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UnB 50 anos

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UnB 50 anosPromovendo a diversidade cultural por meio do diálogo, do respeito e do intercâmbiode idéias e vivências, a UnB realizará, nos 50 anos de sua fundação, o Festival Latino Americano e Africano de Arte e Cultura – FLAAC 2012.

Concertos musicais, espetáculos teatrais, exposições de artes plásticas, cursos,performances, debates e oficinas, estarão entre as atividades gratuitas que marcarão o evento coordenado pela Casa da Cultura da América Latina (CAL/DEX).

Aguardem! De 21 de abril a 29 de julho de 2012

Page 4: UnB 50 anos

PARTICIPAÇÃO

Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília

Ano 10 – nº 18 – Dezembro de 2010 - ISSN 1677-1893

Periodicidade: semestral

Tiragem: 2.000 exemplares

Reitor

José Geraldo de Sousa Júnior

Vice-Reitor

João Batista de Sousa

Decano de Extensão

Oviromar Flores

Decana de Ensino de Graduação

Marcia Abrahão Moura

Decano de Pesquisa e Pós-Graduação

Denise Bomtempo Birche de Carvalho

Decano de Administração e Finanças

Eduardo Raupp

Decana de Assuntos Comunitários

Carolina Cássia Batista Santos

Conselho Editorial

Alejandro A. Cerletti (Universidad de Buenos Aires-UBA)

Alexandre Bernardino Costa (DEX/UnB)

Ana Paula Morais Fernandes (USP)

Bernardina Maria de Souza Leal (UFF )

Cláudia Mendonça Magalhães Gomes Garcia (UCB)*

Conceição Gislaine Nóbrega L. de Salles (UFAL)

Domingos Sávio Coelho (IP/UnB)

Fabiana Nunes de Carvalho Guimarães (UCB)

Jane Dullius (FEF/UnB)

Leila Chalub Martins (FE/UnB)

Lúcia Helena C.Z. Purino (IP/UnB)

Maria de Fátima R. Makiuchi (FIS/UnB)

Paulo Sergio de Andrade Bareicha (FE/UnB)

Perci Coelho de Souza (SER/UnB)

Renato Hilário dos Reis (FE/UnB)

Sérgio Luiz da Silva (UFSCar)

Walter Omar Kohan (UERJ)

Editor Científico: Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro

Editora-Executiva: Sonia Ramos Cruz

Secretária da Revista: Ádlia Chaves Tavares

Capa e Diagramação: Isaura Almeida

Arte da Capa: Camilla Pereira

Decanato de Extensão - DEX

Prédio da Reitoria –Campus Universitário Darcy Ribeiro

70.910.900 – Brasília-DF Brasil -Fax: (55 61) 3273 7122

Telefones: (55 61) 3107 0326 e 31070330

[email protected] – http://www.unb.br/portal/extensao/

www.revistaparticipacaodex.br -E-mail: [email protected]

Equipe do Decanato de Extensão – DEX

(Gabinete do Decano / Secretaria)

Alexandre Oliveira Simões

Antônio Pereira de Carvalho

Dóris Naves

Geraldo Alves da Mata Filho

José Marques Ribeiro (Secretário)

José William da Silva (Assistente do Decano)

Luciana Helena Coelho Fonseca Milhomens

Maria José Gomes

Messias Cândido de Oliveira

Nilda da Silva Malaquias

Renata Lisboa de Carvalho

Renata Pietsch França Barbosa

Ricardo de Andrade Ribeiro

Rubens de Augusto Brandão

Diretoria Técnica de Extensão – DTE|

Daniela Conceição de Oliveira Teles

Isabela Guimarães Rabelo

Glenda de Souza Oliveira

Leocádia Aparecida Chaves

Priscila Pereira Machado

Coordenadoria de Promoção de Eventos

Adalva Alcoforado (coordenadora)

Juliana Cristina Ribeiro

Roberto Jovane Junior

Rosilene de Oliveira Vasconcelos

Page 5: UnB 50 anos

Coordenadoria de Comunicação Visual e Informática

Damara Santos Ribeiro

Webson Dias

Coordenadoria de Comunicação e Publicação

Sonia Ramos Cruz (Coordenadora)

Ádlia Chaves Tavares

Marcus Vinicius L. Martins

Marlene Bomfim

Núcleo da Agenda Ambiental – NAA

Bruno Otávio Teodoro

Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira (coordenadora)

Fernando Ferreira Carneiro

Izabel Zaneti

Luana Fagundes

Luisa Vilela Pietrobon

Mara Marchetti

Marina Gazilda de Moura Alves

Venicius Juvêncio de Miranda Mendes

Vera Catalão

Núcleo do Projeto Rondon

Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro

Antonio Carlos dos Anjos Filho (Coordenador)

Anderson Silva

Clayton Mendes

Lenora Gandolfi

Rafael Ayan Ferreira

Regina Coeli

Tadeu Queiroz Maia

Umberto Euzébio

Yolanda Camp

Diretoria de Extensão e de Desenvolvimento Regional

Integrado – DEDRI

Mario Ângelo Silva (Diretor)

Paula Teixeira

Rosângela Ferreira Pessoa

Centro Interdisciplinar de Educação Continuada -

INTERFOCO

Jodete Guilherme Amorim (Diretora)

Andressa Urtiga Oliveira

Alexandre Braz Ramos

Bruna Celli Barbosa

Doulival Rodrigues Pereira (Coordenador)

Gilberto D. dos Santos

José Edson Gomes Feitosa

Kátia Sales Lopes Ramos

Kamila Souza Jacinto

Lidiane Holanda Barbosa

Maria de Fátima Eleutério

Rosangela de Oliveira Alves

Rosilene Magalhães de Lucena

Shielene S Malaquias

Casa da Cultura da América Latina - CAL

Zulu Araújo (Diretor)

Ana Paula da Silva Lucio

Euler Fabiano da Silva Soares

Francisca Mesquita Lima

Francisca Vilany Kehrle

Helena Bessa Lamenza

Larissa Marques Correia

Márcia Aparecida Santana

Michelle Jaqueline

Sayuri Ferreira

Susanna Ribeiro Aune

Luciana Vecchi Martins

Pedro Ivan Lemos

Page 6: UnB 50 anos

SUMÁRIO

EditorialOviromar Flores

Opinião

Novos Estímulos às Ações de Extensão nas IfesDavi Monteiro Diniz

Artigos

Política Nacional de Extensão: Perspectivas para a Universidade BrasileiraLucas Ramalho Maciel

Universidade e transformação social: a perenidade de Paulo FreireLeila Chalub-Martins

O Direito Achado na Rua: 25 Anos de Experiência de ExtensãoNair Heloísa Bicalho de Sousa, Alexandre Bernardino Costa,

Livia Gimenes da Fonseca e Mariana de Faria Bicalho

Universidade de Brasília: Extensão Universitária e as Práticas de Educação PopularMaria Luiza Pereira Angelim

Rompendo Barreiras: A Experiência do Projeto de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar na Ceilândia.Ela Wiecko V. de Castilho

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41

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EDITORIAL

A lembrança dos 90 anos do nascimento de Paulo Freire, que

marcou o dia 19 de setembro deste ano de 2011, instigou grandes reflexões

na Universidade de Brasília, neste momento em que nos preparamos para

festejar os 50 anos da sua fundação, no dia 21 de abril de 2012. Foi também,

uma oportunidade de “sonhar com esse educador a educação que queremos

para a sociedade brasileira” e marcar o nosso reconhecimento mediante a

outorga do título de Doutor Honoris causa post mortem.

Oportunamente, a UnB acolheu a imagem, as ideias e a práxi de

Paulo Freire como temática para a Semana Universitária da UnB 2011 e para

o IV Seminário Regional de Extensão da Região Centro-Oeste/ IV SEREX,

ocorridos entre os dias 1 e 8 de outubro.

Na esteira dessas reflexões, o Decanato de Extensão reuniu neste

número da revista ParticipAção contribuições preciosas que nos auxiliarão a

conhecer e entender as políticas públicas que se nos antepõem no horizonte das

práticas de extensão como: o Plano Nacional de Educação; a Política Nacional

de Extensão; o Plano Nacional de Extensão e o Programa Josué de Castro.

São matérias de inegável interesse para o extensionismo brasileiro,

assinadas por um time de autores que aliam trajetórias de proeminentes

professores e de protagonistas históricos da extensão na Universidade.

Nesse sentido, o lançamento desta edição em Porto Alegre é, também, uma

manifestação do nosso reconhecimento da importância da realização do 5º

Congresso Brasileiro de Extensão Universitária-CBEU.

A revista traz na seção Opinião, oportuna abordagem do professor

Davi Monteiro Diniz sobre Novos Estímulos às Ações de Extensão nas IFES.

Baseado em sua experiência de professor e jurista, apresenta análise apurada

de documentos, normas e leis, em vigor ou sendo concebidas, e revela

panorama atual animador e propício para extensão universitária brasileira,

como podemos conferir.

Ex-aluno da UnB, com forte militância na extensão universitária,

o jovem Lucas Ramalho Maciel apresenta o artigo Política Nacional de

Extensão: Perspectivas para a Universidade Brasileira. Por meio de uma precisa

análise situacional, revela com propriedade marcantes facetas da extensão

universitária e pontua entraves e condicionantes para consolidação e maior

avanço das políticas públicas extensionistas.

A professora Leila Chalub Martins traça no artigo Universidade e

transformação social: a perenidade de Paulo Freire, análise histórica em que

reforça os impactos de Freire na UnB, no Brasil e no mundo, e culmina em

reveladora abordagem sobre o Programa Josué de Castro, a ser lançado

pelo governo brasileiro. Nesse texto “cruzam-se o pensamento de Paulo

Freire, o projeto inicial da Universidade de Brasília e os ideais históricos da

Extensão Universitária, configurados em muitos documentos, atualizados em

numerosos eventos e condensados nesse plano”.

A par da sua longa militância na Educação de Jovens e Adultos

(EJA), a professora Maria Luiza Angelim, em seu artigo Universidade de

Brasília: extensão universitária e as práticas de educação popular, “propõe à

luz da educação libertadora de Paulo Freire, uma abordagem da extensão

Page 8: UnB 50 anos

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como parte integrante da pesquisa e do ensino, como compromisso com a gestão

democrática por uma nova sociedade socialista radicalmente humana”.

O Direito Achado na Rua: 25 Anos de Experiência de Extensão

Universitária é um artigo que trata da trajetória da “experiência desenvolvida por

essa corrente crítica”. A Professora Nair Heloísa Bicalho Sousa em coautoria com

Alexandre Bernardino Costa, Lívia Gimenes da Fonseca e Mariana de Faria Bicalho

encerra o artigo parafraseando eminente jurista para o qual a experiência se

coloca como “importante movimento teórico-prático centrado no Brasil e na UnB”,

para abrir-se a “outros modos de compreender as regras jurídicas”.

No artigo Rompendo Barreiras: a Experiência do projeto de atendimento

às mulheres em situação de violência doméstica e familiar na Ceilândia , a

professora Ela Wiecko V.de Castilho, discorre sobre as evoluções desse projeto

e, ao tecer linhas reveladoras de atuação, traça conexões com o determinismo

libertário do oprimido/ “oprimida” de Paulo Freire, enquanto rompe barreiras e

provoca transformações no âmbito de uma “pedagogia feminista” que tanto

alcança alunas/os como as mulheres atendidas.

Ao saudar docentes, estudantes e técnico-administrativos que atuam

na extensão universitária, a expectativa deste Decanato é que este número da

nossa revista possa contribuir como fonte de informações e de conhecimentos

reveladores e que enseje boa leitura a todos!

Oviromar Flores

Decano de Extensão

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OPINIÃO

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NOVOS ESTÍMULOS ÀS AÇÕES DE EXTENSÃO NAS IFES

Davi Monteiro Diniz

Uma progressiva mudança na moldura legal das Instituições Federais de Ensino Superior -IFES sobre projetos de extensão merece não apenas aplauso, mas atenção para novas possibilidades.Importante registrar que as ideias hoje dominantes sobre extensão nas IFES foram paulatinamente absorvidas até chegarmos na legislação em vigor. De fato, a extensão, entendida como atividade inerente à carreira do professor universitário, não constou do Estatuto do Magistério1, lapso que foi corrigido ao se aprovar o plano único de cargos da carreiras das IFES em 19872 Com a Constituição de 1988, a atividade universitária foi concebida afirmando-se a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão, o que eliminou de antemão qualquer possível desacordo sobre ser a extensão imprescindível às universidades. Em seguida, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação3 nela se ressaltou que as atividades universitárias de extensão podem receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive mediante a concessão de bolsas de estudo. Por fim, ao se regulamentar4 a lei5 sobre fundações de apoio às IFES, pacificou-se a possibilidade de as universidades prestarem serviços mediante projetos de extensão.Vê-se, portanto, que as atividades de extensão compartilham hoje dos importantes instrumentos de financiamento e execução também destinados à pesquisa, como o uso de fundação de apoio aos seus projetos. Mas, ao lado desse instrumental hoje disponível, consolida-se também o entendimento no sentido de que as IFES podem prestar serviços remunerados ou gratuitos à sociedade em geral mediante projetos de extensão. Tal amplia as possibilidades de elas atuarem, por iniciativa própria ou associada a parceiros, tanto na execução das tarefas determinadas por políticas públicas como naquelas hoje feitas apenas por entes privados, fortalecendo a sua missão de promover o desenvolvimento econômico e social de nosso país. Acima de tudo, as IFES, ao imaginarem suas ações de extensão, poderão empregar sem medo recursos em atividades com repercussão econômica, somando-se mais uma faceta aos objetivos dela esperados, no modo delineado pelo Plano Nacional de Extensão Universitária6. Ao se constituir como o portal de grandes trocas – inclusive econômicas - entre a universidade e a sociedade, a extensão universitária nos oferece um inequívoco bônus, permitindo-se que ela também interaja com questões vitais aos planos diretores das IFES, por exemplo, colaborando com a obtenção de recursos próprios que permitam ampliar e materializar sua autonomia financeira. O ônus evidente, por sua vez, é o de os gestores desincumbirem-se da tarefa de subordinar os projetos de extensão, particularmente aqueles com repercussão econômica, aos maiores interesses acadêmicos e às diretrizes de uso de recursos públicos voltadas para a maximização do ganho social dos brasileiros. Sem dúvida, são bons horizontes que se firmam para a extensão nas IFES.

1 Lei 4.881-A/65, inclusive nas modificações posteriores2 Decreto 94.664/873 Lei 9.394/964 Decreto 7.423/20105 Lei no 8.958,/946 Elaborado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da

Educação e do Desporto.

Davi Monteiro Diniz é Professor Doutor, Adjun-to, do Departamento de Direito (FD/UnB) e Pro-curador Federal, ex-Procurador Jurídico e atual Chefe de Gabinete na UnB.

Page 12: UnB 50 anos

ARTIGOS

Page 13: UnB 50 anos

www.naaunb.wordpress.com

Núcleo da Agenda Ambiental da UnB

Uma Agenda Ambiental começa com osonho de alguns, a adesão de muitos e o compromisso de cada um.

Seja voluntário!

www.unb.br/naa

[email protected](61) 3107-0320

Núcleo da Agenda Ambiental - NAADecanato de Extensão - DEX

Page 14: UnB 50 anos

17

POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO: PERSPECTIVAS PARA A UNIVERSIDADE BRASILEIRA

Lucas Ramalho Maciel

Resumo

Devido ao grande crescimento da importância assumida pelas ações de extensão universitária no âmbito das políticas

públicas, a criação de uma Política Nacional de Extensão1 faz-se necessária. Esse artigo discorre sobre quatro aborda-

gens para a construção de uma política para o setor: a extensão como forma de relação da universidade com o Estado

e com a sociedade, a extensão enquanto inovação pedagógica; a extensão enquanto elemento de gestão universitária

e, por fim, uma estratégia de financiamento da extensão.

Palavras-Chave: extensão universitária. políticas públicas . gestão universitária. fomento à extensão. Política Nacional

de Extensão

Abstrac

Given the great growth of the importance assumed for the actions of university extension in the scope of the public

politics, the creation of a National Politics of Extension becomes necessary. This article discourses on four boardings

for the construction of politics for the sector: the extension as form of relation of the university with the State and soci-

ety, the extension while pedagogical innovation; the extension while element of university management and, finally, a

strategy of financing of the extension.

Key words: University extension, Public Politics - university management - Encouragement to the extension - National

Politics of Extension

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INTRODUÇÃO

A extensão universitária no Brasil encontra-se em um momento de transição -

marcado tanto pela melhor situação das universidades federais com relação ao

contexto dos anos 90, quanto por questões internas às universidades - havendo

virtual consenso entre os tomadores de decisão (Ministério da Educação, Rei-

tores e Pró-Reitores de universidades públicas) sobre a necessidade de regu-

lamentação das atividades de extensão como condição para a criação de uma

política mais ampla para o setor. Há, evidentemente, divergências sobre a am-

plitude, forma e ritmo das mudanças, bem como sobre a definição da agenda da

extensão, os meios adequados de regulação pública, e como se organizariam

diferentes tipos de serviços que são ofertados diretamente pelo Estado.

Essas questões tornam-se ainda mais complexas em virtude tanto da enorme

dimensão e diversificação do país, quanto do pacto federativo que abrange três

distintas esferas de governo. Além disso, como as universidades gozam de auto-

nomia didático-administrativa, qualquer tentativa governamental de construção

de uma política de extensão que esteja inserida em uma estratégia mais ampla

de desenvolvimento regional e nacional deve partir, necessariamente, de políti-

cas indutivas que estimulem as universidades a adotarem-na.

Os avanços que estão em curso na proposta do governo para a extensão,

sobretudo o Programa de Extensão Universitária - PROEXT podem ser dividi-

dos em dois grandes grupos: os de caráter econômico e os de ordem política.

Enquanto o primeiro pode ser resumido como a ampliação exponencial dos

recursos investidos na área2, o segundo fica explicitado com a maior articu-

lação de órgãos governamentais3 com a extensão. Os dois possuem fortes

interfaces, mas não são suficientes para criar-se uma Política Nacional de

Extensão. Para tanto, será necessário aprimorar mudanças de concepção e

gestão acadêmica no âmbito das universidades, reconhecendo a extensão

enquanto mediadora da universidade com a sociedade e o Estado e estabele-

cendo uma estratégia de financiamento para o setor.

ABORDAGENS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

A Extensão como forma de relação da Universidade com o Estado e com a sociedade

O primeiro avanço que deve ser reali-

zado para que uma Política Nacional

de Extensão seja enfim construída,

talvez seja também o mais desafian-

te. Ele perpassa pelo necessário diá-

logo das universidades com a União,

Estados e Municípios, e também pela

construção de uma agenda comum

entre os poderes executivos e legis-

lativos no âmbito federal, estadual e

municipal que demonstre a intencio-

nalidade da sociedade com relação

ao papel a ser desempenhado pelas

instituições de ensino superior na

política de desenvolvimento nacio-

nal, regional e local, prevendo, nesse

processo, a atuação de movimentos

sociais, empresas e sociedade de

forma geral.

Para Boaventura de Sousa Santos,

a extensão universitária terá no fu-

turo próximo um significado muito

especial, que possibilitara às univer-

sidades uma participação mais ativa

na construção da coesão social, no

aprofundamento da democracia, na

luta contra a exclusão social e a de-

gradação ambiental e na defesa da

diversidade cultural:A extensão é uma área que, para ser

levada a cabo com êxito, exige coope-

ração intergovernamental entre, por

exemplo, Ministros da Educação, do

Ensino Superior e Tecnologia, da Cul-

tura e das Áreas Sociais. A extensão

envolve uma vasta área de prestação

de serviços e os seus destinatários

são variados: grupos sociais popula-

res e suas organizações; movimentos

sociais; comunidades locais ou regio-

nais; governos locais; o sector público;

o sector privado. Para além de serviços

prestados a destinatários bem defini-

Page 16: UnB 50 anos

19

dos, há também toda uma outra área

de prestação de serviços que tem a so-

ciedade em geral como destinatária. A

título de exemplo: “incubação” da ino-

vação; promoção da cultura científica

e técnica; actividades culturais no

domínio das artes e da literatura.(San-

tos, 2008, p. 66)

As universidades brasileiras pos-

suem o potencial de superarem a

expectativa contida no senso co-

mum de mera produção do conhe-

cimento e de formação de mão de

obra qualificada com educação de

nível superior. Mais do que isso. As

universidades brasileiras possuem

a vocação de se engajarem social-

mente, problematizando e equacio-

nando a própria sociedade. Para

Darcy Ribeiro (1986), a universidade

brasileira deveria discutir as causas

do atraso da sociedade. A fidelidade

desta instituição, de seus profes-

sores e pesquisadores, deveria ser

com a liberação da condição de sub-

desenvolvimento do povo brasileiro.

Compreender esse potencial em seu

caráter global e aplicá-lo à realidade

brasileira é condição essencial para

se recuperar o projeto de Universida-

de previsto por Darcy Ribeiro. Nessa

perspectiva, é de responsabilidade

da própria comunidade acadêmica

apresentar a universidade não como

mais um problema a espera de solu-

ção, e sim como um importante ins-

trumento para o desenvolvimento da

educação, da saúde, da cultura e da

economia no Brasil.

O engajamento da universidade com

a sociedade, mediado por uma inte-

ração dialógica de mútuo desenvol-

vimento, com relação autônoma e

crítico-propositiva da extensão com

as políticas públicas é a base para a

concretização do compromisso pú-

blico da instituição universitária. No

entanto, é necessário ampliar ainda

mais a abrangência e as possibili-

dades de envolvimento da extensão

universitária no contexto brasileiro.

O potencial de contribuição das uni-

versidades com um projeto nacional

de desenvolvimento é enorme, po-

rém limitado pela ausência de ins-

trumentos normativos que incenti-

vem o segmento. Para demonstrar

tal potencial, há que se considerar

que atualmente existem cerca de 5

milhões4 de estudantes universitá-

rios. Se cada estudante dedicasse

pelo menos um ano de seus estudos

em atividades sociais, seria possí-

vel, por meio da extensão universi-

tária, a cada ano, envolver mais de

um milhão de estudantes em ativi-

dades socialmente engajadas que

contribuiriam para a melhoria do

Brasil. Tal contingente, associado à

política de interiorização do ensino

superior e de expansão da quanti-

dade de matrículas, resultaria em

uma impressionante contribuição

na oferta de serviços públicos (edu-

cação, saúde, moradia) nos mu-

nicípios do interior do país, trans-

formando a educação superior em

um verdadeiro vetor de melhoria da

qualidade de vida da população.

Vale registrar que Florestan Fernan-

des, escrevendo sobre “A Universida-

de para o Desenvolvimento”, relati-

vizou a importância da universidade

nesse processo:Na verdade, não existe uma universi-

dade que possa realizar idealmente

essa condição (de desenvolvimento).

Toda universidade produz conseqü-

ências dinâmicas e certa espécie de

rendimento, relacionando-se assim,

com o padrão e o ritmo de desenvolvi-

mento da sociedade global. No entan-

to, pode-se ver a situação histórica da

sociedade global com maior ou menor

ambigüidade. Que tipo de desenvolvi-

mento ela é capaz de provocar, orga-

nizar e aproveitar; e como adaptar a

universidade a esse tipo de desenvol-

vimento? (Fernandes, 1975, p.118)

O autor mostra que é a sociedade

global, e não a universidade, a pro-

motora do desenvolvimento nacio-

nal, mas fica evidente que a univer-

sidade pode, enquanto instituição

constitutiva da estrutura social, ser

considerada em um projeto maior

de desenvolvimento definido pela

sociedade. Nesse sentido, a cons-

trução da Política Nacional de Exten-

são pode vir a configurar-se em um

importante instrumento para os mu-

nicípios, que poderão passar a con-

tar com o apoio qualificado para a

resolução dos seus problemas mais

críticos e emergenciais. A aproxima-

ção com a universidade favorece a

capacitação dos quadros técnicos

municipais, ampliando a qualida-

de dos serviços públicos prestados.

Além disso, a extensão universitária

resulta na formação de vínculos en-

tre os estudantes e as comunidades

nas quais atuam. A imersão social de

estudantes da graduação viabilizada

pela extensão universitária aumen-

ta a probabilidade de permanência,

após a formatura, de profissionais

(médicos, professores, agrônomos,

enfermeiros, engenheiros, etc.) nos

municípios onde se desenvolveram

as ações de extensão.

Nesse contexto, a extensão univer-

sitária favorece a aproximação entre

universidade e sociedade, estimula

a disseminação do conhecimento e

o desenvolvimento de massa crítica,

principalmente para a conscientiza-

ção da população e implementação

de projetos voltados a temas prioritá-

rios, como a erradicação da miséria e

combate a fome.

O desafio do comprometimento aca-

dêmico com os espaços geográficos

nos quais atua a instituição universi-

tária consiste em criar instrumentos e

políticas públicas no âmbito universi-

tário para efetivar a função social no

ensino, na pesquisa e na extensão, e

garantir que a universidade conheça

a realidade da região em que está in-

serida e efetivamente dialogue com

ela, propiciando o redirecionamento

da produção acadêmica em direção

à reflexão das disparidades sociais

Page 17: UnB 50 anos

20

e a presença mais próxima dos uni-

versitários no auxílio dos problemas

enfrentados pelas comunidades que

os circundam. No entanto, é necessá-

rio destacar que o papel da extensão

universitária não é a de substituir fun-

ções e atribuições do Estado, confor-

me nos mostra Nogueira:A intervenção na realidade não visa

levar a universidade a substituir fun-

ções de responsabilidade do Estado,

mas sim produzir saberes tanto cien-

tíficos e tecnológicos quanto artísticos

e filosóficos, tornando-os acessíveis à

população. (Nogueira, p. 119)

A autora afirma ainda que para a

formação do profissional cidadão,

é imprescindível sua interação com

a sociedade por meio da extensão,

seja para ele “se situar historicamen-

te, para se identificar culturalmente

e/ou para referenciar sua formação

técnica com problemas que um dia

terá que enfrentar”. Nesse sentido, o

papel da Universidade configura-se

como o espaço de reflexão-ação so-

bre distintas realidades. E por refletir

e atuar também sobre a realidade

do Estado, a extensão universitária

acaba por se configurar em espaço

legítimo para a participação acadê-

mica não apenas na implementação

de políticas públicas, mas sobretudo,

no acompanhamento, avaliação e

formulação das mesmas.

Com relação ao setor privado, vale

ressaltar que a incidência de parce-

rias entre universidades e empresas

vem crescendo da mesma forma com

que cresce o consenso formado sobre

a importância da tecnologia para o

desenvolvimento econômico e social

da nação. Para que o país cresça, é

necessário que seu parque produtivo

se desenvolva e, para isso, o processo

de transferência de tecnologia reali-

zado por universidades, institutos de

pesquisa, centros de P&D de empre-

sas deve ser estimulado e aperfeiço-

ado para alavancar o desempenho do

setor produtivo nacional.

