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Uma prova-do-ceu

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Título original: Proof of Heaven

Copyright © 2012 por Dr. Eben Alexander IIICopyright da tradução © 2013 por GMT Editores Ltda.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livropode

ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentessem

autorizaçãopor escrito dos editores.

tradução: Joel Macedo

preparo de originais: Alice Dias

revisão técnica: Suzana Herculano

revisão: Hermínia Totti e Rebeca Bolite

diagramação: Valéria Teixeira

capa: Miriam Lerner

imagem de capa: Kurga / iStockphoto

geração de epub: SBNigri Artes e Textos Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

A43pAlexander, Eben.

Uma prova do

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Uma prova docéu [recursoeletrônico] / EbenAlexander[tradução de JoelMacedo]; Rio deJaneiro: Sextante,2013.

recurso digital.Tradução de: Proof

of heavenFormato: ePubRequisitos do

sistema: AdobeDigital Editions

Modo de acesso:World Wide Web

ISBN 978-85-7542-904-4 (recurso

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7542-904-4 (recursoeletrônico)

1. Alexander,Eben 2. Médicos -Estados Unidos -Biografia 3. Religiãoe ciência. 5. Livroseletrônicos. I.Título.

13-1079 CDD: 926.1092CDU: 929:61

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo22270-000 – Rio de Janeiro – RJ

Tel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]

www.sextante.com.br

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SUMÁRIO

Prólogo

1. A dor

2. O hospital

3. Fora do ar

4. Eben IV

5. Mundo subterrâneo

6. Âncora para a vida

7. A melodia giratória e o mundo novo

8. Israel

9. O núcleo

10. Quem se importa?

11. O fim do tormento

12. O núcleo, de novo

13. Quarta-feira

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14. Um tipo especial de EQM

15. A dádiva do esquecimento

16. O poço

17. Caso único

18. Esquecer e lembrar

19. Sem lugar para se esconder

20. O caminho de volta

21. O arco-íris

22. Seis rostos

23. Última noite, primeira manhã

24. O retorno

25. Chegando aos poucos

26. Espalhando a notícia

27. De volta ao lar

28. Absolutamente real

29. Uma experiência em comum

30. De volta da morte

31. Três segmentos

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32. Uma visita à igreja

33. O enigma da consciência

34. Um último dilema

35. A fotografia

Anexo A

Anexo B

Eternea

Referências bibliográficas

Agradecimentos

Conheça outros títulos da Editora Sextante

Conheça os clássicos da Editora Sextante

Informações sobre os próximos lançamentos

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Q

PRÓLOGO

Um homem deve procurar o que existe,não o que ele acha que deveria existir.

Albert Einstein (1879-1955)

uando eu era criança, sempre sonhava que estavavoando.

Na maioria dos sonhos, eu estava no quintal à noite,olhando as estrelas, quando, de repente, meu corpocomeçava a flutuar. Eu subia os primeiros centímetrosautomaticamente, mas logo percebia que quanto mais altoia, mais o progresso dependia de mim – do que eu fazia. Seficasse muito entusiasmado com a experiência,simplesmente desabava no chão. Mas se flutuasse comtranquilidade, tentando manter o equilíbrio, eu ia cada vezmais longe – e mais rápido – em direção ao céu estrelado.

É provável que aqueles devaneios infantis tenhamcontribuído para, na vida adulta, eu ter me apaixonado poraviões, foguetes e tudo o que pudesse me transportar paraum mundo acima deste. Quando viajava com minha família,

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grudava o rosto na janela do avião desde a decolagem até aaterrissagem. No verão de 1968, aos 14 anos, investi todo odinheiro que ganhara cortando grama em uma série de aulasde planador, em um minúsculo “aeroporto” a oeste deWinston-Salem, a cidade onde nasci, no estado da Carolinado Norte. Ainda me lembro de como meu coração batiaforte quando puxei a alavanca vermelha que desconectava oplanador do rebocador pela primeira vez. Naquelemomento, eu me senti verdadeiramente sozinho e livre. Amaioria dos meus amigos sentia isso em relação a carros,mas eu achava que estar a 300 metros de altura era muitomais emocionante.

Durante a faculdade, na década de 1970, fiz parte daequipe de paraquedismo esportivo da Universidade daCarolina do Norte. Parecia uma sociedade secreta – umgrupo de pessoas que detinha os segredos de alguma coisamágica e especial. Meu primeiro salto livre foi aterrorizante,e o segundo, ainda mais assustador. Mas, por volta dodécimo segundo, quando cheguei à porta do avião e tive quemergulhar no espaço antes de abrir o paraquedas,finalmente me senti em casa.

Fiz 365 saltos de paraquedas durante a faculdade e fiqueicerca de 3 horas e meia ao todo em queda livre, quasesempre em formações com até 25 companheiros. Emboratenha parado de saltar em 1976, continuei a ter sonhos

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muito reais sobre estar voando, e eram sempre muitoagradáveis.

Os melhores saltos costumavam ser os do fim da tarde,quando o sol começava a descer no horizonte. Não é fácildescrever a sensação que se tem durante o salto: é como seaproximar de algo que não se pode nomear, mas em que seprecisa mergulhar ainda mais fundo. Não era exatamentesolidão que eu sentia, porque em geral éramos cinco, seis,até dez ou doze pessoas saltando de uma vez, compondoformações em queda livre. Quanto maior o desafio, melhor.

Em um belo sábado de outono em 1975, a equipe de saltoda universidade se reuniu com uns amigos de um centro deparaquedismo para executar algumas formações. Nopenúltimo salto do dia, a bordo de um Beechcra D18, a3.200 metros de altura, fizemos um snowflake (configuraçãoem forma de flocos de neve) com 10 homens. O objetivo deexecutar o desenho completo antes de atingirmos os 2 milmetros foi cumprido, portanto pudemos ficar 18 segundosaproveitando a formação antes de soltarmos as mãos e nosposicionarmos a uma distância segura um do outro, demodo que pudéssemos abrir os paraquedas. Tudo isso apouco mais de 1.500 metros do solo.

No momento em que tocamos o chão, o sol já começava ase esconder. Mas corremos para outro avião o mais rápidopossível e decolamos de novo. Fizemos mais um salto antes

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de anoitecer. Dessa vez, dois membros novos estavam tendosua primeira experiência em salto com formação, e elesdeviam se aproximar do grupo em vez de atuar comohomem-base (que é mais fácil, já que o homem-base cai emlinha reta enquanto os demais precisam manobrar em suadireção). Foi bastante empolgante para eles, mas tambémpara nós, veteranos, pois estávamos formando nossa equipee proporcionando outras experiências a saltadores que, embreve, seriam capazes de nos acompanhar em formaçõesainda mais complexas.

Eu era o último na formação de uma estrela composta porseis homens. Estávamos acima da pista de pouso de umpequeno aeroporto nos arredores de Roanoke Rapids. Oparaquedista que pularia antes de mim se chamava Chuck eera bastante experiente. Lá de cima, a 2.300 metros de altura,ainda podíamos ver o sol, mas as luzes da cidade já estavamacesas. Saltos ao crepúsculo eram sempre maravilhosos eaquele se encaminhava para ser mais um.

Embora eu tivesse saltado do avião apenas um segundodepois de Chuck, era preciso me mover rápido para meaproximar dos outros. Mergulhei de cabeça e fiquei assimpor sete segundos. Isso me fez descer quase a 160km/h maisrápido que meus amigos, de modo que eu poderia estar comeles logo que começassem a montar a formação.

O procedimento normal para finalizar esse tipo de

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manobra é todos os saltadores se separarem a mil e poucosmetros do solo e ficarem o mais longe possível da formação.Cada um, então, deve sinalizar com os braços (indicando aabertura iminente de seu paraquedas) e olhar para o alto afim de se certificar de que não há ninguém acima dele, parasó então acionar a corda do paraquedas.

Os primeiros quatro saltadores pularam, Chuck e eumergulhamos logo atrás. De cabeça para baixo, meaproximando da velocidade final, sorri ao avistar o pôr dosol pela segunda vez naquele dia. Após disparar na direçãodos outros, eu deveria acionar os freios aéreos abrindo osbraços – tínhamos um traje com asas de tecido presas dospulsos aos quadris, que criavam uma área de resistênciamaior quando infladas por causa da alta velocidade.

Mas não tive a chance de fazer isso.Ainda em queda livre, percebi que um dos novatos estava

indo rápido demais. Talvez cair velozmente entre duasnuvens muito próximas o tenha assustado – e talvez eletivesse lembrado que estava se movendo a mais de 200km/hna direção daquele planeta gigante lá embaixo, parcialmenteencoberto pela escuridão da noite. Assim, em vez de seaproximar lentamente da formação, o rapaz estava quase sechocando contra o grupo. Agora todos os cinco saltadoresestavam fora de controle.

Eles estavam muito próximos entre si. Um paraquedista

Sósthenes
Sticky Note
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em queda livre deixa uma poderosa corrente de baixapressão atrás dele. Se outro saltador entra nesse rastro,instantaneamente aumenta sua velocidade e pode se chocarcom a pessoa que está embaixo. Isso, por sua vez, pode fazerambos os saltadores acelerarem e baterem em qualquer umque possa estar abaixo deles. Em suma, é uma receita para odesastre.

Virei meu corpo e me afastei do grupo para fugir daconfusão. Procurei manobrar até me ver caindo direto no“ponto”, um local no solo sobre o qual deveríamos abrir oparaquedas para a descida vagarosa de dois minutos.

Olhei para cima e pude constatar, aliviado, que ossaltadores estavam se afastando uns dos outros edesfazendo aquele agrupamento mortal.

Chuck estava entre eles, mas, para minha surpresa, elecomeçou a vir em minha direção e se posicionou embaixo demim. Com todos os problemas que tinham acontecido,estávamos caindo bem mais rápido do que ele previra.Talvez pensasse que estava com sorte e, por isso, nãoprecisava mais seguir as regras.

Ele não deve ter me visto. Este pensamento mal passou pelaminha cabeça, quando vi o paraquedas-piloto – o pequenoparaquedas que comanda a abertura do paraquedasprincipal – de Chuck emergir de sua mochila. O paraquedas-piloto pegou um vento de 190km/h e veio direto na minha

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direção, puxando o principal logo atrás.No momento em que vi o paraquedas-piloto de Chuck,

tive uma fração de segundo para reagir, pois empouquíssimo tempo eu me chocaria com o paraquedasprincipal que já se abria e muito provavelmente com opróprio Chuck. Na velocidade em que eu estava, se atingisseseu braço ou sua perna eu os deceparia, além de meenvolver em um acidente fatal. Se eu me chocasse com elediretamente, nossos corpos explodiriam.

Algumas pessoas dizem que as coisas se movem maisdevagar em situações como essa, e elas estão certas. Minhamente assistiu aos microssegundos que se sucederam comose estivesse assistindo a um filme em câmera lenta.

Quando me dei conta de que o paraquedas de Chuckestava começando a abrir, colei os braços na lateral do corpoe me preparei para um mergulho de cabeça, inclinandolevemente o quadril. A verticalidade fez com que minhavelocidade aumentasse e a inclinação permitiu que meucorpo fizesse um desvio, funcionando como uma asa, o queme jogou para longe o suficiente de Chuck.

Passei por ele a quase 250km/h. Duvido que ele pudessever meu rosto, mas se o fizesse, veria uma expressão deassombro. De alguma forma, reagi instantaneamente a umasituação que, se tivesse tempo de avaliar, talvez fosse bemmais difícil de resolver.

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E, no entanto, eu havia resolvido – e nós dois pousamosem segurança. Era como se, diante de uma circunstância queexigia mais do que uma capacidade normal de reação, meucérebro tivesse adquirido superpoderes.

Como eu havia feito isso? Ao longo dos meus mais de 20anos de carreira em neurocirurgia – estudando o cérebro,observando seu funcionamento e realizando operações –,tive muitas oportunidades de refletir sobre essa questão. Atéque finalmente concluí que o cérebro é um dispositivo maisextraordinário do que podemos supor.

Hoje compreendo que a verdadeira resposta a essaquestão é muito mais profunda. Porém, tive que passar poruma completa metamorfose – tanto na minha vida quantona minha visão de mundo – para vislumbrar essa resposta.

Este livro é sobre os acontecimentos que mudaram aminha maneira de ver aquele episódio. Eles meconvenceram de que, por mais maravilhoso que seja omecanismo do cérebro, não foi ele que salvou a minha vidanaquele dia. O que entrou em ação quando o paraquedas deChuck começou a abrir foi uma parte muito mais profundade mim – uma parte que pôde se mover com tantavelocidade porque não estava atrelada ao tempo da maneiracomo o cérebro e o corpo estão.

Na verdade, era essa mesma parte que me fazia ficar tãonostálgico em relação ao céu quando criança. Ela não é

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apenas a parte mais inteligente de nós, mas é também a maisprofunda, ainda que durante quase toda a minha vida adultaeu tenha sido incapaz de acreditar nela.

Mas hoje eu creio, e as páginas a seguir revelarão por quê.

Sou neurocirurgião.Eu me graduei em química pela Universidade da Carolina

do Norte no ano de 1976, na cidade de Chapel Hill, e obtivemeu diploma de medicina pela Universidade Duke em 1980.Durante meus 11 anos de formação e de residência médicana Duke, no Hospital Geral de Massachusetts e em Harvard,me dediquei à neuroendocrinologia, o estudo das interaçõesentre o sistema nervoso e o sistema endócrino (as glândulasque liberam os hormônios que governam a maior parte dasatividades de nosso corpo). Também passei dois desses 11anos investigando como os vasos sanguíneos em umadeterminada região do cérebro reagem patologicamentequando há hemorragia decorrente de um aneurisma – umasíndrome conhecida como vasoespasmo cerebral.

Após concluir uma bolsa de estudos em neurocirurgiacerebrovascular em Newcastle-Upon-Tyne, no Reino Unido,passei 15 anos na faculdade de medicina de Harvard comoprofessor adjunto de cirurgia, com especialização emneurocirurgia. Durante esse período operei inúmerospacientes, muitos deles em condições cerebrais graves e

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correndo risco de vida.A maioria das minhas pesquisas foi sobre o

desenvolvimento de procedimentos técnicos avançados,como a radiocirurgia estereotáxica, uma técnica que permiteaos cirurgiões direcionar precisamente os feixes de radiaçãopara alvos específicos no cérebro sem afetar as áreasadjacentes. Além disso, ajudei a desenvolver osprocedimentos neurocirúrgicos de ressonância magnéticavisando ao diagnóstico por imagem de complicaçõescerebrais difíceis de tratar, como tumores e distúrbiosvasculares.

Ao longo desses anos fui autor ou coautor de mais de 150artigos para revistas dirigidas a especialistas, e apresentei asconclusões de minhas pesquisas em mais de 200 conferênciasmédicas ao redor do mundo.

Em resumo, dediquei minha vida inteiramente à ciência.Usar as ferramentas da medicina moderna para ajudar ecurar pessoas e aprender sempre mais sobre os mecanismosdo cérebro e do corpo humano eram a minha missão. Eu mesentia muito feliz por tê-la encontrado. E, acima de tudo, eutinha uma bela esposa e dois filhos adoráveis. Por mais queestivesse casado com o trabalho de muitas maneiras, nuncanegligenciei minha família, que sempre considerei a outragrande bênção da vida. Sob quase todos os aspectos eu eraum homem de muita sorte, e sabia disso.

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Em 10 de novembro de 2008, entretanto, aos 54 anos, asorte pareceu me abandonar. Fui surpreendido por umadoença rara e fiquei em coma durante sete dias. Nesseperíodo, todo o meu neocórtex – a superfície externa docérebro, a parte que nos torna humanos – ficou paralisado.Inoperante. Completamente ausente.

Quando nosso cérebro está ausente, nós também ficamosausentes. Como neurocirurgião, ouvi muitos relatos depessoas que tiveram experiências estranhas, geralmentedepois de sofrerem ataques cardíacos: histórias de viagempara lugares misteriosos e maravilhosos, de conversas comparentes mortos – e até de encontros com Deus.

Fascinante, sem dúvida. Mas tudo isso, em minha opinião,era pura fantasia. Afinal, o que provocava as experiênciassobrenaturais que as pessoas relatavam com tantafrequência? Na verdade, a resposta não me interessava, maseu acreditava que essas experiências tinham uma basecerebral. Toda consciência tem. Se não houver atividadecerebral, não há consciência.

Isto porque o cérebro é a máquina que produz aconsciência. Quando a máquina falha, a consciência para. Pormais complicados e misteriosos que sejam os mecanismoscerebrais, em essência, a questão é bastante simples. Retire atomada da TV e a imagem desaparece. O espetáculo acaba.Por mais que se esteja gostando dele.

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Durante o coma, não é que meu cérebro trabalhasse deforma inadequada – ele simplesmente não trabalhava. Hoje,acredito que isso tenha sido responsável pela profundidade eintensidade da experiência de quase morte (EQM) que vivinesse período. Muitas das histórias de EQM aconteceramcom pessoas que ficaram com o coração parado por algumtempo. Nesses casos, o neocórtex está temporariamenteinativo, mas em geral não tão danificado, o que faz com queo fluxo de sangue oxigenado seja restaurado por meio daressuscitação cardiopulmonar ou da reativação da funçãocardíaca em torno de quatro minutos. Mas no meu caso oneocórtex estava fora de área. Eu estava conhecendo umadimensão da consciência que existia completamente à partedas limitações de meu cérebro físico.

De certa forma, vivi uma avalanche de experiências dequase morte. Como neurocirurgião com décadas depesquisa e prática, eu estava em melhor posição para avaliarnão apenas a realidade, mas as implicações do queacontecera.

E essas implicações são extraordinárias. Minha experiênciame mostrou que a morte do corpo e do cérebro não é o fimda consciência, e que a existência humana continua no além-túmulo. E, mais importante ainda, ela se perpetua sob oolhar de um Deus que nos ama e que se importa com cadaum de nós, com o destino do Universo e de todos os seres

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contidos nele.O lugar onde estive era real. Tão real a ponto de fazer a

vida no aqui e agora parecer uma ilusão. Isso não significa,entretanto, que eu não valorize a vida que levo agora. Pelocontrário, prezo-a até mais do que antes. E o faço porqueconsigo enxergá-la em seu verdadeiro contexto.

A vida não é sem sentido, o problema é que nãoconseguimos perceber esse fato daqui – ao menos namaioria das vezes. O que aconteceu comigo quando estavaem coma é, sem dúvida, a história mais importante que tereipara contar daqui em diante. Mas é um relato muitodelicado porque é estranho demais para a compreensãonormal. Além disso, as conclusões são baseadas em umaanálise médica da minha experiência e na minhafamiliaridade com os conceitos mais avançados daneurociência e dos estudos da consciência. Quando percebi averdade por trás de minha jornada, soube que precisavacontá-la. Fazer isso da melhor forma possível se tornou aprincipal tarefa da minha vida.

Isso não significa que eu tenha abandonado a atividademédica e a carreira de neurocirurgião. Mas agora que tive oprivilégio de entender que a vida não termina com a mortedo corpo ou do cérebro, encaro isto como minha obrigação,meu chamado: relatar às pessoas o que vi além do corpo ealém desta terra.

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Estou ávido para contar minha história às pessoas que jáouviram relatos semelhantes e se sentiram inclinadas aacreditar neles, embora não o conseguissem de todo.

É para essas pessoas, mais do que para quaisquer outras,que dirijo este livro e a mensagem nele contida. O que tenhoa dizer é tão importante quanto qualquer coisa que alguémjá tenha lhe contado – e é verdadeiro.

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M

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A DOR

Lynchburg, Virgínia – 10 de novembro de 2008

eus olhos se arregalaram. Na escuridão do quarto, eubuscava a luz vermelha do relógio na mesa de

cabeceira: quatro e meia da manhã – uma hora antes do queeu costumava acordar para fazer o percurso de pouco maisde uma hora de nossa casa em Lynchburg, na Virgínia, até aunidade cirúrgica em que eu trabalhava em Charlottesville.Minha esposa, Holley, dormia profundamente ao meu lado.

Depois de passar quase 20 anos envolvido comneurocirurgia na região de Boston, eu me mudara comHolley e nossos filhos para as colinas da Virgínia dois anosantes, em 2006.

Holley e eu nos conhecemos em outubro de 1977, doisanos depois de termos terminado a faculdade. Na ocasião,ela se dedicava ao mestrado em belas-artes e eu faziaresidência médica. Ela chegou a sair algumas vezes com meucolega de alojamento, Vic. Um dia, ele a apresentou a mim –

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provavelmente para exibi-la. Quando eles estavam indoembora, eu disse a Holley que voltasse algum dia, eacrescentei que ela poderia aparecer sem Vic.

Em nosso primeiro encontro, levei-a a uma festa emCharlotte, tendo que fazer uma viagem de carro de duashoras e meia na ida e na volta. Holley estava com laringite,então tive que levar 99% da conversa durante o percurso. Foifácil. O casamento aconteceu em junho de 1980 na IgrejaEpiscopal de Windsor, na Carolina do Norte, e logo nosmudamos para o conjunto habitacional Royal Oaks nacidade de Durham, onde eu fazia residência em cirurgia nohospital da Universidade Duke. Vivíamos com muito poucodinheiro, mas estávamos tão atarefados – e tão felizes – queisso não importava.

Em uma de nossas primeiras férias, fizemos um touracampando pelas praias da Carolina do Norte. A primaveraé a estação dos mosquitos e nossa barraca não ofereciamuita proteção contra eles. Mas foi bem divertido, mesmoassim. Uma tarde, nadando no mar de Ocracoke, descobriuma técnica para pegar os siris-azuis que corriam entremeus pés. Levamos um monte deles para a Pousada PonyIsland, onde alguns amigos estavam hospedados, e oscozinhamos na grelha. Havia o suficiente para todos. Apesarde segurarmos as despesas, não demorou para queficássemos totalmente duros. Estávamos junto com nossos

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amigos Bill e Patty Wilson e, numa atitude insana, decidimosacompanhá-los a um bingo. Bill frequentava esses lugareshavia 10 anos e nunca ganhara nada. Era a primeira vez deHolley e, por sorte de principiante ou intervenção divina, elaganhou 200 dólares naquela noite – o que para nós teve oefeito de 5 mil, de tão necessitados que estávamos. Odinheiro extra prolongou nossas férias e as tornou muitomais agradáveis.

Eu me formei em medicina em 1980, na mesma época emque Holley terminou o mestrado dela. Começamos juntos asnossas carreiras, a dela de artista e a minha de professor.Realizei minha primeira cirurgia de cérebro em 1981. Nossoprimeiro filho, Eben IV, nasceu em 1987 na maternidadePrincesa Mary, em Newcastle-Upon-Tyne, no norte daInglaterra, durante a minha bolsa de estudos. Bond, o caçula,nasceu no ano de 1998 em Boston.

Os 15 anos que passei trabalhando na faculdade demedicina de Harvard e no Brigham & Women’s Hospitalforam maravilhosos. Nossa família aproveitou bastante otempo que vivemos em Boston, mas, em 2005, Holley e euconcordamos que estava na hora de voltarmos para o sul.Queríamos ficar mais próximos de nossas famílias, e euenxerguei isso como uma oportunidade de obter um poucomais de autonomia do que tinha em Harvard. Então, naprimavera do ano seguinte, começamos uma vida nova em

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Lynchburg, na região montanhosa da Virgínia. Nãodemorou muito para nos readaptarmos àquela vida maistranquila e relaxada.

Por um momento, apenas fiquei imóvel, tentandocompreender o que havia me despertado. O dia anterior,um domingo, tinha sido claro e ensolarado, um pouquinhoseco, um clima típico do final de outono na Virgínia. Holley,Bond (na época com 10 anos) e eu tínhamos ido a umchurrasco na casa de um vizinho. À noite, falamos aotelefone com nosso filho Eben IV (então, com 20 anos), queera calouro na Universidade de Delaware. A única coisa queatrapalhou aquele dia foram os sintomas da virose queHolley, Bond e eu havíamos pegado na semana anterior. Ànoite, pouco antes de ir para cama, comecei a ter dor nascostas. Tomei um banho rápido e senti um pouco de alívio.Eu ponderava se havia acordado tão cedo por causa do vírusque ainda castigava o meu corpo.

Quando me mexi de leve na cama, uma onda de doratingiu minha espinha – muito mais intensamente do que nanoite anterior. Com certeza o vírus da gripe ainda estava porali, imaginei. Quanto mais eu despertava, mais forte a dor setornava. Como não conseguia pegar no sono de novo eainda tinha uma hora antes de meu dia começar, resolvitomar outro banho morno. Eu me sentei na cama, firmei os

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pés no chão e levantei.Imediatamente a dor ricocheteou com novos golpes –

agora com um pulsar apavorante que penetrava até a baseda coluna. Deixei Holley dormindo e caminhei devagar pelocorredor até o banheiro principal, no andar de cima.

Abri a torneira e me acomodei na banheira,absolutamente convicto de que a água morna me faria bem.Engano meu. Quando a banheira já estava quase cheiadescobri que havia cometido um erro. A dor não apenaspiorou, mas ficou tão forte que achei que fosse precisargritar para Holley me ajudar a sair dali.

Pensando em como aquela situação tinha ficado ridícula,me estiquei e peguei a toalha que estava pendurada em umabarra de metal preso à parede logo acima de mim. Posicioneia toalha de um jeito que fizesse uma alavanca com a barra e,com cuidado, usei-a como apoio para me erguer lentamente.

Outra pontada lancinante atingiu minhas costas com tantaintensidade que perdi o ar. Definitivamente, aquilo não eragripe. Mas o que poderia ser? Depois de lutar para sair dabanheira escorregadia e colocar o roupão, refiz com cuidadoo trajeto de volta para o quarto no andar de baixo. Meucorpo estava molhado de novo, só que agora de suor frio.

Holley se mexeu na cama e se virou para o meu lado.– O que está acontecendo? Que horas são?– Eu não sei – respondi. – Minhas costas... Estou com uma

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dor terrível.Holley começou a massagear minhas costas. Para minha

surpresa, isso fez com que eu me sentisse melhor. Médicos,em sua maioria, não acham a menor graça em ficar doente, eeu não era uma exceção. Por um momento, acreditei que ador – e o que quer que a estivesse causando – enfimcomeçaria a ceder. Mas, às seis e meia, a hora em que emgeral saio de casa, eu ainda estava sofrendo e praticamenteparalisado.

Bond veio até nosso quarto uma hora depois, para saberpor que eu ainda estava em casa.

– O que houve? – perguntou ele.– Seu pai não está se sentindo bem, querido – respondeu

Holley.Permaneci na cama com a cabeça apoiada no travesseiro.

Bond se aproximou e começou a fazer massagem nasminhas têmporas delicadamente. No entanto, o seu toqueproduziu uma dor ainda pior, como se um raio estivesseatravessando minha cabeça. Soltei um grito. Surpreso comminha reação, meu filho deu um salto para trás.

– Está tudo bem – disse Holley, embora soubesse que eramentira. – Você não fez nada. Seu pai está com uma dor decabeça muito forte.

Depois eu a ouvi dizer, mais para si mesma do que paramim:

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– Será que devo chamar uma ambulância?Se há algo que os médicos detestam mais do que ficar

doente é entrar numa emergência de hospital comopaciente. Imaginei a minha casa cheia de paramédicos, asequência de perguntas de rotina, o percurso até o hospital,os formulários... Por um momento, pensei que começaria amelhorar em breve e que me arrependeria de chamar umaambulância.

– Está tudo bem. Posso estar mal agora, mas logo voumelhorar – eu disse para Holley. – Você deveria ajudarBond a se arrumar para o colégio.

– Eben, realmente acho...– Eu vou ficar bem – insisti, com a cabeça afundada no

travesseiro, ainda paralisado pela dor. – Falando sério, nãoprecisa chamar a ambulância. Não estou tão mal assim. É sóum espasmo na lombar e uma dor de cabeça.

Com relutância, Holley levou Bond para o andar de baixo,serviu-lhe o café da manhã e o acompanhou até a casa deum amigo que o levaria de carona para o colégio. Quandoele se aproximou da porta da frente, me dei conta de que, sefosse alguma coisa séria e eu acabasse no hospital, não overia depois da escola naquela tarde. Então reuni todas asforças e gritei:

– Boa aula, filho!Quando Holley retornou ao quarto para me ver, eu estava

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inconsciente. Pensando que eu tinha adormecido, ela medeixou descansar e desceu a fim de telefonar para algunscolegas meus, em busca de opiniões sobre o que poderiaestar acontecendo.

Duas horas mais tarde, imaginando que já tinha medeixado descansar o bastante, ela voltou para ver como euestava. Ao empurrar a porta do quarto, Holley me viuprostrado na cama na mesma posição. Resolveu checar maisde perto e reparou que meu corpo não estava relaxadocomo deveria, mas estava rígido como uma tábua. Elaacendeu a luz e viu que eu havia me mexido violentamente.A mandíbula estava projetada para a frente de maneiraanormal e meus olhos estavam abertos e com as órbitasviradas para cima.

– Eben, diga alguma coisa! – gritou Holley.Como não respondi, ela correu para chamar a ambulância,

que demorou menos de 10 minutos para chegar. Osparamédicos me levaram imediatamente para a emergênciado Hospital Geral de Lynchburg.

Se eu estivesse consciente, poderia ter dito a Holley o quehavia acontecido ali na cama: uma crise convulsiva, semdúvida provocada por algum tipo de comoção cerebralextremamente grave.

Mas, é claro, não fui capaz de dizer nada disso.Pelos sete dias seguintes eu estaria presente na vida de

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Holley e do restante da família apenas em corpo. Não tenhonenhuma lembrança deste mundo durante aquela semana, etive de colher informações com as outras pessoas paracompor a história do que me aconteceu enquanto estiveinconsciente. Minha mente, meu espírito, ou como quer quese chame a parte humana de mim, havia desaparecido.

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O

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O HOSPITAL

setor de emergência do Hospital Geral de Lynchburg éo segundo mais cheio do estado da Virgínia e costuma

estar em pleno vapor por volta das nove e meia da manhãde um dia de semana. Naquela segunda-feira não foidiferente. Embora passasse a maior parte dos dias úteis emCharlottesville, eu realizava muitas cirurgias no hospital deLynchburg e conhecia praticamente todo mundo por lá.

Laura Potter, uma plantonista de emergência com quemtrabalhei por quase dois anos, recebeu um aviso daambulância de que um homem branco de 55 anos, emestado convulsivo, estava prestes a chegar ao hospital.Depois de tomar as providências para receber o paciente, elafoi verificar a lista das possíveis causas deste quadro:síndrome de abstinência alcoólica, overdose de drogas,hiponatremia (baixa anormal do nível de sódio no sangue),acidente vascular cerebral, metástase ou tumor no cérebro,hemorragia intraparenquimatosa (ruptura dos vasossanguíneos intercerebrais), abscesso cerebral e meningite.

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Quando os enfermeiros me transportaram de maca para asala de atendimento da emergência, eu apresentavaconvulsões violentas, com braços e pernas descontrolados, egemia incessantemente.

Pela maneira como eu delirava e me debatia, ficou claropara a Dra. Potter que o meu cérebro havia sofrido umataque bem grave. Uma enfermeira trouxe um carrinho comequipamento de reanimação, outra colheu meu sangue, euma terceira repôs o frasco de solução intravenosa que osparamédicos haviam me aplicado lá em casa antes de metransportarem para a ambulância. Quando começaram atrabalhar em mim, eu me contorcia como um enorme peixefora d’água. Eu emitia grunhidos incompreensíveis e ganiacomo um animal. Os movimentos descontrolados do meucorpo eram tão preocupantes quanto a convulsão. Issopoderia significar não apenas que o meu cérebro estavasofrendo um ataque como também que uma lesão cerebralpossivelmente irreversível estava a caminho.

A visão de qualquer paciente nesse estado assusta amaioria dos profissionais, mas Laura já tinha visto quadrossemelhantes em seus muitos anos na emergência. O que elanunca tinha visto, no entanto, era um de seus colegasmédicos chegar ao hospital nessas condições. Quandoobservou mais de perto o paciente se contorcendo naquelamaca, ela sussurrou quase para si mesma:

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– Eben.Depois, em alto e bom som, alertando os outros médicos

e enfermeiras do setor, ela exclamou, apreensiva:– Este é Eben Alexander!Os profissionais que a ouviram se aproximaram

rapidamente da maca. Holley, que seguiu a ambulância, sejuntou esbaforida, e Laura aproveitou para fazer asperguntas de praxe sobre as causas prováveis para alguémchegar àquele estado. Estaria eu em abstinência alcoólica?Teria usado alguma droga alucinógena? Então, ela pôs mãosà obra tentando reverter aquele quadro.

Nos meses anteriores a esse episódio, meu filho Eben IVme incluíra em um rigoroso programa de condicionamentofísico para um projeto de “escalada pai e filho” ao monteCotopaxi, um pico de quase 6 mil metros de altitude noEquador, que ele havia escalado em fevereiro. Otreinamento aumentou consideravelmente minha massamuscular, o que dificultou bastante o trabalho dos médicos eenfermeiros para me segurar. Cinco minutos e 15miligramas de diazepan intravenoso mais tarde, eu aindaestava delirando e tentando lutar contra quem quisesse meconter, mas, para alívio da Dra. Potter, pelo menos agora euestava lutando com os dois lados do corpo.

Holley contou a Laura sobre a dor de cabeça que sentiantes de ter a crise, o que levou a médica a realizar uma

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punção lombar – procedimento no qual uma pequenaquantidade de líquido cefalorraquidiano é extraída da baseda coluna.

O líquido cefalorraquidiano ou liquor é uma substânciaclara e aquosa que existe no canal medular e que reveste océrebro, protegendo-o contra impactos. Um corpo humanonormal e saudável produz cerca de 470 ml de liquor por dia,e qualquer alteração em sua claridade indica a existência deuma infecção ou hemorragia.

