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UniFMU Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas Faculdade de Direito DANIELA DORNEL ROVARIS PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO CAPACIDADE CONTRIBUTIVA BACHARELADO EM DIREITO São Paulo 2004

UniFMU Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas ...arquivo.fmu.br/prodisc/direito/ddr.pdf · 6 SINOPSE1 A Constituição Federal de 1988 restabeleceu, em boa hora, o princípio

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UniFMU

Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas

Faculdade de Direito

DANIELA DORNEL ROVARIS

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

BACHARELADO EM DIREITO

São Paulo2004

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UniFMU

Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas

Faculdade de Direito

DANIELA DORNEL ROVARIS

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Monografia apresentada ao Curso deDireito da UniFMU como requisitoparcial para a obtenção do grau deBacharel em Direito, sob orientação doProfº Benedito Mário Seganti Siegl.

São Paulo2004

3

Banca Examinadora

________________________________________

Orientador: Profº Benedito Mário Seganti Siegl

________________________________________

________________________________________

(______________________________________)

4

Dedico este trabalho, aos meus pais e a meu irmão, grandes

incentivadores e colaboradores, pelo amor, e principalmente pelo

esforço dispensado para que eu pudesse chegar até aqui.

De um modo muito especial ao Antonio, com quem compartilho minha

vida acadêmica de um jeito romanticamente intelectual.

Dedico, ainda, à minha Tia Diva e a minha prima Rosa, que tanto me

ajudaram e me apoiaram ao longo de todos estes anos.

5

Agradeço aos meus amigos de trabalho Daniele Santos Ribeiro,

Ricardo Krakowiak, Pedro Miranda Roquim, Luiz Wenceslau e Tania

Mendes que de alguma maneira me ajudaram a realizar este trabalho.

Ao Profº Benedito Mário Seganti Siegl, meu orientador, agradeço a

disposição permanente e o conselhos inestimáveis.

E acima de tudo, agradeço a Deus, por

tudo que tem feito e por tudo que tem sido em minha vida.

6

SINOPSE1

A Constituição Federal de 1988 restabeleceu, em boa hora,

o princípio da capacidade contributiva, em seu artigo 145, § 1º,

tradição de nosso Direito Constitucional Tributário e afastado pelo

regime autoritário em 1965. Sua essência pode ser resumida em poucas

palavras: o sujeito passivo da obrigação tributária deverá suportar o

gravame na proporção de seus haveres.

Clarifica-se, tal idéia, por si só manifestação de justiça no

âmbito fiscal, se observamos que o princípio deriva de outro de maior

amplitude, irradiador de efeitos por todo o ordenamento jurídico, qual

seja, o princípio da igualdade. Por ele devem-se pautar o legislador e o

juiz, servindo de parâmetro na formulação e na aplicação da lei

tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Revela-se, assim, o princípio da capacidade contributiva,

vetor fundamental da atividade tributária, a coadunar-se com as

exigências da moderna concepção do Estado de Direito, elemento

fundamental na aplicação da lei e defesa dos contribuintes.

1 Baseada na obra de Regina Helena Costa, Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo:Malheiros, 1993

7

SUMÁRIO

I – Introdução 09

II – Princípios

1) Noções Gerais 10

2) Noção de Princípios 13

3) Princípios Jurídicos 14

4) Princípios Jurídicos Constitucionais 16

5) Princípios Jurídicos Constitucionais Tributários 19

III – Justiça

1) Conceito de Justiça 21

2) Espécies de Justiça 22

3) Justiça Distributiva 23

4) Justiça Distributiva e Capacidade Contributiva 25

IV – Igualdade

1) Conteúdo do Princípio da Igualdade 28

2) Igualdade Tributária na Constituição Federal de 1988 31

3) Igualdade Tributária e Capacidade Contributiva 35

8

V – Capacidade Contributiva

1) Relevância do Tema 39

2) Evolução Histórica do Conceito 41

3) Conceito de Capacidade Contributiva 47

4) Concepções sobre o Conceito de Capacidade Contributiva 51

5) Destinatários da Capacidade Contributiva 53

6) Capacidade Contributiva, Econômica e Financeira 55

7) Abrangência do Princípio da Capacidade Contributiva 57

7.1. Capacidade Contributiva e os Tributos Vinculados e Não-Vinculados 57

7.2. Capacidade Contributiva e os Impostos Diretos e Indiretos 61

7.3. Capacidade Contributiva e os Impostos de Natureza Pessoal e Real 62

7.4. Capacidade Contributiva e Progressividade 64

8) Eficácia do Princípio da Capacidade Contributiva 66

9) Inconstitucionalidade da Ofensa ao Princípio da Capacidade Contributiva 67

10) Capacidade Contributiva na Constituição 1988 69

10.1. Sentido e Alcance da Expressão “sempre que possível” 71

10.2. Sentido e Alcance da Expressão “caráter pessoal” 72

11) Capacidade Contributiva e Outros Direitos Constitucionais 73

12) Aplicação Prática do Princípio da Capacidade Contributiva 73

VI – Conclusões 76

VII – Bibliografia 80

Anexo 84

9

INTRODUÇÃO

O princípio da capacidade contributiva nos foi trazido pela

Constituição Federal de 1946, que insculpiu, em seu artigo 202, o

princípio segundo o qual os tributos deveriam ser graduados conforme a

capacidade econômica dos contribuintes.

A Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de

1965, ao imprimir a reforma constitucional tributária, veio a retirar

aquele preceito do Texto Fundamental, não reproduzido pela

Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969.

A Constituição da República de 1988, devolveu o princípio

da capacidade contributiva a estatura constitucional que sempre

mereceu, tendo em vista servir de parâmetro para a eleição de hipóteses

de incidência tributária e, especialmente, para a graduação dos tributos,

traduzindo-se em legítimo limite ao exercício do poder de tributar.

Assim, nossa proposta consiste numa modesta análise do

conteúdo do conceito da capacidade contributiva e de suas

manifestações no âmbito do direito constitucional positivo.

10

I – PRINCÍPIOS

1) Noções Gerais

O ordenamento jurídico é composto por um conjunto de

normas, dispostas hierarquicamente. As normas formam um sistema que

se reduzem a uma unidade.

Hierarquizado que é, nosso sistema jurídico possue normas

inferiores e superiores. As normas de hierarquia inferior devem guardar

total consonância com as normas de hierarquia superior, constituindo a

chamada “pirâmide jurídica”.

Sobre a matéria Goffredo da Silva Telles Júnior, ensina que

“desde as simples normas contratuais, estabelecidas entre particulares,

até a Constituição Nacional, forma-se, desta maneira, uma autêntica

pirâmide jurídica, na qual a juridicidade de cada norma é haurida da

juridicidade da norma que a suspende”.2

2 Citado por SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. Lições de Introdução ao Direito, 2ª ed., revista eaumentada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 15.

11

Neste sentido, sábios são os dizeres de Hans Kelsen:

“Entre uma norma de escalão superior e umanorma de escalão inferior, quer dizer, entreuma norma que determina a criação de umaoutra e essa outra, não pode existir qualquerconflito, pois a norma do escalão inferior temo seu fundamento de validade na norma deescalão superior. Se uma norma de escalãoinferior é considerada como válida, tem deconsiderar-se como estando de harmonia coma norma de escalão superior”. 3

Para Gomes Canotilho a superioridade hierárquica da

Constituição revela-se de três modos; a saber:

“(1) as normas do direito constitucionalconstituem uma lex superior que recolhe ofundamento de validade em si própria(autoprimazia normativa);

(2) as normas de direito constitucional sãonormas de normas (norma normarum),afirmando-se como fontes de produçãojurídica de outras normas (normas legais,normas regulamentares, normas estatutáriasetc.);

(3) a superioridade normativa das normasconstitucionais implica o princípio daconformidade de todos os actos dos poderespolíticos com a Constituição”. 4

3 Teoria Pura do Direito, 2ª ed., v. II , trad. de João Baptista Machado. Coimbra: Arménio Amado,1962, p. 33.4 Direito Constitucional, 5ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 141.

12

É por este motivo que dizemos que a Constituição

encontra-se no ápice desta pirâmide jurídica, sendo a lei fundamental do

Estado, submetendo todos os cidadãos e os próprios Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário aos seus ditames.

Mas mesmo na Constituição existem normas mais

importantes e normas menos importantes. A Constituição é, pois, um

“conjunto ordenado e sistemático de normas, constituído em torno de

princípios coerentes e harmônicos em função de objetivos socialmente

consagrados”. 5

Estes princípios possuem acentuado grau de abstração,

enunciam uma razão para decidir em determinado sentido. Os princípios

são as diretrizes, isto é, o norte do ordenamento jurídico6.

É deles que passaremos a tratar.

5 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p.8.6 Cf. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª ed., revista,ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 39/2002. São Paulo: Malheiros, 2003, p.30.

13

2) Noção de princípios

Etimologicamente, o termo “princípio” (do latim,

principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base. Em

linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de

um processo qualquer.