Para as empresas, a transferência

de tecnologia é um dos principais

instrumentos para o aumento de

sua competitividade. Para a univer-

sidade, a possibilidade de aplicar as

pesquisas produzidas configura-se

como espaço privilegiado de apren-

dizagem, investigação e descoberta

e, ainda, consiste em importante

fonte de captação de recursos. Evi-

dentemente, a captação de recur-

sos realizada pelas instituições uni-

versitárias por meio da prestação de

serviços e da transferência tecnoló-

gica carece ainda de maior regula-

mentação. Um aspecto importante

a ser trabalhado na regulamenta-

ção deve ser a obrigatoriedade da

participação discente no processo

de prestação de serviço e transfe-

rência tecnológica, uma vez que a

função primordial da universidade é

a formação de pessoas. Além disso,

parte dos recursos captados deve-

ria ser necessariamente aplicada na

melhoria das instalações da própria

instituição acadêmica e parte pode-

ria ser utilizada para remunerar e

incentivar o professor que promove

a inovação tecnológica.

Infelizmente, a transferência tecno-

lógica realizada pelas universidades

é ainda muito baixa no Brasil – ape-

nas 13% das empresas industriais

buscaram as universidades e os ins-

titutos de pesquisa como fontes de

informação para inovação, segundo

dados da Pesquisa de Inovação Tec-

nológica - PINTEC 2008 realizada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística – IBGE. Entre os motivos

estão a falta de interesse das insti-

tuições de nível superior nos proble-

mas tecnológicos enfrentados pelas

empresas, o pouco preparo gerencial

das universidades e a falta de cla-

reza com relação à propriedade da

patente. Por sua vez, as empresas

também costumam ver com ressal-

va a relação com as universidades,

com receio de ficarem dependentes

da tecnologia transferida e a pouca

garantia de sigilo dos seus processos

internos. Ou seja, falta uma cultura

de cooperação e aproximação das

empresas com as universidades.

Vale ressaltar que a partir de dezem-

bro de 2004, com a publicação da Lei

de Inovação – Lei n° 10.973/2004 -

as universidades ficaram obrigadas

a dispor de um Núcleo de Inovação

Tecnológica (art. 16), seja próprio ou

em parceria com outras instituições,

com a finalidade de gerir as suas

respectivas políticas de inovação.

Tais núcleos somam-se à criação de

um plano mais abrangente de Políti-

ca Nacional de Extensão, por meio

do qual as empresas podem recorrer

às universidades a fim de buscar so-

luções tecnológicas para seus pró-

prios problemas.

Outro ponto que merece destaque

com relação à iniciativa privada re-

fere-se ao potencial da universidade

em contribuir com o desenvolvimento

e apoio de micro e pequenas empre-

sas, que apresentam deficiências em

diversas áreas, tais como tecnologia,

produção, finanças, capacitação de

recursos humanos, comercialização,

entre outras. Para superarem seus

problemas estruturais, as pequenas

empresas necessitam de soluções

sistêmicas que promovam a evo-

lução do seu patamar operacional

como um todo, e as universidades

certamente podem contribuir com a

superação dessa realidade.

Realizado esse panorama mais am-

plo, que perpassa a relação da uni-

versidade com o Estado, com as em-

presas, com os movimentos sociais

e sociedade de forma geral, fica

evidenciado que a extensão univer-

sitária reveste-se de potencialida-

des, significados e conteúdos, que

demandam uma universidade mais

plural e democrática e que pressu-

ponha a valorização do fazer em sua

relação com o saber.

Page 18: UnB 50 anos

21

A EXTENSÃO ENQUANTO INOVAÇÃO PEDAGÓGICA

A construção de uma Política Na-

cional de Extensão deve partir do

pressuposto que a extensão se con-

figura, antes de tudo, como elemento

formativo, como fator essencial na

formação dos estudantes das univer-

sidades brasileiras. Nesse sentido, a

segunda abordagem a ser trabalhada

por uma Política Nacional de Exten-

são refere-se às inovações pedagó-

gicas que a extensão, enquanto prá-

tica de ensino, possibilita. Para isso,

a extensão deve se afastar de sua

concepção assistencialista e passar

a ser percebida como elemento gera-

dor de conhecimentos, conhecimen-

tos estes que são construídos tanto

a partir da articulação com o ensino

e com a pesquisa, quanto a partir da

relação com o Estado, com os movi-

mentos sociais, com as empresas e

com a sociedade de forma geral.

Para Carolina Tokarski, a extensão,

enquanto inovação pedagógica, é

uma iniciativa relativamente recente: A extensão compreendida enquanto

comunicação, diálogo, troca de sabe-

res sistematizados, acadêmico e po-

pular, é uma construção teórica recen-

te no Brasil e remonta o contato com

os ideais do Movimento de Córdoba na

década de 40, e mais tarde, na década

de 70, na obra de Paulo Freire. (Tokar-

ski, 2009 p. 63)

A extensão universitária enquanto

elemento de inovação pedagógica

possui, pela pesquisa, além do viés

tradicional da difusão do conheci-

mento, o potencial de ser direciona-

da ao estudo dos grandes problemas

nacionais, possibilitando a partici-

pação das populações na condição

de sujeitos. Pelo ensino, a extensão

inovadora configura-se como forma

de atender à maioria da população,

através de um processo de educação

superior crítica, com o uso de meios

de educação que preparem os alunos

para a cidadania, com competência

técnica e política. Paulo Freire, no

entanto, lembra que a extensão deve

ser balizada pelo rigor científico:Seria, por outro lado, porém, um ab-

surdo se os que defendem a presença

da universidade nas áreas populares

não lutassem também no sentido da

seriedade acadêmica, da rigorosidade

dos procedimentos, da exatidão dos

achados. No fundo, a presença da uni-

versidade nas áreas populares através

de programas – jamais neutros – de

ordem cultural e educativa só se justi-

fica na medida em que contribua para

o estabelecimento da unidade dialéti-

ca entre prática e teoria, sensibilidade

do concreto e conhecimento exato do

concreto, sabedoria popular e cienti-

ficidade acadêmica. É com esse ob-

jetivo, na verdade, que devemos nos

esforçar por fazer real a presença da

universidade nas áreas populares

(Freire, 1986, p. 7)

De acordo com o Fórum Nacional

de Pró-Reitores de Extensão (2001),

esse novo tipo de extensão - que

supera a compreensão tradicional

de disseminação de conhecimentos

(cursos, conferências, seminários),

prestação de serviços (assistências,

assessorias e consultorias) e difu-

são cultural (realização de eventos

ou produtos artísticos e culturais)

- aponta para uma concepção de

universidade em que a relação com

a população, com o Estado e com

as empresas passa a ser encarada

como a oxigenação necessária à

vida acadêmica – ou seja, a exten-

são transforma-se em elemento ino-

vador do ensino de graduação e re-

sulta na democratização do conhe-

cimento e na participação efetiva da

comunidade na universidade.

Ao elevar a extensão à categoria de

inovação do ensino de graduação, a

Política Nacional de Extensão trans-

forma-se em uma proposta acadê-

mica, com forte preocupação com a

geração de conhecimentos constru-

ídos em conjunto com a sociedade

- converte-se em uma proposta de

formação dos profissionais do futuro,

que conhecem e que se comprome-

tem com a realidade nacional e que

propiciam o desenvolvimento dos

sensos de cidadania e justiça social.

A articulação com a sociedade, com

empresas, com o Estado, com movi-

mentos sociais, dentro e fora da sala

de aula, é a base para a construção

de um novo exercício da docência.

Possuir a realidade como referência

do fazer pedagógico é a inovação

que o fazer extensionista possibilita.

A extensão enquanto método inova-

dor na graduação resulta tanto na

ampliação da atuação universitária

em comunidades quanto na imersão

social e no aprendizado colaborativo.

A vivência da realidade dos proble-

mas brasileiros configura-se como

oportunidade de formação discente

de relevantes aspectos necessários

à atuação no mundo do trabalho. O

protagonismo exercido pelos estu-

dantes em realidades com carência

de recursos favorece o desenvolvi-

mento da liderança, da flexibilidade,

do trabalho em equipe, da solidarie-

dade e da capacidade de lidar com

incertezas. No entanto, conforme

ressalta o Forproex:A ação cidadã das universidades não

pode prescindir da efetiva difusão dos

saberes nelas produzidos, de tal forma

que as populações cujos problemas

tornam-se objeto da pesquisa aca-

dêmica sejam também consideradas

sujeito desse conhecimento, tendo

portanto, pleno direito de acesso às

informações resultantes dessa pes-

quisa. (Forproex, 2001, p. 5)

O reconhecimento da atuação dos

alunos em projetos e programas de

extensão na integralização curricu-

lar, bem como o fomento à criação de

componentes curriculares em ações

de extensão integradas aos currícu-

los das formações em nível de gradu-

ação são medidas importantes que

incentivam uma universidade mais

engajada socialmente e mais moder-

Page 19: UnB 50 anos

22

na pedagogicamente. Tais medidas,

além de responderem às demandas

da sociedade para com a universida-

de, possuem o potencial de ampliar

o impacto de políticas públicas e de

encurtar, em muitos anos, por meio

do engajamento docente e discente,

o processo de superação de mazelas

sociais que acometem o Brasil.

O que chama atenção é que a socie-

dade, por meio de seus representan-

tes, criou uma lei em que fica esta-

belecido que a dimensão acadêmica

da extensão deveria ser inserida nos

currículos universitários - foi defini-

do que ao menos 10% dos créditos

curriculares deveriam ser destinados

para a atuação em práticas extensio-

nistas (Item 23 da Lei n° 10.172, de 09

de janeiro de 2001). Ou seja, o marco

legal-normativo produziu as condi-

ções suficientes para engajar social-

mente a universidade, transformando

a extensão em um verdadeiro centro

inovador pedagógico. No entanto, tal

dispositivo virou letra morta – os con-

selhos universitários, no alto de sua

autonomia, viraram as costas para a

população e os legisladores.

Ocorre que a Lei de Diretrizes e Ba-

ses, em seu artigo 53, estabelece

que compete às universidades, no

exercício de sua autonomia, fixar os

currículos de seus cursos e progra-

mas. Isso significa que a implanta-

ção dos 10% dos créditos curricu-

lares para a extensão necessitaria

de um amplo processo de diálogo e

convencimento, com a implantação

de estruturas de incentivo que esti-

mulassem as universidades a modifi-

carem seus projetos pedagógicos de

cursos de forma que assumissem um

maior compromisso social.

No contexto da definição curricular,

as mudanças de concepção acadê-

mica de fortalecimento da dimensão

pedagógica da extensão na constru-

ção do conhecimento e na formação

dos estudantes devem ser empre-

endidas internamente pelas univer-

sidades. Trata-se de uma iniciativa

circunscrita ao âmbito da autonomia

universitária, que demanda mudan-

ça na própria cultura acadêmica,

portanto, sujeita a resistências con-

servadoras.

Em um contexto de respeito à auto-

nomia universitária, estimular o re-

conhecimento da extensão em sua

dimensão pedagógica no âmbito dos

fóruns competentes é condição sine

qua non para a construção da Polí-

tica Nacional de Extensão. Assim,

o debate sobre uma proposta mais

abrangente para a extensão deverá

necessariamente ser empreendido

nas centenas de Conselhos Universi-

tários espalhados pelo país, por meio

de seus representantes, que expres-

sam as diversidades e contradições

da comunidade acadêmica.

A EXTENSÃO ENQUANTO ELEMENTO DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA

A terceira abordagem para a cons-

trução de uma Política Nacional de

Extensão refere-se à gestão univer-

sitária, tanto na gestão de recursos

humanos quanto na condução de

uma avaliação institucional. É neces-

sário que as universidades valorizem

a atuação extensionista de docentes

e de técnico-administrativos para

além do discurso, reconhecendo as

ações como componentes utilizados

para as suas respectivas progres-

sões funcionais. Ao mesmo tempo, é

importante que seja promovida uma

avaliação contínua e sistemática

da extensão, por meio de indicado-

res auditáveis e comparáveis entre

si. Nesse contexto, que perpassa a

autonomia, a atuação dos governos

deve ser balizada pelo diálogo e pela

implementação de políticas indutivas

que estimulem a adoção pelas uni-

versidades de determinados critérios

para a progressão funcional.

A trajetória brasileira mostra uma his-

tória de falta de estímulo ao docente

e aos profissionais da educação, fato

que motivou os parlamentares, a

incluir no inciso V do artigo 206 da

Constituição Federal de 1988, o prin-

cípio da valorização do profissional

de ensino, com a previsão de planos

de carreira e ingresso por concurso

público. No inciso VII do art. 3° da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação –

Lei n° 9.394/96, o legislador reafirma

o princípio da valorização do profis-

sional da educação.

No entanto, os critérios para a pro-

moção na carreira docente valorizam

mais os aspectos relacionados à pro-

dução científica e menos os aspectos

relacionados à extensão, baseando-

se em uma visão de ensino superior

consolidada ao longo dos anos que

prima pela transmissão de conteú-

dos. Por outro lado, é interessante

notar que mesmo em um contexto de

ausência de estímulos à prática ex-

tensionista, e mesmo de ausência de

elaboração institucional mais apro-

fundada sobre o fazer extensionista,

valorosos professores, técnico-admi-

nistrativos e estudantes dedicam seu

tempo e suas energias na extensão,

pois a consideram importante para a

sua vida acadêmica e profissional.

No entanto, a falta de apoio institu-

cional resulta em uma prática exten-

sionista voluntarista, e muitas vezes

eivada por um fenômeno que Paulo

Freire denominou como messianismo:Parece-nos, entretanto, que a ação ex-

tensionista envolve, qualquer que seja

o setor em que se realize, a necessida-

de que sentem aqueles que a fazem,

de “ir para a outra parte do mundo” [...]

para fazê-la mais ou menos semelhan-

te a seu mundo. Daí que, em seu “cam-

po associativo”, o termo extensão se

encontre em relação significativa com

transmissão, entrega, doação, messia-

nismo, mecanicismo, invasão cultural,

manipulação, etc. (Freire, p.13)

As críticas freirianas quanto ao uso

da terminologia “extensão” e à prá-

Page 20: UnB 50 anos

23

a criação de indicadores específicos para a progressão na carreira. Ade-mais, para serem coerentes com o princípio da indissociabilidade, as atividades de extensão destes indi-cadores deveriam representar um peso não inferior a um terço do to-tal de atividades acadêmicas – caso contrário, a valorização da extensão continuará restrita ao discurso e, no inconsciente – e consciente – coleti-vo, permanecerá o entendimento de que vale mais a pesquisa, depois o ensino e, por último, a extensão.Com relação à avaliação dos es-tudantes, poderia ser inserido, por exemplo, na avaliação do Exame Na-cional de Desempenho dos Estudan-tes – ENADE, a aferição do conhe-cimento da realidade nacional sob o ponto de vista de diversos temas, como a saúde, a educação, a segu-rança alimentar, a cultura, bem como dos desequilíbrios e assimetrias re-gionais. Isso seria um claro sinal do governo e da sociedade dado às uni-versidades sobre a necessidade das instituições de ensino superior de-senvolverem tecnologias e metodo-logias de ensino-aprendizagem que possibilitassem a apreensão, pelos alunos, do conhecimento da reali-dade – o que certamente perpassa a prática extensionista.

ESTRATÉGIA DE FINANCIAMENTO DA EXTENSÃO

A quarta e última abordagem que

deve ser contemplada na construção

de uma Política Nacional de Exten-

são refere-se à questão financeira.

Infelizmente, a extensão não recebe

os mesmo incentivos que a pesquisa

e o ensino recebem. Enquanto as ati-

vidades de ensino e de pesquisa pos-

suem instituições públicas de apoio e

fomento, com excelentes resultados

na formação de novos talentos do-

centes e de pesquisadores, inclusive

tica extensionista agrícola dos anos

70 são perfeitamente aplicáveis so-

bre as conseqüências da falta de

estímulos institucionais à extensão.

Ocorre que a atuação messiânica

é o outro lado da mesma moeda da

falta de apoio institucional e da falta

de intencionalidade no projeto ins-

titucional da universidade com re-

lação ao método e aos objetivos da

atuação da comunidade acadêmica

com o meio externo – aí incluídas

as empresas, movimentos sociais,

Estado e sociedade de forma geral.

Com a falta de apoio e de intencio-

nalidade institucional para a práti-

ca extensionista, surgem iniciativas

pontuais, conduzidas sobretudo por

professores que se identificam com a

extensão, mas que carecem de uma

reflexão mais ampla e articulada

quanto ao projeto de sociedade que

a universidade deve ajudar a cons-

truir e quanto à metodologia para

viabilizar esse processo. Assim, a

atuação extensionista acaba por as-

sumir um viés pejorativo, particular

de uma “minoria”, daqueles que “mi-

litam”, dos “revoltados” ou daqueles

que “não fazem pesquisa”.

Caso fosse criada uma estrutura de

incentivo à prática extensionista, re-

conhecendo-se as horas dedicadas às

ações de extensão como elementos

para a progressão funcional e, além

disso, fosse estimulado o engajamen-

to docente, via extensão, com o pro-

jeto institucional da universidade para

a sociedade, certamente haveria uma

quantidade muito maior de profes-

sores e, por conseguinte, de técnico-

administrativos e de estudantes pra-

ticando a extensão, o que contribuiria

para o aperfeiçoamento de uma meto-

dologia extensionista e para o amadu-

recimento da reflexão sobre o “estar”

da universidade na sociedade.

Ainda no âmbito da gestão universi-

tária, deveria ser criado, em regime

de colaboração do governo com as

universidades, um sistema nacio-

nal de avaliação das atividades de

extensão que considerasse todo o

sistema universitário brasileiro, com

indicadores capazes de exprimir a

complexidade do tema e, ao mesmo

tempo, permitir a comparação entre

os diferentes modos de fazer exten-

são entre as diferentes instituições

de ensino superior. A preocupação

com a construção de um sistema de

avaliação nacional da extensão não

é recente. Já em 1991 o Fórum de Pró-

Reitores de Extensão das Universida-

des Públicas Brasileiras – FORPROEX

registrava a necessidade de se cons-

tituir indicadores para a extensão:A definição dos indicadores diagnós-

ticos da extensão não pode mais ser

protelada, correndo-se o risco de que

as ações extensionistas, por falta de

medição, continuem marginalizadas

nos processos de avaliação acadêmi-

ca. Forproex, 2001 p. 26)

A melhor forma de aferição do apoio

da instituição universitária à exten-

são (seja por meio da quantidade

de bolsas de extensão concedidas

em relação à outras modalidades de

bolsas pagas pela universidade, seja

pela quantidade de professores que

praticam extensão em relação ao to-

tal de professores da universidade,

pela quantidade de cursos, projetos

e programas de extensão existentes

na instituição, ou ainda, a quanti-

dade de cursos da universidade que

cumprem o disposto na Lei n° 10.172,

ou seja, que consideram obrigatória

a integralização curricular mínima

de 10% dos créditos em atividades

de extensão) deve ser objeto de dis-

cussão entre governo e comunidade

acadêmica, o importante é que a

avaliação institucional das ativida-

des de extensão universitária seja

permanente e se configure como um

dos parâmetros de avaliação da pró-

pria universidade.

Além disso, a dimensão da extensão

deveria ser incorporada em todos os

sistemas de avaliação docente, com

Page 21: UnB 50 anos

24

com sistemas de bolsas regulamen-

tados para as ações de monitoria,

iniciação científica e produtividade

em pesquisa, as atividades de exten-

são, que promovem o diálogo entre a

universidade e a sociedade, carecem

de uma política institucional mais

ampla de apoio financeiro.

Nos discursos sobre os problemas

que a universidade brasileira enfren-

ta, a necessidade de produzir um co-

nhecimento voltado às demandas so-

ciais é sempre exaltada, mas na práti-

ca esta relação transformadora entre

universidade e sociedade é ignorada

ou tratada como uma função menor,

que se limita, quase sempre a cursos

ou ações pontuais. A ampliação orça-

mentária promovida pelos editais de

apoio às ações extensionistas, como

o PROEXT, por exemplo, certamente

contribui para a reversão desse qua-

dro. No entanto, o aumento dos recur-

sos deveria vir acompanhado de uma

proposta mais abrangente de indução

e estímulo à extensão, com a criação

de uma agência de fomento às ações

extensionistas e com a instituição de

uma política de concessão de bolsas

para todos os segmentos acadêmicos.

A extensão universitária, em sua es-

sência pedagógico-formativa neces-

sita, obrigatoriamente, da presença

do estudante, do professor e do técni-

co-administrativo. Sem o estudante,

a extensão torna-se mera prestação

de serviços técnicos especializados.

Sem o professor, a extensão perde

o seu caráter pedagógico e, sem o

apoio do técnico-administrativo, a ex-

tensão não pode ser realizada.

Além disso, como os recursos para

a extensão são disponibilizados por

meio de chamadas públicas, estão

sujeitos à concorrência e às priorida-

des estabelecidas pelo governo em

exercício, o que compromete a conti-

nuidade e o estabelecimento de vín-

culos orgânicos entre universidade

e sociedade. Nesse sentido, para as

universidades federais, torna-se ne-

cessária a criação, à semelhança da

matriz de orçamento e custeio de ca-

pital (matriz OCC), de uma estrutura

de financiamento pública e transpa-

rente para a extensão universitária,

com critérios definidos pela própria

comunidade acadêmica, em diálogo

com o Poder Executivo Federal.

A atual regra de divisão do orçamento

de custeio e capital das universidades

federais leva em consideração um in-

dicador complexo chamado de “aluno-

equivalente” que é definido a partir da

composição de outros indicadores. De

forma simples, o “aluno-equivalente”

busca transformar todos os alunos de

uma universidade (alunos de pós-gra-

duação, de cursos noturnos, de meio-

período e de residência médica) em

uma única categoria, comparável en-

tre si. Assim, o padrão de comparação

entre os diversos tipos de alunos seria

aquele aluno de graduação, de tempo

integral, do período diurno. O que o

indicador aluno-equivalente possibi-

lita é, grosso modo, padronizar todos

os tipos de alunos em uma categoria

única. A mensagem que está por trás

desse indicador é que quanto maior a

quantidade de alunos, maior o orça-

mento a ser recebido pela universida-

de, o que explica em parte a ampliação

de matrículas nos últimos anos

Em um contexto de respeito à au-

tonomia universitária, apenas uma

política indutiva que altere as regras

de apoio material às universidades

fará com que seja superado o baixo

envolvimento da comunidade aca-

dêmica com a extensão. Nesse sen-

tido, uma matriz orçamentária para

o financiamento da extensão univer-

sitária poderia estipular como indi-

cador, por exemplo, a quantidade de

cursos de graduação da instituição

que estabelece a integralização cur-

ricular da extensão em, no mínimo,

10% de seus créditos obrigatórios

em relação à totalidade de cursos de

graduação existentes na universida-

de. Certamente, essa medida faria

com que o conjunto de universida-

des federais, buscando ampliar seus

próprios orçamentos, se mobilizasse

para adequar os projetos pedagógi-

cos de seus cursos de graduação,

alterando significativamente o perfil

dos alunos formados e o papel de-

sempenhado pelas universidades em

relação à sociedade.

Entretanto, como as universidades

gozam de autonomia didático-ad-

ministrativa5, os critérios de divisão

do orçamento do Governo Federal

repassado às universidades fede-

rais devem antes ser aprovados pelo

pleno da Associação Nacional de

Dirigentes de Instituições de Ensino

Superior – ANDIFES – um coletivo de

59 reitores bastante ciosos de seus

próprios recursos. Por se tratar de

uma negociação de múltiplos atores

(59 reitores + governo Federal) e por

se tratar de um equilíbrio dinâmico

de interesses de soma zero (ou seja,

para cada real que uma universida-

de levar, outra universidade deverá,

necessariamente, perder um real),

as regras estabelecidas são dificil-

mente mudadas, mesmo que injus-

tas ou imperfeitas.

Para as universidades estaduais

e municipais, a questão torna-se

mais complexa, uma vez que é mui-

to distinta a situação econômica dos

governos federal, estaduais e muni-

cipais. Apesar do pacto federativo

brasileiro para a educação pressupor

que a União, os Estados, o Distrito Fe-

deral e os Municípios organizem em

regime de colaboração seus sistemas

de ensino6, tem-se o Governo Fede-

ral como principal7

financiador da

extensão universitária dos demais

entes federados. No entanto, por for-

ça de lei, os investimentos da União

nas instituições municipais e estadu-

ais de educação superior demandam

a aplicação de contrapartida pelos

entes beneficiados. Como a capa-

cidade de financiamento dos gover-

nos estaduais e municipais não tem

Page 22: UnB 50 anos

25

acompanhado o aporte realizado

pelo governo federal, a exigência de

contrapartida tem dificultado a reali-

zação de importantes ações conjun-

tas na área da extensão universitária

entre os entes federados. A saída

está no relaxamento da necessida-

de de cobrança da contrapartida e

no estabelecimento, pelos Estados e

Municípios, de suas próprias políticas

de financiamento para a extensão.

A criação de uma agência de exten-

são vinculada ao Ministério da Edu-

cação resolveria muitos problemas

relacionados ao fomento e financia-

mento das atividades de extensão no

âmbito das universidades. A agência

de fomento teria o papel de agente

catalisador de empreendimentos

conjuntos na área de extensão, esti-

mulando a interação entre universi-

dades/Estado/empresas/sociedade,

configurando-se como uma institui-

ção governamental que disporia dos

instrumentos capazes de financiar

todas as fases do processo de cria-

ção e desenvolvimento da extensão

universitária, incluindo o estabele-

cimento de um sistema de bolsas

capaz de atender cada um dos três

segmentos acadêmicos.

Na ausência de uma agência de

fomento à extensão, o órgão gover-

namental que tem realizado o finan-

ciamento do setor é a Secretaria de

Educação Superior do Ministério da

Educação - SESu/MEC. No entanto,

o atual marco legislativo dificulta as

iniciativas empreendidas pela Admi-

nistração Direta do Poder Executivo

no âmbito do fomento à extensão. A

Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei

Complementar 101, de 04 de maio

de 2000 – em seu art 26, estipula

que “A destinação de recursos para,

direta ou indiretamente, cobrir ne-

cessidades de pessoas físicas deve-

rá ser autorizada por lei específica”.

