórum das FAPs, que se reuniram dois dias durante o encontro anual.

A 51" Reunião da SBPC também testemu­nhou, dia 16, a substituição do ministro da Ci­ência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Perei­ra, por Ronaldo Sardenberg, deslocado do Mi­nistério Extraordinário de Projetos Especiais, antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Bresser chegou a participar da soleni­dade de abertura, no domingo ante-rior, dia II, anunciando um incremento de I 0% no orça­mento do MCT este ano. Entretanto, mesmo com a elevação prometida para o orçamento, de R$ 700 milhões em 1998 para perto de R$ 800 milhões este ano, a ciência e tecnologia ainda contará, em 1999, com o mais baixo vo­lume de recursos dos últimos anos. Em 1994, os investimentos do MCT no setor foram de R$ 956 milhões, de um total de R$ 2,2 bilhões aplicados por todo o governo federal, e caíram sem parar até o ano passado.

A nomeação de Sardenberg gerou, pelo menos em princípio, expectativas positivas no meio científico. A presidente da SBPC in­terpretou a decisão do governo federal como um sinal de que, em função da origem do novo ministro, a ciência e a tecnologia poderiam passar a ser vistas de maneira estratégica. "Es­peramos que ele possa lutar por orçamento", disse Glaci, acrescentando que a entidade tem interesse em conversar com Sardenberg para apresentar as suas posições e reivindicações.

lo 'ESP

Mesmo com a reação favorável à mudan­ça no comando do Ministério, a SBPC pre­tende, por intermédio de sua articulação com o Fórum dos Secretários, ampliar seu poder político para lutar pelo aumento do financia­mento à ciência e tecnologia e pela sua distri­buição mais equilibrada pelo País. O primei­ro resultado concreto é a proposta definida no encontro em Porto Alegre e que será levada ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

A proposição amplia para todo o País e todas as instituições científicas a isenção de TCMS sobre a importação de equipamentos para a pesquisa. Atualmente o benefício é li­mitado a compras externas feitas pelas uni­versidades federais nos Estados do Rio Gran­de do Sul, Piauí, Amazonas, Ceará e Pará, desde que a operação já esteja livre do paga­mento de Imposto de Importação (II) por for­çada lei 8.010, de 1990.

Desigualdades regionais A aproximação entre SBPC e secretários

é boa para ambas as partes. "Temos consciên­cia da necessidade de articulação com a comu­nidade científica para delinear um projeto de desenvolvimento que enfrente a dependência tecnológica externa e as desigualdades regio­nais", disse o presidente do Fórum, Adão Vi­llaverde, do Rio Grande do Sul. De acordo com o secretário do Rio de Janeiro, Wanderlei de Souza, a região Sudeste fica com mais de 80% dos recursos nacionais para ciência e tecnolo­gia. Somente São Paulo leva 50%.

Durante a Reunião Anual, o professor Luiz Martins de Melo, da Universidade Fe­deral do Rio de Janeiro (UFRJ), defendeu a criação de um grande fundo para o financia­mento da pesquisa no Brasil. Uma das "per­nas" do novo sistema seria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que teria a função de garantirrecur­sos subsidiados e "constantes" para o setor.

O professor Guilherme Ary Plonsky, da Universidade de São Paulo (USP), salien­tou que as próprias empresas brasileiras ain­da investem muito pouco em pesquisa. De acordo com ele, a participação do setor pri­vado nos gastos totais com pesquisa, desen­volvimento, aquisição de tecnologia e "enge­nharia não rotineira" no País passou de I 0% para 32% desde o início da década. Esta par­cela, entretanto, é muito pequena quando comparada aos 50% registrados no Estados Unidos e aos 80% no Japão, destacou.

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Autonomia e transgênicos As articulações da SBPC também deve­

rão ser orientadas para ampliar sua influên­cia nas discussões sobre o projeto de autono­mia universitária. Segundo Hélgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e conselheiro da entidade, a intenção é abandonar a posição a tua!, apenas "reativa" às propostas do governo federal.

O tema não chegou a ganhar destaque durante os debates públicos da 51 a Reunião Anual, mas sua importância está expressa no programa da nova diretoria, que incorporou a área de educação às suas metas centrais de atuação. De acordo com Trindade, isso mos­tra que a SBPC compreendeu que ciência e tecnologia dependem fundamentalmente da universidade pública, onde se concentram 90% das pesquisas em curso no País.

O conselheiro identifica um consenso no meio científico e acadêmico de que é preciso aprimorar o sistema de autonomia universi­tária, mas ressaltou a necessidade de "inter­ferir na orientação das novas políticas". É imprescindível deter, por exemplo, o proces­so de "desfinanciamento" das 52 universida­des federais, que, juntas, recebem R$ 5,5 bi­lhões por ano, contra os R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões repassados pelo governo de São Paulo às suas três instituições de ensino superior: USP, Unesp e Unicamp.

O tema que mais atraiu o interesse do público na reunião de Porto Alegre foi a pes­quisa, o plantio e o consumo de produtos ge­neticamente modificados. O assunto, envol­to em pendências judiciais que impedem a Monsanto de comercializar suas cinco vari­edades de soja transgênica aprovadas pela Comissão Técnica Nacional de Biosseguran­ça(CTNBio), revelou uma profunda divisão entre a comunidade científica.

"Sabemos muito pouco a respeito do tema", disse Glaci Zancan,justificando o fato de que os transgênicos ainda despertam "pai­xões" contrárias, de um lado, e favoráveis, de outro. A presidente da SBPC defendeu a po-

A FAPESP na Expociência

sição oficial da entidade, que sugere uma moratória de cinco anos para a liberação co­mercial desses produtos, até que todos os tes­tes necessários sobre seus impactos na saúde humana, animal e no meio ambiente possam ser concluídos.

Para Glaci, a segurança da população para consumir produtos geneticamente mo­dificados atualmente é apenas "relativa", já que os experimentos feitos até agora se limi­taram a avaliar aspectos ligados à produtivi­dade das culturas.

A posição da presidente da SBPC, po­rém, não espelha um consenso dentro da co­munidade científica, exceto quando defende a manutenção das pesquisas na área. O gene­ticista gaúcho Francisco Salzano, da UFRGS, homenageado no encontro anual, defendeu a liberação dos produtos geneticamente modi­ficados no País e chegou a classificar de "me­dieval" a decisão do governo do Rio Grande do Sul de transformar o Estado em área livre de transgênicos.

A pesquisadora Maria Irene Baggio, da Embrapa de Passo Fundo (RS), propôs a ado­ção de uma "moratória flexível" em relação ao plantio comercial de sementes genetica­mente modificadas. Segundo ela, produtos transgênicos podem trazer riscos, mas tam­bém benefícios à saúde e ao controle ambi­ental, e as liberações deveriam ser estudadas caso a caso levando isso em consideração.

Mário Toscano Filho, professor da Uni­versidade Federal da Paraíba (UFPB) e mem­bro da CTNBio, considerou "válida" na fina­lidade de "proteger seus cidadãos de possibi­lidades de risco" a decisão do governo gaú­cho de transformar o Rio Grande do Sul em área livre detransgênicos. Ele ressalvou, con­tudo, que, em vez da proibição, "talvez fosse mais adequado montar um projeto vinculan­do a atuação das empresas a investimentos em controle de risco", numa linha semelhante à proposta pela presidente da SBPC.

Mercosul Os diversos debates a respeito do tema-

A FAPESP teve uma participação de grande destaque na Expociência,evento paralelo à 51ª reunião da SBPC, re­alizada em Porto Alegre, de 11 a 16 de julho. No estande fo­ram instalados quatro microcomputadores, onde os visitan­tes podiam obter informações sobre todos os programas de pesquisa financiados pela Fundação, como o Genoma, Ino­vação Tecnológica, ProBE (Biblioteca Eletrônica), Biota- o Instituto Virtual da Biodiversidade, Ensino Público e outros, além de consultar informações dos Indicadores de Ciência e Tecnologia e conhecer o Sei ELO- Scientific Eletronic Libra­ryOnline.

Nos seis dias de exposição, instalada no câmpus da PUC do Rio Grande do Sul, o estande recebeu um grande número de visitantes. Cerca de 40 mil pessoas- estudan­tes e pesquisadores do Brasil e países vizinhos- partici­param da SBPC Jovem e da SBPC Sênior, este ano.

título da 51 a Reunião Anual da SBPC levaram a uma conclusão consistente: as barreiras do Mercosul estão longe de desaparecer e os países do bloco económico ainda priorizam as visões nacionais nas relações com seus parceiros e com outros mercados internacio­nais. Outra constatação é que o processo de integração, tanto em âmbito regional quanto global, carrega distorções profundas que im­pedem sua apropriação pela maioria da po­pulação.

Para o professor Henrique Rattner, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), a integra­ção é comandada exclusivamente pelas grandes empresas transnacionais e por par­te das burocracias dos Estados, "atropelan­do" todos os demais setores sociais. Ele sa­lientou que o processo deve ser conduzido de maneira a reduzir as disparidades entre os países sem desestruturar as economias lo­cais, o que exige a participação de setores mais amplos das sociedades, como institui­ções comunitárias e Organizações Não-Go­vernamentais (ONGs).

Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fun­dação Getúlio Vargas, chegou a classificar de "exagerada" a importância atribuída ao Mer­cosul. Ele também considera "perigosa" a necessidade de o Brasil adequar suas estraté­gias de desenvolvimento aos interesses dos países parceiros, especialmente a Argentina, que "foi bem mais longe na descaracteriza­ção do Estado nacional".

Batista Júnior disse ainda que o resulta­do da liberalização económica a partir do iní­cio da década no Brasil é um "fiasco".A aber­tura, segundo ele, provocou uma taxa de cres­cimento inferior à da "década perdida" de 80 e um desemprego "muito maior". O profes­sor defendeu ainda um Banco Central "inter­vencionista" sobre os capitais voláteis e na ad­ministração do perfil do endividamento ex­terno e ainda a adoção de um "viés não decla­rado" de desvalorização cambial para asse­gurar a competitividade das empresas brasi­leiras no exterior.

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Parceria inédita FAPESP e FACEPE assinam acordo para a participação de pesquisadores pernambucanos no Genoma Cana

Uma parceria inédita entre fundações estaduais de amparo à cultura foi estabeleci­da em Recife, no último dia 30 de julho: a paulista FAPESP e a pernambucana FACE­PE- Fundação de Amparo à Ciência e Tecno­logia assinaram um acordo técnico que abre a Rede ONSA (Organização para Seqüenci­amento e Análise de Nucleotídeos ), criada em 1997 pela Fundação de São Paulo, e particu­larmente seu Projeto Genoma da Cana-de­Açúcar, à participação dos pesquisadores pemambucanos.

Burnquist, e dezenas de pesquisadores per­nambucanos.

Numa visão panorâmica da economia brasileira, Pernambuco e cana-de-açúcarfor­mam um par quase óbvio, a despeito do sen­sível declínio experimentado por essa agro­indústria no Estado, nos últimos 30 anos, com a conseqüente queda de sua participação no PIB estadual. Não há nisso o que estranhar: afinal, o setor sucro-alcooleiro pernambuca­no tem 400 anos de história, como destacou o superintendente do Sebrae-PE, e durante

De acordo com o documento firmado pelas duas FAPs, a cooperação prevê, além da montagem de uma infra-estrutura de laboratórios de se­qüenciamento genéti­co e de bioinformáti­ca, a capacitação e o aperfeiçoamento de recursos humanos na área de biologia mole­cular e de bioinformá­tica em Pernambuco, para que o Estado pos­sa parti c i par do Geno­ma da Cana. Os labo­ratórios pernambuca­nos incluídos na ONSA terão as mes­mas obrigações que os laboratórios pau­

Silva Cavalcanti e Brito Cruz comemoram a parceria

listas participantes da rede, e a FAPESP, en­tre outras coisas, fará o acompanhamento de suas atividades para assegurar a qualidade técnica do trabalho.

Entrelaçamento histórico A assinatura do convênio pelos presi­

dentes da FAPESP, Carlos Henrique de Bri­to Cruz, e da FACEPE, José Carlos Silva Ca­valcanti , ocorreu durante o workshop de lan­çamento do Projeto Genoma-Pernambuco, na sede local do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa). Participaram também do evento, que se estendeu pela ma­nhã e tarde do dia 30, com exposições deta­lhadas e debates sobre o Programa Genoma­FAPESP e seu projeto da cana, os di retores científicos das fundações paulista e pernam­bucana, José Fernando Perez e André Frei­re Furtado, o superintendente do Sebrae-PE, Fausto Falcão Pontual , o coordenador do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar, Paulo Ar­ruda, o gerente de Fitotecnia da Copersucar (Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), William

longa parte dessa história foi o pilar central do desenvolvimento econômico do Estado.

Natural , portanto, que a participação de Pernambuco no Projeto Genoma da Cana­de-Açúcar seja vista com entusiasmo no am­biente de ciência e tecnologia no Estado, não só pelo que pode representar para o avanço regional da biologia molecular e da bioinfor­mática, como pelo suporte que indiretamen­te poderá oferecer ao desenvolvimento lo­cal de novos produtos originários da cana­de-açúcar, com maior valor agregado.

Segundo Fausto Pontual, se o setor su­cro-alcooleiro de Pernambuco em toda a sua história caracterizou-se por depender de um número restrito de produtos - açúcar, ál­cool, melaço, torta de filtro, bagaço e, em al­guns raros casos, o aproveitamento da leve­dura -, há hoje uma grande demanda por "tecnologias de produção para adoçantes na­turais com baixo poder calórico, plásticos bi­odegradáveis, peles artificiais, hormônios, fármacos , energia, compensados etc". Para cada um desses produtos, destacou ele em sua fala na abertura do workshop, "um con-

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junto de genes controla as diferentes rotas metabólicas que implicam os resultados fi­nais desejados por essa nova indústria". E a seleção de variedades de cana com caracte­rísticas específicas para os fins industriais visados poderá continuar a ser feita em cam­po, ou "empregando-se tecnologias mais refinadas de identificação dos genes envol­vidos". Exatamente neste ponto, ressaltou, "é que entra a importância de um projeto científico com as características do Genoma da Cana-de-Açúcar".

Essas característi­cas, antes de serem apresentadas em seus detalhes técnicos por Perez e Arruda, foram situadas no plano mais amplo das estratégias da pesquisa científica por Brito Cruz. "O Pro­jeto Genoma da Cana­de-Açúcaragrega fato­res muito importantes, que dentro do ambien­te de ciência e tecnolo­gia brasileiro são pen­sados de maneira bas­tante dissimilar: ele é simultaneamente um projeto de ciência bási­ca, de ciência aplicada e de tecnologia", disse. BritoCruzcitou o livro "O Quadrante de Pas­

teur", de Donald Stokes, em apoio à tese de que, em lugar da velha oposição entre ciên­cia básica, ciência aplicada e tecnologia, é preciso buscar, na pesquisa, o que é relevan­te do ponto de vista do conhecimento e do ponto de vista socioeconômico, independen­temente de antigas categorias. "Não necessa­riamente a ciência mais básica é menos útil. Nem a pesquisa tecnológica é despida de im­portância para a construção do conhecimen­to. Pasteur, por exemplo, queria melhorar a produção de cerveja quando chegou a desco­bertas essenciais de ciência básica", disse.

O presidente da FAPESP observou de­pois que a parceria que naquele momento se celebrava com a FACEPE era uma importante novidade dentro das práticas nacionais de ciência e tecnologia e se confessou surpreen­dido com a rapidez com que as negociações entre as duas FAPs avançaram até a formali­zaçãodo convênio. "A idéia surgiu há dois ou, no máximo, três meses, e hoje aqui estamos para assinar o convênio", disse.

A velocidade da montagem do acordo foi destacada também pelo presidente da FACE-

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PE, que se disse "honrado com a parceria" que permitirá a Pernambuco participar de "um projeto de pesquisa sério, inovador, com ca­racterísticas dos mais avançados projetas do Primeiro Mundo". Na visão de Cavalcanti, o Projeto Genoma da Cana-de-Açúcardeflagra uma nova perspectiva de conhecimento no Estado. "Estaremos preocupados em cumprir as exigências do convênio e em permanecer na Rede ONSA", observou, bem-humorado.

Rápido progresso A platéia de pesquisadores pemambuca­

nos no workshop do Genoma Cana, com no­tória participação feminina , e jovem, ouviu

plicar a metodologia do trabalho com ge­nes expressos nos vários tipos celulares (ESTs), para identificação prioritária da­queles envolvidos com processos metabó­licos de grande significado para a agroin­dústria da cana, como o da produção de sa­carose e os que definem a resistência da planta.

Paulo Arruda apresentou um breve resu­mo do quadro internacional da pesquisa de genoma de plantas e informou que, segundo os dados mais recentes de julho deste ano, dos poucos mais de 2,8 milhões de genes deposi­tados no GenBank mantido pelo NIH (Nati­onal Institutes of Health), apenas 6% eram

mando as bibliotecas, fonte da informação que será trabalhada no laboratório de bioin­formática. "A informação no laboratório de bioinformática corresponde sempre a uma placa de clones no rreezer, a menos 70 graus", sintetizou.

Paulo Arruda informou que o projeto já tem 40 mil clones prontos para seqüen­ciamento. "Até o final deste ano eles de­verão estar seqüenciados, ou seja, devere­mos ter realizado 30% do trabalho de se­qüenciamento", disse. Informou também

do diretor científico da FAPESP uma exposição didática sobre o Progra­ma Genoma da Funda­ção paulista. Perez ex­plicou a origem da sigla ONSA, seu paralelismo corajoso e bem-humora­do com o TIGR norte­americano (The lnstitu­te for Genomic Resear­ch, a mais famosa insti­tuição internacional de pesquisa genômica) e traçou a cronologia do programa desde que seu projeto pioneiro, o de se­qüenciamento da Xylle­

Perez (no destaque) apresentou o Programa Genoma, sob o olhar atento de Paulo Arruda, William Burnquist, João Kitajima e Silva Cavalcanti

que 2 mil genes da cana estão a essa altura seqüencia­dos e explicou para os pesquisadores pernambucanos que cada laborató­rio envolvido no projeto tem que fa­zer no mínimo 4 mil seqüências de

la fastidiosa , foi lançado, em outubro de 1997. Deu a notícia de que, àquela altura, já esta­vam seqüenciados mais de 98% do genoma dessa bactéria causadora da Clorose Variega­da dos Citros, a praga do amarelinho, quere­presenta uma séria ameaça para a citricultu­ra paulista, e manifestou a convicção de que em setembro o seqüenciamento estará con­cluído - oito meses, portanto, antes do pra­zo originalmente estabelecido. Perez também situou rapidamente a entrada dos outros pro­jetas - Genoma Humano do Câncer, Cana, Genoma Funcional da X fastidiosa e Geno­ma daXantomonas citri - no Programa Ge­noma-FAPESP.

O diretor científico da FAPESP, afina­do com um pensamento que hoje é genera­lizado no ambiente internacional da pesqui­sa genômica, fez, por fim, uma previsão de que a atividade de seqüenciamento na aca­demia logo deverá estar superada. A ativi­dade tem um forte componente industrial e deverá se concentrar na indústria. "Mas a bioinformática, que lhe deu forte impulso, vai perdurar como área fundamental na academia. E nessa área, que se não fosse o Programa Genoma poderia representar nos­so gargalo para o desenvolvimento cientí­fico no próximo século, estaremos bem avançados no Brasil", disse.

No computador e no freezer A exposição técnica do Projeto Geno­

ma da Cana-de-Açúcar foi feita por seu co­ordenador, que se deteve primeiro em ex-

de plantas. Depois explicou que no Genoma Cana devem ser seqüenciados 50 mil genes, que é um número bastante representativo da totalidade do material genético de um orga­nismo superior. Desceu a detalhes técnicos es­pecíficos, como ao dizer que é do RNA, mo­lécula intermediária ou mensageira da infor­mação genética originalmente contida no DNA, que os pesquisadores, depois de con­gelar as células que lhes interessam, captam os genes, que depois são clonados. Os clones são colocados em microplacas de Petri, for-

boa qualidade por ano. Os pesquisadores que participaram do

workshop receberam, na parte da tarde, uma infinidade de outras informações sobre o projeto Genoma Cana, dadas por William Burnquist, que entre outras coisas detalhou o panorama econômico em que se msere a agro indústria da cana atualmente, e por João Paulo Kitajima, um dos pesquisadores liga­dos à coordenação de bioinformática do pro­jeto, na Unicamp, liderada por João Meida­nis e João Setúbal.

Os laboratórios pemambucanos A participação do Estado de Pernambuco no

Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar vai se dar, ini­cialmente, através de dois laboratórios de seqüen­ciamento - um da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE e outro do Instituto de Pesqui­sa Agropecuária-IPA - , e de um laboratório de bi­oinformática, que será implantado na Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, dentro do Departa­mento de Informática do Centro de Ciências Exa­las e da Natureza. Os pesquisadores pernambuca­nos envolvidos com o projeto receberão, de imedi­ato, treinamento em laboratórios de São Paulo e terão depois o acompanhamento contínuo da coor­denação do projeto.

Segundo José Carlos Silva Cavalcanti, presi­dente da FACEPE e coordenador institucional do Genoma-PE, os dois laboratórios que vão entrar no seqüenciamento têm ambos um bom trabalho já re-

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alizado em biologia molecular e biotecnologia, com dezenas de pesquisas já realizadas e em curso. Já em bioinformática o Estado ainda não tem uma com­petência instalada, embora a UFPE tenha um traba­lho conhecido e respeitado nacionalmente em ciên­cias da computação e informática. "A bioinformática éumcampoemquevamosterqueentraretemoscon­dições para isso", diz Cavalcanti. Sua expectativa, na verdade, é que com a parceria estabelecida com São Paulo, "tanto biologia molecular quanto bioinfor­mática entrem em efervescência em Pernambuco".

Estão definidos dois coordenadores científicos para o Genoma-PE, os pesquisadores José Geraldo Eugênio de França e Marcelo dos Santos Guerra Fi­lho, e duas pesquisadoras, Gianna Maria Griz Car­valheira e Angélica Virgínia Montarroyos, já estão acertadas para trabalhar com seqüenciamento, de­pois de um estágio em laboratórios paulistas.

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CIÊNCIA

GENOMA CÂNCER

Primeiros resultados Já foram geradas 4.506 seqüências gênicas, das quais 818 nunca antes tinham sido identificadas

Apenas quatro meses após o seu lança­mento, o Projeto Genoma Humano do Cân­cer, que tem como meta gerar entre 500 e 750 mil seqüências de genes (totalizando 200 milhões de pares de bases) a partir de mate­rial retirado dos tumores de maior incidência no País, começa a dar os primeiros resultados. De 26 de março, data de seu lançamento ofi­cial, até 5 de agosto, as modernas máquinas seqüenciadoras de genes do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, onde fica a coordenação geral do projeto, e dos outros cinco centros envolvidos na inici­ativa (Instituto de Química da Universidade de São Paulo - USP, Faculdade de Medicina da USP, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto)já tinham gerado4.506 se­qüências genéticas provenientes de amostras de cânceres de cabeça e pesco­ço, gástricos (do estômago) e do cólon intestinal. A melhor notí­cia é que 818 ( 18, I% do total) dessas seqüências são novas, inéditas, ou seja, nunca antes ti­nham sido identificadas por ne­nhum outro projeto científico in­ternacional dedicado ao seqüen­ciamento do genoma humano.

