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Universidade Anhembi Morumbi Anderson Luis da Silva Sistema de Ensino e Aprendizagem Baseado em Design: o design da autonomia como metodologia educacional. Tese de Doutorado Doutorado em Design Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu São Paulo, fevereiro/2019

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Universidade Anhembi Morumbi

Anderson Luis da Silva

Sistema de Ensino e Aprendizagem Baseado em Design:

o design da autonomia como metodologia educacional.

Tese de Doutorado

Doutorado em Design

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

São Paulo, fevereiro/2019

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Universidade Anhembi Morumbi

Anderson Luis da Silva

Sistema de Ensino e Aprendizagem Baseado em Design:

o design da autonomia como metodologia educacional.

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto

Sensu em Design – Doutorado, da Universidade Anhembi

Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título

de Doutor em Design.

Área de Concentração: Teoria, História e Critica do

Design.

Orientadora: Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes

São Paulo, fevereiro/2019

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Anderson Luis da Silva

Sistema de Ensino e Aprendizagem Baseado em Design: o design da autonomia como metodologia educacional.

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Design – Doutorado, da Universidade Anhembi

Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Design.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes Orientadora

Profa. Dra. Beatriz de Almeida Pacheco Universidade Paulista (UNIP)

Profa. Dra. Tatiana Cabral Couto Centro Universitário Senac – SP (CAS)

Profa. Dra. Mirtes Marins Oliveira Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe Universidade Anhembi Morumbi

São Paulo, fevereiro/2019

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do

trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

Anderson Luis da Silva

Graduado em Design em Multimídia pelo Centro Universitário Senac – SP (2002). Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista – UNIP (CAPES 4). Pesquisador e docente do Centro Universitário Senac – SP (2003 – atual).

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Dedicatória

Ser pai é ser modelo, o porto seguro erigido em um abraço;

É o olhar de aprovação e às vezes também o de não;

Ser pai é ser exemplo, o manifesto da verdade desejada;

É a proteção de uma mão em auxílio e duas unidas em oração; Ser pai é idolatrar a próle,

e a ela ser intensamente dedicado; É viver embalado pelo terno sorriso,

ser ombro amigo, é estar lado à lado.

Às minhas filhas, Lorena e Catarina.

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Agradecimentos

Aos meus amigos e amigas, fiéis companheiros e companheiras de jornada, os

quais foram ouvidos, bocas, olhos, mãos, ombros e doadores dos infinitos

abraços sem os quais quedaria por aí.

Em especial à:

Henrique Okuda e Flávia Leal, parceiros de longa data, referências na

cumplicidade e companheirismo que edificam o dia a dia;

Rosania Rodrigues, amada amiga que tanto contribuiu para o meu equilíbrio

emocional, principalmente nesta reta final;

Tatiana Couto, pelo carinho e permanente troca, pelos ensinamentos e

direcionamentos que determinaram os rumos deste estudo;

Beatriz Pacheco, referência de força, talento e determinação. Seu apoio e

generosidade foram cruciais a esta construção;

Fátima Aparecida Tiede, minha mãe. Mulher forte e dedicada, alicerce

absoluto de toda esta jornada;

Priscila Arantes, orientadora deste estudo, cuja condução, generosidade e

correção dos equivocados rumos permitiram o seu desenrolar;

Companheiros de Senac, Lilian Ferreira, Simone Freitas, Gustavo Menon,

Fernando Estima, Júlio Freitas, Luiz Felippe, Robson Santos, Ivaldo Moreira

e tantos outros com quem pude dividir um pouco deste processo;

Professores e colegas do PPGDesign da Universidade Anhembi Morumbi, o

convívio com vocês foi enriquecedor.

A Universidade Anhembi Morumbi – UAM, por ter subsidiado esta tese com

bolsa integral concedida no ingresso ao PPG.

Por fim, às minhas meninas Lorena e Catarina, obrigado por existirem em minha vida. Papai as ama!

In memoriam: Hans Tiede e Gina dos Prazeres, avós queridos. Obrigado!

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A natureza nos põe no aberto, em plena liberdade; somos nós que nos pomos no fechado, nos carregamos de cadeias e nos aprisionamos no pequeno canto que escolhemos por morada.

Plutarco (46 d.C. – 120 d.C.)

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Resumo:

A pesquisa parte do pressuposto de que o homem, no conjunto de suas

competências teórico-técnicas, sofreu em função de determinações sociais

decorrentes dos eventos socioeconômicos e culturais advindos do período

histórico definido por Modernidade, entre os quais, o Movimento Iluminista, a

Revolução Industrial e a instituição da Escola compulsória, um processo de

circunscrição operacional e de autonomia produtiva. Deste modo, coube a este

homem uma relação cada vez mais distanciada e intermediada entre os seus

imperativos à manutenção da vida e o modo pelo qual articula a sua obtenção.

Entendeu-se assim, que em função de tal condição e frente a um contexto

presente e futuro que acena a um premente esgotamento dos recursos e

condições materiais e imateriais necessários à manutenção do sistema produtivo

e de consumo industriais tais quais os implementados sob a égide do

Capitalismo, a necessidade de uma atuação efetiva nos processos de

desenvolvimento e aprimoramento teórico, técnico e de apropriação tecnológica

em função das incipientes demandas contextuais locais e globais. Promoveu-se

por meio de um levantamento e análise relacional teórica com base nos escritos

e pesquisas de autores das áreas concernentes ao estudo, e em suas relações

com as práticas de ensino e aprendizagem na contemporaneidade, sejam elas

alicerçadas no tradicionalismo histórico ou na disrupção metodológica e

procedimental, a formulação de um sistema de ensino e aprendizagem que

possibilite o desenvolvimento do design da autonomia como competência

elementar na formação dos indivíduos para o século XXI.

Palavras-chave: Design, Ensino, Aprendizagem, Técnica, Design da

Autonomia.

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Abstract:

The research starts from the assumption that man, in the set of his theoretical

and technical competences, suffered as a result of social determinations resulting

from the socioeconomic and cultural events arising from the historical period

defined by Modernity, among them the Illuminist Movement, the Industrial

Revolution and the institution of the compulsory School, a process of operational

circumscription and productive autonomy. In this way, this man has a more and

more distanced and intermediated relationship between his imperatives to the

maintenance of life and the way in which he articulates his attainment. It was

understood that, due to this condition and against a present and future context

that calls for a pressing exhaustion of resources and material and immaterial

conditions necessary for the maintenance of the industrial production and

consumption system, such as those implemented under the auspices of the

Capitalism, the need for effective action in the development processes and

theoretical, technical and technological appropriation improvement due to the

incipient local and global contextual demands. It was promoted by means of a

survey and theoretical relational analysis based on the writings and researches

of authors in the areas related to the study, and in their relations with

contemporary teaching and learning practices, whether based on historical

traditionalism or methodological disruption and procedural, the formulation of a

system of teaching and learning that allows the development of the design of

autonomy as elemental competence in the formation of individuals for the 21st

century.

Keywords: Design, Teaching, Learning, Technique, Design of Autonomy.

.

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Sumário:

Introdução .............................................................................................. 13

1. Técnica: da autonomia à dependência. ........................................ 20

1.1. O homem técnico ...................................................................... 20

1.2. Artefatos e mediações ............................................................... 26

2. Modernidade e cultura .................................................................. 33

2.1. Modernidade: design do social .................................................. 33

2.2. Cibercultura: universalização social .......................................... 44

3. Design e potência ......................................................................... 55

3.1. Design: somos o que fazemos .................................................. 55

3.2. Design: conceito e acepções ..................................................... 57

4. Ensino e aprendizagem ................................................................ 74

4.1. Ensino: design do ser ................................................................ 74

4.2. Formação: ensino e cultura ....................................................... 75

4.3. Aprendizagem: mediações e experiências ................................ 76

4.4. Escola: ambiência e contenção ................................................. 80

4.5. Pedagogia: ideias e ideais ......................................................... 86

5. Design da autonomia: um sistema de ensino e aprendizagem. ... 98

5.1. Dimensões Dialógicas do Design (DDD) ................................. 102

5.2. Disposições Ambientais da Aprendizagem (DAA) ................... 114

5.3. Determinantes Curriculares e Contextuais - DCC ................... 121

Conclusão ............................................................................................ 127

Bibliografia ........................................................................................... 131

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Lista de Figuras:

Figura 1: O flautista e o tamborileiro de Vaucanson - 1738 ............................. 31

Figura 2: Compêndio Histórico ......................................................................... 33

Figura 3: Ilustração da primeira exposição internacional em Londres - 1851 .. 43

Figura 4: Máquina Enigma ............................................................................... 50

Figura 5: Máquina Colossus ............................................................................. 50

Figura 6: Grafo de redes de Paul Baran ........................................................... 52

Figura 7: Dimensões Semânticas do Design.................................................... 56

Figura 8: Design, motivação e competências ................................................... 71

Figura 9: Teoria Sociocultural - Lev Vygotsky ................................................ 100

Figura 10: Matriz DDD .................................................................................... 103

Figura 11: Pirâmide da aprendizagem de Glasser. ........................................ 109

Figura 12: Ilustração de uma sala de aula no Séc. XIX ................................. 114

Figura 13: Escola localizada na zona rural do estado do Pará....................... 117

Figura 14: 1- EMEI Amorim Lima; 2 - CIEJA Campo Limpo; 3 - Projeto Âncora;

4 - EMEI Campos Salles. ............................................................................... 119

Figura 15: 1- Bali's Green School; 2 - Steve Jobs School; 3 - Saunalahti school;

4 - Sra Pou Vocational School. ....................................................................... 120

Figura 16: Determinações Curriculares Contextuais - DCC ........................... 123

Figura 17: Dimensões constituintes – Design da Autonomia ......................... 126

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Exemplo de distribuição curricular horizontal na Matriz DDD. ........ 105

Tabela 2: Exemplo de distribuição curricular vertical na Matriz DDD. ............ 105

Tabela 3: Matriz DCC ..................................................................................... 124

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INTRODUÇÃO

A tese aqui apresentada busca discorrer sobre a hipótese de o contexto

social que se seguiu à modernidade ter implicado em um distanciamento do

homem de sua amplitude e domínio técnico, o conformando às necessidades

operativas das diversas linhas de produção em âmbitos materiais e imateriais

dos contextos sócios-econômicos e culturais humanos.

Objetiva-se assim a concepção de um sistema de ensino e aprendizagem

que possibilite o desenvolvimento de competências teóricas e técnicas, em

relação aos dispostos contextuais manifestos nas disponibilidades de recursos

tangíveis e não tangíveis, bem como, na apropriação e inter-relação da

tecnologia às demandas e requisitos projetuais locais e globais.

Fez-se uso fundamentalmente de uma pesquisa amparada na aquisição

teórica baseada na produção de autores notórios aos campos de estudo

requeridos neste texto, em conjugação à análise e observação empírica no

âmbito escolar, em especial em suas dimensões didático-pedagógicas,

ambientais, administrativas e curriculares.

Apropriou-se também da leitura e análise de tais ambiências e

determinações educacionais efetuadas por outros pesquisadores, em função de

uma ampliação do espectro observável de tais conjunturas no contemporâneo.

O contexto social contemporâneo, demanda atitudes diferentes em

relação aos processos de ensino e aprendizagem, que em função de uma

formação cidadã que se baseie em uma autonomia heterogênea alinhada aos

preceitos vinculantes e de demandas inerentes aos coletivos sociais.

A sociedade hodierna descreve uma Era onde as designações que

constituíram a utopia moderna jazem ultrapassadas. O advento da máquina

automática, propulsora da produção fabril e a consequente organização da

política e da economia capitalista, moldaram o espectro do social à medida que

conduzia a humanidade a um período repleto de incertezas (HARARI, 2018).

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A produção artesanal, caracterizada pela expressão e registro técnico,

deu lugar, ainda no século XIX, à circunscrição especializada de operação

maquínica, tais ocorrências gradativamente afastavam do homem o domínio do

projeto, compelindo-o ao da operação.

O êxodo rural europeu provocado pela insurgência e proliferação da

indústria nos grandes centros urbanos consumiu, em primeira instância, a

autonomia daqueles que se entregaram ao flagelo, decorrendo em falência

social e proliferação da miséria.

A ideia de melhores condições de vida ocasionadas pelo progresso

impresso no desenvolvimento industrial e tecnológico implicou, historicamente,

na potencialização das diferenças socioculturais, na escassez de recursos, na

manutenção da adversidade, na proliferação da intolerância.

A massa faminta alimenta as caldeiras industriais, fustigam suas

liberdades em função do discurso do proletariado1, que estigmatiza filhos e

netos, em um processo de manutenção da cúria serviçal.

A formação da classe operária, vale aqui o distintivo para o termo operário,

que compele ao apêndice funcional do maquinário, se deu em meio a grande

profusão de acomodamentos sociais.

Objeto de estudo de Marx (1818 – 1883) à Arendt (1906 – 1975), a

modernização do mundo e suas decorrências, nos âmbitos das relações

humanas, produtivas, econômicas e socioculturais, ensejaria a efetivação do

contemporâneo enquanto distopia do ideal moderno. Mas a qual ’mundo‘ se

refere esta introdução? Em tese o mundo contemporâneo possui inúmeras

culturas que dividem e compartilham o planeta, cada qual com um conjunto

identitário próprio e disjuntivo.

No entanto, tais características acabam por ser circundadas por uma

cultura contemporânea global, ou seja, o exotismo impresso nas diversidades

1 Do Latim proles, “filho, descendência, progênie”) (CUNHA, 2010, p. 524).

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camufla-se nas mesmas estruturas que compõe os pilares civilizatórios

contemporâneos.

Guardadas as diferenças, o que impera são as semelhanças entre os

Estados nações, desta forma não há grandes variações quando se observa os

seus sistemas socioeconômicos, por exemplo.

Independente dos princípios políticos e religiosos, as nações

complementam-se em um sistema global de mercado, que seguem as mesmas

diretrizes e implicam os mesmos resultados, e isto provoca a homogeneização

das práticas (HARARI, 2018).

Dez mil anos atrás o gênero humano estava dividido em incontáveis tribos isoladas. A cada milênio que passava, elas se fundiam em grupos cada vez maiores, criando cada vez menos civilizações distintas. Nas gerações recentes as poucas civilizações remanescentes têm se mesclado numa única civilização global. (HARARI, 2018, p.131).

Conforme aponta Harari (2018) o processo de fusão entre os diferentes

povos é de certo modo um imperativo da própria humanidade, no sentido em que

a coligação tende a fortalecer o grupo.

O que se desenhou, no entanto, a partir da Modernidade foi um processo

amplo e acelerado de conformações socioculturais que se inicia em um ideal

eurocêntrico e passa gradualmente a permear outras culturas e nações ao redor

do mundo.

Além da economia, se analisados comparativamente, encontra-se

semelhanças nas estruturas políticas, religiosas, sociais e educacionais dos

mais diversos países, tais sinergias ancoradas em determinações originárias na

produção em massa, fomentaram ao longo do tempo a constituição de uma

monocultura baseada na narrativa do capital.

A "monocultura" do capitalismo industrial no século XX, sob o ponto de vista das relações sociais, viu florescer a chamada "cultura de massa", forma compacta de denominar a destruição da diversidade de práticas e valores originários de uma miríade de pequenos grupos tradicionais em nome de uma homogeneização, material, imaginária e simbólica, promovida pelo aparato técnico e institucional da chamada "Indústria cultural". Do ponto de vista mais abstrato, a própria

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Modernidade, da qual o capitalismo industrial deriva, pode ser encarada como um movimento de padronização cultural, elevando ao status de neutralidade universal um conjunto de valores e práticas típicos do pensamento eurocêntrico, como a racionalidade técnica, a democracia representativa e as liberdades individuais. (CAZELOTO, 2008, p.5).

Amparando-se nas reflexões de Cazeloto (2008) pode-se considerar que

o período histórico nomeado por Modernidade está para sociedade

contemporânea, tal qual a escola fundamental está para as crianças. Ou seja, a

Modernidade como um período de formação e conformação do social global aos

aspectos concernentes do sistema econômico em implementação, o do capital.

Na primeira metade do século XX delineou-se uma força ainda mais

impactante no que diz respeito aos desígnios do homem médio, a cibernética.

Por meio desta ciência inaugurada enquanto discurso por Norbert Wiener

(19482) desenvolveram-se as tecnologias computacionais que em poucos anos

ganhariam o protagonismo nas relações sociais globais.

A ciberculturalização das relações humanas tencionou ainda mais as

amarras do homem aos processos de produção em massa, a máquina

miniaturizada na contemporaneidade está nos bolsos dos indivíduos e ascende

às mãos para ser operada várias vezes ao dia.

Este perene trabalhar, fomenta o adiamento da vida enquanto um

conjunto complexo de escolhas conscientes e deliberadas, que é substituída por

uma sobrevida, ou seja, uma camada incipiente de existência que se constitui na

imaterialidade das mediações em função de um potencial produtivo obrigatório

(BAUMAN, 2001, 2008, 2009); (FLUSSER, 2007, 2008); (ORTEGA Y GASSET,

1982).O olhar para o futuro pouco tem a desanuviar, as constantes

transformações que o desenvolvimento tecnológico impôs, tornou o momento

presente carregado de efemeridades, a falta de narrativas encurta as

perspectivas do cidadão contemporâneo, que reconfigurado torna-se adendo

produtivo de um sistema que enseja o consumo.

2 Ano da primeira edição do livro “Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos”.

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Não se trata, porém, de um consumo para a vida enquanto

essencialidade, mas de um impulso ostentatório, efêmero e manutensor do

ímpeto produtivo em função de um vazio de sentidos. “Só as classes

privilegiadas têm direito à atualidade dos modelos. Os outros têm direito a ela

quando os modelos já mudaram”. (BAUDRILLARD, 1995, p.37).

Deste modo, torna-se cíclico e perene a busca pelo inalcançável, este

desejar que se distancia da função dos objetos, valor de uso, e incorre em sua

simbologia, valor percebido, e que provê a manutenção do status diferenciador

das camadas do social.

Tais características colocam em dúvida até mesmo a relevância do

humano3 frente a uma constituição social que tende à misantropia. O

desenvolvimento cada vez mais acelerado das inteligências artificiais (IAs)

apontam para superação, pelas máquinas, do potencial criativo humano

(Kurzweil, 2005). Vale o adendo, que o potencial técnico e produtivo do homem

já fora superado durante o século XX.

Os efeitos globais de uma sociedade hiper-consumidora já se fazem

sentir. O aquecimento atmosférico, o acumulo de lixo nos continentes e oceanos,

a extinção em massa da flora e fauna4, são características do momento histórico

que passamos e ensejam diversos debates e pesquisas na atualidade.

A questão que se coloca neste momento é a de quais são as

competências e recursos que ainda restam a uma maioria ingênua para que

sobrevivam em um mundo que se constitui para poucos, ou mesmo, para

nenhum?

Há uma percepção que enseja este estudo, que tais competências, aqui

descritas por técnica, foram perdidas ou não desenvolvidas em função de

determinações sociais que, ao longo dos últimos séculos, compeliram os

homens ao declínio do mérito e potencialização das dependências.

3 No sentido do outro, alteridade. (Nota Nossa) 4 Em estudo recente, cientistas apontam que estamos em meio ao sexto grande período de extinção em massa do planeta Terra. (CEBALLOS et all, 2017).

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O olhar para trás em busca de determinações que conduziram a este

estado de latência social que enseja uma pós-humanidade, seja ela descrita por

um aperfeiçoamento do homem ou pela sua extinção, torna evidente como um

de seus vetores, os processos de ensino e aprendizagem.

O design que surge em sinergia à industrialização e produção em massa

assume neste texto um papel, em tese, emancipador. O que se apresenta é o

desenvolvimento de um conjunto metodológico, técnico e epistêmico, que

possibilite um ambiente escolar que contemple as pluralidades em consonâncias

às características sociais contemporâneas e futuras, bem como, uma sinergia

contextual que fomente a sustentabilidade.

Considera-se aqui o papel democratizador do ensino, no sentido que este

tende a propiciar a emancipação dos indivíduos, bem como, o preparo pleno

para um futuro de incertezas que se desenha na velocidade luz que percorre o

mundo cabeado na produção e distribuição de dados.

Esta tese divide-se em quatro pilares teórico-conceituais que confluem

para a sua proposição, sendo eles: a questão da técnica e da tecnologia; o

compêndio social moderno e suas determinações, o design enquanto

substantivo e verbo, e o ensino e a aprendizagem como ordenadores e

delimitadores da ação individual e coletiva.