De igual modo, em qualquer Ciência, princípio pressupõe,

sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a

compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda a pedra

angular de qualquer sistema.7

Em termos de direito positivo, princípios são “normas

jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá

a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o

sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da

ordem jurídica.8

7 CARRAZA, ob. cit., p. 31.8 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo:Revista de Direito Tributário, Ano 15, n. 55, pp. 143/155.

14

3) Princípios Jurídicos

Posto ser o princípio, na ciência jurídica, um enunciado de

caráter geral a partir da qual se constrói um sistema de normas jurídicas,

formando um todo lógico e coerente9, preciosa é a definição de Celso

Antonio Bandeira de Mello, assim posta:

“Princípio é, por definição, mandamentonuclear de um sistema, verdadeiro alicercedele, disposição fundamental que se irradiasobre diferentes normas compondo-lhes oespírito e servindo de critério para sua exatacompreensão e inteligência, exatamente pordefinir lógica e a racionalidade do sistemanormativo, no que lhe confere a tônica e lhe dásentido harmônico.

É o conhecimento dos princípios que preside aintelecção das diferentes partes componentesdo todo unitário que há por nome sistemajurídico positivo”. 10

9 CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade.São Paulo: Dialética, 1996, p. 20.10 Curso de Direito Administrativo, 8ª ed.. São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 545-546.

15

No mesmo sentido disciplina Roque Antonio Carraza11:

“Princípio jurídico é um enunciado lógico,implícito ou explícito, que, por sua grandegeneralidade, ocupa posição de preeminêncianos vastos quadrantes do Direito e, por issomesmo, vincula, de modo inexorável, oentendimento e a aplicação das normasjurídicas que com ele se conectam”.

Resulta do exposto que um princípio jurídico é

inconcebível em estado de isolamento. Ele – até por exigência do

Direito (que forma um todo pleno, unitário e harmônico) – se apresenta

sempre relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão

equilíbrio e proporção e lhe reafirmam a importância.12

São eles, os responsáveis pela introdução, no Direito, dos

valores que, firmados na sociedade, sedimentaram-se, em dado

momento, nas normas jurídicas.

11 CARRAZA, ob. cit., p. 33.12 CARRAZA, ob. cit., p. 34.

16

4) Princípios Jurídicos Constitucionais

É dessas colocações, pois, que desponta “a superioridade e

hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é

unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na

medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até

mesmo confundidos com os valores, sendo na ordem constitucional dos

ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que

fundamente a organização do poder”. 13

Por isso os princípios constitucionais devem ser sempre

respeitados, conforme a lição de Konrad Hesse:

“(...) aquilo que é identificado como vontadeda Constituição deve ser honestamentepreservado, mesmo que, para isso, tenhamosde renunciar a alguns benefícios, ou até aalgumas vantagens justas. Quem se mostradisposto a sacrificar um interesse em favor dapreservação de um princípio constitucionalfortalece o respeito à Constituição e garanteum bem da vida indispensável à essência doEstado democrático.

13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p.259.

17

Aquele que, ao contrário, não se dispõe a essesacrifício, malbarata, pouco a pouco, umcapital que significa muito mais do que todasas vantagens angariadas, e que, desperdiçado,não mais será recuperado”. 14

Ainda sobre o tema, doutrina José Souto Maior Borges com

inteira propriedade:

“Ora, a violação de um princípioconstitucional importa em ruptura da própriaConstituição, representando por isso mesmouma grave inconstitucionalidade deconsequências muito mais graves do que aviolação de uma simples norma, mesmoconstitucional.

A doutrina vem insistindo na acentuação daimportância dos princípios para iluminar aexegese dos mandamentos constitucionais.

(...) Por todas as considerações antecedentes,impõe-se a conclusão pela eficácia eminentedos princípios na interpretação das normasconstitucionais. É o princípio que iluminará ainteligência da simples norma; que esclareceráo conteúdo e os limites da eficácia de normasconstitucionais esparsas, as quais têm queharmonizar-se com ele”. 15

14 A Força Normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Sérgio Antônio FabrisEditor, 1991, p. 22.15 Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais/Educ, 1975, pp. 13/14.

18

A importância do respeito aos princípios constitucionais

também foi exposta por Geraldo Ataliba:

“(...) princípios são as linhas mestras, osgrandes nortes, as diretrizes magnas dosistema jurídico. Apontam os rumos a seremseguidos por toda a sociedade eobrigatoriamente perseguidos pelos órgãos dogoverno (poderes constituídos).

Eles expressam a substância última do quererpopular, seus objetivos e desígnios, as linhasmestras da legislação, da administração e dajurisdição. Por estas, não podem sercontrariados; têm que ser prestigiados até asúltimas consequências”. 16

Como se viu, os princípios constitucionais conferem

estrutura e coesão ao ordenamento jurídico, não podendo, desta forma,

norma infraconstitucional atritar com eles, sob pena de inexistência,

nulidade, anulabilidade ou ineficácia.

16 República e Constituição, 2ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34.

19

5) Princípios Jurídicos Constitucionais Tributários

Os princípios constitucionais tributários são normas do

sistema tributário que orientam a atuação de outras normas, e dão

coesão e estrutura a este ordenamento jurídico que podemos denominar

de sistema tributário.17

Sistema tributário, por sua vez, pode ser tido como, o

conjunto de princípios, que de forma unitária, interrelacionados entre si

(coerentes), cuidam da forma pela qual o Estado pode exigir dos

contribuintes as prestações pecuniárias compulsórias (Tributos).18

Assim sendo, na esfera do Direito Tributário, a

funcionabilidade e a validade dos princípios constitucionais vem

intimamente ligada a idéia de que são eles quem moldam, interferem e,

de um certo modo, até antecipam o conteúdo das leis tributárias.

Deste modo, os princípios constitucionais tributários são

verdadeiras diretrizes do Sistema Tributário, as engrenagens que fazem

este sistema funcionar de forma coesa e justa.

17 CONTI, ob. cit., p. 22.18 GONÇALEZ, Antonio Manoel. Princípios Constitucionais Tributários, Caderno de PesquisasTributárias, vol. 18. São Paulo: Resenha Tributária, 1993.

20

Isto posto, conclui-se que todos os artigos da Carta Magna

que tratam, direta ou indiretamente, da ação estatal de tributar só

encontram sua real dimensão se conjugados com os princípios magnos

de nosso sistema constitucional.

21

II – JUSTIÇA

1) Conceito de Justiça

O termo justiça pode ser entendido como aquilo que é

conforme o direito, ou seja, a virtude de dar a cada um aquilo que é seu,

ou ainda, a faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência.

Do ponto de vista científico, o termo justiça pode ser visto

sob dois aspectos: formal e material.

No aspecto formal, a justiça surge como um valor ético-

social de proporcionalidade e igualdade; é o senso de equilíbrio na

distribuição de bens e relações sociais, ou seja, a atribuição de dar a

cada um aquilo que é seu.

Do ponto de vista material, a justiça é encarada como o

critério sobre o que a quem são devidos os citados direitos, emprega-se

a máxima “dar o que a quem”.

22

O aspecto material se preocupa com a finalidade ou

objetivo do direito. O aspecto formal é a maneira pela qual se busca

esse objetivo.19

2) Espécies de Justiça

A doutrina elenca três espécies de Justiça: comutativa,

distributiva e social. Nas justiças comutativa e distributiva o objeto é o

bem particular. Na justiça social, o objeto é o bem comum.

Na primeira o que é devido por Justiça dá-se através da

relação entre particulares, um particular dá a outro particular o bem que

lhe é devido.

Na segunda o que é devido por Justiça dá-se através da

relação entre particular-sociedade, a sociedade dá a cada particular o

bem que lhe é devido, sendo esta corolário do princípio da capacidade

contributiva.

19 SIQUEIRA JR., ob. cit., p. 140.

23

Na Justiça Social, a própria comunidade dá a sociedade o

bem que lhe é devido, ou seja, os indivíduos e grupos sociais dão à

sociedade o bem que lhe é devido.20

3) Justiça Distributiva

A Justiça Distributiva é aquela que regula as relações entre

os particulares e a sociedade. Distributiva, designa distribuição,

repartição. A Justiça Distributiva tem como objetivo permitir que os

membros da coletividade participem do bem comum mediante uma

distribuição equitativa, de acordo com seus méritos, habilidades,

estando intimamente ligada a capacidade contributiva de cada um.

A Justiça Distributiva se preocupa com a obrigação que a

sociedade tem para com os seus particulares e, ainda, a obrigação que os

membros da sociedade (particulares) têm com a mesma.

20 SIQUEIRA JR., ob. cit., p. 150.

24

O devido na Justiça Distributiva é a participação dos

particulares, visando o bem comum, ou seja, a participação nos

benefícios e encargos sociais que toda comunidade deve oferecer,

constituindo-se sua natureza um dever rigoroso, cuja característica é a

exigibilidade.

A Justiça Distributiva regula o dever negativo da

sociedade, que consiste em respeitar os direitos individuais de cada

particular. E finalmente, distribui equitativamente e proporcionalmente

os benefícios e encargos sociais, como por exemplo, o pagamento de

impostos.

