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CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO - 2008 | EDIÇÃO 78 | ANO XI | ESPECIAL nifolha U J ORNAL -L ABORATÓRIO DO CURSO DE J ORNALISMO DA U NIDERP pro jeto espe cial BRUNO COELHO THAYANA FREITAS 4º SEMESTRE O que pensamos quando ou- vimos a palavra asilo? Imagi- namos logo um local de retiro e solidão. Refletimos a respei- to de uma velhice solitária, até mesmo sofrida e melancólica. Mas, não é bem assim. Asilos são lugares cheios de histórias, algumas alegres outras nem tanto. Porém, é um espaço de experiências onde se pode aprender e ensinar, e é reco- mendável escutar mais do que falar. Trata-se de um ambiente que impressiona, pois há pessoas guerreiras que batalham a vi- da toda, tornando–se, às vezes, ásperas e fechadas. Entretanto, há muitos que demonstram ser mais abertos, com o prazer de compartilhar algumas de suas histórias, trajetórias e, princi- palmente, lições de vida e de valores. São esses maravilhosos personagens que, hoje, se en- contram abrigados no Asilo São João Bosco. “É muito bom conversar” WAGNER JEAN WAGNER JEAN WAGNER JEAN VANESSA MENDONÇA VANESSA MENDONÇA

Unifolha Edicao 78 setembro2008

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Page 1: Unifolha Edicao 78 setembro2008

CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO - 2008 | EDIÇÃO 78 | ANO XI | ESPECIAL

nifolhaUJ O R N A L - L A B O R A T Ó R I O D O C U R S O D E J O R N A L I S M O D A U N I D E R P

projetoespecial

BRUNO COELHOTHAYANA FREITAS4º SEMESTRE

O que pensamos quando ou-vimos a palavra asilo? Imagi-namos logo um local de retiro e solidão. Refletimos a respei-to de uma velhice solitária, até mesmo sofrida e melancólica.

Mas, não é bem assim. Asilos são lugares cheios de histórias, algumas alegres outras nem tanto. Porém, é um espaço de experiências onde se pode aprender e ensinar, e é reco-mendável escutar mais do que falar.

Trata-se de um ambiente que impressiona, pois há pessoas guerreiras que batalham a vi-da toda, tornando–se, às vezes, ásperas e fechadas. Entretanto, há muitos que demonstram ser mais abertos, com o prazer de compartilhar algumas de suas histórias, trajetórias e, princi-palmente, lições de vida e de valores. São esses maravilhosos personagens que, hoje, se en-contram abrigados no Asilo São João Bosco.

“É muito bom conversar”WAGNER JEAN

WAGNER JEAN WAGNER JEAN VANESSA MENDONÇAVANESSA MENDONÇA

Page 2: Unifolha Edicao 78 setembro2008

Ascom

Atividades de educação em saúde, assistência e prevenção são ofereci-das aos participantes do Centro de Múltiplas Referências e Convivên-cia do Idoso “Vovó Ziza”, localiza-do em Campo Grande. Por meio do projeto Juntos Promovendo a Lon-gevidade, acadêmicos de dez cur-sos da Anhanguera/Uniderp desen-volvem, semanalmente, até o final do ano ações que contribuam para a qualidade de vida dos idosos que freqüentam o local.

Estudantes de Nutrição, Psico-logia, Enfermagem, Ondontologia, Educação Física, Farmácia, Direito, Serviço Social, Fisioterapia e Ciên-cia da Computação irão desenvolver trabalhos que envolvam temas co-mo: direito do idoso, diabetes, hi-pertensão, transtornos mentais, do-enças cardiovasculares, qualidade de vida e longevidade, entre outros.

“Sentimos a necessidade de inse-rir na formação dos alunos ativida-des que contemplem o atendimento das necessidades humanas básicas, de integração e valorização do ido-so junto à família e à comunidade”, explicou o coordenador-geral do

02 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008

Unifolha – Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp/Anhanguera)Ano XI - Nº 78 - setembro de 2008 - Tiragem 5 mil exemplares.Obs.: As matérias publicadas neste veículo de comunicação foram produzidas pelos acadêmicos do 4º semestre do curso de Jornalismo da Uniderp (N 40)Reitora: Professora Ana Maria Costa de SousaVice-Reitora: Professora Leocádia Aglaé Petry Leme Pró-Reitor Administrativo: Marcos Lima Verde Guimarães Jr. Pró-Reitora de Graduação: Professora Heloísa Gianotti PereiraPró-Reitor de Extensão: Professor Ivo Arcângelo V. BusatoPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Professor Raimundo Martins FilhoChanceller: Professor Pedro Chaves dos Santos FilhoDiretor de Controle Acadêmico: Professor José Luis Leon Ramirez

Coordenador do curso de Jornalismo: Professor Marcos Rezende Morandi DRT/MS 067Jornalista responsável: Professor Alexandre Maciel (DRT/MS 172).Revisão: Professor Mário Márcio Cabrera (DRT/MS 109)Edição de fotos: Professora Elis Regina Nogueira (DRT/MS 090)Fotos capa: Vanessa Mendonça, Wagner JeanProjeto Interdisciplinar "Vivências" - 4º semestre de Jornalismo - Professores envolvidos: Alexandre Maciel, Carlos Kuntzel, Elis Regina Nogueira e Mário Márcio Cabreira.Projeto Gráfico, Diagramação: Acadêmicos N40 e professor Carlos Kuntzel DRT/MS 041Estagiário de Diagramação: Acadêmico Wagner JeanImpressão: Gráfica "A Crítica"Unifolha - Rua Ceará, 333, bairro Miguel Couto, Campo Grande-MS. Cep: 79.003-010 – Tel:(0**67) 3348-8096. www.unifolha.com.br E-mail: [email protected]

ESPECIAL

Expediente

projeto, professor Alan Marks.Segundo o pró-reitor de Extensão

da Anhanguera/Uniderp, professor Ivo Busato, este é mais um dos inú-meros projetos desenvolvidos pela Universidade. “É uma ótima opor-tunidade para os nossos acadêmicos colocarem em prática os ensinamen-tos teóricos obtidos, e com certeza, a população que utiliza o Centro de

Centro de Convivência recebe atendimento

Convivência do Idoso “Vovó Ziza” vai ficar muito feliz pela maneira carinhosa e competente que vai ser atendida”, destacou.

Ações Os acadêmicos de Nutrição re-

alizam avaliação nutricional para orientação sobre uma alimentação saudável. O curso de Enfermagem monitora a saúde dos participantes

por meio da verificação da pressão arterial durante as atividades físicas realizadas no centro. Já a Fisiotera-pia presta atendimento através de implantação de técnicas relaciona-das ao alívio de dores ocasionadas pela idade; mobilizações articula-res; relaxamento muscular, entre outros.

O curso de Farmácia realiza ações educativas e preventivas por meio de palestras; a Psicologia busca estratégias de intervenção a partir do diagnóstico situacional de cada um, tendo como norte a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa do Mi-nistério da Saúde e avaliação psi-cológica. A Odontologia atua, entre outras coisas, com encaminhamen-tos para atendimentos clínicos no Complexo Policlínico Odontológico da Anhanguera/Uniderp; enquan-to isso os estudantes de Educação Física proporcionam aos idosos fá-cil acesso à prática de atividades físicas. Já o curso de Direito pres-ta assistência jurídica e social aos idosos; e o curso de Ciência da Computação acesso à informação e atividades na área de tecnologia da informação, proporcionando a inclusão digital.

Estudantes de vários cursos da Anhanguera/Uniderp desenvolvem trabalho no Centro Vovó Ziza

WAGNER GUIMARÃES

Uma história e uma grande lição de vidaCHARLINE PRESTESKARLA LYARA4º SEMESTRE

Os traços físicos transmitem felicidade. De longe, se ouve uma voz dizendo: “Oiiii, Gatas...vieram me visitar?”. É dona Sebas-tiana, com um semblante de pura alegria. Toda arrumada, de batom nos lábios, pul-seiras, colares e um vestido colorido que ganhara de uma amiga no dia anterior, ela nos recebe com grande simpatia. Viúva, seu marido morreu afogado há alguns anos. Sem lembrar certamente de quantos anos vive ali, diz: “Só sei que faz muito tempo que minha filha me trouxe pra cá,

porque ela não tinha condições de cuidar de mim”. O tempo todo em que conversá-vamos, segurava uma fotografia na mão, mostrando como era linda sua netinha. A menina da foto parecia ter uns quatro anos. E já faz “uns cinco” que a viu pela útima vez.

Sebastiana da Silva, 66 anos, é devota de Santa Luzia e diz que reza toda noite, quando vai dormir. Somos interrompidas com a oração da Ave Maria, a qual rezou empolgada, transmitindo-nos muita fé e religiosidade. Em seguida, fala que ain-da sabe o alfabeto inteiro. E ela, com muita empolgação, soletra todas as le-

tras, inclusive a K.No seu humilde quarto, que divide com

mais cinco amigas, ela leva uma vida sim-ples, mas organizada. Sua cama se encon-tra arrumadinha e seu guarda-roupa tran-cado, depois de ter sumido um sabonete vermelho que ganhou de uma amiga, nos conta ela. No seu criado-mudo, além da foto da neta, há algumas imagens de san-tos e uma estátua de São Sebastião. E, ao lado, pregado no seu guarda-roupa, um porta-retrato com três fotos dela própria. Uma, inclusive, andando de motocicleta com o seu amigo Donizete, que a visita todos os domingos. “Ele toca violão pra

mim”, diz, com os olhos brilhando. E até bem envergonhada, comentou sobre um possível “namorico” com o Donizete.

Diante de tantas lições de vida que cada uma dessas pessoas nos ensinaram com uma simples conversa, percebemos, que devemos, sim, dar importância às peque-nas coisas da vida.

E é com um novo olhar que termina-mos a visita a nossa querida e nova ami-ga, a dona Sebastiana, dizendo, não um adeus, e sim um até mais; pois, a pro-messa de novas visitas tivemos de assu-mir, e, com isso, fica a oportunidade de novos aprendizados.

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03CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008ESPECIAL

Espaço acolhedor, convivência harmorniosaISABELA FERREIRATHARYANA DURIGON3°. SEMESTRE

A idéia de criação de um lar para atender idosos nas-ceu em 31 de maio de 1923, quando um grupo de ho-mens, liderados pelo padre Arcângelo Lanzillotti, fun-dou a Conferência Vicentina Nossa Senhora das Vitórias.

A partir daí, o Asilo da Velhice Desamparada e Ca-rente São João Bosco mudou várias vezes de endereço. Até que, em 1968, o prefei-to da época, Plínio Barbosa Martins, doou uma área de três hectares, localizada no bairro Tiradentes, onde o asilo está instalado até hoje.