No primeiro capítulo utiliza-se a articulação dos escritos de Flusser (2007,

2008, 2011b), Stiegler (1994), Heidegger (2007), Ortega Y Gasset (1982),

Puentes (2015), Schiavoni (2014a) e Sennett (2013). Busca-se assim a

construção de uma ilustração do conceito de técnica enquanto habilidade nata

em potência, mas manifesta no desenvolvimento autônomo e/ou mediado.

O segundo capítulo tece um cenário de determinações contextuais para a

insurgência de uma nova ordenação socioeconômica e cultural de grande

escala, as quais projetam e efetuam um novo paradigma coletivo global.

Dentre os autores que corroboram a esta leitura cito Barbrook (2009),

Flusser (2007, 2011b), Harari (2011), Huberman (1981), Postman (1992),

Rüdiger (2011), Weber (2004), Wiener (1968) e Wolff (2002).

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No terceiro capítulo envereda-se pela ampliação conceitual do

entendimento de design, e seu papel nas relações produtivas e na construção

de espaços materiais e imateriais destinados à vivência humana.

Os principais autores que embasam tais considerações neste sentido são,

Bonsiepe (2011), Cardoso (2008), Flusser (1999, 2007, 2002a, 2002b), Forty

(2007), Heskett (2008), Highmore (2014), Moura (2005, 2011), Papanek (1977)

e Salustri e Eng (2007).

O capítulo quatro traça um panorama histórico-conceitual sobre os

sistemas, instrumentos e métodos de ensino e aprendizagem, em especial, em

sua vertente moderna e pós-moderna. Discute-se assim as determinações e

decorrências de tais estruturas no alicerçamento socioeconômico e cultural da

sociedade contemporânea.

No capítulo cinco apresenta-se a proposição que nomeia este texto,

sistema de ensino e aprendizagem baseados em design, suas estruturas e

alinhamentos a teorias, instrumento e métodos oriundos das teorias de ensino e

aprendizagem, em relação às conjecturas contextuais contemporâneas.

Utiliza-se assim como fundamento os estudos de Abbagnano Y

Visalberghi (1964), Aranha (1996), Azevedo Et al. (1932), Bentley (2001), Cobra

(1996), Dewey (1958a, 1958b), Ferrière Et al. (1922), Gardner (1994), Harari

(2018, 2019), Lefrançois (2016), Piaget (2010), Sodré (2012), Teixeira (1971),

Vygotsky (1978) e Westbrook (2010).

A relação de design e educação se dá, em geral, no entendimento

reducionista do conceito como acepção contemporânea ao termo projeto. O que

se pretende com este estudo é o alargamento desta abordagem, colocando o

design enquanto competência, ou seja, a interface pela qual processam-se os

registros e interferências humanas em seu mundo material.

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1. TÉCNICA: DA AUTONOMIA À DEPENDÊNCIA.

[...] a técnica é anterior à ciência, já que dela procedem as condições de possibilidades para a emergência do conhecimento científico. (SODRÉ, 2012, p.32).

1.1. O HOMEM TÉCNICO

O homem hábil, possuidor de destreza e inteligência converge ao homem

técnico. O termo habilidade deriva do Latim hăbĭlĭtās – ātis (CUNHA, 2010, p.330)

e designa o talento, a aptidão e a capacidade de realização de algo.

A raiz etimológica da palavra ‘técnica’ está no grego techno-, originário de

téchnē e possui em sua designação o sentido de arte ou habilidade, sendo a

técnica o método pelo qual se dá a execução particular destinada à produção de

algo ou determinado fim. (CUNHA, 2010, p.626).

Deste modo o homem técnico é o homem hábil, por sua vez, ser detentor

de habilidade equivale a ser possuidor de autonomia, o elemento complementar

‘auto’ do grego autós designa aquilo que é de “si mesmo, por si mesmo,

espontaneamente” (CUNHA, 2010, p.70), no mundo natural o homem

desprovido da técnica tenderia a presa e não a predador.

O domínio técnico é condição da autonomia, o homem inábil fica à mercê

do que o rodeia. A inabilidade cerceia a liberdade e torna-se limitadora da vida.

Flusser (2008, p. 107) aponta que “a liberdade é, dentre todos os ideais, o mais

belo [...] é ele sinônimo da dignidade. Algemas, cárceres, limitações são indignas

da mente”, a liberdade enseja a experiência, e esta por sua vez retroalimenta a

cultura e a técnica.

A superação da natureza, primeiro pela técnica (habilidade de) e depois

pela ciência (conhecimento sobre), conferiu ao homem a liberdade (autonomia).

Não haveria a necessidade de estar à mercê dela, a natureza, colocar-se-ia ela

a disposição dele, o homem.

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A natureza é o campo de exercício técnico do homem, ou como apontou

Flusser (2008, p.108), “a natureza é o objeto da mente”, e como tal converte-se

em determinações de seus atos e instrumentais técnicos.

O mundo fenomenal é devorado pela mente (estágio do aprender). Em seguida é engolido (estágio do aprender englobante). O próximo passo é a digestão (estágio do compreender), e os detritos são expelidos (estágio da ação transformadora). (FLUSSER, 2008, p.122).

O desenvolvimento técnico-instrumental do indivíduo está intimamente

relacionado às experiências5 às quais ele se submete ou é submetido ao longo

de sua vida. Estas por sua vez são interseccionadas pela cultura, e assim a

multiplicidade técnica manifesta-se de modo particular nos diferentes

agrupamentos humanos, ou seja, a técnica é contextual.

A cultura é o médium, do lat. mĕdĭum que está no meio (CUNHA, 2010,

p.417), o intermediário entre a técnica e o homem. Esta relação, no entanto,

tende a não ser tão sistemática, pois a própria cultura constitui-se da técnica e

em parte nela se fundamenta.

A técnica é o modo pelo qual o homem se relaciona com o mundo

material, sua interferência no que é tangível reverbera o intangível, ou seja, as

estruturas socioculturais se amparam na consciência humana, e esta por sua

vez na cultura humana, sendo estas inerentes à técnica.

Os sistemas técnicos estão intimamente ligados ao sistema sociocultural6

humano, diference-se do instinto por este estar relacionado a preservação e

manutenção da vida, o termo instinto do lat. instinctus refere-se a impulso

(CUNHA, 2010, p.360), excitação natural frente as necessidades biológicas, o

instinto é punção.

Sistema se caracteriza por um “conjunto de elementos, materiais ou

ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação, método,

processo”. (CUNHA, 2010, p.600).

5 Grifo nosso. 6 Utiliza-se aqui a amplitude das realizações humanas que prestam-se a articulação e organização da vida em comunidade e em sua atribuição de significado. Nota nossa.

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Não se sobrepuja a natureza com a simples coletividade. As manadas

percorrem as savanas alheias a tudo aquilo que não implicam aos requisitos da

vida ou a manutenção desta, a natureza só pode ser superada por meio da

técnica.

A técnica deste modo se sobrepõe ao instinto no sentido que torna o

irrefletido replicável, escalável e sobretudo passível de aperfeiçoamento, tais

atributos são inerentes aos sistemas técnicos, deles decorrem e a eles

determinam.

Um sistema técnico constitui uma unidade temporal. É a estabilização da evolução técnica em torno de um ponto de equilíbrio que se concretiza em uma tecnologia em particular. ‘Estas relações só podem se estabelecer e se tornar eficazes, se um nível comum em relação as técnicas se encontra realizado, incluindo o nível destas técnicas em relação as demais’ [...] assim em torno a um ponto de equilíbrio é estabelecido uma espécie de media técnica. (STIEGLER, 1994, p.54).

Durante a maior parte do desenvolvimento socioeconômico e cultural da

humanidade a técnica foi um atributo dos humanos e não dos instrumentos

humanos. Os instrumentos fomentavam novas técnicas, potencializavam a

interferência do homem em seu meio de existência, mas não substituíam o

domínio técnico, em contrário, os implicavam.

A técnica era assim o médium entre o corpo e o instrumento, da cultura o

impulso inicial à manifestação técnica, pelo instrumento sua interferência

finalística no mundo percebido.

Heidegger (2007, p.06) aponta, no entanto, que “a técnica não é [...]

meramente um meio. É um modo de desabrigar”, ou seja, a técnica como

atividade produtiva implica na produção de algo, e essa produção nada mais é

que o revelar daquilo que ali jazia oculto.

O produzir leva do ocultamento para o descobrimento. O trazer à frente somente se dá na medida em que algo oculto chega ao desocultamento. Este surgir repousa e vibra naquilo que denominamos o desabrigar <Entbergen>. Os gregos têm para

isso a palavra αλήθεια. Os romanos a traduzem por “veritas”. Nós

dizemos “verdade” e a compreendemos costumeiramente como a exatidão da representação. (HEIDEGGER, 2007, p.06).

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Este perene descobrir motivado pelo exercício técnico, estabelece a

noção de realidade, ou verdade como apontou Heidegger (2007). A verdade,

subjetiva ou objetiva, possibilita a construção individual e coletiva do mundo

material e imaterial, estabelece-se como elo sociocultural e substrato técnico.

Para o homem ancestral encontrar uma pedra, agarrá-la e arremessá-la

contra um animal a fim de o abater ou afugentar, era instintivo. Desenvolver a

habilidade do arremesso preciso implicava o desenvolvimento técnico. Lascar a

pedra e torná-la pontiaguda e afiada para que desta forma fosse mais eficaz ao

atingir o alvo, era técnica decorrente da técnica. Acoplá-la a um graveto e assim

gerar maior alcance, estabilidade e eficiência ao propósito do abate, técnica da

técnica da técnica, ou seja, sistema técnico cultural, ou como aponta Heidegger

(2007): Gestell7 (estrutura).

A motivação ampara-se no inevitável, implica em ação humana e por

conseguinte em desenvolvimento cultural e técnico. Uma nova técnica requer o

domínio do nível anterior, ou seja, sistemas técnicos culturais.

Não existiria a lança sem a destreza do arremesso da pedra, a conjunção

técnica implica no desenvolvimento de novas técnicas, a lança surge do

desabrigar da ponta de pedra, a “técnica é um modo de desabrigar. A técnica se

essencializa no âmbito onde acontece o desabrigar e o desocultamento, onde

acontece a verdade (άλήθεια).” (HEIDEGGER, 2007, p.7).

Não há universalidade na técnica, apesar de ser passível de transmissão,

ensino, treinamento e aprendizagem8, ela se manifesta sempre no âmbito do

individual, ou seja, em um mesmo grupo diferentes integrantes desenvolvem

técnicas levemente diferentes para um mesmo propósito. Diferenças físicas

como estatura, flexibilidade, força e aptidão intelectual podem interferir no

desenvolvimento técnico de pares.

Do mesmo modo, populações afastadas geograficamente, mesmo que

compartilhassem de instrumental semelhante, acabaram por desenvolver

7 O filosofo alemão Martin Heidegger utilizou este termo para descrever aquilo que chamava de essência da tecnologia. Para o autor a tecnologia não era apenas um meio para determinado fim, mas como inerência da natureza humana. Aquilo que se apresenta, estrutura-se culturalmente e assume a dimensão da realidade (verdade), não é um acaso, mas uma inevitável decorrência. (Nota Nossa). 8 Grifo nosso.

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domínios técnicos distintos. A multiplicidade técnica é característica do corpo

orgânico, a interferência humana decorrente do exercício técnico no espaço

natural não se dá de modo uniforme, segue, mesmo que baseadas em um

mesmo espectro cultural de determinações, o fluxo natural da produção de

diferenças. A natureza9 não é homogeneizante.

Outro ponto de atenção e implicação técnica está no instrumento, mesmo

que destinado a determinado exercício técnico, como é o caso do exemplificado

abate de um animal pela lança, pode se prestar a outras atividades a que

tecnicamente for demandado, como uma alavanca para mover algo pesado, um

prolongador do braço para alcançar algo distante, ou ferramenta para entalhe e

inscrições nos pontos de passagem.

O uso que se confere ao instrumento depende muito mais da necessidade

premente e do domínio técnico e cultural presente do que da função primária

projetada

Boufleur (2013) discorre sobre esta improvisação utilitária do artefato a

qual denomina por “gambiarra” como ideia de improvisação em função da

premência a uma solução utilitarista a determinado problema ou necessidade.

Mesmo tal dimensão, a do improviso, requer previamente a articulação de

um espectro conceitual que envolve o saber projetual e operacional técnico a ser

empregado.

Soluções homogeneizantes, oriundas sobretudo dos parques industriais,

se postam como únicas e universais. A disrupção dos ditames do produto implica

em primeira instância na capacidade inventiva não necessariamente planejada

e na disponibilidade de recursos materiais e imateriais locais.

A técnica determina o uso do instrumento, e este modo de usar por sua

vez possibilitava o desenvolvimento de novas e diferentes técnicas e, por

consequência, instrumentais para que os diferentes grupos humanos possam

intervir em seu meio em função de suas habitabilidades.

Atos técnicos não são aqueles em que o homem procura atender diretamente as necessidades que as circunstâncias ou a natureza o faz sentir, mas precisamente aqueles que os levam a

9 Aquilo que existe independentemente das atividades humanas. (Nota Nossa).

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reformar essas circunstâncias, eliminando tanto quanto possível a partir deles essas necessidades ou diminuindo o esforço necessário para atingi-los. Enquanto o animal, sendo atécnico, tem que se contentar com o que é dado pela natureza ou então morrer tentando encontrar aquilo do que precisa, o homem, graças ao seu domínio técnico, busca trazer ao seu entorno o que lhe é necessário – ele, o homem, cria assim uma nova circunstâncias mais favoráveis a sua existência, uma sobrenatureza adaptada às suas necessidades. A técnica é o oposto da adaptação do sujeito ao meio ambiente, uma vez que é a forma pela qual prove-se a adaptação do meio ao sujeito. (ORTEGA Y GASSET, 1982, p.31).

A técnica é utilitarista, ou seja, destina-se a um fim preciso. Quando tal

intento técnico passa a ser atingido por outro meio, a técnica deixa de ser

necessária e, portanto, subjugada, deixa de ser exercitada.

O não uso implica em atrofia e compele o olvidar, o conjunto técnico de

domínio de determinada população não é cumulativo ou perene. Da mesma

forma com que se manifesta e desenvolve-se no curso histórico da humanidade,

gradativamente extingue-se.

Novas técnicas insurgem e eliminam as anteriores, esse processo de

apagamento, do mesmo modo que fomenta novas formas do fazer, colocam o

homem cada vez mais a mercê da intermediação instrumental tornando-o

dependente de seus artefatos mediadores.

A questão da técnica (Heidegger (2007), Stiegler (1994), Ortega Y Gasset

(1982)) esbarra inevitavelmente nos artefatos que dela decorrem, a mediação

dos atos técnicos e subsequentemente a apropriação técnica pelas máquinas,

sejam elas mecânicas, cibernéticas ou digitais, é o ponto central das reflexões

sobre o tema na contemporaneidade.

A técnica moderna está dominada pela cibernética como ciência organizacional, em sentido mais amplo há de remontarmos ao orgânico como instrumento para a organização característica da vida. Deste modo é como se programa o projeto da ciência cibernética de Wiener, e também é a ciência cibernética que Heidegger caracterizava como a ciência moderna. (STIEGLER, 1994, p.44).

Algumas técnicas no contemporâneo, no entanto, abandonam o corpo e

penetram o artefato, tornando-se em grande parte um atributo do instrumental

mecânico, cibernético e/ou digital; e não mais de um indivíduo ou agrupamentos

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em particular. Outras deixaram de ser exercitadas em função da disponibilidade

de obtenção do resultado ao qual se prestam por outros meios.

Tais determinações, como veremos, tangem propósitos socioculturais que

refutam a autonomia e a liberdade dos indivíduos em função da doutrinação à

submissão e dependência impostas pelo universal econômico. Cabe aqui

oportunamente, uma acepção possível ao ser escravo, a que alude ao ser

destituído enquanto indivíduo e ser transformado na ferramenta de algo ou

alguém.

No âmbito escolar, como veremos mais adiante, o desenvolvimento

técnico deveria estar dentre as principais competências a serem trabalhadas e

desenvolvidas por estudantes e educadores. No entanto, constantemente

esbarram nos inúmeros instrumentos de mediação que competem, modificam e

por vezes obliteram o desenvolvimento técnico e cientifico compelindo o alunado

ao reducionismo da memorização e ao saber descontextualizado.

1.2. ARTEFATOS E MEDIAÇÕES

Os artefatos técnicos contemporâneos são em geral os protagonistas

socioculturais, deles e por eles conferimos identidade aos indivíduos, estes por

sua vez abdicam de suas individualidades em favor do pertencimento a

determinado grupo onde os seus artefatos lhe conferem livre transitar.

A humanidade passou por um período onde os artefatos eram culturais e

em geral utilitaristas, isto é, prestavam-se à manutenção e desenvolvimento da

cultura local e/ou se prestavam a determinado fim, para um período onde os

artefatos são entes simbólicos universais.

Tal característica, que confere sentido à ideia de moda, só é possível em

sociedades onde há mobilidade social, mesmo que em geral tal mobilidade seja

ilusória ou remota (Baudrillard,1995).

Stiegler (1994, p. 71) trata desta universalidade da técnica por tecnologia,

ou “tecno-lógica”, ou seja, o acoplamento do homem aos seus artefatos, e estes

mecanizados e consecutivamente tornados cibernéticos, impõe dentre outras

questões a distribuição e uniformização da técnica.

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O termo artefato deriva do Latim arte factus ‘feito com arte’, por sua vez o

conceito de arte possui sua raiz etimológica no latim ars10, e este origina-se no

conceito grego de techné. (CUNHA, 2010, p.60).

Como visto a técnica configura-se na capacidade autônoma do indivíduo

de produzir algo a partir da articulação do saber teórico adquirido em relação aos

recursos tangíveis e intangíveis disponíveis em seu contexto. A técnica

compreenderia o conjunto articulado de saberes expressos através da ação do

corpo, seja ela autônoma ou intermediada por instrumento.

Como instrumento entende-se todo artefato que sirva de auxílio e/ou

potencialização do efeito de determinada ação física. Instrumento feitos de ferro

e destinado à ação laboral levam o nome de ferramenta do Latim ferramenta,

“instrumento ou utensílio de ferro” (CUNHA, 2010, p.290).

O conceito de técnica que utilizamos atualmente deriva da ars mechanica medieval incorporada e valorizada no pensamento da ilustração. Quando, na Era Moderna, a técnica encontrou a ciência viu-se o nascimento daquilo que atualmente é denominado de tecnologia. Responsável por fornecer suporte, status e poder à ciência, a tecnologia é, na contemporaneidade, uma técnica que emprega conhecimentos científicos. Corrige o equívoco, demoniza a falha e busca alcançar o grau zero de erro na geração e aplicação do conhecimento. Em outras palavras, afasta e elimina o patológico ao criar a norma. Esta é a utopia da técnica e da tecnologia partilhada pela ciência e pela razão, especialmente por aquela identificada por alguns pensadores como razão-prática. É nesse contexto das divisões e das especializações do conhecimento que tem origem o design. (SCHIAVONI, 2014a, p.3-4).

O termo ars não se restringia ao sentido de produção plástica, como

aponta Schiavoni (2014a, p.2), mas na expressão técnica da prática humana,

contudo não seria qualquer ação técnica caracterizada como ars, mas aquelas

10 "A noção de ars na idade Média vai ganhar variados usos e significados, em linhas gerais, a arte de bem fazer algo, isto é, o conceito de ars continua com a mesma acepção e atributos da téchne. Desde a ars amandi dos romanos, passando pela ars mechanica dos construtores de catedrais, chegando à ars moriendi dos monges medievais, o saber fazer vinculado à produção de conhecimento, de estudo, de observação a um conjunto de regras, continua sendo a tônica da concepção." (SCHIAVONI, 2014a, p.2) Ars amandi: termo em latim para um tratado pseudo-científico sobre a arte de amar, em geral contêm instruções ou orientações para o amante sobre como abordar e lidar com a pessoa amada. Fonte: http://www.encyclo.nl/. Ars moriendi: expressão em latim para a arte de morrer piedosamente. Empregada no encaminhamento da morte e na recomendação a alma do moribundo para o amor e o comportamento correto na hora da morte. Fonte: http://www.encyclo.nl/.