Essa constatação encheu de entusiasmo os pesquisadores do Projeto Genoma Humano do Câncer, primeira iniciativa institucional bra­sileira e do Programa Genoma da FAPESP a trabalhar com o código genético de nossa es­pécie. Afinal, os resultados iniciais desse tra­balho comprovam a eficácia da nova e revo­lucionária tecnologia de seqüenciamento ge­nético - o chamado método ORESTES (em inglês, Open Reading Frames EST Sequen­ces), desenvolvido no Brasil - empregada no projeto, que se mostrou capaz de gerar infor­mações novas num dos campos de pesquisas mais concorridos da atualidade. "Os dados produzidos até agora são ótimos. Mas repre­sentam menos de I% do nosso objetivo final. Ainda temos muito serviço pela frente", diz o bioquímicoAndrew Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig de São Paulo, coordena­dor do Genoma Câncer e um dos criadores do ORESTES.

O investimento em todo o Projeto Geno­ma Câncer é de US$10 milhões. Metade da verba sairá da FAPESP e a outra parcela, da matriz do l nstituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, instituição internacional sediada em Nova York e com filial na capital paulista. A patente do método ORESTES de seqüencia-

menta genético pertence ao instituto, que, no entanto, se comprometeu a repassar à FA­PESP metade dos eventuais ganhos com os royalties referentes à comercialização dessa técnica.

O método ORESTES Esse método permite seqüenciar a área

central dos genes - região praticamente ina­cessível paras as técnicas tradicionais, que exploram basicamente as suas extremida­des. A importância da porção central reside no fato de que é justamente ela a responsá­vel pela codificação dos genes. Como ape­nas 3% do DNA codificam genes (os outros 97% seriam uma espécie de "lixo" do geno­ma humano), os pesquisadores brasileiros acreditam que, com o método ORESTES, vão conseguirteracesso à parte do código da vida

que realmente tem importância. Dentro des­sa ótica, seria perda de tempo se dedicar ao seqüenciamento de 100% do genoma huma­no, como fazem muitos projetas de pesquisa no exterior, que acabam tendo um trabalho muito árduo e com pouco retorno em termos de dados realmente novos.

A grande maioria das novas seqüências geradas nos três primeiros meses do Genoma Câncer- 776 das 818 novas seqüências, para ser mais preciso- não apresenta nenhuma ho­mologia, nem mesmo com trechos de genes anteriormente descritos em outros organis­mos. Portanto, trata-se de seqüências sobre as quais a ciência ainda não tem a menor idéia de qual possa ser o seu papel na formação e de­senvolvimento de cânceres. Sua função ainda permanece um mistério completo e terá de ser desvendada por algum pesquisador no futuro.

Já no caso de um pequeno número dessas novas seqüências (28), há um bom indicador de qual possa ser sua função. Isso porque elas são homólogas a seqüências de genes já ma­peados e estudados em outros seres vivos, como ratos, camundongos, levedura e drosó­filas. Portanto, é bastante provável que apre-

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sentem uma função semelhante em humanos. Segundo o especial is ta em biologia molecular Emmanuel Dias Neto, bolsista de pós-douto­rado da FAPESP e coordenador de bibliotecas do projeto, entre I% e 2% de todas as seqüên­cias geradas ao final do projeto devem ser no­vas seqüências humanas homólogas a seqüên­cias já conhecidas de outros seres.

Comparando informações Para saber se uma seqüência gerada pelo

Genoma Câncer é nova ou não passa de repe­tição de uma estrutura genética já descoberta por outro cientista em algum projeto interna­cional que também estude o DN A humano, os pesquisadores brasileiros têm de comparar suas informações com todo o conjunto de se­qüências da espécie disponível em bancos de dados públicos.lsso, logicamente, é feito com

o auxílio de potentes softwares e é tarefa desempenhada pela coor­denação de bioinformática do projeto.

Depois de verificar se se tra­ta ou não de um fragmento de um novo gene da espécie humana, os pesquisadores comparam esse dado com informações disponí­veis sobre o DNA de outros orga­nismos. Foi procedendo dessa forma que os pesquisadores bra­sileiros do Genoma Câncer des­

cobriram, por exemplo, que uma das novas se­qüências geradas a partir de material coleta­do de um tumor de cabeça e pescoço era ho­móloga a um gene, de nomeHYC, descrito em julho do ano passado em ratos. Como a ciên­ciajá sabe que, nos ratos, este gene está liga­do ao desenvolvimento do sistema nervoso, é bastante provável que o HYC desempenhe o mesmo papel em humanos.

Nesses três primeiros meses de existên­cia, o número de seqüências geradas pelo Ge­noma Câncer é pequeno, mas está dentro do cronograma de evolução de produtividade do projeto. Os pesquisadores dizem que já era es­perado um ritmo mais lento de produção de seqüências na etapa inicial dos trabalhos. Apesar de alguns passos empregados na nova tecnologia já haverem sido usados no proje­to de seqüenciamento da Xylella fastidiosa (bactéria causadora da praga do amarelinho que afeta os laranjais), este projeto surge com diversas inovações tecnológicas, que vão desde o uso de uma técnica inédita de gera­ção de ESTs (o método OESTES) até o uso de seqüenciadores de DNA de nova geração, baseados na tecnologia capilar. Daí a aparen-

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te lentidão na fase inicial do Genoma Cân­cer. Afinal , está se trabalhando com material genético do ser humano, um organismo mil vezes mais complexo do que uma bactéria. Além disso, foi necessário um tempo de adap­tação dos laboratórios às novas máquinas se­qüenciadoras de última geração, o MegaBa­ce, mais avançadas do que os aparelhos usa­dos na Xylella. Cada um dos centros de se­qüenciamento conta com o apoio de mais qua­tro laboratórios ou grupos de pesquisa.

Entrando no ritmo em todos esses laboratórios são os

mesmos que participaram do projeto da Xy­lella. Mas toda a estrutura usada no Genoma Câncer - com a coordenação dos trabalhos centrada no Instituto Ludwig e o apoio de cin­co centros de seqüenciamento, contando cada um deles com a ajuda de quatro laboratórios de seqüenciamento - coloca em ação nova­mente a rede virtual de laboratórios do Esta­do de São Paulo, chamada de Onsa (Organi­zação para Análise e Seqüenciamento de Nu­cleotídeos).

A partir de agosto, os trabalhos de se­qüenciamento devem se acelerar. "Nesse mês, cada centro deve gerar 2 mil seqüên­cias. Ao final do primeiro ano de trabalho, nossa meta é que cada centro tenha gerado 50 mil seqüências ao longo desse período", diz Emmanuel Dias Neto. Durante o segundo ano do projeto, estima-se que cada centro atingi­rá sua "velocidade de cruzeiro" e deverá es­tabilizar sua capacidade de produção, geran­do mensalmente 6. 000 seqüências. "Nós va­mos terminar o projeto dentro do prazo", ga­ranteAndrew Simpson.

Como todo o conhecimento que vai ser produzido durante os dois anos de duração do projeto, os resultados iniciais do Genoma Cân­cer já estão sendo repassados para bancos de dados públicos. É fundamental o compartilha­menta de todos os dados gerados pelas pesqui­sas com grupos internacionais, pois há empre­sas privadas que também estão se dedicando a mapear o GenomaH umano. O problema é que essas companhias querem simplesmente pa­tentear o maior o número de genes possível para, mais tarde, lucrar com a possível explo­ração comercial desse conhecimento. Para que o livre exercício da pesquisa genética possa se darno futuro, é fundamental que projetas como o Genoma Câncer, que tem o compromisso de abrir todos os seus resultados à comunidade científica internacional, sejam estimulados e gerem resultados. Os cientistas esperam que o avanço do mapeamento do código genético humano fomeça novos dados que possibilitem o progresso nas pesquisas destinadas a deci­frar a origem das doenças e desenvolver for­masdeprevençãoecuradasmoléstias. No caso do Genoma Câncer, como o próprio nome su­gere, o objetivo é gerar informação genética relevante sobre os tipos de tumores que mais acometem a população brasileira - um traba­lho com um fim bastante específico, que difi­cilmente poderia ser feito no exterior.

MEDICINA

Na origem do pensamento Novo laboratório do HC vai realizar pesquisas nas

áreas da neurociência básica e médico-psiquiátrica Quem diz é o Global Burden ofDiseases,

publicação oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS): a segunda maior causa de in­capacitações do mundo, depois dos problemas coronarianos, é uma doença psiquiátrica, a depressão. "As doenças psiquiátricas foram subestimadas no passado, pois sua participa­ção nas estimativas totais de óbitos é relativa­mente pequena", diz o professor titular e che­fe do Departamento de Psiquiatria do Hospi­tal das Clínicas da Universidade de São Pau­lo, o psiquiatra Wagner

Gattaz. Ele mesmo sublinha: "Porexemplo, en­quanto a depressão é responsável por apenas I ,4% dos óbitos, ela é responsável por I I% das incapacitações, o que demonstra como as do­enças psiquiátricas representam um grave pro­blema de saúde pública."

Se o problema depender apenas de estu­dos e pesquisas, ele poderá ser menor nos pró­ximos anos. E uma contribuição nacional nesse sentido é o mais novo centro de pesquisas bio­médicas de ponta do País, o Laboratório de In­vestigações Médicas em Neurociências, recen­temente instalado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, tendo o professorGattaz como coordenador. "Trata-se do primeiro laboratório desse tipo no Brasil si­tuado num instituto de psiquiatria e coordena­do por psiquiatras", diz, "com pesquisas que visam não só a neurociência básica, mas tam­bém a pesquisa médico-psiquiátrica."

O laboratório nasceu já com um projeto temático, Metabolismo dos Fosfolípedes na Doença de A lzheimer e na Esquizoji-enia, a

1s 'SP

ser executado nos próximos quatro anos. Em termos de verbas, o projeto temático foi com­plementado por dois projetas de infra-estru­tura, um para adequar as instalações elétricas do local e outro para a montagem do próprio laboratório, num espaço de 300 metros qua­drados e capacidade para o trabalho simultâ­neo de25 pesquisadores. Foram aplicados, ao todo, R$ 2 milhões, dos quais R$ I ,7 milhão por parte da FAPESP. Três quartos da verba foram para a aquisição de equipamentos de análise de primeira linha. O setor de eletro­

encefalografia digital de alta resolução do laboratório, por exemplo, conta com os

equipamentos mais avançados da América Latina.

Apesar de estar ligado na origem ao projeto temático, o laboratório está aberto aos pes­quisadores de outras áreas do Instituto de Ciências Biológi-

,1 casdaUSPedeoutrosgrupos e universidades. "Quere­

mos fazer do laboratório um dos centros de refe­rência em neurociên­cias do Brasil, mas

nossa m1ssão não é só realizar pesquisa", afirma

oprofessorGattaz. "Procu­ramos também formar uma nova geração de pesquisa­dores, receberpós-graduan­dos e pós-doutorandos, fazer

iniciação científica e despertar o interesse nas neurociências. Já estamos

recebendo um número grande de currículos de brasileiros e estrangeiros interessados em tra­balhar no laboratório."

Fosfolípedes Gattaz passou 18 anos na Universidade

de Heidelberg, na Alemanha. Em 1996, vol­tou ao Brasil, integrando-se à USP. Seu gru­po de pesquisa na Alemanha foi o primeiro do mundo a relacionar o metabolismo dos fos­folípedes das membranas das células nervo­sas com o desencadeamento da esquizofrenia e da doença de Alzheimer (DA). Os fosfolí­pedes têm papel fundamental na atuação des­sas células. "O metabolismo da membrana determina as propriedades fisico-químicas dos neurônios, como, por exemplo, a trans­missão de sinais, o número e a sensibilidade de neurorreceptores", explica o pesquisador.

O projeto temático investigará os meca­nismos que levam aos distúrbios do metabo­lismo de fosfolípedes nas duas doenças, suas repercussões no funcionamento do cérebro e

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Wagner Gattaz com os novos equipamentos que vão permitir realizar um leque variado de pesquisas

as implicações clínicas. Além disso, verifica­rá o grau de associação entre os metabolismos de fosfolípedes periférico e cerebral, buscan­do parâmetros que possam ser úteis como mar­cadores biológicos para subgrupos da esqui­zofrenia e doença deAlzheimer. O estudo será feito em quatro módulos inter-relacionados: bi­oquímica e espectroscopia, genética molecu­lar, biologia molecular e eletrofisiologia.

As descobertas biológicas serão compa­radas com parâmetros psicopatológicos, neu­ropsicológicos e evolutivos. "Uma vez de pos­se dos dados, a equipe desenvolverá modelos em animais de laboratório, para, primeiro, tentarreplicaros transtornos biológicos e fim­cionais e, segundo, iniciar estratégias terapêu­ticas e preventivas. Obtida a replicação em animais, serão feitos estudos comportamen­tais", explicou o coordenador.

Multidisciplinar Para Gattaz, um dos problemas da pes­

quisa sobre o cérebro tem sido o fato de os in­vestigadores pesquisarem quase sempre ape­nas o que é possível em seus laboratórios, dentro de sua especialidade. "Isso é como pro­curar uma agulha num palheiro, uma espécie de loteria científica", afirma. Por que o dis­túrbio que causa determinada doença neuro­psiquiátrica estaria localizado exatamente na substância ou no gene que um pesquisador pode investigar no seu laboratório? Gattaz acha que os progressos nas neurociências se deram geralmente graças a pesquisas multi­disciplinares: "Uma alteração no metabolis­mo provavelmente terá correlatas genéticos, anatômicos e funcionais", opina. "Nesse la­boratório, o que estamos fazendo é integran­do diferentes áreas de pesquisa, que são com­plementares", acrescenta.

O projeto temático foi elaborado com a colaboração de três outros pesquisadores: Homero Vallada, responsável por genética molecular, Orestes Forlenza, especialista em biologia molecular, e Luís Basile, responsável pelo módulo de psicofisiologia. Encaminha­do à FAPESP em novembro de 1997, o proje­to foi aprovado em maio de 1998. A compra

da aparelhagem de eletroencefalografia digi­tal estava incluída no projeto original. Porém um pesquisador, Cláudio Guimarães dos San­tos, tinha recebido uma aparelhagem seme­lhante, sem ter ainda um centro ao qual se fi­liar. Santos foi convidado a integrar a equipe do Laboratório de Neurociências e aceitou.

A espectroscopia porressonância magné­tica com fósforo-3 I será feita em colaboração com o Departamento de Radiologia e Resso­nância Magnética do ln cor de São Paulo, sob a coordenação de Giovanni Guido Cerri e Cláudio Campi. "A espectroscopia permite avaliar o metabolismo cerebral in vivo, sendo, portanto, um método imprescindível para a pesquisa neuropsiquiátrica", diz Gattaz. A aquisição de equipamento de ressonância magnética próprio para o Instituto de Psiquia­tria é um objetivo para os próximos anos.

Diagnóstico precoce Os cientistas acham que, depois de as

hipóteses estudadas no projeto serem con­firmadas e replicadas em outros laborató­rios, haverá chances de um diagnóstico neuroquímico mais acurado e rápido. O in­teresse básico da equipe, porém, vai mais adiante: é tornar possível, no futuro, o di­agnóstico precoce da doença, se possível antes da manifestação dos sintomas. Para o professor Gattaz, essa será uma caracte­rística da medicina no próximo século. "O diagnóstico precoce abrirá caminhos visan­do ao desenvolvimento de estratégias para

prevenir a manifestação da doença", diz. Para tornar possível o diagnóstico

precoce, porém, é necessário compreender os mecanismos básicos que levam ao qua­dro clínico . "Diagnosticamos com base nos sintomas psíquicos, mas sobre a cau­sa dos sintomas sabemos muito pouco", diz o coordenador. "No momento em que soubermos qual mecanismo, qual proces­so biológico causou o sintoma, então a nova fase da pesquisa se concentrará na normalização desses processos biológi-cos, para que não provoquem ma1s os Sin­

tomas, e a doença seja evitada." Um papel especial na pesquisa está re­

servado à doença de Alzheimer. A impor­tância desse problema está aumentando, pois é uma doença que aparece principal­mente entre os idosos e, com o crescimen­to da idade média da população, o número de pacientes é cada vez maior. Não é um problema desprezível. Há dois anos, em ar­tigo publicado no New EnglandJournal of Medicine, um grupo de pesquisadores in­formou que um tratamento com vitamina E, neutralizando os radicais livres, é capaz de retardar em cinco anos a progressão da do­ença de Alzheimer. Na época, calculou-se que só isso economizaria US$ 50 bilhões - mais do que as reservas monetárias bra­sileiras - apenas para o sistema de saúde dos Estados Unidos. Se ainda faltam argu­mentos para apoiar a pesquisa sobre os pro­blemas neurológicos, aí está mais um.

Estado da arte O Setor de Eletroencefalografia Digital de

Alta Resolução do Laboratório de Investigações Médicas em Neurociências tem equipamentos tão sofisticados que conseguem determinar, pratiea­mente em tempo real e com localização precisa, o comportamento eletrofisiológico do cérebro du· rante atividades como a leitura, ouvir uma músi· ca, resolver um problema de matemática, ver um filme ou tomar uma decisão.

Nenhum outro lugar da América Latina tem esses equipamentos. No mundo todo, são pouco mais de uma dezena os laboratórios que usam essa tecnologia. Conhecidos em conjunto pelo nome do fabricante , a Neuroscan lnc., os equipa· mentos foram adquiridos para o setor, coordena· do pelos pesquisadores Cláudio Guimarães dos Santos e Luís Basile, com recursos investidos pela FAPESP.

O ESI-128-System é um dos componentes do grupo. Trata-se de um sistema de amplifica· dores para 128 canais de eletroencefalografia, com o qual é possível registrar, em milésimos de segundo, as ati v idades do cérebro durante are· alização de tarefas relacionadas com a memória, linguagem, atenção, raciocínio e outras funções mentais, a partir de potenciais elétricos coloca· dos na superfície da cabeça. Ele é apoiado pelo Polhemus, um dispositivo que controla compre-

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cisão as posições espaciais dos 128 eletrodos distribuídos pelo couro cabeludo.

Ainda faz parte do conjunto o STIM-System, sistema interativo que permite a estimulação sen­sorial (visual e/ou auditiva) da pessoa examinada e registra suas respostas motoras. O Curry é um software que reconstrói as correntes intracrania· nas, responsáveis pelos potenciais elétricos me· didos através do couro cabeludo, e integra essas informações com dados anatómicos obtidos de imagens de ressonância magnética do cérebro.

Cinco pesquisas já estão confirmadas para os próximos quatro anos: estudo da coordenação de atividade do córtex pré-frontal (e do lobo tem· poral) em indivíduos saudáveis e em pacientes esquizofrênicos ou portadores da doença de Alzheimer; mecanismos neurobiológicos subja· centes ao processamento de inferências dedu ti· vas e indutivas em crianças (normais ou portado· r as de transtornos de atenção ou aprendizagem) e adultos (normais , portadores de lesões focais uni-hemisféricas e dementes do tipo Alzheimer); mecanismos neurobiológicos ligados à função do canto na espécie humana; processos de reorga· nização funcional relacionados com a recupera· ção de lesões cerebrais; e testes de modelos far­macológicos da fisiopatologia de doenças neu­ropsiquiátricas.

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CAPA

FIBRAS ÓPTICAS

O cobertor de luz dos recém-nascidos Empresa de Campinas desenvolve um aparelho com fibras ópticas para tratar a icterícia

Num dos cantos da oficina da Komlux, uma pequena empresa de Campinas que fa­brica equipamentos de fibras ópticas, o ana­lista de sistemas Cícero Lívio Omegna de Souza Filho toma nas mãos, com delicadeza e orgulho, uma manta que irradia luz azul , como se segurasse um bebê. Não se trata ape­nas de uma comparação, que expressa seu discreto sentimento. Omegna Filho dedica­se há dois anos ao desenvolvimento dessa ma­lha feita de fibras ópticas que poderá se mos­trar, dentro de alguns meses, uma alternativa ao tratamento convencional de um problema que atinge justamente os recém-nascidos: o excesso de bilirrubina no sangue, que causa a chamada icterícia, reconhecida pela coloração amarelada que dá à pele. Se não eliminada ra­pidamente, a bilirrubina - pigmento biliar, normalmente filtrado pela placenta ou quebra­do pelo figado do recém-nascido- causa sur­dez e danos ao sistema nervoso central.

A icterícia é comum. Todo ano, nascem, no Brasil, cerca de 200 mil crianças com ín­dices elevados de bilirrubina no sangue, o equivalente a 5% dos nascimentos. Dessas, metade mereceria cuidados médicos mais in­tensivos. Acontece que o tratamento conven­cional - chamado fototerapia , porque a luz

decompõe a substância, que é eliminada do organismo- apresenta uma série de inconve­nientes. Durante horas ou dias, os recém-nas­cidos permanecem num berço, apenas com uma fralda e uma venda nos olhos, submeti­dos à luz que sai de sete lâmpadas fluorescen­tes (ou de 14lâmpadas, metade colocada aci­ma e metade embaixo do bebê, nos aparelhos de fototerapia dupla).

L 7

Descoberto em 1956 pela enfermeira in­glesa J. Ward, a primeira a verificar que as cri­anças perdiam o tom amarelado da pele quan­do dormiam próximas da janela ou tomavam sol no jardim do Rockford General Hospital, em Essex, o método do banho de luz funcio­na, mas para a mãe, que deseja a proximidade do filho, parece uma tortura. Embora seja o melhor disponível no momento, não é consi-

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derado tecnicamente muito efi­ciente: como as lâmpadas não podem ser colocadas muito pró­ximas do bebê, sob o risco de provocarem queimaduras, parte da energia se perde pela distân­cia e outra se transforma em ca­lor, que acentua o desconforto do tratamento.

Comodidade A equipedaKomlux cami­

nha para resolver esses inconve­nientes. Tão logo esteja pronta, provavelmente no final do pró­ximo ano, a manta de luz pode­rá ser usada em contato direto com o corpo do recém-nascido, como um simples cobertor, mas sem gerar calor. A criança pode­rá se deitar, com roupa, sobre a trama de fibras ópticas ou ser enrolado com o cobertor, no colo da mãe. Muito mais con­fortável, portanto. A eficiência do processo se mantém porque se trata da chamada luz fria: a fonte de luz, à qual se liga o fei­xe de fibras ópticas, filtra oca­lor e as faixas indesejáveis do espectro da luz, sobretudo o in­fravermelho e o ultravioleta, deixando passar apenas o azul. "A luz praticamente não se per­de pelo caminho", assegura Omegna Filho, coordenador do projeto Desenvolvimento de um

Recém-nascido no banho de luz convencional, na maternidade

Equipamento para FototerapiaNeonatal ba­seado em Fibra Óptica Corrugada (modifi­cada mecanicamente), já na segunda fase do Programa Inovação Tecnológica em Peque­nas Empresas (PITE), da FAPESP, com um crédito adicional de R$ 200 mil, após R$ 50

mil da primeira fase. Mundialmente, o produto que está nas­

cendo na empresa de Campinas representa um marco na história da fototerapia, na avaliação do médico Fernando Facchini, professor do Centro de Assistência Integral à Saúde ~a

O Videoendoscópio Até setembro, a equipe de pesquisadores da

Komlux deve concluir a etapa inicial de outro projeto, o desenvolvimento de um protótipo do videoendos­cópio. A pesquisa, aprovada na segunda etapa do Programa de Inovação Tecnológica em Pequena Em­presa, encontra-se na Fase 1, com financiamento de R$ 50 mil. Trata-se de um acréscimo de eletrônica ao aparelho comum, que consiste basicamente em uma haste metálica dotada de uma lente que permite a vi­sualização de áreas do interior do corpo humano sem a necessidade de grandes incisões.