Essa infecção é chamada de meningite: a inflamação dasmeninges, as membranas que revestem o encéfalo e amedula espinhal e que estão em contato direto com o liquor.De cada cinco casos, quatro são causados por vírus. Ameningite viral pode deixar um paciente em estado grave,mas é fatal em apenas 1% dos casos. Em um de cada cincocasos, portanto, o agente causador da doença é umabactéria, não um vírus. Por serem mais primitivas do que osvírus, as bactérias podem ser um inimigo mais perigoso.Casos de meningite bacteriana, se não forem tratados atempo, geralmente são fatais. E mesmo quando tratados deimediato com os antibióticos certos, a taxa de mortalidadeoscila entre 15% e 40%.

Uma das bactérias que mais raramente provocammeningite em adultos é a muito antiga e agressivaEscherichia coli – conhecida também como E. coli. Ninguém

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sabe precisamente quão antiga ela é, mas as estimativasapontam para entre 3 e 4 bilhões de anos. Trata-se de ummicroorganismo anucleado que se reproduz pelo processoprimitivo, porém muito eficiente, conhecido como fissãobinária (em outras palavras, pela divisão em dois). Imagineuma célula preenchida com DNA que pode recebernutrientes (em geral de outras células que ela ataca eabsorve) diretamente por meio de sua parede celular. Agora,imagine que ela pode, ao mesmo tempo, copiar seu DNA edividi-lo em duas células-filhas a cada 20 minutos. Em umahora haveria 8 delas. Em 12 horas, 69 bilhões. Por volta da

15a hora, seriam 35 trilhões. Esse crescimento explosivo sódesacelera quando seu alimento começa a se esgotar.

As bactérias E. coli também são altamente promíscuas.Elas podem trocar genes com outras espécies de bactériaspor meio de um processo chamado conjugação bacteriana,que permite que uma E. coli assuma rapidamente novascaracterísticas (como resistência a um antibiótico) quandonecessário. Tal fórmula básica de sucesso tem mantido essabactéria no planeta desde os primórdios da vida unicelular.Todos nós temos bactérias E. coli vivendo em nosso corpo,geralmente no trato gastrointestinal. Sob circunstânciasnormais, isso não nos ameaça. Porém, quando variedades deE. coli que adquiriram moléculas de DNA que as tornam

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particularmente agressivas invadem o liquor em torno damedula espinhal e do cérebro, essas bactérias começam deimediato a devorar a glicose no liquor e em tudo o mais queestiver disponível para consumo, inclusive o próprio cérebro.

Ninguém naquela sala de emergência pensou que eutivesse contraído meningite E. coli. Não havia razão parasuspeitar disso. A doença é raríssima em adultos. Os recém-nascidos são as vítimas mais comuns, mas casos de bebêscom mais de três meses de vida contraindo esse tipo demeningite são muito poucos. Menos de um em cada 10milhões de adultos é afetado pela doença por ano.

Nos casos de meningite bacteriana, a bactéria atacaprimeiro a camada externa do cérebro, o córtex. Esta palavraderiva do termo latino cortex, que significa “casca” ou“coberta”. A laranja é um bom exemplo de como o córtexenvolve os elementos mais primitivos do cérebro. O córtex éresponsável pela memória, linguagem, emoção, consciênciavisual e auditiva, e pela lógica. Logo, quando um organismocomo a E. coli ataca o cérebro, o dano inicial acontece nasáreas que executam as funções mais cruciais para amanutenção de nossas faculdades humanas.

Muitas vítimas de meningite bacteriana morrem nosprimeiros dias da infecção. Daqueles que chegam numaemergência de hospital com uma rápida espiral descendenteda função neurológica – como aconteceu comigo –, somente

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10% têm a sorte de escapar com vida. Entretanto é umasorte limitada, porque muitos deles passarão o resto de seusdias em estado vegetativo.

Ainda que não tenha suspeitado de meningite bacteriana,a Dra. Potter intuiu que eu tivesse algum tipo de infecçãocerebral, e foi por isso que decidiu fazer uma punçãolombar. No momento em que ela pedia a uma dasenfermeiras que lhe trouxesse o material e me preparavapara o procedimento, meu corpo se agitou como se a macativesse sido eletrificada. Com um novo sopro de energia,soltei um longo e agonizante gemido, arqueei as costas emeus braços se debateram no ar. Meu rosto estavavermelho e as veias do pescoço ficaram incrivelmentedilatadas. A Dra. Potter gritou pedindo ajuda e logo dois,depois quatro e, finalmente, seis atendentes lutavam parame imobilizar a fim de que ela pudesse realizar oprocedimento. Eles forçaram meu corpo até uma posiçãofetal enquanto ela administrava mais sedativos. Por fim,conseguiram que eu ficasse quieto o suficiente para que aagulha penetrasse na base de minha espinha.

Quando uma bactéria ataca, o corpo entra imediatamenteem posição de defesa, mandando suas tropas de choque deglóbulos brancos dos quartéis, localizados no baço e namedula óssea, para combater os invasores. Eles são asprimeiras baixas na grandiosa guerra celular que acontece

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sempre que um agente biológico estranho invade o corpo, ea Dra. Potter sabia que qualquer alteração na aparência doliquor seria causada por meus glóbulos brancos mortos.

A Dra. Potter se curvou e ficou de olho no manômetro, otubo vertical transparente no qual o liquor surgiria. Aprimeira surpresa dela foi ver que o liquor não pingou, masjorrou – por causa da pressão alta perigosíssima.

A segunda surpresa foi por causa da aparência do líquido.A grande opacidade indicava que a situação era crítica. O quejorrou no manômetro era viscoso com tom esverdeado.

O meu liquor estava cheio de pus.

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FORA DO AR

Dra. Potter ligou para o Dr. Robert Brennan, um deseus colegas na emergência do hospital e especialista

em doenças infectocontagiosas. Enquanto eles aguardavam oresultado dos exames, que foram mandados paralaboratórios próximos, passaram a considerar todas aspossibilidades de diagnóstico e de tratamentos.

À medida que os resultados dos exames ficavam prontos –e eu continuava a gemer e a me contorcer embaixo dascorreias que me prendiam à cama –, um quadro ainda maisconfuso se configurava. A técnica de coloração de Gram (umteste químico que permite classificar uma bactéria comogram-negativa ou gram-positiva, de acordo com acomposição de sua parede celular) indicou que a bactériaque me atacava era gram-negativa, o que é bastante ruim,pois essas são bem mais difíceis de combater.

Além disso, uma tomografia computadorizada revelouque o revestimento meníngeo do meu cérebro estavaperigosamente inchado e inflamado. Um tubo para

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respiração foi colocado na minha traqueia, para que umventilador assumisse a tarefa de respirar por mim – dozerespirações por minuto, para ser exato –, e uma série demonitores foi colocada em torno da cama para registrartodas as alterações no corpo e no meu cérebro quasedestruído.

Entre os pouquíssimos adultos que contraem a meningitebacteriana por infecção com E. coli espontaneamente (ouseja, sem passar por cirurgia no cérebro nem sofrer traumacerebral profundo), a maioria apresenta alguma causatangível, tal como uma deficiência no sistema imunológico(muitas vezes como consequência da aids). Mas não haviaqualquer fator que me tornasse suscetível à doença. Outrasbactérias podem causar meningite pela invasão da cavidadenasal ou do ouvido, mas não a E. coli. O espaçocerebroespinhal é muito bem protegido do resto do corpopara que isso aconteça. A não ser que a medula espinhal ouo crânio sejam perfurados (por um estimulador cerebralcontaminado ou pela colocação de um shunt por algumneurocirurgião, por exemplo), uma bactéria como a E. coli,que normalmente vive no intestino, não tem acesso a essaárea.

Eu, que já havia instalado centenas de shunts eestimuladores cerebrais em vários pacientes e que discutiramuito o assunto, concordaria com meus médicos sobre o

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fato de que era praticamente impossível eu ter contraído adoença para a qual meus sintomas apontavam.

Os dois médicos, ainda sem conseguir aceitar a evidênciamostrada nos exames, consultaram infectologistas de outroshospitais da cidade. Todos disseram que os resultadosindicavam somente um diagnóstico.

Mas contrair um quadro grave de meningite do nada nãofoi a única proeza que realizei naquele primeiro dia nohospital. Momentos antes de deixar a emergência, e depoisde duas horas de urros e grunhidos, finalmente me acalmei.Então, mesmo fora do ar, disse três palavras. Elas foramclaras e ouvidas por todos os médicos e enfermeirospresentes, assim como por Holley, que estava do outro ladoda cortina, a uma curta distância da cena de agonia:

Deus, me ajude!Todos correram para a cama. Quando chegaram perto de

mim, eu estava completamente apagado.Não me lembro de nada do período em que passei na

emergência, muito menos o que disse enquanto estava forado ar. Mas aquelas foram as últimas palavras que eu falarianos sete dias que se seguiram.

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EBEN IV

o hospital, minha situação continuava a piorar. O nívelde glicose no líquido cefalorraquidiano de uma pessoa

saudável está em torno de 80 miligramas por decilitro. Ataxa de uma pessoa muito doente, com risco de morteiminente por meningite bacteriana, pode chegar a 20mg/dl.Meu nível de glicose no liquor estava em 1mg/dl.

Em uma graduação que vai de 3 a 15, a minha Escala deComa de Glasgow estava em 8, indicando doença cerebralgrave, e só fez piorar nos dias seguintes. O meu sistemaApache II (sistema de avaliação da fisiologia e do estado desaúde) estava em 18 numa escala que vai até 71, o quesignificava que minha chance de morrer durante aquelainternação estava em torno de 30%. Mais especificamente,devido a meu diagnóstico de meningite bacteriana aguda e àrápida degeneração neurológica, eu tinha, na melhor dashipóteses, 10% de chance de sobreviver à doença quando deientrada na emergência. Se os antibióticos não fizessemefeito, o risco de morte aumentaria gradativamente nos dias

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subsequentes – até chegar a inegociáveis 100%.Os médicos administraram três poderosos antibióticos

intravenosos antes de me despacharem para meu novo lar:um espaçoso quarto particular, o número 10, da unidade deterapia intensiva, um andar acima da emergência.

Frequentei UTIs muitas vezes como cirurgião. É lá queficam os pacientes muito enfermos, os que estão à beira damorte, para que profissionais de várias especialidadespossam trabalhar neles simultaneamente. Uma equipecompleta atuando de forma coordenada para manter umpaciente vivo quando tudo está contra ele é uma visãoimpactante. Eu já sentira enorme orgulho e passara porgrandes frustrações nesses leitos, dependendo de se opaciente conseguia sobreviver ou se sua vida escorregavaentre nossos dedos.

Dr. Brennan e o restante da equipe tentavam acalmarHolley tanto quanto possível naquela circunstância. Masentre os médicos o otimismo era bem limitado. A verdadeera que eu tinha uma chance considerável de morrer embreve. E mesmo se não morresse, a bactéria que atacavameu cérebro já havia devorado uma parte suficientementegrande do meu córtex para comprometer qualquer atividadecerebral mais elaborada. Quanto mais tempo eu ficasse emcoma, maior a probabilidade de passar o resto de meus diasem estado vegetativo.

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Felizmente, não apenas a equipe do Hospital Geral deLynchburg, mas também outras pessoas estavam sereunindo para ajudar. Michael Sullivan, nosso vizinho epastor da igreja episcopal que frequentávamos, chegou aohospital uma hora depois de Holley. No instante em queminha esposa saiu de casa para acompanhar a ambulânciaem que eu estava, recebeu uma ligação de Sylvia White, umavelha amiga que possuía o incrível dom de aparecerexatamente quando coisas importantes aconteciam. Holleyestava convencida de que Sylvia era paranormal, mas euachava que ela apenas tinha um sentido apurado. Holleycontou os detalhes para a amiga e as duas começaram aavisar as minhas irmãs: Phyllis, a caçula, de 48 anos, quemorava em Boston; Betsy, mais nova do que eu, que moravanas redondezas; e Jean, a mais velha.

Na manhã daquela segunda-feira, Jean estava indo para acasa da nossa mãe quando seu marido, David, lhe telefonou.

– Você já passou por Richmond? – perguntou ele.– Ainda não – respondeu Jean.– Então faça o retorno e vá para Lynchburg. Holley acaba

de me ligar. Eben está no hospital. Ele passou mal estamanhã e não está reagindo.

– Meu Deus! Alguém sabe o que houve?– Eles não têm certeza, mas parece que é meningite.Jean pegou o retorno e dirigiu em direção a Lynchburg.

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Foi Phyllis quem localizou Eben IV em seu apartamento naUniversidade de Delaware, às três da tarde do meu primeirodia de internação. Ele estava na varanda estudando (meu paihavia sido neurocirurgião e Eben também se interessava porisso) quando seu telefone tocou. Phyllis fez um breveresumo da situação e disse que ele não se preocupasse poisos médicos tinham tudo sob controle.

– Eles têm alguma ideia do que pode ser? – perguntouEben.

– Bem, mencionaram meningite.– Terei duas provas nos próximos dias, mas vou avisar aos

professores – disse ele.Posteriormente, Eben me contou que, a princípio, não

acreditou que a minha vida estivesse correndo um risco tãogrande quanto Phyllis tinha dado a entender, uma vez que amãe e a tia “sempre exageram as coisas” – e porque eununca ficava doente. Porém, quando o pastor Sullivan lhetelefonou uma hora mais tarde, ele percebeu que precisavapegar a estrada imediatamente.

Próximo a Lynchburg, ele ligou para a mãe.– Como está meu irmão? – perguntou.– Ele está bem. Está dormindo – respondeu Holley.– Então acho que vou direto para o hospital.– Tem certeza de que não quer passar em casa primeiro?– Não. Quero ver papai.

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Eben chegou ao hospital às onze e quinze da noite. Aestrada de acesso ao prédio estava ficando coberta de neve e,ao cruzar as luzes que levavam à recepção, ele viu apenas aenfermeira de plantão. Ela o encaminhou à UTI.

Àquela altura, todos os que tinham ido me visitar jáestavam em casa. O único som no quarto em penumbra erao dos bipes e assobios das máquinas que mantinham meucorpo funcionando.

Eben estremeceu na porta do quarto quando me avistou.Em seus 20 anos de vida, ele nunca tinha me visto com nadamais grave que uma gripe. Agora, mesmo com todosaqueles equipamentos trabalhando para provar o contrário,meu filho estava olhando para o que sabia ser, em essência,um cadáver. Meu corpo físico estava ali diante dele, mas opai que ele conhecia havia ido embora.

Ou, melhor dizendo, estava em algum outro lugar.

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MUNDO SUBTERRÂNEO

scuridão, mas uma escuridão visível – como estarsubmerso na lama, mas ainda assim poder ver através

dela. Gelatina escura talvez seja a melhor descrição:transparente, mas turva, embaçada, claustrofóbica esufocante.

Consciência, mas consciência sem memória nemidentidade – como um sonho em que você sabe o que estáacontecendo em volta, mas não tem ideia de quem ou o quevocê é.

Há som também: um golpear profundo e ritmado,distante porém forte, de modo que cada pulsação o atingeem cheio. Como uma batida do coração? Um pouco, só quemais sombrio, mais mecânico, como o som de metal contrametal, como se um gigantesco ferreiro subterrâneo estivessemartelando uma bigorna bem perto: golpeando tão forteque o barulho ecoa pela terra, pela lama, ou pelo que querque seja aquilo onde você está.

Eu não tinha um corpo – nenhum de que me lembrasse de

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alguma maneira. Eu apenas estava... lá, naquele lugar deescuridão massacrante e pulsante. Na ocasião, eu podia serchamado de “ser primordial”. Mas na hora em que tudoestava acontecendo, não conhecia essa expressão. Naverdade, eu não conhecia palavra alguma. As palavrasusadas aqui foram registradas muito mais tarde, quando, aovoltar para este mundo, escrevi minhas recordações.Linguagem, emoção, razão: tudo havia desaparecido, comose eu tivesse regredido a algum estado primitivo nosprimórdios da vida, talvez como a bactéria que se apoderoudo meu cérebro e encerrou sua atividade.

Há quanto tempo habito este mundo? Não tenho ideia.Quando se está num lugar onde não há noção de tempo damaneira como o experimentamos, descrever com precisão oque se sente é quase impossível. Quando estavaacontecendo, quando eu estava lá, me sentia como sesempre tivesse estado naquele lugar e sempre continuaria aestar. E isso não me preocupava. Por que ficaria preocupadose, afinal de contas, esse estado era o único de que eu tinhaconhecimento? Sem lembranças de nada melhor, nada emparticular me incomodava. Não me lembro de refletir sedevia ou não sobreviver, e minha indiferença quanto a issome proporcionou uma sensação de força. Eu não tinha pistaalguma sobre as regras que governavam aquele mundo, mastambém não estava com pressa de aprendê-las. Afinal, por

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que me preocupar?Não sei dizer exatamente quando aconteceu, mas em certo

momento tomei consciência de alguns objetos que merodeavam. Eles se assemelhavam a pequenas raízes, ou avasos sanguíneos em um grande útero lamacento. Com umacoloração vermelha, escura e brilhante, eles desciam dealgum lugar muito lá em cima em direção a outro lugarigualmente distante lá embaixo. Olhar para essas coisas eracomo ser uma toupeira ou uma minhoca no fundo da terrae, de alguma forma, ser capaz de enxergar o intricadocomplexo de raízes e árvores à sua volta.

Essa é a razão pela qual, ao pensar sobre aquele lugar maistarde, passei a chamá-lo de Região do Ponto de Vista daMinhoca. Durante um bom tempo, suspeitei de que aquilopoderia ser algum tipo de lembrança do que meu cérebrosentiu no momento em que as bactérias o invadiram.

No entanto, quanto mais eu pensava sobre essa explicação(e, insisto, foi muito, muito depois), menos sentido ela fazia.Porque – é difícil explicar para quem não esteve antes ali – aminha consciência não estava embaçada nem distorcida. Elaestava simplesmente limitada. Eu não era humano naquelelugar. Eu não era sequer animal. Eu era alguma coisaanterior, e inferior, a tudo isso. Era apenas um pontosolitário de consciência em um mar vermelho-escuro.

Quanto mais tempo ficava ali, menos confortável me

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sentia. No começo, eu estava tão imerso que não haviadiferença entre “mim” e o elemento meio repulsivo eligeiramente familiar que me rodeava. Mas, aos poucos, essasensação de imersão profunda, atemporal e sem fronteirasdeu lugar a outra coisa: o sentimento de que eu não faziaparte daquele mundo subterrâneo, embora estivesse dentrodele.

Caras grotescas de animais borbulhavam na lama,grunhiam, guinchavam e desapareciam de novo. Escuteiurros medonhos. Algumas vezes, esses urros e grunhidosdavam lugar a cânticos rítmicos e obscuros que eram, aomesmo tempo, assustadores e curiosamente conhecidos –como se em algum momento eu mesmo os tivesse cantado.

Como não havia nenhuma lembrança da existênciaanterior, meu tempo naquela região se estendiaindefinidamente. Meses? Anos? A eternidade? Qualquer quefosse a resposta, cheguei a um ponto em que a sensaçãorastejante suplantou a sensação de familiaridade. Quantomais me sentia como um eu – como alguma coisa separadado ambiente frio, úmido e escuro à minha volta –, mais osrostos que borbulhavam na massa pegajosa se tornavamfeios e ameaçadores. As batidas ritmadas do ferreirotambém ficaram mais intensas: pareciam britadeiras detrabalhadores subterrâneos, tipo ogros, executando umatarefa interminável e massacrantemente monótona. O

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movimento à minha volta se tornou menos visual e maispalpável, como se criaturas parecidas com vermes e répteisestivessem passando em bandos e de vez em quandoesfregassem suas peles macias ou espinhosas em mim.

Foi então que tomei consciência de um odor: era umamistura de cheiro de fezes, sangue e vômito. Em outraspalavras, um cheiro biológico, porém de morte, não de vida.À medida que minha consciência se aguçava, eu meaproximava mais do pânico. Eu não pertencia àquele lugar.Precisava escapar.

Mas para onde?Quando me fiz essa pergunta, algo novo emergiu da

escuridão: alguma coisa que não era fria, nem morta,tampouco sombria, mas o exato oposto disso tudo. Mesmoque eu passasse o resto da vida tentando, não conseguiriafazer justiça à entidade que se aproximava de mim. Nemsequer chegaria perto de descrever como era bela.

Mas vou tentar.

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ÂNCORA PARA A VIDA

hyllis só conseguiu chegar ao hospital cerca de duashoras depois de Eben IV. Quando ela entrou na UTI,

encontrou o sobrinho sentado junto ao meu leito, abraçandocom força um travesseiro para tentar se manter acordado.

– Mamãe está em casa com Bond – disse Eben, o tom devoz demonstrando que estava cansado e tenso, mas contentepor ver a tia.

Phyllis o aconselhou a ir para casa, pois se ficasse acordadoa noite toda após ter dirigido por várias horas, ele nãopoderia ajudar em nada no dia seguinte. Ela ligou paraHolley e Jean, contou que estava no hospital, que Eben IVlogo estaria em casa e que ela passaria a madrugada ao meulado.

Após desligar disse para o sobrinho:– Vá para casa e fique com sua mãe, sua tia e seu irmão.

Eles precisam de você. Seu pai e eu estaremos aqui quandovocê voltar amanhã.

Meu filho, então, olhou para o meu corpo: viu o tubo de

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respiração passando pela narina direita até a traqueia,observou meus lábios finos abertos, os olhos fechados e osmúsculos faciais já flácidos.

Phyllis pareceu ler seus pensamentos.– Sério, Eben, vá para casa. Tente não se preocupar. Seu

pai ainda está conosco. Não vou deixá-lo partir.Ela se aproximou da cama, segurou uma das minhas mãos

e começou a massageá-la. Tendo como companhia apenasas máquinas e a enfermeira da noite que vinha checarminhas reações, Phyllis passou o resto da madrugadasegurando minha mão para manter uma conexão que elasabia ser vital para que eu atravessasse tudo aquilo.

Chega a ser um clichê falar da importância da família emnossa vida, mas, como a maioria dos clichês, é pura verdade.Quando fui estudar em Harvard em 1988, uma dasprimeiras coisas que reparei nas pessoas do norte dosEstados Unidos foi a pouca atenção que davam a umamáxima que vigora por aqui: sua família é quem você é.

Ao longo de minha vida, o relacionamento com a família –meus pais e minhas irmãs, e mais tarde Holley, Eben IV eBond – tem sido a fonte primordial de estabilidade e força,principalmente nos últimos anos. É para a família que eu mevolto quando preciso de apoio incondicional neste mundoque tantas vezes nos vira as costas. Cheguei a procurar aigreja com Holley e as crianças, mas o fato é que durante

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muitos anos fui como esses cristãos que só vão à igreja naPáscoa e no Natal. Eu estimulava os meninos a orarem ànoite, mas estava longe de ser um líder espiritual dentro decasa. Nunca escondi minhas dúvidas sobre a vida espiritual.Por mais que eu quisesse acreditar em Deus, no céu e navida após a morte, meus anos no rigoroso mundo científicome faziam questionar como tais coisas poderiam existir.

A neurociência moderna postula que o cérebro comanda aconsciência – ou a mente, a alma, o espírito, ou como querque se chame essa parte invisível e intangível de nosso serque nos faz ser quem somos – e eu não tinha dúvida de quea neurociência estava certa.

Assim como a maioria dos profissionais de saúde que lidadiretamente com pacientes moribundos e seus familiares, eutinha ouvido relatos – e até visto acontecimentos –inexplicáveis. Eu classificava essas ocorrências como“desconhecidas” e as deixava para lá. Não que eu meopusesse a crenças no sobrenatural. Como um médico quevia grandes sofrimentos físicos e emocionais todos os dias, aúltima coisa que eu queria era negar a alguém o consolo e aesperança que a fé proporcionava. Para falar a verdade, eumesmo queria ter desfrutado de algum tipo de fé.

Mas quanto mais velho eu ficava, menos provável isso setornava. Como o mar avançando pouco a pouco sobre apraia, ao longo do tempo minha visão científica do mundo

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minava lentamente minha capacidade de crer em algo maior.A ciência parecia fornecer uma imensa quantidade deevidências que tornavam quase nula a importância do serhumano no Universo. A crença pode ser uma coisa boa, masa ciência não está preocupada com o que poderia ser bom.Ela está preocupada com o que é.

Sou um aprendiz cinético, o que significa que aprendofazendo. Se não sentir ou tocar as coisas, não consigo meinteressar por elas. O desejo de tocar em tudo o que euesteja tentando entender – assim como a vontade de sercomo meu pai – foi o que me atraiu para a neurocirurgia.

Por mais abstrato e misterioso que seja o cérebrohumano, ele é também incrivelmente concreto. Comoestudante de medicina, eu passava horas ao microscópioadmirando as células neuronais alongadas, cujas conexõessinápticas ativadas dão origem à consciência. Adorava acombinação do conhecimento abstrato com o fisicalismocaracterístico da cirurgia neurológica. Para acessar o cérebroé preciso remover as camadas de pele e tecido que recobremo esqueleto e perfurar o crânio com um aparelhopneumático de alta rotação chamado Midas Rex. É umequipamento muito sofisticado que custa milhares dedólares. No entanto, quando o utilizamos torna-se apenas...uma broca.

De certa forma, “consertar” um cérebro, ainda que seja

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uma tarefa de extrema complexidade, não é diferente deconsertar qualquer outra máquina hipersensível eeletricamente carregada. E eu sabia muito bem que océrebro é apenas isto: uma máquina que produz ofenômeno da consciência. É claro que os cientistas nãohaviam descoberto exatamente como os neurônios docérebro conseguem fazer isso, mas era apenas uma questãode tempo. Afinal, isso era provado todos os dias na sala decirurgia. Um paciente chega com uma tremenda dor decabeça e com a consciência reduzida. O médico faz umaressonância magnética no cérebro e descobre um tumor. Opaciente toma anestesia geral, o tumor é extirpado, ealgumas horas depois ele está pronto para encarar o mundode novo. Nada de dor de cabeça. Nada de consciência turva.Tudo muito simples.

Eu adorava essa objetividade – a absoluta honestidade eisenção da ciência. Não havia espaço para fantasias nem paranegligência. Se um fato pudesse ser visto como concreto econfiável, ele era aceito. Do contrário, era rejeitado.

Essa abordagem deixava muito pouco espaço para a almae o espírito, para a continuação da existência depois que océrebro para de funcionar. E deixava menos espaço aindapara aquelas palavras que eu sempre ouvia na igreja: vidaeterna.

Foi por isso que me acostumei a contar tanto com minha

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família: com Holley e nossos filhos, minhas três irmãs e, éclaro, com meus pais. Para ser franco, nunca teria sido capazde exercer minha profissão, e ver as coisas que eu vi, sem osólido suporte de amor e compreensão que a família meproporcionou.

E foi por esse motivo que Phyllis (depois de consultarBetsy pelo celular) decidiu fazer-me uma promessa emnome de toda a família. Sentada ao meu lado, com minhamão flácida e quase sem vida entre as suas, ela me disse que,independentemente do que me acontecesse dali para afrente, sempre haveria alguém segurando minha mão.

– Não vamos deixar você partir, Eben. Você precisa deuma âncora para mantê-lo neste mundo, onde necessitamostanto de você. E nós seremos essa âncora – disse ela.

Mal sabia ela como essa âncora seria importante para mimnos dias que se seguiriam.

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A MELODIA GIRATÓRIA E O MUNDO NOVO

lguma coisa apareceu no escuro. Movendo-selentamente, ela irradiava uma luz dourada e, à medida

que avançava, a escuridão à minha volta começava a sefragmentar e dissipar.

Então escutei um novo som: um som vivo, como a maisrica e complexa melodia que já tinha ouvido. Aumentandode volume enquanto uma diáfana luz branca descia, essesom anulou as batidas mecânicas e maçantes que,aparentemente, haviam sido a minha única companhia atéentão.

A luz foi chegando cada vez mais perto, girando em tornode mim, produzindo filamentos de pura luz branca com raiasdouradas.

Então, no centro da luz, apareceu outra coisa. Eu meconcentrei ao máximo para descobrir o que era.

Uma abertura. Eu não estava mais olhando para a luzgiratória, mas através dela.

No instante que compreendi isso, comecei a me mover. Eu

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ouvia um som sibilante. Quando atravessei a abertura, me viem um mundo inteiramente novo. O mundo mais belo eestranho que eu já tinha visto.

Brilhante, vibrante, arrebatador, maravilhoso... Eu poderiaamontoar adjetivos, um após outro, para tentar descreveresse mundo, mas nada do que dissesse poderia traduzir oque eu via e sentia. Era como se eu tivesse acabado denascer. Não renascer, ou nascer de novo. Apenas... nascer.

Embaixo de mim havia uma campina. Ela era verde,exuberante e parecia feita de terra. Era de terra... mas aomesmo tempo não era. Minha sensação era a mesma que setem ao visitar algum lugar a que costumávamos ir quandocrianças. Nós não o reconhecemos, mas ao olharmos emvolta, alguma coisa nos atrai, e percebemos que uma partede nós – uma parte bem lá no fundo – se lembra do lugar ese alegra por ter voltado ali.

Eu estava voando. Passei por árvores e campos, rios ecachoeiras, e avistei pessoas aqui e ali. Também haviacrianças rindo e brincando. Todos cantavam e dançavam emcírculos, e vi até cachorros correndo e saltando entre elas,igualmente tomados de alegria. As pessoas vestiam roupassimples, mas bonitas, e tive a impressão de que as coresdessas vestimentas tinham o mesmo tom vívido das árvorese das flores que desabrochavam e encantavam todo o campoao redor.

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Um mundo de sonhos belo e incrível...Só que não era um sonho. Embora não soubesse onde me

encontrava e nem mesmo o que era aquilo tudo, eu estavaconvicto de uma coisa: esse lugar em que de repente me viera completamente real.

A palavra real expressa algo abstrato e é totalmenteineficaz para transmitir o que estou tentando descrever.Imagine que você é uma criança e vai ao cinema em umatarde de verão. Talvez o filme seja bom e prenda sua atençãoenquanto você lhe está assistindo. Mas, quando a sessãotermina, você sai do cinema e volta para a paisagemagradável daquela bela tarde. Logo, o ar fresco e a luz do solo envolvem e, então, você pensa por que razão gastou duashoras daquele dia magnífico sentado numa sala escura.

Multiplique esse sentimento por mil e ainda não estaráperto de entender como eu me senti naquele lugar.

Não sei exatamente por quanto tempo sobrevoei aquelescampos (o tempo ali era diferente do tempo linear quevivemos na Terra, e é impossível descrevê-lo, assim comotodos os outros detalhes da experiência), mas em algummomento percebi que não estava sozinho.

Alguém se encontrava bem próximo a mim: uma belamenina com as maçãs do rosto salientes e olhos de um azulprofundo. Ela vestia o mesmo tipo de roupa camponesa queas pessoas usavam lá embaixo. Seus longos cachos castanhos

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emolduravam um rosto encantador. Cavalgávamos juntossobre uma superfície intrincada, adornada por cores vivasindescritíveis – como as asas de uma borboleta. Na verdade,milhões de borboletas nos rodeavam. Havia ondas delas,descendo até a relva verde e voltando até nós no espaço.Não foi apenas uma única e discreta borboleta que apareceu,mas um enxame, como se um rio de vida e cores bailasse noar. Voávamos em círculo, despreocupadamente,atravessando campos floridos e sobrevoando árvores cujasflores desabrochavam à medida que passávamos.

O traje da menina era modesto, mas seu colorido – azul-anil e laranja – tinha a mesma energia deslumbrante de todoo resto. Ela olhou para mim de um jeito arrebatador. Nãoera um olhar romântico. Tampouco um olhar de amizade.Era um olhar que estava muito além disso... além dequalquer tipo de amor que temos aqui na Terra. Era algomais elevado, que trazia em si todos esses amores, porémmais verdadeiro e puro que qualquer um deles.

Sem usar palavras, ela falou comigo. Sua mensagem meatingiu como um vento, e compreendi imediatamente queela era verdadeira. Eu soube disso da mesma maneira quesabia que o mundo à minha volta era real – e não umafantasia fugaz e delirante.

A mensagem tinha três partes, e se tivesse que traduzi-laem linguagem terrena, eu diria que era mais ou menos isto:

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“Você é amado e valorizado imensamente, para sempre.”“Não há nada a temer.”“Não há nada que você possa fazer de errado.”A mensagem me proporcionou uma imensa sensação de

alívio. Era como se eu passasse a conhecer as regras de umjogo que havia jogado a vida inteira sem nunca tê-locompreendido de todo.

“Nós lhe mostraremos muitas coisas aqui”, a menina medisse, de novo sem usar palavras, apenas projetando aessência do significado delas em mim. “Mas, no fim, você irávoltar.”

Eu tinha uma única pergunta sobre isso.Voltar para onde?Lembre-se de quem está contando tudo isso. Não sou um

sentimentalista. Sei muito bem com que a morte se parece.Sei o que é ver uma pessoa viva, com quem você conversoue brincou durante um bom tempo, de repente se tornar umamassa inerte em uma mesa de operação depois de lutarmosdurante horas para manter seu corpo funcionando. Conheçoo sofrimento e o pesar profundo das pessoas que perderamalguém que nunca acharam que poderiam perder. Conheçoa minha biologia, e, ainda que não seja um especialista emfísica, não sou um ignorante total nessa matéria: sei adiferença entre a fantasia e a realidade, e posso assegurarque a experiência que estou tentando transmitir aqui, ainda

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que de forma vaga e insatisfatória, foi de longe a experiênciamais real da minha vida.