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na qual a sua execução conferisse atenção ao intuito da obra, ao processo

empregado e ao significado almejado, em síntese ao projeto.

Na Idade Média aquele que exercia às ars dava-se o nome de artifex,

termo que originou o conceito de artesão. Poder-se-ia então afirmar que o artista,

aquele que faz arte, é um artesão em primeira instância, e que a separação dos

conceitos do artista e do artesão se dá não pela característica de sua produção

empírico artesanal mas, como afirma (PUENTES, 2015, p.131), que “a arte se

gera apenas quando se é capaz de enunciar um juízo universal aplicável a

diversos casos semelhantes”.

O artesão vincula o seu exercício à experiência ou “pura factualidade de

algo, somente o seu ‘que’ e não o seu ‘porquê, ou seja, a sua causa” (PUENTES,

2015, p.131), já o artista atua na produção de mensagens.

O artista, na sua prática, procura imitar, mimetizar a natureza percebida como realidade verdadeira; estabelece com ela uma relação direta simulando aquilo que os olhos captam. Ora, sendo a realidade uma sombra do mundo verdadeiro, que para Platão é o mundo das ideias, o artista produz, por assim dizer, a cópia da cópia. É um gesto nefasto, na visão platônica, uma vez que o artista, com sua obra, reforça o engano da própria realidade e distancia ainda mais os indivíduos da verdade [...] caso seja correto identificar plástica, escultórica, arquitetônica e dos objetos de uso cotidiano do mundo antigo como realização da téchne, também o será quando identificarmos as artimanhas de Ulisses narradas por Homero na Odisseia. Este era apresentado como um mestre da téchne porque possuía grande poder de convencimento sobre os homens. Também era mestre na arte de safar-se das dificuldades que lhe impunham os deuses. Medeia, ela também uma mestra da téchne, a utilizava para se vingar de Jasão, seu marido traidor, ao orquestrar uma terrível vingança: matar a futura esposa de Jasão e, lhe infringindo dor maior, assassinar os próprios filhos que com ele teve. Tem-se aí o caso de um domínio de saber ligado à magia e, para os gregos, isto também é possuir téchne. (SCHIAVONI, 2014b, p.2).

Pode-se observar que a atuação produtiva destes atores na

contemporaneidade está amparada não nas possibilidades técnicas as quais o

artefato poderia vir a ser submetido, mas em contraposição, nas determinações

de uso destes.

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Stiegler (1994, p.102) ressalta que “a evolução técnica realça plenamente

o objeto técnico, o homem já não é o ator intencional desta dinâmica, é o

operador”.

Flusser (2007, p. 36) argumenta que o olhar para a história da

humanidade pelo viés da fabricação implica em dividirmos este período em

quatro momentos, ou seja, “o das mãos, o das ferramentas, o das máquinas e o

dos aparelhos eletrônicos”.

Fabricar significa apoderar-se (entwenden) de algo dado na natureza, converte-lo (umwenden) em algo manufaturado, dar-lhe uma aplicabilidade (anwenden) e utilizá-lo (verwenden). Esses quatro movimentos de transformação (Wenden) – apropriação, conversão, aplicação e utilização – são realizados primeiramente elas mãos, depois por ferramentas, em seguida pelas máquinas e, por fim, pelos aparatos eletrônicos. (FLUSSER, 2007, p.36).

Há uma gradativa transferência da técnica ao artefato tal qual descrito por

Flusser (2007), a técnica passa a ser determinada cada vez mais pelo aparelho

tecnológico até que em dado momento estes passam a dispor dos recursos

técnicos necessários à atividade produtiva, e deste modo aos homens restam o

seu resguardo e operacionalização.

O termo aparelho origina-se no Latim vulgar apparĭculāre que deriva de

apparāre que possui significado de ‘dar em ordem, preparar para utilização,

organizar’ (CUNHA, 2010, p.47).

Flusser (2007, p.38) aponta que “as ferramentas imitam a mão e o corpo

empiricamente; as máquinas, mecanicamente; e os aparelhos,

neurofisiologicamente”. O intercurso humano imbricado pelas artificialidades em

detrimento das limitações da natureza, converte ele, o homem, gradativamente

também em artifício.

Por certo: a transformação de homens em cinza é técnica social primitiva, incipiente, e vai-se refinando. Será seguida de objetivações menos brutais, como o é a robotização da sociedade. Mas não importa que forma tomará: será sempre manipulação objetivante do homem. Embora os aparelhos do futuro imediato não sejam necessariamente fornos de incineração, serão todos, e não apenas os nucleares, aparelhos para o aniquilamento do homem. (FLUSSER, 2011a, p.26).

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O autor (2011b, p.37-48) propõe, então, uma separação entre os artefatos

ou como se refere, “objetos culturais”, em instrumento e aparelho. O primeiro

refere-se a artefatos que propiciam o prolongamento de órgãos do corpo humano

para desta forma produzirem bens de consumo, o segundo se prestam a serem

consumidos.

Tal distinção é importante pois determina o papel do indivíduo em relação

ao artefato e a atividade produtiva, criativa e transformadora. No primeiro caso

ele é o cerne da ação no segundo atua na coadjuvação.

As máquinas, por sua vez, são constituições técnicas, programáveis e

replicáveis, prestam-se à produção autônoma em escala, velocidade e

qualidade. Já os homens são programados pela égide cultural, sua produção

procede da técnica e a capacidade produtiva atem-se às limitações do corpo.

As primeiras máquinas foram criadas a partir da imitação do corpo,

potencializando seus afazeres e os dispensando do ato produtivo. Curiosamente

conduziram gradativamente os corpos a imitação das máquinas, não na

amplitude produtiva, mas na circunscrição operativa.

Stiegler (1994, p.105) sugeriu que não foram as máquinas que

substituíram os homens, mas em contrário, que até a revolução industrial foram

os homens que supriram a ausência das máquinas.

As primeiras máquinas automáticas surgem no contexto social na França

no século XV, Jacques de Vaucanson (1709-1782) estudioso da mecânica e

inventor francês concebe em 1738 o que seria o primeiro androide da história da

humanidade o qual intitulou como “o flautista”. Tratava-se de um autômato

assemelhado a um homem com cerca de 1,67 metro de altura, que empunhava

uma flauta pela qual executava doze melodias.

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Figura 1: O flautista e o tamborileiro de Vaucanson - 1738

Fonte: http://bernardgordillo.com/voices-from-the-18th-century-jacques-de-vaucanson-and-his-machines/

Para Sennett (2013, p.102-103) os autômatos de Vaucanson seriam

ferramentas espelho, ou como definiu, replicantes. Para o autor os replicantes

são ferramentas que espelham o homem pela imitação enquanto os robôs, que

viriam a surgir anos mais tarde, buscariam potencializar e ampliar aquilo que é

da natureza humana, “de maneira geral, os replicantes nos mostram como

somos, e os robôs, como deveríamos ser”. (SENNETT, 2013, p.101).

Em 1741, Jacques de Vaucanson foi orientado pelo então Rei da França,

Luiz XV, a produzir uma máquina que pudesse substituir os artesões na

produção de seda. Tal determinação partia da baixa de qualidade da produção

tecelã local, bem como, da constante indisciplina, morosidade e reclamações

dos tecelões incumbidos desta tarefa.

Vaucanson então projetou e construiu o primeiro tear mecânico, sua

invenção divergia em propósito das anteriores, enquanto os autômatos serviam

ao entretenimento dos homens, os teares mecânicos mostravam aos homens

que eles eram desnecessários e obsoletos. (SENNETT, 2013, p.103).

O maior dilema enfrentado pelo moderno artífice-artesão é a máquina. Seria ela uma ferramenta amistosa ou um inimigo substituindo o trabalho da mão humana? Na história econômica do trabalho manual qualificado, a maquinaria que começou amistosamente muitas vezes acabou como inimiga. Tecelões, padeiros e metalúrgicos adotaram ferramentas que acabaram por se voltar contra eles. Hoje, o advento da microeletrônica

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significa que máquinas inteligentes podem invadir universos de trabalho de colarinho-branco outrora reservados ao tirocínio humano, como os diagnósticos médicos e os serviços financeiros. (SENNETT, 2013, p.99)

Vaucanson, sem intenção, deu o primeiro passo para o que viria a se

transformar a Revolução Industrial e em consonância a ela a efetivação da

modernidade, momento histórico no qual o design emerge como atividade

alinhada à indústria. Para Sennett (2013, p.104), as máquinas de Vaucanson

foram um “germe econômico que adoeceu o moderno artesão”.

Tal afirmação parte do princípio que a operação da máquina, em geral,

dispensa a técnica, é efetuada por meio de repetitivos processos dominados por

treinamento operacional.

O termo operário possui a mesma raiz etimológica de operar, operacional,

operação, remete ao trabalho e foi adotado para descrever o indivíduo que

trabalhava nas fabricas e industrias, em geral, em funções repetitivas.

Assim, há um afastamento do operador da máquina do artífice, o primeiro

acopla-se e adapta-se ao maquinário alheio a completude do processo de

produção, o segundo como visto, empenha-se na inteireza do fazer técnico.

O acoplamento do homem ao maquinário parece ter sido o primeiro passo

à constituição do capitalismo, como afirma Cunha, “as relações tecnológicas da

exploração humana são intrínsecas às conjunturas do capitalismo” (CUNHA,

2012, p.56), pois objetiva o incremento da produção e do consumo decorrente

desta.

Há um processo de subjugação do homem operário em função do

maquinário por ele operacionalizado e em decorrência dos sistemas

socioeconômico e cultural moderno.

Como será apresentado posteriormente, tais uniformizações não ficaram

restritas aos meios de produção industrial, acenderam também como ativo social

e alicerçaram-se na educação compulsória e universalizante.

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2. MODERNIDADE E CULTURA

A modernidade, não se deve esquecer, produz diferença, exclusão e marginalização. Afastando a possibilidade da emancipação, as instituições modernas ao mesmo tempo criam mecanismos de supressão, e não de realização, do eu. (GIDDENS, 2002, p.13).

2.1. MODERNIDADE: DESIGN DO SOCIAL

Com apontado anteriormente, foi entre os séculos XVII e XIX na Europa

ocidental que se deu início ao processo de substituição gradativa do trabalho

artesanal pelos sistemas de produção mecanizada e fabril, por consequência a

ascensão do operário. Tal compêndio tornou-se o alicerce do período histórico

que advém do Renascentismo, ganha força no Iluminismo e determina o

contemporâneo, referenciado por Modernidade.

Figura 2: Compêndio Histórico

Fonte: Autoria nossa11.

É na Modernidade que a tecnologia passa a assumir o protagonismo

social, não só dos meios de produção, mas sobretudo na mediação do homem

com o seu espaço percebido, na incitação ao consumo e na conformação social.

O logicismo e a sistematização da sociedade acarretaram severas

mudanças no modus operandi da civilização ocidental, impulsionando-a a um

11 Diagrama disponível em grande formato no Anexo I.

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futuro imaginário12 e utópico, os ônus oriundos de tais mudanças seriam então

suportáveis quando contrapostos às benesses que adviriam do ideal moderno.

O modelo Moderno não insurgiu repentinamente no entremeio da

sociedade ocidental. A mecanização da sociedade, de certo modo, iniciou-se

ainda que indiretamente, na pré-história do homem, quando os primeiros

agrupamentos humanos se muniram de instrumental técnico produzidos

sobretudo à base de recursos naturais coletados pelo território de passagem.

[...] o homem é o único animal que possui mãos – as quais são ‘ferramentas que fazem as vezes de outras’; ora, é graças a essa propriedade que o homem é capaz de adquirir grande número de técnicas, e é também graças a ela que não precisa de outras armas, ‘pois a mão se torna garra, serra, cifre, lança, espada, qualquer outra arma ou ferramenta’. (WOLFF, 2012, p.29).

A afirmação de Wolff (2002) talvez não esteja bem colocada é certo que

o homem não é o único animal que possui mãos, outros primatas também as

possuem. O que faz do homem um ser singular é a sua capacidade de articular

o que se sabe e se experimenta (conhecimento) em relação às interferências e

registros individuais e coletivos em seu meio natural (técnica).

Como visto, foi pelo instrumento a primeira forma mediada de contato do

ser humano com o espaço natural, ao mesmo tempo em que ele potencializa

este contato (WOLFF, 2002), também o exaure, pois, a mediação implica

sempre em perdas13. O humano começou aí sua longa jornada rumo a

desumanização14.

Esse contato mediado do homem com ambiente natural implica em última

instância à “alienação do mundo” (FLUSSER, 2007, p.37), pois sob a proteção

do artefato e prisioneiro de sua cultura, o homem afasta-se e distingue-se dos

outros entes naturais.

Este longo percurso da história natural humana foi muito bem descrito por

Yuval Harari (2011) o autor aponta dois grandes acontecimentos no intercurso

12 O Termo “Futuros Imaginários” foi utilizado por Richard Barbrook (2009) como título de seu livro. 13 Grifo nosso. 14 O termo desumanização empregado neste ponto descreve o afastamento gradativo do homem dos domínios do selvagem rumo ao civilizado, bem como, sinaliza temas que serão discutidos mais a frente tais quais: cibernética e cibercultura.

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humano no planeta, a Revolução Cognitiva ocorrida por volta de 70 mil anos

atrás e a Revolução Agrícola que teve início a cerca de 12 mil anos.

Harari (2011, p.47) afirma que a competência humana na confecção de

instrumentos por si só seria insignificante caso o ser humano não houvesse os

associados com a capacidade de colaborar com outros indivíduos. Esta

capacidade foi desenvolvida no curso da revolução cognitiva e determinou a

existência humana a partir daí.

Soma-se a isso a constituição cultural, espectro de convergências das

heterogeneidades, que homogeneizadas pela cultura influem em determinações

(leis, crenças, costumes, etc.) que regem os agrupamentos humanos. Os

domínios teóricos e técnicos mediados pela cultura impulsionaram e

determinaram as descritas revoluções na história da humanidade, e deste modo

gradativa e constantemente promoveram o afastamento do Homo Sapiens de

sua insignificância animal rumo ao constructo das artificialidades.

Harari (2011, p.90-106) aponta que a revolução agrícola, estágio que

sucede a Revolução Cognitiva, por sua vez caracterizou-se pela “maior fraude

da história”, pois colocou o ser humano a serviço das plantas as quais cultivava,

bem como, na condição de dependente destas.

A autonomia15 do ser humano gradativamente foi sendo minada e

conformada ao trabalho ininterrupto do cultivo, coleta, armazenamento e guarda

dos alimentos e insumos agrícolas produzidos. A recompensa pelo esforço extra

exigido à manutenção da vida neste período não oferecia uma contrapartida à

altura, paradoxalmente o agricultor possuía uma vida mais penosa do que a de

seus ancestrais caçadores e coletores como descreve o autor (ibidem, p.90-

106).

Em média, um indivíduo na Jericó de 8500 a.C. tinha uma vida mais difícil do que um indivíduo na Jericó de 9500 a.C. ou de 13000 a.C. Mas ninguém percebeu o que estava acontecendo. Cada geração continuou a viver como a geração anterior, realizando apenas pequenas melhorias aqui e ali no modo como as coisas eram feitas. Paradoxalmente, uma série de ‘melhorias’, cada uma das quais concebida para tornar a vida

15 Grifo nosso.

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mais fácil, sobrecarregaram ainda mais esses agricultores. (HARARI, 2011, p.96)

O paradoxo apontado por Harari (2011, p.96) parece ter se tornado

recorrente no curso da humanidade, sendo na contemporaneidade uma

constante social.

Vale ressaltar por sua vez que o “desenvolvimento de estruturas sociais

maiores – cidades, reinos e estados” (HARARI, 2011, p.92), foram decorrentes

das implicações oriundas da revolução agrícola, tendo como uma das

consequências, o aumento expressivo da violência humana. Competia-se agora

não somente pelo acesso aos recursos de subsistência, mas pela posse

territorial destes recursos, o que levaria rapidamente a um esforço de

monopolização e privatização da natureza.

O surgimento da cidade-estado significa que o homem recebera, «além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon). (ARENDT, 2007, p.33).

A noção de posse surge na circunscrição dos espaços, a delimitação dos

caminhos implicava a invasão de territórios alheios, seja no caminhar

despropositado do explorador ou na expropriação deliberada. A aniquilação do

outro faculta a obtenção e ampliação dos domínios territoriais e, deste modo, o

acesso a bens e recursos.

De acordo com Harari (2011, p.92), a violência humana atenuou-se com

o passar do tempo em função de estruturas ideológicas de contenção como a

política, a religião e a moeda. Tais elementos simbólicos permitiram aos

agrupamentos humanos um percurso um pouco mais estável.

São as ordens imaginadas os mais eficientes meios de contenção da

violência, de acordo com o autor (op. Cit.) a coerção social se dá através destes

dispositivos imaginários, ou seja, a religião, a democracia e o próprio conceito

de capitalismo são estruturas intangíveis de domínio e controle.

A ideia proposta por Harari (2011) é de que tais estruturas são introjetadas

na população de modo contínuo, são inseridas nas mais diversas manifestações

narrativas, se apresentam “nos contos de fadas, nos dramas, nas pinturas, nas

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canções, na etiqueta, na propaganda política, na arquitetura, nas receitas e na

moda”, são constituições culturais de contenção16. (HARARI, 2011, p.121).

O autor (2011) elenca três fatores principais que impedem com que as

pessoas compreendam que a ordem que norteia suas vidas são construções

imaginárias.

Para o autor “a ordem imaginada está incrustada no mundo material; A

ordem imaginada define nossos desejos; A ordem imaginada é intersubjetiva”.

(HARARI, 2011, p.121-124).

Ou seja, o primeiro diz respeito a que todos de alguma forma somos

interagentes na construção e manutenção dessas ideias, a segunda de que

nosso comportamento, por mais que pareça natural, é uma construção

imaginária, a terceira de que tais determinações habitam o inconsciente de todos

os homens, na relação com o campo da ação de outros indivíduos, objetos e

ambientes.

Tais determinações fomentaram importantes mudanças nas esferas

política e econômica da organização social ao longo dos últimos dois mil anos,

Leo Huberman (1981, p.126-127), tece um interessante estudo onde argumenta

que o arranjo social produtivo se dividiu ao longo da história em quatro grandes

sistemas, os quais nomeou por sistema familiar, sistema de corporações,

sistema doméstico e sistema fabril.

O autor (op. Cit.) é enfático, no entanto, quanto a imprecisão de tais

períodos, sendo a sequência sugerida apenas ilustrativa, de acordo com o autor

“o predomínio de qualquer estágio de desenvolvimento industrial não significa o

desaparecimento total do estágio precedente”. (HUBERMAN, 1981, p.127)

De acordo com Huberman (1981, p. 126), o sistema familiar, vigente até

o início da Idade Média, caracterizava-se na produção, pelos membros da

família, daquilo que necessitavam. Não havia a intenção da comercialização,

mas o consumo local. Neste estágio produzia-se o que se necessitava e

necessitava-se daquilo que podiam produzir.

16Grifo nosso.

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O sistema seguinte de acordo com Huberman (ibidem), é o de

corporações, durou durante toda a Idade Média e caracterizava-se pela

comercialização da produção do trabalho a um mercado reduzido e estável,

normalmente efetuado por um mestre artesão e alguns poucos ajudantes. O

autor (ibidem) ressalta ainda que neste sistema o mestre artesão detinha a

matéria prima e o ferramental necessário a manufatura, e desta forma possuíam

autonomia sobre o seu ofício e sua produção.

Este período caracteriza-se pela mudança, lenta, de um sistema social

feudal e agrário, para a constituição de grandes centros urbanos e ascensão do

sistema capitalista de produção e consumo.

Já o sistema doméstico foi caracterizado pela produção na casa do mestre

artesão a partir de matéria prima fornecida por um terceiro, ainda se detinha a

posse do ferramental necessário a manufatura, mas o acesso ao mercado era

interseccionado por um atravessador. De acordo com Huberman (ibidem), este

período perdurou entre os séculos XVI e XVIII.

Sequencialmente instaura-se o sistema fabril, o aumento do mercado

implica em aumento de produção e controle, sobretudo da mão de obra, desta

forma o trabalho passa a ser realizado fora da casa do trabalhador, confinados

em grandes espaços e sob rígida supervisão.