O projeto, ao qual os especialistas se dedicam desde abril deste ano, consiste na substituição da len­te ocular e do acoplador óptico do aparelho comum por uma microcâmera. Como no modelo original, o endoscópio é ligado a um feixe de fibras ópticas, que ilumina o objeto ou órgão a ser analisado. Nesta nova versão, a microcâmera capta e envia as imagens para um monitor de vídeo ou de computador, no qual po-

dem ser observadas. Mais do que conforto, pois o médico não pre­

cisará mais se debruçar sobre o aparelho e sobre os pacientes para conduzir seus exames, a inova­ção tem outras implicações. Provavelmente, redu­zirá o peso e principalmente o custo do aparelho. "Como as microcâmeras são extremamente peque­nas, o endoscópio se torna do tamanho de uma ca­neta", conta o coordenador do projeto, Geraldo Fer­reira Mendes. O protótipo, que ele mostra em se­guida, assemelha-se, de fato, a uma caneta. "E está funcionando", comenta.

Para desenvolver o projeto, Mendes está se va­lendo da chamada óptica gradiente, constituída por lentes planas, que mudam gradualmente o índice de refração do meio onde a luz se propaga. Produzem uma variação contínua da refração da luz. Alteram o foco de acordo com o objeto. Portanto, a imagem é sempre focalizada, independentemente da distância.

ls ~SP

Mulher (Caism) da Universi­dade Estadual de Campinas. "É outra geração de equipa­mento", diz. Aos 64 anos, Fac­chini assiste à história . Traba­lhou durante 19 anos na pedi­atria do Hospital Nove de Ju­lho, em São Paulo, antes de ingressar na Unicamp, em 1981 , e dedicar-se mais inten­samente às pesquisas. Foi no início dos anos 90 que lhe che­garam às mãos os primeiros ar­tigos científicos sobre a malha de luz. Somente há dois anos, porém, é que conseguiu im­portar as malhas e iniciar os testes no Caism, com resulta­dos tranqüilizadores. "A crian­ça pode ser cuidada pela mãe como se não estivesse fazen­do fototerapia", diz ele. Nos Estados Unidos, o produto, co­nhecido como biliblanket, é empregado com regularidade, até mesmo em tratamentos do­miciliares, reduzindo os cus­tos hospitalares.

Facchini tem participado da história não apenas como usuário de novas tecnologias. Em 1997, foi ele quem levou a Omegna Filho, da Komlux, o desafio de produzir um equiva­lente nacional, se possível me­lhor e mais eficiente que o im-portado, que custa cerca de

US$ 8 mil. Não foi uma escolha casual. Du­rante seis anos, entre 1977 e 1983, Omegna Filho trabalhou como técnico na Universida­de Estadual de Campinas no projeto de pesqui­sa e desenvolvimento de fibras ópticas para te­lecomunicações no Brasil. Saiu de lá com 21

As lentes clássicas, da óptica convencional, são es­féricas, mantêm o índice de refração homogêneo. É a alteração da espessura da lente, mais estreita nas bordas, que provoca a refração da luz. Em conseqü­ência, os objetos ou o observador precisam se dis· tanciar para atingir o foco da lente.

O trabalho financiado pela FAPESP trata do aparelho mais comum, o nasoscópio, para exa­mes de narizes, mas Mendes imagina que a nova tecnologia poderá ser expandida e levar à cria­ção de aparelhos similares , como o videootoscó­pio, para exame do aparelho auditivo, ou o intra­oral , de uso odontológico. "Sendo barateado, o aparelho vai se enquadrar mais facilmente em di­versas especialidades", comenta. Cálculos pre­liminares indicam que cerca de 50 mil médicos po­deriam utilizar endoscópio , nas diferentes áreas (otorrinolaringologia , neurologia, ortopedia , pneumologia e ginecologia, por exemplo}. Há tam­bém outras aplicações, como os endoscópios in­dustriais, utilizados, por exemplo, para inspeções no interior de motores.

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anos e, enquanto estudava Análise de Siste­mas, na Pontificia Universidade Católica de Campinas (PU CC), participava do projeto e da construção das máquinas da ABCxtal Fi­bras Ópticas, do grupo mineiro Algar, que se tomaria uma das mais maiores fabricantes na­cionais de fibras ópticas. O senso empreende­dor levou-o a criar sua própria empresa em 1986, na qual ganhou experiência na fabrica­ção de equipamentos ópticos para indústria e construção civil e no desenvolvimento de pro­dutos da área médica, como endoscópios e vi­deoendoscópios com fibras ópticas.

Resultados Em julho do ano passado, sob a coorde­

nação de Facchini, que se tornou um dos con-

A enfermeira J. Ward descobriu que a luz curava os recém-nascidos

sultores do projeto, o primeiro protótipo da manta nacional foi comparado com a impor­tada no laboratório do Caism. Sobre as duas foram colocados capilares de vidro com um líquido de amarelo intenso, constituído por bilirrubina diluída em plasma sangüíneo. E, de tempos em tempos, era avaliada a decom­posição da bilirrubina sob a ação da luz emi­tida pelas mantas. No final, mostraram-se equivalentes.

Mas o trabalho não se limita à simples nacionalização. Sob a consultoria do enge­nheiro mecânico João Plaza, professor apo­sentado da Universidade de São Paulo e da Unicamp que coordena os cinco bolsistas

mantidos pela FAPESP, e do fisico Geraldo Ferreira Mendes, também professor aposen­tado da U nicamp, a equipe inovou ao criar im­perfeições na superficie das fibras ópticas, as tais corrugações mencionadas no título do projeto financiado pela FAPESP. São defei­tos obviamente controlados, criados por meio de pressão e de aquecimento da trama de fios, com a finalidade de aumentar a dispersão da luz. Assim, após percorrer de modo impecá­vel o feixe de fibras ópticas, a luz vai escapar e se espalhar aleatoriamente ao chegar à tra­ma, contribuindo para ampliar a área coberta dos recém-nascidos e acelerara decomposição da bilirrubina.

"Estamos usando uma propriedade das fibras ópticas, a reflexão interna total, e de­

pois a negamos completamente", explica Mendes, que fez mestrado em óptica na Universidade Ro­chester, nos Estados Unidos, e se doutorou em microeletrônica na Unicamp, onde lecionou de 1970 a 1982, antes de se dedicar à asses­soria em óptica.

Os pesquisadores procuram atualmente aperfeiçoar a manta de fibras ópticas. A trama, que se se­gue ao feixe de fibras ópticas, ocu­pa uma área aproximada de 23 por 1 O centímetros, próxima à da simi­lar norte-americana. Os pesquisa­dores pretendem aumentar essa área ou dividir o feixe de fibras óp­ticas em duas ou mais tramas, para que uma superficie maior dos re­cém-nascidos seja coberta pela luz. Pretendem também tornar a manta mais flexível , usando fibras mais finas . Os experimentos em andamento empregam fibras de 0,25 milímetro, com diâmetro três vezes menor que o dos fios uti-li­zados atualmente.

Omegna Filho, cujos cinco filhos receberam banho de luz, embora nenhum exigindo maio­res cuidados, calcula que a man­ta depois de pronta poderá custar cerca de R$ 2.500, equivalente aos equipamentos convencionais de fototerapia e um terço do pre-ço dos similares importados. Ain­

da que atento ao mercado, planeja com rigor a próxima etapa da pesquisa: o teste nas pró­prias crianças, previsto para meados deste semestre. Seu olhar alonga-se para a possi­bilidade de produzir no Brasil as fibras óp­ticas da manta, feitas de plástico, o polime­til-metacrilato, e ainda importadas do Japão ou dos Estados Unidos. Olhando para a má­quinade fibras ópticas de vidro, que ele aju­dou a construir naABCxtal e alguns anos de­pois comprou, ele conta que as fibras de plás­tico poderiam ser feitas por um processo equivalente, a um custo estimado deUS$ 1 O milhões, mas com uma demanda mensal também próxima desse valor.

19

A Revolução da Ciência

A partir de 1996, ao longo do desenvol­vimento da manta de fibras ópticas, Cícero Lívio Omegna de Souza Filho notou que o contato com os orientadores do projeto - o médico Fernando Facchini , o físico Geraldo Mendes e o engenhei ro João Plaza - mudou o comportamento dos funcionários e a rotina da Komlux. "Foi uma revolução", diz ele.

Com os financiamentos aprovados ini­cialmente pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e em segu ida pela FAPESP, tomou forma o departamento de pesquisa e desenvolvi mento, hoje consistente, ocupan­do oito dos 24 funcionários da empresa. Pre­ocupados em acompanhar os projetos, os in­tegrantes da equipe constataram que era hora de voltar a estudar. E os colegas dos outros se tores os acompanharam.

Wagner Hermes Rodri gues, de 20 anos, após três anos sem estudar, voltou ao ensino médio, antigo segundo grau. Ana Lúcia Lou­renço , também de 20 anos, está no segundo grau, atenta à universidade. Anderson Deitos, com a mesma idade, passou no vestibular e entrou no curso de Análise de Sistemas da Fa­culdade IPEP, inaugurada em 1998 em Cam­pinas. Raquel Martins, de 26 anos, que tam­bém tinha parado de estudar, voltou e agora cursa o terceiro ano de Pedagogia na PUCC. O interesse por cursos de menor duração, sobre programas de computadores ou sobre mecânica de precisão, tornou-se comum.

"O pessoal da produção, acostumado à rotina, foi descobrindo a Ciência", conta Pla­za. A preocupação em fazer bem feito e rever continuamente os procedimentos e os resul­tados, típica dos cientistas, espalhou-se tam­bém por outros se tores . Omegna Filho conta que até mesmo as compras de materiais tor­naram-se mais rigorosas, aplicando os cuida­dos exigidos nas encomendas de componen­tes para o desenvolvimento dos produtos com fibras ópticas. "Após dois anos de arrumação, temos uma gerência mais profissional e me­nos intuitiva", diz.

Segundo ele , a empresa somou a partir de 1996 o reconhecimento da área médica ao respaldo que já contava na manutenção de equipamentos industriais de fibra óptica. "Houve ganhos de produtividade e de eficiên­cia, que estão nos empurrando à exportação. Segundo ele, o primeiro embarque de cabos de fibras ópticas de uso odontológico para a Argentina, realizado no início de julho, deve render US$ 1 O mil. A metamorfose traduz-se também no faturamento, que passou da fai­xa dos R$ 20 a R$ 30 mil por mês em meados dos anos 80 para a casa do R$1 00 mil, aluai­mente. "Estamos há três meses crescendo sem parar."

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CIÊNCIAS

ASTRONOMIA

Uma janela para o Sol Radiotelescópio investiga a nossa estrela na faixa de ondas do infravermelho distante

Desde maio um novo equipamento inves­tiga a turbulenta atividade do Sol. O instrumen­to, um radiotelescópio com antena de I ,5 me­tro de diâmetro, foi concebido no Brasil e de­senvolvido com parceria internacional.

O Telescópio Solar para Ondas Submili­métricas (SST) opera no comprimento de onda do infravermelho distante, uma faixa do espec­tro situada entre a luz visível e as ondas de rá­dio. A atividade solar é praticamente desconhe­cida nessa janela, segundo o radioastrônomo Pierre Kaufrnann, diretor do Centro de Radi­oastronomiaeAplicaçõesEspa­ciais(Craae). Ocentroéumcon­sórcio para investigação em ci­ências espaciais que envolve o Instituto Presbiteriano Macken­zie e o Instituto Nacional de Pes­quisas Espaciais (Inpe ), além da USP e da Unicamp.

O SST consumiu sete anos de trabalho, desde que foi con­cebido pelo próprio Kaufrnann, até ser implantado junto ao ob­servatório argentino de EI Leon­cito, num ponto a 2.550 metros de altitude, nos Andes argenti­nos. No início de maio ele fez o que os astrônomos chamam de "coleta da primeira luz". É uma espécie de batismo para um equipamento já instalado, mas ainda em fase experimental, preparando-se para a entrada em atividade rotineira.

No caso do SST, que reuniu esforços de parceiros como o Instituto de Física Aplicada da Universidade de Berna, na Suíça, e dois ins­titutos argentinos (o ComplejoAstronómico EI Leoncito e o Instituto de Astronomia y Física dei Espacio) há boas razões para comemora­ções, festeja Kaufrnann. As principais foram que a operação experimental demonstrou que o equipamento tem o desempenho que se es­perava e as excelentes condições de transpa­rência da atmosfera.

Além de investigar o Sol e ter aplicações em outras áreas, como a climatologia e propa­gação atmosférica, o instrumento materializou uma experiência em colaboração internacio­nal por parte da Fundação de Amparo à Pes­quisa do Estado de São Paulo (FAPESP), diz Kaufrnann. A FAPESP cobriu aproximada­mente 70% do custo total deUS$ I milhão do equipamento.

Instrumento único para investigar o Sol nessa freqüência e pesquisar, entre outros fe­nômenos, os mecanismos que produzem as explosões que acontecem em plasmas ativos

na atmosfera junto às manchas dessa estrela, o SST teve seus subsistemas construídos em diferentes países. A antena cassegrain repre­sentou um dos maiores desafios, com precisão próxima ao espelho de um telescópio óptico. A dificuldade, neste caso, envolve tanto o pro­cesso de usinagem quanto o material para sua construção.

O desafio de construir a antena foi aceito pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, mas não sem um atraso que somou doze meses. Esse descompasso criou proble-

mas adicionais e, no conjunto, a instalação fi­nal do SST acumulou um atraso de dois anGs. Para obter o resultado desejado para a antena, os engenheiros dobraram uma peça de alumí­nio de alta qualidade e, a partir dela, fizeram a usinagem. A construção convencional fazen­do uso de um bloco fundido tem porosidade e também estresse que comprometeriam apre­cisão de superficie desse subsistema,justifica Kaufrnann.

de ondas submilimétricas foi encomendada da ESSCO nos Estados Unidos. O posicionador atinge precisão de um segundo de arco, equi­valente ao de uma pessoa observada a uma d is­tância de seis quilômetros.

Absorção atmosférica Conceber um equipamento no Brasil, ar­

car com a maior parte do seu financiamento e fazer sua instalação num sítio argentino pode parecerum contra-senso, à primeira vista. Mas, no caso de telescópios, não há alternativa. O

Brasil não dispõe de pontos suficientemente elevados, se­cos e com longos períodos de céu claro exigidos por esses equipamentos. Radiotelescó­pios operando em outras fre­qüências podem até trabalhar sob céu encoberto, mas um equipamento preparado para o infravermelho é mais exi­gente.

Ovapord'águaatmosfé­rico tornaria o SST imprestá­vel num sítio inadequado. A razão disso é que a água at­mosférica absorve o infraver­melho, deixando cego um te­lescópio que opere nessas fre­qüências. Numa região eleva­

da, seca e de céu aberto, como o sítio andino de EI Leoncito, no entanto, o equipamento ca­tivou os técnicos.

Antes de se decidir pelo sítio argentino, Kaufrnann e sua equipe consideraram a possi­bilidade de ele ser instalado nos Andes chile­nos. Em Cerro Tololo, no Chile, estão os ins­trumentos ópticos do Observatório lnterame­ricanoeem LaSilla, também no Chile, os equi­

pamentos do Observa­tório Europeu para o Sul (ESO).

A integração e tes­tes do telescópio foram feitos na Suíça. Seus subsistemas principais, além da antena, são os receptores, o posiciona­dor de precisão e a redo­ma protetora. Os recep­tores foram construídos sob encomenda pela RPG na Alemanha para operação em 212 G Hz e 405 GHz. O posiciona­dor foi feito pela Orbit, uma empresa de Israel, e a redoma transparen­te para o comprimento Cúpula com abertura mostrando SST em seu interior

Havia a chance também de o instru­mento ser instalado no Monte Graham, ou mesmo no famoso Kitt Peak, onde estão insta­lados equipamentos do Observatório Naci­onal Óptico e do Ob­servatório Nacional de Radioastronomia dos Estados Unidos. Nes­sa região, no Arizona, está o conhecido teles­cópio solar com espe-

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lho de 200 centímetros de diâmetro. Ele capta a imagem do Sol e a envia por um túnel incli­nado de 180metrosdecomprimento. Um jogo de espelhos faz múltiplos desvios da imagem até ela chegar ao laboratório solar, onde estão os equipamentos de análise. Os instrumentos começaram a chegar em Kitt Peak em 1958 e agora somam 17 cúpulas, abrigando telescó­pios com espelhos que vão de 60 a 395 centí­metros de diâmetro.

A decisão de instalar o projeto SST na Argentina resultou de uma oferta feita por Ho­rácio Ghielmetti , diretor do Instituto de As­tronomia y Física dei Espacio, durante encon­tro da União Astronômica Internacional (UAI), em Buenos Aires, em 1991. Ghielmet­ti não pôde acompanhar o início da operação do radiotelescópio. Ele morreu em 1995.

Investigar o Sol em comprimentos de on­das curtas (30GHz e 90 G Hz)já trouxe resul­tados animadores para a equipe que Kauf­mann dirige no radiotelescópio de Itapetin­ga. Esse observatório está montado na con­cha protetora de um fundo de vale nas proxi­midades deAtibaia, 80 quilômetros ao norte de São Paulo.

Em 1984, Kaufmann e sua equipe detec­taram pulsos extremamente rápidos e altamen­te energéticos até então insuspeitos nas explo­sões que periodicamente cobrem a superfície solar. Em janeiro de 1985, o trabalho saiu pu­blicado na prestigiosa revista britânica Natu­re. Uma das conseqüências dessa descoberta foi a atração de parceiros internacionais inte­ressados na astrofísica solar, entre eles os pes­quisadores da Universidade de Berna, que ago­ra participa do desenvolvimento do SST.

Sol instável Investigar o Sol tem diversas vantagens.

A primeira delas é que essa estrela de I ,4 mi­lhão de quilômetros de diâme-

durante as explosões solares. Essas investiga­ções exigem diagnósticos na freqüência do in­fravermelho. Eles também estreitam colabo­rações com outras áreas da ciência, como a cli­matologia, para estabelecera relação entre ex­plosões e comportamento climático na Terra. Equipes internacionais investigam, por exem­plo, a relação entre ausência de manchas e tem­poradas mais frias e secas na Terra. Esse tra­balho é inspirado num período conhecido comoMínimodeMaunder,entre 1645e 1715.

Além das explosões, cujo máximo de ocorrência acontece no período médio de onze anos- o seguinte se inicia no próximo ano-, o Sol também tem uma oscilação em seu diâme­tro. Os astrofísicos ainda não dispõem de um mapa das profundezas solares indicando como esses fenômenos podem estar associados e, por isso mesmo, na interpretação de Kaufmann, a entrada em operação de equipamentos como o SST, espreitando a estrela de uma janela em que ela não é usualmente observada, acena com perspectivas animadoras.

Explosões mais intensas na superfície solar podem produzir mais que bons resulta­dos científicos. Elas podem também trazer pro­blemas acompanhados de grandes prejuízos para empresas proprietárias de satélites de co­municações em órbita da Terra.

Atingidos por jorros de partículas produ­zidas por essas explosões, o vento solar- fluxo de partículas emitidas pelo Sol e outras estrelas - é intensificado. O resultado disso são panes temporárias ou definüivas, interrompendo as comunicações internacionais. Explosões ante­riores, além das coloridas auroras polares,já pro­tagonizaram enormes blecautes, pelas interfe­rências nas I inhas de transmissão de energia elé­trica. E, ironicamente, derrubaram um instru­mento posto em órbita exatamente para vigiar a atividade do Sol, o satélite norte-americano

Pierre Kaufmann : SST trará contribuições na área tecnológica e de radiometeorotogia

radiometeorologia. Neste caso, assegura Kaufmann, a concepção do SST vai permitir investigações envolvendo a sazonalidade do vapor d'água atmosférico, um parâmetro com desdobramentos que vão da previsão do tem­po a variações climáticas com implicações na atividade produtiva.

Nas investigações na área de radiomete­orologia Kaufmann prevê que será possível acompanhar a variação de monóxido de cloro atmosférico. Essa substância, de origem arti­ficial , é o principal destruidor da camada de ozônio atmosférico.

Contribuição tecnológica Para complementaras trabalhos do SST,

Kaufmann já tem praticamente concluídos os planos para um experimento em satélite. Livre da absorção atmosférica, ele avalia que o ex­perimentoespacial potencializaria ao máximo

o trabalho do SST. Esse equipamen­tro e a 150 milhões de quilôme­tros - o outro lado da rua, numa escala comparativa de distânci­as astronômicas - é a usina de força para a vida na Terra. Ou­tra, para ficarem duas justifica­tivas, é que o conhecimento da atividade solar pode fornecer in­dicações precisas para o funci­onamento de estrelas distantes - supergigantes que podem ter mais de 300 vezes seu diâmetro, caso de Antares, o coração do

SUN at 212 GHz (990704, 13:48UT) SUN at 405 GHz (990704, 13:48UT) to, no entanto, está em fase prelimi-na r.

50,70,90, tOO, tOt , t02, t03, t06% 50,70,90, tOO, tOt. t02, t03, t04, tOS, t06. t07% Satélites e câmaras de infra­vermelho estão desenhando uma nova imagem do céu. O Iras, sigla em inglês para SatéliteAstronômi­co do Infravermelho, lançado em janeiro de 1983, detectou nuvens de poeira em torno de estrelas como Vega, alfa da Constelação de Lira,

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em meio a pelo menos 200 mil ou­tras fontes de infravermelho. Ouso anterior desse comprimento de onda esteve limitado por dificulda­Escorpião, ou corpos esmaeci-

dos, situados no limite entre uma estrela e um planeta. O próprio Sol, na classificaçãodosas­trônomos, é uma anã amarela, um astro de mé­dia idade, que deve durar 5 bilhões de anos, além dos 5 bilhões em que já está ativo.

Observações intensificadas a partir do século 17 revelaram um acúmulo periódico de pontos escuros na superfície do Sol. Mais recentemente, essas manchas foram associ­adas às explosões, e o sonho atual dos astro­físicos é desvendar os mecanismos de acele­ração de partículas a energias muito elevadas

crcmin (RA) crcmin (RA)

Solarmax, quecaiuem dezembro de 1989. Dez anos antes, despencou o laboratório norte-ame­ricano Skylab pela mesma razão.

Frentes de trabalho Além de ajudar a desvendar os mistéri­

os do Sol, o SST trará pelo menos outras três contribuições interessantes, na interpretação de Kaufmann. Uma delas é de natureza tec­nológica, envolvendo as pesquisas para a oti­mização operacional do equipamento. Uma segunda aplicação está prevista para a área de

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des tecnológicas relacionadas à emissão des-sa radiação pelos próprios instrumentosdepes­quisa. Na astronomia óptica, as câmaras de in­fravermelho estão permitindo que os astrofí­sicos mergulhem mais profundamente em re­giões como berçários de estrelas, cobertas por nuvens densas de gases e poeira interestelar.

No caso do SST, para ampliar sua perfor­mance futura, o equipamento deverá depen­der de seus próprios resultados. Por enquan­to, ele é o único instrumento a vigiar o Soldes­sa janela privilegiada.