Na verdade, a única coisa que poderia competir com elaem termos de realidade foi a que veio a seguir.

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À

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ISRAEL

s oito horas da manhã do dia seguinte, Holley estava devolta ao meu quarto. Ela ocupou o lugar de Phyllis na

cadeira junto à cabeceira do meu leito e envolveu minhamão ainda inerte nas suas.

Por voltas das onze horas, o pastor Sullivan chegou e todosformaram um círculo ao meu redor. Betsy segurou minhamão para que eu também fosse incluído na roda. O pastorconduziu a oração. Quando estavam encerrando a prece, umdos médicos infectologistas apareceu trazendo notícias dolaboratório. Apesar dos antibióticos ministrados durantetoda a noite, minha taxa de glóbulos brancos continuava asubir. O que significava que a bactéria ainda estava atacandomeu cérebro, sem enfrentar qualquer resistência.

Correndo contra o tempo, os médicos mais uma vezinterpelaram Holley a fim de obter detalhes de minhasatividades nos últimos dias. Logo estenderam suas perguntaspara as últimas semanas. Havia alguma coisa – qualquercoisa – que eu pudesse ter feito recentemente que lhes

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ajudasse a entender meu estado?– Bem – disse Holley –, ele viajou para Israel há alguns

meses.Dr. Brennan vasculhou o seu bloco de notas.As células bacterianas E. coli podem trocar DNA não

somente com outras E. coli, mas também com outrosorganismos bacterianos gram-negativos. Isso tem sériasimplicações nesta era de viagens globais, bombardeio deantibióticos e bactérias que sofrem mutações rapidamente.Se algumas E. coli se encontrarem em um ambientebiológico hostil com outros organismos primitivos maisresistentes, as E. coli podem incorporar parte do DNAdessas bactérias mais bem posicionadas.

Em 1996, pesquisadores descobriram uma nova linhagemde bactérias que hospedavam o código genético da KPC(Klebsiella pneumoniae carbapenemase), uma bactéria queabriga uma enzima que confere resistência a antibióticos àbactéria hospedeira. Ela foi encontrada no estômago de umpaciente que faleceu em um hospital da Carolina do Norte.

O caso imediatamente chamou atenção dos médicos domundo todo quando se descobriu que a “superbactéria”KPC poderia potencialmente tornar a bactéria que aabsorveu resistente não apenas aos antibióticos correntes,mas a todos eles.

Se uma linhagem de bactérias resistentes a antibióticos

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fugisse do controle e avançasse sobre a população doplaneta, a espécie humana estaria em apuros. Nenhum novoantibiótico poderia vir em nosso socorro.

O Dr. Brennan sabia que alguns meses antes da minhacrise um paciente dera entrada em um hospital com umainfecção bacteriana grave e recebera uma série deantibióticos potentes para tentar controlar uma infecção pelaKlebsiella pneumoniae. Mas o estado do homem continuou apiorar. Exames revelaram que ele estava sucumbindo àbactéria e que os antibióticos não fizeram efeito. Examesposteriores mostraram que as bactérias que viviam nointestino grosso do paciente haviam adquirido o gene KPC.Em outras palavras, seu corpo tinha se tornado o laboratóriopara a criação de uma espécie de bactéria que, se chegasse àpopulação geral, provocaria algo capaz de rivalizar com apeste bubônica, uma praga que dizimou metade doseuropeus no século XIV.

O hospital onde tudo isso aconteceu foi o Centro MédicoSourasky, em Tel Aviv, Israel, e o caso tinha ocorrido haviapoucos meses. Para ser preciso, acontecera na época em queestive por lá, em uma viagem a trabalho. Desembarquei emJerusalém de madrugada e depois de dar entrada no hotelresolvi caminhar pela cidade velha. Acabei fazendo umaturnê ainda no escuro pela Via Dolorosa e visitando osuposto local da Última Ceia.

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A caminhada havia sido estranhamente emocionante e, devolta aos Estados Unidos, eu sempre a mencionava paraHolley. Mas, na ocasião, eu não conhecia a história dopaciente no hospital Sourasky ou da bactéria que tinha seapropriado do gene KPC. Bactéria essa que, se desenvolvida,era uma grande facilitadora da meningite E. coli.

Será que, durante minha estadia em Israel, eu poderia tercontraído uma bactéria que hospedava a KPC à prova deantibióticos? Pouco provável. Mas era uma explicaçãoplausível para a aparente resistência da minha infecção, e ajunta médica que me assistia foi à luta para investigar seaquela era, de fato, a bactéria que atacava meu cérebro.

O meu caso estava prestes a se tornar, pela primeira demuitas razões, um episódio especial da história da medicina.

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O NÚCLEO

gora eu estava em um lugar cheio de nuvens.Nuvens grandes, fofas, brancas com tons rosados se

destacavam no céu de anil.Mais alto que as nuvens – imensuravelmente mais alto –,

em um aglomerado de esferas transparentes, seresdeslumbrantes se deslocavam em arco por todo o céu,deixando grandes rastros atrás de si.

Pássaros? Anjos? Estas palavras me ocorreram quando euescrevia minhas recordações, mas nenhuma delas faz jusàqueles seres, que eram muito diferentes de qualquer coisaque eu tivesse conhecido neste planeta. Eles eram maisevoluídos. Superiores.

Um som forte e majestoso, como uma música sacra, veiode cima, e me perguntei se aqueles seres superiores estariamproduzindo esse uníssono. Novamente, refletindo sobre issomais tarde, me ocorreu que a alegria dessas criaturas era tãoimensa que elas tinham que manifestar esse som – como sefosse uma emoção impossível de conter. Era algo palpável e

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quase material, assim como uma chuva que se sente na pele,mas que não nos deixa molhados.

Ver e ouvir não eram coisas separadas naquele lugar. Eupodia ouvir a beleza dos corpos daqueles seres cintilantes e,ao mesmo tempo, ver a perfeição do que eles cantavam.Parecia que não era possível ver ou escutar qualquer coisa alisem se tornar parte dela – sem se fundir com aquilo dealguma forma misteriosa. Lá tudo era diferente e, noentanto, fazia parte de algo maior, como os belos desenhosentrelaçados nos tapetes persas... ou como nas asas deborboleta.

Um vento morno começou a soprar, balançando as folhasdas árvores e fluindo como um rio celestial. Uma brisadivina. Essa brisa mudou tudo, elevou o mundo ao meuredor para uma oitava acima, para uma vibração mais alta.

Embora minha linguagem estivesse limitada – ao menosda maneira como entendemos aqui na Terra – comecei,mesmo sem palavras, a fazer perguntas para esse vento epara o ser divino que intuí operar por trás dele.

Onde é este lugar?Quem eu sou?Por que estou aqui?Toda vez que eu formulava uma questão, a resposta vinha

instantaneamente em uma explosão de luz, cor, amor ebeleza que me invadia por completo. O importante sobre

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essas explosões foi que elas não silenciavam minhasperguntas com sua força esmagadora, mas respondiam atodas elas, só que de uma maneira além da linguagem. Ospensamentos entravam em mim diretamente, mas não eramiguais aos que temos aqui. Não eram vagos, imateriais nemabstratos. Eram sólidos e imediatos – mais quentes que ofogo, mais úmidos que a água – e, à medida que os recebia,eu era capaz de conhecer, instantaneamente e sem qualqueresforço, o que levaria anos para compreender na vidaterrena.

Continuei avançando e me vi entrando num imenso vazio,escuro, infinito em tamanho, mas também infinitamenteprazeroso. Ao mesmo tempo que era negro, estava repletode luz: uma luz que parecia vir de uma esfera brilhante queagora eu sentia próxima a mim. Uma órbita viva e quasesólida, como as canções dos seres superiores. Minha situaçãoera como a de um feto no útero. Ele flutua com a parceriasilenciosa da placenta, que o nutre e medeia seurelacionamento com tudo à sua volta e também com a mãe,até então invisível.

Neste caso, a “mãe” era Deus, o Criador, a Fonte – ouqualquer nome que se queira dar para o Ser dos Seres que éresponsável pela existência do Universo e tudo o que hánele. Este Ser estava tão perto que parecia não haverdistância alguma entre Ele e mim. Porém, eu podia sentir

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Sua infinita vastidão e perceber o tamanho da minhainsignificância diante de tanta grandeza. De agora em diante,usarei Om para me referir a Deus, pois esse era o som queeu lembrava ter ouvido associado àquele ser onisciente,onipresente e incondicionalmente amoroso.

Eu percebia a imensidão que separava Om de mim porquetinha a Órbita como companhia. Eu não podia compreenderclaramente, mas tinha certeza de que a Órbita era um tipode “intérprete” entre mim e essa extraordinária presençaque me rodeava. Era como se eu tivesse nascendo em ummundo maior, como se o Universo fosse um gigantescoútero cósmico, e a Órbita (que permanecia ligada à meninanas asas de borboleta que, na verdade, era ela) estivesse medirigindo nesse processo.

Mais tarde, quando já estava de volta a este mundo,encontrei uma citação do poeta cristão do século XVII, HenriVaughan, que chega próximo da descrição desse lugar – esseamplo centro escuro que era o lar do Divino.

“Existe em Deus, alguns dizem, uma profunda e ofuscanteescuridão...”

Era exatamente isto: uma escuridão absoluta que tambémera repleta de luz.

As perguntas e as respostas continuavam. A “voz” desseSer era cálida e pessoal – por mais estranho que isso possasoar. Ele entendia os humanos, possuía as qualidades que

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nós possuímos, só que numa escala muito maior. Ele meconhecia profundamente e transbordava virtudes quesempre associei aos seres humanos: afeto, compaixão,emoção... até mesmo ironia e humor.

Por meio da Órbita, Om me disse que não existe apenasum Universo, mas muitos – na verdade, mais do que eupoderia conceber –, e que o amor está no centro de todoseles.

O mal também estava presente em todos os outrosuniversos, porém em quantidades muito pequenas. O malera necessário porque sem ele o livre-arbítrio era impossível,e sem livre-arbítrio não poderia haver crescimento –nenhum avanço, nenhuma chance de nos tornarmos o queDeus desejou que fôssemos. Por mais horrível e poderosoque o mal pareça, o amor é avassaladoramente maior, etriunfará no final.

Vi a abundância da vida nos incontáveis universos,incluindo alguns cuja inteligência estava muito além danossa. Vi que existem incontáveis dimensões superiores,mas que a única maneira de conhecê-las é experimentando-as diretamente. Elas não podem ser conhecidas ouentendidas de um espaço dimensional inferior.

Causa e efeito existem nesses reinos mais elevados, masde maneira diferente da nossa concepção terrena. O nossotempo e espaço estão unidos, de maneira íntima e complexa,

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com esses universos mais avançados. Em outras palavras,esses mundos não estão totalmente separados do nosso,porque todos os mundos fazem parte da mesma eabrangente Realidade divina. Daqueles universos maisavançados se pode acessar qualquer tempo ou lugar donosso mundo.

Seria necessário o resto de minha vida, e um pouco mais,para relatar o que aprendi ali. O conhecimento transmitido amim não foi “ensinado” como se ensina História ouMatemática. Os ensinamentos vinham diretamente, sem queeu precisasse ser convencido. O conhecimento eraarmazenado sem memorização, instantaneamente e semesforço. Ele não desaparecia, como acontece com ainformação comum – e até o dia de hoje eu o retenho, commais clareza do que guardo as informações que acumulei emtodos os meus anos de estudo.

Isso, no entanto, não quer dizer que eu possa acessar esseconhecimento com facilidade. Porque, agora que estou devolta à dimensão terrena, tenho que processá-lo através doslimites do meu cérebro e do meu corpo físico. Mas oconhecimento está lá. Eu o sinto, repousando no centro domeu ser. Para uma pessoa como eu, que passou toda a vidatrabalhando duro para acumular conhecimento e sabedoriada maneira tradicional, a descoberta desse nível maisavançado de aprendizado foi, por si só, o bastante para

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alimentar meu pensamento pela vida fora.Infelizmente, para minha família e os médicos lá na Terra,

a situação era bem diferente.

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QUEM SE IMPORTA?

olley percebeu que os médicos ficaram muitointeressados quando ela mencionou a viagem a Israel.

Mas é claro que ela não entendeu por que isso era tãoimportante. Na verdade, foi uma bênção que ela não tivesseentendido. Lidar com a minha morte iminente já era umaprovação dura o suficiente; imagine ter que admitir apossibilidade de eu vir a me tornar o caso principal de umadesgraça equivalente à peste bubônica.

Enquanto isso, mais ligações eram feitas para amigos efamiliares.

Inclusive para minha família biológica.Quando era garoto, eu adorava meu pai, que foi chefe de

equipe durante 20 anos no Hospital Batista Wake Forest emWinston-Salem. Escolhi a neurocirurgia como profissão paraseguir os passos de meu pai, embora tivesse a convicção deque não chegaria tão longe quanto ele.

Meu pai era um homem profundamente espiritualizado.Ele serviu como cirurgião na Força Aérea dos Estados

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Unidos nas florestas da Nova Guiné e nas Filipinas durante aSegunda Guerra Mundial. Ele testemunhou e experimentoumuita brutalidade e sofrimento. Ele me contava sobre asnoites que passara operando os feridos em batalha embarracas que mal protegiam os corpos das chuvas dasmonções que assolavam o acampamento militar. Fora ocalor e a umidade opressivos que obrigavam os cirurgiões atrabalharem de cuecas e sem camisa para poder suportar oclima hostil.

Papai se casou com o amor de sua vida (e filha de seuoficial-comandante), Beth, em outubro de 1942. No final daguerra, ele fez parte do primeiro grupo das forças aliadasque ocuparam o Japão depois que os Estados Unidoslançaram a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki.Como o único neurocirurgião militar em Tóquio, meu pai setornou indispensável. Ele também estava habilitado a operarouvido, nariz e garganta.

Todas essas qualificações garantiam que ele não iria aparte alguma por um bom tempo. Seu novo comandantenão lhe permitiria voltar aos Estados Unidos antes que asituação no Oriente se estabilizasse. Somente vários mesesdepois que os japoneses se renderam formalmente a bordodo navio de guerra Missouri, na Baía de Tóquio, papairecebeu do comando geral licença para voltar para casa.Entretanto, ele sabia que se o comandante no Japão o visse

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partindo suspenderia a ordem. Então aguardou o fim desemana, quando aquele oficial estivesse fora da base, ereferendou sua dispensa por meio do comandante deplantão. Ele conseguiu embarcar no primeiro navio quepartiria de Tóquio para os Estados Unidos, em dezembro de1945, muito tempo depois de a maioria dos militares de seugrupo ter retornado para suas famílias.

Depois de chegar, no início de 1946, papai deuprosseguimento à sua residência em neurocirurgia juntocom seu amigo Donald Matson, que servira na Europadurante a guerra. Eles completaram sua residência médicano Peter Bent Brigham e no Hospital Infantil de Boston coma supervisão do Dr. Franc D. Ingraham, um dos últimosresidentes treinados pelo Dr. Harvey Cushing, reconhecidomundialmente como o pai da neurocirurgia moderna.

Nas décadas de 1950 e 1960, todo o grupo deneurocirurgiões de seu regimento que havia honrado a suaclasse nos campos de batalha da Europa e do Pacífico seguiuem frente e se estabeleceu como a mais importante geraçãode neurocirurgiões modernos.

Meus pais cresceram durante a Grande Depressão eexperimentaram o trabalho duro desde cedo. Papaicostumava chegar em casa para jantar às sete horas,geralmente de terno e gravata, mas às vezes usando seujaleco. Então ele voltava para o hospital, quase sempre

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levando consigo um de seus filhos, para fazermos o dever decasa em seu gabinete, enquanto ele examinava os pacientes.

Papai enxergava vida e trabalho como sinônimos e noscriou com essa mesma visão. Ele geralmente mandava queminhas irmãs e eu limpássemos o quintal aos domingos. Sepedíssemos para ir ao cinema, ele respondia: “Se vocêsforem ao cinema alguém vai ter que fazer esse trabalho.” Eletambém era altamente competitivo: considerava qualquerjogo “uma batalha de vida ou morte”, e mesmo quando jáestava na casa dos oitenta anos ele andava à procura denovos oponentes, em geral décadas mais jovens.

Era um pai exigente, mas também um pai maravilhoso.Tratava a todos com respeito e carregava uma chave defenda no bolso do jaleco para apertar qualquer parafuso queencontrasse frouxo durante suas rondas no hospital. Seuspacientes, colegas médicos, enfermeiras e toda a equipegostavam muito dele. Não importa se estivesse operando,colaborando em pesquisas, treinando neurocirurgiões oueditando a revista Surgical Neurology (o que fez por váriosanos), papai imprimia a sua filosofia de vida em tudo.Mesmo depois de envelhecer e abandonar os centroscirúrgicos, aos 71 anos, ele continuou acompanhando osavanços de sua área. Após a morte dele, em 2004, o Dr.David L. Kelly Jr., seu parceiro de longa data, escreveu: “Dr.Alexander sempre será lembrado por seu entusiasmo e suas

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qualidades médicas, por sua perseverança e atenção aosdetalhes, por sua compaixão, honestidade e pela excelênciaem tudo o que fazia.” Não era de admirar que eu, assimcomo tantos outros, o adorasse.

Muito cedo – tão cedo que nem me lembro de quando foi– mamãe e papai me revelaram que eu era adotado (ou“escolhido”, como eles diziam, uma vez que me garantiramque souberam que eu era filho deles no exato momento emque me viram). Eles não eram meus pais biológicos, mas meamavam como se eu fosse a sua própria carne e sangue.

Cresci sabendo que fui adotado em abril de 1954, comapenas quatro meses de vida. Quando me deu à luz, emdezembro de 1953, minha mãe biológica tinha apenas 16anos, era estudante secundária e solteira. O namorado delaera mais velho, porém não tinha condições de sustentar umfilho, então concordou em dar o bebê para a adoção, já quenenhum dos dois me queria. O conhecimento de tudo issoveio tão cedo que se tornou simplesmente uma parte do queeu era, uma parte tão aceita e inquestionável quanto a cordos meus cabelos e o fato de eu gostar de hambúrgueres edetestar couve-flor. Eu amava meus pais adotivos tantoquanto amaria se tivéssemos alguma relação de sangue, eclaramente eles sentiam o mesmo por mim.

Minha irmã mais velha, Jean, também havia sido adotada,mas, cinco meses depois que me juntei a eles, minha mãe

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conseguiu engravidar. Ela deu à luz uma menininha – Betsy– e cinco anos mais tarde nasceu Phyllis, a caçula da família.Nós éramos irmãos de verdade para todos os efeitos. Eusabia que, não importava de onde tivesse vindo, eu era oirmão delas e elas eram minhas irmãs. Cresci no seio de umafamília que não somente me amava, mas que acreditava emmim e apoiava os meus sonhos. Inclusive o sonho queganhou corpo no ensino médio e que eu nunca deixeiescapar até que conseguisse realizá-lo: ser umneurocirurgião como papai.

Não pensei sobre minha adoção durante os anos defaculdade e de residência médica – ao menos nãoprofundamente. Eu me lembro de ter procurado diversasvezes a Sociedade Lar das Crianças da Carolina do Nortepara saber se minha mãe tinha algum interesse em seaproximar de mim. Mas meu estado tinha uma das leis maisrígidas do país para proteger o anonimato dos adotados e deseus pais biológicos, mesmo que eles quisessemdesesperadamente se reencontrar. Ao me aproximar dos 30anos, eu pensava cada vez menos nisso. E quando conheciHolley e formamos nossa própria família, a questãopraticamente desapareceu.

Ou ficou escondida mais lá no fundo.Em 1999, quando Eben IV tinha 12 anos e morávamos em

Massachusetts, ele se envolveu em um projeto escolar sobre

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a herança familiar. Eben sabia que eu havia sido adotado eque, por isso, ele tinha parentes diretos que não conheciapessoalmente e dos quais nem mesmo sabia o nome. Oprojeto acendeu alguma coisa nele – uma curiosidadeprofunda que até aquele momento ele não sabia que existia.

Ele me perguntou se poderíamos tentar encontrar meuspais biológicos. Eu lhe contei, então, que por muitos anos eume empenhara nisso, até procurando o orfanato para saberse havia alguma notícia de minha mãe. Se ela ou meu paiquisesse me ver, a administração do orfanato saberia. Masque nunca houvera retorno algum.

Não que isso me angustiasse. Eu disse a Eben que era algo“perfeitamente natural, o que não significa que minha mãebiológica não me ame ou que não vá amá-lo se puser osolhos em você. Mas ela não quer me conhecer,provavelmente porque, assim como nós, ela já tem outrafamília e não deseja complicar as coisas”.

Eben não se deu por vencido. Ele insistiu tanto que, paranão frustrá-lo, resolvi escrever para uma assistente social doLar das Crianças chamada Betty, que tinha atendido asminhas solicitações anteriores. Algumas semanas depois, emuma sexta-feira gelada de fevereiro de 2000, Eben e euestávamos indo para o Maine esquiar, quando lembrei quedeveria ter ligado para Betty a fim de saber se havia algumanovidade. Liguei do celular mesmo.

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– Bem... dessa vez eu tenho notícias. O senhor estásentado?

Eu não só estava sentado como dirigindo no meio de umatempestade de neve, mas omiti esse detalhe.

– Acontece, Dr. Alexander, que seus pais acabaram secasando. Um com o outro.

Meu coração disparou dentro do peito e a estrada naminha frente de repente assumiu contornos vagos e irreais.Embora eu soubesse que meus pais tinham se apaixonado,sempre presumi que, após terem me abandonado, suasvidas tomariam rumos opostos. Instantaneamente umaimagem surgiu em minha cabeça. Um retrato de meus paisbiológicos e do lar que eles construíram em algum lugar. Umlar que eu nunca conheci. Um lar ao qual eu não pertencia.

Betty interrompeu meus devaneios:– Dr. Alexander?– Sim – respondi lentamente. – Estou aqui.– Tem mais uma coisa.Para espanto de Eben, joguei o carro para o acostamento e

pedi que ela prosseguisse.– Seus pais tiveram outros três filhos: duas meninas e um

rapaz. Estive com a filha mais velha e ela me contou que suairmã mais nova faleceu há dois anos. Seus pais ainda estãomuito abalados com a perda.

– Então isso quer dizer...? – perguntei depois de uma longa

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pausa, ainda anestesiado, sem conseguir processar direitotudo aquilo.

– Sinto muito, Dr. Alexander, mas ela recusou o seupedido de contato.

Eben se agitava no banco atrás de mim, ciente de que umacoisa muito importante tinha acabado de acontecer.

– E aí, pai? – perguntou ele quando, enfim, desliguei.– Nada demais. A agência não sabe muita coisa, mas estão

trabalhando no caso. Talvez algum dia. Quem sabe...Mas minha voz me traiu. Lá fora, a tempestade

aumentava. Eu só conseguia enxergar poucos metros adianteno nevoeiro que nos envolvia. Engatei a marcha do carro,olhei com cuidado pelo retrovisor e retornei à estrada.

Em alguns minutos, a visão que eu tinha de mim mesmohavia mudado inteiramente. Depois daquele telefonema, eucontinuava sendo, claro, tudo o que era antes: um cientista,um médico, um pai, um marido. Mas pela primeira vez navida me senti um órfão. Alguém que havia sido abandonado.Alguém que não era aceito nem desejado.

Antes daquela conversa, eu nunca me sentira daquelejeito. Jamais tinha pensado nos meus pais biológicos comopessoas que eu tivesse perdido e que nunca pudesserecuperar. Mas, de repente, essa era a única coisa que euconseguia enxergar sobre mim mesmo.

Nos meses seguintes um oceano de desolação se apossou

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de mim: era uma tristeza que ameaçava me afundar e afogartudo pelo que eu tinha trabalhado tão diligentemente paraconstruir até então em minha vida.

Isso piorou ainda mais por causa da minha incapacidadede encarar o que estava provocando a situação. Enfrenteiproblemas pessoais antes e os superei. Na faculdade demedicina, por exemplo, fiz parte de um grupinho quevalorizava bastante a bebida alcoólica. Mas em 1991 comeceia reparar que ficava exageradamente ansioso pelos diaslivres e pelas bebidas que viriam com eles. Decidi então queestava na hora de parar de beber. Isso não foi nada fácil –precisei de ajuda profissional e do apoio da família.

Então, aqui estava outro problema, e a culpa era todaminha. Teria conseguido lidar com ele se pedisse ajuda. Maspor que eu não poderia arrancar o mal pela raiz?Simplesmente não parecia correto que uma parte esquecidado meu passado – uma parte que, afinal de contas, eu nãopodia controlar – pudesse me desestruturar tanto emocionalquanto profissionalmente.

Então decidi lutar. Percebi, incrédulo, que meus papéiscomo médico, pai e marido se tornavam cada vez maisdifíceis de cumprir. Vendo que eu não atravessava um bommomento, Holley nos inscreveu em uma terapia de casais.Embora compreendesse apenas em parte o que estavacausando aquilo, ela me perdoou por cair no abismo do

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desespero e fez o que estava ao seu alcance para me tirardele.

A depressão teve ramificações também em meu trabalho.Evidentemente, meus pais ficaram sabendo da minhamudança de comportamento, e também mecompreenderam. Porém o que mais doeu foi constatar queminha carreira também estava em perigo – e que não havianada nem ninguém que pudesse me ajudar.

Finalmente, depois de ter minha tristeza exposta aos olhosde todos, vi desabar minha última esperança de quehouvesse algum elemento pessoal no Universo – algumaforça que estivesse além do âmbito científico ao qual eu mededicara tantos anos. Vi desabar minha última crença de quepudesse haver um Ser que de fato me amasse e seimportasse comigo. Depois daquele telefonema na nevasca,a ideia de um Deus amoroso e pessoal desapareceu porcompleto.

Haveria uma força ou inteligência olhando por nós? Quemse importava com os humanos de um modoverdadeiramente amoroso? Foi uma surpresa ter de admitirque, apesar de todo o meu conhecimento científico e minhaexperiência médica, eu ainda estava secretamenteinteressado nessa questão – assim como estava envolvidoaté a alma na questão da minha família biológica.

Infelizmente, a resposta para a pergunta sobre a existência

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de um Ser amoroso era a mesma para a que indagava sobrea possibilidade de meus pais biológicos abrirem suas vidas eseus corações para mim algum dia.

E a resposta era não.

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N

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O FIM DO TORMENTO

os sete anos que se seguiram, minha profissão e minhavida familiar continuaram a padecer. Por muito tempo,

as pessoas à minha volta – até as mais próximas – nãotiveram certeza da causa do problema. Mas, aos poucos,pelas observações que eu fazia de vez em quando, Holley eminhas irmãs juntaram as peças do quebra-cabeça.

Até que, em uma caminhada matinal na praia, durante asférias da família em julho de 2007, Betsy e Phyllis trouxeramo assunto à tona.

– Você já pensou em escrever outra carta para sua famíliabiológica? – perguntou Phyllis.

Besty reforçou a sugestão:– Sim, porque depois de tanto tempo as coisas podem ter

mudado. Nunca se sabe...Como Betsy estava pensando em adotar uma criança, não

fiquei inteiramente surpreso quando o assunto surgiu. Aindaassim, minha resposta imediata foi:

– Não! De novo, não!

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Eu me lembrei do abismo que se abrira sob os meus pésdepois da rejeição que sofrera sete anos antes. Mas, nofundo, eu sabia que a intenção de Betsy e Phyllis era amelhor possível. Minhas irmãs sabiam que eu estavasofrendo e, como finalmente tinham descoberto o motivo,queriam que eu enfrentasse o problema e tentasse resolvê-lo. Elas me asseguraram que permaneceriam ao meu ladonessa empreitada, que eu não estaria sozinho como nasoutras vezes: a partir daquele momento seríamos umaequipe.

Então, no início de agosto de 2007, escrevi uma cartaanônima para minha irmã biológica e a enviei para Betty naSociedade Lar das Crianças da Carolina do Norte.

Querida irmã,Eu gostaria de me comunicar com você, nosso irmão e

nossos pais. Depois de uma longa conversa com a minhafamília adotiva, eles apoiaram meu desejo de saber mais sobrea minha família biológica.

Meus dois filhos, de 9 e 19 anos, estão curiosos para sabermais sobre sua família de sangue. Nós três e minha esposaficaremos gratos por qualquer informação que você se sinta àvontade para compartilhar. Quanto a mim, queria sabersobre a vida de meus pais desde quando eram jovens até hoje.Que tipo de interesses e personalidades vocês têm?

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Como todos nós estamos envelhecendo, minha esperança éencontrá-los em breve. As providências podem ser tomadas decomum acordo. Por favor, saiba que eu respeito muito o graude privacidade que eles querem manter. Tive uma famíliaadotiva maravilhosa e compreendo a decisão que meus paisbiológicos tomaram na juventude. Meu interesse é sincero erespeitarei quaisquer limites que eles considerem necessário.

Agradeço profundamente a sua atenção.Atenciosamente,Seu irmão mais velho

Algumas semanas depois, recebi uma carta da SociedadeLar das Crianças. Era da minha irmã biológica.

“Sim, nós adoraríamos conhecê-lo”, ela escreveu. A leiestadual da Carolina do Norte lhe proibia de me passarqualquer informação que os identificasse, mas, driblandoesse procedimento, ela forneceu as primeiras pistas sobre afamília que eu nunca conhecera.

Quando ela relatou que meu pai biológico havia sido umparaquedista no Vietnã, isso me surpreendeu: não era poracaso, então, que sempre gostei de saltar de aviões e voar.Meu pai também fez treinamento para astronauta na Nasadurante as missões Apollo nos anos 1960 (cheguei a pensarem me candidatar às missões dos ônibus espaciais em 1983).Além disso, ele foi piloto comercial, tendo trabalhado na Pan

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Am e na Delta.Em outubro de 2007, finalmente encontrei meus pais

biológicos, Ann e Richard, e meus irmãos Kathy e David.Ann me contou a história toda. Em 1953, ela passou três

meses em uma instituição para grávidas solteiras quefuncionava nas dependências de um hospital. Aos 16 anos,ela era a garota mais nova na instituição.

Seu pai (meu avô) havia tentado de tudo para ajudá-laquando soube de sua situação. Mas ele estavadesempregado, e levar um bebê para casa seria uma grandesobrecarga financeira, fora todos os outros problemas. Umamigo dele chegou a mencionar um médico que poderia“dar um jeito nisso”. Mas a mãe de Ann (minha avó) nãoconcordou com o aborto.

Ann me disse que, naquela noite gelada de dezembro, elaolhara para as estrelas brilhando sobre os ventos ruidososdo inverno, atravessara as ruas vazias na companhia apenasdas nuvens baixas. Ela só queria estar sozinha com a lua, asestrelas e seu filhinho prestes a nascer: eu.

– A lua crescente se insinuava e o planeta Júpiter, muitobrilhante, nos observava do alto. Richard gostava de ciência eastronomia, e ele me disse que Júpiter estava em oposiçãonaquela noite, e que só voltaria a brilhar assim dali a 9 anos.Naquele momento, eu só pensava em como o Rei dosPlanetas apareceu de forma tão linda, nos observando lá do

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alto – disse-me ela.Quando Ann entrou no corredor do hospital onde ficava

sua instituição, um pensamento tomou conta dela. Asgarotas normalmente permaneciam ali por duas semanasdepois do parto, e só então voltavam para casa a fim derecomeçar suas vidas. Se ela de fato desse à luz naquelanoite, como tudo indicava, e se realmente a liberassem emduas semanas, ela e eu estaríamos em casa para o Natal.Que milagre seria: levar-me para casa no dia de Natal!

Ann me contou que quando chegou ao hospital, o Dr.Crawford tinha acabado de fazer um parto e parecia muitocansado. Mesmo assim, por causa de suas contrações, ele aconduziu à sala de parto e deu-lhe um sedativo paraamenizar as dores. Então, às 2h42 da madrugada, depois deum último e grande movimento de expulsão, ela deu à luzseu primeiro filho.

No seu relato emocionado, minha mãe biológica revelouque tudo o que ela queria era me envolver em seus braços, eque jamais esqueceria o som do meu choro – até que afadiga e os anestésicos finalmente a apagaram.

Nas quatro horas seguintes, primeiro Marte, depoisSaturno e Mercúrio, e por fim o brilhante Vênus apareceramno céu para saudar minha chegada a este mundo. Enquantoisso, Ann dormia mais profundamente do que havia feitodurante muitos meses.

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A enfermeira a acordou ao nascer do dia:– Eu tenho alguém para lhe apresentar.E me levou envolvido em uma manta azul para que minha

mãe admirasse.Continuando seu relato, Ann me disse que as enfermeiras

consideravam o seu bebê o mais bonito do berçário, e elaexplodia de orgulho.

Por mais que Ann quisesse me manter ao seu lado, arealidade acabou se impondo. Richard sonhava em terminara faculdade, mas esse sonho não me garantiria comida.Talvez eu tenha percebido o sofrimento de Ann, pois logoparei de me alimentar. Com 11 dias de vida, fui hospitalizadoporque “não estava conseguindo crescer”, e meu primeiroNatal e os nove dias seguintes foram passados em umaincubadora no hospital.

Quando fui internado, Ann voltou à sua cidade parapassar o Natal com seus pais, irmãs e amigas, a quem nãovia há três meses.

Minha trajetória longe de minha mãe já estava começandoa ser traçada. Voltei a me alimentar. Quando Ann telefonoupara o hospital depois do Ano-Novo, disseram-lhe que obebê havia sido mandado para a Sociedade Lar das Crianças.

– Como? Isso não é justo! – conseguiu protestar, na suainsegurança de adolescente.