Percebe-se que a ausência de lei

específica sobre bolsas de extensão impede a concessão do benefício

para professores, profissionais e servidores técnico-administrativos, o que compromete em grande medi-da a eficácia das políticas públicas baseadas na ação extensionista.Vale ressaltar que a Lei n° 12.155, de 23 de dezembro de 2009 autoriza o Fundo Nacional de Desenvolvimen-to da Educação – FNDE - não o Mi-nistério da Educação - a conceder bolsas para alunos e professores vinculados a programas e projetos de ensino e extensão. Além disso, a concessão de bolsas previstas nesta lei está restrita apenas aos progra-mas e projetos de extensão voltados para o atendimento de populações indígenas, quilombolas e do campo. Por mais que haja a necessidade de uma atenção diferenciada por parte das instituições públicas com vistas ao atendimento desse público, é im-portante a construção de um marco legal de concessão de bolsas mais amplo para a extensão universitária como um todo. A concessão de bolsas para ativi-dades extensionistas surge como resposta à um anseio de criar-se instrumentos concretos e eficientes que ajudem na efetivação da Função Social da Universidade. O estímulo à atividade extensionista pretende contribuir na criação de uma agenda positiva para a universidade e para as políticas públicas de efetivação de sua função social. Neste sentido, a concessão de bolsas aos extensio-nistas acarretaria mudanças profun-das, pois, além de institucionalizar e fomentar a atuação na extensão configura-se como base material de suporte à interação entre saber aca-

dêmico e saber popular.

CONCLUSÕES

A Política Nacional de Extensão converte-se em uma oportunidade histórica de as universidades con-solidarem a extensão enquanto área

acadêmica indissociável do ensino e da pesquisa brasileiras e possui o potencial de oferecer a motivação e os meios necessários para a es-truturação da área de extensão das universidades. Além disso, a Política Nacional de Extensão possibilita a formação de estudantes em aspec-tos importantes apresentados nas diretrizes curriculares das diversas áreas dos cursos de graduação, di-ficilmente desenvolvidos em disci-plinas acadêmicas em salas de aula, tais como: conhecimento da realida-de nacional, autonomia intelectual, espírito crítico, cidadania ativa, tra-balho em equipe, senso de solidarie-

dade e justiça social.

A ampliação orçamentária para a ex-

tensão universitária observada nos

últimos anos, assim como a articula-

ção interministerial capitaneada pelo

Ministério da Educação em prol das

políticas extensionistas contribuem

com a reversão de um quadro de

ausência de propostas para o setor,

mas ainda não é suficiente para a

construção de uma Política Nacional

para a Extensão, que demanda ainda

avanços na relação com a socieda-

de, no financiamento e nas áreas de

gestão e concepção acadêmica no

âmbito das universidades, bem como

a determinação de diretrizes e metas

estabelecidas a partir do diálogo com

a sociedade.

No entanto, em contraposição a um

processo de rearranjos permanentes

e incrementais da intencionalidade

governamental para o tema da ex-

tensão, vivemos um momento decor-

rente de uma conjuntura específica

nacional que pode resultar em trans-

formações de maior envergadura no

campo da educação superior, possi-

bilitando que uma Política Nacional

de Extensão seja enfim definida.

Um novo patamar civilizatório de-

manda a construção de práticas mais

republicanas e uma sociedade mais

democrática, e o conhecimento da

Page 23: UnB 50 anos

26

realidade é a base para o respeito às

diferenças e para a construção da ci-

dadania. A educação, enquanto insti-

tuição, deve aprender a dialogar com

a realidade e se auto-inovar, de forma

a contribuir na construção de uma

nova sociedade mais ética e plural.

NOTAS

1 Para se adotar uma compreensão sintéti-

ca compatível com os objetivos deste texto,

defino Política Nacional de Extensão como

o conjunto articulado de programas, estraté-

gias, diretrizes, metas e incentivos que pos-

sui clara e definida intencionalidade da so-

ciedade (governantes, políticos, burocracia

estatal e comunidade acadêmica) nos três

níveis federativos com relação à extensão

universitária, configurando-se como orien-

tação política e pedagógica para o conjunto

das instituições de governo e de ensino su-

perior como um todo.2 O PROEXT iniciou suas atividades em 2003

REFERÊNCIAS

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FORPROEX, Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Sistema de Dados e Informações: Base operacional de

acordo com o Plano Nacional de Extensão. Rio de Janeiro: NAPE, UERJ, 2001

e, até 2008, possuía apenas R$ 6 milhões

de reais. Em 2011, o orçamento do programa

saltou para R$ 70 milhões.3 Até 2008 os Editais do PROEXT envolviam

apenas um ministério. Em 2011, o Edital do

programa conseguiu articular 13 órgãos de

governo. 4 Dados do Censo da Educação, INEP5 O art. 207 da Constituição Federal e o art.

53 da Lei n° 9.394/96 - a Lei de Diretrizes de

Bases da Educação - garantem a prerroga-

tiva da autonomia às Instituições de Educa-

ção Superior.6Art. 211 da Constituição Federal de 1988

7 Vale ressaltar que existem exceções. O

governo do Paraná, por exemplo, é o princi-

pal financiador da extensão universitária no

estado. Desde 2007 desenvolve o Programa

Universidade Sem Fronteiras, da Secretaria

de Ciência e Tecnologia e Ensino Superior.

A extensão universitária das universidades

municipais não têm recebido apoio do go-

verno federal. De acordo com o Censo da

Educação Superior (Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira - INEP, 2011), apenas 7, das 67 ins-

tituições de ensino superior municipais no

Brasil, são universidades.

Page 24: UnB 50 anos

27

FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? – Rio de Janeiro, 7ª Edição, Paz e Terra, 1983

FREIRE, Paulo In SANTOS, Renato Quintino dos. Educação e Extensão. – Petrópolis, Vozes, 1986

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dica popular no aprendizado da democracia. Brasília, 2009, Dissertação (Mestrado em Direito) programa de Pós-Graduação da Faculdade de

Direito, Universidade de Brasília.

Lucas Ramalho Maciel é Especialista em Po-

líticas Públicas e Gestão Governamental e

Mestre em Agronegócios pela Universidade de

Brasília e Coordenador do Programa de Exten-

são Universitária do Ministério da Educação.

Page 25: UnB 50 anos
Page 26: UnB 50 anos

29

UNIVERSIDADE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: A PERENIDADE DE PAULO FREIRE

Leila Chalub-Martins

Resumo

O artigo apresenta uma reflexão sobre como, ao longo dos anos, o pensamento de Paulo Freire, que guarda uma con-

cepção especifica de universidade, se fez hegemônico também na Extensão da Universidade de Brasília. Apresenta

ainda a maneira ritualizada como suas ideias e valores creditados à educação são atualizados nos meios acadêmicos,

fazendo compreender a força que guardam na constituição do nosso ethos, nosso eidos e nossa hexis.

Palavras-chave: Universidade de Brasília, Paulo Freire, extensão universitária, Programa Josué de Castro.

Abstract

This article presents a reflection on how, along the years, Paulo Freire`s thought , which owns such an specific concep-

tion of university, also became hegemonic in the Extension of the University of Brasília. It still presents the ritualized way

as its ideas and values credited to the education are updated in academic area, making understandable the force that

holds in the constitution of our “ethos”, our “eidos” and our “hexis”.

Key words: University of Brasília, Paulo Freire, university extension, Josué de Castro`s program

Page 27: UnB 50 anos

30

INTRODUÇÃO (À GUISA DE DEPOIMENTO)

Em 1972, a autora deste artigo, era

estudante de Pedagogia da Universi-

dade de Brasília e tinha muita curiosi-

dade sobre Paulo Freire. Curiosidade

nunca satisfeita à época, em face do

grande silêncio que existia em torno

do seu nome. Paulo Freire, à seme-

lhança de Marx e Freud, era motivo

das leituras proibidas, das conversas

sussurradas entre um e outro poema

de Thiago de Melo ou da literatura de

Maximo Gorki e instigava provoca-

ções aos professores.

Para a ditadura de então, Paulo Frei-

re era insuportável! Não sem razão,

como se pode perceber em sua traje-

tória de vida. (Programa do primeiro

seminário sobre Paulo Freire, Recife

- Brasil, 2-4 de maio 2002)

Paulo Freire, brasileiro, nasceu em

1921, em uma família de classe mé-

dia. Foi estudante de direito, mas

desde muito cedo, interessado pela

filosofia, começou a trabalhar na

questão da educação. Paulo Freire

se inspirou na fenomenologia, no

existencialismo, no personalismo ca-

tólico e no marxismo humanista.

No início dos anos 1960, vários movi-

mentos de educação popular foram

criados no Brasil: o Movimento de

Cultura Popular - MCP, em maio 1960;

a Campanha “De pé no Chão também

se aprende a ler” em Natal, em feve-

reiro 1961; e o Movimento de Educa-

ção de Base - MEB, em março 1961.

Paulo Freire, um dos fundadores do

MCP, exerceu marcante influência

no método de trabalho utilizado pela

campanha “De pé no Chão também

se aprende a ler”, assim como no de-

senvolvimento do Movimento de Edu-

cação de Base.

Em 1962, fundou o Serviço de Ex-

tensão Cultural - SEC, na então Uni-

versidade de Recife. O MCP deu seu

apoio à primeira experiência prática

de aplicação do “método Paulo Frei-

re”. Essa experiência contou com um

número reduzido de alfabetizandos

e aconteceu no Centro de Cultu-

ra Dona Olegarinha, no Recife, em

maio de 1961. No SEC, colaboradores

de Freire, com uma boa formação

acadêmica, estudavam a base teóri-

ca do que eles chamavam “sistema

Paulo Freire”.

Outras práticas se seguiram a es-

sas, especialmente a promovida pela

Campanha de Educação Popular-

CEPLAR, em João Pessoa, na Paraí-

ba e, particularmente, a realizada em

Angicos, no Rio Grande do Norte, de

18 de janeiro a 15 de março de 1963.

O sucesso da experiência em Angi-

cos levou o então Ministro da Educa-

ção e Cultura, Paulo de Tarso Santos,

a convidar Paulo Freire para coorde-

nar o Programa Nacional de Alfabe-

tização, utilizando o “método Paulo

Freire” (1963-64).

Em 1964, o golpe de estado mili-

tar obrigou Paulo Freire a se exilar

no Chile, depois de ter passado al-

gumas semanas na prisão. Ali, ele

trabalhou durante cinco anos no

Instituto Chileno para a Reforma

Agrária, aperfeiçoou seu método

de “conscientização”, que veio a se

tornar o método oficial do governo

democrático cristão do Chile. Peda-

gogia do Oprimido, escrito em 1969,

se situa no fim dessa experiência

com os camponeses chilenos. Em

1968, Freire tornou-se conselheiro

da UNESCO, sem, contudo, compar-

tilhar dos conceitos de alfabetização

funcional daquela organização.

A partir de 1969, ele lecionou por

dez meses na Universidade de Har-

vard e seu método encontrou certa

repercussão nas minorias sociais e

em certos grupos universitários, nos

EUA. Participou, em seguida, dos tra-

balhos do Conselho Ecumênico das

Igrejas, em Genebra, na Suíça, onde

foi nomeado Diretor do Departamen-

to de Educação e se tornou o prin-

cipal animador do Instituto de Ação

Cultural – IDAC, cujo objetivo era a

“aplicação da conscientização como

instrumento libertador no processo de

educação e de transformação social”.

Depois de 1975, Freire aplicou seu

método e inspirou programas na

Guiné-Bissau, em São Tomé e Prínci-

pe, em Moçambique, em Angola e na

Nicarágua. Em 1989, ao fim do perío-

do de exílio, tornou-se secretário de

educação da cidade de São Paulo,

com a vitória do Partido dos Traba-

lhadores - PT. O instituto Paulo Frei-

re foi criado em São Paulo em 1991,

para ser um lugar de debate para os

profissionais da educação.

Paulo Freire morreu em maio de

1997. Seus livros ainda hoje influen-

ciam educadores no mundo inteiro.

Os mais conhecidos são Pedagogia

do Oprimido; Educação Como Prática

da Liberdade; Pedagogia em Progres-

so: Cartas a Guiné-Bissau; Extensão

ou Comunicação?, bem como seus

dois artigos na Harvard Education

Revue (1970: 40:3): “The Adult Li-

teracy Process as Cultural Action

for Freedom” e “Cultural Action and

Conscientisation”.

A Universidade de Brasília, à épo-

ca da recessão, sob o comando do

capitão-de-mar-e-guerra, reitor José

Carlos de Almeida Azevedo, reagia

com a mesma intolerância ao nome

e à produção intelectual de Paulo

Freire. Mas em meados da década de

1980, tudo começou a mudar. Termi-

nada a ditadura, terminava também

o período de mordaça da Universida-

de de Brasília. Novos tempos, novas

possibilidades, muita indignação e

repulsa pelo vivido no país, mas tam-

bém muito desejo de reconstrução e

de transformação social.

Pouco a pouco, Paulo Freire e Álvaro

Vieira Pinto1, dentre outros, começam

a ser lidos pelos estudantes de peda-

gogia, permitindo brutal mudança

na concepção de educação: menos

focada nos aspectos individuais e

Page 28: UnB 50 anos

31

mais entendida como fenômeno so-

cial e cultural; cada vez menos mar-

cada pela influência da Psicologia e

mais e mais comprometida com a

Sociologia, com a Filosofia e com a

Ciência Política. A educação, a par

dessas influências, passa então a

ser vista como ato de liberdade, como

ato político, como prática social, dan-

do realce para o contexto que abriga

o educando, suas condições de vida,

e, sobretudo, para a constatação de

que historicamente nunca houve um

projeto político de educação para o

povo brasileiro.

Do mesmo modo, e favorecendo-se

das mesmas situações conjunturais,

a extensão universitária ganha ou-

tra dimensão, a partir do momento

de reconstrução que passou a vigo-

rar na Universidade de Brasília, com

a primeira eleição do seu reitor. Da

realização pontual de eventos, e de

outras ações tipicamente voltadas

para a difusão e para a dissemi-

nação do conhecimento científico

produzido, passa-se a assumir o

compromisso com a missão da UnB,

postulada por Darcy Ribeiro: tomar

o Brasil como seu problema.

Assim, são constituídos núcleos de

extensão na periferia e no Entorno

do Distrito Federal e são recorrentes

as expressões transformação social,

construção da cidadania, sujeitos so-

ciais, construção coletiva do conheci-

mento, compromisso social da univer-

sidade. E, sem dúvida, é Paulo Freire

a grande inspiração, a orientação

política e a fundamentação filosófica,

além de metodológica. É historica-

mente, nesse momento, que a UnB

assume com a população do Pedre-

gal, bairro do Novo Gama, DF, a sua

luta por água, no projeto chamado

Água para todos. Também são dessa

época os projetos que deram origem

ao Centro de Educação Popular Paulo

Freire – CEPAFRE, na Ceilândia, e o

Centro de Cultura e Desenvolvimento

do Paranoá e Itapoã – CEDEP.

Fato marcante para a extensão brasi-

leira foi, sem dúvida, a institucionali-

zação do Fórum Nacional de Pró-Rei-

tores de Extensão das Universidades

Públicas Brasileiras – Forproex, enti-

dade que articula e define políticas

acadêmicas de extensão, compro-

metidas com a transformação social

para o pleno exercício da cidadania e

o fortalecimento da democracia.

O Forproex foi criado no dia 06 de

novembro de 1987, durante o “I En-

contro Nacional de Pró-Reitores de

Extensão das Universidades Públi-

cas Brasileiras”, realizado na Univer-

sidade de Brasília, cujo Decano de

Extensão, Professor Volnei Garrafa,

foi indicado o primeiro presidente.

Desse encontro, originaram-se as

diretrizes conceituais e políticas de

ação para as Instituições de Ensino

Superior - IES - do país e para o Pla-

no Nacional de Extensão Universi-

tária, o qual se desdobra em planos

regionais e institucionais nas seguin-

tes áreas temáticas: Comunicação;

Cultura; Direitos Humanos e Justiça;

Educação; Meio Ambiente; Saúde;

Tecnologia e Produção; e Trabalho.

Desde então, o Fórum tem funciona-

do, ainda que informalmente e antes

de tudo, como instância formativa em

extensão universitária dos quadros

da administração superior das uni-

versidades públicas brasileiras. Esse

talvez seja seu maior mérito, depois

de mais de vinte anos de criação. É

pela atuação no Fórum que pró-rei-

tores, muitas vezes sem experiência

acadêmica expressiva em extensão,

passam a compor uma rede cuja atu-

ação os leva a assumir o conceito de

extensão universitária hegemônico

nas universidades públicas brasilei-

ras, sustentado principalmente pelas

ideias de Paulo Freire.

Meu percurso acadêmico levou-me a

conhecer o Departamento de Econo-

mia Rural da Universidade de Viço-

sa, ainda no final dos anos de 1980,

quando não se falava em meio am-

biente, em sustentabilidade ou em

perspectiva ecológica. Ali, tive a opor-

tunidade de conhecer os arquivos, os

documentos, os registros de uma pos-

sível origem da extensão universitária

no Brasil. Digo isso porque é plausível

contar essa história de muitas manei-

ras e esta é apenas uma delas.

A Escola Superior de Agricultura e

Veterinária – ESAV, embrião da hoje,

Universidade Federal de Viçosa, foi

inaugurada em 1926, fruto do desejo

pessoal do então Presidente da Re-

pública, o mineiro de Viçosa, Arthur

da Silva Bernardes. O decreto de cria-

ção, datado de 30 de março de 1922,

também foi assinado por Arthur Ber-

nardes, na ocasião ainda Presidente

do Estado de Minas Gerais.

No período de criação da Escola, o

Prof. Peter Henry Rolfs, diretor da Es-

cola de Agricultura da Universidade

da Flórida, em Gainesville, foi con-

vidado por Arthur Bernardes, para

organizar e dirigir a ESAV. Também

veio, a convite, o Engenheiro João

Carlos Bello Lisboa para administrar

os trabalhos da sua construção.

Em 1948, o Governo do Estado trans-

formou a ESAV em Universidade Rural

do Estado de Minas Gerais – UREMG,

que era composta da Escola Superior

de Agricultura, da Escola Superior de

Veterinária, da Escola Superior de

Ciências Domésticas, da Escola de

Especialização (Pós-Graduação), do

Serviço de Experimentação e Pesqui-

sa e do Serviço de Extensão. Em 1969

tais instâncias, então, deram corpo à

Universidade Federal de Viçosa- UFV.

Criada, a exemplo do modelo norte-

americano, a ESAV foi feita a partir

de um financiamento considerável do

governo do estado para a instalação

de cursos superiores, principalmente

de agricultura e veterinária, vocação

maior da região. Peter Rolfs vem com

sua esposa, Sra. Effie Rolfs, e a famí-

lia para o Brasil, trazendo consigo a

filosofia dos Land Grant Colleges, que

se baseava nos princípios do Apren-

Page 29: UnB 50 anos

32

der Fazendo e Ciência e Prática. Criou

na ESAV a “Semana do Fazendeiro”,

evento anual no qual a escola se abria

à sua comunidade para a dissemina-

ção de boas práticas agropecuárias.

Nesse evento expandiu-se o chamado

espírito “esaviano” segundo o qual “o

lavrador aprende mais com os olhos

do que com os ouvidos” e constituiu o

modelo de extensão rural, composto

por um agrônomo, uma economista

doméstica e um jipe.

História muito bem sucedida, a expe-

riência da UFV serviu de base para a

institucionalização da extensão ru-

ral em todo o país, desde o modelo

ACAR/ABCAR ao modelo EMATER/

EMBRATER, cujos resultados são

hoje amplamente criticados por suas

repercussões sociais, políticas eco-

nômicas, ambientais e culturais: a

revolução verde.

No período de minha pesquisa em Vi-

çosa, ao verificar a bibliografia mais

estudada pelos diferentes cursos e

nas diferentes disciplinas, dois livros

se destacaram de modo incontestá-

vel: Extensão rural no Brasil, um pro-

jeto educativo para o capital e Exten-

são ou Comunicação?

O primeiro, de Maria Teresa Lousa

da Fonseca, publicado em 1985, pe-

las Ediç õ es Loyola, São Paulo, conta

com detalhes e aguda crítica essa

história da extensão rural, de Minas

Gerais para o Brasil.

O segundo, grande fonte de inspi-

ração e de muito maior indicação

que o primeiro, é um ensaio de Pau-

lo Freire, uma reflexão sobre o seu

trabalho no Chile. Nele, Paulo Freire

propõe-se a refletir sobre a ordena-

ção lógica de conceitos da extensão

e sobre o trabalho do agrônomo, na

condição de técnico em contato com

o camponês, como um ato educati-

vo em uma perspectiva humanista.

O livro está dividido em três capítu-

los. O primeiro capítulo promove a

construção semântica do termo ex-

tensão, a partir da sua a origem: es-

tender algo a alguém. Parte daí para

apresentar o que lhe é subjacente:

dominação, transmissão, passivi-

dade, messianismo, superioridade,

inferioridade e invasão cultural. Fica

demonstrado que essa linguagem é

performática no sentido de “coisifi-

car” o agricultor.

No segundo capítulo, Freire continua

a discorrer sobre a extensão como

antidialógica e reflete sobre a neces-

sidade da Reforma agrária, a trans-

formação cultural e o papel do agrô-

nomo educador. A extensão é assim

manipulação e domesticação e não

caminho de libertação.

No terceiro capitulo, Paulo Freire as-

severa que o conhecimento é gerado

entre os homens em uma relação so-

cial, onde existem vários sujeitos que

pensam, dialogam e comunicam, e

que, por meio dessas ações constro-

em o mundo e constroem a si mes-

mos. Assim, ele destaca a intersub-

jetividade e a intercomunicação, por

meio da mediação entre os homens

que pensam e falam.

Conclui seu ensaio, com uma refle-

xão sobre a situação gnosiológica da

educação. Enfatiza o homem em sua

interação com a realidade, o conhe-

cimento histórico-sócio-cultural no

fazer dos homens e assevera que a

historia é feita pelos homens que, ao

mesmo tempo, nela se fazem.

Como se vê, lá onde tem origem a

extensão universitária, que se ins-

pira na extensão rural, instala-se

consensualmente severa crítica aos

modelos e erros históricos cometidos

e dá-se início a uma transição para-

digmática instauradora de um novo

Habitus (Bourdieu, 1983).

O livro de Paulo Freire realiza, assim,

a grande transformação do modo de

ser, de pensar e de agir daqueles

que se identificam com a extensão

universitária. Lido por muitos, o livro

passou a ser considerado, mais que

a referência básica, a base filosófica

de um novo campo intelectual que

começou a ser estruturado há cer-

ca de vinte e poucos anos: o campo

intelectual (Bourdieu) da extensão

universitária, tal como a concebe-

mos atualmente.

Os atores sociais que atuam nesse

campo intelectual são, por assim di-

zer, dotados de determinado Habitus,

como sugere Bourdieu.

São dimensões do habitus que não

podem ser tomadas como instân-

cias separadas: o ethos, o eidos e a

hexis. O ethos é a dimensão ética

que designa um conjunto sistemáti-

co de princípios práticos, não neces-

sariamente conscientes, uma ética

prática. Por meio do ethos, o habitus

desperta nos indivíduos a necessida-

de de respeitar as normas e valores

sociais, o que lhes possibilita uma

convivência adequada às exigências

da sociedade.

O eidos, por sua vez, é a dimensão

que corresponde a esquemas lógicos

e cognitivos de classificação dos obje-

tos do mundo social. O eidos conduz

o habitus a traduzir-se em estilos de

vida, julgamentos morais e estéticos.

A hexis é a dimensão que possibilita

a internalização das consequências

das práticas sociais e, também, a

sua exteriorização corporal, através

do modo de falar, gesticular, olhar e

andar dos atores sociais. Com tais

dimensões, o habitus viabiliza-se

enquanto produto de uma situação

concreta com a qual estabelece uma

relação dialética, de onde se origi-

nam certas práticas sociais.

É por meio desse habitus específico

que os acadêmicos atuantes na ex-

tensão reconhecem-se uns aos ou-

tros e se fazem reconhecer em redes

de relações e ações também especí-

ficas, o que assegura uma inserção

social diferenciada aos atores so-

ciais que o detém.

Page 30: UnB 50 anos

33

1 CELEBRAR À MANEIRA DOS ACADÊMICOS EXTENSIO-NISTAS

A Antropologia sempre se dedicou ao estudo dos rituais. Investigar os cerimoniais humanos é uma das tarefas de pesquisadores que, com curiosidade e estranhamento, ob-servam e buscam compreender um evento como uma manifestação da cultura. Certamente, essa é uma postura diferente daquela que pre-valece nos participantes. Para es-ses, a postura é de sua naturaliza-ção. O evento ritual, qualquer que ele seja, tende a ser naturalizado por quem dele participa. Essa é uma das principais características de um ritual. A alteração do tempo e do espaço também é frequente em um evento. A sua realização ocorre em um tempo diferente do normal. Muitas vezes o espaço também é di-ferenciado. Momento diferente em espaço também diferente, mas sem-pre incorporado à vida social. Entre atitudes de estranhamento e de naturalização, o ritual se confir-ma como linguagem, sistema de co-municação em que um conjunto de signos que são incorporados pelos indivíduos permite sua decodificação instantânea. O evento e o conjunto de símbolos que são acionados co-municam socialmente e dão sentido à realidade. De acordo com E. R. Leach, há três formas de se perceber a existência do tempo: a repetição das coisas; a entropia nos objetos e em nós; a pas-sagem relativa de uma coisa em rela-ção à outra. Por meio delas, compre-endemos que a sua regularidade não é uma parte intrínseca da natureza, e sim que é uma noção construída pela cultura. Nós a projetamos em nosso ambiente para nossos próprios obje-tivos particulares.A sociedade ocidental moderna de-

senvolveu, independentemente da

noção de espaço, uma noção abstra-

ta de tempo. Temos, desde então, a

tendência de conceber o tempo que

sabemos socialmente construído

como uma dimensão absoluta, com

existência e valor próprios, que pode

ser perdido, medido, sentido, gasto,

interrompido, economizado, vendi-

do. As sociedades humanas utilizam

as diferentes noções de tempo para

ordenar a realidade. Nas sociedades

arcaicas e tribais uma ordenação cí-

clica, e nas sociedades contemporâ-

neas uma ordenação reificada e line-

ar é o que prevalece.

O pesquisador social tenta desvelar

o que está sendo transmitido, como

também a forma pela qual a comu-

nicação se dá, em que momento,

entre quem, o que significa, o im-

pacto social. A sua eficácia está em

fornecer um modelo pelo qual é pos-

sível observar a realidade. Obser-

vamos uma aplicação dos modelos

sobre a realidade. A realidade, por

sua vez, nos fornece elementos para

teorizar, e a teoria nos fornece ele-

mentos para expandir a análise da

realidade. É o círculo retroativo de

Edgar Morin (2003).

“Rituais, eventos especiais, eventos

comunicativos ou eventos críticos

são demarcados em termos etno-

gráficos e sua definição só pode ser

relativa - nunca absoluta ou a priori;

ao pesquisador cabe apenas a sen-

sibilidade de detectar o que são, e

quais são, os eventos especiais para

os nativos (sejam “nativos” políticos,

o cidadão comum, até cientistas so-

ciais)”. (Peirano, 2002:8-9).