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CIÊNCIAS

NOVOS MATERIAIS

Sem limites Pesquisas com sol-gel prometem de músculo artificial a vidro para regular temperatura ambiente Dominara passagem de materiais inorgâ­

nicos do estado líquido ao sólido e, por meio dele, controlar a produção de partículas extre­mamente pequenas - a esse processo os ci­entistas denominam sol-gel. Gra­ças a ele, pesquisadores do Institu­to de Química da Universidade Es­tadual Paulista (Unesp ), do câmpus de Araraquara, vêm desenvolven­do pesquisas que poderão ter apli­cações práticas tão diferentes quan­to um músculo artificial para im­plantes ou um vidro capaz de regu­lar a temperatura ambiente em es­critórios e fábricas .

O que se denomina "sol" é ex­plicado pelos cientistas como adis­persão de partículas de ordem na­nométrica (algo cujo tamanho equivale a uma medida milhões de vezes menor que um metro) em lí­quido como a água ou álcool. O "gel", cujas características podem ser comparadas às da gelatina, é uma rede de macromoléculas que imobiliza o líquido. O processo sol­gel permite aos pesquisadores na­vegar no mundo invisível a olho nu das partículas e, por meio da mani­pulação de suas propriedades, che­gara padrões fisicos e químicos que possam representar materiais com novas características.

cesso Sol-Gel Visando à Elaboração de Membranas Cerâmicas e de Camadas Del­gadas, que contam com o financiamento da FAPESP de R$ 417 mil por um período de

O método não é exatamente novo. Teve um auge após a Segun­da Guerra Mundial, com a sua uti­lização para a produção de pasti­lhas nucleares, com o objetivo de se eliminar ao máximo os vazios dentro dos materiais. Mais recen­temente, o sol-gel passouaserusa-

Celso Santill i: observa amostra de sol termoreversivel

do para recobrir superficies. A indústria au­tomobilística, por exemplo, desenvolve ca­madas que aplicadas sobre a pintura sirvam de repelentes naturais à poeira e água, dando então origem ao carro que não molha nem é manchado de pó nas estradas.

A partir dessas perspectivas, não há li­mites para a imaginação acadêmica. Resta avaliar, de tudo o que se descobre, o que pode ser aperfeiçoado para que desperte o interes­se da indústria e represente conquistas da so­ciedade. É o que o grupo de Araraquara dis­cute no momento.

As proezas, por enquanto, limitam-se às experiências desenvolvidas nos labora­tórios do Departamento de Físico-Quími­ca, dentro do projeto temático Desenvolvi­mento de Conhecimento Básico sobre o Pro-

quatro anos. Os resultados, bastante anima­dores para quem se debruça na tarefa de cri­ar novos materiais, estão confirmados em duas dezenas de trabalhos científicos publi­cados em revistas especializadas. Os proje­tas estão na fase de transição entre a univer­sidade e a iniciativa privada.

"Estamos aguardando a oportunidade de contar com a participação da iniciativa privada", afirma o coordenador da pesqui­sa, professor Celso Valentim Santilli, enge­nheiro de materiais pesquisador do Depar­tamento de Físico-Química da Unesp. No projeto, ele conta com o trabalho de outros dois grupos de pesquisa, comandados pela física Sandra Pulcinelli , do mesmo depar­tamento, pelo doutor em química Sidney José Lima Ribeiro, do Departamento de

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Química Geral e Inorgânica da Unesp de Araraquara, e pelo físicoAldo Craievich, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Vidro inteligente O Instituto de Química da

Unesp festeja ainda hoje um fei­to que tem dois anos e que ressoa apenas nos corredores da univer­sidade. Em pesquisa sobre as qualidades de uma gelatina obti­da com óxidos de zircônio soma­dos à água, uma aluna de mestra­do, Leila Chiavacci, percebeu que a substância, ao ser aqueci­da, apresentava sinais de enrije­cimento e escurecimento. Em ou­tras palavras, ela estava diante do que considera uma importante descoberta científica, a de que o material inorgânico é capaz de sofrer transformações termorre­versíveis, ou seja, quando aque­cido fica sólido e opaco e, quan­do submetido a esfriamento, re­toma ao estado líquido e transpa­rente.

Pelo que se sabia até então, essa propriedade só era obtida em materiais orgânicos. O feito de Lei la foi ter descoberto que pode ser obtida em materiais inorgâni­cos. Chegou-se, então, a um pro­duto, o primeiro sistema inorgâni­co de que se tem notícia com tais propriedades, capaz de revoluci­onar diversos campos da indústria por meio, por exemplo, de um vi­dro capaz de bloquear luz ou ca-lor. Por isso, foi logo batizado de

"vidro inteligente". Uma das possibilidades é a aplicação do

gel entre placas de vidro de janelas em ambi­entes que haja interesse em controlar automa­ticamente a temperatura. Assim, com o calor, o gel se transforma e impede que os raios so­lares penetrem no local. Com a vantagem de que é possível especificar com antecedência o ponto de temperatura em que se deseja que o gel se solidifique e detone a mudança, numa escala vasta que vai dos I O graus centígrados a 90 graus centígrados. Tudo dependerá da proporção de mistura dos ingredientes que se­ria colocada entre as placas.

"É o efeito termocrômico, em que o vi­dro fica opaco à medida que a temperatura sobe", define Santilli. O pesquisador explica que o novo material passaria a funcionar

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como um bloqueador de calor solar, sendo in­dicado para janelas de locais que não podem sofrer oscilações de temperatura externa, es­pecialmente o calor excessivo, como é o caso das centrais de computação. "É como se fos­se um pára-sol", explica.

Nas salas e ambientes fechados , haveria uma poupança substancial de energia, devi­do ao uso mais racional de aparelhos de ar­condicionado. Lei la e os demais pesquisado­res envolvidos no projeto da Unesp emAra­raquara cuidam agora de aperfeiçoar a técni­ca, investigando os demais fenômenos quími­cos envolvidos na termorreversibilidade do gel. O objetivo é viabilizar o seu uso no cotidi­ano, despertando o interesse de empresas.

Graças a essa técnica, os pesquisadores de Araraquara imaginam também a possibi­lidade de o novo material ser usado em poços de petróleo no bloqueio de gás nas brocas perfuradoras - processo aparentemente sim­ples que de outra forma exigiria aparatos tec­nológicos muito mais sofisticados.

Músculos e metais Ganha força também entre os pesquisa­

dores de Araraquara a idéia de propor o uso do gel na produção de músculos artificiais que seriam utilizados como prótese em implan­tes delicados, como o do pênis. Por apresen­tar notáveis características químicas de fle­xibilidade, uma vez aquecido, o produto "fica rígido, da mesma forma que acontece com a musculatura", segundo Santilli.

A hipótese ainda está longe de ser com­provada na prática, mas é o primeiro passo para que o objetivo seja perseguido e um dia testado em pacientes. Algo inimaginável an­tes do surgimento da ciência dos novos ma­teriais. Caberá ao grupo deAraraquara desen­volver os estudos das propriedades químicas e depois entregá-los a outros grupos, como o de engenharia de equipamentos, para aperfei­çoamento da idéia, tudo isso antes de chegar ao uso pela medicina.

O processo sol-gel pode ser usado tam­bém para aumentar a resistência à corrosão de metais, com o recobrimento de peças por meio de filme. Em trabalho assinado em con­junto por pesquisadores do Instituto de Fí-

sica de São Carlos (USP) e do Institu­to de Química da Unesp de Arara­quara, são demons­trados os efeitos em anéis industriais submetidos à névoa salina durante 144 horas, em amostra recoberta e sem o recobrimento. A di­ferença é notoria­mente visível em fotos de tamanho real : a peça sem o recobrimento apre­senta-se corroída,

enquanto a outra permanece como nova, re­luzente. O resultado foi considerado "exce­lente".

Outros testes foram conduzidos em par­ceria com a empresa Ogramac, de Campinas, empresa de recuperação de materiais, nas instalações da unidade de solventes quími­cos de uma indústria petroquímica do pólo da Refinaria do Planalto, em Paulínia. As peças foram bombardeadas durante seis me­ses com vapores de ácido fluorídico - e che­garam ao final ilesas em relação à corrosão, diferentemente daquelas que não haviam sido protegidas com o fi !me preparado à base de sol-gel. Na avaliação de Santilli , as pe­ças recobertas "suportaram perfeitamente, sem nenhum sinal de ataque".

Um dos desafios no processo de recobri­mento de metais é o inconveniente da tensão desenvolvida durante a secagem, que pode resultar na propagação de trincas durante o tratamento térmico do material.

Segundo eles, nos últimos anos o mé­todo sol-gel tem sido utilizado para desen­volveruma nova classe de materiais, chamá­da ormocer. O fator-chave é a incorporação de grupos orgânicos ligados ao esqueleto inorgânico formado por hidrólise e conden­sação de alcóxidos. Os filmes híbridos sol­gel apresentam maior facilidade para rela­xar as tensões durante o tratamento térmico, ao mesmo tempo que o óxido funciona como uma barreira efetiva contra a corrosão.

Membranas O processo sol-gel levou os pesquisadores

de Araraquara também a estudar a técnica de preparação de membranas cerâmicas para ultra­filtração de are de água. Por meio das membra­nas, consegue-se separar os íons de sódio e cál­cio com grau de filtração tão aprofundado que consegue eliminar até 90%, em média, desses elementos de uma água salobra, índice consi­derado bom na maioria dos casos. Em outras pa­lavras, significa tirar o sal da água, o que pode ser um achado para a produção de água potável em regiões com carência de abastecimento, como no caso do Nordeste.

Técnicos do governo mantiveram con­ta tos com os pesquisadores da Unesp de Araraquara no sentido de fornecer membra­nas apropriadas para essa filtração, para uso em aparelhos de dessalinização importados que estão sendo ativados em escala expe­rimental.

Tais membranas podem ter aplicações múltiplas. Em ambientes com ultracontro­le, como UT!s em hospitais, são apropria­das para as filtração do ar. A ultrafiltração implica separar pequenas moléculas, além das consideradas grandes, como vírus e bactérias. Na indústria da tecelagem, as membranas podem ser utilizadas para tra­tar a água utilizada na lavagem de tecido, na produção de jeans por exemplo, evitan­do o seu despejo nas águas industriais que poluem córregos ou o lençol freático. Na in­dústria de bebidas, as membranas cerâmi­cas podem contribuir para o processo de pu­rificação, com a retirada de microrganis­mos sem o choque térmico da pasteuriza­ção, cujo contra-indicativo é a eventual al­teração de sabor devido à variação brusca de temperatura a que o líquido é submeti­do, no caso de leite e cervejas.

Perfil: Celso Santilli, 39 anos, professor do Departamento de Físico Química do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, é engenheiro de materiais formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorem Química e Ciências dos Ma· teriais pela Universidade de Bordeaux, na França.

Devido à pequena porosidade dos filmes, a taxa de corrosão do aço inoxidável é reduzida, no mínimo, pela meta­de. A seguir, o desempe­nho dos filmes na luta contra a corrosão pode ser melhorada com o preenchimento dos po­ros com polímeros or­gânicos. Com isso, o tempo de vida das peças metálicas pode ser di !a­tado substancialmente.

Equipamento para análise de amostra

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CIÊNCIAS

ECOLOGIA

O bom uso da floresta Projeto de aproveitamento da caixeta melhora perspectivas dos moradores dos pântanos do Vale do Ribeira

Olhe bem o lápis que você tem sobre sua mesa de trabalho. Ou a tampa de madeira do seu perfume ou loção de barba. Pode ser que eles sejam feitos de uma árvore modesta, mas de múltiplas utilidades, que cresce em áreas pantanosas dos litorais leste e sul do Brasil, a caixeta (Tabebuiacassinoides). Sua importância deve aumentarnos pró­ximos anos. Já está em fase final de construção, por exemplo, em Igua­pe, no litoral sul de São Paulo, uma serraria comunitária, que vai traba­lhar com a madeira da caixeta, me­lhorando a qualidade e a disponibi­lidade desse material.

A serraria representará, certa­mente, melhores rendimentos e mais qualidade de vida para as cer­ca de 12 famílias que participam do projeto. Está inserido, também, num projeto de manejo florestal sustentável, fruto de uma pesquisa sobre a caixeta que professores da Escola SuperiordeAgricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP) de Piraci­caba realizam no litoral paulista desde 1992. Há três anos, a pesqui­sa conduziu ao projeto temático Manejo Integrado e Sustentável de Florestas de Caixeta no Vale do Ri­beira (SP), que conta com um finan­ciamento de aproximadamente R$ 150 mil da FAPESP.

"Não existe incompatibi I idade entre conservação e desenvolvi­mento se as populações tiverem condições de manejar bem suas flo­restas", diz o engenheiro florestal Virgílio Maurício Viana, professor de silvicultura tropical do Departa­mento de Ciências Florestais da Esalq e coordenador do projeto te­

caixeta foi um dos aspectos do conflito que existia entre muitos habitantes da área e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, naquela época. "O problema era resultado de uma concepção equivocada de conservação, baseada no modelo de parques

mático. Isso representa uma notável A caixeta se reproduz por semente e rebrotos que surgem das raizes

mudança de enfoque. Em nome da conservação, o corte da caixeta de florestas nativas chegou a ser proibido, em 1989, pro­vocando forte desemprego em várias áreas do litoral de São Paulo. Só em lguape, chegaram a funcionar nove serrarias que trabalhavam com a caixeta, responsáveis por cerca de 400 empregos diretos e indiretos.

Natureza intocada A pesquisa surgiu justamente de um de­

bate que professores universitários organiza­ram em tomo do futuro da população da re­gião da Juréia, no litora l su l de São Paulo, próxima a Iguape. A proibição do corte da

dos Estados Unidos", comenta o professor Viana. "Nela, a natureza é vista como intocá­vel e dissociada das populações tradicionais", acrescenta.

Uma das primeiras constatações dos pesquisadores foi a de ver que QS caixeteiros, os habitantes da área que trabalham com a árvore, sabiam muito mais sobre os pontos básicos da ecologia e do manejo da espécie do que o mostrado nos livros. Quando se in­teressaram pelo assunto e foram fazer uma re­visão bibliográfica sobre a exploração da cai­xeta, em 1992, os professores da Esalq des­cobriram que não havia nada sobre o tema,

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apesar de a caixeta ser a principal atividade econômica dos moradores das áreas pantano­sas da Mata Atlântica e sua made ira ser usa­da na fabricação de lápis por empresas impor­tantes, como a Labra e a Johann Farber.

"Só encontramos pesquisas sobre ore­florestamento", diz o professor Vi­ana. Essas pesquisas foram feitas na década de 1960 e não deram bons resu ltados. Por exemplo, a caixeta é uma planta de áreas ala­gáveis e as mudas transplantadas muitas vezes bóiam, o que exige medidas especiais para ficarem no lugar. Muitas informações de pos­se dos caixeteiros, por sua vez, não foram levadas devidamente em conta. Por exemplo, a de que a cai­xeta é uma árvore que rebrota de­pois de cortada- o que pode dis­pensar a demorada e cara reprodu­ção por sementes.

Nova legislação O primeiro passo dos profes­

sores da Esalq foi realizar uma pes­quisa, Diagnóstico das Areas de Caixeta, em parceria com a Asso­ciação dos Caixeteiros de lguape e com o Núcleo de Populações em Áreas Úmidas do Brasil (Nupaub) da USP, que recebeu financiamen­to de U$1 O mi l da Fundação Ford. O trabalho chegou à conclusão de que há um grande potencial econô­mico no manejo da caixeta e uma demanda social, urbana e rural , por atividades re lacionadas com o aproveitamento de sua madeira. Além disso, um relatório escrito por Viana, em parceria com os cai­xeteiros de Iguape, deu subsídios para uma nova legislação, que está em vigor desde 1992, e estabelece

normas para o manejo e colheita da caixeta. O trabalho não parou por aí. De um lado,

está um programa, que conta com financia­mento de cerca de R$ 150 mil da Fundação Ford, destinado a espalhar as informações obtidas pelas pesquisas entre os caixeteiros, pessoas envolvidas com marcenarias que usam a madeira da caixeta, e professores da rede pública. Do outro, o projeto temático, fi­nanciado também com R$ 150 mil pela FA­PESP, destinado a obter uma abordagem mais sistematizada de vários aspectos do progra­ma e a desenvolver novas tecnologias para a colheita e o manejo da caixeta.

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Estão envolvidos no projeto 23 pes­quisadores, dos quais sete são professo­res. Ele está organizado em quatro linhas gerais de pesquisa: ecologia de florestas de caixeta; genética de populações de caixeta; manejo de florestas de caixeta; e aproveitamento de recursos madeirei­ros e não-madeireiros provenientes das florestas de caixeta. O objetivo é gerar bases conceituais e tecnológicas para o estabelecimento dos critérios e indicado­res do manejo florestal, com bases sóli­das na biologia e na silvicultura, de ma­neira a melhorar o aproveitamento dos recursos das áreas de caixeta e, em con­seqüência, aumentar o nível de vida das pessoas ligadas à exploração da árvore.

Calcula-se que o trabalho vai per­mitir a criação de um sistema de certifi­cação florestal (selo verde) para a caixeta e fornecer elementos para uma revisão da legislação florestal relacionada com seu manejo. Não é pouca coisa. A caixe­ta ocorre em áreas paludosas do litoral brasileiro de Pernambuco a Santa Catarina e é explorada tradicionalmente por populações dessas áreas há mais de 50 anos. Só em Igua­pe, há mais de 50 caixeta is, com áreas entre 2 e 500 hectares, cobrindo cerca de I .I 00 hec­tares de florestas com possibilidades de ma­nejo.

Dupla reprodução As pesquisas já levaram a resultados

importantes. Uma delas é a confirmação de que a caixeta se reproduz também a partir de rebrotos que surgem das raízes. Esses rebro­tos aparecem até mesmo em árvores jovens. Isso é bom, pois a maioria das árvores só se reproduz por meio de sementes, produzidas apenas por árvores adultas, que precisam de muito tempo para chegar a essa condição. A caixeta se reproduz tanto por rebrotos como por sementes. Um manejo adequado, assim, elimina a necessidade do reflorestamento, difícil pelas condições dos terrenos em que crescem as árvores.

Outra conclusão importante é a de que a colheita da caixeta não afeta significativa­mente a qualidade e o volume da água dos ri­beirões que passam pelas áreas em que a ár­vore é dominante. Não é o que acontece quan­do a floresta é substituída, por exemplo, por plantações de banana, a atividade agrícola mais importante das regiões em que ocorre a caixeta.

Os pesquisadores organizaram também uma fórmula matemática para calcular ovo­lume de madeira existente numa área. Com essa fórmula, o proprietário do caixeta!, a par­tir dos diâmetros de suas árvores, pode pla­nejar a colheita e a comercialização, de ma­neira a aumentara sustentabilidade da produ­ção.

É um passo importante. Antigamente, o proprietário simplesmente cedia a área a uma equipe de caixeteiros ou a uma serraria e re­cebia uma porcentagem do material retirado.

O processo, além de ser largamente inexato, levava a desperdícios e a falta de cuidados na manutenção da área. O novo método pode, in­clusive, superar a tendência existente de eli­minar caixetais para o plantio de banana, con­tribuindo, assim, para a conservação ambien­tal da região do vale do Ribeira. Os pesquisa­dores da Esalq já têm planos para treinar os caixeteiros em métodos simples de inventá­rio e planejamento. Com isso, a madeira da caixeta poderá transformar-se na primeira das florestas naturais da Mata Atlântica a obter o selo verde, muito importante para a exporta­ção.

Os técnicos também elaboraram um novo sistema de colheita da madeira, com di­visão em talhões para os caixeta is maiores e médios, que alimentam a indústria, e colhei­ta seletiva, com base nos diâmetros das árvo­res, para as florestas menores, cuja madeira é usada principalmente em obras de artesana­to. Os dois sistemas garantem a presença constante de árvores em situação de aprovei­tamento. A caixeta leva entre oito e dez anos para chegar ao ponto de corte.

Bromélias e orquídeas O lucro da floresta não está só na madei­

ra, destaca a economista doméstica Adriana Maria Nolasco, professora da Esalq, co-co­ordenadora do projeto temático e responsá­vel pelo tema Aproveitamento dos Recursos Florestais. Por exemplo, quando fizeram a caracterização dos diversos tipos de caixeta is, os pesquisadores descobriram que as árvores abrigam, no alto, grande número de epífitas, como bromélias e orquídeas. Na derrubada tradicional, essas plantas ficam abandonadas no chão, para morrer.

Assim, um dos trabalhos dos pesquisa­dores vem sendo o de identificar e quantifi­car essas epífitas e determinar seu potencial econômico. "Já temos uma classificação das plantas por espécie e tamanho", dizAdriana.

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No entanto, para que essa nova fonte de renda se transforme em realidade, será ne­cessário introduzir uma legislação específi­ca, pois a legislação atuallimita a colheita de bromélias e orquídeas nativas.

A madeira, no entanto, não foi esque­cida. Fez-se uma caracterização do sistema industrial e artesanal nos três usos mais di­fundidos da caixeta, tábuas para lápis, sal­tos de tamancos e obras de artesanato, com avaliações do rendimento e perdas em resí­duos. A conclusão foi a de que há perdas enormes, tanto na fase de retirada da flores­ta como no processamento. As causas: mão­de-obra sem qualificação, comprimento ina­dequado das toras na colheita e pouca diver­sificação de produtos. No caso dos lápis e saltos de tamancos, o aproveitamento máxi­mo de uma tora é de apenas 40 %.

Os remédios são vários.A indústria, por exemplo, quer toras com entre I, I O e I ,20 m de comprimento e, no caso de árvores mai­ores, as sobras devem ter outros destinos. Isso pode ser conseguido integrando a pro­dução de tábuas para lápis e saltos de taman­cos com a fabricação também de objetos menores, como caixinhas e tampas de per­fumes. A serragem proveniente do benefici­amento, por sua vez, pode servir, misturada com esterco, como substrato para o plantio de cogumelos, bromélias e orquídeas, apa­recer como matéria-prima para a produção de papel artesanal ou, mesmo, ser usada como combustível nos fornos destinados à secagem da própria madeira.

Com a melhor qualificação da mão-de­obra e o uso de equipamentos mais aperfei­çoados e melhor regulados, afirmaAdriana, a caixeta, como matéria prima, será muito melhor aproveitada. "Estamos propondo um novo modelo para a indústria aprimorar seu sistema de produção e que pode ajudar a au­mentar o rendimento e a rentabilidade des­sa atividade, além de gerar mais empregos e

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Rabecas feitas com madeira de caixeta

ter um impacto menor nas florestas", acres­centa a professora. A nova serraria comuni­tária, montada em conjunto com a Associa­ção de Caixeteiros de Iguape, faz parte des­se projeto.

Depois, há o problema das pessoas que fazem artesanato com a madeira de caixeta. Estão nessa situação 30 famílias na região de Iguape, 90 em São Sebastião e 30 em Para ti. Com poucas exceções, nenhuma tem estru­tura de comercialização e se contentam em vender seus produtos nos mercados locais. Uma das exceções comprova o grande poten­cial da atividade. Um produtor de Saco de Ma­manguá, na região de Para ti, fez parceria com um comerciante que coloca seus trabalhos em outras partes do País e no exterior. Cerca de dez famílias da região, assim, usando esse canal, têm renda que ultrapassa os cinco sa­lários mínimos por mês por artesão.

