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ABEn abr.mai.jun. 2003 19 M e m ó r i a A B E n Até 1941, o funcionamento da Associação contava com a infra-estrutura oferecida junto com o espaço físico na Escola Anna Nery. As enfermeiras confundiam Escola e Associação. Em 1947, Marina Bandeira de Oliveira assume e repassa a presidência a Edith de Magalhães Fraenkel, pela terceira vez dirigindo a Associação até 1950. Os vínculos e as relações eram tão suscetíveis que a Associação considerava-se até mesmo no dever de agraciar as diplomadas da Escola, com um “tradicional chá” ao final do curso. Além do chá, medalha cunhada à melhor aluna e festa dançante eram os agraciamentos feitos pela Associação à Escola, para o que era levantada certa quantia em coleta partilhada entre todas as sócias. Ocupavam-se desse assunto por muitas reuniões e preocupavam-se em agradar as alunas formadas, chegando a lhes perguntar se estavam satisfeitas com o que a Associação lhes teria oferecido. Desde o início da década de 1940, a Associação, ao sair da Escola Anna Nery, teve a partir daí vários endereços; iniciava-se uma mudança de seu rumo antes tão compassado com a Escola. Ao sair da sede-mater contava apenas com um patrimônio imóvel; era um terreno adquirido pelas sócias em 1929, o qual, no entanto, não tinha qualquer benfeitoria nele feita, até então. De 1926 a 1941 a Associação sequer pensou em algum outro local para sua sede que não fosse a Escola Anna Nery. De 1941 até 1953, a Associação mudou de sede, de uma a outra instituição, mas todas gratuitas. Embora muito já estivesse redimensionado, pois desde 1946 a Escola de Enfermagem da USP conjugou forças no trabalho da Associação, partindo para uma tomada de poder, somente em 1953, com a perspectiva do X Congresso Internacional de Enfermagem no Rio de Janeiro, a diretoria resolveu alugar um espaço físico no prédio da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) como sede dos trabalhos que antecediam ao Congresso. A diretoria da Associação indicou uma Comissão Especial de Aquisição da Sede da ABED, dessa vez para a compra, aplicando a quantia (ainda que pouca) que era a renda procedente “per capita” da ABED. A idéia era adquirir a sede na área nobre executiva do Rio, por entusiasmo de Maria Rosa Pinheiro. Decidiram comprar, com a autorização devida da diretoria na palavra da presidenta Glete de Alcântara, dada a urgência do assunto. Examinadas as propostas de compra, adquiriram três apartamentos, na Av. Franklin Roosevelt, 39 – Esplanada do Castelo. Foi feito o compromisso da compra e ficaram com as prestações para pagar em 5 anos. O assunto pagamento dessa sede esteve em pauta em todas as reuniões, por argüir tempo; passaram muitas apreensões para completar o pagamento. Resolveram alugar duas das três salas, para recolherem esse dinheiro do aluguel e fazerem o pagamento das prestações do imóvel adquirido. Assim, a mudança para a sede nova se deu em setembro de 1954, sendo utilizada uma das três salas, para a Associação e a Revista que estavam sem móveis, com apenas uma mesa, uma cadeira e uma máquina datilográfica. No VIII Congresso Nacional de Enfermagem, um relatório detalhado foi apresentado à Assembléia. Cotas extras, medalhas, chás, colar de pérolas, alguns poucos cruzeiros à época amealhados pelas sócias, foi tudo entregue ao pagamento da nova sede, num movimento de emocionante doação. O nome da Associação, ainda em 1954, passou de ABED a ABEn. Mesmo com as despesas maiores que a receita, a Associação teve, de seus sócios, o melhor empenho e em 1959, gestão presidida por Marina de Andrade Rezende, as parcelas relativas à compra da sede foram quitadas. A vitória teve o sabor apreciado de uma grande mobilização de poucas pessoas. A diretoria e os sócios (pequeno número de sócios à época) trabalharam intensamente em campanhas, promoção de chás, festas com convites pagos (entre as enfermeiras), doações pessoais extras de algumas sócias e de membros da diretoria, enfim, uma entusiástica mobilização em torno da aquisição da sede, nessa fase de quitação dos imóveis (os três apartamentos). Era como se a Associação fosse atingir sua maioridade por uma aquisição de sua casa própria, desde que tinha saído da Escola Anna Nery, há 18 anos. A referida Escola participou dessa fase, porquanto muitos encontros festivos (chás, bingos, etc.) foram Escola Anna Nery e vida associativa da enfermagem uma relação vincular muito delicada Fachada principal da sede da ABEn em Brasília Fotos: Reprodução do livro Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1976, Documentário (Continuação da edição anterior) Salão de Honra da ABEn em Brasília O novo endereço vitalizou a ABEn em suas bases físicas, organizativas, político-sociais – este é um outro capítulo da história, cuja tecedura vale a pena divulgar, pela labuta profissional e suas conseqüências, que persistem e se ampliam, para orgulho da enfermagem na sociedade brasileira