Deste modo, tem-se que Justiça Distributiva guarda total

consonância com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que

busca-se dar aos membros da coletividade aquilo que lhes é devido

(bens ou encargos), segundo o seu mérito, participação ou capacidade

de contribuição, segundo uma igualdade relativa.21

Neste sentido, são os ensinamentos de Marcelo Caetano:

“O Estado liberal preocupava-se especialmentecom a segurança, sobretudo no seu aspecto decerteza jurídica, e com a justiça interpretadaformalmente:

21 SIQUEIRA JR., ob. cit., pp. 151/153.

25

(...) o Estado dos nossos dias (...) caracteriza-se ao contrário pela concepção material dejustiça –interessa mais a igualdade desituações econômicas e sociais, ou, pelomenos, de oportunidade para conquistá-las, doque a simples igualdade de direitos e deveres –e pela hipertrofia do fim do bem-estar.

(...) a regra é a desigualdade para remunerarcada qual segundo os seus méritos: a serviçosdesiguais, retribuição desigual”. 22

4) Justiça Distributiva e Capacidade Contributiva

A idéia de justiça está intimamente ligada ao princípio da

capacidade contributiva, posto que na aplicação de tributos, sempre se

procurou distribuí-los de modo igual entre os contribuintes, ou seja,

sempre se procurou submetê-los aos ditames da justiça, sendo meio

viabilizador de uma tributação justa.

Discorrendo sobre o tema de justiça e capacidade

contributiva, Alcides Jorge Costa preceituou:

“Segundo Perelman, as concepções maiscorrentes de justiça são as seguintes:

1 – a cada um a mesma coisa

2 – a cada um segundo seus méritos

22 CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, 2ª ed., vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp.184/186.

26

3 – a cada um segundo suas obras

4 – a cada um segundo suas necessidades

5 – a cada um segundo sua posição

6 – a cada um segundo o que a lei atribui

Diante destas concepções, (...) propõe ele quese busque o que há em comum entre asconcepções de justiça mais habituais, que sãoas antes citadas. (...)

Na busca do elemento comum a diversasconcepções de justiça, diz Perelman quequalquer que seja o desacordo sobre outrospontos, todas concordam no fato de que serjusto significa tratar do mesmo modo os seresque são iguais sob um certo ponto de vista, quepossuem uma mesma característica, a únicaque é levada em conta ao administrar-se ajustiça”. 23

Outro não é o entendimento de Aliomar Baleeiro, para

quem “Na consciência contemporânea de todos os povos

civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação

deste ao princípio da capacidade contributiva”. 24

Neste exato sentido, é o pensamento de Klaus Tipke,

traduzido por Brandão Machado:

23 COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. São Paulo: Revista de Direito Tributário, Ano15, n. 55, pp. 297/298.24 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, 14ª ed., revista e atualizada porFlávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 268.

27

“Como princípios materiais do Estado deDireito, põe Tipke a justiça em primeiro plano,pois que, para ser legítimo, o imposto deve serjusto, daí decorrendo então o princípio dacapacidade contributiva do contribuinte.

(...) O princípio da capacidade contributiva,em última análise, é o que realiza a justiçafiscal, a igualdade entre contribuintes mediantea distribuição equitativa da carta tributária.

(...) O imposto só é justo, quando fundado empressuposto que revele a capacidadeeconômica do contribuinte”. 25

Assim sendo, é patente a idéia decorrente da capacidade

contributiva como corolário da justiça distributiva, tal como assevera

Carlos Palao Taboada, ao discorrer que a capacidade contributiva seria

um elemento imediatamente deduzível da idéia de justiça. Isto porque, a

capacidade contributiva se presta justamente como critério viabilizador

de uma tributação justa e igualitária.26

25 MACHADO, Brandão. Comentários sobre o livro Die Steurrechtsordnung, de Klaus Tipke(Colônia, 1993), in Revista da Faculdade de Direito, vol. 89. São Paulo: Universidade de São Paulo,1994, p. 291.26 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e Capacidade Contributiva, in Revista de Direito Tributárion. 4/126, pp. 127 e 134.

28

III – IGUALDADE

1) Conteúdo do Princípio da Igualdade

A idéia de igualdade está vinculada à de justiça. É o

princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito.

É frequente a indagação sobre o conteúdo concreto do

princípio de igualdade, que em regra se apresenta como uma cláusula

geral mais ou menos vaga, extraído da máxima aristoteliana:

“tratar igualmente os iguais e desigualmente osdesiguais, na medida em que eles sedesigualam”.

Deste modo, há que se saber o exato conteúdo deste que é

um dos princípios fundamentais do Estado de Direito.

Neste sentido, clara é a noção oriunda da filosofia grega, a

nós trazida pelo mestre Rui Barbosa, segundo a qual:

“A regra da igualdade não consiste senão emquinhoar desigualmente aos desiguais, namedida em que se desigualam.

29

Nesta desigualdade social, proporcionada àdesigualdade natural, é que se acha averdadeira lei da igualdade. O mais, sãodesvarios da inveja, do orgulho e da loucura.

Tratar com desigualdade a iguais, ou adesiguais com igualdade, seria desigualdadeflagrante, e não igualdade real.

Os apetites humanos conceberam inverter anorma universal da criação, pretendendo, nãodar a cada um, na razão do que vale, masatribuir o mesmo a todos, como se todos seequivalessem”. 27

Dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei todos os

abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo certo,

ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas

para situações equivalentes.

Nesta esteira, são as considerações de Hans Kelsen:

“A igualdade dos sujeitos na ordenaçãojurídica, garantida pela Constituição, nãosignifica que estes devam ser tratados demaneira idêntica nas normas mas em particularnas leis expedidas com base na Constituição.

27 Oração aos Moços, nova edição. Ministério de Educação e Cultura: Casa de Rui Barbosa, 1956, p.32.

30

A igualdade assim entendida não é concebível:seria absurdo impor a todos os indivíduosexatamente as mesmas obrigações ou lhesconferir exatamente os mesmos direitos, semfazer distinção alguma entre eles, como, porexemplo, entre crianças e adultos, indivíduosmentalmente sadios e alienados, homens emulheres”. 28

Prossegue o autor concluindo que a igualdade

constitucionalmente garantida dificilmente poderá significar algo mais

do que a igualdade perante a lei, vale dizer, no momento de sua

aplicação. E, com isso, arremata, apenas se estabelecem os princípios,

imanentes a todo o direito, da juridicidade e da legalidade.

Concluí-se, assim, seguindo o raciocínio desenvolvido por

Celso Antonio Bandeira de Mello que “a lei não deve ser fonte de

privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social

que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. 29

28 KELSEN, ob. cit., p. 154.29 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 10.

31

Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico,

vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias

peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver

adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado

aos que se inserem na categoria diferenciada.30

2) Igualdade Tributária na Constituição Federal de 1988

Consoante dispõe o artigo 3º da Constituição Federal, os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são:

“I – construir uma sociedade livre, justa esolidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalidade ereduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sempreconceito de origem, raça, sexo , cor, idade equaisquer outras formas de discriminação”.

30 MELLO, ob. cit., p. 39.

32

Nítida, portanto, é a preocupação do Estado Democrático

de Direito em reduzir as desigualdades sociais e regionais, direcionando

a atividade Estatal, inclusive a tributária, a contribuir para a alteração do

quadro social, devendo atuar eficazmente na redistribuição da renda.

Em nosso ordenamento jurídico constitucional, o princípio

da isonomia vem insculpido genericamente no artigo 5º, caput e em seu

inciso I.

Vejamos:

“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garantindo-seaos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos eobrigações, nos termos desta Constituição;”

Especificamente em matéria tributária, o princípio vem

expresso no artigo 150, inciso II da Carta Magna:

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantiasasseguradas ao contribuinte, é vedado à União,aos Estados ao Distrito Federal e aosMunicípios:

33

II – instituir tratamento desigual entrecontribuintes que se encontrem em situaçãoequivalente, proibida qualquer distinção emrazão em razão de ocupação profissional oufunção por eles exercida, independentementeda denominação jurídica dos rendimentos,título ou direitos;”

Depreende-se do dispositivo em epígrafe que o princípio da

isonomia consubstancia-se no dispensar de tratamento desigual para os

desiguais na medida de suas desigualdades, o que em matéria tributária,

consoante anota Klaus Tipke, não exigiria tratamento idêntico a

contribuintes em situação idêntica, mas sim a igualdade a contribuintes

que se encontrem em situação equivalente. 31

Assim, a igualdade da tributação não se esgotaria na

abrangência de todos os contribuintes. Os contribuintes individuais

devem também ser tributados com igualdade

Diversamente da identidade, absoluta, a igualdade se

apresentaria, portanto, como uma categoria relativa: dois contribuintes

estariam em situação equivalente em relação a uma determinada

medida.

31 TIPKE, Klaus. Princípio de Igualdade e Idéia de Sistema no Direito Tributário. Estudos emhomenagem ao Profº Ruy Barbosa Nogueira, Brandão Machado Coord. São Paulo: Saraiva, 1984,pp. 515/527.