Ou seja, tudo indica que o trabalho do grupo da Esalqjá está tendo e terá em breve resultados positivos para uma das parcelas mais pobres de uma das regiões mais empo­brecidas do Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira. "Nosso projeto não é só acadêmico, pois atende reivindicações de uma população marginalizada, além de contribuir para valo­rizar o desenvolvimento sustentável numa região problemática, cuja realidade a tua! gera destruição e miséria", diz o professor Viana. Além de dar subsídios para a elaboração de políticas públicas, completa, o projeto temá­tico tem, ainda, uma importância fundamen­tal: provar que é possível conci I i ar conserva­ção da natureza e desenvolvimento.

Perfil: O professor Virgílio Maurício Viana formou-se em en­genharia florestal pela Esalq em 1983. No ano seguin­te, foi coordenador de educação ambiental da Secre­taria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro. Tem mestrado em biologia evolutiva pela Universidade Harvard, dos Estados Unidos, obtido em 1986, e dou­torado sobre o mesmo assunto, de 1989. Foi profes­sor visitante da Universidade da Flórida em 1993 e 1994. Há dez anos é professor de silvicultura tropical do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq-USP) , de Piracicaba.

TECNOLOGIA

MEDICAMENTO

Remédio brasileiro Pesquisador da USP desenvolve um novo antiinflamatório

Dentro de quatro anos, as prateleiras das farmácias brasileiras vão estar recebendo um novo medicamento, sintetizado e patenteado exclusivamente no Brasil. Será um antiinfla­matório com a molécula de seu princípio ati­vo desenvolvida pelo professor Gilberto De Nucci, titular do Departamento de Farmaco­logia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). O desenvolvimento do medicamento está sen­do possibilitado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Parceria da FAPESP, que pre­vê a parceria tecnológica e fmanceira entre pes­quisadores de uma instituição científica e a ini­ciativa privada. Neste caso, o parceiroéoAché Laboratórios Farmacêuticos, de capital naci­onal e situado em Guarulhos, na região metro­politana de São Paulo. O estudo chamado Ava­liação de Moléculas com PotencialAntiinjla­matório in vitro e in vivo está em fase de esco­lha de duas das 20 moléculas sintetizadas em laboratório com substâncias químicas análo­gas, para possibilitar o início da reação da dro­gano organismo humano, o que deve ocorrer no próximo ano.

O princípio ativo do novo antiinflama­tório não pode ter sua composição e nem nome divulgado porque ainda está fase de patenteamento. Gilberto De Nucci adianta que esse novo fármaco tem ação química se­melhante a outros existentes no mercado. "Ele inibe a enzima ciclooxigenase presente em todos os tipos de inflamação", afirma. Essa enzima existente na corrente sangüíRea transforma o ácido araquidônico - liberado pelo organismo no processo de proteção con­tra uma agressão - em prostaglandina, uma substância que provoca a inflamação, resultan­do num quadro de dor, calor, tumor e rubor.

"As novas moléculas candidatas a se tor­nar uma nova droga são derivadas de um nú­cleo químico conhecido e confiável como an­tiinflamatório", explica Victor Siaulys, sócio e presidente doAché Laboratórios. "O que foi realizado é uma alteração estrutural na mo­lécula antiga, transformando-a em outra substância." Isso vai possibilitar que o pro­duto esteja pronto e testado em menor tempo do que se gasta normalmente, de dez anos, para a elaboração de um novo medicamento.

Avaliações As novas drogas exigem exaustivos tes­

tes até chegar aos consumidores. A confirma­ção da principal atividade exigida por esse tipo de antiinflamatório- a ação inibidora da ciclooxigenase - foi obtida em laboratório com o contato da enzima com as moléculas sintetizadas por De Nucci. A avaliação in vi-

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tro também contou com testes positivos em plaquetas do sangue humano, que são os seg­mentos responsáveis para estancar uma he­morragia, verificando-se, assim, a compati­bilidade das moléculas com esse mecanismo de proteção do corpo humano. Os experimen­tos in vivo foram realizados em modelos clás­sicos para esse tipo de avaliação, como artri­tes e edemas na pata de ratos. Os resultados mostraram-se favoráveis em todas os testes, principalmente pelo fato de as moléculas não induzirem a irritações gástricas nos animais, um efeito colateral comum entre outros tipos de antiinflamatórios.

A diminuição de efeitos colaterais pode ser uma das vantagens de se criar outro antiinfla-matório, mesmo com a grande variedade desse tipo de medicamento existente no mercado. "Com uma nova molécula (chamada tecnica-mente de nova entidade química) existe a pos­sibilidadedeaperformanceser melhor que as já existentes, com menor número de efeitos cola­terais", explicaDeNucci. "Ou­tro aspecto é o do marketing dos laboratórios. Todos querem ter seu antiinflamatório." Nesse ponto, a formulação de novos medicamentos no país ganhou

·uma nova importância. Pela ~ ~- ~ atuallei das patentes, aprovada ~·

há dois anos pelo Congresso .... • _---.... Nacional, os laboratórios brasi­leirosnãopodemmaisreprodu­zirfármacospatenteadosnoex­teriorcomo faziam até recente­mente. "Antes, não havia o in­teresse da indústria farmacêuti­ca nacional em desenvolver medicamentos aqui. Eles vi­nham prontos do exterior ou ti­nham suas fórmulas copiadas", afirmaDeNucci (veja quadro). Gilberto De Nucci: Nova droga teve

Para os consumidores de medicamentos, a importância do lançamen­to de novos fármacos de um mesmo segmen­to, como os antiinflamatórios, favorece a con­corrência entre laboratórios, aumenta a ofer­ta do produto e faz baixar os preços. Quando se tem apenas um tipo de medicamento para um determinado tratamento o preço é muito alto, como ocorre atualmente com o Viagra, na disfunção erétil , ou o Xenical, que impe­de a absorção de gordura. "Com mais opções, os preços baixam", explica De Nucci.

Os investimentos para essa primeira eta­pa do desenvolvimento do novo medicamen­to são da ordem deUS$ 400 mil. O Aché La­boratórios contribui com US$ 120 mil, ou

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30% do total dos gastos. Os restantes US$ 280 mil foram financiados pela FAPESP. Quando o medicamento estiver à venda para a população, 5% dos royalties serão da USP. O projeto de parceria tecnológica dura um ano e foi iniciado em dezembro do ano pas­sado, podendo ser renovado no próximo ano.

A nova molécula O nascimento da idéia de concepção da

nova molécula foi levado à frente há um ano pelo professor De Nucci. "Quando suspei­tei que certa configuração atômica presente em uma molécula tinha potencial antiintla­matório, eu contatei um laboratório, que não se interessou no investimento, e depois pro­curei o Aché, onde seus di retores aceitaram desenvolver a nova molécula. Aí, fomos jun­tos à FAPESP viabilizar o projeto."

Embora pareça um feito extraordinário o registro de uma nova patente de medicamen­to, De Nucci desmistifica esse pensamento e afuma que todos os dias, no mundo, são paten­teadas novas moléculas com objetivo terapêu­tico, mesmo que não resultem na imediata for­mulação de medicamentos. "No Brasil, não se estáacostumadocomessetipodetrabalho."Ele próprio já tem dez patentes de moléculas com potencial farmacológico registradas fora do

País. "Sempre pensei em desenhar moléculas e, durante o meu doutorado na Inglaterra, tra­balhei nessa área em grandes laboratórios como o Wellcome e o G laxo", explica De Nucci. Seu trabalho científico no exterior teve como co­autores os professores John Vane e Ferid Mu­rad, ganhadores dos prêmios Nobel de Medi­cina, respectivamente, em 1982 e 1998.

Atualmente, o professor De Nucci tra­balha também no patenteamento de uma ou­tra molécula que poderá resultar num medi­camento para a área cardiológica, que está em desenvolvimento no Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (ex-Escola Paulista de Medicina) sob

os cuidados do professor Luiz Juliano. A contribuição inicial e mais importan­

te nesse tipo de trabalho é o desenho da es­truturaatômica da molécula. "No caso da mo­lécula do antiintlamatório, eu tinha a estru­tura na cabeça, mas era preciso sintetizá-la em laboratório apropriado", conta De Nucci. Nem a USP nem o Aché possuem um labora­tório para esse fim. Para realizar esse traba­lho de síntese, o professor De Nucci pediu ajuda a dois colegas químicos da Universida­de de Nápoles, na Itália, onde ele é professor visitante. Giusepe Caliendo e Vicenzo San­tagada realizaram a síntese das moléculas conforme o desenho de seu idealizador e aj u­daram na caracterização da molécula nos la­boratórios do ICB.

"Caracterização é verificar, depois de concluída a molécula, se ela está corretam ente estruturada. É como um bolo de chocolate em que iniciamos com uma receita, depois mis­turamos os ingredientes e colocamos para co­zinhar. A caracterização acontece após o mo­mento em que retiramos o bolo da fôrma, quando é preciso verificar se está bem assa­do e, finalmente, se está gostoso", compara. Nessa verificação, a molécula passou portes­tes de espectrometria de massa, realizado na USP, para a verificação da correta posição de

cada átomo.

Testes em humanos Depois de completada a avalia­

ção em modelos de inflamação em animais, o teste em humanos, chama­do inicialmente de fase I, vai se inici­arcom 20 a 30 voluntários sadios. São pessoas remuneradas, que se subme­terão à ingestão do novo medicamen­to para os estudos de efeitos toxicoló­gico, para análise da toxicidade, e far­macocinético, quando se verifica por quanto tempo e qual a quantidade do medicamento que fica na circulação sangüínea. O professor De Nucci acre­ditaquenoanode2001 devemserini­ciados os testes com doentes. Aí, se­rão 50 pessoas, na fase 2, e de 500 a 5 mil pessoas, na fase 3, com a previsão de dois anos para o término desses tes­tes. Depois disso, o medicamento é aprovado e entra em produção.

Se a boa perspectiva de sucesso desse antiintlamatório se confirmar, certa­mente abrirá campo para a confecção de no­vos medicamentos para servir como novas opções terapêuticas, possivelmente mais ba­ratas e eficazes, para a população do País.

Perfil: O professor Gilberto De Nucci tem 41 anos. Graduou­se em medicina na especialidade de farmacologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP Fez doutorado em farmacologia na Universidade de Lon­dres, na Inglaterra. Atualmente, é professor titular do departamento de farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

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Confiança mútua

A parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Aché Laboratórios Farma­cêuticos é mais um exemplo da importância da cooperação entre a iniciativa privada e o meio acadêmico. "Com esse projeto foi que­brada uma resistência histórica entre cientis­tas e empresários", acredita o advogado Vic­tor Siaulys, presidente e um dos três sócios da empresa. "Nossa relação de desconfian­ça mútua começa a mudar", afirma. Para ele, a universidade, cada vez mais, tem a neces­sidade de apresentar resultados práticos que atendam o dia-a-dia das pessoas. "Por outro lado, a indústria farmacêutica nacional , que representa apenas 20% do total de empresas desse setor instaladas no país, está sedenta de produtos novos."

Com a proibição da reprodução de fór­mulas patenteadas no exterior, o futuro para as empresas nacionais está em desen­volver produtos no Brasil. "Esse é um dos caminhos alternativos para nossa sobrevi­vência. O outro é se associar a uma multi­nacional, obtendo uma licença de uso, que nos deixaria à mercê da vontade e do dire­cionamento dos preços dela", analisa Siau­lys. Ele acredita que está chegando o mo­mento de o Brasil ser a bola da vez no de­senvolvimento de novos medicamentos. "Nós somos o 8º mercado farmacêutico do mundo em faturamento , com US$ 1 O bi­lhões anuais. Estamos atrás dos Estados Unidos, países da Europa e Japão. Todos esses países desenvolvem medicamentos", informa. "Por isso, no Aché , estamos inves­tindo há alguns anos em vários campos de estudo em fitoterápicos e agora estamos en­volvidos na elaboração desse fármaco sin­tético idealizado pelo professor De Nucci."

A importância de um novo antiinflama­tório está nos números de mercado apresen­tados pelo presidente do Aché. "Os dois me­dicamentos mais vendidos no Brasil são an­tiinflamatórios, com o Voltarem em primeiro lugar. No Aché, nós temos dois desses fárma­cos que têm fórmulas reproduzidas do exte­rior. O Tandrilax é o mais vendido, com 300 mil unidades por mês ou 15 mil por dia." Ele acre­dita que o potencial do mercado brasileiro ain­da é baixo. "Apenas 40 milhões de pessoas têm condições financeiras de comprar remé­dio no País. Com drogas de bom efeito tera­pêutico, seguras e, principalmente, compre­ços baixos poderemos atingir o potencial da população brasileira de 160 milhões. Para isso, irá contribuir muito o estabelecimento de mecanismos de extrema confiança entre as empresas e as universidades."

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HUMANAS

DEFICIENTE AUDITIVO

Para ler e sentir Equipe do Instituto de Psicologia da USP prepara o primeiro dicionário da língua de sinais usada no Brasil

Se você conhece uma família que tem uma criança com suspeita de ter problemas auditivos, muita atenção. O período ideal para que seja feito o diagnóstico e para que a cri­ança tome contato com a

nário já foi apresentado à Fundação. Além da FAPESP, colaboraram com o projeto a Fun­dação de Apoio à USP, as Pró-Reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão da USP e o

A

outras línguas de sinais, especialmente a usa­da nos Estados Unidos.

No dicionário em papel, os sinais estão indexados pela ordem alfabética das palavras

correspondentes em por­·~ tuguês. A versão eletrôni­ê ca terá também um índi­~ ce organizado pelas ca­ê racterísticas morfológi-

linguagem dos sinais, a mais eficiente para as pes­soas surdas, é extremamen­te curto. Vai apenas dos 6 meses aos 6 anos de idade. Se não houver a imersão numa comunidade que use a linguagem dos sinais nes­se período, a criança pode ter desenvolvimentos lin­güístico, cognitivo e soci­al afetados. Não são casos tão raros. Estudos interna­cionais mostram que nada menos de I 0% da popula­ção mundial sofre, num grau maior ou menor, de distúrbios na audição. No Brasil , segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), são 15 mi-

A: sm Primeira letra do alfabew e pnmeira vogal. Ex.: Alegria começa com a letra "a ". Mão dir ven fechada. palma-+. polegar tocando a lateral do ind.

cas. No CD-ROM, os si­nais poderão ser selecio­nados diretamente, pelo mouse ou por tela sensí­vel ao toque. Mas tam­bém haverá acessos indi­retos, por varredura auto-~~~

Á direita: adv Para a direi/a. Ex.: Se você virar à direita c:hegord à escola. Mão dir em 8 hor, palma-+, dedos inclinados para dir. Movê-la ligeiramente para dir.

~ @_ ~ ~ ~ ,] 6 11

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mática e dispositivos sen­síveis ao sopro, ao piscar e a movimentos discretos. Assim, a versão eletrôni­ca poderá ser usada por pessoas tetraplégicas ou

À esquerda: adv Para a esquerda. Ex. : Virando 'a esquerda, você chegará mais rápido em sua com distúrbios motores

casa. severos. Milo dir cm 8 hor. palma para dentro. dedos inclinados para esq. Movê--la ligeiramcn1e para esq.

Fonte confiável lhões de pessoas com per­das auditivas, 350 mil que nada conseguem ouvir.

~ J1 ~ O dicionário terá muitas utilidades como obra de consulta e estu­

Depois do diagnósti­co, será preciso ter à mão os instrumentos adequados para o desenvolvimento da criança. Uma lacuna im­portante nesse campo, uma sistematização da Libras, a linguagem brasileira dos sinais, será preenchida ain­da este ano. Uma equipe de pesquisadores do Labora-

~\1 ldt ~ Á frente: adv Para frente , em frente E:c Logo à freme você verá a padana que está procurando.

dos, até mesmo para pro­fessores surdos de Li­bras, que poderão em-Mão dir hor aberta, palma para esq. Movi-la ........ inclinando os dedos t .

pregá-lo para o ensino da

{i) •.

À toa: expressdo. Ndo ter nada para fa:er. Et.: Ontem eu flquet à toa em casa. Ficar (GTria) Ex.: Estou ficando com ele( a). Sem qt1alquer compmm1sso

estrutura e gramática dessa língua. Mas sua principal aplicação será, sem dúvida, no dia-a-dia, no ensino das crianças

tório de Neuropsicolin-Dicionário terá cerca de mil páginas, com 15 mil ilustrações

güística Cognitiva Experi-mental, do Instituto de Psicologia da Univer­sidade de São Paulo (USP), dirigida pelo pro­fessor Fernando Capo vi lia, acaba de comple­tar o Dicionário de língua brasileira de si­nais: ilustração e escrita visual direta de 3. 5 00 sinais usados por surdos em São Pau­lo, que faz justamente esse trabalho.

O dicionário está em fase final de revi­são pela Federação Nacional de Educação e de Integração dos Surdos (Feneis). Uma ver­sãoem CD-ROM será lançada, provavelmen­te, no fim do ano 2000. Financiamentos da FAPESP ajudaram a realizar o projeto de pes­quisa e a elaborar um sistema computadori­zado de comunicação com base em sinais. Um pedido de auxílio para a publicação do dicio-

Conselho Nacional de Desenvolvimento Ci­entífico e Tecnológico (CNPq). As informa­ções foram colhidas com o auxílio da Feneis e da Cooperativa Padre Vicente (Copavi).

As perspectivas são enormes. "O dicio­nário pode ser um primeiro passo para a pa­dronização dos sinais", diz a coordenadora da Escola Especial de Crianças Surdas da Fun­dação de Rotarianos de São Paulo, a fonoau­dióloga Sabine Vergamini . Ela afirma que uma das grandes dificuldades dos educado­res é encontrar, mesmo dentro da cidade de São Paulo, sinais diferentes para a mesma palavra. Ela afirma também que as publica­ções usadas atualmente têm muitos proble­mas, como o de trazer sinais importados de

28 ~SP

surdas. Pela primeira vez, as professoras dessa área terão uma fonte de consulta confiável , com-

posta para surdos e a partir de informantes surdos, revisada por organizações especiali­zadas na educação de surdos.

A obra terá cerca de mil páginas, com aproximadamente 15 mil ilustrações. Cada sinal será mostrado com desenhos que exi­bem a articulação das mãos, o local da arti­culação com relação ao corpo, o movimen­to do sinal e a expressão facial associada ao sinal. Os movimentos são mostrados em se­qüências, com o auxílio de setas. Na versão em CD-ROM, será mostrado o próprio mo­vimento.

À esquerda da ilustração do sinal apare­ce a ilustração de seu significado e abaixo dela aparece a palavra correspondente em portu-

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guês, com classificação gramatical e defini­ção. Isso é importante para a criança surda, que normalmente aprende primeiro a se ex­pressar em Libras e só depois passa para o português. Além da definição, aparece tam­bém uma frase mostrando o contexto em que o sinal pode ser usado, em português e em Libras. Há também uma descrição precisa e detalhada do sinal , importante para estudos lingüísticos sobre a estrutura do sinal e para comparações com sinais usados em outras regiões e países.

Linguagem estruturada No lado direito da ilustração, o sinal apa­

rece escrito na escrita visual direta SignWri­ting, por meio do programa SignWriter, um sistema internacional de escrita de sinais usa­do em todo o mundo. Isso é importante. Como a escrita alfabética mapeia os sons da fala, explica o professorCapovilla, beneficia bem mais o desenvolvimento da fala na criança ouvinte do que faz o desenvolvimento da lín­gua dos sinais na criança surda. A escrita vi­sual direta faz pela criança surda e pela lín­gua de sinais o mesmo que a alfabética faz pela ouvinte e pela língua falada: estrutura e for­maliza a linguagem, acabando por beneficiar a criança e a própria cultura.

Assim, o sistema SignWriting vem sen­do usado em todo o mundo, para escrever car­tas, artigos, textos literários e livros inteiros na I íngua de sinais própria de cada país ou região. Sua função principal, porém, não é a de substi­tuir a escrita alfabética. É a de dar à criança surda, no período ideal para a aquisição da lei­tura e escrita, um instrumento de desenvolvi­mento psicolingüístico tão poderoso como é a escrita alfabética para a criança ouvinte.

A partir dos sinais do dicionário, o pro­fessorCapovilla e sua equipe estão terminan­do um sistema de comunicação multimídia, chamado SignoF one. Ele poderá ser usado em comunicações face a face por computador e para contatos em rede. O sistema terá uma forma ilustrada, com animações gráficas, e

outra escrita, por SignWriting, ambas com voz digitalizada associada. Para permitir co­municações internacionais, poderá cifrar mensagens em sinais entre a Libras e a língua de sinais usada nos Estados Unidos. Os tex­tos escritos e falados poderão ser mudados também entre português e inglês.

O programa poderá ser ativado também por varredura automática ou por dispositivos

sensíveis. Assim, mesmo os surdos tetraplé­gicos poderão usar o sistema, enviando men­sagens na linguagem dos sinais, imprimi-las em português ou em inglês, soá-las com voz digitalizada nas duas línguas ou armazená­las. Portanto, ao contrário do que acontece com os telefones de texto, os surdos terão à disposição uma maneira para comunicar-se com outros surdos, mesmo fora do Brasil, na própria linguagem dos sinais. Como se vê, o esforço dos pesquisadores do Instituto de Psi­cologia abre caminhos que não se limitam mais às utilidades de um dicionário.

Perfil: O professor Fernando Capovilla, do Laboratório de Neu­ropsicolingüistica Cognitiva Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) , traba­lha há dez anos com crianças portadoras de distúrbios de comunicação e linguagem, resultantes de compro­metimentos neurológicos, sensoriais ou cognitivos. Ele e seus colaboradores desenvolveram mais de cem pro­gramas de computador destinados a diagnosticar e tra­tardistúrbios de comunicação e linguagem em crianças e adultos. Capovilla obteve o doutorado em psicologia experimental em 1989, pela Universidade Temple, da Pennsylvania, nos Estados Unidos, e ocupa o cargo de presidente eleito (1 996-2000) da Divisão Brasileira da lnternational Society for Augmentative and Alternative Communication , organização internacional dedicada a pessoas com distúrbios sensórios-motores e cognitivos.

Juntos ou separados? O debate continua. O que é melhor para uma

criança surda? Agrupá-la com outras crianças sur­das em classes especiais ou dispersá-la em clas­ses comuns, junto com as crianças ouvintes, para que não se sinta discriminada? Para o professor Fernando Capovilla, da USP, não há dúvidas: as classes especiais obtêm resultados bem melhores. "A política de classes comuns é bem-intencionada, mas privilegia a integração social e não o desen­volvimento cognitivo e lingüístico do aluno surdo sem que ele tenha condições de acesso pleno à vida da comunidade", afirma. "Em nome da integração, acaba discriminando e, nessas condições, o de­sempenho do aluno especial não acompanha o dos colegas ouvintes."

A origem do problema está num congresso internacional que reuniu especialistas em educa­ção de surdos de lodo o mundo em 1880, em Mi­lão, na Itália. O congresso aprovou resolução ba­nindo das escolas as classes especiais e a lingua­gem dos sinais e recomendando, inclusive, a de­missão sumária dos professores e funcionários surdos. Essa foi a tendência dominante até a dé­cada de 1970, quando se adotou o princípio da cha­mada comunicação total, o uso dos sinais para apoiar o ensino da leitura labial.

