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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos ... · No direito romano, por exemplo, o consenso não bastava para o sur-gimento da obrigação6. Tratava-se de elemento

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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 65, nº 482, Dezembro de 2017.

Diretor: Elton José Donato

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ISSN 0103-3379

ANO 65 – DEZEMBRO DE 2017 – Nº 482

RepositóRio AutoRizAdo de JuRispRudênciASupremo Tribunal Federal: 03/85

Superior Tribunal de Justiça: 09/90Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

FundAdoR

Professor Angelito Asmus Aiquel

diRetoR executivo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

conselho editoRiAlAda Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich

Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro

Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel UstárrozDarci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite

Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy AndrighiFredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior

Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús GuedesJoão José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa TesheinerJosé Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas

Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme MarinoniLuiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena

Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto LôboRolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart

Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira

colAboRAdoRes destA ediçãoAna Paula Alves de Medeiros, Egon Augusto Telles, Gabriel Marques, Isabel Cristina Amaral de Sousa Rosso Nelson, João Carlos Leal Junior, Rafael Niebuhr Maia de Oliveira, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson,

Tiago Bitencourt de David

Sumário

Su

ri

o

Doutrinas

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

1. O Contrato: Consenso, Forma, Sinalagma e a Justa Consideração do OutroTiago Bitencourt de David ............................................................9

2. Da Construção Constitucional do Direito de FamíliaAna Paula Alves de Medeiros, Isabel Cristina Amaral de Sousa Rosso Nelson e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson ..................21

3. Tutela de Evidência e Abuso do Direito de DefesaJoão Carlos Leal Junior ................................................................51

Penal e ProCessual Penal

1. Noções Gerais e Compatibilidade da Delação Premiada Tipificada na Lei nº 12.850/2013 com os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa no Processo Penal BrasileiroRafael Niebuhr Maia de Oliveira, Egon Augusto Telles e Gabriel Marques ..........................................................................89

JurisprudênciaCivil, ProCessual Civil e ComerCial

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça .......................................................107

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................125

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .....................................135

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .....................................139

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ....147

Penal e ProCessual Penal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ..........................................................165

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................175

3. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .....................................189

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal .....................199

Índice Alfabético e Remissivo ...................................................221

EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos nas áreas cível e penal.

Doutrina Civil

O Juiz Tiago Bitencourt de David visa revelar a coordenação entre dife-rentes elementos que compõem a teoria contratual e que subjazem a dogmá-tica contratual. O desvelamento da tensão entre os diferentes componentes contratuais permite o conhecimento da racionalidade que sustenta o institu-to, bem como sua crítica, o que vem sendo obstado pelo encobrimento das bases econômicas, históricas e filosóficas e que resulta na obscuridade das razões pelas quais se deve ou não se deve cumprir o quanto ajustado pelas partes.

A Especialista Ana Paula Alves de Medeiros, a Doutora Isabel Cristina Amaral de Sousa Rosso Nelson e o Mestre Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson têm por escopo analisar a reconstrução da definição de família em face da constituição Federal de 1988. Com o neoconstitucionalismo, inter-penetraram-se os princípios constitucionais nas relações privadas (teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais), tendo a quebra do paradigma normativo no que tange ao direito de família. Afere-se que a base ontológica do direito de família encontra-se na essência dos direitos fundamentais, de-vendo a família ser o instrumento de concretização desses preceitos norma-tivos basilares. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de aná-lise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, tem por linha de fundo dissertar sobre o processo de construção normativa do direito de família a partir da Constitui-ção Federal de 1988.

O Mestre João Carlos Leal Junior fala sobre a morosidade do processo que decorre de causas diversas, tais como condutas dos litigantes, falta de recursos humanos suficientes nos Tribunais, elevado número de processos,

bem como em virtude da ineficiência do tradicional procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se superada antes da introdução da tutela ante-cipatória no revogado Código de Processo Civil (1973). Sendo o abuso do direito processual frequentemente observado na prática forense, o que viola a boa-fé e contribui para a demora do processo, neste estudo será analisado especificamente o abuso do direito de defesa e a possibilidade de concessão de tutela de evidência embasada em tal fundamento, com enfoque nos aspec-tos práticos e controvertidos sobre o tema.

Doutrina Penal

O Professor Rafael Niebuhr Maia de Oliveira e os graduandos Egon Augusto Telles e Gabriel Marques analisam os aspectos gerais do instituto da delação premiada prevista na Lei nº 12.850/2013, para, na sequência, em comparação com o texto constitucional, identificar se há alguma afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Por meio da pesquisa qualitativa e bibliográfica, utilizando-se do método indutivo, pode--se constatar que, nos moldes da atual legislação, a delação premiada não se compatibiliza com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não o possibilita acesso do delatado à íntegra do con-teúdo das delações, impossibilitando, por consequência, a contraprova do delatado.

Os Editores

Doutrina

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Cível

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O COntratO: COnsensO, FOrma, sinalagma e a Justa COnsideraçãO dO OutrO

Tiago BiTencourT de david

Juiz Federal Substituto – Terceira Região, Mestre em Direito (PUCRS), Especialista em Direito Processual Civil (UniRitter), Pós-

-Graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo/Espanha), Bacharel em Filosofia (Unisul).

O presente ensaio visa a revelar a coordenação entre diferentes elementos que compõem a teoria contratual e que subjazem a dogmática contratual. O desvelamento da tensão entre os diferentes componentes contratuais permite o conhecimento da racionalidade que sustenta o instituto, bem como sua crítica, o que vem sendo obstado pelo enco-brimento das bases econômicas, históricas e filosóficas e que resulta na obscuridade das razões pelas quais se deve ou não se deve cumprir o quanto ajustado pelas partes.

O fundamento pelo qual o contrato obriga os contratantes cons-titui-se em objeto de acesa polêmica acerca da qual já houve diversas tentativas de resposta. A proibição da mentira, a proteção da confiança, a eficiência econômica e a razão a priori kantiana foram alguns dos varia-dos fundamentos para justificar a força obrigatória dos contratos1.

Por outro lado, igualmente importante revela-se a motivação pela qual a avença deve ser, parcial ou integralmente, desconsiderada, im-

1 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Tratado de direito civil: direito das obrigações. Coimbra: Almedina, v. VII, 2010. p. 172.

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pondo-se a intervenção de terceiro em detrimento da manifestação das partes envolvidas.

De um lado, a submissão ao interesse público, a objetivos gerais e à ordem social foi invocada por regimes totalitários para direcionar o exercício da autonomia privada2. De outro, a preocupação com a proteção e promo-ção de um consentimento livre e informado3, bem como do resgate da ideia aristotélica de sinalagma, figuram como fundamentos democráticos para a imposição heterônoma4 da justiça contratual.

Assim, seja para fazer valer uma vontade livre e informada em de-trimento de uma declaração volitiva desinformada e/ou constrangida, seja para fazer valer um equilíbrio entre as prestações em detrimento de um pacto manifestamente desequilibrado, a correção do pactuado é medida excepcio-nalmente necessária para a proteção do exercício esclarecido da liberdade negocial e para a promoção da justiça contratual. Isso porque, ao lado do encontro de vontades, outros elementos concorrem em importância para o reconhecimento de força vinculante ao pactuado.

Ao longo da história do contrato enquanto instituto jurídico, o con-senso não vem sendo reconhecido como único elemento a justificar a tutela jurídica das avenças. Ao lado do encontro de vontades, a forma de sua ma-nifestação e o sinalagma constituem-se em aspectos relevantes do fenômeno contratual.

Ainda que o contrato seja a expressão da autonomia privada por exce-lência5, a trajetória do instituto revela uma contínua preocupação com a for-ma de exteriorização das vontades convergentes e também com o conteúdo do pactuado.

No direito romano, por exemplo, o consenso não bastava para o sur-gimento da obrigação6. Tratava-se de elemento necessário, mas insuficiente para, por si só, gerar obrigação jurídica. E somente posteriormente, aos con-tratos reais, verbais (constituídos de modo oral e solene) e literais, veio a ser

2 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 175.3 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 176.4 Diz-se heterônoma – e não estatal – para abarcar também a arbitragem.5 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 172.6 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 542;

MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 64; MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 119.

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reconhecida a categoria dos contratos consensuais7. A admissão dos contra-tos atípicos também foi posterior8, ainda que em data incerta9, chamando a atenção que sua gênese, de algum modo, esteve ligada aos contratos reais, ensejando a obrigação da outra parte quando uma já havia executado a sua prestação, evitando-se o enriquecimento sem causa10 – e note-se que, ao se vedar o acréscimo patrimonial, acaba-se por admitir a noção de sinalagma.

A forma na Antiguidade desempenhava uma função importantíssima, pois o analfabetismo generalizado dificultava a adoção da escritura, servin-do a oralidade, a figura do Pretor e os testemunhos como instrumentos para tornar visível e conhecido o teor do negócio, constrangendo ao cumprimento e reconhecimento da avença. Na época, o pacto longe dos olhos do público e do Estado – presente na figura do Pretor – era mal visto, até mesmo porque poderia ser simplesmente negado pelo devedor.

A necessidade de respeito à forma também pode ser encontrada no simbolismo do antigo direito dos francos, quando atos sem relação direta com o conteúdo contratual (p. ex., entrega de um ramo) eram necessários para a constituição do próprio negócio11. De igual modo o direito feudal, quando o “dinheiro de Deus” (quantia módica entregue à outra parte para uso caritativo, não como começo de pagamento), o “vinho do mercado” e a “palmada” constituíram-se em simbolismos consagradores da conclusão do pacto12.

O abandono do formalismo e a consagração do consensualismo data do final da Idade Média, pari passu com o reconhecimento da força jurídica da vontade13. Isso não significa, todavia, ter sido a forma relegada a aspecto de importância apenas probatória, bastando ver que a necessidade de escritura pública e o caráter real de determinados contratos (p. ex., mútuo) revelam

7 ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 515.8 KASER, Max. Direito privado romano. 2. ed. Trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle.

Revisão da tradução de Maria Armanda de Saint-Maurice. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 263-265.

9 Como exposto por José Carlos Moreira Alves (Op. cit., p. 542), existe acesa polêmica sobre o momento histórico da admissão dos contratos inominados.

10 MARKY, Thomas. Op. cit., p. 124.11 GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 6. ed. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta

Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2011. p. 733 e 734.12 GILISSEN, John. Op. cit., p. 734.13 GILISSEN, John. Op. cit., p. 736 e 737; ARAÚJO, Justino Magno. Do poder interventivo do

juiz nas relações contratuais. São Paulo: Letras Jurídicas, 2016. p. 33.

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que o consenso não impera soberanamente em matéria contratual nem mes-mo no que tange à formação da avença – e também no que tange ao conteúdo, tal como adiante se explica.

No século XIX, o Code Napoléon consagrou um modelo fundado no con-senso, na autonomia privada, afastando-se da ideia aristotélica de sinalagma, assentando a justiça contratual no encontro de vontades livres e conscientes. A codificação napoleônica atendeu às necessidades de um mercado pujante e influenciou todo o Ocidente, encontrando no Brasil eco retumbante no Códi-go Beviláqua, que, entre outros aspectos, recusou o instituto da lesão.

Todavia, a concepção contratual oitocentista não tardou a revelar al-gumas limitações. A teorização que tinha em vista comerciantes bem infor-mados e bastante livres logo se revelou problemática quando aplicada para explicar e justificar a juridicidade das avenças de natureza trabalhista nas quais a disparidade de poder negocial é evidente14.

De igual modo, o advento dos contratos de adesão revela um funcio-namento diverso daquele pressuposto na concepção liberal de contrato. Do mesmo modo, décadas depois, o advento do consumerismo iria expor com toda a força a incapacidade de uma visão contratual absenteísta. Note-se que, em todos esses casos, a intervenção exigida impõe-se em razão do reconheci-mento de uma desigualdade, seja informacional, seja técnica, seja econômica, entre os contratantes, não se confundindo com outra espécie de limitação à liberdade decorrente de imperativos gerais de submissão dos pactos a inte-resses públicos.

Por isso, atualmente se resgata a noção aristotélica de sinalagma, pas-sando a ser o equilíbrio entre as prestações exigido como requisito para o reconhecimento da justiça da avença. Daí Enzo Roppo15 aduzir que:

Do ponto de vista dos conteúdos e dos valores, aumenta a sensibilidade para o problema “da justiça contratual”. Cada vez mais frequentemente pede-se ao legislador e ao intérprete que saiam da lógica segundo a qual – repetindo as palavras de Georges Ripert – o “contractuel” é automatica-

14 O direito do trabalho, todavia, ainda que tenha problematizado o conceito liberal de contrato, seguiu um caminho diferente daquele adotado pelo direito do consumidor, pois, além da legislação protetiva ao obreiro, apostou-se, ainda, na negociação coletiva e na greve, trilhando, assim, uma trajetória distinta.

15 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 5.

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mente sinónimo de “juste”; e até mesmo que superem o velho dogma da inatacabilidade do equilíbrio económico do contrato.

No mesmo sentido aqui sustentado, Guido Alpa16 pontifica:

Nel mundo del diritto, se am mette che il contrato possa essere concluso tra sogetti provvisti di potere contrattuale non paritetico (ad ed. contratti standard) e che originariamente la corrispettività non sia equilibrata (salvo che sus sista stato di bisogno o stato di pericolo), anche se um mínimo di corrispetitvità deve pursussistere, altrimenti il contrato è privo di causa (e quindi nullo). Se manca la volontà ovvero è viziata, o una dele parti può influire sugli effeti si há di volta in volta nullità o annullabilità; se le infor-mazioni sono erronee o insufficienti si ha responsabilità precontratuale; se la prestazione diviene tropo onerosa o improponibile, si ha risoluzione. [...]

Basta ver que no Brasil foi contemplada a necessidade de equilíbrio en-tre as prestações tanto no que tange ao sinalagma genético quanto funcional. Ao lado dos princípios clássicos do pacta sunt servanda, da autonomia privada e da res interalios acta, impõem-se, ainda, o do equilíbrio entre as prestações, o da boa-fé objetiva e o da função social do contrato. Na feliz expressão de Antonio Junqueira de Azevedo17, temos um panorama jurídico no qual

[...] os dados se acrescentam, sem se eliminarem, de tal forma que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três – os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos mas, certamen-te, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos prin-cípios.

Mesmo a França, país que consagrou o ápice da concepção liberal de contrato, mitigou o domínio dos cânones tradicionais. Após a recente re-forma do Code Civil, a ênfase na fundamentação dos contratos em razão da proteção da autonomia privada veio a sofrer temperamentos, sendo exem-plos disso a acolhida o instituto da lesão, ainda que apenas nos contratos de adesão (arts. 1.168 e 1.171) e, de forma alvissareira e no mesmo sentido

16 ALPA, Guido. Corso di diritto contrattuale. Milano: Cedam, 2006. p. 17.17 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e des-

regulamentação do mercado, direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 750, p. 115, abr. 1998.

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aqui sustentado, a hipótese de nulidade da contratação de prestação “illusoire ou dérisoire” (art. 1.169), ou seja, a supressão da causa enquanto requisito de validade dos contratos ensejou, por outro lado, a consagração legislativa da “causa sinalagmática”18, ou seja, definitivamente se admite que, ao lado da vontade, existe uma realidade econômica que sobre a qual recai a manifesta-ção volitiva – e que sem que exista tal dimensão objetiva o negócio se esvai.

Assim, a trajetória contratual é um continuum do prestígio maior ou menor do formalismo, do consenso e do sinalagma.

Em regra, a autonomia privada deve ser respeitada e prestigiada, sendo reconhecidos os efeitos decorrentes de sua manifestação. Excepcionalmente, justifica-se a tutela heterônoma – não se diz estatal em virtude do terceiro poder ser um árbitro – em detrimento do quanto avençado.

O conteúdo juridicamente admissível em sede contratual e, consequen-temente, seu controle, variou ao longo da história do instituto. Não poderia ser diferente; afinal, a racionalidade jurídico-contratual é contingente e ali-nhada com o modelo de sociedade e Estado de cada época19.

Como pontua Menezes Cordeiro20, a teoria contratual pressupõe “duas ou mais partes iguais, livres e esclarecidas”. E isso não ocorre nas ocasiões nas quais haja, por exemplo, déficit informacional ou assimetria de poder de barganha.

Em nenhuma ordem normativa a liberdade é ilimitada, sendo o objeto e os limites de contratação fruto das necessidades econômicas e da moralida-de dominante21. Exemplificando tal natureza contingente das possibilidades de contratação, vê-se que a (im)possibilidade do comércio de escravos e da cobrança de juros remuneratórios são, entre outras, manifestações da auto-nomia privada fruto de cada época, variando ao longo do tempo. De igual modo, basta pensar na inexistência dos contratos atípicos e consensuais nos

18 Na feliz expressão de SILVA, Luis Renato Ferreira da. Reciprocidade e contrato: a teoria da causa e sua aplicação nos contratos e nas relações “paracontratuais”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, passim.

19 Bem abordando o assunto: MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 38-58.

20 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 173.21 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, v. 2, 2015. p. 15 e ss.

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primórdios do direito romano. E como bem aponta Judith Martins-Costa22, além de os contratantes não poderem tudo, existe ainda o fenômeno inverso, a saber, o do surgimento de direitos e deveres alheios à vontade das partes decorrentes do princípio da boa-fé objetiva.

A variação do âmbito de atuação dos contratantes é temática interes-santíssima e que leva à outra questão, tão instigante quanto pouco abordada, a saber, quais as razões que permitiram e que hoje autorizam e impõem a intervenção heterônoma nos pactos. Ainda não há uma tipologia das espé-cies de correção do exercício da liberdade e não parece que todas as causas de intervenção reconduzam-se a fundamentação única. Existem, isso sim, diferenciações esparsas que iluminam as razões pelas quais se justificam a limitação da autonomia privada e a flexibilização do pacta sunt servanda, entre as quais cabe destacar um bela e precisa reflexão de Orlando Gomes e Elson Gottschalk23:

A rigor doutrinário, as leis de ordem pública não se confundem com as leis imperativas. Estas, como instrumento destinado a impedir o desvirtuamen-to do princípio da autonomia da vontade, decorrente da desigualdade econômica e social dos sujeitos do contrato de trabalho, podem proteger interesses privados. Aquelas, no que toca ao direito privado, seriam as que fazem as bases jurídicas sobre as quais repousam a ordem econômica ou moral de uma sociedade determinada (De Page). Protegem, nessa confor-midade, interesses públicos. (itálico no original)

As diferentes razões que justificam a intervenção heterônoma nos con-tratos revelam que não é apenas a vontade viciada que autoriza a intromissão na avença. Em caráter provisório e sumário, é possível dizer que as limitações para a validade do exercício da liberdade contratual potencialmente existen-tes contemporaneamente no Brasil, incluindo-se aqui casos limítrofes e até mesmo duvidosos, podem ser estremadas nos seguintes grupos:

a) ilicitude do objeto (p. ex., vedação de venda de drogas ilícitas);

22 MARTINS-COSTA, Judith. A noção de contrato na história dos pactos. Revista Organon – Revista do Instituto de Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 06, n. 19, p. 32, 1992.

23 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Atualização de José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis de Souza. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 130.

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b) proteção da boa-fé de terceiros (p. ex., simulação e tutela externa do crédito);

c) ordem pública – incluindo-se aqui o problema da violação de di-reitos fundamentais, tanto dos contratantes (irrenunciabilidade?), quanto de terceiros;

d) função social do contrato (tutela externa do crédito, vedação de aproveitar-se da vulnerabilidade alheia ou submissão a interesses gerais?);

e) para proteção de um contratante que está em déficit cognitivo, ten-do sua vontade viciada pelo desconhecimento da realidade sensí-vel (erro, dolo);

f) em condições tais nas quais sua vontade está viciada pelo exercício em condições específicas nas quais a liberdade encontra-se seve-ramente reduzida pelas circunstâncias externas ao seu exercício (coação, lesão por premente necessidade, estado de perigo);

g) assimetria de poder negocial, incluindo-se aqui o abuso do poder econômico e a vedação ao lucro exagerado (usura e lesão), gerados pela cartelização, pelos monopsônios e oligopólios, venda casada, dentre outras práticas funestas que, de forma ampla, tenham redu-zido a liberdade negocial;

h) em casos nos quais haja uma assimetria considerável de informa-ções, ensejando uma contratação pouco esclarecida (déficit infor-macional);

i) desequilíbrio entre as prestações não decorrente de abuso de po-der econômico (p. ex., excessiva onerosidade superveniente);

j) quebra da base subjetiva (p. ex., inadimplência decorrente de pro-blema de saúde ou desemprego ao longo de contrato de consumo de longa duração).

Eis, assim, um rol de possível causas de intervenção heterônoma nos contratos, sendo que a contemplação ou rejeição de cada uma revela, im-plicitamente, uma determinada concepção de relações possíveis e desejáveis entre Estado e Sociedade.

Diante da massificação dos contratos, é mais comum a contratação de-feituosa em razão da má-prestação de informações relevantes ou decorrente

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de efetivo abuso de poder econômico – e aqui a contratação iníqua é apenas a dimensão microeconômica de condutas amplas como cartéis, dumping, mo-nopólios, oligopólios etc. – do que por força de autênticos vícios de consenti-mento. Assim, as figuras tradicionais do dolo, do estado de perigo e do erro apresentam apenas algumas possibilidades de contratação sem um consenti-mento livre e esclarecido.

Por outro lado, o contrato iníquo esconde uma outra dimensão que se encontra ainda pouco explorada pela doutrina, a saber, a de que a interven-ção justifica-se em muitos casos por força da necessidade de reconhecer-se que o beneficiário falhou no seu dever de consideração dos interesses da ou-tra parte. Mais do que um vício de consentimento por parte do prejudicado, a avença injusta pode esconder uma maximização dos interesses do beneficia-do em detrimento da necessária compreensão e lealdade com a pessoa preju-dicada. Por isso, é proibido o aumento de preços de alimentos e outros bens essenciais em uma situação de catástrofe, pois, ainda que a lei econômica da oferta e da demanda possa justificar o negócio, o aproveitamento da situação funesta do outro configura um lucro torpe e proscrito pelo Direito.

A necessidade de consideração do outro, esse exercício de alteridade, foi bem retratado por Alain Supiot24 quando este apontou que o caminho do direito do trabalho perpassa a consideração do trabalhador enquanto sujeito de direito, prestigiando-se a dimensão social, não se vendo no obreiro apenas uma mão de obra assalariada, como se o contrato tivesse apenas um aspecto, a saber, o econômico, como se a pessoa representasse um preço (salário). Daí Supiot25 aduzir que o direito do trabalho deveria assumir uma natureza mais pessoal do que real, pois lida-se com pessoas – e não com coisas.

Note-se, todavia, que a perspectiva do autor é de difícil implementação prática diante do cenário atual, onde a própria noção de emprego já cede lugar a outros tipos de emprego da mão de obra, especialmente diante da possibilidade de home-office e do advento de aplicativos que permitem o con-tato intenso e veloz entre usuários e fornecedores de serviços. Além disso, a consideração da pessoa – e não do quanto prestado – serviu à escravidão, à servidão e ao assistencialismo, de modo que nem sempre a consideração da pessoa é no sentido de beneficiá-la.

24 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016. p. 53-59.25 SUPIOT, Alain. Op. cit., p. 53-59.

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Quando se trata o outro apenas como um meio para obtenção de lucro, desconsiderando-se seu valor enquanto pessoa, viola-se a dignidade alheia, descurando-se que o ser humano é, ele mesmo, um fim em si mesmo – e não mero instrumento26. A alteridade humanista representa pressuposto inexorá-vel da justa conduta humana, inclusive em matéria contratual.

Assim, a justa consideração da outra pessoa impõe-se como manda-mento tanto de direito público quanto de direito privado, pois a dignidade humana fundamenta e ordem social e coloca-se como imperativo de justiça contratual. E isso não pode surpreender, pois o encontro entre a proteção pública e a privada tem, em última análise, o mesmo escopo, a saber, a pro-moção da dignidade da pessoa humana.

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26 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 59-61. Kant é um arauto da autonomia privada, mas ele próprio oferece como exemplo de má conduta aquela do merceeiro que vende por mais algo que normalmente alienaria por menos, aproveitando-se da inexperiência do freguês ou do movimento intenso do mercado (Fundamentação da metafísica..., p. 25).

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da COnstruçãO COnstituCiOnal dO direitO de Família

the COnstitutiOnal COnstruCtiOn OF Family lawana Paula alves de Medeiros

Bacharela em Direito pela Unifacex, Especialista em Direito Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Advogada militante.

isaBel crisTina aMaral de sousa rosso nelson*

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Bacharela e Licenciada em Enfermagem pela Universidade Estadual

da Paraíba – UEPB, Especialista em Formação Profissional na Área de Saúde (Fiocruz/UFRN), Especialista em Saúde da Família (Universidade

Castelo Branco), Especialista em Enfermagem do Trabalho (Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – Facisa), Especialista em Educação

Desenvolvimento e Políticas Educativas (Faculdades Integradas de Patos – FIP), Coordenadora do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Facex.

rocco anTonio rangel rosso nelson**

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Especialista

em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Ex-Professor do Curso de Direito e de outros Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro

Universitário Facex, Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, vinculado à linha de pesquisa “Democracia,

Cidadania e Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Natal-Central, Professor Efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus João Câmara.

RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar a reconstru-ção da definição de família em face da Constituição Federal de 1988. Com o neoconstitucionalismo, interpenetraram-se os princípios constitucionais nas relações privadas (teoria da eficácia horizontal

* E-mail: [email protected].** Autor do livro Curso de direito penal – Teoria geral do crime. 1. ed. Curitiba: Juruá, v. I,

2016. E-mail: [email protected].

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dos direitos fundamentais), tendo a quebra do paradigma normati-vo no que tange ao direito de família. Afere-se que a base ontológica do direito de família encontra-se na essência dos direitos fundamen-tais, devendo a família ser o instrumento de concretização desses preceitos normativos basilares. A pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, tem por linha de fundo dissertar sobre o processo de construção nor-mativa do direito de família a partir da Constituição Federal de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo; formatação constitu-cional; direito de família.

SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Evolução e transformações do direito de família através do processo de constitucionalização; 1.1 Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito de famí-lia; 1.2 Reflexos da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de família; 1.2.1. Distinção entre direitos humanos e direi-tos fundamentais; 1.2.2 Fundamentos da vinculação dos particula-res a direitos fundamentais na Constituição Federal; 1.2.3 Teoria da eficácia imediata e mediata; 1.2.4 Teoria de imputação ao Estado e teoria integradora (modelo de Alexy); 1.3 Princípios constitucionais do direito civil; 1.3.1 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana; 1.3.2 Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma comunhão de vida familiar; 1.3.3 Princípio da solidariedade familiar; 1.3.4 Princípio constitucional da igualda-de; 1.3.4.1 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros; 1.3.4.2 Princípio da igualdade entre filhos; 1.3.4.3 Eficácia do princí-pio da igualdade nas relações entre particulares; 1.3.5 Princípio da afetividade; Das considerações finais; Referências.

das COnsideraçÕes iniCiais

Como lei capital e soberana do Brasil, a Constituição de 1988 está es-tabelecida no ápice normativo de toda uma pirâmide jurídica, servindo de parâmetro e legitimidade para todas as demais classes de resoluções. Diante disso, o processo hermenêutico deve estar envolvido com os princípios cons-titucionais procedidos quando da explanação dos dispositivos infraconstitu-cionais.

Em se tratando de direito de família, há a necessidade de um entrela-çamento entre as normas constitucionais e as infraconstitucionais, já que a primeira referida é de substância mais aberta (normas-princípios), enquanto a segunda, de fundo discreto (normas-regras) – e estas necessitam permane-cer continuamente em combinação.

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O art. 227, pertencente ao Capítulo VII da Constituição de 1988, que aborda a família em meio a outras questões, ampara a entidade familiar; no entanto, é um modelo de regulamento programático por não satisfazer aber-tamente o direito aplicado.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à ali-mentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nas diferentes etapas históricas existidas no Brasil, houve nas Consti-tuições uma série de transições entre o estado patriarcal-patrimonial para o estado sócio-afetivo.

No ano de 1984, por exemplo, a Carta Magna não alude às inclusões familiares. A Constituição de 1891 origina unicamente um dispositivo, o art. 72, § 4º, “a república só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.

Com isso pretendia-se abstrair o Estado do domínio da Igreja até então com vasta autoridade e domínio.

Com o Decreto nº 181, de 1890, cria-se o matrimônio civil no país, re-tirando-se do casamento religioso toda importância legal que oferecesse até mesmo com cárcere e pena a quem efetivar-se a ação religiosa antes de lega-lizar o casamento.

Com menção à proteção específica do Estado, a Constituição de 1934 destina todo um capítulo à família, ocorrência essa sustentada nas constitui-ções posteriores.

Em 1937, a Carta Magna trouxe de volta o matrimônio religioso, confe-rindo decorrência civil a ele. Com incitação à descendência abundante, a de 1946 afiança à maternidade, à infância e à adolescência.

No art. 167, na Constituição de 1967, que aborda sobre a família, apre-senta como questão principal o casamento. Ele é tido como indissolúvel, e, se solenizado no religioso, poderá vir a conter finalidades civis. Assim como na anterior, ela institucionaliza, por lei, a assistência à maternidade, infância e adolescência.

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Até 1988, o Código Civil de 1916 era o centro do ordenamento jurídico quanto à normatização da vida privada das pessoas. Somente com a Cons-tituição de 1988 há uma alteração nessa realidade e ela passa a ser o centro delineador de todo o sistema jurídico.1

Fundada única e exclusivamente no casamento, a nova constituição (1988) alterou o modelo familiar, tendo por finalidade a preservação do patri-mônio, mas que, conforme Cristiano Chaves2, à custa “da felicidade pessoal dos membros da família – a proteção da estrutura familiar se confundia com a tutela do próprio patrimônio”.

Como delimitação de todos os demais regulamentos e importâncias ativas, o princípio da dignidade do ser humano deve encabeçar todas as de-mais regras e valores, tais quais a liberdade, a autonomia privada, a cidada-nia, a alteridade e a solidariedade.

O princípio da excelência da pessoa humana certifica, no direito de família, todos os diversos direitos e avais.

Pode-se afirmar que ele é o ponto de partida para um novo direito de família no Brasil, pois a família tem reconhecida a sua importância no meio da sociedade, ganhando proteção com prestígio constitucional.

A proteção da dignidade da pessoa humana tem como finalidade propiciar tutela integral à pessoa, de modo que não pode permanecer em departa-mentos estanques do direito público e do direito privado. Assim, o novo Código Civil privilegia a dignidade da pessoa humana, diante da proteção oferecida à sua personalidade.3

A família brasileira sofreu amplas variações sociológicas, culturais e econômicas posteriormente à Constituição de 1988. Composta de múltiplas conformações que se possa idealizar: monoparental (pai ou mãe criando o filho sozinho), homoparental (pares de homossexuais, gays ou lésbicas, crian-do filhos de um dos dois, adotados, ou frutos de inseminação artificial com

1 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 296.

2 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 90.

3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2007. p. 18.

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óvulo ou espermatozoide de um dos componentes do casal), recomposta (fi-lhos de vários casamentos convivendo com pais recasados).

Além disso, na atual família, conta-se ainda o de três criadoras para uma mesma criança. A principal, dona do óvulo; a secundária, que abriga o feto e o feto por nove meses; e a terceira, a progenitora social, casada com o indivíduo que ofertou seu espermatozoide para a fecundação do óvulo.

Contudo, o desempenho econômico igualmente perdeu o significado, porquanto a família, para a qual era imprescindível o maior algarismo de componentes, especialmente filhos, não é mais uma unidade produtiva nem segura, isto porque, no atual contexto, contribuem para o detrimento dessa colocação as progressivas emancipações econômica, igualitária e jurídica fe-mininas e a drástica diminuição do identificador médio de filhos dos institu-tos familiares.

Essa modificação de uma relação econômico contratual cedeu ambien-te para a afabilidade, a dependência recíproca, a colaboração e a deferência à distinção de cada um dos seus membros.

Teresa Arruda Alvim4 pronuncia que a cara da família moderna mudou.

Prosseguindo o entendimento, também ficou oclusa qualquer discrimi-nação no que desrespeita a genealogia da filiação.

Destarte, o texto constitucional sofreu alterações e trouxe, por sua vez, um conceito extenso no que diz respeito à família, como bem preceitua Maria Berenice:

O seu principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos. Difícil encontrar uma definição de família de forma a dimen-sionar o que, no contexto social dos dias de hoje, se insere nesse conceito. É mais ou menos intuitivo identificar família com a noção de casamento, ou seja, pessoas ligadas pelo vínculo de matrimônio. Também vem à mente a imagem da família patriarcal, o pai como a figura central, na companhia da esposa e rodeado de filhos, genros, noras e netos. Essa visão hierarquiza-da da família, no entanto, sofreu, com o tempo, enormes transformações.

4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direitos de família e do menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 83.

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Além da significativa diminuição do número de seus componentes, tam-bém começou a haver um embaralhamento de papéis.5

Fazendo uso de uma metodologia de análise qualitativa e utilizando--se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de caráter descritivo e analítico, buscar-se-á dissertar sobre o processo de construção normativa do direito de família a partir da Constituição Federal de 1988.

1 eVOluçãO e transFOrmaçÕes dO direitO de Família atraVÉs dO PrOCessO de COnstituCiOnaliZaçãO

1.1 neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito de família

No que se refere à família, José Sebastião Oliveira analisa que:

A Constituição Federal reconheceu uma evolução que já estava latente na sociedade brasileira. Não foi a partir dela que toda a mudança da família ocorreu. Constitucionalizaram valores que estavam impregnados e disse-minados no seio da sociedade. O texto constitucional de 1988 contemplou e abrigou uma evolução fática anterior de família e do direito de família que estava represado na doutrina e na jurisprudência.6

O neoconstitucionalismo destaca-se na tentativa de trazer um novo ar-cabouço, priorizando a constitucionalização das normas sob um Estado De-mocrático de Direito, em que sejam eficazes e atuantes os valores enraizados na Constituição, onde estão previstos os direitos sociais, direitos fundamen-tais e garantias constitucionais.

O Professor Francisco Amaral sintetiza o direito civil:

É o conjunto de princípios e normas que disciplinam as relações jurídicas comuns de natureza privada. É o direito privado comum, geral ou ordiná-rio. De modo analítico, é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a família e o patrimônio.7

5 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 42.

6 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 91.

7 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 105.

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Em menos de uma geração, o direito constitucional no Brasil sobreveio da falta de bravura ao auge, e isso por conta da Constituição de 1988.

Uma composição não é só meramente técnica; carece de existir por trás dela a desmesurada inclinação de resumir conquistas e de movimentar o imaginário das pessoas para originais progressos.

Ocorreu no país o nascimento de uma emoção constitucional que faz jus à celebração. Ainda introvertido, mas autêntico e franco, tal sentimento de maior deferência pela Lei Maior, a despeito da instabilidade de sua escri-tura, reflete-se em melhoria quando se trata do direito de família.

Com isso, supera-se a periódica indiferença, que, através da história, sustentou-se em inclusão à Constituição. O padrão filosófico do novo direito capital é o pós-positivismo.

Também denominado de “novo direito”, o neoconstitucionalismo identifica um conjugado de transformações, incididas tanto no Estado como no direito constitucional, podendo ser apontadas como marco histórico. Dado um conjunto de fenômenos, derivou um processo dilatado e intenso de constitucionalização do Direito.

A Constituição Federal, seguindo essa tendência, observa como neces-sária a irradiação de seus efeitos e a sua força normativa. É nesse contexto que se percebe a constitucionalização do direito e a proteção constitucional a direitos sociais como uma tendência do Estado Social.

Ocorre nesse sentido uma reestruturação do papel do Estado em se-tores sociais, econômicos e políticos como forma de concretizar a vontade constitucional.

Com isso, percebe-se também a constitucionalização do direito civil, com reflexo inevitável nas relações familiares.

A eficácia irradiante da Constituição, nesta ótica, exige um redimensio-namento do pensar o direito de família no âmbito do neoconstitucionalismo, o que requer uma análise inarredável da eficácia horizontal dos direitos fun-damentais.

Em feliz síntese, Inocêncio Mártires Coelho ensina que esse novo cons-titucionalismo marca-se pelos seguintes aspectos: “a) mais Constituição do que leis; b) mais juízes do que legisladores; c) mais princípios do que re-

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gras; d) mais ponderação do que subsunção; e) mais concretização do que interpretação”8.

Neste nível de progresso, o Estado teve seus desempenhos estendidos: além de ter que reverenciar os direitos de inicial família, como a livre-arbítrio, ele foi obrigado a interferir no circo social, agenciando atuações na extensão de bem-estar, domicílio, habitação, profissão, entre outros, todas em prol do melhoramento do atributo de existência do cidadão.

Surgiu, então, a ideia de constitucionalização do direito civil, a resultar na substituição do Código Civil de 1916 pela Constituição Federal, ou, ao menos, a servir de ponto de referência e salvaguarda da uniformidade do sistema legislativo, teoria que vinha ganhando adeptos, em face da inter-penetração do direito constitucional e do direito civil, da interferência do Estado nas relações privadas e dos vários dispositivos da Constituição da República que regulam relações entre particulares.9

1.2 Reflexos da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de família

À luz da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, é possível per-ceber novos pilares para a sustentação das relações familiares. Essa teoria traz à tona uma nova forma de aplicação dos direitos fundamentais. Estes só se aplicavam quando da proteção do particular em face do Estado, o que se denomina eficácia vertical.

Com a eficácia horizontal, insurgem caminhos inovadores que serão percorridos pela proteção de um particular em face de outro com base na aplicabilidade dos direitos fundamentais.

A breve exposição sobre a problemática da eficácia das normas constitucio-nais em geral revelou, dentre outros aspectos, que todo e qualquer preceito da Constituição (mesmo sendo de cunho programático) é dotado de certo grau de eficácia jurídica e aplicabilidade, consoante a normatividade que lhe tenha sido outorgada pelo Constituinte.10

8 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 127.

9 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2007. p. 11.

10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 242.

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Indispensável ao que se faz clarificar que os direitos básicos foram ide-alizados fundamentalmente em uma conjuntura de onde o Estado perpetra-va muitas intervenções arbitrárias sobre os direitos singulares das pessoas.

Dessa configuração, constituem-se a representação de positivação dos direitos humanos os direitos básicos, por elemento dos quais os cidadãos ob-tinham a proteção de vida face ao Estado.

No entanto, seria representação de legítima falta de visão aceitar tão somente a pujança vertical dos direitos fundamentais. Em uma coletividade em que o privado tem a idoneidade, até maior que o competente Estado, de tiranizar seus análogos, é viável e impecavelmente admissível o bom empre-go dos direitos fundamentais às inclusões adentre particular.

O direito não pode ser visto de um formato concluído, improvisado de regulamentos finalizado e automático, o que, pode-se dizer, já se evidenciou superado. Daniel Sarmento corrobora com seus ensinamentos:

Ademais, a compreensão de que o princípio da dignidade da pessoa hu-mana representa o centro de gravidade da ordem jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, impõe, no nosso entendimento, a adoção da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas rela-ções entre particulares. De fato, sendo os direitos fundamentais concreti-zações ou exteriorizações daquele princípio, é preciso expandir para todas as esferas da vida humana a incidência dos mesmos, pois, do contrário, a proteção à dignidade da pessoa humana – principal objetivo de uma or-dem constitucional democrática – permaneceria incompleta. Condicionar a garantia da dignidade do ser humano nas suas relações privadas à vonta-de do legislador, ou limitar o alcance das concretizações daquele princípio à interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados do direito privado, significa abrir espaço para que, diante da omissão do Poder Legislativo, ou da ausência de cláusulas gerais apropriadas, fique irremediavelmente comprometida uma proteção, que, de acordo com a axiologia constitucional, deveria ser completa e cabal.11

1.2.1 Distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais

Pode-se dizer que, quando se trata de direitos humanos, em síntese, eles são aqueles que garantem a existência do indivíduo como pessoa, porém,

11 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 289.

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por fatores instrumentais, não têm cautela simplificada e franca a todas as pessoas.

Em contrapartida, os direitos fundamentais são organizados por nor-mas e princípios, positivados constitucionalmente, cujo apontamento não está restrito aos dos direitos humanos, que tendem a garantir a essência hon-rada, embora que minimamente, da pessoa, apresentando sua pujança, certi-ficado pelos tribunais.

A separação entre os direitos humanos e direitos fundamentais não está assim tão evidente, conservando-se no caos da escuridão, pois, nos dois fatos, o intuito da assistência é em prol do ser humano.

Prontamente, não constituindo crítica subjetiva aceitável para uma de-terminação do debate, há de se perguntar qual realmente seria a aparência adequada de abstrair os dois termos jurídicos.

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fun-damentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corri-queira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o ter-mo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guar-daria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitu-cional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).12

Tem quem apresente que o esclarecimento mais convencionado é “di-reitos fundamentais do homem”, mas, assim como não há suspeitas que os direitos básicos sejam igualmente direitos humanos, no significado de que seu titular será a pessoa humana, tal declaração torna-se redundante, motivo pelo qual se empregará “direitos fundamentais”.

Pode-se delinear que o termo “direitos fundamentais”, numa conota-ção igualmente restringida, apõe-se para aqueles direitos do ser humano, dis-tinguidos e positivados constitucionalmente, ao passo que a expressão “di-

12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 35.

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reitos humanos”, numa conotação mais dilatada, preservaria inclusão com os dados de direitos universais.

A maneira encontrada para a legitimação do Estado, a fim de possibilitar o fortalecimento da coesão social, foram às normas, vez que estas são o refle-xo do poder (componente extra da sociedade) e possuem, como finalidade, abolir suposta anarquia. Além, é claro, de prevenir na esfera individual as interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário. Somente em função da violação das regras é que o direito surge e se transforma. Os direitos humanos surgi-ram para se valerem contra o Estado. Recordamos que há diferentes formas de emprego da expressão direitos fundamentais: “direitos humanos”, “di-reitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais”, apenas para referir algumas das mais importantes.13

Do ponto de vista comum, contraído pelas proposições de explicação, nasce o respeitável litígio de formar discernimentos para a ressalva ou restri-ção dos titulares do direito fundamental.

É necessário para fundar a configuração de delimitar os titulares de direitos fundamentais induzindo em importância a estrutura destes direitos.

Se os princípios de direitos fundamentais constituírem estilo vincula-tivo moralmente ou politicamente, contudo não atrelados juridicamente, são apreciadas meras regras programáticas.

Nesse significado, os conflitos não caberiam nos tribunais por trazerem atributos de meros enigmas éticos ou políticos.

Essa questão é de grande complexidade, pois, em princípio, é completa-mente paradoxal considerar que o Estado seja, ao mesmo tempo, sujeito ativo e passivo de direitos fundamentais. É uma situação até meio esqui-zofrênica, já que o Estado estaria invocando direitos fundamentais para se proteger dele mesmo! Na verdade, os direitos fundamentais, por natureza, são instrumentos de proteção contra o Estado, e não a favor do Estado.14

13 LAUTENSCHLAGER, Lauren. Direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder do Estado: conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 16, n. 2803, 5 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18644>. Acesso em: 27 mar. 2012.

14 MARMELSTEIN, George. Direitos fundamentais. Disponível em: http://direitos fundamentais.net. Acesso em: 27 mar. 2012. Nessa mesma linha, a Corte Constitucional

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1.2.2 Fundamentos da vinculação dos particulares a direitos fundamentais na Constituição Federal

Marcelo Novelino é enfático ao afirmar que:

No direito pátrio não há qualquer justificativa plausível para se negar a efi-cácia horizontal dos direitos fundamentais. Este modelo não é coadunável com a triste realidade brasileira na qual as desigualdades sociais estão en-tre as piores do mundo, impondo a necessidade de uma preocupação ain-da maior com a proteção dos direitos fundamentais, sobretudo em relação aos hipossuficientes. As doutrinas jurídicas não podem ser simplesmente reproduzidas ou elaboradas isoladamente da realidade social, política, eco-nômica e cultural na qual se inserem.15

Ao ser conferido aos direitos fundamentais à qualidade de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, da Constituição Federal), aspirou ao constituinte especi-ficar o exclusivo sentido, alvo dos direitos fundamentais, como informações da resolução jurídica.

Há uma unidade no preceito brasileiro, nada obstante, quando se trata de assinalar os acórdãos em que o Supremo Tribunal Federal afrontou de maneira mais direta a tese da eficácia entre particulares dos direitos funda-mentais.

Trata-se de duas paradigmáticas determinações da década de 90, que permanecem em praticamente todas as obras jurídicas pátrias a respeito do assunto.

Sob o juízo de que os direitos fundamentais compõem uma resolução prática de importâncias que se amplia por todo o ordenamento legal, a gran-deza material harmoniza o encontro dos direitos fundamentais na esfera das

alemã já decidiu que “os direitos fundamentais não são por princípio aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público ao realizarem tarefas públicas [...]. Se os direitos fundamentais se referem à relação dos indivíduos para com o Poder Público, então é com isso incompatível tornar o Estado, ele mesmo, parte ou beneficiário dos direitos fundamentais. O Estado não pode ser, ao mesmo tempo, destinatário e titular dos direitos fundamentais” (Cf. SCHWAB, Jürgen. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006. p. 170). Aqui no Brasil, seguindo uma lógica semelhante, o STF sumulou o entendimento de que “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Súmula nº 654).

15 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 234.

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inclusões privadas, avaliando que domínios não estatais podem vulnerar be-nefícios lícitos tutelados na constituição.

Tem-se duas pressuposições, como da pujança dos direitos fundamen-tais nas semelhanças privadas: a comprovação de que o elemento do poder não é peculiar das relações com o Estado, mas igualmente se desponta nos arrolamentos no meio da coletividade civil; e a concepção da Constituição como resolução de importância da sociedade, agente por que norteia todos os campos da vida social.

Na verdade, o fundamento da vinculação direta dos particulares aos di-reitos fundamentais deriva do reconhecimento de uma dimensão objeti-va desses direitos. Essa vinculação direta está intrinsecamente ligada aos demais efeitos que esta dimensão objetiva produz, quais sejam, a eficácia irradiante e os deveres estatais de proteção, que nada mais são do que os fundamentos, respectivamente, da teoria da eficácia mediata e da teoria dos deveres estatais de proteção.16

1.2.3 Teoria da eficácia imediata e mediata

Conforme os protagonistas da eficácia imediata, os direitos fundamen-tais são aproveitáveis francamente em inclusão aos particulares.

Aos que protegem a proposição da eficácia direta das regras de direitos fundamentais entre os particulares, existindo ou não normas infraconstitu-cionais numa discussão, as normas constitucionais precisam ser aproveitadas como motivos primários e justificadores, no entanto não fundamentalmente como as singulares, mas como normas de procedimento capazes para incidir no conteúdo das relações particulares17.

A essência de um regulamento legalístico que reitere expressamente regulamento ou princípio constitucional não significaria obstáculo para o bom emprego direto da norma constitucional.

Mais um assunto dos advogados da eficácia direta é o de que a impor-tância da eficácia direta nas afinidades entre particulares é uma qualidade

16 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 133.

17 Cf. COSTA JÚNIOR, Ademir de Oliveira. A eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1838>. Acesso em: 3 abr. 2012.

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de declaração genérica que concretiza o princípio de assistência dos direitos fundamentais.

Para bem ilustrar a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamen-tais, José Adércio Sampaio apresenta a seguinte situação:

Uma empresa industrial estabelece como condição de admissão a renúncia a qualquer atividade partidária ou a filiação em sindicatos. Nesse caso, a dita empresa está tolhendo o direito de livre associação sindical como re-quisito para admissão em seus quadros de funcionários. Os defensores da doutrina em questão entendem necessária “a imposição da observância di-reta dos direitos fundamentais, como princípios ordenadores da vida civil, implica que eles se apliquem nas relações privadas em que fica em perigo o mínimo de liberdade que os direitos fundamentais devem garantir como elementos da ordem objetiva da comunidade”.18

A Carta Constitucional de 1988 não considerou qualquer acondiciona-mento expresso acerca da dependência dos particulares aos direitos funda-mentais; no entanto, o Supremo Tribunal Federal já se despontou em deter-minadas ocasiões favoravelmente ao aproveitamento contíguo dos direitos fundamentais nas relações de modo eminente privadas.

De acordo com teoria indireta ou mediata, os direitos fundamentais não têm por desempenho essencial absorver conflitos de direito privado, ne-cessitando a seu bom emprego realizar-se mediante os ambientes colocados à disposição pelo competente sistema jurídico.

Incumbe ao legislador, básico destinatário dos regulamentos de di-reitos fundamentais, concretizar o aproveitamento das normas às relações jurídico-privadas e, na insuficiência dessas regras, teria a explanação da for-ça judiciária em consonância com os direitos fundamentais. Significaria uma qualidade de atendimento dos direitos fundamentais pelo direito privado.

Segundo Guilherme Marinoni, analisando as formulações de Direito:

Quando se pensa em eficácia mediata, afirma-se que a força jurídica dos preceitos constitucionais somente se afirmaria, em relação aos particulares,

18 Em última análise, os direitos fundamentais dos trabalhadores deveriam prevalecer sobre as regras impostas pela empresa; eles poderiam acionar o Poder Judiciário, se necessário, para requerer a admissão na empresa, nos termos estabelecidos, sem o tolhimento dos direitos fundamentais. (SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 234)

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por meio dos princípios e normas de direito privado. Isso ocorreria através de normas de direito privado – ainda que editadas em razão do dever de proteção do Estado. Além disso, os preceitos constitucionais poderiam ser-vir como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos inde-terminados suscetíveis de concretização, porém sempre dentro das linhas básicas do direito privado.19

Os simpatizantes desta presunção argumentam que a atenção direta dos direitos fundamentais nas relações privadas origina grave intimidação à autonomia privada, além de infligir uma faculdade desmedida às autori-dades, em presença do grau de indeterminação dos códigos definidores dos direitos constitucionais.

Pretendendo mais resguardo do princípio da autonomia e do livre desen-volvimento da personalidade, recusa a incidência direta dos direitos fun-damentais na esfera privada, alertando que tal latitude dos direitos fun-damentais redundaria num incremento do poder do Estado, que ganharia espaço para uma crescente ingerência na vida privada do indivíduo.20

1.2.4 teoria de imputação ao estado e teoria integradora (modelo de Alexy)

A teoria integradora, por seu plano, recomenda um modelo em três planos que agrega as três teorias fundamentais: teoria da eficácia mediata, teoria da eficácia imediata e teoria da imputação. Foi ampliada por Alexy21 e possui três condições: 1) o dos deveres do Estado, 2) o dos direitos ante o Estado e 3) o das relações jurídicas entre particulares.

A teoria da eficácia mediata, para Alexy, posiciona-se no nível dos de-veres do Estado.

Os direitos perante o Estado situam-se no segundo nível, seguindo-se a teoria de Schwabe22. O particular, em conflito com outro particular, tem o

19 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 172.

20 PINTO, Luciana Vieira Santos Moreira. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações interprivadas. Jus Navigandi, Teresina, a. 16, n. 3006, 24 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20057>. Acesso em: 30 mar. 2012.

21 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 516.

22 Cf. PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A dignidade da pessoa humana como direito fundamental e sua aplicação na relação de trabalho. Disponível em: <http://www.ambito-

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direito fundamental a que o Judiciário leve em consideração os princípios fundamentais que apoiam a sua posição.

Já no terceiro nível situa-se a eficácia imediata de direitos fundamen-tais nas relações jurídicas entre particulares.

Contudo, nos três casos, resulta uma eficácia imediata dos direitos fun-damentais, uma vez que Alexy define a eficácia imediata como sendo que, “por razões fundamentais, na relação cidadão/cidadão existem determina-dos direitos e não direitas liberdades e não liberdades, competências e não competências que, sem essas razões, não existiriam”23.