O local conta com duas alas, uma para as mulheres e outra para os homens. Ca-da uma possui, em média, 15 quartos, dois banheiros coletivos, refeitório, sa-la de televisão e rouparia. Porém, o setor masculino

também disponibiliza um salão de cabeleireiro, uma farmácia e uma sala para

tratamentos odontológicos.No pátio, estão situadas:

uma capela, uma pista de

cooper, churrasqueira e um pequeno salão, onde são re-alizadas algumas atividades. Há, ainda, entre outros espa-ços, horta, pomar e galinheiro.

Além disso, o Asilo São João Bosco proporciona aos ido-sos tratamento fisioterapêuti-co, disponibilizando um bem equipado Centro de Fisiote-rapia. Segundo a professora e fisioterapeuta, Maristela Lima, o atendimento é feito por aca-dêmicos de Fisioterapia.

A casa abriga 135 idosos, sendo 65 mulheres e 70 ho-mens. De acordo com o di-retor-geral do asilo, Telso Mendes, são poucos os ido-sos visitados. Para se ter uma idéia, “dos 70 homens, ape-nas cinco recebem visitas de familiares”, afirma o diretor. Ele diz também que existe uma lista de espera com 32 pessoas que aguardam uma vaga.

“60% dos idosos são de-pendentes; por isso, o asilo

requer um grande número de funcionários”, complementa Telso. Para tanto, o local conta com 97 funcionários.

A casa de apoio sobrevive por meio de doações, sendo 80% da sociedade, 5% da apo-sentadoria de alguns idosos e 15% de repasses do gover-no. O custo por idoso chega a mais de mil reais por mês.

Para melhorar a infra-es-trutura, está prevista a cons-trução de um Centro Médico e Administrativo, um galpão de lazer, a reestruturação da guarita e a uniformização dos funcionários. “Nós queremos fazer desse asilo o melhor do Brasil, com a ajuda de todo mundo”, finaliza, esperanço-so, o senhor Telso.

Além de receber doações, o asilo está, todos os dias, de portas abertas. Vá conhe-cer suas instalações e leve o seu carinho e a sua atenção a quem já fez tanto pela socie-dade.

Voluntários dedicam boa parte do seu tempo para dar atenção aos idosos

ISABELA FERREIRA

Pechincha é fonte segura de renda para o asilo

GABRIEL NERISVICENZZO MANDETTA3°. SEMESTRE

As dificuldades que o Asi-lo São João Bosco passa atu-almente poderiam ser bem

as atendentes, uma copeira e uma gerente. Esse mesmo gru-po está junto há mais de oito anos. Helena Correa Leite, 76 anos, é quem administra o re-cinto, há mais de cinco anos.

Mas, a sua história na Pe-chincha do Asilo São João Bosco começou há 21 anos, quando seu marido faleceu, e Helena se viu na necessidade de trabalhar para sobreviver. Hoje, o trabalho de dona He-lena é voluntário, segundo ela, para não ficar sozinha. O pú-blico é atendido pela pechin-cha é dos mais variados estilos e das mais diversas classes so-ciais.

Toda a renda obtida pela loja vai diretamente para o asilo, e seu faturamento, hoje em dia, fica entre dois e três mil reais por mês. “Inverno e festa ju-

nina são as épocas que mais temos trabalhos por aqui. O movimento durante esses pe-ríodos é muito grande. Fica até meio ‘puxado’ para a gen-te. Antes, nem tanto, porque contávamos com vários volun-tários. Mas hoje, parece que ninguém mais quer ajudar”, revela a gerente da pechincha.

Todas as doações passam primeiro pelo asilo. Lá, há uma filtragem, a partir da qual se vê quais roupas serão co-mercializadas e quais ficarão para o uso dos idosos. Roupas sem condições de comerciali-zação também são doadas para sem-tetos e mendigos. As des-pesas da diretoria do asilo não são muitas, somente com lim-peza e com o salário da copei-ra e das duas atendentes. “O almoço é por conta da gente.

A diretoria manda alguma aju-da, mas fazemos uma vaqui-nha entre nós e compramos alguma coisinha no mercado. Fazemos aqui na cozinha”, ex-plica a ex-costureira.

Dona Helena também re-clama da falta de atenção não só com o asilo, mas com a pe-chincha. “Nunca deram aten-ção para nós. Também, nunca fizeram um trabalho para divul-gar a nossa pechincha”. Entre-tanto, ressalta a importância da-queles que freqüentam o estabe-lecimento. “Algumas empresas ajudam a gente, e sempre estão aqui dando uma força”. Apesar do baixo número de funcioná-rios, o local não fecha em mo-mento algum durante o ano. Se-gundo dona Helena, existe um revezamento na troca de funcio-nários no período de férias.

maiores, se não contasse com uma lojinha localizada na rua 26 de Agosto, no centro de Campo Grande. A pechincha, que leva o nome do asilo, conta com quatro funcioná-rias, que se dividem em du-

Dona Helena Correia administra a pechincha do asilo há mais de cinco anos

GABRIEL NERIS

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04 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL

DOUGLAS QUEIROZLIANA FEITOSA4º. SEMESTRE

“Ficar velho é triste” desa-bafa, depois de dar algumas risadas, dona Carmem, cario-ca, de 87 anos, que mora há dois, no Lar dos Idosos São João Bosco. Apesar da soli-dão que sente, dona Carmem espera cheia de expectativas o domingo – dia em que o “asilo” se colore e ganha vida com seus visitantes.

São jovens, adultos e pesso-as mais vividas pertencentes a grupos religiosos ou não. To-dos voluntários, que separam alguns, ou todos os domingos do mês, para visitar os idosos. “O lugar é fantástico. O nome ‘asilo’, que nem é o certo, é que causa má impressão”, diz dona Maria do Rosário, nora de uma das moradoras do Lar.

Maria do Rosário menciona,

ainda, o trabalho desenvolvi-do ali, citando que, “muitas vezes, a necessidade de con-vívio social é que traz os ido-sos pra cá”. Rafael Pleutin, estudante de Direito, há três anos freqüenta o “asilo”. Há cerca de um ano, comparece todos os finais de semana. “No começo, achava que eu estaria ajudando eles. Mas hoje, eu vejo que eu quem sou ajudado. Fiz muitas ami-zades aqui. Tem senhores, que os considero como se fossem meus entes queridos”, explica o estudante.

Passeando pelos corredo-res, Rafael volta ao quarto de dona Carmem, com quem já havia conversado brevemen-te, naquele dia. “Ela é uma das minhas melhores amigas aqui”, diz. Entra, puxa uma cadeira, senta-se ao lado da senhora que, surpreendida

pela visita, ajeita-se na cama e coloca alguns livros e algumas revistas de lado. “Dona Carmem gosta muito de ler”, fala o jo-vem. E ela reforça: “Ler é muito bom, né? Passo meu tempo len-do, gosto mesmo de ler”, afirma a simpática senhora, com um sorriso entre os lábios.

Em perfeita lucidez e com óti-mo bom-humor, ela nos conta sobre sua amizade com o vo-luntário e algumas poucas ex-periências. Perguntamos para Rafael o que ele acha quando alguém se refere ao local co-mo um lugar triste. “Se o asilo é triste, imagina se não viesse ninguém”, questionou o jovem. Dona Carmem concorda e, ain-da, assegura que se houvesse mais visitantes, tudo seria me-lhor. “Quando chega alguém de fora, os assuntos são diferentes, as pessoas são diferentes".

As mulheres chegam com ca-

belos modernos, roupas boni-tas. Domingo é o melhor dia aqui!”, confessa-nos a entu-siasmada dona Carmem.

Depois da visita, fica clara

Troca de carinho constrói anos de trabalho dedicadoALYNNE ZANCANELLIRAFAELA ALVES4º. SEMESTRE

Simára Marcelino de Castro, 36 anos. Funcionária do Asilo da Velhice São João Bosco, há oito anos vive entre idas e vin-das. Ela é umas das funcioná-rias responsáveis pela limpeza desse cantinho que encanta a todos pela simplicidade da-queles que ali vivem. Quando encontramos, ela estava var-rendo o corredor da ala das mulheres, e entre uma varri-da e outra se distraía tomando chimarrão com Ana, uma se-nhora muito simpática.

Depois de muita conversa Simára, enquanto limpava a Capela, foi se soltando aos poucos. Perguntamos como era trabalhar ali, com um silêncio,

mostrando não entender, ela pergunta: "Como assim? Como é a sua rotina aqui dento?" Ela deu risada e disse que quase sempre chega atrasada, pois, tem três filhos e que sua rotina é uma correria, mesmo morando próximo ao asilo. Todos os dias ela entra às 6 da manhã, segue até as 11 horas e depois cumpre expediente das 13h30 às 16 ho-ras.

Raramente almoça em ca-sa. Pegou o seu carrinho e se dirigiu à capela procurando alguém para ajudá-la. Pergun-tamos se ela fazia o mesmo serviço todos os dias. Sempre intercalando com as outras funcionárias dos lugares, nun-ca está no mesmo lugar. “Não gosto da cozinha e de limpar a casa das irmãs”, comenta a

funcionária. Diz que adora aju-dar no banho e dar alimento para aqueles que necessitam, de ajuda. Enquanto limpava os bancos da capela pergun-tamos se ela gostaria de trocar de serviço, arrumar algo em outro lugar. Então ela pára de limpar os bancos, respira fun-do e, sem mesmo pensar, res-ponde: “Não canso do serviço, não troco por nada, me sinto muito bem e aqui os funcio-nários formam uma família”.

Simára se dedica a todos, mais em especial tem Tiana, uma senhora do asilo, que cos-tuma chamar de “mãezinha”.

Pelo pouco que estivemos com ela e acompanhamos sua rotina, ela é bem queridas tanto pelos velhinhos, quanto pelos funcionários.

Juventude solidária em ação

Rafael e Carmem: Idade não representa empecilho para amizade

a idéia de que uma das mais valiosas contribuições dos mo-radores do Lar para aqueles que o visitam são as suas expe-riências de vida.

Funcionaria do Asilo São João Bosco, dedicando-se mais um dia pelos idosos

LIANA FEITOSA

ALYNNE ZANCANELLI

Page 5: Unifolha Edicao 78 setembro2008

05CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008ESPECIAL

“Nego bom não se mistura”RENAN CAMPOSVINICIUS PEREIRA4º SEMESTRE

Nicolino Alves Ferreira, 82 anos, esse é o nosso persona-gem. Um senhor que a prin-cípio parece um pouco tími-do e que não gosta de se mis-turar. Afinal, como Nicolino mesmo diz: “Nego bom não se mistura”. Nicolino nasceu na Serra de Jateí, em Brasília, há 8 anos vive no Asilo São João Bosco. De acordo com o vovô, como são chamados os idosos no local, quem o deixou foi uma grande amigo dele, pessoa que ele ajudou a criar e até hoje sente muita gratidão.