Fazer uso dos recursos da Antropolo-

gia para a compreensão da nossa so-

ciedade vem sendo muito frequente e

extremamente eficaz. A partir das ca-

racterísticas específicas da estrutura

dos rituais, é possível observar onde

eventos estão sendo acionados, de

que maneira estão sendo utilizados e

o que transmitem. Também na Aca-demia os rituais cumprem o papel

de tornar visível o invisível. Imersos campos simbólicos específicos, nós acadêmicos, realizamos eventos e cerimoniais que podem ser interpre-tados como se fossem rituais. O que significa para nós, atuantes do campo intelectual da extensão universitária, a comemoração dos 90 anos de Paulo Freire, dos 50 anos da Universidade de Brasília e, a partir daí, a mirada do futuro, em termos de perspectivas para a extensão?De início, reportando a Leach, te-mos a consagração do nosso tem-po: repetimos vivências, discussões, promessas, repassamos projetos. Percebemos também a entropia nos objetos, nas teorias e em nós. Men-suramos o que somos em relação ao que fomos, avaliamos a instituição, seus propósitos, sua missão. Por fim, fazemos comparações e, a partir daí, reforçamos nossas crenças, desejos, valores. À maneira das sociedades tradicionais, marcamos no calendá-rio, mais que um fim, um novo prin-cípio. Reprogramamos nossas ações, reconstruímos nossa utopia amorosa de transformar o mundo!Assim fazendo, temos a restauração da vida. Paulo Freire, morto em 1997, revive em cada um de nós. A Uni-versidade de Brasília, muitas vezes afastada do seu projeto inicial revi-ve, com o vigor dos primeiros anos, a sua entrega à nação brasileira como autêntico modelo de universidade que convém ao país, de hoje e do fu-turo. E tudo isso, por meio das pos-sibilidades anunciadas no ensino, na pesquisa e, sobretudo, na extensão.

2 A DINÂMICA DO CAMPO INTELECTUAL DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: O SEMINÁRIO DO RECIFE DE 2002.

Um exemplo, merece ser apresenta-

do para permitir compreender o com-

plexo das relações sociais dos aca-

dêmicos extensionistas. Passados

Page 31: UnB 50 anos

34

cinco anos da morte de Paulo Freire,

foi realizado nos dias 2, 3 e 4 de maio

de 2002, em Recife, o Seminário

“Educação e Transformação Social”1 .

Tomado inicialmente como a primeira

parte de uma reflexão que teria con-

tinuidade em Paris, o seminário par-

tiu de iniciativa da Management of

Social Transformations Most/UNES-

CO e do Centre d’Etude du Dévelo-

ppement en Amérique Latine -Cedal.

Promovido pela UNESCO/MOST e

pelo Cercle de Pedagogies Emanci-

patrices, contou com a parceria das

instituições brasileiras: Prefeitura da

Cidade do Recife; Universidade Fe-

deral de Pernambuco; Fundação Cul-

tural Palmares do Ministério da Cul-

tura e Centro Paulo Freire – Estudos

e Pesquisas. A decisão de promover

os dois seminários, foi justificada em

janeiro de 2002, pelo fato de Recife

ser a cidade de Paulo Freire e repre-

sentar um impacto local; e Paris, pela

difusão internacional do evento.

O relatório de evento de Recife faz

alusão a dois Colóquios Internacio-

nais - Paulo Freire, realizados em

1999 e 2001 e ao livro organizado por

Maria Nayde dos Santos Lima e Ar-

gentina Rosas, Paulo Freire – quan-

do as ideias e os afetos se cruzam,

publicado pela Prefeitura da Cidade

do Recife em 2001 e salienta as suas

dimensões: o afetivo, o intelectual

e o estético da cultura nordestina,

também presentes nos programas

de Recife e de Paris. Por razões que

não consegui apurar, o Seminário de

Paris, programado para setembro de

2003, não aconteceu.

O seminário de Recife teve o objetivo

de reunir e sistematizar pensamen-

tos e práticas que foram construídas

em torno de Paulo Freire, orientando-

se pelas questões: quais são as influ-

ências recíprocas entre Paulo Freire

e todos aqueles que tiveram conta-

to com suas ideias e suas práticas?

Quais poderiam ser as interações

entre Paulo Freire e estas práticas?

Quais são os diálogos que se estabe-

lecem entre as diferentes formas de

pensar e praticar as transformações

sociais? Será que as filosofias e as

práticas resultantes dessa interação

- e considerando Paulo Freire como

um pretexto, um texto e/ou um con-

texto -, incitaram mudanças nas polí-

ticas públicas? Se sim, por quê e em

quê? Caso contrário, por que não?

Além disso, pretendeu promover uma

pedagogia emancipadora em detri-

mento de uma antipedagogia. Essa

postura seria obtida por meio da re-

flexão sobre as questões: quais são

as influências e as marcas do pen-

samento e da prática de Paulo Frei-

re nos movimentos pedagógicos na

Europa e na América Latina? Como

encontrar a dimensão política da

pedagogia e favorecer uma tomada

de consciência para fazer escolhas

conscientes? Como favorecer uma

praxis (enquanto processo de ação e

de reflexão dos indivíduos sobre seu

próprio meio, na intenção de trans-

formá-lo) que corresponda a uma

concepção política e não humanitá-

ria? Como pretender que a praxis -

como modo de construção de nossos

conhecimentos e de nossas teorias -,

produza saber a partir do real, coe-

rentemente com as transformações

desejadas? A partir desta concepção

da praxis, como dar sentido à partici-

pação? Qual o papel do enraizamen-

to dos aprendizados na formação de

novos atores em torno de tomadas

de consciência e das histórias de

vida coletivas?

Os resultados esperados foram assim

descritos: conhecimento das contri-

buições (e os limites) do pensamento

de Paulo Freire em comparação com

outras ideologias da educação e das

dimensões políticas do desenvolvi-

mento; maior conhecimento do pen-

samento e da prática da pesquisa-

ação, através de uma publicação de

referência; montagem de uma rede articuladora dos participantes do

seminário (e eventualmente imple-mentação de uma agenda de traba-lho); estabelecimento de um plano de ação para a UNESCO em termos de educação não-formal (a partir dos trabalhos em oficinas); compreen-são de como aqueles que praticam o pensamento de Paulo Freire se rela-cionam com os processos de formu-lação de políticas públicas e em que medida suas práticas representam uma forma de expressão pública que produz transformações sociais; pro-moção de uma reflexão crítica sobre os objetivos, os processos e o contro-le das políticas de educação atuais. A transição entre Recife e Paris seria então feita por meio de: pensar no encadeamento entre os dois seminá-rios e garantir a continuidade assim como uma dinâmica de articulação; pensar sobre a perenidade dos resul-tados; pensar em como Paulo Freire pode permanecer sendo uma cente-lha após os seminários; lembrar a importância de envolver os movimen-tos associativos e as redes de ONGs; elaborar um dossiê de preparação para cada um dos dois seminários. Definidos os cinco eixos temáticos, estes passaram a regular a constru-ção metodológica. São eles: a ques-tão do viver juntos; reinterrogar nos-sas categorias sociais; de que sabe-res temos necessidade?; a questão do “aprender” hoje; reconsiderar a riqueza dos territórios (“territórios fí-sicos, culturais, simbólicos, sociais”). A programação incluiu além de con-ferências, mesas e oficinas: a Ágora,

a Feira dos Saberes, À sombra das mangueiras. Merece registro a construção concei-tual dos eixos temáticos. O primeiro, Domar a opressão ou aprender a viver

juntos, foi assim apresentado: Não se deve nem banalizar, a opres-

são, nem pretender achar que não se

pode fazer nada. Frente à opressão

contemporânea e aos seus múltiplos

aspectos (exclusão, pobreza, ignorân-

cia, exploração), sempre é preciso rea-

Page 32: UnB 50 anos

35

gir, como diz Paulo Freire, com indigna-

ção, com resistência, mas igualmente

com a esperança de que juntos, possa-

mos melhor construir e melhor habitar

nosso mundo, para melhor viver juntos.

Este eixo temático explora os meios que

dispomos para criar uma parceria cons-

trutiva e uma real solidariedade em prol

da construção de saberes libertadores

e da troca de nossos saberes. Como

substituir a cultura do silêncio desuma-

nizador por um diálogo emancipador e

autenticamente humano? A luta contra

a discriminação e a opressão tem dois

inimigos maiores: de uma parte, um

fatalismo (que pensa que a vida é na-

turalmente “assim”, que a desigualdade

é inevitável) e de outra parte, uma tole-

rância que se desculpa (dizendo “eu sei

que é inadmissível, mas eu não posso

fazer nada”). Essa dupla impotência

assimilada ou aprendida ficará refor-

çada pelas forças opressoras da mun-

dialização - o poder das multinacionais,

das decisões anônimas, a corrupção

social, moral e econômica na qual ela

encontra suas raízes. No entanto, nes-

sa luta, existem aliados: a indignação, a

resistência, a esperança de que, juntos

possamos melhor construir e habitar

nosso mundo. Mas como realizar isso?

Será que é preciso tentar estancar a

opressão hoje, esperando amanhã fa-

zê-la desaparecer? Que lugar para um

saber-compromisso ou para um saber-

-ser-razoável? Uns afirmam “é preciso

tomar as armas”; outros dizem “é preci-

so tomar a palavra”: como aprendemos

denunciando a violência e anunciando

a emancipação? Como a mobilização

local pode provocar conseqüências

nacionais, internacionais? O que signi-

ficam essas palavras “solidariedade” e

“parceria”? Quais são os valores fede-

rativos que queremos defender? O que

quer dizer “responsabilidade social”?

Quais são os elementos positivos e li-

bertadores no seio da dinâmica social e

política da mundialização? Como cana-

lizar essa energia e essa solidariedade,

a fim de encontrar os benefícios dela

numa escala local? Quais são os sabe-

res que devemos aprender e valorizar a

fim de melhor viver juntos?

O segundo eixo temático, Reinterro-

gar permanentemente nossas cate-

gorias sociais e nossas práticas, foi

assim caracterizado:

A transformação social é um ao profun-

damente político. Este eixo tenta tomar

explícita a dimensão política da educa-

ção e das práticas, afim de melhor com-

preender os vínculos entre experiências

ao nível micro e individual e a necessi-

dade de fazer repercutir as lições des-

sas experiências no plano das escolhas

políticas. Um dos subtemas maiores é

sem dúvida o das representações, dos

prejulgamentos e das justificações pelas

quais explicamos as complexas desi-

gualdades que se manifestam em nossa

sociedade. É possível reconhecer e valo-

rizar a diferença - individual ou coletiva,

sem fazê-lo em proveito de uns e à custa

de outros? A educação pensada em diá-

logo com a perspectiva de Paulo Freire

desempenha um papel fundamental na

transformação da sociedade. A educa-

ção como vetor de conscientização e

fator essencial do desenvolvimento nos

põe diante do desafio de conceitualizar

a transformação de baixo para cima, e

em contato direto com os atores sociais.

Pensar a transformação social a partir

da prática de certas formas da pedago-

gia emancipatória e engajada deveria

nos ajudar a evitar o perigo da concei-

tualização abstrata e os mitos da teoria

social e política afastada da realidade.

Esse modo de conceber a transformação

social a partir de uma práxis e de uma

pedagogia emancipatória pode nos le-

var, por exemplo, a pensar a democracia

também no sentido de uma prática co-

tidiana do ator individual e dos sujeitos

coletivos, e não apenas como um sis-

tema complexo de gestão dos conflitos

sociais. Dentro deste eixo temático, as

oficinas deverão nos levar a levantar

questões centrais. É possível valorizar a

diferença numa determinada sociedade

sem criar uma rotulação discriminató-

ria? Como as ações educativas e as pe-

dagogias desenvolvidas em comunhão

com o pensamento e a prática de Paulo

Freire podem nos conduzir à perspectiva

particular das transformações sociais?

Quais seriam essas perspectivas (entre

transformação, inovação, reforma, mu-

dança, evolução, revolução)?

Em que medida uma análise política da

pedagogia transformadora pode nos

ajudar a melhor compreender e con-

ceitualizar os embates da renovação

do espaço público, a emancipação dos

atores não governamentais na cena po-

lítica e social, os vínculos entre estes e

as instituições? Como aqueles que fo-

ram influenciados pelo pensamento de

Paulo Freire ou que reivindicam perten-

cer ao “universo freireano” da educação

transformadora praticam ou praticaram

a política institucional ou associativa?

- Quais são os limites que eles/elas per-

cebem na ação política - entendida em

sentido abrangente - quando a trans-

formação de si mesmo se depara com o

obstáculo da não transformação do outro

e/ou do seu meio (e vice versa)? Como

pensar a democracia como uma prática

cotidiana do ator individual e coletivo, e

não apenas como um sistema complexo

de gestão de interesses sociais oponen-

tes? Como compreender a interação

íntima existente entre o indivíduo, a po-

lítica institucional e o meio ambiente?

Enfim, articulando teoria e prática, como

devemos conceitualizar ou formular e,

em seguida, realizar transformações

sociais que poderão ser consideradas

emancipatórias?

Do mesmo modo, o terceiro eixo te-

mático, De que saberes necessita-

mos? Como definir e valorizar os sa-

beres libertadores? envolveu: Como identificar e fazer circular os

saberes necessários para todos para

que cada um possa verdadeiramente

participar dos debates e das atividades

democráticas da nossa época (debates

com dimensão política, ecológica, bio-

lógica. Ética)? Quais são as aprendiza-

gens necessárias, se queremos enfren-

tar os desafios da nossa vida individual,

familiar, cultural, social e planetária?

Este eixo estuda a relação entre “sa-

ber” e “poder”, portanto tem a ver com

a produção, a transmissão, a valoriza-

ção e o intercâmbio dos saberes. Como

fazer para que os saberes construam

em vez de excluir, valorizem em vez de

humilhar, tornem criativos e curiosos,

em vez de passivos e dogmáticos, para

que se tornem fone de cooperação e de

reconhecimento, ao invés de objeto de

competição e exclusão? De quais sa-

beres necessitamos? Como podemos

nos aplicar a fazer circular os saberes

necessários a todos para que cada um

possa verdadeiramente participar dos

debates democráticos de nossa época:

políticos, ecológicos, biológicos, éticos

etc...? A velocidade do desenvolvimen-

to das ciências e das tecnologias abre

o debate sobre questões fundamentais:

Page 33: UnB 50 anos

36

a adoção de políticas globais e locais, o

impacto no meio ambiente, a modifica-

ção das relações sociais, dos problemas

de ética... que deixam a maior parte dos

cidadãos “à margem”. O acesso a este

debate é de fato difícil, mesmo para

aqueles que têm um nível de estudo

muito elevado. Essa exclusão abre um

claro caminho para o desmonte do pro-

cesso de desenvolvimento democráti-

co dos povos, questiona a consciência

sobre a responsabilidade ambiental,

mesmo daqueles oriundos das socieda-

des dos países desenvolvidos e ameaça

provocar o aumento da pobreza e a ex-

clusão dos povos. O relatório da UNES-

CO, coordenado por Jacques Delors, “a

educação, um tesouro está escondido

dentro”, insistia sobre a necessidade,

para nosso futuro mútuo e nosso futu-

ro comum, de aprender conjuntamente

conhecimentos, saber-fazer, saber-ser

e conviver juntos. Quais são as apren-

dizagens necessárias, se nós queremos

enfrentar os desafios da nossa vida

individual, cultural e social, planetá-

ria? Aprender a desenvolver nossa lu-

cidez, aprender a cooperar, a criar la-

ços entre as pessoas, a religar sempre

transformações individuais junto com

transformações coletivas, aprender a

enfrentar a incerteza, aprender a re-

cusar e a combater as opressões sem,

porém, criar outras novas...? Como as

propostas praticadas e pensadas por

Paulo Freire poderiam ser reinventadas

para que esses saberes se difundam e

se construam com todos, para todos,

por todos? Modos de construção dos

saberes e modos de transmissão inti-

mamente ligados. Como as mudanças

dos modos de transmissão, de partilha,

de socializar e de fazer circular os sabe-

res têm como conseqüência a transfor-

mação da definição e da produção dos

saberes. Para que servem os saberes?

Será que não urge fazer a escolha in-

dividual e promover escolhas coletivas

para que os saberes unam em vez de

excluir, valorizem em vez de humilhar,

tornem criativos, abertos ao inesperado,

curiosos com o outro, em vez de serem

dogmáticos, recheados de certezas;

para que a circulação desses saberes,

sua transmissão ensinem a coopera-

ção, em vez da competição? Como lutar

contra uma cultura da desqualificação,

em particular, da desqualificação dos

saberes de uns pelos saberes dos ou-

tros? Que regra ética podemos propor

como essencial à qualificação de um

saber, para que ele seja definido como

verdadeiramente “humano”? (a troca re-

cíproca?). Como construir para a recusa

do aproveitamento da herança cultural

pela sociedade de produção - consumo?

Através da concepção da universalida-

de dos saberes1 das práticas coerentes

com esta concepção, é preciso emanci-

par, superar o fatalismo do destino so-

cial. Os saberes resultados de pesquisa

e aprendizagem. Trata-se de lutar con-

tra essa opressão interiorizada: “não sei

nada”, “não sou capaz”, “não sou digno

disto”; os saberes como resultados de

uma aprendizagem; como desenvolver

as curiosidades, a consciência de que

os saberes podem tornar-se acessíveis,

que somos dignos deles, que eles nos

pertencem por direito: a consciência

de que os saberes que possuímos são

dignos, interessantes, úteis, essenciais

para construir um mundo onde todos os

mundos possam ter lugar.

Como a pesquisa-ação pode contribuir

para enfrentar essas questões? Os sa-

beres, a educação e a formação devem

ser considerados como bens comuns da

Humanidade, quer dizer, de todos os se-

res humanos. Como aliar-se para lutar

contra a privatização e a “mercantiliza-

ção” dos saberes e da formação?

O quarto eixo temático Aprender

e ensinar hoje, recebeu a seguinte

reflexão:As fontes multiplicadas de saber inter-

rogam hoje nossas maneiras de apren-

der e de ensinar tanto nas instituições

de educação e de formação, como nos

sistemas informais associativos e co-

munitários. O sistema educativo, numa

sociedade determinada, é simultanea-

mente agente de controle e de domes-

ticação, uma força de integração e de

exclusão. Frente a esses paradoxos,

em qual sistema de educação podemos

aprender e nos formar no decorrer da

vida, enquanto cidadãos participantes,

responsáveis, capazes de decidir e agir

com autonomia e solidariedade? Este

eixo se interroga sobre o papel e a fun-

ção da escola, sobre o conceito e a im-

portância da educação popular, sobre a

definição e a prática de uma educação

permanente. Qual é hoje o perfil pro-

fissional do educador ou do formador?

O que quer dizer “ser aluno, estudante

ou formando” na sociedade contem-

porânea, marcada pela mundialização,

pela tecnologia e pelo consumo? Preci-

samos nos interrogar sobre o papel do

aprender hoje: particularmente, não

poderemos resolver nenhum dos pro-

blemas de nossas sociedades sem levar

em consideração os saberes de todos

aqueles que estão envolvidos, que, em-

bora tenham aprendido por caminhos

extremamente diferentes, merecem ser

reconhecidos.

Fala-se cada vez mais de autoforma-

ção. Se é verdade que precisamos ser

capazes de entrar em contato com di-

nâmicas permanentes de autoforma-

ção, será que não existe também o risco

da autoformação tornar-se um pretexto

para deixar a cada um a responsabili-

dade de sua formação permanente,

tornando-se mais refém da flexibilidade

do emprego e da sua aceitação passiva

sem revoltar-se? A questão central nes-

te eixo temático: Quais são os sistemas

e propostas de aprendizagem-ensino

para aprender e formar-se no decorrer

da vida, enquanto cidadão participante,

responsável, capaz de decidir e de agir

com autonomia e solidariedade? Edu-

cação bancária ou dialógica?

A questão continua atual: a reciproci-

dade como proposta social, pedagógi-

ca, política e ética Competição ou co-

operação? Responsabilidade pessoal

e coletiva ou abdicação e poder sobre

o próximo? Cinismo dos instruídos e

fatalidade do destino social para os

“não-instruídos “ ? Quando se apren-

de, aprende-se também com os siste-

mas pelos quais e nos quais se apren-

de: uma educação e uma formação

que desenvolvem a responsabilidade,

o poder de decidir, a relação paritária,

a curiosidade em face de outros pontos

de vista. Neste eixo temático, foram

subtemas: A questão da escola; A ques-

tão da educação popular; A questão da

formação para o trabalho; A questão

da educação permanente e da autofor-

mação; A questão das aprendizagens a

distância e das aprendizagens presen-

ciais; A pedagogia e a formação dos

professores e formadores.

O quinto eixo temático Transformar

juntos seu território de vida, teve o se-

guinte texto de orientação: A expansão das associações e das or-

ganizações da sociedade civil que lu-

tam numa perspectiva de transforma-

Page 34: UnB 50 anos

37

ção social e política está acompanhada

por um desengajamento do Estado na

sua responsabilidade social ou mesmo

na satisfação das necessidades mais

elementares das populações. No en-

tanto, grupos de pessoas, seja na ci-

dade, seja no meio rural, demonstram

muitas vezes uma grande capacidade

e competência para organizar-se e

buscar construir juntas respostas efi-

cazes. Este eixo busca compreender,

em experiências concretas de campo,

como empreender projetos cooperati-

vos, como mobilizar coletivamente e

como contribuir para um desenvolvi-

mento individual, coletivo e societário,

que seja ao mesmo tempo autônomo,

recíproco, inovador e durável.

Na América Latina, grupos de pesso-

as, seja na cidade, seja no meio rural,

muitas vezes demonstram grande ca-

pacidade para se organizar e buscar

construir juntos meios de sua sobrevi-

vência. Foram acompanhados durante

as últimas décadas por promotores ou

trabalhadores sociais, por ONGs que

se identificaram explicitamente com

o pensamento de Paulo Freire. Hoje,

em toda parte, a expansão das orga-

nizações da sociedade civil que lutam

numa perspectiva de transformação

social e política está acompanhada por

um desengajamento do Estado na sua

responsabilidade social ou, simples-

mente, na satisfação das necessidades

mais elementares das populações. Por-

tanto, encontramos um interesse refor-

çado de conhecer e confrontar as expe-

riências daqui e de lá, de refletir sobre

suas riquezas e seus possíveis desen-

contros; de contribuir à construção de

pedagogias da ação, de pedagogias de

projetos comunitários. Convém, parti-

cularmente, nos perguntar juntos, em

que a herança de Freire pode alimen-

tar hoje uma transformação social, na

verdade societária, partindo de uma

tomada de consciência das populações

locais, de suas condições de vida e das

suas potencialidades e como acompa-

nhar uma transformação que os leve

a mudar sua realidade cotidiana e a

organizar-se para ter êxito neste em-

preendimento.

A QUESTÃO: Como criar junto com as

pessoas cujas condições de existência

são muito precárias, um contexto no

qual elas possam reencontrar sua dig-

nidade, investir no seu futuro e ser ca-

pazes de transformar sua realidade?

AS SUB-QUESTÕES: A riqueza do ter-

ritório, da comunidade: quais são as

definições dos territórios para viver

juntos? Que olhares mútuos sobre os

territórios dos outros, por exemplo,

os “bairros difíceis”, as comunidades

rurais ou indígenas? Qual é a ima-

gem de si mesmo que pode decorrer

a partir dessas observações? Quais

são os laços estreitos existentes entre

os “Eu” e os “Nós”? Entre os territórios

físicos, culturais, simbólicos e sociais,

quais são as articulações e as aber-

turas? Como valorizar a cultura, os

saberes e as competências dos habi-

tantes? Como mobilizar coletivamente

as energias para imaginar o possível,

empreender e realizar juntos? Que or-

ganização para empreender projetos

cooperativos, experiências que cons-

truam o humano, para favorecer seu

desenvolvimento autônomo no quadro

de uma reciprocidade construtiva?

Que acompanhamento dar às experi-

ências e aos projetos? Como trabalhar

“com” as pessoas e não “por” elas?

Rede e projeto. A relação local-global:

como efetuá-la? Como assumir a mul-

tiplicidade das culturas, respeitá-la,

enriquecer-se com ela? Que questões

se levantam hoje na França e na Amé-

rica Latina a respeito de criar juntos?

Quais as experiências na França e na

América Latina? Que aproximações,

que complementaridades com os apor-

tes de Paulo Freire? O que tecer e mes-

tiçar de modo exitoso, e que tessituras

e mestiçagens tentar para favorecer o

êxito dos projetos?

O Seminário do Recife, como relata-

do, por sua condição formalizada e

esteriotipada, evidencia os recortes

feitos pelos acadêmicos, que ressal-

tam o que é usual no seu campo in-

telectual. Representa muito mais que

as relações no cotidiano, pois possui

uma estrutura e sentido coletivos.

Ao promover a relação entre a ação

social e a comunicação, o seminário

põe em destaque o modo como os

sujeitos classificam o mundo e cons-

troem representativamente a reali-

dade em que vivem.

Transformar-se em um acadêmico

extensionista é um processo que os

próprios “nativos” denominam de

“encontrar-se na extensão” Signifi-

ca assumir a postura acadêmica de

“construção do conhecimento que

transforma”. Sendo assim, é possível

estabelecer um paralelo com um ritu-

al. Primeiramente, como já se disse,

o recorte é feito pelos próprios exten-

sionistas. Como diz Geertz, é “uma

estória sobre eles que eles contam a

si mesmos” (1978:316). Os extensio-

nistas interpretam a sua inserção na

academia como um deslocamento

de tempo e espaço em uma dramati-

zação na qual se representam.

“Encontrar-se na extensão” tem signi-

ficado simbólico para os extensionis-

tas, como para todos os seus pares,

aqueles que virão a ser extensionis-

ta, aqueles que não fazem e nunca

farão extensão. Esse evento torna-se

um marco que delimita o tempo vivi-

do. Há o tempo anterior a esse en-

contro de si mesmo na extensão, há

o tempo posterior a esse marco, há

um tempo coincidente com o tempo

de vida daquele que construiu as ba-

ses do campo – Paulo Freire; há um

tempo institucional de maior o menor

aproximação com esse campo. E o

seminário, ao chamar aqueles que se

reconhecem nesse fazer acadêmico,

consagra esse significado simbólico.

O tempo presente, distinto do passa-

do permite o encontro também com a

sua a alteridade.