Não deu certo. As professoras, nas salas de aula, lentavam falar e sinalizar ao mesmo tempo. Pesquisadores dinamarqueses filmaram algumas aulas dadas nessas condições. Omitiram o som e pediram às professoras filmadas que observassem

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os movimentos dos lábios e repetissem o que ti­nham dito aos alunos. Nenhuma conseguiu. Quan­do prestavam mais atenção à fala, tendiam a omitir sinais. Quando se preocupavam mais com os si­nais, esqueciam as palavras. As crianças raras vezes conseguiam obter a leitura completa, quer pelos sinais, quer pela leitura dos lábios.

Atualmente, ganha força a filosofia educaci­onal do bilingüismo, que defende o ensino primei­ro da língua de sinais, depois da leitura da palavra escrita. Isso se baseia na constatação de que a cri­ança surda, quando entende tudo o que o profes­sor comunica por meio de sinais, aprende a ler e escrever com a palavra escrita muito mais facilmen­te. A pequena Nicarágua, na América Central, re­formulou o atendimento aos estudantes surdos dentro desses princípios, com a criação de salas especiais e o ensino dos sinais. Hoje, é exemplo para o resto do mundo.

No Brasil, apesar da discussão entre as vari­as tendências, é oficial , pela nova Lei de Diretrizes e Bases, a existência de salas ou escolas espe­ciais para surdos. Mas ressalva que isso só é obri­gatório "quando for possível". De qualquer manei­ra, Capovilla ressalva que a criança surda deve ser introduzida na língua de sinais nos seis primeiros anos de vida. Em caso contrário, adverte, haverá um prejuízo considerável. A criança terá dificulda­des para desenvolver-se plenamente e exercer, mais tarde, profissões que requeiram um domínio maior da linguagem.

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HUMANAS

IDIOMA

Da fala à gramática Pesquisa busca a relação entre ritmo e sintaxe nas mudanças que levaram ao português falado na Europa

É possível que a dúvida já lhe tenha ocor­rido. Qual é a forma correta, Pedro viu-me ou Pedro me viu? Em Portugal, não se vacila. Em frases desse tipo, usa-se sempre Pedro viu­me, com ênclise, isto é, pronome depois do verbo. No Brasil, as duas formas são aceitá­veis . Normalmente, porém, o brasileiro usa Pedro me viu, com o pronome antes do ver­bo. O interessante é saber que nem sempre foi assim. Na origem da fase documentada da língua portuguesa, no século 12, o nom1al era Pedro viu-me. No século 15, houve uma mu­dança e Pedro me viu tornou-se a preferida.

o decorrer do século 19, porém, houve na Europa outra troca e a êncli se tornou-se a única opção.

Isso, naturalmente, não se deu por de­creto. Na segunda metade do século 18, no período em que Portugal era governado pelo marquês de Pombal e seus cofres en­riquecidos por grandes quantidades de ouro embarcadas no Brasil, ocorreu uma sensí­ve l mudança na prosódia, ou seja, na ma­neira como as palavras são pronunciadas, no português falado na Europa. Ainda não se sabe como e porque isso aconteceu. Mas o fato de se seguirem no tempo sugere uma relação de causa e efeito entre as mudanças prosódicas do século 18 e as sintáticas do século 19.

A construção de um modelo para mos­trara relação entre a prosódia e a sintaxe, nes­se processo de mudança lingüística que levou ao português europeu moderno, é justamen­te um dos objetivos do projeto temático Pa­drões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingiiística, financiado pela FA­PESP. O projeto, iniciado em setembro de 1998, deve estender-se até 2002 e conta com a participação de uma equipe de lingüistas, matemáticos e especialistas em computação, sob a coordenação da professora Charlotte Galves, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Trabalhamos com a hipótese de que o português brasileiro seja muito próximo do português clássico em termos rítmicos", explica a professora Galves, referindo-se como português clássico ao falado nos sé­culos 16 a 18. "Assim, os padrões prosódi­cos dos dois serão contrastados, como se fosse uma comparação entre o português clássico e o português europeu moderno", acrescenta. O projeto não ficará só nisso. Entre seus resultados, está a preparação de um corpus comparativo, com registras de falas das duas variantes da língua, e um cor-

pus anotado, morfológica e sintaticamen­te, com 2 milhões de palavras.

Comendo sílabas Sabemos que ocorreu a grande mudan­

ça prosódica do fim do século 18 principal­mente por meio dos comentários sobre apre­sentações teatrais e representações de sota­ques que saíam nos jornais da época. Gonçal­ves Viana, um foneticista portu-guês do século 19,por exemplo, quei­xava-se de

que os a tores da época pronunciavam apenas sete ou oito sílabas das dez dos decassílabos de Camões. Eles simplesmente "comiam" as sílabas que vinham antes da tônica, as pré-tô­mcas.

Isso ocorre até hoje. Em Portugal, mui­tas vezes, as vogais pré-tônicas desaparecem por completo na fala. o Brasil , porém, elas são mantidas. "Esse é o aspecto mais salien-

te da mudança fonológica", diz a professora Galves. "Nós o interpretamos como uma

Nos seus Sermões, Vieira usou ênclise na colocação dos pronomes, diferentemente de outros autores da época

Base teórica O projeto temático Padrões Rítmicos, Fixação de

Parâmetros e Mudança Lingüística, da professora Charlotte Galves, tem como quadro teórico o Modelo de Princípios e Parâmetros, originalmente proposto pelo lingüista norte-americano Noam Chomsky, do Massachusetts lnstitute ofTechnology (MIT) e desen­volvido com ele por muitos pesquisadores em vários países. Nesse modelo há a distinção entre a Lingua­gem Interna, ou seja, a competência lingüística, exis­tente na mente, da Linguagem Externa, ou seja, todas as manifestações lingü ísticas produzidas pela pessoa.

As gramáticas específicas são obtidas pela fi­xação de valores para certos parâmetros deixados inespecificados pela Gramática Universal, isto é, a ca­pacidade da linguagem inata à espécie humana. A partir disso, duas gramáticas- ou duas Linguagens Internas- são diferentes se possuem no mínimo um parâmetro estabelecido de maneira diferente, como acontece com o português europeu moderno e o clás-

30 p

sico em relação à colocação dos clíticos e outros fe­nômenos da ordem.

Os valores dos parâmetros são fixados por um indivíduo durante seu processo de aquisição de uma língua quando criança. A mudança de um parâmetro, porém, representa um rompimento tão profundo que não se dá durante o tempo de vida de uma pessoa. Por isso, os lingüistas consideram que a mudança grama­tical aconteça durante a aquisição de uma língua e corresponda à fixação de um valor paramétrico de for­ma diferente do que vigorava na geração anterior.

O professor Anthony Kroch, da Universidade da Pennsylvania, dos Estados Unidos, outro participante do projeto, defende a tese de que, quando as variações começam a aparecer nos textos escritos, a Linguagem Interna dos autores já está modificada. Mas, como a linguagem escrita é mais conservadora do que a fala­da, os textos continuam a mostrar vestígios da antiga gramática, refletindo "gramáticas em competição".

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Ele seria, assim, um pu­ri sta, talvez como maneira de se contrapor ao uso do castelhano, que ganhou ter­reno enquanto Portugal es­teve sob o domínio da Espa­nha, de 1580 a 1640. "Na segunda metade do século 18, uma razão do mesmo tipo pode ter levado à ado­ção de uma maneira de fa lar que reforçou a tendência, já ex istente na lí ngua portu­guesa, a reduzir as voga is átonas", diz a pesquisadora da Unicamp. "Mas essa dis­cussão é extralingüística e não há nenhuma evidência que possa indicar o porquê da mudança prosódica", acrescenta.

Modelo matemático

Charlotte Galves: em termos rítmicos, o português brasileiro está mais próximo do clássico

A intenção mais ambi­ciosa do projeto é o que Gal­ves chama, brincando, de "busca da prosódia perd i­da". "Queremos criar um modelo que permita deter­minar a prosódia subjacen­te aos textos", diz ela. Para isso, foi preciso sa ir dos li ­mites da lingüística e criar

mudança rítmica, ou seja, uma mudança na maneira como as sílabas átonas se reagrupam com as sílabas tônicas", prossegue.

Qual é a relação entre a pronúncia das vogais pré-tônicas e a si ntaxe dos pronomes clíticos e por que a redução das primeiras afeta a colocação dos segundos? Isso é uma das grandes questões do projeto. Do ponto de vista do lingüista norte-americano N oam Chomsky, a gramática muda na aquis ição quando, por por algum motivo, uma geração de crianças fixa um ou mais parâmetros de maneira di ferente dos pais (ver quadro). Gal­ves explica que muitos lingüistas hoje defen­dem que, na aquisição de sua língua mater­na, as crianças usam "pistas" prosódicas in­dicativas das estruturas subjacentes aos enunciados. Se a prosódia dos adultos muda, as "pistas" também mudarão, levando, even­tualmente, as crianças a uma gramática di­ferente.

Entretanto, é dific il saber por que a pro­sódia mudou e, em decorrência, a gramática. Nos Sermões, por exemplo, o padre Antônio Vieira usa basicamente a ênclise na coloca­ção dos pronomes. Outros autores da época e mesmo Vieira, em suas cartas, davam prefe­rência à próclise.A lingüista portuguesa Ana Maria Martins, da Universidade de Lisboa, participante do projeto, considera Vieira, por isso, um pioneiro do português moderno. Para a professora Galves, não é bem assim. Viei­ra, em vez de olhar para o futuro, estaria vol­tando ao passado.

um modelo matemáti co . Ele está sendo desenvo lvido por Marzio Cassandro , da Universidade de Roma La Sapienza, Pier­re Collet, do Conselho Nacional de Pesqui­sas Científicas (CNRS) da França, e Rober­to Fernández e Antonio Galves, da Univer­sidade de São Paulo (USP), tendo como base a medida da probabilidade de Gibbs.

A medida da probabilidade de Gibbs governa a escolha da amostra de sentenças oferec idas à criança na aprendizagem da língua materna. Ela permite tratar de dois aspectos da relação entre sintaxe e prosó­dia: a restri ção de caráter algébri co que diz quais são as configurações admissíveis, no caso, quais são as sentenças aceitas pela sin­taxe materna, e o potencial da atuação da prosódia para a escolha das sentenças mais eufônicas entre as admissíveis. Para espe­cificar o potencial, é preciso analisar os contornos acentuais das duas variantes da língua. Um algoritmo com esse objetivo está sendo montado por Pierre Collet, do CNRS, e Arnaldo Mendel, da USP.

Perfil: A professora Charlotte Galves, de 48 anos, é auto­ra de vários estudos comparando o português fala­do no Brasi l e o usado em Portugal. Professora do Departamento de Lingüística do Instituto de Estu­dos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1985, tem doutora­do de Lingüística Portuguesa, obtido na Universida­de de Paris IV.

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Quarenta textos na Internet

Um componente fundamental do projeto é o "Corpus Anotado do Português Histórico Tycho Brahe", constituído de textos de autores portugue­ses nascidos entre 1550 e 1850. Serão 40 textos de 50 mil palavras cada. Os dez primeiros textos, num total de 500 mil palavras, devem estar dispo­níveis neste mês de agosto. No final do projeto, em 2002, estarão reunidos todos os textos, com 2 mi­lhões de palavras. O nome do astrónomo dinamar­quês Brahe, nascido em 1546emortoem 1601 , foi escolhido por ter sido ele o primeiro a fazer uma anotação sistemática do movimento dos planetas

Cada texto será apresentado em três versões: a íntegra, com editoração especial, como, por exem­plo, a abertura de todas as abreviaturas; o texto com cada palavra sendo acompanhada de "etiquetas" (códigos) que a especificam morfologicamente; e o texto com as etiquetas morfológicas e análise sin­tática.

Para as anotações morfológicas e sintáticas, estão sendo desenvolvidos dois programas simila­res aos utilizados no "Penn-Helsinki Parsed Corpus of Middle English", liderado por Anthony Kroch, da Universidade da Pennsylvania, dos Estados Unidos. Essa adaptação é coordenada por Marcelo Finger, do Instituto de Matemática e Estatística da USP. A coordenação dos aspectos lingüísticos da adapta­ção e da revisão da análise automática é de llza Ribeiro, da Unifacs, da Bahia, e de Charlotte Gal­ves e Helena Britto, da Unicamp. O corpus conta com a assessoria filológica de Ivo Castro e Ana Maria Martins, da Universidade de Lisboa.

O corpus estará no site do projeto (www.ime.usp.br/-tycho).lsso permitirá o exame dos dados e seu uso em outras pesquisas pela co­munidade científica. "Tudo o que está sendo feito na montagem do cotpushistórico estabelecerá uma metodologia reutilizável em outros períodos e vari­antes da língua portuguesa, em particular o portu­guês brasileiro", diz a professora Galves.

Um banco de dados com gravações de fa­las do português brasileiro e do português euro­peu constituirá um corpus comparativo entre os ritmos das duas variantes da língua. Esse corpus será construído de forma a também fornecer evidências para a conjectura de que, dentro dos li­mites das restrições impostas pela gramática da lín­gua e dada uma situação discursiva, escolhas lexi­cais e morfossintáticas são impulsionadas pela im­plementação de padrões rítmicos.

A modelagem dos padrões rítmicos está sen­do desenvolvida por Maria Bernadete Abaurre, Filomena Sândalo e Ricardo Figueiredo, da Uni­camp; Sônia Frota, da Universidade de Lisboa; Marina Vigário, da Universidade do Minho, em Por­tugal; e Philippe Martin, da Universidade de Toron­to, no Canadá.

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LIVRO

Nós, e nossas ambigüidades O nosso provincianismo intelectual tem vista, pois o Partido Nacionalista (cuja traje- plexa relação entre Estado e nação ou, se qui-

muitasfaces,eomaldisfarçadoestranhamen- tória constitui o eixo de sua exposição) em sermos, a questão da identidade nacional. to que perpassa a historiografia brasileira nenhum momento chegou a constituir-se em Nesse sentido, desaparecem as (falsas) limi-quando confrontada com o fenômeno latino- alternativa real de poder na ilha caribenha, e tações que as reduzidas escalas de ordem americano não é somente uma das mais intri- nem Pedro Albizu Campos ( 1891-1965), a li- quantitativa podem sugerir, e a absoluta es-gantes, mas também das mais arraigadas. Isso derançamaisexpressivadesse partido, chegou pecificidade histórica da ilha e de seu povo, não é muito de estranhar se recordarmos que a tornar-se referência política com audiência ao contrapor-se ao padrão genérico de supe-a identidade nacional brasileira tomou forma, popular suficiente para interferir na definição ração do estatuto colonial na esfera hispano-desde a sua origem, com a fundação do lm- dos rumos do país. Mas a opção de americana, entreabre ricas possibilidades pé rio, mediante ajustes (de Kátia Gerab Baggio revela-se efi- para a compreensão do processo geral do qual contorno e conteúdo) de seu - · ·· · cientenademonstraçãodeque,em édimensãoparticular.Defato,aestratégiada reflexo nos simultâneos pro- se tratando de fenômenos h uma- autora funciona, mas a eficácia de sua opção cessos de emancipação política nos, não há temas irrelevantes, exige muito de seu leitor, pois o poder expli-

Q ·t'STÀÜ NAC10NAL das sociedades hispano-ameri- ,... u .. apenas problemas mal colocados. cativo da narrativa pressupõe, dada a parei-, 'M PüiHO RlCC.) canas. A imagem do nascente L. """"""" E este não é, certamente, o caso mônia da qual lança mão, que este leitor ja-

Estado monárquico capaz de as- "~'"''"~;" '"" do estudo que ela oferece ao lei- mais perca de vista o fato de que o movimen-segurar- continuidade na ruptu- - tor, introduzindo-o ao interior da to do todo (a história portoriquenha), revela-ra - a boa ordem erigida comova- , ... ···~~il ambigüidade portoriquenha. do a partir do movimento de uma de suas par-lor supremo da sociedade escra- ,, · .\ Trata-se de uma situação tes (o Partido Nacionalista), somente sedes-vista a ser mantida nas novas con- peculiar a desta ilha que, des- venda quando são considerados os nexos.que diçõespolíticas,osconstrutoresdo de a segunda viagem de Co- atam a ambos os movimentos a um terceiro Estado nacional brasileiro contra- lombo ( 1493) até a Guerra que os determina, e que é o do imperialismo punham uma outra: a de umaAmé- j fOIJ'fS" Hispano-americana (1898), norte-americano em sustentada expansão rica espanhola descrita como um ' integrou, na condição de colónia, o durante o período estudado. mundo de desordem e desagregação republi- Império espanhol quando, com o colapso de- Sem essa precaução, a percepção da im-canas a serem evitadas a todo custo. finitivo deste Império no Caribe, passou a gra- portância do tema exposto pode perder-se pelo

Percebe-se não ser fruto do acaso sermos, vitar na órbita norte-americana. Quanto a isso, atrativo do registro de paralelismos que, mes-os historiadores brasileiros, gestores de uma a trajetória desta "menor das grandes Anti- mo não sendo acidentais, tem seu tanto de cu-herança perversa na sua origem, legado que lhas" guardou semelhança com as de Cuba e rioso e, portanto, de atraente. É dificil em cer-perdura mal grado os alertas de pensadores de das Filipinas, mas, enquanto estas caminha- tos momentos fugir à tentação de ver no Parti-nossa história (e destino) do porte de Manoel ram em direção à independência política, do Nacionalista e nas camisas negras dos "ca-Bonfim, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Porto Rico permaneceu submetido ao contro- detes da república" uma versão antilhana dos Prado Jr. , Celso Furtado ou Fernando Nova is I e de Washington, e nada indica que o rompi- "galinhas verdes" das hostes de Plínio Salga-quanto à indissolubilidade, reconhecidamen- mento dos laços que atam a ilha aos EUA es- do, assim como é fácil deixar-seatrairpela tra-te em meio a diferenças que formam sua ri que- teja no horizonte da possibilidade. Afinal, em jetória pessoal deAlbizu Campos, descobrin-za, dessa trajetória comum latino-americana novembro de 1993, no plebiscito chamado a do-se antiimperialista ao estudar em Harvard que é também a nossa. Nesse quadro, A ques- decidir sobre o estatuto político da ilha, seus e assumindo, a partir daí, os riscos envolvidos tão nacional em Porto Rico- o Partido Na- cidadãos deram integral apoio à preservação numa opção política que lhe custaria longos cionalista (1922-1954), de Kátia Gerab Bag- dessa vinculação, ainda que divergindo entre períodos em prisões americanas. Mas certa-gio, publicado em 1998 pelaAnnablume/FA- si quanto à forma que deveria assumir. Recha- mente não está nisso o interesse maior deste PESP, vem justamente demonstrar a relevân- çando por escassa maioria a transformação de livro, e sim na revelação dos meandros de uma c ia do estudo da história hispano-americana Porto Rico no 51 o estado da União norte-ame- identidade nacional portoriquenha que seafir-para o conhecimento da nossa própria histó- ri cana, optando pela manutenção do a tua! es- ma através de uma valorização da herança co-ria. Trata-se de um livro pequeno ( 140 pági- tatuto de Estado Livre Associado (esta alter- lonial ibérica, no que foge ao padrão prevale-nas de texto seguidas de anexos, bibliografia nativa contando com 48,6% dos sufrágios e a centena América Latina. E ao erigir essa he-e indicação de fontes documentais), enxuto e anteriorcom46,3%),os portoriquenhosarqui- rança como núcleo forte da resistência que bem centrado, como o são em geral as boas (e varam a hipótese de plena independência, por oferecem ao avanço avassalador de outros úteis) dissertações de mestrado que têm vindo não ser de seu agrado. padrões culturais, que contrastam e buscam à luz no Departamento de História da Facul- Mas a recusa da integração plena na subordinarasua,osportoriquenhosfazemuma dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas União revela que o vínculo com os EUA não história que é bem a de todos nós nesse mundo da Universidade de São Paulo. O seu conteú- é imune de tensões, e a concisa narrativa da que se quer globalizado. do é uma competente exposição de um aspec- autora conduz o leitor ao cerne de um proble-to particular da vida de um país de extensão ma que não é restrito a Porto Rico, por ser reduzida(8.900km2),cujapopulaçãoempou- comum a toda a América Latina: a da com-co ultrapassa três milhões e meio de habitan­tes, aos quais devem-se acrescentar mais cer­ca de dois milhões dispersos pelos Estados Unidos da América, situação de "diáspora" que, mesmo sendo peculiar, é antecipatória de uma realidade que hoje envolve múltiplas co­munidades "hispânicas" em acelerado cresci­mento na rica república do norte.

A estratégia que a autora escolheu para aproximar-se (e aos seus leitores) da proble­mática portoriquenha surpreende à primeira

ltJAPESP SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

István Jancsó Professor do Departamento

de História da FFLCH da USP

GOVERNO DO ESTADO DE SAOPAULO

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ma uman

ESPECIAL A POUCOS PASSOS DO SEQÜENCIAMENTO DO DNA DO HOMEM

O recente anúncio da Celera, de que completou um milhão de seqüências da mosca de frutas, torna mais factível

o seqüenciamento c'ompleto do genoma humano até o ano 2000

Em meados de março pas­sado, quando se despe­dia da equipe de reporta­

gem da Tevê Cultura que fora entrevistá-lo para a série de do­cumentários sobre o projeto pio­neiro da genômica no Brasil -o seqüenciamento completo da Xyllela fastidiosa, proposto e fi­nanciado pela FAPESP -, Craig Venter disse que o genoma da Drosophila melanogaster estaria seqüenciado entre junho e se­tembro deste ano. Dito, e qua­se feito: na última semana de julho, a Celera Genomics, em­presa fundada pelo cientista em maio de 1998, anunciou ofi­cialmente que completara o pri­meiro milhão de seqüências do DNA da mosca de frutas, o in­seto que vem sendo usado como modelo nos laboratórios de genética há mais de 80 anos; informou ter atingido essa marca em três meses de tra­balho e declarou que espera completar o trabalho ainda neste agosto de 1999.

Andrew Simpson, coordenador de DNA do projeto de seqüenciamento do genoma da X fastidiosa, aponta a importância da notícia: se aCelera conseguiu mesmo esse volume de produção, então poderá cumprir sua promes­sa principal, e razão pela qual Craig Venter fundou a em­presa: seqüenciar todo o DNA de nossa espécie até o ano 2000. O doutor Simpson é um dos entrevistados deste segundo encarte especial do Notícias FAPESP sobre o ge­noma humano. O primeiro, com entrevistas do próprio Craig Venter, de Leroy Hood, Phillip Green e João Carlos

NOTÍCIAS FAPESP

~ Setúbal, foi publicado na edi-5 ~ ção 43 do informativo. ~ A notícia divulgada pela

Celera sem dúvida aumenta a pressão sobre os cientistas com­prometidos com o projeto pú­blico de seqüenciamento do genoma humano, que devem cumprir a promessa de tornar disponível uma primeira versão de nosso material genético ain­da no primeiro semestre do próximo ano. Um desses cien­tistas, na linha de frente do projeto, é Robert Waterston, da Washington University. Nes­te encarte, ele diz quais são as suas preocupações no contexto da corrida disparada por Ven­ter e que os cientistas ligados ao governo norte-americano não querem perder.

Finalmente, a outra entrevistada é Claire Fraser, far­macologista de carreira, atualmente presidente da TIGR -a instituição sem fins lucrativos que Craig Venter dei­xou para trás quando fundou a Celera. Claire é nome presente no seqüenciamento de todos os genomas bacte­rianos publicados pela TIGR até hoje e falou sobre a análise comparativa de material genético.