1.3 Princípios constitucionais do direito civil

A Constituição vem tendo, desde seus primórdios, de feitio gradual, princípios reguladores da ação do Poder Judiciário nos processos em comum, do papel do juiz no desenvolver do processo, e na análise da jurisdição de um modo geral:

Com a crescente tendência de constitucionalização do direito civil, con-sequência dos movimentos sociais e políticos de cidadania e inclusão, os princípios gerais têm-se reafirmado cada vez mais como uma importante fonte do Direito e têm-se mostrado para muito além de uma supletividade. Eles se revestem de força normativa imprescindível para a aproximação do ideal de Justiça.24

Em razão disso, pode-se enxergar nas relações familiares a viabilidade de vigência de princípios constitucionais como igualdade e dignidade hu- mana.

Desta forma, verifica-se a aplicação principiológica dos direitos funda-mentais como limitadores das relações familiares.

A título de exemplo, questione-se: um pai poderá deixar herança so-mente para um filho, excluindo os demais sem que estes deem motivos? É possível tolher direitos resultantes da relação familiar a um casal que mante-

-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5123>. Acesso em: 4 abr. 2012.

23 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 517.

24 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte, Del Rey: 2006. p. 22.

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nha relação homoafetiva? Ambas as respostas são negativas, dados os direi-tos fundamentais que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico prote-gido pelas jurisprudências dos Tribunais.

Nesse contexto é que se mostra indispensável que os fundamentos constitucionais sejam destacados por sua influência na aplicação das regras, nas apropriadas palavras de Maria Helena Diniz:

As normas constitucionais relativas à família previstas na Constituição Fe-deral de 1988 são eficazes semanticamente, porque encontram reconheci-mento de sua legitimidade pelo corpo social [...]. Não existe, inegavelmen-te, é uma mudança nos conceitos básicos, que imprimiram uma nova feição à família e que atendem às exigências da época atual, muito diferentes das exigências anteriores ao texto constitucional.25

1.3.1 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é uma característica essencial, intrín-seca de todo e qualquer ser humano e é a particularidade que o determina como tal.

Entendimento de que, em ensejo, tão unicamente, de sua qualidade hu-mana e involuntariamente de alguma distinta peculiaridade, o ser humano é titular de direitos que necessitam ser reverenciados pelo Estado e por seus análogos.

É, porquanto, uma característica incluída como própria a todos os seres humanos e conforma-se como uma importância adequada que o identifica.

Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a na-tureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objeto inanimado e morto. Pela participação, ele se torna responsável pelo outro e concria continua-mente o mundo, como um jogo de relações, como permanente dialogação.26

Segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha, ao interpretar o art. 1º da De-claração dos Direitos Humanos, faz as seguintes considerações:

25 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 1997. p. 18-19.

26 SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 22.

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Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria sente-se igual.27

Não existe hierarquia entre os princípios constitucionais aqui elenca-dos; por conseguinte, vale ressaltar a importância social que esse princípio possui no que tange à evidente relevância jurídica nas decisões jurispruden-ciais dos egrégios e até mesmo no convívio entre as pessoas, pois a partir dele que surgiram outros princípios do direito de família: o princípio da dignida-de da pessoa humana está inserido na Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, III, sendo considerado como princípio fundante do Estado Democrá-tico de Direito.

1.3.2 Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma comunhão de vida familiar

A Constituição Federal, em seu art. 226, §§ 3º e 4º, consente que a com-posição de uma comunhão de existência familiar seja constituída pelo matri-mônio ou pela união estável, sem nenhuma determinação ou observação de pessoa jurídica de direito público ou particular.

Este título de pluralismo familiar, uma vez que o regulamento consti-tucional compreende a família matrimonial e os institutos familiares (união estável e família monoparental), observando que o atual Código Civil nada cita sobre a família monoparental, constituída por um dos progenitores e a descendência, esquecendo-se de que 26% de brasileiros28, aproximadamente, existem nessa modalidade de instituição familiar.

Silvio de Salvo Venosa prevê que a Constituição Federal de 1988 aplica o amparo à família no art. 226, abrangendo tanto a família estabelecida no casamento, quanto na união de fato, a família natural e a família adotiva. De há muito, profere, o país experimentava precisão de consideração da célula familiar independentemente da vivência de casamento:

27 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Direito de todos e para todos. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 13.

28 MENDES, Nívea Zênia dos Santos Martins. A família monoparental do direito brasileiro. Disponível em: <http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=8687&cat=Ensaios&vinda=S>. Acesso em: 4 abr. 2012.

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A família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela constitucional porque apresenta as condições de sentimento da per-sonalidade de seus membros e a execução da tarefa de educação dos filhos. As formas de vida familiar à margem dos quadros legais revelam não ser essencial o nexo família-matrimônio: a família não se funda necessaria-mente no casamento, o que significa que casamento e família são para a Constituição realidades distintas. A Constituição apreende a família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico ine-xiste um conceito unitário de família.29

1.3.3 Princípio da solidariedade familiar

Solidariedade sugere em respeito e estima recíprocos em inclusão aos elementos do instituto familiar.

A dependência mútua não é exclusivamente patrimonial, como igual-mente afetuosa e psicológica. Resumem-se na obrigação de mútua ajuda que os semelhantes têm uns com os outros.

De tal modo a fonte do empenho alimentar são os vínculos de parenta-lidade que vinculam as pessoas que compõem uma família.

Esse princípio, proveniente da escritura constitucional e contido em seu art. 3º, I, aponta a adesão entre as pessoas, na intenção de subsídio mú-tuo, quer seja na família, quer seja por fora dela.

No recinto familiar, ele se desponta transversalmente da afeição, cui-dado, assistência, conduzindo nos componentes da família anseios de consi-deração e estimação.

Paulo Lobo define o princípio da solidariedade familiar da seguinte maneira:

A solidariedade do núcleo familiar compreende a solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material. Lar é por excelência um lugar de colaboração, de assistência, de cuidado; em uma palavra, de solidariedade civil. O casamento, por exem-plo, transformou-se de instituição autoritária e rígida em pacto solidário. A solidariedade em relação aos filhos responde à exigência da pessoa de ser cuidada até atingir a idade adulta, isto é, de ser mantida e instruída e

29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, direito de família. 5. ed. São Paulo: Atlas, v. VI, 2005. p. 77.

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educada para sua plena formação social. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança inclui a solidariedade entre os princípios a serem ob-servados, o que se reproduz no ECA (art. 4º).30

1.3.4 Princípio constitucional da igualdade

A Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, caput, sobre o princípio constitucional da igualdade, em presença da lei, nos imediatos termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-priedade, nos termos seguintes.

O princípio da igualdade prevê a igualdade de aptidões e de possibili-dades virtuais dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei.

Por meio desse princípio são vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas, não justificáveis pelos valores da Constituição Federal, e tem por finalidade limitar a atuação do legislador, do intérprete ou autoridade públi-ca e do particular.

O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988 encontra--se representado, exemplificativamente, no art. 4º, VIII, que dispõe sobre a igualdade racial; do art. 5º, I, que trata da igualdade entre os sexos; do art. 5º, VIII, que versa sobre a igualdade de credo religioso; do art. 5º, XXXVIII, que trata da igualdade jurisdicional; do art. 7º, XXXII, que versa sobre a igualda-de trabalhista; do art. 14, que dispõe sobre a igualdade política; ou ainda do art. 150, III, que disciplina a igualdade tributária31.

O princípio da igualdade atua em duas vertentes: perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto; por sua vez, a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente au-torizadas.

30 LOBO, Paulo. Princípio da solidariedade familiar. Disponível em: <http//www.ibdfam.org.anais>. Acesso em: 29 mar. 2012.

31 BARRETO, Ana Cristina Teixeira. Carta de 1988 é um marco contra discriminação. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-nov-05/constituicao-1988-marco-dis - -criminacao-familia-contemporanea>. Acesso em: 4 abr. 2012.

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Consagrado pela Constituição, opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respec-tivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se en-contram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intér-prete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, “sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social”32.

O legislador não poderá editar normas que se separem do princípio da igualdade, sob pena de evidente inconstitucionalidade.

O intérprete e a autoridade política não podem aplicar as leis e os atos normativos aos casos sólidos de configuração a instituir ou acrescentar desi-gualdades. O particular não pode relacionar seus procedimentos em ações discriminatórias, preconceituosos, racistas ou sexistas.

1.3.4.1 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros

Com a publicação da Constituição de 1988, não ficaria mais admissível regular as inclusões de família com embasamento no defasado Código Civil de 1916.

Quase tudo que era instituído em tal documento, no que pertencem às relações de família, foi abolido com o estabelecimento da Carta Magna.

Em 2002, é estabelecido, no ordenamento legal brasileiro, um novo Có-digo Civil, que veio para regulamentar as inclusões privadas em conformida-de com a Constituição de 1988.

O Texto Maior reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal formada pelo casamento ou pela união estável (art. 226, §§ 3º e 5º, da CF/1988). “Lembramos que o art. 1º do atual Código Civil utiliza o termo pessoa, não mais homem, como fazia o art. 2º do Códi-go Civil de 1916, deixando claro que não será admitida qualquer forma de distinção decorrente do sexo”.33

32 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 65.33 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Jus Navigandi,

Teresina. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8468/novos-principios-do- -direito-de-familia-brasileiro>. Acesso em: 2 abr. 2012.

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As relações entre as pessoas, sobretudo entre os cônjuges e companhei-ros, incidem a apresentar um novo enfoque.

Legitimamente a subordinação é extinguida, pois a sociedade não mais agrupa o sistema de ideias de uma família patriarcal, machista e sexista.

Nesse andamento histórico, a esposa já amplia respeitável função na coletividade. Além de ser mãe, mulher e filha, ela trabalha, torna-se inde-pendente, batalha pelas suas necessidades, contém julgamento e esperteza venerada.

Passa-se, portanto, a ter um novo padrão social: o matrimônio não é mais baseado nas recomendações do pai, ou nas concordatas econômicas das famílias.

A afinidade matrimonial advém de amor, apreço e companheirismo; a mulher elege o homem que anseia repartir seus períodos de vida.

O casamento incide em ser governado pelos inícios essenciais, da de-cência da pessoa humana, da liberdade e da equidade.

O princípio da dignidade humana pode ser concebido como estruturante e conformador dos demais, nas relações familiares. A Constituição, no art. 1º, o tem como um dos fundamentos da organização social e política do país, e da própria família (art. 226, § 7º). Na família patriarcal, a cidadania plena concentrava-as na pessoa do chefe, dotado de direitos que eram negados aos demais membros, a mulher e os filhos, cuja dignidade humana não podia ser a mesma. O espaço privado familiar estava vedado à intervenção pública, tolerando-se a subjugação e os abusos contra os mais fracos. No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público é matrizado exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar, ainda tão duramente violada na re-alidade social, máxime com relação às crianças. Concretizar esse princípio é um desafio imenso, ante a cultura secular e resistente. No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o art. 227 da Constituição expressa essa viragem, configurando seu específico bill of rigths, ao estabelecer que é de-ver da família assegurar-lhe, “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além de colocá-la “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da pró-pria família. É uma espetacular mudança de paradigmas.

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Já o princípio da liberdade preceitua que:

O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou auto-nomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem im-posição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre plane-jamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeite suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no res-peito à integridade física, mental e moral.

E, por fim, o princípio da dignidade finaliza seu conceito pontificando que:

O princípio da igualdade, formal e material, relaciona-se à paridade de di-reitos entre os cônjuges ou companheiros e entre os filhos. Não há cogitar de igualdade entre pais e filhos, porque cuida de igualar os iguais. A conse-quência mais evidente é o desaparecimento de hierarquia entre os que o di-reito passou a considerar pares, tornando perempta a concepção patriarcal de chefia. A igualdade não apaga as diferenças entre os gêneros, que não pode ser ignorada pelo direito. Ultrapassada a fase da conquista da igual-dade formal, no plano do direito, as demais ciências demonstraram que as diferenças não poderiam ser afastadas. A mulher é diferente do homem, mas enquanto pessoa humana deve exercer os mesmos direitos. A história ensina que a diferença serviu de justificativa a preconceitos de supremacia masculina, vedando à mulher o exercício pleno de sua cidadania ou a rea-lização como sujeito de direito.34

1.3.4.2 Princípio da igualdade entre filhos

Outrora, existiam os filhos naturais, os legítimos e os ilegítimos. Os naturais constituíam em filhos de pais não matrimoniados, porém que não se uniam por escolha. Pais solteiros originavam o filho avaliado “natural”.

Quanto aos bastardos, um dos pais era impedido de se casar. Um casa-do, outro solteiro. O filho que daí sobreviesse significaria avaliado ilegítimo.

E, por fim, os verdadeiros, que são os filhos resultantes da aliança.

34 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Jus Navigandi, Teresina. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8468/novos-principios-do- -direito-de-familia-brasileiro>. Acesso em: 2 abr. 2012.

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Isto tudo fazia objeto nos acertamentos da criança, e igualmente nos relacionamentos das crianças com as diversas.

Filho ilegítimo era, de vez em quando, reprimido de conviver em de-terminadas escolas.

Com a Constituição, presentemente há a vedação da discriminação en-tre filhos, qualquer que signifique sua ascendência. Não pode haver discri-minação entre irmãos.

A Carta Magna garante a importância dos filhos em qualquer momen-to. Filho é filho. Nada tem a ver com a condição civil dos pais. Nessa qualida-de de filho, ele tem identidade com seus irmãos.

A Lei Maior foi de modo inclusivo além, depositando essa equidade até mesmo nos arrolamentos incestuosos. A criança brotada da adulteração não é culpada; por conseguinte, é juridicamente análoga a todas as seguintes da família, possuindo assim os mesmos direitos.

Relação sexual em meio a mãe e filho, originando um filho-irmão, de-positará no mundo uma criança em empate de classes jurídicas em inclusão aos antigamente proferidos “legítimos”.

Perante as circunstâncias instituídas pelo ser humano, vê-se sempre, e sucessivamente, que o mundo está em presença de provocações jurídicas desmedidas, sobretudo em relação às crianças que nada têm a ver com a ação que a gerou. A criança tem que ser resguardada pelo Direito. “A igualdade tem que ser buscada em todas as situações, inclusive nas relações espúrias com os pais”35.

1.3.4.3 Eficácia do princípio da igualdade nas relações entre particulares

Observe-se que, para os simpatizantes da teoria da eficácia mediata e indireta dos direitos fundamentais, a assistência nas relações entre particu-lares deve ser prenunciada pelo legislador, estabelecendo uma matéria no próprio direito privado que se revele combinado com os pareceres constitu-cionais.

35 INDEFINIDO, Autor. Características gerais do direito de família e um pouco de história. Disponível em: <http://notasdeaula.org/dir7/direito_civil6_24-02-11.html>. Acesso em: 2 mar. 2012.

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Ao Poder Judiciário sobraria tão somente o papel de rechear as dispo-sições indeterminadas editadas pelo legislador e professar a inconstitucio-nalidade daqueles regulamentos privados conflitantes com a Carta Funda-mental36.

Sob a ótica crítica, a teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, ao atribuir ao legislador, e não ao juiz, o dever de constituir o palco de assistência dos particulares.

Se, por um lado, garante uma maior legalidade a esta disposição, uma vez que o primeiro é nomeado por meio de procedimento de parecer públi-co, no caso brasileiro por meio de eleições diretas, e o segundo sem a infor-mação direta do povo, seja através de concurso público, seja por meio de recomendação presidencial com aceitação do Congresso Nacional, por outro lado, deixa os particulares submissos às pluralidades acidentais, bem como à morosidade na concordância de regulamentos pelo Poder Legislativo.

Esse rol de proteção consagra um modelo de Estado do Bem-Estar So-cial, voltado para a promoção da igualdade não só formal, mas também ma-terial, inexistindo uma separação rígida entre o Estado e a sociedade civil, sendo, nos dizeres de Daniel Sarmento, “francamente incompatível com a tese radical, adotada nos Estados Unidos, que simplesmente exclui a aplica-ção dos direitos individuais sobre as relações privadas”37.

Portanto, no Brasil, não houve a adoção da tese da “state action” nor-te-americana. Vê-se, desta forma, que nossa Lei Fundamental também não adotou a tese da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.

1.3.5 Princípio da afetividade

A afabilidade é distinta pela quase unanimidade dos doutrinadores como uma das descrições características entre a família clássica e contempo-rânea. Em outros períodos, o instituto doméstico era cenário exclusivamente

36 Da mesma forma, ela (Constituição de 1988) nos parece inconciliável com a posição mais compromissória, mas ainda assim conservadora, da eficácia horizontal indireta e mediata dos direitos individuais, predominante na Alemanha, que torna a incidência destes direitos dependente da vontade do legislador ordinário, ou os confina ao modesto papel de meros vetores interpretativos das cláusulas gerais do direito privado. (Cf. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 214)

37 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 214.

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bem como um conjugado de semelhanças contornado, sobretudo, à procria-ção e para fins econômicos.

Recentemente, posteriormente à Carta Magna de 1988, a família passou a ser vista como uma essência que transporta ao íntegro incremento da indi-vidualidade dos seus componentes, continuamente incluindo como hipótese o componente apego.

No instituto da família, não era utilizado o termo afeto, para o orde-namento jurídico e para a aferição das imediações resumidas da instituição familiar.

Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora. A entidade familiar deve ser atendida, hoje, como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional.38

A oportuna terminologia empregada por ampla parte de autores, entre eles Cristiano Chaves, significa o modo plural da percepção atualizada do instituto familiar.

Não somente o casamento apresenta o condão de constituir legitima-mente uma família, mas a intuição familiar tem como essência a afetividade, tendo uma ampla compreensão, protegendo os mais variáveis institutos fa-miliares.

das COnsideraçÕes Finais

É imperioso o respeito aos princípios constitucionais que possuem ca-ráter normativo, a fim de se construir uma sociedade mais livre, justa e soli-dária, conforme os ditames expressos na Constituição Federal.

Para tanto, é imprescindível enxergar o direito de família com base numa nova hermenêutica, ou seja, o desenvolvimento de uma nova dogmá-tica da interpretação constitucional, que exige a concretização dos direitos

38 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 153.

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fundamentais e o reconhecimento da eficácia da força normativa da Consti-tuição.

Ora, nos tempos hodiernos, não se tem meramente sujeitos titulares de bens, e sim sujeitos de direitos, com garantias e direitos fundamentais explíci-tos na Constituinte de 1988; no entanto, é mister a dimensão ontológica para alcançar a efetivação de direitos civis constitucionalizados.

É de se perceber, por exemplo, o atendimento ao princípio da isono-mia, no que se refere aos direitos pertencentes aos filhos, sendo eles adota-dos, naturais, legítimos ou “bastardos”, e a Constituição Federal e o Código Civil asseguram os mesmos direitos, proibindo quaisquer que sejam as dis-tinções ou discriminação.

Pode extrair, ainda, a construção da família via a afetividade ao invés do instituto formal do casamento e a gestão familiar dirigida igualmente pe-los cônjuges, além do dever de ajuda mútua entre os membros familiares.

A importância da eficácia horizontal nas relações entre os particulares é fulcral, posto que fomenta a aplicabilidade dos direitos fundamentais, alcan-çando o particular de forma direta, e ainda, independentemente de normas infraconstitucionais legisladas sobre a matéria, vem por quebrar o paradigma do positivismo normativo, permitindo o processo de filtragem constitucional e a concretização das normas constitucionais ao caso concreto atingindo o cidadão tão carente de justiça.

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tutela de eVidÊnCia e abusO dO direitO de deFesa

João carlos leal Junior

Mestre em Direito Processual Civil pela UEL/PR, Advogado em São Paulo.

RESUMO: A morosidade do processo decorre de causas diversas, tais como condutas dos litigantes, falta de recursos humanos sufi-cientes nos Tribunais, elevado número de processos, bem como em virtude da ineficiência do tradicional procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se superada antes da introdução da tutela an-tecipatória no revogado Código de Processo Civil (1973). Sendo o abuso do direito processual frequentemente observado na prática forense, o que viola a boa-fé e contribui para a demora do processo, neste estudo será analisado especificamente o abuso do direito de defesa e a possibilidade de concessão de tutela de evidência emba-sada em tal fundamento, com enfoque nos aspectos práticos e con-trovertidos sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Abuso do direito de defesa; manifesto propó-sito protelatório; tutela antecipada; tutela de evidência.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Apontamentos propedêuticos sobre a tu-tela de evidência; 1.1 Da tutela antecipada; 1.2 A tutela de urgência e a tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: modifi-cações, semelhanças e distinções; 1.3 Fundamentos constitucionais e legais da tutela de evidência; 1.4 Aspectos conceituais, caracterís-ticas da tutela da evidência e distinções do julgamento antecipado parcial do mérito; 1.5 Requisitos da tutela da evidência; 2 O abuso do direito de defesa; 2.1 Conceito de abuso de direito e os reflexos no direito processual civil; 2.2 O abuso do direito de defesa e o manifes-to propósito protelatório como fundamento da tutela de evidência; 3 Aspectos práticos e controvertidos sobre o deferimento da tutela provisória fundada no abuso do direito de defesa; Conclusões; Re-ferências.

intrOduçãO

A demora do processo origina-se de causas as mais diversas possíveis, como condutas (ações e omissões) dos litigantes, falta de recursos humanos suficientes nos Tribunais, elevado número de processos, bem como em vir-tude da “ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura encon-

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trava-se superada antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil”1-2.

Assim, a crise enfrentada pelo procedimento comum, naturalmente ordinarizado e, de consequência, extremamente formal, complexo e burocrá-tico, colaborou para sua inefetividade, o que acabou por transformar a tutela cautelar do Código de Processo Civil de 1973 em válvula de escape para que o Judiciário prestasse uma tutela jurisdicional tempestiva.

No estado atual do Direito e do processo civil, a população e os ope-radores do Direito, com apoio na Constituição Cidadã de 1988, não se satis-fazem com a mera prestação jurisdicional. Esta deve ser adequada, efetiva e, acima de tudo, tempestiva. Só assim é possível alcançar acesso à ordem jurí-dica justa, concepção moderna pela qual é encarado o direito fundamental de acesso à justiça, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição.

Assim, a tutela cautelar acabou por se transformar em técnica de “su-marização do processo de conhecimento e, em última análise, em remédio contra a ineficiência do velho procedimento ordinário, viabilizando obten-ção antecipada da tutela que somente poderia ser concedida ao final”3. Essa verdadeira distorção pela qual passou a tutela cautelar até o surgimento da tutela antecipatória foi “fruto da necessidade de celeridade e da exigência de efetividade da tutela dos direitos”.

Ora, um processo justo é um processo comprometido com o direito material, já que o processo não passa de um instrumento a serviço dos direi-tos. É como bem frisa a doutrina: o processo não é um fim em si mesmo.

A evolução em sede doutrinária e jurisprudencial colaborou para a al-teração legal que previu a tutela antecipada no Código de Processo Civil de

1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: RT, v. 2, 2008. p. 198.

2 “O instrumento jurisdicional é calcado de formalidades tidas como exacerbadas, sobretudo, o da certeza concreta – ideal de justiça. Todavia, o legislador se esqueceu de que o processo civil é voltado à concretização do direito material e que ele é apenas um caminho, sendo, portanto, um dever do Estado em provê-lo de forma uniforme e equalizada – princípio constitucional fundamental da igualdade, tratar os desiguais na medida das suas desigualdades e os iguais dentro do grau de suas igualdades –, pois uma tutela ineficiente e desequilibrada é o mesmo que negar o acesso à justiça.” (CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 140, 2010)

3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 199.

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1973, em seu art. 273, o que representou grande avanço em matéria de tutela de direitos.

A consagração da tutela da evidência no novo Código de Processo Ci-vil (2015) e o aumento das hipóteses legais que a fundamentam trazem a premente necessidade de serem elaborados estudos sobre o tema. Assim, o presente trabalho tem por fim analisar especificamente o abuso do direito de defesa no deferimento da tutela antecipada de evidência, já que essa hipótese é a que gera mais inquietações, por sua importância prática.

O abuso do direito é frequentemente observado na prática forense pe-los sujeitos da relação processual. Assim sendo, neste estudo será dado en-foque ao abuso do direito de defesa e à possibilidade de concessão de tutela de evidência embasada em tal fundamento, analisando-se alguns aspectos práticos e controvertidos sobre o tema.

1 aPOntamentOs PrOPedÊutiCOs sObre a tutela de eVidÊnCia

1.1 da tutela antecipada

Tutela jurisdicional, conforme a doutrina, significa o resultado final do exercício da jurisdição firmado em favor de quem tem o respaldo do plano material do ordenamento jurídico4. Assim, a tutela pode ser prestada não só em favor do autor, mas também do réu, quando reconhecido na decisão judi-cial que a esse assiste razão.

Não se pode confundir os conceitos de tutela jurisdicional e tutela ju-rídica (ou tutela de direitos). Essa última expressão refere-se à proteção esta-belecida pelas leis aos direitos materiais, ao passo que a primeira diz respeito especificamente à atividade jurisdicional, após provocação do Judiciário pelo interessado.

Yarshell5 explica não ser incorreto utilizar a expressão tutela jurisdicio-nal de forma mais ampla, a fim de abranger, além do resultado do processo, os meios ordenados à consecução deste mesmo resultado.

Quando a doutrina fala, por exemplo, de uma tutela jurisdicional diferen-ciada, não cogita apenas do resultado substancial a ser proporcionado ao

4 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 2. ed. São Paulo: DPJ, 2006. p. 24.5 Ibid., loc. cit.

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titular de uma posição jurídica de vantagem, mas também dos meios pre-dispostos à consecução desse resultado. Assim, embora nesse contexto o resultado se revista de peculiaridades e características ditadas pelos meios ordenados a sua consecução, é também para esses últimos que se atribui o qualificativo diferenciado.

Tutela diferenciada, por sua vez, pode ser concebida como aquela com tratamento diverso do procedimento comum e que, por isso, é capaz de tute-lar o direito rapidamente e com eficácia. Deve ser ela vista como mecanismo adequado a um dado tipo de tutela do direito. Essa tutela diferenciada vem sendo buscada pelos operadores do Direito como tentativa de se amoldar a um procedimento mais célere, capaz de dar resposta à pretensão do jurisdi-cionado em tempo razoável6, recebendo grande destaque, neste campo, as tutelas provisórias.

Como ensina Humberto Theodoro Junior7,

desde que os olhos da ciência do Direito se voltaram para a noção do de-vido processo legal, um ponto se tornou consenso: não se pode reconhecer como processo devido aquele excessivamente demorado, ou seja, aquele que entre a invocação da tutela jurisdicional e sua efetiva prestação de-manda um tempo muito longo, afrontando o que seria a duração razoável do processo.

Assim, as noções de devido processo legal, acesso à justiça e duração razoável do processo foram determinantes para o surgimento do instituto da antecipação dos efeitos da tutela.

Em vários ordenamentos jurídicos, foi prevista a possibilidade de pro-vidências antecipatórias, como, por exemplo, Itália, França e Portugal8.

A possibilidade de concessão genérica de tutela antecipada foi previs-ta no Brasil com a promulgação da Lei nº 8.952/1994, que alterou a reda-ção do art. 273 do Código de Processo Civil de 1973. Contudo, como ensina

6 SOUZA, Gelson Amaro de. Tutela diferenciada e a efetividade do direito (urgência e definitividade). In: GIANNICO, Ana Paula (Coord.). Temas atuais das tutelas diferenciadas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 287.

7 THEODOROJUNIOR, Humberto. Tutela antecipada. Evolução. Visão comparatista. Direito brasileiro e direito europeu. Revista de Processo, São Paulo, v. 157, p. 129-146, mar. 2008.

8 Ibid.

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Gonçalves9, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já previa a possibili-dade de antecipação, “especificamente nas obrigações de fazer ou não fazer, no âmbito das relações de consumo (Lei nº 8.078/1990, art. 84, § 3º)”.

Mesmo antes, já era prevista, em algumas hipóteses bem específicas, a antecipação da tutela em procedimentos especiais, sob a rubrica de “liminar”, como no caso dos interditos possessórios e na ação de alimentos: havia ver-dadeira concessão de tutela de urgência de cunho satisfativo, e não cautelar.

Assim, o que o novo art. 273 fez foi transformar em geral a possibili-dade de antecipação de tutela para todos os processos de conhecimento: se antes as situações em que havia tal possibilidade “dependiam de expressa previsão de lei (numerus clausus) e do preenchimento de requisitos específi-cos (v.g., nas possessórias, esbulho, turbação ou ameaça há menos de ano e dia; nos alimentos provisórios, prova pré-constituída do dever alimentar)”10, com a reforma em questão, a tutela antecipada passou a poder ser concedida em qualquer processo de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos genéricos da lei.

A doutrina sustentava a aplicação de um instrumento processual que pudesse dar maior efetividade ao processo judicial, “antevendo os efeitos da sentença – mesmo perante um juízo de cognição sumária e fundado em uma decisão provisória – como forma de distribuição racional do ônus do tempo no procedimento jurisdicional”11.

Generalizada, então, a possibilidade de tutela antecipada, a melhor doutrina enfatizou, a título de esclarecimento, que ela não se confundia com a tutela cautelar, embora fossem ambas espécies de tutela provisória de ur-gência.

Neves12 preleciona que a distinção entre tutela cautelar e tutela anteci-pada fundamenta-se na explicação de que a “primeira assegura o resultado útil do processo, enquanto a segunda satisfaz faticamente o direito da parte (geralmente o autor, mas não exclusivamente)”.

9 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento. 10. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. p. 289.

10 Ibid., p. 289.11 CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada

de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 140, 2010.

12 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 1338.

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A tutela antecipatória13 (ou antecipada) consiste na “possibilidade de antecipação, total ou parcial, dos efeitos da própria sentença. Com isso, sa-tisfaz-se provisoriamente a pretensão posta em juízo. Por seu intermédio, o juiz concede, antecipadamente, aquilo que está sendo pedido, embora ainda em caráter provisório”14. Ou seja, ao antecipar os prováveis efeitos da futura sentença, o julgador viabiliza que o favorecido obtenha os benefícios que só teria com a sua prolação:

Se o pedido era condenatório, a concessão de tutela antecipada permiti-rá ao autor dar início, desde logo, ao processo de execução, para exigir a quantia ou o bem que lhe foram provisoriamente atribuídos; se o pedido era declaratório ou constitutivo, ele permitirá ao autor beneficiar-se, desde logo, das consequências que da declaração, constituição ou desconstitui-ção da relação jurídica resultariam. Por exemplo, se for ajuizada uma ação declaratória de inexigibilidade de um título de crédito, a antecipação trará ao autor os mesmos benefícios que só adviriam com a sentença definitiva, inclusive o de sustar ou cancelar o protesto do título em cartório.

Enfim, o deferimento da tutela antecipada possibilita que o requerente desta medida obtenha um benefício que só receberia no futuro, com o surgi-mento da sentença.

1.2 a tutela de urgência e a tutela de evidência no novo Código de Processo Civil: modificações, semelhanças e distinções

O novo Código de Processo Civil (NCPC), como já dito, operou modi-ficações na sistematização e no regime jurídico das tutelas provisórias, entre elas a tutela antecipada.

13 “A definição de tutela antecipada é, por vezes, muito difícil. Isto porque, na maioria das vezes, esta vem depois que o direito já foi violado e, em verdade, nada se antecipa, senão, implica correr atrás do prejuízo para recuperá-lo ou amenizá-lo. Só se pode pensar em verdadeira tutela antecipada em casos específicos em que esta tutela chega antes do dano ou do prejuízo ao direito, como se dá em alguns casos de tutela inibitória, que, como o próprio nome indica, inibe a atuação do malfeitor. Fora isso, não se haveria de falar em tutela antecipada, pois aquela que vem depois que o direito foi violado, já não é mais antecipada, senão corretiva ou ressarcitória, conforme o caso. Correção e ressarcimento sempre vêm a posteriori.” (SOUZA, Gelson Amaro de. Tutela diferenciada e a efetividade do direito (urgência e definitividade). Temas atuais das tutelas diferenciadas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 289)

14 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento. 10. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. p. 291.

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Conforme a doutrina15, é possível verificar, a partir do NCPC, que a tutela pode ser provisória ou definitiva. E é no campo da tutela provisória que se destacam as modificações. Pelo NCPC (art. 294), assim, tem-se que a tutela provisória pode ser i) de evidência ou ii) de urgência. Já a tutela de urgência pode ser i) cautelar ou ii) antecipada, sendo que ambas as tutelas, cautelar e antecipada, podem ser concedidas de forma antecedente (antes da instauração da relação processual principal) ou incidental (já presente a rela-ção processual principal).

Consoante Araújo16, “houve um rompimento topológico e estrutural com o Código de Processo Civil de 1973 em dois pontos básicos e essenciais”. O primeiro diz respeito à eliminação do livro autônomo dedicado ao proces-so cautelar: o NCPC rompeu a separação topológica entre a tutela antecipada e cautelar. “Ambas passam a ser disciplinadas como espécies de tutela de urgência na Parte Geral”.

A eliminação do livro autônomo que regulava o processo cautelar (Livro III do CPC/1973) também acarretou a eliminação das medidas cautelares nominadas. A leitura dos arts. 305 a 310 do novo CPC não permite outra conclusão. Não há dúvida de que muitas das medidas típicas reguladas no Código/1973 não eram propriamente cautelares. Com relação a este ponto, o novo Código realocou, corretamente, parte destas medidas para o proce-dimento comum, para os procedimentos especiais e até para a Parte Geral [...]17

O segundo ponto de ruptura relaciona-se com a previsão autônoma da chamada tutela de evidência:

O CPC/1973 trazia a previsão da tutela de evidência no art. 273, II. Poste-riormente foi agregada a previsão do art. 273, § 6º, que permitia a antecipa-ção da tutela quando os pedidos formulados, ou parcela deles, se tornas-sem incontroversos na relação processual. O novo Código separou a tutela de evidência em dispositivo próprio (art. 311) e transformou, corretamente, a hipótese do [...] § 6º [...] em situação de julgamento parcial, com ou sem resolução do mérito (arts. 354, parágrafo único, e 356). O tratamento do julgamento parcial de mérito como hipótese de tutela provisória induzia

15 MEDINA, José Miguel Garcia; MEDINA, Janaina Marchi. Guia prático do novo processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2016.

16 ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil: parte geral. São Paulo: Malheiros, t. 1, 2016. p. 952.

17 Ibid., p. 953.

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o aplicador a duas situações inusitadas. A primeira quanto à possibilidade de concessão de tutela antecipada ou de evidência ex officio. A segunda quanto à falsa noção de possibilidade de reversão da tutela concedida, na fase da sentença. A aparente concessão ex officio decorria da visão turva que não percebida que a hipótese [...] era clara situação de julgamento an-tecipado parcial, e não julgamento provisório. A concepção do julgamento antecipado parcial como julgamento provisório tornaria obrigatória para o Magistrado a confirmação, na sentença final, da antecipação parcial do mé-rito mesmo em face de pedido incontroverso. Percebe-se o acerto quanto à nova sistematização, que agora conta com o julgamento antecipado parcial, com ou sem análise de mérito (arts. 354, parágrafo único, e 356) e com o julgamento antecipado de mérito (art. 355).18

Assim, a tutela de evidência, além de ganhar previsão específica na lei, teve seu rol de aplicação aumentado, como se vê do art. 311, que trata do assunto, sendo concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando presente alguma das hipóteses legais, analisadas mais à frente.

Da análise do caput do artigo predito, verifica-se que a tutela de ur-gência não se confunde com a tutela de evidência, já que o perigo de dano é elemento essencial para a primeira, ao passo que é indiferente para a última (“independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao re-sultado útil do processo”). Agora, portanto, a tutela da evidência recebeu tratamento próprio, não mais como simples espécie de tutela antecipada (do-ravante tratada pela lei como modalidade de tutela de urgência), mas, isto sim, de tutela meramente provisória (em contraposição à tutela definitiva).

Araújo ressalta que o regime jurídico que informa a tutela de evidên-cia não se confunde com o da tutela de urgência (embora ambas tenham a característica de serem concedidas de forma provisória): além da diferença no que concerne ao perigo de dano, há ainda outra distinção importante, re-lativamente à comprovação dos fatos que justificam a concessão da tutela: no caso da tutela de urgência, basta o fumus, ou seja, a plausibilidade do direito alegado; por sua vez, na tutela da evidência, exige-se mais, uma vez que a ve-rossimilhança não será suficiente. “O pressuposto para a concessão da tutela

18 Ibid., p. 954-955.

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da evidência é a demonstração de plano do fato jurídico que justifica a tutela judicial”19.

Por derradeiro, pode-se concluir que a tutela da evidência constitui-se em uma tutela jurisdicional sumária satisfativa, fundada em um juízo de alta probabilidade ou de quase certeza da existência do direito que independe de urgência.

1.3 Fundamentos constitucionais e legais da tutela de evidência

Aspecto importante a ser ressaltado no que concerne à tutela da evi-dência respeita aos fundamentos constitucionais e legais que a legitimam e embasam. Neste sentido, em sede constitucional, tem-se como fundamento o reconhecimento da necessidade de distribuição isonômica do ônus do tempo no processo, que deriva de dois importantes direitos fundamentais: i) o di-reito à duração razoável do processo – processo sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII); e ii) o direito à isonomia (CF, art. 5º, caput).

O fenômeno da “constitucionalização do processo” colocou o direito fundamental de ação no rol dos direitos constitucionalmente garantidos, pre-vendo ampla proteção aos jurisdicionados, que têm à disposição a possibili-dade de se socorrerem do Judiciário mesmo em situações em que haja mera ameaça a direito (isto é, não só em caso de efetiva lesão).

Assim, a proteção conferida pelo sistema processual não pode ser me-ramente formal, mas substancial. Isso decorre da cláusula do devido processo, que informa todos os demais princípios constitucionais processuais. Exige--se, então, “mecanismos que possam atenuar o elemento temporal que é ín-sito ao processo”20.

Todo processo necessariamente dura certo tempo. O grande problema é quando o tempo se transforma em elemento pernicioso no procedimen-to de cognição plena. Uma das maiores crises do processo revela-se em problema tão decantado, mas ainda presente, que reside na efetividade. De nada adianta a declaração, a constituição, a condenação, a emissão de ordem ou, mesmo, a execução quando o direito material tutelado tenha pe-recido em função do lapso temporal transcorrido. O processo moroso [...]

19 ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil: parte geral. São Paulo: Malheiros, t. 1, 2016. p. 1010.

20 ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil: parte geral. São Paulo: Malheiros, t. 1, 2016. p. 955.

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viola a ordem jurídica e põe em risco a posição jurídica daquele que merece a proteção de sua pretensão.21

Neste particular, o direito à razoável duração do processo22 preconiza que o processo dure por “tempo adequado a solucionar, com justiça, o con-flito levado à juízo”. A duração “exagerada, acima do quantum suficiente à adequada cognição do magistrado, é agora, de forma expressa, constitucio-nalmente proscrita”23.

Um processo com duração de tempo razoável é um processo em que há celeridade suficiente para tanto. Isso porque são situações, em sua maioria, de extrema importância para ao menos um dos envolvidos. E o retarda-mento na definição delas perpetua a insegurança, a incerteza, a angústia e o conflito, razão pela qual a celeridade deve ser buscada.

Quando se fala em razoável duração do processo e celeridade de sua tra-mitação quer-se, indubitavelmente, a superação da morosidade endêmica verificada no Brasil, causada por uma vasta gama de motivos, os quais de-vem ser tratados.24

No que se refere ao princípio da isonomia, o caput do art. 5º da CF asse-gura a isonomia como um direito fundamental indispensável à manutenção da vida em sociedade. Esse princípio exige que a lei e o Judiciário tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desi-gualdade (igualdade material, e não meramente formal). Assim, os litigan-tes “devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo a que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso de paridade de armas: o procedimento deve proporcionar às partes as mesmas armas para a luta”25.

21 Ibid., p. 956.22 “A Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas

as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo; c) a atuação do órgão jurisdicional.” (DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2009. p. 54)

23 LEAL JÚNIOR, João Carlos. Morosidade do Judiciário e os impactos na atividade empresarial. Curitiba: CRV, 2015. p. 65.

24 Ibid., loc. cit.25 DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2009.

p. 55.

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O processo não pode prover apenas o contraditório formal, mas, isto sim, o material. Neste sentido substancial, explica Fredie Didier26, o princípio da igualdade confunde-se com o devido processo legal substancial.

O NCPC, em seu art. 139, dita que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I – assegurar às partes igualda-de de tratamento”.

Assim, pode-se dizer que uma das consequências inafastáveis da con-sagração dos princípios da isonomia/igualdade substancial e da razoável du-ração do processo é o surgimento da tutela da evidência, porque tal instituto materializa as prescrições emanadas de ambos os princípios mencionados.

Isso porque a tutela de evidência distribui o tempo no processo de modo igualitário, retirando, em grande parte, o peso da demora do processo dos ombros do autor, e contribui para a razoabilidade da duração do proces-so, já que permite antecipar os provimentos que só seriam concedidos na fase da sentença.

Assim, a tutela de evidência, como as demais tutelas provisórias, é me-canismo que “visa a atenuar os efeitos prejudiciais do tempo na satisfação do direito postulado pelas partes em juízo”27:

A tutela provisória, por meio da cognição sumária, procura reequilibrar a relação jurídica e amenizar a situação angustiante daquele que demons-tra a probabilidade do direito afirmado e o perigo na demora no resultado útil do processo [...] ou, ainda, quando a parte revele a evidência de sua posição jurídica [...], que sequer dependerá de urgência ou perigo da demora, mas apenas da simples constatação de que lhe assiste o direito postulado, o qual deve ser tutelado de modo imediato [...].28

Enfim, a tutela da evidência está de acordo com o perfil constitucional brasileiro, seguindo os ditames do devido processo legal e do amplo acesso à justiça, que impõe a atuação do Judiciário para prestar tutela de forma útil, adequada e tempestiva.

26 Ibid., p. 56.27 ARAÚJO, Fabio Caldas de. Curso de processo civil: parte geral. São Paulo: Malheiros, t. 1,

2016. p. 956.28 Ibid., p. 956.

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1.4 aspectos conceituais, características da tutela da evidência e distinções do julgamento antecipado parcial do mérito

A possibilidade de utilização de uma tutela provisória de evidência surgiu com o § 6º do art. 273 do CPC/1973, inserido pela Lei nº 10.444/2002.

Direito evidente é aquele que se sustenta por si só, dispensando a dila-ção probatória, ou mediante prova documental irrefutável do direito alegado pela parte, independente da necessidade de tempo para se produzir a pro-va29. A tutela de evidência, portanto, abarca situações em que

se opera mais do que o fumus boni iuris, mas a probabilidade de certeza do direito alegado, aliada à injustificada demora que o processo ordinário car-reará até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, posto que injusta a espera determinada.30

Mostra-se relevante, neste momento, mencionar algumas característi-cas da tutela da evidência, a fim de restarem demonstradas suas especificida-des e, consequentemente, sua individualidade, distinguindo-a especialmente do julgamento antecipado parcial do mérito.

Em primeiro lugar, no que concerne ao contraditório, na tutela da evi-dência, pode ele ser prévio (art. 311, I e IV, do NCPC) ou postergado (art. 311, II e III, do NCPC), conforme previsão do art. 311, parágrafo único, do NCPC. Ou seja, há variação conforme a hipótese específica em que se fundamenta sua concessão. Já no julgamento antecipado parcial do mérito, o contraditório é necessariamente prévio, pois esse julgamento deve ser realizado posterior-mente ao decurso do prazo para contestação.

Por sua vez, no que se refere à cognição judicial, a tutela da evidên-cia é prestada mediante cognição sumária (também chamada de superficial). Vale dizer, não se trata de uma cognição aprofundada ou exauriente, a qual ocorre no momento do julgamento do mérito propriamente dito do processo, como ocorre na sentença ou na decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito.

29 CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 140, 2010.

30 FUX apud CAMPOS, Diones Santos. A natureza jurídica da decisão que concede a tutela antecipada de evidência e seu papel na entrega tempestiva da prestação jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 140, 2010.

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Além disso, quanto à possibilidade de revogação, tem-se que a tutela da evidência é revogável31, eis que se trata, como já apontado anteriormente, de tutela provisória. Antecipam-se apenas efeitos práticos da futura decisão final, de sorte que pode haver modificação/revogação desta decisão, caso o Magistrado verifique que os seus pressupostos não mais subsistem no caso em concreto. Já no julgamento antecipado parcial do mérito, há irrevogabili-dade: ou seja, a tutela é definitiva em relação à parte da demanda, havendo formação de coisa julgada material em relação a essa parte caso não se inter-ponha recurso; antecipa-se parte do próprio julgamento final, ocorrendo o julgamento imediato de parcela da demanda, rompendo-se com o princípio da unidade da sentença.

Por fim, consequência das duas características anteriores, salienta-se o fato de que não há coisa julgada material32 na tutela de evidência – distin-tamente do que ocorre no julgamento antecipado parcial de mérito, como indicado. Isso porque a decisão poderá ser revista, e porque não há cognição exauriente em sua concessão.

A aplicação do julgamento antecipado do mérito, é mister destacar, pressupõe que os pedidos já estejam em situação de imediata apreciação, ao passo que a tutela de evidência pode ser deferida mesmo havendo necessida-de de ulterior atividade de instrução. Isso ocorre porque o objetivo desta, jus-tamente, é o de promover uma alocação mais justa do ônus temporal no pro-cesso, sendo uma técnica processual que serve à tutela provisória, enquanto a primeira, como se sabe, é uma técnica de abreviamento do processo33.

Frisa-se, ademais, algumas conclusões extraídas pela doutrina sobre a tutela da evidência no novo Código de Processo Civil, expostas no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): i) a tutela de evidência é cabível no âmbito dos juizados especiais (Enunciado nº 418); ii) a tutela de evidência é compatível com os procedimentos especiais (Enunciado nº 422); iii) cabe tutela de evidência recursal (Enunciado nº 423).

31 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 796.

32 Ibid., loc. cit.33 PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no novo Código de Processo Civil:

uma gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 261, nov. 2016.

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1.6 requisitos da tutela da evidência

A doutrina, ao analisar a lei processual civil, embora haja uma ou outra variação conforme o autor, arrola como requisitos da tutela da evidência os seguintes:

i) requerimento da parte: para a concessão da tutela da evidência, as-sim como se dá no deferimento do provimento de urgência (tutela antecipada ou cautelar), “tem de haver requerimento da parte”34, por força do princípio da demanda (princípio dispositivo)35 – des-taca-se que esse elemento gera divergências doutrinárias, sendo que o assunto será analisado novamente em tópico mais à frente.

ii) presença de uma das hipóteses autorizadoras: listadas no rol dos inci-sos do art. 311 (como, por exemplo, o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório), como já verificado, o que será retomado e analisado ulteriormente;

iii) evidência do direito do autor: não basta a presença de alguma das hipóteses legais se não houver substanciais indicativos do direito do autor, vale dizer, se o autor não tiver seu direito respaldado em qualquer prova, ou, pior, a prova indicar que não lhe assiste razão, a tutela de evidência não deverá ser concedida;

iv) competência: o julgador deve ser o competente para a concessão da medida, respeitando as regras constitucionais e legais em matéria de competência processual, sob pena de nulidade da decisão pro-ferida.

2 O abusO dO direitO de deFesa

2.1 Conceito de abuso de direito e os reflexos no direito processual civil

O abuso de direito é tema estudado com destaque pelo direito civil, o qual reconheceu ser “necessária a limitação do exercício dos direitos subje-

34 MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, v. 1, 2015. p. 215.

35 Princípio que afirma que o processo civil se inicia com a provocação da parte: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

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tivos no âmbito dos limites estabelecidos por sua própria finalidade social e econômica”36.

Entre as teorias que pretenderam compreender e delimitar o instituto, duas merecem destaque: a subjetiva e a objetiva, diferenciando-se pela pre-sença ou não do elemento “intenção de prejudicar” para a caracterização do abuso.

Para a primeira, o abuso depende do elemento culpa em sentido amplo, nela compreendida a intenção de prejudicar. [...] Já para a teoria objetiva, [...] o critério para configurar o abuso reside no mero desvio de finalidade da conduta por um exercício excessivo e irresponsável às finalidades so-ciais, de modo a ser irrelevante a consciência do elemento subjetivo (dolo ou culpa) pelo agente. Essa teoria se apoia no respeito à esfera jurídica do terceiro, no escopo social do direito, e na proteção do interesse coletivo frente ao individual.37

Consoante ensina Diniz38, o abuso constitui-se no uso de um “direito, poder ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém”. “Sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, “por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons cos-tumes ou por desvio de finalidade socioeconômica para a qual o direito foi estabelecido. No ato abusivo há violação da finalidade econômica ou social”. A autora prossegue: “O abuso é manifesto, ou seja, o direito é exercido de forma ostensivamente ofensiva à justiça. A ilicitude do ato praticado com abuso de direito possui [...] natureza objetiva, aferível independentemente de culpa e dolo”39.

Não se pode confundir ilegalidade e abuso de direito, já que, no pri-meiro caso, caracteriza-se a violação da lei, enquanto que, no abuso do direi-to, há exercício do direito, de modo anormal, porém:

Rippert assinalou a distinção pelas características de cada caso: o abuso de direito é a intenção delitual que motiva o ato, enquanto a ilegalidade é o ato contrário à lei. [...]. Exemplifiquemos: a lei limita a cobrança de juros a

36 CARVALHO NETO, Inacio de. Abuso do direito: totalmente atualizado de acordo com o novo Código Civil. Curitiba: Juruá, 2005. p. 25.

37 LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de ação. Revista Jurídica, n. 465, jul. 2016.

38 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 209.39 Ibid., loc.cit.

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12%. Acima desse limite há ilegalidade. Suponhamos que a lei fosse revo-gada, e houvesse liberação dos juros, e o mutuante cobrasse 30% ou 40%. Aí haveria abuso.40

Conforme Theodoro Junior41, toda a teoria do abuso fundamenta-se no princípio maior da convivência social, que determina a necessidade de conci-liar a utilização individual do direito com o respeito à esfera jurídica alheia. “Desse confronto de forças resulta a ideia de relatividade e de limitação do direito de cada um (interesse individual) em face dos direitos sociais (inte-resse coletivo)”. Deixa-se de lado qualquer visão que possa atribuir “caráter absoluto aos direitos individuais e reconhece-se a submissão de todos eles à regra da relatividade dos direitos”.

Enfim, a constatação do abuso de um direito depende de uma valora-ção axiológica, tendo por base os valores contidos na Constituição Federal. A análise deve ser feita, destarte, de forma a verificar se o ato questionado confronta com os princípios e diretrizes contidos no texto constitucional.

O direito processual não descuidou da temática do abuso do direito, reprimindo as condutas movidas por interesses meramente emulativos. No CPC/2015, a consagração dos princípios da lealdade, da boa-fé processual e da cooperação sinalizam no sentido da atenção à teoria do abuso do direito no campo processual civil. Nesse vértice, o art. 5º dispõe que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Já o art. 6º, por sua vez, informa que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Logo, as implicações do abuso do direito no processo civil brasileiro são observadas, por exemplo, “no dever expresso de coibir práticas que: a) se configurem tipificadas como litigância de má-fé; b) importem em atos aten-tatórios à dignidade da justiça e c) caracterizem abuso de direito no exercí-cio da jurisdição por estar em desconformidade com a base principiológica

40 ROSAS, Roberto. Abuso do direito e dano processual. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, 1983.

41 THEODORO JUNIOR, Humberto; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 113.

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apresentada”42. Nos ensinamentos da doutrina, a proteção atinge tanto a par-te prejudicada pelo abuso, como o imprescindível respeito ao Judiciário43-44.