Neste período retira-se gradativamente a autonomia e independência dos

trabalhadores, estes além de não mais possuírem o controle sobre a matéria

prima necessárias a produção, não são também detentores dos recursos

materiais empregado nos processos da manufatura.

O domínio técnico, como já visto, deixa de ser o imperativo, impelem-se

na rotineira repetição de processos mecanizados, alimentando as máquinas para

que estas, absortas da técnica, produzam mais e melhor.

O empregado é treinado, operacionaliza seu corpo ao comportamento

mecânico, sistemático e restrito. A população, sobretudo os mais jovens, são

treinados, conformados aos desígnios do aludido progresso.

A maquinaria moderna encerra em si própria a utopia de uma vida mais

simplificada; aos homens a função perene de mantê-la em constante estado de

produção; à máquina o desígnio de evitar que tomem ciência disso. O homem

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como ferramenta, a máquina como protagonista; como postula o aforismo

marxista “[...] com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em

proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt)”.

(MARX, 2004, p. 81).

Flusser (2011b, p.39) corrobora o raciocínio anterior na afirmação de que

a transformação do ferramental, “instrumentos”, em máquinas fez com que a

relação com o homem fosse invertida, ou seja:

“Antes da revolução industrial, os instrumentos cercavam os homens; depois, as máquinas eram por eles cercadas. Antes o homem era a constante da relação, e o instrumento a variável; depois, a máquina passou a ser relativamente constante. Antes os instrumentos funcionavam em função do homem; depois grande parte da humanidade passou a funcionar em função da máquina. ” (FLUSSER, 2011b, p.39-40)

A modernidade trouxe consigo a ascensão da mediação, enquanto no

período pré-industrial a relação do homem com o espaço percebido se dava, em

geral, através do uso de instrumentos e ferramentas (extensões e

potencializações do corpo), na modernidade passa a se dar pela convivência

com as máquinas (obliteração do corpo), este corpo outrora técnico passa a ser

transformado em apêndice funcional do maquinário.

Com o desenvolvimento tecnológico ao longo do século XIX as mediações

ganham terreno. Com a fotografia criou-se o entremeio entre o olhar e a

paisagem, com o automóvel a mediação dos pés com o território a ser percorrido,

no cinema surge a mediação do imaginário, as máquinas de produção industrial

mediam o homem e o seu ofício, o telefone o homem do outro, o rádio

sobrepõem-se ao púlpito.

Max Weber (1864-1920) ao refletir sobre este período sinalizou que o

ocidente vivia um processo de “desencantamento do mundo” (WEBER, 2004),

em curso também o afastamento do homem da técnica, da autonomia, dos

ambientes de aprendizagem mediados pela experiência.

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O espírito do capitalismo conforme aponta Weber (2004, p.41) acena a

uma “’individualidade histórica’, isto é, um complexo de conexões que se dão na

realidade histórica e que nós encadeamos conceitualmente em um todo, do

ponto de vista de sua significação cultural”. (WEBER, 2004, p.41).

Os indivíduos impelidos a percepção da “profissão como dever” (WEBER,

2004, p.47), distanciam-se da ‘vida como dever’, confluem-se em todas as

dimensões de sua existência a produtividade imperativa do sistema, o capital

como objetivação primordial e dele decorrem a sua personificação social.

Atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto individuo, se dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro da qual tem que viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo, preso nas redes do mercado, as normas da ação econômica. O fabricante que insistir em transgredir essas normas é indefectivelmente eliminado, do mesmo modo que o operário que a elas não possa ou não queira se adaptar é posto no olho da rua como desempregado. (WEBER, 2004, p. 47-48).

A alma selvagem17 do homem resiste em vão a tais determinações, cada

vez com menor força em pequenos rompentes de resistência implícita em sua

aparente civilidade. Weber (2004, p.52-53) cita umas das estratégias dos

comerciantes em ampliar a sua produção através da remuneração por tarefa,

curiosamente os trabalhadores ao invés de produzirem mais e em decorrência

aumentarem seus ganhos, passaram em contrário a produzir menos, o suficiente

para a manutenção de seu ganho costumas.

O ser humano não quer ‘por natureza’ ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver, viver do modo como está habituado a viver e ganhar o necessário para tanto. (WEBER, 2004, p.53).

17 Grifo nosso.

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Weber (2004) detalha a motivação na inversão da recompensa, ou seja,

paga-se menos e trabalha-se mais, pois “o povo só trabalha porque é pobre, e

enquanto for pobre”. (WEBER, 2004, p.53), no entanto, o “salário

fisiologicamente insuficiente” implica a longo prazo na disponibilidade e “seleção

dos mais incompetentes” (WEBER, 2004, p.54) o que acarreta por direta relação

a queda da produção e lucratividade.

Não tardaria a percepção de que as máquinas poderiam fazer parte ou a

totalidade do trabalho sem requerer remuneração, tampouco ater-se as

particularidades da vida, o maquinário é o prodígio do capital.

O capitalismo não requer homens, requer ferramentas autônomas de

produção e consumo, a ideia do trabalho como imperativo humano desumaniza.

Ao homem pré-capitalista, parece tão inconcebível e enigmático, tão sórdido e desprezível. Que alguém possa tomar como fim de seu trabalho na vida exclusivamente a ideia de um dia descer à sepultura carregando enorme peso material em dinheiro e bens parece-lhe explicável tão só como produto de um impulso perverso: a auri sacra fames18. (WEBER, 2004, p.63).

Weber referiu-se a um processo de “desencantamento do mundo”, um

olhar contemporâneo sobre este período, contraditoriamente, aponta a um

processo de encantamento em curso, a humanidade distanciava-se da aura

instintiva e convergia ao racionalismo, gradualmente era encantada pela

tecnologia. A modernidade traz consigo o encetamento do que poderia ser

referenciado pela Era do feitiço (encanto), ou de sua variante etimologia, o

fetiche.

Tal encantamento implica uma versão deturpada e deturpante da utopia

moderna, que tal qual o nome da ilha imaginária descrita por Thomas Morus

(2004), prediz a constituição da sociedade ideal, no entanto inalcançável, que

exprime uma constante condição de bem-estar de todos os seus habitantes.

Coelho (1984) discorre sobre a utopia:

18 Maldita fome de ouro. Expressão pela qual Virgílio, Eneida, III, 56-57 condena a ambição desmedida. "auri sacra fames", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/auri+sacra+fames [consultado em 11-11-2016].

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[…] pretender que todos trabalhem para que todos possam trabalhar menos, ao invés de se matarem uns enquanto outros ficam assistindo de camarote. A imaginação utópica quer ainda – e é penoso constatar que a imaginação tem de intervir aqui também – que todos sejam tratados de mesmo modo, homens, mulheres e crianças. Que ninguém passe necessidade. Que ninguém seja considerado superior aos outros por ter mais coisas do que eles. Que os mais competentes e honestos dirijam os negócios públicos. Que ninguém seja obrigado a fazer o que não quer, o que não pode e não deve. Ou, então, que desapareça o dinheiro. E a propriedade privada. E que exista a liberdade de expressão, e a religiosa. E que a educação seja acessível a todos. (COELHO, 1984, p. 19).

O discurso utópico permeou todo o processo de instrumentalização e

maquinização da sociedade, foi a ideologia do pensamento moderno e ainda na

contemporaneidade ampara-se na expressão dos ideais, agora ciberculturais.

O homem tecnologizado é a vertente moderna do homem técnico que o

precedeu, neste período histórico o indivíduo já munido de seus media19,

relaciona-se com sua existencialidade como força produtiva.

Pode-se ler a Modernidade em relação a sociedade ocidental como um

período formativo, ou seja, tal momento histórico gerador de utopias, fomenta o

período que se seguirá, que por carência de significado virá a ser nomeado como

pós.

Nesse sentido, nota-se tal vocação a educação social20 da Modernidade

em várias vertentes, o aumento de produção industrial, maior rigor nos meios de

controle, a publicitação das máquinas como protagonistas do conforto humano,

na ratificação da vocação do homem ao trabalho, na necessidade de consumo

e aquisição de bens como prerrogativa ao bem sucedido.

A vocação formativa da modernidade foi manifesta em parte nos grandes

eventos de apresentação pública das tecnologias emergentes, Barbrook (2009)

descreve o papel das feiras mundiais na publicitação da tecnologia como

idealização da vida moderna.

19 Media pl. do lat. sing. medium. 20 Grifo nosso.

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Figura 3: Ilustração da primeira exposição internacional em Londres - 1851

Fonte: http://semema.com

A primeira edição ocorrida em Londres, precisamente no Palácio de

Cristal no Hyde Park em 1851 possui como título “Great Exhibition of the Works

of Industry of all Nations”, ou em tradução livre, a grande exibição de trabalhos

da indústria mundial.

As Feiras Mundiais se sucederam periodicamente até a

contemporaneidade com o intuito de apresentar ao mundo modernizado,

sobretudo ao longo dos séculos XIX e XX, o progresso humano mediado pela

tecnologia industrial e informática.

Outros canais foram empregados em tal intento formativo ao longo do

tempo, os vetores de conformação social perpassam as instituições midiáticas,

atuam sob a égide de redenção e encrustam-se na cultura.

A transição do homem técnico ao homem tecnologizado implica em

decorrência em sua posição técnico funcional em relação aos meios

instrumentais de produção.

Este novo homem que emerge na Modernidade já se entende como

ferramenta e como destinação sua capacidade produtiva frente as linhas de

montagem e na coadjuvação junto às máquinas21.

21 Vale aqui o adendo, que mesmo diante das dificultosas condições de trabalho e de existência social, o operário industrial gozava de uma significativa melhora nas condições de vida se comparados aos trabalhadores rurais e domésticos que os precederam.

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O conjunto operacional mecânico dependia em parte para o seu

funcionamento da intervenção humana, mesmo que a técnica necessária a tal

intento fosse restrita, o apertar de botões, puxar de alavancas, torcer de chaves,

dentre outras repetitivas tarefas, ainda assim requeriam a interferência humana.

A automatização dos processos, no entanto, ganha folego com o avançar

do século XX subsidiada em parte por recursos destinados ao desenvolvimento

bélico e armamentista.

O período que sucede a segunda guerra mundial finalizada em 1945, dá

início ao que viria a determinar a gênese da Era seguinte, a cibercultura.

2.2. CIBERCULTURA: UNIVERSALIZAÇÃO SOCIAL

Os seres humanos são livres. Podemos nos suicidar para o bem de uma Singularidade. Podemos manipular nossos genes para sustentar melhor uma inteligência coletiva imaginária. Podemos transformar a cultura e o jornalismo em atividades de segunda categoria e passar séculos remontando os destroços dos anos 1960 e de outras épocas antes de a criatividade individual ter saído de moda. Ou podemos acreditar em nós mesmos. Podemos descobrir, por acaso, que somos reais. (LANIER, 2010, p.67).

Um dos ícones industriais é a fumaça, seja ela oriunda da ebulição do

vapor nas caldeiras ou proveniente da queima de combustíveis fosseis nas

fornalhas. A fumaça vertida pela chaminé, fronteira final entre o interior fabril e o

mundo, posta-se como símbolo de poder e progresso.

Em um mundo de constantes reapropriações

simbólicas e frente a escassez de novos arquétipos no sentido

junguiano22, não é de espantar que a produção sob a fumaça iria anos mais tarde

converter-se em produção na nuvem, do mesmo modo outras simbologias e

conceitos acabariam apropriados pela que viria a ser nomeada como

22 Arquétipos são modelos idealizados pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung para definir pessoas, comportamentos ou personalidades.

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cibercultura, entre elas a narrativa utópica da vida em comunidade, da

colaboração e da democratização do conhecimento.

Cibercultura é a expressão que serve à consciência mais ilustrada para designar o conjunto de fenômenos cotidianos agenciados ou promovidos com o progresso das telemáticas e seus maquinismos. [...] a formação histórica, ao mesmo tempo prática e simbólica, de cunho cotidiano, que se expande com base no desenvolvimento das novas tecnologias eletrônicas de comunicação. (RÜDIGER, 2011, p.10).

O termo populariza-se na obra de Lévy (1999), decorre do termo

ciberespaço ‘cyberspace’ que surge na ficção de Willian Gibson (1991) intitulada

Neuromancer, e é definido pelo autor como:

Ciberespaço. Uma alucinação consensual experimentada diariamente por bilhões de operadores legítimos, em cada nação, a crianças sendo ensinadas conceitos matemáticos. Uma representação gráfica de dados extraídos dos bancos de cada computador no sistema humano. Complexidade impensável. Linhas de luz que se estendiam no espaço não espaço da mente, clusters e constelações de dados. Como luzes da cidade. (GIBSON, 1991, p.53).

Lévy (1999) ao dissertar sobre a cibercultura a define como por um

“conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de

modos de pensamento e de valores que se desenvolvem junstamente com o

crescimento do ciberespaço”. (LÈVY, 1999, p.18)

Há, no entanto, outras definições menos populares formuladas por outros

teóricos como é o caso do termo “tecnopólio” que intitula o livro Neil Postman

(1992), onde segundo o autor surge do contexto em que:

As novas tecnologias alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sbre quais pensamos. Alteram o carater de nosso simbolos: as coisas com que pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual os pensamentos se desenvolvem. (POSTMAN, 1992, p.29).

Outras terminologias foram propostas, todas no entanto, alicersadas em

uma conjunção social que se ampara nas estruturas ciberespaciais e em rede

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como: Era da informação (CASTELLS, 1999), sociedade do conhecimento

(HARGREAVES, 2004), sociedade da aprendizagem (POZO, 2004).

A cibercultura é o derivativo em massa da teoria cibernética, formulada

por Wiener (1968) a partir da publicação de “Cibernética e Sociedade: o uso

humano de seres humanos”.

O título da obra por si só daria margem a um extenso debate, mas seu

conteúdo é ainda mais notório. As discussões sobre o conceito ganham terreno

em meio a sociedade a partir de então, no final do Séc. XX assumiria o status de

imperativo social.

O termo ‘cibernética’ tal qual utilizado por Wiener (1968, p.15-16) deriva

do grego ‘kubernetes’ e designa o piloto ou o governador, o emprego dado por

Wiener (1968) teve como intendo o sentido de controle da comunicação.

Os estudos do Wiener (1968) tinham como interlocutores Claude Shannon

e Warren Weaver, renomados nomes do campo da comunicação onde Norbert

Wiener depositou originalmente a sua tese.

[...] de que a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de, comunicação, -as mensagens entre o homem e as maquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante. (WIENER, 1968, p.16).

Vale a nota que tanto os estudos de Shannon (1948), bem como os de

Lasswell (1948) e Johnson (1946) acenam para uma caráter mecânico e

sistemático dos processos comunicacionais, deste modo parece evidente que

Wiener (1968) defina que o propósito da:

[...] cibernética é o de desenvolver uma linguagem e técnicas que nos capacitem, de fato, a haver-nos como problema do controle e da comunicação em geral, e a descobrir o repertório de técnicas e ideias adequadas para classificar as manifestações específicas sob a rubrica de certos conceitos. (WIENER, 1968, p.17).

Ou seja, as ordens e os comandos com os quais nós os humanos e elas

às máquinas, utilizariam para se relacionar entre si e com o meio a partir de

então.

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Wiener (1954) especulava sobre a possibilidade da criação de máquinas

inteligentes, para que assim elas pudessem tratar as informações de modo a

aprender continuamente e decidir de modo autônomo a aplicação deste

conhecimento em sua operacionalização.

As máquinas cibernéticas de Wiener (1954) possuiriam assim “órgãos

sensórios centrais”, (WIENER, 1954, p.33) que pudessem determinar o que seria

executado pela máquina a seguir, em um processo de retroalimentação descrito

como feedback, propunha-se assim uma máquina que fosse capaz de aprender

e se aperfeiçoar por meio de suas experiências.

O homem comum europeu a partir do séc. XVII gradativamente é afastado

da experiência como espectro da aprendizagem complexa e acondicionado a um

processo compulsório de conformação social intitulado por educação.

Paradoxalmente os séculos XX e XXI trazem como um dos grandes

objetivos científicos o desenvolvimento e aperfeiçoamento de máquinas

cibernéticas e computacionais para que aprendam por meio da experiência, e

não somente operem na execução ordenada de linhas de códigos, ‘educação’.

Wiener (1954) menciona a possibilidade de progressos técnicos

extremamente úteis no campo da automação através de “mecanismo fortuito

sem propósito, que busca o seu propósito através de um processo de

aprendizagem”. (WIENER, 1954, p.38), para o autor tal possibilidade haveria de

ser parte de um processo darwiniano de evolução.

O autor (op. Cit.) buscava claramente uma saída para o que ele denomina

de “tendência da Natureza para a desordem” (WIENER, 1954, p.27), suas

proposições visavam subverter tais desígnios, os do natural, em função dos

aparatos cibernéticos. Neste sentido a cibernética conferiria o legado da

humanidade no momento em que esta não mais existisse ou houvesse se

tornado obsoleta.

Num sentido muito real, somos náufragos num planeta condenado. Todavia, mesmo num naufrágio, as regras de decoro e os valores humanos não desaparecem necessariamente, e cumpre-nos tirar o maior proveito deles. Iremos ao fundo, sim, mas que seja pelo menos de uma maneira que possamos considerar à altura de nossa dignidade. (WIENER, 1954, p.40).

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O naufrágio ao qual Wiener (1954, p.46) se referiria talvez fosse em

decorrência, não de um evento cataclísmico natural, mas ocasionado pelos

próprios homens que em função da soberba não se apercebem de sua

acentuada jornada rumo a irrelevância.

Um olhar para a sociedade industrial já demonstrava que o uso de

recursos naturais era elevado, que o aclamado progresso era um caminho sem

volta, e que como consequência novas possibilidades e também novas

restrições.

Poderia assim ser a cibernética um modo pelo qual possibilitava-se a

restituição da autonomia que se esvaíra em função das mediações e da

circunscrição operacional as quais o homem foi deslocado, pois “se o ser

humano for condenado a realizar a mesma função restrita repetidamente, não

chegará sequer a ser uma boa formiga, quanto mais um bom ser humano. ”

(WIENER, 1954, p.52).

Vale a atenção para o período em que tais pensamentos e sobretudo

investimentos em pesquisa e desenvolvimento surgem como aponta Barbrook

(2009), a segunda guerra mundial e a denominada guerra fria que se seguiu.

No período da ‘guerra fria’ (1947-1991) as incertezas e constantes

tensões, bem como, suas fatídicas decorrências caso desencadeasse-se um

novo embate militar, fez com que Wiener se posicionasse contrário a qualquer

apoio intelectual que cientistas pudessem dar a corrida armamentista. Ele

enfatizava em seu discurso a possibilidade de destruição da humanidade caso

um conflito desta magnitude se instaurasse.

Deste modo, houve uma mudança de postura e discurso quanto a quem

caberia o controle:

Na época dos monopólios corporativos e armamento atômico, sua teoria explicava que o comportamento tanto dos humanos quanto das máquinas deveria ser usado para colocar os humanos no controle de suas máquinas. (BARBROOK, 2009, p.81).

Por outro lado, as limitações do corpo orgânico foram utilizadas

frequentemente por Wiener (1968) para justificar sua preocupação com a

necessidade de máquinas cibernética e sua emergência, segundo o autor a

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tendência natural do homem ao aniquilamento poderia ser contida por meio da

cibernética.

Deste modo Wiener (1968, p.57) enunciava que se fosse possível a

construção de uma máquina “cuja estrutura mecânica reproduzisse a fisiologia

humana, teríamos então uma máquina cuja capacidade intelectual seria a

reprodução da dos seres humanos”, e deste modo, teríamos então a conjunção

das potencialidades de ambos.

Inteligência e o discernimento herdados do homem em relação a

velocidade, desempenho e qualidade produtiva, provenientes das máquinas. No

entanto Wiener questionava-se sobre tais possibilidade, bem como, para com os

riscos iminentes e o destino da própria humanidade frente a tais conjecturas.

O que, porém, se devemos perguntar, cada vez em cada situação, onde está o amigo e quem é o inimigo? O que, além disso, quando colocamos a decisão nas mãos de uma magia inexorável ou de uma máquina inexorável de que devemos fazer as perguntas certas de antemão, sem compreender plenamente as operações do processo pelo qual elas serão respondidas? [...] o futuro oferece muito pouca esperança para aqueles que esperam que nossos novos escravos mecânicos nos ofereçam um mundo em que podemos descansar do pensamento. Ajude-nos a fazê-lo, mas à custa de exigências supremas sobre nossa honestidade e nossa inteligência. O mundo do futuro será uma luta cada vez mais exigente contra as limitações de nossa inteligência, e não uma rede confortável em que podemos deitar-se para ser esperado por nossos robôs escravos. (WIENER, 1968, p.69).