Passei os primeiros três meses de 1954 morando num

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dormitório junto com vários outros bebês cujas mãestambém não podiam sustentá-los. Meu berço ficava nosegundo andar de uma mansão vitoriana que tinha sidodoada para a Sociedade.

Nos meses que se seguiram, Ann fez várias viagens deônibus para me visitar, sempre planejando me levar emboracom ela. Uma vez foi até lá com a mãe e outra com Richard(mas as enfermeiras só deixaram que ele me visse através dovidro – não permitiriam que meu pai entrasse em meuquarto e muito menos que me pegasse no colo).

Lá pelo final de março, ficou claro para Ann que as coisasnão estavam caminhando como ela queria. Ela teria quedesistir de mim. Mesmo assim, foi até lá mais uma vez.

– Eu precisava segurá-lo nos braços, olhar nos seus olhos etentar explicar tudo – disse ela. – Eu sabia que você nãoentenderia nada, que apenas me fitaria com aquela inocênciainfantil, mas senti que lhe devia uma explicação pelo queestava acontecendo. Então eu o abracei pela última vez, beijeiseu rosto e o acariciei suavemente. Lembro-me de inalarprofundamente seu cheirinho de bebê recém-saído dobanho.

Ann fez uma pausa e depois continuou:– Olhei para você e disse: “Eu te amo muito, meu filho,

tanto que você jamais saberá. E vou amá-lo para sempre, atéo fim dos meus dias.”

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Ela me contou que fez uma oração a Deus, pedindo que eusoubesse que era amado. Mas não tinha como saber se a suaoração seria atendida, pois não voltaria a ter contato comigo.A adoção envolvia sigilo absoluto, e às vezes até o nome e adata de nascimento do bebê eram alterados para que nãofosse possível rastrear suas origens.

– Eu lhe dei um último beijo e o coloquei cuidadosamenteno berço. Cobri você com sua manta azul e olhei mais umavez dentro de seus lindos olhos azuis. Sussurrei em seuouvido “Adeus Richard Michael. Eu te amo”. Essas foramminhas últimas palavras para você, por pelo menos meioséculo.

Ann e Richard acabaram se casando e tiveram outrosfilhos. Mas ela foi sendo tomada por um desejo crescente desaber o que teria me acontecido. Meu pai era piloto, mastambém se formou em direito, e minha mãe pediu-lhe quedescobrisse minha nova identidade. No entanto, ele não quisromper o acordo de adoção e não levou o assunto adiante.

No começo da década de 1970, durante a guerra doVietnã, Ann não conseguia tirar da cabeça a data do meunascimento. Eu faria 19 anos em dezembro de 1972. Teria euido para a guerra? Em caso positivo, o que teria acontecidocomigo lá? De fato, eu até pensei em me alistar nosFuzileiros Navais para poder voar, mas, em vez disso,continuei estudando. Só que Ann não sabia disso, claro. Na

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primavera de 1973, meus pais assistiram pela TV aosprisioneiros de guerra desembarcando de aviões militares, eficaram desolados quando deram falta de mais da metadedos amigos pilotos de Richard. Ann começou a acreditar queeu também tinha sido morto na guerra. Ela certamente sesurpreenderia se soubesse que, naquela época, eu estava aapenas alguns quilômetros de sua casa em Chapel Hill.

No verão de 2008, conheci meu pai biológico, seu irmãoBob e um cunhado dele, também chamado Bob. Todosesses encontros marcaram o fim da era que chamei de“Anos do Não Saber” – um tempo marcado por uma dorterrível que, soube mais tarde, era igual à que eles sentiamem relação a mim.

Houve apenas uma ferida que não seria cicatrizada: amorte, em 1998, de minha irmã biológica Betsy (sim, elatinha o mesmo nome de uma de minhas irmãs na famíliaadotiva, e as duas se casaram com homens chamados Rob,mas isso é outra história). Todos me contaram que ela erauma pessoa com um coração enorme. Quando não estavatrabalhando no centro de atendimento a mulheres quesofrem violência sexual, onde passava a maior parte de seutempo, Betsy cuidava de cães e gatos recolhidos na rua. Anna definia como um verdadeiro anjo.

Betsy teve problemas com álcool assim como eu, e saberde sua morte me fez perceber como tive sorte por ter

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conseguido dar a volta por cima. Queria ter conhecidominha irmã, tentado ajudá-la, dito a ela que as feridaspodem ser curadas e que tudo terminaria bem.

Estranhamente, ao encontrar minha família de sangue,pela primeira vez na vida senti que as coisas realmenteestavam bem. Família é importante, e eu tinha uma parte daminha de volta. Foi quando descobri que o conhecimento desuas origens tem o poder de curar sua vida de maneirainesperada. Saber de onde vim, conhecer minhas origensbiológicas, me permitiu enxergar – e aceitar – coisas quenunca imaginei ser capaz de entender. Ao encontrá-los, pudefinalmente me livrar da ideia perturbadora de que eu nãotinha sido amado pela minha família de sangue. Essasuspeita me levou a acreditar, por muitos anos, que eu nãomerecia ser amado e nem mesmo existir. Descobrir que eutinha sido amado desde o comecinho da vida deflagrou umprocesso de cura interior de proporções inimagináveis.Comecei a experimentar uma sensação de completude quenunca havia vivenciado.

A segunda descoberta que faria tinha a ver com a perguntaque fiz naquela tarde chuvosa no carro, ao lado de Eben – serealmente existia um Deus amoroso que se importavaconosco. Na minha cabeça, a resposta ainda era não.

Foi necessário que eu passasse sete dias em coma pararever essa questão. E descobrir uma resposta

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completamente surpreendente para isso também.

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A

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O NÚCLEO, DE NOVO

lguma coisa me puxou. Não como alguém puxandomeu braço, mas algo mais sutil, menos físico. Foi um

pouco como quando o sol se esconde atrás de uma nuvem evocê sente seu humor mudar.

Eu estava saindo do centro daquele mundo. A escuridãobrilhante se esvanecia na paisagem esverdeada do Portal.Olhando para baixo, vi de novo os moradores da cidade, asárvores, as cachoeiras e os rios cristalinos, e os seresangelicais voando em círculos acima de mim.

Minha companheira também estava lá. Ela ficou ao meulado o tempo inteiro durante minha jornada pelo Núcleo,como uma esfera de luz. Mas agora ela assumia uma formahumana. Ela estava com o mesmo vestido bonito, e vê-lanovamente me deu a sensação de ser uma criança perdidaem uma grande cidade alienígena que, de repente, tomavaum contorno conhecido. Que dádiva ela era! “Nós lhemostraremos muitas coisas aqui. Mas, no fim, você irávoltar.” Essa mensagem, dita sem palavras na entrada para a

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escuridão do Núcleo, retornava para mim agora. E eutambém entendia para onde eu ia.

Para a Região do Ponto de Vista da Minhoca, onde tinhacomeçado a odisseia.

Mas o lugar estava diferente dessa vez. Penetrando denovo naquele abismo, com pleno conhecimento do queacontecia acima dele, eu não sentia mais a trepidação dequando ali estive pela primeira vez. Enquanto a músicagloriosa do Portal aos poucos dava lugar às batidas ritimadasda região inferior, eu escutava e via essa realidade como umadulto vê um lugar assustador onde já esteve, só que dessavez sem medo. As trevas e a negritude, os rostos queborbulhavam na sombra e desapareciam, as raízesvermelhas que desciam do alto não me causavam terrorporque agora eu compreendia – da maneira sem palavrascom que passei a compreender tudo ali – que não pertencia aesse lugar, mas que estava apenas o visitando.

Mas por que o visitava novamente?A resposta veio da mesma forma instantânea e não verbal

como acontecia no mundo reluzente lá em cima. Toda essaaventura, comecei a entender, era um tipo de excursão, umtipo de visão panorâmica do mundo invisível, o ladoespiritual da existência. E como qualquer boa excursão, elaincluía todos os aspectos e todos os níveis.

De volta à região mais baixa, as excentricidades do tempo

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nesse mundo continuaram a surgir. Para se ter uma ideia doque estou falando, pense em como o tempo se descortinanos sonhos. Em um sonho, o “antes” e o “depois” sãodimensões enganadoras. Podemos estar em uma parte dosonho e saber o que está para acontecer a seguir, mesmosem ter acontecido ainda. Ali, o “tempo” era um poucocomo isso – embora eu deva enfatizar que o que aconteceucomigo nada tem a ver com as confusões nebulosas dossonhos e pesadelos terrenos, exceto nos estágios iniciais,quando eu ainda estava no mundo subterrâneo.

Por quanto tempo fiquei lá dessa vez? Não tenho ideia;não há como mensurá-lo. Mas sei que depois de voltar àregião inferior, demorei para entender que, na verdade, eutinha um certo controle sobre o meu percurso e não estavaaprisionado nesse mundo inferior. Se me esforçasse, podiame transportar de volta para os planos superiores. Emalgum ponto nesses abismos sombrios, me vi desejando quea Melodia Giratória retornasse. Depois de lutar para melembrar das notas, a música extasiante e a esfera de luzgiratória ocuparam minha consciência com suagrandiosidade. Elas irromperam, mais uma vez, pela lamagelatinosa – e eu comecei a subir.

No mundo de cima, aos poucos descobri que conheceralguma coisa e pensar nela é tudo o que alguém precisa parase aproximar dela. Pensar na Melodia significava fazê-la

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aparecer, e desejar os mundos superiores me transportouaté lá. Quanto mais habituado eu ficava com a esferasuperior, mais fácil era retornar a ela. Durante o tempo quefiquei fora do corpo, executei várias vezes esse movimentode ida e volta das trevas lamacentas da Região do Ponto deVista da Minhoca para o brilho esverdeado do Portal, e de lápara a escuridão santa do Núcleo. Quantas vezes? Não seiexatamente. Mas cada vez que eu acessava o Núcleo, ia maisfundo que antes, e aprendia mais lições daquela forma nãoverbal como tudo era ensinado nas dimensões acima desta.

Isso não quer dizer que eu via o Universo inteiro, seja naviagem original da Região do Ponto de Vista da Minhocapara o Núcleo ou nas viagens que vieram depois. Uma dasverdades que eu aprendia no Núcleo, cada vez que retornavaa ele, era que seria impossível entender tudo – fosse o ladofísico/visível ou o lado espiritual/invisível do mundo. Issosem falar dos incontáveis outros universos que existem ouque algum dia existiram.

Porém, nada disso era tão relevante porque eu já haviaaprendido a única coisa que realmente importava – aquelamensagem transmitida pela minha companheira de asas deborboleta na primeira vez que passei pelo Portal:

Você é amado e valorizado imensamente, para sempre.Não há nada a temer.Não há nada que você possa fazer de errado.

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Se eu tivesse que resumir toda essa mensagem em umafrase, ela seria:

Você é amado.E se tivesse que enxugar ainda mais, para apenas uma

palavra, ela seria simplesmente:Amor.O amor é, sem dúvida, a base de tudo. Não aquele amor

abstrato, difícil de entender, mas o amor cotidiano que todomundo conhece – o tipo de amor que sentimos quandoolhamos para nosso companheiro, para nossos filhos e atépara nossos animais de estimação. Na sua forma mais pura epoderosa, esse amor não é ciumento nem egoísta – ele éincondicional. Essa é a maior de todas as realidades, agloriosa verdade que subsiste no centro de tudo o que existe.E nenhuma mínima compreensão de quem (ou do que)somos pode ser obtida por alguém que não inclua o amorem suas ações.

Um pouco longe do padrão científico? Não acho. Volteidaquele lugar, e nada poderá me convencer de que esta nãoé somente a verdade emocional mais importante noUniverso, como também a verdade científica maisfundamental de todas.

Tenho falado muito sobre essa vivência que tive eencontrado várias pessoas que passaram pela experiência dequase morte ou que estudam o assunto. O termo amor

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incondicional provoca desconforto em muitas delas.Entendo por que esse termo causa essa reação. Inúmeras

outras pessoas já passaram pela mesma experiência que tive,mas, assim como eu, quando elas voltaram para o planoterreno, tinham apenas as palavras para expressar as liçõesque aprenderam e que estão muito além da linguagem. Écomo tentar escrever um romance usando apenas metadedo alfabeto.

A principal dificuldade da maioria das pessoas que passampela EQM não é se readaptar às limitações do mundoterreno – embora isso, com certeza, seja um desafio –, masconseguir expressar o que o amor que experimentaram lárealmente significa.

Assim como a personagem Dorothy de O Mágico de Ozconsegue voltar para casa, nós também podemosrestabelecer nossa conexão com aquela região idílica. Nósnos esquecemos de nossa experiência porque o cérebrobloqueia aquele manancial cósmico, da mesma forma que aluz do sol impede a visão das estrelas durante o dia. Imaginecomo a nossa visão do Universo seria limitada se nuncativéssemos visto o céu estrelado à noite.

Conseguimos ver apenas o que o filtro do cérebropermite. O cérebro – em particular o lado esquerdo, a partelógica que gera a racionalidade e define o nosso ego – é umabarreira para experiências mais elevadas.

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Acredito que estamos atravessando um momento crucialem nossa existência. Precisamos recuperar esseconhecimento mais amplo enquanto vivemos aqui na Terra,enquanto nosso cérebro está em pleno funcionamento. Aciência, a que me dediquei durante tanto tempo, nãocontradiz o que aprendi lá em cima. Mas muita genteacredita que sim, pois alguns membros da comunidadecientífica, presos à visão materialista do mundo, têminsistido cada vez mais que ciência e espiritualidade nãopodem coexistir.

Eles estão equivocados. Para tornar esse conhecimentoacessível ao grande público é que escrevi este livro. Ele trataos demais aspectos de minha vida – o mistério de comocontraí a doença, como consegui ficar consciente na outradimensão e como me recuperei – de forma totalmentesecundária.

Isso porque o amor incondicional e a aceitação queexperimentei na viagem para o outro lado são, de longe, asmais importantes descobertas que já fiz. E por mais que eusaiba que vai ser difícil processar as outras lições que aprendipor lá, tenho noção também de que, no fundo do meucoração, compartilhar essa mensagem fundamental é atarefa mais importante da minha existência.

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QUARTA-FEIRA

or duas vezes, “quarta-feira” foi a palavra-chave paramim – foi o dia da semana que os médicos escolheram

para revelar minhas chances de sobrevivência. Do tipo:“Esperamos ver alguma melhora até quarta-feira.” E agora aquarta-feira havia chegado sem nenhum sinal de mudançaem meu estado clínico.

– Quando vou poder ver o papai?A pergunta vinha sendo feita insistentemente por meu

filho Bond, de 10 anos, desde que eu entrara em coma, nasegunda-feira. Holley evitara contar a verdade para o nossocaçula desde a minha internação, mas na quarta de manhãela concluiu que estava na hora de abrir o jogo.

Quando Holley contou a Bond, na segunda à noite, que eunão voltara do hospital porque ainda estava doente, eleachou que meu problema fosse igual a tudo o que a palavradoença sempre representou para ele: gripe, dor de gargantae talvez dor de cabeça. Se bem que sua descoberta sobrecomo uma “dor de cabeça” pode ser aflitiva foi muito

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expandida pelo que vira naquele dia antes de ir para a escola.Mas quando Holley finalmente decidiu levá-lo ao hospital,ele esperava encontrar um quadro bem diferente do que viunaquele quarto de UTI.

Bond viu um corpo que tinha apenas uma vagasemelhança com o que ele conhecia como seu pai. Quandoalguém está dormindo é possível perceber que existe umapessoa habitando aquele corpo. Há uma presença. Mas amaioria dos médicos afirma que é diferente quando alguémestá em coma. O corpo está lá, mas há uma sensaçãoestranha, quase física, de que a pessoa não está ali. Que aessência daquele corpo está, inexplicavelmente, em algumoutro lugar.

Meus dois filhos sempre foram muito próximos, desdeque Eben entrou no quarto de sua mãe na maternidade eBond, com apenas alguns minutos de vida, foi colocado emseus braços. Quando Eben encontrou Bond no hospitalnaquele terceiro dia do meu calvário, ele fez o que pôde paradar ao irmão uma impressão positiva. E sendo ele própriopouco mais que um adolescente, transformou a situaçãonum quadro que Bond poderia apreciar: o de uma batalha.

– Vamos desenhar o que está acontecendo com o papaipara que ele veja quando melhorar – sugeriu Eben.

Então, em uma mesa na cantina do hospital, eles esticaramuma folha de papel e desenharam uma representação do

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que estava acontecendo dentro do meu corpo em estado decoma. Eles desenharam meus glóbulos brancos usandocapas e empunhando espadas, defendendo o território queera o meu cérebro. E, armadas com as próprias espadas,mas vestindo fardas diferentes, estavam as bactérias E. coli,inimigas e invasoras. Era um combate corpo a corpo, e ossoldados mortos de ambos os exércitos estavam espalhadospela folha.

Era uma ilustração bastante fiel à realidade. A única coisaque o desenho não podia captar em sua simplicidade era amaneira como a batalha estava sendo travada. Na versão deEben e Bond, a luta era acirrada, com os dois ladoscombatendo corajosamente, e o resultado era incerto –embora, é claro, os glóbulos brancos fossem vencer no final.Mas enquanto estava sentado ao lado de Bond, tentandocompartilhar sua versão ingênua dos acontecimentos, Ebenintuía que, na verdade, a batalha já não era tão equilibradanem tão incerta.

E ele sabia que lado estava ganhando.

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Q

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UM TIPO ESPECIAL DE EQM

O verdadeiro valor de um ser humano é determinadoprincipalmente pela medida com que atinge

a libertação de si próprio.

– Albert Einstein (1879-1955)

uando estive pela primeira vez na Região do Ponto deVista da Minhoca, eu não tinha nenhum centro de

consciência. Não sabia quem eu era, o que eu era, nemmesmo se eu era. Eu estava simplesmente lá, num tipo deexistência singular no meio de um nada pegajoso, escuro elamacento que não tinha princípio e, aparentemente, nãotinha fim.

Mas agora eu sei. Compreendi que sou parte do Divino eque nada, absolutamente nada, pode tirar isso de mim. Asuspeita (falsa) de que estamos separados de Deus é a raizde todas as formas de ansiedade no Universo; e a cura paraisso – que eu comecei a receber no Portal e depois no

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Núcleo – é a certeza de que nada é capaz de nos separar doamor de Deus.

Essa compreensão, uma das coisas mais importantes queaprendi, fez com que a Região do Ponto de Vista da Minhocase tornasse menos aterrorizante e me permitiu enxergá-lacomo realmente é: uma parte do Universo não muitoprazerosa, mas, sem dúvida, necessária.

Muita gente já viajou pelas regiões em que estive, mas,estranhamente, a maioria se lembrava de sua identidadeterrena enquanto estava fora do corpo físico. Eles nuncaduvidaram de que seu lugar era na Terra. Sabiam que seusfamiliares estavam ao seu lado, ansiando por sua volta. Emmuitos casos, encontraram amigos e parentes que já haviammorrido e os reconheciam imediatamente.

Muitos indivíduos que tiveram uma EQM relataram terembarcado numa retrospectiva da vida, na qual viram suasinterações com outras pessoas, assim como suas boas e másações até aquele momento.

Não passei por nada disso e, coletando outros relatos,ficou claro o aspecto incomum de minha experiência. Euestava completamente livre da minha identidade corporaldurante todo o tempo e, portanto, qualquer ocorrência deEQM que necessitasse da lembrança da vida na Terra ficariaperdida.

Admito que afirmar que eu não tinha ideia de quem era,

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ou de onde tinha vindo, pode soar estranho. Afinal decontas, como eu poderia estar aprendendo todas aquelascoisas belas, espantosas e complexas, como podia ver amenina ao meu lado, as árvores em flor, as cascatas, osaldeãos, e não saber que era eu, Eben Alexander, quem viviatudo aquilo? Como pude compreender tudo o que meaconteceu sem ter consciência da minha identidade? Eu nãoestava vendo árvores, rios e nuvens pela primeira vez na vidaantes de passar pelo Portal. Pelo contrário, vi muito dissodesde criança.

Minha melhor resposta é que eu estava na mesmacondição de alguém com uma amnésia parcial. Ou seja, deuma pessoa que esqueceu alguns aspectos básicos de si mesma,m a s que acabou colhendo benefícios por tê-los esquecido,mesmo que só por um curto período.

De que maneira fui beneficiado por não me lembrar daminha identidade terrena? Ora, isso me permitiu ir fundonas dimensões invisíveis sem me preocupar com o que tinhadeixado para trás. Durante toda a minha permanêncianessas regiões eu era uma alma sem nada a perder. Nenhumlugar de onde sentir saudade, nenhum parente para chorarpor mim. Eu não tinha vindo de parte alguma, não tinhahistória, e assim pude aceitar as circunstâncias comtranquilidade – até mesmo a escuridão inicial na Região doPonto de Vista da Minhoca.

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E porque tinha apagado a minha identidade mortal, recebilivre acesso ao verdadeiro ser cósmico que sou (e que nóstodos somos). Como já disse, minha experiência foi análogaa um sonho, no qual você lembra algumas coisas edesconhece outras. No entanto essa não é uma analogiatotalmente adequada, pois o Portal e o Núcleo nãolembravam nem um pouco um sonho; pelo contrário, eramultrarreais.

Hoje suspeito que minha falta de lembranças das coisasterrenas durante a viagem pela outra dimensão foi de certomodo proposital. Correndo o risco de simplificar demais aquestão, acredito que tive a chance de “morrer maisintensamente” e viajar com mais profundidade do que amaioria das pessoas que têm uma experiência de quasemorte.

Posso parecer presunçoso, mas minhas conclusões forambaseadas na rica literatura existente sobre a EQM. Nãoposso explicar por que tudo aconteceu comigo dessamaneira, mas sei agora (três anos depois) que a penetraçãonos mundos mais elevados tende a ser um processo graduale requer que o indivíduo se liberte de seus apegos terrenospara entrar numa dimensão mais alta ou mais profunda.

Isso não foi um problema para mim, já que eu não tinhalembrança terrena alguma. Na verdade, a única dor e pesarque senti foi quando tive de retornar à Terra, onde minha

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jornada havia começado.

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A DÁDIVA DO ESQUECIMENTO

Precisamos crer no livre-arbítrio. Não há escolha.

– Isaac B. Singer (1902-1991)

noção de consciência humana sustentada hoje pelamaioria dos cientistas é a de que ela é composta de

informações digitais – ou seja, dados, como os utilizados noscomputadores. Embora alguns “bits” possam parecer maisprofundos ou especiais para nós – como assistir a um pôr dosol espetacular, ouvir uma bela sinfonia e até se apaixonar –do que os demais dados criados e estocados em nossocérebro, tudo não passa de ilusão. Todos os dados sãoiguais. O cérebro molda a realidade externa ao assimilar asinformações que chegam por meio de nossos sentidos,transformando-as em uma rica tapeçaria digital. Mas nossaspercepções são apenas um molde, não a realidade. São umailusão.

Eu também compartilhava essa ideia. Lembro-me de estar

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na faculdade e ouvir dizer que a consciência nada mais é doque um programa de computador muito complexo. Esseargumento defendia que os 10 bilhões de neurônios ematividade constante em nosso cérebro são capazes deproduzir uma vida inteira de consciência e memória.

Para compreender como o cérebro pode bloquear nossoacesso ao conhecimento dos mundos mais elevados,precisamos aceitar – pelo menos hipoteticamente – que océrebro não produz consciência. Que ele é, na verdade, umtipo de válvula redutora ou um filtro que transforma aconsciência não física que possuímos nas dimensõessuperiores em uma aptidão limitada pelo tempo de nossaexistência mortal.

Da perspectiva terrena, há uma grande vantagem nisso.Quando o cérebro trabalha duro para filtrar a enxurrada deinformações sensoriais que chega até nós do ambiente quenos rodeia, selecionando o material de que precisamos parasobreviver, é o esquecimento de nossas identidades nãoterrenas que nos permite estar “aqui e agora” de maneiramuito mais eficiente. Como a maior parte de nossa vidacontém milhares de informações que precisamos processar,estar excessivamente consciente dos mundos além desteatrapalharia ainda mais o nosso progresso. Na verdade,tomar decisões certas por meio do livre-arbítrio diante damaldade e da injustiça da Terra faria menos sentido se nos

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lembrássemos da beleza e do esplendor que nos aguardam.Como posso estar tão seguro do que estou dizendo? Por

duas razões. A primeira é que os seres me ensinaram issoquando eu estava no Portal e no Núcleo, e a segunda éporque de fato vivi a experiência. Enquanto estive fora domeu corpo, recebi lições sobre a natureza e a estrutura doUniverso que estavam muito além da minha compreensão.Mas pude recebê-las, em grande parte, porque não tinhapreocupações mundanas atrapalhando minha concentração.Agora estou de volta à Terra e a semente daqueleconhecimento me envolve. Portanto ele ainda está aqui.Posso senti-lo em todos os momentos. No entanto, serãonecessários muitos anos para que esse conhecimentofrutifique. Ou seja, precisarei de anos para entender, usandomeu cérebro material e mortal, o que entendi de forma tãofácil e instantânea no mundo espiritual. Porém estouconfiante de que, com esforço de minha parte, muito desseconhecimento continuará a desabrochar.

Dizer que ainda existe um abismo entre a visão científicado Universo e a realidade que vivi não é correto. Eu aindagosto da física e da cosmologia, ainda adoro estudar o nossoUniverso imenso e maravilhoso. Apenas tenho agora umaconcepção bem mais ampliada do que “imenso” e“maravilhoso” de fato significam. A parte física do Universoé um grão de areia comparada à parte espiritual e invisível.

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Antigamente, eu jamais usaria a palavra espiritual no meiode uma conversa científica. Hoje acho que não podemosdeixá-la de fora.

Lá no Núcleo, minha compreensão do que chamamos de“energia escura” e “matéria escura” pareceu ter explicaçõesóbvias, só que muito mais avançadas do que o ser humano écapaz de assimilar. Entretanto, isso não significa que eu nãopossa tentar explicar aqui. O que acontece é que eu mesmoainda estou em processo de compreendê-los por inteiro.Talvez a melhor maneira de transmitir essa parte daexperiência seja dizer que eu tive um antegozo de um tipomais amplo de conhecimento: um conhecimento que euacredito que o ser humano poderá acessar no futuro emnúmero muito maior. Mas tentar transmitir esseconhecimento agora me faz pensar num chimpanzé que setorna homem por um dia para experimentar toda agrandiosidade do conhecimento humano, e depois retorna àsua comunidade e tenta transmitir como foi conhecer váriaslínguas, os cálculos e a imensa escala do Universo.

Lá do outro lado, uma pergunta se insinuou em minhamente e a resposta surgiu no mesmo instante, como umaflor desabrochando. Era como se nenhuma partícula noUniverso fosse realmente separada da outra e, sendo assim,não havia pergunta sem resposta. Essas respostas não eramsimplesmente “sim” ou “não”. Eram grandes construções

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conceituais, incríveis estruturas de pensamento vivo tãocomplexas que eu precisaria da vida inteira para decifrá-lasse estivesse confinado ao raciocínio terreno. Mas não estava.Eu havia me livrado dos limites do pensamento terrenocomo uma borboleta rompe a crisálida.

Eu via a Terra como um ponto azul-pálido na enormeescuridão do espaço. Podia ver que nosso planeta era umlugar onde o bem e o mal se misturavam, e que isso era umade suas características mais peculiares. Até mesmo ali existemais bem do que mal, mas a Terra é um lugar onde o maltem permissão para agir de uma forma que seria totalmenteimpossível nos níveis superiores. Esse mal que de temposem tempos poderia se sobressair ao bem era conhecido peloCriador, e Ele o permitia, pois era como uma consequêncianecessária do livre-arbítrio.

Pequenas partículas do mal estavam espalhadas por todoo cosmos, mas a soma de todo esse mal é um grão de areiacomparado com a bondade, a abundância, a esperança e oamor incondicional dos quais o Universo está inundado. Aestrutura essencial da outra dimensão é amor e aceitação, equalquer coisa que não tenha essas virtudes estáimediatamente deslocada por lá.

O livre-arbítrio, porém, se estabelece à custa da perda ouda diminuição do amor e da aceitação. Nós somos livres;mas somos confinados a um ambiente que conspira para

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nos fazer sentir que não somos livres. O livre-arbítrio écrucial para desempenharmos o nosso papel na vida terrena– o papel que nos permitirá ascender à dimensão atemporalmais elevada, que todos nós descobriremos um dia. A nossavida aqui pode parecer insignificante, pois é mínima emrelação às outras vidas e aos outros mundos que povoam osuniversos visíveis e invisíveis. Mas ela é também muitíssimoimportante, uma vez que o nosso papel é crescer na direçãode Deus. Esse crescimento é vigiado pelos seres do mundoespiritual lá em cima: os espíritos e os seres reluzentes(aqueles que encontrei no Portal, e que acredito serem aorigem do conceito de anjos da nossa cultura).

Nós, os seres espirituais que habitamos em cérebros ecorpos mortais, fazemos escolhas reais. Pensamentoverdadeiro não tem a ver com o cérebro. Mas temos sido tãotreinados (em parte pelo próprio cérebro) a associar a mentecom quem somos e com o que pensamos que perdemos acapacidade de perceber que somos muito mais do que nossocérebro e nosso corpo físico determinam.

O pensamento verdadeiro é pré-físico. Ele é o pensamentopor trás do pensamento, responsável pelas escolhas quetrazem consequências para o mundo. É um pensamento queage independentemente do método dedutivo e linear, que semove rápido como um raio, fazendo conexões em diferentesníveis. Diante dessa inteligência autônoma e oculta, o

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pensamento comum é extremamente lento e vacilante. É opensamento verdadeiro que decide o jogo nos momentosfinais da partida, que leva a uma descoberta científicaextraordinária ou inspira uma canção inesquecível. Essepensamento subliminar está sempre lá quando realmenteprecisamos dele, embora a maioria das pessoas tenhaperdido a capacidade de crer nele e acessá-lo. Desnecessáriodizer que foi essa centelha que entrou em ação na noitedaquele salto livre quando o paraquedas de Chuck abriu derepente logo abaixo de mim.

Pensar além do cérebro é ingressar em um mundo deconexões instantâneas que faz o pensamento comum (isto é,limitado pelo cérebro físico) parecer sem sentido. O nossoeu mais verdadeiro e profundo é completamente livre. Nãoestá comprometido pelas ações passadas nem preocupadocom identidade ou status. Ele faz a pessoa compreender quenão há necessidade de temer o mundo terreno e,consequentemente, não precisa perseguir a fama, a riquezaou o poder.

Esse é o verdadeiro eu espiritual que todos nós estamosdestinados a recuperar algum dia. Mas até que esse diachegue, acho que deveríamos fazer o que estiver ao nossoalcance para entrar em contato com essa parte miraculosa denós mesmos – para cultivá-la e fazê-la aflorar. Este é o serque mora dentro de todos nós e que Deus espera que

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sejamos.Como se aproximar desse eu espiritual tão autêntico?

Manifestando o amor e a compaixão. Por quê? Porque amore compaixão são muito mais do que as abstrações que aspessoas acreditam que sejam. Eles são reais. São concretos. Eformam o tecido do reino espiritual. Para acessar esse reino,precisamos nos assemelhar a ele, mesmo enquantoestivermos no reino terreno.

Um dos maiores equívocos das pessoas quando pensamsobre Deus – ou como você preferir chamar a Fonte depoder absoluto, o Criador que governa o Universo – éimaginar Om como impessoal. Sim, Deus está por trás dosnúmeros, da perfeição do Universo que a ciência luta paraentender. Mas, paradoxalmente, Om é também “humano”,até mais humano do que você e eu.

Om compreende e se solidariza com a nossa condiçãohumana mais profundamente do que podemos imaginar,pois Ele sabe que nós nos esquecemos disso – e Ele sabecomo é terrível viver sem se lembrar da natureza de Deuspor um momento que seja.

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O POÇO

olley conheceu nossa amiga Sylvia na década de 1980,quando ambas davam aula na Ravenscro School.

Nessa época, Holley também ficou muito amiga de SusanReintjes. Susan é uma sensitiva – fato que nunca impediuque eu gostasse dela. Ela era uma pessoa muito especial,mesmo que o que ela fizesse fosse de encontro à minhavisão científica de mundo.

Susan era médium e tinha escrito um livro chamado ThirdEye Open (O terceiro olho aberto), que Holley adorava. Umadas atividades de cura espiritual que Susan praticava comregularidade era ajudar pacientes em coma, fazendo contatocom eles. Na quinta-feira, meu quarto dia em coma, Sylviateve a ideia de pedir a Susan que fizesse “contato” comigo.

Sylvia telefonou para Susan e contou o que estavaacontecendo. Seria possível que ela se comunicasse comigo?Susan garantiu que sim e pediu detalhes da minha doença.Sylvia lhe passou o que sabia: eu estava em coma haviaquatro dias, em estado crítico. “É só o que eu precisava

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saber”, Susan respondeu.De acordo com a teoria dela, um paciente em coma estava

“no meio do caminho”. Nem completamente aqui (nadimensão terrena) nem completamente lá (no mundoespiritual). Esses pacientes, ainda segundo ela, têm umaatmosfera particularmente misteriosa em torno de si. Esseera um fenômeno que eu já havia reparado muitas vezes,embora nunca tenha dado a ele, é claro, a interpretaçãosobrenatural dada por Susan.

Pela sua experiência com esses fenômenos, ela sabia queuma das características mais específicas dos pacientes emcoma era sua receptividade à comunicação telepática. Elaestava confiante de que, quando entrasse em estadomeditativo, logo estabeleceria contato comigo.