O próprio Superior Tribunal de Justiça já abordou o abuso do direito de defesa em julgado recente, a seguir transcrito:

[...] Embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de divergência no agra-vo em recurso especial. Intempestividade. Ministério Público. Fluência do prazo a partir da entrega do arquivo digital. Embargos do Ministério Públi-co não conhecidos. Contradição. Inexistência. Recurso com nítido caráter protelatório. Abuso do direito de defesa. Embargos da defesa rejeitados. Remessa dos autos ao STF. 1. São intempestivos os embargos de declaração opostos fora do prazo de 2 dias, previsto no art. 619 do CPP, contados a partir da entrega do arquivo digital com a cópia do processo eletrônico ao Ministério Público, que, em matéria penal, não goza da prerrogativa de prazo recursal em dobro. 2. Reconhecida a extinção da punibilidade do réu embargante quanto aos delitos de porte ilegal de armas e de falsifica-ção de documento público, a pena a ser cumprida evidentemente é aquela estabelecida ao delito remanescente, roubo circunstanciado, inexistindo a apontada contradição. 3. A pretensão infundada evidencia nítido caráter protelatório do recurso, configurando abuso do direito de defesa. 4. Em-bargos de declaração do Ministério Público não conhecidos. Embargos de Adriano rejeitados, determinando-se a imediata remessa dos autos ao Su-premo Tribunal Federal para julgamento do agravo em recurso extraor-dinário interposto na origem, independentemente do trânsito em julgado do acórdão. (EDcl-EDcl-EDcl-AgRg-EAREsp 228004/SP, 2013/0366676-0)

42 LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de ação. Revista Jurídica, n. 465, p. 68, jul. 2016.

43 Ibid., loc. cit.44 “Quem se vale do processo sem finalidade séria e legítima, com excessos, lesando

injustamente a esfera jurídica de terceiros, com indevido apoio no direito de acesso à justiça, comete [...] abuso do direito de litigar, incidindo em ato ilícito, nos termos do art. 187 do Código Civil [...]. Como é sabido, cresce cada vez mais o abuso e o descomprometimento com os verdadeiros escopos – especialmente os sociais – da Jurisdição, tão bem elucidados por Cintra, Dinamarco e Grinover, consistentes na pacificação com justiça e promoção do bem comum. Nesta senda, o abuso do direito de ação pode ser prática levada a efeito por particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas, bem como por entes, entidades e órgãos da Administração Pública; assim, a Fazenda Pública e o Ministério Público também estão sujeitos ao cometimento de abusos, que deverão ser observados e, por conseguinte, reprimidos pelo Estado-juiz.” (LEAL JÚNIOR, João Carlos; PICCHI NETO, Carlos. Acesso à justiça e abuso do direito de ação. Revista Jurídica, n. 465, p. 69, jul. 2016)

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A disciplina moralizadora reforçada pelo novo Código de Processo Ci-vil endereça-se a todos aqueles que, de qualquer forma, participem do pro-cesso – partes, advogados, serventuários da justiça, Magistrados e demais envolvidos devem atuar de forma proba, sem abusos, sob pena de infringir o devido processo legal45.

2.2 O abuso do direito de defesa e o manifesto propósito protelatório como fundamento da tutela de evidência

Como já indicado, o art. 311 listou as hipóteses que justificam a conces-são de tutela de evidência. O legislador procurou

caracterizar a evidência do direito postulado em juízo capaz de justificar a prestação de tutela provisória a partir das quatro situações arroladas [...]. O denominador comum capaz de amalgamá-las é a noção de defesa incon-sistente. A tutela pode ser antecipada porque a defesa articulada pelo réu é inconsistente ou provavelmente o será.46

Marinoni e Arenhart47 pontuam que esse tipo de tutela tem por úni-ca finalidade permitir a correta distribuição do tempo do processo entre os litigantes. “Como tal distribuição é feita a partir da premissa de que o réu não pode beneficiar-se com a demora do processo, a tutela [...], nesses casos, funda-se em técnicas que consideram a evidência do direito do autor, mas têm o cuidado, evidentemente, de não comprimir o direito de defesa”.

Assim, passa-se, agora, a analisar as hipóteses legais que fundamen-tam a tutela de evidência, sendo que o inciso I será analisado ao final, eis que consiste no específico objeto de análise deste trabalho.

“as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” (inciso II);

45 A exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973 já indicava o agir ético como dever das partes: “17. Posto que o processo civil seja, de sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele, faltando ao dever, da verdade, agindo com deslealdade e empregando artifícios fraudulentos; porque tal conduta não se compadece com a dignidade de um instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores para atuação do direito e realização da justiça”.

46 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 796.

47 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: RT, v. 2. 2008. p. 231.

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De acordo com a doutrina, a hipótese tratada no inciso II autoriza a tutela da evidência no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurispru-dência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses prece-dentes “podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas vinculantes48. Assim, ha-vendo precedente ou jurisprudência firmada em IRDR, e sendo as alegações da parte passíveis de ser comprovadas de plano (prova documental), será cabível a concessão da tutela.

“se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental ade-quada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa” (inciso III);

Essa hipótese, extremamente específica, permite a concessão da tute-la de evidência com base no contrato de depósito. O dispositivo teve por finalidade substituir o procedimento especial de “depósito” previsto no CPC/1973. Assim, “estando devidamente provado o depósito (arts. 646 e 648 do CC), tem o juiz de determinar a entrega da coisa”49.

“a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” (inciso IV).

O inciso IV traz a clássica hipótese em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu, e não pelo autor, o qual já se desincumbiu de seu ônus probante pela via documental50.

As hipóteses trazidas pelos incisos II a IV são hipóteses de tutela de evidência documentada. Analisa-se, enfim, o inciso I, a seguir transcrito:

“ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte.”

Esse inciso deve ser lido, segundo indica a doutrina, como uma regra aberta que “permite a antecipação de tutela sem urgência em toda e qualquer situação em que a defesa do réu se mostre frágil diante da robustez dos ar-

48 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 796.

49 Ibid., p. 797.50 Ibid., p. 797.

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gumentos do autor – e da prova por ele produzida – na petição inicial. Em suma: toda vez que houver apresentação de defesa inconsistente”51.

O abuso de direito de defesa pode ser incluído no entendimento amplo de abuso de direito, por assim também exprimir a mesma noção anterior-mente analisada, “ultrapassando o limite do direito, em razão de não condi-zer com defesa dotada de seriedade e consistência”52.

Assim como não pode o autor valer-se do acesso à justiça para cometer abuso do direito de ação, não pode o réu valer-se do princípio da ampla de-fesa para atuar com abuso do direito de defesa, ou seja, não se pode confundir abuso com ampla defesa.

Nesta linha, a parte deve

exercer todas as suas prerrogativas no sentido de tutelar da forma mais completa e segura a defesa dos interesses de seu cliente, jamais tergiversan-do em relação ao embate processual; todavia, deverá fazê-lo à luz da ética, boa-fé e lealdade processual, valendo-se dos instrumentos que conserva em sua plenitude – daí a vigorosa importância não apenas e tão somente de conhecer as razões e provas que dão supedâneo à defesa, e sim, com maior razão, dominar com segurança e habilidade absoluta a técnica processual.53

O objetivo da antecipação da tutela nesta situação é, sem dúvida, de-sestimular as defesas meramente abusivas e protelatórias. A tutela da evi-dência, nesse caso, desestimula as defesas meramente abusivas, que teriam por fito tão somente protelar a efetivação do direito do autor, “ou mesmo tirar do autor vantagens econômicas em troca do tempo do processo”54.

Evidentemente, não se cuida de negar, impedir ou cercear o sagrado direito de defesa, mas, isto sim, de apenas exigir que aquela seja exercida de

51 Ibid., p. 796.52 ARANEGA, Guilherme Francisco Seara; TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. A concessão

da tutela antecipada ex officio no caso de abuso de direito de defesa. Revista de Processo, São Paulo, v. 240, 2015.

53 VIEIRA, Fernando Borges. Assédio processual. Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2015.

54 MARINONI apud GONÇALVES, Claudiney Alessandro. Revista Feati, Ibaiti, v. 9, p. 65, 2013.

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forma legítima, justa, devida, ou seja, em consentâneo com a Constituição. Nas palavras de Câmara55:

É inegável que todos têm o direito de defesa, o qual encontra guarida cons-titucional. Este direito, porém, como todos os outros, deve ser exercido de forma legítima, pois seu exercício abusivo não é tolerado pelo ordenamen-to jurídico. Assim, se o réu apresenta defesa com o único propósito de pro-telar a entrega da prestação jurisdicional, deve-se tutelar antecipadamente o direito substancial que, em razão da defesa abusiva, mais do que prová-vel, já se revela evidente.

Deste modo, como forma de evitar abusos no direito de defesa, a lei outorga a prerrogativa de antecipar os efeitos da tutela, concedendo a tutela da evidência em caso de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Na lição de Didier56, as expressões “abuso de direito de defesa” e “ma-nifesto propósito protelatório” são conceitos indeterminados que devem ser preenchidos pelo juiz à luz do caso concreto”.

De acordo com Marcelo Bertoldi57, o propósito protelatório quase sem-pre abrange o abuso do direito de defesa, a permitir afirmar-se que “aquele que abusa do seu direito de defesa o faz, no mais das vezes, de forma a prote-lar o processo, transformando-o não em instrumento de busca da composição da lide, mas sim como forma de atender a seus próprios interesses”.

De qualquer forma, na tentativa de estabelecer distinção entre os con-ceitos, o autor assim aduz:

Conquanto o propósito protelatório esteja invariavelmente ligado à ideia de tempo do processo, de forma a identificar na atitude do réu o propósito de retardar ao máximo a solução do litígio, no que diz respeito ao abuso do direito de defesa, esta característica não é absoluta, já que não se faz ne-cessário que o abuso do direito tenha como efeito a procrastinação do feito.

55 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2006. p. 461.

56 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 634.

57 BERTOLDI, Marcelo. Tutela antecipada, abuso do direito e propósito protelatório do réu. Disponível em: <http://www.marinsbertoldi.com.br/artigos/tutela-antecipada-abuso- -do-direito-e-proposito-protelatorio-do-reu/>. Acesso em: 10 jan. 2017.

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O abuso do direito de defesa se dá na medida em que o réu, no uso dos instrumentos que lhe são postos pelo ordenamento jurídico, extrapola de seu direito e o faz de modo a prejudicar ilicitamente o autor. São expedien-tes num primeiro momento estabelecidos pela legislação processual aptos a conferir ao réu a ampla possibilidade de sua defesa, que, no entanto, se usados com o intuito abusivo, transformam-se em mecanismo espúrio e contrário a administração da justiça, tendentes a afastar do autor a possibi-lidade de uma solução justa, rápida e eficaz da lide.58

Didier59, por seu turno, sustenta que a expressão “abuso de direito de defesa” deve ser interpretada de forma ampla, a abarcar não só abusos e ex-cessos cometidos por meio de contestação (defesa em sentido estrito), “mas também qualquer outra manifestação da parte – como, por exemplo, com o uso infundado de exceções rituais, pelo simples fato de suspenderem o pro-cesso, interposição de recursos protelatórios ou a solicitação desnecessária de oitiva de testemunha”.

Bertoldi60 traz um catálogo de exemplos61 de condutas abusivas ense-jadoras da tutela de evidência, podendo ser listados alguns deles, por sua importância prática:

a) [...] a defesa de pontos de vista antagônicos relativos ao mesmo negócio jurídico em processos diferentes. É o caso do réu que sustenta a ilegali-dade de determinada cláusula contratual (v.g., cláusula mandato para o preenchimento de cambial), e que em processo diverso ataca a legalida-de daquela mesma cláusula, que desta vez contraria seus interesses. Ora,

58 Ibid. 59 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008.

p. 635.60 BERTOLDI, Marcelo. Tutela antecipada, abuso do direito e propósito protelatório do réu.

Disponível em: <http://www.marinsbertoldi.com.br/artigos/tutela-antecipada-abuso- -do-direito-e-proposito-protelatorio-do-reu/>. Acesso em: 10 jan. 2017.

61 Didier também arrola casos concretos ensejadores da aplicação da tutela provisória em análise: a) reiterada retenção de autos por tempo delongado; b) fornecimento de endereços inexatos a fim de embaraçar intimações; c) prestar informações erradas; d) embaraçar a produção de provas – pericial, testemunhal, inspeção judicial etc.; e) pode igualmente se revelar pelo confronto com sua atitude em outro processo, onde havia sustentado determinados fundamentos de fato e de direito; todavia, no processo conexo, adota argumentação antagônica, sem justificar devidamente tal descompasso; f) invocar uma tese bisonha ou oposta à orientação dominante nos tribunais superiores etc.; g) alienação de bens necessários à satisfação do demandante; h) repetir requerimento antes indeferido etc. (DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 637)

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se o direito demonstrado pelo autor é evidente (probabilidade), é de se considerar então que, afirmando tese diametralmente oposta àquela an-tes defendida, o réu estará claramente abusando de seu direito de defesa.

b) A defesa contra ato incontroverso também pode caracterizar abuso do direito. Se para tentar esquivar-se ao pagamento de determinada dívida o réu procura alegar sua inexistência, mesmo diante da apresentação de correspondências suas para o credor, onde pede dilação do prazo para o pagamento, estará caracterizado o abuso. É o caso também do réu em ação de alimentos que procura negar o parentesco comprovado através certidão em cartório de registro civil em que fora ele próprio o declarante.

c) A defesa carecedora de consistência também deve ser tida como enseja-dora da antecipação da tutela. Esta falta de consistência pode se dar em relação aos fatos ou ao direito. Em relação aos fatos, será inconsistente a defesa que, pelas alegações dos fatos, não conseguir tornar o fato contro-vertido. É o caso da defesa em ação de rescisão contratual que não refuta o inadimplemento contratual pelo réu, mas tão somente alega razões de ordem particular para o descumprimento (que nada têm a ver com caso fortuito ou de força maior). [...]

d) Alegações infundadas que contrariam documentos juntados ou apre-sentados pelo próprio réu ensejam a antecipação da tutela [...]. Se o réu, agente bancário, em sede de prestação de contas, foi obrigado a apresen-tar autorizações de débito em conta corrente do autor, não poderá, em ação futura, onde o correntista pede a repetição dos valores retidos sem sua autorização, contradizer tais documentos ou alegar a existência de outros que os invalidem, sob pena de antecipação da tutela.

e) Recurso que contradiz o laudo elaborado por assistente técnico do pró-prio recorrente é evidentemente protelatório, já que procura invalidar prova por si mesmo produzida. Neste caso o direito do autor será abso-lutamente evidente, tanto que afirmado pelo próprio réu, através de seu assistente técnico. [...]

Na análise casuística, deve ser cristalino e indubitável o abuso do di-reito de defesa para que se justifique a concessão da tutela, sob pena de se macular o princípio da ampla defesa, que ilumina o processo civil brasileiro, por força de previsão constitucional.

O julgador deve estar atento para a tênue linha distintiva entre a defesa abusiva e a defesa regular/devida, isto é, legítima.

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Câmara62 conceitua essa modalidade de tutela de evidência como ante-cipação-sanção63, por considerar que a antecipação da tutela aqui atua como verdadeira sanção em resposta ao abuso de direito de defesa, vale dizer, uma técnica sancionadora eficiente contra eventuais posturas abusivas que pos-sam ser adotadas pelo requerido:

Trata-se de hipótese em que ao lado da probabilidade de existência do di-reito do autor ocorre abuso do direito de defesa do demandado, o qual apresenta defesa manifestamente protelatória. Nesta hipótese caberá tam-bém a antecipação da tutela jurisdicional, que se pode chamar, aqui “tutela antecipada da evidência”. Tem-se aqui, pois, verdadeira antecipação-san-ção, já que aqui a tutela antecipada atua como sanção contra o abuso do direito de defesa. A rigor, não há sanção mais grave para quem pretende protelar do que imprimir uma maior aceleração à entrega da prestação ju-risdicional.64

Verifica-se que o direito processual civil coíbe os atos abusivos, seja por parte do autor, seja por parte do réu. Como dito, tal postura antiética não se coaduna com um processo civil fundado em valores democráticos e em direitos fundamentais processuais, como o devido processo legal e o acesso à justiça.

No caso de direito evidente e de defesa infundada, é correto supor que o réu está requerendo prova apenas para retardar a realização do direito, o que não pode ser permitido quando se deseja construir um processo que realmente garanta o direito constitucional à tutela jurisdicional tempestiva. [A técnica em questão parte] [...] do pressuposto que o réu abusa de seu direito de defesa quando, protelando o processo para a verificação de uma defesa infundada, retarda a satisfação de um direito evidente.65

A sanção ao abuso do direito de defesa por parte do réu, por meio da concessão da tutela de evidência, ratifica essa visão democrática do processo civil ora defendida.

62 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2006. p. 460.

63 As modalidades constantes dos incisos II a IV, como já mencionado anteriormente, são espécies de tutela de evidência documentada.

64 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2006. p. 460.

65 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: RT, v. 2, 2008. p. 232-233.

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3 asPeCtOs PrÁtiCOs e COntrOVertidOs sObre O deFerimentO da tutela PrOVisÓria Fundada nO abusO dO direitO de deFesa

Como leciona Didier66, a previsão da outorga de tutela provisória no caso de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório con-sagra modalidade de tutela da “lealdade e seriedade processual”. Desta feita, independentemente da urgência – como já visto –, quando se observar que a parte está “exercendo abusivamente o seu direito de defesa, lançando mão de argumentos e meios protelatórios, no intuito único de retardar o andamento do processo, o juiz poderá antecipar a tutela”. É a consagração da tutela da evidência.

O juiz, como gestor do processo civil, deve estar especialmente atento a “manifestações do réu que excedam os limites do princípio da eventua-lidade quando do exercício do contraditório no processo, tais como o uso de expedientes protelatórios e fraudulentos que visam tumultuar a marcha processual”, apresentação de provas de que visem a “ludibriar e confundir o Magistrado, ou violação ao dever de cooperação”67.

Destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça, no ano de 1999, em acór-dão do Ministro Gilson Dipp, já havia deferido a tutela provisória com base no fundamento em análise:

Processo civil. Tutela antecipada. Reajuste de vencimentos de servidores públicos. 28,86%. Reconhecimento administrativo do direito. Medida Pro-visória nº 1.704-3/97. Recurso especial. Prequestionamento.

O direito ao reajuste de vencimentos dos servidores públicos em 28,86%, está pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tri-bunal de Justiça. O reconhecimento administrativo desse direito, através da Medida Provisória nº 1.704-3/1997, conjugado com a intenção de efetuar o pagamento dos valores correspondentes a todos os servidores públicos, mesmo que não tenham ingressado em juízo, torna inequívoco o direito dos recorridos à concessão de antecipação de tutela. Na hipótese, a insis-

66 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 636.

67 SILVA, Clarissa. Considerações sobre a tutela de evidência do novo Código de Processo Civil. Migalhas, 13 ago. 2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI243754,51045-Consideracoes+sobre+a+tutela+de+evidencia+do+novo+Codigo+de+Processo>. Acesso em: 1º fev. 2017.

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tência da União em recorrer caracteriza abuso do direito de defesa e mani-festo propósito protelatório, (art. 273, II, do CPC). A ausência de manifes-tação do acórdão quanto ao tema versado no recurso especial, impede seu conhecimento, por faltar-lhe o requisito do prequestionamento. Preceden-te da Corte Especial. Recurso especial não conhecido. (REsp 194.193/CE, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, J. 25.03.1999, DJ 19.04.1999, p. 166)

Uma das discussões iniciais diz respeito à aplicação de outra sanção processual conjuntamente com a concessão da tutela da evidência em razão da conduta abusiva ou protelatória da parte. Como é sabido, o abuso do di-reito de defesa pode estar, ao mesmo tempo, incutido em alguma das hipóte-ses previstas como litigância de má-fé.

Os arts. 79 a 81 do NCPC tratam do instituto da litigância de má-fé. Dispõe o art. 79 que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”. Por sua vez, o art. 80 reza que é conside-rado litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incon-troverso;

II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Do rol acima transcrito, percebe-se que todas as hipóteses fáticas po-dem ser praticadas pelo réu no âmbito do exercício do direito de defesa, abu-sando deste. O reconhecimento da litigância de má-fé pelo julgador enseja a aplicação de multa sancionatória, conforme aduz o art. 81: “De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deve-rá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”.

A partir disso, surge o questionamento: seria possível a concessão de uma multa ou outra sanção à parte que abusou e, ao mesmo tempo, a outorga da tutela provisória em desfavor desta?

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Segundo Lopes68, é proscrita no ordenamento a aplicação de mais de uma sanção processual punitiva com o intuito de sancionar um mesmo ato (ne bis in idem). Sendo assim:

Ocorrendo situação na qual potencialmente incida a tutela [...] sancionató-ria e outra sanção processual, aquela prevalece, por critério de especialida-de (entre seus requisitos inclui-se, além da conduta desleal do demandado, a probabilidade de existência do direito do demandante...), e em decorrên-cia de sua maior aptidão para proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.

Didier69, porém, discorda do autor, aduzindo não ser acertada a con-clusão:

O ato ilícito pode ter múltipla consequência jurídica, sem qualquer impe-dimento teórico neste sentido. Uma mesma conduta pode repercutir nos âmbitos cível, penal e administrativo. [...]. [O CPC é expresso] em admitir a cumulação de sanções processuais. [...] Nada impede, então, que a conduta da parte implique a tutela antecipada punitiva e a punição pecuniária pela litigância de má-fé.

Parece estar com razão a segunda corrente, pelos fundamentos expos-tos. Não há óbice para a soma das penalidades mencionadas pelo autor, que têm, ademais, objetivos distintos.

Outra questão que surge é bem trabalhada por Didier, Braga e Oliveira70 e refere-se ao ato abusivo praticado por apenas um litisconsorte passivo: nesse caso, seria possível ao juiz, verificando a verossimilhança das alegações do autor, conceder a tutela provisória de evidência? Vale dizer, a conduta abusiva de um litisconsorte passivo pode conduzir à antecipação, prejudicando o(s) outro(s) litisconsorte(s)? Assim resumem os autores:

Se o litisconsórcio passivo é simples, não há dúvidas de que é possível o requerimento e concessão de tutela antecipada sancionatória, tão somen-te, em face do litisconsorte passivo que praticou o ato protelatório – pois os atos e omissões de um não prejudicam o outro [...]. O problema surge

68 LOPES apud DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 636-637.

69 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 637.

70 Ibid., loc. cit.

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quando se está diante de um litisconsórcio unitário, em que ambos os li-tisconsortes estão em defesa de um objeto uno e incindível – sendo, pois, inviável antecipar a tutela só em prejuízo de um deles. Nesse caso, não nos parece adequado antecipar a tutela e, com isso, punir o litisconsorte que agiu lealmente.

Com efeito, não pode o litisconsorte inocente ser punido por conduta que não deu causa, sob pena de se vilipendiar o princípio da intranscendên-cia das sanções, que decorre do texto constitucional, razão pela qual se mos-tra correta a tese defendida pelos autores acima.

Outro aspecto que gera demasiada controvérsia doutrinária diz respei-to à (im)possibilidade de concessão da tutela sancionatória pelo Magistrado de ofício.

Neves71 aduz ter simpatia pela excepcional possibilidade da concessão da tutela antecipada ex officio, “ainda mais quando a omissão do juiz resultar no perecimento de direitos indisponíveis, nem sempre defendidos em juízo por seus titulares, como ocorre no processo coletivo”.

Bodart72, nessa linha, reputa possível a concessão de ofício da tutela de evidência na hipótese do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, em homenagem à defesa da ordem e probidade proces-suais, por se tratar de medida sancionadora que visa a coibir prejuízos à outra parte, bem como ao próprio processo, eis que diversas das práticas nocivas perpetradas pelo réu configuram, como é sabido, ato atentatório à dignidade da Justiça.

Seguindo a mesma vertente, Marcato73 defende a possibilidade de con-cessão ex officio da tutela antecipada, com base no poder geral de cautela do Magistrado.

71 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 1144.

72 BODART, Bruno Vinícius. Tutela de evidência – Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

73 MARCATO apud MESQUITA, Maíra de Carvalho Pereira. Concessão de tutela antecipada de ofício. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 114, jul. 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13458&revista_caderno=21>. Acesso em: 1º fev. 2017.

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Didier Júnior, Sarno e Oliveira74, por sua vez, defendem que:

Não parece ser possível a concessão ex officio, ressalvadas hipóteses expres-samente previstas em lei, não só em razão de uma interpretação sistemática da legislação processual, que se estrutura no princípio da congruência. A efetivação da tutela antecipada dá-se sob responsabilidade objetiva do be-neficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados ao adver-sário, se for reformada a decisão. Assim, concedida ex officio, sem pedido da parte, quem arcaria com os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a providência? É preciso que a parte requeira a concessão, exatamente porque, assim, conscientemente se coloca em uma situação em que assume o risco de ter de indenizar a outra parte, se restar vencida no processo.

Nesse sentido, inclusive se aponta como requisito indispensável à con-cessão da tutela de evidência a existência de expresso requerimento da parte. Aliás, esse requerimento deve ser formulado no bojo do mesmo processo em que se pleiteia a tutela definitiva cujos efeitos se quer antecipar, seja no pri-meiro momento de a parte falar nos autos, ou em outro ulterior, via petição simples ou até oralmente (em audiência ou sessão de julgamento), ou em sede recursal75.

O pleito deve necessariamente ser fundamentado, com a exposição cla-ra e precisa dos atos abusivos e/ou protelatórios da contraparte, havendo, ainda, os elementos de prova confirmando a evidência do direito do reque-rente.

Em paralelo ao tema, discute-se sobre a necessidade de a decisão an-tecipatória respeitar o princípio da adstrição ou congruência (princípio da correlação entre a decisão e o pedido), vale dizer, se o juiz poderia ir além do que foi pleiteado pela parte a título de antecipação de tutela. Isso pode ser sustentado com base no fato de que a litigância de má-fé pode ser reconheci-da de ofício, assim como aplicadas as sanções respectivas, acaso seja aquela reconhecida pelo julgador.

Contudo, parece ser mais correto o entendimento que privilegia o res-peito ao princípio dispositivo, devendo ficar a cargo da parte o requerimento

74 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 643.

75 Ibid., loc. cit.

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definindo os exatos termos dentro dos quais o Magistrado pode decidir, sob pena de se fragilizar a imparcialidade do julgador.

Distintamente do que se dá nas tutelas de urgência, que podem ser re-queridas de forma antecedente (antes do ajuizamento da ação) ou incidental, como visto anteriormente, o Código não prevê a possibilidade de a tutela de evidência ser requerida previamente à propositura da demanda (pleito autô-noma). A redação76 do anteprojeto do NCPC previa, contudo, a possibilidade de concessão da tutela de evidência de forma autônoma, isto é, em caráter antecedente, possibilidade essa que foi suprimida no texto sancionado do Código.

Persiste, contudo, divergência doutrinária acerca da possibilidade de concessão da tutela provisória de evidência de forma autônoma (anteceden-te), a despeito da inexistência de previsão legal no NCPC.

Somente as hipóteses de tutela de evidência dos incisos I e IV do art. 311 são incompatíveis com a possibilidade de concessão em caráter anteceden-te (antes da ação principal), porque a concessão de ambas somente pode ocorrer após o exercício do contraditório pelo réu, momento no qual é possível verificar a ocorrência de má-fé processual ou abuso do direito de defesa (inciso I), bem como a apresentação de provas aptas a desacreditar aquelas apresentadas pelo autor (inciso IV).

Assim, somente as hipóteses do art. 311, incisos II e III, são compatíveis com o procedimento autônomo, por serem as únicas situações nas quais o julgador pode decidir na forma inaudita altera parte, de modo que poderiam ser pleiteadas de forma antecedente, porque a verdadeira missão do insti-tuto é garantir uma prestação jurisdicional mais eficaz e célere.77

Theodoro Jr.78, porém, entende que a tutela de evidência, por sua pró-pria natureza, pressupõe ação já ajuizada, pois é por meio da dedução da

76 “Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.”

77 BODART apud SILVA, Clarissa. Considerações sobre a tutela de evidência do novo Código de Processo Civil. Migalhas, 13 ago. 2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI243754,51045-Consideracoes+sobre+a+tutela+de+evidencia+do+novo+Codigo+de+Processo>. Acesso em: 1º fev. 2017.

78 THEODORO JUNIOR apud SILVA, Clarissa. Considerações sobre a tutela de evidência do novo Código de Processo Civil. Migalhas, 13 ago. 2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI243754,51045-Consideracoes+sobre+a+tutela+de+evidencia+do+novo+Codigo+de+Processo>. Acesso em: 1º fev. 2017.

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pretensão posta em juízo e da análise dos documentos apresentados que é possível avaliar se o direito do autor é efetivamente evidente. Enfim, trata-se de questão “polêmica, diante do ineditismo do instituto, não tendo havido, ainda, tempo hábil para avaliar as consequências de sua aplicação prática”79.

O abuso do direito de defesa – embora possa levar a crer que pode ser praticado apenas pelo réu, gerando a outorga da tutela provisória em favor exclusivamente do autor – pode ser praticado pelo requerente também. A tutela provisória de evidência não é ferramenta que atua unicamente no interesse do autor, porque também pode ser requerida pelo réu, consoante leciona Elpídio Donizetti:

É de lembrar que, qualquer que seja a modalidade de tutela provisória, pode ser requerida tanto pelo autor quanto pelo réu. Pelo réu, quando este postular o acertamento de direito material, o que se dá na reconvenção ou no pedido contraposto (juizados especiais ou em casos específicos previs-tos no Código, como, por exemplo, na ação possessória).80

Nesta ordem de ideias, o requerido, por exemplo, poderá pleitear a tutela de evidência no caso em que o requerente-reconvindo abusa do direito de defesa ou pratica atos processuais protelatórios. Presentes os demais re-quisitos, ao Magistrado caberá o deferimento do pedido em questão.

Ponto importante acerca da tutela de evidência no abuso do direito de defesa refere-se às ações judiciais contra a Fazenda Pública; neste sentido, existe corrente advogando que ocorre este tipo de abuso quando a Fazenda Pública “apresenta matéria de defesa que afronta entendimento já firmado em parecer, súmula, ou outro ato administrativo no âmbito da própria Ad-ministração Pública, salvo se demonstrada a distinção entre os casos ou a necessidade de modificação daquele entendimento”81.

O tema, a propósito, foi objeto de enunciados aprovados durante o en-contro do Fórum Permanente de Processualistas Civis, a seguir transcritos, por sua importância doutrinária:

Enunciado nº 35 do FPPC: As vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência.

79 SILVA, Clarissa. Op. cit.80 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

p. 501.81 SILVA, Clarissa. Op. cit.

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Enunciado nº 34: Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculan-te firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento.

Outro aspecto que pode gerar discussões refere-se à questão da irre-versibilidade dos efeitos da tutela de evidência sancionatória.

Isso porque, de acordo com o § 2º do art. 273 do CPC73, estava expres-samente prevista a impossibilidade genérica de concessão da antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Tal proibição abrangia a tutela antecipatória do inciso I do aludido artigo, fundada em urgência (periculum in mora), bem como a do inciso II, calcada no abuso do direito de defesa (tutela da evidência).

Contudo, no novo Código de Processo Civil, como já visto, a tutela de evidência foi regulada em um título distinto do que regulamenta as tutelas de urgência. E neste último constou a disposição referente à irreversibilidade, nos seguintes termos:

Art. 300. [...]

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quan-do houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Como bem se vê, o dispositivo, além de estar especificamente no título das “tutelas de urgência”, é claro ao tratar, de forma específica, da “tutela de urgência de natureza antecipada”.

De um lado, seria possível sustentar que, embora a tutela de evidência esteja regulada em outro título, não deixou ela de ser uma forma de tutela provisória antecipada, já que, com ela, se antecipa o que se pretende ao fim e ao cabo a título de provimento jurisdicional. A separação dos temas, assim, teria ocorrido tão somente para organizar os institutos, de forma a serem evitadas confusões.

De outro lado, contudo, não se pode deixar de considerar que o legisla-dor não emprega palavras inúteis. E, nesse sentido, o dispositivo supracitado foi claro e taxativo ao restringir sua aplicação às chamadas “tutelas de urgên-cia” antecipadas. Não foram abarcadas as tutelas de evidência, que, embora provisórias, dispensam o elemento urgência para a sua análise e consequente outorga ao requerente.

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De todo modo, mesmo antes da promulgação e vigência do novo di-ploma processual, grande parte da doutrina já defendia – e a jurisprudência majoritária agasalhava este entendimento – que esse requisito deveria ser encarado com temperamentos, uma vez que, se levado “às últimas conse-quências, pode[ria] conduzir à inutilização da antecipação de tutela. Deve ser abrandada [a exigência], de forma a que se preserve o instituto”82.

Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida anteci-patória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas fluviais, dentre outros –, o seu deferimento é essencial, para que se evite um “mal maior” para a parte/requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de efeitos irreversíveis para o requerido, o seu indeferimento também im-plica consequências irreversíveis para o requerente. Nesse contexto, existe, pois o perigo da irreversibilidade decorrente da não concessão da medida. Não conceder a tutela antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo, muitas vezes, implicar a consequência irreversível da morte do demandante.83

Os fundamentos para a mitigação da exigência seriam especialmente a proporcionalidade e a razoabilidade, para mediar o conflito formado no caso: segurança versus efetividade.

Sendo assim, resta claro que, mesmo antes, quando o requisito expres-samente abrangia a tutela provisória de evidência, era possível seu abranda-mento84. Agora, com maior razão, não havendo previsão nesse sentido, é vi-ável defender a desnecessidade da observância desta exigência na concessão da tutela da evidência, pelos motivos acima expostos.

82 DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 629.

83 Ibid., p. 630.84 Embora Didier e outros defendessem que tal relativização não poderia ser utilizada no

caso da tutela sancionatória, “ressalve-se, porém, que a mitigação desse requisito só é adequada para a antecipação assecuratória. No caso de antecipação punitiva (baseada em abuso de direito de defesa ou intuito protelatório do réu), não parece legítimo antecipar efeitos irreversíveis, pois, de um lado, não há risco de dano irreparável para o autor, e, de outro, existe esse risco para o réu, que poderá ter sua esfera de direitos atingida perniciosamente, em caráter definitivo, sem cognição adequada” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003). Na mesma linha: DIDIER, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2008. p. 630).

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Enfim, como é sabido, os jurisdicionados, e a sociedade como um todo, hoje mais do que nunca, exigem providências rápidas e adequadas, idôneas a concretizar o direito material discutido e buscado em juízo. A crise vivencia-da pelo Poder Judiciário brasileiro é inegável, e tem como um dos principais fatores o tempo do processo. Neste sentido, a utilização de técnicas proces-suais diferenciadas mostra-se importante no enfrentamento desta indiscutí-vel crise.

Neste campo, a tutela de evidência mostra-se muito importante no au-xílio ao combate à morosidade do processo e aos efeitos danosos que esta causa aos jurisdicionados. Espera-se, deste modo, que os operadores do Di-reito em geral passem a dar a devida atenção a este importante instituto mo-ralizador e essencial à concretização das diretrizes constitucionais do acesso à justiça, do devido processo legal e da razoável duração do processo, tão valorizadas nos tempos atuais.

COnClusÕes

Um processo civil que não proporcione à coletividade o reconhecimen-to e a efetiva realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado que se intitula Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sis-tema processual, todo o ordenamento jurídico, em última análise, passa a padecer de uma crise de efetividade, eis que, como cediço, os direitos, por muitas vezes, dependem do processo para ser praticados.

A tutela de evidência, como forma de tutela provisória, insere-se em um contexto de tentativa de solucionar o problema da inefetividade do pro-cesso civil. Enfim, como apontamentos conclusivos, pode ser listados os se-guintes:

O novo Código de Processo Civil operou modificações na sistematiza-ção e no regime jurídico das tutelas provisórias, entre elas a tutela antecipa-da. Tem-se que a tutela provisória pode ser: i) de evidência ou ii) de urgência. Já a tutela de urgência pode ser i) cautelar ou ii) antecipada, sendo que ambas – tutela cautelar e antecipada – podem ser concedidas de forma antecedente (antes da instauração da relação processual principal) ou incidental (já pre-sente a relação processual principal).

A tutela de evidência, além de ganhar previsão específica na lei, teve seu rol de aplicação aumentado, previsto no art. 311 do NCPC. A tutela de

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urgência não se confunde com a tutela de evidência, já que o perigo de dano é elemento essencial para a primeira, ao passo que é indiferente para a úl-tima, embora ambas tenham a característica de serem concedidas de forma provisória.

São características da tutela de evidência: i) contraditório prévio ou postergado; ii) concessão mediante cognição sumária; iii) revogabilidade; iv) inexistência de coisa julgada material; v) é cabível no âmbito dos juizados especiais; vi) é compatível com os procedimentos especiais; vii) é cabível na fase recursal.

São requisitos da tutela de evidência: i) requerimento da parte; ii) presença de uma das hipóteses autorizadoras, listadas no rol dos incisos do art. 311; iii) evidência do direito do autor; iv) competência do julgador.

A expressão “abuso de direito de defesa” deve ser interpretada de for-ma ampla, a abarcar não só abusos e excessos cometidos por meio de contes-tação (defesa em sentido estrito), mas qualquer outra manifestação da parte, como o embaraço na produção de provas e a defesa contra ato incontroverso. Na análise casuística, deve ser cristalino e indubitável o abuso do direito de defesa para que se justifique a concessão da tutela, sob pena de se macular o princípio da ampla defesa.

Dentre as discussões que a concessão da tutela de evidência sancio-natória gera, tem-se a possibilidade de cumulação desta com outra sanção processual, em razão da conduta abusiva ou protelatória da parte, já que o abuso do direito de defesa pode estar, ao mesmo tempo, incutido em alguma das hipóteses previstas como litigância de má-fé.

Outra questão trabalhada foi se a conduta abusiva de um litisconsorte passivo pode conduzir à antecipação, prejudicando outros, variando confor-me a natureza do litisconsórcio (se simples ou unitário). Quanto à (im)pos-sibilidade de concessão da tutela sancionatória pelo Magistrado de ofício, entende-se não ser possível a concessão ex officio, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei.

Em paralelo ao tema, discute-se se o juiz poderia ir além do que foi pleiteado pela parte a título de antecipação de tutela. Neste campo, parece ser mais correto o entendimento que privilegia o respeito ao princípio dis-positivo, devendo ficar a cargo da parte o requerimento definindo os exatos termos dentro dos quais o Magistrado pode decidir, sob pena de se fragilizar a imparcialidade do julgador.

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Distintamente do que se dá nas tutelas de urgência, que podem ser re-queridas de forma antecedente (antes do ajuizamento da ação) ou incidental, o Código não prevê a possibilidade de a tutela de evidência ser requerida previamente à propositura da demanda (pleito autônomo).

O abuso do direito de defesa pode ser praticado pelo requerente tam-bém, e não só pelo requerido.

Sobre as ações judiciais contra a Fazenda Pública, as vedações à conces-são de tutela antecipada contra esta não se aplicam aos casos de tutela de evi-dência. Outrossim, considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a exis-tência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento.

Por fim, há divergências sobre a desnecessidade de observância do re-quisito da irreversibilidade dos efeitos da tutela de evidência sancionatória, em razão da falta de previsão dessa exigência na lei.

Percebe-se, enfim, que o tema trabalhado é inquietante e permeado de discussões doutrinárias, e que o instituto merece maior atenção por parte dos operadores do Direito, por sua enorme relevância prática no combate aos efeitos danosos do abuso e da má-fé processuais, bem como do exacerbado transcurso do tempo em virtude da morosidade do processo.

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Doutrina

Do

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Penal

nOçÕes gerais e COmPatibilidade da delaçãO Premiada tiPiFiCada na lei

nº 12.850/2013 COm Os PrinCíPiOs COnstituCiOnais dO COntraditÓriO e da

amPla deFesa nO PrOCessO Penal brasileirOrafael nieBuhr Maia de oliveira*

Bacharel em Direito pela Unifebe – Brusque/SC, Especialista pela Uniderp, Advogado inscrito nos quadros da OSB/SC sob o nº 25.993, Professor das

Disciplinas de Direito das Obrigações, Responsabilidade Civil, Propriedade Intelectual e Criminologia do IBES/Sociesc – Blumenau/SC, Professor

das Disciplinas de Direito Processual Civil V da Unifebe – Brusque/SC, Professor de Pós-Graduação (MBA) junto ao Instituto Valor Humano/

Univali das Disciplinas de Contratos Imobiliários e Contratos Agrários.

egon augusTo Telles

Graduando do Curso de Direito – Centro Universitário de Brusque – Brusque/SC.

gaBriel Marques**

Graduando do curso de Direito – Centro Universitário de Brusque – Brusque/SC.

RESUMO: Objetiva-se com esta pesquisa a análise dos aspec-tos gerais do instituto da delação premiada prevista na Lei nº 12.850/2013, para, na sequência, em comparação com o

* Telefone/FAX: (47) 3351-0211; e-mail: [email protected]. Currículo: <http://lattes.cnpq.br/9285964965375059>.

** In memorian.

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texto constitucional, identificar se há alguma afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Por meio da pes-quisa qualitativa e bibliográfica, utilizando-se do método indutivo, pode-se constatar que, nos moldes da atual legislação, a delação premiada não se compatibiliza com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não o possibilita aces-so do delatado à íntegra do conteúdo das delações, impossibilitan-do, por consequência, a contraprova do delatado.

PALAVRAS-CHAVE: Ampla defesa; contraditório; delação premia-da; inconstitucionalidade; organizações criminosas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos históricos; 1.1 A delação premia-da na legislação brasileira contemporânea; 1.2 A colaboração pre-miada tipificada na Lei nº 12.850/2013; 2 Limites ao poder punitivo do Estado em razão das garantias constitucionais do acusado no processo penal brasileiro; 3 O princípio do contraditório e da ampla defesa e delação premiada; Considerações finais; Referências.

intrOduçãO

A delação premiada, também conhecida como colaboração premiada, é um meio extraordinário para a obtenção de provas. Geralmente está relacio-nada aos crimes de maior potencial ofensivo ou cuja descoberta dos crimes torna-se inviável através dos meios ordinários de investigação. O instituto da delação premiada tem gerado bastante discussão na sociedade, doutrina e jurisprudência brasileira, devido ao seu meio questionável de aquisição de informações relevantes à investigação.

O objetivo do presente trabalho é estudar os aspectos gerais do institu-to processual penal da delação premiada, bem como aquela tipificada na lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) e sua compatibilidade com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório no processo penal brasileiro.

Para tanto, parte-se da problemática que envolve a compatibilização da delação premiada conforme vem sendo aplicada pelo procedimento ti-pificado na nova lei de organizações criminosas e para o qual se estabelece a seguinte hipótese: há direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna sendo violados pelos concedentes dos benefícios da delação?

Justifica-se a escolha do tema pela sua atualidade, os inúmeros acordos de delação que estão sendo concedidos nos escândalos da Petrobrás e escân-dalos de corrupção na casa legislativa federal.

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No desenvolvimento desta pesquisa, será utilizado o método indutivo. Na investigação, fez-se uso da técnica do referente, das categorias e do con-ceito operacional, por meio de pesquisa bibliográfica, cujas referências das obras citadas serão colacionadas ao final. Os pressupostos conceituais serão trazidos ao decorrer do desenvolvimento da pesquisa, através de notas de rodapé, assim como as referências ao longo do texto.

1 asPeCtOs histÓriCOs

O instituto da delação premiada não parece ser uma criação recente dos legisladores contemporâneos; pelo contrário, precede a criação de qual-quer sistema processual, encontrando-se vestígios do instituto desde a Anti-guidade, passando pela Idade Média, pela Modernidade, até culminar como é conhecida hoje, passando por inúmeras modificações, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo.

A “delação premiada” no Direito brasileiro surgiu nas Ordenações Filipinas, onde, no Título VI do “Código Filipino”, trazia o crime de “Lesa Magestade”. Nesse crime era encontrada a delação que estava cravada em seu item 12; e no Título CXVI, por sua vez, tratava sobre o tema, com a denominação de “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão”, detinha uma abrangência tão extensa que poderia ser concedido aquele que delatasse seus companheiros poderia receber com prêmio até o perdão judicial.1

No Brasil, a primeira lei que disciplinou de forma expressa o instituto da delação premiada foi a Lei nº 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que, em seu art. 8º, parágrafo único, estabelecia que o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando seu des-mantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços2.

Com o advento da Lei nº 9.269/1996, o crime de extorsão mediante se-questro, tipificado no art. 159 do CP, passou a contar com a delação premiada a fim de cessar a prática delituosa. O instituto foi incluído em seu § 4º com a seguinte redação: “§ 4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que

1 AQUOTTI, Marcos Vinicius Feltrim; TROMBETA, Mayara Maria Colaço. Delação premiada. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2255/2257. Acesso em: 21 jul. 2015.

2 BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, art. 8º, parágrafo único.

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o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

Pode-se vislumbrar que, com o passar dos anos, a delação premiada foi ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo abordada em várias outras leis, com diferentes benefícios, diferentes requisitos para ob-tenção, diferentes sujeitos, entre outras peculiaridades, as quais se procurará abordar ao longo desta pesquisa.

1.1 a delação premiada na legislação brasileira contemporânea

Posteriormente, à disposição na Lei de Crimes Hediondos, supra-abor-dada, a delação premiada foi prevista em vários outros dispositivos legais, com diferentes tipos de benefícios. Pode-se destacar a primeira lei que tra-tou sobre crime organizado (Lei nº 9.034/1995), que, em seu art. 6º, previa a redução da pena, de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levava ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria. Ressalta--se, contudo, que essa lei foi totalmente revogada pela atual lei de organiza-ções criminosas.

Por sua vez, a Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998), apri-morada pela Lei nº 12.683/20123, prevê, em seu art. 1º, § 5º, a redução da pena de um a dois terços e a possibilidade de ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la (perdão judicial) ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestan-do esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identi-ficação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

A colaboração premiada volta a ser abordada junto à Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/1999), no capítulo que trata da proteção aos réus colaboradores, em que dispõe, em seu art. 134, que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a con-sequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo crimi-nal, desde que dessa colaboração tenha resultado na identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa ou a localização da vítima com a

3 BRASIL. Lei nº 12.683, de 3 de março de 1998, art. 2º.4 BRASIL. Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, art. 13.

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sua integridade física preservada, ou ainda quando haja a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Observa-se que a referida lei avança nas benesses oferecidas ao réu colaborador, prevendo, inclusive, o benefício máximo do perdão judicial, que é um benefício em que o juiz tem a faculdade de concessão, conforme o dis-positivo legal analisado.

Acerca do perdão judicial, lecionam Miguel e Pequeno:

Neste instituto, o Magistrado, não obstante comprovada a prática da in-fração penal pelo réu, deixa de lhe aplicar a pena em face de justificadas circunstâncias. O Estado renuncia, por intermédio da declaração do juiz, na própria sentença, a pretensão de imposição das penas. Incorporado ao nos-so sistema legal, o perdão judicial, previsto na Lei nº 9.807/1999, somente deve ser aplicado ao crime do qual o delator for coautor ou partícipe. O perdão é causa extintiva de punibilidade, conforme se extrai dos arts. 107, IX, e 120 do CP e é também circunstância de caráter pessoal e, portanto, incomunicável. [...]. (Miguel; Pequeno, 2000, p. 439)

Todavia, enquanto se pode observar o perdão judicial como uma opção do Magistrado, ou direito subjetivo do réu, o mesmo não ocorre quanto à redução da pena, em caso de condenação, do indiciado ou acusado que co-laborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime.

Mesma conclusão se tira no caso de colaboração para localização da ví-tima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, em que será direito objetivo do colaborador ter direito à redução da pena de um a dois terços, não sendo facultado ao juiz negar-lhe tal benesse, desde que evi-denciada sua colaboração nos termos da lei. Este é o entendimento de Bittar5:

[...] nas hipóteses em que o réu atenda aos requisitos e pressupostos da delação premiada, não poderá o Magistrado ignorar os beneplácitos mais favoráveis e disciplinados nos arts. 13 e 14 da Lei nº 9.807/1999, aplicável também à Lei nº 11.343/2006 e a qualquer outro diploma repressivo legal brasileiro.

5 BITTAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 145.

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Já a antiga Lei Antitóxicos (Lei nº 10.409/2002)6, revogada in totum pela atual Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006)7, previa, em seu art. 32, § 2º, a possibilidade de sobrestamento do processo ou a redução da pena em caso de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revela-se a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, contribua para os interesses da Justiça.

A atual lei de drogas também prevê o instituto da delação premiada quando, em seu art. 41, dispõe que, em caso de condenação, pode haver a redução da pena de um a dois terços caso o indiciado ou acusado colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identifi-cação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime.

Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a in-vestigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coau-tores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.8

Analisando o dispositivo legal acima demonstrado, Andreucci explica a figura da colaboração premiada no combate às drogas:

Trouxe a nova lei, nesse artigo, a figura da delação premiada, em que o agente colaborador tem sua pena reduzida quando possibilita a identifi-cação dos demais coautores ou partícipes do crime e a recuperação total ou parcela do produto do crime. A colaboração poderá ocorrer na fase de inquérito policial ou no curso do processo criminal. (Andreucci, 2007, p. 82)

Nota-se que a delação premiada foi amplamente difundida na legis-lação pátria, sofrendo diversas alterações e complementos até o advento da nova lei de organizações criminosas, a qual abordou, de forma minuciosa, o instituto, agora denominada de colaboração premiada.

6 BRASIL. Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002.7 BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.8 BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, art. 41, caput.

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1.2 A colaboração premiada tipificada na Lei nº 12.850/2013

A colaboração premiada tipificada na nova lei de organizações crimi-nosas parece ser a forma de colaboração que mais recebeu atenção do legis-lador, de forma que suas características como meio de concessão, os benefí-cios, os direitos do delator, definição da autoridade concedente, entre muitos outros aspectos processuais, amplamente abordados e especificados pela lei.

Gurgel e Gurgel exemplificam casos que fizeram essa medida ganhar notoriedade:

A atual Lei de Organizações Criminosas diversificou e ampliou o benefício concedido ao delator, que pode ter como prêmio, dependendo dos efeitos do ato, a isenção de pena pelo perdão judicial ou até mesmo a exclusão do processo. Sua aplicação ganhou notoriedade graças aos escândalos que vieram à tona no atual Governo, como os do “Mensalão” e da “Operação Lava Jato”. [...].9

Tipificada no capítulo que trata acerca da investigação e dos meios de obtenção da prova, entre o art. 4º ao 7º, a colaboração premiada é um dos meios extraordinários de investigação disponibilizados na lei das organiza-ções criminosas.

Nesse passo, entende-se que o advento da normatização da Lei nº 12.850/1990, além de não revogar os dispositivos anteriores, pode servir de complemento a eles em suas respectivas áreas de aplicação, uma vez que o atual diploma legal normatiza de forma bem mais detalhada os procedi-mentos para a colaboração. Isso, aliás, era uma lacuna por demais prejudicial à devida aplicação do dito instituto por meio dos diplomas legais que antece-deram a atual Lei do Crime Organizado10.

Segundo Mendonça, a nova lei de organizações criminosas preencheu lacunas deixadas pela antiga lei que tratava acerca do tema11:

9 GURGEL, Sergio Ricardo do Amaral; GURGEL, Juliana Meira Diniz. Delação premiada, ética condenada. Disponível em: <http://www.impetus.com.br/artigo/937/delacao- -premiada-etica-condenada>. Acesso em: 2 fev. 2016.

10 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova Lei do Crime Organizado (Lei nº 12.850/13): delegado e colaboração premiada. Disponível em: <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938007/nova-lei-do-crimeorganizado-lei-12850-13-delegado-e- -colaboracao-premiada>. Acesso em: 21 jan. 2016.

11 MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei nº 12.850/2013). Custus Legis, Revista Eletrônica do Ministério Público

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A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 – criada em substituição à Lei nº 9.034/1995 –, passou a ser, atualmente, o diploma básico de enfrentamento ao crime organizado no Brasil. A nova legislação aperfeiçoou o sistema na-cional, tanto no aspecto penal quanto processual. Criou, dentre outros, o tipo penal incriminando a organização criminosa, suprindo finalmente a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro. [...].

Tem-se, portanto, que o diploma legal tem por objetivo a possibilidade de desmantelamento das organizações criminosas, a descoberta de novos cri-mes e sua autoria, bem como garantir a punição dos criminosos.

Os benefícios previstos aos colaboradores da investigação, em se tratando da lei de organizações criminosas, podem ser o perdão judicial, a redução da pena ou substituição da pena privativa de liberdade por uma pena res-tritiva de direitos. Ressalta-se que a nova lei de organizações criminosas não revogou outras formas de delações premiadas; pelo contrário, pode servir como complemento em certas omissões.