Seu Nicolino desde cedo te-ve que trabalhar. Ele não teve oportunidade de estudar, sem-pre freqüentou fazendas. Sua atividade favorita era andar a cavalo. Viveu alguns anos em Aquidauana. Lá, ele disse que também gostava de pescar. Seu Nicolino teve de dar seus pulos desde cedo, por isso não tem contato com sua família. Mas, como ele mesmo conta, teve duas filhas. Uma infelizmente faleceu aos seis meses e a ou-tra, conforme relata, “quis se-guir os passos da mãe”.

O vovô Nicolino não gosta

de televisão. Para ele a vio-lência do dia-a-dia não o agrada, só o desanima. Per-guntamos o que ele aprecia. Seu Nicolino abre o sorriso e diz: “Comer e dormir”. E agora, ele já mais solto, mos-tra ser uma pessoa muito simpática e divertida. Porém, disse que prefere passar o dia sozinho, às vezes curte um sonzinho. Seu ritmo pre-ferido? O sertanejo.

Mesmo com 82 anos, Ni-colino tem um sonho: “Que-ro terminar minha vida aqui. Eu tenho comida, foi graças ao asilo que fiz três operações, sou muito gra-to”. Seu Nicolino já traba-lhou em muitas atividades. “Eu fazia qualquer serviço, já fui peão, desmontei cir-co, até na prefeitura já tra-balhei, conheci muitos lu-gares”. E conheceu mesmo. O vovô Nicolino disse que só não conheceu o Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, mas, em sua passagem por lá, viu a estátua do Cristo Redentor.

Seu Nicolino é corinthia-no, mas não acompanha o time. O vovô lembra de ter visto, Sócrates, Rivelino vestindo a camisa do time.

Aqui em Campo Grande ele torce pro Operário, e chegou a acompanhar alguns jogos do Galo no Morenão.

Um de seus passatempos preferidos é tomar mate, mas

sozinho. Afinal, “nêgo bom não se mistura”, né seu Nico-lino?

Perguntamos se ele era fe-liz, e se tinha algum arrepen-dimento. Seu Nicolino res-

pondeu: “Não tenho arrepen-dimento não, o que passou, passou, mas tá bom, a vida é assim né?”. Nicolino, mesmo com a idade, ainda tem uma paixão: “A vida”.

Vovô Nicolino no seu local preferido dentro do Asilo São João Bosco: a cadeirinha, que fica no final do corredor

RENAN CAMPOS

RAFAEL GORDOPEDRO ZIMMERMANN4º SEMESTRE

No Asilo São João Bosco presenciamos a triste vida de alguns idosos que são deixa-dos lá por suas famílias. Mas, às vezes os idosos se acostu-mam com seu novo lar e não aceitam mais voltar para a casa de seus familiares. Isso

ocorre com Feliciana, 71 anos, que diz já ter se acostumado a viver no asilo. De acordo com ela, lá é um lugar difícil pa-ra se fazer amigos, pois nem todos os idosos têm a mesma lucidez que ela e, por isso, se torna mais fácil fazer amiza-de com as pessoas que vão lá visitar os idosos. D. Feliciana vive em cima de uma cadeira

de rodas devido a problemas como artrose e osteoporose. Questionada se era bem tra-tada no asilo, Feliciana ficou sem reação por alguns segun-dos, deu um sorrisinho irôni-co e respondeu em voz baixa: “Às vezes eles não tem paci-ência com a gente.”.

Ela nos conta que os princi-pais passatempos usados por

ela são a leitura, a televisão, e uma escola para crianças, que funciona dentro do asilo. Ela disse que também gosta muito de ouvir músicas, em especial as cantadas por Sérgio Reis. Já dançou muito em bailes e, também, foi uma jovem muito namoradeira. Quando relem-bra histórias abre um sorriso e pergunta: “quem não gosta de

namorar né?”.D. Feliciana nunca foi ca-

sada e não possui filhos. Já foi convidada a morar com a família, mas Feliciana não aceitou o convite e diz preferir ficar no asilo. Mesmo com sua recusa, a família não a aban-donou. Seus sobrinhos costu-mam aparecer com frequência para visitá -la.

Uma lição de vida

Page 6: Unifolha Edicao 78 setembro2008

06 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL

Uma vida com milhares de sonhos

Caráter respeitador e fé inabalávelDANIELA DAMAZIOVANESSA MENDONÇA4º SEMESTRE

Ambiente extenso e arbori-zado, cabeças brancas ao lon-ge. Entra em cena um japonês bem franzino, Tadao Sano, que nos surpreende com ta-manha disposição e inteligên-cia, pois transcrevia sua fala numa folha sulfite amassada. Seria uma ótima entrevista, se soubéssemos falar japonês, ou ao menos entender seu fanho português.

Continuamos nossa cami-nhada, e lá estava ele. Soli-tário na varanda, pensativo,

sentado em uma cadeira de fio, observando o movimento da rua. Alto, moreno, de sor-riso largo e muito simpático, não tivemos dúvidas de que, João Batista Ramires, final-mente, seria o nosso grande personagem.

Natural de Ponta Porã, 86 anos, orgulha-se de ter sido criado em fazenda, de onde fugiu aos 13 anos de idade. Ti-nha uma enorme vontade de estudar, mas seu pai não acei-tava e batia muito nele. Várias vezes repetia em nossa conver-sa que, respeito era sua palavra chave. “O meu sistema sempre foi sim senhor, não senhor”.

Aproximadamente 40 anos longe de casa, ele comenta a falta que sentia da sua mãe. Inclusive, ao reencontrar a fa-mília, seu pai já havia falecido há um bom tempo, e sua mãe estava muito doente. Com um semblante de saudade, se con-fessava orgulhoso por tê-la sob seus cuidados durante 10 anos. Após a morte de sua mãe, João Batista ficou “fraco da cabeça”, como ele mesmo diz, e passou então a vagar solitariamente pelas ruas de Campo Grande. Morador do Asilo São João Bosco, foi trazido pelo Corpo de Bombeiros há pouco mais de uma década.

Separado, não recebe visi-ta das irmãs, e raramente um dos seus filhos vem vê-lo. Ele lamenta não saber a quanti-dade de netos e bisnetos que tem, mas não se mostra amar-gurado em nenhum momento, pois é um homem de muita fé. “Adoro viver no asilo. Aqui aprendi a ler, escrever e até mexer no computador”.

Emocionado, comenta que sonha com as comitivas de boiadeiros do seu tempo de mocidade, e nos faz finalizar a entrevista com os olhos mare-jados d’água, quando nos pede um breve retorno com um re-trato nosso de presente.

PRISCILA BARBIÉRIVANESSA MENEZESWAGNER JEAN4º SEMESTRE

Logo que chegamos à sala de fisioterapia, fomos ques-tionados: “Você quer saber de mim? Da minha história?”. E, em uma conversa descontra-ída e diferente, pelo fato de que o “vôzinho” ficou o tempo todo deitado em uma cama fa-zendo seus exercícios, conhe-cemos um senhor que exala a felicidade às pessoas que estão a sua volta. Valdemar Januário de Souza, de 64 anos, nasceu no Piauí e veio para o antigo Mato Grosso, ainda criança, com seus pais e mais quatro irmãos. Com imenso ar de sau-dade, apesar do passado dis-tante e das poucas lembranças que restam, seu Valdemar fala de sua família com um aspec-to bastante melancólico.

Com o tempo, sua família foi se perdendo pelas imensas terras desse Brasil, que guarda em cada pedaço de chão uma história especial, que merece ser contada detalhadamente. Mas, para seu Januário, como os demais moradores do asilo o chamam, fica a eterna sau-

dade de seu irmão mais velho, Valdomiro, que tanto o prote-gia das “armadilhas” que a vi-da nos põe à prova.

Nesse momento, o nosso “vôzinho” se senta na cama e,

com uma respiração ofegante, tenta conter nos olhos as lá-grimas que insistem em expor todo o sentimento de um “ga-roto”, ainda à espera do seu anjo-guardião.

Apesar de guardar boas re-cordações de sua infância, Ja-nuário resolveu construir uma nova família no estado. Assim, se casou e teve duas filhas. Atualmente, apenas a caçula

o visita em sua nova morada. Questionado sobre a mulher, ele não hesita e responde com um ar de malandragem que ti-nha “aprontado muito”. Então, ela o deixou.

Este lugar que está dispos-to a acolher a todos os idosos que precisam de um lar é para o nosso “vôzinho” uma ver-dadeira casa, com moradores que constituem uma imensa família. Apesar de toda a fe-licidade e todo o prazer de viver naquele local que abri-ga em seu interior toda uma beleza invejável aos olhos humanos, Januário aspira um desejo incontido de melhorar sua condição física, se curan-do das sequelas deixadas por um derrame que ele teve há cerca de 10 anos. E, também, de voltar a conhecer todo um mundo que se encontra ao re-dor das cercas do Asilo São João Bosco.

“É muito bom conversar”. Essas foram as últimas pa-lavras de um senhor que es-banja simpatia e carinho. Que, apesar das fortes marcas dei-xadas pelo tempo, não abre mão de sonhar, e segue em frente, com o vigor adquirido na mocidade.

WAGNER JEAN

Muito mais que um asilo. Para Januário, o local é um verdadeiro lar, onde pode sonhar com um mundo melhor

Reflexão: hábito diário de João Batista

VANESSA MENDONÇA

Page 7: Unifolha Edicao 78 setembro2008

07CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008ESPECIAL

História de uma vida sem fronteiras

Trajetória de um homem solitário

BRUNO CHAVESDAIANE LÍBERO4º. SEMESTRE

Enquanto a maioria dos senhores e senhoras que vi-vem no Asilo São João Bos-co tomavam sol no pátio externo, sentados em ca-deiras de rodas ou bancos de concreto, um senhor ca-minhava pelos corredores azulejados dentro do pré-dio frio e com pouca luz. Seu caminhar era suave, atilado.

João Rodrigues Martins, 77 anos, ex-soldado do Exército de Lisboa, radicado no Brasil, há 50 anos, há 33 residindo no estado de Mato Grosso do Sul, inicia a conversa dizendo que sua vida não tem nada de especial. E, assim que come-ça a galgar as palavras, como se fossem seus passos firmes, logo se vê que a boa memória

também é uma constante, atra-vés das datas exatas que ele ci-ta. “A última vez que quis sair do asilo foi em 18 de janeiro de 2001”. Há 11 anos morando

lá, convive apenas com outros velhinhos e funcionários, por-que nunca constituiu família.

Ele consegue contar em de-talhes a vez em que veio de

Aquidauana até Campo Gran-de a pé, sozinho, ou quando passou dias andando por Ma-to Grosso. Veio para o Brasil à procura de trabalho, que en-controu no campo. Questiona-do se sente saudades dos seus dias de andarilho, ele respon-de: “Quem anda nunca guarda nada”.

Rodrigues diz que sua rela-ção com as pessoas do asilo é cordial. “Quando não tem na-da pra comprar, nem pra ven-der, todo mundo é amigo”. Ele reclama de alguns aspectos do asilo e de suas doenças. (“Fui operado da vesícula em 2 de abril de 1997”). E afirma que o que mais gosta de fazer ali é andar, como não poderia dei-xar de ser.