Mais tarde ela me disse que “comunicar-se com umpaciente em coma é mais ou menos como lançar uma cordano fundo de um poço. A corda precisa ir tão fundo quanto aprofundidade do estado de coma”. E completou: “Quandotentei me comunicar com você, a primeira coisa que mesurpreendeu foi a profundidade do seu estado: a cordaprecisou ir muito fundo. E quanto mais fundo eu ia, maisficava com medo de não poder alcançá-lo, pois você nãodava sinais de que voltaria.”

Após cinco minutos intensos de descida mental por meioda “corda” telepática, Susan sentiu uma leve mexida, como

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quando um pescador percebe que um peixe mordeu sua iscadebaixo d’água. “Eu tinha certeza de que era você”, ela mecontou depois. “Então tranquilizei Holley, garantindo quenão tinha chegado a sua hora e que seu corpo saberia o quefazer. Eu disse a ela que mantivesse essas duas certezas namente e que as repetisse para você em seu leito.”

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CASO ÚNICO

oi na quinta-feira que os médicos concluíram que acaracterística específica da bactéria E. coli que eu havia

contraído não coincidia com o tipo ultrarresistente queaparecera em Israel na época em que estive lá. Mas esse fatosó tornava meu caso mais misterioso. Se, por um lado, erauma boa notícia eu não estar hospedando um tipo debactéria que poderia dizimar um terço da nação, por outro,em se tratando da minha recuperação individual, sóreforçava o que a junta médica que me assistia já vinhasuspeitando: meu caso não tinha precedentes.

Isso também fez com que meu quadro clínico passasse dedesesperador para sem esperança. Os médicossimplesmente não sabiam como eu poderia ter contraído adoença, ou quando eu voltaria do coma. Eles só tinhamcerteza de uma coisa: não conheciam ninguém que tivesse serecuperado completamente de uma meningite bacterianaapós ter passado alguns dias em coma. Pois agora eu estavano quarto dia.

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A tensão tomou conta de todos. Phyllis e Betsy tinhamdecidido que qualquer conversa sobre a possibilidade deminha morte estava proibida perto de meu leito, poracharem que alguma parte de mim podia escutar o que sefalava. Na manhã de quinta, Jean perguntara a umaenfermeira da UTI quais eram as minhas chances desobrevivência. Do outro lado do quarto, Betsy escutou einterveio: “Por favor, não conversem sobre isso aqui.”

Jean e eu sempre fomos muito próximos. Fazíamos parteda família tanto quanto nossos irmãos “nascidos em casa”,mas o fato de termos sido “escolhidos” por mamãe e papai,como eles gostavam de dizer, inevitavelmente criou umvínculo especial entre nós. Ela sempre cuidou de mim, e afrustração e a impotência diante daquela situação a levarama um estado de esgotamento total.

Com lágrimas nos olhos, ela admitiu que precisava ir paracasa descansar um pouco. Como havia muita gente para serevezar na vigília em volta do meu leito, todos concordaramque a equipe de enfermagem ficaria satisfeita de ver menosuma pessoa no quarto.

Jean passou lá em casa, arrumou as malas e pegou aestrada de volta para Delaware. Com a sua partida, elaexpressou um sentimento que toda a família estavacomeçando a sentir: impotência.

Poucas experiências são mais frustrantes do que ver

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alguém que se ama em estado de coma. Você quer ajudar,mas não pode. Você quer que a pessoa abra os olhos, masela não abre. Muitas vezes, a família abre os olhos dopaciente, como uma maneira de forçar um pouco a barra –de ordenar que a pessoa desperte. É claro que isso nãofunciona e pode trazer ainda mais desespero. Pacientes emcoma profundo perdem a coordenação dos olhos e daspupilas. Abra a pálpebra de uma pessoa em coma profundoe você verá, muito provavelmente, um olho apontandonuma direção e o outro na direção contrária. É uma visãoperturbadora, e que causou muita dor em Holley quando elaresolveu mexer nas minhas pálpebras e viu o globo ocularrevirado como o de um cadáver.

Com a partida de Jean, as coisas realmente começaram adesandar. Phyllis apresentava um comportamento que eutinha visto inúmeras vezes em familiares de pacientesdurante minha carreira. Ela começou a ficar irritada com osmédicos.

– Por que eles não nos dão mais informações? –perguntou ela a Besty com raiva. – Garanto que se Ebenestivesse aqui, ele nos diria tudo o que está acontecendo.

A realidade é que meus médicos estavam fazendoabsolutamente tudo o que podiam por mim. É claro quePhyllis sabia disso, mas a dor e a frustração estavamsimplesmente minando a resistência de meus entes

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queridos.Na terça-feira, Holley tinha chamado o Dr. Jay Loeffler,

meu antigo parceiro no desenvolvimento do programa deradiocirurgia estereotáxica no Hospital Brigham & Womenem Boston. Jay era na época o chefe da oncologia radioativano Hospital Geral de Massachusetts, e Holley achou que elepudesse lhe dar algumas respostas.

Quando Holley descreveu meu estado, Jay achou que eladevia estar passando detalhes errados do caso. O que eladescrevia era praticamente impossível. Mas quando elaenfim o convenceu de que eu me encontrava, sim, em estadode coma provocado por um caso raro de meningitebacteriana do tipo E. coli cuja origem ninguém conseguiaexplicar, ele logo tratou de contatar alguns dos maioresespecialistas do país em doenças infectocontagiosas. Masninguém com quem ele falou tinha conhecimento de umcaso como o meu.

Consultando a literatura médica desde 1991, Jay nãoconseguiu encontrar nenhum caso de meningite do tipo E.coli em um adulto que não tivesse passado por umprocedimento neurocirúrgico recente.

Desde aquele dia, Jay passou a telefonar diariamente parase atualizar sobre meu estado e para contar o que suasinvestigações tinham revelado. Steve Tatter, umneurocirurgião amigo meu, também fez ligações diárias para

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oferecer conselhos e consolo. Mas a única revelação era queo meu caso era o primeiro desse tipo na história médica.

Como já disse, a meningite bacteriana causada porEscherichia coli é muito rara em adultos. Menos de 1 em 10milhões da população mundial a contrai anualmente. E,assim como todas as espécies de bactérias gram-negativas,ela é extremamente agressiva. Tanto que, das pessoas queela ataca, mais de 90% das que têm um rápido declínioneurológico, como eu tive, morrem. E essa era minha chancede morrer quando cheguei à emergência. Mas, no decorrerda semana, aqueles funestos 90% se encaminhavam para100%, pois meu corpo não respondia aos antibióticos. Ospoucos pacientes que sobrevivem a um caso tão gravequanto o meu em geral precisam de assistência 24 horas peloresto da vida. Oficialmente, meu status era de “Caso Único”,um termo que se refere a estudos médicos nos quais umúnico paciente representa toda a ocorrência. Simplesmentenão havia mais ninguém com quem os médicos pudessemcomparar minha doença.

Holley passou a trazer Bond para uma visita todas astardes após a aula. Mas na sexta-feira ela começou achar queessas visitas poderiam estar fazendo mais mal do que bem aele. Algumas vezes, eu me mexia. Mais que isso: meu corpose debatia ferozmente. Uma enfermeira segurava minhacabeça, aumentava a sedação e, por fim, eu me aquietava.

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Era doloroso para meu filhinho de 10 anos assistir a umacena dessas. Como se não fosse ruim o suficiente ele ter deolhar para um corpo que já não parecia com seu pai, veraquele corpo fazendo movimentos convulsivos eraparticularmente desafiador. Dia após dia, eu me tornavamenos a pessoa que Bond conhecia e mais um corpoestranho estendido num leito de hospital.

Lá pelo fim da semana esses ataques ocasionais deatividade motora tinham praticamente desaparecido. Nãoprecisei mais de sedação porque os movimentos haviamdiminuído quase ao nível zero – até mesmo aquele tipo deconvulsão morta e automática iniciada pelos reflexos maisprimitivos do tronco encefálico e da medula espinhal.

Mais amigos e membros da família ligaram perguntandose deveriam aparecer. Ficou decidido que não deveriam. Jáhavia comoção demais no meu quarto. As enfermeirasforam enfáticas ao dizer que meu cérebro precisavadescansar – quanto mais tranquilidade, melhor.

Houve uma mudança perceptível nesses telefonemas. Elesmudaram sutilmente de um tom esperançoso para um tomconformado. Olhando à sua volta, às vezes Holley sentia quejá tinha me perdido.

Na quinta à tarde, alguém bateu na porta do gabinete dopastor Michael Sullivan. Era sua secretária na IgrejaEpiscopal St. John.

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– É do hospital. Uma das enfermeiras que cuida de Ebenquer falar com o senhor. Ela diz que é urgente.

O pastor atendeu o telefone.– Sr. Michael, o senhor precisa vir rápido – disse a

enfermeira. – Eben está morrendo.Como sacerdote, Michael Sullivan já havia passado por

essa situação antes. Pastores veem a morte e a destruiçãoque ela causa quase tanto quanto os médicos. Mesmo assim,ele ficou chocado ao ouvir o termo “morrendo” dito emrelação a mim. Assim, pediu a sua esposa, Page, que orasse:por mim e para que ele, o pastor, tivesse forças para lidarcom a situação. Depois, dirigiu pela tarde fria e chuvosa até ohospital, lutando para enxergar com seus olhos cheios delágrimas.

Quando chegou ao meu quarto, a cena era muito parecidacom a que ele tinha visto a última vez que estivera lá. Phyllisestava sentada na cabeceira, cumprindo sua escala nopropósito de segurar minha mão – corrente que prosseguiasem quebra desde a chegada dela ao hospital na segunda-feira à noite. Meu peito inflava e se esvaziava 12 vezes porminuto com a ajuda do respirador artificial; e a enfermeirada UTI cumpria sua rotina, verificando os aparelhos emvolta do meu leito e anotando os registros.

Outra enfermeira entrou e o pastor quis saber se fora elaquem ligara para a igreja.

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– Não – respondeu. – Estive aqui a manhã inteira e oestado dele não mudou muito desde a noite passada. Nãosei quem ligou para o senhor.

À noite, Holley, mamãe, Phyllis e Betsy estavam em meuquarto. O pastor propôs uma oração. Todos, inclusive asduas enfermeiras, deram as mãos em torno de mim, e opastor conduziu mais uma prece pelo meu retorno à vida.

– Senhor, traga Eben de volta para nós. Eu sei quedepende do seu poder.

Ninguém sabia ainda quem havia chamado o pastor. Masessa pessoa fez uma coisa boa. Porque as orações quechegaram até mim vindas do mundo terreno estavamfinalmente começando a funcionar.

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M

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ESQUECER E LEMBRAR

inha consciência estava expandida agora. Tãoexpandida que parecia conter o Universo inteiro.

Você já escutou um rádio fora de estação? Você acaba seacostumando com o chiado. Aí alguém chega e sintoniza oaparelho, e você passa a escutar a música com clareza. Comovocê podia não perceber quão distorcido estava o som atéentão?

A mente funciona de forma parecida. Os humanos sãofeitos para se adaptar. Expliquei muitas vezes aos meuspacientes que um determinado desconforto iria sumir, ouparecer que tinha sumido, quando o corpo e o cérebro delesse adaptassem à nova situação. Algo dura um temporazoável e o cérebro aprende a ignorá-lo, ou lidar com ele,ou mesmo tratá-lo como normal.

Mas a nossa consciência terrena limitada está longe de sernormal, e eu estava tendo o meu primeiro exemplo dissoquando viajei para um lugar ainda mais profundo, para ocentro do Núcleo. Eu ainda não lembrava nada sobre meu

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passado terreno e não estava nem ligando para isso. Emboraeu tivesse me esquecido da minha vida aqui, eu me lembravade quem eu realmente era lá. Eu era cidadão de umUniverso maravilhoso, que em sua grandeza e complexidadeera governado inteiramente pelo amor.

De uma maneira misteriosa, minhas descobertas além docorpo ecoaram o que eu havia aprendido um ano antes, aoconhecer minha família de sangue. No final das contas,ninguém é órfão. Todos nos encontramos na mesmaposição em que eu estava, de ter outra família: seres queestão pensando em nós e cuidando de nós – seres dos quaisnos esquecemos momentaneamente, mas que, se nosabrirmos à sua presença, estão prontos para nos ajudar acompletar nossa caminhada aqui na Terra. Ninguém deixade ser amado. Cada um de nós é profundamente conhecidoe cuidado por um Criador que nos trata com um carinhomuito além da nossa capacidade de compreensão. Esseconhecimento não pode mais ser mantido em segredo.

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N

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SEM LUGAR PARA SE ESCONDER

a sexta-feira, meu corpo já passara quatro dias inteirosrecebendo três antibióticos intravenosos, mas ainda

não estava reagindo. Familiares e amigos vinham de todosos lugares, e os que não apareciam formavam grupos deoração em suas igrejas. Minha cunhada Peggy e Sylviachegaram naquela tarde. Holley as recebeu com a expressãomais animada que pôde exibir. Betsy e Phyllis continuavam ausar a tática do ele-vai-ficar-bom e manter-se positivas atodo custo. Mas a cada dia isso ficava mais difícil. Até Betsycomeçou a pensar se a sua ordem de não negatividade noquarto significava algo além de não realidade no quarto.

– Você acha que Eben faria isso por nós se os papéisestivessem invertidos? – perguntou Phyllis naquela manhã,após outra longa noite maldormida.

– O que você quer dizer com isso? – retrucou Betsy.– Você acha que ele passaria todos os minutos conosco,

acampado numa UTI?Betsy respondeu da forma mais simples e linda,

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devolvendo a pergunta:– Há algum outro lugar do mundo onde você estaria

agora?Ambas concordaram que, embora eu certamente estivesse

presente quando necessário, seria difícil me imaginarsentado no mesmo lugar por horas a fio. Phyllis me falousobre isso mais tarde:

– Nós nunca sentimos aquilo como um fardo ou umaobrigação. Aquele era o nosso lugar.

O que mais preocupava Sylvia era que minhas mãos emeus pés estavam se curvando, como plantas sem água. Issoé normal nas vítimas de derrame e coma, pois os músculosque comandam as extremidades começam a se contrair. Masnunca é fácil para a família e os amigos presenciarem isso.Ao me ver naquele estado, Sylvia lutava para se manterotimista, mas mesmo para ela isso estava ficando difícil.

Holley se culpava cada vez mais (se tivesse me socorridomais cedo, se isso, se aquilo...) e todos faziam o possível paratirar essas coisas da cabeça dela.

Àquela altura, todos sabiam que, mesmo que eu merecuperasse, recuperação não era uma palavra muitoadequada naquele contexto. Eu precisaria de pelo menostrês meses de reabilitação, teria problemas crônicos de fala(se tivesse capacidade cerebral suficiente para falar algumacoisa) e precisaria de cuidados de enfermeiras pelo resto da

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vida. Este era o melhor dos cenários, e por mais triste epessimista que parecesse, ainda assim todos sonhavam comele. As chances de eu voltar a ter uma boa condição física, sesobrevivesse, eram praticamente nulas.

Todos tentavam preservar Bond para que ele não ouvisseos detalhes de minha situação. Mas, na sexta-feira, elepresenciou um dos médicos confirmando as suspeitas deHolley a respeito da gravidade do quadro.

Estava na hora de encarar a realidade. Havia pouco espaçopara a esperança.

Naquela noite, quando chegou a hora de ir para casa,Bond se recusou a deixar meu quarto. A regra era permitirapenas duas pessoas de cada vez para que os profissionaispudessem trabalhar. Por volta de seis da tarde, Holleysugeriu delicadamente que estava na hora de ir para casajantar. Mas Bond não se levantou da cadeira, que estava aolado do seu desenho da batalha entre os glóbulos brancosdefensores e as tropas de bactérias invasoras.

– De qualquer forma, papai não sabe que estou aqui. Porque não posso ficar? – argumentou Bond, em um tom meioamargo e meio suplicante.

Então todos se revezaram pelo resto da noite, masrespeitando o desejo de Bond de permanecer firme em seulugar.

Porém, no dia seguinte, Bond mudou de postura. Pela

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primeira vez naquela semana, quando Holley entrou no seuquarto para acordá-lo, ele disse que não queria ir aohospital.

– Por que não, filho?– Porque estou com medo.Foi uma confissão que parece ter falado por todos.Holley voltou para a cozinha e ficou lá por alguns minutos.

Depois tentou de novo, perguntando se ele tinha certeza deque não queria ir ver seu papai.

Houve uma longa pausa enquanto fitava a mãe.– Tudo bem, eu vou – concordou ele, finalmente.O sábado passou com a vigília em torno do meu leito e

conversas entre a família e a equipe médica. Tudo aquiloparecia uma tentativa de manter viva a esperança. Asreservas de todos estavam ainda mais esgotadas que no diaanterior.

À noite, depois de levar a nossa mãe para o hotel, Phyllisfoi até minha casa. Estava um breu, sem nenhuma luz najanela, e ela avançou pela calçada enlameada com dificuldadepara se manter de pé. Chovia sem parar havia cinco dias,desde a tarde de minha entrada na UTI. Chuvasininterruptas como aquela não eram comuns na regiãomontanhosa da Virgínia, onde o mês de novembro costumaser claro e ensolarado, como no domingo anterior à minhacrise. Agora, aquele domingo parecia tão distante que a

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impressão era que o céu sempre tinha mandado aquela chuvateimosa. Algum dia ela cessaria?

Phyllis abriu a porta e acendeu as luzes. Desde o começoda semana as pessoas entravam e deixavam comida, eembora a comida ainda estivesse chegando, a atmosfera setornara sombria e desesperadora. Nossos amigos, assimcomo nossa família, sabiam que o tempo de qualqueresperança de sobrevivência para mim estava chegando aofim.

Por um segundo, Phyllis pensou em acender a lareira, maslogo esse pensamento deu lugar a outro, nem um poucobem-vindo. Por que me preocupar? De repente, ela se sentiumais exausta e deprimida do que nunca. Deixou-se cair nosofá, recostou-se e mergulhou em sono profundo.

Cerca de meia hora depois, Sylvia e Peggy voltaram paracasa. Andando na ponta dos pés pela sala para não acordarninguém, depararam com Phyllis estirada no sofá. Sylvia foiaté o porão e descobriu que alguém tinha deixado a porta dofreezer aberta. A água já formava poças no chão e a comidacomeçava a descongelar.

Quando Sylvia contou para Peggy, elas decidiram agir.Ligaram para o restante da família e alguns amigos epuseram mãos à obra. Peggy pegou pratos e talheres eimprovisaram um banquete com a comida que estivera nageladeira. A filha de Betsy, Kate, e o marido dela, Robbie,

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aderiram à reunião de família, junto com Bond. Houvemuita conversa nervosa e muita especulação sobre o assuntoque preocupava a todos naquele momento: que euprovavelmente nunca voltaria àquela casa.

Holley ainda estava no hospital para continuar ainterminável vigília. Sentada junto ao meu leito, ela seguravaminha mão e ficava repetindo os mantras sugeridos porSusan Reintjes, obrigando-se a pensar no significado daspalavras enquanto as pronunciava e a acreditar de coraçãoque elas expressavam a verdade.

“Receba as orações.Você curou outras pessoas. Agora é a sua vez de ser

curado.Você é amado por muita gente.Seu corpo sabe o que fazer. Ainda não é a sua hora de

morrer.”

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C

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O CAMINHO DE VOLTA

ada vez que me via na esfera do Ponto de Vista daMinhoca, eu podia me lembrar da reluzente Melodia

Giratória que me conduzia ao Portal e ao Núcleo. Passeimuito tempo – que paradoxalmente parecia tempo algum –na presença de meu anjo guardião sobre as asas daborboleta e uma eternidade aprendendo as lições doCriador e da órbita de luz nas profundezas do Núcleo.

Mas, em algum ponto da viagem, cheguei à beira do Portale descobri que não podia entrar de novo. A MelodiaGiratória – até então a minha chave para aquelas regiõesmais elevadas – não me levava mais para lá. Os portões doCéu estavam fechados.

Mais uma vez, tenho que lembrá-lo de que descrever tudoisso é um desafio extremo por causa da limitação dalinguagem. É impossível traduzir aquela grandeza. Pense nasdecepções que você já viveu. Pois creio que todas assensações de perda que suportamos aqui na Terra são, naverdade, variações de uma perda maior e mais fundamental:

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a perda do Céu.No dia em que as portas do Céu se fecharam para mim,

senti uma tristeza diferente de todas as que já haviaexperimentado. Os sentimentos são diferentes por lá. Todasas emoções humanas estão presentes, porém são maisprofundas, mais amplas – elas não estão apenas dentro denós, como também fora. Imagine que sempre que seuhumor mudasse aqui na Terra, o tempo mudasseinstantaneamente junto com ele. Que as suas lágrimasacarretassem uma chuva torrencial, e que sua alegria fizesseas nuvens desaparecerem do céu. Essa imagem ajuda aentender o que acontece com as mudanças de humor lá emcima e quanto elas são intensas e ressonantes. Por maisestranho e assombroso que pareça, o que nós imaginamoscomo “dentro” e “fora” simplesmente não existe.

Tanto era assim que eu, de coração partido, mergulheinuma angústia crescente, uma tristeza que ao mesmo tempoera um real afundamento.

Eu me desloquei por grandes muralhas de nuvens. Haviamurmúrios à minha volta, mas não consegui decifrar aspalavras. Foi então que percebi inúmeros seres merodeando, ajoelhando-se em arcos que se perdiam nadistância. Fazendo uma retrospectiva disso agora,compreendo o que esses seres estavam fazendo. Elesestavam orando por mim.

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Dois dos rostos, consegui lembrar mais tarde: eram dopastor Sullivan e de sua esposa, Page. Eu me recordo de tervisto apenas a silhueta dos dois, mas os identifiqueiclaramente depois que retornei. O pastor havia estado naUTI várias vezes, mas Page nunca fora lá (embora estivessesempre orando por mim).

Essas orações me injetaram energia. Talvez tenha sido porisso que, mesmo profundamente triste, algo em mim sentiuuma estranha confiança de que tudo ficaria bem. Aquelesseres sabiam que eu estava fazendo uma transição, e elescantavam e oravam para levantar meu ânimo. Eu me moviapara o desconhecido, mas, naquele momento eu tinha fé econfiança de que estava sendo cuidado e que, como a minhacompanheira e a divindade infinitamente amorosa haviamprometido, onde quer que eu fosse, o Céu estaria comigo.Ele viria na forma do Criador, de Om, e na forma de anjo –o meu anjo: a menina nas asas de borboleta.

Eu estava fazendo o caminho de volta, mas não estava só –e sabia que nunca mais me sentiria sozinho.

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R

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O ARCO-ÍRIS

ecordando esse momento de nossas vidas, Phyllis mecontou, anos depois, que a coisa que ela mais lembrava

daquela semana era a chuva. Uma chuva gelada e persistentevinda das nuvens baixas que nunca partiam e impediam queo sol brilhasse.

Mas, na manhã de domingo, quando ela parou o carro noestacionamento do hospital, algo estranho aconteceu. Phyllistinha recebido uma mensagem de texto de um grupo deoração de Boston que dizia: “Espere um milagre.” Enquantoponderava que tipo de milagre poderia esperar, ajudoumamãe a descer do carro e ambas se deram conta de que,enfim, a chuva tinha parado. Do leste, o sol mandava seusraios por uma brecha nas nuvens, iluminando delicadamenteas belas montanhas e também a camada de nuvens logoacima, dando ao céu da manhã dominical um tom dourado.

Então, na direção dos picos distantes, lá estava ele:Um arco-íris perfeito.Sylvia se dirigiu ao hospital com Holley e Bond para uma

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reunião marcada com meu médico principal, Scott Wade.Dr. Wade era também nosso amigo e vizinho e vinhalutando com a pior decisão que um médico pode enfrentar.Quanto mais tempo eu ficasse em coma, maiores eram aschances de eu passar o resto dos meus dias em “estadovegetativo”. Como era quase certo que eu morreria demeningite se eles simplesmente parassem com osantibióticos, podia ser mais razoável suspendê-los do queprolongar indefinidamente o estado de coma. Considerandoque minha doença não respondeu ao tratamento, elescorriam o risco de erradicar a meningite apenas para mepermitir viver alguns meses, ou anos, em um corpo sematividade, com zero de qualidade de vida.

– Por favor, sentem-se – pediu o Dr. Wade para Holley eSylvia em um tom gentil, mas de inequívoca tensão. – O Dr.Brennan e eu fizemos, separadamente, teleconferências comespecialistas de Duke, da Universidade da Virgínia e deBowman Gray, e preciso lhes dizer que todos concordamque as coisas não estão caminhando bem. Se Eben nãomostrar alguma melhora real nas próximas 12 horas,devemos conversar sobre a suspensão dos antibióticos. Umasemana em coma com meningite bacteriana grave está alémdos limites de qualquer expectativa razoável de recuperação.Com esse prognóstico, talvez seja melhor deixar a naturezaseguir seu curso.

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– Eu vi as pálpebras de Eben se mexerem ontem –protestou Holley. – Elas realmente se moveram. Como seele estivesse tentando abri-las. Tenho certeza de que vi.

– Eu não duvido disso – disse Dr. Wade. – Mas seusglóbulos brancos diminuíram ainda mais. O que você metraz é uma boa notícia, e nem por um minuto quero quevocê pense que não é. Mas precisamos analisar a situaçãoem todo o seu contexto. Reduzimos consideravelmente asedação de Eben e, a essa altura, os exames deveriam estardemonstrando mais atividade neurológica. A parte maisinferior de seu cérebro está funcionando parcialmente, masprecisamos das funções cerebrais mais superiores, e elasainda estão completamente ausentes. Um pouco de melhorana aparência do doente acontece com o tempo na maioriados pacientes em coma. Seus corpos fazem coisas quepodem parecer que eles estão voltando. Mas não estão. Éapenas o tronco encefálico se movimentando em um estadochamado vigília do coma, um tipo de padrão mecânico quepode durar meses ou anos. É isso que o mexer das pálpebrasgeralmente significa. Devo repetir que sete dias é um tempoenorme para se ficar em coma com uma meningitebacteriana.

Dr. Wade estava usando muitas palavras para tentarsuavizar o impacto da notícia que deveria ter sido dada emuma única frase.

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Estava na hora de deixar meu corpo morrer.

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À

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SEIS ROSTOS

medida que eu descia, mais rostos borbulhavam, comosempre acontecia quando eu retornava para a Região

do Ponto de Vista da Minhoca. Mas dessa vez havia algodiferente nesses rostos. Agora eles eram de humanos, nãode animais.

E estavam claramente dizendo coisas.Não que eu possa traduzir o que esses rostos diziam.

Parecia um pouco como os desenhos animados de CharlieBrown, quando os adultos falam e tudo o que se houve sãosons indecifráveis. Ao pensar sobre isso mais tarde, descobrique podia identificar seis dos rostos que tinha visto por lá.Eram os de Sylvia, Holley e sua irmã Peggy, o médico ScottWade e Susan Reintjes. Destes, a única que não estevefisicamente no meu leito de hospital foi Susan. Mas, à suamaneira, ela também estivera presente porque naquelanoite, e na noite anterior, ela se concentrou na sua casa emChapel Hill e tentou entrar em contato comigo.

Fiquei confuso por minha mãe e minhas irmãs, que

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durante toda a semana seguraram minha mão por longashoras, não estarem naquela exibição de rostos que vi nocaminho de volta do coma. Mamãe se movia vagarosamenteem um andador, devido às sequelas de uma fratura no pé,mas nunca deixou de ocupar seu lugar na vigília familiar.Phyllis, Betsy e Jean estiveram quase o tempo todo no meuquarto, mas me lembrei de que elas não estiveram nohospital na última noite. Os rostos que eu tinha visto eramdaqueles que estiveram presentes na sétima manhã do meucoma ou na noite anterior.

É preciso deixar claro, mais uma vez, que na ocasião eunão tinha nome nem identidade para atribuir a qualquer umdesses rostos. Eu apenas sabia, ou sentia, que de algummodo eles eram importantes para mim.

Um rosto, em particular, me atraiu com poder especial.Ele começou a me puxar. Com solavancos que pareciamreverberar acima e abaixo de toda a vastidão de nuvens e deseres angelicais em meio aos quais eu estava descendo,percebi, de repente, que os seres do Portal e do Núcleo –seres que eu havia encontrado e amado, aparentementepara sempre – não eram os únicos que eu conhecia naqueladimensão. Eu sabia quem eram e amava os seres queestavam abaixo de mim também, lá na região da qual euagora me aproximava rapidamente. Seres dos quais eu haviame esquecido por completo.

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Minha percepção se focalizou em todos os rostos, masprincipalmente neste sexto rosto. Ele era tão familiar! Notei,com um sentimento de choque, quase de pânico, que nãoimportava de quem fosse o rosto, ele pertencia a alguém queprecisava de mim. Alguém que nunca se recuperaria se eupartisse. Se eu o abandonasse, a perda seria irreparável –como a sensação que tive quando as portas do Céu sefecharam para mim. Seria uma traição que eu simplesmentenão poderia cometer.

Até aquele ponto, estive livre. Eu tinha viajado através dasdiversas dimensões como um aventureiro: sem qualquerpreocupação com o destino. As consequências nãoimportavam porque mesmo quando eu estava no Núcleonão havia qualquer ansiedade ou culpa por ter deixadoalguém para trás. Aquilo havia sido uma das primeiras coisasque eu aprendi quando estive com a menina nas asas deborboleta e ela me dissera: “Não há nada que você possafazer de errado.”

Agora, porém, era diferente. Tão diferente que, pelaprimeira vez naquela viagem, senti um terror fora docomum. Não era um medo por mim, mas por esses rostos –em especial pelo sexto. Um rosto que eu ainda nãoconseguia identificar, mas que sabia que era especialmenteimportante para mim.

Esse rosto se mostrava com cada vez mais detalhes, até

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que, por fim, vi que ele estava, na verdade, me pedindo paravoltar: para me arriscar na terrível descida para o mundo láembaixo, para que pudesse estar com ele novamente. Euainda não podia entender suas palavras, mas de algumaforma elas comunicavam que eu tinha uma responsabilidadeali – que eu tinha “de me manter no jogo”.

Era importante que eu retornasse. Eu tinha laços aqui –compromissos que eu precisava honrar. Quanto mais nítidoaquele rosto ficava, mais eu percebia isso. E mais perto euficava de reconhecer aquela expressão.

Era o rosto de um menino.

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A

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ÚLTIMA NOITE, PRIMEIRA MANHÃ

ntes de se sentar para conversar com o Dr. Wade,Holley pediu a Bond que esperasse fora da sala, porque

não queria que o filho ouvisse as más notícias que ela temia.Percebendo isso, Bond colou o rosto na porta e captoualgumas palavras do médico – o suficiente paracompreender a real situação. Para compreender que seu painão voltaria. Nunca.

Bond correu para o meu quarto e se jogou sobre minhacama. Em prantos, ele beijou minha testa e sacudiu meusombros. Então, abriu meus olhos e disse diretamente paraeles, que estavam desfocados e vazios:

– Você vai ficar bem, papai. Você vai ficar bem.Ele ficou repetindo isso inúmeras vezes, acreditando, com

seu jeito de criança, que se dissesse isso muitas vezes, comcerteza se tornaria realidade.

Nesse meio-tempo, em uma sala no andar de baixo,Holley fitava o vazio, tentando assimilar as palavras do Dr.Wade.

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Finalmente ela disse:– Acho que isso significa que eu devo ligar para Eben e

pedir que ele volte da faculdade.– Creio que é a coisa certa a fazer – concordou o médico.Holley observou pelas grandes janelas da sala de reunião

que a chuva havia passado e que os raios oblíquos do solnascente se debruçavam sobre as montanhas. Ela pegou ocelular e começou a digitar o telefone de Eben.

Antes de Holley concluir a chamada, Sylvia se aproximou edisse:

– Holley, espere um pouco. Deixe eu dar um pulo lá emcima mais uma vez.

Sylvia disparou para a UTI e ficou em pé junto ao meuleito ao lado de Bond, enquanto ele acariciava minha mão.Sylvia tocou no meu braço e o apertou delicadamente.Minha cabeça pendia levemente para o lado. Durante asemana inteira, todos tinham olhado para o meu rosto, masnão nos meus olhos. A única vez que meus olhos se abriramfoi quando os doutores testaram meu reflexo pupilar à luz(uma das maneiras mais simples e eficientes de checar afunção do tronco encefálico), ou quando Holley ou Bond,contrariando as recomendações, insistiam em fazer isso edeparavam com dois olhos vidrados e sem vida, como os deuma boneca quebrada.

Mas, agora, quando Sylvia e Bond olhavam para minha

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face flácida, recusando-se resolutamente a aceitar o quetinham acabado de ouvir do chefe da equipe médica, umacoisa aconteceu.

Meus olhos se abriram.Sylvia gritou.Ela me diria mais tarde que o choque maior que teve em

seguida, quase tão grande quanto o de ver meus olhosabertos, foi a maneira como eles imediatamente começarama olhar em volta. Para cima, para baixo, para a direita, para aesquerda... Eles lembravam não os olhos de um adultoemergindo de um coma de sete dias, mas os de um bebê –de alguém que acabava de chegar a este mundo, olhando emvolta e observando tudo pela primeira vez.

De certa forma, ela estava certa.Sylvia se recuperou do choque inicial e percebeu que eu

estava incomodado com alguma coisa. Ela voou escadaabaixo até a sala onde Holley, diante das janelas, conversavano celular com Eben IV.

– Holley... Holley! – gritou Sylvia. – Ele está acordado.Acordado! Diga a Eben que seu pai está voltando.