2 limites aO POder PunitiVO dO estadO em raZãO das garantias COnstituCiOnais dO aCusadO nO PrOCessO Penal brasileirO

Pôde-se notar que a delação premiada é uma forte arma para o com-bate da criminalidade, em especial àquela oriunda de organizações comple-xas, estruturadas e organizadas para a prática de crimes. O momento atual em que o país enfrenta com frequentes notícias de membros de organizações criminosas sendo presos, desmantelamentos de organizações criminosas, es-cândalos de corrupção na Administração Pública sendo descobertos – todos esses fatores indicam a eficácia do instituto.

Um exemplo da eficácia da lei pode ser demonstrado através da notícia publicada no Jornal Gazeta do Povo em 17 de novembro de 2014, com o título “Acordos de delação premiada devem devolver aos cofres públicos R$ 447 milhões12”.

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12 GAZETA DO POVO, 17 nov. 2014. Produced by Bordin. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/acordos-de-delacao-premiada-devem-devolver-aos- -cofres-publicos-r-447-milhoes-eg9i76pnjn3ixehp430vmyf66>. Acesso em: 2 fev. 2016.

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Por outro lado, sabe-se que a persecução penal do Estado pode esbarrar nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, sendo estes protegidos por inúmeras normas e princípios que devem ser respeitados pelo Estado.

A principal fonte dos princípios constitucionais de proteção aos cida-dãos é o art. 5º da Constituição da República13, que possui status de cláusula pétrea, ou seja, são normas intangíveis, que não admitem redução ou extinção de sua aplicabilidade. Dessa forma, não há que se falar em desrespeito, ou sequer mitigação a tais princípios em nome de um “bem maior”, ou qualquer outra justificativa, sob pena de qualquer ato que viole tais princípios estar eivado de inconstitucionalidade.

“Ocorre que somente uma sociedade confusa quanto aos seus reais valores pode colocar o jus puniendi do Estado acima dos seus direitos individuais” (Gurgel e Gurgel, 2015, p. 55).

Ao comentar acerca da delação premiada, El Tasse é enfático em afir-mar que a delação premiada é um importante meio de investigação; entre-tanto, salienta que tal meio de investigação não se compatibiliza com uma persecução penal que respeite todas as garantias constitucionais.

A delação premiada não se constitui em um recurso moderno do processo penal, assim como não se apresenta com repercussão de nenhum avanço especial havido na persecução criminal. Em verdade, a delação premiada sempre representou, juntamente com a prática da tortura, uma das ferra-mentas fundamentais dos processos arbitrários, em especial os medievos de índole inquisitorial.

[...]

Talvez a colaboração do corréu permita a punição de delitos graves em sociedade. Talvez o sistema de delação premiada permita que se aproxime da verdade material sobre determinados crimes, porém não há certeza de que tais objetivos se cumpram, enquanto surge inexorável a certeza de que o sistema em que é incentivada a ação do acusado, em apoio ao Judiciário, produz quebra às garantias constitucionais importantes.14

13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.14 Adel El. Delação premiada: novo passo para um procedimento medieval. Thompson

Reuters, Revista dos Tribunais Online, v. 05, 2006. Disponível em: <http://www.esmal.tjal.jus.br/arquivoCurso/2015_05_11_14_08_46_Artigo.dela+%BA+%FAo.premiada.Adel.Tasse.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2016.

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Pacelli15, tentando dar racionalidade à verdade processual, defende que o processo penal público não pode ser unicamente instrumento de aplicação do direito penal, mas deve, sobretudo, tutelar os direitos fundamentais.

Neste sentido, muito se discute acerca da compatibilização da dela-ção premiada tipificada na lei de organizações criminosas com os princípios constitucionais garantidores de uma defesa justa e legal.

Defensores do instituto, de modo geral, utilizam como justificativa le-gitimadora da delação o argumento de que os princípios constitucionais são respeitados, porém, de certo modo, flexibilizados. Essa flexibilização justi-fica-se face ao “custo/benefício processual, ou seja, é necessário que haja a flexibilização de certos princípios no caso concreto para que se alcance um resultado satisfatório”.

E é nesse caminho que Lemos Jr. aponta:

A delação de um investigado sempre existiu por meio do chamamento do corréu ao processo, ou simplesmente por meio da imputação ao corréu no interrogatório judicial. Como se intensificaram os crimes cometidos por organizações criminosas, houve a necessidade de se diversificar e incre-mentar, com atraso, os meios de provas, dentre eles a eficiente colaboração premiada, agora bem regulamentada pela Lei nº 12.850/2013.

[...]

Não há espaço para debate sobre ética, traição ou moral à vista da aplicação da colaboração premiada, pois a prática criminosa grave ofendeu primeiro tais nobre princípios.

Por sua vez, comentando o instituto da delação premiada, Rieger mira em sentido contrário, imputando que a delação premiada se trata de instituto antiético e imoral:

A maioria dos juristas reconhece, contudo, que a delação dá, sempre mos-tra da ausência de freis éticos. Apesar disso, alguns aceitam sua aplica-ção, pois a consideram um mal necessário. Em suma, a delação premia-da é um instituto polêmico. É inegavelmente antiético e imoral e não se coaduna com os princípios consagrados na Constituição da República.

15 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos funda-mentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 42.

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Deveria, portanto, ser expurgado do Ordenamento Jurídico brasileiro. (Rieger, 2008, p. 10)

Por outro norte, assim como Rieger, a doutrina é prolífera na menção a princípios e garantias violados pelo recurso aos pentiti, podendo, poden-do referir-se, entre outros, ao direito ao silêncio, ao papel do interrogatório como meio de defesa, ao nexo retributivo entre pena e delito (Ferrajoli, 2004, p. 624), ao princípio de materialidade (Ferrajoli, 2004, p. 624), à morali-dade pública (Coutinho; Carvalho, 2006), à ampla defesa e contraditório (Coutinho; Carvalho, 2006)16.

Tendo em vista que o tema da presente pesquisa tem por foco os prin-cípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a estes princípios será limitada a pesquisa, não abrangendo os demais princípios aplicados aos processos em geral ou os princípios específicos do processo ou da ação penal, entre outros.

3 O PrinCíPiO dO COntraditÓriO e da amPla deFesa e delaçãO Premiada

Os princípios do contraditório e da ampla defesas são as colunas prin-cipais de um Estado Democrático de Direito, traduzindo-se em garantias fun-damentais de todo e qualquer cidadão que seja submetido a um procedimen-to judicial ou administrativo.

Por contraditório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao pro-cesso.

É assim: o princípio constitucional do contraditório que impõe a con-dução dialética do processo (par conditio), significando que, a todo ato produ-zido pela acusação, caberá igual direito da defesa de se opor, de apresentar suas contrarrazões, de levar ao juiz do feito uma versão ou uma interpretação diversa daquela apontada inicialmente pelo autor. O contraditório assegura,

16 PEREIRA, Frederico Valdez. Compatibilização constitucional da colaboração premiada. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/DPE2014/docs/flavio/valdez.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2016.

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também, a igualdade das partes no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa17.

Conforme leciona Nucci, o contraditório prevê a bilateralidade dos atos processuais, que significa ter o réu sempre o direito de se manifestar quanto ao que for dito e provado pelo autor, produzindo contraprova18.

Segundo Schimidt, citado por Lescano (2010, p. 15), contraditar é con-tra-aditar, isto é, afirmar em sentido contrário, contrariar, dimanando dessa garantia a base da intervenção da defesa. O que funda a garantia do contra-ditório é a proibição ética e jurídica de um julgamento sem oportunizar-se ao acusado a chance para impugnar a prova acusatória e oferecer a sua versão defensiva19.

Por sua vez, Tourinho, citado por Silva, preconiza que o contraditório no instituto da delação premiada é primordial como valoração de prova20:

O contraditório é, pois, essencial para a valoração da prova, em termos tais que a prova que não lhe for submetida não vale para formar a convicção. O fato somente pode ser julgado provado ou não provado após a submissão dos meios de prova ao contraditório em audiência.

Já por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo omitir-se ou calar-se, se entender necessário21.

A ampla defesa é a possibilidade que o réu tem, já assegurado pelo contraditório, de lançar utilizar todas as possibilidades de exercício pleno do

17 PAULO Vicente; ALEXANDRINO Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 12. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 191.

18 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo: RT, 1999. p. 36.

19 LESCANO, Mariana Doernte. A delação premiada e sua (in)validade á (sic) luz dos princípios constitucionais. PUCRS, 2010. Acesso em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/mariana_lescano.pdf>. Disponível em: 28 set. 2015.

20 SILVA, Admaura. A delação premiada na nova Lei do Crime Organizado – Lei nº 12.850/2013. Disponível em: <http://silvamaura.jusbrasil.com.br/artigos/273325253/a-delacao-premiada-na-nova-lei-do-crime-organizado-lei-n-12850-2013?ref=topic_feed>. Acesso em: 15 jan. 2016.

21 STF, HC 68.929-9/SP, 1ª T., Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça 28.08.1992, p. 13453.

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seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade.

Posto isso, em primeira análise à Lei nº 12.850/2013, podem-se notar dispositivos incompatíveis com os princípios tratados, eis que, por exemplo, o réu não tem acesso às acusações feitas pelo delator no momento da delação, impossibilitando sua defesa, sendo esta exercida apenas na fase judicial, de forma que a elaboração da defesa resta prejudicada.

A lei também não dispõe da possibilidade de acareação entre o delator e o acusado, sendo que o delator falará em audiência sem contato visual com outros acusados (art. 5º da Lei nº 12.850/2013), de forma que o réu não tem a possibilidade de comprovar fatos contrários, demonstrando que a delação premiada não é plenamente compatível com os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Silva22 entende que a delação não possibilita, de forma plena, o contra-ditório, uma vez que o delatado não tem acesso a informações importantes.

Sendo a delação o momento em que se colhem as informações do delator a respeito de pessoas, lugares etc., o delatado não tem acesso às acusações, para que delas possa se defender. Somente passada essa fase é que o acu-sado tem o direito à defesa. Mesmo assim, ele não tem acesso a todos os elementos que, querendo ou não, o incriminam, tais como acesso aos dados do delator, e que seriam importantes como meio de se estabelecer o contra-ditório. Importa salientar que não existe acareação entre delator e delatado, para que possa ser feita uma análise de todas as informações, referentes à defesa e à acusação.

Aranha, citado por Rossetto, salienta que as informações obtidas por meio de um acordo de delação não deveriam ser úteis como prova, uma vez que não possibilita o contraditório:

[...] assinala tratar-se de prova anômala, totalmente irregular, que surge no interrogatório, peça sem influência das partes, ou na ouvida policial, igual-mente sem influência, não havendo contraditório, porque o atingido pela delação nada pode perguntar ou reperguntar. (2001, p. 190)

22 DA SILVA, Jordana Mendes. Delação premiada: uma análise acerca da necessidade de regulamentação específica no direito penal brasileiro. PUCRS, 2012. Acesso em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_1/jordana_silva.pdf>. Disponível em: 28 set. 2015.

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Embora haja discursos alegando que as provas colhidas na fase inves-tigatória não trazem prejuízos ao réu, eis que não pode haver condenação ba-seada apenas com elementos de convicção colhidos na fase do inquérito, con-tudo, na prática, é isso que muita vezes acontece, conforme destaca Vieira:

Investigar com eficiência e respeitar o indivíduo além de possível é uma imposição do estado de direito. Nesse sentido, é necessário garantir que o investigado possa participar, ainda que de maneira moderada, da investi-gação, pois nela são abrigados também, atos de instrução criminal, alguns inclusive de caráter definitivo. (Vieira, 2006, p. 12)

Conforme se observa, sob a ótica garantista do direito penal, não é pos-sível afirmar que a delação premiada é compatível com o contraditório.

Prieto diz tratar-se de prova anômala e ilícita, não devendo ser admiti-da como meio de prova.

É, nessa hipótese, realmente uma prova anômala, totalmente irregular, pois viola o princípio do contraditório, uma das bases estruturantes do processo penal. Como a acusação surge, a rigor, no interrogatório em juízo, sem a presença do delatado e de seu defensor, ou na ouvida policial, igualmente sem essa presença de ambos, deixa de existir o contraditório, pois o atingi-do nada pode perguntar ou reperguntar.23

Entretanto, há quem defenda sua compatibilidade constitucional com a delação premiada, sendo que os que assim entendem defendem que o con-traditório não se aplica à fase investigatória, sendo admitido apenas na fase processual.

Explanando sobre o tema, Lescano apresenta posições sobre o tema24:

Segundo Antônio Scarance Fernandes, só se exige a observância do contra-ditório, no processo penal, na fase processual, não na fase investigatória. Ao mencionar o contraditório, impõe seja observado em processo judicial ou administrativo, não estando abrangido o inquérito policial. De outra

23 PRIETO, André Luiz. Delação só é prova quando permitido o contraditório. Conjur, 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-24/delacao_prova_quando_permitido_contraditorio>. Acesso em: 29 fev. 2016.

24 LESCANO, Mariana Doernte. A delação premiada e sua (in)validade á (sic) luz dos princípios constitucionais. PUCRS, 2010. Acesso em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/mariana_lescano.pdf>. Disponível em: 28 set. 2015.

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banda, Rogério Lauria Tucci sustenta a necessidade de uma contrariedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal e na investigação inclusive, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa.

Apesar da divergência doutrinária acerca do tema, extrai-se da juris-prudência majoritária que até mesmo na fase investigatória há a necessidade de se respeitarem os direitos fundamentais do investigado.

Sobre o tema, cabe destacar os ensinamentos do eminente Ministro Celso de Mello25:

O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucio-nais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.

A fim de evitar abusos e garantir a ampla defesa e o contraditório na fase investigatória, a Suprema Corte Constitucional editou a Súmula Vincu-lante nº 14, que assegura o direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedi-mento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judi-ciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa26.

Destarte, verifica-se que, conforme a maior parte dos autores pesqui-sados, ao menos pelas regras atuais, há violação ao direito constitucional do acusado ao contraditório e a ampla defesa na delação premiada, devendo esse modo de aquisição das delações sofrer mudanças a fim de que possibilite a garantia dos direitos constitucionais de defesa do delatado.

COnsideraçÕes Finais

A delação premiada foi inclusa no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez em 1990, com o advento da lei de crimes hediondos, sendo, com o passar dos anos, adotada por diversas outras leis esparsas, sofrendo, assim, inúmeras alterações e complementações.

25 RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello.26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. Disponível em: <http://

www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230>. Acesso em: 15 fev. 2016.

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A colaboração premiada tipificada na lei de organizações criminosas pode ser oferecida pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, que tem por objetivo dar benefícios ao colaborador, desde que auxilie de forma concreta nas investigações, sendo que a autoridade judiciária não participa das negociações, limitando-se a homologar o acordo celebrado entre o cola-borador e os investigadores quando obtido um resultado concreto por meios das delações.

A delação premiada tipificada na Lei nº 12.850/2013, apesar de recente, gera muitas controvérsias acerca de sua constitucionalidade, dividindo opi-niões e gerando muitos debates.

Segundo a maior parte da doutrina pesquisada, a colaboração premia-da (assim denominada na nova lei de organizações criminosas) fere alguns dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não possibilita o delatado de se defender de todas as acusações a ele im-putadas, não sendo compatível com o Estado Democrático de Direito.

Com a realização desta pesquisa, confirmou-se a hipótese suscitada, concluindo que o instituto da delação premiada, da forma que é realizada, viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, devendo ser modificada a forma de sua concessão, de modo que permita o delatado se defender de todas as acusações que lhe são impostas, sendo possibilitada a produção de contraprovas ou até mesmo da careação do delator.

reFerÊnCias

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Jurisprudênciacível

STJSuperior Tribunal de JuSTiça

ProAfR no Recurso Especial nº 1.667.843 – SC (2017/0099186-0)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Recorrido: Cleber de Oliveira

Recorrido: Lucineide João Alves de Oliveira

Advogado: Jardel Batista Rasche – SC023470

Interes.: Defensoria Pública da União

EMENTA

PrOPOsta de aFetaçãO – reCursO esPeCial – ritO dOs reCursOs esPeCiais rePetitiVOs – usuCaPiãO eXtraOrdinÁria – Área inFeriOr aO mÓdulO estabeleCidO em lei muniCiPal

1. Delimitação da controvérsia: Definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus re-quisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

2. Recurso Especial afetado ao rito do art. 1.036 CPC/2015.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Se-ção do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos, por maioria, afetar o processo ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C) e, por maioria, suspender a tramitação de processos em todo território nacio-nal (art. 1037, II, do CPC/2015), conforme proposta do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região).

Vencidos, quanto à afetação do processo, os Srs. Ministros Marco Buzzi (1º voto divergente) e Ricardo Villas Bôas Cueva.

Vencidas, quanto à afetação e quanto à abrangência da suspensão de processos, as Sras. Ministras Nancy Andrighi e Maria Isabel Gallotti.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 05 de dezembro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Trata-se de proposta de afetação de recurso especial para julgamen-to sob o rito dos recursos repetitivos, cujo procedimento se encontra nos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, complementado pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, com a redação dada pela Emenda nº 24, de 28.09.2016, publicada no DJe de 14.10.2016.

No presente caso, Cleber de Oliveira e Lucineide João Alves de Oliveira ajuizaram ação de usucapião extraordinário, ao argumento de que são legítimos possuidores de um terreno urbano, localizado no bairro Siriú, município de Garopaba/SC, sob o qual mantém posse mansa e pacífica, con-tínua, sem oposição e com animus domini.

Registraram que o terreno objeto da lide foi adquirido após a subscri-ção de instrumento de Contrato Particular de Cessão de Direitos e Transfe-rência de Posse de Imóvel, e, somando-se as posses comprovadas, é possível

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verificar o domínio pelo período de 37 (trinta e sete anos), sempre de forma mansa, pacífica e ininterrupta.

Concluíram que, tendo decorrido o prazo previsto nos arts. 1.238, pa-rágrafo único, e 1.243 do Código Civil, fazem jus à aquisição da propriedade imóvel, pelo reconhecimento da usucapião extraordinária.

Na sentença (fls. 113/116), o juízo de piso julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo o domínio sobre a área descrita, servindo a senten-ça como título para a matrícula no Cartório de Registro de Imóveis.

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina apelou, defenden-do a impossibilidade de declaração da usucapião extraordinária, sob o ar-gumento de que o terreno em questão não atende aos padrões exigidos pelo Município de Garopaba, visto que a área usucapienda é inferior ao módulo estabelecido pela legislação municipal.

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento à apelação, entendendo que o fato de o imóvel possuir área inferior ao módulo estabelecido em lei municipal não obsta o processamento da ação que visa à usucapião extraordinária, constituindo mera irregularidade administrativa. Asseverou, ainda, que o Código Civil não exige que o imóvel tenha sido ob-jeto de regular parcelamento do solo e atenda às posturas municipais e aos preceitos urbanísticos, situação que, caso acolhida, elegeria mais um requisi-to, não explicitado na legislação federal, para a aquisição da propriedade pela usucapião. Com efeito, transcreve-se a ementa abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB FUNDAMENTO DE QUE A ÁREA USUCAPIDA NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DA LEI Nº 6.766/1979 – IRRELEVÂNCIA – NÃO É REQUISITO DA USUCAPIÃO QUE A ÁREA USUCAPIENDA ESTEJA REGULAR – PRECEDENTES DESTA CORTE – COBRANÇA DE IMPOSTO PREDIAL PELA MUNI-CIPALIDADE QUE LHE CONFERE A APARÊNCIA DE LEGALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (fl. 171)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 213-219).

Sobreveio, então, recurso especial (fls. 224-234), interposto pelo Minis-tério Público do Estado de Santa Catarina, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal.

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O recorrente aponta violação aos arts. 1.238, caput, do Código Civil; 4º, § 1º, da Lei nº 6.766/1979; e 2º, caput, VI, c, e 39 da Lei nº 10.257/2001, sob o argumento de que não é possível a aquisição da propriedade, por meio de usucapião, sempre que a área do imóvel for menor do que o módulo urbano estabelecido pela legislação municipal.

Certidão de transcurso in albis do prazo para o oferecimento de con-trarrazões ao recurso especial à fl. 238.

O presente recurso especial foi indicado pelo Tribunal de origem como representativo de controvérsia (fls. 240-250).

O Ministério Público Federal, em parecer às fls. 268-271, pugnou pela admissibilidade do presente recurso especial como representativo de contro-vérsia.

É o relatório.

EMENTA

PrOPOsta de aFetaçãO – reCursO esPeCial – ritO dOs reCursOs esPeCiais rePetitiVOs – usuCaPiãO eXtraOrdinÁria – Área inFeriOr aO mÓdulO estabeleCidO em lei muniCiPal

1. Delimitação da controvérsia: Definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos es-pecíficos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

2. Recurso Especial afetado ao rito do art. 1.036 CPC/2015.

VOTO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. De plano, consigne-se que o art. 256-I c/c art. 256-E do RISTJ, na redação da Emenda Regimental 24, de 28.09.2016, passou a exigir a compe-tência do Colegiado para a afetação de recurso como representativo de con-trovérsia.

Os arts. 256-I, 256-E e 257 a 257-E do Regimento Interno do STJ dispõem:

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Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o re-curso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno.

Art. 256-E. Compete ao relator do recurso especial representativo da con-trovérsia, no prazo máximo de sessenta dias úteis a contar da data de con-clusão do processo, reexaminar a admissibilidade do recurso representati-vo da controvérsia a fim de:

I – rejeitar, de forma fundamentada, a indicação do recurso especial como representativo da controvérsia devido à ausência dos pressupostos recur-sais genéricos ou específicos e ao não cumprimento dos requisitos regimen-tais, observado o disposto no art. 256-F deste Regimento;

II – propor à Corte Especial ou à Seção a afetação do recurso especial representativo da controvérsia para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do Código de Processo Civil e da Seção II deste Capítulo.

Art. 257. É obrigatório ao relator o uso da ferramenta eletrônica de afetação do recurso especial à sistemática dos repetitivos e de admissão do inciden-te de assunção de competência, nos termos desse capítulo.

Art. 257-A. Incluída pelo relator, em meio eletrônico, a proposta de afe-tação ou de admissão do processo à sistemática dos recursos repetitivos ou da assunção de competência, os demais Ministros do respectivo órgão julgador terão o prazo de sete dias corridos para se manifestar sobre a pro-posição.

§ 1º Para a afetação ou admissão eletrônica, os Ministros deverão observar, en-tre outros requisitos, se o processo veicula matéria de competência do STJ, se preenche os pressupostos recursais genéricos e específicos, se não possui vício grave que impeça o seu conhecimento e, no caso da afetação do recurso à sistemática dos repetitivos, se possui multiplicidade de processos com idêntica questão de direito ou potencial de multiplicidade.

§ 2º Caso a maioria dos Ministros integrantes do respectivo órgão julgador deci-dam, na sessão eletrônica, pelo não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º, a questão não será afetada ou admitida para julgamento repetitivo ou como assun-ção de competência, retornando os autos ao relator para decisão.

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§ 3º Rejeitada a proposta de afetação ou de admissão porque a questão não é de competência do STJ, a matéria discutida no processo não será objeto de nova inclusão para afetação ou admissão eletrônica.

Art. 257-B. Não sendo o caso de impedimento ou suspeição, ou de licença ou afastamento que perdurem pelos cinco últimos dias de votação, a não manifestação do Ministro no prazo do art. 257-A deste Regimento acarre-tará a adesão à manifestação de afetação ou de admissão apresentada pelo relator.

Art. 257-C. Findo o prazo de que trata o art. 257-A deste Regimento, o sis-tema contabilizará as manifestações e lançará, de forma automatizada, na plataforma eletrônica, suma com o resultado da deliberação colegiada so-bre a afetação do processo à sistemática dos recursos repetitivos ou a ad-missão do incidente de assunção de competência.

Parágrafo único. Será afetado para julgamento pela sistemática dos recur-sos repetitivos ou admitido o incidente de assunção de competência à Cor-te Especial ou à Seção o processo que contar com o voto da maioria simples dos Ministros.

Art. 257-D. Afetado o recurso ou admitido o incidente, os dados serão in-cluídos no sistema informatizado do Tribunal, sendo-lhe atribuído número sequencial referente ao enunciado de tema.

Art. 257-E. Será publicada, no Diário da Justiça eletrônico, a decisão co-legiada pela afetação do recurso ou pela admissão do incidente, acompa-nhada das manifestações porventura apresentadas pelos demais Ministros.

Nesse diapasão, com fulcro nos dispositivos acima citados, submeto a afetação do presente feito, como representativo de controvérsia, ao Órgão Colegiado competente para a respectiva apreciação.

3. A questão jurídica a ser dirimida, no presente recurso, está em ve-rificar se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preen-chimento de seus requisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

No caso concreto, o Tribunal de origem entendeu que é possível reco-nhecer-se a aquisição da propriedade, por meio de usucapião extraordinária, mesmo quando a área usucapienda representar metragem inferior à estabele-cida pelo módulo urbano fixado em legislação municipal. Asseverou, ainda, que o Código Civil não exige que o imóvel tenha sido objeto de regular parce-lamento do solo e atenda às posturas municipais e aos preceitos urbanísticos,

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situação que, caso acolhida, elegeria mais um requisito, não explicitado na legislação federal, para a aquisição da propriedade pela usucapião.

O recorrente, por outro lado, defende que não é possível a aquisição da propriedade, por meio de usucapião, sempre que a área do imóvel for menor do que o módulo urbano estabelecido pela legislação municipal.

Deve-se mencionar que há precedente da Terceira Turma do STJ en-frentando matéria semelhante, cristalizada pela seguinte tese perfilhada: o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respec-tiva área em que situado o imóvel. Menciona-se, ilustrativamente, a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – USUCAPIÃO ESPE-CIAL URBANA – REQUISITOS DO ART. 183 DA CF/1988 REPRODUZI-DOS NO ART. 1.240 DO CCB/2002 – PREENCHIMENTO – PARCELA-MENTO DO SOLO URBANO – LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL – LEGISLAÇÃO MUNICIPAL – ÁREA INFERIOR – IRRELEVÂNCIA – IN-DEFERIMENTO DO PEDIDO DECLARATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – REPER-CUSSÃO GERAL – RE 422.349/RS – MÁXIMA EFICÁCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL

1. Cuida-se de ação de usucapião especial urbana em que a autora pretende usucapir imóvel com área de 35,49 m2.

2. Pedido declaratório indeferido pelas instâncias ordinárias sob o funda-mento de que o imóvel usucapiendo apresenta metragem inferior à esta-belecida na legislação infraconstitucional que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e nos planos diretores municipais.

3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 422.349/RS, após reconhe-cer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do Código Civil, o reco-nhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legisla-ção infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

4. Recurso especial provido.

(REsp 1360017/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 05.05.2016, DJe 27.05.2016) [g.n.]

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Veja-se, ainda, precedente da Quarta Turma do STJ, que, não obstante tratar de usucapião rural, consigna a ausência de impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localiza:

RECURSO ESPECIAL – USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL – FUN-ÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL – MÓDULO RURAL – ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓ-VEL – INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA – CONSTITUI-ÇÃO FEDERAL – PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA – INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA – IMPOR-TÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA

1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2º) e rural (art. 186, I a IV).

2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apro-priado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequa-da e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.

3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei nº 6.969/1981, é caracterizada pelo elemen-to posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.

4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse tra-balhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e eco-nômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal – com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.

5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser

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usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produ-tiva e lhe confere função social.

6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que asse-gure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentan-do o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.

7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.04.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementa-ção da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.

8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguin-te tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimen-são do lote) (RE 422.349/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 29.04.2015).

9. Recurso especial provido.

(REsp 1040296/ES, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Ac. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 02.06.2015, DJe 14.08.2015) [g.n.]

Em pesquisa realizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, es-tima-se que há cerca de uma centena de processos aguardando julgamento quanto à possibilidade de a legislação municipal estabelecer requisitos para o reconhecimento de usucapião extraordinária em área inferior ao módulo urbano.

Na mesma esteira, algumas centenas de processos, referenciando o presente tema, são julgados pelos Tribunais de Justiça hodiernamente, com a possibilidade de célere acúmulo de recursos nesta Corte Superior.

4. Dessa forma, considerando que há multiplicidade de processos com idêntica questão de direito a ser dirimida, evidenciando o caráter multitudi-

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nário da controvérsia, e que podem ascender diariamente a esta Corte Supe-rior, revela-se oportuna e conveniente a afetação do presente recurso especial como representativo da controvérsia, conjuntamente com o REsp 1.667.842/SC, nos ter-mos do art. 1.036, § 5º, do CPC/2015, para que sejam ambos julgados pela Segunda Seção, pela sistemática dos recursos repetitivos, observadas as se-guintes providências:

a) delimitação da seguinte tese controvertida: Definir se o reconhecimen- to da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus re- quisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

b) suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre idêntica questão e que tramitem no território nacional, nos termos do art. 1.037, II, do CPC/2015, ressalvando que não é obstada a propositura de novas ações, tampouco a sua distribuição, bem como que não se aplica o sobrestamento às transações efetuadas ou que vierem a ser concluídas.

c) comunicação, com cópia da decisão colegiada de afetação, aos em. Ministros da Segunda Seção do STJ e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

d) dar ciência, facultando-se-lhe a atuação nos autos como amicus curiae, à Defensoria Pública da União.

e) após, oportuna vista ao Ministério Público Federal, para parecer, nos termos do art. 1.038, III, § 1º, do CPC/2015.

É o voto.

ADITAMENTO AO VOTO

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão:

1. Apresentada proposta de afetação de recurso especial para julga-mento sob o rito dos recursos repetitivos (arts 1.036 a 1.041 do CPC/2015) o em. Ministro Marco Buzzi inaugurou divergência amparada em dois fun-damentos: a) a pequena quantidade de recursos, segundo informação do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Nugep, suspensos e vinculados ao tema que ora se pretende afetar e b) a existência de apenas um julgado,

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segundo o em. Ministro, tratando de matéria idêntica àquela que se pretende afetar, uma vez que aqueles julgados desta Corte, apresentados por este rela-tor na proposta de afetação, não equivalem à delimitação do tema.

2. Impulsionado pelas relevantes ponderações do em. Ministro Marco Buzzi, quanto à questão da quantidade de processos tratando sobre o tema que se pretende afetar, solicitei ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Nugep uma consulta aos Tribunais de Justiça a fim de atualizar o quanti-tativo de processos sobrestados por conta dos recursos representativos da presente controvérsia.

Foi solicitado ao Nugep verificar junto aos Tribunais de Justiça esta-duais sobre a possibilidade de se levantar informações sobre processos em tramitação com a mesma questão jurídica da Controvérsia nº 22/STJ.

Todavia, apenas o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins responderam à solicitação, com a ressalva de que a pesquisa foi realizada com base nos códigos de assunto da Tabela Processual Unificada do CNJ.

O Nugep nos informou que “Em relação ao TJMG, conforme e-mail anexo, foram localizados 4.498 ações tramitando na 1ª instância da Justiça mineira. Quanto ao TJTO, foi encaminhada planilha anexa com a informação de que há 1988 processos em 1º grau e 159 processos em 2º grau.”

Esses números, a meu ver, revelam a multiplicidade de processos a tra-tar do tema, bem como o seu grau de importância e relevância para a efetiva prestação jurisdicional pelos diversos Tribunais e graus de jurisdição.

3. Também não concordo com Sua Excelência quanto à alegação de que a presente proposta apresenta similitude com aquela objeto da Proposta nº 02/STJ, no que diz respeito à quantidade de precedentes desta Corte.

Naquela oportunidade se pontuou que sobre o tema objeto da Propos-ta nº 02/STJ não se tinha nenhum julgado desta Corte Superior, fato que, há meu ver, não pode ser confundido com poucos precedentes, como acontece na presente proposta de afetação.

Neste caso, além do precedente apontado pelo próprio Ministro Marco Buzzi, este relator colacionou dois acórdãos do STJ, um de relatoria do em. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e outro deste próprio relator que bem retratam o fundamento a ser analisado, qual seja, o reconhecimento do direito à

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usucapião pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos de tamanho na respectiva área em que situado o imóvel.

4. Assim, reafirmo o voto anterior pela afetação.

VOTO

Exmo. Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator):

Eminentes pares, breves colocações devem ser feitas neste julgamen-to, sobretudo, destaque-se, para se resguardar a coerência de entendimento deste Colendo Colegiado, mormente quando se constata que, acerca do pres-suposto de multiplicidade de demandas, como fator de admissibilidade do recurso repetitivo, esta Segunda Seção, já em plenário virtual, fixou critério para acolhimento da afetação, conforme o que restou deliberado na Proposta nº 02/STJ (Plenário Virtual, REsp 1.686.022/MT, Tema: “Se o produtor rural in-dividual, ou seja, empresário rural – pessoa física – que exerce atividade empresarial há mais de dois (02) anos, pode pedir recuperação judicial, ainda que sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) tenha se efetivado há menos de dois (02) anos”).

1. Passa-se à delimitação da situação fática ora em evidência.

Primeiro, observa-se quanto à tese repetitiva ora proposta: a) o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – Nugep informa, no sítio eletrônico, que se encontram suspensos e vinculados ao tema apenas 10 processos (fonte: <http://www.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp>. Con-trovérsia nº 22); e, b) a decisão de indicação da controvérsia pela Corte Esta-dual (fls. 240/250, e-STJ), relativamente ao requisito quantitativo, noticia que estão conclusos na instância ordinária apenas 9 (nove) recursos (fl. 247, e-STJ).

Segundo, no que se refere à existência de precedentes no âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte Superior, verifica-se que, especificamente sobre o tema, restrito à usucapião extraordinária obstada por lei municipal, há apenas um julgado: REsp 402.792/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª T., Julgado em 26.10.2004, DJ 06.12.2004.

Percebe-se, ainda, que os arestos trazidos pelo eminente relator na decisão de afetação não equivalem, com exatidão, à delimitação do tema ora proposto, tampouco demonstram o amadurecimento da tese no âmbito deste Su-perior Tribunal de Justiça.

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A situação ora em julgamento possui grande similitude com aquela objeto da Proposta nº 02/STJ, apresentada recentemente sob o pálio do plená-rio virtual no período de votação de 22 a 28 de novembro de 2017, diante da qual, o colegiado, por maioria de votos, delineou a inviabilidade de se afetar temas sem a demonstração de específica jurisprudência da Casa, bem como sem a comprovada existência de significativo números de recursos/demandas na origem.

Compreendo oportuno registrar que, em caso análogo, quanto à fixa-ção de critério para a admissibilidade de afetação, este Plenário Virtual da Segunda Seção recusou a proposta apresentada (nº 02/STJ), ante a alegada míngua de precedentes sobre o tema (vide), em que pese naquela hipóte-se houvesse número mais elevado de casos registrados, concretamente, pelo Nugep, no âmbito desta Corte, do que este agora em evidência.

Em virtude deste quadro, ressalvo o meu posicionamento manifestado naquela oportunidade, acerca da adequação da proposta aos requisitos de admissibilidade previstos no Código de Processo Civil de 2015 quanto à via-bilidade de reconhecimento de tese repetitiva, mas, curvando-me ao entendi-mento precursionado pela Egrégia Segunda Seção e, pois, seguindo a orientação já estabelecida por este colegiado, igualmente no caso sub judice é de se rejeitar a presente afetação a fim de preservar a coerência com o que restou anterior-mente deliberado.

Conclusão em outro sentido, repisa-se, operaria contra a congruência e uniformidade de posicionamento deste Colendo Órgão Julgador e, por con-seguinte, contra a própria segurança jurídica de seus julgados.

2. Ante o exposto, voto pela não afetação do tema.

ESCLARECIMENTO

Exmo. Sr. Ministro Marco Buzzi:

Em que pese já proferidos todos os votos, todavia, ainda estando em curso prazo no qual se admite a formação da convicção dos eminentes pares, reforço que os julgados apontados no voto de afetação não correspondem à tese a ser objeto de discussão, por versarem da usucapião especial e não, como a dos autos, extraordinário, além do que, como bem ressaltou a ponde-ração feita pela ilustre Ministra Nancy Andrighi, a Corte de origem não en-frentou o pedido deduzido nas ações ajuizadas pelos recorridos sob o prisma da circunstância de os imóveis ou se encontrarem em loteamento irregular

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ou não estarem registrados em cartório, restando, portanto, nas hipóteses em tela, impossibilitada a análise da tese abstrata ora indicada.

Feitas estas colocações, mantenho o voto pela não afetação coerente com o posicionamento anteriormente adotado e exteriorizado no julgamento do Proposta nº 02/STJ, a bem da estabilização de importante critério de ad-missibilidade recursal, agora na via deste novel sistema.

VOTO

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi:

Cuida-se de recursos especiais selecionados pelo TJ/SC como repre-sentativos de controvérsia, nos termos do art. 1.036, § 1º, do CPC/2015 e do art. 256, caput, do RISTJ.

O Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente à afetação dos recursos ao rito dos repetitivos.

Em seu voto, o Exmo. Min. Luis Felipe Salomão, Relator, propôs a afe-tação dos recursos especiais para que a 2ª Seção examine a questão relativa à possibilidade de o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

Na fundamentação, o relator destacou, além da importância do tema, a existência de julgados que versam sobre questões semelhantes em ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção e a estimativa de que haja uma consi-derável quantidade de processos aguardando julgamento nesta Corte e de que venham a existir inúmeros mais a ser julgados pelos graus ordinários de jurisdição que tratem sobre a tese jurídica destacada.

É o relato do necessário. Passo a votar.

O propósito do presente incidente é averiguar se os recursos especiais selecionados como representativos de controvérsia pelo TJ/SC preenchem os requisitos necessários à afetação ao rito dos recursos especiais repetitivos, definido nos arts. 1.036 e ss. do CPC/2015.

Esses requisitos podem ser inferidos do art. 1.036, caput e § 6º, do CPC/2015 e do art. 257-A, § 1º, do RISTJ, correspondendo, em síntese: a) ao fato de o processo veicular matéria de competência do STJ; b) à existên-cia uma multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica

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questão de direito; c) ao atendimento, pelos recursos selecionados, dos pres-supostos recursais genéricos e específicos; d) à circunstância de os recursos especiais não possuírem vício grave que impeça seu conhecimento; e e) a ter havido abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

A matéria veiculada tem natureza infraconstitucional, porquanto se re-fere à interpretação de normas constantes em leis federais, a saber, os art. 1.238 do CC/2002; 4º, § 1º, e 18 da Lei nº 6.766/1979; e 39 da Lei nº 10.257/2001.

Da maneira como indicado na decisão que selecionou os recursos espe-ciais como representativos de controvérsia, existem ao menos sete recursos especiais conclusos para a apreciação da admissibilidade pela Vice-Presidên-cia do TJ/SC, outros dois em tramitação e mais cinco já encaminhados ao STJ. Ademais, o relator informa haver ao menos uma centena de recursos pen-dentes de julgamento nesta Corte que versam sobre a questão controvertida, razão pela qual reputa-se satisfeito o requisito da existência de multiplicida-de ou de potencial multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

Ademais, de início, não se verifica a presença de vício grave que com-prometa o conhecimento dos recursos especiais selecionados como represen-tativos de controvérsia, que atendem, em um exame perfunctório, aos pres-supostos recursais genéricos e específicos.

Observa-se, no entanto, que, embora a questão jurídica selecionada tenha grande relevância, os recursos especiais selecionados pelo TJ/SC não atendem satisfatoriamente ao requisito do art. 1.036, § 6º, do CPC/2015, pois não estão subsidiados em argumentação e discussão suficientemente abran-gentes a respeito do tema selecionado.

O recurso especial definido como representativo da controvérsia e afetado ao rito dos repetitivos deve versar sobre questão homogênea, que deve ser dotada de generalidade suficiente para ser replicada nos demais processos que tratem da mesma matéria jurídica. Realmente, tendo em vista a nova função de definição de precedentes e paradigmática do recurso espe-cial, deve ser privilegiada a eficácia extrapartes da questão apreciada pelas Cortes Superiores.

Essa função paradigmática e extrapartes só pode ser alcançada com o exame de todas as teses relevantes que possam ser favoráveis ou contrá-rias à conclusão do órgão julgador. Nessa linha, o art. 104-A do RISTJ exige

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que o acórdão a ser proferido no julgamento do recurso especial repetitivo contenha “os fundamentos relevantes da questão jurídica discutida, favoráveis ou contrários, entendidos esses como a conclusão dos argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, respectivamente, confirmar ou infirmar a conclusão adotada pelo órgão julgador” (sem destaque no original).

Quanto ao ponto, nota-se que o Tribunal de origem não enfrentou o pedido deduzido nas ações ajuizadas pelos recorridos sob o prisma da cir-cunstância de os imóveis ou se encontrarem em loteamento irregular (REsp 1.667.842/SC, fl. 204, e-STJ) ou não estarem registrados (REsp 1.667.843/SC, fl. 172, e-STJ), particularidades que são extraídas da moldura fática dos acór-dãos recorridos.

Também não se manifestou sobre as teses do recorrente de que “a decisão mais acertada é conceder o domínio da área ao autor, restringin-do, entretanto, o direito de uso e ocupação do solo e edificação, que deverá, obrigatoriamente, acompanhar os preceitos da legislação municipal ” (REsp 1.667.843/SC, fl. 173, e-STJ) ou de “impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que se trata de loteamento irregular” (REsp 1.667.842/SC, fl. 204, e-STJ).

Ressalte-se, inclusive, que, em julgado relativamente recente, a 3ª Tur-ma, examinando questão que, por se referir a matéria processual, é tangente a que é objeto dos presentes recursos especiais – mas que também é essencial ao correto equacionamento da controvérsia – consignou o entendimento de que, se não são controvertidos os limites do direito de propriedade de um determinado imóvel, a ação de usucapião não é o provimento jurisdicional adequado à obtenção do registro e individuação do bem em matrícula pró-pria no Registro de Imóveis (REsp 1431244/SP, 3ª T., DJe 15.12.2016).

Esse viés da questão em exame ainda não foi, todavia, objeto de apre-ciação pela 4ª Turma, o que demonstra que, até o presente momento, não houve a oportunidade de os Tribunais de origem e também de esta Corte se debruçarem sobre o tema de forma a construir um posicionamento funda-mentado a respeito dos diferentes e complexos aspectos necessários ao ade-quado desate da questão aqui submetida a apreciação.

Assim, conquanto reconheça a relevância econômica, política, social e jurídica da matéria, em razão de não vislumbrar a presença do requisito da abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida, entendo, com a vênia do relator, não ser cabível, por ora, a submissão dos presentes recursos especiais ao rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

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Forte nessas razões, voto pela não afetação dos presentes recursos espe-ciais ao rito dos recursos repetitivos.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2017/0099186-0

Processo Eletrônico ProAfR-REsp 1.667.843/SC

Números Origem: 00018484620128240167 00141144220168240000 141144220168240000 18484620128240167 20150541674 20150541674000100

Sessão Virtual de 29.11.2017 a 05.12.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

Assunto: Direito civil – Coisas – Propriedade – Aquisição – Usucapião ex-traordinária

PROPOSTA DE AFETAÇÃO

Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Recorrido: Cleber de Oliveira

Recorrido: Lucineide João Alves de Oliveira

Advogado: Jardel Batista Rasche – SC023470

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão virtual com término nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Segunda Seção, por maioria, afetou o processo ao rito dos recursos re-petitivos (RISTJ, art. 257-C) e, por maioria, suspendeu a tramitação de pro-cessos em todo território nacional (art. 1.037, II, do CPC/2015), conforme proposta do Sr. Ministro Relator.

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Votaram com o Sr. Ministro Relator os Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região).

Vencidos, quanto à afetação do processo, os Srs. Ministros Marco Buzzi (1º voto divergente) e Ricardo Villas Bôas Cueva.

Vencidas, quanto à afetação e quanto à abrangência da suspensão de processos, as Sras. Ministras Nancy Andrighi e Maria Isabel Gallotti.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Recurso Especial nº 1.393.771 – PE (2013/0225154-6)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Recorrente: I. de B. M. (menor)

Repr. por: J. M. de B.

Advogado: Roberto Amorim Holder e outro(s) – PE027439

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social

Advogado: Procuradoria-Geral Federal – PGF – PR000000F

EMENTA

PreVidenCiÁriO e PrOCessual CiVil – reCursO esPeCial – dePendente absOlutamente inCaPaZ –

menOr imPÚbere – termO iniCial dO beneFíCiO: data da reClusãO – O PraZO PresCriCiOnal nãO COrre

COntra O inCaPaZ – inteligÊnCia dOs arts. 198, i, dO CÓdigO CiVil C/C Os arts. 79 e 103, ParÁgraFO ÚniCO

da lei nº 8.213/1991 – reCursO esPeCial dO PartiCular PrOVidO

1. O termo inicial do benefício de auxílio-reclusão, quando devido a dependente absolutamente incapaz, é a data da prisão do segurado.

2. É firme o entendimento desta Corte de que os prazos deca-denciais e prescricionais não correm em desfavor do absolutamente incapaz. Ademais, não se poderia admitir que o direito do menor fosse prejudicado pela inércia de seu representante legal.

3. Recurso Especial do particular provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao Recur-so Especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa (Presidente) e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília/DF, 30 de novembro de 2017 (data do Julgamento).

Napoleão Nunes Maia Filho Ministro Relator

RELATÓRIO

1. Trata-se de Recurso Especial fundando na alínea a do art. 105, III da Constituição Federal, interposto contra acórdão do Tribunal Regional Fede-ral da 5ª Região, assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO – AUXÍLIO-RECLUSÃO – INCAPAZ – TERMO INI-CIAL – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO PASSADOS MAIS DE TRINTA DIAS DO ENCARCERAMENTO – INEXISTÊNCIA DE PRA-ZO DECADENCIAL OU PRESCRICIONAL – IMPROVIMENTO DO RE-CURSO

1. O termo inicial para a percepção do auxílio-reclusão na via administrati-va, nos termos do art. 74 da Lei nº 8.213/1991, será contado (a) do encarce-ramento, quando requerido até trinta dias depois deste ou (b) do requeri-mento, quando postulado após o este prazo.

2. No caso presente, verifica-se que o requerimento administrativo ocorreu passados mais de trinta dias do encarceramento, devendo ser aplicado o disposto no inciso LI do art. 74 da Lei nº 8.213/1991, já que não se está a falar de prazo prescricional ou decadencial, mas sim de simples prazo legal para o requerimento, quando, a partir deste, passa o dependente a perce-ber o benefício, mesmo sendo ele incapaz, sendo inaplicáveis, ao caso, o disposto no art. 198, inciso I, do Código Civil e o estabelecido no art. 79 da Lei nº 8.213/11991.

3. Improvimento do recurso de apelação.

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2. Em seu Apelo Especial, sustenta que o auxílio-reclusão devido ao dependente absolutamente incapaz deve ser pago desde a data da prisão do segurado, em atenção ao que dispõe os arts. 116, § 4º e 105 do Decreto nº 3.048/1999. Argumenta que os prazos de decadência e prescrição não se aplicam aos menores impúberes.

3. É o breve relatório.

VOTO

PreVidenCiÁriO e PrOCessual CiVil – reCursO esPeCial – dePendente absOlutamente inCaPaZ – menOr imPÚbere – termO iniCial dO beneFíCiO: data da

reClusãO – O PraZO PresCriCiOnal nãO COrre COntra O inCaPaZ – inteligÊnCia dOs arts. 198, i, dO CÓdigO CiVil C/C Os arts. 79 e 103, ParÁgraFO ÚniCO da lei nº 8.213/1991 – reCursO esPeCial dO PartiCular PrOVidO

1. O termo inicial do benefício de auxílio-reclusão, quando devido a dependente absolutamente incapaz, é a data da prisão do segurado.

2. É firme o entendimento desta Corte de que os prazos deca-denciais e prescricionais não correm em desfavor do absolutamente incapaz. Ademais, não se poderia admitir que o direito do menor fosse prejudicado pela inércia de seu representante legal.

3. Recurso Especial do particular provido.

1. Cinge-se a controvérsia em determinar qual o termo inicial do bene-fício de auxílio-reclusão quando o beneficiário é absolutamente incapaz.

2. Esta Corte já consolidou a orientação de que não corre prazo pres-cricional contra o absolutamente incapaz, inclusive no que diz respeito à prescrição quinquenal, inteligência dos arts. 198, I do CC/2002 e 169, I do CC/1916.

3. Os referidos dispositivos legais tem por escopo proteger o direitos das pessoas absolutamente incapazes, em razão da sua impossibilidade de manifestação válida de vontade, circunstância que não pode ser geradora de prejuízo por conta da inércia sobre a qual não tem responsabilidade. A pro-pósito, os seguintes julgados:

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ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – MILITAR – ALIENAÇÃO MENTAL – REIN-TEGRAÇÃO ÀS FORÇAS ARMADAS – REFORMA – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – INOVAÇÃO RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE – IN-DENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – COMPENSAÇÃO COM AS PAR-CELAS REMUNERATÓRIAS ATRASADAS – IMPOSSIBILIDADE – PRE-CEDENTE DO STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. “É vedado, em sede de agravo regimental, ampliar a quaestio trazida à baila no recurso especial, colacionando razões não suscitadas anteriormen-te” (AgRg-REsp 1.111.108/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 14.09.2009).

2. Ainda que fosse conhecida a tese de prescrição quinquenal, nenhum re-paro haveria de ser feito à decisão agravada, uma vez que “A incapacidade absoluta impede a fluência do prazo prescricional – inclusive no que diz respeito à prescrição quinquenal – nos termos do art. 198, inciso I, do Códi-go Civil vigente – art. 169, inciso I, do Código Civil de 1916” (AgRg-REsp 1.149.557/AL, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 28.06.2011).

3. A eventual possibilidade de compensação da indenização por danos mo-rais reconhecida nas Instâncias ordinárias com as parcelas remuneratórias pretéritas não envolve matéria fática, tratando-se de questão exclusiva-mente de direito.

4. Hipótese em que o Tribunal de origem, conquanto houvesse reconhecido que os fatos alegados na petição inicial eram verdadeiros, afastou a inde-nização por danos morais arbitrada na sentença sob o fundamento de que o pagamento dos vencimentos atrasados “abrange o numerário necessário para indenizar o abalo sofrido” (fl. 639e).

5. Embora tenham a mesma causa de pedir, o pedido de recebimento das parcelas remuneratórias pretéritas, devidas a partir do indevido licencia-mento do autor, e o pedido de indenização por danos morais possuem na-turezas jurídicas distintas, não sendo possível sua compensação. Incidência da Súmula nº 37/STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

6. Agravo regimental não provido (AgRg-REsp 1.242.189/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 17.08.2012).

* * *

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – EXCEÇÃO DE PRESCRIÇÃO AFASTADA – INCI-

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DÊNCIA DE CAUSA DE IMPEDIMENTO – APLICAÇÃO DO ART. 197 DO CC – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ

1. Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida.

2. Tratando-se de execução de alimentos, proposta por alimentando abso-lutamente incapaz, não há que se falar em prescrição quinquenal das pres-tações mensais, em virtude do disposto nos arts. 168, II, e 169, I, do Código Civil de 1916 (197, II, do CC/2002).

3. Agravo Regimental improvido (AgRg-AREsp 4.594/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 01.02.2012).

* * *

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO – APELAÇÃO CÍVEL – FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 – MENOR IM-PÚBERE – INAPLICABILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO – AUSÊN-CIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA – INOCORRÊNCIA – SU-PRESSÃO DE INSTÂNCIA – TEORIA DA CAUSA MADURA

1. A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza das relações jurídicas, não permitindo que deman-das fiquem indefinidamente em aberto.

2. Outrossim, a prescrição não corre contra o absolutamente incapaz (art. 169, I, do Código Civil de 1916). É que a legislação prevê causas im-peditivas e suspensivas da prescrição as quais decorrem da natureza das pessoas protagonistas da relação jurídica (causas subjetivas) ou de fatos jurídicos (causas objetivas). As causas pessoais ou subjetivas se baseiam na qualidade ou natureza jurídica dos agentes da relação jurídica. Assim, no caso de menores absolutamente incapazes temos a hipótese de impedimen-to do prazo prescricional, de tal maneira que, enquanto perdurar a causa, inexiste prescrição a ser contada para efeito de pretensão. A prescrição não se inicia. De tal sorte que, cessada a incapacidade o prazo prescricional começa a correr a partir desta data.