As etapas do modelo de ritual pro-

posto por Van Gennep podem ser

reconhecidas nos eixos temáticos

do seminário: viver juntos; questionar

nossas categorias sociais; pergun-

tar pelos saberes que necessitamos;

“aprender” hoje; situar-se e valorizar

territórios físicos, culturais, simbó-

licos, sociais. Existe uma condição

acadêmico-social em que prevalece

o individualismo e a competitivida-

de que impulsiona os acadêmicos

no seu cotidiano. Além disso, há as

etapas de distanciamento e aproxi-

mação que são percebidas no des-

locamento em grupo, professores e

Page 35: UnB 50 anos

38

estudantes para o trabalho de cam-

po na extensão. É visivelmente dis-

tinto o comportamento na ida e na

volta desse trabalho. O momento de

trabalho de campo é etapa limiar, em

que vários outros comportamentos

ritualizados são incorporados pelos

participantes: modo de vestir, modo

de falar com “o outro”, ouvir mais que

falar, simplificação de hábitos de ali-

mentação, de descanso e de higiene,

companheirismo, aproximação pes-

soal. São sinais ritualizados de que

os sujeitos estão em fase de se en-

contrar na extensão. Enquanto “não

se encontram”, os sujeitos no seu

discurso são críticos e irônicos com

aqueles que “já se encontraram” na

extensão. A crescente naturalização

do ser extensionista oportuniza inver-

são de valores. Entre seus sujeitos, é

comum estabelecer-se um compor-

tamento de certo modo competitivo,

de que faz mais extensão.

Assim, viver juntos; questionar nossas

categorias sociais; perguntar pelos sa-

beres que necessitamos; “aprender”

hoje; situar-se e valorizar territórios

físicos, culturais, simbólicos, sociais

são mais que uma pauta de semi-

nário. Encerram um modo específico

de ser, de viver, de pensar, de fazer

ciência. Denotam que seus sujeitos

se reconhecem no fazer acadêmico

sugerido metodologicamente pela

pesquisa-ação.

São mecanismos de atualização dos

valores e tradições culturais em um

presente com vista a um futuro. Nes-

se processo, todo o campo intelectu-

al se coloca historicamente. Esses ei-

xos evidenciam a transmissão desse

conhecimento e a reprodução dessa

cultura extensionista, em processo

de transformação e continuidade

culturais. Também um processo de

produção de sentido que expressa a

experiência vivida. Por meio deles, o

conjunto de atores do campo intelec-

tual se sente representado, é legiti-

mado, reforça-se na solidariedade

interna e modela-se nas percepções

pessoais da sua realidade política.

(Kertzer, 2001:18).

O momento de comemoração de 50

anos da Universidade de Brasília e

de 90 anos de Paulo Freire é, assim,

nova celebração, nova consagração

e atualização dos valores e tradições

presentes nesse campo intelectual.

O tempo presente é sinalizado ritu-

alisticamente para a projeção de um

futuro. E que futuro é concebido hoje

para a extensão universitária brasi-

leira? O que move os extensionistas

inspirados em Paulo Freire na cons-

trução da utopia amorosa de trans-

formação social, de transformação

da universidade?

3 O PROGRAMA JOSUÉ DE CASTRO: A VIABILIDADE DE UMA POLÍTICA PÚBLICA CONSTRUÍDA PELA BASE DO CAMPO INTELECTUAL.

Há um aspecto político na dinâmica

do campo intelectual da extensão

universitária que merece ser desta-

cado. Eventos como o que encerra a

comemoração dos 50 anos da UnB e

dos 90 anos de Paulo Freire servem

também para compreender a vida

política neste particular.

Na sua função estática, busca-se

manter o status quo. As estruturas

hierarquizadas das diferentes ins-

tâncias envolvidas são legitimadas

e o campo intelectual é reforçado.

Na sua dimensão dinâmica, os even-

tos evidenciam os movimentos de

mudança política promovidos pelo

campo. O campo existe a partir de

representações simbólicas. Eles são

compreendidos pelos indivíduos na

associação com símbolos. Os even-

tos são assim fundamentais para o

processo de associação de indivídu-

os com entidades simbólicas, como

um campo intelectual representa-

do também por suas instituições: a

Universidade, o Fórum Nacional de

Pró-Reitores de Extensão das Uni-

versidades Públicas, a Secretaria de

Educação Superior do MEC, como

grande aliado.

Diante dos mitos fundadores do cam-

po que os eventos representam, o fu-

turo do campo é desenhado, ganha

legitimidade e proporciona solidarie-

dade e adesão. Poderoso instrumen-

to de influência no processo político,

“proporciona um meio de tornar pal-

pável aquilo que, de outro modo, não

pode ser visto. Fornece um mecanis-

mo potente para produzir legitimi-

dade e solidariedade e ajuda-nos a

construir a realidade política do que,

de outro modo, apareceria como o

caos”. (Kertzer, 2001:35).

O Programa Josué de Castro é a

realidade política que se pretende

construir na extensão. Em discus-

são nas universidades brasileiras, foi

concebido com o intuito de favorecer

a formação acadêmica, pela exten-

são, dos estudantes universitários e

de buscar a parceria das Instituições

Públicas de Ensino Superior na erra-

dicação da fome e da miséria no país.

Para sua concepção e desenvolvi-

mento, o MEC1 recorreu ao Fórum

Nacional de Pró-Reitores de Exten-

são – FORPROEX que compreendeu

ser o Programa importante iniciativa

de valorização acadêmica da exten-

são universitária. O Fórum constituiu

um grupo de trabalho com a finali-

dade de estruturar o programa. Em

alguns dias, o programa, cujo ponto

de partida foi um documento prelimi-

nar escrito pela assessoria direta do

Secretário da SESu, tinha a sua ver-

são preliminar, que passou a receber

contribuições e ajustes de diferentes

instâncias.

A facilidade de sua feitura deveu-se

ao fato de o Programa ser um con-

junto de propostas perfeitamente

condizentes com as diretrizes e pla-

nos que o Fórum construiu, ao longo

Page 36: UnB 50 anos

39

de sua história, e propôs em seus

documentos base. Assim, propos-

tas históricas feitas em diferentes

momentos, anseios de grande parte

dos extensionistas, foram formal-

mente transformados em metas e

providências, com data e responsa-

bilidades definidas.

Integrante do Plano Nacional de Ex-

tensão Universitária que articula as

universidades, via extensão univer-

sitária, com municípios definidos

pela Presidência da República, para

promover ações para erradicação da

Fome e da Miséria, o programa avan-

ça no conceito de Função Social da

Universidade Pública ao envolver os

alunos de graduação, formandos e

recém-formados, bem como profes-

sores, com os problemas enfrenta-

dos pelos territórios em um período

de quatro anos.

Seus temas prioritários são aqueles

constantes dos diagnósticos realiza-

dos pelo Governo Federal em seus

programas de territorialização. Os

diagnósticos produzidos para os mu-

nicípios participantes do Programa

Josué de Castro deverão apontar os

problemas prioritários a serem sana-

dos relacionados com a erradicação

da Fome de Miséria, nos seguintes te-

mas: Segurança alimentar e nutricio-

nal; Produção de alimentos: Inovação

tecnológica; Educação: Alfabetização,

leitura e escrita; Formação de pro-

fessores; Crianças, Jovens e adultos;

Educação profissional; Empreendedo-

rismo; Saúde: Grupos sociais vulnerá-

veis ,Infância e adolescência , Saúde e

proteção no trabalho; Saúde humana,

Saúde animal, Saúde da família, En-

demias e epidemias; Cultura: Música,

teatro, dança, Organizações da socie-

dade civil e movimentos sociais e po-

pulares; Trabalho e geração de renda:

Desenvolvimento produtos Emprego e

renda, Desenvolvimento regional rural

e urbano; Desenvolvimento questão

agrária, Desenvolvimento tecnológi-

co Gestão do trabalho Gestão infor-

macional Gestão institucional Gestão

pública; Inclusão digital: Mídia-artes,

Mídias, Tecnologia da informação; Es-

porte: Esporte e lazer; Vulnerabilidade

por questões ambientais: enchentes,

desmoronamentos, soterramentos,

incêndios, secas, lixo, acesso à água,

saneamento e urbanização; Vulnera-

bilidades sociais: Uso de drogas e de-

pendência química; Segurança públi-

ca e defesa social, Desenvolvimento

humano, violência urbana, chacinas,

atingidos por barragens, atingidos por

remoção; Direitos humanos: Direitos

individuais e coletivos.

São suas diretrizes: Desenvolvimento

de ações dialogadas entre a univer-

sidade e a sociedade – os programas

devem ser construídos com a partici-

pação ativa dos atores sociais envol-

vidos de forma a respeitar as neces-

sidades locais. Garantia da continui-

dade das ações ao final do Programa

– as ações devem ser pensadas de

forma a promover a emancipação lo-

cal e construir mecanismos que ga-

rantam sua continuidade pelos ato-

res locais. A natureza interdisciplinar

e multiprofissional – Os programas

propostos devem compreender uma

prática acadêmica multiprofissional

e interdisciplinar de forma ao desen-

volvimento de ações para o enfren-

tamento das problemáticas locais.

Ação que promovam a organização

da comunidade e o pleno exercício da

cidadania. Adoção de metodologias

participativas – o programa proposto

deve deixar clara a metodologia que

adota, sendo prioritária a natureza

participativa desta, bem como deverá

identificar como se dará sua aplica-

ção em processo. Preservação susten-

tabilidade e meio ambiente. Preserva-

ção e fortalecimento da cultura local.

Formação para o trabalho e formação

de gestores locais.

Como se pode verificar, de certo

modo, os ideais expressos também

no Seminário do Recife, apresen-

tados anteriormente: viver juntos;

questionar nossas categorias sociais;

perguntar pelos saberes que neces-

sitamos; “aprender” hoje; situar-se e

valorizar territórios físicos, culturais,

simbólicos, sociais, são a base filo-

sófica, conceitual e metodológica do

novo Programa Josué de Castro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar, cabe uma reflexão so-bre o que se pretende, sob o ponto de vista do campo intelectual da Exten-são Universitária, quando se propõe a transformação da Universidade. Edgar Morin tem uma frase basilar para encerrar esse desejo. Diz Morin (2003: 23): “Inocular na sociedade uma cultura que não é feita para as formas provisórias ou efêmeras do hic et nunc - aqui e agora - mas que é, contudo, feita para ajudar os cida-dãos a viver o destino hic et nunc”. Para tanto, propõe que é preciso de-fender, ilustrar e promover no mun-do social e político os valores intrín-secos à cultura universitária, o que significa: autonomia da consciência, problematização (com sua consequ-ência, que é a manutenção da pes-quisa aberta e plural), primado da verdade sobre a utilidade, a ética do conhecimento. Há que se considerar também que toda formação se realiza de um en-contro com a diferença e a alterida-de, com o que não sou eu, com o que não é apenas uma repetição ou uma projeção de mim mesmo. Com base nesses dois grandes prin-cípios, a meu ver, cruzam-se o pen-samento de Paulo Freire, o projeto inicial da Universidade de Brasília e os ideais históricos da Extensão Universitária, configurados em mui-tos documentos, atualizados em nu-merosos eventos e condensados no atual Programa Josué de Castro. Na dinâmica do campo intelectual da Extensão Universitária são consa-

grados seus valores, construída sua

Page 37: UnB 50 anos

40

simbologia e garantida sua utopia

amorosa de transformação social.

Elementos estruturantes do campo

que se ressaltam nos eventos e re-

forçam um modo específico de ser,

conviver, pensar, agir, produzir co-

nhecimento.

NOTAS

1 Alvaro Vieira Pinto (1909-1987), médico, em 1955, a convite de Roland Corbisier, tornou-se chefe do Departamento de Filosofia do recém-

-criado Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB, organizado no âmbito do Ministério da Educação e Cultura. Na chefia do Departamento

de Filosofia do instituto, lançou a coleção “Textos de Filosofia Contemporânea do ISEB” e publicou Consciência e realidade nacional, conside-

rada sua obra filosófica mais sólida. Em 1962, assumiu a direção executiva do ISEB, tendo de enfrentar uma difícil situação financeira e uma

permanente campanha difamatória movida pela imprensa conservadora, tendo à frente o jornal O Globo. A oposição ao ISEB tinha como motor

o comprometimento do instituto com as reformas de base defendidas pelo governo do presidente João Goulart (1961-1964). Com o golpe mili-

tar que derrubou Goulart (31 de Março de 1964) e a repressão desencadeada a seguir, a sede do ISEB foi invadida e em 13 de abril os militares

decretaram a extinção do instituto. Cassado pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1), Álvaro Vieira Pinto se refugiou no interior de Minas Gerais e de-

pois partiu para o exílio, primeiro na Iugoslávia e depois no Chile, onde trabalhou como pesquisador e professor no Centro Latino-Americano

de Demografia, órgão ligado à Organização das Nações Unidas.

2 Dois grupos responsáveis pela organização do Seminário, localizados em Paris e no Recife: Do Grupo de Paris, centralizado na UNESCO/

MOST, fizeram parte: Carlos R. Sanchez Milani, Ushio Miura, Adriana H. N. Paes, Maria Luíza Lapa, Claire Héber-Suffrin, Daniel Talleyrand,

Françoise Garibay, Henryane de Chaponay, Marie-Renée Bourget-Daitch e Paul Taylor. Esse grupo inicial, posteriormente ampliado, recebeu

a denominação de Cercle de Pédagogies Emancipatrices.O Grupo do Recife Edla de Araújo Lira Soares e Leila Loureiro Filha; Lícia de Souza

Leão Maia e Xavier Uytdenbroek, Paulo Rosas, Maria Nayde dos Santos Lima, Argentina Rosas, Alcides Restelli Tedesco, Rubem Eduardo da

Silva, Maria Eliete Santiago, Silke Weber, Maria das Graças Corrêa de Oliveira e Edna Brennand.

3 Merece registro que o Programa Josué de Castro foi proposto pelo Secretário da SESu, professor e ex-reitor da Universidade de Viçosa.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre . Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de janeiro: Zahar, 1978.

GENNEP, Arnold Van. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 1978.

KERTZER, David. Rituais políticos e a transformação do Partido Comunista Italiano. Horizontes Antropológicos, v.7, n.15, p. 15-36.

LEACH, Edmund Ronald. Sistemas políticos da alta Birmânia. São Paulo: EDUSP, 1996.

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo - tradução de Juremir Machado da Silva. in MARTINS, F. M.; SILVA, J. M (Org.).

Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e cibercultura. 3. ed. Porto Alegre: Sulinas/Edipucrs, 2003. 280p.

Page 38: UnB 50 anos

41

Leila Chalub Martins, ex-decana de exten-

são da UnB, é professora doutora da Facul-

dade de Educação FE/UnB e do Centro de

Desenvolvimento Sustentável CDS/UnB. É

coordenadora do projeto Observatório da

Juventude-OJ,[email protected].

PEIRANO, Mariza. Rituais como estratégia analítica e abordagem etnográfica. In: PEIRANO, Mariza. O dito e o feito: ensaios de antropologia

dos rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

Programa do primeiro seminário sobre Paulo Freire, Recife - Brasil, 2-4 de maio 2002.

Programa Josué de Castro. Documento Preliminar. FORPROEX, Brasília, 2011.

Relatório do primeiro seminário sobre Paulo Freire, Recife - Brasil, 2-4 de maio 2002

Page 39: UnB 50 anos

42

Page 40: UnB 50 anos

43

O DIREITO ACHADO NA RUA: 25 ANOS DE EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Nair Heloisa Bicalho de Sousa

Alexandre Bernardino Costa

Lívia Gimenes da Fonseca

Mariana de Faria Bicalho

RESUMO

Este artigo trata da experiência desenvolvida pela corrente crítica denominada “O Direito Achado na Rua”, seus fun-

damentos teóricos e práticas realizadas nos últimos vinte e cinco anos na UnB. Neste texto, foram selecionados os

principais projetos implementados na área da extensão universitária relacionados aos temas do direito, justiça, direitos

humanos, trabalho, saúde, questão agrária, moradia, educação popular e gênero. Essas diferentes iniciativas configu-

ram uma proposta voltada para a educação em direitos humanos e a cidadania.

Palavras-chave: Direito Achado na Rua; Extensão universitária; Educação em direitos humanos; Cidadania.

ABSTRACT

This article addresses the experience of the critical stream of scholarship called “The law found on the streets”, includ-

ing its theoretical basis and the practical outcomes it has generated over the past 25 years at the University of Brasilia

(UnB).The article focuses on leading projects of community service in the areas of law, justice, human rights, labor,

health, land use, dwelling, community education, and gender. Together, these different initiatives amount to a common,

pedagogical project on human rights and citizenship.

Key words: The law found on the streets; Community service; Education in human rights; Citizenship.

Page 41: UnB 50 anos

44

O LUGAR DE O DIREITO ACHADO NA RUA NA EXTEN-SÃO UNIVERSITÁRIA DA UNB

Que O Direito Achado na Rua repre-

sente na UnB uma identidade consti-

tutiva do grande alcance da extensão

universitária, tanto em seu âmbito

teórico, quanto em seu alcance práti-

co, é um fato que tem reconhecimen-

to e confirmação institucional.

No prefácio que escreveu para o livro

A experiência da extensão universitá-

ria na Faculdade de Direito da UnB (

COSTA, 2003), a então Decana de

Extensão da universidade, Leila Cha-

lub-Martins, é enfática na afirmação

dessa identidade: “Muito mais do

que dirigir leitores deste livro, apon-

tando-lhes o que há para ler, apro-

veito o espaço para considerar o que

aprendemos, a comunidade da UnB,

com o trabalho da extensão realiza-

do ao longo dos últimos 20 anos, em

grande medida incentivados pelo que

acontecia na Faculdade de Direito e

o seu ‘Direito Achado na Rua’”.

Este projeto, cuja fortuna crítica

hoje tem impacto nacional e inter-

nacional, como se poderá consta-

tar ao longo deste artigo, abriga

em seu núcleo epistemológico, a

representação do que, Boaventura

de Sousa Santos, a ele referindo-se,

caracteriza como “a teorização hoje

dominante dos programas de exten-

são universitária”, para revelar “os

limites de abertura da universidade

à comunidade e dos objectivos que

lhe subjazem (SANTOS, 2002).

Para essa caracterização Sousa

Santos alude ao contexto de compro-

misso social desenvolvido no âmbito

universitário para mediar o processo

de aprofundamento democrático vi-

venciado em países da América Lati-

na em conjunturas recentes. No caso

do Brasil, que vivenciou fortemente

essa experiência, o exemplo que o

autor português põe em relevo, é

exatamente o da UnB, acima de tudo,

diz ele, “pelo modo como procurou

articular a tradição elitista da uni-

versidade com o aprofundamento de

seu compromisso social”. Ao apontar

a experiência da UnB, o caso para-

digmático que ele destaca é precisa-

mente O Direito Achado na Rua: “De

salientar ainda o projecto do Direito

Achado na Rua, que visa recolher e

valorizar todos os direitos comunitá-

rios, locais, populares, e mobilizá-los

em favor das lutas das classes popu-

lares, confrontadas, tanto no meio

rural como no meio urbano, com um

direito oficial hostil ou ineficaz”.

Não por outra razão, Leila Chalub-

Martins, no texto citado, faz afirma-

ção categórica do vínculo identitário

entre a concepção ordenadora de O

Direito Achado na Rua e a utopia ori-

ginária da UnB: “O Direito Achado na

Rua, a meu juízo, foi a primeira e mais

significativa iniciativa intelectual, no

sentido de responder ao que cobrava

Darcy Ribeiro, no momento do ‘renas-

cimento’ da Universidade de Brasília”.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO DIREITO ACHADO NA RUA

O Direito Achado na Rua surge como

corrente crítica de pensamento jurí-

dico na obra de Roberto Lyra Filho,

professor da Faculdade de Direito da

Universidade de Brasília na década

de 1980. Esta vertente se consoli-

dou em um movimento denominado

Nova Escola Jurídica Brasileira – NAIR

, corrente teórica crítica do direito

brasileiro (WOLKMER, 2001). Após a

morte de Roberto Lyra Filho em 1986,

o professor José Geraldo Sousa Jú-

nior deu continuidade ao trabalho

iniciado na Universidade de Brasília

e elaborou um curso de educação à

distância pelo NEP (Núcleo de Estu-

dos para a Paz e os Direitos Huma-

nos), dirigido a advogados e advoga-

das de assessorias jurídicas popula-

res, comissões de direitos humanos,

movimentos sociais, organizações

não-governamentais, professores,

professoras e estudantes de direito

que buscavam uma forma crítica de

compreensão do fenômeno jurídico,

sob o título de Introdução crítica ao

direito (1986).1

Este primeiro volume, voltado para

uma reflexão sobre a práxis social

configurada na experiência de luta

por direitos e justiça obteve um êxito

expressivo. Alguns anos mais tarde o

professor José Geraldo, juntamente

com o professor Roberto A. Ramos

de Aguiar, organizaram o segundo

volume do que veio a se tornar uma

série, intitulado Introdução Crítica ao

Direito do Trabalho, vol 2 (1993). Des-

tinado aos advogados e advogadas

das centrais sindicais e dos sistemas

de apoio jurídico e formação político-

-profissional, juízes trabalhistas, pro-

curadores e membros do Ministério

Público, além de professores e estu-

dantes de direito, o curso deu ênfa-

se à abordagem interdisciplinar do

mundo do trabalho, tendo como foco

a organização dos trabalhadores e

trabalhadoras na luta por seus direi-

tos. Cabe ressaltar que durante este

período, a divulgação e o impacto das

ideias contidas na linha teórica de O

Direito Achado na Rua tiveram uma

repercussão na esfera acadêmica e

foram utilizados em trabalhos de pós-

-graduação em todo o país, sobretu-

do na Universidade de Brasília. Nes-

se momento, o trabalho acadêmico

ali desenvolvido já era reconhecido

como uma corrente de pensamento

sobre o direito, com características e

especificidades próprias.

José Geraldo de Sousa Júnior, junta-

mente com Mônica Molina Castanha

e o desembargador federal Fernando

Tourinho Neto, elaboraram o tercei-

ro volume da série, calcado na luta

do movimento sem-terra pela refor-

ma agrária no Brasil, que veio a se

chamar Introdução Crítica ao Direito

Page 42: UnB 50 anos

45

Agrário (2002). Este volume veio re-

forçar a linha político-epistemológica

desta corrente de pensamento ao

buscar a afirmação e implementação

de direitos para os setores excluídos

e subalternos da sociedade.

Neste momento, a vertente crítica de

O Direito Achado na Rua já ganhava

forte consistência teórico-metodoló-

gica, desenvolvida por um grupo de

pesquisadores e pesquisadoras na

Universidade de Brasília em interlo-

cução com colegas de todo o país e

do exterior. Vários livros foram publi-

cados a partir desta linha de pensa-

mento, obtendo forte repercussão no

meio acadêmico e profissional. 1

Paralelamente à repercussão positi-

va, há também uma forte reação por

parte de setores conservadores da

comunidade acadêmica e da socie-

dade em geral, contrários à perspec-

tiva teórica de que o direito é resulta-

do das lutas sociais, ou seja, nasce

no cotidiano das reivindicações da

sociedade por dignidade e justiça.

Essa repercussão faz-se sentir inclu-

sive na mídia conservadora, que pas-

sa a combater esta corrente teórica

sem que haja um diálogo acadêmico

consistente. O Direito Achado na Rua

ganha, inclusive, espaço institucional

ao ser utilizado como fundamento de

decisões e de políticas públicas, tan-

to em sua fundamentação, quanto

em oposição às suas idéias. 1

O quarto volume da série surge

de uma parceria com a Fundação

Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, o Centro

de Pesquisas de Direito Sanitário –

CEPEDISA-USP e a Universidade de

Brasília, por intermédio do Núcleo de

Estudos para a Paz e Direitos Huma-

nos – NEP, patrocinado pela Orga-

nização Panamericana de Saúde –

OPAS para a elaboração de um curso

de educação a distância com público

alvo composto de trabalhadoras e

trabalhadores do direito e da saúde,

denominado Introdução Crítica ao

Direito à Saúde, vol. 4 (2008). Neste

volume, da mesma perspectiva que

o Direito Achado na Rua, busca uma

visão social do fenômeno jurídico, o

direito sanitário é abordado como

a construção social da saúde, para

além das instituições, ao contrário

de uma visão centrada na perspec-

tiva hospitalar e medicamentosa. No

momento, a OPAS está viabilizando

a reprodução deste volume da série

em toda a América Latina, traduzido

para o espanhol, para alcançar apro-

ximadamente um público de vinte mil

pessoas, composto por agentes de

saúde, professores e professoras, ju-

ízes, membros do Ministério Público e

de conselhos de saúde entre outros.

A concepção teórica de O Direito

Achado na Rua exige a superação

de algumas visões que, por sua tra-

dição no mundo jurídico, aparecem à

primeira vista como óbvias. A primei-

ra delas é a separação entre teoria

e prática, muito comum nos manu-

ais de direito e no cotidiano jurídi-

co, onde está presente a separação

entre um momento no qual haveria

a elaboração teórica sobre o direito,

sobretudo sob forma dogmática, e

outro, no qual é feita a aplicação do

direito nesta perspectiva teórica, am-

bos completamente separados um do

outro, a tal ponto de, por vezes, gerar

antagonismo entre uma visão teórica

e uma visão prática do direito.

O Direito Achado na Rua questiona

essa divisão, na medida em que as-

sume não haver teoria sem prática

e prática sem teoria. Por ser uma ci-

ência social aplicada, fica mais aces-

sível ao campo do direito entender

que sua formulação teórica é feita a

partir de e tendo em vista a realidade

social, pois se destina a ela e dela é

oriunda. De igual forma, toda práti-

ca do direito tem uma fundamenta-

ção teórica, ainda que o aplicador do

direito ignore-a no momento de sua

aplicação. A verdade teórica posta de

forma dogmática fere a possibilidade

da construção democrática do direito

. Dessa maneira, o Direito Achado na

Rua se coloca contra a possibilidade

de uma formulação teórica dogmá-

tica que preceda a compreensão do

direito em sua práxis social, pois o

complexo fenômeno da prática do

direito, além de momento de elabo-

ração teórica, não pode restringir-se

ao discurso de um grupo seleto que

elabora a chamada dogmática (LYRA

FILHO, 1980).

Outro elemento básico na formu-

lação teórica do Direito Achado na

Rua é a interdisciplinaridade. É

conhecido o fato da modernidade

ter criado especializações que se

aprofundaram, gerando campos de

conhecimento específicos, que por

sua vez, tornaram-se disciplinas do

saber científico rigorosamente se-

paradas. Contudo, a realidade não

possui essa divisão que foi criada ar-

tificialmente pela modernidade, mas

ao contrário, o fenômeno jurídico por

ocorrer na sociedade, necessita dos

olhares das mais diversas disciplinas

para sua integral compreensão. Nes-

te sentido, uma combinação de pon-

tos de vista oriundos da sociologia,

antropologia, ciência política, psico-

logia, educação, história e economia

é necessária para dar conta da com-

plexidade deste fenômeno .