34

Têm-se por firmada, portanto, que há ofensa ao preceito

constitucional da isonomia quando:

“I – A norma singulariza atual edefinitivamente um destinatário determinado,ao invés de abranger uma categoria de pessoas,ou uma pessoa futura e indeterminada.

II – A norma adota como critériodiscriminador, para fins de diferenciação deregimes, elemento não residente nos fatos,situações ou pessoas por tal mododesequiparadas.

III – A norma atribui tratamentos jurídicosdiferentes em atenção a fator de discrímenadotado que, entretanto, não guarda depertinência lógica com a disparidade deregimes outorgados.

IV – A norma supõe relação de pertinêncialógica existente em abstrato, mas o discrímenestabelecido conduz a efeitos contrapostos oude qualquer modo dissonantes dos interessesprestigiados constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai deladistinções, discrímens, desequiparações quenão foram professadamente assumidos por elade modo claro, ainda que por via implícita”. 32

32 MELLO, ob. cit., pp. 47/48.

35

Sendo assim, impede verificar se a discriminação tributária

postulada pelo princípio da capacidade contributiva atende ao princípio

da igualdade e se o mesmo é um reflexo, portanto, dos valores

“solidariedade” e “justiça”, que constituem objetivos fundamentais da

República Federativa Brasileira.

3) Igualdade Tributária e Capacidade Contributiva

Asseverado por Regina Helena Costa33, o fator discrímen, a

pouco mencionado, é, singelamente a riqueza de cada potencial

contribuinte, revelada pelo fato imponível. A discriminação é feita

consoante diversas manifestações de capacidade econômica, de modo

que é impossível que venha ela a atingir, de modo atual e a absoluto, um

único indivíduo.

Tal fator de desigualação – riqueza – é um traço diferencial

concernente à própria pessoa, a ela referente.

33 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., pp. 37/38.

36

Outrossim, clara é a correlação lógica existente entre o

fator de discriminação – riqueza – e a diferenciação estabelecida em

função dele – maior carga tributária.

Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos

interesse constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse

coletivo, quais sejam a distribuição da riqueza e a justiça social.

Portanto, a graduação tributária fixada em função da

capacidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos

ditames do princípio da isonomia.

Diante dessa conclusão, cumpre questionar, pois, qual a

relação existente entre os dois princípios.

Clássica é a definição de que o princípio da capacidade

contributiva é um desdobramento do princípio da igualdade ou a de que

é a manifestação ou a aplicação deste no campo tributário.

Deste modo, entende Regina Helena Costa que “o princípio

da capacidade contributiva é uma derivação do princípio maior de

igualdade, um subprincípio deste que corresponde a uma das expressões

da isonomia no campo dos impostos”. 34

34 Ob. cit., p. 101.

37

E, considerando fundamental o princípio da capacidade

contributiva para o próprio manejo do princípio da isonomia tributária,

assim se manifesta Sacha Calmon:

“o princípio da isonomia tributária não temcondições de ser operacionalizado sem a ajudado princípio da capacidade contributiva”. 35

Corroborando com tal assertiva, Alcides Jorge Costa

entende que “se a igualdade tributária consiste em tributar do mesmo

modo todos os cidadãos de uma mesma categoria essencial, igualdade

tributária, no Brasil, consiste em tributar da mesma forma todos os que

têm a mesma capacidade contributiva”. 36

Do exposto, conclui-se que, no Direito Tributário, o

princípio da igualdade exige que se estabeleçam critérios pelos quais se

possa aplicá-lo, mediante a utilização de um critério de discriminação

para diferenciação dos indivíduos em situação desigual e, portanto,

critério legítimo para estabelecer distinções na forma de tributação, qual

seja, a capacidade contributiva.37

35 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 91.36 Ob. cit., p. 300.37 Cf. CONTI, ob. cit., p. 28.

38

Depreende-se, assim, ser a capacidade contributiva,

responsável por informar a tributação por meio de impostos, ajudando a

realizar, no campo tributário, os ideais republicanos insculpidos no

artigo 3º, inciso II da nossa Carta Maior, buscando alcançar a tão

almejada Justiça Fiscal.38

38 Cf. CARRAZA, ob. cit.,p. 77.

39

V – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

1) Relevância do Tema

A importância vital do princípio da capacidade contributiva

no Direito Tributário é induvidosa.

No Brasil, para Aliomar Baleeiro, “a capacidade

contributiva é o atributo que deve qualificar alguém ao olhos do

legislador para sujeito passivo da relação tributária” 39, pois, “quer do

ponto de vista objetivo, para conhecimento da base possível do imposto,

quer do ponto de vista valorativo, ou axiológico, para fundamento

racional da justiça do tributo, é fundamental fixar-se a noção da

capacidade contributiva”. 40

Não se olvide, também, Amílcar Falcão, para quem:

39 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 6ª ed., revista eatualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.295.40 Uma introdução..., ob. cit., p. 408.

40

“na atual fase evolutiva das finanças doEstado, caracteriza-se a receita pública por serpredominantemente de natureza tributária eestar sob a regência do princípio da capacidadecontributiva”. 41

Por sua vez, nos ensina Ives Gandra da Silva Martins:

“O direito formal e o direito estrutural, em suaprojeção financeira, não prescindem dapercepção preliminar de alguns princípios quealicerçam a espinha dorsal das normas que oregulamentam.

São eles os princípios da capacidadecontributiva e da redistribuição de riquezas,enquanto direito estrutural (...)”. 42

E ressaltou, ainda, Alberto Xavier que o princípio da

capacidade contributiva, juntamente com os princípios da generalidade

e da legalidade, assumiram, para além de expressão constitucional, uma

profunda unidade sistemática, constituindo a própria emanação do

Estado de Direito no domínio dos impostos.43

41 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, 4ª ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 1977, p. 408.42 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. São Paulo: Saraiva, 1983, p.27.43 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1978, p. 9.

41

Realçada, assim, a relevância do assunto, que tem sido

tratado por doutrinadores de nomeada, interessa-nos demonstrar que o

tema comporta análise estritamente jurídica, não obstante as suas lindes

com outras áreas do conhecimento.44

2) Evolução Histórica do Conceito

É antiga a percepção de que, por um postulado de justiça

devam arrecadar-se os impostos conforme a capacidade de cada um

suportar o ônus.

Fincada na idéia de justiça fiscal, a noção de capacidade

contributiva remonta sua origem ao próprio surgimento do tributo,

visualizando-se desde o antigo Egito, nexo entre a riqueza e o imposto

que deveria ser pago.

Da mesma forma que, na Grécia, a concepção de

Aristóteles da justiça distributiva, segundo a qual atribui-se a cada um

aquilo que é seu, forneceu forte instrumental para construírem várias

teorias a respeito da justiça e da igualdade.

44 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Capacidade Contributiva – Conteúdo e Eficácia doPrincípio, 2ª ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

42

Roma conheceu, com Servius Tullius, originalíssima forma de

capitação, depois revogada por Tarquínio, o Soberbo, a qual tomava por

base a fortuna de cada contribuinte.45

Posteriormente, em 1215, a Magna Charta inglesa registraria

no seu artigo 12 que as prestações coercitivas deveriam ser “modernamente

fixadas” e a evolução do pensamento filosófico na Idade Média, se

nortearia pelo pensamento de São Tomás de Aquino, segundo o qual cada

um devia pagar os tributos secundum facultatem ou secundum equalitem

proportionis.

Discorrendo sobre a evolução histórica do princípio, Baleeiro

afirma que, “na consciência contemporânea de todos os povos civilizados a

justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da

capacidade contributiva” 46, já que desde o século XVIII, pelo menos, com

Montesquieu e depois com Bentham e outros, sustentou-se que o imposto

deve poupar os recursos dos indivíduos de restrita capacidade econômica.47

45 CASTRO, Augusto Olympio Viveiros de. Tratado dos Impostos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,1910, p. 96.46 Uma Introdução..., ob. cit., p. 268.47 Ob. cit, p. 259.

43

Em 1776, Adam Smith, em sua famosa obra A Riqueza das

Nações, sustentava, como concretização da justiça da imposição fiscal, que

todos devessem contribuir para as despesas públicas “na razão de seus

haveres”, sendo que “na observância ou não desta máxima consiste o que

se chama a igualdade ou a desigualdade da tributação”. 48

Nesse momento histórico, tão arraigada já se encontrava a

idéia de capacidade contributiva na consciência dos povos civilizados, que

vários episódios políticos de relevo podem ser atribuídos, em maior ou

menor grau, ao exagero das exigências fiscais que desrespeitavam a

dignidade e o sentimento de justiça dos obrigados ao seu pagamento, em

total inobservância ao primado em análise, como o episódio da Boston Tea

Party (Independência Norte Americana – 1773), da Tomada da Bastilha

(Revolução Francesa – 1793) e, no Brasil, da Inconfidência Mineira em

1789 (por ocasião da “derrama”).