3. O fato de o menor absolutamente incapaz ser representado em juízo não induz a possibilidade de vir a fluir o prazo prescricional, uma vez que a legislação é clara ao mencionar que a prescrição não correrá nestes casos

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sobrevindo que, quando o legislador não der margem à interpretação não cabe ao intérprete fazê-lo.

4. A doutrina sob esse enfoque preconiza que: “entendendo não ser o inca-paz um precito, não poderia ele ficar à margem do direito que, por esta ra-zão, busca aqueles procedimentos para que, corrigida ou suprida seja toda e qualquer incapacidade [...] quanto ao incapaz, este será representado por alguém que irá suprir sua vontade ou a razão lúcida, conforme o gênero da incapacidade. Quanto ao absolutamente incapaz, a lei previu o insti-tuto da representação propriamente dita, pela qual há uma substituição de vontades, em que o pai ou o tutor, considerados representantes legais, como os mais interessados, agem, decidem pelos seus representados, como se fora da vontade destes. Este o sentido, o escopo da lei pelo processo de representação” (MARIA, José Serpa de Santa, in Direitos de Personalidade e Sistemática Civil Geral, Ed. Julex, 1. ed., 1987, p. 122 – grifo nosso).

5. In casu, cuidam os autos de ação de indenização ajuizada por menor, representado por seus pais contra o Estado objetivando indenização por danos morais sofridos em decorrência de medicação, realizada no Hospital da Polícia Militar, que provocou dano irreversível na audição do autor.

6. Deveras, o menor absolutamente incapaz, in casu, contava na época do fato (16.05.1986), com seis meses de idade, e a ação foi proposta em 24.03.1998, pelo menor representado por seus pais, a teor do que precei-tua o art. 8º do Código de Processo Civil e 1.634, inc. V, do Código Ci-vil. Inequívoco, desta forma, que não transcorreu o prazo prescricional. Precedentes: (REsp 281941/RS, DJ 16.12.2002, Rel. Min. Paulo Medina, REsp 993.249/AM, DJ 03.04.2008, Rel. Min. José Delgado, REsp 81.316/RJ, DJ 11.06.2001, Rel. p/ Ac. Carlos Alberto Menezes Direito).

7. A prescrição, como fundamento para a extinção do processo com reso-lução de mérito, habilita o Tribunal ad quem, por ocasião do julgamento da apelação, a apreciá-la in totum quando a causa é exclusivamente de di-reito ou encontra-se devidamente instruída, permitindo o art. 515, § 1º do CPC que o Tribunal avance no julgamento de mérito, sem que isso importe em supressão de instância. Precedentes: REsp 274.736/DF, Corte Especial, DJ 01.09.2003; REsp 722410/SP, DJ de 15.08.2005; REsp 719462/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 07.11.2005).

8. A simples indicação do dispositivo tido por violado (art. 365, inc. III, do Código de Processo Civil), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, consoante se infere do voto condutor do acórdão de apelação (fls. 137/152), obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência da Sú-

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mula nº 282/STF: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e Súmula nº 356/STJ: “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

9. A exigência do prequestionamento, impende salientar, não é mero ri-gorismo formal, que pode ser afastado pelo julgador a que pretexto for. Ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das questões submetidas ao E. Superior Tribunal de Justiça, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 105. Neste dispositivo não há previsão de apreciação originária por este E. Tribunal Superior de questões como a que ora se apresenta. A competên-cia para a apreciação originária de pleitos no C. STJ está exaustivamente arrolada no mencionado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação.

10. A ausência de indicação da lei federal violada, bem como o fato de o recorrente não apontar, de forma inequívoca, os motivos pelos quais con-sidera violados os dispositivos de lei federal, no que concerne à alegação de inexistência de responsabilidade subjetiva da Administração Pública no evento danoso, revela a deficiência das razões do mesmo, atraindo a inci-dência do Enunciado Sumular nº 284 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia” (Precedentes: REsp 156.119/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 30.09.2004; AgRg-REsp 493.317/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 25.10.2004; REsp 550.236/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 26.04.2004; e AgRg-REsp 329.609/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 19.11.2001).

11. Recurso parcialmente conhecido e nesta parte negado provimento (REsp 908.599/PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2008).

4. Vale destacar, ainda, que a Lei nº 8.213/1991, em seu art. 79, expres-samente reconhece que não se aplicam os prazos decadenciais, estabelecidos no art. 103 do mesmo texto legal, ao menor, incapaz ou ausente.

5. Nestes termos, impõe-se reconhecer que o termo inicial do benefício de auxílio-reclusão, quando deferido em favor de menor impúbere, deve ser a data da reclusão do segurado, sendo admissível protelar a data de início do benefício à data do requerimento administrativo, uma vez que a inércia

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do seu representante legal não pode prejudicar o interesse do absolutamente incapaz.

6. Embora esta Corte ainda não tenha enfrentado o tema em discussão nos presentes autos, já consolidou compreensão semelhantes nas ações em que se busca a concessão de pensão por morte em favor de menor impúbere, como se verifica nos seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – OFENSA AO ART. 1.022 DO CPCP/2015 NÃO CONFIGURADA – PENSÃO POR MORTE DEVIDA A MENOR – PARCELAS PRETÉRITAS RETROATIVAS À DATA DO ÓBITO – REQUERIMENTO APÓS TRINTA DIAS CONTADOS DO FATO GERA-DOR DO BENEFÍCIO – ARTS. 74 E 76 DA LEI Nº 8.213/1991

1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 1.022 do CPC/2015, o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamen-tadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte.

2. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que, “de acordo com o art. 74 da Lei nº 8.213/1991, a pensão por morte é devida a contar do óbito do segurado, quando requerida até 30 dias depois desse (inciso I, em sua redação anterior à Lei nº 13.183/2015, aplicável ao caso, pois era a lei vigente à data do óbito, consoante Súmula nº 340 do STJ), ou do re-querimento administrativo, quando requerida após referido prazo (inciso II). Ocorre que, consoante entendimento predominante, o prazo previsto no supramencionado inciso II do art. 74 da Lei nº 8.213/1991 é prescri-cional e, portanto, não corre contra os absolutamente incapazes, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil e arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, como é o caso dos autos, já que o autor, nascido em 29.12.2004 (evento 1, CERTNASC4), é menor impúbere [...] Dessa forma, o benefício terá como termo inicial a data de nascimento do autor”.

3. Verifica-se que o entendimento exarado no acórdão recorrido diverge da orientação do STJ, segundo a qual, para fins de concessão de benefício previdenciário, contra o menor não corre a prescrição, por isso que o termo a quo das prestações deve, nesses casos, coincidir com a data da morte do segurado e não do nascimento do beneficiário.

4. Recurso Especial parcialmente provido (REsp 1.660.764/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.05.2017).

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* * *

PREVIDENCIÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – PENSÃO POR MORTE – TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO – ABSOLUTAMENTE INCAPAZ – DATA DO ÓBITO – PRECEDENTES – AGRAVO REGIMENTAL DES-PROVIDO

1. No que diz respeito ao termo inicial da pensão por morte, o absoluta-mente incapaz tem direito ao benefício no período compreendido entre o óbito do segurado e a data do pedido administrativo.

2. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp 1.275.327/RS, Relª Min. Laurita Vaz, DJe 26.09.2012)

7. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial para fixar o termo inicial do benefício na data de reclusão do segurado.

8. É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2013/0225154-6

Processo Eletrônico REsp 1.393.771/PE

Números Origem: 00000723020134059999 00035103420118170730 35103411 35103420118170730 553187 723020134059999

Em Mesa Julgado: 30.11.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Joel Almeida Belo

Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

AUTUAÇÃO

Recorrente: I. de B. M. (menor)

Repr. por: J. M. de B.

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Advogado: Roberto Amorim Holder e outro(s) – PE027439

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social

Advogado: Procuradoria-Geral Federal – PGF – PR000000F

Assunto: Direito previdenciário – Benefícios em espécie – Auxílio-reclusão (Art. 80)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa (Presidente) e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.

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TrF 1ª r.Tribunal regional Federal da 1ª região

Apelação Cível nº 0000002-82.2013.4.01.3804/MGRelator(a): Juiz Federal Marcelo Motta de OliveiraApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: DF00025372 – Adriana Maia VenturiniApelado: Janes Maria ChavesAdvogado: MG00088275 – Adson Maia da Silveira

EMENTA

PrOCessual CiVil e PreVidenCiÁriO – embargOs À eXeCuçãO – reVisãO de beneFíCiO – títulO eXeCutiVO

JudiCial – Causa imPeditiVa – desemPenhO de atiVidade remunerada – nãO COnFigurada

– COisa Julgada – sentença mantida

1. O título executivo judicial assegurou à Exequente a implan-tação do benefício auxílio-doença, condenando o INSS ao pagamento das parcelas em atraso. O Embargante insurge-se contra a execução de determinadas parcelas do benefício, em que teria a Embargada exercido atividade laboral, impedindo o seu recebimento.

2. É vedado, nos embargos à execução, apreciar fatos impedi-tivos do direito reconhecido na sentença, salvo se a ela posteriores. Respeito à coisa julgada e à preclusão.

3. Em relação ao período posterior à prolação da sentença, não restou comprovado pelo Embargante o efetivo exercício de ativida-de remunerada pela Embargada, havendo tão somente o registro de recolhimentos como contribuinte individual.

4. Apelação do INSS improvida.

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ACÓRDÃO

Decide a 1ª Câmara Regional Previdenciária de Juiz de Fora/MG, à unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do relator.

Brasília, 26 de setembro de 2017.

Juiz Federal Marcelo Motta de Oliveira Relator Convocado

RELATÓRIO

Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo Motta de Oliveira Relator Convocado:

1. Trata-se apelação do INSS contra sentença prolatada pelo juízo da Vara Única Federal da Subseção Judiciária de Passos, que julgou parcialmen-te procedentes os Embargos à Execução, nos quais se discutem as parcelas vencidas do benefício auxílio-doença de titularidade da exequente, Janes Maria Chaves.

2. Em suas razões recursais, o INSS sustenta a ocorrência de causa extintiva de parte da obrigação, pois a Exequente teria exercido atividade remunerada em alguns períodos, mesmo sendo-lhe reconhecida a incapaci-dade. Requer sejam decotadas as parcelas do benefício nos meses em que recolheu contribuições como autônoma.

3. Intimada, a parte embargada apresentou contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Exmo. Sr. Juiz Federal Marcelo Motta de Oliveira Relator Convocado:

1. O título judicial assegurou à Exequente a implantação do benefício auxílio-doença previdenciário, fixando a data de início do benefício na data do efetivo requerimento, condenando o INSS efetuar o pagamento das par-celas em atraso.

2. O Recorrente diverge dos cálculos apresentados pela Recorrida, adu-zindo que esta exerceu atividade remunerada entre novembro de 2002 e se-tembro de 2003; entre novembro de 2003 e maio de 2004; e entre setembro de

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2011 e abril de 2012, de forma incompatível com o recebimento do benefício, que pressupõe o afastamento do trabalho.

3. As parcelas do benefício vencidas até a prolação da sentença sofre-ram os efeitos da coisa julgada material, momento até o qual cabia ao Embar-gante alegar fato impeditivo do direito da Autora, como bem destacado pelo art. 741, VI, do CPC vigente quando do ajuizamento da presente ação:

Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

[...]

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

4. Com relação ao período posterior à prolação da sentença, os recolhi-mentos como contribuinte individual são indícios da prestação labor. Porém, nada impede que sejam realizados sem a efetiva atividade econômica. Desa-companhados de outros elementos, não são capazes de provar o fato impedi-tivo do direito da Exequente.

5. Por outro lado, a incapacidade laboral foi comprovada perante o juízo no processo de conhecimento, tornando ainda mais precária a prova trazida pelo Embargante.

6. Assim, configurada a coisa julgada em relação às prestações devidas entre novembro de 2002 e setembro de 2003; e entre novembro de 2003 e maio de 2004; e ante a ausência de prova do exercício de atividade remunerada entre setembro de 2011 e abril de 2012, não vislumbro causa impeditiva ao recebimento do auxílio-doença referente a estes períodos.

6. Com estas considerações, nego provimento a apelação do INSS, mantendo a sentença em seus termos.

É como voto.

Juiz Federal Marcelo Motta de Oliveira Relator Convocado

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TrF 2ª r.Tribunal regional Federal da 2ª região

IV – Apelação Cível nº 2004.51.01.511771-9Nº CNJ: 0511771-07.2004.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Marcus AbrahamApelante: União Federal/Fazenda NacionalApelado: Ecos de São Gonçalo Empresa Comercial de Obras e Serviços Ltda. MEAdvogado: Sem advogadoOrigem: Sétima Vara Federal de Execução Fiscal – RJ (200451015117719)

EMENTA

tributÁriO – eXeCuçãO FisCal – FalÊnCia enCerrada – Falta de bens – imPOssibilidade de QuitaçãO dO dÉbitO FisCal – ausÊnCia dO

interesse de agir – redireCiOnamentO da eXeCuçãO – sÓCiO – gestãO PratiCada COm

dOlO Ou CulPa – ausÊnCia de COmPrOVaçãO1. Apelação interposta contra sentença que julgou extinta,

sem resolução de mérito, a presente execução fiscal, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC/1973, em razão da falta de interesse de agir.

2. Como se depreende, em análise aos autos, através ofício nº 1025/2013OF, o Juízo da 2ª Vara Empresarial/RJ informou o encer-ramento do processo falimentar da sociedade executada (nº 0078450-86.1999.8.19.0001), acostando aos autos cópia da sentença.

3. A massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o re-direcionamento da execução fiscal caso fique demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos.

4. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, encer-rado o processo falimentar, sem a constatação de bens da sociedade

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empresarial suficientes à satisfação do crédito tributário, extingue-se a execução fiscal, cabendo o redirecionamento tão somente quando constatada uma das hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN.

5. Inexiste nos autos qualquer indício que pudesse evidenciar a ocorrência das circunstâncias previstas no art. 135, III, do CTN aptas a ensejar o redirecionamento da execução aos sócios, tal como a dis-solução irregular da sociedade, devendo ser ressaltado que a falên-cia é hipótese legal e regular de dissolução. Precedentes: STJ, AgRg--AREsp 613.934/RS, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., Julgado em 16.04.2015, DJe 24.04.2015; AgRg-AREsp 509.605/RS, Relª Min. Marga Tessler (Juíza Federal Convocada do TRF 4ª Região), 1ª T., Julga-do em 21.05.2015, DJe 28.05.2015; TRF 2ª R., AgRg-Ag 1396937/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., Julgado em 06.05.2014, DJe 13.05.2014; AC 2000.51.01.522791-0, Relª Desª Fed. Claudia Neiva, DJe 18.11.2015, 3ª T.Esp.; AC 1999.51.01.066069-5, Relª Desª Fed. Lana Regueira, DJe 08.01.2016, 3ª T.Esp.

6. Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2017 (data do Julgamento).

Marcus Abraham Desembargador Federal Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação (fls. 161/167) interposto pela União Federal/Fazenda Nacional contra sentença (fls. 152/155) que julgou extinta, sem resolução de mérito, a presente execução fiscal, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC/1973, em razão da falta de interesse de agir.

A apelante sustenta, em síntese, que a execução de crédito da Fazenda Pública subsistente ao encerramento da falência pode ser redirecionada ao

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responsável tributário, haja vista que a decretação da falência, como no caso dos autos, pode vir a ser considerada como causa de dissolução irregular, viabilizando, assim, o redirecionamento do feito aos representantes legais. Requer assim, o provimento do recurso para o regular prosseguimento da execução fiscal.

Sem contrarrazões.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcus Abraham Desembargador Federal Relator

VOTO

Conforme relatado, trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou extinta, sem resolução de mérito, a presente execução fiscal, nos ter-mos do art. 267, inciso VI, do CPC/1973, em razão da falta de interesse de agir.

A execução fiscal foi ajuizada em 31.02.2004, em face de Ecos de São Gonçalo Empresa Com. de Obras e Serv. Ltda., objetivando a cobrança de crédito inscrito em dívida ativa no valor atualizado de R$ 139.734,16 (cento e trinta e nove mil setecentos e trinta e quatro reais e dezesseis centavos).

Conheço do recurso porque presentes seus pressupostos de admissi-bilidade.

Como se depreende, em análise aos autos, através Ofício nº 1025/2013OF, o Juízo da 2ª Vara Empresarial/RJ informou o encerramento do processo falimentar da sociedade executada (nº 0078450-86.1999.8.19.0001), acostando aos autos cópia da sentença.

A Juíza a quo afastou a responsabilidade tributária dos sócios gerentes da Executada, por entender ausentes os motivos caracterizadores da aludida responsabilidade consoante estabelecido no art. 135, III, do CTN.

Alega a Fazenda que findo o processo falimentar, resta a verificação de possíveis hipóteses de redirecionamento da execução fiscal para os sócios gerentes da Executada.

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Em que pesem as razões expendidas na peça recursal, não merece se-rem acolhidas as alegações da Apelante, uma vez que a falência decretada e encerrada é forma regular de dissolução. E, portanto, não enseja redireciona-mento contra o sócio-gerente.

A massa falida responde pelas obrigações da empresa executada até o encerramento da falência, sendo autorizado o redirecionamento da execução fiscal aos administradores somente em caso de comprovação da sua respon-sabilidade subjetiva, incumbindo ao Fisco a prova de gestão praticada com dolo ou culpa, o que não ocorreu no presente caso.

Assim, é certo que com o encerramento do processo falimentar, faz-se inócuo o prosseguimento da execução, sem a comprovação ou, ao menos, apuração de indícios de fraudes dolo ou culpa, não sendo possível o redire-cionamento do feito aos sócios.

A questão é pacífica nesta E. Terceira Turma Especializada:

1. Inexiste nos autos qualquer indício que pudesse evidenciar a ocorrência das circunstâncias previstas no art. 135, III, do CTN aptas a ensejar o redi-recionamento da execução aos sócios, tal como a dissolução irregular da sociedade, devendo ser ressaltado que a falência é hipótese legal e regular de dissolução.

2. A massa falida responde pelas obrigações da empresa executada até o encerramento da falência, sendo autorizado o redirecionamento da exe-cução fiscal aos administradores somente em caso de comprovação da sua responsabilidade subjetiva, incumbindo ao Fisco a prova de gestão pratica-da com dolo ou culpa, o que não ocorreu no presente caso.

3. A insuficiência de bens para garantia da execução fiscal não autoriza a suspensão da execução, a fim de que se realize diligência no sentido de se verificar a existência de codevedores do débito fiscal, revelando hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei nº 6.830/1980.

4. Apelação conhecida e desprovida.

(AC 2000.51.01.522791-0, Relª Desª Fed. Claudia Neiva, 3ª T.Esp., DJe 18.11.2015)

EXECUÇÃO FISCAL – MASSA FALIDA – ENCERRAMENTO DA FA-LÊNCIA, SEM BENS QUE SATISFAÇAM O DÉBITO – FALTA DE IN-TERESSE DE AGIR – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE – IMPOSSIBILIDADE – EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO

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1. O encerramento da falência, sem bens capazes de satisfazer o débito, induz à perda de interesse de agir do exequente. Não há utilidade no pro-cesso de execução fiscal, em razão da impossibilidade evidente de quitação do débito.

2. A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio gerente, ao administrador ou ao diretor da executada é subjetiva, e só se justifica quando há prática de atos com excesso de poderes ou de violação da lei, do contrato ou dos estatutos da empresa.

3. Apelação da União a que se nega provimento.

(AC 1999.51.01.066069-5, Relª Desª Fed. Lana Regueira, 3ª T.Esp., DJe 08.01.2016)

Com efeito, tal entendimento é amplamente sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante os seguintes arestos.

Confira-se:

TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – FALÊNCIA DA EMPRESA EXECUTADA – REDIRECIONAMENTO CONTRA OS SÓ-CIOS E O ESPÓLIO DO SÓCIO-GERENTE – IMPOSSIBILIDADE

1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que os sócios só respondem pelo não recolhimento de tributo quando a Fazen-da Pública demonstrar que agiram com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, ou ainda na hipótese de dissolução irregular da empresa, não sendo este o caso da falência.

2. Ressalta-se que “a falência não configura modo irregular de dissolução de sociedade, pois, além de estar prevista legalmente, consiste numa fa-culdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar compromissos assumidos. [...] Com a quebra, a massa falida responde pe-las obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fiscal caso fique de-monstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei, contrato social ou estatutos” (AgRg-AREsp 128.924/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 03.09.2012).

3. O Tribunal de origem prestou jurisdição completa, tendo em vista que analisou de maneira suficiente e fundamentada a questão controvertida. Não se justifica o provimento do recurso especial por deficiência na presta-ção jurisdicional, sem que tenha havido omissão acerca de fato relevante ou prova contundente de dissolução irregular em período anterior à falência.

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4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg-AREsp 509.605/RS, Relª Min. Marga Tessler (Juíza Federal Convo-cada do TRF 4ª Região), 1ª T., Julgado em 21.05.2015, DJe 28.05.2015)

TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – ENCERRAMEN-TO DA FALÊNCIA – REDIRECIONAMENTO – NÃO CABIMENTO – EX-TINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL – SÚMULA Nº 7/STJ – INCIDÊNCIA – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, encerrado o processo falimentar, sem a constatação de bens da sociedade empresarial suficientes à satisfação do crédito tributário, extingue-se a execução fiscal, cabendo o redirecionamento tão somente quando constatada uma das hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN.

2. Se o Tribunal de origem manifesta-se expressamente sobre o encerra-mento regular da sociedade e a impossibilidade de redirecionamento do feito executivo em face do sócio gerente, rever tal entendimento demanda-ria simples reexame de prova, o que encontra, igualmente, óbice no enun-ciado da Súmula nº 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-Ag 1396937/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., Julgado em 06.05.2014, DJe 13.05.2014)

Inadequado seria esquecer, que há possibilidade de redirecionamento, também, se ele se fundar na indicação de crime falimentar, mediante instau-ração de Inquérito Judicial (e respectiva sentença) para a sua apuração. Sendo assim, é certo que a mera existência de indícios de crime falimentar é motivo suficiente para o redirecionamento da execução contra os sócios acusados.

Nesse sentido:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRE-CIONAMENTO – SÓCIO-GERENTE – ALEGADOS INDÍCIOS DO CO-METIMENTO DE CRIME FISCAL – IRREGULARIDADE NA ESCRITU-RAÇÃO CONTÁBIL DA SOCIEDADE – EXPRESSA REJEIÇÃO, PELA CORTE A QUO – MATÉRIA DE FATO, INSUSCETÍVEL DE REEXAME, EM RECURSO ESPECIAL – SÚMULA Nº 7/STJ – PRECEDENTES – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO

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I – É possível deferir-se o redirecionamento da Execução Fiscal em face do sócio gerente, desde que atendidos os requisitos do art. 135, caput, do CTN.

II – A existência de indícios do cometimento de crime falimentar autoriza, em princípio, o redirecionamento. Entretanto, quando, da análise do con-junto probatório dos autos, as instâncias ordinárias afirmam, expressamen-te, que tais indícios não existem – tal como ocorreu, in casu –, esse juízo de fato não pode ser alvo de reexame, em Recurso Especial, ante a vedação estabelecida na Súmula nº 7/STJ.

III – Na forma da jurisprudência, “é possível concluir que os argumentos da recorrente no sentido de que deve haver o redirecionamento da exe-cução pela prática de infração à lei, comprovada pela denúncia de crime falimentar praticado pelos sócios, não podem ser analisados por esta Corte, em sede de recurso especial, ante o Óbice Sumular nº 07/STJ, pois deman-dariam o reexame da esfera fático-probatória dos autos” (STJ, AgRg-AgRg--REsp 885.414/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJU de 30.04.2007).

IV – Agravo Regimental improvido.

(AgRg-AREsp 613.934/RS, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., Julgado em 16.04.2015, DJe 24.04.2015)

No caso em comento, não há um mínimo de indício comprobatório de que a Fazenda tenha logrado êxito em promover a habilitação de seu crédito junto ao Juízo falimentar, sendo certo que “A decretação da falência não obsta o ajuizamento ou a regular tramitação da Execução Fiscal, de modo que a inércia absoluta da exequente pode ser punida na forma da lei. Situação distinta, contudo, é aquela em que a Fazenda Pública obtém, na demanda executiva, a penhora no rosto dos autos da Ação de Falência, ou nesta última procede à habilitação de seu crédito. (STJ, REsp 1263552/SE, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamim, DJe 08.09.2011)”

Igualmente, no caso, a Exequente não trouxe aos autos elementos de-monstrando a existência da prática de crime falimentar, não sendo possível, também, por este fator, a responsabilização pessoal dos sócios-administra-dores.

Do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.

É como voto.

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EmEntário CívEl

açãO de arbitramentO – ineXigibilidade de liCitaçãO – bOa- -FÉ aFastada – serViçOs PrestadOs

– direitO À indeniZaçãO35294 – “Processual civil. Honorários advocatícios. Ação de arbitramento. Inexigibilida-de de licitação. Boa-fé afastada. Serviços prestados. Direito à indenização. Não reconhe-cimento pelo órgão julgador a quo. Divergência jurisprudencial não comprovada. Revi-são do acórdão. Reexame de provas. Impossibilidade. 1. ‘A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos supostamente violados, bem como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado cada um dos artigos atacados ou a eles dado interpretação divergente da adotada por outro tribunal’ (REsp 1.114.407/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., DJe 18.12.2009). 2. Recurso especial não conheci-do quanto à alegação de violação do art. 22 da Lei nº 8.906/1994, c/c o art. 59 da Lei nº 8.666/1993, por não comprovação da divergência jurisprudencial, uma vez que os para-digmas apontados pelos agravantes se referem às hipóteses em que os contratados seriam terceiros de boa-fé, enquanto o órgão julgador, no exame do caso concreto, encaminha pela existência de culpa concorrente. 3. Apelo nobre não conhecido no que se refere à ale-gação de violação do art. 59 da Lei nº 8.666/1993, tendo em vista a necessidade de reexame fático-probatório para afastar a premissa de que o escritório de advocacia concorreu para a nulidade da contratação. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 318.689 – (2013/0084485-5) – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 12.12.2017 – p. 1713)

açãO de CObrança – COmissãO de COrretagem –

imPOssibilidade de COndenaçãO aO PagamentO de COmissãO

35295 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Comissão de corretagem. Impossibilidade de condenação ao pagamento de comissão referente à negociação distinta daquela reportada na petição inicial. Julgamento extra petita. Compra e venda de imóvel. Mera aproximação entre as partes. Ausência de participação na con-clusão do negócio. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Decisão mantida. Recurso desprovido. 1. A mera aproximação das partes, para que se inicie o processo de negocia-ção, não justifica, por si só, o pagamento de comissão de corretagem. Precedentes. 2. Após a análise do conjunto probatório coligido nos autos, o Juízo de origem concluiu que não

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houve a concretização de nenhum contrato de compra e venda entre as demandadas. A concretização do negócio também não foi evidenciada na segunda instância, tendo o rela-tor da apelação apreciado a consumação de negócio jurídico diverso daquele reportado na inicial, ao reconhecer o direito à corretagem sobre a locação do imóvel, proferindo, assim, julgamento extra petita. 3. A reforma do acórdão recorrido, quanto à falta de atuação plena e esforço eficaz por parte do corretor, com a conclusão de que, embora tenha aproximado as partes, não demonstrou a efetiva participação na conclusão de negócio por seu inter-médio, demandaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.142.969 – (2017/0183947-9) – 4ª T. – Rel. Min. Lázaro Guimarães – DJe 12.12.2017 – p. 2082)

açãO de ObrigaçãO de FaZer – ViOlaçãO dO art. 535 dO CPC –

FundamentaçãO deFiCiente35296 – “Agravo interno. Agravo em recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Vio-lação do art. 535 do CPC. Fundamentação deficiente. Aplicação da Súmula nº 284/STF. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Divergência jurisprudencial. Não configurada. Súmula nº 284/STF. 1. A deficiente de fundamentação importa no não co-nhecimento do recurso quanto ao tema. 2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Aplicação da Súmula nº 211/STJ. 3. A ausên-cia de prequestionamento do tema que se supõe divergente impede o conhecimento da insurgência veiculada pela alínea c do art. 105, III, da Constituição da República. 4. Não se conhece do recurso especial quando ausente a indicação expressa do dispositivo legal a que se teria dado interpretação divergente. Aplicação da Súmula nº 284/STF. 5. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 788.164 – (2015/0242641-9) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.12.2017 – p. 1934)

açãO de resCisãO COntratual Cumulada COm CObrança –

termO iniCial da PresCriçãO – matÉria nãO PreQuestiOnada

35297 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de res-cisão contratual cumulada com cobrança. Termo inicial da prescrição. Matéria não pre-questionada. Decisão mantida. 1. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que a matéria objeto do recurso especial tenha sido enfrentada pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. In-

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cidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.062.946 – (2017/0045075-8) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 12.12.2017 – p. 2027)

aPelaçãO – Falta de CaPaCidade POstulatÓria – nãO reCebimentO

– agraVO de instrumentO – nãO COnheCimentO

35298 – “Processual civil. Apelação. Falta de capacidade postulatória. Não recebimento. Agravo de instrumento. Não conhecimento do agravo em recurso especial que não ataca os fundamentos da decisão recorrida. I – Negou-se seguimento ao recurso especial com base nos óbices de: Súmula nº 7/STJ. Agravo nos próprios autos que não impugna os fun-damentos da decisão recorrida. II – São insuficientes para considerar como impugnação aos fundamentos da decisão que nega seguimento ao recurso especial na origem: meras alegações genéricas sobre as razões que levaram à negativa de seguimento, o combate ge-nérico e não específico e a simples menção a normas infraconstitucionais, feita de maneira esparsa e assistemática no corpo das razões do agravo em recurso especial. III – Incumbe à parte, no agravo em recurso especial, atacar os fundamentos da decisão que negou segui-mento ao recurso na origem. Não o fazendo, é correta a decisão que não conhece do agra-vo nos próprios autos. IV – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.109.814 – (2017/0122856-4) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 12.12.2017 – p. 1784)

danO mOral e material – açãO de ObrigaçãO de FaZer – indeniZaçãO

35299 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Obrigação de fazer. Indeniza-ção. Danos materiais e morais. Divergência jurisprudencial. Requisito de admissibilida-de não preenchido. Ausência de particularização do dispositivo de Lei federal. Súmula nº 284/STF. 1. A falta de particularização do dispositivo de lei federal objeto de diver-gência jurisprudencial consubstancia deficiência bastante a inviabilizar a abertura da ins-tância especial. Incidência da Súmula nº 284/STF. 2. Agravo interno a que se nega provi-mento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.160.936 – (2017/0232056-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 12.12.2017 – p. 2103)

desaPrOPriaçãO POr utilidade PÚbliCa – leVantamentO dO ValOr

dePOsitadO, a títulO de indeniZaçãO

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– reQuisitOs dO art. 34 dO deCretO- -lei nº 3.365/1941 – COmPrOVaçãO de

QuitaçãO dOs tributOs – CertidãO POsitiVa COm eFeitO de negatiVa

35300 – “Administrativo e processual civil. Agravo interno no agravo em recurso espe-cial. Agravo de instrumento. Desapropriação por utilidade pública. Levantamento do va-lor depositado, a título de indenização. Requisitos do art. 34 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Comprovação de quitação dos tributos. Certidão positiva com efeito de negativa. Pos-sibilidade jurisprudência dominante do STJ. Agravo interno improvido. I – Agravo in-terno aviado contra decisão publicada em 11.09.2017, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. II – Na origem, trata-se de Agravo de Instrumento, interposto pela parte ora recorrente, contra decisão que, em ação de desapropriação, indeferira o levantamento de 80% (oitenta por cento) do valor do depósito prévio, ao fundamento da não comprovação da quitação de dívida fiscal. O Tri-bunal a quo manteve a decisão que indeferira o pedido de levantamento, ao fundamento de que ‘as Certidões Positivas com Efeito de Negativa não se prestam ao mister almejado, notadamente considerando-se que a exigência diz respeito à quitação da dívida tributária e não à simples garantia desta’, asseverando que os demais requisitos legais encontram-se preenchidos, no caso. III – A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido da possibilidade de a prova de quitação dos tributos, para efeito do disposto nos arts. 33, § 2º, e 34 do Decre-to-Lei nº 3.365/1941, fazer-se por certidão positiva com efeitos de negativa, consoante re-gulam os arts. 205 e 206 do Código Tributário Nacional (STJ, REsp 1.623.607/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 27.10.2016). Assim, estando o acórdão recorrido em dissonância da jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no Enunciado da Súmula nº 568 do STJ. IV – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.140.153 – (2017/0179515-7) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 12.12.2017 – p. 1828)

eXeCuçãO – aPliCaçãO da PenhOra Via baCenJud antes da CitaçãO da Parte eXeCutada – imPOssibilidade

35301 – “Processual civil. Execução. Aplicação da penhora via BacenJud antes da cita-ção da parte executada. Impossibilidade. Violação do princípio do devido processo legal. I – O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, apenas quando o executado for validamente citado, e não pagar nem nomear bens à penhora, é que pode-rá ter seus ativos financeiros bloqueados por meio do sistema Bacenjud, sob pena de vio-lação ao princípio do devido processo legal. Precedentes: AgRg-AREsp 507.114/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 05.08.2014, DJe 18.08.2014; AgRg-AREsp 512.767/RS, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., J. 26.05.2015, DJe 03.06.2015. II – Agravo interno improvi-do.” (STJ – AgInt-REsp 1.691.646 – (2017/0201675-3) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 12.12.2017 – p. 1924)

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nota:Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido de penhora via BacenJud, ante o não esgotamento das diligências. No tribunal desproveu-se pro-vimento ao agravo em decisão monocrática, posteriormente confirmada no julgamento do agravo interno, conforme a seguinte ementa do acórdão:“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – APLICAÇÃO DO ART. 557, CAPUT E § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – REITERAÇÃO DE ALEGAÇÕES – I – Consoante o caput e § 1º-A do art. 557, do Có-digo de Processo Civil e da Súmula nº 253/STJ, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, a negar seguimento ou dar provimento ao recurso e ao reexame necessário, nas hipóteses de pedido inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência dominante da respectiva Corte ou de Tribunal Supe-rior. II – A simples reiteração das alegações veiculadas no agravo de instrumento impõe a manutenção da decisão. III – Agravo legal improvido.”Em decisão monocrática, negou-se provimento ao recurso especial com fundamento na jurisprudência da Corte no sentido de que apenas quanto o executado for validamente citado, e não pagar nem nomear bens à penhora, pode-se utilizar o sistema BacenJud.Interposto agravo interno, alega a parte agravante que a citação serve de alerta para que o devedor esvazie suas contas bancárias e que por isso o arresto prévio é “racional-mente justificável”.O STJ negou provimento ao agravo interno.Em trabalho desenvolvido sobre a penhora on line, os ilustres Juristas Fernando Cabeças Barbosa e Carlos Augusto Pagani assim esclarecem:“No trânsito das informações entre a justiça, o Banco Central e as instituições finan-ceiras, é garantida a máxima segurança, com utilização de sofisticada tecnologia de criptografia de dados.Segundo informações do próprio Banco Central, o Sistema BacenJud não impacta a quebra de sigilo bancário das pessoas físicas e jurídicas, eis que já é permitido aos juí-zes, por força de lei, determinar o bloqueio de ativos financeiros e obter de entidades públicas ou privadas as informações necessárias para instrução de processos, respeita-das as regras constitucionais e processuais vigentes.[...]Com o Sistema BacenJud, não há necessidade do envio do documento em papel, nem envolvimento do Bacen no processo, pois o próprio juiz, repita-se, preenche o docu-mento eletrônico via Internet, contendo todas as informações inscritas no ofício comum. Esses dados são transmitidos, com segurança, diretamente aos bancos, que cumprem as ordens e retornam as informações aos juízes.Ante essas considerações, exsurge clara a conclusão de que o sistema apenas permite que um ofício encaminhado em papel seja agora realizado via Internet, racionali-zando os serviços no âmbito do Banco Central e possibilitando ao Poder Judiciário mais agilidade no cumprimento de suas ordens no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.[...]Dessa forma, com absoluta certeza e sem medo de errar, conseguir-se-á diminuir a angústia da trilogia cidadão, advogado e juiz, na medida em que se buscará rápida

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solução do litígio, traduzindo-se em maior confiança e esperança para o cidadão, de-safogo para os juízes e serenidade para os advogados.” (A necessidade da utilização da penhora on line no juízo cível. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/20756, n. 20/2003, p. 537, 2. quinz. out. 2003)

eXeCuçãO – embargOs dO deVedOr – COntratO de FaCtOring –

disPOsitiVOs nãO PreQuestiOnadOs – CessãO de CrÉditO

35302 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Execução. Em-bargos do devedor. Contrato de factoring. Dispositivos não prequestionados. Cessão de crédito. Exceções pessoais. Oponibilidade à faturizadora. Possibilidade. Divergência ju-risprudencial. Ausência de comprovação. Decisão mantida. 1. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. In-cidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF. 2. ‘No contrato de factoring, a transferência dos créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, subordinan-do-se, por consequência, à disciplina do art. 294 do Código Civil, contexto que autoriza ao devedor a oponibilidade das exceções pessoais em face da faturizadora’ (AgInt-REsp 1015617/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., J. 13.12.2016, DJe 01.02.2017). 3. O conhecimen-to do recurso especial interposto pela alínea c do permissivo constitucional exige, além da indicação do dispositivo legal objeto de interpretação divergente, a demonstração do dissídio, mediante a verificação das circunstâncias que assemelhem ou identifiquem os casos confrontados e a realização do cotejo analítico entre elas, nos termos definidos pelo art. 541, parágrafo único, do CPC/1973. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 446.869 – (2013/0397511-4) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 12.12.2017 – p. 1977)

eXeCuçãO COntra a FaZenda PÚbliCa – JuíZO de retrataçãO – art. 1.030, ii,

dO CPC/2015 – rPV – JurOs de mOra35303 – “Processual civil. Embargos de divergência. Juízo de retratação. Art. 1.030, II, do CPC/2015. Execução contra a Fazenda Pública. RPV. Juros de mora. Período compre-endido entre a data da elaboração da conta de liquidação e a expedição do requisitório. Incidência. Julgamento proferido pelo STF no RE 579.431/RS, em regime de repercussão geral. Embargos de divergência providos. 1. A Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.143.677/RS, Rel. Min. Luiz Fux, sob o regime do art. 543-C do CPC, havia consoli-dado o entendimento de que não incidem juros moratórios entre a data da elaboração da

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conta de liquidação e a do efetivo pagamento do precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), tendo sido decidida a presente demanda com base nesse entendimento. 2. Em face da interposição de recurso extraordinário, o feito foi sobrestado pela Vice-presidência desta Corte Superior, a fim de aguardar o julgamento do RE 579.431/RS, pelo Supremo Tribunal Federal. 3. No julgamento dessa matéria, o STF firmou entendimento em sentido diametralmente oposto ao do STJ, tendo sido fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálcu-los e a da requisição ou do precatório’. 4. Em juízo de retratação, com fundamento no art. 1.030, II, do CPC/2015, fica reformado o julgado desta Corte Especial, proferido nestes autos, e o próprio julgado embargado, prolatado no âmbito da eg. Quinta Turma. 5. Em-bargos de divergência providos.” (STJ – ED-REsp 1.150.549 – (2010/0102985-5) – C.Esp. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 12.12.2017 – p. 1681)

eXeCuçãO de títulO eXtraJudiCial – interPOsiçãO de dOis agraVOs –

unirreCOrribilidade das deCisÕes – PreClusãO COnsumatiVa –

PresCriçãO interCOrrente – desídia COnFigurada – OCOrrÊnCia

35304 – “Agravos internos no recurso especial. Interposição de dois agravos. Unirrecorri-bilidade das decisões. Preclusão consumativa. Execução de título extrajudicial. Prescrição intercorrente. Desídia configurada. Ocorrência. Súmula nº 83 do STJ. Decisão mantida. 1. A interposição de dois recursos simultâneos pela mesma parte e contra a mesma decisão impede o conhecimento do segundo recurso (petição nº 00507039/2007), pelo princípio da unirrecorribilidade das decisões e ocorrência da preclusão consumativa. 2. ‘Consoante entendimento consolidado das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, não flui o prazo da prescrição intercorrente no período em que o processo de execução fica suspenso por ausência de bens penhoráveis. A prescrição intercorrente pressupõe desídia do credor que, intimado a diligenciar, se mantém inerte’ (AgRg-AREsp 277.620/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., DJe de 03.02.2014). 3. O acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte firmada na vigência do Estatuto Processual de 1973, porquanto ausente a suspensão do feito (art. 791, III, do CPC/1973) e demonstrada a desídia do credor. 4. A alteração do entendimento adotado pelo acórdão recorrido em relação à inércia/desídia do credor demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial, pela Súmula nº 7/STJ. 5. Primeiro agravo interno não provido e segundo agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-REsp 1.434.145 – (2014/0025767-4) – 4ª T. – Rel. Min. Lázaro Guimarães – DJe 12.12.2017 – p. 2110)

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hOnOrÁriOs de adVOgadO – ValOr eXOrbitante Ou irrisÓriO

– reVisãO – POssibilidade35305 – “Processual civil. Honorários advocatícios. Valor exorbitante ou irrisório. Revi-são. Possibilidade. Pretensão de redução. Inviabilidade. 1. A jurisprudência desta Cor-te Superior, em caráter excepcional, admite o apelo especial para reapreciar honorários advocatícios fixados por equidade quando quantificados em valor irrisório ou exorbi-tante. 2. Considerando a dimensão econômica do contrato (R$ 786.750,00), a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) é suficiente para remunerar dignamente o trabalho dos advogados integrantes da sociedade recorrente, sem, todavia, onerar demasiadamente a empresa agravada, não sendo o caso de redução da verba. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 617.427 – (2014/0300608-0) – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 12.12.2017 – p. 1716)

litisCOnsÓrCiO PassiVO – PraZO em dObrO – aPliCaçãO POr

analOgia dO art. 191 dO CPC/197335306 – “Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. Litisconsórcio passivo. Prazo em dobro. Aplicação por analogia do art. 191 do CPC/1973. Jurisprudência dominante no STF. Art. 1.035, § 3º, do CPC/2015. Acórdão em confronto com a jurisprudência dominante do STF. 1. Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos declaratórios são cabíveis nas hipóteses de haver omissão, contradição, ambiguidade ou obscuridade na decisão prolatada. Não pode tal meio de impugnação ser utilizado como forma de se insurgir quanto à matéria de fundo, quando esta foi devidamente debatida no acórdão embargado. 2. O art. 1.035, § 3º, do Código de Processo Civil dispõe expressamente que haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que contrarie Súmula ou jurisprudência domi-nante do Supremo Tribunal Federal. 3. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Ap 470 (Rel. Min. Joaquim Barbosa), passou a adotar o entendimento, no sentido de que, ‘se conta em dobro o prazo recursal quando há litisconsórcio passivo e os réus estejam repre-sentados por diferentes procuradores. Aplica-se a essa hipótese, por analogia, o art. 191 do CPC’ (Ap 470 EDj-vigésimos segundos-ED, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Tribu-nal Pleno, J. 13.11.2013, Acórdão Eletrônico DJe-237, Divulgado em 02.12.2013, Publicado em 03.12.2013). No mesmo sentido: Inq 3.983-QO, Rel. Min. Teori Zavascki, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, J. 03.09.2015, Acórdão Eletrônico DJe-022, Divulgado em 04.02.2016, Publicado em 05.02.2016. 4. Na hipótese, não há nenhuma irregularidade ense-jadora dos embargos de declaração, visto que a causa foi decidida, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-EDcl-AgRg-RE-EDcl-AgRg-Ag-REsp 811.167 – (2015/0283614-4) – C.Esp. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 12.12.2017 – p. 1576)

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mandadO de segurança – “COntratO de gaVeta” – ausÊnCia de anuÊnCia da instituiçãO FinanCeira CredOra

– imPOssibilidade de aVerbaçãO35307 – “Processual civil e administrativo. Recurso em mandado de segurança. ‘Contrato de gaveta’. Ausência de anuência da instituição financeira credora. Impossibilidade de averbação. 1. Recurso ordinário em mandado de segurança impetrado contra o Provi-mento nº 25/2008 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, por meio do qual se determina aos serviços de registro imobiliário a averbação dos contratos e respectivas transferências atinentes a imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação, independentemente da intervenção da instituição financiadora no contrato de cessão. 2. Afasta-se a incidência da Súmula nº 266 do STF, porquanto o Provimento nº 25/2008, por permitir a averbação da cessão do contrato de mútuo nos registros imobi-liários, constitui ato administrativo de aplicação imediata e efeitos concretos. 3. Conforme disposição da Lei nº 8.004/1990 e nos termos do pacífico entendimento jurisprudencial do STJ, a cessão de contrato de mútuo, com garantia hipotecária, não pode ser realizada sem a intervenção da instituição financeira mutuante, sendo que a Lei nº 10.150/2000 permi-tiu, tão somente, a possibilidade de regularização das transferências celebradas até 25 de outubro de 1996 (sem exigir, para tanto, a referida averbação). Precedentes: AgRg-REsp 1.126.574/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., DJe 30.09.2013; EDcl-AgRg-Ag 1.309.559/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 13.09.2013; AgRg-REsp 1.248.751/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., DJe 25.02.2013; EDcl-AgRg-REsp 422.976/PR, Relª Min. Maria Isabel Galloti, 4ª T., DJe 25.09.2012. 4. Ainda, há que se registrar que o provimento impugnado traz, na realidade, risco ao Sistema Financeiro da Habitação e aos terceiros interessados, porquanto a averbação no registro imobiliário a que faz referência pode induzir em erro possíveis e futuros interessados na compra do imóvel, semeando, ao contrário dos fins propostos pelo ato impugnado, insegurança jurídica, por dar ar de legalidade a uma transação feita à margem da lei. 5. Recurso ordinário provido, para, reconhecendo a nulidade do Provimento CGJ/MS nº 25/2008, invalidar as averbações dos contratos e respectivas transferências nas matrículas dos imóveis já realizadas sem a intervenção da CEF.” (STJ – RMS 32.459 – (2010/0121325-6) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 11.12.2017 – p. 651)

medida Cautelar – desCumPrimentO de deCisãO JudiCial em açãO POPular

– inadeQuaçãO da Via eleita35308 – “Processual civil. Medida cautelar. Descumprimento de decisão judicial em ação popular. Inadequação da via eleita. Não conhecimento do agravo em recurso especial que não ataca os fundamentos da decisão recorrida. I – Negou-se seguimento ao recurso espe-cial com base no óbice do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. Agravo nos próprios autos

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que não impugna os fundamentos da decisão recorrida. II – São insuficientes para con-siderar como impugnação aos fundamentos da decisão que nega seguimento ao recurso especial na origem: meras alegações genéricas sobre as razões que levaram à negativa de seguimento, o combate genérico e não específico e a simples menção a normas infracons-titucionais, feita de maneira esparsa e assistemática no corpo das razões do agravo em recurso especial. III – No caso em que foi aplicado o Enunciado nº 83 do STJ, incumbe à parte, no agravo em recurso especial, pelo menos, apontar precedentes contemporâneos ou supervenientes aos referidos na decisão impugnada. Não o fazendo, é correta a deci-são que não conhece do agravo nos próprios autos. IV – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.118.957 – (2017/0140210-9) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 12.12.2017 – p. 1796)

PrOmessa de COmPra e Venda de imÓVel – resOluçãO – retençãO –

PerCentual de 10% – raZOabilidade35309 – “Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel. Resolução. Retenção. Percentual de 10%. Razoa-bilidade. Acórdão recorrido de acordo com a jurisprudência deste tribunal superior. Sú-mula nº 83/STJ. Decisão mantida. Recurso não provido. 1. O col. Tribunal a quo, mediante nova análise do contexto fático-probatório dos autos, concluiu pela natureza abusiva da cláusula penal fixada no contrato (de 10% sobre o valor pago, mais 2,5% sobre o valor do imóvel) e manteve o percentual de 10% sobre o valor pago pelo promitente-comprador nos termos da sentença. 2. ‘É abusiva a cláusula que fixa a multa pelo descumprimento do contrato com base não no valor das prestações pagas, mas no valor do imóvel, onerando demasiadamente o devedor’ (REsp 907.856/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., J. 19.06.2008, DJe de 01.07.2008). 3. A retenção do percentual de 10% dos valores pagos à construto-ra não se distancia do admitido por esta Corte Superior. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 4. Não é possível, na via especial, a modificação das premissas lançadas no acórdão recorrido acerca do percentual retido a título de cláusula penal melhor condizente com a realidade do caso concreto e a finalidade do contrato, pois a isso se opõem os óbices contidos nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 5. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.068.171 – (2017/0055232-1) – 4ª T. – Rel. Min. Lázaro Guimarães – DJe 12.12.2017 – p. 2030)

nota:Trata-se de agravo interno interposto que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso da parte recorrente, sob o fundamento de ausência de negativa da prestação jurisdicional e incidência dos óbices contidos nas Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte.Nesta feita, a parte agravante sustenta a desnecessidade de análise do contexto fático--probatório dos autos e reproduz os argumentos de mérito do recurso especial de ma-joração do percentual a ser retido para 25% sobre o valor das parcelas pagas, pois a

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retenção de 10% não abarca os prejuízos advindos da ruptura contratual por culpa do promitente-comprador.A parte agravada deixou transcorrer in albis o prazo das contrarrazões.O STJ negou provimento ao agravo interno.O Jurista Sebastião Pereira de Souza nos ilustra o contrato de compra e venda de acordo com a nova codificação, in verbis:“A compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, mas que se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou na dicção da nova ordem – um negócio jurídico, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações uni-laterais de vontade, visando o proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como conseqüência, o contrato.A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra limitação no interesse social – art. 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusão como na execução, os princípios da probidade e boa-fé – art. 422.O princípio da autonomia da vontade, ensina Sílvio Rodrigues, parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.1.1 Elementos da compra e vendaPelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – art. 481 do Código Civil. O contrato de compra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o domínio. Tem efeito meramente obrigacional que se implementa com a execução mediante a tradi-ção se coisa móvel – art. 1.267 ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário – art. 1.245, se for coisa imóvel. A obrigação do vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do comprador é de pagar o preço.Segundo expressa disposição no art. 482, a venda é considerada perfeita desde que haja acordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda: consensus, pretium e res. ConsensusO consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de vontades de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A vontade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra e venda quando viciada a declaração de vontade por erro subs-tancial, dolo e coação nas circunstâncias delineadas nos art. 138 e seguintes do Código Civil.PretiumNo contrato de compra e venda, o preço deve ser sério, em dinheiro, não podendo ser irrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, conside-rando a oferta e procura à época da contratação.O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas de doação simulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como verbi gratia na doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal, – expressa disposição do art. 550 do Código Civil, considerando, mais ainda, as demais

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disposições que impedem a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador e, também, a doação quanto à parte que ex-ceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – arts. 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda corrente nacional à vista, em moeda estrangeira pela cotação do dia que converter em moeda nacional ou a prazo, em pres-tações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é, pois a moldura é do contrato de troca que in thesi os efeitos não divergem muito, porque as disposições que se aplicam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando se tratar de troca entre ascendentes e descendentes – art. 533 – em que o negócio só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quando os bens trocados forem de valores desiguais: ‘Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguin-tes modificações:I – omissis;II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem con-sentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.’Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar o preço – art. 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preço estipulado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboração do laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil considera lícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação – art. 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte isenta para a fixação do preço, como v.g. os índi-ces estipulados por órgãos governamentais ou fundações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode ter origem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre construtoras e particulares com base em índice Sinduscon/CUB elaborado pelo Sindicato das Empresas Constru-toras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo da construto-ra, através de seu sindicado, entidade defensora de seus interesses, a fixação do preço, fato que torna nulo o contrato por força do art. 489. Não havendo convencionado a fixação do preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe a Lei – art. 488 do Código Civil –, que as partes sujeitarão ao preço cor-rente nas vendas habituais do vendedor – art. 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determinada concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesma marca nas vendas habituais. Havendo oscilação no pre-ço valerá a média. A dificuldade, porque não elucida a Lei – parágrafo único do art. 488 do Código Civil –, é disciplinar qual o tempo que se deve considerar para tirar a média.ResEm regra, ensina Carvalho Santos, são alienáveis todas as coisas que estão no comércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham a verificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvida quando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do art. 483, disposição nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório. É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de de-terminado número de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir existir em qualquer quantidade. A venda no caso é de coisa certa esperada