Aos poucos, enquanto falava, os olhos fundos no rosto moreno, emoldurado pelo tempo, come-çaram a demonstrar descon-

RAUSTER CAMPITELLISABRINA LEAL4°. SEMESTRE

Ao chegarmos ao asilo, sen-timos um leve clima melan-cólico. Porém, esta sensação logo perdeu lugar. Foi difícil, a princípio, escolher um dentre tantos rostos que habitavam o pacato lugar. Em um local reservado, avistamos um se-nhor solitário, lendo sua revis-ta. Chegamos até ele, que, de imediato, concordou em nos ajudar, apesar de seu rosto de-monstrar um misto de descon-fiança e curiosidade.

Seu nome é Alíguio Maria-no. Morava em Cornélio Pro-cópio–PR, nunca teve filhos e nem se casou. Era andarilho e nunca estudou, trabalhando na lavoura, desde os 11 anos de idade. Porém, há mais de 30 anos, parou de trabalhar.

Sem destino ou mesmo conta-to com a família, andava sem rumo. Há dois anos e meio, no Asilo São João Bosco, diz que considera o local bom, pois é bem tratado. Mas, quando per-guntado se gosta de viver lá, logo responde: “tem que gos-tar daqui, não tem opção”.

Se pudesse fazer algo com total liberdade, conta-nos com um leve sorriso, tomaria cachaça. Demonstra, inclusi-ve, um desejo: uma garrafa da mesma bebida. “Cheia, porque vazia não serve”. Sobre o que mais gosta de fazer, cita tomar banho, lan-char, dormir e ler. Coisas tão simples, que até nos passam despercebidas. Perguntamos sobre seus sonhos e perce-bemos certa desilusão em seu olhar. Diz que não po-deríamos realizar, pois seu sonho era sumir de lá.

Mais ao lado, estava João Ba-tista, melhor amigo de Alíguio, uma das poucas pessoas com quem se relaciona. Além de-le, falou-nos de dona Lourdes, funcionária do asilo e conside-

rada por ele a pessoa mais im-portante de sua vida. Próximo ao final da conversa, parecia que ele já tinha se acostumado com a nossa presença, agindo com naturalidade e sorrindo,

respondendo às perguntas de forma solta. Conseguimos despertar certa confiança e ti-vemos a impressão de que ele não queria mais ficar sozinho, mesmo tendo deixado claro que preferia passar a maior parte do tempo assim, longe das conversas alheias.

Sorridente, procurava nos manter um pouco mais em sua companhia, parecia estar feliz com o auxílio prestado a nós, sentindo que estava con-tribuindo para que nosso tra-balho fosse realizado com se-riedade. Inclusive, enfatizou: “Caso o jornal seja entregue, vou deixar de lado as revis-tas”. Ao fim, agradecemos e nos despedimos. Ele fez o mes-mo, talvez pela nossa singela presença e atenção prestada. Mas, na verdade, nós é que te-mos que agradecer, pelo rápido, porém precioso aprendizado.

Sentado em local reservado, Alíguio prefere a companhia das revistas

DAIANE LÍBERO

SABRINA LEAL

forto com as perguntas. “Vocês me dão licença, preciso sair”. E sumiu asilo adentro.

A funcionária Maria de Lourdes Silveira, que cuida de idosos há 11 anos, não se espanta com a interrup-ção de João. “O Rodrigues? Ele é assim mesmo, não tem paciência”. Se ela sabe de algo a respeito da vida de João, em Lisboa, responde: “Ih, esse daí já foi até para o Japão!”.

Sua paciência só se mostra presente quando caminha, o que ele faz algum tempo de-pois, nos jardins tristes do asi-lo, onde o vento, sua única companhia, mexe nas árvores com força. Não parece querer remexer nas lembranças, que sem querer deixam transpare-cer sua lucidez. Andar ainda parece ser a única solução que resta nesses 11 anos.

Com pouca paciência e um olhar inquieto, Fernandes narra a sua vida

Page 8: Unifolha Edicao 78 setembro2008

08 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL

DANIELE RAMOSGEYSA RODRIGUES 4º. SEMESTRE

Logo que chegamos, encon-tramos várias senhoras, uma ao lado da outra, formando um corredor. Mas, não um simples corredor, e sim pesso-as dispostas a nos recepcionar. Percebemos, então, a agitação causada com a nossa presen-ça. Olhares atentos, gestos ca-rinhosos, todas querendo uma só atenção.

Caminhando para a área feminina, encontramos mais senhoras, umas assustadas, outras muito bem-humora-das, como dona Amélia, que, nos chamou a atenção com seu cumprimento carinhoso: “Bom dia, flor do dia”. E, des-ta forma, respondemos com as mesmas saudações. Talvez, não esperasse que pudésse-mos corresponder e, logo, des-pertou um sorriso radiante.

Mas não queríamos somente atenção. Fomos mais adiante. Passando pelo corredor, obser-vamos os quartos. Entre tan-

tos, alguns vazios.Em um determinado mo-

mento, deixamos de olhar para os quartos e avistamos um olhar adiante. Foi nesta ocasião, que encontramos três personalidades: Terezinha de Jesus, Elisa Carneiro, Resende, e Ana. Sentada na mureta ao fundo, lá estava Terezinha, fa-

zendo seu crochê, inclinando seu corpo para frente e para trás, apresentando certa in-quietação com a nossa presen-ça. Tentamos nos aproximar, mas, de início, não tivemos sucesso.

Ao lado, estava dona Ana, uma senhora de olhar sofrido, mas com o tom de voz doce e

acolhedor. Sentada em uma cadeira de fio, estava a dona Elisa, mulher frágil, que utili-zava uma bengala, para apoiar as pernas, que já não mais ofe-reciam suporte.

Ana e Elisa não dispensa-ram nossa presença. A prin-cípio, conversamos sobre a si-tuação de sua estada no local. Elisa, de início, deixou claro que não apreciava o lugar, pois se sentia impossibilitada de qualquer atividade. “Sem-pre trabalhei muito e tudo que conquistei deixei para os meus filhos. Agora, veja onde eles me deixaram”. Olhar de decepção.

Ao perceber que nossa con-versa fluía com a Ana e Elisa, Terezinha pareceu se sentir enciumada e começou a que-rer atenção. Conversamos um pouco sobre como é morar ali, longe da família. Interagindo conosco, pedimos para tirar uma foto e foi aquela agitação.

Dona Elisa não queria mui-to, mas aceitou. E logo pediu para ver como tinha ficado. “Olha, fiquei sem bochecha. E,

Diferenças não impedem mesmo sentimento

Identidade de uma vida com muitas histórias para contarMARIA CECÍLIA ROSÁLIA PRATA4°. SEMESTRE

Sozinho em seu quarto, quando o encontramos, esta-va Lauro Areco, 80 anos. Não levou muito tempo para que começasse a falar de sua vida: dos três casamentos e dos qua-tro filhos, frutos destas rela-ções. Filho de pai paraguaio e mãe bugra, aos oito anos, seu Lauro foi morar no Paraguai. Voltou só depois de completar 18 anos. Porém, sua jornada apenas começava, pois teve passagem também pela Argen-tina, além de muitas cidades

em Mato Grosso do Sul. Ele trabalhava como carpin-

teiro e disse ter conhecido todo o Pantanal, devido a esse ofício. Com seu idioma oficial, o “portunhol”, Lauro tentava explicar a sua vida no asilo: “No me gusta os enfermeiros. Ellos vêm aqui, todos los dias e me pergun-tam sempre las mismas co-sas”. Contou também que ajuda no recolhimento dos copos, depois do almoço. Por isso, a cozinheira separa para ele a “melhor parte” da comida.

Se distrai cantando, fuman-do algumas vezes, apesar de

não saber se é ou não proibi-do. Visitas, ele disse não rece-ber, pois também não sabe de seus familiares. Lembrou de sua admiradora, segundo ele uma “velha choca, que vem encher o saco”. Em relação ao futuro, ele nem pensa. A única certeza é que casamen-to não quer mais. “Já tive três matrimônios. Está em la ho-ra de descansar!”. A hora do almoço se aproximava. Nos despedíamos, quando o se-nhor galanteador advertiu que, se não tivéssemos namo-rados, devíamos procurar um bom moço e não um paquera-dor como ele.

Verdadeiras e comoventes histórias são contadas por essas simpáticas senhoras

DANIELE RAMOS

DANIELE RAMOS

Olhar triste demonstra abandono

com a idade, a bochecha mur-chou e, agora, fiquei assim”. Fizemos uma foto da dona Te-rezinha também. Vaidosa, ela quis que o retrato mostrasse a bolsa que guardava seu crochê e, imediatamente, pediu para ver como havia ficado no re-gistro. Sorriso meio firme. Do-na Ana também apareceu na foto, muito simples e meiga. Sorriso tímido.

MARIA CECÍLIA

Todos os dias, Lauro Areco aguarda para saborear o que diz ser “a melhor parte”

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09CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008ESPECIAL

Uma vida cheia de histórias e lembranças ALINE ARANDA GUSTAVO DE DEUS 4º. SEMESTRE

A primeira impressão que se tem ao pensar em um asilo é a de um lugar triste, frio e sem histórias felizes. Mas, no Asilo São João Bosco, as coisas são um pouco diferentes. Claro que o abandono está presente na vida das pessoas que resi-dem ali, mas o que impres-siona e emociona é a forma como elas reagem e vivem. A maioria dos idosos residentes são alegres, otimistas e brinca-lhões, como a nossa amiga Se-bastiana Ribeiro de Oliveira, ou simplesmente Tiana.

Quando a encontramos, Tiana estava sentada em sua cadeira de rodas. Ela usava óculos escuros e conversava com algumas amigas no cor-redor que circunda toda a ala feminina. Logo percebemos que a nossa personagem é muito comunicativa, quando

se antecipou, respondendo uma pergunta ainda não feita: “As pessoas me perguntam por que eu estou aqui. Eu digo que é porque eu preciso. Eu não tenho pai, não tenho mãe”.

Tiana está no asilo há 13 anos. Chegou aqui com 52 e, hoje, aos 65, nos surpreende com a exatidão da sua memó-ria, ao se lembrar do dia da sua chegada. “Eu cheguei aqui em 95, no dia 22 de março de 1995, foi numa sexta-feira, às quatro horas da tarde. Está tu-do guardado na minha cabe-ça”.

Eufórica e atenciosa, ela nos convidou para um passeio pe-lo asilo, começando pelo que parece um tipo de praça, onde os homens se divertem em um carteado. Após uma rápida passagem pela “turma do Boli-nha”, Tiana nos conduziu pa-ra a pista de caminhada, onde contou sobre a sua rotina no asilo. “Aqui, a gente estuda. Já

tive até aula de computação. Como eu gosto! A primeira vez que eu vi um computador, a professora me perguntou: Tiana, você já viu um compu-tador? Eu disse não, mas pos-so escrever o meu nome? Eu escrevi certinho”.