Além disso, diferentes saberes se

cruzam na compreensão da reali-

dade não-linear que contextualiza o

fenômeno jurídico , logo, não é su-

ficiente uma visão hierarquizada e

compartimentada dos olhares disci-

plinares para sua compreensão. Faz-

se necessária a correlação das dis-

ciplinas para que seja possível uma

explicação mais adequada, assim

como uma formulação de soluções

dos problemas enfrentados na vivên-

cia do direito.

Dois aspectos são essenciais para

a prática da interdisciplinaridade no

direito: a sociologia jurídica, tal como

entendida por Roberto Lyra filho, e a

historicidade do fenômeno jurídico.

Page 43: UnB 50 anos

46

Neste caso, a centralidade da socio-

logia jurídica é importante para a ex-

plicação e a prática do direito, bem

como se deve ter como referência a

historicidade da construção social

do direito. Ou seja, “o Direito não é;

ele se faz, nesse processo histórico

de libertação (...). Nasce na rua, no

clamor dos espoliados e oprimidos.”

(LYRA FILHO, 1986, p. 312) O Direito

Achado na Rua, ao incorporar a com-

plexidade e a interdisciplinaridade,

coloca-se em contraponto com uma

visão dogmática do direito, e ao que

Luiz Alberto Warat (1993) denominou

de senso comum teórico dos juristas,

que consiste em um conjunto de “representações, imagens, preconcei-

tos, crenças, ficções, hábitos de cen-

sura enunciativa, metáforas, estereó-

tipos e normas éticas que governam e

disciplinam anonimamente seus atos

de decisão e enunciação (...). Visões,

fetiches, lembranças, ideias disper-

sas, mentalizações que beiram as

fronteiras das palavras antes que elas

se tornem audíveis e visíveis, mas que

regulam o discurso...”

Tendo em consideração esta pers-

pectiva, o direito não se explica pelo

sistema normativo, mas está referido

à vida humana, logo não pode ser

restrito à explicação do texto legal,

mas deve vir associado ao seu con-

texto, ao seu processo histórico e à

sua dinâmica social. Assim, é possí-

vel, por exemplo, explicar a igualda-

de de gênero pela luta das mulheres

organizadas socialmente em torno

da afirmação de seus direitos, ao

longo da história, inclusive revendo e

reafirmando seus direitos após cada

conquista.

Outro exemplo bastante claro da for-

ma de explicação do fenômeno jurídi-

co pelo Direito Achado na Rua ocorre

na compreensão da problemática da

violência contra a mulher. Quando,

até pouco tempo atrás, a própria si-

tuação de violência não era proble-

matizada e muito menos analisada

do ponto de vista jurídico. Somente

após a mobilização do movimento fe-

minista e das mulheres em geral con-

tra os processos de violência física e

psicológica a que milhares foram e

são submetidas diariamente é que

foi possível compreender a situação

como um problema jurídico. Desde

então, teve início a proposição de

soluções para esses problemas, seja

do ponto de vista normativo, com a

Lei Maria da Penha, seja do ponto de

vista de políticas públicas, tal como

é feito por meio do atendimento de

vítimas e da realização de campa-

nhas contra a violência. O Direito

Achado na Rua não compreende o

processo histórico como uma dádi-

va do legislador ou das instituições.

Pelo contrário, só é possível afirmar

o Direito a “partir da legítima orga-

nização social da liberdade” (LYRA

FILHO, 1982).

DIREITO À MEMÓRIA E À MORADIA

A reforma do ensino jurídico realiza-

da no final dos anos 1990, teve como

referência os fóruns de discussão

do ENAJU – Encontro Nacional de

Assessoria Jurídica, onde a partici-

pação dos estudantes de Direito em

trabalhos comunitários de assessoria

jurídica se tornou um polo de refle-

xão e ação para projetos desenvolvi-

dos em diferentes partes do país. A

ressignificação do papel da extensão

universitária, articulando trocas com

modos de conhecer interdisciplinares

socialmente produzidos, estabele-

cendo um diálogo entre a universida-

de e os movimentos sociais, permitiu

a entrada da prática jurídica no pro-

jeto emancipatório da realização dos

direitos humanos.

A experiência do Núcleo de Prática

Jurídica e Escritório de Direitos Hu-

manos e Cidadania da Faculdade de

Direito atuou no processo de fixação

do Acampamento da Telebrasília,

nos anos 1990, como intermediador

na efetivação do direito de moradia,

inserido definitivamente no sistema

de proteção internacional dos direi-

tos humanos.

Nesta comunidade, o direito à mora-

dia era compreendido “não apenas

(como) o direito a um simples teto,

mas o direito de morar em um local

adequado, com acesso a serviços bá-

sicos de fornecimento de água trata-

da, luz, captação de esgoto, transpor-

te, pavimentação de ruas, escola, cre-

che, centro de saúde e áreas de lazer”

(SOUSA JR e COSTA, 1998, P.11).

A Lei 161/91 que determinou a fixa-

ção do Acampamento da Telebrasília,

teve sua operacionalização garanti-

da pelo Instituto de Desenvolvimen-

to Habitacional do DF (IDHAB). Este

processo, dividido em etapas, incluiu

a elaboração do projeto urbanístico, a

realização de mapeamento socioeco-

nômico e habitacional das famílias re-

sidentes, realização de obras de infra-

estrutura a cargo do GDF e, ao final,

a entrega dos títulos de permissão

de uso aos moradores como direito

individualizado.A elaboração de 136

recursos jurídicos por parte do Núcleo

permitiu que 250 famílias se fixassem

com seus títulos garantidos.

Devido à implementação de seu pro-

jeto urbanístico aprovado pelo De-

creto 19. 807, de 23 de novembro de

1997, diversas áreas passaram a ter

destinações diferenciadas de outrora:

surgiram novos espaços para uso resi-

dencial, comercial e de serviços, pra-

ças comunitárias e de atividades de

lazer. Com esta nova territorialidade,

os históricos moradores conseguiram

efetivar o seu direito à moradia no DF.

Um outro aspecto a ser destacado

desta experiência de luta pela mo-

radia inclui o direito à memória com-

preendida como memória coletiva

(HALBWACHS, 1990), constituída

por lembranças dispersas que rea-

firmam a identidade e coesão dos

Page 44: UnB 50 anos

47

grupos sociais.Le Goff (1984) com-

plementa esta ideia com a articula-

ção existente entre memória, clas-

ses sociais e poder, atribuindo aos

indivíduos, grupos e classes sociais

o papel de senhores da memória e

do esquecimento. Pollack (1989)

finaliza com a referência às memó-

rias subterrâneas das culturas mi-

noritárias ou dominadas, formadas

por lembranças proibidas que são

transmitidas pelas famílias, associa-

ções civis e redes de sociabilidade

afetiva e política que se contrapõem

à memória oficial registrada como

documento histórico.

A memória do Acampamento da Te-

lebrasília, antigo acampamento da

Construtora Camargo Correa, para

abrigar operários, criado no final de

1956, inclui a busca de legitimidade

do seu pertencimento à sociedade

brasiliense como parte integrante

do seu patrimônio histórico e social

(MELLO, 1998: 78), cuja associação

de moradores se tornou um instru-

mento de conquista de direitos. O

resgate da memória subterrânea

desta comunidade se deu neste

processo de luta pelo seu reconhe-

cimento como um território urbano

enraizado na história social e cultu-

ral de Brasília.

O balanço desta experiência demons-

tra a presença de novos significados

partilhados pela equipe universitária

em várias dimensões: a construção

da memória da comunidade e sua

identidade coletiva; o caráter multi-

disciplinar da equipe voltada para a

consciência de cidadania; a consci-

ência dos moradores como sujeitos

de direitos e a compreensão da prá-

tica jurídica como momento de refle-

xão em torno do desempenho profis-

sional e da mudança de paradigmas

no processo formativo.

CEILÂNDIA: MAPA DA CIDA-DANIA. EM REDE NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E NA FORMAÇÃO DO NOVO PROFISSIONAL DO DIREITO

Esta proposta surgiu também da par-

ceria entre a Faculdade de Direito

e a Secretaria de Estado de Direitos

Humanos, vinculada ao Ministério da

Justiça em 1997, tendo como referên-

cia “construir um modelo exemplar de

excelência para a defesa dos direitos

humanos e da cidadania, a partir das

novas exigências de prática jurídica

necessária à formação do novo perfil

do profissional do Direito”(MACHADO

e SOUSA, 1998 , P. 11).

O objetivo central desse projeto, na

linha teórica do Direito Achado na

Rua, buscava uma compreensão e

reflexão sobre a atuação jurídica de

novos sujeitos sociais, tendo como

referência a análise de experiências

populares de criação de direitos em

Ceilândia, ou seja: 1. delimitar o es-

paço político das práticas sociais

que enunciavam direitos; 2. conhe-

cer a natureza jurídica dos sujeitos

coletivos emergentes neste processo

e 3. sistematizar os dados originados

dessas práticas sociais criadoras de

direitos e a partir deles elaborar no-

vas categorias jurídicas na perspec-

tiva do direito como legítima organi-

zação social da liberdade.

Com esta perspectiva, foi elaborada

uma pesquisa de campo com 35 en-

tidades e grupos da sociedade civil

(organizações não governamentais,

associações de bairro e grupo de

informação) e organizações esta-

tais, tendo em vista conhecer o ano

de fundação, o perfil dos dirigentes,

a organização interna e externa , o

programa de trabalho e sua vincula-

ção com o campo dos direitos huma-

nos, as parcerias com o setor público

e privado, assim como a contribuição

das organizações para a formação

de uma rede de direitos humanos na

comunidade. Os auxiliares da pes-

quisa foram os alunos da disciplina

Direitos Humanos e Cidadania do

NEP/CEAM, ministrada no NPJ da

Ceilândia, os quais participaram ati-

vamente da proposta e implementa-

ção da investigação. Ao final, foi re-

alizado o cadastramento de 57 orga-

nizações civis e estatais da cidade,

que permaneceu como um banco de

dados disponível para consulta das

organizações públicas e privadas in-

teressadas em desenvolver trabalho

com aquela comunidade.

Os resultados alcançados foram ani-

madores: as ONGs e associações de

bairro mostraram-se interessadas

em partilhar da iniciativa de criação

de uma rede de defesa dos direitos

humanos em Ceilândia. Da parte das

ONGs, a ênfase foi dada na troca de

experiências realizadas nesta área,

entre as diversas entidades, e ao inte-

resse em desenvolver trabalhos com

órgãos públicos ou educacionais; no

caso das associações de bairro, as

prioridades apontadas incluíam a

apresentação de suas experiências e

a oferta de informações úteis à comu-

nidade.

Como resposta geral das organiza-

ções entrevistadas, a contribuição da

rede de defesa dos direitos humanos

para a população de Ceilândia seria

um instrumento capaz de: 1. fomen-

tar a ação conjunta das diferentes

organizações; 2. manter a comuni-

dade mais participativa na questão

política e de direitos humanos; 3.

incorporar as lideranças locais na

rede; 4. atuar como uma instância

informativa, educativa e de assesso-

ramento técnico e jurídico no campo

dos direitos humanos e 5. fortale-

cer o diálogo entre as organizações

existentes para exercer uma pressão

mais efetiva em relação à garantia

dos direitos humanos.

Este trabalho de mapeamento das

organizações civis e organismos pú-

Page 45: UnB 50 anos

48

blicos voltados para a defesa e cria-

ção de novos direitos foi utilizado

pelo programa Justiça Comunitária

do Tribunal de Justiça do DF, imple-

mentado em Ceilândia anos depois

e tem servido como referência para

diferentes atividades sociais e cultu-

rais desenvolvidas na comunidade .

DIREITOS HUMANOS E GÊ-NERO: PROMOTORAS LEGAIS POPULARES

Vinculado à Faculdade de Direito e

à linha de pensamento de O Direito

Achado na Rua, o projeto de exten-

são �Direitos Humanos e Gênero:

Promotoras Legais Populares� (PLPs

DF) atua em duas vertentes: de um

lado, como um grupo de estudos

multidisciplinares de Gênero e Direi-

to, e de outro, como uma coordena-

ção do curso de extensão com esta

denominação.

Em relação à primeira, o grupo de

estudos é composto por estudantes

de graduação e de mestrado, de di-

ferentes unidades acadêmicas da

UnB: direito, antropologia, geografia,

serviço social e relações internacio-

nais, e anteriormente, teve em sua

composição estudantes de educa-

ção, biblioteconomia e psicologia,

que se organizaram para debater e

refletir o que aprendem na prática

extensionista, na coordenação do

curso de PLPs/DF. Dessas reflexões,

foram organizadas duas semanas de

debate sobre Gênero e Direito, aber-

tas a toda a comunidade acadêmica,

além de terem sido publicadas mo-

nografias, artigos acadêmicos e uma

revista sobre o tema.

A coordenação do curso de PLPs/DF

teve início em 2005 e, atualmente, é

uma parceria com o Núcleo de Gê-

nero Pró-Mulher do Ministério Públi-

co do Distrito Federal (MPDFT), mas

já contou também com as parcerias

do Centro Dandara de Promotoras

Legais Populares e da organização

não-governamental AGENDE (Ações

em Gênero, Cidadania e Desenvolvi-

mento). Conta ainda com o apoio de

diversas entidades na realização das

oficinas, em especial, do Fórum de

Promotoras Legais Populares do DF

constituído por egressas do próprio

curso PLPs/DF.

O curso de Promotoras Legais Popu-

lares se configura como uma ação

afirmativa em gênero, a ser reali-

zada através da educação jurídica

popular. O objetivo do projeto é pos-

sibilitar que as mulheres, por meio

dele, reconheçam a sua autonomia,

enquanto sujeitos, na construção de

um direito que contemple as deman-

das específicas originadas das rela-

ções desiguais de gênero existentes

na sociedade.

Nesse sentido, as oficinas são me-

todologicamente pensadas para

possibilitar o empoderamento das

mulheres e a socialização de conhe-

cimentos a partir da valorização, não

apenas do saber técnico-jurídico ou

acadêmico, mas dos saberes popu-

lares advindos da experiência e da

vida cotidiana.

Dessa forma, o curso e as oficinas

caminham no sentido de propor-

cionar a todas as participantes, um

espaço ativo de fala, onde o direito

positivado é discutido de forma críti-

ca e o conhecimento construído seja

multiplicado, de maneira que as PLPs

contribuam para a diminuição da ex-

clusão social, a transformação da

comunidade na qual atuam, tendo o

processo de libertação das mulheres

como meta a ser atingida.

Assim, a prática educativa deve reco-

nhecer a situação concreta e histórica

que evidenciam as diversidades cultu-

rais, étnico-raciais, de gênero, orien-

tação sexual, identidade de gênero,

geracionais, físicas, sensoriais, inte-

lectuais e socioambientais, de modo a

assegurar o desenvolvimento de pos-

turas críticas frente à realidade.

A transversalidade da temática de gênero está ligada à desigualdade específica existente na sociedade, relativa à construção dos papéis so-ciais desenvolvidos por homens ou mulheres, a partir do que histórico-culturalmente se diferenciam as con-cepções de feminino e masculino. Essa transversalidade deve estar pre-sente no curso como um meio de aná-lise da realidade e de interpretação dos direitos humanos. Como defende Magendzo (1999), “dizer que o gênero é transversal significa penetrar, desde esta ótica, uma série de outros temas como, por exemplo, a educação, o tra-balho, a política, a literatura, etc (...) Em outras palavras, atender ao espe-cífico, neste caso o gênero, não aten-ta contra a universalidade”.No caso das PLPs, busca-se a liber-tação das amarras do machismo que por séculos aprisionou as mulheres ao espaço privado e, por meio desse processo educativo, elas se sentem empoderadas a liberar a sua voz e seus sonhos nos espaços públicos da política e realizam, dessa maneira, uma transformação da sua realidade e de toda a coletividade. Em resumo, o curso de PLPs serve de porta para que as mulheres saiam de casa para

construir os seus direitos na rua.

PROJETO UNB / TRIBUNA DO BRASIL : COLUNA DE O DIREITO ACHADO NA RUA

Uma outra experiência significativa

com fundamentação teórica no Di-

reito Achado na Rua, realizada junto

ao Núcleo de Prática Jurídica (NPJ)

da Faculdade de Direito, foi a coluna

semanal do jornal Tribuna do Brasil

do DF. Totalizando mais de uma cen-

tena de artigos e autores, estudan-

tes de graduação sob a supervisão

de alunos da pós-graduação e de

professores da unidade acadêmica,

tinham como referência as pergun-

tas dos leitores, questões formula-

Page 46: UnB 50 anos

49

das por um coletivo organizado em

listas de discussão e demandas de

consultoria formuladas nos balcões

de atendimento do NPJ. A disciplina

O Direito Achado na Rua – produção

de textos coordenava este projeto,

de modo a manter um amplo deba-

te entre os alunos inscritos e outros

participantes de diferentes projetos

de extensão da faculdade.

O alvo das matérias incluiu temas di-

versos, tais como os direitos dos tra-

balhadores, das mulheres, dos presi-

diários, dos empregados domésticos,

de paternidade, do consumidor, ao

passe livre, além de discutir o papel

da defensoria pública e da assistên-

cia jurídica aos necessitados, entre

outros1. As abordagens adotadas per-

mitiram a tomada de posição por par-

te dos alunos-autores em situações

jurídicas no limite hermenêutico, tal

como ocorreu com a defesa do argu-

mento da possibilidade constitucional

de progressão de regime de pena de

preso condenado por crime hediondo

e quando sustentaram a razoabilida-

de jurídica, contra legem, da união es-

tável entre pessoas do mesmo sexo.

O propósito principal estava voltado

para o exercício de habilidades para

um desempenho de consultoria e de

produção de textos, de modo a incenti-

var a emergência de uma consciência

crítica para uma cultura de cidadania

e de protagonismo democrático.

O impacto deste projeto extrapolou os

limites da universidade, com comentá-

rios de deputados distritais na tribuna

da Câmara Legislativa do DF e, inclu-

sive, o recebimento pela Faculdade de

Direito de medalha da Ordem do Mé-

rito do Judiciário do Trabalho (TST),

devido à relevância do trabalho.

A EXPERIÊNCIA DA COMUNI-DADE DO TORORÓ

O Projeto de Extensão Tororó1 , vin-

culado ao Núcleo de Práticas Jurídi-

cas (NPJ) da Faculdade de Direito-

FD da Universidade de Brasília-UnB,

surgiu em março de 2005, a partir

do seguinte questionamento: como

fazer valer nosso direito à educação

para jovens e adultos da comunida-

de? Esta pergunta foi apresentada

aos alunos e professores de direito

da Universidade de Brasília por mo-

radores da área rural do Tororó, os

quais, após serem alfabetizados por

professores voluntários da região,

encontravam-se impedidos de con-

tinuar os seus estudos por ausência

de escolas na localidade que ofertas-

sem o programa de Educação para

Jovens e Adultos (EJA).

Para responder à questão formulada,

foi constituído um grupo de aproxi-

madamente 15 membros, entre estu-

dantes, professores, técnicos-admi-

nistrativos e colaboradores vincula-

dos à Faculdade de Direito (FD/UnB)

e ao programa de pós-graduação da

Faculdade de Educação (FE/UnB).

O grupo, assim que constituído, ini-

ciou uma série de encontros com a

comunidade do Tororó, objetivando

dimensionar, de um lado, o contexto

e as expectativas da comunidade e,

de outro, as possibilidades reais de

atuação do grupo.

Como resultado desses encontros,

foram construídas algumas vias prin-

cipais de atuação dentre as quais, a

que obteve mais destaque, foi aquela

referente à proposta de negociação e

pressão junto à Secretaria de Educa-

ção do Distrito Federal. Após a elabo-

ração de abaixo-assinado e diversas

reuniões com autoridades compe-

tentes, que ora ofertavam matrículas

em escolas próximas, mas não se

comprometiam com a disponibiliza-

ção de transporte, ora declaravam a

impossibilidade de se realizar matrí-

culas no ano de 2005, foi encontrada

a seguinte solução: trazer a escola

até a comunidade. Para tanto, o sa-

lão paroquial da Igreja da região foi

transformado em anexo da Escola

Classe Agrovila de São Sebastião.

Com a adoção da proposta pela

comunidade e o efetivo início das

aulas, o Projeto Tororó, que inicial-

mente se voltou para a construção

conjunta de bases para a articulação

e mobilização comunitárias rumo à

conscientização e concretização de

direitos, apresentou a necessidade

de se reformular para acompanhar

a nova realidade que se deparava.

Diante da certeza de que o debate

entre educação, direito e cidada-

nia deveria continuar, o projeto foi

reconstruído para se inserir dentro

do conteúdo programático do EJA,

no eixo transversal da cidadania.

Baseando-se nos ensinamentos da

linha de pesquisa de O Direito Acha-

do na Rua, bem como nas diretrizes

da educação popular e nas próprias

reflexões gestadas na primeira fase

do projeto, criou-se, como estratégia

de atuação junto à comunidade do

Tororó, círculos de cidadania, tendo

como inspiração os círculos de cultu-

ra de Paulo Freire.

Esses círculos constituíram-se pro-

posta metodológica que buscava a

possibilidade de todos se percebe-

rem dentro de uma relação horizon-

tal de troca e construção conjunta de

conhecimento. Nessa dinâmica, as

práticas eram pautadas no diálogo e

no reconhecimento de si como pes-

soa e sujeito de direito, tornando-se

todos, simultaneamente, educadores

e educandos.

É preciso ressaltar que toda a traje-

tória do Projeto Tororó foi orientada

pela matriz epistemológica de O Di-

reito Achado na Rua, ou seja, a re-

alidade política e social dos atores

envolvidos foi compreendida como

fator fundamental na elaboração de

novas categorias jurídicas, voltadas

para a construção de uma sociedade

mais justa e igualitária.

Por essa razão, não foi alvo do pro-

jeto a prestação de uma mera assis-

tência judiciária, descomprometida

com a emancipação da comunidade

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50

titular do direito. Ao contrário, foi proposto a realização de uma asses-soria jurídica inovadora, que, além de instrumentalizar as necessidades da comunidade, fosse comprome-tida com a sua organização e com a afirmação das subjetividades do grupo, incentivando a descoberta e a construção de sujeitos de direito. A concepção de direito seguida pelo projeto ganhou um sentido pedagó-gico, que permitiu o acolhimento das demandas comunitárias e o trato do fenômeno jurídico, a partir de um processo de aprendizagem dialógico, horizontal e emancipatório. Uma análise mais detalhada e críti-ca dessa experiência foi desenvolvi-da no livro organizado por Alexandre B. Costa (2007), da qual podem ser extraídas algumas conclusões preli-minares: 1. a relevância do trabalho de O Direito Achado na Rua com grupos sociais que ainda não pos-suem a consciência de sua condição coletiva de direitos; a experiência da comunidade do Tororó como fonte e estímulo para a ação no campo da assessoria jurídica popular e, final-mente, 3. a dimensão pedagógica oriunda desta vertente teórica que permitiu o exercício do diálogo frei-riano e de uma experiência de as-sessoria popular emancipatória.

OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA BRASILEIRA

Com o apoio do Programa das Na-

ções Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), projeto BRA/07/004 e por

iniciativa da Secretaria de Assuntos

Legislativos do Ministério da Justiça

(SAL), foi realizado em 2008 um con-

sórcio entre as Faculdades de Direito

da Universidade de Brasília e da Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro,

com o objetivo de elaborar um pro-

jeto do Observatório Permanente da

Justiça Brasileira. A equipe do Direito

Achado na Rua participou do Grupo 1

desse consórcio, com a responsabi-

lidade de desenvolver uma pesquisa

centrada no “Alargamento da noção

de acesso à justiça e identificação

de experiências não convencionais

de criação e distribuição do direito

a partir do protagonismo dos movi-

mentos sociais”.

As finalidades do trabalho desse gru-

po incluíam três aspectos: 1. contri-

buir para um alargamento teórico e

empírico da noção de acesso à jus-

tiça; 2. identificar experiências não

convencionais de criação e distri-

buição do direito a partir do prota-

gonismo dos movimentos sociais e

3. analisar os sentidos emergentes

dessas experiências, situando-os no

contexto de consolidação da demo-

cracia brasileira.

Os resultados desse trabalho rea-

lizado por meio de entrevistas com

19 representantes de movimentos,

redes e organizações da socieda-

de civil, geralmente silenciados por

uma concepção restrita de justiça

e de acesso à justiça, podem ser

articulados em alguns pontos para

reflexão (SOUSA JR, J.G; SILVA, F.

de S.; PAIXÃO, C.; MIRANDA, A. A.,

2009, p. 21-22). O primeiro, registra

a importância do respeito às tempo-

ralidades democráticas pelo Poder

Judiciário, ou seja, a dissonância

existente entre a formulação de de-

mandas e a tomada de decisões por

parte dos diferentes sujeitos coleti-

vos da sociedade civil e a temporali-

dade normatizada dos processos ad-

ministrativos ou judiciais. Em segun-

do, a necessidade de fortalecimento

das instâncias comunitárias e do

reconhecimento das demandas dos

diferentes grupos ou movimentos

sociais como demandas coletivas.

Em terceiro, a necessidade desses

sujeitos coletivos de direitos (grupos

sociais vulneráveis) serem informa-

dos acerca dos direitos humanos por

meio de um processo educativo.

Além desses três pontos, outros

merecem destaque, como a impor-

tância do uso cidadão dos meios de

comunicação de massa como estra-

tégia de acesso à justiça, bem como

a sensibilização dos operadores

de direito e a conscientização dos

membros dos grupos sociais vulne-

ráveis acerca das violações de direi-

tos. Finalmente, pontua-se a ideia

da necessidade de reconhecimento

das iniciativas de mediação comu-

nitária por justiça e de acesso à jus-

tiça como contraponto à cooptação

ou absorção das comunidades pelos

modelos e práticas estatais.