Esses cientistas, e muitos outros entrevistados pela jornalista Mônica Teixeira, autora também dos textos que se seguem, estão na série "Genoma: Em busca dos sonhos da Ciência", veiculada a partir do dia 16 de agos­to, às 21 horas, na TV Cultura de São Paulo. A produ­ção das entrevistas foi um trabalho das repórteres Myrian Clark e Manoela Ziggiati.

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GENO M A H UMANO 2

Acesso livre às inforlllações do genoma humano

Em março passado, o vice-presidente dos Estados Unidos, AI Gore,

anunciou em Washington que o governo norte-americano decidira suplementar o orçamento do Projeto Genoma Humano com mais US$ 88 milhões, para cinco laboratórios. Desse total, US$ 38 milhões -a maior fatia para um só centro de pesquisa -foi para Bob Waterston, da Washington University, em Saint Louis, Missouri. Seu centro de seqüenciamento, o quinto maior do mundo, é um importante pilar sobre o qual se apoiam o desejo e a necessidade política dos National lnstitutes of Health de tornar disponível, até a primavera do próximo ano, um esboço da seqüência do genoma da nossa espécie. A entrevista do doutor Waterston revela, portanto, as concepções de um cientista comprometido com os valores do establishment científico do país que mais investe em pesquisa em todo o mundo. Ele defende a publicidade imediata de todos os dados e peleja pela precisão da informação. No entendimento do doutor Waterston, o Projeto Genoma Humano oferecerá a base de dados sobre a qual os cientistas deverão se debruçar durante o próximo século; daí a importância de que os dados sejam tão confiáveis quanto possível. Expõem-se, nas duas questões, as divergências que separam o grupo financiado por fundos públicos e o ousado e inovador Craig Venter. No ano passado, com John Sulston, Waterston publicou o genoma da C. e/egans - um nematóide de 1 milímetro de comprimento, o primeiro animal a ter seu DNA conhecido.

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Bob Waterston

• Gostaria de começar pedindo ao senhor que contasse a história das decisões que envolveram o esforço de seqüenciamento da C.elegans ...

- Decidimos trabalhar para a cara­cterização de todo o DNA da C ele­gans porque queríamos ter acesso a qualquer gene do nematóide a qual­quer tempo. Quem começou o tra­balho foi o John Sulston, agora no Sanger Center; mais tarde nos junta-mos a ele. Nós tínhamos os cromos­

somos da C elegans divididos em pequenas seqüências, que nós poderíamos organizar para ter sua representação completa. Naquele momento, 1989, o Projeto Genoma Humano decidia que outros organismos seriam estudados além do nosso. A C elegans não estava na lista, e a comu­nidade em torno dela agitou-se: ficou claro que ter a seqüência completa traria vantagens, mesmo que isso soasse como uma fantasia naquele momento, inclusive por causa do investimento que seria gerado pela tentativa de seqüenciar. A C elegans é um organismo-modelo e, se a levedura e a drosófila iriam ter seus genomas seqüencia­dos, então os pesquisadores estudando C elegans estariam em desvantagem. A comunidade então decidiu reagir, e conseguimos ri1arcar um encontro com James Watson, di­retor do laboratório de Cold Spring Harbour. Nós disse­mos a ele que tínhamos o mapa, que estávamos prontos para entrar no seqüenciamento. A pressão da comunidade levou John e eu a nos dispormos a passar de mapear o genoma para seqüenciá-lo. E a C elegans acabou incluída como um entre os cinco organismos selecionados para serem seqüenciados além do humano.

• Além de não ficar em desvantagem, houve outros ganhos com o seqüenciamento da C. elegans?

- Para responder sua pergunta, vou precisar elogiar um pouco a mim mesmo. O fato de John e eu termos envolvido nossos grupos nisto teve um impacto signi­ficativo, tanto na forma de seqüenciamento quanto na maneira de lidar com os dados. Somos ambos pragmáti­cos e queríamos realizar o trabalho, este era o nosso maior objetivo; não nos importava qual seria a tecno­logia, que programa usaríamos. Isso nos libertava dos

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constrangimentos que pesavam sobre outros centros de seqüenciarnento; o fato de sermos novos no negócio também tornou-se vantajoso, porque pudemos escolher soluções que funcionavam. Conseguimos diminuir muito os custos naquele momento, o que nos deu a pos­sibilidade de impulsionar outros projetos. A participação dos nossos dois grupos para completar o seqüenciarnen­to da levedura foi central para apressar o cronograma dos grupos europeus envolvidos. Em vez de ficar pronta em 98, a levedura acabou em 95. Foi bom negócio para eles. O outro aspecto importante é que desde o começo, mesmo quando ainda estávamos

GENOMA H U MA N O 2

compreender o genorna humano, com centenas de mi­lhares de pessoas trabalhando nele. Vai levar todo esse tempo e todo esse esforço para compreendê-lo e analisá­lo de urna maneira que faça sentido. Mas nós podemos obter a informação, no ano que vem vamos gerar um terço do genorna aqui neste centro. Teríamos o direito de controlar o desenvolvimento dessa informação e decidir quem poderá ter o privilegiado acesso a essa informação?

• A política em relação à divulgação de dados preocupa-o no caso de companhias como a Celera ou a lncyte?

no mapa, nós dividimos nossos dados com a comunidade o mais precocemente possível. Ainda não havia Internet, e não podíamos então oferecer os dados a cada 24 horas; mas encontramos urna maneira de divulgar de três em três meses, o que era essencial­mente um produto não finalizado (work in progress). Nós aplicamos a mesma política para os dados do seqüenciarnento e, assim que foi

'' O cientista quer a informação

- Essencialmente, essas compan­hias vão restringir o acesso a seus dados. Ternos também de notar que eles ainda não fizeram nada e que suas políticas podem mudar, segundo as necessidades do negó­cio. No caso do Genorna Huma­no, corno há muita gente interessa­da, e pelo fato de suas implicações serem tão vastas, acho que há razão para preocupação. Seqüen-

tão logo ela esteja disponível,

mesmo que ainda imperfeita''

possível divulgar diariamente os dados, passamos a fazê-lo. Ficou muito claro pela respos­ta dos pesquisadores da C elegans que eles consideraram a disponibilidade dos dados altamente benéfica. Não reservávamos a informação para nossos próprios propósi­tos e para nossos próprios interesses. Essa era urna práti­ca bastante diferente da tradição até aquele momento.

• O que o senhor gostaria que fosse o entendimento da extensão das patentes nesta área?

-No que concerne aos cientistas, é claro que eles dese­jam os dados tão logo possam obtê-los, e incluo aí os cientistas da indústria e da academia. O cientista quer a informação assim que ela esteja disponível, mesmo que ainda imperfeita. Fornos pagos para determinar a seqüência de pedaços de DNA importantes para eles; se colocarmos à disposição a seqüência bruta, eles irão bus­car a informação lá, e estarão felizes com ela, mesmo com os defeitos. Logo, a pergunta é qual é a melhor maneira de assegurar que esta informação resulte no maior avanço possível para a ciência e para a medicina. Isso nos leva a toda urna questão filosófica: as patentes restringem o avanço ou incentivam o avanço? No caso de seqüenciarnento de DNA, há um diferencial, que é o volume de informação. Um centro corno o nosso obtém mais informação do que jamais poderá explorar. Imagino que todo o próximo século será necessário para

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ciarnento vai se tornar parte da indústria, a atividade ainda é de­

senvolvida na academia porque há organismos que inte­ressam à academia e não interessam à indústria. Claro que, no caso do genorna humano, todos se interessam. Sim, me preocupa a questão do acesso aos dados, e me preocupa também a precisão dos dados que estão sendo gerados. Ambas as coisas são muito importantes. Até agora, quem se provou capaz de atender aos dois requisi­tos foi o grúpo que recebe financiamento público: na última verificação que fizemos, os grandes centros apre­sentavam menos de um erro a cada mil bases. Aqui na Universidade de Washington, em trechos de 2 mil bases não foi encontrado nenhum erro.

• Por que os senhores decidiram publicar o paper da C. ele­gans, apesar de ainda haver buracos na seqüência?

-Estimávamos, quando publicamos, que havia mais ou menos 135 seqüências com buracos; agora, o número já caiu para 95 ou 100, por aí - quer dizer, já houve pro­gressos. Os buracos remanescentes são realmente muito difíceis de ser seqüenciados, e ainda não está claro se será possível fazê-lo. Também parece claro que não há genes nesses trechos com problemas, eles contêm pouca infor­mação biológica. Há outro aspecto peculiar sobre a C ele­gans: em vez de ela ter centrôrneros confinados em um determinado ponto do crornossorno, ela tem, na verdade, centrôrneros dispersos. Nos mamíferos, os centrôrneros

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GENOMA HUMANO 2

podem ser a repetição continuada de uma mesma seqüên­cia. Então, o que encontramos na C elegans é um seg­mento aqui e outro ali e outro mais adiante, da mesma seqüência incrivelmente repetida. Ninguém realmente até agora afirmou que vai seqüenciar corretamente os cen­trômeros humanos. Todos reconhecem que é uma impos­sibilidade; na C elegans temos o mesmo problema, dis­tribuído por uma porção de lugares; foi isso que deixamos para trás: repetições que serão ignoradas em outros geno­mas. Quando, no final do ano passado, aprontamos a maior parte do que era relevante, se não tudo que era bio­logicamente relevante, e já que não

fazem. Não é fácil porque, se você simplesmente elimina um gene entre as cópias que são encontradas no cluster, práticamente nada acontece. Será um desafio descobrir mais sobre eles. Parece claro que essa organização faz parte da estratégia que o nematóide vem usando para adaptar seu genoma ao ambiente. Relacionado também à evolução, há outro dado: os cromossomas não são uni­formes em termos da taxa de mudança. Cada cromosso­ma parece ter uma região no centro, onde se localizam os genes mais conservados, mais antigos, que estão bem re­presentados na levedura. Essa região central tem menos

segmentos repetidos, que apare­sabíamos quanto tempo o resto do esforço iria custar, pareceu razoável ir em frente e publicar. O que esta­mos tentando fazer agora é descre­ver essas regiões o mais acurada­mente possível. Sabemos que não obteremos a seqüência precisa de alguns desses lugares, porque eles são realmente muito complicados e muito resistentes às técnicas atu­ais. Com a descrição minuciosa, queremos ficar certos de que não

'' O governo foi responsável pela

cem muito mais nas pontas dos cromossomas. Algumas vezes são seqüências repetidas que só apare­cem ali e que nunca encontramos na região central. Além do mais, os genes nas pontas tendem a ser menos conservados, e também a se expressar menos abundantemente. Há uma fronteira clara, um limite bem definido, como se houvesse algum mecanismo pelo qual o

conceitualização do Projeto Genoma Humano e é responsável até hoje

por seu progresso''

estamos perdendo nada impor-tante. Alguns desses segmentos são 30 a 50 mil bases de apenas uma simples repetição, e descobrir se não há nada nesses trechos é realmente um processo difícil. Fazemos essa verificação exaustivamente, sobre cada um dos pe­daços, antes de desistir. Parece que há segmentos assim também no genoma humano, que não podem ser seqüen­ciados com o uso das técnicas atuais, mas os problemas são muito menos freqüentes. Enquanto na C elegans encontramos um segmento difícil a cada 1 O mil ou 50 mil bases, no genoma humano as regiões de dificuldade apare­cem 1 O ou 1 00 vezes mais raramente.

• Qual o achado científico mais interessante que o senhor encontrou no seqüenciamento da C. elegans?

-Notável na C elegans são os agrupamentos (clusters) de genes. Em segmentos com 1 O genes, encontramos sete extremamente próximos uns dos outros e, com o que sabemos até agora, todos provavelmente fazendo a mesma coisa. Nós esperávamos encontrar isso, mas não na exten­são em que de fato encontramos. Temos muito boa idéia sobre o que fazem alguns desses agrupamentos de genes, quando podemos estudá-los em outras espécies. Podemos comparar a C elegans com a levedura, por exemplo. No entanto, há ainda um número expressivo de genes sobre os quais nada sabemos. Há numerosos desses agrupa­mentos, e os pesquisadores precisam imaginar o que eles

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DNA das pontas tem permissão para mudar, para tolerar seqüên­

cias repetidas. As mutações nesses genes parecem aconte­cer com mais freqüência; também é verdade que nas pon­tas há conjuntos de genes diferentes dos que encontramos no centro, que são mais importantes e mais conservados. Isso também se reflete na genética, porque quando você procura por uma mutação que tem efeitos maiores no fenótipo da minhoca, eles tendem a estar nas regiões cen­trais e menos freqüentemente nas pontas. No caso dos cromossomas humanos, não sabemos se há segmentos evoluindo a taxas diferentes, como parece ser o caso da minhoca. Não sabemos em quantos segmentos diferentes podemos dividir o cromossoma humano, mas está claro que ele tem algum tipo de segmentação, não é tão simples quanto na minhoca, porque nela há claramente uma re­gião mais conservada flanqueada por esses segmentos mais variáveis. É bem possível que haja mecanismos na espécie humana para separar partes diversas dos cromos­somos para diferentes propósitos.

• O senhor acaba de receber um grant de US$ 38 milhões, anunciado pelo vice-presidente da República, com a missão de apressar os trabalhos do Projeto Genoma Humano e entregar uma primeira versão da seqüência dentro de um ano. Isso será possível?

- Em primeiro lugar, confiamos que vamos cumprir o objetivo; esta é uma decisão séria e não apenas relações

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públicas. Os cinco maiores centros entre os financiados por dinheiro público já produzem alguma coisa como 14 milhões de leituras (reads) por ano; se nós produzirmos duas vezes ou duas vezes e meia esse número durante os próximos 12 meses, aprontaremos a primeira versão da seqüência. Nosso centro tem dobrado sua capacidade de seqüenciamento a cada ano desde que nós começamos; então, não será novo para nós. Neste momento, fazemos 4,5 milhões de leituras por ano, e nossa expectativa é chegarmos a 9 ou 1 O milhões. Então, é realmente possí­vel executar a tarefa. Mas a decisão de lançar esta primeira versão surgiu de conversas com líderes da indústria farmacêutica e

G ENOMA H UMANO 2

dentro do setor público do Projeto Genoma Humano não foram adorados pela Celera; não sabemos se eles serão capazes de alcançar alta qualidade de produto com o método que estão usando. Pessoalmente, acho que não.

• Há muita esperança depositada sobre o seqüenciamento do genoma humano. A genômica é apresentada como um caminho para a imortalidade, há promessas de vida mais Longa, promessas de botar um ponto final no sofrimento humano. Não é demais?

- Bem, nós vivemos na era do

membros da comunidade que estuda genética humana. Eles querem acesso à seqüência já, o mais rápido possível - e achamos que este é o melhor meio de esti­mular a pesquisa. O que estamos tentando fazer é usar bem esses fundos do governo.

''Acho que o resultado final será que entenderemos o papel dos genes

exagero, do sensacionalismo. Em parte por causa da TV, estamos todos competindo por aparecer, e o exagero é o caminho para obter exposição; então, claro, concordo que a biotecnologia, e a genômica em particular, tem sido também objeto de exagero. E isso não vem só do setor privado, o setor aca­dêmico também tem culpa. O fato é que os genes e a genética estão • Mas Haseltine, da Human Geno­

me Sciences, declarou aos jornais que o governo deveria sair desse tipo de projeto ...

muito mais claramente''

-Acho incrível essa declaração de Haseltine. Não es­taríamos no ponto em que estamos hoje se o governo não tivesse se envolvido no assunto. O governo foi o respon­sável pela conceitualização do projeto, e é responsável por seu progresso até hoje. O Projeto Genoma Humano existe por causa do esforço de financiamento público. E, na verdade, afora a contribuição em ESTs, que não é ge­nômica propriamente dita, os grupos privados contribuí­ram quase nada com seqüenciamento de genomas. Acho que há uma única bactéria cujo genoma foi feito por uma companhia privada. Parte disso deve-se ao fato de que o foco da indústria é diferente do foco da academia e do sistema público. Nós tentamos ver a longo prazo, e fornecer um produto que faça sentido e seja durável.

As ESTs são um exemplo ilustrativo das diferenças. Há muito entusiasmo na indústria pelas ESTs, o que não se dá na academia, e a razão é que as ESTs fornecem informação rápida, e malfeita ("quick and dirty"). É informação transitória, porque, quando o genoma humano terminar, ela terá muito pouco valor. As ESTs são importantes na tentativa de interpretar as seqüências, nesse sentido elas têm um valor mais durável porque são registras de substâncias expressas dentro da célula. Há objetivos diferentes. Não está claro, por exemplo, o que vai ser o produto da Celera. Os padrões que adoramos

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envolvidos em quase tudo. Estão claramente envolvidos no fato de

eu estar ficando careca e de eu ser ruivo, o que são coisas triviais; mas também, provavelmente, contribuem para eu ter ou não hipertensão, para ter ou não Alzheimer. Os genes provavelmente definem minhas habilidades atléti­cas, minha inteligência e daí para frente; eles estão por trás do que fazemos. Também há a questão do ambiente: algu­mas coisas sãp mais influenciadas pelo ambiente, outras mais pelos genes. Inteligência, por exemplo - não sabe­mos se se deve mais aos genes ou ao ambiente.

• O senhor acredita que vai haver reparo genético para a obtenção da felicidade?

-Penso que isso está além do que podemos esperar. Nós não entendemos a felicidade. Estamos começando agora a entender a que se deve a fibrose cística, de uma maneira que não entendíamos antes de conhecer os genes que se relacionam a essa doença. Penso que nós encontraremos genes que trazem uma disposição para o bom humor, em oposição a uma disposição para o mau humor. Mas esses genes não serão a resposta - se coisas más acontecem, provavelmente a tristeza virá. Será muito complexo, não haverá uma solução "tire este gene e tudo vai ficar bem". No entanto, acho que o resultado final será que enten­deremos o papel dos genes muito mais claramente e sere­mos capazes de manipular a maneira como influenciam a natureza humana, a condição humana.

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GE NOMA H U M ANO 2

A genôtnica é utna chave para a caixa-preta da ciência

Foi em setembro do ano passado que Claire Fraser chegou à presidência da

TIGR - a instituição de pesquisa que, ao seqüenciar o genoma do Haemophilus influenza, quatro anos atrás, assentou a pedra fundamental sobre a qual se ergueu o edifício da genômica. Claire assumiu o cargo quando Craig Venter, seu marido, trocou a TIGR, e sua história, pela Celera Genomics Corporation, a parceria com grupo Perkin Elmer através da qual o doutor Venter quer realizar o sonho de ser o primeiro a seqüenciar o genoma humano. Até 92, a doutora Fraser vinha construindo sua carreira no poderoso NIH; como especialista em farmacologia chegou, muito jovem - tem, agora, 45 anos -, ao cargo de chefe da Neurobiologia Molecular do instituto dedicado ao alcoolismo. Quando se mudou para a TIGR, como vice­presidente de pesquisa, Claire foi deixando para trás o campo em que se doutorou para participar das equipes de pesquisa que haviam seqüenciado, até setembro de 98, os genomas de sete dos 16 organismos publicados. Seu nome integra o corpo de autores dos papers de todos eles. Na entrevista a seguir, Claire demonstra seu entusiasmo pela genômica; em especial, pela análise comparativa de genomas. Ela recebeu a equipe de reportagem na clara e ampla sala de estar ao lado da presidência, na sede da TIGR em Rockville, a uma hora de Washington. Houve dois momentos em que a entrevista foi interrompida: primeiro, quando os dois poodles do casal entraram pela sala e ela parou para agradá-los e acalmá-los; depois, pela visita de Craig, vindo da vizinha Celera para encontrá-la. Claire parece serena e segura de si.

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Claire Fraser

~ • Hd agora 18 organismos que tive­~ ram seus genomas seqüenciados. A ~ partir desses dados, que importância

adquire a andlise comparativa de genomas?

- O que nós temos encontrado nestes primeiros estudos de com­paração entre genomas, especial­mente genomas microbianos, é que mesmo organismos considerados muito próximos têm um grande conjunto de genes próprios a cada

espécie, que parecem ser únicos. Isso significa que há uma tremenda quantidade de biologia que não enten­demos em cada um desses organismos - embora todos eles sejam extremamente simples. Genômica compara­tiva também informa sobre outras questões. Podemos, por exemplo, examinar patógenos humanos, patógenos do trato respiratório, etc. Por esse tipo de aproximação, podemos começar a definir subconjuntos de genes que possivelmente se revelarão importantes para o entendi­mento de propriedades biológicas desses diferentes or­ganismos. É um tipo de informação que você, se tiver apenas a seqüência de um organismo, só pode adivi­nhar; mas se t~m a possibilidade de examinar vários or­ganismos, entre eles os muito próximos e outros mais distantes, pode ter uma idéia muito melhor do que os organismos compartilham, do que é próprio de cada um. Isso vai nos ajudar muito na tentativa de descobrir quais os genes mais importantes em um organismo e compreender sua biologia.

• Hd aspectos novos em evolução que surgiram dos dados obtidos com seqüenciamento completo de genomas?

- Uma das coisas que descobrimos sobre evolução é que o quadro evolutivo, particularmente em termos de micróbios -e isso pode vir a se revelar verdadeiro tam­bém para organismos superiores quando o Projeto Ge­noma Humano chegar a seu término -, não é talvez tão simples como se pode pensar baseado nas árvores genéticas existentes. A primeira razão para isso é que temos encontrado evidências muito positivas sugerin­do que há muita transferência de genes entre espécies e, assim, especiação e aquisição de novas propriedades

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GENOMA H UMANO 2

bioquímicas podem não vir verticalmente na linha evoluti­va, e sim pela troca de DNA entre espécies. Não fomos os primeiros a perceber a transfe­rência lateral de genes; aliás, essa é uma idéia que já tem bastante tempo. O que os se­qüenciamentos completos de genoma têm mostrado é que a transferência lateral parece ser um processo que conta mais para a diversidade evolutiva do que se poderia antecipar.

'' Esse tipo de projeto é melhor realizado por organ1zaçoes

como a TIGR, que tem eficiência econômica

por causa da escala''

novas hipóteses e novos experi­mentos.

• Quando começou sua carreira, a senhora imaginou que sua prática seria como é? Sua vida como cientista é como a senhora tinha imaginado?

- Meu treinamento foi em farmacologia. Comecei como estudante de graduação e por 15 ou 16 anos, depois que me

• O aspecto industrial da genômica predomina sobre o as­pecto propriamente científico da especialidade? Não se trata de montar rotinas, e de assegurar que tudo seja rea­lizado conforme a elas?