Holley olhou firme para Sylvia.– Filho, eu ligo mais tarde. Ele está... seu pai está...

voltando à vida.Holley caminhou apressada para a UTI com Dr. Wade

atrás dela. Eu estava me remexendo na cama. Não

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mecanicamente, mas de forma consciente, e alguma coisame incomodava. O Dr. Wade entendeu imediatamente oque era: o tubo de respiração que ainda estava em minhagarganta. E eu não precisava mais dele porque meu cérebro,assim como o restante do corpo, estava de volta à vida. Elese aproximou e o retirou com cuidado.

Engasguei um pouco, respirei pela primeira vez sem ajudade aparelhos em sete dias, e disse as primeiras palavrastambém depois de uma semana:

– Obrigado.Phyllis ainda estava saboreando a visão do arco-íris,

quando desceu do elevador no segundo andar, empurradomamãe numa cadeira de rodas. Elas entraram no quarto ePhyllis quase caiu para trás com o impacto do que viu. Euestava sentado na cama, comparando a perplexidade detodos com a minha. Betsy pulava e ao avistar Phyllis aabraçou forte. Ambas choravam. Phyllis se aproximou eolhou fundo em meus olhos.

Olhei fundo nos dela e nos de todos que estavam ali.Quando minha família amada cercou a cama, ainda pasma

com a melhora súbita e inexplicável, dei um sorriso tranquiloe feliz.

– Está tudo bem – falei, irradiando essa mensagemjubilosa na mesma intensidade das palavras. Fitei cada umdeles, reconhecendo profundamente o milagre divino de

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nossa existência. – Não se preocupem, está tudo bem –repeti, a fim de dirimir qualquer dúvida.

Depois Phyllis me disse que era como se eu estivessetransmitindo uma mensagem do além, de que o mundo écomo deve ser e que não temos nada a temer. Ela revelouque se lembrava daquele momento sempre que se sentiaatormentada por alguma preocupação terrena – paraencontrar consolo na certeza de que nunca estamossozinhos.

Quando me dei conta do alvoroço ao meu redor, percebique estava de volta à minha existência terrena.

– O que vocês estão fazendo aqui? – perguntei.– O que você está fazendo aqui? – replicou Phyllis.

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O RETORNO

ond imaginou que eu despertaria, daria uma olhada emvolta e precisaria apenas me situar um pouco antes de

reassumir meu papel como o pai que ele sempre conhecera.Entretanto, ele logo descobriu que isso não seria assim tão

fácil. Dr. Wade alertou Bond sobre duas coisas: em primeirolugar, ele não deveria levar em conta qualquer lembrançaque eu expressasse com palavras, pois eu acabava de sair deum coma prolongado. O médico explicou que a atividade damemória consome uma imensa energia do cérebro, e que omeu não estava suficientemente recuperado para atuar emníveis muito complexos. Em segundo lugar, Bond nãodeveria se preocupar com o que eu dissesse nos primeirosdias, pois muita coisa poderia parecer maluquice.

O médico estava certo nas duas considerações.Logo naquela primeira manhã, ainda em clima de euforia,

Bond me mostrou orgulhoso o desenho que ele e Eben IVtinham feito dos meus glóbulos brancos atacando a bactériaE. coli.

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– Ah, que maravilha! – exclamei.Bond não se conteve de orgulho e empolgação.Então, prossegui:– Como está o tempo lá fora? O que diz a previsão? Você

precisa se mexer. Vou me aprontar para saltarmos!Bond ficou pálido. Desnecessário dizer que este não era o

retorno que ele esperava de mim.Eu estava tendo devaneios, revivendo alguns dos

momentos mais intensos da minha vida, e de uma maneirabem mais animada.

Na minha mente, eu estava a bordo de um DC3, prontopara mergulhar no espaço, a cinco quilômetros do solo...como o último homem da minha formação predileta nossaltos de paraquedas. E este era o voo máximo da minhavida.

Encarando o sol brilhante da porta do avião, eu me viamergulhar de cabeça com os braços para trás, aproveitandoaquela rajada de vento tão familiar que eu costumava sentirdurante os saltos. No meu devaneio, eu assistia a tudo decabeça para baixo enquanto a barriga do enorme aviãoprateado começava a se inclinar para cima, com suas grandeshélices girando em câmera lenta, e as nuvens e a terra láembaixo refletiam no aço. Largado no espaço, eu meditavasobre a estranha visão das rodas e dos reversos das asasestarem abertos, mesmo com o avião a quilômetros do solo,

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para reduzir a velocidade em pleno ar, e, assim, minimizar oimpacto do vento sobre os saltadores.

Colei os braços bem junto ao corpo para acelerar, comoum foguete, a uma velocidade superior a 350 km/h, tendoapenas o capacete azul e os ombros projetados contra o arrarefeito das alturas para resistir ao puxão do grande planetalá embaixo, me deslocando mais do que o comprimento deum campo de futebol por segundo, e com o vento rugindofuriosamente, três vezes mais veloz que um furacão, e maisbarulhento do que qualquer coisa.

Ao passar pelo topo de duas enormes nuvens brancas, eume projetei pelo claro abismo que havia entre elas, como umfoguete viajando para a terra verde e o cintilante mar azulem direção à formação colorida de saltadores em flocos deneve que eu via crescer a cada segundo com eles sereunindo, muito, mas muito mais abaixo...

Fiquei alternando entre estar presente com meusfamiliares na UTI e estar absorto nas fantasias da mente queme levavam àquele mergulho no espaço repleto deadrenalina.

Eu estava meio dentro e meio fora da realidade.Durante dois dias, tagarelei sobre paraquedismo, aviões e

internet com todos que se aproximaram do leito. Enquantomeu cérebro se recuperava aos poucos das lesões, eupassava por um estranho e extenuante estado paranoico.

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Fiquei obcecado com um horrível quadro de “mensagens dainternet” que aparecia toda vez que eu fechava os olhos eque, às vezes, também aparecia no teto quando eu estava deolhos abertos.

Quando eu fechava os olhos, ouvia sons monótonos,opressivos e desarmônicos, que desapareciam quase queinteiramente no momento em que os abria. Eu apontava odedo indicador para o ar, como se fosse um ET, tentandocontrolar o cursor da internet na tela que exibia caracteresem russo e em chinês.

Resumindo, eu estava meio louco.Aquilo parecia a Região do Ponto de Vista da Minhoca,

porém era mais assustador, porque o que eu via e ouviatinha ligação com meu passado humano (eu reconhecia osmembros de minha família, embora não conseguisselembrar o nome deles). Ao mesmo tempo, a realidade nãotinha a clareza, a lucidez e a vivacidade extraordinariamentereais do Portal e do Núcleo. Mas, ainda que de formaprecária, eu estava de volta ao meu cérebro.

Apesar daquele momento inicial de lucidez aparente,quando meus olhos se abriram e todos comemoraram, mefaltaram lembranças da minha vida humana antes de entrarem coma. A única recordação era dos lugares onde eu haviaestado: a feia e asquerosa Região do Ponto de Vista daMinhoca, o Portal extasiante e o poderoso Núcleo celestial.

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Meu espírito – ou seja, meu eu verdadeiro – estava seadaptando ao apertado paletó da existência física e aolimitado mundo da comunicação verbal. Coisas que até umasemana atrás eu considerava o único modo de existênciapossível se mostravam agora incômodas e enfadonhas nassuas extraordinárias limitações.

A vida física é caracterizada por uma atitude defensiva,enquanto a vida espiritual é exatamente o oposto. Essa foi aúnica conclusão a que cheguei para conseguir explicar porque a reentrada no meu cérebro me deixou tão paranoico.Eu estava convencido de que Holley (de quem eu ainda nãolembrava o nome, mas reconhecia como minha esposa) e osmédicos estavam tentando me matar. Tive outros sonhos edevaneios sobre voar e saltar de paraquedas – alguns delesmuito longos e complexos.

No mais longo, mais intenso e quase ridiculamentedetalhado desses devaneios, eu me vi na escada rolante deuma clínica para tratamento de câncer no sul da Flóridaonde estava sendo perseguido por Holley, dois policiais euma dupla de fotógrafos ninjas.

Na verdade, eu passava por uma crise conhecida como“psicose da UTI”. Isso é normal, e até esperado, empacientes cujo cérebro está voltando a se conectar depois deficar inativo por algum tempo. Eu tinha presenciado essequadro diversas vezes, mas nunca do lado de dentro. E de

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dentro, sem dúvida, era muito diferente.O fato mais interessante a respeito dessa sequência de

pesadelos e fantasias paranoicas é que tudo não passavadisso: fantasia. Algumas delas – em particular o prolongadodevaneio ninja – foram extremamente intensas e atéaterrorizantes enquanto aconteciam. Mas logo depois que acrise terminou reconheci que era algo construído pelo meucérebro danificado tentando se reajustar. Alguns devaneiosforam de fato assustadores, mas no fundo eles serviramapenas para reforçar como meu estado de sonho tinha sidodesarmônico em comparação com a hiperrealidade do comaprofundo.

Quanto aos aviões, aos foguetes e aos saltos que fantasieitão intensamente, acabei percebendo que eles foram bemapropriados do ponto de vista simbólico – porque eu estavamesmo fazendo um retorno perigoso, de um lugar distantepara a estação espacial do meu cérebro, que esteveabandonada, mas que agora, mais uma vez, voltava afuncionar.

Ou seja, não poderia haver analogia terrena melhor para oque me aconteceu do que o lançamento de um foguete.

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CHEGANDO AOS POUCOS

ond não foi o único a ter dificuldade de aceitar minhamaluquice naqueles primeiros dias. Na segunda-feira,

um dia depois de eu acordar, Phyllis chamou Eben IV noSkype.

– Eben, aqui está seu pai – disse ela, virando a câmera docomputador para mim.

– Oi, pai! Como está se sentindo? – saudou-me ele comcarinho.

Durante um minuto eu apenas sorri e olhei para a tela docomputador. Quando finalmente resolvi falar, Eben ficoudesconcertado. Minha voz estava arrastada e as palavrasquase não faziam sentido.

Eben me disse mais tarde que eu parecia um zumbi.Infelizmente ele não fora prevenido da possibilidade de umapsicose da UTI.

Aos poucos, a paranoia diminuiu e o raciocínio e a falaficaram mais lúcidos. Dois dias depois de sair do coma, fuitransferido para a Unidade Intermediária de Neurociência.

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As enfermeiras de lá forneceram camas para Phyllis e Betsydormirem ao meu lado. Eu só confiava nelas duas – com elaseu me sentia seguro, acorrentado à minha nova realidade.

O maior problema é que eu não dormia. Então eu asmantinha acordadas a noite inteira, tagarelando sobreinternet, estações espaciais, agentes duplos russos e todotipo de fantasia sem sentido. Phyllis tentou convencer asenfermeiras de que eu estava com tosse, na expectativa deque um xarope sedativo me fizesse dormir por pelo menosuma hora seguida. Eu era como um recém-nascido aindasem rotina de sono.

Nos meus momentos mais tranquilos, Phyllis e Betsytentavam me puxar lentamente de volta à Terra. Elasrememoravam episódios da nossa infância e eu ficavafascinado, mas como se estivesse ouvindo essas históriaspela primeira vez. Quanto mais elas falavam, mais acendiadentro de mim uma percepção importante – de que eu tinhafeito parte daqueles acontecimentos.

Em pouco tempo, o irmão que elas conheciam se tornouvisível de novo através do nevoeiro do discurso paranoico.

– Foi incrível – disse-me Betsy mais tarde. – Você tinhaacabado de sair do coma, não tinha noção de onde seencontrava ou do que estava acontecendo, falava maluquicesa maior parte do tempo, e ainda assim seu senso de humorera notável. Deu para ver que era você quem estava ali. Você

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estava de volta!Já Phyllis me contou que uma das primeiras evidências de

que eu estava melhorando foi que comecei a me alimentarsozinho.

À medida que os comandos do meu cérebro voltavam aentrar em sintonia, me surpreendia com as coisas que eumesmo dizia ou fazia. Certo dia, uma amiga chamada Jackieapareceu para me visitar. Holley e eu conhecíamos bemJackie e seu marido Ron, tendo inclusive comprado deles acasa em que morávamos. De repente, minha sociabilidadeemergiu e perguntei-lhe imediatamente por Ron.

Depois de mais alguns dias, comecei a ter conversas maislúcidas com meus visitantes, e foi fascinante ver como essasconexões aconteciam automaticamente e não exigiam muitoesforço de minha parte. Assim como um avião no pilotoautomático, meu cérebro logo se readaptou à experiênciahumana. Eu estava tendo uma amostra em primeira mão deuma realidade que eu conhecia muito bem comoneurocirurgião: o cérebro é um mecanismoverdadeiramente maravilhoso.

A pergunta óbvia que pairava na cabeça de todos (inclusivena minha nos momentos de maior lucidez) era: até queponto eu ficaria bem? Será que eu estava cem por cento ou abactéria E. Coli tinha feito algum estrago irreversível emmim como todos os médicos haviam previsto? Essa espera

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diária mexia com todo mundo, sobretudo com Holley, quetemia que o progresso miraculoso cessasse de repente e elaficasse com apenas uma parte do marido que conhecia.

Porém, um pouco mais de mim aparecia a cada dia.Linguagem. Memória. Reconhecimento. Uma certa gaiatice,que sempre foi típica da minha personalidade, tambémreapareceu. Enquanto todos se alegravam por ver meusenso de humor de volta, minhas irmãs nem sempregostavam das ocasiões em que eu resolvia usá-lo. Certatarde, Phyllis tocou na minha testa e eu me encolhi, com umgrito de dor.

– Ai, isso dói!Em seguida, depois de curtir a expressão de horror no

rosto de quem estava por perto, emendei:– Brincadeirinha!Todos estavam surpresos com a rapidez da minha

recuperação, menos eu. Na verdade, eu ainda não tinha ideiade quão perto estive da morte. Quando, um por um, meusamigos e familiares voltavam para suas vidas cotidianas, eulhes agradecia pelo apoio, mas continuava inocentementeignorante da tragédia que por pouco não se instalara. Euestava tão entusiasmado com tudo a ponto de um dosneurologistas responsáveis por minha avaliação para areabilitação afirmar que eu estava “eufórico demais” e queprovavelmente tinha sido vítima de alguma lesão cerebral.

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Mesmo assim, eu tinha certeza de algo com que todas aspessoas em volta viriam também a concordar.Independentemente do que os profissionais dissessem, eusabia que não estava mais doente nem com qualquer lesãono cérebro. Eu estava completamente curado.

Na verdade – embora neste ponto só eu soubesse –,estava realmente bem pela primeira vez na vida.

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C

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ESPALHANDO A NOTÍCIA

erto, eu estava “realmente bem”, mas ainda tinha umgrande trabalho pela frente. Alguns dias depois de ser

removido para um ambulatório de reabilitação, liguei paraEben IV. Ele mencionou estar escrevendo um ensaio para amatéria de neurociência na faculdade. Eu me ofereci paraajudá-lo, mas logo me arrependi. Era mais difícil do que euimaginava me concentrar em algum assunto, e terminologiasque eu acreditava terem sido recuperadas, de repente, meescapavam da memória. Assustado, percebi quanto aindaprecisava caminhar.

Mas, passo a passo, isso também voltou. Um dia acordei eme vi de posse de todo o conhecimento médico e científicoque tinha me faltado na véspera. Esse foi um dos aspectosmais estranhos da minha experiência: abrir os olhos a cadamanhã com mais partes de toda uma vida de educação eaprendizado funcionando de novo.

Enquanto meu conhecimento profissional retornavalentamente, as lembranças do que havia acontecido durante

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aquela semana fora do corpo apareciam em minha memóriacom extraordinária velocidade e clareza. O que vivi fora dadimensão terrena era responsável pelo entusiasmo incontidocom que retornei e pelo êxtase que continuava a transbordarde mim. Eu estava desmedidamente feliz por ter voltadopara as pessoas que amava. Mas também por ter entendidopela primeira vez quem eu realmente era, e em que tipo demundo nós habitamos.

Na minha inocência, eu estava ansioso para compartilharessas experiências, sobretudo com meus colegas demedicina. Afinal de contas, o que vivi alterou minhas crençasa respeito do cérebro, da consciência e do sentido da vida.Quem não estaria interessado em ouvir sobre essasdescobertas?

Muito pouca gente, como logo percebi. Sobretudo pessoascom credenciais médicas.

Ao ouvirem meus relatos, os médicos que cuidaram demim disseram “Isso é maravilhoso, Eben”, ecoando minhaprópria voz no passado quando pacientes tentavam mecontar as experiências sobrenaturais que tiveram durante acirurgia. Um dos médicos argumentou: “Você esteve muitodoente. Seu cérebro estava encharcado de pus. É difícil atéacreditar que você esteja aqui falando tudo isso. Você sabemuito bem o que o cérebro é capaz de fazer quando estálonge.”

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Em suma, eles não conseguiram abrir a mente para captaro que eu tentava desesperadamente compartilhar.

Mas como eu poderia culpá-los? Até porque, com certeza,eu também não teria entendido nada – antes.

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V

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DE VOLTA AO LAR

oltei para casa em 25 de novembro de 2008, dois diasantes do Dia de Ação de Graças. Eben IV dirigiu a noite

inteira para me recepcionar na manhã seguinte. A última vezque ele estivera comigo eu me encontrava em comaprofundo, então meu filho ainda processava o fato de euestar vivo. Eben estava tão empolgado que recebeu umamulta por excesso de velocidade na estrada.

Eu estava acordado havia algumas horas – sentado naminha poltrona predileta, junto à lareira do escritório –,pensando em tudo por que eu passara, quando Ebenchegou, pouco depois das seis da manhã. Eu me levantei edei-lhe um longo abraço. Ele estava estupefato. A última vezque me vira, pelo Skype no hospital, eu mal conseguiacompletar uma frase. Agora, tudo em mim funcionavanormalmente e eu estava de volta ao meu papel favoritonesta vida – ser pai de Eben e Bond.

Bem, eu era quase o mesmo. Eben também enxergoualguma coisa diferente em mim. Posteriormente, ele me

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disse que quando me encontrou naquela manhã, ficousurpreso em ver quanto eu estava “presente”.

–Você estava tão claro, tão focado – disse-me ele. – Eracomo se uma luz desconhecida brilhasse dentro de você.

Imediatamente, comecei a compartilhar com ele minhasdescobertas.

– Estou ansioso para ler tudo o que puder a respeito disso– comentei. – Foi tudo tão real, filho, quase verdadeirodemais para ser verdade, se isso faz algum sentido. Queroescrever sobre isso para outros neurocientistas. E queroconhecer histórias de pessoas que também passaram pelaexperiência de quase morte. Lamento nunca ter levado isso asério, nunca ter escutado com atenção o que meus pacientescontavam sobre suas experiências. Eu nunca sequer tivecuriosidade para ler a literatura médica sobre o assunto.

A princípio, Eben não disse nada, mas estava claro quepensava em como me aconselhar. Ele se sentou bem àminha frente e me fez enxergar algo que deveria ter sidoóbvio.

– Eu acredito em você, pai. Mas pense bem. Se você querque seu relato tenha valor para os outros, a última coisa quedeveria fazer é ler sobre as experiências de quase morte deoutras pessoas. Apenas escreva. Escreva suas lembrançascom o máximo de detalhes que conseguir. Mas não leiaartigos nem livros sobre isso, ou sobre física ou cosmologia.

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Pelo menos até que você tenha escrito a sua história.Também acho que você não deve contar para a mamãe nempara ninguém o que aconteceu durante o coma. Você podefazer o que quiser depois, entende? Lembra o que vocêcostumava me dizer? Primeiro vem a observação e só depois,a interpretação. Se você deseja que sua história tenha algumvalor científico, precisa se lembrar dos fatos da maneira maispura e exata possível, antes de começar a fazer comparaçõescom o que aconteceu aos outros.

Acho que esse foi o conselho mais sábio que alguém já medeu na vida – e eu o segui à risca. Eben também entendeuque meu maior desejo era usar minha experiência paraajudar as pessoas. Quanto mais meu raciocínio lógicoretornava, mais eu via com clareza que o que aprendidurante décadas de estudo e prática médica conflitavaradicalmente com o que vivi naqueles sete dias, e mais eutinha certeza de que a mente e a personalidade (ou alma,espírito, como queira chamar) continuam a existir depois damorte do corpo. Eu precisava contar essa história para omundo.

Nas seis semanas seguintes, os dias foram mais ou menosiguais: eu despertava por volta de duas e meia damadrugada, me sentindo tão energizado pelo fato de estarvivo que pulava da cama. Acendia a lareira do escritório,sentava na velha poltrona de couro preto e começava a

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escrever.Tentei recordar cada detalhe da minha jornada dentro e

fora do Núcleo, e do que senti quando aprendi todas aquelaslições transformadoras.

Tentei talvez não seja a palavra certa: as lembrançasestavam lá, fresquinhas, bem onde eu as tinha deixado.

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E

28

ABSOLUTAMENTE REAL

Há duas maneiras de ser enganado. Uma éacreditar no que não é verdade; a outra

é se recusar a acreditar no que é verdade.

– Søren Kierkegaard (1813-1855)

m tudo o que eu escrevia, uma palavra apareciarepetidamente.

Real.Nunca, antes do coma, eu tinha percebido como uma

palavra pode ser tão enganadora.O modo como eu havia sido ensinado a pensar sobre a

realidade, tanto na faculdade de medicina quanto nafaculdade do bom senso chamada vida, me dizia que ou umacoisa é real ou não é (seja um acidente de carro, um jogo defutebol, um sanduíche etc.). Nos meus anos comoneurocirurgião, vi muita gente sofrer alucinações. Pensei quesoubesse quanto um fenômeno podia ser terrivelmente

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irreal para aqueles que o vivenciavam. E, durante o períodoem que atravessei a psicose da UTI, experimentei algunsdevaneios impressionantemente reais. Mas, quando elespassavam, eu logo percebia que se tratava de uma ilusão:uma fantasmagoria neuronal causada pelo circuito cerebrallutando para funcionar bem de novo.

Porém vale lembrar que, quando estive em coma, meucérebro não estava funcionando. A parte responsável por criaro mundo em que eu vivia e por fazer as informaçõeschegarem aos meus sentidos estava simplesmente desligada.E, no entanto, eu estava vivo, desperto, verdadeiramenteconsciente, em um Universo marcado pelo amor, pelaconsciência e pela realidade. (Olha a palavra aí de novo.) Issopara mim era um fato indiscutível.

A minha experiência fora mais real do que a casa em queeu morava, mais real do que a lenha queimando na lareira.Porém, não havia espaço para essa realidade na comunidadecientífica.

De que forma eu poderia abrir espaço para essas duasrealidades coexistirem?

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F

29

UMA EXPERIÊNCIA EM COMUM

inalmente chegou o dia em que eu já tinha escrito tudo oque era possível – cada lembrança da Região do Ponto

de Vista da Minhoca, do Portal e do Núcleo.Estava na hora de ler o que os outros escreveram sobre o

assunto. Então mergulhei no oceano da literatura daexperiência de quase morte – um oceano no qual eu nemsequer colocara os pés anteriormente. Não demorei muitopara descobrir que inúmeras pessoas haviam passado pelomesmo que eu, tanto em tempos recentes quanto séculosatrás. As EQMs, no entanto, não são iguais; ao contrário,cada uma tem sua particularidade – embora algunselementos apareçam com frequência (reconheci muitos delesna minha própria experiência).

Narrativas de passar por um túnel escuro, ou um vale,para chegar a uma paisagem real, brilhante e cheia de vidasão tão antigas quanto as civilizações grega e egípcia. Seresangelicais, às vezes alados, remontam à cultura do OrientePróximo, assim como a crença de que esses seres são

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guardiães que protegem as pessoas na Terra e as recebemquando elas deixam o corpo físico.

A sensação de poder ver em todas as direçõessimultaneamente; a sensação de estar acima do tempo linear– de estar acima de tudo aquilo que se pensava ser o limiteda vida humana; escutar a melodia sacra que invade todo oser em vez de alcançar somente os ouvidos; a percepçãodireta e instantânea de verdades que normalmente se levariaum tempo enorme e muito estudo para compreender, massem esforço algum... sentindo a intensidade do amorincondicional.

Nos relatos recentes de EQM e dos textos espirituais daAntiguidade, eu podia sentir o narrador se debatendo comas limitações da linguagem terrena, tentando colocar todo opeixe fisgado no mundo espiritual a bordo do limitado barcodo pensamento humano. De uma maneira ou de outra,sempre falhando.

E assim, em cada tentativa fracassada, com todos osautores se esforçando para traduzir em palavras aquelaimensidão, consegui perceber que o narrador esperavatransmitir toda a glória de sua experiência, massimplesmente não podia.

Sim, sim, sim! Eu dizia para mim mesmo enquanto lia. Eucompreendo!

Todo esse material, é claro, já estava lá antes da minha

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experiência. Mas nunca dei a menor bola para ele. Apenasporque nunca estive aberto à ideia de que poderia ser umacoisa autêntica, à possibilidade de que uma parte de nóssobrevive à morte do corpo. Eu era um exemplo típico domédico bom caráter, porém cético e incrédulo. E, como tal,posso garantir que mesmo os mais céticos não são céticos deverdade. Para ser realmente cético é preciso examinar oassunto e levá-lo a sério. E eu, como muitos cientistas, nuncagastei meu tempo com as EQMs. Eu simplesmente “sabia”que elas eram impossíveis.

Investiguei também os registros médicos do meu períodode coma – que foi detalhadamente documentado desde ocomeço. Analisei os exames e ficou claro como meu casoestivera crítico.

De todas as doenças, a meningite bacteriana é a única queataca a superfície externa do cérebro enquanto deixa intactasas suas estruturas mais profundas. A bactéria primeirodevasta sem piedade a parte humana do cérebro, paradepois se tornar fatal atacando as estruturas internas,comuns a outros animais, e que ficam bem abaixo da partehumana.

As outras situações que podem danificar o neocórtex eprovocar inconsciência – pancada na cabeça, AVC,hemorragias cerebrais ou tumores – não são nem de pertotão eficientes quanto a bactéria da meningite para danificar a

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superfície do neocórtex e as estruturas mais profundas eprimitivas do cérebro. Devido a tudo isso, a meningitebacteriana é indiscutivelmente a melhor doença que se podeencontrar para representar a morte de um corpo sem que,na verdade, ela tenha ocorrido – embora ela geralmenteocorra.

Apesar de esse fenômeno ser tão antigo quanto ahumanidade, o termo “experiência de quase morte” só setornou amplamente conhecido há poucos anos. Nos anos1960, foram desenvolvidas novas técnicas que permitiramaos médicos ressuscitar pacientes que sofreram paradacardíaca. Pessoas que em outros tempos teriam morridopodiam agora ser trazidas de volta à vida. Sem saber, essesmédicos estavam, por meio de seus esforços de resgate,produzindo uma espécie de viajantes extraterrenos: pessoasque enxergaram o que se esconde além do véu e voltarampara contar a história. Hoje elas já são milhões.

Depois, em 1975, um estudante de medicina chamadoRaymond Moody publicou um livro intitulado A vida depoisda vida, no qual descreveu a experiência sobrenatural deGeorge Ritchie. Este homem havia “morrido” emconsequência de um ataque cardíaco decorrente decomplicações de uma pneumonia e ficara fora do corpodurante nove minutos. George Ritchie conta que atravessouum túnel, visitou regiões infernais e celestiais, encontrou-se

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com um ser iluminado que ele identificou como sendo Jesuse experimentou sentimentos de paz e bem-estar tão intensosque teve dificuldade de expressar em palavras. Com esselivro, a era moderna da experiência de quase morte havianascido.

Embora soubesse da existência do livro de Moody, eununca o lera. E não precisava fazê-lo porque sabia, acima detudo, que a ideia de que uma parada cardíaca levaria a algumtipo de situação de quase morte não fazia sentido. Grandeparte da literatura sobre esse tipo de experiência diz respeitoa pacientes cujo coração parou de funcionar por poucosminutos – em geral após um acidente ou na mesa decirurgia. A teoria de que parada cardíaca equivale a morteestá superada há 50 anos.

Muitos leigos ainda acreditam que se alguém retorna deuma parada cardíaca, essa pessoa “morreu” e voltou à vida.Porém a comunidade médica já transferiu há muito tempo adefinição de morte para o cérebro, e não mais para ocoração (desde que os critérios para a morte cerebral,baseados em exames neurológicos, foram estabelecidos em1968). A parada cardíaca só é relevante para a mortepropriamente dita quando tem efeitos sobre o cérebro. Emalguns segundos de parada cardíaca, a interrupção do fluxode sangue para o cérebro leva a uma suspensão dasatividades neurais auxiliares e à perda de consciência.

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Há meio século, os cirurgiões param o coração porminutos ou por horas durante uma cirurgia cardíaca e atéem neurocirurgias. Não ocorre nenhuma morte cerebral.Mesmo uma pessoa cujo coração para de bater no meio darua pode ser poupada de dano cerebral se o esforço deressuscitação cardiopulmonar começar em até quatrominutos e o coração puder ser reiniciado. Enquanto osangue oxigenado circular pelo cérebro – econsequentemente por todo o corpo –, o cérebro ficará vivo,apesar da inconsciência temporária.

Esse conhecimento era tudo de que eu precisava paradescartar o livro de Moody sem sequer tê-lo aberto. Masagora, lendo as histórias que ele relatou, tendo comoreferência o que eu mesmo tinha passado, mudeicompletamente de perspectiva. Eu não tinha mais dúvida deque pelo menos algumas dessas pessoas haviam deixado ocorpo físico. As semelhanças com o que eu vivenciei fora domeu corpo eram impressionantes.

As estruturas mais primitivas do meu cérebrocontinuaram a funcionar o tempo todo durante o coma. Masa região do meu cérebro que os neurologistas dizem serresponsável pela minha parte humana havia sumido. Eupodia ver isso nas imagens, nos números do laboratório, nosexames neurológicos – em todos os dados recolhidos aquelasemana no hospital. Então eu logo comecei a perceber que a

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minha experiência de quase morte era tecnicamente quaseimpecável, e talvez um dos casos mais convincentes nahistória moderna do fenômeno. O que mais importava nomeu caso não era o que tinha acontecido comigopessoalmente, mas a impossibilidade de afirmar – a partirdo ponto de vista médico – que tudo não passava defantasia.

Descrever uma EQM é um desafio, mas fazê-lo diante deuma comunidade médica que se recusa a acreditar que ela épossível torna a tarefa ainda mais árdua. Pela minhatrajetória na neurociência e por minha própria experiênciade quase morte, eu tinha agora uma oportunidade única detornar o assunto mais convincente.

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DE VOLTA DA MORTE

E o desenho próximo da morte, que nivela a todos,que a todos impressiona com uma última revelação,

e que somente um autor vindo dos mortospoderia adequadamente esboçar.

– Herman Melville (1819-1891)

m todos os lugares aonde fui nas primeiras semanas, aspessoas me olhavam como se estivessem vendo uma

assombração. Fui ao consultório de um médico que estavana Emergência do hospital no dia em que cheguei em crise.Ele não se envolveu diretamente no meu caso, mas me viude perto enquanto eu tinha convulsões.

– Como você pode estar aqui? – perguntou ele, resumindoa perplexidade dos médicos diante da minha recuperação. –Você é o irmão gêmeo de Eben, por acaso?

Sorri, me aproximei e apertei a mão dele com firmeza paraque soubesse que era realmente eu quem estava ali.

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Embora a pergunta sobre o irmão gêmeo fosse uma piada,aquele médico estava, na verdade, levantando um pontoimportante. Para todos os efeitos, eu era duas pessoas. E sefosse fazer o que eu disse a Eben IV que gostaria – usarminha experiência para ajudar as pessoas –, eu teria queconciliar minha EQM com meu conhecimento científico eunir esses dois polos opostos.

Certo dia, lembrei-me de uma ligação que recebi de umamulher chamada Suzana, alguns anos antes. O marido delahavia sido meu paciente. Apesar de todos os nossosesforços, ele morrera um ano e meio depois dedescobrirmos um tumor cerebral. Agora a filha dela é quemestava doente, com várias metástases cerebrais decorrentesde um câncer de mama. Seu prognóstico era de, no máximo,poucos meses de vida. Não era um bom momento parareceber uma ligação como aquela, pois minha mente estavacompletamente concentrada no exame de um paciente queeu iria operar naquela tarde. Mas permaneci na linha comSuzana porque eu sabia que ela estava tentando encontrarum meio – qualquer um – de encarar a situação.

Sempre acreditei que, quando se está diante de umaenfermidade que pode levar ao óbito, suavizar a verdade ébom. Impedir que um paciente terminal tente se agarrar auma pequena fantasia que lhe ajude a lidar com apossibilidade da morte é como suspender uma medicação

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para dor. É uma carga muitíssimo pesada e por isso dediqueitoda a atenção ao que Suzana me dizia.

– Doutor, minha filha teve um sonho impressionante como pai. Ele lhe disse que tudo ficaria bem, que ela nãoprecisava se preocupar com a morte.

Esse era o tipo de coisa que eu ouvia dos pacientesinúmeras vezes: a mente fazendo o que podia para setranquilizar em uma situação dolorosamente insuportável. Eeu lhe disse que parecia um sonho maravilhoso.

– O mais incrível, doutor, é como ele estava vestido. Comuma camisa amarela e um chapéu Fedora!

– Bem, Suzana – falei com naturalidade. – Imagino quenão existam códigos de moda no céu.

– Não, não é nada disso, doutor. No comecinho do nossorelacionamento, quando ainda estávamos namorando, eudei para George uma camisa amarela. E ele gostava de usá-lacom um chapéu Fedora que eu também lhe dera depresente. Mas a camisa e o chapéu foram perdidos quando anossa bagagem se extraviou durante a lua de mel. Ele sabiaque eu adorava vê-lo com aquela camisa e aquele chapéu,mas nunca os substituímos.

– Tenho certeza de que sua filha ouviu muitas históriascomoventes sobre aquela camisa e aquele chapéu. E sobre onamoro de vocês.