As conferencias Mecy iniciadas em 1946 deram o início a uma série de

debates sobre o tema, assim esforços foram despendidos para desenvolverem

“uma estrutura teórica para analisar o comportamento de humanos e máquinas”

(BARBROOK, 2009, p.79).

Se a teoria cibernética jazia nos pensamentos de Norbert Wiener,

amparada em parte na teoria dos jogos de John von Neeumann e Oskar

Morgenstern (1944), podemos afirmar que o empirismo cibernético começava a

se manifestar na produção de outro cientista, Alan Turing.

Turing envolto na árdua tarefa de decifrar os códigos produzidos pela

máquina nazista ‘Enigma’, colocou em prática a construção do que

anteriormente havia nomeado por “maquina universal” (TURING, 1936, p.242),

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Turing concebeu uma engenhosa estrutura mecânica que possibilitou aos

ingleses a quebra do padrão de encriptação da máquina alemã.

Figura 4: Máquina Enigma

Fonte: http://www.maisev.com/

A máquina analógica de Turing fomentou esforços à pesquisa e

desenvolvimento de uma versão mais eficiente, desta vez eletrônica, a qual no

final dos anos 40 do séc. XX é finalizada e batizada por Colossus.

Figura 5: Máquina Colossus

Fonte: http://www.sitedecuriosidades.com/

Após o fim da guerra Turing muda para Manchester onde junta-se a outros

cientistas e despende esforços para uma versão ainda mais eficiente de sua

máquina universal, um 1948 nascia “o primeiro computador eletrônico

armazenador de programas do mundo” (BARBROOK, 2009, p.73), o Baby.

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Turing estava convencido de que o computador Baby era muito mais do que uma versão melhorada do tabulador de Hollerith. Numa série de artigos seminais, ele argumentava que sua máquina matemática era a percursora de uma nova forma de vida completa: o matemático mecânico. (BARBROOK, 2009, p.73).

Para Turing a possibilidade da construção de máquinas inteligentes

estava provada, para ele a capacidade de realizar cálculos conferiria às

máquinas o potencial de pensar tal qual aos humanos, “como o cérebro humano

trabalhava como uma máquina, era óbvio que uma máquina poderia se

comportar como um cérebro eletrônico”. (BARBROOK, 2009, P.73)

A ciência caminhava a passos largos rumo a criação eletrônica da

subjetividade humana, a vida artificial acenava em um horizonte próximo, Turing

estava certo de que quando as máquinas pudessem escrever os seus próprios

códigos os programadores seriam desnecessários (BARBROOK, 2009, p74).

Como programadores os indivíduos humanos competentes a articulação

de teorias e técnicas, como programa o intento finalístico desta ação.

Assim as máquinas autônomas de Turing potencialmente fomentariam o

desaparecimento de inúmeros programadores, nos mais diferentes campos de

atuação, a partir do momento em que elas, as máquinas cibernéticas,

assumissem o programa.

[...] o computador define nossa era ao sugerir uma nova relação com a informação, com o trabalho, com o poder e com a própria natureza. A melhor maneira de descrever essa relação é dizendo que o computador redefine os humanos como ‘processadores de informação’ e a própria natureza como informação a ser processada. Resumindo, a mensagem metafórica fundamental do computador é que nós somos máquinas. (POSTMAN, 1994, p.117).

Pudemos assistir nos anos seguintes até a contemporaneidade as

maquinas informáticas propostas por Turing assumir diversas funções no

espectro social e produtivo, e como consequência, a substituição dos

‘programadores’ que a estas eram dedicados.

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A máquina surge para substituir o corpo, em potencialização a máquina

cibernética busca substituir o cérebro, no entanto, os cérebros humanos não são

estruturas isoladas, o homem como um ser gregário vive em sociedade e das

relações que desta se originam. E é esta conjuntura, a da comunidade, que as

redes telemáticas buscaram artificialmente criar.

Paul Baran (1964) cientista e matemático estadunidense, dedicou-se a

resolver tal questão, “em 1960 Paul Baran trouxe à tona a proposta de escrever

um programa que permitiria que pessoas de diferentes localidades utilizassem o

‘tempo compartilhado’ de mainframes”. (BARBROOK, 2009, p.228).

Seus correligionários não estavam totalmente convencidos de tal

possibilidade, mas ainda assim Baran recebeu subsídios do governo norte

americano para que permitisse a continuidade de suas pesquisas.

Figura 6: Grafo de redes de Paul Baran

Fonte: On Distributed Communications, 1964, p.16.

Baran (1964) apresenta a agência de inteligência americana Rand

Corporation, um memorando intitulado Comunicação Distribuida23. Neste

23 Original em inglês “‘On Distributed Communications”. Tradução nossa.

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documento Baran apresenta estruturas possíveis de organização em rede, as

quais descreve por modelo centralizado, modelo decentralizado e por modelo

distribuído.

Baran (1964) descrevia que o modelo centralizado era evidentemente

mais frágil, pois a destruição do ponto central acabaria com todas as ligações e

inviabilizaria a comunicação, em contrapartida, o modelo distribuído era o mais

solido, pois, todos os pontos ligavam-se a todos os outros de modo independente

e autônomo. (BARAN, 1964, p.15-16)

Os estudos de Baran levaram ao desenvolvimento, sob apoio financeiro

da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada24, de um método de transmissão

de dados utilizando a estrutura dos cabeamentos telefônicos e troca de pacotes

de dados “packet-switching”. BARBROOK, 2009, p.228).

No momento em que os servidores da Ucla, do Instituto de Pesquisas de Stanford, da UCSB e da Universidade de Utah foram conectados e, 1969, o programa da equipe da Rand forneceu a arquitetura técnica – apropriadamente nomeada – para a primeira interação em rede: Arpanet. (BARBROOK, 2009, p.228).

A teoria cibernética (WIENER, 1968), as máquinas universais de

(TURING, 1948) e a redes de dados de (BARAN, 1969), possibilitaram o início

desta nova Era, a da informação (CASTELLS, 1999).

Gradativamente as máquinas informáticas passaram a figurar nos mais

diferentes locais, anteriormente restritas às estruturas militares, ganharam

terreno nas universidades e consecutivamente na indústria e nos mais diferentes

centros comerciais.

A introdução de computadores nos locais de trabalho veio em um momento oportuno. Durante a primeira metade do século XX, grandes corporações tornaram-se as instituições dominantes da economia estadunidense. Mais do que qualquer coisa, essa centralização sem precedentes do capital foi guiada pela necessidade de aumentar a produtividade do trabalho. (BARBROOK, 2009, p.94).

24 ARPA - Advanced Research Projects Agency.

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Os computadores tal qual as máquinas que o antecederam, possuíam

como propósito a aceleração dos meios produtivos, acentuação da qualidade e

a potencialização dos lucros.

Observe, porém, que as utopias mecanicistas não se realizaram na

modernidade, tampouco as cibernéticas na pós-modernidade, os computadores

contribuíram ainda mais com a obsolescência do homem técnico e acentuaram

a sua dependência aos processos de mediação.

Uma das decorrências ao protagonismo cibernético foi “a progressiva

automação das industrias” (SIBILIA, 2015, p.23) e consequente desvalorização

“da mão de obra operária, desembocando numa crise aguda e estrutural do

emprego em nível mundial”. (SIBILIA, 2015, p.23).

Este novo cenário na história da humanidade determinaria o que viria a

ser a já nomeada cibercultura, a cultura decorrente e determinada pela

cibernética.

Tais aspectos imbricam-se em todas as dimensões humanas, do trabalho

ao lazer, das relações humanas às constituições identitárias, do público ao

privado, do ensino à aprendizagem.

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3. DESIGN E POTÊNCIA

Design (nome e verbo) define-se, acima de tudo, pela sua intencionalidade intrínseca, pela projeção consciente de um objetivo. Em conformidade com o étimo latino designare, a natureza projetual do design remete para a poderosa ideia de desígnio – “determinar, inventar, ou figurar aquilo que não é, para que seja e venha a ter ser ”. O design determina-se nesta intenção de combinar pragmática e poética, de unir a capacidade de fazer com o desejo de comunicar, cristalizando em formas a metamorfose do pensamento, captando e objetivando o que ainda não tem forma e o que está para além da forma, assumindo-se neste gesto como tomada de consciência que poderia considerar-se, também, desvelamento. Como defende Daniel Tamayo, “o projeto será o veículo imprescindível para conduzir a ideia desde o imaterial ao tangível”. (MOURA, 2005, p. 73-74, grifos da autora).

3.1. DESIGN: SOMOS O QUE FAZEMOS

O contexto social do início do século XXI, em função dos avanços

tecnológicos erigidos em particular velocidade nas últimas décadas do século

XX, é globalizado, digitalizado e norteado pelo ininterrupto anseio pela inovação

e pelo design.

O design, especialmente, enquanto área de atuação profissional ganha

variadas dimensões, e estabelece-se no senso comum como modelo de

excelência. Ou seja, se o fazer emprega design por si só entrega qualidade e

inovação.

Deste modo a adoção da nomenclatura ‘design’ em diferentes campos

tonou-se corriqueira, seja na intenção mercadológica de circunscrição da

atuação profissional e projetiva como ocorre nos casos do design gráfico,

industrial, digital, de moda, dentre outros. Ou em suas aplicações vulgares como

hair design, nail design, cake design25, e outras tantas utilizações do termo que

buscam atribuir a determinado produto ou serviço a dimensão estética ao qual o

uso popular do conceito está atrelado.

25 Design de cabelos, design de unhas e design de bolos.

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Observa-se ainda no primeiro grupo, delimitação mercadológica, a

existência de subdivisões que especificam ainda mais a atuação do profissional

como: design de interfaces, design de ux26, design de web27, motion design28,

design de estilo29, design de modelagem30, etc.

Figura 7: Dimensões Semânticas do Design

Fonte: Autoria Nossa31

Além da citada relação entre design e estética soma-se ao uso do termo

a sua dimensão de projeto, deste modo seu emprego em uma lógica de mercado

26 User experience, em português: experiência do usuário (EU). 27 Criação de páginas para internet. 28 Design de movimento (animação); 29 Estilismo, desenho de roupas e acessórios. 30 Criação de moldes para confecção têxtil. 31 Diagrama disponível em grande formato no Anexo I.

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passa a ser utilizado como prenome de áreas até então estranhas ao conceito

como, design de ecologia, design de serviços, design de educação e outros.

Utiliza-se ainda a expressão design para nomear modelos ou processos como o

design thinking, design instrucional, design emocional e design organizacional.

Como pode-se observar, o uso corrente da palavra design enseja o

entendimento e a delimitação que se pretende dar, uma especificação, de ordem

filosófica talvez, possa apresentar os limites e as dimensões com maior precisão.

Deste modo um aprofundamento na lógica do design enquanto ideia (abstração)

e aplicação (materialização) possa acenar a uma apropriação mais eficiente do

termo design, sobretudo no objeto desta tese, a educação.

3.2. DESIGN: CONCEITO E ACEPÇÕES

Compreender o Design e a sua ação no mundo implica, desde logo, assimilar que sua natureza projetual, embora remetendo-nos para realidades tão complexas como são o objeto e a imagem – em si mesmos e enquanto material (não necessariamente matéria) de inscrição de uma ideia, tem como alvo primordial o próprio mundo (que o devir lógico da técnica transforma, também, em objeto e imagem. O agir humano está, hoje, pleno de possibilidades que, associadas a uma crença e valorização crescentes na/da sua capacidade criativa e criadora, dão ao corpo à ideia de uma nova ontologia inscrita num modo de ser integralmente intencionado por este homo simultaneamente faber, sapiens e sentiens”. (MOURA, 2011, p.14).

A palavra design, como apresentado, está contemporaneamente

imbricada no imaginário popular como sinônimo de estética da inovação,

decorrência do senso de boa forma ou gute form (FORTY, 2007), estabeleceu-

se no âmbito social como a forma (morphe gr.) da matéria (hyle gr.) (FLUSSER,

1999).

Bonsiepe (2011. p.18) ilustra o senso comum a respeito do termo,

segundo o autor há uma evidente identificação para com os envoltórios, ou seja,

“a carcaça de um computador, o corpo de uma lapiseira, a armação de um par

de óculos”.

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Tal apropriação popular baseada na redução conceitual do termo, deriva

talvez do desígnio do design enquanto subterfugio industrial, o de estetização da

produção, seja no intento de potencializar o consumo ou no de evidenciar a

obsolescência dos modelos anteriores.

Rafael Cardoso envereda por uma tentativa de conceituação do termo,

segundo o autor “a origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo

que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar”. (CARDOSO,

2008, p.20), ou seja, o design como intenção (endógeno) e como ação

(exógeno).

Cardoso (2008) aponta para esta dicotomia inerente ao termo, entre o

abstrato (intangível) “conceber, projetar, atribuir”, ao concreto (tangível)

“registrar, configurar, formar”. (Ibidem, p.20).

Há, no entanto, como o próprio autor argumenta, uma justaposição destas

duas facetas que compreendem o conceito de design, ou seja, o design atua na

atribuição de materialidade a imaterialidade do pensamento (Ibidem, p. 20-23).

No entanto, a análise de Cardoso (2008) apenas acena para a

conceituação, envereda rapidamente para a historização e institucionalização do

design.

Vilém Flusser, filósofo tcheco naturalizado brasileiro, autor seminal para a

discussão sobre a conceituação do termo ‘design’ do modo com que este texto

se propõe a abordar, especifica a necessidade do estudo da constituição

etimológica para a compreensão das palavras.

Flusser32 (2007) em sua ponderação sobre a palavra design a partir do

inglês aponta que o vocábulo pode funcionar como substantivo ou como verbo,

o autor enfatiza que no primeiro há a conotação de “propósito, plano, intenção,

32 “Nasci em Praga, portanto bilíngue: duas línguas de estrutura radicalmente diferente, o tcheco e o alemão, contribuíram em partes iguais para a formação da minha mente, em idade universitária passei a ler e a escrever em inglês, passei a falar inglês como língua cotidiana, e inglês continua sendo a língua na qual recebo a maioria das informações que adubam meu trabalho. Morei durante muito tempo em São Paulo, o português é a língua materna dos meus filhos, escrevi e continuo escrevendo grande parte dos meus trabalhos em língua portuguesa. Atualmente moro na França, o francês passou a ser a língua que falo no cotidiano e meus cursos e conferências são redigidos na língua francesa. Como fui formado pelo sistema ginasial austro-húngaro (herdado pela Tchecoslováquia), o latim e o grego clássicos foram sistemas referenciais para todas as minhas articulações disciplinadas. Além disto, várias outras línguas, e sobretudo o italiano, tiveram influência sobre a forma pela qual me exprimo”. (FLUSSER, s/d).

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meta, esquema maligno, conspiração, forma, estrutura básica, astúcia, fraude”

(FLUSSER, 2007, p.181).

O autor (op. Cit.) descreve então o sentido do termo enquanto verbo ‘to

design’ onde a acepção remete ao “tramar algo, simular, projetar, esquematizar,

configurar, proceder de modo estratégico” (Ibidem).

Ele (op. Cit.) ainda associa o termo a sinal ‘zeichen’ (signo, desenho) e

propõe que etimologicamente o termo ‘design’ possui estreita relação com

designar, bem como, a indício, a presságio e marca distinta. (Ibidem, p.181-186).

Em sua reflexão pode-se identificar a proximidade entre o conceito de

design ao de máquina ou mecânica, tal analogia pode ter se constituído a partir

da identificação pelo autor do étimo do termo máquina que se origina no grego

mechos com a designação de “um mecanismo que tem por objetivo enganar. ”

(FLUSSER, 2007, p. 182).

Para o filosofo (op. Cit.) uma máquina é por definição um aparelho criador

de ilusões. O engodo aludido pelo autor como inerente às máquinas refere-se as

suas sobreposições, a dos artefatos sobre a natureza, assim sendo “uma

máquina é, portanto, um dispositivo de enganação” (FLUSSER, 2007, p.182), o

designer por sua vez é aquele que pela ação do design contribui ao perene

enganar.

Abro aqui um parêntese, a aproximação dada aos termos design e

máquina parece-me reverberar mais no propósito finalístico da ação do que no

meio pelo qual ele se processa. Há, no entanto, uma questão mais especifica, o

exercício da técnica, que impera em tais desdobramentos, ou seja, a máquina

como instrumento e o design com agente técnico33.

De volta ao raciocínio flusseriano, podemos especular em relação a qual

‘engano’ o autor estaria se referindo? De acordo com o autor (2002a), a máquina,

o design e a técnica carregam em si a pretensão de enganar a natureza, e,

33 Grifo nosso.

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utilizando-se de malícia, libertar-nos de nossas condições (limitações)

naturais.34(FLUSSER, 2002a, p.26).

Ortega y Gasset (1982, p.31) referem-se, ao que na visão flusseriana

delimita-se por um constante enganar, por um frequente adequar, subjugando a

natureza em função de uma sobre natureza35, ou seja, uma instância mais

favorável criada pelo artifício e sobreposta ao natural.

Por esta perspectiva o propósito do design parece estar mais intimamente

alinhado as ações humanas do que sua delimitação industrial acena, seria o

design parte de um conjunto de habilidades humanas desenvolvidas como

estratagema de sobrevivência, o usurpador das limitações do natural em função

da constituição de um projeto artificial.

Highmore (2014) adota o conceito de “ambientes projetados” e “mundos

artificiais” para descrever esta sobreposição violenta ao natural.

Segundo o autor:

[...] não reconhecer a enorme variedade de elementos projetados no mundo, e a forma como estamos envolvidos e incorporados em uma variedade de processos de design. Não enxergar este vasto terreno do artificial e fabricado é, eu argumentaria, deixar de ver o mundo em tudo. Nós vivemos [...] em mundos artificiais - essa é a nossa realidade36. (HIGHMORE, 2014, p.13)

Tal interferência humana em seu ambiente de existência fomentou, como

veremos, o domínio do homem sobre as demais espécies animais e vegetais e

possibilitou aos diferentes agrupamentos humanos a ascensão evolutiva para

além dos limites orgânicos.

Deste modo há um processo constante de adequação do natural pelo

homem, o enganar, subjugar da natureza pela humanidade, implica em última

instância na subjugação da humanidade pelo artifício empregado, intento do

34 Original em espanhol, tradução nossa: “Y esta máquina, este diseno, esta arte, esta técnica, tiene por objeto enganar a la gravedad, burlar las leyes de la naturaleza y, usando de malicias, liberarnos de nuestras condiciones naturales, precisamente aprovechándose de una ley natural”. 35 Original em espanhol, tradução nossa: “sobrenaturaleza.” 36 Original em inglês, tradução nossa: “[...] not recognising the massive range of 'designed'elements in the world, and the way we are implicated andincorporated in a variety of design processes. To fail to see this vastterrain of the artificial and manufactured is, I would argue, to fail tosee the world at all. We live [...] inartificial worlds - that is our actuality. ”

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design enquanto estratagema. A conspiração, conotação possível ao design, é

a auto infligida obsolescência técnica do homem, tais decorrências ensejam o

pós-homem, ou seja, o afastamento pleno dos ditames do natural em função dos

auspícios do artificial.

Flusser (2002b), em sua reflexão sobre o indivíduo inserido nesta nova

lógica, formula que neste contexto o protagonismo ‘centro’ é o lugar do aparelho

e “[...] o horizonte é constituído por funcionários que funcionam em função do

aparelho” (FLUSSER, 2002b, p.84), deste modo o autor reluta em delimitar “o

funcionário pelo termo homem, já que se trata de um novo tipo de ser que está

surgindo”. (ibidem).

O novo tipo de ‘homem’ ao qual o autor (op. Cit.) se refere, dentre outras

características, traz consigo uma acentuada circunscrição técnica, o ‘funcionário’

descrito pelo autor é tecnicamente menos capacitado do que se comparado aos

seus ancestrais mais remotos, por outro lado dispõe de maior poder de

conversão do espectro natural as suas necessidades iminentes, visto que dispõe

de ferramental operacionalizador para tal intento.