- Há, sem dúvida, um componente industrial impor­tante no que fazemos . É trabalho de larga escala, nós nos apoiamos largamente em automação, as atividad_es são rotineiras. Fazemos a mesma coisa todos os dias qualquer que seja o organismo que estejamos seqüen­ciando. Essa parte é claramente industrial, e por essa razão acredito que esse tipo de projeto é talvez melhor realizado por organizações como a TIGR, em que te­mos eficiência económica por causa da escala com que trabalhamos. No entanto, nem por um minuto penso que genômica não é ciência fundamental, porque o in­teresse dos cientistas em cada um desses projetas que completamos é levar a informação um passo adiante, olhar as seqüências e tentar fazer novas perguntas. O que nas seqüências nos ajuda a entender a biologia desses organismos, o que aprendemos de novo, o que não sabíamos antes ... Todas essas informações nos dão um novo ponto de partida para a formulação de hipó­teses que nos levarão de volta aos laboratórios para no­vos experimentos, o que acon-

formei, trabalhei com receptores para neurotransmis-sores, proteínas da membrana celular que interagem com hormônios para causar mudanças em determina­das células. Ao longo desses estudos, aprendi biologia molecular, clonei muitos genes, usei receptores para olhar em detalhes como eles interagiam com os hor­mônios e os neurotransmissores, mapeando sítios de ligação para aminoácidos específicos . Eu julgava meu trabalho muito, muito importante- até que o seqüen­ciamento automático evoluiu a ponto de termos con­dições de montar esses novos tipos de projeto. Eles co­meçaram com ESTs humanas, e não com projetas genoma de micróbios, e então ficou claro que podía­mos pensar biologia em larga escala e fazer biologia em larga escala. Foi isso que me fez refletir sobre o traba­lho que fazia em meu próprio laboratório; que talvez o que eu fazia não fosse importante comparado ao que poderia ser realizado em genômica. Isso revolucionou a ciência de vma maneira maravilhosa, pois agora é re­almente possível pensar que se pode trabalhar em um organismo ou em um sistema e conhecer seu esquema genético completo antes mesmo de começar o estudo. Você sabe exatamente com o que você está trabalhan­do; a ciência tornou-se muito menos uma caixa-preta. Essa é uma das contribuições fundamentais oferecidas pela genômica. Mas nada disso quer dizer que não há

mais lugar para o tipo de tra­tece aqui com freqüência. Mas há grupos nos Estados Unidos e em outros países do mundo que parecem mais interessados em gerar as seqüências e que vêem isso como um fim . Ao contrário , acredito que há muita ciência interessante a ser feita mesmo no computador, particularmente na área de ge­nômica comparativa, assim como através da geração de

''Agora é realmente possível trabalhar num orgamsmo

do qual se conhece antes o esquema

genético completo''

balho que eu fazia antes de mudar para a genômica. Aliás, há mais lugar do que antes para aquele tipo de trabalho, porque ignoramos a função de 30% a 50% dos genes quedes­cobrimos - e, portanto, preci­samos voltar ao laboratório para pesquisar o que esses ge­nes fazem e como eles contri­buem para a biologia dos orga-nismos. Em suma, a genômica

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GEN OMA H UM A NO 2

mudou a ciência em muitos níveis: ao possibilitar o estudo dos organismos no nível de seus genomas, ao tornar as ciên­cias da computação e a bioin­formática muito mais impor­tantes na compreensão do todo, e ao dar a cientistas, que estão trabalhando num único gene ou em conjuntos de ge­nes, novos pontos de partida para avançar.

''Vamos levar

torne o mais educado possível em ciência, e em tudo que ela significa. Mesmo para um cien­tista, é difícil avaliar bem o que lê sobre um determinado avanço numa área que não é sua; nem sempre ele é real­mente capaz de pôr a informa­ção no devido contexto. Ima­gino então a dificuldade para os leigos, que têm um back-

a melhor parte do próximo século

para entender parte da informação que

geramos até agora''

• A mídia trata a nova biologia molecular e a genômica como uma espécie de caminho para a imortalidade. O que a senhora pensa sobre esse tratamento que a ciência e os cientistas recebem?

- Isso é um exagero. Vamos levar a melhor parte do próximo século para entender parte da informação que geramos até agora. Em poucos anos, teremos dis­poníveis as seqüências da drosófila, do rato, do ho­mem; e se nós sabemos tão pouco a respeito das bac­térias neste momento, teremos muito mais dificuldade para entender o que acontece com os organismos su­periores. Por enquanto, esse entendimento é apenas uma pretensão. Para mim, os cinco anos de trabalho nesta área têm sido a mais humilhante experiência em toda a minha carreira, porque encontro cada vez mais indicações do quanto é pouco o que sabemos.

• Apesar disso, não se vê os cientistas desmentindo a im­prensa ...

- É verdade: os cientistas querem retratar seu traba­lho como o mais relevante possível; e especialmente na área humana, onde você pode encontrar um novo gene e associá-lo a uma doença. É aí que vem a publicidade e a imprensa. Não é considerada boa história se al­guém descobre um gene e não

ground muito mais limitado. Acontece com freqüência de

sermos visitados por pacientes, ou por grupos de apoio a esses pacientes, e eles estão tão desesperados em bus­ca de um avanço, em busca da cura, que toda vez que há qualquer novidade, tenta-se transformá-la na espe­rança de um avanço fundamental ou de um tratamen­to em curto espaço de tempo. Então, acho que sempre haverá esse exagero, essa espécie de sensacionalismo -não há escapatória.

• Pessoalmente, a senhora acredita que os avanços relacio­nados da genética humana levarão a ciência a poder res­ponder a perguntas como: por que Brahms era tão bom compositor, ou por que James Joyce escreveu tão belos li­vros? Os reparos genéticos vão resolver a questão do sofri­mento humano?

-Acho que essa é uma visão super simplificada do tipo de informação que virá de termos o genoma hu­mano seqüençiado. Habilidade artística, habilidade musical, e esse tipo de coisas sobre as quais você fa­lou, claramente têm componentes genéticos; há múl­tiplos fatores genéticos que influem nisso e que to­marão décadas de estudo, ou mais, para serem elucidados. Há também a questão dos fatores ambien­tais. Os estudos que comparam gêmeos são perfeitos como exemplo para isso: você tem dois indivíduos

com o mesmo código genéti­sabe dizer exatamente o que ele faz. É muito melhor dizer que encontramos um gene as­sociado a determinada doença, que pode levar a um novo tra­tamento ou à cura. Essa é uma história muito melhor, e o pú­blico vai se interessar em ler. Ambos os lados têm parcela de culpa, e essa é uma das razões que levam os cientistas a pen­sar que é vital que o público se

''Os cinco anos de trabalho nesta área

têm sido a mais humilhante experiência

em toda a

co, e se eles crescem em am­bientes diferentes, apesar de terem muitas similaridades, se tornarão indivíduos diferen­tes. Esse grau de complexida­de não será resolvido simples­mente com o seqüenciamento completo do genoma. O que é boa notícia para os cientistas: haverá trabalho a fazer por muitas e muitas décadas à

minha carreira'' frente ...

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GENOMA HUMANO 2

O que não está nos genes tan1béni não está no n1undo

O inglês Andrew Simpson, que se afirma um "cientista brasileiro"

;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;:;::;:::;;:=;:;::;:::;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;:;=;:::;;;;;;;;;;;;;;; :;; • Gostaria de começar falando de pa­g tentes e genômica. Na sua opinião, que g política de patentes deve prevalecer? c;

:E na entrevista a seguir, é um homem radical: deixa-se levar tão longe quanto possível pelo pragmatismo que caracteriza as concepções da quase totalidade dos pesquisadores envolvidos com a biologia molecular contemporânea.

Andrew Simpson

-Eu acho que hoje patentes fazem parte integral das ciências da vida e de genomas. Mas há muita ilusão e ignorância sobre todo esse processo. Muitas pessoas acham que patente dá dinheiro. Não dá. Depois acham que dá direitos. O único direito que dá é o de você defender sua posição

Nesta área do conhecimento que se erigiu sobre a confiança de que o caminho da verdade nascerá inevitavelmente do acúmulo de informações sobre as partes (o DNA sendo a parte última) e que deseja controlar a intimidade dos mecanismos da vida, o pensamento que Simpson esboça nesta entrevista, com coragem e clareza incomuns, é o dominante entre seus colegas. Aos 44 anos, o coordenador de DNA do seqüenciamento da Xylel/a fastidiosa, e coordenador - geral do Genoma Câncer, uma parceria da FAPESP com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, é um militante da objetividade sem nuances, tão típica desta transição entre milênios. Para o doutor Simpson, o que não está nos genes não está no mundo - e isso vale para uma bactéria ou para um ser humano. No futuro imaginado por este homem tão fortemente conectado a seu tempo, a imortalidade terá sido alcançada e nenhum mistério restará sobre a vida. Fazer este futuro chegar mais depressa é o compromisso de Andy, como ele gosta de ser chamado pelos amigos; e como ele é infatigável, é provável que consiga. Com vocês, Andrew Simpson:

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na frente de um juiz. E, quando se tem realmente uma coisa boa que se patenteou, depois se vão enfrentar todos os desafios. Cansa, é complicado e custa caro. Mas temos de assimilar isso, senão estamos fora do jogo.

• Quanto custa manter uma patente?

- Se alguém tem uma patente de uma coisa boa que quer defender, no final vai gastar de meio milhão de dólares para cima. Tem os legal fies, o advogado, patent office, etc. Depositar, que é o início de tudo, é barato: US$ 15 mil. Neste momento complicado em que estamos, há patentes muito precoces. Fazem-se muitas e abandona-se a maio­ria. Restam, rio fim, aquelas que realmente valem a pena. Prefiro mil vezes a idéia de que a patente deve ser de um gene inteiro, que já tem uma utilidade. Mas para trabalhar assim temos também de aprender a falar menos - primei­ro assinar uma patente e depois começar a falar a respeito. Minha posição é que patentes em cima de seqüências sem utilidade complicam a vida do pesquisador. Temos de fazê-las porque a lei ainda não é clara, mas seria bom que fosse e explicitasse que as seqüências para serem patentea­das têm de ter uma utilidade comprovada, que pode ser um gene de nível de expressão de tumor, coisas que te­nham um potencial.

• O senhor tem trabalhado nisso por causa das seqüências já geradas pelo Genoma Câncer?

- Sim, toda hora tenho meia dúzia de processos de pa­tente em andamento. Cada vez que vou para Nova York sempre gasto pelo menos um dia com advogados, olhan­do processos. É um trabalho a que não estamos acostu-

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GENOMA H UMANO 2

mados, e o retorno para o pesquisador raramente apare­ce. Mas temos de assimilar isso, aprender e temos de es­tar sempre procurando a possibilidade de patentear.

• Há uma idéia geral de que sem patente não tem pesquisa, pois ninguém vai querer investir sem garantias.

- É verdade. Em algum momento é preciso investimen­to de uma empresa, e ninguém vai investir sem alguma garantia de propriedade, senão gastam-se milhões de dó­lares desenvolvendo uma droga e, quando termina, qual­quer pessoa pode fazer exatamente

formações, porque não têm tempo de olhar os dados. Não fazem nada da parte de genomics.

• Qual a diferença que o senhor vê entre Craig Venter e Bob "Waterston? Gostaria que descrevesse a importância e o lu­gar que eles ocupam no mundo da genômica.

-O Craig é a pessoa que realmente fez com que geno­mics se tornasse uma área exciting para trabalhar. Mais do que qualquer outro, ele estimulou o interesse do público em geral pela área, inclusive o do mundo científico. Todo

mundo ficou fascinado com um o mesmo - copiar e pronto. Então, obviamente, tem de se proteger a propriedade intelectual. É bom para o pesquisador, porque agora ele tem um produto mais tangível do que um paper, tem uma coisa que pode vender. Também vem embutida nisso a garantia de que é mais provável que sua descoberta seja desenvolvida porque é atraen­te para um investimento. Minha preocupação é com patentes muito

'' Craig Venter levou o ato de seqüenciar para a

ciência. Mas ficou numa posição desconfortável

entre o mundo acadêmico e o comercial''

genoma inteiro pela primeira vez. Para comparar, olhe-se o número de papers, na Nature, Science, etc., que Craig produziu, e o número que Bob Waterston produziu. Por ter se arriscado um pouco mais, por estar mais vulnerável, Craig sempre teve que answer his critics. Os grandes papers de ESTs na Na­ture, o primeiro genoma comple­to ... todos vêm da TIGR, todos

precoces porque, se você tem pa-tente de parte de um gene antes de saber realmente o que ele faz, isso é um "desincentivo" para todos os outros tra­balharem com aquele gene. Todo o mundo científico está batalhando para descobrir onde deve ser a linha abaixo da qual não se pode patentear, e acima da qual pode-se. Pa­tente é importante para a pesquisa porque incentiva o pes­quisador e o investidor. Mas também pode desincentivar.

• O doutor Robert "Waterston enfatiza a política de lança­mento diário dos dados das seqüências brutas como a que traz mais beneficias para a pesquisa. O senhor concorda?

- Para o tipo de trabalho que eles estão fazendo, acho ótimo. Nossa filosofia no projeto do câncer é a mesma, já começamos a depositar no GenBank, e vamos disponibili­zar raw sequences. O dinheiro que nos permitiu produzi­las não é investimento de empresa, é do Instituto Ludwig e da FAPESP. A humanidade tem mais chance de se bene­ficiar se a seqüência do genoma humano estiver totalmen­te livre. Vamos patentear, sim, genes completos, com uti­lidade. Mas me ajuda demais o fato de eles já terem depositado as seqüências: por exemplo, posso pegar a se­qüência produzida na Washington University, colocar jun­to com uma minha, mostrar que isso faz alguma coisa e patentear. Então, acho ótimo que eles estejam disponibi­lizando. O problema deles é que só estão produzindo se­qüências, não fazem mais nada. Não vão aproveitar as in-

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vêm dele, todos são complicados para serem submetidos through the

scrutiny. Foi ele também quem descobriu como produzir resultados científicos baseados no genomics, porque é mais do que a seqüência, é também annotation. Ele inventou o genomic 's paper: fazer a seqüência inteira, anotar, descre­ver as funções. Ele o fez pela primeira vez. Ele levou o ato de seqüenciar para a ciência. Mas fez também algumas coisas erradas dentro da comunidade, principalmente porque ficou ríuma posição desconfortável entre o mun­do acadêmico e o mundo comercial. Ele quis ser aceito no mundo acadêmico, mas teve de receber financiamento do mundo comercial. E, principalmente com as ESTs huma­nas, ele decepcionou a comunidade acadêmica, não divul­gando os dados da maneira como prometeu. Ele ficou nessa posição desconfortável, agora decidiu desafiar o mun­do inteiro com aCelera, e redobrou os problemas que tem.

• O senhor considera-o um bom cientista?

- Sim, com certeza. Seus papers são cheios de erros, mas exigem uma cabeça muito boa, ele faz mais que seqüen­ciar. Dizem que ele não inventa nada, que só enxerga o que é uma boa idéia dos outros e a coloca para funcio­nar. Mas, depois que funciona, ele interpreta bem, tira as informações, transforma-as em informações úteis para os outros. Por outro lado, Bob Waterston, John Sulston, Francis Collins, todo aquele grupo do dinheiro público dos National Institutes of Health e do Departamento de

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Energia - foi realmente Waterston quem iniciou tudo -são homens diferentes. São homens do sistema que assu­miram um papel dentro do sistema, o trabalho como protestant work ethic. São pessoas que fazem, produzem, são honestas e muito abertas.

• O foto de Craig Venter se ligar à Perkin-Elmer não é uma dificuldade, por eles serem fobricantes do equipamento?

- Bom, no man is an island De certa maneira, ele ficou isolado. Para acelerar o projeto do NIH, pode-se ter o apoio de muitas pessoas que acre-

G E NOMA H UMANO 2

rão mesmo melhores diagnósticos de muitas doenças, to­das as doenças genéticas vão ser muito melhor definidas. Isso inclui o câncer, em que o grande benefício será um enorme aperfeiçoamento no diagnóstico. O câncer é uma doença curável enquanto se tem um tumor isolado, por­que uma simples cirurgia o retira e acabou a história. O grande problema do câncer é que ele normalmente não tem sintomas enquanto está nesse estágio, só depois que já se espalhou, quando essencialmente não é mais curável. Daí, para curar câncer, simplesmente tem de se ter a con­sulta mais cedo. E eu acredito que o genoma humano vai

possibilitar isso. Vamos ter uma caixa de ferramentas muito maior, ditam no projeto. Craig não tem

esse tipo de apoio. Em relação à Perkin-Elmer, acho uma posição complicada, porque em cada se­qüenciador colocado no projeto a empresa está perdendo dinheiro, porque não vendeu para outras pessoas. Não sei os detalhes, mas tenho a impressão de que a Cele­ra não está acelerando tanto como eles pensavam. A Celera vai ter pouca coisa antes do grupo dos

''Não é um mistério porque temos

vamos conhecer muitos genes que são super expressos desde que o tu­mor se instala, e isso vai permitir que uma simples cirurgia seja a cura para a maioria dos casos. vida curta. Nem vida

nem morte são mistérios. São processos

químicos''

• E isso vai ser feito pelo uso disse­minado dos chips de DNA?

- Chips de DNA, ou testes imu­nológicos baseados em proteínas descobertas a partir dos genes, fundos públicos. Craig Venter é

inteligente, sabe se virar, mas acho que está muito isola­do. Eu não gostaria de estar na posição dele.

• Mas ele deve gostar, porque criou esta posição para ele. Afinal, poderia estar na TIGR.

- Exatamente, então boa sorte. Mas a posição de Bob Waterston e de Sulston é muito mais confortável, eles são os white knights, salvando a humanidade contra o inimigo. Se não conseguirem, ajudaram e fizeram o melhor possível. Craig vai ganhar ou perder, agora eles só vão ganhar.

• Quais são as expectativas que a mídia tem em relação ao genoma humano e o que o senhor acha que é de foto real e o que é invenção? O que vai se cumprir?

- Timing is everything in politics. Eu acho que infeliz­mente tem muita confusão com genoma humano, com clonagem, transgênicos e biotecnologia, tudo vem junto na cabeça de todo mundo. E a ciência não fez muito bem seu papel de educação e deu muito espaço para as ONGs e outros criticarem.

• O senhor estd folando de transgênicos.

-É que vem tudo junto. É o genoma humano que vai virar clonagem, que vai virar não sei o quê. Acho que vi-

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etc., e em curto prazo. Nos próximos cinco anos isso vai dar frutos. Sempre vai haver câncer, é inevitável, faz par­te do processo de envelhecimento. Por isso é importante ter as ferramentas para descobrir cedo. O desafio depois vai ser como não envelhecer.

• Isso também estd contido nas promessas do genoma huma­no, uma espééie de imortalidade?

-Não, mas eu acho o seguinte. Tente imaginar que o futuro é longo, daqui a mil anos. Não tenho muita dú­vida de que antes disso a imortalidade seria factível.

• Por quê?

- Para mim não há mistério. Não é um mistério por­que temos uma vida curta. Nem vida nem morte são mistérios, são processos químicos. Parece que se explica grande parte dos acontecimentos de envelhecimento com base na acumulação de mutações. O que eu notei, e já publiquei, é que duas coisas estão ligadas: envelheci­mento e evolução. Porque, para uma espécie evoluir, pre­cisa-se de uma taxa de mutação para gerar variabilidade, pois sem variabilidade não há seleção natural e a existên­cia fica muito vulnerável à mudança de ambiente. En­tão, temos uma seleção positiva para uma taxa de muta­ção fixa, que resultou na existência do ser humano.

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GEN OM A H UMANO 2

Portanto, mutação é uma coisa muito positiva. Temos em nosso corpo dois tipos de célula: germinativa e não germinativa. Mas os processos genéticos nos dois tipos são exatamente os mesmos. Então, o que acontece nas células germinativas é o seguinte: elas dividem-se relati­vamente pouco entre uma geração e outra. E é na pró­pria divisão celular que acontecem as mutações, e são corrigidas por proteínas e enzimas de reparo. Minha hi­pótese é que é a eficiência das enzimas de reparo que de­termina a taxa de mutação. Nas nossas células germina­tivas tem uma taxa de eficiência que permite a evolução - e isso é herdado pelas células so-

talvez tenha outros fatores envolvidos: oportunidades, sorte, etc. Mas ninguém vai superar seu potencial gené­tico. Isso é impossível. Talvez eu esteja errado, porque se alguém vai atingir, ou não, o seu potencial genético tam­bém é determinado geneticamente. Acho que a influên­cia dos pais e das escolas é muito menor em termos po­sitivos do que nós gostaríamos de pensar.

• O senhor se sente bem nesse mundo sem mistério?

- Claro. A humanidade sempre procurou se desculpar usando o destino. Então, estou co­locando o destino em genética. Se máticas, que continuam se divi­

dindo. A acumulação de mutação nas células somáticas é exponen­cial. Por isso, o câncer é inevitável. Então, é simples: se as enzimas de reparo forem moldadas para não ter acúmulo de mutações, não se vai envelhecer, ter câncer, enfarte, não se vai ter reumatismo.

'' Parece possível explicar grande

parte do processo

eu não ganhar o Nobel Prize, eu não podia mesmo, ou foi azar. As­sim, isso me desculpa de muitas coisas. Com meus filhos também, eu não penso: "meu Deus, se eu fizer isso, eles serão criminosos". Eles vão ser o que eu já defini no momento em que dei meus genes, então posso conviver com eles e gastar meu tempo de uma manei-• Se nem vida nem morte são mis­

tério, por que os cientistas falharam em reproduzir o começo da vida em laboratório?

de envelhecimento com base na acumulação

de mutações''

-Não conseguiram ainda, mas talvez precise-se de mi­lhões de anos para isso funcionar. A grande contribuição do genomics é que tirou o mistério da vida. Quando você olha uma página da Nature que tem todos os genes de uma bactéria, você está olhando para rodas as proteínas necessárias e suficientes para aquele organismo existir. Então, em certo momento, vamos saber como construir grandes moléculas de DNA sintético e assim vamos criar vida. Para mim, é uma grande mudança poder dizer: a vida é isso, a vida é esta lista de genes. Não tem mais nada. A biologia agora é uma ciência exata. A vida não é um mistério, é só um processo complexo, que está come­çando a ser totalmente definido.

• O senhor acha que do estudo detalhado da infinidade de partes e detalhes e suas variações emergird, então, a expli­cação de tudo?

-Sim, acredito que sim. Vamos supor um experimento. Pegamos meu filho e um chimpanzé e colocamos na mes­ma escola. Depois de 5 anos, quem terá aprendido mais? Os chimpanzés conseguem acompanhar o desenvolvi­mento humano até um ano de idade, depois não conse­guem mais. É o limite genético. A genética define seu potencial. Se cada pessoa vai atingi-lo é uma questão que

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ra agradável, em vez de pensar roda hora que a minha influência

vai determinar seu futuro, o que não é verdade. Dá uma liberdade para viver despreocupado. Eu acho ótimo.

• Como o senhor define a posição de coordenador de DNA de um projeto genoma?

- Como muitas coisas no projeto da Xylella, não ficou definido exataÍnente o que é ser coordenador de DNA. Então, criei essa posição e assumi, na realidade, a lide­rança do projeto. Isso me permitiu, depois, delegar. Es­tava um pouco inseguro no início, tinha uma tendência a achar que deveria conhecer tudo, e as outras pessoas fa­zerem só o seqüenciamento e a anotação. Agora não, tem muita gente participando do fechamento, e o que estou tentando fazer é realmente coordenar.

• Como o senhor se sente, sendo um inglês entre brasileiros?

-Eu não penso que sou inglês. O Brasil é um país de imi­grantes, e eu sou um imigrante mais recente do que a maio­ria dos outros, só isso. Quando falo no exterior sobre esse projeto, eu falo do Brasil, dos brasileiros; esse projeto é bra­sileiro. Agora as pessoas começam a perguntar: Where are you originally from? Where were you born? Eu já virei de uma certa maneira um brasileiro, assimilado pela comunidade científica brasileira, eu sou parte disso, independentemente de minhas origens, porque eu não tenho mais laços lá fora.

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