Durante o trajeto, notamos, ladeando a pista, em meio às inúmeras árvores frutíferas, pequenas placas simulando o calvário de Cristo. É impossí-vel não fazer uma comparação com a vida dos que moram aqui. A própria Tiana nos re-sume bem o pensamento dos moradores. “É melhor eu ficar aqui, amparada, do que ficar no meio da rua. Aqui, a gente tem médico a hora que quer e quando quer”. Enquanto nos despedíamos da nossa amiga, veio a sensação gratificante de sentir como se estivéssemos no quintal da casa de nossos avós, ouvindo suas histórias repletas de nostalgia.

ALINE CIQUEIRA ERNANDES BAZZANO 4°. SEMESTRE

Cinqüenta e seis anos repre-sentam, para alguns, cansaço, fraqueza e solidão, como se a vida já tivesse ensinado tudo que havia para se aprender. No entanto, mesmo com a rou-quidão de sua voz e a barba esbranquiçada, “seu” Gilberto Vicente Kuviere de Freitas diz que a sua vida só está come-çando uma nova fase e, com ela, todos os ensinamentos que ainda virão. E que tem de vir, pois a vida não pode parar.

O ex-comerciante, hoje dedi-ca seus dias e sua disposição, que ele diz ser de um jovem de 18 anos, a servir, amar e apren-der. Trabalha no Asilo São João Bosco, há dez meses, co-mo motorista da caminhonete, buscando doações de grande porte como: geladeira, mesa e

Condutor transporta sorrisos entre os idososcama. Ele respira fundo ao co-mentar: “Eu amo o que faço, amo cada 'vôzinho' que mora aqui e tenho aprendido a dar valor nas pequenas e simples coisas da vida”. E ainda comple-ta com um incentivo aos jovens de nossa sociedade: “Tenho mais de 50 anos e aprendi a gostar dessas pessoas em um mês de convívio. Posso garantir que uma semana fará grandes transformações na mente e no cotidiano de qualquer jovem ”.

Com um rosto que trans-bordava paz, o senhor Gil-berto transmitia respeito e carinho ao se lembrar de fa-tos engraçados e comoventes vividos naquele lugar, que, para ele, é como se fosse sua segunda casa, seu segundo lar. O horizonte trazia à to-na suas recordações e seus aprendizados, além da gran-diosa lição de vida que nos passava. Suas mãos, os gestos

e o timbre de sua voz eram os espelhos de sua alma.

Neste momento, a entrevista foi interrompida por um senhor que chegou para bater papo. Trazia em sua face um grande e simpático sorriso e, em suas mãos, um pequeno papel amas-sado com números e letras. Não podendo se comunicar por ser oriental, se despediu com um gesto de adeus.

Minutos mais tarde, nos deparamos com um carro abarrotado de doações, como fraldas geriátricas, alimentos não perecíveis e alguns pro-dutos de limpeza. Para o se-nhor Gilberto, a satisfação e o sentimento de realização são completos e seu lema é pri-meiro, os vôzinhos. "Tudo é feito para eles, depois para nós”. O humilde motorista pode usar da mágica de um sorriso para cada dia ser sem-pre melhor que o anterior.

Dona Tiana: “Uma boa dose de alegria e amor é um santo remédio”

“Transportar doações não é só profissão, é também realização”, diz Gilberto

GUSTAVO DE DEUS

WAGNER JEAN

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10 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL

PAULA REIS 4º. SEMESTRE

Um lindo sorriso, muito ânimo, simpatia. Esta é dona Dolfina, uma das senhoras residentes do Asilo São João Bosco. Quando cheguei ao local, ela lia a Bíblia para su-as amigas, um hábito que a acompanha desde criança.

A simpática senhora lia em voz moderada e fluente. Mal pude acreditar que aprendeu a ler sozinha. Recentemente, a convidaram para freqüentar a escola, mas o convite foi ne-gado. Dona Delfina disse que tem tudo o que precisa no li-vro sagrado.

Nascida no interior do es-tado de Mato Grosso, não co-nheceu o pai, que a abando-nou quando tinha três meses. Sua mãe foi uma forte mulher.

Criou a ela e seus cinco ir-mãos sozinha.“Minha mãe foi mulher de verdade”.

O fato de não ter conhecido seu pai a levou a uma incansá-vel busca. Escrevia cartas para a polícia de todas as localida-des, até que um dia, passou em sua mente escrever para prefei-tura de Camapuã. De lá, teve resposta, e o fim de sua busca.

Dolfina casou-se, teve filhos, mas seu casamento não durou muito. Ela se viu só e precisan-do sustentar a si e aos seus dois filhos. Passou, então, a traba-lhar para Lúdio Martins Coe-lho, ex-senador. Trabalhou no mesmo local até aposentar-se.

“Trabalhei muitos anos ali. Só parei quando fizeram aque-le negócio com o filho do Lú-dio e tive a primeira crise de hipertensão”. Dona Dolfina não entrou em detalhes, mas

este fato foi o assassinato de Lu-dinho, filho de Nilda e Lúdio Martins Coelho.

Caridosa e com desejo de pro-pagar sua fé, ajudava jovens

abandonados, fosse com pa-lavras de ânimo ou com ali-mento. Ela conta que, quando caminhava, via gangues e não sentia medo. Já era conhecida

e estimada por eles.A consideração dos jovens

por dona Dolfina era tamanha, que certo dia, já era noite e ela retornava pra sua casa, quan-do um jovem a alertou sobre homens que queriam matá-la. Este a guiou até em casa, en-quanto o restante foi dar uma surra nos malfeitores.

No asilo, dona Dolfina es-tá em plena atividade. Todos os dias, ora e lê a Bíblia para os doentes, ora conversa, ri e busca alegrar aos colegas. Isto ajuda no tratamento e na recu-peração e já fez muitos saírem da depressão.

Quanto ao futuro, a doce senhora diz não ter medo da morte e que continuará propa-gando o evangelho a todos que aceitarem, pois, em suas pala-vras: é uma apóstola de Deus e Jesus Cristo.

ALINE LEQUE GISLAINE GIRONDE4°. SEMESTRE

Asilo é o local para onde vão os velhinhos debilitados e carentes, certo? Não. A his-tória dos namorados José, Ci-da e Maria prova que não só o asilo pode representar uma nova vida, como que para se apaixonar não tem idade. Os três moram no Asilo São João Bosco, em Campo Grande. Ca-da um tem uma história, uma vida, e acabaram se encon-trando em um lugar totalmen-te inesperado.

Sábado de manhã, caminhan-do pelos corredores, em busca de uma história para o jornal, fomos paradas por uma senho-ra sorridente, fazendo crochê. Maria Batista dos Santos, 67 anos, tem uma “cabeça muito boa”. Ela mesma complementa a definição. “Faço crochê, bor-dado, pinto pano-de-prato, toa-lha. Sou uma moça prendada”.

Ficamos surpresas com suas histórias. Ela ainda falava sem

parar. “Tomo três banhos por dia. Faço minhas unhas de ver-melho e até sei lavar prato!”. Sem dúvida, sua vida é bem “agitada” no asilo. Estuda nos cursos oferecidos, adora plan-tar e conversa com todos.

Questionando sobre sua vi-da, amores, amigos, ela conta que não tem companheiros. “Sou sozinha no mundo, sem amigos, só eu e Deus”. Mas, no meio de risadas e pergun-tas, Maria nos conta o que se-ria o maior motivo da nossa matéria: “Ah, você sabia que eu namoro? É sim, Ele é lin-do, o Pernambuco”.

Não pudemos conter o ri-so. Maria ali, toda feliz, com ar de apaixonada. Provou que amor não tem idade, nem ho-ra certa. Já saímos puxando a Maria pelos corredores, para ela nos apresentar o namora-do. Caminhando em direção à ala masculina, vira aqui, corre ali, chegamos ao quar-to do seu José Pernambuco. Um senhor muito conservado,

assistindo ao jogo do Brasil e comendo mortadela. Ele, muito atencioso, nos ofere-ceu assento e um pedaço do alimento.

Começamos a brincar com o novo “casal 20” do asilo. Tiramos fotos, os dois junti-nhos. Maria, muito envergo-nhada, pediu-nos para vol-tar à sua ala.

Voltamos para a ala fe-minina, com a curiosidade aguçadíssima sobre o mais novo casal da terceira idade. Deixamos Maria e fomos procurar seu José, pergun-tando aos enfermeiros, se, realmente, o namoro existia, e fizemos a mais inusitada descoberta. José Pernambu-co seria o “Garanhão da Ma-drugada”.

Fomos entrevistar o famo-so “garanhão”. José estava sentado numa cadeira, e in-dagamos sobre o tal apelido. Ele, com ares de “bacana”, nos conta que namorava Maria e tinha outra, a Cida.

“Mas é assim mesmo. Ho-mem bão é aquele que tem cinco muié, uma pra cada tarefa do lar”, nos conta, to-do assanhado. “E se eu fosse mais novo, casava com você também”, disse para uma de nós, todo faceiro.

Mal pudemos acreditar na história, que se encai-xava. Saímos à procura de Cida, uma jovem senhora de 38 anos, com deficiência auditiva, muito carinhosa e apaixonada pelo Pernam-buco. Entre risos e abraços, ela negou o romance, mais ficou toda sorridente quan-do falamos dele.

No final do que era para ser uma entrevista, apren-demos uma lição com todos os senhores e senhoras do asilo. Não só pelo divertido passeio, mas pela descober-ta de um romance, no que todos consideram como “fi-nal da vida”. Mostrando o verdadeiro significado do amor.

Triângulo amoroso na terceira idadeGISLAINE GIRONDE

José: amor moderno na terceira idade

Dona Dolfina: a “mãezona” do asilo

Sempre disposta a ajudar, dona Delfina cuida até de “pacientes”

PAULA REIS

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11CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008ESPECIAL

EMANUEL CAIRESWESLEY ANTÔNIO4º. SEMESTRE

Maria de Lourdes Silva, 63 anos, está há 11, no asilo São João Bosco. Ela não foi aban-donada por seus familiares. É bem ativa e cheia de energia. Sorri ao falar do marido e dos filhos. É uma mulher de ges-tos rápidos, voz firme e olhar atento.

Então, pode-se perguntar o leitor, o que ela está fazendo naquele lugar? Dona Lour-des pode ser vista em um dos quartos da ala dos “meninos”, mais precisamente o quarto Dona Virgínia Garcia da Silva ou Roupário. Com uma touca branca na cabeça e avental, cuidando do vestuário dos “vôs”, ela dobra e coloca as peças nas prateleiras. Em ca-da divisória, há uma etiqueta

com o nome do dono das rou-pas que lá se encontram.

Alguns compartimentos, mesmo etiquetados, estão va-zios. “Esse vô, aqui, morreu faz pouco tempo”, explica Maria de Lourdes, com a na-turalidade de quem já viu isso ocorrer várias vezes.