Suzana riu.

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– Não. É isso que me impressiona, doutor. Aquele era onosso pequeno segredo. Nós sabíamos como esse detalhepareceria ridículo para qualquer outra pessoa. Nuncaconversamos sobre a camisa e o chapéu depois que elesdesapareceram. Nossa filha jamais ouviu uma palavra sobreisso. Ela estava com medo de morrer, mas agora sabe quenão há nada a temer, nada mesmo.

Suzana estava me contando – e descobri isso depois, emminhas leituras – sobre a existência dos sonhos deconfirmação que acontecem com frequência. Mas eu nãopassara ainda pela minha EQM quando recebi aquelaligação, e na ocasião eu acreditava piamente que o queaquela mulher estava me relatando era uma fantasia criadapela dor.

Ao longo da minha carreira, tratei de diversos pacientesque passaram por experiências estranhas durante a cirurgiaou enquanto estiveram em coma. Sempre que uma dessaspessoas narrava uma experiência extraordinária como a deSuzana, eu me mostrava solidário, embora estivessecompletamente convencido de que aquilo só acontecia emsua mente. O cérebro é o órgão mais sofisticado (etemperamental) que temos. Experimente diminuir emalguns torr (unidade de pressão) o nível de oxigênio docérebro de uma pessoa e ela terá a sua percepção darealidade alterada. Acrescente a isso todo o trauma físico e

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os medicamentos prescritos para uma pessoa com umadoença no cérebro e esteja certo de que, se aquele pacientetiver alguma lembrança quando voltar do coma, essaslembranças serão bem esquisitas. Com o cérebro afetadopor uma infecção bacteriana letal e por medicamentos quealteram o funcionamento da mente, qualquer coisa poderiaacontecer. Menos, é claro, a experiência ultrarreal que tivedurante o coma.

Suzana não me ligou para ser consolada naquele dia – euentendia agora com perplexidade. Era ela que, na verdade,tentava me consolar. Mas não fui capaz de perceber isso.Achei que estava fazendo uma caridade para Suzana,fingindo, do meu jeito distante e distraído, que acreditavaem sua história. Mas não acreditava.

E lembrando-me daquela conversa e de tantas outrasparecidas, me dei conta do longo caminho que tinha pelafrente se quisesse convencer meus colegas médicos de que oque eu tinha vivido era real.

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Q

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TRÊS SEGMENTOS

Eu sustento que o mistério humano é relegado àobscuridade pelo reducionismo científico, com sua

crença de que o materialismo pode ter uma respostapara tudo do mundo espiritual com base na atividade

neuronal. Essa crença deve ser classificada comosupersticiosa. Temos de reconhecer que somos

seres espirituais com almas vivendo em um mundoespiritual, assim como seres físicos com corpos e

cérebros vivendo em um mundo material.

– Sir John C. Eccles (1903-1997)

uando se trata de EQM, existem três vertentes básicas.Há os adeptos: aqueles que passaram pela experiência

ou que apenas acreditam que elas são possíveis. Depois, vêmos descrentes convictos (como o meu velho eu). Essaspessoas na verdade não se consideram descrentes – elas

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apenas “sabem” que o cérebro é que gera consciência e nãosão iludidas por essas ideias malucas de vida além do corpo.Por fim, há o grupo intermediário. Neste, eu encontrei todasas pessoas que tinham tomado conhecimento da EQM, oupela leitura ou por terem algum amigo ou parente quepassou por ela, uma vez que é uma experiência bem maiscomum do que se imagina. Essas pessoas são aquelas quepodem ser ajudadas pela minha história. A mensagem queessa experiência extracorpórea traz pode transformar vidas.Mas quando alguém potencialmente receptivo pergunta aopinião de um médico ou cientista, em geral ouve que tudonão passa de fantasia, de criações do cérebro em luta para seagarrar à vida, e nada mais.

Como um médico que passou pela experiência, eu poderiacontar uma história diferente. E quanto mais eu pensava,mais sentia que tinha obrigação de fazer isso.

Uma a uma, analisei as hipóteses que eu sabia que meuscolegas teriam levantado para “explicar” o que haviaacontecido comigo. (Para mais detalhes, ver o Anexo B.)

Teria sido a minha experiência uma simples programaçãodo meu tronco encefálico para aplacar a dor e o sofrimentoterminais – talvez um ato remanescente das estratégias de“morte de mentira” que os mamíferos inferiores costumamusar? Descarto essa hipótese logo de cara. Não há chance deque a minha experiência, com seus níveis visuais e auditivos

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tão sofisticados e seu alto grau de significados, tenha sido ummero produto da parte reptiliana do meu cérebro.

Terá sido, então, uma evocação distorcida de lembrançasvindas das partes mais profundas do meu sistema límbico, aregião do cérebro responsável pelas emoções? Novamente,não! Sem o funcionamento do neocórtex, o sistema límbiconão poderia produzir visões com a clareza e a lógica quevivenciei.

Poderia a minha experiência ter sido um tipo de visãopsicodélica produzida por alguns dos (muitos)medicamentos que tomei? Mas as drogas só atuam comreceptores no neocórtex. E com o neocórtex fora de ação,não havia local no cérebro onde essas drogas pudessematuar.

E que dizer da intrusão do estado REM? Este é o nome deuma síndrome (relacionada ao movimento rápido dos olhosdo sono REM, a fase em que acontecem os sonhos) na qualos neurotransmissores naturais, como a serotonina,interagem com receptores no neocórtex. Desculpe mais umavez. A intrusão do sono REM necessita do funcionamento doneocórtex para acontecer e, no meu caso, ele estava empane.

Então havia o fenômeno hipotético conhecido como“liberação de DMT”. Nesta situação, a glândula pineal,reagindo à pressão de uma ameaça concreta ao cérebro,

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produz uma substância chamada DMT (ou N,N-dimetiltriptamina). A DMT é estruturalmente similar àserotonina e pode provocar uma experiência psicodélicamuito intensa. Não tive nenhuma experiência com a DMT,mas já ouvi dizer que ela pode produzir um efeitopsicodélico dos mais potentes – talvez até com implicaçõesgenuínas para o nosso entendimento do que a consciência ea realidade verdadeiramente são.

Entretanto a porção do cérebro que a DMT atinge é oneocórtex, que, no meu caso, não poderia ser afetadosimplesmente porque estava “ausente”. Portanto, em termosde “explicação” para o que houve comigo, a “liberação deDMT” não é muito provável, assim como as outrasprincipais hipóteses que poderiam justificar minhaexperiência, e pela mesma razão elementar. Os alucinógenosafetam o neocórtex, e o meu neocórtex não estavadisponível.

A última hipótese que cogitei foi a do “fenômeno dereinicialização”. Isso explicaria minha experiência como umareunião de lembranças e pensamentos desarticulados quesobraram antes de o meu neocórtex apagar completamente.À semelhança de um computador reiniciando e salvando oque pode depois de uma queda do sistema ou falta deenergia, meu cérebro teria recolhido minhas lembranças damelhor maneira que pôde. Isso é até possível de ocorrer na

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reinicialização do córtex depois de uma prolongadaparalisação do sistema. No entanto, parece uma explicaçãoimprovável, em razão da complexidade e da interatividadedas minhas elaboradas recordações.

Por ter vivenciado a natureza não linear do tempo nomundo espiritual de forma tão intensa, consigo entenderagora por que grande parte dos escritos sobre a outradimensão pode parecer distorcida ou sem sentido numaperspectiva terrena. Nos mundos além deste, o tempo nãofunciona como aqui. Uma coisa não acontecenecessariamente depois da outra. Um momento podeparecer durar uma vida inteira, e uma vida inteira podeparecer um momento. Mas, embora o tempo nos mundosalém deste não funcione como estamos acostumados, issonão significa que ele seja confuso – e as recordações do meuperíodo em coma foram tudo, menos confusas.

Durante minha experiência, falando em termos temporais,os contatos mais fortes que mantive com este mundo foramminhas interações com Susan Reintjes, quando ela mecontatou na quarta e quinta noites do coma, e a aparição dosseis rostos já no fim da viagem. Qualquer outra aparência desimultaneidade temporal entre os acontecimentos na Terra eno além é, digamos assim, meramente especulativa.

Quanto mais eu aprendia e quanto mais procuravaexplicar o que havia acontecido comigo, mais o terreno da

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especulação diminuía. Tudo – a misteriosa clareza dasminhas visões, a lucidez dos meus pensamentos – sugeriauma maior, e não menor, atividade cerebral. No entanto,meu cérebro não podia fazer esse trabalho.

Enquanto lia as explicações “científicas” a respeito daEQM, eu ficava chocado com a superficialidade das análises.Descobri também, com tristeza, que elas eram exatamenteas mesmas explicações que meu antigo eu daria se alguémperguntasse o que eu achava dessa experiência fora docorpo.

Mas as pessoas que não são da área médica não têmobrigação de saber de nada disso. Se o que eu passei tivesseacontecido com qualquer outro teria sido impressionante.Mas aconteceu comigo... E acreditar que havia acontecido“por um motivo” me causava inquietação. Ainda havia umpouco do velho médico em mim para saber que isso soavaestranho. Quando, porém, mergulhei nos detalhes – eprincipalmente quando considerei que a meningite causadapor E. coli era a enfermidade perfeita para aniquilar meucórtex e avaliei minha rápida recuperação de um estragototal quase certo –, tive que levar a sério a possibilidade deque aquilo realmente tinha acontecido comigo por algumarazão.

Isso só me fez sentir uma responsabilidade maior porcontar a história direito.

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Sempre me orgulhei de me manter atualizado com osavanços da literatura médica em meu campo de atuação, etambém de contribuir quando tinha algo de significativopara acrescentar. O fato de eu ter sido despachado destemundo para outro era uma notícia chocante, e agora que euestava de volta, não iria deixar a história para lá. Do pontode vista científico, eu ter me recuperado por completo erauma impossibilidade, praticamente um milagre médico. Maso que era de fato impressionante nisso tudo era o lugar ondeestive. Então eu tinha a obrigação de contar essa história,não só como cientista e profundo respeitador do métodocientífico, mas também como um paciente que teve umarecuperação inexplicável.

Uma história pode curar tanto quanto a medicina. Suzanasabia disso quando me telefonou naquele dia. E eu haviaexperimentado isso quando conheci minha família biológica.Minha experiência também era uma história com poder decurar. Que tipo de médico eu seria se não a compartilhasse?

Pouco mais de dois anos depois de ter voltado do coma,visitei Jonh, um amigo que dirige um dos mais importantesdepartamentos de neurociência do mundo. Eu o conheciahavia décadas, e o considerava um ser humano esplêndido eum cientista de primeira linha.

Contei-lhe a história da minha viagem espiritual e elepareceu ficar muito impressionado, como se, finalmente,

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tivesse se livrado de um fardo que durante muito tempo ohouvesse assombrado.

Cerca de um ano antes, o pai dele estava nos estágiosfinais de uma enfermidade que já durava cinco anos. Eleestava incapaz, demente, com muita dor, e queria morrer.

Ele dizia ao filho:– Por favor, me dê algumas pílulas ou algo parecido. Não

posso continuar vivendo assim.Então, de repente, seu pai se tornou mais lúcido do que

havia sido nos dois anos anteriores, fazendo observaçõesprofundas sobre a vida e a família. Ele desviou o olhar ecomeçou a falar com o ar ao pé da cama. Ouvindo o que eledizia, John percebeu que o pai conversava com sua falecidamãe, que havia morrido 65 anos antes, quando ele ainda eraum adolescente. Ele pouco falara dela durante toda a vida deJohn, mas naquele momento estava tendo uma alegre eanimada conversa com a mãe. John não podia enxergá-la,mas estava absolutamente convencido de que o espírito desua avó estava lá, dando boas-vindas ao espírito de seu pai.

Depois de alguns minutos, o pai de John se voltou para ofilho com uma expressão totalmente diferente no olhar. Seupai sorria, e emanava uma paz que John nunca se lembroude ter visto nele antes.

– Vá dormir, papai – John se flagrou dizendo. – Apenasdescanse, está tudo bem.

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Seu pai fez exatamente isso. Fechando os olhos, ele sedeixou levar, com uma expressão de completa paz no rosto.Pouco tempo depois ele não estava mais neste mundo.

John sentiu no coração que o encontro de seu pai e suaavó tinha sido muito real, mas nunca soube o que fazer comisso porque, como médico, ele acreditava que coisas dessetipo eram “impossíveis”. Muitas outras pessoas tinhamtestemunhado aquela clareza mental que, por vezes, tomaconta de pessoas idosas debilitadas pouco antes demorrerem, assim como John viu em seu pai (um fenômenoconhecido como “lucidez terminal”).

Não havia explicação científica para isso. Ouvir minhahistória pareceu dar ao meu amigo uma permissão quehavia muito tempo ele desejava que alguém lhe desse: apermissão para acreditar naquilo que ele vira com ospróprios olhos – e para conhecer a verdade confortante eprofunda: que nosso ser espiritual eterno é mais verdadeirodo que qualquer coisa que possamos perceber no domíniofísico e tem uma conexão direta com o infinito amor doCriador.

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UMA VISITA À IGREJA

Só há duas maneiras de viver a vida.Uma é pensar que nada é um milagre. A outra

é pensar que tudo é um milagre.

– Albert Einstein (1879-1955)

ão fui à igreja novamente até dezembro de 2008,quando Holley me arrastou para o culto do segundo

domingo do Advento. Eu ainda estava fraco, um pouco semequilíbrio e abaixo do peso. Sentamos na primeira fila. Opastor Sullivan se aproximou e perguntou se eu poderiaacender a segunda vela da grinalda do Advento. Eu nãoqueria, mas algo me disse que eu deveria fazê-lo. Então melevantei, me apoiei numa peça de bronze e caminhei para ocentro da igreja com uma calma inesperada.

A lembrança da minha viagem fora do corpo ainda estavaobscura, e por todo aquele ambiente que antes me pareciatão banal eu agora enxergava arte e ouvia uma música que

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trazia tudo à tona. O tom pulsante do contrabaixo ecoava aangústia primitiva da Região do Ponto de Vista da Minhoca.Os vitrais coloridos do templo, com seus anjos e nuvens,trouxeram à memória a beleza celestial do Portal. Umapintura de Jesus repartindo o pão com seus discípulosevocava a comunhão do Núcleo. Estremeci quandorememorei o êxtase do amor incondicional que eu haviaconhecido por lá.

Por fim, compreendi do que se trata a religião – ou, pelomenos, o que ela deveria ser. Agora, eu não apenasacreditava em Deus; eu conhecia Deus.

Quando me encaminhei para o altar, as lágrimas rolarampela minha face.

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O ENIGMA DA CONSCIÊNCIA

Se você deseja ser um genuíno buscador da verdade, énecessário que, pelo menos uma vez na vida, duvide,

tanto quanto possível, de todas as coisas.

– René Descartes (1596-1650)

oram necessários dois meses para que o meuconhecimento profissional retornasse totalmente.

Deixando de lado o fato miraculoso de que ele tinha voltado,continuei a lutar com a dura realidade de que tudo o que euhavia aprendido em quatro décadas de estudo e trabalhosobre o cérebro humano, sobre o Universo e sobre como avida se constitui entrava em choque com o que eu vivenciaradurante meus sete dias em coma.

Eu era um médico que passara toda a carreira em algumasdas mais prestigiadas instituições de pesquisa do mundo,tentando entender as conexões entre o cérebro humano e aconsciência. Não é que eu não acreditasse na consciência. Eu

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apenas estava convicto da incrível improbabilidade mecânicade que ela existisse de maneira independente.

Nos anos 1920, o físico Werner Heisenberg (e outrosfundadores da ciência da mecânica quântica) fez umadescoberta tão estranha que o mundo até hoje ainda não aaceitou por completo. Quando se observa o fenômenosubatômico, é impossível separar completamente oobservador (isto é, o cientista fazendo o experimento) doque é observado. Em nosso mundo, isso passa despercebido.Nós enxergamos o Universo como um lugar cheio deobjetos separados (mesas e cadeiras, pessoas e planetas)que, de vez em quando, interagem entre si, mas que, apesardisso, permanecem basicamente separados.

No nível subatômico, entretanto, esse universo de objetosseparados é uma completa ilusão. No campo do super-hiperminúsculo, todo objeto no universo físico estáintimamente conectado com todos os outros. Na verdade,não existem realmente “objetos”, apenas vibrações deenergia e relacionamentos.

O que isso significa deveria ter sido óbvio, embora paramuitos não fosse. Era impossível buscar a natureza doUniverso sem usar a consciência. Longe de ser umsubproduto do processo físico (como eu acreditava antes daminha EQM), a consciência não é apenas real, mas é, naverdade, mais real do que o restante da existência física, e

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muito provavelmente a base da mesma.Porém até agora nenhum desses conhecimentos foi

incorporado à compreensão que a ciência tem da realidade.Muitos cientistas estão tentando fazê-lo, mas ainda nãoapareceu uma teoria unificadora que possa combinar as leisda mecânica quântica com as leis da teoria da relatividade deuma maneira que comece a englobar a consciência.

Todos os objetos no universo físico são feitos de átomos.Os átomos, por sua vez, são feitos de prótons, elétrons enêutrons, que são partículas. E as partículas são feitas de...bem, para ser franco, os físicos não sabem. Mas uma coisaque nós sabemos sobre as partículas é que cada uma estáconectada com todas as outras neste imenso Universo. Elasestão todas interconectadas no nível mais profundo.

Antes da minha experiência no mundo espiritual, eu tinhaalgum contato com essas teorias científicas modernas, maselas me pareciam distantes e remotas. No mundo em que euvivia e me movia – o mundo dos carros, das casas, das mesasde cirurgia e dos pacientes que se restabeleciam ou não –,essas descobertas da física subatômica eram muito vagas.Elas podiam até ser verdadeiras, mas não diziam respeito àminha realidade.

Quando, no entanto, deixei meu corpo físico para trás,experimentei esses fatos diretamente. Na verdade, eu estava“fazendo ciência” enquanto peregrinava pelo Portal e pelo

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Núcleo – ciência que contava com a ferramenta maissofisticada para pesquisa científica que possuímos: a própriaconsciência.

Eu não parava de estudar, e cada vez tinha mais certeza deque minha descoberta não era apenas interessante ouimpressionante. Ela era científica. A consciência pode ser omaior mistério da ciência ou uma coisa insignificante,dependendo de com quem você conversa. O que maissurpreende é o número elevado de cientistas que pensam dasegunda forma. Para muitos deles – talvez a maioria –, aconsciência não é assunto digno de preocupação porque elaé apenas um subproduto do processo cerebral. Muitoscientistas vão além, afirmando que a consciência não ésomente um fenômeno secundário, mas que não é sequerreal.

Entretanto, muitos expoentes da neurociência daconsciência e da filosofia da mente discordam disso. Nasúltimas décadas, eles vieram a reconhecer o “difícil problemada consciência”. Embora essa ideia estivesse consolidada hádécadas, foi David Chalmers quem a definiu em seubrilhante livro de 1996, e Conscious Mind (A menteconsciente). A maior questão diz respeito à existência daexperiência da consciência e pode ser resumida nestasperguntas:

Como a consciência surge no cérebro humano?

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Como ela está relacionada ao comportamento?Como o mundo percebido se relaciona com o mundo

real?O problema é tão difícil de resolver que alguns pensadores

disseram que a resposta se encontra fora da “ciência” .Embora esse fato não deprecie o fenômeno da consciência,na verdade, é uma pista sobre o seu insondável papel noUniverso.

Esse predomínio do método científico baseadounicamente no plano físico que tem vigorado nos últimos400 anos apresenta uma grande desvantagem: nos faz perdercontato com o profundo mistério da existência – a nossaconsciência. Esse conhecimento era algo comum nas religiõespré-modernas (sob diferentes nomes e manifestado pormeio de pontos de vista diferentes), mas foi perdido nanossa cultura ocidental secular quando nos deixamosenfeitiçar pelo poder da ciência e da tecnologia.

Questões envolvendo a alma e a vida após a morte, areencarnação, Deus e o céu são difíceis de explicar pelosmeios científicos tradicionais, que deixam implícito que essascoisas podem não existir. Por outro lado, fenômenos deexpansão da consciência – tais como a visão remota, apercepção extrassensorial, a psicocinese, a clarividência, atelepatia e a premonição – têm se mostrado de difícilcompreensão por meio das investigações científicas

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“normais”. Antes do coma, eu duvidava da veracidade dissotudo, principalmente porque nunca havia experimentadoesses fenômenos em um nível profundo, e porque eles nãopodiam ser explicados pela minha visão científica e simplistado mundo.

Aqueles que insistem que não há provas para osfenômenos que sugerem a expansão da consciência, apesarda enorme evidência do contrário, são deliberadamenteignorantes. Eles acham que conhecem a verdade semprecisar examinar os fatos.

Fomos seduzidos a pensar que a visão científica de mundoestá se aproximando rápido da Teoria de Tudo, que parecenão deixar muito espaço para a alma, ou o espírito, ou parao céu e Deus. Minha jornada no coma fora desse domíniofísico rasteiro e próximo da morada do Criador revelou oabismo imenso entre o nosso conhecimento humano e aassombrosa e inspiradora esfera de Deus.

Cada um de nós está mais acostumado com o própriopensamento do que com qualquer outra coisa e, no entanto,entendemos muito mais do resto do Universo do que domecanismo da nossa consciência. O pensamento está tãoperto de casa que quase sempre escapa à nossacompreensão. Não há nada na física do mundo material naintrincada estrutura do cérebro que dê a menor pista sobrecomo funciona a consciência.

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De fato, a maior pista para a realidade do mundoespiritual é o profundo mistério da nossa existênciaconsciente. Esta é uma revelação misteriosa com a qual osfísicos e neurocientistas se mostraram incapazes de lidar, eisso obscureceu ainda mais a relação íntima que existe entrea consciência, a mecânica quântica e a realidade física.

Para estudar o Universo em um nível profundo,precisamos reconhecer o papel fundamental da consciênciana construção da realidade. Os experimentos em mecânicaquântica surpreenderam os precursores desse campo depesquisa, e muitos deles (como Werner Heisenberg,Wolfgang Pauli, Niels Bohr, Erwin Schrödinger e Sir JamesJeans, para citar apenas alguns) se voltaram para o universomístico em busca de respostas. Eles perceberam que eraimpossível separar o experimentador do experimento eexplicar a realidade sem levar em conta a consciência. O quedescobri do outro lado foi a imensidão e a complexidade doUniverso, e o fato de que a consciência é a base de tudo oque existe. Eu estava tão conectado com essa ideia que,muitas vezes, não havia diferenciação entre “mim” e omundo em que eu me movia.

Se eu tivesse que resumir tudo isso, eu diria, em primeirolugar, que o Universo é muito maior do que aparenta ser senós contemplarmos somente as suas partes visíveis. (Istonão chega a ser nenhuma descoberta revolucionária, uma

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vez que a ciência convencional reconhece que 96% doUniverso é composto de “matéria escura” e “energiaescura”*. Mas o que é isso? Ninguém sabe ainda. Mas o quetornou a minha experiência incomum foi o assombrosoimediatismo com que experimentei o papel fundamental daconsciência. Não foi mera teoria o que aprendi lá, foi umfato concreto como uma rajada de vento polar no meurosto.)

Em segundo lugar, estamos entrelaçados com o universomaior de maneira complexa e inexorável. Ele é o nossoverdadeiro lar, e pensar que este mundo físico é tudo o queimporta é como se trancar em um pequeno quarto eimaginar que não há nada fora dele.

E em terceiro lugar aprendi o poder crucial da fé parafacilitar a atuação da mente sobre a matéria. Sempre fiqueiintrigado com o efeito placebo – cujo benefício notratamento gira em torno de 30%, devido à crença dopaciente de que está recebendo um remédio que poderácurá-lo, mesmo que se trate de uma substância sem efeito.Em vez de enxergar nisso o poder subliminar da fé e amaneira como ela afeta a saúde, a comunidade médica só viao seu lado negativo, considerando que o efeito placebo era,na realidade, obstáculo para a evolução de um tratamento.

No centro do mistério da mecânica quântica está asuperficialidade do nosso conceito de localização no espaço e

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no tempo. O resto do Universo – ou seja, a grande maioriadele – não está afastado de nós no espaço. Sim, o espaçofísico que conhecemos parece real, mas ele também élimitado. A extensão e a altura do universo físico não sãonada diante da esfera espiritual de onde procedem – odomínio da consciência (que alguns podem preferir chamarde “força vital”).

Este outro universo maior não está distante de nós. Naverdade, está aqui mesmo – bem aqui onde estou digitandoesse parágrafo e aí onde você está lendo o que escrevi. Elenão está distante fisicamente, mas apenas numa frequênciadiferente.

Embora este universo esteja aqui, não estamos conscientesdele porque estamos fechados à frequência em que ele semanifesta. Nós vivemos nas dimensões de espaço e tempofamiliares, confinados pelas limitações dos nossos sentidos.

O Universo está tão bem construído que, para entenderverdadeiramente alguns de seus muitos níveis e dimensões, épreciso se tornar parte desta dimensão. Trocando em miúdos,é preciso estar disposto a se identificar com aquela parte douniverso que você já possui, mas da qual talvez não estejaconsciente.

O Universo não tem princípio nem fim, e Deus (Om) estáinteiramente presente em cada partícula que o compõe.Quando as pessoas falam sobre Deus e sobre os níveis

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espirituais mais elevados, sempre tentam trazê-los para onosso nível, em vez de expandir nossa percepção para o níveldeles. Com descrições limitadas, corrompemos sua naturezaextraordinária.

As palavras do cego curado por Jesus no evangelho – “Euera cego, mas agora vejo” – ganharam novo significado paramim quando entendi que nós aqui na Terra estamos cegospara a natureza plena do mundo espiritual; principalmentepessoas como eu havia sido, que acreditavam que a matériaé a verdade máxima, e que tudo o mais (o pensamento, aconsciência, as ideias, as emoções, o espírito) é apenas umaconsequência da matéria.

Esta revelação me inspirou muito porque me permitiuenxergar os impressionantes níveis de comunhão eentendimento que se abrem à frente de todos nós quandodeixamos para trás as limitações do nosso cérebro e docorpo físico.

Humor. Alegria. Paixão. Sempre achei que esses eramsentimentos que desenvolvíamos para lidar com este mundotão doloroso e injusto. E assim é. Mas além de seremconsolações, esses atributos são reconhecimentos – breves,fugazes, mas ainda assim fundamentais – de que nãoimporta quais sejam nossas lutas e nossos sofrimentos, elesnão podem atingir os seres eternos que realmente somos. Oriso e a alegria são, no fundo, lembranças de que não somos

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prisioneiros deste mundo, mas peregrinos que caminhampor ele.

Não é preciso quase morrer para vislumbrar o que estáalém do véu – mas é preciso trabalhar. Aprender sobre essanova realidade em livros e artigos de revistas é um bomcomeço, mas no fim do dia cada um deve mergulhar em seupróprio pensamento, por meio da oração e da meditação,para se aproximar dessas verdades.

A meditação acontece de muitas maneiras. A maiseficiente para mim, desde que voltei do coma, tem sido umatécnica desenvolvida por Robert A. Monroe, que não temqualquer filosofia dogmática por trás, a não ser Eu sou maisdo que o meu corpo físico.

Robert Monroe foi um produtor de rádio bem-sucedidona Nova York dos anos 1950. No processo de investigar ouso das gravações em áudio para induzir ao sono, elecomeçou a ter experiências extracorpóreas. Sua pesquisaminuciosa por mais de quatro décadas resultou em umpoderoso sistema para expandir a exploração dos níveisprofundos de consciência, com base na audiotecnologiadesenvolvida por ele e conhecida como “Hemi-Sync”.

O sistema Hemi-Sync pode auxiliar a consciência porquepropicia um estado de relaxamento. Mas ele oferece muitomais: a consciência expandida permite o acesso a outrostipos de percepção, entre os quais a meditação profunda e os

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estados místicos. O sistema Hemi-Sync envolve a física dorecrutamento de ondas cerebrais ressonantes, o seurelacionamento com a psicologia da consciência perceptiva ecomportamental, e a fisiologia básica da consciência.

Na minha jornada de aprendizado depois do coma, osistema Hemi-Sync me ofereceu meios de desativar a funçãode filtragem do cérebro físico, paralisando a atividadeelétrica do neocórtex (assim como a meningite deve terfeito), para liberar minha consciência fora do corpo. Acreditoque esse método me possibilitou voltar a uma região similaràquela que visitei no coma profundo, mas sem ter que estargravemente doente. Porém, da mesma forma que aconteciacom meus sonhos de infância, em que estava voando, esse éum processo de facilitação da viagem – se eu tentar forçá-lo,refletir muito sobre ele ou controlá-lo demais, deixa defuncionar.

Minha consciência é, ao mesmo tempo, individual eunificada com o Universo, da mesma maneira que asfronteiras do que vivencio como meu “eu” às vezes secontraem e às vezes se expandem para incluir tudo o queexiste no Universo. Na minha viagem além do corpo, aruptura entre meu eu individual e o ambiente à minha voltafoi tão profunda que eu me tornei o Universo inteiro.

Mesmo que minha consciência se identificasse com tudo ecom o infinito, eu sentia que não podia me tornar

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completamente uno com o Criador e a origem de tudo oque existe. No Núcleo da unidade mais infinita, ainda haviaaquela dualidade. É possível, no entanto, que essa aparentedualidade seja simplesmente o resultado de tentar transporessa consciência para a nossa dimensão.

Nunca ouvi a voz de Om diretamente, nem vi Sua face. Eracomo se Ele falasse comigo por meio de pensamentos queeram como ondas fluindo através de mim, chacoalhandotudo à minha volta e mostrando que há um nível maisprofundo de existência – um nível que inclui todos nós,mesmo que não tenhamos consciência disso.

Logo, eu estava me comunicando diretamente com Deus?Com certeza. Falando desse jeito parece pretensioso, masenquanto estava acontecendo eu não senti dessa forma. Aocontrário, senti como se estivesse fazendo o que todas asalmas são capazes de fazer quando deixam o corpo – e o quepodemos fazer agora por meio da oração e da meditação.

Comunicar-se com Deus é a experiência mais maravilhosaque alguém pode imaginar, mas, ao mesmo tempo, é a maisnatural de todas, porque Deus está presente em nós otempo todo. Onisciente, onipresente, pessoal – e nosamando incondicionalmente. Nós somos todos Um porcausa do nosso elo com Deus.

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* Desse total, 70% é composto de “energia escura”, umaforça misteriosa descoberta por astrônomos emmeados dos anos 1990, quando eles encontraramprovas incontestáveis, baseadas nas supernovas tipo Ia,de que a expansão do cosmos está acelerando. Osoutros 26% são “matéria escura”, um fenômenogravitacional revelado nas últimas décadas através daobservação da rotação das galáxias e dos aglomeradosestelares abertos. As explicações têm sido dadas, mas osmistérios do além nunca terminarão.

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E

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UM ÚLTIMO DILEMA

Eu preciso estar disposto a desistir do que soupara me tornar o que serei.

– Albert Einstein (1879-1955)

instein foi um dos meus primeiros ídolos do meiocientífico e a citação acima sempre foi uma das minhas

favoritas. Mas só agora eu entendi o que essas palavrasrealmente significam. Por mais louco que soasse cada vezque eu contava minha história para meus colegas – e não eradifícil perceber suas expressões de espanto e inquietaçãodiante do relato –, eu sabia que estava contando uma coisaque tinha valor científico genuíno, algo que abria as portasda percepção para um novo mundo de compreensãocientífica. Uma reflexão que elevava a consciência à condiçãode maior entidade de toda a existência.

Mas uma ocorrência comum às experiências de quasemorte não tinha acontecido comigo. Melhor dizendo, havia

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um pequeno grupo de experiências pelas quais eu não haviapassado, e tudo por causa de um único fato: eu não melembrava da minha identidade terrena.

Embora nenhuma EQM seja igual a outra, eu descobriranas minhas leituras pós-coma que há uma lista decaracterísticas que muitas compartilham. Uma delas é oencontro em espírito com uma ou mais pessoas falecidasque os pacientes conheceram em vida. Não encontrei por lánenhum conhecido. Mas esse aspecto da viagem não meincomodou muito, pois eu já havia descoberto que oesquecimento da minha identidade era o que mepossibilitara “ir mais longe” do que muitos outros. Portanto,não tenho nada a reclamar quanto a isso.

O que me incomodava era que havia uma pessoa que euadoraria ter encontrado. Meu pai morrera quatro anos antesde eu entrar em coma. Ele sabia como eu lamentava não terconseguido chegar aos seus pés, então por que ele nãoestava lá para me consolar e me dizer que estava tudo bem?Sem dúvida, conforto era o que os familiares e amigos dospacientes em coma mais tentavam transmitir. Eu ansiava porisso. E mais uma vez não o tinha recebido.

Não que eu não tivesse recebido palavras de consolodurante minha experiência. Recebi, e muito, da menina nasasas de borboleta. No entanto, por mais maravilhosa eangelical que ela fosse, não era alguém que eu conhecia. Por

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tê-la visto todas as vezes em que entrava naquele vale idílico,eu me lembro perfeitamente do rosto dela – a ponto de tercerteza de nunca tê-la visto antes. E, para a maioria daspessoas que vive uma EQM, o encontro com algum amigoou familiar da Terra é o que mais deixa marcas após aexperiência.

Por mais que eu tentasse minimizar essa frustração, essedetalhe colocou um elemento de dúvida nas minhasreflexões sobre o significado de tudo aquilo. Não que euduvidasse do que havia acontecido comigo. Isso era tãoimpossível quanto duvidar de que eu estava casado comHolley e que amava meus filhos. Mas o fato de ter viajadopara o além sem encontrar meu pai, mas encontrar, em vezdisso, uma garota desconhecida, ainda me perturbava.