48 Cf. COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 15.

44

Veja-se, a propósito, que a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1791) dispunha no artigo 13 que as contribuições

indispensáveis à manutenção da Administração Pública seriam

“igualmente repartidas entre todos os cidadãos, em razão de suas

aptidões”. 49

Dada a repercussão de tais documentos, a mesma regra foi

adotada por todas as Constituições editadas posteriormente, inclusive na

Constituição do Império do Brasil (1824) e no Estatuto Albertino (1848).50

Entretanto, supõe-se que o nascimento da noção de capacidade

contributiva, como teoria precisa e coerente, vem surgir depois desses

fatos, na Ciência das Finanças clássica do século XIX.

Coube, porém, em 1929, ao sempre reverenciado Professor

Benvenuto Griziotti, mestre maior da chamada Escola de Pavia, atrair a

atenção dos juristas para o conceito de capacidade contributiva,

introduzindo na dogmática jurídico-tributária um tema até então sem

reconhecimento da ciência jurídica.51

49 Cf. OLIVEIRA, ob. cit., p. 25.50 Recebe o nome de Estatuto Albertino a Constituição promulgada com o nome de “Estatuto do ReiCarlos Alberto, em 1848, vigente na Itália até a promulgação da Constituição Republicana de 1947.51 Cf. TABOADA, ob. cit., p. 127.

45

Carlos Palao Taboada, ao dissertar sobre a evolução do

conceito de capacidade contributiva, divisa três fases em sua conformação:

na primeira, ele aparece derivando diretamente do princípio de justiça; na

segunda, adquire o significado de critério material de justiça, definindo

igualdade e desigualdade de situações (com isso, despoja-se o princípio da

igualdade do seu conteúdo material, deixando-o limitado ao aspecto

formal); na terceira, capacidade contributiva é a especificação concreta do

princípio da igualdade, agora dotada de conteúdo autônomo e

juridicamente determinado.

No Brasil, após a Constituição Imperial, as Cartas de 1891,

1934 e 1937 mostraram-se tímidas ou omissas a respeito de algum

dispositivo que prestigiasse o postulado da capacidade contributiva.

Foi somente com a democrática Constituição de 1946 que o

princípio ganhou o merecido realce, face à dicção de seu artigo 202, assim

vazado:

“Art. 202 – Os tributos terão caráter pessoalsempre que isso for possível, e serão graduadosconforme a capacidade econômica docontribuinte”.

46

Em flagrante retrocesso, a Emenda Constitucional n. 18, de 1º

de dezembro de 1965, ao veicular a reforma tributária, veio a expulsar

aquele dispositivo do texto constitucional. Silentes permaneceram, a

respeito, a Carta de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1 de 1969.

Entretanto, a Constituição da República de 1988, coadunando-

se com o panorama verificado no direito constitucional comparado,

devolve-nos, ainda que com modificação de redação, o preceito contido no

artigo 202 do texto fundamental de 1946, além de consagrar, em outros

dispositivos, desdobramentos do princípio da capacidade contributiva.52

Vale a pena transcrever o artigo 145, § 1º, trazido pela CF/88:

“Art. 145 –

§ 1º – Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultadoà administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar,respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte”.

52 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 18/20.

47

Tal fato, tem provocado o despertar das atenções sobre o

assunto, adormecidas que estiveram nestes últimos anos.

O momento é, pois, mais do que oportuno para adentrarmos

no exame do conceito de capacidade contributiva.

3) Conceito de Capacidade Contributiva

Pode-se agora voltar ao que foi dito antes e relembrar que “se

a igualdade tributária consiste em tributar do mesmo modo todos os

cidadãos de uma mesma categoria essencial, igualdade tributária, no Brasil,

consiste em tributar da mesma forma todos os que têm a mesma

capacidade contributiva”. 53

Desta assertiva, decorre a seguinte indagação:

O que é capacidade contributiva ?

53 COSTA, Alcides Jorge. Ob. cit., p. 300

48

Para Griziotti, precursor das preocupações em torno do tema,

o princípio indica a “potencialidade que possuem os submetidos à

soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos”. 54

Rubens Gomes de Sousa definiu capacidade contributiva

como a “soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades

elementares de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado

sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas

atividades econômicas”. Emilio Giardina a entende como a “possibilidade

econômica de pagar o tributo”, enquanto Moschetti a vê como a “força

econômica do contribuinte”. 55

Buscando combater a dificuldade inerente à questão, Eusébio

Gonzalez e Perez de Ayala apresentaram triplo significado de “capacidade

contributiva”. Assim, entendem que a significação da mesma pode ser

dada, indistintamente, no plano jurídico-positivo, no plano ético-

econômico e no plano técnico ou técnico-econômico56:

54 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 21.55 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 21.56 BRUYN JR., Herbert. Cornélio Peter de. O Princípio do Não-Confisco. São Paulo: Novas Conquistas,2001, p. 31.

49

“a) o jurídico-positivo – ela é o definido nalegislação vigente;b) o ético-econômico – relacionado com ajustiça material, define-a como a aptidãoeconômica para suportar os impostos (depende dovolume de recursos e das necessidades dapessoa);

c) o técnico-econômico – tem capacidadecontributiva quem constitui uma unidadeeconômica de possessão e emprego de riquezafacilmente identificável pela Fazenda Pública porestar, presumidamente, em situação de solvênciasuficiente para suportar o ônus”.

O mérito dessa análise, segundo Bruyn Jr., está,

principalmente, em afirmar o significado jurídico da expressão em

comento, destacando-a do sentido ético, pertinente ao conceito de justiça.

A doutrina tradicional de Baleeiro absorveu essas idéias

fundamentais e passou a denominar capacidade contributiva do indivíduo

como sendo a “idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do

indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração

qualquer do custo total de serviços públicos”. 57

57 Cf. OLIVEIRA, ob. cit., p. 56.

50

Dessa lição não veio a discrepar ulteriormente Ives Grandra da

Silva Martins, aduzindo, porém, que aquela potencialidade do sujeito

passivo encontra limite na sua própria possibilidade de gerar os recursos a

serem supridos ao Estado, “risco de a tributação se transformar em

confisco”. 58

No mesmo sentido, Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, para

quem capacidade contributiva traduzir-se-ia “na exigência de que a

tributação seja modulada, de modo a adaptar-se a riqueza do contribuinte”,

entendendo-se, “como real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente,

sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza

de lastro à tributação”. 59

58 Ob. cit., p. 28.59 GIARDINO, Cléber e ATALIBA, Geraldo. “Intributabilidade das Correções Monetárias –Capacidade Contributiva” , in Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado (Estudos emHomenagem a Gilberto de Ulhôa Canto). Tavolaro e outros, coord. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

51

4) Concepções sobre o Conceito de Capacidade Contributiva

Dos conceitos precedentes, verifica-se que os mesmos se

complementam, devendo-se, porém, esclarecer que capacidade

contributiva é conceito que se compreende em dois sentidos, um objetivo

ou absoluto e outro subjetivo ou relativo, tal como leciona José Marcos

Domingues de Oliveira.60

No primeiro caso, capacidade contributiva significa a

existência de uma riqueza apta a ser tributada, apontam para a existência

de um sujeito passivo em potencial (capacidade contributiva como

pressuposto da tributação).

Enquanto no segundo, entende-se que a parcela dessa riqueza

será objeto da tributação em face de condições individuais, reportando-se a

um sujeito individualmente considerado (capacidade contributiva como

critério de graduação e limite do tributo).

60 Ob. cit., p. 57.

52

A capacidade contributiva absoluta ou objetiva funciona como

pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a atividade

de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de

obrigações tributárias. Representa sensível restrição à discrição legislativa,

na medida em que não autoriza, como pressuposto de impostos, a escolha

de fatos que não sejam reveladores de alguma riqueza.61

A capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno,

opera, inicialmente, como critério de graduação dos impostos, atuando

como limite da tributação, permitindo a manutenção do “mínimo vital” e

obstando que a progressividade tributária atinja níveis de confisco ou

cerceamento de outros direitos constitucionais.62

Em síntese, têm-se que a capacidade contributiva absoluta ou

objetiva atuará como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto,

servindo como diretriz para a eleição de incidência de impostos. Ao passo

que, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva atuará como critério de

graduação de imposto, limitando à tributação.

61 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 26.62 COSTA, Regina Helena. Ob. cit., p. 29.

53

5) Destinatários da Capacidade Contributiva

O princípio da capacidade contributiva tem por destinatário

imediato o legislador ordinário das pessoas políticas. É ele que deve

imprimir, aos impostos que cria in abstracto, um caráter pessoal,

graduando-os conforme a capacidade econômica dos contribuintes.

Com efeito, a hipótese de incidência dos impostos deve

descrever fatos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é

alcançado, possui capacidade econômica.

Assim, o legislador tem o dever, enquanto descreve a hipótese

de incidência e a base de cálculo dos impostos, de escolher fatos que

exibam conteúdo econômico.

A lei que cria in abstracto o imposto não precisa, no entanto,

atender às desigualdades individuais do contribuinte. No mesmo sentido, o

Poder Judiciário, quando provocado, não pode deixar de aplicá-la, em face

das condições econômicas pessoais dos contribuintes.