“Só não gosta quem não tem amor” é o que responde Lour-des, quando indagada sobre seu trabalho. Diz que gosta, principalmente, de preparar os “vôs” – como ela chama os idosos – para sair. “É quando eles vestem uma roupinha me-lhor” que ficam separadas em outro quarto “para não estra-gar. Senão, eles querem vestir toda hora”.

Além de trabalhar no roupá-rio, ajuda na cozinha, servindo o café, o suco das 9 da manhã ou o almoço. Maria de Lour-des conta que não tem muitos

problemas com seu trabalho, mas que, às vezes, tem que fu-gir de algum “vô” apaixonado. “Eles ficam em cima. Eu tenho que cuidar, saio de fininho”.

Maria também tem a etílica tarefa de distribuir a “cani-nha”, um pouquinho de pinga ou vinho, “só dois dedinhos”, uma vez por semana, às quin-

tas, na hora do jantar. Ela con-ta que uns dez idosos tomam toda semana o seu gole, e que alguns contam os dias para chegar a hora de beber, mes-mo que seja pouco.

Outro vício de alguns idosos é saciado pelas mãos de Ma-ria de Lourdes. Às vezes, cabe a ela a função de distribuir o maço de cigarros que é dado a cada três dias, aos 25 idosos que fumam, segundo ela.

A funcionária, que também já foi voluntária, pretende se aposentar em seu trabalho e diz ser muito grata a Deus porque “tem gente aqui que é mais nova que eu” e que quer continuar até quando suas forças e a idade permitirem. “Para mim, é uma satisfação vir aqui todos os dias. Quan-do não venho trabalhar, fico doente. Sinto saudades e eles também”.

Ela “dita moda” no asilo, seu trabalho é cuidar das roupas dos idosos

EMANUEL CAIRES

Disposição e energia entre as roupas do asilo

Solidariedade necessita de seriedadeBRUNA GALINAKLÍCIA MAGALHÃESTHALITA RODRIGUES4°. SEMESTRE

Em julho de 1999, foi inau-gurado o tele-social do Asilo São João Bosco. É assim que a gerente da unidade, Márcia Re-gina Gonçalves, prefere chamar o serviço de telemarkting. A equipe é formada por 13 men-sageiros, quatro estagiários e 24 operadores contratados. Márcia afirma que são poucos funcio-nários, por falta de recursos.

“O trabalho é feito através do telefone. Nós temos um siste-ma, que é de São Paulo, o úni-co nessa área. Através dele, a gente prepara toda a lista com os números da população, os quais são passados para os ope-radores. Na lista, sai o telefone, o nome e se é comercial ou resi-dencial. A funcionária liga sem saber com quem vai falar do

outro lado e fala sobre a nossa campanha”.

As doações e as campanhas especiais (geralmente, nos dias das Mães e Natal) são muito importantes para a instituição. A população é responsável por 70% do recurso que entra para o asilo. Mas, pela quantidade de habitantes e estabelecimentos comerciais existentes em Cam-po Grande, o número de colabo-radores ainda é muito pequeno.

A central de atendimento, localizada na rua 26 de Agos-to, não tem fachada alguma, por motivo de segurança. Con-ta com um segurança armado, dentro do estabelecimento. Já ocorreram dois assaltos com um dos mensageiros, quando estava em serviço. Além das di-ficuldades que a instituição en-frenta, financeiramente, ainda existem os trotes; pessoas que tentam recolher dinheiro usan-

do o nome do asilo.Todos os trabalhos que já fo-

ram feitos em benefício à cor-poração podem ser conferidos no site, que também foi uma doação, www.asilosaojoaobos-co.com.br. No momento, alguns links estão parados, por não ter voluntários para atualizá-los. Quem quiser, pode ser cadastrar para a função.

“Transmitimos a maior segu-rança. A central está aberta para quem quiser conhecer a nossa equipe, antes de fazer as doa-ções”, complementa a entrevis-tada.

Ela orienta quem recebe a ligação a fazer alguns procedi-mentos de segurança. Um deles é a conferência, pelo telefone, do número do recibo que o mensa-geiro entrega em sua porta. Ou ainda, fazer a pergunta para a funcionária que ligou para saber se o seu nome consta na lista.

GUILHERME TELÓ

Tele-social reclama da falta de compromisso de seus contribuintes

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12 CAMPO GRANDE-MS | SETEMBRO DE 2008 ESPECIAL

“Seja como for... tô vivendo por viver”ANAHI ZURUTUZALUCAS JUNOT4º. SEMESTRE

O fundo musical já nos adiantava com o que iríamos nos deparar. “Tô Vivendo por viver”, na voz de Zezé de Ca-margo e Luciano, transmitia verdadeiramente o que dizia o olhar daquela senhora.

Passando pelo corredor, viam-se vários deles, ali, sen-tados. Uns tinham o olhar “pi-donho”. Outros tinham o olhar incerto, tão difícil de decifrar como a incerteza de até quan-do durariam suas vidas ali. Foi então, que, de uma cadeira de rodas, veio a voz sedenta de Neli Garcia. “Filho, me pega um pouco d’água, por favor”, disse estendo uma caneca. Desta vez, o jornalista foi es-colhido, quando de costume faria o papel do ‘escolhedor’.

Com 66 anos, bem expres-

sados pelas rugas de seu ros-to, Neli conta que nasceu em Entre-Rios, atual Rio Brilhan-te. Quando ainda morava na fazenda Estrela, herança de seu avô, perdeu a mãe, aos nove anos. “Foi aí que come-çou meu sofrimento”. Antes, brincava de roda com seus nove irmãos. Depois, se trans-formou em nobre trabalhadora de uma olaria. Agora, com o lado esquerdo do corpo para-lisado, conta as horas a espe-rar pela visita de um de seus cinco filhos. E, em meio à bra-vura que demonstrava em seu depoimento, um desabafo.

“Vi a minha neta uma úni-ca vez, quando ela tinha um mês de idade. Agora, ela já de-ve estar com quase um ano, e gostaria de deixar um recado para ela. Mariana, fala para o seu pai trazer você para ver a vovó. Você é tão linda, estou morrendo de saudades. Por-

que vocês não vêm me ver? Parece que vocês têm raiva de mim”.

Há cerca de três anos, de-vido a um acidente vascular cerebral (AVC), Neli procurou, ela própria, o Asilo São João Bosco, em nome de um só sentimento: “não tinha mais espaço para mim na casa dos meus filhos. Eu não cabia mais naquela casa”. Mesmo com os percalços que o desti-no lhe reservou, aquela senho-ra mantém-se obstinada.

Em meio à expressão cerra-da, vez ou outra, um sorriso de poucos dentes se mostra-va. Revelou o segredo que fazia brilhar aqueles olhos. Parecia que a felicidade a vi-sitava como um conta-gotas. E uma dessas doses personi-fica-se na figura do namora-do, que a faz sentir-se viva. “A gente se abraça, se beija, conversa. Ele vem me ver to-

O olhar perdido revela a esperança de avistar seus filhos no horizonte

LUCAS JUNOT

do santo domingo”, conta. Para ela, as gotas de felici-

dade estão personificadas, também, em cada um que

aparece naquele lugar, onde a convivência com mais de 100 pessoas não significa não se sentir só.

Reflexão de uma incerteza presente no futuro

Francisco canta para ser mais feliz

GISELLE RIBEIRO HUGO CRIPPA4º. SEMESTRE

Ao mesmo tempo em que sentíamos paz, vivenciamos a solidão. Calmo, um vento mui-to agradável em um ambiente fresco. Alguns olhares estra-nhos. Varias pessoas que um dia viveram historias de amor. Já sofreram muito e tiveram momentos maravilhosos com pessoas especiais. Não quería-mos simplesmente entrevistar algum deles. Mas, queríamos entrar nesse mundo de lem-branças e conhecimento que eles podem nos oferecer.

Analisamos perto de um banco de cimento, a conversa de dois homens que moravam lá. Um deles falava sem parar, contava histórias do passado. Ao perceber seu parceiro vi-mos que ele não dizia nenhu-ma palavra por muito tempo. Ele apenas entendia em silen-cio o que o outro dizia, mexia

a cabeça e sorria. Era algo que parecia que ocorria muitas vezes. Algo bonito de se ob-servar. Não sabemos como é não ter com quem conversar por dias. E essas pessoas que moram lá? Às vezes eles fi-cam dias sem trocar palavras com ninguém. Percebemos is-so, pois muitos deles vieram perguntar sobre nós. Uma ex-periência dessas nos rendeu coisas boas. Pensamentos no-bres e profundos, experiên-cias nunca vividas. Uma visi-ta que nos levou à reflexão.

O mundo deles tem muitas lembranças. Quando o silên-cio aparecia mais se ouvia o barulho do vento do que as conversas entre os presentes. Vimos um senhor com uma pose que lembra nossos avôs. Um homem que pensa, com os óculos caindo e apoiando o rosto de lembranças com suas mãos.

O que pensa um senhor

desses, com este olhar? Não sabemos, mas temos a certe-za de que ele nos fez refletir sobre o nosso futuro. Foi aí, que olhamos um senhor com sapatos marrons, camisa por dentro das calças. Cinto bem chamativo, que ficava acima do umbigo, deixando apare-cer um pouco de sua canela.

Ele repetiu várias vezes a mesma ação. Ia até o portão cantando, parava no mesmo lugar, sempre com o cigar-ro na mão. Falava besteiras. “Porque você peidou? Fala aí, perna de cocô. Cê peidou, amor?”. Ria muito, até que Francisco parou para conver-sar. “Vocês são namorados?” Um de nós disse não. E ele abriu um sorriso e já retor-nou a cantar.

Um homem que mexia nas mangueiras passou e disse: “Esse aí já caiu os parafusos da cabeça”. E lhe indicou o caminho para o portão, pois

já não se lembrava mais. E lá andava o homem das canelas de fora. Alegrava o seu dia e disfarçava a solidão cantando. “A-I-O-V-A preciso peidá.”

Os outros que passavam ao seu lado comentavam de-le. Sentimos e entendemos o porquê ele canta tanto. Pois assim, ele não deixa que tris-tezas e saudades façam aquele ser apenas mais um dia. To-dos sentados, cada um com suas lembranças. Pensamos que mesmo alguns esperando apenas a hora de ir embora, ainda existem pessoas felizes que distraem seus dias com a musica, com o humor e com brincadeiras do cotidiano. Uma descontração saudável que está em falta na vida de muitas pessoas. Passando um dia no Asilo São João Bosco percebemos que a vida é curta e que um dia também teremos saudades do que vivemos.