Tal afirmação parte do princípio de que o homem contemporâneo faz uso,

em geral, da mediação dos artefatos por ele criado, seja no exercício das

atividades cotidianas, na conjunção da fé, na efetivação das emoções, na

obtenção daquilo que lhe é necessário a manutenção de sua vida.

Tal dependência e sujeição acentuaram-se no decorrer dos séculos que

sucederam historicamente o Renascentismo Europeu, sobretudo como cenário

decorrente de três grandes episódios que dividiram o Séc. XVII, o movimento

iluminista (racionalização do mundo), a revolução industrial (mecanização do

mundo) e a concepção e implementação da escola compulsória

(homogeneização do mundo).

Historicamente, o termo design surge a partir de tais determinações sócio-

político-culturais, ganha dimensão no âmbito industrial entre os séculos XVIII e

XIX e acende ao cotidiano popular no decorrer do século XX.

O pensamento flusseriano em relação a etimologia do termo design ainda

discorre, também por aproximação contextual, a etimologia dos termos técnica

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do grego ‘techné’ cujo equivalente latino é ‘ars’, que de acordo com Flusser

(2007, p.183) possui o significado de manobra, em alemão ‘Dreh’ - torção.

É de suma importância na leitura de Vilém Flusser a consideração de seu

poliglotismo manifesto no falar, no escrever e sobretudo no pensar. Em sua

explanação a respeito da palavra ‘ars’ o autor (op. Cit.) complementa seu

raciocínio na constatação de que “o diminutivo de ars é articulum [...] e indica

algo que gira ao redor de algo, [...] ars quer dizer algo como ‘articulabilidade’ ou

‘agilidade’, o artifex ‘artista’ quer dizer impostor”. (ibidem, p. 183).

Deste modo o autor (op. Cit.) conclui que o artista é um ilusionista e sua

produção o artifício, a ilusão que por sua vez se traduz no efêmero, na

interpretação equivocada, no engano. O artista, tal qual o designer, provido da

capacidade de articular o que conhece e reconhece (abstrato) e em sua

habilidade de torná-lo tangível (perceptível) aos demais, oferta em verdades o

logro artificial.

O caráter dissimulador apontado por Flusser em relação ao design se

apresenta também, de modo implícito, no texto de Forty (2007), o autor flexiona

sobre a invenção do rádio o qual define como “uma montagem grosseira de

resistores, fios e válvulas” (FORTY, 2007, p. 20), aponta ainda que diante de tal

realidade, coube ao design o disfarce da máquina de modo a torná-la

homogênea em relação aos demais mobiliários e utensílios domésticos de então,

ou seja, o design como fomentador do mimetismo tecnológico

Mimetismo refere-se à capacidade de alguns animais de se misturarem

em cor, forma e proporção ao seu entorno e deste modo dificultar sua

identificação por possíveis predadores. O mimetismo tecnológico manifesta-se

na capacidade de mascaramento de estruturas pouco atraentes e distantes da

noção de conforto que em geral requer o ambiente doméstico, em objetos de

desejo.

Esta casca desenvolvida por meio do design com o intento de disfarçar as

incólumes engrenagens das máquinas passou, com o tempo, a referenciar um

dos propósitos do design, o desenho, que como apontado acima, tornou-se no

entendimento vulgar, o seu sinônimo.

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Podemos então delimitar a compreensão do termo design em suas partes

constituintes, o desenho, o projeto e o desígnio. Devemos atentar que há mais

do que uma distinção semântica entre os três, há, se entendermos estes

conceitos como propósitos do design, uma separação temporal em seu

surgimento e ascensão na história da cultura humana.

Moura (2011, p.21) aponta as origens comuns dos termos design e

desígnio, segundo a autora ambos derivam do verbo latim dēsignāre “marcar,

traçar, representar, dispor, regular” (CUNHA, 2010, p.210), que por sua vez

deriva do substantivo signum “sinal, marca distintiva” (ibidem).

Ambas as definições nos confirmam que, desde a origem, a palavra Design se situa como mediadora entre o inteligível e o sensível, evidenciando uma inegável dimensão semiótica traduzida na fórmula medieval alçiquid stat pro aliquo – algo que está por algo [...], numa dinâmica constante entre presença e ausência que define não só o entendimento histórico do signo, mas também a natureza projetual do Design [...]. (MOURA, 2011, p. 21).

O design enquanto desígnio precede o design como desenho e este por

sua vez precede o design enquanto projeto. No entanto, de modo idiossincrático,

é possível sugerir que tais distinções sirvam apenas a uma ilustração do

problema, visto que desígnio, desenho, projeto e design são imperativos de uma

mesma conjectura, a necessidade ontológica do ser humano em construir, física

e ideologicamente, o seu meio.

Salustri e Eng (2007) propõe uma interessante reflexão onde abordam o

design primeiro como solução de problemas, para em seguida conjecturar o

termo como planejamento, ato criativo, síntese e, na minha opinião em instância

maior, o design como uma habilidade humana natural.

Os autores (op. Cit.) consideram a solução de problemas como uma

complexa função intelectual e que “tem sido definida como um processo

cognitivo de alto nível que requer a modulação e o controle de habilidades mais

rotineiras ou fundamentais”. (Salustri e Eng, 2007, p. 4).

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No entanto, de acordo com os autores (op. Cit.) não são em todos os

problemas que o design poderia ser aplicado, ou seja, circunscrever o design à

solução de problemas fundamentalmente poderia implicar em um

dimensionamento errôneo dos limites do design e de suas possíveis acepções.

Obviamente, os limites do design não são nítidos. De fato, eles não devem ser precisos, para assegurar que haja flexibilidade suficiente para permitir que o design como disciplina e um corpo de conhecimento evolua com a compreensão da humanidade sobre o universo. (SALUSTRI e ENG, 2007, p.3).

Já a abordagem que tangencia o design enquanto planejamento, o que

segundo os autores (op. Cit.) equivale ao intento projetivo, requer a abstração

do escopo, ou seja, o plano se dá em função do objetivo programado e dos

processos a serem empregados neste delineamento.

Para os autores (op. Cit., p. 6) a “diferença - o que distingue o” campo do

design “da perspectiva de planejamento - é a natureza das suposições

subjacentes” (SALUSTRI e ENG, 2007, p.6), ou seja, o planejamento implica na

certeza do evento ao qual se antecipa, enquanto o design requer adaptação e

flexibilidade em função de uma incerteza, visto que o alvo só se delineia em

completude a medida que etapas processuais bem-sucedidas são realizadas.

(op. Cit., p.6).

Na perspectiva do design enquanto ato criativo, os autores (op. Cit., p.6-

7) apontam que “o design geralmente envolve gerar cognitivamente ideias que

não seriam geradas de outra forma” (op. Cit., p.7), há dentro deste compêndio,

no entanto, uma distinção necessária, ou seja, “a criatividade do design é

diferente da criatividade artística por ter que atender às necessidades dos

outros”. (op. Cit., p.7).

[...] uma criação puramente artística é uma autoexpressão - uma expressão do self do artista - mesmo que o ato seja motivado por forças ou experiências externas. O artista interpreta as coisas, descrevendo o que ele mesmo “vê”, e depois traduz que os outros “vejam”. [...] Um projetista, no entanto, deve encontrar uma expressão comum a muitas pessoas, conduzida em grande parte pelo que os outros ‘veem’. Um projetista deve desenvolver algo que capte as visões dos outros. Isso não quer dizer que os designers não imbuem seus projetos com suas próprias sensibilidades - é claro que sim. Mas a coisa imbuída pela sensibilidade do designer é fundamentalmente motivada pela visão dos outros. (SALUSTRI e ENG, 2007, p.7).

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A criatividade, atividade de criar, conceber existência, gerar, formar

(CUNHA, 2010, p.189), requer do indivíduo aptidão, tal característica não se

manifesta estritamente na produção de artefatos, em contrário o ato criativo se

faz presente em diferentes dimensões das habilidades humanas.

Gardner (1994), como detalhado mais a gente neste texto, refere-se a oito

inteligências potenciais. Se considerarmos a divisão proposta por Gardner

(1994) a criatividade pode se manifestar de modos distintos em cada uma delas.

Considerando ainda que um mesmo indivíduo possua desenvolvimento

cognitivo em mais de uma dimensão, temos então um potencial criativo

hibridizado, ou seja, exponencialmente ampliado.

Pedrebon (2003, p.26) referindo-se a parábola ‘Diálogo de Timeu’ escrita

por Platão aproximadamente em 360 a.C, descreve a criatividade como uma

anomalia inserida na linearidade, deste modo, rompendo com o presumido e

gerando uma bifurcação, ou ato criativo.

A criatividade requer necessariamente o corpo preparado. O termo

serendipidade, anglicismo utilizado para descrever as descobertas feitas

aparentemente ao acaso, descrevem este processo onde as articulações das

competências teórico-técnicas em relação aos dispostos contextuais facultam o

surgimento de proposições inovadoras.

O designer como projetista não necessita exatamente da criatividade, o

projeto pode operar em função de um estratagema metodológico e técnico, ele

o designer, pode conceber e desenvolver o idealizado sem ser necessariamente

um criativo, deste modo apenas atendo-se aos planos.

Deste modo circunscrever o design a um ato criativo também é pouco

preciso, visto que podemos ter atos criativos que não compreendem ações de

design e o fazer design sem necessariamente ter ou fazer uso da criatividade.

No entanto, se o entendimento do design se amplia como veremos a

seguir, a criatividade passa a ser imperativa neste processo.

Salustri e Eng (2007) flexionam ainda o design como síntese, para os

autores (op. Cit.) “síntese é a construção da complexidade a partir da

simplicidade”. (SALUSTRI e ENG, 2007, p.7).

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A complexidade aventada está no intento da ação, Salustri e Eng (op. Cit.)

acenam para uma associação do design como síntese ao entendimento de

projeto, “a síntese é mais do que apenas montagem ou superposição, porque as

funções desejadas do todo complexo muitas vezes emergem apenas da

combinação das partes do todo e não das próprias partes” (op. Cit., p.8).

A síntese não é exatamente o mesmo que criatividade, mas há (ou, pelo menos, pode ser) criatividade em síntese porque a própria complexidade é criada “do nada”. As características emergentes de uma coisa sintetizada são geralmente descritas em termos funcionais que capturam, como o todo é usado em algum cenário. Assim, a síntese pode ser considerada como um tipo de criatividade de função [...] mas não uma criatividade de estrutura. (SALUSTRI e ENG, 2007, p.8).

O torcer de um clipe de papel para criação de uma ferramenta de precisão

compreende esta síntese proposta pelos autores (op. Cit.), Boufleur (2013)

nomeia esse rearranjo funcional por ‘gambiarra’, Dones (2004) e Lupton (1996)

por design vernacular37.

O vernacular, por definição, ampara-se nas demandas e insumos

contextuais, ou seja, em função de uma necessidade premente, o indivíduo

provê pela articulação teórica e técnica a partir da apropriação e uso de recursos

locais, o atendimento a determinada demanda.

Por fim, Salustri e Eng (2007, p. 8) discorrem pelo design como habilidade

natural humana, definição também compactuada por Heskett (2008) e Papanek

(1977). Tal definição parte do princípio que o design é, junto com a linguagem,

uma característica determinadora do ser humano.

Todos os homens são designers. Todo o que fazemos quase sempre é design, pois o design é a base de toda atividade humana. O planejamento e a regulamentação de qualquer ato que vise um objetivo desejado e previsível é um processo de design. Qualquer tentativa de isolar o design para torná-lo uma

37 O termo vernacular deriva da palavra vernáculo que possui significado de “próprio da região em que está, nacional. ” (CUNHA, 2010, p.674).

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entidade por si só vai contra o valor intrínseco do design como a matriz primária subjacente da vida [...]38 (PAPANEK, 1977, p.19).

Papanek (1977) praticamente inicia sua obra “Design para o mundo real”

com a afirmação acima, algumas questões se colocam então. Se todos somos

designers onde se manifestam nos âmbitos locais e globais tal habilidade? Ou

ainda, se fomos todos designers em algum momento da história humana, o que

houve para que deixássemos de ser, ou o que mitigou tal competência?

O autor (op. Cit.) complementa o seu raciocínio descrevendo ações

cotidianas de pequeno e grande porte como atos de design, e claro, que se tais

competências compreendem design, somos então, em bom número, designers.

[...] Desenhar é compor um poema épico, fazer um mural, pintar uma obra-prima, escrever um concerto. Mas projetar também é limpar e reorganizar a gaveta de uma escrivaninha, arrancar um dente cariado, preparar uma torta de maçã, escolher as barracas para um jogo de beisebol de rua, educar uma criança. Design é o esforço consciente para estabelecer uma ordem significativa39. (PAPANEK, 1977, p.19).

Ainda em consideração ao design como habilidade natural humana se

analisarmos em termos evolutivos conforme aponta Salustri e Eng (2007), o

potencial de transformação do meio pelo design criou condições exponenciais

de vantagem no processo evolucionário em relação às demais espécies. Heskett

complementa que essencialmente o design define-se na capacidade natural do

homem de moldar o seu meio em função de suas necessidades prementes e por

consequência dar ou conferir sentido a sua própria existência. (HESKETT, 2008,

p. 13).

38 Original em espanhol, tradução nossa: “Todos los hombres son diseñadores. Todo lo que hacemos casi siempre es diseñar, pues el diseño es la base de toda actividad humana. La planificación y normativa de todo acto dirigido a una meta deseada y previsible constituye un proceso de disegño. Todo intento dirigido a aislar el disegño a convertirlo en una entidad por sí misma, va en contra del valor intríseco del diseño en cuanto a matriz primaria subyacenre de la vida [...] “(PAPANEK, 1977, p.19). 39 Original em espanhol, tradução nossa: [...] Diseñar es compreender un poema épico, realizar un mural, pintar una obra maestra, escribir un concierto. Pero diseñar és también limpiar y reorganizar el cajón de un escritorio, sacar una muela cariada, preparar una tarta de manzana, escoger los puestos para un partido de béisbol callejero, educar a un hijo. Diseño es el esfuerzo consciente para establecer un orden significativo”. (PAPANEK, 1977, p.19).

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O design é uma das caracteristicas básicas do que significa ser humano e um elemento determinante da qualidade de vida das pessoas. Ele afeta todo mundo em todos os detalhes de ntodos os aspectos de tudo que as pessoas fazem ao longo do dia. E, como tal, o design é extremamente importante. Há pouquíssimos aspectos dfo ambiente em que vivemos que não podem ser aperfeiçoados de maneira decisiva por meio de maior atenção a seu design. (HESKTT, 2008, p.10)

É notória que a capacidade inventiva e projetiva do ser humano, bem

como, as demais características constituintes do Ser tornaram-se objeto de

inúmeras reflexões no campo cientifico. A teoria evolucionária de Charles Darwin

(1859) apresenta inúmeras sinergias entre o campo biológico ao da filosofia da

técnica e do design, se analisarmos o processo evolucionário de modificação

biológica em função de fatores externos ao processo de desenvolvimento e uso

de artefatos e ferramentas e seu constante combinar, teremos então um

panorama equivalente, um no campo orgânico como proposto por Darwin, o

outro no campo do artifício.

Papanek (1977), Salustri e Eng (2007) e Heskett (2008) acenam para um

design resultante deste processo evolucionário e de seleção natural sobre o qual

a humanidade se desenvolveu e assumiu hegemonia, direta e indireta, sobre

quase toda a natureza. Uma aptidão humana fundamentalmente inata,

ontológica, determinadora da própria espécie.

Uma capacidade de projetar pode dar a um organismo uma vantagem evolutiva. Se o design traz uma mudança benéfica, então um organismo de designer poderia antecipar a necessidade de alterar proativamente seu ambiente, planejar essa mudança e depois executar esse plano. Se colocado contra outros organismos sem tal capacidade, segue-se que a seleção natural favorece organismos que projetam bem, ceteris paribus40. (SALUSTRI, 2007, p.8)

O entendimento do ser humano, provido pela nata capacidade inventiva e

projetiva, capaz de adequar o meio à sua própria existência, usurpador das

limitações impostas pela natureza, em constante evolução e consequente

afastamento das limitações do Ser natural, apresenta estreitas sinergias com o

40 Ceteris paribus, também grafado como coeteris paribus('ce.te.ris 'pa.ri.bus na pronúncia eclesiástica ou ko.'e.te.ris 'pa.ri.bus, na pronúncia restaurada), é uma expressão do latim que pode ser traduzida por "todo o mais é constante" ou "mantidas inalteradas todas as outras coisas".

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pensamento anteriormente apontado na obra de Flusser (2007) e de Ortega y

Gassed (1982).

Salustri (2007) antecipa-se a uma eventual crítica no que se refere ao

‘tempo projeto’, mensurável em escala da atividade cotidiana, mas difícil de

estabelecer do ponto de vista evolutivo. Há, no entanto, segundo o autor (op.

Cit.) um projeto impresso no desenvolvimento da caça, da agricultura e na

ascensão das sociedades modernas, tal qual discorre Harari (2011; 2016).

Este ímpeto projetivo nato origina-se na cultura, suporte coletivo, e nas

experiências vividas, reptos individuais. A lâmina sucede o corte, a lança advém

do furo, a corda incide do aperto. Em decorrência surgem a bainha, o arco e o

nó, em uma sucessão projetiva que levaria anos mais tarde o homem até a lua.

Heskett (2008, p. 14) aponta que tal “capacidade de fazer design está, de

inúmeras maneiras, no cerne de nossa existência como espécie humana”,

aventa que o domínio humano sobre a natureza se deu através do design, que

junto com a linguagem, tornou-se a própria definição do que é ser humano.

Ressalva-se uma distinção fundamental entre o delineamento do designer

natural, homo faber, e o designer profissional, homo economicus41. Salustri

(2007, p.9) propõe a distinção entre o que chama de ‘designer leigo’ e o ‘designer

profissional’, de acordo com o autor (op. Cit.) enquanto o primeiro grupo articula-

se na atividade projetiva inconscientemente o segundo o faz com intento

consciente.

A característica essencial aqui é uma percepção consciente de que alguém está projetando. Esta consciência está presente em designers profissionais, mas não presente no designer leigo [...] propõem-se que a consciência seja a métrica que determina uma camada limite entre os atos de design natural - dos quais o designer não estaria ciente - e os atos intencionais do design profissional. Notamos que essa maneira de pensar sobre o design oferece uma definição alternativa de design profissional: design conduzido com consciência, intenção, reflexão e acesso a um corpo externo de conhecimento. (SALUSTRI, 2007, p.9).

O design profissional ilustra a delimitação dada a atividade no período pós

revolução industrial, em contrapartida o designer natural perpassa a história

41 O conceito do homo economicus surge na obra de Adam Smith (1776) “A riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas”. Dentre as principais características que o definem estão: o intento do homem de obtenção do maior ganho com menor esforço, bem como, do interesse pessoal como atividade psicológica fundamental, a razão como premissa e a constatação de que tais características são universais e que todas as ações são racionais e amparadas pelo conhecimento pleno. (SMITH, 1996).

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humana como intento projetual nato. Há um choque histórico entre ambas as

acepções, ou seja, o homem quando destituído de seu oficio, operacionalizado

em função da produção industrial, gradativamente obliterou sua capacidade

projetiva natural, delegou à mediação a obtenção dos recursos necessários a

manutenção de sua vida, deste modo conformou-se a ser peça de um todo

mecanizado.

Não significa, no entanto, que o design, enquanto capacidade de

transformação e adaptação do meio, fosse aniquilado em função da sociedade

que se erigiu no pós-industrialismo, foi sim, gradativamente diminuído enquanto

atividade econômica e social relevante e segregado a marginalidade.

Podemos notar neste ponto as sinergias entre as definições possíveis, o

design como habilidade natural humana abrange o desenho, o desígnio e o

projeto, mantem junto também a síntese, a criatividade e a inovação, amparam-

se na cultura e no contexto social a fim de enganar como apontou Flusser (2007)

ou tardar o fatídico fim.

O termo homo faber refere-se a uma formulação filosófica articulada pela

filosofa alemã Hannah Arendt (1906 - 1975 ) e o filosofo alemão Max Scheler

(1874 - 1928 ) para designar o homem e sua impulsiva necessidade de

sobreposição e controle da natureza por meio da utilização de ferramentas e

instrumentos. O conceito aparece anteriormente na obra de Bergson (1922,

p.146), no capítulo em que discute a inteligência e o instinto.