Neste sentido, imperioso transcrever o pensamento do

doutrinador Gilberto de Ulhôa Canto:

54

“Na sua formulação atual, o princípio foi fixado,indubitavelmente, para ser seguido pelolegislador, ao qual incumbe, ao instituir osimpostos, cuidar para que eles sejam sempre quepossível, de caráter pessoal e graduados segundoa capacidade econômica do contribuinte.

Não é ao intérprete nem ao julgador que incumbesua observância, pois estes não criam tributos,portanto, não podem influir para que eles sejamde natureza pessoal e observantes da capacidadecontributiva.

Por outro lado, o legislador fica, na sua naturalpreocupação com a obediência ao princípio,fatalmente limitado pela própria natureza dosimpostos que institui, e que derivam, como regrabásica, da discriminação de competênciaimpositiva constante da própria Constituição”. 63

E assim, conclui:

“É fora de dúvida que a norma do § 1º do art. 145configura uma limitação ao poder de tributar,porquanto determina a que dele dispõe – olegislador ordinário – que não o exerça semobservância dos princípios que formula”. 64

63 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 14.Editora Resenha Tributária, 1989, pp. 7/8.64 Ob. cit., p. 10.

55

6) Capacidade Contributiva, Econômica e Financeira

O uso frequente destas expressões, muitas das vezes referindo-

se a um mesmo fenômeno, torna necessário distingui-las, a fim de evitar

distorções na sua compreensão e interpretação, buscando como base, os

ensinamentos do mestre José Maurício Conti.65

A capacidade contributiva pode ser interpretada como aquela

derivada de uma relação jurídica entre Fisco e contribuinte, em que o

primeiro detém um poder sobre o segundo, fazendo surgir a relação

obrigacional.

Assim, tem capacidade contributiva aquele que contribuinte

que está jurídica e legitimamente obrigado a cumprir determinada

prestação de natureza tributária para com o poder tributante.

Já capacidade econômica é representada pela capacidade que

todos – ou quase todos – têm; é a aptidão dos indivíduos para obter

riquezas – exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio.

65 Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais, 1ª ed. São Paulo: Oliveira Mendes,1997, pp. 24/25.

56

Tem capacidade econômica qualquer indivíduo que disponha

de alguma riqueza ou aptidão para obtê-la. Um indivíduo que tenha poucos

recursos, que correspondam ao mínimo que necessita para sobreviver, tem

capacidade econômica, mas não tem contributiva, pois não será legítima

uma tributação que atinja esse “mínimo vital”.

A capacidade financeira, por sua vez, pode ser entendida

como a disponibilidade para liquidação das obrigações tributárias. Assim,

coloca-se como exemplo, se um indivíduo é proprietário de um imóvel de

elevado valor, mas está sem dinheiro algum, ele terá capacidade econômica

(dado seu patrimônio), contributiva (está legitimamente colocado como

contribuinte do IPTU), mas não financeira, dada a falta de liquidez para

arcar com o ônus tributário.

A Constituição Federal, em seu artigo 145, § 1º, não obstante

tenha utilizado a expressão “capacidade econômica”, diz “capacidade

econômica do contribuinte”, de modo que se refere à capacidade

econômica apenas daqueles sujeitos à tributação – ou seja, refere-se à

capacidade contributiva.

57

7) Abrangência do Princípio da Capacidade Contributiva

Questão relevante a ser analisada relativamente ao princípio

da capacidade contributiva refere-se à sua abrangência – a que espécie de

tributos pode ser aplicado.

Da simples leitura do dispositivo constitucional que consagra

o princípio – art. 145, § 1º, podemos vislumbrar a existência de situações

em que a aplicação não seja possível.

É o que se verificará da análise a seguir.

7.1. Capacidade Contributiva e os Tributos Vinculados e Não-

Vinculados

Adotando a classificação que encontramos em Geraldo

Ataliba66, o nosso sistema tributário prevê a existência dos chamados

tributos vinculados e dos tributos não vinculados.

66 Tributos vinculados definem-se “como aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência consistenuma atuação estatal”; tributos não vinculados, nos quais identificam-se apenas os impostos, são aqueles“cuja hipótese de incidência consiste num fato qualquer que não constitua numa ação estatal ( Hipótese deIncidência Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990).

58

Deste modo, tendo-se os vinculados como aqueles cuja

cobrança está afeta a realização de uma determinada atividade estatal. Ao

passo que, os tributos não vinculados podem ser vistos como aqueles cuja

cobrança não está afeta a realização de uma determinada atividade estatal.

Nesta hipótese – tributos vinculados –, o critério a ser seguido

pelo poder tributante, como discrímen entre os desiguais, deve estar

adequado ao princípio do benefício. Ou seja, o tributo deverá ser pago de

acordo com o benefício auferido pelo sujeito passivo. São os casos das

taxas e das contribuições de melhoria.

Essa situação já é reconhecida pela doutrina, como se

depreende da análise de Elizabeth Carraza, ao dizer que:

“Em matéria de tributos vinculados (taxas econtribuições) o critério é outro, uma vez que osfatos que eles alcançam não são fatos-signospresuntivos de riqueza, mas, sim, fatosrelacionados à própria atuação do Estado. Astaxas e as contribuições incidem sobre fatosregidos pelo direito público, isto é, sobre atuaçõesestatais (o Estado prestar um serviço público, oEstado praticar um ato de polícia, o Estadorealizar uma obra pública, etc.).

59

Tais atuações estatais estão, por óbvio, fora docomércio (extra commercium) e não revelam ariqueza das pessoas por elas alcançadas. Nem porisso, porém, o princípio da igualdade deixa aí deser atendido, uma vez que, em tais tributos, oEstado visa ressarcir-se das despesas que teve, aoatuar em favor do contribuinte”. 67

Já os tributos não vinculados, nos quais incluem-se os

impostos, tendo em vista não haver relação direta entre o serviço ou obra

realizada e o fato gerador do tributo, o princípio é outro, o da capacidade

contributiva. Deverão contribuir mais aqueles que tiverem maior

capacidade contributiva.

Portanto, temos dois princípios distintos de justiça fiscal

aplicados simultaneamente dentro do mesmo sistema tributário.

O princípio da capacidade contributiva, aplicável aos tributos

não vinculados, e o princípio do benefício, aplicável aos tributos

vinculados.

É razoável, todavia, sustentar que, independentemente de

previsão constitucional explícita, o princípio da capacidade contributiva

não deve ser desconsiderado mesmo nos casos de tributos vinculados.

67 IPTU – Capacidade Contributiva e Progressividade. Igualdade e Capacidade Contributiva. Curitiba:Juruá, 1992, p. 64.

60

Nesta hipótese, embora o valor do tributo deva ater-se ao

princípio do benefício, ele deve respeitar os limites impostos pelo princípio

da capacidade contributiva – quais sejam, a não-tributação do mínimo vital

e a não-utilização do tributo como efeito de confisco.

Ou seja, o princípio da capacidade é aplicável a todas as

espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em

toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é

aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe

dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital

e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios.68

E, por fim, corroborando com o entendimento acima exarado,

Alcides Jorge Costa, assevera que:

“A Constituição aplica o princípio da capacidadecontributiva apenas aos impostos. Isto não excluique esta capacidade não deva ser levada em contana cobrança de taxas. Se certos serviços públicosessenciais devem ser prestados a pessoasdestituídas de capacidade econômica, asrespectivas taxas não serão exigidas, mesmoporque, como dizem os alemães, ninguém põe amão no bolso de um homem nu.” 69

68 CONTI, Princípios Tributários ..., p. 63/65.69 Ob. cit., p. 302.

61

7.2. Capacidade Contributiva e os Impostos Diretos e Indiretos

Os impostos diretos são aqueles que cujo ônus tributário recai

sobre a pessoa do contribuinte. São aqueles impostos em cuja

quantificação, quer pela base de cálculo, quer pela alíquota, leva-se em

consideração a pessoa do contribuinte.

Os impostos indiretos são aqueles que, embora a obrigação de

pagar recaia sobre determinada pessoa – que podemos denominar de

contribuinte de direito – o ônus é efetivamente suportado por outra – a qual

denominamos contribuinte de fato –, devido ao fenômeno da repercussão.

É simples e indiscutível concluir que o princípio da

capacidade contributiva aplica-se aos impostos diretos; a questão torna-se

controvertida relativamente aos impostos indiretos.

Quanto a estes, na visão de José Maurício Conti70, também

devem incidir com a observância do princípio da capacidade contributiva,

pois em regra atingem eles a renda consumida.

70 Princípios Tributários ..., ob. cit., p. 67.

62

É verdade que não se pode saber quem é o contribuinte e qual

a sua capacidade contributiva quando da incidência de um imposto sobre o

consumo de determinado bem. Mas a utilização de determinados critérios,

como a graduação das alíquotas segundo a essencialidade do produto, é

perfeitamente válida no sentido de se presumir a capacidade econômica do

sujeito passivo daquela obrigação tributária. Tanto o consumo como a

riqueza, além da renda, são índices reveladores da capacidade contributiva

e não devem ser desprezados.