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– emptio rei speratae. Vale o contrato para a quantidade produzida e o vendedor tem di-reito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou força maior, o contrato não se forma, a venda é ne-nhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, a coisa contratada – art. 459, parágrafo único, do Código Civil. ‘Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.’Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta na existência da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperan-ça, a própria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir a lavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Neste caso, o objeto do negócio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Váli-do é o contrato, a teor da norma do art. 458, mesmo que nada venha a colher.‘Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.’A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do con-trato e justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor re-cebeu um preço e ao adimplir o contrato o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preço com uma expectativa de lucro que pode redundar em prejuízo. É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embar-cada e sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não exis-tisse no dia do contrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículo transportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa – arts. 460 e 461 do Código.” (A compra e venda no novo Código Civil. Juris SÍNTESE. Porto Alegre: IOB Thomson, set./out. 2005. 55 CD-ROM)

reCuPeraçãO JudiCial – eXeCuçãO indiVidual – susPensãO – aPliCaçãO

dOs arts. 6º, § 1º, e 49 da lei nº 11.101/200535310 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Recupe-ração judicial. Execução individual. Suspensão. Aplicação dos arts. 6º, § 1º, e 49 da Lei nº 11.101/2005. Decisão mantida. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o deferimento da recuperação judicial suspende as execuções individuais, ainda que iniciadas antes da Lei nº 11.101/2005. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.074.065 – (2017/0065136-7) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 12.12.2017 – p. 2038)

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reCursO – PrinCíPiO da nãO surPresa – art. 10 dO CPC/2015 –

FundamentO legal – deVer dO JuiZ em se maniFestar – FundamentO

JurídiCO – CirCunstânCia de FatO QualiFiCada PelO direitO

35311 – “Agravo interno. Princípio da não surpresa. Art. 10 do CPC/2015. Fundamento legal. Dever do juiz em se manifestar. Fundamento jurídico. Circunstância de fato quali-ficada pelo Direito. Intempestividade do recurso. Suspensão dos prazos processuais não comprovação no ato de interposição. 1. ‘O “fundamento” ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico. Circunstância de fato qualificada pelo Direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação. Não se confundindo com o fundamento legal (dis-positivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais pas-síveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure’ – EDcl-REsp 1.280.825/RJ, 4ª T., DJe 01.08.2017. 2. Verificada a intempestividade do recurso, deve ser não conhecido, independente de intimação da parte para se mani-festar a respeito, inexistindo afronta ao art. 10 do CPC/2015. 3. Segundo o entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgInt--AREsp 957.821/MS (J. 20.11.2017), nos recursos protocolados na vigência do novo Códi-go de Processo Civil, para fins de aferição de tempestividade, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso, nos termos da disposição expressa contida no § 6º do art. 1.003 do CPC/2015. 4. A inter-pretação literal da norma expressa no § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, de caráter especial, sobrepõe-se a qualquer interpretação mais ampla que se possa conferir às disposições de âmbito geral insertas nos arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º, do citado diploma legal. 5. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.124.598 – (2017/0150499-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 12.12.2017 – p. 2064)

reCursO esPeCial (art. 994, Viii, dO CPC/2015) – feRiADo ou susPensão

dO eXPediente nO tribunal de Origem – PrOrrOgaçãO dOs PraZOs

PrOCessuais – temPestiVidade nãO demOnstrada

35312 – “Agravo interno no agravo em recurso especial (art. 994, VIII, do CPC/2015). Feriado ou suspensão do expediente no tribunal de origem. Prorrogação dos prazos pro-cessuais. Tempestividade não demonstrada. 1. A decisão de inadmissibilidade do recurso especial foi publicada em 08.02.2017, ao passo que o agravo em recurso especial somente foi protocolado no Tribunal de origem em 02.03.2017, quando decorrido o prazo recursal

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de 15 (quinze) dias úteis previsto nos arts. 219, caput, 994, VIII, e 1.003, § 5º, do CPC/2015. 2. Os feriados de segunda e terça-feira de Carnaval, assim previstos nas Leis Federais nºs 5.010/66 e 11.697/2008, aplicam-se, restritivamente, à Justiça Federal e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), respectivamente. 3. É obrigatória a comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, sob pena de não conheci-mento, por intempestividade. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.123.422 – (2017/0149267-1) – 4ª T. – Rel. Min. Lázaro Guimarães – DJe 12.12.2017 – p. 2063)

reCursO esPeCial – diVergÊnCia entre O nÚmerO dO CÓdigO de barras da guia das Custas e O COmPrOVante

de PagamentO dO PreParO dO reCursO esPeCial – deserçãO

35313 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Divergência entre o número do código de barras da guia das custas e o comprovante de pagamento do preparo do recurso especial. Deserção. Precedentes do STJ. Agravo interno improvido. I – Agravo interno aviado contra decisão monocrática publicada em 05.09.2017, que julga-ra recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/1973. II – Na sessão realizada em 09.03.2016, em homenagem ao princípio tempus regit actum – inerente aos co-mandos processuais –, o Plenário do STJ sedimentou o entendimento de que a lei a reger o recurso cabível e a forma de sua interposição é aquela vigente à data da publicação da de-cisão impugnada, ocasião em que o sucumbente tem a ciência exata dos fundamentos do provimento jurisdicional que pretende combater. Tal compreensão restou sumariada no Enunciado Administrativo nº 2 (‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela ju-risprudência do Superior Tribunal de Justiça’). O Enunciado Administrativo nº 5, também aprovado pelo Plenário desta Corte, estabelece que, ‘nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC’. III – No caso, o Recurso Especial foi interposto contra acórdão publicado em 10.03.2016, devendo, portanto, à luz do CPC/1973, ser analisados os requisitos de sua admissibilidade. IV – Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – fir-mada sob a égide do CPC/1973, vigente à época da interposição do Recurso Especial – ‘a falta de correspondência entre o número do código de barras da guia de recolhimento e o comprovante bancário demonstra irregularidade no preparo do recurso especial, tor-nando-o, portanto, deserto’ (STJ, AgRg-AREsp 619.794/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe de 27.10.2015). No mesmo sentido: STJ, AgRg-AREsp 636.123/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., DJe de 31.08.2015; AgRg-AREsp 611.159/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe de 31.03.2015; AgRg-AREsp 580.456/RS, Rel. Min. Luis Felipe

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Salomão, 4ª T., DJe de 19.12.2014; AgRg-AREsp 554.603/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª T., DJe de 03.11.2014; AgRg-EDcl-AREsp 539.584/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 14.11.2014. V – É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a intimação para complementação do preparo, na forma do art. 511, § 2º, do CPC/1973, só é admitida quando recolhido o valor de forma insuficiente, mas não quando ausente o pagamento do preparo, tal como ocorreu, in casu. Nesse sentido: STJ, AgRg-AREsp 605.269/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 14.04.2015; AgRg-EDcl-AREsp 563.720/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 12.03.2015; AgRg-AREsp 449.711/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe de 09.03.2015. VI – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.141.753 – (2017/0182314-4) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 12.12.2017 – p. 1832)

reCursO esPeCial – interPOsiçãO de dOis reCursOs – PrinCíPiO da unirreCOrribilidade reCursal

– PreClusãO COnsumatiVa35314 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Interposição de dois recursos. Princípio da unirrecorribilidade recursal. Preclusão consumativa. Assistên-cia judiciária gratuita. Ausência de preparo. Deserção. 1. Em harmonia com o princípio da unirrecorribilidade recursal, observada a prévia interposição de recurso contra a decisão recorrida, constata-se a preclusão consumativa em relação ao agravo interno interposto posteriormente. 2. É necessário o preparo do recurso cujo mérito não discute o próprio di-reito ao benefício da assistência judiciária gratuita. 3. Agravo interno no agravo em recur-so especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 813.757 – (2015/0286683-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.12.2017 – p. 1937)

resPOnsabilidade CiVil – açãO de indeniZaçãO POr danOs

materiais e mOrais – OPeraçÕes banCÁrias indeVidas

35315 – “Embargos de declaração no agravo interno no agravo em recurso especial. Res-ponsabilidade civil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Operações ban-cárias indevidas, ocasionando saldo negativo. Falha na prestação do serviço. Prescrição. Termo inicial. Contradição. Inexistência. Embargos rejeitados. 1. Os embargos de decla-ração têm como objetivo sanar eventual existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material (CPC/2015, art. 1.022). É inadmissível a sua oposição para rediscutir questões tratadas e devidamente fundamentadas na decisão embargada, já que não são cabíveis para provocar novo julgamento da lide. 2. ‘A contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é a contradição interna, verificada entre os elementos que

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compõem a estrutura da decisão judicial, e não entre a solução alcançada e a solução que almejava o jurisdicionado’ (REsp 1.250.367/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe de 22.08.2013). 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-Ag-REsp 1.069.787 – (2017/0051347-0) – 4ª T. – Rel. Min. Lázaro Guimarães – DJe 12.12.2017 – p. 2033)

resPOnsabilidade CiVil – CumPrimentO de sentença

– imPugnaçãO35316 – “Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de inde-nização. Responsabilidade civil. Cumprimento de sentença. Impugnação. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Violação dos arts. 165 e 458, II, do CPC. Inocorrência. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 165 e 458, II, do CPC/1973. 3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inad-missível. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 967.700 – (2016/0214696-1) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.12.2017 – p. 1953)

usuCaPiãO eXtraOrdinÁria – PrOPOsta de aFetaçãO – Área inFeriOr aO mÓdulO

estabeleCidO em lei muniCiPal35317 – “Proposta de afetação. Recurso especial. Rito dos recursos especiais repetitivos. Usucapião extraordinária. Área inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 1. De-limitação da controvérsia: Definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, me-diante o preenchimento de seus requisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 2. Recurso Especial afe-tado ao rito do art. 1.036 CPC/2015.” (STJ – PROAFR-REsp 1.667.843 – (2017/0099186-0) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 12.12.2017 – p. 1709)

JurisprudênciaPenal

STFSupremo Tribunal Federal

01.12.2017 Primeira Turma

AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.084.540 Minas Gerais

Relator: Min. Luiz Fux

Agte.(s): Edney Ribeiro Lage

Adv.(a/s): Leon Bambirra Obregon Gonçalves

Adv.(a/s): Thiago do Nascimento Damasceno

Agdo.(a/s): Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais

EMENTA

agraVO internO nO reCursO eXtraOrdinÁriO COm agraVO – Crime de usO de dOCumentO

FalsO – art. 304 dO CÓdigO Penal – alegaçãO de OFensa aO art. 5º, lVii, da COnstituiçãO Federal

– PrinCíPiO da PresunçãO de inOCÊnCia – autOria e materialidade – neCessidade de reVOlVimentO

dO COnJuntO FÁtiCO-PrObatÓriO dOs autOs – imPOssibilidade – sÚmula nº 279 dO stF – alegada

OFensa aO art. 5º, XlVi, da COnstituiçãO Federal – PrinCíPiO da indiVidualiZaçãO da

Pena – matÉria de índOle inFraCOnstituCiOnal

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– ViOlaçãO aO art. 93, iX, da COnstituiçãO – ineXistÊnCia – agraVO internO desPrOVidO.

ACÓRDÃO

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento virtual de 24 a 30.11.2017, por unanimidade, negou provi-mento ao agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 1º de dezembro de 2017.

Ministro Luiz Fux – Relator Documento assinado digitalmente

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de agravo interno in-terposto por Edney Ribeiro Lage contra decisão de minha relatoria, assim ementada:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – PENAL E PROCES-SUAL PENAL – CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO – ART. 304 DO CÓDIGO PENAL – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INO-CÊNCIA – AUTORIA E MATERIALIDADE – NECESSIDADE DE REVOL-VIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS – IM-POSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 279 DO STF – ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRINCÍPIO DA INDIVI-DUALIZAÇÃO DA PENA – MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITU-CIONAL – OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL – AGRA-VO DESPROVIDO.”

Inconformado com a decisão supra, o agravante interpõe o presente recurso, repisando os argumentos expendidos, alegando, em síntese:

“No presente caso temos que patente o prejuízo ao direito do Agravante, tendo em vista que a fixação do regime inicial do cumprimento de pena não foi sequer apreciada, tão somente limitou-se a dizer que encontraria óbice na Súmula nº 279 desta Suprema Corte.

Diante da possibilidade da violação a direito fundamental previsto na Constituição Federal, requer o Agravante que no juízo de retratação, V.

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Exa. reconsidere o ato ou submeta o agravo interposto para que seja julga-do de forma colegiada pela Turma.

[…]

O fato de o Agravante possuir à época da Sentença uma outra condenação não enseja automaticamente a aplicação do regime fechado.

As razões de convencimento do magistrado que o conduziram à fixação do regime inicial fechado deve vir acompanhada da devida fundamentação, o que não ocorreu no caso em espécie, estando em desacordo com o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal.” (Doc. 5, fls. 3/4)

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): A presente irresignação não me-rece prosperar.

Em que pesem os argumentos expendidos no agravo, resta evidencia-do das razões recursais que o agravante não trouxe nenhum argumento ca-paz de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual deve ela ser mantida, por seus próprios fundamentos.

Conforme já destacado na decisão recorrida, a resolução da controvér-sia atinente à fixação de regime inicial para cumprimento de pena (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal) demandaria a análise da legislação infracons-titucional aplicável à espécie (Código Penal). É o que se verifica dos seguintes julgados:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – RECURSO QUE NÃO ATACA TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL – CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A petição de agravo regimental não impugnou todos os fundamentos da decisão ora agravada. Nesses casos, é inadmissível o agravo, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal. Precedente.

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Para chegar à conclusão diversa do acórdão recorrido, quanto à possibili-dade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direi-tos, seria necessária a análise da legislação infraconstitucional pertinente, procedimento inviável em recurso extraordinário. Precedentes.

O acórdão recorrido está devidamente fundamentado, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante, circunstância que não configu-ra violação ao art. 93, IX, da CF/1988.

Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 787.634-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª T., DJe de 25.06.2014)

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Pro-cessual Penal. Arts. 261, 263, 258 e 121, § 3º, do Código Penal (atentado contra a segurança de transporte aéreo, na forma qualificada com sanção aumentada em um terço, por aplicação da pena do homicídio culposo, no caso de morte). 3. Alegação de violação ao art. 93, inciso IX, da CF. Acórdão recorrido suficientemente motivado. 4. Alegação de violação ao princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI). Decisão que fez considerações negativas sobre a culpabilidade e as circunstâncias do crime. Direito à indi-vidualização da pena satisfeito. 5. Violação aos princípios da individualiza-ção da pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade penal (art. 5º, XXXIX). Aplicação da causa de aumento de pena do art. 121, § 4º, do CP. Decisão recorrida que interpretou o texto legal e concluiu que a causa de aumento era aplicável. Causa de aumento legalmente prevista. Inaplicabilidade ao caso não evi-dente. Inexistência de ofensa direta à Constituição. 6. Violação aos princí-pios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e legalidade penal (art. 5º, XXXIX). Inobservância da regra técnica. Valoração tanto na tipicidade pelo crime do art. 261, quanto na causa de aumento do art. 121, § 4º, do CP. Bis in idem. Não ocorrência. A culpa não precisa de decorrer de inobservância de regra técnica. 7. Violação aos princípios da individualização da pena (art. 5º, XLVI) e legalidade penal (art. 5º, XXXIX). Cumulação das causas de aumento de pena do art. 121, § 4º, e do art. 258, do CP. Interpretação razoável do art. 68, parágrafo único, do CP. Inexistência de violação direta à Constituição. 8. Violação ao direito à individualização da pena (art. 5º, XLVI). Negativa da substituição da pena privativa de liberdade por restri-tivas de direito. Crime culposo. Mesmo em crimes culposos, a substituição da pena depende de um juízo de suficiência das penas alternativas art. 44, III, CP. Inexistência de violação direta à Constituição. 9. Ausência de ar-gumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 10. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 896.843-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe de 23.09.2015)

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“PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EX-TRAORDINÁRIO COM AGRAVO – PRELIMINAR DE REPERCUSSÃO GERAL – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – ÔNUS DO RECORRENTE – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFE-SA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – QUESTÃO INFRACONSTITU-CIONAL – REPERCUSSÃO GERAL NEGADA (ARE 748.371, REL. MIN. GILMAR MENDES, TEMA Nº 660) – INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS NO PROCESSO JUDICIAL – MATÉRIA INFRACONSTITU-CIONAL – REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA NO ARE 639.228 (REL. MIN. CEZAR PELUSO, TEMA Nº 424) – USO INDEVIDO DE ALGEMAS – REEXAME DE FATOS E PROVAS – SÚMULA Nº 279 DO STF – PRIN-CÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA – VALORAÇÃO DAS CIR-CUNSTÂNCIAS JUDICIAIS PREVISTAS NO ART. 59 DO CÓDIGO PE-NAL – MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL (AI 742.460-RG, REL. MIN. CEZAR PELUSO, TEMA Nº 182) – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (ARE 965.920-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., DJe de 03.10.2016)

Demais disso, não se revela cognoscível, em sede de recurso extraor-dinário, a insurgência que tem como escopo o incursionamento no contexto fático-probatório engendrado nos autos, revelado pelas alegações de negati-va de autoria e materialidade e de eventual ofensa ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal). Referida pretensão não se amolda à estreita via do apelo extremo, cujo conteúdo restringe-se a funda-mentação vinculada de discussão eminentemente de direito e, portanto, não servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do arcabouço fático-probatório dos autos, face ao óbice erigido pela Súmula nº 279 do STF. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência desta Corte:

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Penal e Processo Penal. 3. Crime contra a liberdade sexual (art. 213 c/c art. 214 do Código Penal). 4. Ausência de prequestionamento, incidência das Súmulas nºs 282 e 356. 5. Suposta violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de ino-cência. A ofensa aos dispositivos apontados, caso existente, ocorreria de forma reflexa. Precedentes. 6. Autoria e materialidade. Necessidade de re-volvimento do acervo fático-probatório. Incidência da Súmula nº 279. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 948.438-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe de 23.09.2016)

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“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRINCÍ-PIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AUSÊNCIA DE FUNDAMEN-TAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO – REEXAME DE FATOS E PROVAS – OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Alegação de que o depoimento testemunhal foi inconsistente, sem possi-bilidade de relatar como teria ocorrido a agressão física, traz questão ati-nente ao reexame de fatos e provas que fundamentaram a condenação. Ar-gumento inviável face à vedação contida no enunciado da Súmula nº 279 desta Corte.

Suposta violação ao texto constitucional, se existente, demandaria o exa-me prévio da legislação infraconstitucional, especificamente, do Código de Processo Penal.

Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 662.133-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., DJe de 19.12.2008)

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Pro-cesso Penal. 3. Art. 157, § 2º, incisos I e II, do CP. Condenação. Suposta violação ao art. 5º, inciso LVII, da CF (presunção de inocência). Alegação de que o acusado não se encontrava no lugar do crime. 4. Incidência do Enun-ciado nº 279 da Súmula do STF. Precedentes. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 760.406-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe de 03.12.2013)

“RECURSO CRIMINAL – Extraordinário. Inadmissibilidade. Atentado violento ao pudor. Sentença condenatória. Apelação improvida. Causa decidida com base no conjunto da prova e na aplicação da legislação in-fraconstitucional. Agravo improvido. Aplicação da Súmula nº 279. Não se admite recurso extraordinário tendente a rever as provas e a legislação infraconstitucional em que se baseou sentença criminal condenatória, con-firmada em grau de apelação.” (AI 607.950-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T., DJ de 15.12.2006)

“RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS COM AGRAVO – MATÉRIA PENAL – PRIMEIRO AGRAVO – REEXAME DE FATOS E PROVAS – IMPOSSI-BILIDADE – SÚMULA Nº 279/STF – SEGUNDO AGRAVO – ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS INSCRITOS NOS ARTS. 5º, XXXV, LVII E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO – AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.” (ARE 1.022.673-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe de 26.06.2017)

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Sob esse enfoque, ressoa inequívoca a vocação para o insucesso do ape-lo extremo, por força do óbice intransponível do referido verbete sumular, que veda a esta Suprema Corte, em sede de recurso extraordinário, sindicar matéria fática.

Por oportuno, vale destacar preciosa lição de Roberto Rosas acerca da Súmula nº 279 do STF:

“Chiovenda nos dá os limites da distinção entre questão de fato e questão de direito. A questão de fato consiste em verificar se existem as circunstân-cias com base nas quais deve o juiz, de acordo com a lei, considerar existen-tes determinados fatos concretos.

A questão de direito consiste na focalização, primeiro, se a norma, a que o autor se refere, existe, como norma abstrata (Instituições de Direito Proces-sual, 2. ed., v. I/175).

Não é estranha a qualificação jurídica dos fatos dados como provados (RT 275/884 e 226/583). Já se refere à matéria de fato quando a decisão assenta no processo de livre convencimento do julgador (RE 64.051, Rel. Min. Djaci Falcão, RTJ 47/276); não cabe o recurso extraordinário quando o acórdão recorrido deu determinada qualificação jurídica a fatos delituosos e se pre-tende atribuir aos mesmos fatos outra configuração, quando essa pretensão exige reexame de provas (ERE 58.714, Rel. p/ o Ac. Min. Amaral Santos, RTJ 46/821). No processo penal, a verificação entre a qualificação de moti-vo fútil ou estado de embriaguez para a apenação importa matéria de fato, insuscetível de reexame no recurso extraordinário (RE 63.226, Rel. Min. Eloy da Rocha, RTJ 46/666).

A Súmula nº 279 é peremptória: ‘Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’. Não se vislumbraria a existência da questão fede-ral motivadora do recurso extraordinário. O juiz dá a valoração mais con-veniente aos elementos probatórios, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. Não se con-funda com o critério legal da valorização da prova (RTJ 37/480, 56/65) (Pestana de Aguiar, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., v. VI/40, Ed. RT; Castro Nunes, Teoria e Prática do Poder Judiciário, 1943, p. 383). V. Sú-mula STJ-7.” (Direito sumular. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 137-138)

De igual modo, o art. 93, IX, da Constituição Federal resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, máxime o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, quan-

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do já tiver fundamentado sua decisão de maneira suficiente e fornecido a prestação jurisdicional nos limites da lide proposta. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência desta Corte, como se infere dos seguintes julgados:

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Alegada viola-ção do art. 93, IX, da CF/1988. Não ocorrência. Ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada. Súmula nº 287/STF. 1. O art. 93, IX, da Constituição Federal não determina que o órgão judican-te se manifeste sobre todos os argumentos de defesa apresentados, mas, sim, que ele explicite as razões que entendeu suficientes à formação de seu convencimento. 2. A jurisprudência de ambas as Turmas deste Tribunal é no sentido de que se deve negar provimento ao agravo quando, como no caso, não são impugnados todos os fundamentos da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 287 da Corte. 3. Agravo regimental não provido” (AI 783.503-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., DJe 16.09.2014).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONS-TITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – 1 ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: INOCOR-RÊNCIA – FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA AINDA QUE NÃO ANA-LISADOS TODOS OS ARGUMENTOS DA PARTE – PRECEDENTES – 2 MILITAR – PROVENTOS DO GRAU HIERARQUICAMENTE SUPE-RIOR – ANÁLISE PRÉVIA DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL – OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA – 3 RECURSO INCABÍVEL PELAS ALÍNEAS C E D DO INC. III DO ART. 102 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – AUSÊNCIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS NECESSÁ-RIAS – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE 724.151-AgR, Relª Min. Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 28.10.2013)

Outrossim, ao apreciar a questão relativa à reincidência e à fixação de regime inicial para o cumprimento de pena, o juízo a quo assim se manifestou:

“Nos termos do art. 63, do Código Penal, ‘verifica-se que a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sen-tença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime an-terior’.

A finalidade precípua da reincidência é o tratamento mais rigoroso que se deve dar àquele que pratica novo crime, após o trânsito em julgado da sen-tença que o tenha condenado anteriormente, para que não receba o mesmo tratamento daquele indivíduo portador de bons antecedentes, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.

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Destarte, a pretensão defensiva de desconsideração da agravante de rein-cidência, em razão de sua pretensa inconstitucionalidade ou em razão do princípio do non bis in idem, não encontra guarida em nosso sistema proces-sual, forte no art. 61, inciso I, do Código Penal.

Sobre o tema em debate, valho-me também de trecho do voto proferido pela Eminente Ministra Cármen Lúcia no HC 93.969-RS, 1ª T., J. 22.04.2008, p. 27.06.2008:

[…]

No presente caso, comprovada a reincidência do réu pela Certidão de Anteceden-tes Criminais colacionada às. fls. 274-276, não há se falar em inconstitucionalidade na aplicação da referida agravante e, consequentemente, na substituição da pena por restritiva de direitos.” (Doc. 1, fls. 477-479, grifei)

Nesse contexto, não prospera o argumento de que o acórdão recorri-do não está devidamente fundamentado, tendo em vista que o juízo de ori-gem apreciou as provas apresentadas nos autos, embora de forma contrária aos interesses do agravante. Nesse sentido, ARE 740.877-AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 04.06.2013, o qual possui a seguinte ementa:

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Adminis-trativo. 3. Alegação de ausência de prestação jurisdicional. Decisão funda-mentada, embora contrária aos interesses da parte, não configura negativa de prestação jurisdicional. Precedente: AI-QO-RG 791.292 de minha relato-ria, DJe 13.08.2010. 4. Afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, se dependente do reexame prévio de nor-mas infraconstitucionais, configura ofensa reflexa à Constituição Federal, o que inviabiliza o processamento do recurso extraordinário. 5. Alegação de ofensa ao princípio da legalidade. Enunciado 636 da Súmula desta Corte. 6. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

Por fim, o Plenário deste Tribunal, instado a se manifestar sobre o tema, reconheceu a repercussão geral da matéria para reafirmar a jurisprudência da Corte no sentido de que a decisão judicial tem que ser fundamentada, ainda que sucintamente, sendo prescindível que a mesma se funde na tese suscita-da pela parte. O julgado restou assim ementado:

“Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extra-ordinário (CPC, art. 544, §§ 3º e 4º). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV

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e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrên-cia. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribu-nal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.” (AI-QO-RG 791.292, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 13.08.2010)

Ex positis, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA

AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.084.540

Proced.: Minas Gerais

Relator: Min. Luiz Fux

Agte.(s): Edney Ribeiro Lage

Adv.(a/s): Leon Bambirra Obregon Gonçalves (84034/MG)

Adv.(a/s): Thiago do Nascimento Damasceno (0146825/MG)

Agdo.(a/s): Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Primeira Turma, Sessão Virtual de 24.11.2017 a 30.11.2017.

Composição: Ministros Marco Aurélio (Presidente), Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Habeas Corpus nº 317.709 – SP (2015/0043596-0)Relator: Ministro Ribeiro DantasImpetrante: Defensoria Pública do Estado de São PauloAdvogado: Isabela Veloso Monreal – SP279117Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São PauloPaciente: Daniel de Matos Santana

EMENTA

Penal – HABEAS CORPUS substitutiVO de reCursO PrÓPriO – inadeQuaçãO – rOubOs duPlamente

maJOradOs – Pena-base aCima dO mínimO legal – PersOnalidade, CulPabilidade, CirCunstânCias e COnseQuÊnCias dO Crime – mOtiVaçãO idÔnea

deClinada – COnCursO FOrmal – QuatrO PatrimÔniOs distintOs atingidOs – aumentO nO

Patamar de 1/4 CabíVel – WRIT nãO COnheCidO

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orien-tação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimen-to da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. No caso, não se observa fla-grante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

2. A culpabilidade, para fins de individualização da pena, deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da condu-ta, ou seja, a maior ou menor censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabi-lidade para que se possa concluir pela prática ou não de delito. Na hipótese, o fato de ter ameaçado de estupro uma das vítimas, menor

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de 11 anos de idade, de per si, evidencia o maior reprovação da con-duta, impondo-se, assim, a fixação da pena-base acima do piso legal.

3. As circunstâncias do crime devem ser entendidas como os aspectos objetivos e subjetivos de natureza acidental que envolvem o fato delituoso. In casu, não se infere ilegalidade na primeira fase da dosimetria, pois o decreto condenatório demonstrou que o modus operandi dos delitos revela gravidade concreta superior à ínsita aos crimes de roubo, considerando a violência empregada, devendo ser destacado que as vítimas, além de terem sofrido agressões físicas, foram aterrorizadas inclusive com “roleta russa”, tendo o paciente colocado o cano da pistola municiada na boca de uma das ofendidas.

4. Em relação às consequências do crime, as quais correspon-dem ao resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal cir-cunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, o trauma causado às vítimas não pode ser con-fundido com mero abalo psicológico passageiro, tendo a família, in-clusive, colocado o seu imóvel à venda.

5. Conquanto a prática de ato infracional pelo paciente não permita a valoração negativa de tal circunstância judicial, a sentença condenatória exasperou a pena-base a título de personalidade com esteio em elementos concretos da própria conduta delitiva e em tra-ços pessoais do réu, não havendo ser falar em carência de funda-mentação idônea.

6. A teor do entendimento consolidado desta Corte, foi reco-nhecida a prática pelo réu de quatro crimes de roubo qualificado, em concurso formal próprio (CP, art. 70, primeira parte), já que, median-te uma só ação e no mesmo contexto fático, foram subtraídos bens pertencentes a quatro vítimas distintas.

7. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o aumento decorrente do concurso formal tem como parâ-metro o número de delitos perpetrados, devendo ser a pena de um dos crimes exasperada de 1/6 até 1/2. Por certo, o acréscimo corres-pondente ao número de quatro infrações é a fração de 1/4.

8. Writ não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima in-dicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Minis-tro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.

Brasília (DF), 28 de novembro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Ribeiro Dantas Relator

RELATÓRIO

Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor de Daniel de Matos Santana contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Consta do autos que o paciente foi condenado à pena de 15 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 93 dias-multa, como incurso no art. 157, § 2º, I, II e V, por quatro vezes, na forma do art. 70, caput, e no art. 333, caput, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal.

Da sentença, foi interposta apelação pela defesa, que restou parcial-mente provida pela Corte de origem, a fim de reduzir a reprimenda imposta pelo crime de roubo para 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, mais 21 dias-multa, e a correspondente ao delito de corrupção ativa para 2 anos de reclusão e 10 dias-multa (e-STJ, fls. 73-78).

Opostos embargos de declaração pelo réu, foram rejeitados (e-STJ, fls. 83-85).

Neste writ, a Defensoria Pública sustenta, em síntese, que: a) “a condu-ta do paciente se ateve ao delito pelo qual foi condenado. Dessa maneira, não pode o órgão julgador se valer dos elementos constitutivos do delito, como a grave ameaça, para justificar o aumento da pena inicial além do mínimo, sob pena de ofender aos princípios da legalidade, ne bis in idem e proporcionali-dade”; b) “a atuação do paciente não foi a mais importante na consecução dos

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fatos, pois, como destacou a vítima, ele sequer chegou a manusear a arma e ter contato direto com os ofendidos. Ele apenas tinha o papel de recolher os bens”; c) “não cabe ao magistrado aumentar a pena com fundamento nos pe-rigos aos quais ficou exposta a vítima, nem com base em eventual humilha-ção ou trauma psicológico, sob pena de, novamente, ofender aos princípios da legalidade, proporcionalidade e ne bis in idem”; d) “o paciente é portador de bons antecedentes criminais [...] e a informação de que teria praticado ato infracional durante a adolescência não pode ser considerada na dosimetria das penas, na condição de aspecto negativo a seu histórico de vida, persona-lidade ou conduta social, como entende a jurisprudência superior”; e) “deve ser reconhecido o crime único, com o consequente afastamento do aumento de pena previsto no art. 70 do Código Penal”; f) “os fatos se passaram no mes-mo contexto fático, com o mesmo impulso volitivo, ou seja, em um contexto único de condutas que se desdobrou em vários atos – sendo a ação única”; g) “se, entretanto, for mantido o concurso formal de crimes, a defesa pede que seja reduzido o aumento estabelecido para 1/6, haja vista terem sido apenas três vítimas, pois o marido da Sra. Maria José não estava presente no local dos fatos durante a execução criminosa”; h) “o simples fato de ter sido condenado pela prática do crime de roubo não enseja o estabelecimento do regime fechado para cumprimento de pena que não ultrapassa 8 anos, não podendo ser suscitada a gravidade abstrata do delito” (e-STJ, fls. 1-23).

Pugna, ao final, pela concessão da ordem para que seja revista a dosi-metria da pena e estabelecido regime prisional menos gravoso para o descon-to da sanção corporal imposta ao ora paciente.

Pleito liminar indeferido (e-STJ, fls. 88-91).

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não conhe-cimento do writ (e-STJ, fls. 118-125).

É o relatório.

EMENTA

Penal – HABEAS CORPUS substitutiVO de reCursO PrÓPriO – inadeQuaçãO – rOubOs duPlamente

maJOradOs – Pena-base aCima dO mínimO legal – PersOnalidade, CulPabilidade, CirCunstânCias e COnseQuÊnCias dO Crime – mOtiVaçãO idÔnea

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PatrimÔniOs distintOs atingidOs – aumentO nO Patamar de 1/4 CabíVel – WRIT nãO COnheCidO1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orien-

tação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimen-to da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. No caso, não se observa fla-grante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

2. A culpabilidade, para fins de individualização da pena, deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da condu-ta, ou seja, a maior ou menor censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabi-lidade para que se possa concluir pela prática ou não de delito. Na hipótese, o fato de ter ameaçado de estupro uma das vítimas, menor de 11 anos de idade, de per si, evidencia o maior reprovação da con-duta, impondo-se, assim, a fixação da pena-base acima do piso legal.

3. As circunstâncias do crime devem ser entendidas como os aspectos objetivos e subjetivos de natureza acidental que envolvem o fato delituoso. In casu, não se infere ilegalidade na primeira fase da dosimetria, pois o decreto condenatório demonstrou que o modus operandi dos delitos revela gravidade concreta superior à ínsita aos crimes de roubo, considerando a violência empregada, devendo ser destacado que as vítimas, além de terem sofrido agressões físicas, foram aterrorizadas inclusive com “roleta russa”, tendo o paciente colocado o cano da pistola municiada na boca de uma das ofendidas.

4. Em relação às consequências do crime, as quais correspon-dem ao resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal cir-cunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, o trauma causado às vítimas não pode ser con-fundido com mero abalo psicológico passageiro, tendo a família, in-clusive, colocado o seu imóvel à venda.

5. Conquanto a prática de ato infracional pelo paciente não permita a valoração negativa de tal circunstância judicial, a sentença condenatória exasperou a pena-base a título de personalidade com esteio em elementos concretos da própria conduta delitiva e em tra-ços pessoais do réu, não havendo ser falar em carência de funda-mentação idônea.

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6. A teor do entendimento consolidado desta Corte, foi reco-nhecida a prática pelo réu de quatro crimes de roubo qualificado, em concurso formal próprio (CP, art. 70, primeira parte), já que, median-te uma só ação e no mesmo contexto fático, foram subtraídos bens pertencentes a quatro vítimas distintas.

7. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o aumento decorrente do concurso formal tem como parâ-metro o número de delitos perpetrados, devendo ser a pena de um dos crimes exasperada de 1/6 até 1/2. Por certo, o acréscimo corres-pondente ao número de quatro infrações é a fração de 1/4.

8. Writ não conhecido.

VOTO

Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas (Relator):

Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente pre-visto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial im-pugnado.

Ainda, no que tange à dosimetria, a individualização da pena é sub-metida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbi-trariedades. Destarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstân-cias judiciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram--se inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revolvimento probatório.

Feitas tais considerações, passo à análise dos fundamentos do writ, de forma a aferir a eventual ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a con-cessão da ordem de ofício.

Está inscrito no acórdão ora impugnado:

“[...] O cálculo das penas merece certo reparo. A fixação da básica em seis anos e seis meses, depois reduzida para seis anos em razão de uma ate-nuante, mostrou-se excessiva porque o aumento foi de metade, que redu-zem a um terço, pela mesma motivação da sentença. Depois pela tripla qualificação do roubo, acrescentam um terço de aumento, nos termos do

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enunciado da Súmula 443 do STJ, porque a fundamentação adotada pela decisão está baseada somente na quantidade de causas de aumento. Por fim, sendo quatro as vítimas, adicionam ¼ de aumento pelo concurso for-mal de infrações, seguindo critério jurisprudencial predominante, de acor-do com o número de infrações, fixando as penas do roubo em oito anos, dez meses e vinte dias de reclusão e vinte e um dias-multa.

Nada existe nos autos, por fim, a determinar a fixação da pena da corrupção ativa acima do mínimo previsto no preceito sancionatório. Determinam a pena em dois anos de reclusão e dez diárias de multa” (e-STJ, fls. 105-106).

No caso, verifica-se que a pena-base foi estabelecida acima do piso le-gal por terem sido desfavoravelmente valoradas as vetoriais “personalida-de”, “culpabilidade”, “circunstâncias” e “consequências”.

Com efeito, a culpabilidade, para fins de individualização da pena, deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, a maior ou menor censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade para que se possa concluir pela prática ou não de delito. Na hipótese, o fato de ter ameaçado de estupro uma das vítimas, menor de 11 anos de idade, de per si, evidencia o maior reprovação da conduta, impondo-se, assim, a fixação da pena-base acima do piso legal.

Ademais, as circunstâncias do crime devem ser entendidas como os aspectos objetivos e subjetivos de natureza acidental que envolvem o fato delituoso. In casu, não se infere ilegalidade na primeira fase da dosimetria, pois o decreto condenatório demonstrou que o modus operandi dos delitos re-vela gravidade concreta superior à ínsita aos crimes de roubo, considerando a violência empregada, devendo ser destacado que as vítimas, além de terem sofrido agressões físicas, foram aterrorizadas inclusive com “roleta russa”, tendo o paciente colocado o cano da pistola municiada na boca de uma das ofendidas.

Nesse sentido:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – NÃO CA-BIMENTO – ROUBO QUALIFICADO – DOSIMETRIA – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – NOVOS FUNDAMENTOS ADOTADOS PELO TRI-BUNAL DE ORIGEM – POSSIBILIDADE – SITUAÇÃO DO RÉU INAL-TERADA – ANÁLISE CONJUNTA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DOS CORRÉUS – CABIMENTO – PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO

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LEGAL – INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO JUDICIAL NA VA-LORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME E DA PER-SONALIDADE – MOTIVAÇÃO ADEQUADA QUANTO ÀS CIRCUNS-TÂNCIAS DO CRIME – ELEVAÇÃO DA PENA EM 1/4 (UM QUARTO) – DESPROPORCIONALIDADE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVI-DENCIADO – DOSIMETRIA REFEITA – HABEAS CORPUS NÃO CO-NHECIDO – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO

1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justi-ça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

2. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que o Tribunal de origem pode, mantendo a pena e o regime inicial aplica-dos ao réu, lastrear-se em fundamentos diversos dos adotados em 1ª ins-tância, ainda que em recurso exclusivo da defesa, sem configurar ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus; desde que observados os limites da pena estabelecida pelo Juízo sentenciante bem como as circunstâncias fáticas de-lineadas na sentença e na exordial acusatória.

3. A utilização da mesma fundamentação para se dosar a pena aos corréus, em uma análise conjunta das circunstâncias judiciais, não viola a indivi-dualização da pena, desde que comunicáveis aos acusados.

4. É certo que a dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério tri-fásico descrito no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal, cabendo ao Magistrado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico.

5. Os fundamentos quanto às consequências do crime não são idôneos. Isso porque o fato de os bens não terem sido recuperados não justifica de forma válida a exasperação da pena-base, porquanto a subtração é inerente ao crime de roubo. Da mesma forma, o desvalor da personalidade está basea-do em elementos genéricos, sem indicação de dados concretos a justificar a elevação da reprimenda-base.

6. Por outro lado, a valoração negativa da circunstância do crime está devidamente fundamentada, porquanto os elementos apresentados são acidentais e não integram a estrutura do tipo penal, pois destacam o modus operandi empregado, que revela a maior gravidade do crime. A forma violenta com que o paciente e seus comparsas

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utilizaram contra as vítimas, amarrando-as e desferindo-lhes chutes em uma delas, extrapola as condições próprias do tipo de roubo e evidencia a maior reprovabilida-de do crime praticado.

7. Presente apenas uma circunstância judicial negativa, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça tem entendido adequada e suficiente a exasperação da pena-base no patamar de 1/6 (um sexto) da reprimenda mínima.

8. Refeita a dosimetria.

Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reformar a sentença condenatória e o acórdão impugnado, a fim de redimensionar a pena do paciente referente ao delito de roubo para 5 anos e 4 meses de re-clusão e 16 dias-multa, mantidos os demais parâmetros fixados pelo Juízo de primeiro grau.”

(HC 359.152/RN, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., Julgado em 08.08.2017, DJe 18.08.2017, grifou-se)

“PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPE-CIAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO – DOSIMETRIA – ELEVAÇÃO DA PENA-BASE – FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA

I – Não há ilegalidade no v. acórdão recorrido que, analisando o art. 59 do Código Penal, verifica a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis aptas a justifi-car a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

II – Dessa forma, tendo sido fixada a pena-base acima do patamar mínimo, em virtude da valoração negativa da culpabilidade (justificada pelo modus operandi e pelo emprego de meio que impossibilitou a defesa da vítima), das circunstâncias do delito (o crime foi cometido em ambiente carcerário, com a burla das medidas de segurança e com fomento de animosidade entre os detentos) e dos motivos do crime (o delito foi praticado para assegurar a ocultação de outro crime), com fundamen-tação concreta e dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, não há como proceder a qualquer reparo em sede de recurso especial (precedentes).

Agravo regimental desprovido.”

(AgRg-AREsp 749.151/PA, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., Julgado em 10.05.2016, DJe 16.05.2016, grifou-se)

Em relação às consequências do crime, as quais correspondem ao re-sultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tu-

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telado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, o trauma causado às vítimas não pode ser confundido com mero abalo psicológico passageiro, tendo a família, inclusive, colocado o seu imóvel à venda.

De igual modo, conquanto a prática de ato infracional pelo paciente não permita a valoração negativa de tal circunstância judicial, a sentença con-denatória exasperou a pena-base a título de personalidade com esteio em elementos concretos da própria conduta delitiva e em traços pessoais do réu, não havendo ser falar em carência de fundamentação idônea.

Nesse passo, não resta evidenciada manifesta ilegalidade na pena na primeira fase do procedimento dosimétrico a exigir a intervenção desta Corte Superior de Justiça.

Além disso, a teor do entendimento consolidado desta Corte, foi reco-nhecida a prática pelo réu de quatro crimes de roubo qualificado, em concur-so formal próprio (CP, art. 70, primeira parte), já que, mediante uma só ação e no mesmo contexto fático, foram subtraídos bens pertencentes a quatro ví-timas distintas.

A fim de corroborar tal entendimento, trago à colação os seguintes jul-gados:

“[...] Praticado o crime de roubo mediante uma só ação contra vítimas distintas, no mesmo contexto fático, resta configurado o concurso formal próprio, e não a hipótese de crime único, visto que violados patrimônios distintos [...]” (HC 197.684/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis, 6ª T., julgado em 18.06.2002).

“[...] 2. Praticado o crime de roubo em um mesmo contexto fático, median-te uma só ação, contra vítimas diferentes, tem-se configurado o concurso formal de crimes, e não a ocorrência de crime único, visto que violados patrimônios distintos. Precedentes.

[...].” (HC 319.513/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., Julgado em 07.04.2016, DJe 20.04.2016)

De mais a mais, se as instâncias ordinárias, com esteio nas provas co-lhidas nos autos, entenderam pela configuração do concurso formal de cri-mes, consignando expressamente que a conduta atingiu quatro patrimônios diversos, maiores incursões acerca do tema demandariam revolvimento do contexto fático-comprobatório, inviável em sede de habeas corpus.

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Mais: nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o aumento decorrente do concurso formal tem como parâmetro o número de delitos perpetrados, devendo ser a pena de um dos crimes exasperada de 1/6 até 1/2. Por certo, o acréscimo correspondente ao número de quatro infrações é a fração de 1/4.

Nesse sentido, veja-se, por oportuno, o seguinte julgado:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – ROUBO CIRCUNSTANCIADO (EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES) – ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA – DOSIMETRIA DA PENA – (I) REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – AFIRMA-ÇÕES CONCRETAS RELATIVAS ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – (II) TERCEIRA ETAPA DO CÁLCULO – AUMENTO SUPERIOR AO MÍ-NIMO LEGAL – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – (III) CONTINUIDADE DELITIVA – ACRÉSCIMO COM BASE NO NÚMERO DE INFRAÇÕES

1. A jurisprudência desta Corte Superior, à luz da orientação da Primei-ra Turma do Supremo Tribunal Federal, exarada no julgamento do HC 109.956/PR, com o fito de conceder efetividade ao disposto no art. 102, II, a, da Constituição da República, e nos arts. 30 a 32 da Lei nº 8.038/1990, assentou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, com vistas a não se desvirtuar a finalidade desse remédio constitucional. No entanto, quando a ilegalidade apontada é flagrante, excepciona-se tal entendimento, justificando-se a atuação deste Superior Tribunal, caso em que se concede a ordem de ofício.

2. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, por se tratar de questão afeta à certa discricionariedade do Magistrado, a dosimetria da pena é passível de revisão em habeas corpus apenas em hipóteses excepcio-nais, quando ficar evidenciada flagrante ilegalidade, constatada de plano, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo fático-probatório.

3. Nos termos da orientação desta Casa, é ‘plenamente possível, diante do reconhecimento de várias causas de aumento de pena previstas no mesmo tipo penal, deslocar a incidência de algumas delas para a primeira fase, para fins de majoração da pena-base, desde que a reprimenda não seja exasperada, pelo mesmo motivo, na terceira etapa da dosimetria da pena e que seja observado o percentual legal máximo previsto pela incidência das majorantes’ (AgRg-REsp 1551168/AL, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 02.03.2016).4. Na espécie, o magistrado sentenciante considerou desfavoráveis as cir-cunstâncias dos delitos. Relativamente aos crimes de roubo, deslocou a

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causa de aumento referente ao concurso de agentes para a primeira etapa do cálculo e esclareceu que os delitos foram praticados por várias pessoas (seis), em unidade de desígnios, situação que facilitou demasiadamente a execução das infrações. No tocante ao delito de associação criminosa, des-tacou o número de armas empregadas (três), sendo uma delas, inclusive, um fuzil. Descreveu, portanto, as particularidades dos delitos, as atitudes assumidas pelo condenado no decorrer do fato criminoso, bem como os instrumentos utilizados na prática delituosa e a maior gravidade da condu-ta espelhada pela mecânica delitiva empregada pelo agente. Precedentes.5. O Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que ‘O au-mento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstan-ciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exas-peração a mera indicação do número de majorantes’ (Súmula nº 443/STJ).6. No caso, as instâncias de origem, ao reconhecerem a causa de aumento relativa ao emprego de arma de fogo na terceira etapa do cálculo da re-primenda, justificaram o acréscimo acima do mínimo legal no número de armas empregadas em cada delito patrimonial (três), destacando que uma delas, inclusive, tratava-se de fuzil. Precedentes.7. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, ‘em se tratando de au-mento de pena referente à continuidade delitiva, aplicando-se a fração de aumen-to de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações’ (HC 283.720/RN, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 26.08.2014).8. Nesse contexto, a existência de quatro crimes de roubo circunstanciado, como no caso em exame, legitima o aumento de ¼ (um quarto), nos termos do art. 71 do Código Penal.9. Habeas corpus não conhecido.”

(HC 208.629/MG, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., Julgado em 07.03.2017, DJe 21.03.2017, grifou-se)

Ante o exposto, não conheço do writ.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUINTA TURMA

Número Registro: 2015/0043596-0 HC 317.709/SP

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Matéria criminal Números Origem: 00337118920138260050 20140000201804 20140000631174 33711892013 337118920138260050 6322013

Em Mesa Julgado: 28.11.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Alcides Martins

Secretário: Me. Marcelo Pereira Cruvinel

AUTUAÇÃO

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Advogado: Isabela Veloso Monreal – SP279117

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Daniel de Matos Santana

Assunto: Direito penal – Crimes contra o patrimônio – Roubo majorado

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido.”

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.

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TrF 4ª r.Tribunal regional Federal da 4ª região

Apelação Criminal nº 5001720-71.2015.4.04.7103/RSRelator: Salise Monteiro SanchoteneApelante: Ministério Público FederalApelado: Marcos Sperry GomideAdvogado: Décio Danilo D’ Agostini Júnior

Renata D’ Agostini Luiz Fernando Kramer Pereira Neto

EMENTA

direitO Penal – Crime de ViOlaçãO de sigilO de inFOrmaçÕes FinanCeiras – art. 10 da lei COmPlementar nº 105/2001 – dOlO – nãO

COmPrOVaçãO – absOlViçãO mantida1. É sabido que o titular da persecução penal, a fim de concre-

tizar o pedido de procedência da denúncia, deve trazer elementos robustos acerca da materialidade, da autoria e do dolo dos acusados. 2. No caso, ausente prova inequívoca de que o acusado conhecia a forma como obtidos os documentos ou mesmo a extensão exata do sigilo sobre eles incidente, inviável atribuir-lhe a violação do sigilo. 3. Assim, sob o ponto de vista da prova produzida nos autos, poder--se-ia cogitar, no máximo que o acusado teria agido de forma impe-rita ou negligente ao juntar os documentos no processo trabalhista, atuando, pois, na modalidade culposa, o que não se mostra suficien-te para tipificar o crime em debate. 4. Absolvição mantida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por una-

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nimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre/RS, 12 de dezembro de 2017.

Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

RELATÓRIO

O Ministério Público aviou denúncia (evento 1 do processo originário) contra Marcos Sperry Gomide, por ter, em tese, praticado o crime inserto no art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001.

A peça acusatória, recebida em 19.01.2016 (evento 8), assim narrou os fatos:

No dia 26.07.2011, na cidade de Alegrete/RS, o denunciado Marcelo Sperry Gomide, consciente da reprovabilidade de sua conduta e volunta-riamente, quebrou o sigilo de operações financeiras de Carlos Inar Quadros Dorneles, Vilceu Martinazzo Barboza e Lizeli Kemek Medeiros, clientes da Caixa Econômica Federal – CEF, agência de Alegrete/RS, publicizando do-cumentos sigilosos fora das hipóteses da Lei Complementar nº 105/2001.

Na data suprarreferida, o denunciado Marcelo Sperry Gomide, em posse de documentos sigilosos entregues por sua cliente Sandra Mara Echebarria Jo-sende, funcionária da agência da Caixa Econômica Federal de Alegrete/RS, utilizou-os, sabendo que eram sigilosos, para instruir a Reclamatória Tra-balhista nº 0000251-61.2011.5.04.0821, ajuizada na vara do Trabalho de Alegrete/RS.

Por meio da interposição da referida reclamatória trabalhista, o denun-ciado deu publicidade a documentos que sabia serem sigilosos relativos às operações financeiras realizadas por Carlos Inar Quadros Dorneles, Vilceu Martinazzo Barboza e Lizeli Kemek Medeiros, uma vez que por sua orientação, foram obtidos pela funcionária da CEF Sandra Mara, a qual tinha acesso a estes dados em razão de seu cargo, sem a observância das hipóteses de quebra de sigilo previstas na Lei Complementar nº 105/2001.

Dessa forma, o denunciado quebrou o sigilo, dando publicidade, de docu-mentos contendo informações que sabia serem sigilosas.

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DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA:

A materialidade delitiva resta demonstrada pela peça de interposição da Reclamatória Trabalhista nº 0000251-61.2011.5.04.0821, ajuizada na vara do Trabalho de Alegrete/RS (fls. 14/35), pelos documentos utilizados para instruí-la (fls. 27/44) e pelo Procedimento Administrativo Disciplinar au-tuado pela Caixa Econômica Federal em face de Sandra Mara, dando con-tra de que a funcionária pública extraiu cópias de documentos sigilosos

Já a autoria delitiva encontra-se comprovada pela peça exordial da Recla-matória Trabalhista nº 0000251-61.2011.5.04.0821, ajuizada na vara do Tra-balho de Alegrete/RS, a qual foi firmada pelo denunciado Marcelo Sperry Gomide no exercício de sua profissão (fls. 14/36).