EDUCAÇÃO POPULAR E DIREITOS HUMANOS: CAPACITAÇÃO DE ATORES SOCIAIS NO DISTRITO FEDERAL E ESTADO DE GOIÁS

Este projeto, em andamento, visa a capacitação de 500 atores sociais re-presentantes da sociedade civil orga-nizada, residentes em comunidades caracterizadas pela vulnerabilidade social, localizadas no Distrito Federal e no Estado de Goiás. A ideia central é contribuir para o fortalecimento de suas formas organizativas por meio da educação popular, objetivando a constituição de núcleos comunitários de direitos humanos. Nesse sentido, a proposta afirma a educação popu-lar como uma ferramenta indutora dos direitos humanos, da autonomia e da emancipação dos sujeitos en-volvidos nesse processo.A concepção de educação popular que permeia o projeto, implica sua integração em um conjunto mais amplo de atividades educativas, cul-turais e pedagógicas (ALFONSIN, 2005, p.1), buscando a superação das desigualdades sociais, assim como sua operacionalização por in-termédio da práxis sobre o saber, a universidade, sua estrutura e sua função, possibilita que a educação

popular seja instrumento indispensá-

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51

vel à produção de um saber emanci-patório e contextualizado com o seu tempo e espaço. Este projeto concretiza duas ações programáticas do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) comprometidas com a for-mação permanente da população, especialmente de lideranças co-munitárias, nesta área específica1. Além disso, propõe a capacitação de agentes multiplicadores capazes de assumir projetos na área da educa-ção em direitos humanos em temas de educação popular.Essa proposta também se articula com o Programa Nacional de Direitos Humanos 3, instituído pelo Decreto 7.037/2009, que consolida a pers-pectiva do reconhecimento da edu-cação não formal, também reconhe-cida como educação popular, como política pública norteadora de ações capazes de tornar a educação um espaço de defesa e promoção dos di-reitos humanos. O Programa afirma o compromisso do Estado brasileiro de incentivar e apoiar iniciativas de educação popular em direitos huma-nos, desenvolvidas por organizações comunitárias, movimentos sociais, organizações não governamentais e outros agentes organizados da so-ciedade civil, além de apoiar e incen-tivar a capacitação de agentes multi-plicadores para atuar em projetos de

educação em direitos humanos2.

ABRINDO PERSPECTIVAS PARA OUTROS MODOS DE DETERMINAÇÃO DA JUSTIÇA E DO DIREITO

O Direito Achado na Rua, como ex-periência de extensão universitária, não se esgota no catálogo das prá-ticas que aqui foram relacionadas e descritas. No arranque de sua con-cepção ele fundamenta novas pro-posições e orienta a formulação de

novos projetos.

Sem perder sua face extensionista,

seu horizonte de sentido, lembram

Lívia Gimenes Dias Fonseca e Rena-

ta Cristina Costa (UnB, 2010) está em

não perder de vista orientar projetos

que protagonizem ações que visem

a alterar e superar a realidade de in-

justiças sociais presentes em nossa

sociedade: “Como instrumento de al-

teração desse quadro, os projetos de

Educação Jurídica Popular, como as

Promotoras Legais Populares, bus-

ca ser um espaço de diálogo entre o

conhecimento popular e acadêmico

com o objetivo de construir uma no-

ção de direito que sirva à transforma-

ção dessa realidade de opressão”.

Assim, está em preparo um novo vo-

lume da Série O Direito Achado na

Rua, voltado para capacitação de

Promotoras Legais Populares, proje-

to descrito neste artigo, mostrando,

diz Carolina Pereira Tokarski UnB,

2010) que “a busca por um Direito

Achado na Rua só está começan-

do”. O que essa busca representa é o

inserir-se num conjunto de experiên-

cias, como a de O Direito Achado na

Rua assinalada expressamente por

Boaventura de Sousa Santos (2007),

entre as que resistem e abrem novas

possibilidades de formação contra-

hegemônicas para forçar o que ele

denomina de revolução democrática

da justiça 1.

Ao fim e ao cabo, trata-se, como

muito bem mostra o mais importante

constitucionalista português J. J. Go-

mes Canotilho (1998), de recuperar o

“impulso dialógico e crítico que hoje

é fornecido pelas teorias políticas

da justiça e pelas teorias críticas da

sociedade”, por meio de “compromis-

sos com formas alternativas do direi-

to oficial como a do chamado direito

achado na rua, compreendendo nes-

ta última expressão, um importante

movimento teórico-prático centrado

no Brasil e na UnB”, para abrir-se a

“outros modos de compreender as

regras jurídicas”.

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NOTAS

Roberto Lyra Filho (1986) utilizou a expressão “direito achado na rua” baseando-se em Marx: “Kant e Fitche buscavam o país distante, / pelo gosto de andar lá no mundo da lua, / mas eu tento só ver, sem viés deformante,/ o que pude encontrar bem no meio da rua”.

2 SOUSA JR., José Geraldo. Movimentos sociais e práticas instituintes de direito.Perspectivas para a pesquisa sócio-jurídica no Brasil.Coimbra:

Boletim da Faculdade de Direito no. 6, Portugal, 1999/2000; SOUSA JR., José Geraldo.Sociologia jurídica: condições sociais e possibilidades

teóricas.Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 2002; NOLETO, Mauro de A. Subjetividade jurídica.A titularidade de direitos em perspectiva eman-

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no ensino jurídico.Porto Alegre: Sérgop A. Fabris, 1998; APOSTOLOVA, Bistra.Poder Judiciário: do moderno ao contemporâneo.Porto /alegre:

Sérgio A. Fabris, 1998.

3 GUSTIN, Miracy B. Sousa. (Re)pensando a inserção da universidade na sociedade brasileira atual.In:SOUSA JR. , José Geraldo et al. Educan-

do para os direitos humanos: pautas pedagógicas para a cidadania na universidade.Porto alegre: Síntese, 2004; Projeto Pólos de Cidadania

coordenado pela profa. da UFMG Miracy B. Sousa; Projetos do PET- Faculdade de Direito da UnB; ,fundamento de políticas públicas, tal como

a concepção do Observatório Permanente da Justiça Brasileira do Ministério da Justiça (Observatório da Justiça, 2009) e fundamento para

decisões importantes dos tribunais superiores, inclusive no STF.

4 Diversos artigos selecionados que foram publicados na coluna O Direito Achado na Rua da Tribuna do Brasil foram publicados em SOUSA

JR, José Geraldo; COSTA, Alexandre B.; MAIA FILHO, Mamede S. (orgs.) A prática jurídica na UnB: reconhecer para emancipar. brasília: Univer-

sidade de Brasília/Faculdade de Direito, 2007

5 Uma análise mais crítica dessa experiência foi desenvolvida em trabalho coletivo de PINHEIRO, Carolina de M; PASSOS, Luisa de M. X. dos;

BENÍCIO, Miliane N. M.; BICALHO, Mariana de F.Eu, sujeito de direitos?Me conta essa história, p. 123-169, para o livro organizado por Alexan-

dre B. Costa A experiência de extensão universitária na Faculdade de Direito / UnB, Coleção “ O que se pensa na Colina”, vol. 3, 2007

6 Ação programática 2 : “ investir na promoção de programas e iniciativas de formação e capacitação permanente da população sobre a com-

preensão dos direitos humanos e suas formas de proteção e eetivação; Ação programática 4: “ apoiar e promover a capacitação de agentes

multiplicadores para atuarem em projetos de educação em direitos humanos nos processos de alfabetização, educação de jovens e adultos,

educação popular, orientação de acesso à justiça, atendimento educacional especializado às pessoas com necessidades educacionais espe-

ciais, entre outros. PNEDH (2006, p. 45).

7 PNDH 3, diretriz 20, objetivo estratégico I, ação programática b : apoiar iniciativas de educação popular em Direitos Humanos desenvol-

vidas por organizações comunitárias, movimentos sociais, organizações não governamentais e outros agentes organizados da sociedade

civil. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção

da Igualdade Racial da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; Ministério

da Cultura; Ministério da Justiça; c) Apoiar e promover a capacitação de agentes multiplicadores para atuarem em projetos de educação em

Direitos Humanos. Responsável: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

8 Para uma revolução democrática da Justiça, Cortez Editora, Coleção Questões da Nossa Época, 134, São Paulo, 2007.

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Nair Heloísa Bicalho de Sousa é professora doutora, coor-denadora do Núcleo de Estudos da Paz e Direitos Huma-nos (NEP/CEAM/UnB) e atuante na linha de pesquisa Direito Achado na Rua, [email protected] .

Alexandre Bernardino Costa é professor doutor, Adjunto, da Faculdade de Direito da UnB, atuante na linha de pesquisa Direito Achado na Rua e coordenador do Projeto de extensao Universitários vão à escola-UVE, [email protected]

Lívia Gimenes Dias da Fonseca é mestranda em Direito na UnB, integra a equipe de coordenação do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal (PLPs/DF) ,atuante na linha de pesquisa O Direito Achado na Rua, [email protected] .

Mariana de Faria Bicalho é graduada em Direito pela UnB e membro do grupo de pesquisa do Cnpq, O Direito Achado na Rua, [email protected].

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E AS PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR

Maria Luiza Pereira Angelim

RESUMO

Com o propósito de contribuir, diante do desafio da extensão universitária da Universidade de Brasília-UnB e das práticas

de educação popular, propomos algumas reflexões norteadoras à luz da educação libertadora de Paulo Freire, abordando

a extensão como parte integrante da pesquisa e do ensino, o compromisso com a gestão democrática por uma nova

sociedade socialista radicalmente humana, a transdisciplinaridade, a pesquisa-ação e a base territorial e virtual.

Palavras-Chave: Educação Popular – Paulo Freire-Extensão Universitária – Gestão democrática – Transdisciplinaridade

ABSTRACT

With the intention to contribute, ahead of the challenge of the university extension of the University of Brasilia-

UnB and popular education practice, we propose some directing reflections to the light of the liberating education

of Paulo Freire, approaching the extension as integrant part of the research and education, the commitment with

democratic management for a new radically human socialist society, the multidisciplinarity, the research-action and

virtual and territorial base.

Key words: Popular Education, Paulo Freire, Universitary extension, Democratic management, Multidisciplinarity,

Research-action.

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1 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO PARTE INTEGRANTE DA PESQUISA E DO ENSINO- COMPROMISSO DA UNIVERSIDADE COM O POVO BRASILEIRO E A GESTÃO DEMOCRÁTICA POR UMA NOVA SOCIEDADE SOCIALISTA RADICALMENTE HUMANA.

É fundamental iniciar por reconhecer o compromisso com a autodetermina-

ção do povo brasileiro na origem dessa universidade, segundo as palavras

de Darcy Ribeiro, em 1978:[...] a UnB é, sobretudo, o compromisso de esforçar-se, permanente-mente, incansavel-

mente, para ser a Universidade necessária. Aquela que, ademais de construir-se a si

mesma como deve ser, a casa da cultura brasileira, se faça capaz de ajudar o Brasil a

formular o projeto de si próprio: a nação de seu povo, ordenada e regida por sua vontade

soberana, como o quadro dentro do qual ele há de conviver e trabalhar para si próprio.

(grifo nosso). Não pode ser outra a tarefa de uma nação dependente no plano externo e

oprimida internamente. Uma nação cativa de elites infecundas que, não lhe permitindo

nunca organizar-se para o seu próprio povo, se viu retardada na sua evolução histórica.

Esta nação frustrada é que requer da sua Universidade as armas intelectuais de que

necessita vitalmente para o salto revolucionário, que lhe permitirá realizar suas poten-

cialidades a fim de integrar-se, um dia, autonomamente, na civilização do seu tempo

como uma sociedade avançada, próspera e solidária. (RIBEIRO,1978:43-44).

Na mesma obra, Darcy afirma mais adiante:[...] O que nos propúnhamos era, por conseguinte, fazer da Universidade de Brasília

aquele centro de pesquisas completo, por cobrir todas as áreas, e organicamente inte-

grado numa estrutura unificada, que lhes permitisse operar num alto nível, tanto para

o cultivo e o ensino da ciência, como para o estudo crítico dos temas socialmente rele-

vantes, e ainda para a realização das pesquisas de maior importância estra-tégica para

o desenvolvimento autônomo do Brasil. (RIBEIRO, 1978: 93)

E sobre a Extensão universitária, professor Agostinho da Silva assim problematiza

a relação de reciprocidade entre o povo e a universidade, em outubro de 1964:Hoje, preocupam-se as Universidades em procurar o povo por meio de Serviços ou Cen-

tros de Extensão Cultural, no que fazem muito bem, e veríamos os organismos como os

mais importantes no que se refere à vida externa da Universidade; mas, se os Governos

nos cortassem as verbas ou se deixássemos de depender do que desejam os milioná-

rios poupar a seus impostos de renda, talvez tivéssemos de ir ao povo, mas de modo

diferente (grifo nosso): não para lhe ensinar uma ciência que o não interessa ou de que

não precisa, mas para aprendermos dele como se vive com o pouco; no processo, ele

aprenderia igualmente de nós aquilo que de facto requer. E talvez, lentamente, como do

mosteiro beneditino surgiu a Europa, o povo se agrupasse à volta de Universidades e

uma raça nova de sábios, monges e soldados viesse a resolver, no mundo actual, bem

frágil e ameaçado, ou por entre os baldios que deixará de si a guerra nuclear, proble-

mas que hoje, pelas nossas separações, pelas fatais divisões de trabalho que a história

trouxe, nos aparecem como insolúveis. E talvez também que nunca mais passasse pelo

espírito de ninguém, ao contemplar as atividades universitárias, a reflexão do labrego

espanhol vendo o pintor que, absorvido, coloria sua tela no campo: “Lo que inventan los

hombre para no trabajar.” (SILVA, 1964: 36).

No contexto atual, a Extensão pode cumprir papel importante na UnB, em

particular, qualificando com referenciais da pesquisa e do ensino, a gestão

democrática na efetividade representativa do seu Conselho Comunitário,

instalado recentemente, em 26/10/2010, em cumprimento ao Estatuto de

1993 (art. 14), portanto, após 17 anos.

É importante registrar que o representante do movimento social GTPA-Fórum

EJA/DF1 foi o primeiro membro eleito entre os conselheiros para representá-los

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na instância superior deliberativa da

UnB, o Conselho Universitário-CON-

SUNI. Do Regimento desse Conselho

Comunitário constam suas funções

de “opinar sobre estudos, projetos,

planos e relatórios e recomendar

ações e medidas à Administração

Superior”, de modo a explicitar a de-

manda de pesquisa e de ensino pela

sociedade organizada, na qual os

movimentos sociais empreendem a

sua luta atual pelo Sistema Nacional

de Educação articulado, pelas políti-

cas públicas de Estado e pelos 10%

do PIB no PL nº 8035/10-Plano Nacio-

nal de Educação (2011-2020).

Neste sentido, a extensão no mo-

mento próprio, atualizando a “funda-

ção autônoma” da UnB na consoli-

dação de sua gestão democrática,

esgotar-se-á como função acadê-

mica, conforme sugere o sociólogo

Boaventura Santos:A universidade é talvez a única insti-

tuição nas sociedades contemporâ-

neas que pode pensar até as raízes

as razões por que não pode agir em

conformidade com o seu pensamento.

É este excesso de lucidez que coloca

a universidade numa posição privi-

legiada para criar e fazer proliferar

comunidades interpretativas. A “aber-

tura ao outro” é o sentido profundo da

democratização da universidade, uma

democratização que vai muito além da

democratização do acesso à universi-

dade e da permanência nesta. Numa

sociedade cuja quantidade e qualida-

de de vida assenta em configurações

cada vez mais complexas de saberes,

a legitimidade da universidade só será

cumprida quando as ativi-dades, hoje

ditas de extensão, se aprofundarem

tanto que desapareçam enquanto tais

e passem a ser parte integrante das

atividades de investigação e de ensi-

no. (SANTOS, 1996: 225)

2 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: PEDAGOGIA DO OPRIMIDO OU EDUCAÇÃO LIBERTADORA DO EDUCADOR PAULO FREIRE

Vivendo intensamente os desafios de

seu tempo, Paulo Freire (1921-1997)

deixa como legado os princípios da

educação libertadora na sua princi-

pal obra “Pedagogia do Oprimido”

de 1968, revisitada na “Pedagogia

da Esperança” de 1992, como fun-

damentos norteadores da Educação

Popular, seguem alguns trechos se-

lecionados:

“Ninguém liberta ninguém, ninguém

se liberta sozinho: os homens se li-

bertam em comunhão... Somente

quando os oprimidos descobrem, ni-

tidamente, o opressor, e se engajam

na luta organizada por sua liberta-

ção, começam a crer em si mesmos,

superando, assim, sua convivência

com o regime opressor. Se esta des-

coberta não pode ser feita em nível

puramente intelectual, mas da ação,

o que nos parece fundamental é que

esta não se cinja a mero ativismo,

mas esteja associada a sério empe-

nho de reflexão, para que seja prá-

xis... Os oprimidos, nos vários mo-

mentos de sua líbertação, precisam

reconhecer-se como homens, na sua

vocação ontológica e histórica de

ser mais. A reflexão e a ação se im-

põem, quando não se pretende, er-

rôneamente, dicotomizar o conteúdo

da forma histórica de ser do homem”

(FREIRE,1987:52)

“Ninguém educa ninguém, ninguém

educa a si mesmo, os homens se

educam entre si, mediatizados pelo

mundo. Em verdade, não seria pos-

sível à educação problematizadora,

que rompe com os esquemas ver-

ticais característicos da educação

bancária, realizar-se como prática

da liberdade, sem superar a contra-

dição entre o educador e os edu-

candos. Como também não lhe se-

ria possível fazê-lo fora do diálogo”

(FREIRE,1987:68)

”A dialogicidade – essência da edu-

cação como prática da liberdade“

(FREIRE,1987:77)

“A educação autêntica, repita-

mos, não se faz de A para B ou de

A com B ou de A sobre B, mas de A

com B, mediatizados pelo mundo.”

(FREIRE,1987:84)...

“A nossa convicção é a de que, quan-

to mais cedo comece o diálogo, mais

revolução será. Este diálogo, como

exigência radical da revolução, res-

ponde a outra exigência radical – a

dos homens como seres que não po-

dem ser fora da comunicação, pois

que são comunicação. Obstaculizar

a comunicação é transformá-los em

quase “coisas” e isto é tarefa e obje-

tivo dos opressores, não dos revolu-

cionários... É preciso que fique claro

que, por isto mesmo que estamos

defendendo a práxis, a teoria do fa-

zer, não estamos propondo nenhuma

dicotomia de que resultasse que este

fazer se dividisse em uma etapa de

reflexão e outra, distante, de ação.

Ação e reflexão se dão simultanea-

mente” (FREIRE,1987:125)

“Me sinto absolutamente em paz ao

entender que o esfacelamento do

chamado “socialismo realista” não

significa, de um lado, que foi o so-

cialismo mesmo que se revelou in-

viável; de outro, que o capitalismo

se afirmou definitivamente na sua

excelência.”

“Que excelência é essa que conse-

gue ‘conviver com mais de um bilhão

de habitantes do mundo em desen-

volvimento que vivem na pobreza’,

para não falar, na miséria. Para não

falar também na quase indiferença

com que convive com bolsões de

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pobreza e “bolsos” de miséria no seu

próprio corpo, o desenvolvido. Que

excelência é essa, que dorme em paz

com presença de um sem-número de

homens e mulheres cujo lar é a rua,

e deles e delas ainda diz que é culpa

de na rua estarem. Que excelência é

essa que pouco ou quase nada luta

contra as discriminações de sexo,

de classe, de raça, como se negar

o diferente, humilhá-lo, ofendê-lo,

menosprezá-lo, explorá-lo fosse um

direito dos indivíduos ou das classes,

ou das raças, ou de um sexo em po-

sição de poder sobre o outro. Que ex-

celência é essa que registra nas esta-

tísticas, mornamente, os milhões de

crianças e, se mais resistentes, con-

seguem permanecer, logo do mundo

se despedem?”(FREIRE,1992:94-5).

Ao analisar o Catálogo de oferta de

Programas e Projetos de Extensão

de Ação Contínua – PEACs, em 2010,

classificados por áreas temáticas

num total de 193, identificamos a se-

guinte distribuição:

Área Temática Nº %

Educação 69 35,8

Saúde 64 33,1

Meio ambiente 20 10,4

Cultura 18 9,3

Direitos humanos e

Justiça

08 4,1

Comunicação 07 3,6

Tecnologia e Produção 04 2,1

Trabalho 03 1,6

Constata-se que 133 PEACs (68,9%)

correspondem às áreas temáticas

de Educação e Saúde, expressando

diversidade de respostas às deman-

das sociais e requerendo pesquisa

mais aprofundada do seu significa-

do acadêmico.

Neste sentido, orientar a extensão

a partir das “necessidades sociais

emergentes” como educação, saúde,

habitação, produção de alimentos,

geração de emprego, ampliação e

redistribuição da renda exige uma

atitude crítica propositiva perma-

nente não reformista do capitalis-

mo, formando sujeitos coletivos em

busca de soluções estruturantes de

uma nova sociedade brasileira de-

mocrática, republicana, sustentável,

radicalmente humana. Esta mesma

atitude crítica propositiva deve nor-

tear a compreensão da “responsa-

bilidade social” reduzida a inclusão

social, desenvolvimento econômico

e social, defesa do meio ambiente,

memória cultural, produção artísti-

ca e patrimônio cultural. Ou seja, na

tensão entre os interesses público

e privado, fortalecer os movimentos

sociais, as iniciativas de autogestão

da economia solidária, de gestão so-

cial por políticas públicas de Estado

via Conselhos e Orçamento partici-

pativo, de ações de iniciativa popular

no poder legislativo, de comunicação

social construída coletivamente en-

tre outras ações de consolidação da

sociedade organizada.

3 TRANSDISCIPLINARIDADE E PESQUISA-AÇÃO COMO CONDIÇÕES DE EXERCÍCIO DA EDUCAÇÃO POPULAR COMO CONSTRUÇÃO COLETIVA DE SABERES DIVERSOS À SERVIÇO DE UMA NOVA SOCIEDADE

A extensão como espaço de forma-

ção de jovens e adultos, em processo

de construção, para além da poten-

cialidade crítica e propositiva do re-

pensar a Universidade, a educação

básica, os ambientes virtuais mul-

timídia interativos, os movimentos

sociais em rede, pode contribuir no

repensar a própria pesquisa de ca-

ráter transformador, em particular, a

pesquisa em educação, enfatizando

a pesquisa – ação existencial (FREI-

RE, 1981; BARBIER, 2002; BRANDÃO,

2003) de sujeitos coletivos enrai-

zados e implicados no processo de

auto-hetero-ecoformação, segundo

Galvani (2002) numa perspectiva

transpessoal (SANTOS NETO, 2006),

transdisciplinar (NICOLESCU, 1999)

e transcultural.

Retomamos como base referencial,

o Ser Aprendiz Orgânico Cósmico

(ANGELIM, 2006), ou seja, uma es-

pécie humana sujeito, naturalmente

aprendiz, no exercício de interação

com o outro ou os outros no ambien-

te permanente de ligação cósmica

do eterno agora! Em outras palavras,

uma espécie capaz de exercer sua

autonomia de aprendizagem da Vida

(autoconsciência), como cidadão

(habitat) e como trabalhador cultu-

ralmente identificado em sociedade,

como constituinte do equilíbrio har-

mônico da natureza-vida.

Neste sentido, os processos forma-

tivos dos universitários sugerem o

reconhecimento de iniciativas estu-

dantis como o Estágio de Vivência

cuja primeira experiência foi realiza-

da em 1989, em Dourados (MS), em

conjunto com o Movimento dos Tra-

balhadores Rurais Sem Terra (MST),

agregando estudantes de agrono-

mia da região Centro-Oeste brasi-

leira, hoje, multiplicada por todo o

país com abordagem interdisciplinar.

Também, sugerem a constituição de

Comunidade de Trabalho e Apren-

dizagem em Rede-CTAR (SOUZA et

al,2010), sob o princípio da aprendi-

zagem colaborativa em ambiente vir-

tual e presencial.

Finalmente, merece atenção o es-

forço de integração dos processos

formativos em Programas como o

PIBIC- Programa Institucional de Bol-

sas de Iniciação Científica; PET-Pro-

grama de Educação Tutorial; PIBEX-

Programa Institucional de Bolsas de

Extensão; PIBID-Programa de Bolsas

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de Iniciação à Docência e PRODO-

CÊNCIA-Programa de Consolidação

das Licenciaturas.

BASE TERRITORIAL E VIRTUAL – NOVO DESAFIO

A extensão inicialmente cultural,

depois instituiu-se como função in-

dissociável da pesquisa e do ensino

na universidade, adquirindo uma

referência de territorialidade como

Projeto Rondon de ações episódicas,

depois com continuidade em “cam-

pus avançado”, seguido de “campus

aproximado” transformado em “nú-

cleo permanente” concomitante aos

Programas e Projetos de Extensão

de Ação Contínua – PEACs. A partir

de 2006, implementa-se a política

de expansão de campi universitários

NOTAS

1 GTPA - FÓRUM EJA/DF – Grupo de Trabalho Pró-alfabetização do Distrito Federal - Fórum de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Distrito

Federal- é um movimento social constituído desde 10/outubro/1989 e integrado ao movimento nacional dos Fóruns de EJA estaduais do Brasil,

a partir de 2003.

REFERÊNCIAS

ANGELIM, M.L.P. Extensão como espaço de formação de educadores de jovens e adultos. In: SOARES, Leôncio (org.). Formação de

educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte : Autêntica/ Secad-MEC/UNESCO, 2006.

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Tradução de Lucie Didio.Brasília:Plano,2002.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos: a experiência da partilha através da pesquisa na educação. São Paulo:Cortez,2003.

(Série Saber com o outro. V.1)

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido.10ª edição.São Paulo:Editora Paz e Terra,1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

FREIRE, Paulo. Criando métodos de pesquisa alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues

(Org.). Pesquisa participante. SP: Brasiliense, 1981.

e adesão ao Programa da Universi-

dade Aberta do Brasil-UAB (Decreto

nº5.800 de 08/06/06), inicialmente,

com oferta de cursos de graduação

a distância. Em todo este processo,

o que há de mais significativo nes-

tes últimos cinco anos, é a relação

estabelecida entre a universidade

e o(s) município(s) como gestão de

um programa federal, constituindo o

novo desafio de estabelecer organi-

cidade interna na gestão, sobretudo,

acadêmica e articulação com o Sis-

tema Nacional de Educação. Hoje,

a UnB, no âmbito do programa UAB,

dispõe, em regime de colaboração

com as administrações municipais,

de 29 polos de apoio presencial na

oferta de cursos de graduação, nas

quatro regiões (Norte-10;Nordeste-

-4;Centro-oeste-10;Sudeste-5).

Diante desta nova configuração da

educação superior de base territorial

(municipal, estadual, distrital) e virtu-

al, cabe à extensão o desafio de re-

pensar sua prática territorial e virtual

em consonância com os Programas

e Projetos de Extensão de Ação Con-

tínua – PEACs, à luz de referenciais

norteadores aqui expostos, sobretu-

do, o sentido do Conselho Comunitá-

rio da Universidade de Brasília.

Como texto aberto, fica ao leitor a

possibilidade de questionar, comple-

tar, sugerir e propor outras reflexões

para este momento da extensão na

Universidade de Brasília, podendo

acessar o PEAC-Portal dos Fóruns de

EJA do Brasil www.forumeja.org.br

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60

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 20. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GALVANI, Pascal. A autoformação, uma perspectiva transpessoal, transdisciplinar e transcultural.In: Educação e Transdisciplinaridade,

II/coordenação executiva do CETRANS.São Paulo: TRIOM,2002.