Assim sendo, todos os impostos sujeitam-se ao princípio da

capacidade contributiva: utilizam, no entanto, critérios diferentes para

aferir a capacidade econômica do contribuinte.

7.3. Capacidade Contributiva e os Impostos de Natureza Pessoal e

Real

Impostos de natureza real podem ser conceituados como

sendo aqueles “cuja materialidade do fato gerador está referida a um fato,

acontecimento ou coisa, independente do elemento pessoal e indiferente ao

sujeito passivo e suas qualidades”.

63

Impostos de natureza pessoal “são aqueles cujo fato gerador

leva em consideração certas qualidades pessoais, juridicamente relevantes,

do sujeito passivo”. 71

Sendo os impostos de natureza pessoal, a aplicação do

princípio da capacidade contributiva é simples. Basta que se analisem as

condições do sujeito passivo da obrigação tributária para, em função destas

condições, aferir-se sua capacidade de contribuir e graduar a imposição de

acordo com esta capacidade.

Já os impostos de natureza real podem causar dificuldades

relativamente à aplicação do princípio da capacidade contributiva.

Isto porque, conforme se verificou da própria conceituação

desta espécie de tributo, a materialidade do fato gerador é indiferente ao

sujeito passivo e suas qualidades.

No entanto, a aplicação do princípio da capacidade

contributiva é perfeitamente possível, embora possa não ter a perfeição que

se obtém com os impostos de natureza pessoal.

71 PENTEADO, João Caio Goulart. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 14.Editora Resenha Tributária, 1989, p. 476.

64

É possível, posto que há outras medidas de capacidade

contributiva além da renda auferida. Uma delas é a renda acumulada, ou

riqueza, ou patrimônio. E os impostos de natureza real gravam basicamente

este tipo de riqueza. Portanto, atingem uma das manifestações de

capacidade contributiva.

Assim, os impostos de natureza real sujeitam-se também ao

princípio da capacidade contributiva.72

7.4. Capacidade Contributiva e Progressividade

A progressividade deriva de um programa da Constituição,

relacionado com a redistribuição de rendas e com a solidariedade social73.

Relaciona-se, portanto, sempre com uma função extra-fiscal dos tributos

(dirigida ao atendimento dos objetivos lançados no art. 3º da Constituição

Federal). Isso não torna a progressividade incompatível com a Constituição

nem ofensiva ao princípio da igualdade.

72 Cf. CONTI, Sistema Constitucional Tributário, ob. cit., p. 27.73 Nos casos do IPTU e do ITR, a progressividade relaciona-se também com um outro caráter extra-fiscaldesses tributos, dirigidos à obtenção direta de certos comportamentos desejáveis (em sentidoparcialmente coincidente, embora aludindo aos arts. 145, § 1º e 150, II, da Constituição Federal comofundamento da progressividade baseada na capacidade contributiva, confira-se Elizabeth Nazar Carrazza,IPTU ..., p. 112).

65

A progressividade tutela uma noção material de igualdade e,

por ter amparo genérico nos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro

(art. 3º da Constituição), é aplicável indistintamente a qualquer tributo, não

só aqueles em relação aos quais há previsão expressa de progressividade.74

Em estudo produzido em 1991, Geraldo Ataliba revela que a

progressividade se relaciona com o princípio distributivo dos tributos,

afirmando que a progressividade “é instrumento patente para o

nivelamento da diversidade de condições econômicas dos cidadãos,

operando como meio conciliador do princípio de solidariedade social (...) e

do dever de contribuição segundo a capacidade de cada qual”. 75

Deste modo, conclui-se que a progressividade estará limitada

pelo princípio da capacidade contributiva, visando à não-confiscatoriedade

e ao não-cerceamento de outros direitos constitucionais, bem como visando

igualar o sacrifício dos contribuinte, obtendo, assim, a equidade vertical.

74 PEREIRA, Cesar A. Guimarães Pereira. Elisão Tributária e Função Administrativa, texto atualizadocom a Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001. São Paulo: Dialética, 2001.75 IPTU – Progressividade, in Revista de Direito Público, p. 51.

66

8) Eficácia do Princípio da Capacidade Contributiva

A eficácia da capacidade contributiva, como a eficácia de

qualquer princípio jurídico, depende do grau de desenvolvimento cultural

do povo, que define o grau de disposição das pessoas para defenderem os

seus direitos.

No plano jurídico, tem-se que o princípio da capacidade

contributiva pode ser apenas um princípio implícito, ou um

desdobramento, ou uma forma de manifestação do princípio da isonomia

jurídica. Pode-se, todavia, ter no sistema jurídico uma norma expressa que

o consubstancia. Tal norma pode situar-se no plano constitucional, como

acontece no Brasil, como no plano infraconstitucional.

Residindo o princípio no plano constitucional, tem-se que a

sua eficácia dependerá apenas do grau de interesse que tenham as pessoas

na defesa de seus direitos, e especialmente do preparo e da independência

dos que corporificam o poder decisório do Estado.

67

Vale dizer, no Brasil, o Poder Judiciário, e especialmente o

Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância, fazer valer a

Constituição.76

9) Inconstitucionalidade da Ofensa ao Princípio da Capacidade

Contributiva

É patente, que o princípio da capacidade contributiva,

formulado a partir da idéia geral de justiça que se insere no âmbito do

direito natural, não seria passível de eliminação, de desconsideração, sem

que, com isso, não ruísse também a própria noção de Justiça Fiscal.

A conclusão última que se nos apresenta é no sentido de que

este princípio, quer esteja inscrito na Constituição, quer dele não se cogite

expressamente, estará sempre presente. Não só na idealização de cada

tributo, mas também, e antes de tudo, na concepção mesma do próprio

sistema tributário.

76 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, 4ª ed.São Paulo: Dialética, 2001.

68

Cumpre esclarecer que, a violação do princípio da capacidade

contributiva poderá se denunciar não apenas como decorrência da

imposição de um determinado tributo, como também quando a carga

tributária global imposta pelo sistema venha a asfixiar a capacidade

contributiva do contribuinte, acarretando a inconstitucionalidade da lei ou

omissão legislativa ofensiva. 77

Entretanto, note-se que nem toda omissão legislativa ofenderá

a Constituição. Só há omissão legislativa inconstitucional quando há,

concomitantemente, o dever de legislar. E, esse dever existe quando há

ofensa ao princípio da isonomia ou capacidade contributiva, diante da

outorga omissiva de um privilégio não fundado para os particulares que se

enquadrem em determinada situação não tributada.

Se não há lei, é impossível a tributação das situações

submetidas a privilégio não fundado derivado da omissão legislativa. Há

dever de legislar para suprir tal omissão legislativa, uma vez que o art. 150,

I, da Constituição Federal impede que eu a omissão seja suprida por

qualquer outra via.78

77 Cf. PENTEADO, ob. cit., p. 463.78 Cf. PEREIRA, ob. cit., p. 176.

69

Nestes casos, pode o contribuinte, a seu turno, invocar a

prestação jurisdicional, tal como afirmou Bilac Pinto, citado por José

Marcos Domingues de Oliveira:

“Uma lei fiscal cuja inconstitucionalidade formalseja indiscutível, pode vir a ser declaradainconstitucional num determinado caso deaplicação.

Será esta última uma inconstitucionalidadematerial, isto é, apenas no caso submetido aotribunal, que absolutamente não afetará aconstitucionalidade em tese da lei fiscal”. 79

10) Capacidade Contributiva na Constituição de 1988

Neste tópico, será feita uma análise do princípio da capacidade

contributiva tal como está colocado no nosso ordenamento jurídico

constitucional.

Para isto, faz-se necessária a reprodução do texto do art. 145,

§ 1º, da Carta Magna, que consagra o princípio da capacidade contributiva:

Reza o texto:

79 Ob. cit., p. 63.

70

“§ 1º – Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo acapacidade econômica do contribuinte, facultadoà administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar,respeitados os direitos individuais e nos termos dalei, o patrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte”.

Passar-se-á, em seguida, a analisar dois aspectos do referido

texto que costumeiramente geram polêmica relativamente à exata

compreensão de seu significado e alcance. São eles as expressões “sempre

que possível” e “caráter pessoal” .

As questões oriundas da parte final do dispositivo, relativas à

faculdade conferida à administração tributária, embora também fomentem

acirradas discussões, não serão tratadas neste trabalho, pois sua natureza

foge ao aspecto do conteúdo principal da capacidade contributiva.80

80 Cf. CONTI, Princípios Tributários ..., ob. cit., p. 45.

71

10.1. Sentido e Alcance da Expressão “sempre que possível”

Da forma como está posta no Texto, a expressão refere-se a

duas situações a serem observadas, a saber: o caráter pessoal e a

capacidade econômica do contribuinte. Assim, sempre que possível os

impostos terão caráter pessoal; e, sempre que possível, serão graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte.

A análise da extensa doutrina a respeito do assunto permite

concluir ser certo que nem todos os impostos têm caráter pessoal, haja

vista a existência de vários impostos em que as características do

contribuinte não são previamente conhecidas, de modo que não se pode

avaliar suas exatas condições econômicas.