GISELLE RIBEIRO

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Leitura e gargalhadas amenizam a solidãoCAROLINE QUEIROZMARI GARCIALEONARDO MACBETHLETÍCIA WINCLER4º SEMESTRE

Sempre com um sorriso no rosto e muito divertida, assim é Benedita Vicente de Almei-da. Chamada carinhosamente por colegas e funcionários do asilo de “dona Benê”. Com 84 anos é muito vaidosa, adora contar piadinhas e dar boas gargalhadas. Seu passatempo preferido é ler. Nos surpreen-de quando abre a gaveta de sua cômoda e nos mostra uma coleção de revistas. Dona Be-nedita diz saber o Estatuto do Idoso de cor, para poder exigir os seus direitos. “O Estatuto me garante uma casa, vou co-brar pessoalmente de Carlos Marun (Secretário Estadual de Habitação). Agora, ele não vai ter saída”, comenta ela com gargalhadas.

Trajando uma blusa rosa e saia florida, com dificuldades para andar, devido a seqüelas de um derrame que sofreu há

três anos, ela se aproxima e começa a nos contar um pou-co sobre sua vida. Dona Benê morou 45 anos em São Paulo, onde criou sua única filha, Maria Regina Vicente de Al-meida. “Passei minha infância e minha juventude aqui em Campo Grande. Quando tinha 26 anos fui tentar a vida em São Paulo. Mas já têm 25 anos que voltei para cá”.

Benedita estava morando so-zinha em uma casa de aluguel no bairro Tiradentes e, devido a problemas de saúde, resol-veu ir sozinha tentar uma vaga no asilo. Adora o tratamento dos funcionários e a compa-nhia dos colegas. “Aqui tenho pessoas que se preocupam comigo e a comida é muito boa. Só que tem dia que a car-ne vem um pouco dura para os meus dentes”, relata dona Benê, dando gargalhadas. No asilo, ela divide o quarto com mais uma amiga, a dona Ana, que, muitas vezes, acorda cho-rando, pois lembra que todos os seus familiares faleceram.

Dona Benê diz que a única coisa que pode fazer é falar da Luz Maravilhosa, que é Jesus e que nenhuma sombra de so-lidão pode encobrir essa luz.

Benedita diz que já sofreu muitas humilhações. “Quando era moça, tudo era diferente. Fiquei grávida sem me casar e meus pais me viraram as cos-tas. Tive que trabalhar de do-méstica para sustentar minha filha”.

Quando começa a lembrar das humilhações que já sofreu, sua feição muda e as lágrimas descem pelo seu rosto. “No Dia das Mães, minha filha não me deu nenhum telefonema. Mas o meu maior sonho é ir embora para São Paulo morar com ela”, revela, enxugando as lágrimas.

“Um dia, por mais afastados que estivéssemos vivendo na terra, nos encontraremos no paraíso. E então, não haverá velhos nem jovens, só almas felizes”. Dona Benê agradece a atenção e diz: “agora vou jan-tar”.

ISABELA FERREIRA

Com simpatia e sabedoria, dona Benedita elogia voluntários e funcionários

Juventude conservada por meio de muito trabalhoELZA RECALDESODIL SANTANA4°. SEMESTRE

Uma biblioteca diferente. Cercada de árvores e bancos de jardim. Os livros desta bi-blioteca têm cuidados espe-ciais, como alimentação dife-renciada, exercícios físicos e acompanhamento de profissio-nais da área de saúde. Assim é o Asilo São João Bosco, cheio de vida e disposição, renova-das a cada dia. Pessoas que são verdadeiros livros, com histó-rias reais que mais parecem ter saído de contos de fadas.

É neste ambiente que encon-tramos o nosso personagem, Mário José de Souza. Nascido na Bahia, ele se mudou para Minas Gerais, na adolescência, com seus pais. De onde saiu ainda jovem, se aventurando

por várias cidades, até chegar aqui, em Campo Grande. Um homem simples, que sabe tu-do sobre a vida no campo. Nas fazendas em que trabalhou, fazia de tudo. Só não gostava de mexer com trator.

Entrevistá-lo não foi fácil. Como todo bom brasileiro, chega a passar horas em frente à TV. Principalmente, no perí-odo das olimpíadas. Esse bom velhinho é conhecido como “Japonês”, devido aos traços ni-pônicos em sua face. Apesar de não gostar do apelido, atende com uma paciência oriental a quem assim o chama. Aos 80 anos de idade, conserva hábitos rurais, como "naquear" fumo e dormir cedo, para acordar ce-do. Ou, como dizem nas fazen-das “dormir com as galinhas e acordar com o galo”.

Às quatro horas da manhã,

ele se levanta e se arruma, en-quanto espera o café. Depois, é hora de cuidar do jardim. Acos-tumado à vida dura de trabalho, não esconde a satisfação de po-der cuidar do quintal. Atividade esta que está impossibilitado de exercer, devido a uma dor no braço direito, causada por um tombo, quando tomava banho.

Esse pequeno-grande-ho-mem, de aproximadamente 1,60 metro de altura, não tem filhos e nunca foi casado. Os únicos parentes em Campo Grande foram embora sem di-zer pra onde. Foi trazido para o asilo pelo patrão, que o ado-tou como se fosse da família.

Quando perguntamos se gostaria de voltar para sua terra natal, ele nos responde: “Não tenho mais esperança de voltar pra Bahia, não. Eu vou aterrissar aqui mesmo”.

WAGNER JEAN

Vitalidade, bom humor, muita disposição e 80 anos vividos plenamente

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BRUNA NASSERLUCIENE FRATINI4º SEMESTRE

Passar algumas horas den-tro de um asilo pode não ser algo muito prazeroso para vá-rias pessoas. Mas, elas se es-quecem é que há centenas de idosos residindo nesses locais, convivendo e aprendendo a sobreviver de acordo com as condições que esses lugares oferecem a eles.

E é justamente nesse ponto, que resolvemos nos ater. Um breve relato da vida e da re-alidade de inúmeras pessoas que, em alguns casos, ficam esquecidas. A fachada lembra uma casa clássica. Ampla área verde ao redor, conferindo um clima ameno e acolhedor. Bancos espalhados em lugares estratégicos, normalmente sob

Onde estáo futuro?!

enormes árvores.É nesses bancos que vários

idosos se acomodam para ou-vir música, conversar, fazer cro-chê ou descansar. Outros prefe-rem ficar nas salas de televisão. Ainda, na área de lazer, pode-mos encontrar, nos fundos, um quiosque com mesa de sinuca e churrasqueira. E, próxima a ele, está a pequena igreja para os momentos de fé.

O Asilo São João Bosco pos-sui também uma pista desti-nada àqueles com maior ener-gia, própria para caminhadas e para os apreciadores da na-tureza. Nesse trecho, é possí-vel identificar a Via Sacra, que mostra o caminho percorrido por Jesus.

O local conta, ainda, com médicos, enfermeiros e volun-tários, que ficam circulando o

dia todo, para atender a qual-quer problema.

Lugar perfeito?! Muito pelo contrário. O asilo passa por inúmeras dificuldades. Cada quarto abriga vários idosos, e as camas são semelhantes a macas. Os banheiros, por mais que sejam adaptados para os

que utilizam cadeira de rodas, ainda dão trabalho, devido ao pequeno espaço para as ma-nobras. O refeitório também é reduzido.

O asilo precisa contar sem-pre com doações e ajuda de terceiros para a sua manuten-ção. Vários voluntários fazem

sua parte, mas essa precisaria ser uma atitude geral. Ajudar ao próximo não é simples-mente uma bela atitude, mas, também, um sinal de humani-dade. Fazer com que o futuro, até então incerto, desses ido-sos seja garantido é tarefa de todos.

De um lado, aqueles que fogem da solidão. De outro, os que preferem a paz, nos fundos do Asilo São João Bosco

BRUNA NASSER

rinha. E como terapia ocupa-cional, foi, também, tosquia-dor de ovelhas, profissão que,

além de proporcionar uma for-ma de renovação de seu ego, também contribuía com uma renda adicional.

Na década de 40, Gilberto teve destaque na mídia, com o esporte, pois foi campeão da modalidade de salto com vara. Conquistou o primeiro lugar nos jogos abertos de sua cida-de natal, Ponta Porã.

Ele se considera uma pessoa de hábitos individuais. Nunca gostou de freqüentar festas e lugares movimentados.

Casanova tinha na ponta da língua as respostas para nos-sas perguntas. Mesmo com a idade à flor de sua pele e as marcas do tempo estampadas em seu rosto, este velhinho sabia muito bem do que esta-

va falando. A cada pergunta respondida, ele concluía com pensamentos que, segundo ele, transmitiam toda a sua experiência de vida e as lições

Uma vida de conquistas e lembranças LUANA D’ARK

YURI RODRIGUES

4º. SEMESTRE

Com a tristeza estampada em seu rosto e o olhar cabisbaixo, o senhor Gilberto Casanova se encontrava sozinho aprovei-tando da calmaria do balanço e das sombras das árvores do asilo. Ao nos aproximarmos dele, sua expressão muda re-pentinamente.

E a tristeza outrora presen-te dá lugar à imensa vontade de iniciar um diálogo e contar a sua história, que é marcada pela saudade dos tempos de sua mocidade.

Casanova deu o rumo à sua carreira, espelhada na de seu avô, como integrante da Ma-

"Fazemos da vida melhor ou pior"

LUANA D'ARK que nela aprendeu.Perguntamos a ele se sentia

falta ou saudades de alguém. A resposta não veio, e as lágri-mas vieram à tona, escorrendo por toda extensão de seu ros-to, por todas aquelas covinhas marcadas pelo tempo.

Logo após a emoção, aquele velhinho disse alguns de seus pensamentos: “Aceite o que vem na mesa, é tudo aquilo que a vida tem a te oferecer”, e com um forte suspiro, con-cluiu o senhor: “Nunca recla-me da vida, pois é você que faz dela, melhor ou pior”.

Palavras de um homem que, mesmo com a idade que carre-ga, ainda cultiva pensamentos concretos e com fundamentos totalmente convincentes.

Expressão é um dos fatos marcantes

YURI RODRIGUES

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Confissões para conseguir uma vida melhorDIANNA MALVESWILL SOARES4º. SEMESTRE

Mesmo diante das dificulda-des, Maria Thereza, 62 anos, demonstra bom humor na conversa. Uma mulher que sempre lutou, trabalhou, cur-tiu a vida da maneira que pô-de e definiu seu sentimento em relação ao passado: “Po-deria ter aproveitado melhor. Fiz o que eu pude; mas, às vezes, sinto que poderia ter vivido mais, curtido mais a vida”.

Tanto curtiu que, quando descobriu de forma drástica a sua grave doença, osteoporo-se, não acreditou que poderia chegar ao ponto de ficar em uma cadeira de rodas. Tere-za nos explica que, quando a doença se manifestou, aos 57 anos, sua ossatura se asseme-lhava, já, a de uma senhora de

80 anos. Os ossos estavam tão debilitados que chegou a ter uma fratura na coluna. “Mi-nha medula quebrou bem no meio. Fiquei tetraplégica. Mas nunca desisti de viver. E tudo porque os médicos me diziam que eu não precisava de re-posição hormonal e cálcio na menopausa”.