NICOLESCU, Basarab et al. Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução de Lúcia Pereira de Souza.São Paulo:TRIOM,1999.

RIBEIRO, Darcy. UnB: invenção e descaminho. Rio de Janeiro:Avenir Editora,1978.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.2 ed.São Paulo: Cortez,1996.

SANTOS NETO, E. Por uma educação transpessoal – a ação pedagógica e o pensamento de Stanislau Grof.S.Bernardodo.

Campo:Metodista:Rio de Janeiro: Lucena,2006.

SILVA, G. Agostinho. Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília. ano I,n.4/5.Lisboa,1964. (p.24-36)

SOUZA,A.M.,FIORENTINI,L.M.R. RODRIGUES. M.A.M.(orgs.) Educação superior a distância: Comunidade de Trabalho e Aprendizagem

em Rede (CTAR).Brasília:Universidade de Brasília, Faculdade de Educação, Editora da Universidade de Brasília, 2010. 264p.

Maria Luíza Pereira Angelim, Mestre em

Educação Brasileira, é Professora da Fa-

culdade de Educação da UnB, membro do

grupo de pesquisa Lattes Aprendizagem,

Tecnologia e Educação a distância e Co-

ordenadora da equipe do Programa de Ex-

tensão: Portal dos Fóruns de EJA do Brasil

www.forumeja.org.br,

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ROMPENDO BARREIRAS: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO DE ATENDIMENTO ÁS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NA CEILÂNDIA

Ela Wiecko V.de Castilho

RESUMO

O artigo apresenta a experiência do Projeto de Extensão de Ação Contínua Atendimento às Mulheres em Situação de

Violência Doméstica e Familiar, iniciado em 2007, no Núcleo de Extensão da Ceilândia. Após a identificação do Projeto

são expostas suas premissas e/ou propostas: o compromisso com assessoria jurídica para emancipação e autonomia

das mulheres; a violência doméstica e familiar contra as mulheres como violência de gênero estruturante da sociedade

patriarcal; a prática pedagógica feminista, o atendimento interdisciplinar; a crítica a lógica punitiva e o aprendizado de

habilidades. Por fim é trazido o ponto de vista de mulheres atendidas. Conclui-se que a experiência da extensão rompe

as barreiras da educação elitista realizando uma prática pedagógica feminista.

Palavras-chave: mulheres - violência doméstica – assistência - Lei Maria da Penha

ABSTRACT

The article presents the experience of the Project of Extension of Continuous Action Attendance to the Women in

Situation of Domestic and Familiar Violence, beginner in 2007, at the Center of Extension of Ceilândia. After the iden-

tification of the Project they are displayed its premises and/or proposals: the commitment with legal assessorship for

emancipation and autonomy of the women; family and domestic violence against women as gender violence of patriar-

chal society; the pedagogical feminist practice, the interdisciplinary attendance; the critic to the punitive logic and the

learning of abilities. Finally the point of view is brought of attended women. The conclusion is that the experience of the

extension breaches the barriers of the practical elitist education accomplishing a pedagogical practice.

Key words: women, domestic violence, assistance, “Maria da Penha” Law.

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INTRODUÇÃO

Em comemoração aos 90 anos de Paulo Freire e 50 anos de UNB, este artigo apresenta a experiência de um projeto de extensão de ação con-tínua que dialoga com mulheres de Ceilândia, a maior cidade-satélite do Distrito Federal, que vivenciam situa-ções de violência doméstica e fami-liar. Inicialmente é feita a apresen-tação do Projeto de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar. A seguir são expostas premissas e/ou propostas do Projeto: o seu compromisso com assessoria jurídica para emancipa-ção e autonomia das mulheres; a vio-lência doméstica e familiar contra as mulheres como violência de gênero estruturante da sociedade patriarcal; a prática pedagógica feminista, o atendimento interdisciplinar; a crítica a lógica punitiva e o aprendizado de habilidades. As afirmações são refe-renciadas em grande parte em textos produzidos no contexto do Projeto. O relato permite concluir o quanto a ex-periência da extensão rompe as bar-reiras da educação elitista realizando

uma prática pedagógica feminista.

APRESENTAÇÃO DO PEAC

O Projeto de Extensão de Ação Con-

tínua Atendimento às Mulheres em

Situação de Violência Doméstica e

Familiar, desenvolvido no Núcleo de

Extensão da UnB na Ceilândia-DF, é

um exemplo de atividade extensionis-

ta, de natureza interdisciplinar que

rompe barreiras e produz resulta-

dos relevantes em vários planos. De

um lado, porque articula no interior

da UnB a interação entre docentes

e estudantes dos cursos de Direito,

Psicologia e Serviço Social, visan-

do alcançar os objetivos de prestar

assessoria jurídica, no Juizado de

Violência Doméstica e Familiar da

Ceilândia, às mulheres em situação

de violência doméstica e familiar; de

articular o apoio psicossocial às mu-

lheres nessa situação e de capacitar

os/as alunos/as na percepção da vio-

lência de gênero e nas estratégias

para superá-la. De outro lado, porque

se articula com órgãos do sistema de

justiça, em especial com o Ministério

Público do Distrito Federal e com a

Rede Social de Ceilândia.

Criada por iniciativa do Serviço de

Atendimento a Famílias em Situação

de Violência - SERAV, da Secretaria

Psicossocial Judiciária SEPSI-TJDFT,

a rede tem a finalidade de promover

ações para prevenir e enfrentar a

violência/violação de direitos con-

tra crianças, adolescentes, mulhe-

res e homens na cidade satélite de

Ceilândia. Por fim, porque apoia as

mulheres da maior cidade-satélite

do Distrito Federal, a Ceilândia, a

darem um basta à violência prati-

cada por seus atuais e ex-maridos,

companheiros e namorados.

O Projeto nasceu em 2007, com uma

proposta inicial restrita, de prestar

a assistência jurídica às mulhe-

res, prevista pela Lei n. 11.343/06,

Lei Maria da Penha, uma vez que a

Defensoria Pública do Distrito Fe-

deral só prestava assistência aos

acusados. Em 2009, o Projeto pas-

sou a contar com a participação da

professora Gláucia Diniz, do De-

partamento de Psicologia Clínica,

de psicólogos/as voluntários/as e

de estagiários/as de Psicologia. O

atendimento assumiu uma perspec-

tiva jurídico-psicológica integrada.

Em 2010, a assistente social Dóris

Naves, coordenadora do Projeto Casa

Brasil, também sediado no Núcleo de

Extensão, associou-se ao Projeto de

Atendimento às Mulheres em Situa-

ção de Violência Doméstica e Fami-

liar, com a proposta de disponibilizar

recursos humanos e de infraestrutura

quanto às demandas das mulheres

para inclusão digital, bem como de

contribuir no atendimento jurídico-psi-

cológico com a perspectiva do serviço

social. No ano de 2011, iniciou-se a

parceria com o Projeto GENPOSS-gê-

nero, política social e serviços sociais,

coordenado pela Professora Marlene

Teixeira, do Departamento de Servi-

ço Social, que possibilitará no futuro

a inserção de estagiários/as para o

atendimento jurídico-psicossocial.

COMPROMISSO COM ASSESSORIA JURÍDICA PARA EMANCIPAÇÃO E AUTONOMIA DAS MULHERES

A proposta encaminhada ao DEX

(2011) registra que, “ao contrário de

um serviço jurídico tradicional, ca-

racterizado pela imposição do po-

der/saber de um lado da relação

advogado-cliente, a perspectiva da

intervenção jurídica a ser realizada

é marcada pela alteridade. Significa

dizer que suas ações são informadas

pela realidade econômica, social e

cultural daquelas COM quem se está

trabalhando, e não PARA quem se

está trabalhando”.

Em outras palavras, o Projeto se pro-

põe a prestar assessoria jurídica e

não assistência jurídica ou judiciária.

A diferença entre os dois conceitos

foi traçada em Relatório do Núcleo de

Assessoria Jurídica em Direitos Hu-

manos e Cidadania da UnB, publicado

nos Cadernos de Extensão, em 1993.

Conforme registra José Geraldo de

Sousa Júnior (2007, p. 34-35) a as-

sistência judiciária “tem a função de

dar um amparo legal gratuito às pes-

soas carentes que não podem pagar

um advogado para resolver suas de-

mandas. Essa atividade visa também

ministrar ensino jurídico prático aos

alunos do curso de Direito”. A meto-

dologia do trabalho é individual, “que

se esgota com a prestação de um

serviço legal imediato, assumindo um

caráter um tanto paternalista, pois,

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63

na maioria dos casos, não se procura

educar as pessoas para o exercício de

sua cidadania. De sua parte, a asses-

soria jurídica busca “a inserção nos

contextos sociais” e “o apoio prestado

visa em última instância à emancipa-

ção e à autonomia dos grupos sociais

oprimidos por meio da educação para

a cidadania” e não somente um mero

contato distante.

Daniel Pinheiro de Carvalho, estagi-

ário em 2007-2008, explica em sua

monografia de conclusão do curso

de Direito (2008, p. 74): Deve-se atuar em conjunto com a

assessorada, ao contrário do que

normalmente ocorre em núcleos de

prática jurídica e escritórios de advo-

cacia em geral, em que a(o) cliente se

apresenta, conta sua situação e rece-

be uma petição em troca, sem com-

partilhamento de conhecimentos e

sem abertura por parte dos estagiários

e advogados que, denotativa e cono-

tativamente, colocam uma barreira (a

mesa) entre si e a pessoa atendida.

No caso do PEAC Atendimento às

Mulheres em Situação de Violência

Doméstica e Familiar, o apoio presta-

do visa à emancipação e à autonomia

das mulheres. A resposta dada pelo

Projeto não se esgota na propositura

de medidas judiciais. Busca articular

o apoio psicossocial para que as mu-

lheres se libertem do ciclo da violên-

cia doméstica e exerçam a sua auto-

nomia. É relevante acentuar que tanto

a resposta tradicional de assistência

judiciária como a de assessoria jurí-

dica popular, ao invés de dadas, são

elaboradas com as mulheres.

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA AS MULHERES COMO VIOLÊNCIA DE GÊNERO ESTRUTURANTE DA SOCIEDADE PATRIARCAL

A construção dialógica de solução

para o problema da violência domés-

tica e familiar contra as mulheres exi-

ge definições, em nível de princípios,

a respeito do tema. Há elaborações

teóricas diferenciadas para explicar

o fenômeno da violência doméstica

perpetrada pelos homens. Algumas

teorias o explicam como doença,

outras consideram as mulheres cor-

responsáveis, outras as veem como

vítimas, outras ainda consideram

a violência nas relações conjugais

como instrumento de manutenção

da desigualdade de gênero.

O Projeto de Atendimento às Mulhe-

res em Situação de Violência Domés-

tica e Familiar parte do pressuposto

de que é fundamental a adoção da

perspectiva de gênero para a com-

preensão das manifestações de

violência e para a construção de in-

tervenções nessa área. É um pressu-

posto da própria Lei Maria da Penha,

a qual define “violência doméstica

e familiar contra a mulher qualquer

ação ou omissão baseada no gêne-

ro que lhe cause morte, lesão, sofri-

mento físico, sexual ou psicológico e

dano moral ou patrimonial”.

Em artigo produzido no âmbito da ini-

ciação científica e tendo como expe-

riência o Projeto de Atendimento às

Mulheres em Situação de Violência

Doméstica e Familiar, a Coordenado-

ra da Psicologia, Professora Gláucia

Diniz e a estagiária Ana Rosa de Sou-

sa Amor (2010) observam: “O estudo

acerca da violência conjugal – de ho-

mens contra mulheres – necessita de

um olhar que englobe a assimetria

existente nas relações sociais e inter-

pessoais. Os feminismos apontaram

e denunciaram que tal assimetria é

marcada pelo gênero”. Prosseguem,

invocando Heleieth Saffiotti, que:

“Gênero atravessa a organização

social, o funcionamento individual e

a constituição da subjetividade. (...)

Gênero é uma categoria de análise

que não implica, necessariamente

em desigualdade. (...) Inferioridade

feminina e supremacia masculina fo-

ram construídas ao longo da história.

Não são, portanto, típicas de gênero

e menos ainda do sexo”.

A assimetria de gênero foi estabele-

cida pelo patriarcado, um sistema de

organização das relações entre ho-

mens e mulheres, que atribui aos ho-

mens privilégios materiais, culturais e

simbólicos em detrimento das mulhe-

res. O sistema, ainda remanescente

na contemporaneidade, é mantido

e regulado por violências, visando a

preservar o domínio masculino.

Na perspectiva adotada, a violência

doméstica e familiar perpetrada por

homens contra mulheres não encon-

tra explicação no alcoolismo, nos

distúrbios psicológicos ou na deterio-

ração de relações afetivas. A razão é

estrutural e em nível social.

O texto de Lilia Bilma Schreiber et alii

(2005,p. 34-35) utilizado nos cursos

de capacitação do Projeto diz que

“admitir e trabalhar com a realidade

do sujeito socialmente desigual não

é simples ou agradável” (...) envol-

ve um movimento contracultural ao

questionarmos a escala de valores

que está situando a mulher como um

sujeito da sociedade de menor valor”.

Avalia que a ausência desse ques-

tionamento crítico “reforça a violên-

cia vivida por certas mulheres como

problemas apenas delas próprias, ou

pior: como problema nenhum”.

Apesar do pressuposto da assime-

tria na relação de gênero, e de que

a palavra vítima seja comumente

usada no âmbito jurídico, o Projeto,

tal como a Lei Maria da Penha, recu-

sam o termo vítima, porque carrega

estereótipos conservadores como

o de que as mulheres são passivas

e incapazes de transformar suas

vidas. A expressão “mulheres em

situação de violência”, de um lado

ressalta a transitoriedade da violên-

cia e de outro, ao utilizar o plural,

lembra que não há uma categoria

única capaz de abranger a diversi-

dade entre as mulheres.

Page 61: UnB 50 anos

64

Vale citar Vera Regina Pereira de

Andrade (1999, p.116): para quem:

“è óbvio que nós somos vítimas,

mas até que ponto é produtivo, é

progressista para o movimento (das

mulheres), a reprodução social des-

sa imagem da mulher como vítima

recorrendo ao Estado?”

O PROJETO COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA FEMINISTA

A incorporação da perspectiva de gê-

nero no atendimento às mulheres em

situação de violência doméstica ou

familiar demanda atividades de sensi-

bilização em gênero com os integran-

tes do Projeto e com as atendidas.

Para essa demanda Cecília Sarden-

berg (2004, p. 22) indica as pedago-

gias feministas. Por pedagogia fe-

minista entende “o conjunto de prin-

cípios e práticas que objetiva cons-

cientizar indivíduos, tanto homens

quanto mulheres, da ordem patriarcal

vigente em nossa sociedade, dando-

lhes instrumentos para superá-la e,

assim, atuarem de modo que cons-

truam a equidade entre os sexos.”

Registra a autora (p. 23) que as pe-

dagogias feministas integram as pe-

dagogias “críticas” ou “libertadoras”,

cujas teorias e práticas educativas e

de aprendizado têm o propósito de

“desencadear um processo de libe-

ração pessoal por meio do desenvol-

vimento de uma consciência crítica,

como um primeiro passo essencial

para ações coletivas transformado-

ras”. Explica ainda (p. 23) que as

pedagogias feministas compartilham

o pensamento de Paulo Freire e sua

“pedagogia do oprimido”, mas fazem

a crítica “no sentido de deslocar a

ênfase de Freire em classes para in-

cluir também questões sobre gênero,

raça, sexualidade e idade/geração”.

As/os integrantes do Projeto partici-

pam obrigatoriamente de cursos de

capacitação em que alguns princí-pios básicos das pedagogias femi-nistas são aplicados, tais como: es-timular a análise das noções trazidas pelas/os participantes e das novas concepções geradas no grupo; in-centivar a busca da compreensão das raízes dos preconceitos, dos mi-tos e das condições de subordinação das mulheres; criar um ambiente de livre expressão e de estímulo à parti-cipação de todas/os (ZUÑIGA, apud SARDENBERG, p. 28-29). A sensibilização nos cursos, seguida da experiência às vezes estressante no atendimento às mulheres, leva as/os participantes a perceber em maior ou menor grau os estereótipos construídos em relação aos papéis do homem e da mulher que operam de forma a manter as mulheres em posições de subordinação.As/os estudantes vivenciam experi-ências no fórum, na delegacia de po-lícia, no escritório do Núcleo de Prá-tica Jurídica que aclaram a compre-ensão do “jurídico” como um espaço de imposição e de arrogância, mas também de um espaço que permite o asseguramento de direitos funda-mentais. Há outras descobertas, às vezes surpreendentes e dolorosas, como a de se perceber enredada no chamado ciclo da violência domésti-ca, uma das representações da vio-lência de gênero.De outra parte, o Projeto, ao fazer assessoria jurídica popular emprega princípios da pedagogia feminista na medida em que reconhece que cada mulher tem seu ritmo no processo de aquisição de autonomia, e em que cria um ambiente de livre expressão e de estímulo à participação das mu-lheres na definição das estratégias em juízo. Vale ressaltar, ainda, a ex-periência, em 2009, do grupo de lei-tura com as mulheres, do texto “Mas ele diz que me ama: graphic novel de uma relação violenta. (Penfold, R. B. , trad. por. D. Pelizzari, Rio de Janeiro:

Ediouro, 2006).

Na pesquisa de Gláucia Diniz e Ana

Rosa de Sousa Amor (2009, p. 16),

duas mulheres participantes da pes-

quisa rompem com o silêncio e o se-

gredo e revelam as situações de vio-

lência vivenciadas “Percebe-se que ao

pedirem ajuda – elas fizeram denún-

cias, estão envolvidas em processo

judicial e estão em acompanhamento

jurídico e psicológico – elas tentam

iniciar um processo de mudança”.

A atividade extensionista concretiza

a pedagogia de Paulo Freire. (2005,

p. 46), com dois momentos distintos:O primeiro, em que os oprimidos

(leia-se também oprimidas) vão des-

velando, na práxis, com a sua trans-

formação; o segundo, em que, trans-

formada a realidade opressora, esta

pedagogia deixa de ser do oprimido e

passa a ser a pedagogia dos homens

( leia-se também das mulheres) em

processo de permanente libertação.

A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Daniel Pinheiro de Carvalho (2008, p.

42), estagiário do Projeto, que pes-

quisou sobre o atendimento multidis-

ciplinar de que fala a Lei Maria da Pe-

nha no Título V, relata em sua mono-

grafia os quatro métodos de compre-

ensão da realidade: o disciplinar, o

multidisciplinar, o interdisciplinar e o

transdisciplinar. O primeiro fragmen-

ta a realidade; o segundo compreen-

de que os fatos podem apresentar-se

sob ângulos distintos, mas também

há fragmentação do real, pois cada

profissional atua isoladamente; o ter-

ceiro tem por premissa a ideia de que

os diversos campos do conhecimen-

to são interdependentes para a com-

preensão da realidade pelas discipli-

nas; o quarto implica ultrapassar as

fronteiras impostas pelas disciplinas

para construir um novo pensamento.

O Projeto busca um diferencial: o

atendimento interdisciplinar e não

Page 62: UnB 50 anos

65

apenas multidisciplinar. Vale dizer, a

proposta não visa o atendimento por

diversos profissionais, cada um no

seu setor, um de cada vez. O que se

pretende é que as mulheres sejam

atendidas por uma equipe integra-

da de profissionais de áreas diver-

sas. Por isso, as mulheres não são

atendidas primeiro por advogadas/

os e, depois, por psicólogas/os. São

atendidas inicialmente pelas/os es-

tagiárias/os e pelas/os profissionais

do Direito e da Psicologia de for-

ma conjunta. Posteriormente pode

haver atendimentos em separado.

Essa metodologia faz diferença para

as mulheres, que não precisam con-

tar e recontar o seu sofrimento em

momentos distintos, e para as/os

atendentes, que são induzidas/os a

desenvolver uma percepção menos

reducionista do problema e uma es-

tratégia de superação mais atenta à

complexidade do fenômeno da vio-

lência doméstica e familiar.

A CRÍTICA À LÓGICA PUNITIVA

Outro referencial teórico importante

para o Projeto é o da Criminologia

Crítica que, ao fazer a crítica do sis-

tema penal, conclui pela sua redução

e, até, pela sua abolição. Nessa pers-

pectiva, a assessoria jurídica valoriza

mais o asseguramento de medidas

protetivas e se engaja nas ações de

prevenção do que na busca de con-

denação dos agressores.

Mayra Cotta Cardozo de Souza

(2009, p.59), ao fazer a análise de

um caso que atendeu como estagi-

ária, escreveu em sua monografia de

conclusão do curso: A história de Izabel demonstra como é

fundamental o trabalho de construção

da autonomia da mulher, pois se ela

não entende a gravidade da violência

que sofre, não lhe será possível com-

preender a proteção do Estado que lhe

é oferecida. A construção desta au-

tonomia, contudo, não consegue ser

feita dentro de um processo criminal

que aliena a vítima e ignora a com-

plexidade do problema em questão. A

partir do momento em que foi ofereci-

da a denúncia, instaurou-se a lógica

punitiva, segundo a qual o que importa

é apenas a busca pela aplicação da

pena mais elevada possível ao réu,

Defende na sua conclusão (p.74) que:Mais importante que o símbolo de

uma lei é a maneira como ocorre o

seu enforcement, ou seja, o modo

pelo qual as agências responsáveis

por sua aplicação vão dela se apro-

priar. Nesse sentido, merece atenção

a ênfase dada ao caráter punitivo da

Lei 11.340/06. Criada como um meca-

nismo de proteção integral à mulher,

voltado, especialmente, à prevenção

da violência doméstica de gênero e ao

atendimento multidisciplinar das víti-

mas, a Lei Maria da Penha parece ca-

minhar em direção ao mesmo fracasso

experimentado pelo Estatuto da Crian-

ça e do Adolescente, Assim como a

aplicação desta legislação abandonou

seus principais objetivos de proteção

e promoção da cidadania das crianças

e adolescentes para se transformar

em meio eficaz de punição penal dos

menores, a Lei Maria da Penha encon-

tra dificuldades em implementar suas

diretrizes preventivas e educativas,

assumindo um papel de intervenção

pontual do Estado por meio da lógica

punitiva do direito penal.

A Lei Maria da Penha se transformou

no símbolo de punição. Por isso e

porque aposta em políticas de prote-

ção e prevenção, o Projeto de Aten-

dimento às Mulheres em Situação de

Violência Doméstica e Familiar não

está institucionalizado com o nome

de Maria da Penha.

APRENDIZADO DE HABILIDADES

O Projeto de Extensão de Atendimen-

to às Mulheres em Situação de Vio-

lência Doméstica e Familiar possibi-

lita às/aos estudantes o aprendizado

de habilidades de se relacionar, de

pensar, de enxergar e de fazer, indis-

pensáveis para enfrentar a complexi-

dade do fenômeno social e jurídico.

Roberto Aguiar (2004, p.21-22) ob-

serva que “uma educação que so-

mente desenvolva e ensine noções

prescritivas, soluções prontas e

epistemes paralisadas, não habilita-

rá para o enfrentamento dos proble-

mas”. Avalia que na sociedade atu-

al “a questão das habilidades ficou

mais adstrita às aptidões de fazer,

realizar e lucrar” e entende que “não

haverá possibilidade de resolução

de problemas se não nos dispuser-

mos a caminhar para o pleno em-

prego da inteligência, uma inteligên-

cia geral e abarcante que tenha a

capacidade de trabalhar o macro e

estar atenta ao micro”.

O ponto de vista das mulheres

Olhando do ponto de vista das mulhe-

res atendidas, o grau de satisfação

com o trabalho realizado pela equipe

parece ser positivo. Embora, não te-

nha sido possível fazer uma pesquisa

ampla e consistente, Sarah Raquel

de Lima Lustosa, em sua monogra-

fia de conclusão do Curso de Direito,

intitulada “Enfrentamento à violência

doméstica contra a mulher: uma li-

ção para a vida” (2009) entrevistou

três mulheres que atendera durante

o ano de 2008, na Ceilândia.

Janaína, nome fictício, contou que

“está mais esperançosa, sente me-

nos medo de Manoel, pois vê que

não é ele quem manda no mundo;

ela já consegue sair na rua sozinha,

mas ainda tem medo de que ele pe-

gue as crianças para as visitas e

não as devolva. Janaína demonstra

grata pela ajuda recebida no Projeto

e afirma ter gostado da intervenção

psicológica, que ela não conhecia.

Nestes últimos tempos, Janaína

conseguiu um emprego, já começou

a receber a pensão para sustentar

as crianças, as colocou na creche e

foi até convidada a dar curso de ar-

tesanato” (p. 64).

Page 63: UnB 50 anos

66

das, hoje aparecem dispostas e com

sede de atendimento, de conheci-

mento, de liberdade; coisas que só

podem ser atingidas com o apoio

daqueles que conseguem enxergar

a situação de vulnerabilidade a qual

elas estão expostas e ajudá-las a re-

cuperar a sua dignidade”.

CONCLUSÃO

A experiência relatada permite con-

cluir que o Projeto de Atendimento

às Mulheres em Situação de Violên-

cia Doméstica e Familiar na Ceilândia

efetivamente rompe barreiras e pro-

voca transformações, ao realizar uma

pedagogia feminista que alcança alu-

nas/os e as mulheres atendidas.

Josefa qualificou o atendimento re-

cebido no Projeto como “maravilho-

so. Todo mundo trata todo mundo

bem, não tem discriminação. Só há

certa confusão quanto às pessoas e

horários” (p. 67) Ela se referiu à troca

de estagiários.

A terceira mulher, aqui chamada de

Cláudia, relatou que as assistências

jurídica e psicológica recebidas no

Projeto “são ótimas; ela sente como

se tivesse ganhado nova família,

amigos, principalmente quando es-

tas pessoas são mulheres e enten-

dem sua situação. Ela atribui nota

maior que dez à iniciativa” (f. 69)

Sarah Lustosa (2009, p. 72) por sua

vez conta: “mulheres que no início

dos atendimentos chegavam abati-

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SOUZA, Mayra Cotta Cardozo de. Entre a proteção da mulher e a punição do agressor: a encruzilhada da Lei Maria da Pe-

nha. Monografia de conclusão de curso. Faculdade de Direito: UNB, 2009. Profª. Orientadora: Dra. Ela Wiecko V. de Castilho.

Ela Wiecko V.de Castilho é professo-

ra doutora da Faculdade de Direito

(FD/UnB), Procuradora Federal e co-

ordenadora do Peac Atendimento às

Mulheres em Situação de Violência

Doméstica e Familiar na Ceilândia.

[email protected]

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