Porém, todos os impostos, ainda que não permitam uma

aferição direta da capacidade contributiva, podem sujeitar-se ao princípio.

Dessume-se que a colocação da expressão no Texto visa

apenas e tão somente a permitir exceções, como é o caso dos impostos com

finalidades ordinatórias – tributação extra-fiscal.81

81 Cf. CONTI, Sistema Constitucional ..., ob. cit., p. 25.

72

10.2. Sentido e Alcance da Expressão “caráter pessoal”

O “caráter pessoal” dos impostos refere-se a aptidão de o

imposto poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação,

considerando-se a sua condição econômica especial e levando-se em conta

os indícios ou índices que melhor valorem essa situação.82

Dado o fato de que alguns impostos não permitem

adequadamente a avaliação das características do sujeito passivo, como os

impostos de natureza real, que, dificultam o prévio conhecimento das

condições pessoais do contribuinte, verifica-se que o legislador

constituinte, pela redação do § 1º do art. 145, privilegiou a criação de

impostos com caráter pessoal, por reconhecer que estes tendem a atingir

melhor a justiça fiscal.83

82 PACHECO, Angela Maria da Motta. Capacidade Contributiva, Caderno de Pesquisas Tributárias, vol.14. Editora Resenha Tributária, 1989, p. 300.83 Cf. CONTI, Sistema Constitucional ..., ob. cit., p. 26.

73

11) Capacidade Contributiva e Outros Direitos Constitucionais

A noção de capacidade contributiva afina-se com outros

direitos constitucionais além do direito de propriedade, com o qual guarda

relação necessária. Olvidando o respeito à capacidade contributiva, pode o

legislador, também, vir a cercear ou obstar o exercício de outros direitos,

tais como a liberdade de iniciativa e a liberdade de profissão.84

12) Aplicação Prática do Princípio da Capacidade Contributiva

De se salientar que a jurisprudência que vem se formando

sobre a matéria é pacífica no sentido de reconhecer a capacidade

contributiva como princípio constitucional tributário, corolário da justiça

distributiva e da igualdade tributária.

Neste sentido, foi o acórdão proferido pela Colenda 4ª Turma

do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3º Região, restando assim

ementado:

84 COSTA, Regina Helena, ob. cit., p. 104.

74

“ DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃOSOCIAL SOBRE O LUCRO – CSSL. ARTIGO19, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 9.249, DE1995. ARTIGO 2º DA LEI Nº 9.316, DE 1996.VALOR SEGURANÇA JURÍDICA. PRINCÍPIODA LEGALIDADE. VALOR JUUSTIÇATRIBUTÁRIA. PRINCÍPIODA REPARTIÇÃODA ISONÔMICA DAS DESPESAS DASEGURIDADE SOCIAL. PRINCÍPIO DAIGUALDADE TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DACAPACIDADE CONTRIBUTIVA.ALÍQUOTAS. VEDAÇÃO À FIXAÇÃO DECRITÉRIO DE DESIGUALAÇÃO ENTRECONTRIBUINTES EM RAZÃO DAATIVIDADE POR ELES EXERCIDAS.

– O valor segurança jurídica vinculaobrigatoriamente o conteúdo do texto legal aoprincípio constitucional da legalidade, o qual, soba feição da tipicidade tributária, impõe a fixaçãoda alíquota, que compõe o aspecto quantificativodada hipótese tributária, em sintonia com osvalores constitucionais.

– O valor justiça tributária norteia os limitesmáximos da arrecadação, estabelecidos segundoas máximas constitucionais, destacando-se,especialmente, a repartição isonômica dasdespesas com a seguridade social, o princípio daigualdade tributária e o princípio da capacidadecontributiva.

75

– O cerne da igualdade entre os contribuintesevidencia-se a partir do tratamento equânime sobo ângulo da capacidade econômica. São vedadas,porque maculadas de inconstitucionalidade, asregras discriminatórias que se afastem do carátereconômica inerente a todos os tributos, inclusiveàs contribuições sociais para a seguridade social.

– A capacidade contributiva, qualificada comoúnico critério válido de discrímen entre oscidadãos-contribuintes, resta malferida quando opotencial contributivo é auferido a partir daatividade exercida pelo contribuinte, no caso, asinstituições financeiras, prescindindo-se,indevidamente, da capacidade econômica”

(AMS nº 1999.03.99.106759-3, doc. anexo).

Da leitura do acórdão supra transcrito fica evidenciado que o

princípio da capacidade contributiva é tido como fator de discrímen eleito

pelo legislador para aplicação do princípio da igualdade no sistema

tributário, buscando com isto uma tributação justa e igualitária.

76

VI – CONCLUSÕES

1. O ordenamento jurídico é composto por um conjunto de

normas, dispostas hierarquicamente, formando a chamada “pirâmide

jurídica”, tendo em seu ápice a Constituição Federal.

2. Princípios são as diretrizes do ordenamento jurídico,

verdadeiro norte, não podendo, desta forma, norma infraconstitucional

atritar com eles, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou

ineficácia.

3. A idéia de justiça está intimamente ligada ao princípio

da capacidade contributiva, posto que na aplicação de tributos, sempre se

procurou distribuí-los de modo igual entre os contribuintes, ou seja,

sempre se procurou submetê-los aos ditames da justiça, sendo meio

viabilizador de uma tributação justa.

4. A idéia de igualdade está vinculada ao ideal de justiça

distributiva assinalada como objetivo do Estado na Constituição (art. 3º, I,

III e IV) e considerado, na consciência dos povos, fim do direito.

77

5. Corolário do princípio da igualdade, do qual é medida

específica de aplicação no campo tributário, o princípio da capacidade

contributiva requer que toda tributação não vinculada a uma atividade

estatal específica seja procedida de acordo com a riqueza do contribuinte.

6. A capacidade contributiva compreende-se em dois

sentidos: absoluto ou objetivo e relativo ou subjetivo. O primeiro atuará

como pressuposto ou fundamento do imposto servindo como diretriz para a

eleição de incidência do imposto. Ao passo que, o segundo atuará como

critério de graduação do imposto, limitando à tributação.

7. O princípio da capacidade contributiva tem por

destinatário imediato o legislador ordinário.

8. A capacidade contributiva distingue-se da econômica e

da financeira, sendo certo que, a primeira representa a aptidão dos

indivíduos para obter riqueza e, a segunda, pode ser entendida como a

disponibilidade para liquidação das obrigações tributárias.

9. O princípio da capacidade contributiva aplica-se

integralmente apenas aos tributos não vinculados, e aos tributos vinculados

de maneira restrita, obrigando a não-tributação do mínimo-vital e a não-

utilização do tributo com efeito de confisco.

78

10. O princípio da capacidade contributiva aplica-se tanto

aos impostos diretos quanto aos indiretos; o que os diferencia é a maneira

pela qual se aplica o princípio a cada uma dessas espécies de impostos,

pois utilizam critérios diferentes para a mensuração da capacidade

contributiva. Há mecanismo para a adequação dos impostos indiretos ao

princípio da capacidade contributiva, como é a seletividade em função da

essencialidade.

11. Os impostos de natureza real atingem uma das

manifestações de capacidade contributiva, que é o patrimônio, ou renda

acumulada, e portanto sujeitam-se ao princípio da capacidade contributiva.

12. A progressividade estará limitada pelo princípio da

capacidade, visando à não-confiscatoriedade e ao não-cerceamento de

outros direitos constitucionais, bem como visando regular o sacrifício dos

contribuintes, obtendo, assim, a equidade vertical.

13. A eficácia do princípio da capacidade contributiva

dependerá do grau de desenvolvimento cultural do povo, que define o grau

de disposição das pessoas para defenderem seus direitos.

79

14. A violação do princípio da capacidade contributiva

poderá se denunciar como decorrência da imposição de um determinado

tributo, como também quando a carga tributária imposta pelo sistema,

acarrete a inconstitucionalidade da lei ou omissão legislativa ofensiva.

15. A expressão “sempre que possível” , contida no art. 145,

§ 1º, da Constituição, refere-se apenas ao caráter pessoal dos impostos,

haja vista que nem todos os impostos podem ter caráter pessoal. Todos os

impostos, no entanto, sujeitam-se ao princípio da capacidade contributiva.

16. A expressão “caráter pessoal” indica existirem certos

impostos cuja natureza não permite seja a tributação fixada em função da

pessoa do contribuinte. Há mecanismos, no entanto, para fazer com que

estes impostos observem o princípio da capacidade contributiva.

17. A noção de capacidade contributiva afina-se com outros

direitos constitucionais além do direito de propriedade, com o qual guarda

relação necessária.

18. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a

capacidade contributiva como princípio constitucional tributário, corolário

da justiça distributiva e da igualdade tributária, visando com isto uma

tributação justa e igualitária

80

VII – BIBLIOGRAFIA

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84

DOCUMENTO ANEXO

1. Acórdão proferido pela Colenda 4ª Turma do Egrégio Tribunal

Regional Federal da 3ª Região, nos autos da AMS nº 1999.03.99.106759-3.