Depois de muita luta, Maria Thereza voltou a andar “com certa dificuldade”. Gosta de usar seu exemplo de vida para aconselhar os jovens: “A saúde é tudo na vida de uma pessoa. Se ela tem saúde, tem condi-ções de tudo”.

Mesmo andando, Tereza diz ter percebido que já não era mais como antigamente. “Eu não posso fazer nada, não pos-so lavar um roupa, varrer uma casa; por isso, que eu quis vir morar aqui. Aqui todos cui-dam bem, as enfermeiras dão

os remédios na hora certa. Tem um médico voluntário que vem de vez em quando, mas ele é muito bom”. Conta, ainda, que a filha mora bem perto do asilo: “Vou para a ca-sa dela todos os domingos”.

Mas o que a deixa indignada é como o Brasil está cada dia mais desvalorizando os idosos. “Depois dos 50 anos, o médico ou qualquer pessoa olha pra você como se não adiantasse buscar ajuda. Uma vez, uma senhora estava com tontu-ra. Foi no médico, e ele disse que era sintoma da idade. Is-so não existe. Se eu sinto dor ou tontura, é porque eu tenho alguma coisa. O médico não pode olhar para mim como se dissesse: “Você quer viver mais para quê?” Conversa vai, conversa vem, e esta senhora de modo simples, fumando seu cigarro, conquista a aten-

ção de dois acadêmicos que descobrem a sede de aprender mais com quem viveu mais. E, na hora de se despedir, ain-da reforça: “Diz para os seus

amigos que a saúde é tudo, e que eles têm que cuidar dela”. Pode deixar, dona Maria The-reza, vamos escutar este seu valioso conselho.

No asilo, cada idoso tem sua personalidade FABIANA FAUSTINO FABIANO PASCHOALOTTO 4º. SEMESTRE

A princípio, só queríamos conhecer o motorista da am-bulância do Asilo São João Bosco. Para isso, contamos com a ajuda de uma senhora simples, que usava jeans e ca-miseta branca.

“Vamos nos sentar ali, tem uma mesa grande”. Passou um pequeno pano para tirar algu-mas folhas das muitas manguei-ras que refrescavam o local.

Essa senhora de olhar firme e muito séria é irmã Maria Jo-sé, a diretora da Residência e Bem-Estar dali. A conversa co-meçou tranqüila. Ela era um pouco reservada, porém dis-posta a apresentar e relembrar histórias de vidas de quem ainda está ali ou dos já passa-ram por lá.

Sentou-se um pouco de la-

WILL SOARES

Para Thereza, o mais importante na vida são a saúde e o bom humor

FABIANO PASCHOALOTTO

do, cruzou as mãos e, olhando em nossos olhos, deixou-se le-var pelas recordações e confi-

denciou-nos algumas coisas.“Aqui, temos os dois lados:

vôs que são de bem com a vi-

da e vôs que são revoltados”. Ah, sim, vô e vó são as manei-ras carinhosas que todos usam para se referir aos residentes do local.

“Seu Raimundo, por exem-plo", diz, com sorriso no olhar, "é revoltado com a vida. Sempre que dissemos 'Bom dia', respon-de que não tem nada de bom".

Já senhor Domingos, segun-do ela, é ativo, alegre e diverti-do, gosta de ajudar. “Se deixar, ele ainda trabalha ajudando as meninas na copa. Ele não tem a aparência de 109 anos”, diz, carinhosamente.

Atenta, não descuidava nem um minuto de tudo que estava ao seu redor. Seu celular tocou duas vezes durante nossa con-versa. Animada, convidou-nos para conhecer alguns dos vôs citados.

Percorremos a ala masculi-na, o refeitório, a cozinha e o

pátio. A todo momento, para-va para cumprimentar e con-versar um pouco com os ido-sos. Ao chegarmos à cozinha, encontramos o senhor Domin-gos, conversando animada-mente com algumas mulheres e enxugando os pratos.

Ao final do passeio, fomos apresentados ao senhor Salo-mão, que estava deitado em um banco, apoiando a cabe-ça em seus sapatos. “Ele está aqui porque quer. Seus filhos queriam que ele estivesse em casa, porém permanece aqui”.

Pronto. Encerramos a visita. Com um sorriso nos lábios, ir-mã Maria aperta forte nossas mãos: “Obrigada, foi um pra-zer mostrar um pouco disso tudo pra vocês”.

Mas, depois de ver, conhe-cer e aprender tanto em um dia só, sinceramente, quem agradece somos nós.

"O bem-estar de todos é uma grande responsabilidade", diz irmã Maria José

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Asilo depende de doações para reforma

Vida de melancolia pela decepção de ser abandonado pela família

EVELYN IBRAHIMROBERTO BELINI 4º. SEMESTRE

O antigo prédio do Asilo São João Bosco, na rua 26 de Agosto, abriga a loja da pe-chincha e uma central com telefonistas que ligam pedin-do doações. A atual sede é no bairro Tiradentes, em frente ao campo de futebol. Hoje, há necessidade de uma re-forma estrutural do prédio, para adequá-lo às exigências da Agência Nacional de Vigi-lância Sanitária (Anvisa). De acordo com a diretora de Re-cursos, Márcia Regina Gon-çalves, são estimados R$ 2 milhões para as obras. E este dinheiro terá de ser captado de campanhas.

Os internos chegam, princi-palmente, de Campo Grande. “Pessoas que se perderam da

família ou estão em fase ter-minal. São casos que foram encaminhados a este lar de amparo”. Mas, segundo Már-cia, existem situações em que a família interna o idoso no hospital, com nome e ende-

reço errados, e não volta para buscá-lo.

Na instituição, há uma logís-tica para dar suporte aos vovôs e vovós. Este trabalho procura órgãos públicos que, quando necessário, regularizam a do-

cumentação. Fazem o pedido de pensão ou aposentadoria. E até chegam a realizar busca de parentes, unindo os familiares distantes.

Márcia atua no São João Bosco, desde 1999. Mas, foi em 2002, que sua formação em administração e conta-bilidade contribuiu direta-mente no local. Ela ajudou a viabilizar o controle mais rí-gido e profissional da gestão financeira do abrigo. “O asilo estava quebrado”, lembra.

Foi neste período, que a Uni-derp, por meio da Unidéias, do curso de Publicidade e Propaganda, em parceria com o lar de idosos, lançou a logo-marca. Isso serve para facilitar a campanha, padronizar os re-cibos de doações e personali-zar produtos que são vendidos para ajudar na arrecadação de recursos.

Para Márcia, “as empresas se sentem desestimuladas a fazer doações”. O motivo, segundo ela, é a baixa dedução conce-dida pelo governo, no Imposto de Renda, em caso de contri-buição para casas de idosos.

Em 2003, uma campanha promoveu leilões de obras de arte. Os lances eram ofe-recidos pela internet e a ren-da seria revertida para o asi-lo. Mas não houve interesse em comprar as telas. Márcia não entende o a razão de as pessoas não terem tido moti-vação em ajudar.

Segundo a entrevistada, a capital tem uma população que poderia apresentar mais doadores. O maior número de contribuintes é de baixa ren-da. Mas, outro fator que não motiva os mais ricos a doar também é o Imposto de Renda que, no caso de pessoa física, não tem desconto.

LUANA D’ARK

DIOGO RIBEIROLUÍS COPPOLA4º. SEMESTRE

Ana Rodrigues da Rosa nas-ceu no dia 10 de fevereiro de 1921. Atualmente, reside no Asilo São João Bosco. Rela-tou que adora morar ali, pois tem sempre muita companhia. Gosta, ainda da missa de São João Bosco, à qual sempre es-tá presente, e do carinho que recebe lá. Ela mesma afirma: “Prefiro ficar aqui, ao invés de ficar sozinha em casa". Ana Rodrigues é viúva. Seu marido faleceu de asma. No casamen-to, tiveram três filhos: dois homens e uma mulher. Hoje, ela já tem quatro netos e cinco bisnetos. O bisneto mais velho já está com 13 anos.

Ao falar de seu filho mais novo, Irineu, ela se emociona. Irineu foi assassinado com 28 anos, em Dourados. Ela acha

Mãe emocionada fala de seufilho assassinado em Dourados

que o autor do assassinato se-ria uma ex-nora sua, que ao ser trocada por outra mulher, o teria matado por ciúmes. Po-rém, ela não afirma nada, ape-nas relata a sua suspeita, ba-seada no fato de que, segundo ela, seu filho teria sido avisado da morte pelo seu irmão mais

velho. Mas ele não acreditou.Já sua filha a visita todos

os domingos, após o almoço, junto com sua irmã. Sua filha é enfermeira em um hospital e não tem muito tempo para ficar com Ana, que repete: “Prefiro ficar aqui, ao invés de ficar sozinha em casa”.

Seu genro trabalha no quar-tel, e um de seus netos mora atualmente, em Miami, nos Estados Unidos. Contando-nos sobre sua rotina no asi-lo, relata que não pode andar muito, pois tem, segundo ela, a "doença do papa", e anda em uma cadeira de rodas.

Por isso, depende de funcio-nários para levá-la aos lugares de que gosta. O que sempre dá um jeito é de ir às missas. À noite, ela dorme cedo, logo após o jantar, mas conta que seus colegas ficam até tarde assistindo à televisão e passe-ando pelo jardim.

Ana espera para ser levada à missa

DIOGO RIBEIRO

GUILHERME DE ALMEIDAGUILHERME TELÓ4°. SEMESTRE

Antônia de Almeida, dona-de-casa, contribui presencial-mente, sempre que tem dispo-nibilidade, seja em doações e com visitas. Demonstra uma questão de responsabilidade social com as pessoas idosas que construíram a história, com muito trabalho e sem o merecido reconhecimento de tantos esforços que, ao longo do tempo, passaram por diver-sas mudanças e nada trataram em respeito dessas pessoas.

Ela acredita que, muitas ve-zes, a presença é, fator como já muito comentado por vários colaboradores, bastante repre-sentativo para os idosos que vivem em depressão ou triste-za pela ausência dos familia-res. Ponto sempre crucial por falta de diálogo ou convívio. A sensação de proximidade e histórias são a retribuição que se recebe por colaborar. Muitos

que doam nem fazem questão de lidar com o principal: a vi-da.

Faustino Miyashiro, aposen-tado, de poucas palavras e di-reto, revela que sempre ligam para saber se irá contribuir e, devido a alguns contratem-pos, contribui materialmente (fraldas) ou com as doações de R$10,00 há quase 15 anos. De-dica-se no tempo livre, cola-borando, principalmente, nos dias festivos (Natal, Páscoa, Dia das Mães...). Suas sobri-nhas fazem, sempre que pos-sível, churrascos beneficentes e almoços para arrecadar con-tribuições para o desenvolvi-mento do asilo.

Dificuldades para arrecadar verbas

GUILHERME TELÓ

Contribuição pela convivência