De acordo com Bergson:

Se pudéssemos nos livrar de todo orgulho, se, para definir nossa espécie, nos ativéssemos estritamente ao que os períodos histórico e pré-histórico nos mostram como sendo a característica constante do homem e da inteligência, poderíamos nos definir talvez não como Homo sapiens, mas como Homo Faber. Em suma, a inteligência, considerada no que parece ser sua característica original, é a faculdade de fabricar objetos artificiais, especialmente ferramentas para fabricar ferramentas, e de variar indefinidamente a fabricação42. (BERGSON, 1922, P.146).

42 Original em inglês “If we could rid ourselves of all pride, if, to define our species, we kept strictly to what the historic and the prehistoric periods show us to be the constant characteristic of man and of intelligence, we should say perhaps not Homo sapiens, but Homo faber. In short,

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Há mais que coesão entre os entendimentos do design como habilidade

natural humana e as definições que tangem o homo faber. Ao meu ver

sinonimizam uma mesma determinação, a de um homem autonomo, detentor do

domínio teórico e técnico e da capacidade de prover inovação e adequação do

ambiente às suas necessidades.

Tais prerrogativas, como apontado anteriormente, manifestam-se nas

produções e projetos vernaculares, o design e a arquitetura vernacular são

manifestações autônomas e culturais do homo faber, ilustram a capacidade

projetiva e construtiva que emerge da necessidade imediata, acenam a um

homem que precede o consumo, que implica o fazer.

Figura 8: Design, motivação e competências

Fonte: Autoria Nossa.

Neste sentido o design surge do inevitável, e nele jaz a motivação, mas

só se manifesta enquanto conjunto complexo e articulado de processos a partir

da inter-relação de competências preexistentes que o possibilitem, sendo elas:

a teoria, a técnica, a tecnologia e o propósito projetivo. Deste modo através da

articulação do conhecimento em relação a habilidade empenha-se no uso de

insumos, instrumentos, ferramentas e metodologias em atenção a solução de

uma necessidade emergente e/ ou na geração de tendências.

O homem em sua natureza é um ser técnico, desenvolveu-se e capacitou-

se como visto anteriormente na corriqueira tarefa da articulação dos

conhecimentos e competências adquiridos (cultura), ao incremento e aplicação

de habilidades (técnicas) em seu ambiente de existência (contexto).

intelligence, considered in what seems to be its original feature, is the faculty of manufacturing artificial objects, especially tools to make tools, ando f indefinitely varying the manufacture.” Tradução nossa.

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Seus registros e interferências no âmbito dos espaços de passagem

possibilitaram ao homem a adequação material e imaterial do selvagem

(subjugado pelo ambiente) ao civilizado (o ambiente subjugado).

A existência humana na terra possui apenas uma ínfima fração se

considerarmos o tempo geológico, no entanto, o impacto de tal existência é muito

significativo. O homem é aquilo que faz de si mesmo, ou seja, moldando o mundo

ao seu redor modela a si próprio.

Sennett (2013, p.26) assinala que foi através da cultura material que os

seres humanos se tornam aptos ao fazer, o produzir transformações. O homem

de produção, instrumentalizado e habilitado a sua operação, transforma

continuamente o seu presente enquanto delineia o seu futuro. Tal determinação

impele o indivíduo (humanidade) um pouco mais a diante de onde encontrava-

se anteriormente, em um processo perene de autotransformação.

Vimos até este ponto as diferentes acepções direcionadas ao termo, cada

qual delimita e temporaliza o design de modos distintos, do circunscrito ao

pluralístico.

Propõe-se aqui o entendimento do design enquanto uma atividade natural

complexa inerente ao ser humano, que se ampara nas competências técnicas,

culturais, tecnológicas e metodológicas para se processar, por meio da

articulação e uso de recursos materiais e imateriais, insumos e disposições

contextuais, em função de um propósito norteador.

Distingue-se da arte, do artesanato e da arquitetura sem, no entanto, abrir

mão de características unificantes, ou seja, o design se estudado em um

momento histórico especifico apresenta-se com distinção fragmentária das que

potencializa se analisado diacronicamente.

O design como habilidade natural humana é manifesto no conjunto de

ações humanas que gradativamente se bifurcaram em áreas distintas, que

consequentemente receberam nomenclaturas também distintivas, mas que

possuem em suas genealogias características comuns às que adotamos neste

estudo para a definição do termo design.

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4. ENSINO E APRENDIZAGEM

Comportamento é uma série de atos ou procedimentos que pode respeitar ou violar normas previamente estipuladas, com vista a um resultado específico. Atitude é um complexo de atos, intensões e posturas que trancende o objetivo imediato, envolvendo por inteiro o sujeito da consciência. (SODRÉ, 2012, p.35).

4.1. ENSINO: DESIGN DO SER

Como visto, o processo de constituição social implicou na concepção e

implementação de regramentos que possibilitassem a coesão destes grupos.

Parte deste conjunto identitário constituiu a formação cultural das diferentes

populações.

A influência dos indivíduos adultos sobre as crianças e jovens sempre foi

uma constante e, deste modo, provia-se as condições necessárias ao perene

aperfeiçoamento cultural alicerçado no acumulado pela sociedade no passado.

Há neste processo, o de transmissão e apropriação cultural local, o intento

de manutenção social e como consequência uma ação homogeneizante das

individualidades. Tal característica enseja a noção de pertencimento e em

decorrência a coesão grupal.

Há também, como assinalado, um propósito locativo inerente aos

processos de transmissão de conhecimento entre gerações. É por meio dele que

se estabelece a perpetuação da herança cultural, que baliza a tradição ao

delineamento de inovações, o previsível em harmonia ao imponderável.

Tais métodos carregam em si a naturalidade mesmo que impliquem em

complexos sistemas socializantes. Estão amparados nos mais remotos e

ancestrais estados comportamentais. O jogo da imitação, que foi aperfeiçoado

pelos seres humanos no que se delinearia por ensino e educação, é uma

característica evolutiva e comportamental comum entre os mamíferos.

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4.2. FORMAÇÃO: ENSINO E CULTURA

O termo ‘ensino’ origina-se no latim ĭnsĭgnāre, da conjunção de in ‘em’,

mais signum, ‘marca, sinal’. Ensinar em sentido estrito é marcar o outro, criar

insígnias permanentes, impetrar sinais distintivos nos corpos e nas almas

daqueles que são ensinados.

Os processos de ensino e aprendizagem precedem a formulação do

ambiente escolar tal qual o concebemos hoje. Nas sociedades primitivas o

aprendizado se dava, em geral, de forma empírica. Os jovens acompanhavam

os mais velhos e experientes, observando e exercitando tarefas que haveriam

de ser provadas mais tarde em cerimonias de iniciação. (ABBAGNANO Y

VISALBERGHI, 1964).

O ensino é um processo natural que possibilita a transmissão, a aplicação

e o aperfeiçoamento dos conhecimentos, métodos e técnicas que integram a

cultura das diferentes populações humanas.

Estes processos de transmissão cultural, o ensino e a aprendizagem,

tendem a diferenciar-se entre populações distintas. As necessidades contextuais

implicam os processos e atendem às demandas locais, ensejam essencialmente

o mesmo intento, “a transmissão da cultura do grupo de uma geração a outra43”.

(ABBAGNANO Y VISALBERGHI, 1964, p.11) e assim criar condições ao

estabelecimento de padrões e conhecimentos e em decorrência, seu

aperfeiçoamento pelas gerações vindouras. (ARANHA, 1996, p.15).

Toda cultura é aprendida, seja através dos processos de ensino ou pela

experiência. É a cultura que define a identidade um povo, e através de sua

transmissão, possibilita que se perpetue e se aperfeiçoe. (ABBAGNANO Y

VISALBERGHI, 1964, p.11-16).

43 Tradução nossa do original em espanhol: “[...] la transmisión de la cultura del grupo de uma generación a la ora [...]”.

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Está na cultura, aprendida, a habilidade necessária para manejar o

conjunto técnico condicionante da sobrevivência de determinado grupo, bem

como, do conhecimento e crenças que norteiam esta existência.

Tal compêndio, o do ensino como característica humana elementar,

precede o estabelecimento formal dos métodos de registro como o desenho e a

escrita, mas perpetua-se ao longo do tempo, histórico, como entidade básica da

constituição cultural dos povos.

O conhecimento vernacular, manifesto nas diferentes culturas humanas,

molda as sociedades e impelem o desenvolvimento local. Atualmente somente

alguns poucos agrupamentos humanos ainda vivem exclusivamente em

coletividades tribais.

De acordo com Cobra (1996, p.26-27) contemporaneamente, no entanto,

o olhar para sociedades tribais onde não há Estado, classes, escrita, comércio,

história e escola, conduz a definição de população “atrasada”, e neste sentido,

carente de intervenção e acesso ao progresso, fator este motivador das

inúmeras incursões jesuíticas por exemplo, no entanto, como aponta Cobra

(1996, p.26) “explicar as sociedades tribais pelo que lhes falta impede

compreender [...]” o que eles esbaldam.

Assim, características inerentes ao ensino elementar, inerente às

populações afastadas dos grandes centros urbanos, podem nos fornecer matéria

para eventuais incrementos metodológicos em populações que vivem sob a

égide da globalização e da informatização das relações humanas e culturais.

4.3. APRENDIZAGEM: MEDIAÇÕES E EXPERIÊNCIAS

A origem da palavra ‘aprendizagem’ remonta ao Latim ‘apprehendere’,

composta pelo prefixo ad ‘a’ e do verbo prehendere que significa ‘agarrar, pegar,

segurar’. Podemos em metáfora deliberar que o aprender significa o processo

de agarrar com o intelecto, o prender com o cérebro.

O processo de aprendizagem implica o perene ‘prender’ dos estímulos

originados no contexto de existência. Este processo carece do constante

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experimentar do mundo circundante e manifesta-se de modo idiossincrático em

cada indivíduo.

A mediação desta relação entre mente (interior) e mundo (exterior) é

constituída em instância primeira pelo corpo, por meio dele aquilo que é externo

se interioriza e converte-se em conhecimento.

A experiência como mediadora dos processos de aprendizagem incita o

constante adquirir de novos conhecimentos e saberes potencializando a ação

transformadora do ser humano em seu meio de existência, bem como, o

desenvolvimento e uso de artefatos potencializadores destas ações.

Algumas linhas teóricas contemporaneamente inserem o conceito de

aprendizagem como um subproduto da educação, esta sim norteadora maior dos

métodos e procedimentos inerentes à formação socio cultural dos diferentes

povos. No entanto propomos em contrário a dissociação entre os conceitos.

A palavra educação origina-se no Latim educātĭō, que indica a ação de

guiar, conduzir, liderar. Observa-se que conceitualmente o termo educação

descreve o processo de condução para o além-fronteiras das individualidades.

Nota-se, em suas genealogias, significativas diferenças entre os termos

aprendizagem e educação. Enquanto o primeiro implica a autonomia o segundo

a sujeição.

Há uma imbricação do que poderíamos definir por capacidade

experiencial nata do indivíduo para com a proposição e interface possibilitada

pelo educador, que por meio de processos de compartilhamento e exposição de

suas próprias subjetividades e experiências, concebem ambientações que

possibilitem o entendimento que se busca ilustrar.

Dentre os métodos utilizados para transferência e compartilhamento de

tais erudições evidencia-se a capacidade narrativa e demonstrativa do saber

articulado em analogia a disponibilidade de requisitos contextuais e

metodológicos que permitam e potencializem tais inter-relação.

Como apontado anteriormente, é evidente a característica autônoma dos

processos de aprendizagem em comparação à lógica de condução manifesta na

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educação. Sinergicamente, observa-se o intuito de aplicação dos dois modelos

que está no propiciar da ampliação técnica e teórica daquilo que se sabe em

função do que se deve saber, em um procedimento constante de

intelectualização de experiências.

Em relação a educação Sodré (2012) argumenta que se tomarmos:

[...] a educação como um processo de incorporação intelectual e afetiva, pelos indivíduos, dos princípios e das forças que estruturam o Bem de uma formação social. O Bem (to agathon, para o antigo grego) é simplesmente outro nome, de feição clássica, para o equilíbrio econômico, político e ético da comunidade humana, portanto, para a preservação da vida e para a continuidade do grupo de acordo com os princípios de sua formação. (SODRÉ, 2012 p. 15).

A educação age como aparelho social em função da construção de

relações entre os conhecimentos sistematizados e as instituições socio políticas

econômicas e culturais, deste modo criando-se um processo de formação de

identidades e comportamentos que se relacionam e homogeneízam-se no

contexto de vivência.

Há um frequente equivoco conceitual, como aponta Sodré (2012), na

utilização e aplicação de terminologias tais quais: processos educativos,

instrucionais e culturais.

Educar remete à condução do sujeito inculto sob o passadiço que liga o

saber vulgar ao conhecimento socialmente acordado e absolutamente

compulsório.

Instruir remete ao instrumentalizar tecnicamente, em geral, no que

concerne as atividades especificas e determinadas, em um processo de

transmutação do corpo em instrumento de precisão.

Por sua vez a constituição cultural, como já trabalhada neste texto, implica

uma formação que hibridiza as dimensões que compõe a sociedade, sejam elas

decorrentes do empirismo e/ou oriundas dos pleitos e feitos científicos.

Cremos ser oportuno adicionar a esta lista o termo ‘treinamento’

empregado com frequência para descrever certos processos educacionais, mas

que guarda em sua etimologia a ideia de adestramento. Origina-se no latim

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popular ‘tragīnāre’ com a conotação de puxar, conduzir por determinado e

especifico caminho, traçado. (CUNHA, 2010, p.648).

Enquanto a cultura abarca o “modo de produção de sentido para a

totalidade social” (SODRÉ, 2012, p.16) a educação é a determinante do

procedimento através do qual conforma-se o educando a um ordenamento social

requerido ou desejado no contexto político no qual se processa.

Conhecimento significa o processo pelo qual um sujeito, individual ou coletivo, entra em relação com um objeto ou uma informação, visando obter dele um saber novo. Distingue-se do mero reconhecimento, porque implica a busca, a partir de sua própria experiência, de um saber ainda não produzido. Não é portanto, uma simples informação, porque implica uma qualificação existencial do pensamento frente a realidade. (SODRÉ, 2012, p.30).

A educação atua no âmbito do racionalismo sistemático e encaminha os

educandos a um afastamento do selvagem, no sentido de natural e espontâneo,

através de processos inerentes aos seus propósitos constituintes.

Caracteriza-se por um instrumento de formação e controle social, objetiva

em instância elementar a restrição da selvageria em função da composição do

ideal civilizado.

O encarceramento de crianças e jovens compulsoriamente visa prover o

distanciamento gradual dos potenciais estímulos não mediados com o mundo

exterior, em substituição oferta-se simulações deste mundo. Este rito forma e

impele a passagem entre a criança e o adulto producente, onde se disciplinam

os sujeitos e constituem-se suas perenes amarras sociais.

Os ambientes onde os processos de ensino e aprendizagem se processão

são tão variados quantos as metodologias e instrumentais empregados a este

propósito, a experiência autônoma se manifesta na completude da vida, ou seja,

é a condição primeira de consumo pleno do mundo.

O ensino particiona a vastidão conformando-a em laboratório, e assim

enseja na fração as demonstrações cabíveis no contexto e no conteúdo que se

pretende transmitir.

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Quanto mais especializado for, mais especificado será o ambiente onde

pretende-se as demonstrações. Tais circunscrições, no entanto, não impedem a

livre relação entre o específico e o complexo contextual.

Há, nos processos de aprendizagem, uma sinergia necessária entre o

indivíduo e o ambiente. Estabelece-se uma troca e sobretudo uma relação

sustentável com o meio de interferência.

A educação por sua vez requer um afastamento, a delimitação de um

espaço que possibilite o livre trânsito de ideologias, utilizamos por ideologia a

definição conferida por Sodré (2012, p.34) que a define pela “ troca do real pela

imagem ou do original pelo reflexo”, a este ambiente deu-se o nome de escola.

4.4. ESCOLA: AMBIÊNCIA E CONTENÇÃO

A configuração da disposição humana pode ser conseguida mediante diversos agentes; mas, nas sociedades modernas, a escola é um dos mais importante e, como tal, constitui lugar indispensável para que uma filosofia se concretize como “realidade viva”. (WESTBROOK Et al, 2010, p. 12).

A origem da palavra escola está no latim schŏla, derivado do grego “σχολή

(scholē)” (CUNHA, 2010, p.258) que em sua definição denotava um espaço

destinado a folga e ao lazer, como decorrência propiciava o bate-papo e a

discussão que mais tarde acabou por se tornar seu principal significado, ou seja,

um espaço destinado a conferências, palestrar ou professar, tal entendimento

também conduziria a representação daquele que conduzia as atividades

escolares, ou seja, o professor.

A escola constitui-se em um ambiente de contenção, sugere deste modo

o afastamento dos espaços de aprendizagem natural e ofertam em contrário

ambientações que funcionam por processos de mediações altamente

sistematizadas e disciplinadas da matéria de ensino que são balizadas pela

batuta do professor.

A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo. Local protegido da monotonia disciplinar. (FOUCAULT, 1987, p.166).

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A escola surge na antiguidade grega, no entanto, diferenciava-se por

completo do modelo escolar tal qual o conhecemos atualmente. O ‘ambiente

escolar’ na antiguidade era formado por espaços para a conversação e reflexão,

ocupados nos períodos de ócio e não eram frequentados por mulheres e

crianças.

O modelo escolar que começa a apresentar as características que vemos

contemporaneamente surge no século XII nos mosteiros e instituições de

caridade da Europa, visavam principalmente o ensinamento religioso, mas

também questões relacionadas ao letramento e a aritmética básica

principalmente aos membros do clero.

Ser tomarmos a instituição escolar por um espaço, como citado acima, de

propagação de ideologias e em decorrência o estabelecimento da contenção

social, podemos entender que as igrejas são em essência percursoras das atuais

salas de aula.

Foram nas igrejas que ocorreram as primeiras manifestações de

doutrinamento pelo ensinamento. Tais ‘aulas’ eram conduzidas em geral por

meio da oralidade de um sacerdote, seguiam um ordenamento implícito na

disposição de assentos e no rito cerimonial. Eram ainda apoiadas por recursos

multimidiáticos como: pinturas em afrescos, telas e papeis; o jogo de luzes

possibilitados por vitrais, janelas e abóbadas trabalhadas; o som de sinos,

sinetas, instrumentos e cantos; odores provindos dos incensários; a imponência

da arquitetura; representações tridimensionais de personagens e atores.

A igreja antecipou a constituição do estabelecimento escolar em variados

aspectos sejam materiais e imateriais, em forma e propósito social.

Na contemporaneidade pode-se ainda observar os mesmos métodos nos

sistemas escolares em geral, se analisarmos mesmo que brevemente sua

ascensão, fica evidente as intenções impressas nas suas diversas

segmentações. Bentley (2001) demonstra a forma com que tais metodologias

eram empregadas na preparação militar do antigo império Bizantino (395 a 1453

d.C.), e sinergicamente, na pregação cristã, na escolástica e em outras

instâncias oriundas das estruturas formativas que determinaram a escola

contemporânea.

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A educação é o conjunto programático operacionalizado no ambiente

escolar, atua com um instrumento de homogeneização sociocultural por meio da

estandartização das individualidades em função de uma conformação destinada

a construção do contexto social e sua passiva manutenção. O achatamento do

heterogêneo e a obliteração das pulsões são meios de prover o controle sem o

encontro de oposição.

Há sempre uma aspiração pela hegemonia da verdade, e este aspecto

impulsiona o caráter homogeneizante dos processos educacionais desde o

medievo. Tal característica determina o gradativo enfraquecimento das

diferenças culturais em função da criação de uma monocultura global, que na

contemporaneidade recebeu o nome de globalização.

A ideia do “saber único” termina recalcando uma parte importante da realidade [...] seus efeitos são igualmente danosos no tocante à educação, porque o monismo cultural [...] impede o pluralismo [...]. (SODRÉ, 2012, p. 23).

Tal característica homogeneizante da escola é própria de sua

constituição, não existe complacência com a quebra do regramento posto, não

se mede o conhecimento e sua aplicação contextualizada, tampouco mensura-

se a técnica e as heterogeneidades, promove-se o perene estado de construção

das verdades e memorização. O ambiente escolar atua como o programa a ser

impresso nos indivíduos que por sua vez irá o operacionalizar.