Tais elementos não deixam qualquer dúvida acerca da prática delitiva per-petrada pelo denunciado.

Na audiência realizada em 20-10-2016, Marcos não aceitou a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.605/1998) oferecida pelo Ministé-rio Público Federal. (ev. 30 do processo eletrônico originário)

Após a apresentação da defesa prévia e da falta de caracterização da absolvição sumária, o feito teve regular seguimento. Concluída a instrução, sobreveio sentença, publicada em 27.07.2017, absolvendo o acusado nos ter-mos do art. 386, incisos II e V do CPP. (ev. 74 – SENT1)

Irresignado, o Parquet apelou. (evento 79 do feito eletrônico originário). Em suas razões sustenta que ao contrário do entendimento do magistrado singular, tanto a autoria como o dolo restaram evidenciados. Refere que é lógico que o réu sabia que os documentos eram sigilosos. Consigna que foi Marcos, na condição de advogado da Sandra Mara, quem a orientou a buscar tais documentos sigilosos junto a sua empresa pública empregadora de Sandra. Refor-ça que Marcos quebrou o sigilo de operações financeiras de Carlos Inar Quadros Dorneles, Vilceu Martinazzo Barboza e Lizeli Kemek Medeiros, clientes da Cai-xa Econômica Federal – CEF, ao dar publicidade aos documentos entregues por sua cliente Sandra Mara para instrução de reclamatória trabalhista nº 000251-61.2011.5.04.0821, ajuizada na Vara do Trabalho de Alegrete/RS. Pede a re-forma da sentença para que o réu seja condenado, às sanções do art. 10 da LC 105/2011.

Foram apresentadas contrarrazões. (evento 75 do processo originário). O feito eletrônico alçou a esta Corte, sendo regularmente autuado e distri-buído.

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A douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, mani-festou-se pelo desprovimento da apelação. (evento 5 – PARECER1).

É o relatório.

À revisão.

Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

VOTO

Insurge-se o Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu Marcos Sperry Gomide da imputação pelo delito de quebra de sigilo de infor-mações financeiras (art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001), requerendo sua condenação nos termos constantes da peça acusatória.

Não obstante os argumentos expendidos na irresignação ministerial, é de ser mantida a sentença monocrática exarada nas seguintes letras:

[...]

Nos autos da Ação Penal nº 5004221-03.2012.4.04.7103/RS, Sandra foi de-nunciada, processada e condenada pela quebra do sigilo de operações fi-nanceiras de Carlos Inar Quadros Dorneles, Vilceu Martinazzo Barboza e Lizeli Kemek Medeiros, clientes da Caixa Econômica Federal. A Ação Penal em que Sandra foi ré e o presente feito possuem o mesmo objeto material.

A narrativa da acusação na denúncia daquele feito deixou clara que a que-bra do sigilo das operações financeiras se consumou com a entrega, por Sandra, dos documentos sigilosos a uma terceira pessoa que não possuía envolvimento com a instituição bancária e os clientes, no caso Marcos, que-brando a intimidade e a preservação dos dados sigilos. Ipsis litteris (ev. 1, INIC1 da Ap 5004221-03.2012.4.04.7103/RS):

“Em data não precisa, mas pouco anterior a 26.07.2011, a denunciada Sandra Mara Echebarria Josende quebrou o sigilo de operações finan-ceiras de Carlos Inar Quadros Dorneles, Vilceu Martinazzo Barboza e Lizeli Kemek Medeiros, clientes da Caixa Econômica Federal – CEF, agência de Alegrete/RS, fora das hipóteses da Lei Complementar nº 105/2001.

Deveras, a denunciada, na condição de funcionária da CEF, buscan-do documentos para futura demanda trabalhista em face da Empresa

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Pública empregadora, extraiu cópias de documentos que continham operações financeiras sigilosas, os quais tinha acesso em razão de suas funções dentro da instituição bancária.

De posse das cópias, a denunciada entregou-as a seu advogado, Marcos Sperry Gomide, a fim de que este utilizasse tais documentos na instru-ção de reclamatória trabalhista, que, posteriormente, foi tombada sob o nº 0000251-61.2011.5.04.0821, na Vara do Trabalho de Alegrete.

Apesar de deter atribuição para o acesso aos dados, Sandra Mara não buscou autorização dos clientes para revelar operações financeiras ao seu advogado, terceiro sem relação aos dados bancários.

Igualmente, não possuía Sandra Mara autorização de nenhuma outra espécie para o uso, em finalidades diversas das interna corporis da CEF, dos documentos contendo informações financeiras.

Assim, a denunciada indevidamente quebrou o sigilo de informações financeiras de clientes da CEF, entregando fotocópias de documentos contendo dados sigilosos ao seu advogado Marcos Sperry Gomide.” (sem grifo no original)

O crime em questão é próprio, o que significa que somente aquele que tem acesso às operações ou serviços prestados pelas instituições financeiras pode ser o sujeito ativo do delito. Por outras palavras, o sujeito ativo do delito é aquele que viola o sigilo de operação ou serviço prestado pelas instituições financeiras da qual tem conhecimento ou teve conhecimento em razão do ofício.

Inobstante, como qualquer crime próprio, admite coautoria e participação, desde que os demais envolvidos tenham plena consciência de que execu-tam o iter criminis, abrangendo, por exemplo, aquele que, inobstante des-vinculado dos quadros da instituição financeira responsável por velar pelo sigilo, instiga, incentiva ou até mesmo fornece algum tipo de auxílio mate-rial para que a violação ocorra.

Sandra foi condenada naquela Ação Penal, com sentença transitada em jul-gado e processo baixado.

Marcos não é funcionário do banco que detinha os dados, não tendo, então, o dever de guardar sigilo. Era advogado de Sandra no bojo de Reclamató-ria Trabalhista onde os documentos foram utilizados como meio de prova.

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Para que Marcos pudesse vir a ser considerado co-autor ou partícipe do delito de Sandra, seria necessário que tivesse instigado, incentivado ou for-necido algum tipo de auxílio material para a quebra praticada por Sandra.

Na há nos autos deste processo qualquer elemento a fornecer indícios de que Marcos agiu dolosamente instigando, instruindo ou requerendo que Sandra extraísse os documentos sigilosos do sistema da Caixa Econômica Federal.

Quanto a isso, cabe inicialmente verificar que as condições subjetivas de Sandra tornavam necessária a interveniência de marcos para que ela sou-besse quais documentos poderiam servir de prova na Reclamatória Traba-lhista.

Sandra sabia as funções que exercia (ou alegava exercer) de fato e que des-bordavam das atribuições do seu cargo, tanto que buscou advogado para ingressar com a referida Reclamatória Trabalhista.

Se assim é, sabia exatamente quais documentos poderiam retratar esse des-vio de função, não necessitando, para atingir esse grau de esclarecimento, das orientações de Marcos.

Ademais, Sandra conhecia seu dever de manter o sigilo dos dados a que tinha acesso no exercício da função, tanto que assinou Termo de Ética, o qual informa aos funcionários sobre o sigilo dos documentos quando do ingresso no serviço.

Em vista disso, não se torna presumível a atuação do advogado Marcos na instigação ou determinação da obtenção e divulgação, por Sandra, dos documentos sigilosos para fins de prova na Reclamatória Trabalhista.

Veja-se, é muito provável que Marcos tenha pedido a Sandra amealhar pro-vas documentais acerca do desvio de função que ela relatava, porque isso é o que qualquer advogado faria ao pretender ingressar com qualquer de-manda judicial. Sem provas não há possibilidade de comprovação do fato constitutivo do direito.

No entanto, diante das condições pessoais de Sandra, não se pode presu-mir que Marcos instigou ou determinou a divulgação, por Sandra, dos es-pecíficos documentos bancários cujo sigilo ela quebrou.

Afastada essa presunção, não há no feito provas de que Marcos incentivou ou determinou a Sandra a quebrar o sigilo dos documentos que ela di-vulgou.

Quanto a isso, a acusação não arrolou testemunhas.

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Pela defesa, a testemunha Kamerson Roberto Borges, advogado no escritó-rio do réu, informou que o escritório possui mais de 500 processos ativos, sendo que a especialidade é trabalhista bancário. Afirmou que a documen-tação enviada é de responsabilidade do cliente, que não orientam clientes a juntar documentos específicos (ev. 63, VÍDEO2).

Por sua vez, a testemunha Angelica Koltermann Sartori, advogada no es-critório do réu, afirmou que o cliente envia a documentação que entende pertinente. Referiu desconhecer o que objetivava comprovar a documenta-ção apontada na denúncia, afirmando que para comprovar desvio de fun-ção o mais importante é a prova oral (ev. 63, VÍDEO3).

Ao ser interrogado, o réu Marcos Sperry Gomide negou as acusações. Nar-rou ter conhecido Sandra somente no dia da audiência e negou que lhe tivesse pedido para quebrar sigilo de qualquer documento. Além disso, referiu que Sandra continuou sendo cliente do seu escritório mesmo após a condenação criminal, o que o faz acreditar que está satisfeita com sua conduta.

Alegou que se Sandra retirou da CEF documentação sigilosa, foi ela quem quebrou o sigilo. Juntou a documentação ao processo sem se atentar a este fato, até porque não teria como saber o que a CEF entende como coberto por sigilo bancário, sendo comum a juntada de documentos bancários, já que sua especialidade é a relação empregatícia bancária (ev. 63, VÍDEO4 e VIDEO5).

Nesse cenário, não há prova de co-autoria ou participação por parte de Marcos Sperry Gomide na quebra do sigilo das operações financeiras apon-tadas na denúncia, o que conduz à absolvição do réu.

Ante o exposto, julgo improcedente a denuncia para absolver o réu Marcos Sperry Gomide da imputação que lhe é feita na denúncia, o que faço com base no art. 386, incisos II e V, do Código de Processo Penal.

Pois bem. De início, tenho que se mostra necessário discorrer breve-mente sobre a tipicidade formal e material do delito inserto no art. 10 da Lei Complementar nº 105/200, que tem a seguinte redação:

Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Com-plementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

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O bem jurídico tutelado do delito imputado ao recorrido é o sigilo das informações obtidas em face das transações operacionalizadas pelas institui-ções financeiras, as quais têm o dever moral e legal de velar e conservar em sigilo em suas operações ativas e passivas quanto aos serviços prestados aos seus clientes.

Trata-se de delito de mera atividade e de perigo abstrato, pois, para sua consumação não se exige qualquer resultado naturalístico, basta a simples divulgação dos serviços e as informações colhidas no âmbito das instituições.

Além disso, o crime de quebra de sigilo financeiro, previsto no art. 10 da Lei Complementar nº 105/2001, é próprio, isto é, somente o agente que detém acesso legal às informações prestadas pela instituição financeira tem, para além da capacidade de averiguar a extensão de seu sigilo, o dever de não lhes dar publicidade.

Embora sendo crime próprio, é admissível a coautoria e participação na hipótese daquele que instiga, incentiva ou até mesmo fornece algum tipo de auxílio material para que a violação ocorra. Pode, assim, ser pessoa total-mente desvinculada dos quadros da instituição financeira responsável por velar pelo sigilo.

No caso, apesar dos argumentos do órgão acusador, das provas cons-tantes dos autos não se pode concluir que Marcos tenha instigado ou auxi-liado Sandra Mara (funcionária da CEF) a arregimentar os dados financeiros sigilosos constantes da documentação a si fornecida para a propositura e ins-trução da reclamatória trabalhista.

Com efeito. É sabido que o titular da persecução penal, a fim de concre-tizar o pedido de procedência da denúncia, deve trazer elementos robustos acerca da materialidade, da autoria e do dolo dos acusados.

Segundo o magistério de Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, 20. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 236) “Compete, pois, à Acusação pro-var a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe incumbe evidenciar o elemento subjetivo, que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a subjecti, deve ficar a cargo do titular da persecução.”

Ademais, quanto à não comprovação do dolo de Marco, adoto como razões de decidir as percucientes palavras do douto Procurador Regional da República Carlos Augusto da Silva Cazarré em seu parecer nesta instância. (evento 5 – PARECER1):

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Com razão o magistrado, pois, ausente prova inequívoca de que o acusado conhecia a forma como obtidos os documentos ou mesmo a extensão exata do sigilo sobre eles incidente, inviável atribuir-lhe a violação do sigilo.

Em que pese o réu, como advogado, tenha a habilidade técnica para saber que na atividade de instituições financeiras existe uma vasta gama de do-cumentos sigilosos, não se lhe pode impor presunção de que sabia a exten-são do sigilo que abarcava aqueles documentos específicos e, sobretudo, a forma como foram obtidos pela funcionária da instituição financeira, que era, ela sim, a imediata destinatária do dever de sigilo. Assim, sob o ponto de vista da prova produzida, poder-se-ia cogitar, no máximo que o acusa-do teria agido de forma imperita ou negligente ao juntar os documentos no processo trabalhista, atuando, pois, na modalidade culposa, o que não se mostra suficiente para tipificar o crime em debate.

Nesse contexto, cabe solução em favor do réu, razão pela qual se man-tém, na íntegra, a sentença monocrática.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.

Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12.12.2017

Apelação Criminal nº 5001720-71.2015.4.04.7103/RS

Origem: RS 50017207120154047103

Relator: Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene

Presidente: Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Procurador: Dr. Manoel do Socorro Tavares Pastana

Revisor: Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Sustentação oral: Presencial Dr. Luiz Fernando Kramer Pereira Neto, pelo apelado Marcos Sperry Gomide.

Apelante: Ministério Público Federal

Apelado: Marcos Sperry Gomide

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Advogado: Décio Danilo D’ Agostini Júnior Renata D’ Agostini Luiz Fernando Kramer Pereira Neto

Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 12.12.2017, na sequência 42, disponibilizada no DE de 23.11.2017, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo, nos ter-mos do voto da relatora.

Relator Acórdão: Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene

Votante(s): Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Des. Federal Márcio Antônio Rocha Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Lisélia Perrot Czarnobay Secretária

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EmEntário PEnal

ameaça – ViOlÊnCia dOmÉstiCa – reParaçãO de danO mOral –

art. 387, iV, dO CPP – PedidO eXPressO na denÚnCia – CabimentO

32019 – “Agravo regimental no recurso especial. Ameaça. Violência doméstica. Repa-ração de dano moral. Art. 387, IV, do CPP. Pedido expresso na denúncia. Cabimento. Acórdão recorrido em desacordo com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior. 1. ‘Nos termos do entendimento desta Corte Superior a reparação civil dos danos sofri-dos pela vítima do fato criminoso, prevista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, inclui também os danos de natureza moral, e para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização, é necessário pedido expresso, sob pena de afronta à ampla defesa’ (AgRg-REsp 1666724/MS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., Julgado em 27.06.2017, DJe 01.08.2017). 2. Cabível, no caso, a fixação de valor mínimo de indenização à vítima porque o Ministério Público requereu expressamente a reparação civil no oferecimento da denúncia, nos moldes da Orientação Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.655.224 – (2017/0035924-9) – 6ª T. – Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro – DJe 21.11.2017)

COntraVençãO Penal – OrganiZaçãO dO trabalhO – “Flanelinha”

– ausÊnCia de registrO – atiPiCidade da COnduta

32020 – “Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Contravenção penal. Or-ganização do trabalho. Art. 47 da LCP. ‘Flanelinha’. Ausência de registro. Atipicidade da conduta. Ausência de justa causa para a ação penal. Trancamento. Recurso ordinário provido. I – O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e pro-vas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a au-sência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria. II – A jurisprudência do col. Supremo Tribunal Federal, bem como desta Corte, há muito se firmou no sentido de ser atípico o exercício da atividade desenvolvida pelo denominado ‘flanelinha’, sem o registro nos órgãos competentes, ainda que esta exigência encontre previsão em lei, uma vez que a sua ausência não atingiria de forma significativa o bem jurídico tutelado pela norma penal. III – Segundo entendimento do excelso Supremo Tribunal Federal e desta

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Corte, a contravenção penal descrita no art. 47 da LCP (Decreto-Lei nº 3.688/1941), tem como objetivo a tutela da organização do trabalho, notadamente as profissões que exigem habilitação ou qualificação técnica especializada, razão pela qual deve haver complemen-tação por outra norma para definir tais requisitos. IV – A existência de norma estabele-cendo a necessidade de registro para o exercício da atividade do ‘flanelinha’, mediante a simples apresentação de documentos pessoais sem exigência de conhecimentos técnicos especializados, não se afigura, todavia, apta a criminalizar referida conduta à luz dos prin-cípios do direito penal, em especial o da intervenção mínima e da ofensividade, Recurso ordinário provido para determinar o trancamento da ação penal em face da atipicidade da conduta.” (STJ – Rec-HC 88.815 – (2017/0227898-3) – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJe 06.12.2017)

Crime de desCaminhO – PratiCadO em transPOrte aÉreO – VOO

regular – Causa de aumentO de Pena – inCidÊnCia

32021 – “Processo penal. Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Inadequação. Descaminho. Crime praticado em transporte aéreo. Voo regular. Incidência da causa de aumento. Pena mínima superior a 1 ano. Óbice à suspensão condicional do processo. Fla-grante ilegalidade não evidenciada. Writ não conhecido. 1. Esta Corte e o Supremo Tri-bunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitu-tivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta de-litiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 3. O art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em dobro, se ‘o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo’. Ainda, nos termos da jurisprudência desta Corte, se a lei não faz restri-ções quanto à espécie de voo que enseja a aplicação da majorante, não cabe ao intérprete restringir a aplicação do dispositivo legal, sendo irrelevante que o transporte seja clandes-tino ou regular. 4. Considerando a pena mínima prevista para o crime de descaminho, que corresponde a 1 ano de reclusão, que deve ser aplicada em dobro em virtude da incidência da causa de aumento do art. 334, § 3º, do CP, chega-se à sanção corporal superior a 1 ano, o que afasta a possibilidade de oferta da vindicada proposta de suspensão condicional do processo. 5. A teor da Súmula nº 337/STJ, ‘é cabível a suspensão condicional do processo

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na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva’. Assim, caso o Julgador de 1º grau, após a análise dos elementos probatórios produzidos durante a persecução penal, entenda que a conduta deve se tipificada como descaminho, nos moldes do caput do art. 334 do CP, deverá abrir prazo para o Ministério Público, a fim de que este verifique a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos na Lei nº 9.099/1995. 6. Writ não conhecido.” (STJ – HC 390.899 – SP – (2017/0047541-3) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 28.11.2017)

nota:Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impe-trado em favor do paciente, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.Consta dos autos que a paciente foi denunciada pela suposta prática do delito tipificado no art. 334, § 3º, do Código Penal.O magistrado de 1º grau recebeu a peça acusatória e indeferiu o pedido da defesa de afastamento do § 3º do art. 334 do CP.Dessa decisão, foi impetrado habeas corpus perante a Corte de origem, que denegou a ordem nos termos da seguinte ementa:“PENAL – PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ORDEM DENEGADA – 1. O impetrante requer a suspensão do andamento do processo e o reconhecimento do excesso de acusação decorrente da imputação pelo § 3º do art. 334, do Código Penal, devendo a referida causa de aumento ser afastada a fim de permitir a suspensão condi-cional do processo. 2. Não há constrangimento ilegal a reparar. A autoridade impetrada justificou o recebimento da denúncia com base no princípio do in dubio pro societate e afirmou que o acusado defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica dada pelo órgão acusatório, que será objeto de análise no momento oportuno. 3. Não obstante haver precedentes que aplicam a causa de aumento do § 3º do art. 334 do Código Penal em voo regular, a apreciação das provas que permitam concluir por essa solução cabe ao Juízo impetrado, de modo que a análise nessa via implicaria supressão de instância. 4. Ademais, o § 1º do art. 383 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo em consequência de definição jurídica diversa na fase da sentença. 5. Ordem de habeas corpus denegada.”A defesa impetrou o habeas corpus sustentando que a causa de aumento de pena deveria ser afastada, pois só se aplicaria quando o crime é cometido em voos clandestinos.Ressalta que com o afastamento do § 3º do art. 334 do Código Penal, apontado na de-núncia, a acusada possuirá todos os requisitos para a aplicação do benefício da suspen-são condicional do processo.Vale trazer trecho do voto do relator:“Na hipótese, o Magistrado processante rechaçou o pleito defensivo de decote da causa de aumento do art. 334, § 3º, do CP, pois o delito de descaminho teria sido praticado em transporte aéreo, conforme os elementos probatórios amealhados nos autos.Deveras, o art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em dobro, se ‘o cri-me de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo’. Ainda, nos termos da jurisprudência desta Corte, se a lei não faz restrições quanto à espécie de voo que enseja a aplicação da majorante, não cabe ao intérprete restringir a aplicação do dispo-sitivo legal, sendo irrelevante que o transporte seja clandestino ou regular.

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A fim de corroborar tal entendimento, trago à colação os seguintes precedentes de am-bas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça:‘PENAL E PROCESSO PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPE-CIAL – CORRUPÇÃO PASSIVA E FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO – DOSIME-TRIA – PENA-BASE – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – APARATO EMPREGADO NO CRIME – FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA – CONSEQUÊNCIAS DO DELITO – GRANDE QUANTIDADE E SOFISTICAÇÃO DOS PRODUTOS INTRODUZIDOS ILICITAMENTE – ADMISSIBILIDADE – EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA – POSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – AGRAVO IMPROVIDO – 1. O aparato em-pregado na prática delituosa, que denota maior sofisticação do crime de facilitação ao descaminho e corrupção passiva, constitui justificativa válida para a valoração negativa das circunstâncias do delito. 2. Em relação às consequências do delito, a grande quan-tidade de mercadorias em situação ilícita constitui fundamentação concreta a resultar o incremento da pena-base diante da maior reprovabilidade da conduta. 3. A causa de aumento prevista no art. 334, § 3º, do CP, é aplicável para o transporte aéreo, não se limitando a voos clandestinos. Precedentes. (AgRg-EDcl-AREsp 1020652/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., Julgado em 14.03.2017, DJe 27.03.2017). 4. Não viola o princípio da presunção de inocência a execução provisória da pena após a confirmação da senten-ça condenatória pelo Tribunal de apelação, ex vi do decidido pela Corte Suprema nos autos do HC 126.292/SP. 5. Agravo regimental improvido.’ (AgRg-REsp 1597416/CE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., Julgado em 26.09.2017, DJe 04.10.2017)“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ART. 334, § 3º, DO CP – DESCAMINHO – 1. TRANSPORTE AÉREO – VOO REGULAR – CABIMENTO – 2. ÓBICE DO REVOLVIMENTO FÁTICO--PROBATÓRIO – SÚMULA Nº 7 DO STJ – INOCORRÊNCIA – REVALORAÇÃO DE PROVAS – 3. PREQUESTIONAMENTO DEMONSTRADO – AGRAVO REGIMEN-TAL DESPROVIDO – 1. A causa de aumento prevista no art. 334, § 3º, do CP, é apli-cável para o transporte aéreo, não se limitando a voos clandestinos. Precedentes. 2. A discussão de fatos incontroversos constantes das decisões das instâncias ordinárias não configura o revolvimento fático-probatório, vedado pela Súmula nº 7 do Superior Tri-bunal de Justiça – STJ. 3. O Tribunal de origem abordou a questão do transporte aéreo, motivo pelo qual não prospera a alegação de falta de prequestionamento. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-EDcl-AREsp 1020652/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., Julgado em 14.03.2017, DJe 27.03.2017)Nesse passo, considerando a pena mínima prevista para o crime de descaminho, que corresponde a 1 ano de reclusão, que deve ser aplicada em dobro em virtude da inci-dência da causa de aumento do art. 334, § 3º, do CP, chega-se à sanção corporal superior a 1 ano, o que afasta a possibilidade de oferta da vindicada proposta de suspensão condicional do processo.Forçoso consignar, por derradeiro, que a teor da Súmula nº 337/STJ, ‘é cabível a sus-pensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva’. Assim, caso o Julgador de 1º grau, após a análise dos elementos probatórios produzidos durante a persecução penal, entenda que a conduta deve se tipificada como descaminho, nos moldes do caput do art. 334 do CP, deverá abrir prazo para o Ministério Público, a fim de que este verifique a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos na Lei nº 9.099/1995.Ante o exposto, não conheço do writ.”A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça não conheceu a ordem.

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Crimes de assOCiaçãO CriminOsa e de PeCulatO – substituiçãO

da Pena PriVatiVa de liberdade POr restritiVa de direitOs – suPressãO de instânCia –

FiXaçãO dO regime PrisiOnal32022 – “Agravo regimental no habeas corpus. Impetração contra decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça. Não esgotamento de jurisdição. Crimes de associação criminosa e de peculato. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Supressão de instância. Fixação do regime prisional. 1. Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática, indeferitória de writ, do Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição não se esgotou, ausente o manejo de agravo regimen-tal. Precedentes. 2. Inviável o exame das teses defensivas não analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada somente ao quantum da reprimen-da, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, confor-me remissão do art. 33, § 3º, do referido diploma legal. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-HC 147.879 – São Paulo – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 10.11.2017)

Crimes de trÁFiCO de drOgas e de POsse irregular de muniçãO

de usO PermitidO – Crime de PerigO abstratO – tiPiCidade

32023 – “Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. Direito penal. Crimes de tráfico de drogas e de posse irregular de munição de uso permitido. Art. 12 da Lei nº 10.826/2003. Crime de perigo abstrato. Tipicidade. 1. A posse irregular de munição de uso permitido (art. 12 da Lei nº 10.826/2003) constitui crime de perigo abstrato, não se exigindo demonstração de ofensividade concreta para sua consumação, sendo irrelevante a presença da arma de fogo para tipificá-lo. Precedentes. 2. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RO-HC 146.081 – Mato Grosso do Sul – 1ª T. – Rel.ª Min. Rosa Weber – J. 10.11.2017)

drOgas – art. 33, CAPUT, da lei nº 11.343/2006 – sustentaçãO Oral

– imPOssibilidade – Flagrante

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PreParadO – OCOrrÊnCia – atiPiCidade da COnduta

32024 – Penal. Processual penal. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Sustentação oral em agravo regimental. Impossi-bilidade. Flagrante preparado. Ocorrência. Atipicidade da conduta. Agravo regimental provido. 1. A orientação desta Corte é firme no sentido de que não é cabível sustentação oral no julgamento de agravo regimental, em observância, notadamente, aos arts. 159, IV, e 258, ambos do RISTJ. 2. Considera-se preparado o flagrante se a atividade policial induz ao cometimento do crime. 3. Agravo regimental provido para reformar o decisum impug-nado e absolver o recorrente ante a atipicidade da conduta.” (STJ – AgRg-AGREsp 262.294 – SP – (2012/0248502-1) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 01.12.2017)

nota:Trata-se de agravo regimental interposto em face de decisão que conheceu do agravo para dar provimento parcial ao recurso especial.Consta dos autos, que o recurso de agravo apresentado não ensejaria a decisão de forma monocrática diante da inexistência de jurisprudência pacificada sobre os temas, além do que não houve sessão para o julgamento do recurso, o que impediu a sustentação oral das teses e, por conseguinte, a ampla defesa. Foi relatado nos autos, que o flagrante foi preparado por agentes da Polícia Civil de São Paulo. A polícia, afim de averiguar a veracidade da informação de que o acusado traficava cloreto de etila (droga também conhecida como lança-perfume), telefonou e lhe en-comendou dez caixas da substância. No local combinado para a entrega da droga, a polícia prendeu o homem em flagrante por tráfico de drogas.A Súmula nº 145 do STF, in verbis:“Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.” Com base nesse entendimento, de que a hipótese não é de flagrante espe-rado, senão preparado, sendo que a análise da ocorrência deste flagrante não demanda reexame de prova, deve-se incidir na espécie o enunciado da Súmula nº 145 do STF.Assevera que a violação ao art. 403 do Código de Processo Penal, invertendo-se a or-dem da apresentação das alegações finais, teve como prejuízo sua condenação. Assim, deve ser reconhecida nulidade decorrente da mencionada inversão processual.Diz que o redutor do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 deve ser aplicado no máximo legal, eis que a pena-base foi fixada no mínimo legal.O Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a alegação da defesa de que houve flagrante preparado.O tráfico de entorpecentes é crime hediondo e permanente, não havendo possibilidade de incidência de flagrante preparado. O TJSP rejeitou todos os recursos apresentados pela defesa, que recorreu ao STJ.Vale trazer trecho do voto do relator:“Assim, em casos tais, entende-se que preparado o flagrante, pois a atividade policial provocou o cometimento do crime, que decorreu da prévia ligação telefônica realiza-da pelos policiais para o ora recorrente, oportunidade em que ajustaram os termos de aquisição do entorpecente. Sobre o tema do flagrante preparado, verifique-se o seguinte precedente desta Corte:

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‘HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – CONDENAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO – IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL – IM-PROPRIEDADE DA VIA ELEITA – FLAGRANTE PREPARADO – NÃO OCORRÊN-CIA – DELITO JÁ CONSUMADO ANTERIORMENTE – FLAGRANTE ILEGALIDA-DE – INEXISTÊNCIA – REINCIDÊNCIA – AGRAVANTE – NEGATIVA DE APLICA-ÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 – BIS IN IDEM – NÃO OCORRÊNCIA – REGIME DIVER-SO DO FECHADO – IMPOSSIBILIDADE – PACIENTE REINCIDENTE – NÃO CO-NHECIMENTO – 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à ló-gica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substituti-va de recurso especial. 2. O flagrante preparado apresenta-se quando existe a figura do provocador da ação dita por criminosa, que se realiza a partir da indução do fato, e não quando, já estando o sujeito compreendido na descrição típica, a conduta se desenvolve para o fim de efetuar o flagrante. Na espécie, inexiste flagrante ilegalidade, porquanto a imputação é explícita quanto à realização do verbo nuclear “guardar” entorpecentes, conduta que não foi estimulada pelos policiais, sendo despicienda eventual indução da mercancia pelos agentes. 3. Não há falar em bis in idem em razão utilização da reincidên-cia como agravante genérica e para negar a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, porquanto é possível que um mesmo instituto jurídico seja apreciado em fases distintas na dosimetria da pena, gerando efeitos diversos, conforme previsão legal específica. 4. Condenado o paciente à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, tratando-se de réu reincidente, não é possível fixar regime inicial diverso do fechado, nos temos do art. 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. 5. Habeas corpus não conhecido.’ (HC 290.663/SP, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., Julgado em 04.12.2014, DJe 17.12.2014)Ainda, a contrario sensu:‘PENAL – PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL – NÃO CABIMENTO – TRÁ-FICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO – FLAGRANTE PREPARADO – INOCORRÊN-CIA – ART. 304 DO CP – USO DE DOCUMENTO FALSO – ALEGAÇÃO DE AU-TODEFESA AFASTADA – 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Nos termos dos precedentes desta Corte, afasta-se a alegação de flagrante preparado quando a ativida-de policial não provoca e nem induz ao cometimento do crime, sobretudo, em relação ao tipo do crime de tráfico ilícito de drogas, que é de ação múltipla, consumando-se já pela conduta de guardar e manter em depósito a substância entorpecente, confor-me restou evidenciado na espécie. 3. Esta Corte, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que tanto a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade para ocultar a condição de fora-gido caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, o que afasta a tese de autodefesa. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 193.319/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., Julgado em 01.10.2015, DJe 26.10.2015)’Assim, incide, no caso, o enunciado da Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna im-possível a sua consumação.

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Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo regimental para reformar o decisum impugnado e absolver o recorrente ante a atipicidade da conduta.”Com base na Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu o recorrente.

estuPrO de VulnerÁVel – Crime PratiCadO POr PadrastO COntra enteada – aPliCabilidade da lei

maria da Penha – CaraCteriZaçãO32025 – “Penal e processo penal. Habeas corpus substituto de recurso ordinário. Estupro de vulnerável. Crime praticado por padrasto contra enteada. Aplicabilidade da Lei Maria da Penha. Caracterização da ação baseada no gênero. Writ não conhecido. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofí-cio. 2. Para incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; Decorrendo daí (c) morte, lesão, sofri-mento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. 3. A definição do gênero sobre o qual baseada a conduta comissiva ou omissiva decorre do equivocado entendi-mento/motivação do sujeito ativo de possuir ‘direitos’ sobre a mulher ou de que ela lhe pertence, evidenciando vulnerabilidade pela redução ou nulidade da autodeterminação, caracterizando-se, assim, conduta baseada no gênero para efeitos da Lei nº 11.340/2006. 4. No caso em comento, segundo as circunstâncias fáticas apuradas até então e analisa-das pela Corte de origem, verifica-se o preenchimento dos pressupostos elementares da violência doméstica e familiar contra a mulher, restando caracterizada a ação baseada no gênero. 5. Ordem não conhecida.” (STJ – HC 349.851 – (2016/0048192-0) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 04.12.2017)

eXeCuçãO Penal – Falta disCiPlinar de natureZa graVe – absOlViçãO – desClassiFiCaçãO da COnduta

– inViabilidade da Via eleita – COnstrangimentO ilegal ineXistente

32026 – “Agravo regimental em habeas corpus. Execução penal. Falta disciplinar de natu-reza grave. Absolvição ou desclassificação da conduta. Inviabilidade da via eleita. Cons-trangimento ilegal inexistente. Oitiva prévia do apenado para homologação do PAD. Pres-cindibilidade. Perda dos dias remidos. Decisão fundamentada. Insurgência desprovida.

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1. Necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não deve ser admitido para contestar decisão, cuja previsão de recurso específico exista no ordenamento jurídico, sendo possível, contudo, em hipóteses excepcionais, a concessão da ordem de ofício em razão da verificação de flagrante ilegalidade. Precedentes. 2. Segundo a jurisprudência vigente nesta Corte Superior de Justiça, concluindo o Tribunal de origem pela existência de falta grave, não cabe, por meio da impetração de mandamus, a verificação acerca da existência da conduta indisciplinar imputada ao condenado, bem como a aferição de sua classificação como leve, média ou grave, pois a referida análise necessitaria de aprofun-dado revolvimento fático-probatório, incabível de realizar-se por meio do rito sumário do habeas corpus. Precedentes. 3. Consoante entendimento firmado neste Sodalício, é prescin-dível a prévia oitiva do apenado antes da homologação do PAD, quando a apuração da falta grave tiver ocorrido por meio de procedimento, no qual tenha sido oportunizado ao condenado o amplo exercício da defesa, inclusive com a presença de advogado legalmen-te constituído. Precedentes. 4. Nos termos da consolidada jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a perda de até 1/3 dos dias remidos, em razão do cometimento de falta grave, exige fundamentação concreta com observância das diretrizes elencadas no art. 57 da LEP. Precedentes. 5. No caso em exame, a revogação da remissão no pata-mar máximo previsto em lei foi devidamente motivada, não se verificando, portanto, ilegalidade apta a autorizar a concessão da ordem de ofício. 6. Agravo regimental des-provido.” (STJ – AgRg-HC 407.879 – (2017/0169496-1) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 21.11.2017)

eXeCuçãO Penal – indultO humanitÁriO – art. 1º, § 1º, inCisO

Vi, dO deCretO nº 8.940/2016 – PrisãO dOmiCiliar – PreenChimentO dOs

reQuisitOs – POssibilidade32027 – “Recurso em habeas corpus. Execução penal. Indulto humanitário. Art. 1º, § 1º, in-ciso VI, do Decreto nº 8.940/2016. Prisão domiciliar. Preenchimento dos requisitos estabe-lecidos no decreto e no CPP. Comprovação. Ausência. Recurso a que se nega provimento. I – O indulto humanitário requer, para sua concessão, a necessária comprovação, por meio de ‘laudo médico oficial’ ou ‘por médico designado pelo juízo da execução’, de que a en-fermidade que acomete o sentenciado é grave, permanente e exige cuidados que não po-dem ser prestados no estabelecimento prisional, o que não se verifica no caso em apreço. II – A legislação em vigor limita a concessão da prisão domiciliar para os apenados que cum-prem a pena em regime aberto, permitindo-se, excepcionalmente, aos que se encontrem em regimes semiaberto e fechado, quando as circunstâncias do caso a recomendem. In casu, diante da existência, nos autos, de um laudo médico, datado de 30.03.2017, atestando que o sentenciado se encontra em bom estado de saúde e das conclusões das instâncias ordinárias, no sentido de que os cuidados médicos de que ele necessita estão sendo dis-ponibilizados pelo estabelecimento prisional, não existe ilegalidade a ser reparada na via eleita. III – Recurso a que se nega provimento.” (STJ – Rec-HC 87.697 – (2017/0186938-1) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 21.11.2017)

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FalsiFiCaçãO de dOCumentO PÚbliCO – usO de dOCumentO FalsO – Crime COntra a lei de liCitaçÕes

– amPla deFesa – garantia32028 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Falsificação de documento público, uso de documento falso e crime contra a lei de licitações. Inépcia da denúncia. Peça inaugural que atende aos requisitos legais exigidos e descreve crimes em tese. Ampla defesa garantida. Mácula não evidenciada. 1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qua-lificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 2. Nos chamados crimes de autoria coletiva, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demons-tra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa. Precedentes. 3. No caso dos autos, consta da inicial que os recorrentes, na qualidade de proprietários de uma pessoa jurídica, para participarem de um pregão para o qual não possuíam a documentação ne-cessária, falsificaram o balanço patrimonial da pessoa jurídica, entregando-o à pregoeira com o intuito de obterem, em proveito comum, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, narrativa que lhes permite o exercício da ampla defesa e do contradi-tório. 4. O simples fato de o órgão ministerial não haver especificado em que consistiu a falsificação no balanço patrimonial não macula a vestibular, uma vez que tal informação pode ser extraída do auto de prisão em flagrante e demais peças processuais que instruem o procedimento inquisitorial, bem como aditada à inicial até a prolação de sentença, nos termos do art. 569 do Código de Processo Penal. Precedentes. Ilicitude das provas que en-sejaram a deflagração da persecução criminal. Ausência de documentação comprobatória. Necessidade de prova pré-constituída. 1. Não há na irresignação quaisquer documentos que demonstrem que a persecução criminal teria se iniciado a partir da divulgação de documento sigiloso por servidor municipal, o que impede o reconhecimento da eiva sus-citada. 2. O rito do habeas corpus e do recurso ordinário em habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal, ônus do qual não se desincumbiu a defesa. Medidas cautelares diversas. Decisão fundamentada. Adequação e proporcionalidade da restrição imposta. Ilegalidade inexistente. 1. A medida cautelar determinada pela instância de origem, con-sistente na proibição de os recorrentes participarem de processos licitatórios perante a Administração Pública Direta ou Indireta, seja da União, dos Estados ou dos Municípios, enquanto durar o processo, mostra-se proporcional e adequada às finalidades acautela-tórias pretendidas diante das circunstâncias do caso, em que foram acusados de praticar o crime de falso para participarem de um pregão para o qual não possuíam a documen-tação necessária, inexistindo, portanto, qualquer ilegalidade a ser sanada por esta Corte Superior de Justiça. 2. Recurso desprovido.” (STJ – Rec-HC 90.874 – (2017/0275326-0) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 06.12.2017)

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FurtO QualiFiCadO – COndenaçãO – rÉu Que resPOndeu sOltO aO

PrOCessO – risCO de reiteraçãO delitiVa – FundamentaçãO

32029 – “Habeas corpus. Furto qualificado. Condenação. Negativa do apelo em liberdade. Réu que respondeu solto ao processo. Risco de reiteração delitiva. Fundamentação idô-nea. 1. Dispõe o art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal que, por ocasião da prolação da sentença, o magistrado deve decidir, de maneira fundamentada, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem pre-juízo do conhecimento da apelação interposta. Quando a negativa do direito de recorrer em liberdade está devidamente justificada, não há falar em constrangimento ilegal. 2. Na espécie, embora, o paciente tenha permanecido em liberdade durante a instrução proces-sual, a Juíza demonstrou, ao sentenciar, a existência do periculum libertatis, apoiada em dados concretos. Fatos supervenientes ao delito foram apresentados para justificar a ne-cessidade da custódia cautelar do réu para evitar a reiteração delitiva. Expôs a Magistrada que, após o delito, sobreveio o trânsito em julgado da condenação por fato ocorrido em 2011; que o paciente continuou a delinquir, praticando porte ilegal de arma, crime pelo qual está preso e condenado, com trânsito em julgado; que, em 2013, transitou em julgado a condenação por receptação; ainda mencionou que, menos de 5 anos depois, praticou os furtos objeto deste processo. 3. Ordem denegada.” (STJ – HC 407.704 – (2017/0168621-5) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 21.11.2017)

hOmiCídiO – dOsimetria – elementOs COnCretOs – Pluralidade de

QualiFiCadOras – POssibilidade32030 – “Penal e processo penal. Agravo regimental em recurso especial. Homicídio. Dosimetria. Violação do art. 59 do CP. Culpabilidade e consequências do delito conside-radas como vetores negativos. Elementos concretos. Possibilidade. Pluralidade de quali-ficadoras. Possibilidade de utilização como circunstância judicial. Agravo regimental não provido. 1. No delito de homicídio, havendo pluralidade de qualificadoras, uma delas indicará o tipo qualificado, enquanto as demais poderão indicar uma circunstância agra-vante, desde que prevista no art. 61 do Código Penal, ou, residualmente, majorar a pena--base, como circunstância judicial. 2. As consequências do crime estão ligadas à extensão do dano produzido pela prática criminosa. A repercussão do ilícito para a vítima, seus parentes e para a própria comunidade. No caso, a morte da vítima é elementar do tipo, no entanto, ao deixar uma viúva e dois filhos pequenos, ultrapassa-se as consequências nor-mais do delito, justificando o recrudescimento da pena. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.695.310 – (2017/0231833-1) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 21.11.2017)

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hOmiCídiO duPlamente QualiFiCadO – segunda QualiFiCadOra – agraVante

genÉriCa PreVista nO art. 61 dO CÓdigO Penal – POssibilidade –

BIS In IdEm – nãO OCOrrÊnCia32031 – “Recurso especial. Penal. Art. 121, § 2º, I e IV, do CP. Homicídio duplamente qualificado. Violação do art. 61, caput e II, c, do Código Penal. Segunda qualificadora. Agravante genérica prevista no art. 61 do Código Penal. Possibilidade. Bis in idem. Não ocorrência. Recurso provido. 1. A figurar ambas as qualificadoras do homicídio (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal) também no rol do art. 61 do Código Penal, a primeira quali-ficará o tipo e a segunda servirá como agravante genérica, e isso não implicará indevido bis in idem. As qualificadoras só devem ser utilizadas como circunstâncias judiciais des-favoráveis, de forma residual, quando não estão expressamente previstas como agravan-tes. 2. Recurso especial conhecido e provido, para reconhecer a segunda qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, prevista no art. 61, II, c, do Código Penal, como circunstância agravante.” (STJ – REsp 1.546.126 – (2015/0183069-3) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 04.12.2017)

hOmiCídiO QualiFiCadO – tribunal dO JÚri – deFiCiÊnCia

na FOrmulaçãO de QuesitOs esPeCíFiCOs – OCOrrÊnCia de disParO

aCidental – desClassiFiCaçãO dO delitO Para hOmiCídiO CulPOsO

32032 – “Penal e processo penal. Recurso especial. Homicídio qualificado. Tribunal do júri. Contrariedade ao art. 5º, XXXVIII, a e LXVI, da CF. Não cabimento. Art. 535 do CPC/1973. Deficiência de fundamentação. Alegações genéricas. Súmula nº 284/STF. Art. 483, III e § 2º, do CPP. Alegação de deficiência na formulação de quesitos específicos. Ocorrência de disparo acidental e desclassificação do delito para homicídio culposo. Vício inexistente. Art. 593, III, a, do CPP. Inovação na tese da acusação durante os debates em plenário. Prática do crime a título de dolo eventual. Nulidade configurada. Denúncia e pronúncia que imputam ao acusado a prática de crime de homicídio com dolo direto. Apresentação de proposição nova pela acusação. Tese de dolo eventual incluída na ela-boração dos quesitos. Ofensa aos princípios do contraditório, da plenitude de defesa e da correlação. Julgamento nulo. 1. A alegação de ofensa à Constituição Federal extrapola a competência do Superior Tribunal de Justiça, pois cabe ao Superior Tribunal de Justiça velar pela aplicação uniforme da legislação infraconstitucional, ante os moldes do art. 105, III, da Constituição Federal. 2. As razões do recurso especial apresentam fundamentação deficiente, no tocante à alegada ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, pois a

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parte não indicou, de forma percuciente, os pontos em que o acórdão padeceria de omis-são, tampouco a maneira como teria ocorrido a ofensa sustentada; ao revés, mostram-se genéricas e destituídas de concretude. Incidência da Súmula nº 284/STF. 3. É firme a juris-prudência desta Corte no sentido de que, após o advento da Lei nº 11.689/2008, não é mais necessária a formulação de quesitos específicos sobre cada uma das teses suscitadas pela defesa, até mesmo quanto à legítima defesa, sendo obrigatória tão somente a indagação relativa à absolvição do réu pelos jurados, nos termos do art. 483, III e § 2º, do Código de Processo Penal, quesito expressamente elaborado nos presentes autos. 4. Segundo enten-dimento desta Corte Superior, o princípio da correlação entre a acusação e a decisão de pronúncia representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, uma vez que assegura que apenas podem fazer parte da pronúncia os fatos que foram narrados na inicial acusatória, de forma a garantir a não submissão do acusado ao Conselho de Senten-ça por fatos novos, não descritos na denúncia. 5. Na espécie, houve quebra dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da correlação entre a denúncia, a pronúncia e os quesi-tos, na medida em que o Parquet sustentou, em Plenário, proposição nova, não defendida anteriormente – imputação de prática do crime com dolo eventual –, tendo até mesmo sido elaborado quesito a esse respeito, o que constitui, nos termos da Orientação Jurispru-dencial desta Corte, nulidade absoluta, não estando sujeita à preclusão. 6. Recurso espe-cial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido, a fim de, reconhecendo a existência de nulidade absoluta, nos termos do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal, anular o julgamento às fls. 423/431 e determinar que o recorrente seja submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.” (STJ – REsp 1.678.050 – (2016/0220536-5) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 21.11.2017)

hOmiCídiO QualiFiCadO e assOCiaçãO CriminOsa – graVidade

abstrata – COnstrangimentO ilegal eVidenCiadO

32033 – “Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Homicídio qualificado e asso-ciação criminosa. Fundamentação inidônea. Não demonstrada a imprescindibilidade da medida. Gravidade abstrata. Parecer pelo não conhecimento e concessão da ordem de ofício. Constrangimento ilegal evidenciado. Habeas corpus não conhecido. Ordem conce-dida de ofício. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a or-dem de ofício. 2. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, ainda que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 3. Caso em que não se ve-rifica a presença de elementos concretos, colhidos do inquérito policial, valorados pelo

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Magistrado para fins de decretação da prisão do paciente, ajustados às hipóteses legais que autorizam, excepcionalmente, a restrição da liberdade, em detrimento das medidas cautelares alternativas à prisão. Parecer ministerial pela concessão. Precedentes. 4. Sobre a garantia da ordem pública, o Magistrado fez referência à gravidade do fato, mencionando apenas o tipo penal incriminador, homicídios qualificados – consumado e tentado, sem qualquer detalhamento ou individualização da conduta imputada. Além disso, destacou a repercussão social do fato na comunidade, notadamente, porque teria ocorrido em uma cidade interiorana; e sobre o suposto comprometimento da instrução criminal, fez apenas um juízo de prospecção de que o paciente poderá influenciar na colheita de provas, caso permaneça em liberdade, sem indicar elementos que levassem a tal conclusão. 5. Não obs-tante a vedação de análise probatória por meio de habeas corpus, não se pode ignorar que o paciente estava em sua residência quando dois ex-policiais militares, armados, foram até o local com o fito de, a princípio, efetuar cobrança de dívida. Ademais, consta do próprio auto de prisão em flagrante (e-STJ fl. 6) que o paciente Eurípedes já havia sido vítima de ameaças, em razão da cobrança do mesmo débito. Dessa forma, percebe-se que a situação ilícita não foi desencadeada pelo paciente, tendo os disparos de arma de fogo ocorrido de maneira recíproca, principalmente, pelo modo como se procedeu a tentativa de cobrança da dívida – mediante intermédio de dois ex-policiais militares, armados, depois de episó-dios de ameaça. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para revogar o Decreto de prisão preventiva de Eurípedes Augusto de Melo, sem prejuízo da decreta-ção de nova prisão, desde que concretamente fundamentada, ou da aplicação de outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.” (STJ – HC 420.782 – (2017/0267779-0) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 07.12.2017)

lesãO COrPOral graVe – PrisãO determinada PelO tribunal

aPÓs O JulgamentO da aPelaçãO – eXaurimentO das instânCias OrdinÁrias – imPOssibilidade

32034 – “Habeas corpus. Lesão corporal grave. Prisão determinada pelo tribunal após o julgamento da apelação. Exaurimento das instâncias ordinárias. Ordem denegada. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que su-jeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal (STF, HC 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.05.2016). Tese confirmada pelo Pleno do Pretório Excelso, em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADCs 43 e 44), na sessão do dia 05.10.2016. Interpretação conforme a Constituição, dada pelo STF, ao art. 283 do CPP. Ressalva, no ponto, do entendimento do Relator. Precedentes. 2. Na espécie, o Tribunal de origem negou provimento aos recursos de apelação interpos-tos pela defesa e pelo Ministério Público, mantendo a sentença de primeiro grau pelos

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seus próprios fundamentos. Ademais, a defesa interpôs recurso especial contra o acórdão e, contra a decisão que não o admitiu, opôs agravo que se encontra pendente de julgamen-to. 3. Uma vez prolatado o acórdão condenatório pela Corte estadual, conclui-se encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assen-taram a culpa do condenado), sendo possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação do prin-cípio constitucional da presunção de inocência. 4. Ordem denegada.” (STJ – HC 415.544 – (2017/0230093-4) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 07.12.2017)

OrganiZaçãO CriminOsa – PrisãO Cautelar – graVidade

COnCreta – PeriCulOsidade32035 – “Processo penal. Habeas corpus. Organização criminosa. Prisão cautelar. Gravi-dade concreta. Periculosidade. Motivação idônea. Ocorrência. Ordem denegada. 1. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado para o resguardo da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos fatos delituosos, indicadora da periculosidade do pa-ciente, apontado como líder de estruturada organização criminosa que atuava de forma continuada no roubo de cargas de produtos eletrônicos de alto valor (prejuízo de 15 mi-lhões de reais). 2. Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, porque insuficientes para resguardar a ordem pública. 3. ‘Impossível asseverar ofensa ao “princípio da homogeneidade das medidas cautelares” em relação à possível condenação que o paciente experimentará, findo o processo que a prisão visa resguardar. Em habeas corpus não há como concluir a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimenda em regime diverso do fechado’ (RHC 74.203/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., Julgado em 15.09.2016, DJe 27.09.2016). 4. Ordem denegada.” (STJ – HC 414.252 – (2017/0218600-5) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 04.12.2017)

PeCulatO – Quadrilha – PresCriçãO32036 – “Direito penal e processual penal. Recebimento da denúncia. Peculato. Quadri-lha. Prescrição. Competência do STJ. Recurso extraordinário interposto sob a égide do CPC/1973. Alegação de ofensa aos arts. 5º, LIII, LIV, LV, LVI e LVII, da Constituição da República. Eventual violação reflexa da Constituição da República não viabiliza o re-curso extraordinário. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 93, IX, da Constituição da República. Nulidade. Inocorrência. Contraditório e ampla defesa. Devido processo legal. Ausência de repercussão geral. Presunção de inocência. Reelaboração da moldura fática. Procedimento vedado na instância extraordinária. Agravo manejado sob a vigência do CPC/1973. 1. O entendimento assinalado na decisão agravada não diverge da jurispru-

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dência firmada no Supremo Tribunal Federal. Compreensão diversa demandaria a ree-laboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 2. Obstada a análise da suposta afronta aos preceitos constitucio-nais invocados, porquanto dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento que refoge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, a teor do art. 102 da Magna Carta. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE-Ag 687.165 – Roraima – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 07.11.2017)