uma relação vincular muito delicada

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ABEnabr.mai.jun.2003 19

M e m ó r i a A B E n

Até 1941, o funcionamento da Associação contavacom a infra-estrutura oferecida junto com o espaçofísico na Escola Anna Nery. As enfermeirasconfundiam Escola e Associação. Em 1947, MarinaBandeira de Oliveira assume e repassa apresidência a Edith de Magalhães Fraenkel, pelaterceira vez dirigindo a Associação até 1950.

Os vínculos e as relações eram tão suscetíveisque a Associação considerava-se até mesmo nodever de agraciar as diplomadas da Escola, comum “tradicional chá” ao final do curso. Além dochá, medalha cunhada à melhor aluna e festadançante eram os agraciamentos feitos pelaAssociação à Escola, para o que era levantada certaquantia em coleta partilhada entre todas as sócias.Ocupavam-se desse assunto por muitas reuniões epreocupavam-se em agradar as alunas formadas,chegando a lhes perguntar se estavam satisfeitascom o que a Associação lhes teria oferecido.

Desde o início da década de 1940, a Associação,ao sair da Escola Anna Nery, teve a partir daí váriosendereços; iniciava-se uma mudança de seu rumoantes tão compassado com a Escola. Ao sair dasede-mater contava apenas com um patrimônioimóvel; era um terreno adquirido pelas sócias em1929, o qual, no entanto, não tinha qualquerbenfeitoria nele feita, até então. De 1926 a 1941 aAssociação sequer pensou em algum outro localpara sua sede que não fosse a Escola Anna Nery.De 1941 até 1953, a Associação mudou de sede, deuma a outra instituição, mas todas gratuitas.

Embora muito já estivesse redimensionado,pois desde 1946 a Escola de Enfermagem da USPconjugou forças no trabalho da Associação,partindo para uma tomada de poder, somente em1953, com a perspectiva do X CongressoInternacional de Enfermagem no Rio de Janeiro, adiretoria resolveu alugar um espaço físico noprédio da ABI (Associação Brasileira deImprensa) como sede dos trabalhos queantecediam ao Congresso. A diretoria daAssociação indicou uma Comissão Especial deAquisição da Sede da ABED, dessa vez para acompra, aplicando a quantia (ainda que pouca)que era a renda procedente “per capita” da ABED.A idéia era adquirir a sede na área nobre executivado Rio, por entusiasmo de Maria Rosa Pinheiro.Decidiram comprar, com a autorização devida dadiretoria na palavra da presidenta Glete deAlcântara, dada a urgência do assunto. Examinadasas propostas de compra, adquiriram trêsapartamentos, na Av. Franklin Roosevelt, 39 –Esplanada do Castelo. Foi feito o compromissoda compra e ficaram com as prestações para pagarem 5 anos. O assunto pagamento dessa sede esteveem pauta em todas as reuniões, por argüir tempo;passaram muitas apreensões para completar opagamento. Resolveram alugar duas das três salas,para recolherem esse dinheiro do aluguel e fazeremo pagamento das prestações do imóvel adquirido.Assim, a mudança para a sede nova se deu emsetembro de 1954, sendo utilizada uma das três

salas, para a Associação e a Revista que estavamsem móveis, com apenas uma mesa, uma cadeira euma máquina datilográfica.

No VIII Congresso Nacional de Enfermagem,um relatório detalhado foi apresentado àAssembléia. Cotas extras, medalhas, chás, colarde pérolas, alguns poucos cruzeiros à épocaamealhados pelas sócias, foi tudo entregue aopagamento da nova sede, num movimento deemocionante doação. O nome da Associação,ainda em 1954, passou de ABED a ABEn. Mesmocom as despesas maiores que a receita, aAssociação teve, de seus sócios, o melhor empenhoe em 1959, gestão presidida por Marina de AndradeRezende, as parcelas relativas à compra da sedeforam quitadas.