Devido aos fortes laços emocionais que me ligavam àminha família, minha baixa autoestima por ter sidoabandonado ainda bebê sempre aflorava. Por que, então,aquela mensagem tão importante – de que eu era amado,que nunca seria desprezado – não podia ser transmitida poralguém que eu conhecia? Alguém como... meu pai?

Sim, porque, no fundo, o sentimento de ter sido “jogadofora” foi o meu estado de espírito durante toda a vida –apesar do empenho da minha família adotiva para curar essatristeza com amor. Meu pai sempre me aconselhou a nãoficar pensando no que acontecera comigo antes de ser

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“escolhido” por eles. Papai afirmava que eu não conseguiriame lembrar de nada, porque era muito pequeno. Mas eleestava errado. A experiência de quase morte tinha meconvencido de que existe em nós uma parte secreta quegrava todos os instantes da vida terrena, e que esse processocomeça no momento em que chegamos a este mundo.Portanto, em um nível precognitivo eu sempre soube quehavia sido abandonado – e lutava intensamente paraperdoar isso.

Por causa desse fato, uma voz inquietante ficava ecoandodentro de mim. Uma voz que insistia em me dizer que,apesar de toda a perfeição e encanto, alguma coisa tinhafaltado na minha EQM, que alguma coisa havia ficado “defora” da experiência.

Em resumo, uma parte de mim ainda duvidava daautenticidade da minha viagem durante o coma, e, porconseguinte, da existência daquela dimensão. Para esta partede mim, a experiência continuava a “não fazer sentido” doponto de vista científico. E essa dúvida começou a ameaçartodo o novo paradigma que, aos poucos, eu estavaconstruindo.

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Q

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A FOTOGRAFIA

A gratidão não é somente a maior das virtudes,mas a origem de todas as outras.

– Cícero (106-43 a.C.)

uatro meses depois da minha saída do hospital, Kathy,minha irmã biológica, finalmente me enviou uma foto

de Betsy, minha irmã que falecera. Eu estava no quarto,onde tudo começou, e abri o envelope que chegara peloscorreios. Encontrei uma fotografia colorida da irmã que eununca havia conhecido. Ela estava no cais de Balboa Island,próximo de onde ela morava, com um belo pôr do sol aofundo. Betsy tinha um longo cabelo castanho e olhos azuisbem profundos, e seu sorriso, que irradiava amor ebondade, pareceu me atingir em cheio, fazendo meu coraçãose inflamar e se condoer ao mesmo tempo.

Kathy prendeu na foto um poema escrito por David M.Romano, em 1993, que se intitulava “Quando o amanhã

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começar sem mim”.

Quando o amanhã começar sem mim,E eu não estiver lá para ver,Se o sol nascer e encontrar seus olhosCheios de lágrimas por mim,Eu gostaria que você não chorasseDa maneira que chorou hoje,Enquanto pensava nas muitas coisasQue deixamos de dizer.Sei quanto você me ama,E quanto amo você,E cada vez que você pensa em mim,Sei que sente a minha falta.Mas quando o amanhã começar sem mim,Por favor, tente entenderQue um anjo veio e chamou meu nome,Tomou-me pela mãoE disse que meu lugar estava prontoNas moradas celestiaisE que eu tinha de deixar para trásTodos os que eu tanto amava.Mas quando me virei para ir emboraUma lágrima escorreu-me pela facePor toda a vida eu pensei

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Que não queria morrer.Eu tinha tanto para viver,Tanta coisa por fazer,E pareceu quase impossívelQue eu estivesse indo sem você.

Pensei em nossos dias passados,Nos dias bons e nos dias ruins,Em todo o amor que vivemos,Em toda a alegria que tivemos.Se eu pudesse reviver o ontemAinda que só por um instante,Eu diria adeus e lhe daria um beijoE talvez visse você sorrir.Só então descobriQue isso não aconteceria,Pois o vazio e as lembrançasOcupariam meu lugar.Quando pensei nas coisas deste mundoVi que posso não voltar amanhã,Então pensei em vocêE meu coração se encheu de dor.Mas quando cruzei os portões do céuEu me senti em casaQuando Deus olhou para mim e sorriu

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De seu grande trono dourado,Ele disse: “Isto é a eternidadeE tudo o que lhe prometi.Agora sua vida na Terra é passadoMas aqui uma vida nova começa.Eu prometo que não haverá amanhã,Mas que o hoje durará para sempre.E como todos os dias serão iguais,Não haverá saudades do passado.Você foi tão fielTão confiável e verdadeiro,Embora tivesse feito coisasQue sabia que não deveria.Mas você foi perdoadoE agora finalmente está livre.Então que tal me dar a mãoE compartilhar da minha vida?”Logo, quando o amanhã começar sem mim,Não pense que estamos separados,Pois todas as vezes que pensar em mim,Eu estarei dentro do coração.

Meus olhos estavam turvos quando coloquei a fotocuidadosamente na penteadeira de Holley e continuei acontemplá-la. Betsy me parecia assombrosamente familiar.

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E é claro que éramos parecidos, afinal, éramos irmãos desangue e compartilhávamos mais DNA entre nós do quecom qualquer outra pessoa no planeta, exceto com nossasduas outras irmãs biológicas. Mesmo sem jamais termos nosencontrado, Betsy e eu estávamos profundamente ligados.

Na manhã seguinte, eu estava em meu quarto lendo Amorte: um amanhecer, de Elisabeth Kübler-Ross, quandoencontrei a história de uma menina de 12 anos que passoupela EQM e, a princípio, não contou a seus pais. Com otempo, ela não aguentou mais guardar esse segredo erevelou suas experiências ao pai. Ela contou que viajou poruma paisagem incrível repleta de amor e beleza e que foiacolhida e consolada por seu irmão. “O único problema éque eu não tenho um irmão”, disse ela.

Então seu pai começou a chorar. E confessou que ela teve,sim, um irmão, mas que ele morrera três meses antes de elater nascido.

Interrompi a leitura. Por um instante, fui transportadopara um espaço deslumbrante e estranho, onde não pensavaem nada, apenas absorvia alguma coisa... Algumpensamento que estava na margem da minha consciência,mas que não tinha irrompido.

Então meus olhos viajaram para a estante e para a fotoque Kathy tinha me mandado. A foto da irmã que eu nuncaconhecera. A quem eu conhecia apenas pelas histórias que

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minha família biológica contara, sobre como ela havia sidouma pessoa imensamente bondosa e carinhosa. Uma pessoatão especial que mais parecia um anjo.

Sem o vestido azul-anil, sem a luz celestial do Portal que acircundava enquanto ela se sentava sobre as belas asas deborboleta, não era fácil reconhecê-la de primeira. Mas issoera normal. Eu tinha visto seu “eu celestial”– aquele que viveacima deste domínio terreno.

Mas agora não havia dúvidas. Aquele riso amoroso, osemblante infinitamente calmo e confortador, os olhos azuisradiantes.

Era ela.Por um instante, os dois mundos se encontraram. O meu

mundo aqui na Terra, onde eu era médico, pai e marido. E omeu mundo lá fora – um mundo tão amplo que se vocêviaja nele perde sua identidade terrena e se torna uma parteintegrante do cosmos, daquela escuridão encharcada deDeus e repleta de amor.

Naquele momento, no meu quarto, em uma manhãchuvosa de terça-feira, os mundos mais elevado e mais baixose uniram. Ver aquela foto me fez sentir como o menino deum conto de fadas que viaja para outra dimensão e, quandoretorna, conclui que tudo não passou de um sonho – atédescobrir em seu bolso um punhado cintilante de terramágica do longínquo reino onde estivera.

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Quanto mais eu tentava negar isso, mais o conflito cresciadentro de mim. Era uma luta entre a parte da minha menteque tinha estado fora do corpo e o médico curador quepassara a vida se dedicando à ciência. Eu olhava para o rostoda minha irmã e do meu anjo e sabia – agora eu sabia – queambos eram a mesma pessoa. Eu precisava retomar o meupapel como cientista, mas também precisava abraçar meupapel como sujeito de uma jornada extraordinária, muitoimportante e muito real, para perto de Deus. E isso não eraimportante por minha causa, mas por causa dos detalhesconvincentes e desconcertantes que estavam por trás daexperiência. A EQM tinha curado minha alma partida. Elame fez ter certeza de que sempre fui amado e me mostrouque absolutamente todos no Universo também são. E tudotinha acontecido enquanto meu corpo físico estava em umestado no qual, pelos parâmetros da medicina, teria sidoimpossível experimentar qualquer coisa.

Sei que haverá pessoas que desejarão invalidar minhaexperiência e que muitos simplesmente a descartarão por serecusarem a aceitar que minha história tenha algum valor“científico” – que seja alguma coisa mais do que um sonhofebril e delirante.

Mas eu enxergo além. E tanto para o bem dos que estãoaqui na Terra quanto daqueles que encontrei na outradimensão, vejo isso como meu trabalho – como cientista, e,

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portanto, um buscador da verdade, e como médicodevotado a ajudar e curar – para que o maior númeropossível de pessoas saiba que o que experimentei fora docorpo é verdadeiro, real e transformador. Não apenas paramim, mas para todos nós.

A minha jornada não foi só sobre o amor, mas foitambém sobre quem somos, sobre como estamos todosconectados e sobre o sentido da existência. Aprendi quem euera quando estive lá e, ao voltar, descobri que os últimoselos perdidos sobre quem eu era foram encontrados.

Você é amado. Essas eram as palavras que eu precisavaouvir quase como um órfão, como uma criança que foraabandonada. Mas é também o que todos nós necessitamosescutar, porque em se tratando de quem realmente somos,de onde realmente viemos e de para onde realmente vamos,todos nos sentimos (equivocadamente) como órfãos. Semrecuperar a memória de nossa ampla conexão e do amorincondicional do Criador, sempre nos sentiremos perdidosnesta terra.

Portanto, aqui estou. Ainda sou cientista, ainda soumédico e, como tal, tenho duas obrigações essenciais: honrara verdade e ajudar a curar. Isso significa contar a minhahistória. Uma história que, à medida que o tempo passa,tenho mais certeza de que aconteceu por uma razão. Nãoporque eu seja alguém especial, mas apenas porque eu

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reunia duas realidades conflitantes. Juntas, no entanto, elasconfrontam as últimas tentativas da ciência de dizer aomundo que a dimensão material é a única que existe e que aconsciência ou espírito não é o principal mistério doUniverso.

Eu sou uma prova viva desse grande mistério.

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ANEXO A

Depoimento de Scott Wade, médico infectologista

Como especialista em doenças infecciosas, fui chamadopara examinar o Dr. Eben Alexander quando ele foi trazidoao hospital em 10 de novembro de 2008, tendo sidodiagnosticado com uma meningite bacteriana. O Dr.Alexander adoeceu rapidamente com sintomas parecidoscom os de uma gripe, dor nas costas e dor de cabeça. Foitransferido para a emergência, onde foram feitas umatomografia computadorizada do crânio e uma punçãolombar, cujo resultado indicou uma meningite gram-negativa. Imediatamente, ele foi medicado com antibióticosintravenosos específicos e colocado num respirador devido àsua situação crítica.

Vinte e quatro horas depois, a bactéria gram-negativa nolíquido cefalorraquidiano foi confirmada como sendoEscherichia coli. Ainda que relativamente comum em bebês,a meningite causada por E. coli é raríssima em adultos (aincidência é de menos de um caso em cada 10 milhões depessoas anualmente nos Estados Unidos), sobretudo

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quando não sofreram lesões na cabeça, não passaram porneurocirurgia nem apresentaram problemas subjacentescomo diabetes. Dr. Alexander era uma pessoa muitosaudável na ocasião e não foi identificada nenhuma causaprovável para essa meningite.

A taxa de mortalidade para meningite gram-negativa emcrianças e adultos varia de 40% a 80%. Dr. Alexander chegouao hospital tendo convulsões e com um estado mentalnitidamente alterado, sendo ambos os sintomas fatores derisco para complicações neurológicas ou óbito (mortalidadeacima de 90%). Apesar do tratamento com antibióticosagressivos para combater a doença, além de cuidadosmédicos permanentes na unidade de terapia intensiva, elepermaneceu em coma por seis dias, após os quais aesperança por uma recuperação se esvaiu (probabilidade demorte acima de 97%).

Porém, na manhã do sétimo dia, o milagre aconteceu –seus olhos se abriram e ele despertou do coma. O fato de oDr. Eben ter se restabelecido de todo, após ter ficado emcoma por uma semana, é verdadeiramente impressionante.

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ANEXO B

Hipóteses neurocientíficas que levei em contapara explicar minha experiência

Ao analisar minhas recordações com vários outrosneurocirurgiões e cientistas, aventei diversas hipóteses quepoderiam justificar minhas lembranças. Mas, indo direto aoponto, nenhuma delas foi capaz de explicar a rica, intensa ecomplexa interatividade das minhas experiências com oPortal e com o Núcleo (a “ultrarrealidade”). Essas hipótesesincluíram:

1. Uma programação primitiva do tronco encefálico paraaliviar a dor e o sofrimento terminal (um “argumentoevolutivo” – talvez um resquício das estratégias de“morte de mentira” de mamíferos inferiores?). Issonão explica a natureza intensa e interativa das minhasrecordações.

2. A evocação distorcida de lembranças vindas das partesmais profundas do sistema límbico (por exemplo, a

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amígdala lateral), que são recobertas por tecidocerebral suficiente para deixá-las relativamenteprotegidas da inflamação das meninges, que acontecesobretudo na superfície do cérebro. Isso não explica anatureza intensa e demasiado interativa das minhaslembranças.

3. Bloqueio endógeno de transmissão glutamatérgicacom a excitotoxicidade, imitando o anestésicoalucinógeno cetamina (hipótese algumas vezes utilizadapara explicar a EQM de maneira geral). Eu mesmotestemunhei os efeitos da cetamina usada como umanestésico no início da minha carreira comoneurocirurgião na faculdade de medicina de Harvard.O estado alucinatório que essa droga produzia eracaótico e desagradável, e sem nenhuma semelhançacom a minha experiência no coma.

4. Liberação de grandes quantidades de N,N-dimetiltriptamina (DMT) pela glândula pineal ou emalguma outra parte do cérebro. A DMT, um agonistanatural de serotonina (que age especificamente sobrereceptores 5-HT1A, 5HT2A e 5HT2C), provocaalucinações intensas e um estado onírico. Tiveexperiências pessoais com drogas agonistas e

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antagonistas de serotonina, como o LSD e a mescalina,na minha juventude nos anos 1970. Nunca usei DMT,mas vi pacientes sob o efeito dessa substância. Oultrarrealismo que vivenciei requereria um neocórtexvisual e auditivo bastante intacto para gerar asexperiências audiovisuais ricas que eu tive durante ocoma. Mas o coma devido à meningite bacterianadanificou gravemente o meu neocórtex, que é ondetoda a serotonina vinda do núcleo da rafe, no troncoencefálico (ou a DMT), teria tido efeitos sobre aexperiência visual e auditiva. Com meu córtexapagado, a DMT não teria um local no cérebro ondeatuar. Assim, essa hipótese fracassou com base naincompatibilidade entre a riqueza de detalhes da minhaexperiência audiovisual e a ausência de um córtexsobre o qual a DMT pudesse atuar.

5. A preservação de regiões corticais isoladas poderiaexplicar algumas das minhas experiências, mas isso eramuito improvável devido à gravidade da minhameningite e à sua resistência ao tratamento duranteuma semana. Eu tinha mais de 27.000 glóbulos brancosperiféricos por mm³, dos quais 31% de neutrófilosimaturos com granulações tóxicas; mais de 4.300glóbulos brancos por mm3, 1,0 mg/dl de glicose, e

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1.340 mg/dl de proteína no líquido cefalorraquidiano;comprometimento difuso da meninge comanormalidades associadas no cérebro, segundo atomografia computadorizada, e, por fim, alteraçõesgraves da função do córtex e da mobilidadeextraocular, segundo exames neurológicos, indicativosde danos no tronco encefálico.

6. Para explicar a “ultrarrealidade” da experiência,também sondei esta hipótese: seria possível que redesde neurônios inibitórios pudessem ter sidopredominantemente afetadas, proporcionando altosníveis de atividade entre redes neuronais excitatóriaspara produzir o aparente “ultrarrealismo” da minhaexperiência? Espera-se que a meningite causedistúrbios prioritariamente no córtex superficial,deixando as camadas mais profundas parcialmenteativas. A unidade computacional do neocórtex é a“coluna funcional” de seis camadas, cada uma comdiâmetro lateral de 0,2-0,3mm. Existe um númerosignificativo de conexões laterais entre colunasimediatamente adjacentes que trazem sinaismodulatórios sobretudo de regiões subcorticais (otálamo, núcleos da base e tronco encefálico). Cadacoluna funcional tem um componente na superfície

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(camadas 1-3), de forma que a meningite perturba afunção de cada coluna ao danificar as camadas dasuperfície do córtex. A distribuição anatômica dascélulas inibitórias e excitatórias, bastante equilibrada aolongo das seis camadas, inviabiliza essa hipótese. Ameningite difusa sobre a superfície do cérebroincapacita o neocórtex por completo devido a essaarquitetura colunar. Mesmo assim, uma destruiçãocompleta seria desnecessária para que houvesse umcomprometimento funcional total. Dado o cursoprolongado (por sete dias) do meu comprometimentoneurológico e a gravidade da infecção, é improvávelque mesmo as camadas mais profundas do córtexainda estivessem funcionando.

7. O tálamo, os núcleos da base e o tronco encefálico sãoestruturas cerebrais mais profundas (“regiõessubcorticais”) que alguns colegas postulam quepoderiam ter contribuído para a origem de taisexperiências hiperreais. Na verdade, nenhuma dessasestruturas poderia desempenhar qualquer um dessespapéis sem que ao menos algumas regiões doneocórtex estivessem intactas. Todos nósconcordamos, no final, que essas estruturassubcorticais, por si sós, não poderiam dar conta das

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computações neurais intensas que uma riquíssimaexperiência interativa teria exigido.

8. Cogitei o “fenômeno de reinicialização”, uma evocaçãoaleatória de memórias dispersas devido a lembrançasantigas do neocórtex danificado, que pode ocorrer noretorno do córtex à consciência depois de uma falhaprolongada no sistema, como na meningite difusa quesofri. Principalmente devido à sofisticação das minhasrecordações, isso parece muito improvável.

9. Uma geração extraordinária de memória por meio devias visuais evolutivamente antigas no mesencéfalo,usada predominantemente nos pássaros e identificadamuito raramente em seres humanos. Isto pode serdemonstrado em humanos que são corticalmentecegos, devido a um dano no córtex occipital. Mas nãoexplica a ultrarrealidade que vivenciei, além de nãocontemplar o entrosamento audiovisual das minhasexperiências.

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ETERNEA

A experiência de quase morte por que passei me inspiroua ajudar a fazer deste mundo um lugar melhor para todos, eEternea – uma organização sem fins lucrativos que fundeicom meu amigo John R. Audette – é o veículo que escolhipara realizar essa mudança.

A missão da Eternea é incentivar a pesquisa e os projetosque envolvam experiências espiritualmentetransformadoras, assim como a relação entre a consciência ea realidade física. Trata-se de um esforço para colocar emprática as descobertas feitas a partir das EQMs e reunirensinamentos de todos os outros tipos de experiênciasespirituais.

Ace s s e www.eternea.org para estimular seu própriodespertar espiritual, compartilhar histórias sobreexperiências espirituais que você teve ou mesmo buscarajuda se estiver sofrendo pela perda de um ente querido.Eternea também oferece subsídios valiosos para cientistas,acadêmicos, teólogos e religiosos que estejam interessadosnesse campo de estudo.

Eben Alexander, M.D.Lynchburg, Virginia (EUA)

10 de julho de 2012

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, em primeiro lugar, à minha famíliaquerida por ter estado tão próxima no momento maissofrido dessa experiência, enquanto estive em coma. AHolley, minha esposa há mais de 30 anos, e a nossos filhosmaravilhosos Eben IV e Bond, que tiveram um papelfundamental para me trazer de volta, e para que eucompreendesse a minha experiência. Também como partede minha família querida, incluo nestes agradecimentosmeus amados pais Betty e Eben Alexander Jr., e minhasirmãs Jean, Betsy e Phyllis, que fizeram o pacto de (juntocom Holley, Bond e Eben IV) segurar minha mão em umacorrente de 24 horas, durante os 7 dias em que estive emcoma, garantindo que nunca me faltasse o toque de seuamor. Betsy e Phyllis fizeram papel de sentinela ao passarvárias noites acordadas comigo durante o clímax da minhapsicose da UTI (quando eu não dormia nunca) e naquelesprimeiros dias e noites tensos depois que fui transferidopara a Unidade Intermediária de Neurociência. Peggy Dale(irmã de Holley) e Sylvia White (amiga de Holley há 30 anos)também participaram da vigília permanente no meu quartoda UTI. Eu não teria voltado do coma sem o esforçoamoroso dessa gente. Para Dayton e Jack Slye que ficaram

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sem a sua mãe Phyllis enquanto ela estava comigo. Holley,Eben IV, mamãe e Phyllis também me ajudaram a editar eavaliar minha história.

Agradeço à minha família biológica, e em especial à minhairmã que partiu, também chamada Betsy, a qual nuncaencontrei nesta vida.

Aos meus médicos, competentes e abençoados noHospital Geral de Lynchburg, principalmente os doutoresScott Wade, Robert Brennan, Laura Potter, Michael Milam,Charlie Joseph, Sarah e Tim Hellewell, e muitos outros.

Às extraordinárias enfermeiras e funcionárias do hospital:Rhae Newbill, Lisa Flowers, Dana Andrews, MarthaVesterlund, Deanna Tomlin, Valerie Walters, JaniceSonowski, Molly Mannis, Diane Newman, Joanne Robinson,Janet Phillips, Christina Costello, Larry Bowen, Robin Price,Amanda Decoursey, Brooke Reynolds e Erica Stalkner. Euestava em coma e recolhi estes nomes com minha família,portanto, me perdoe se você me assistiu e eu omiti seunome.

Aos amados pastor Michael Sullivan e Susan Reintjes, quetiveram papel fundamental em meu retorno.

John Audette, Raymond Moody, Bill Guggenheim e KenRing, pioneiros da comunidade de quase morte, cujainfluência sobre mim tem sido incomensurável (semmencionar a assistência editorial excelente de Bill).

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Aos mentores e líderes do movimento “VirginiaConsciousness”, como os Drs. Bruce Greyson, Ed Kelly,Emily Williams Kelly, Jim Tucker, Ross Dunseath e Bob Vande Castle.

À minha agente literária enviada por Deus, Gail Ross, eseus maravilhosos sócios Howard Yoon e outros na AgênciaRoss Yoon.

A Ptolemy Tompkins, por suas contribuições acadêmicassobre o pós-morte, e por seu talento especial de redator eeditor que foi usado para adaptar as minhas experiênciaspara um livro, sempre com respeito máximo por elas.

A Priscilla Painton, vice-presidente e editora-executiva, eJonathan Karp, vice-presidente executivo e editor na Simon& Schuster, pela visão e paixão extraordinárias de tentarfazer deste mundo um lugar muito melhor.

A Marvin e Terre Hamlisch, amigos maravilhosos, cujoentusiasmo e dedicação constantes me ajudaram aatravessar um momento difícil.

A Terri Beaver e Margaretta McIlvaine por sua admirávelponte entre a cura e a espiritualidade.

A Karin Newell por compartilhar suas pesquisas eensinamentos sobre consciência profunda e como “Ser oamor que você é”, e aos outros operadores de milagre doInstituto Monroe, em Faber, na Virgínia, especialmente aRobert Monroe pela busca incessante do que é, e não

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somente do que deveria ser; a Carol Sabick de la Herran eKaren Malik, que me procuraram; e a Paul Rademacher eSkip Atwater, que me receberam tão bem naquelacomunidade generosa nas montanhas etéreas da Virgínia.Também a Kevin Kossi, Patty Avalon, Penny Holmes, Joe eNancy “Scooter” McMoneagle, Scott Taylor, Cindy Johnston,Amy Hardie, Loris Adams, e todos os meus camaradasViajantes do Portal no Instituto Monroe com quem conviviem fevereiro de 2011, aos meus facilitadores (CharleeneNicely, Rob Sandstrom, e Andrea Berger) e aos camaradasparticipantes da Lifeline (e facilitadores Franceen King e JoeGallenberger) em julho de 2011.

Aos meus amigos e críticos, Jay Gainsboro, JudsonNewbern, Dr. Allan Hamilton e Kitch Carter, que leram asversões originais e se solidarizaram com meudesapontamento por não conseguir harmonizar a minhaexperiência espiritual com a neurociência. Judson e Allanforam esplêndidos ao me ajudarem a reconhecer aautenticidade e o valor da minha experiência sob o ponto devista cético/científico, e Jay, da mesma forma, sob o ponto devista místico/científico.

Aos meus camaradas exploradores da consciênciaprofunda e da Unidade, como Elke Siller Macartney e JimMacartney.

Às minhas companheiras de experiências de quase morte,

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Andrea Curewitz, por seus excelentes conselhos editoriais, eCarolyn Tyler, por sua carinhosa orientação do meuentendimento.

A Blitz e Heidi James, Susan Carrington, Mary Horner,Mimi Sykes e Nancy Clark, cuja fé e coragem diante da perdaincomensurável me ajudaram a valorizar meu dom.

A Janet Sussman, Martha Harbison, Shobhan (Rick) eDanna Faulds, Sandra Glickman, e Sharif Abdullah, parceirosde viagem que conheci em 11/11/2011, por termoscompartilhado juntos as sete visões de um brilhante futuropara toda a humanidade.

Tenho muitas outras pessoas a agradecer, inclusive osmuitos amigos que durante o meu período mais difícilcompareceram com atitudes, orações e conselhos queajudaram minha família, e posteriormente me ajudaram acontar esta história: Judy e Dickie Stowers, Susan Carrington,Jackie e Dr. Ron Hill, Drs. Mac McCrary e George Hurt,Joanna e Dr. Walter Beverly, Catherine e Wesley Robinson,Bill e Patty Wilson, DeWitt e Jeff Kierstead, Toby Beavers,Mike e Linda Milam, Heidi Baldwin, Mary Brockman, Karene George Lupton, Norm e Paige Darden, Geisel e Kevin Nye,Joe e Betty Mullen, Buster e Lynn Walker, Susan Whitehead,Jeff Horsley, Clara Bell, Courtney e Johnny Alford, Gilson eDodge Lincoln, Liz Smith, Sophia Cody, Lone Jensen,Suzanne e Steve Johnson, Copey Hanes, Bob e Stephanie

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Sullivan, Diane e Todd Vie, Colby Proffitt, e às famíliasTaylor, Reams, Tatom, Heppner, Sullivan e Moore – emuitas outras.

A Deus, minha gratidão especial e infinita.

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CONHEÇA OUTROS TÍTULOS DA EDITORA SEXTANTE

Muitas vidas, muitos mestresBrian Weiss

Com mais de 2 milhões de exemplares vendidos no

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mundo, Muitas vidas, muitos mestres se tornou um marco aocontar uma história real que mais parece ficção: um médicode renome que coloca sua carreira em jogo ao se ver diantede evidências de reencarnação.

Psiquiatra e pesquisador consagrado, o Dr. Brian Weissviu suas crenças e sua carreira virarem pelo avesso ao tratarde Catherine, uma paciente com fobias e ataques deansiedade. Durante uma sessão de hipnose, ela falou detraumas sofridos em vidas passadas que pareciam ser aorigem se seus problemas.

Cético, o Dr. Weiss não acreditou no que estavapresenciando até que Catherine começou a narrar fatos davida dele que ela jamais poderia conhecer e a transmitirmensagens de espíritos altamente desenvolvidos – osMestres – sobre a vida e a morte.

Transformado por essa experiência, ele supreendeu acomunidade científica ao publicar esse livro que demonstra opotencial curativo da terapia de vidas passadas, tornando-sea referência mundial nesse tipo de tratamento.

Para muitos, a maior contribuição de Muitas vidas, muitosmestres foi apresentar os princípios da reencarnação amilhões de pessoas que, por falta de oportunidade ou porpreconceito, nunca teriam acesso a essa rica etransformadora filosofia espiritual.

Emocionante e inspirador, esse livro já ajudou pessoas de

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todo o mundo a superar a dor de suas perdas e a adquiriruma nova compreensão da vida e da morte.

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Laços de amor eternoJames Van Praagh

Perder um filho é a experiência mais devastadora pela qualum ser humano pode passar. A dor parece interminável emuitas vezes a vida perde o sentido. Desesperados,perguntamos a Deus por que Ele foi capaz de tirar a vida de

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uma criança inocente.Em seu livro mais comovente, o renomado médium James

Van Praagh lança uma luz transformadora sobre os planosque estão por trás da morte de um ente querido e revela atrajetória das almas na volta para seu lar no céu.

Laços de amor eterno nos ajuda a transpor o vão quesepara o mundo material do espiritual e apresenta históriasinspiradoras de pessoas que conseguiram transformar a dorda perda em crescimento pessoal e espiritual ao se livraremda culpa e praticarem o perdão.

Tendo se dedicado nos últimos 30 anos a ajudar as pessoasa entrar em contato com entes queridos que já se foram,Van Praagh busca agora minimizar a dor de quem enfrenta atragédia da morte de um filho, tenha ela sido causada pordoença, acidente, assassinato, desastres naturais ou suicídio.

Esse livro vai responder a seus questionamentos maisprofundos sobre o porquê de vidas tão promissoras seremprecocemente interrompidas. Mais do que isso, ele revelaque os laços de amor que unem pais e filhos são criados naeternidade, e nem mesmo a morte é capaz de destruí-los.

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Espíritos entre nósJames Van Praagh

A maioria das pessoas sente uma mistura de medo efascínio quando ouve histórias de espíritos. Talvez essaatração venha do fato de que muitos de nós já passamos poralguma experiência que não conseguimos explicar: ouvimos

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passos, tivemos a sensação de que estávamos sendoobservados, vimos vultos.

Na verdade, o que motiva tanto o medo quanto o fascínioé a nossa eterna busca pela resposta de um dos grandesmistérios da existência: o que acontece depois da morte?

Com o dom de ver, ouvir e sentir a presença dos espíritosdesde criança, James Van Praagh dedicou toda a sua vida acompreender o mundo invisível e a explicar para as pessoaso que realmente acontece depois que deixamos o nossocorpo.

Profundamente transformador, Espíritos entre nósapresenta histórias reais de encontros de pessoas que já seforam com os parentes que deixaram na Terra, trazendoalento e conforto ao demonstrar que a vida e os laços deamor continuam existindo, com a mesma intensidade,mesmo depois da morte.

Com mais de 400 mil livros vendidos no Brasil, o autor deConversando com os espíritos e co-produtor da série GhostWhisperer ensina técnicas e exercícios para nos ajudar areconhecer os sinais que os espíritos nos enviam, a tomarconsciência da energia que nos cerca e a entrar em contatocom o outro lado.

Com a ajuda de Van Praagh, nossas angústias sãoconvertidas em conhecimento e inspiração, o que nos fazabrir os olhos e o coração para compreender os mistérios da

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vida e desvendar os segredos da morte.

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Ciência x EspiritualidadeDeepak Chopra e Leonard Mlodinow

Dois consagrados autores encontram-se num programade TV para um apaixonado debate sobre o “Futuro deDeus”: Deepak Chopra e Leonard Mlodinow.

Eles representam visões de mundo muito distintas. Para o

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primeiro, a realidade existe numa consciência que antecede avida no Universo; o segundo acredita que só a física podeexplicar a criação do cosmo. Um defende a espiritualidade, ooutro, a ciência. Este livro é o resultado desse fantásticodiálogo.

Qual dos pontos de vista está correto? Para descobrir isso,Ciência x Espiritualidade aprofunda o choque das duasperspectivas em torno de quatro questões fundamentais: oUniverso físico, a vida, o cérebro humano e Deus.

Num diálogo sobretudo cordial e respeitoso, cada autor dásua resposta. A extraordinária reunião de suasinterpretações promove, afinal, uma convergência de pontosde vista em nome do futuro da humanidade.

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CONHEÇA OS CLÁSSICOS DA EDITORA SEXTANTE

1.000 lugares para conhecer antes de morrer, de Patricia SchultzA História – A Bíblia contada como uma só história do começoao fim, de The Zondervan CorporationA última grande lição, de Mitch AlbomConversando com os espíritos e Espíritos entre nós, de JamesVan PraaghDesvendando os segredos da linguagem corporal e Por que oshomens fazem sexo e as mulheres fazem amor?, de Allan eBarbara PeaseEnquanto o amor não vem, de Iyanla VanzantFaça o que tem de ser feito, de Bob NelsonFora de série – Outliers, de Malcolm GladwellJesus, o maior psicólogo que já existiu, de Mark W. BakerMantenha o seu cérebro vivo, de Laurence Katz e ManningRubinMil dias em Veneza, de Marlena de BlasiMuitas vidas, muitos mestres, de Brian WeissNão tenha medo de ser chefe, de Bruce TulganNunca desista de seus sonhos e Pais brilhantes, professoresfascinantes, de Augusto CuryO monge e o executivo, de James C. Hunter

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O Poder do Agora, de Eckhart TolleO que toda mulher inteligente deve saber, de Steven Carter eJulia SokolOs segredos da mente milionária, de T. Harv EkerPor que os homens amam as mulheres poderosas?, de SherryArgovSalomão, o homem mais rico que já existiu, de Steven K. ScottTransformando suor em ouro, de Bernardinho

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