POrte ilegal de arma de FOgO de usO restritO – ausÊnCia de

PrOVas – neCessidade de amPla dilaçãO PrObatÓria – PrisãO

PreVentiVa – PERICUlUm lIBERTATIS – FundamentaçãO insuFiCiente

32037 – “Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Ausência de pro-vas do envolvimento do paciente. Supressão de instância. Necessidade de ampla dilação probatória. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Fundamentação insu-ficiente. Ordem concedida. 1. A tese defensiva atinente à ausência de provas da participa-ção do ora paciente na conduta delitiva – porque não residiria no imóvel onde a arma foi encontrada – não foi apreciada pelo Tribunal a quo, a inviabilizar seu exame diretamente por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. Além disso, a aná-lise do tema demandaria ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do habeas corpus. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 3. O Juízo de primeira instância convolou a prisão em flagrante em custódia preventiva por entender demonstrado o fundado risco de reiteração delitiva, sob a afirmação de que o acusado registra condenação anterior. 4. As peculiaridades do caso em exame demonstram que o registro de condenação definitiva anterior não é suficiente para indicar o risco de reiteração delitiva. Isso porque decorreram quase dez anos entre a extinção da pena anteriormente imposta ao réu e a prática delitiva apurada na ação penal objeto desta impetração, sem a notícia de nenhuma outra conduta criminosa cometida pelo paciente nesse interregno. 5. Ordem concedida para assegurar ao réu o direito de responder à ação penal em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, se efetivamente demonstrada a sua necessidade, sem prejuízo de fixa-ção de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.” (STJ – HC 414.958 – (2017/0225884-0) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 04.12.2017)

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PrinCíPiO da insigniFiCânCia – mínima OFensiVidade da COnduta

dO agente – PeriCulOsidade sOCial da açãO – reduZidO grau de

rePrOVabilidade dO COmPOrtamentO – ineXPressiVidade da lesãO

JurídiCa – nãO inCidÊnCia32038 – “Penal. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Receptação. Princípio da insignificância. Não incidência. Agravo improvido. 1. Sedimentou-se a Orientação Ju-risprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhu-ma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do compor-tamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A prática de receptação de bem avaliado em R$ 120,00, que representa 15,22% do salário mínimo vigente à época dos fatos, não pode ser tida como de lesividade mínima, inviabilizando a aplicação do princí-pio da insignificância. Precedentes do STJ. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 1.145.405 – (2017/0188644-5) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 04.12.2017)

rOubO maJOradO – COrruPçãO de menOres – POrte de arma

de FOgO – COndenaçãO32039 – “Habeas corpus. Roubo majorado. Corrupção de menores. Porte de arma de fogo. Tráfico de drogas. Sentença condenatória. Indeferimento do direito de recorrer em liber-dade. Fatos novos. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Fundamentação suficiente e inédi-ta. Habeas corpus denegado. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 2. O Juízo singular noticiou fato novo a indicar a necessidade da segregação cautelar, visto que apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a garantia da ordem pública, dado o risco de reiteração delitiva, pois, no curso da instrução processual, o sentenciado passou a res-ponder também pela suposta prática de roubo que resultou em sua condenação em 2015. Portanto, trata-se de fato inédito, que veio a se constituir durante o processamento da ação penal em comento. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 416.443 – (2017/0236484-1) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 21.11.2017)

trÁFiCO de drOgas – POrte ilegal de arma de FOgO de usO restritO –

216

Revista JuRídica 482JuRispRudência penal

dezembRo/2017

PrisãO em Flagrante COnVertida em PreVentiVa – segregaçãO

32040 – “Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso ordinário. Impos-sibilidade. Tráfico de drogas. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Prisão em fla-grante convertida em preventiva. Segregação fundada no art. 312 do Código de Processo Penal. Gravidade concreta do delito. Circunstâncias da apreensão. Significativa quan-tidade da droga, arma, dinheiro e apetrechos. Garantia da ordem pública. Segregação justificada e necessária. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Medidas cautelares alternativas. Insuficiência e inadequação. Coação ilegal não evidenciada. Writ não conhe-cido. 1. O Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalvados os casos de flagrante ilegalidade, quan-do a ordem poderá ser concedida de ofício. 2. Não há se falar em constrangimento ile-gal quando a segregação do paciente encontra-se devidamente justificada com base no art. 312 do Código de Processo Penal, diante da necessidade de acautelamento, especial-mente, da ordem e da saúde públicas, bem como de garantir a instrução processual, haja vista as circunstâncias em que ocorridos os fatos criminosos. 3. Caso em que o paciente foi preso em flagrante, surpreendido por policiais militares em chácara onde foi localizada considerável quantidade de cocaína, bem como 1 (um) revólver calibre .45, devidamente municiado, a quantia de R$ 29.180,00 (vinte e nove mil e cento e oitenta reais) e diversos apetrechos para manuseio da droga, circunstâncias que revelam sua inclinação à prática de crimes, demonstrando a real possibilidade de que, solto, volte a delinquir, autorizando a sua manutenção no cárcere antecipadamente. 4. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de revogar a prisão cautelar se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade. 5. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a constrição encontra-se justificada e mostra-se necessária, dada a potencialidade lesiva da infração e o risco concreto de reiteração criminosa, indicando que providências mais brandas não seriam suficientes para garantir a ordem pública. 6. Não há como, em sede de habeas corpus, concluir que o acusado será beneficiado com a fixação do regime inicial mais brando ou com a substituição da pena corporal por restritiva de direitos no caso de even-tual condenação, sobretudo em se considerando as particularidades do delito perpetrado. 7. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 416.212 – (2017/0235055-0) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 06.12.2017)

trÁFiCO de drOgas – PrisãO PreVentiVa – garantia da

Ordem PÚbliCa – mOtiVaçãO adeQuada – PreCedentes

32041 – “Agravo regimental. Habeas corpus. Tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006). Prisão preventiva como garantia da ordem pública e para assegurar

Jurisprudência penalrevista Jurídica 482

dezembro/2017

217

a aplicação da lei penal. Motivação adequada. Precedentes. 1. A decisão que determi-nou a segregação cautelar apresenta fundamentação jurídica idônea, já que lastreada nas circunstâncias do caso para resguardar a ordem pública, em razão da gravidade concreta da conduta da paciente, que foi surpreendida com expressiva quantidade de invólucros contendo substância entorpecente. 2. O fato de encontrar-se foragida do distrito da culpa revela a imprescindibilidade da prisão preventiva para também as-segurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AgRg-HC 147.546 – São Paulo – 1ª T. – Rel. Min. Alexandre de Moraes – J. 07.11.2017)

trÁFiCO de entOrPeCentes – PrisãO PreVentiVa deCretada – alegadO eXCessO de PraZO –

suPerVeniÊnCia de COndenaçãO

32042 – “Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso ordinário cabível. Impossibilidade. Tráfico de entorpecentes. Prisão preventiva decretada. Alegado excesso de prazo. Superveniência de condenação. Eventual delonga superada. Encarceramento fundado no art. 312 do Código de Processo penal. Considerável quantidade da droga apreendida. Circunstâncias do delito. Histórico criminal do agente. Custódia justificada e necessária. Medidas cautelares alternativas. Insuficiência. Inadequação. Coação ilegal não evidenciada. Writ não conhecido. 1. O Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento adotado por este Superior Tribunal de Justiça, ressalvados os casos de fla-grante ilegalidade, quando a ordem poderá ser concedida de ofício. 2. Proferida sentença, está prejudicada a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, pois entregue a prestação jurisdicional. 3. Ausente constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está justificada na garantia da ordem pública, em razão da periculosidade efetiva do agente, evidenciada pelas circunstâncias em que cometido o delito. 4. No caso, constata-se que a natureza e a considerável quantidade da droga apreendida são fatores que, somados ao fato de o paciente suportar cinco condenações criminais definitivas e ter participado do crime enquanto recolhido no sistema penitenciário, revelam a dedicação à narcotraficân-cia, mostrando que a manutenção da prisão preventiva encontra-se justificada e é real-mente necessária para preservar a ordem pública e, consequentemente, acautelar o meio social. 5. Concluindo-se pela imprescindibilidade da preventiva, está clara a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, cuja aplicação não se mostraria adequada para o restabelecimento da ordem pública, diante do histórico criminal do agente e das circuns-tâncias do delito. 6. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 409.126 – (2017/0178365-8) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 11.12.2017)

218

Revista JuRídica 482JuRispRudência penal

dezembRo/2017

trÁFiCO ilíCitO de entOrPeCentes – COndenaçãO – Causa esPeCial de

diminuiçãO de Pena – nãO inCidÊnCia32043 – “Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação. Causa especial de diminuição de pena. Não incidência. Conclusão de que a paciente dedicava-se às ativida-des criminosas e integrava organização criminosa. Aferição. Revolvimento fático-probató-rio. Inviabilidade. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Impossibilidade. Pena superior a 4 anos. Regime inicial fechado. Constrangimento ilegal. Ausência. Elementos concretos. Denegação da ordem. 1. Concluído pelas instâncias de origem, com arrimo nos fatos da causa, que o paciente dedicava-se às atividades crimino-sas e integrava organização criminosa, não incide a causa especial de diminuição de pena, porquanto não preenchidos os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Para concluir em sentido diverso, há necessidade de revolvimento do acervo fático-proba-tório, providência incabível na via estreita do habeas corpus. 2. A substituição da pena pri-vativa de liberdade por restritivas de direitos submete-se à regência do art. 44 do Código Penal, segundo o qual só faz jus ao benefício legal o condenado a pena inferior a 4 anos. Na espécie, tendo a reprimenda final alcançado 7 anos, 3 meses e 15 dias de reclusão, não é possível a pretendida substituição. 3. Embora a reprimenda final seja inferior a 8 anos, escorreita a eleição do regime inicial fechado, porquanto as circunstâncias do caso em tes-tilha demonstram que regime inicial mais brando não seria suficiente para a reprovação e a prevenção do delito em comento – ‘tráfico de considerável quantidade de drogas va-riadas no interior de estabelecimento prisional, por pessoa que cumpre pena pelo mesmo crime em âmbito internacional’. Não há falar, pois, em constrangimento ilegal. 4. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 418.249 – (2017/0250482-7) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 21.11.2017)

usO de dOCumentO FalsO e FalsiFiCaçãO de dOCumentO

PÚbliCO – PresCriçãO da PretensãO PunitiVa – reCOnheCimentO

32044 – “Penal. Agravo regimental no recurso especial. Uso de documento falso e falsifi-cação de documento público. Prescrição da pretensão punitiva. O acórdão que confirma a condenação não interrompe o lapso prescricional. 1. O curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou do acórdão condenatório recorríveis, o que ocorrer em primeiro lugar (art. 117, IV, do Código Penal). 2. A Corte Especial deste Tribunal Supe-rior, no julgamento do AgRg-RE-EDcl-REsp 1301820/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.11.2016, pacificou o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação não constitui novo marco interruptivo prescricional, ainda que modifique a pena fixada. 3. No caso, tendo em vista que a pena imposta à agravada não excede a 2 anos, transcor-reu o prazo prescricional de 4 anos (art. 109, V, do Código Penal) entre o dia da publica-

Jurisprudência penalrevista Jurídica 482

dezembro/2017

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ção da sentença condenatória, em 02.07.2013 (e-STJ fls. 116/117), e a presente data, sendo forçoso reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade intercor-rente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.552.932 – (2015/0214440-6) – 6ª T. – Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro – DJe 04.12.2017)

ViOlÊnCia dOmÉstiCa COntra mulher – medidas PrOtetiVas – PrisãO PreVentiVa – desCumPrimentO

32045 – “Habeas Corpus. Crime de violência doméstica contra mulher. Descumprimento de medidas protetivas. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Indicação necessária. Fundamentação suficiente. Ordem denegada. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da prisão (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 2. O Juiz de primeira instância apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, indicando motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade, ao salientar o descumprimento de medida prote-tiva deferida em favor da vítima, bem como o ‘relato da progressão da empreitada delitiva do autor das ameaças dirigidas à ofendida’. 3. Habeas corpus denegado.” (STJ – HC 381.518 – (2016/0321847-5) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 21.11.2017)

221221

Índice AlfAbético e Remissivo cÍvel e PenAl

Doutrina

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

assunto

Contrato

• o Contrato: Consenso, Forma, sinalagma e a Justa Conside-ração do outro (Tiago Bitencourt de David) ...................................... 9

Direito De família

• Da Construção Constitucional do Direito de Família (ana Paula alves de medeiros, isabel Cristina amaral de sousa rosso Nelson e rocco antonio rangel rosso Nelson) .................. 21

tutela De eviDênCia

• Tutela de evidência e abuso do Direito de Defesa (JoãoCarlos leal Junior) ........................................................................... 51

autor

ana Paula alves De meDeiros, isabel Cristina amaral De sousa rosso nelson e roCCo antonio rangel rosso nelson

• Da Construção Constitucional do Direito de Família ...................... 21

isabel Cristina amaral De sousa rosso nelson, ana Paula alves De meDeiros e roCCo antonio rangel rosso nelson

• Da Construção Constitucional do Direito de Família ...................... 21

João Carlos leal Junior

• Tutela de evidência e abuso do Direito de Defesa.......................... 51

roCCo antonio rangel rosso nelson, isabel Cristina amaral De sousa rosso nelson e ana Paula alves De meDeiros

• Da Construção Constitucional do Direito de Família ...................... 21

tiago bitenCourt De DaviD

• o Contrato: Consenso, Forma, sinalagma e a Justa Conside-ração do outro ................................................................................... 9

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

Delação PremiaDa

• Noções Gerais e Compatibilidade da Delação Premiada Tipi-ficada na lei nº 12.850/2013 com os Princípios Constitucio-nais do Contraditório e da ampla Defesa no Processo Penal Brasileiro (rafael Niebuhr maia de oliveira, egon augustoTelles e Gabriel marques) ................................................................ 89

assunto

rafael niebuhr maia De oliveira, egon augusto telles e gabriel marques

• Noções Gerais e Compatibilidade da Delação Premiada Tipi-ficada na lei nº 12.850/2013 com os Princípios Constitucio-nais do Contraditório e da ampla Defesa no Processo PenalBrasileiro .......................................................................................... 89

egon augusto telles, rafael niebuhr maia De oliveira e gabriel marques

• Noções Gerais e Compatibilidade da Delação Premiada Tipi-ficada na lei nº 12.850/2013 com os Princípios Constitucio-nais do Contraditório e da ampla Defesa no Processo PenalBrasileiro .......................................................................................... 89

gabriel marques, egon augusto telles e rafael niebuhr maia De oliveira

• Noções Gerais e Compatibilidade da Delação Premiada Tipi-ficada na lei nº 12.850/2013 com os Princípios Constitucio-nais do Contraditório e da ampla Defesa no Processo PenalBrasileiro .......................................................................................... 89

aCórDãos na íntegra

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

assunto

falênCia enCerraDa

• Tributário – execução fiscal – Falência encerrada – Falta de bens – impossibilidade de quitação do débito fiscal – ausên-cia do interesse de agir – redirecionamento da execução – sócio – Gestão praticada com dolo ou culpa – ausência decomprovação (TrF 2ª r.) .............................................................. 139

222

Revista JuRídica 482índice cível e Penal

dezembRo/2017

Prazo

• Previdenciário e processual civil – recurso especial – De-pendente absolutamente incapaz – menor impúbere – Termo inicial do benefício: data da reclusão – o prazo prescricional não corre contra o incapaz – inteligência dos arts. 198, i, do Código Civil c/c os arts. 79 e 103, parágrafo único da leinº 8.213/1991 – recurso especial do particular provido (sTJ)...... 125

ProPosta De afetação

• Proposta de afetação – recurso especial – rito dos recursos especiais repetitivos – usucapião extraordinária – Área infe-rior ao módulo estabelecido em lei municipal (sTJ) ...................... 107

título exeCutivo JuDiCial

• Processual civil e previdenciário – embargos à execução – revisão de benefício – Título executivo judicial – Causa im-peditiva – Desempenho de atividade remunerada – Não confi-gurada – coisa julgada – sentença mantida (TrF 1ª r.) .............. 135

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

Crime De uso De DoCumento falso

• agravo interno no recurso extraordinário com agravo – Crime de uso de documento falso – art. 304 do Código Penal – ale-gação de ofensa ao art. 5º, lvii, da Constituição Federal – Princípio da presunção de inocência – autoria e materia-lidade – Necessidade de revolvimento do conjunto fático--probatório dos autos – impossibilidade – súmula nº 279 do sTF – alegada ofensa ao art. 5º, Xlvi, da Constituição Fede-ral – Princípio da individualização da pena – matéria de índole infraconstitucional – violação ao art. 93, iX, da Constituição –inexistência – agravo interno desprovido (sTF) ............................ 165

Crime De violação De sigilo De informações finanCeiras

• Direito penal – Crime de violação de sigilo de informações fi-nanceiras – art. 10 da lei Complementar nº 105/2001 – Dolo– Não comprovação – absolvição mantida (TrF 4ª r.) ................ 189

roubo DuPlamente maJoraDo

• Penal – Habeas corpus substitutivo de recurso próprio – inade-quação – roubos duplamente majorados – Pena-base acima do mínimo legal – Personalidade, culpabilidade, circunstân-cias e consequências do crime – motivação idônea declinada – Concurso formal – Quatro patrimônios distintos atingidos – aumento no patamar de 1/4 cabível – Writ não conhecido (sTJ) ....................................................................................................... 175

emeNTÁrio Cível

ação De arbitramento – inexigibiliDaDe De liCitação – boa- -fé afastaDa – serviços PrestaDos – Direito à inDenização

• Processual civil. Honorários advocatícios. ação de arbitra-mento. inexigibilidade de licitação. Boa-fé afastada. serviços prestados. Direito à indenização. Não reconhecimento pelo órgão julgador a quo. Divergência jurisprudencial não com-

provada. revisão do acórdão. reexame de provas. impossibi-lidade. ................................................................................ 35294, 147

ação De Cobrança – Comissão De Corretagem – imPossibiliDa-De De ConDenação ao Pagamento De Comissão

• agravo interno no agravo em recurso especial. ação de cobran-ça. Comissão de corretagem. impossibilidade de condenação ao pagamento de comissão referente à negociação distinta daquela reportada na petição inicial. Julgamento extra petita. Compra e venda de imóvel. mera aproximação entre as par-tes. ausência de participação na conclusão do negócio. ree-xame de fatos e provas. impossibilidade. Decisão mantida.recurso desprovido. .......................................................... 35295, 147

ação De obrigação De fazer – violação Do art. 535 Do CPC – funDamentação DefiCiente

• agravo interno. agravo em recurso especial. ação de obriga-ção de fazer. violação do art. 535 do CPC. Fundamentação deficiente. aplicação da súmula nº 284/sTF. ausência de pre-questionamento. súmula nº 211/sTJ. Divergência jurispruden-cial. Não configurada. súmula nº 284/sTF. ....................... 35296, 148

ação De resCisão Contratual CumulaDa Com Cobrança – ter-mo iniCial Da PresCrição – matéria não PrequestionaDa

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. ação de rescisão contratual cumulada com cobrança. Termo inicial da prescrição. matéria não prequestionada. Decisão mantida. 1. a simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que a matéria objeto do recurso especial tenha sido enfrentada pelo acórdão recorrido, obsta o conhe-cimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. incidência das súmulas nºs 282 e 356 do sTF. 2. agravo inter-no a que se nega provimento ............................................ 35297, 148

aPelação – falta De CaPaCiDaDe Postulatória – não reCebi-mento – agravo De instrumento – não ConheCimento

• Processual civil. apelação. Falta de capacidade postulatória. Não recebimento. agravo de instrumento. Não conhecimento do agravo em recurso especial que não ataca os fundamen-tos da decisão recorrida. i – Negou-se seguimento ao recurso especial com base nos óbices de: súmula nº 7/sTJ. agravo nos próprios autos que não impugna os fundamentos dadecisão recorrida. ............................................................. 35298, 149

Dano moral e material – ação De obrigação De fazer – in-Denização

• agravo interno no agravo em recurso especial. obrigação de fazer. indenização. Danos materiais e morais. Divergência jurisprudencial. requisito de admissibilidade não preenchido. ausência de particularização do dispositivo de lei federal. sú-mula nº 284/sTF. 1. a falta de particularização do dispositivo de lei federal objeto de divergência jurisprudencial consubstan-cia deficiência bastante a inviabilizar a abertura da instância especial. incidência da súmula nº 284/sTF. 2. agravo interno a que se nega provimento ................................................. 35299, 149

DesaProPriação Por utiliDaDe PúbliCa – levantamento Do valor DePositaDo, a título De inDenização – requisitos Do art. 34 Do DeCreto-lei nº 3.365/1941 – ComProvação De qui-tação Dos tributos – CertiDão Positiva Com efeito De negativa

• administrativo e processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. agravo de instrumento. Desapropriação

Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 482

dezembRo/2017

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por utilidade pública. levantamento do valor depositado, a título de indenização. requisitos do art. 34 do Decreto-lei nº 3.365/1941. Comprovação de quitação dos tributos. Certidão positiva com efeito de negativa. Possibilidade jurisprudência dominante do sTJ. agravo interno improvido. i – agravo inter-no aviado contra decisão publicada em 11.09.2017, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publica-do na vigência do CPC/2015. ............................................ 35300, 150

exeCução – aPliCação Da Penhora via baCenJuD antes Da Cita-ção Da Parte exeCutaDa – imPossibiliDaDe

• Processual civil. execução. aplicação da penhora via Bacenjud antes da citação da parte executada. impossibilidade. violação do princípio do devido processo legal. i – o superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, apenas quando o executado for validamente citado, e não pagar nem nomear bens à penhora, é que poderá ter seus ativos finan-ceiros bloqueados por meio do sistema BacenJud, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal. Preceden-tes: agrg-aresp 507.114/Pe, rel. min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 05.08.2014, DJe 18.08.2014; agrg-aresp 512.767/rs, relª min. assusete magalhães, 2ª T., J. 26.05.2015, DJe 03.06.2015. ii – agravo interno improvido ......................... 35301, 150

exeCução – embargos Do DeveDor – Contrato De faCtoring – DisPositivos não PrequestionaDos – Cessão De CréDito

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. execução. embargos do devedor. Contrato de factoring. Dis-positivos não prequestionados. Cessão de crédito. exceções pessoais. oponibilidade à faturizadora. Possibilidade. Diver-gência jurisprudencial. ausência de comprovação. Decisãomantida. ............................................................................. 35302, 152

exeCução Contra a fazenDa PúbliCa – Juízo De retratação – art. 1.030, ii, Do CPC/2015 – rPv – Juros De mora

• Processual civil. embargos de divergência. Juízo de retrata-ção. art. 1.030, ii, do CPC/2015. execução contra a Fazenda Pública. rPv. Juros de mora. Período compreendido entre a data da elaboração da conta de liquidação e a expedição do requisitório. incidência. Julgamento proferido pelo sTF no re 579.431/rs, em regime de repercussão geral. embargos dedivergência providos .......................................................... 35303, 152

exeCução De título extraJuDiCial – interPosição De Dois agravos – unirreCorribiliDaDe Das DeCisões – PreClusão Consumativa – PresCrição interCorrente – DesíDia Configu-raDa – oCorrênCia

• agravos internos no recurso especial. interposição de dois agravos. unirrecorribilidade das decisões. Preclusão consuma-tiva. execução de título extrajudicial. Prescrição intercorrente. Desídia configurada. ocorrência. súmula nº 83 do sTJ. De-cisão mantida ..................................................................... 35304, 153

honorários De aDvogaDo – valor exorbitante ou irrisório – revisão – PossibiliDaDe

• Processual civil. Honorários advocatícios. valor exorbitante ou irrisório. revisão. Possibilidade. Pretensão de redução. inviabilidade. 1. a jurisprudência desta Corte superior, em caráter excepcional, admite o apelo especial para reapreciar honorários advocatícios fixados por equidade quando quan-tificados em valor irrisório ou exorbitante. 2. Considerando a

dimensão econômica do contrato (r$ 786.750,00), a quantia de r$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) é suficiente para remu-nerar dignamente o trabalho dos advogados integrantes da sociedade recorrente, sem, todavia, onerar demasiadamente a empresa agravada, não sendo o caso de redução da verba. 3. agravo interno desprovido ............................................. 35305, 154

litisConsórCio Passivo – Prazo em Dobro – aPliCação Por analogia Do art. 191 Do CPC/1973

• embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. litisconsórcio passivo. Prazo em dobro. aplicação por analogia do art. 191 do CPC/1973. Jurisprudência dominante no sTF. art. 1.035, § 3º, do CPC/2015. acórdão em confronto com a jurisprudência dominante do sTF ............................................................. 35306, 154

manDaDo De segurança – “Contrato De gaveta” – ausênCia De anuênCia Da instituição finanCeira CreDora – imPossibiliDaDe De averbação

• Processual civil e administrativo. recurso em mandado de segurança. ‘Contrato de gaveta’. ausência de anuência da instituição financeira credora. impossibilidade de averbação. 1. recurso ordinário em mandado de segurança impetrado contra o Provimento nº 25/2008 da Corregedoria-Geral de Justiça do estado do mato Grosso do sul, por meio do qual se determina aos serviços de registro imobiliário a averbação dos contratos e respectivas transferências atinentes a imó-veis financiados pelo sistema Financeiro da Habitação, inde-pendentemente da intervenção da instituição financiadora nocontrato de cessão ............................................................ 35307, 155

meDiDa Cautelar – DesCumPrimento De DeCisão JuDiCial em ação PoPular – inaDequação Da via eleita

• Processual civil. medida cautelar. Descumprimento de decisão judicial em ação popular. inadequação da via eleita. Não co-nhecimento do agravo em recurso especial que não ataca os fundamentos da decisão recorrida. i – Negou-se seguimento ao recurso especial com base no óbice do enunciado nº 83 da súmula do sTJ. agravo nos próprios autos que não impugnaos fundamentos da decisão recorrida ................................ 35308, 155

Promessa De ComPra e venDa De imóvel – resolução – reten-ção – PerCentual De 10% – razoabiliDaDe

• agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel. resolução. retenção. Percentual de 10%. razoabilidade. acórdão recorrido de acordo com a jurisprudência deste tri-bunal superior. súmula nº 83/sTJ. Decisão mantida. recursonão provido ........................................................................ 35309, 156

reCuPeração JuDiCial – exeCução inDiviDual – susPensão – aPliCação Dos arts. 6º, § 1º, e 49 Da lei nº 11.101/2005

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso espe-cial. recuperação judicial. execução individual. suspensão. aplicação dos arts. 6º, § 1º, e 49 da lei nº 11.101/2005. De-cisão mantida. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o deferimento da recuperação judicial suspende as execuções individuais, ainda que iniciadas antes da lei nº 11.101/2005. Precedentes. 2. agravo interno a que se nega provimento ........................................................................................... 35310, 159

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Revista JuRídica 482índice cível e Penal

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reCurso – PrinCíPio Da não surPresa – art. 10 Do CPC/2015 – funDamento legal – Dever Do Juiz em se manifestar – fun-Damento JuríDiCo – CirCunstânCia De fato qualifiCaDa Pelo Direito

• agravo interno. Princípio da não surpresa. art. 10 do CPC/2015. Fundamento legal. Dever do juiz em se manifestar. Fundamento jurídico. Circunstância de fato qualificada pelo Direito. intem-pestividade do recurso. suspensão dos prazos processuaisnão comprovação no ato de interposição. ..........................35311, 160

reCurso esPeCial (art. 994, viii, Do CPC/2015) – feriaDo ou susPensão Do exPeDiente no tribunal De origem – Pror-rogação Dos Prazos ProCessuais – temPestiviDaDe não De-monstraDa

• agravo interno no agravo em recurso especial (art. 994, viii, do CPC/2015). Feriado ou suspensão do expediente no tri-bunal de origem. Prorrogação dos prazos processuais. Tem-pestividade não demonstrada. ........................................... 35312, 160

reCurso esPeCial – DivergênCia entre o número Do CóDigo De barras Da guia Das Custas e o ComProvante De Pagamento Do PreParo Do reCurso esPeCial – Deserção

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. Divergência entre o número do código de barras da guia das custas e o comprovante de pagamento do preparo do recur-so especial. Deserção. Precedentes do sTJ. agravo interno improvido. i – agravo interno aviado contra decisão monocrá-tica publicada em 05.09.2017, que julgara recurso interpostocontra decisum publicado na vigência do CPC/1973. ....... 35313, 161

reCurso esPeCial – interPosição De Dois reCursos – PrinCíPio Da unirreCorribiliDaDe reCursal – PreClusão Consumativa

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. interposição de dois recursos. Princípio da unirrecorribilidade recursal. Preclusão consumativa. assistência judiciária gra-tuita. ausência de preparo. Deserção. 1. em harmonia com o princípio da unirrecorribilidade recursal, observada a prévia interposição de recurso contra a decisão recorrida, constata--se a preclusão consumativa em relação ao agravo interno interposto posteriormente. 2. É necessário o preparo do re-curso cujo mérito não discute o próprio direito ao benefício da assistência judiciária gratuita. 3. agravo interno no agravo em recurso especial não provido ............................................. 35314, 162

resPonsabiliDaDe Civil – ação De inDenização Por Danos mate-riais e morais – oPerações banCárias inDeviDas

• embargos de declaração no agravo interno no agravo em re-curso especial. responsabilidade civil. ação de indenização por danos materiais e morais. operações bancárias indevidas, ocasionando saldo negativo. Falha na prestação do serviço. Prescrição. Termo inicial. Contradição. inexistência. embargos rejeitados. 1. os embargos de declaração têm como objetivo sanar eventual existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material (CPC/2015, art. 1.022). É inadmissível a sua oposição para rediscutir questões tratadas e devidamente fun-damentadas na decisão embargada, já que não são cabíveis para provocar novo julgamento da lide. 2. “a contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é a contradição interna, verificada entre os elementos que compõem a estru-tura da decisão judicial, e não entre a solução alcançada e a solução que almejava o jurisdicionado” (resp 1.250.367/rJ, relª min. eliana Calmon, 2ª T., DJe de 22.08.2013). 3. embar-gos de declaração rejeitados ............................................. 35315, 162

resPonsabiliDaDe Civil – CumPrimento De sentença – imPug-nação

• Processual civil. agravo interno no agravo em recurso especial. ação de indenização. responsabilidade civil. Cumprimento de sentença. impugnação. embargos de declaração. omis-são, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. violação dos arts. 165 e 458, ii, do CPC. inocorrência. reexame de fatos e provas. inadmissibilidade. 1. ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declara-ção. 2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 165 e 458, ii, do CPC/1973. 3. o ree-xame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 4. agravo interno não provido ............................................ 35316, 163

usuCaPião extraorDinária – ProPosta De afetação – área inferior ao móDulo estabeleCiDo em lei muniCiPal

• Proposta de afetação. recurso especial. rito dos recursos es-peciais repetitivos. usucapião extraordinária. Área inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 1. Delimitação da contro-vérsia: Definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 2. recurso especial afe-tado ao rito do art. 1.036 CPC/2015 .................................. 35317, 163

emeNTÁrio PeNal

ameaça – violênCia DoméstiCa – reParação De Dano moral – art. 387, iv, Do CPP – PeDiDo exPresso na DenúnCia – Ca-bimento

• agravo regimental no recurso especial. ameaça. violência do-méstica. reparação de dano moral. art. 387, iv, do CPP. Pedido expresso na denúncia. Cabimento. acórdão recorrido em desa-cordo com a orientação jurisprudencial desta Corte superior. 1. “Nos termos do entendimento desta Corte superior a repara-ção civil dos danos sofridos pela vítima do fato criminoso, pre-vista no art. 387, inciso iv, do Código de Processo Penal, inclui também os danos de natureza moral, e para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização, é necessário pedido expresso, sob pena de afronta à ampla de-fesa” (agrg-resp 1666724/ms, relª min. maria Thereza de assis moura, 6ª T., Julgado em 27.06.2017, DJe 01.08.2017). 2. Cabível, no caso, a fixação de valor mínimo de indenização à vítima porque o ministério Público requereu expressamente a reparação civil no oferecimento da denúncia, nos moldes da orientação Jurisprudencial do superior Tribunal de Justiça.3. agravo regimental a que se nega provimento ............... 32019, 199

Contravenção Penal – organização Do trabalho – “flaneli-nha” – ausênCia De registro – atiPiCiDaDe Da ConDuta

• Processual penal. recurso ordinário em Habeas corpus. Con-travenção penal. organização do trabalho. art. 47 da lCP. “Fla-nelinha”. ausência de registro. atipicidade da conduta. ausência de justa causa para a ação penal. Trancamento. recurso ordi-nário provido. i – o trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria. .............................................. 32020, 199

Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 482

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Crime De DesCaminho – PratiCaDo em transPorte aéreo – voo regular – Causa De aumento De Pena – inCiDênCia

• Processo penal. Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. inadequação. Descaminho. Crime praticado em transporte aéreo. voo regular. incidência da causa de aumento. Pena mínima superior a 1 ano. Óbice à suspensão condicional do processo. Flagrante ilegalidade não evidenciada. Writ não co-nhecido. ............................................................................. 32021, 200

Crimes De assoCiação Criminosa e De PeCulato – substituição Da Pena Privativa De liberDaDe Por restritiva De Direitos – su-Pressão De instânCia – fixação Do regime Prisional

• agravo regimental no Habeas corpus. impetração contra deci-são monocrática do superior Tribunal de Justiça. Não esgota-mento de jurisdição. Crimes de associação criminosa e de pe-culato. substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. supressão de instância. Fixação do regime prisional. 1. Há óbice ao conhecimento de Habeas corpus impetrado contra decisão monocrática, indeferitória de writ, do superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição não se esgotou, ausente o manejo de agravo regimental. Precedentes. 2. inviável o exa-me das teses defensivas não analisadas pelo superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 3. a fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está con-dicionada somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do referido diploma legal.4. agravo regimental conhecido e não provido .................. 32022, 203

Crimes De tráfiCo De Drogas e De Posse irregular De munição De uso PermitiDo – Crime De Perigo abstrato – tiPiCiDaDe

• agravo regimental no recurso ordinário em Habeas corpus. Di-reito penal. Crimes de tráfico de drogas e de posse irregular de munição de uso permitido. art. 12 da lei nº 10.826/2003. Crime de perigo abstrato. Tipicidade. 1. a posse irregular de munição de uso permitido (art. 12 da lei nº 10.826/2003) constitui crime de perigo abstrato, não se exigindo demonstração de ofensivi-dade concreta para sua consumação, sendo irrelevante a pre-sença da arma de fogo para tipificá-lo. Precedentes. 2. agravoregimental conhecido e não provido .................................. 32023, 203

Drogas – art. 33, CaPut, Da lei nº 11.343/2006 – susten-tação oral – imPossibiliDaDe – flagrante PreParaDo – oCor-rênCia – atiPiCiDaDe Da ConDuta

• Penal. Processual penal. agravo regimental no agravo em re-curso especial. art. 33, caput, da lei nº 11.343/2006. susten-tação oral em agravo regimental. impossibilidade. Flagrante preparado. ocorrência. atipicidade da conduta. agravo regi-mental provido. 1. a orientação desta Corte é firme no sentido de que não é cabível sustentação oral no julgamento de agravo regimental, em observância, notadamente, aos arts. 159, iv, e 258, ambos do risTJ. 2. Considera-se preparado o flagrante se a atividade policial induz ao cometimento do crime. 3. agra-vo regimental provido para reformar o decisum impugnado eabsolver o recorrente ante a atipicidade da conduta ......... 32024, 204

estuPro De vulnerável – Crime PratiCaDo Por PaDrasto Con-tra enteaDa – aPliCabiliDaDe Da lei maria Da Penha – CaraC-terização

• Penal e processo penal. Habeas corpus substituto de re-curso ordinário. estupro de vulnerável. Crime praticado por padrasto contra enteada. aplicabilidade da lei maria da

Penha. Caracterização da ação baseada no gênero. Writ não conhecido. 1. esta Corte e o supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe Habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legal-mente previsto para a hipótese, impondo-se o não conheci-mento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificara concessão da ordem, de ofício. ...................................... 32025, 206

exeCução Penal – falta DisCiPlinar De natureza grave – ab-solvição – DesClassifiCação Da ConDuta – inviabiliDaDe Da via eleita – Constrangimento ilegal inexistente

• agravo regimental em Habeas corpus. execução penal. Falta disciplinar de natureza grave. absolvição ou desclassificação da conduta. inviabilidade da via eleita. Constrangimento ile-gal inexistente. oitiva prévia do apenado para homologação do PaD. Prescindibilidade. Perda dos dias remidos. Decisão fundamentada. insurgência desprovida. 1. Necessária a ra-cionalização da utilização do Habeas corpus, o qual não deve ser admitido para contestar decisão, cuja previsão de recurso específico exista no ordenamento jurídico, sendo possível, contudo, em hipóteses excepcionais, a concessão da ordem de ofício em razão da verificação de flagrante ilegalidade.Precedentes. ...................................................................... 32026, 206

exeCução Penal – inDulto humanitário – art. 1º, § 1º, inCiso vi, Do DeCreto nº 8.940/2016 – Prisão DomiCiliar – Preen-Chimento Dos requisitos – PossibiliDaDe

• recurso em Habeas corpus. execução penal. indulto humani-tário. art. 1º, § 1º, inciso vi, do Decreto nº 8.940/2016. Prisão domiciliar. Preenchimento dos requisitos estabelecidos no decreto e no CPP. Comprovação. ausência. recurso a que se nega provimento. i – o indulto humanitário requer, para sua concessão, a necessária comprovação, por meio de “laudo médico oficial’ ou ‘por médico designado pelo juízo da exe-cução”, de que a enfermidade que acomete o sentenciado é grave, permanente e exige cuidados que não podem ser pres-tados no estabelecimento prisional, o que não se verifica nocaso em apreço. ............................................................... 32027, 207

falsifiCação De DoCumento PúbliCo – uso De DoCumento falso – Crime Contra a lei De liCitações – amPla Defesa – garantia

• recurso ordinário em Habeas corpus. Falsificação de docu-mento público, uso de documento falso e crime contra a lei de licitações. inépcia da denúncia. Peça inaugural que aten-de aos requisitos legais exigidos e descreve crimes em tese. ampla defesa garantida. mácula não evidenciada. 1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obe-diência aos requisitos traçados no art. 41 do Código de Pro-cesso Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualifica-do, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devidoprocesso legal. .................................................................. 32028, 208

furto qualifiCaDo – ConDenação – réu que resPonDeu solto ao ProCesso – risCo De reiteração Delitiva – funDamentação

• Habeas corpus. Furto qualificado. Condenação. Negativa do apelo em liberdade. réu que respondeu solto ao processo. risco de reiteração delitiva. Fundamentação idônea. 1. Dispõe o art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal que, por ocasião da prolação da sentença, o magistrado deve decidir, de maneira fundamentada, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposi-

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Revista JuRídica 482índice cível e Penal

dezembRo/2017

ção de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem preju-ízo do conhecimento da apelação interposta. Quando a negativa do direito de recorrer em liberdade está devidamente justifi-cada, não há falar em constrangimento ilegal. .................. 32029, 209

homiCíDio – Dosimetria – elementos ConCretos – PluraliDaDe De qualifiCaDoras – PossibiliDaDe

• Penal e processo penal. agravo regimental em recurso especial. Homicídio. Dosimetria. violação do art. 59 do CP. Culpabilidade e consequências do delito consideradas como vetores negati-vos. elementos concretos. Possibilidade. Pluralidade de qualifi-cadoras. Possibilidade de utilização como circunstância judicial. agravo regimental não provido. 1. No delito de homicídio, haven-do pluralidade de qualificadoras, uma delas indicará o tipo qua-lificado, enquanto as demais poderão indicar uma circunstância agravante, desde que prevista no art. 61 do Código Penal, ou, residualmente, majorar a pena-base, como circunstância judi-cial. 2. as consequências do crime estão ligadas à extensão do dano produzido pela prática criminosa. a repercussão do ilícito para a vítima, seus parentes e para a própria comunidade. No caso, a morte da vítima é elementar do tipo, no entanto, ao deixar uma viúva e dois filhos pequenos, ultrapassa-se as con-sequências normais do delito, justificando o recrudescimentoda pena. 3. agravo regimental improvido .......................... 32030, 209

homiCíDio DuPlamente qualifiCaDo – segunDa qualifiCaDora – agravante genériCa Prevista no art. 61 Do CóDigo Penal – PossibiliDaDe – bis in iDem – não oCorrênCia

• recurso especial. Penal. art. 121, § 2º, i e iv, do CP. Homicí-dio duplamente qualificado. violação do art. 61, caput e ii, c, do Código Penal. segunda qualificadora. agravante genérica prevista no art. 61 do Código Penal. Possibilidade. Bis in idem. Não ocorrência. recurso provido. 1. a figurar ambas as qualifi-cadoras do homicídio (art. 121, § 2º, i e iv, do Código Penal) também no rol do art. 61 do Código Penal, a primeira qualifica-rá o tipo e a segunda servirá como agravante genérica, e isso não implicará indevido bis in idem. as qualificadoras só devem ser utilizadas como circunstâncias judiciais desfavoráveis, de forma residual, quando não estão expressamente previstas como agravantes. 2. recurso especial conhecido e provido, para reconhecer a segunda qualificadora do recurso que difi-cultou a defesa da vítima, prevista no art. 61, ii, c, do Código Penal, como circunstância agravante ................................ 32031, 210

homiCíDio qualifiCaDo – tribunal Do Júri – DefiCiênCia na formulação De quesitos esPeCífiCos – oCorrênCia De DisParo aCiDental – DesClassifiCação Do Delito Para homiCíDio CulPoso

• Penal e processo penal. recurso especial. Homicídio quali-ficado. Tribunal do júri. Contrariedade ao art. 5º, XXXviii, a e lXvi, da CF. Não cabimento. art. 535 do CPC/1973. Deficiência de fundamentação. alegações genéricas. súmula nº 284/sTF. art. 483, iii e § 2º, do CPP. alegação de deficiência na formu-lação de quesitos específicos. ocorrência de disparo acidental e desclassificação do delito para homicídio culposo. vício ine-xistente. art. 593, iii, a, do CPP. inovação na tese da acusação durante os debates em plenário. Prática do crime a título de dolo eventual. Nulidade configurada. Denúncia e pronúncia que imputam ao acusado a prática de crime de homicídio com dolo direto. apresentação de proposição nova pela acusação. Tese de dolo eventual incluída na elaboração dos quesitos. ofensa aos princípios do contraditório, da plenitude de defesa e da correlação. Julgamento nulo. ............................................. 32032, 210

homiCíDio qualifiCaDo e assoCiação Criminosa – graviDaDe abstrata – Constrangimento ilegal eviDenCiaDo

• Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Homicídio qualificado e associação criminosa. Fundamentação inidônea. Não demonstrada a imprescindibilidade da medida. Gravi-dade abstrata. Parecer pelo não conhecimento e concessão da ordem de ofício. Constrangimento ilegal evidenciado. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de ofício. 1. o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ile-galidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede aordem de ofício. .................................................................32033, 211

lesão CorPoral grave – Prisão DeterminaDa Pelo tribunal aPós o Julgamento Da aPelação – exaurimento Das instânCias orDinárias – imPossibiliDaDe

• Habeas corpus. lesão corporal grave. Prisão determinada pelo tribunal após o julgamento da apelação. exaurimento das instâncias ordinárias. ordem denegada. 1. o Plenário do supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferi-do em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso lvii da Constituição Federal (sTF, HC 126.292, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.05.2016). Tese confirmada pelo Pleno do Pretório excelso, em sede de ação Declarató-ria de Constitucionalidade (aDCs 43 e 44), na sessão do dia 05.10.2016. interpretação conforme a Constituição, dada pelo sTF, ao art. 283 do CPP. ressalva, no ponto, do entendimen-to do relator. Precedentes. .............................................. 32034, 212

organização Criminosa – Prisão Cautelar – graviDaDe Con-Creta – PeriCulosiDaDe

• Processo penal. Habeas corpus. organização criminosa. Prisão cautelar. Gravidade concreta. Periculosidade. motiva-ção idônea. ocorrência. ordem denegada. 1. Não é ilegal o encarceramento provisório decretado para o resguardo da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos fatos de-lituosos, indicadora da periculosidade do paciente, apontado como líder de estruturada organização criminosa que atuava de forma continuada no roubo de cargas de produtos eletrô-nicos de alto valor (prejuízo de 15 milhões de reais). 2. Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alterna-tivas à prisão, porque insuficientes para resguardar a ordem pública. 3. “impossível asseverar ofensa ao ‘princípio da ho-mogeneidade das medidas cautelares’ em relação à possível condenação que o paciente experimentará, findo o processo que a prisão visa resguardar. em habeas corpus não há como concluir a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimen-da em regime diverso do fechado” (rHC 74.203/mG, rel. min. sebastião reis Júnior, 6ª T., Julgado em 15.09.2016, DJe 27.09.2016). 4. ordem denegada ...................................... 32035, 213

PeCulato – quaDrilha – PresCrição

• Direito penal e processual penal. recebimento da denúncia. Peculato. Quadrilha. Prescrição. Competência do sTJ. recurso extraordinário interposto sob a égide do CPC/1973. alegação de ofensa aos arts. 5º, liii, liv, lv, lvi e lvii, da Constitui-ção da república. eventual violação reflexa da Constituição da república não viabiliza o recurso extraordinário. Negativa de prestação jurisdicional. art. 93, iX, da Constituição da re-

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pública. Nulidade. inocorrência. Contraditório e ampla defesa. Devido processo legal. ausência de repercussão geral. Pre-sunção de inocência. reelaboração da moldura fática. Proce-dimento vedado na instância extraordinária. agravo manejado sob a vigência do CPC/1973. ........................................... 32036, 213

Porte ilegal De arma De fogo De uso restrito – ausênCia De Provas – neCessiDaDe De amPla Dilação Probatória – Prisão Preventiva – PeriCulum libertatis – funDamentação insufi-Ciente

• Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. ausência de provas do envolvimento do paciente. supressão de instância. Necessidade de ampla dilação probatória. Prisão preventiva. art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Fundamenta-ção insuficiente. ordem concedida. 1. a tese defensiva atinente à ausência de provas da participação do ora paciente na con-duta delitiva – porque não residiria no imóvel onde a arma foi encontrada – não foi apreciada pelo Tribunal a quo, a inviabili-zar seu exame diretamente por esta Corte superior, sob pena de indevida supressão de instância. além disso, a análise do tema demandaria ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do habeas corpus. ........................................... 32037, 214

PrinCíPio Da insignifiCânCia – mínima ofensiviDaDe Da ConDuta Do agente – PeriCulosiDaDe soCial Da ação – reDuziDo grau De reProvabiliDaDe Do ComPortamento – inexPressiviDaDe Da lesão JuríDiCa – não inCiDênCia

• Penal. agravo regimental no agravo em recurso especial. re-ceptação. Princípio da insignificância. Não incidência. agravo improvido. 1. sedimentou-se a orientação Jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pres-supõe a concomitância de quatro vetores: a) mínima ofensivi-dade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do compor-tamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. a prática de receptação de bem avaliado em r$ 120,00, que representa 15,22% do salário mínimo vigente à época dos fatos, não pode ser tida como de lesividade mínima, inviabilizando a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes do sTJ. 3. agravo regimental improvido ......................................... 32038, 215

roubo maJoraDo – CorruPção De menores – Porte De arma De fogo – ConDenação

• Habeas corpus. roubo majorado. Corrupção de menores. Porte de arma de fogo. Tráfico de drogas. sentença condenatória. indeferimento do direito de recorrer em liberdade. Fatos novos. art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Fundamentação suficiente e inédita. Habeas corpus denegado. 1. a jurisprudência desta Corte superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indi-cada, em dados concretos dos autos, a necessidade da caute-la (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 2. o Juízo singular noticiou fato novo a indicar a necessidade da segregação cautelar, visto que apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a garantia da ordem pública, dado o risco de reiteração delitiva, pois, no curso da instrução processual, o sentenciado passou a responder também pela suposta prática de roubo que resultou em sua condenação em 2015. Portanto, trata-se de fato inédito, que veio a se constituir durante o processamento da ação penal em comento. 3. Habeas corpus denegado ........................ 32039, 215

tráfiCo De Drogas – Porte ilegal De arma De fogo De uso restrito – Prisão em flagrante ConvertiDa em Preventiva – segregação

• Habeas corpus. impetração originária. substituição ao recurso ordinário. impossibilidade. Tráfico de drogas. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Prisão em flagrante convertida em preventiva. segregação fundada no art. 312 do Código de Processo Penal. Gravidade concreta do delito. Circunstâncias da apreensão. significativa quantidade da droga, arma, dinheiro e apetrechos. Garantia da ordem pública. segregação justifica-da e necessária. Condições pessoais favoráveis. irrelevância. medidas cautelares alternativas. insuficiência e inadequação.Coação ilegal não evidenciada. Writ não conhecido ......... 32040, 216

tráfiCo De Drogas – Prisão Preventiva – garantia Da orDem PúbliCa – motivação aDequaDa – PreCeDentes

• agravo regimental. Habeas corpus. Tráfico de drogas (art. 33, caput, da lei nº 11.343/2006). Prisão preventiva como garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. motivação adequada. Precedentes. 1. a decisão que determi-nou a segregação cautelar apresenta fundamentação jurídica idônea, já que lastreada nas circunstâncias do caso para resguardar a ordem pública, em razão da gravidade concreta da conduta da paciente, que foi surpreendida com expressiva quantidade de invólucros contendo substância entorpecente. 2. o fato de encontrar-se foragida do distrito da culpa revela a imprescindibilidade da prisão preventiva para também assegu-rar a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). 3. agravo regimen-tal a que se nega provimento ............................................ 32041, 216

tráfiCo De entorPeCentes – Prisão Preventiva DeCretaDa – alegaDo exCesso De Prazo – suPerveniênCia De ConDenação

• Habeas corpus. impetração originária. substituição ao recurso ordinário cabível. impossibilidade. Tráfico de entorpecentes. Prisão preventiva decretada. alegado excesso de prazo. su-perveniência de condenação. eventual delonga superada. encarceramento fundado no art. 312 do Código de Processo penal. Considerável quantidade da droga apreendida. Circuns-tâncias do delito. Histórico criminal do agente. Custódia justi-ficada e necessária. medidas cautelares alternativas. insufici-ência. inadequação. Coação ilegal não evidenciada. Writ nãoconhecido. ......................................................................... 32042, 217

tráfiCo ilíCito De entorPeCentes – ConDenação – Causa esPe-Cial De Diminuição De Pena – não inCiDênCia

• Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação. Causa especial de diminuição de pena. Não incidência. Conclu-são de que a paciente dedicava-se às atividades criminosas e integrava organização criminosa. aferição. revolvimento fático--probatório. inviabilidade. substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. impossibilidade. Pena su-perior a 4 anos. regime inicial fechado. Constrangimento ilegal.ausência. elementos concretos. Denegação da ordem .... 32043, 218

uso De DoCumento falso e falsifiCação De DoCumento PúbliCo – PresCrição Da Pretensão Punitiva – reConheCimento

• Penal. agravo regimental no recurso especial. uso de docu-mento falso e falsificação de documento público. Prescrição da pretensão punitiva. o acórdão que confirma a condenação não interrompe o lapso prescricional. 1. o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou do acórdão con-denatório recorríveis, o que ocorrer em primeiro lugar (art. 117,iv, do Código Penal). ......................................................... 32044, 218

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Revista JuRídica 482índice cível e Penal

dezembRo/2017

violênCia DoméstiCa Contra mulher – meDiDas Protetivas – Prisão Preventiva – DesCumPrimento

• Habeas corpus. Crime de violência doméstica contra mulher. Descumprimento de medidas protetivas. Prisão preventiva. art. 312 do CPP. Periculum libertatis. indicação necessária.

Fundamentação suficiente. ordem denegada. 1. a jurispru-dência desta Corte superior é firme em assinalar que a de-terminação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a neces-sidade da prisão (periculum libertatis), à luz do disposto noart. 312 do CPP ................................................................. 32045, 219