A vitória teve o sabor apreciado de uma grandemobilização de poucas pessoas. A diretoria e ossócios (pequeno número de sócios à época)trabalharam intensamente em campanhas,promoção de chás, festas com convites pagos (entreas enfermeiras), doações pessoais extras dealgumas sócias e de membros da diretoria, enfim,uma entusiástica mobilização em torno daaquisição da sede, nessa fase de quitação dosimóveis (os três apartamentos). Era como se aAssociação fosse atingir sua maioridade por umaaquisição de sua casa própria, desde que tinhasaído da Escola Anna Nery, há 18 anos. A referidaEscola participou dessa fase, porquanto muitosencontros festivos (chás, bingos, etc.) foram

EscolaAnna Nery e vida associativa da enfermagemuma relação vincular muito delicada

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(Continuação da edição anterior)

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O novo endereço vitalizou a ABEn em suas bases físicas, organizativas, político-sociais – este é um outrocapítulo da história, cuja tecedura vale a pena divulgar, pela labuta profissional e suas conseqüências, quepersistem e se ampliam, para orgulho da enfermagem na sociedade brasileira

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promovidos nos ambientes internos do pavilhãode aulas da Escola, e esta fazia parte damobilização como associada, mantendo osvínculos e as relações de receptividaderepresentada pelo trabalho direto de algumasdocentes e abertura das portas do prédio da EscolaAnna Nery, com a mesma efusividade anterior. Apresença de reuniões eventuais da ABEn nointerior da Escola era sempre festiva, alegre,demonstrada nos reencontros com cumprimentoefusivo entre as enfermeiras, e ao mesmo tempo,natural; as sócias conheciam a casa, utilizavam aschaves, conheciam os “guardados” (onde ficavamas chaves, por exemplo), e sentiam-se em casa; amaioria, ainda, ex-alunas da Escola. Esses laçosafetivos, esse tom de filiação, esse enraizamento,por muito tempo continuaram lembrando certanão-separabilidade entre a Associação e a Escola,no entanto, a Associação já se vitalizou pela forçade São Paulo e, posteriormente, dos demaisEstados.

A compra da sede (aquisição da casa própria)e a mudança de nome vieram juntas e encorparamas condições de seus próprios rumos, com suaautonomia maturada e já se mostrando prontapara seus novos saltos, descoberta feita em sua

nova qualidade de empreendedora, aprendida coma necessidade da compra dessa primeira sedeprópria, ainda no Rio de Janeiro. Iria longe,mudaria de cidade, de Estado e de região. Iriaparticipar de outro pioneirismo, abrir espaço noPlanalto, de modo inovador em um lugarconstruído com a beleza de novos sonhos, daí aseis anos. E assim, a ABEn se fez audaciosa, contoucom seus próprios sócios, esteve com umadiretoria já representativa de outras regiões doBrasil, aprendeu a dimensionar essa representa-tividade nas diretorias, mesmo com sacrifícios,pois tinham que ser parcimoniosos face a receitacom que trabalhavam, ser, quase sempre, menorque as despesas. Precisou sair de si mesma earticular-se, difundir-se em vinculações e relaçõesdelicadas com muitos segmentos sociais;envolveu-se com o mundo ampliado, superou aidéia de ensimesmar-se como profissão, de isolar-se, e preparou-se para os embates, firmou novasposições filosóficas, reestruturou-se aos poucose com a doação conseguida do terreno emBrasília, “calçou botas para enfrentar o novocanteiro de obras do Brasil”, mas mudou-seliteralmente, ao construir sua sede master.O novoendereço vitalizou a ABEn em suas bases físicas,organizativas, político-sociais – este é um outro

Lygia PaimDoutora em enfermagem, professora titular

(aposentada) da UFRJ e professora da Universidade doVale do Itajaí (UNIVALI) Campus Biguaçu. Sócia

honorária da ABEn

Vilma de CarvalhoProfessora titular de saúde pública da Escola de

Enfermagem Anna Nery. Professora emérita da UFRJ

Sede atual da ABEn em Brasília, Distrito Federal, prédio inaugurado no ano de 1971

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capítulo da história, cuja tecedura vale a penadivulgar, pela labuta profissional e suasconseqüências, que persistem e se ampliam, paraorgulho da enfermagem na sociedade brasileira.

De todo esse parcelar trecho da história, olharpara os aspectos narrativos da primeira sede ouda primeira etapa da vida associativa daenfermagem, faz refletir sobre a importância dosvínculos e das relações muito delicadas, a suatrama em meio a um começo de quase-inseparabilidade, entre Escola Anna Nery eAssociação; esta, figuradamente, uma filha decriação, uma filha escolhida para viver “em casa”,até que chegou o tempo e a condição de suamaioridade e assim a ABEn constituiu sua realidentidade.

(Continuação da página 19)

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