Apesar de guardar profundas sinergias com a igreja, como apontado

acima, a escola contemporânea se baseia no modelo instituído na Prússia entre

os séculos XVIII e XIX. O Reino da Prússia (Königreich Preußen) perdurou de

1701 a 1918 quando ocorreu ao final da Primeira Guerra Mundial a Revolução

Alemã que a dissolveu, passando então a chamar Império Alemão.

Há em geral uma subjetiva correlação do ambiente escolar com as

academias gregas, no entanto, se houve alguma inspiração para a formulação

do modelo prussiano de ensino certamente não foram elas. O implementado na

Prussia assemelha-se mais aos campos de treinamento de guerra espartanos,

onde o confinamento era obrigatório, a modelagem da conduta se dava por meio

do castigo e da dor, o doutrinamento se estabelecia pela força e a punição era

utilizada como método disciplinar.

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Não precisamos entender muito o modelo de educação na civilização Greco-romana antigas. Em Atenas, a educação pública obrigatória mais tarde deu lugar a um sistema voluntário. Em Esparta, que era por outro lado um modelo antigo de totalitarismo moderno, o Estado se organizou como um vasto campo militar, e as crianças foram sequestradas pelo Estado e educadas nos quartéis no ideal de obediência ao Estado. Esparta implantou na prática a conclusão lógica de um sistema coercitivo; o controle absoluto do Estado sobre todos os aspectos da vida da "criança"; uniformidade e educação na obediência passiva às ordens do Estado44. (ROTHBARD, 1999, p.28)

No modelo de educação prussiano as crianças eram repositórios de

informações, objetivava-se a formação de mão de obra qualificada para o

efervescente mercado de trabalho que se agigantava por meio da Revolução

Industrial, a escola era um dos instrumentos do Estado, destinava-se a

preparação do homem para a modernidade.

Deste modo, o modelo prussiano impunha por metodologia o palestrar do

professorado, copias textuais e frequente aferição do aprendizado por meio de

testes e provas. Surge aqui a divisão por idade e salas especificas, também o

ordenamento espacial onde cadeiras eram enfileiradas e dispostas de fronte ao

professor, tudo ensejava a disciplina.

O professor era o ente autônomo em todos os sentidos, aos alunos cabia

o dever da obediência, da atenção ao exposto e do cumprimento regimentar, as

falhas eram severamente castigadas, não havia espaço para a contestação e/ou

experimentações outras eu não as impostas pelo corpo professoral.

A escola prussiana era compulsória, simbolizava a força de controle do

Estado sobre sua população e criava uma massa uniforme que atenderia aos

interesses e necessidades desta nação.

Foi o rei Frederico Guilherme I quem inaugurou o sistema de educação compulsória prussiano, o primeiro sistema nacional na

44 Original em espanhol: “No necesitamos extendernos mucho sobre el estado de la educación en la antigua Grecia y Roma. En Atenas, la enseñanza pública obligatoria dio más tarde paso a un sistema voluntario. En Esparta, que era por otro lado un modelo antiguo de totalitarismo moderno, el Estado se organizó como un vasto campamento militar, y los niños fueron secuestrados por el Estado y fueron educados en los cuarteles en el ideal de obediencia estatal. Esparta implantó en la práctica lo que era la plena conclusión lógica del sistema coactivo; el control absoluto del Estado sobre todos los aspectos de la vida del "niño"; la uniformidad y la educación en la obediencia pasiva a las órdenes del Estado. ” Tradução Nossa.

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Europa. Em 1717, ele ordenou a frequência obrigatória para todas as crianças nas escolas estatais e, em atos posteriores, seguiu com a disposição para a construção de mais escolas.45 (ROTHBARD, 1999, p. 34)

O modelo prussiano foi tão eficiente que logo foi apropriado e

aperfeiçoado por outras nações, mesmo aquelas inimigas como a França

Napoleônica. A revolução Francesa realizada sob os ideais iluministas

“liberdade, igualdade e fraternidade”, que propunha a Era da razão em oposição

o período das trevas onde as crenças religiosas e o misticismo imperavam, abriu

espaço contraditoriamente a um novo tipo de totalitarismo, o do pensamento.

Tornando-se a escola no principal agente de formação do homem para a

modernidade, foi a partir dela que a sociedade gradativa e initerruptamente se

moldou as exigências desta nova Era, onde a racionalização impetrou por meio

dos sistemas uniformizantes e determinantes do comportamento humano, o

poder e o domínio sob o social em função de uma verdade construída com este

propósito.

Educação universal obrigatória, bem como o serviço militar obrigatório, foram introduzidos na França com a Revolução Francesa. A Constituição revolucionária de 1791 decretou a educação primária obrigatória para todos. Inicialmente, o governo não pôde fazer muito para colocar esses princípios em prática, mas fez todo o possível. Em 1793, a Convenção determinou que o francês era a única língua da ‘república única e indivisível’. Pouco foi feito até a chegada de Napoleão, que estabeleceu uma educação integral do Estado. Todas as escolas [...] estavam sujeitas ao controle estrito do governo nacional. Dominando todo o sistema estava a ‘Universidade da França’, que foi criada para garantir uniformidade e controle de todo o sistema educacional francês. Seus principais funcionários foram nomeados por Napoleão, e ninguém poderia abrir uma nova escola ou ensinar em público, a menos que tivesse sido autorizado pela universidade oficial. Com uma lei de 1806, Napoleão garantiu o monopólio do Estado sobre a educação. O corpo docente das escolas públicas teve que ser treinado em uma escola normal dirigida pelo Estado. Todas essas escolas foram orientadas a tomar como base de seus ensinamentos os princípios de lealdade ao chefe de Estado e a obediência aos estatutos da universidade. (ROTHBARD, 1999, p. 38)

45 Original em espanhol: Fue el rey Federico Guillermo I, quien inauguró el sistema de escolarización obligatoria de Prusia, el primer sistema nacional de Europa. En 1717, ordenó la asistencia obligatoria de todos los niños a las escuelas públicas, y, en disposiciones posteriores, encargó la construcción de más escuelas de este tipo. ” Tradução nossa.

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Olavo Bilac imbuído de seu forte nacionalismo, foi na sociedade brasileira

um grande incentivador da alfabetização e do serviço militar obrigatório.

Inspirado no modelo francês, a partir do séc. XIX o Brasil passou a implementar

a educação compulsória nas escolas públicas, modelo que rapidamente se

difundiu nos grandes centros políticos e urbanos de então.

No entanto, desde 1549 jesuítas portugueses já atuavam na catequização

da população indígena brasileira. Gradativamente estas missões passaram

também a atender aos filhos dos colonos, surgem assim os primeiros colégios

no Brasil.

Enquanto colônia portuguesa, não havia interesse da metrópole em

investir na criação de escolas e na emancipação intelectual de sua população,

deste modo aos mais abastados restavam os colégios católicos ou os estudos

no continente europeu.

Mesmo estas escolas jesuíticas já atuavam na formação, modelagem e

contenção social. O processo de catequização preparava os índios a serviência,

o homem branco ao letramento e a consolidação de sua autoridade.

Tal modelo perdurou até 1759 quando por ordem da metrópole a

educação jesuítica foi eliminada, naquele momento o Brasil contava com “25

residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, sem contar os seminários

menores a as escolas de ler e escrever” (ARANHA, 1996, p.134) ligados a

Companhia de Jesus.

Dentre as motivações para a descontinuidade de tais ações educacionais

estava o temor do poderio econômico e político da companhia, bem como, do

processo eficiente de modelagem da consciência e do comportamento da

sociedade por eles educada. (Ibidem, p.133).

Aranha (op. Cit.) aponta que somente mais de uma década depois houve

um movimento governamental para substituir a estrutura educacional que

outrora fora desmontada, sendo somente a partir de 1972 a implantação do

ensino público oficial no Brasil.

A formação do corpo docente, a instituição dos conteúdos e monitoria são

deliberações da coroa, bem como, a implementação de disciplinas isoladas.

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A constituição de uma matriz curricular comum, descontextualizada e

voltada a constituição de um ideal civilizador, passa a imperar nos ambientes,

métodos e produções escolares a partir de então.

4.5. PEDAGOGIA: IDEIAS E IDEAIS

Os temas concernentes ao campo teórico da educação, deram origem a

variados estudos e debates acerca de suas especificidades, determinações e

efeitos para o indivíduo e a sociedade.

Podemos dividir esta produção intelectual em três grandes grupos, a

pedagogia liberal, a pedagogia crítico-construtiva e a pedagogia progressista,

cada qual com suas subdivisões, características e propósitos.

Etimologicamente a palavra pedagogia possui origem no termo grego

paidós que significa criança conjugado a agogé que possui significado de

condução (CUNHA, 2010, p.484), ou seja, a pedagogia é o processo de

condução da criança pelo conhecimento.

No âmbito escolar tal condução assume diferentes e determinadas

metodologias, e atendem a demandas especificas no que objetiva a formação

do cidadão e a constituição do cotidiano social.

A pedagogia liberal em sua vertente conservadora abarca o contexto

histórico referenciado na seção anterior com marcas a escola jesuítica brasileira

até 1759 e o denominado liberalismo clássico, tradicional e conservador que a

sucedeu.

No final do século XIX, filósofos, pedagogos, dentre outros, já discutiam

opções ao modelo corrente, o que levou a formulação na Europa do chamado

movimento pela escola nova.

Como expoente deste movimento temos o norte americano John Dewey

(1859 – 1952), o espanhol Francisco Ferrer Guardia (1859 – 1909), o belga

Jean-Ovide Decroly (1871 – 1932), o suíço Adolphe Ferrière (1879 – 1960), a

italiana Maria Montessori (1870 – 1952), o alemão Paul Geheeb (1870 – 1961),

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o inglês Alexander O’Neill (1883 – 1973) e a russa Nadežda Krupskaja (1869 –

1939).

A escola nova, ou escola ativa como também era referenciada surge em

oposição a escola sentada, emana da percepção de que algo havia falhado nos

processos educacionais praticados até então. Os traumas provenientes da

primeira guerra mundial contribuíram a esta percepção de que a escola que se

propunha a formar o indivíduo intelectualmente esclarecido também formava o

cidadão obediente e alienado.

A escola nova surge com o propósito de formar o novo homem, autônomo,

esclarecido, crítico e hábil. Um homem para uma sociedade sem guerras, um

homem para o século XX, onde o senso de comunidade, a empatia, a alteridade

e o senso de a colaboração deveria reinar.

Ferrer implanta na Espanha em sua escola moderna um método

educativo racional pelo qual promovia a igualdade social e a autodisciplina;

Decroly implementa um modelo onde os interesses das crianças conduzem os

processos de aprendizagem.

Montessori implementa um revolucionário conjunto de instrumentos

paradidáticos, experimenta e documenta os resultados, primeiro na aplicação em

um grupo restrito formado por crianças internas de uma clínica psiquiátrica, para

em seguida ampliar em número e escala em uma escola infantil e em

consequência funda o denominado ‘Laboratório da Criança Nova’ onde

desenvolve, testa e aperfeiçoa suas metodologias e instrumentos de apoio

didático-pedagógico.

Neste espaço impera a horizontalidade e a acessibilidade, as atividades

são flexíveis, fundamentadas na experimentação e constituídas em completude

na atenção constante ao tempo de cada indivíduo e aos interesses por eles

manifestados.

Na Inglaterra Alexander O’Neil, por sua vez, levanta-se contra os métodos

punitivos que imperavam nos ambientes escolares ingleses. Ele acredita que tais

práticas contribuam enfaticamente apara a anulação da pureza infantil, e em

consequência, a formação do adulto hostil e violento.

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A criação da Sociedade das Nações46 e a assinatura do Tratado de

Versalhes (1919) com a intenção de buscar soluções a futuros conflitos de modo

diplomático e pacífico, inspirou alguns dos idealizadores da escola nova na

defesa dos mesmos propósitos.

Os traumas decorridos do período de guerra inspiraram esforços em

variadas dimensões sociais em uma tentativa de evitar que voltassem a se

repetir no futuro, deste modo, variados setores da sociedade se organizaram em

discussões sobre o tema, em especial os campos políticos, culturais e

pedagógicos.

Adolphe Ferrière estava convicto da necessidade de uma nova pedagogia

que propiciasse às populações futuras uma vida mais harmoniosa, deste modo,

em 1921 participa da organização do primeiro congresso pela escola nova que

ocorreria na cidade de Calais localizada na porção norte da França.

Pela primeira vez professores e pedagogos poderiam compartilhar suas

experiências, metodologias e os resultados de seus processos e experiências de

ensino e aprendizagem entre seus pares.

Este primeiro congresso contou com uma participação plural, 150 pessoas

oriundas de dezenas de países diferentes, com formações e posições

ideológicas, religiosas, políticas e pedagógicas também díspares, estavam ali

compartilhando, ouvindo e sobre tudo construindo um caminho possível de ser

seguido em cada um dos diferentes contextos socioculturais representados. O

que os uniam era o ideal pacifista e o posicionamento antagônico aos métodos

de ensino, aprendizagem e processos das chamadas escolas tradicionais.

O congresso possibilitou o estabelecimento de características inerentes a

uma escola nova, como: metodologias ativas de ensino, aprendizagem pela

experiência, igualdade de peso entre a intelectualização, desenvolvimento

46 A Sociedade das Nações ou Liga das Nações, foi uma associação internacional, formulada em 1919 na cidade de Versalhes. Estabelece-se a partir da aliança efetuada entre os países vencedores da Primeira Guerra Mundial, em especial Inglaterra, França e Estados Unidos. Seu último encontro aconteceu em abril de 1946 já em meio aos conflitos da Segunda Guerra Mundial.

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artístico, o trabalho manual, a atividade física e as relações interpessoais, bem

como, a gestão democrática e participativa.

Ferrière junto com Elisabeth Friederike Rotten47 (1882 – 1964) e Beatrice

Ensor48 (1885 – 1974) fundam a Liga Internacional pela Escola Nova, cujos

princípios gerais49 eram:

1 - O objetivo essencial de toda educação é preparar a criança para desejar e realizar em sua vida a supremacia do espírito; deve, portanto, qualquer que seja o ponto de vista do educador, visar preservar e aumentar a energia espiritual da criança. 2 - Ela deve respeitar a individualidade da criança. Essa individualidade só pode se desenvolver através da disciplina que leva à liberação dos poderes espirituais que estão nela. 3 - Os estudos e, em geral, a aprendizagem da vida, devem adaptar-se aos interesses inatos da criança, isto é, aqueles que despertam espontaneamente em casa e encontram sua expressão em várias atividades cotidianas sejam manuais, intelectuais, estéticas, sociais e outras. 4 - Cada idade tem seu próprio caráter. Portanto, é necessário que a disciplina pessoal e a disciplina coletiva sejam organizadas pelas próprias crianças em colaboração com os mestres; eles devem tender a reforçar o sentimento de responsabilidade individual e social. 5 - A competição egoísta deve desaparecer da educação e ser substituída pela cooperação que ensina a criança a colocar sua individualidade a serviço da comunidade. 6 - A co-educação exigida pela Liga, educação que significa instrução e educação em comum, exclui o tratamento idêntico

47 Professora e ativista pela paz sueca. 48 Pedagoga teosófica inglesa. 49 Original em francês, tradução nossa: “1- Le but essentiel de toute éducation est de préparer l'enfant à vouloir et è réaliser dans sa vie la suprématie de l'esprit; elle doit donc, quel que soit par ailleurs le point de vue auquel se place l'educateur, viser à conserver et à accroitre chez l'enfant l'énergie spirituelle. 2- Elle doit respcter l'individualité de l'enfant. Cette individualité ne peut se développer que par une discipline conduisant à la libération des puissances spirituelles quisont en lui. 3 - Les études et, d'une façon générale, l'apprentissage de la vie, doivent donner libre cours aux intérêts innés de l'enfant, c'est-à-dire ceux qui s'éveillent spontanément chez lui et qui trouvent leur expression dans les activités variées d'ordre manuel, intellectuel, esthétique, social et autres. 4 - Chaque âge a son caractère propre. Il faut donc que la discipline personalle et la discipline collective soient organisées par les enfants eux-mêmes avec la collaboration des maitres; elles doivent tendre à renforcer le sentiment des responsabilités individuelles et sociales. 5 - La compétition égoiste doit disparaitre de l'éducation et être remplacée par la coopération qui enseigne à l'enfant à mettre son individualité au service de la collectivité. 6 - La coéducation réclamée par la Ligue, - cóeducation qui signifie à la fois instruction et éducation en commun, - exclut le traitement identique imposé aux deux sexes, mais implique une collaboration qui permette à chaque sexe d'exercer librement sur l'autre une influence salutaire. 7 - L'éducation nouvelle prépare, chez l'enfant, non seulement le futur citoyen capable, mais l'êntre humain conscient de sa dignité d'homme.” (FERRIÈRE Et al., 1921, p.2). Disponível em http://www.unicaen.fr/recherche/mrsh/sites/all/modules/ereNouvelle/pdf/1922-01.pdf. Acessado em: 18/08/2018.

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imposto a ambos os sexos, mas implica uma colaboração que permita a cada sexo exercer livremente a influência salutar do outro. 7 =- A nova educação prepara, na criança, não apenas o futuro cidadão capaz, mas o ser humano consciente de sua dignidade humana. (FERRIÈRE Et al., 1922, p.2).

Estes princípios passam então a nortear os diversos esforços

despendidos pelos expoentes das comunidades acadêmicas e pedagógicas,

sobretudo, no continente europeu.

Durante o congresso, foi lançada a revista “Educação para a Nova Era50”,

uma publicação internacional com periodicidade trimestral, escrita em quatro

idiomas, com o propósito de divulgar os ideais para a reconstrução das práticas,

métodos, ambientes e sistemas educacionais.

Na América em especial nos Estados Unidos, o grande nome na filosófica

crítica aos sistemas de ensino tradicionais foi John Dewey (1859-1952). Sua

filosofia propunha a relação entre teoria e prática, a partir da qual Dewey passa

a atuar na proposição de um sistema de ensino pelo qual pudesse contemplar

esta relação baseada em sua convicção ética e moral de que democracia é

liberdade (WESTBROOK, 2010).

Cada vez mais tenho presente em minha mente a imagem de uma escola cujo centro e origem seja algum tipo de atividade verdadeiramente construtiva, em que o trabalho se desenvolva sempre em duas direções: de um lado, a dimensão social dessa atividade construtiva, e de outro, o contato com a natureza que lhe proporciona sua matéria-prima, Teoricamente posso ver como, por exemplo, o trabalho de carpintaria necessário para a construção de um projeto será o centro de uma formação social, por uma parte, e de formação cientifica, por outra. Todo ele acompanhado de um treinamento físico, concreto e positivo das vistas e das mãos. (DEWEY, 1894 apud WESTBROOK, 2010, p.22)..

Dewey era um entusiasta do movimento europeu pela Escola Nova,

travou uma ferrenha batalha no continente norte americano contra os que

chamava de tradicionalistas, os quais, em seu entendimento, não criavão

50 Atualmente a coleção da revista “Pour L’Ére nouvelle: revue internationale d’éducation”, é disponível ao acesso público em apenas algumas poucas bibliotecas. Dentre elas, a Biblioteca Nacional de Paris, o Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, em Lyon, e o Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra. Em 2002, em ocasião do 80º aniversário da publicação, todo o acervo foi digitalizado e disponibilizado também no endereço eletrônico http://www.unicaen.fr/recherche/mrsh/pen.

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condições para uma relação entre o conteúdo das disciplinas ensinadas para

com os interesses dos alunos.

No outro extremo estavam aqueles que defendiam uma educação

centrada no aluno, no entanto Dewey também os criticava, pois estes, por sua

vez não faziam a relação inversa, ou seja, relacionar os interesses dos alunos

aos conteúdos constituintes do programa de ensino.

Defendia assim uma educação que se exige do educador a capacidade

de explorar os diversos contextos, tendências e interesses dos alunos a fim de

guiá-los até o nível máximo de aprendizado em todas as unidades curriculares,

independente de suas áreas e especificações (WESTBROOK, 2010).

No Brasil as ideias de Dewey influenciaram Anísio Teixeira (1900-1971),

jurista e educado, que protagonizou nos anos 20 e 30 do século XX os esforços

para que os ideais da Escola Nova fossem apropriados pelo sistema educacional

brasileiro.

Para Teixeira (1971) o pensar a educação requer o entender a

experiência, sendo o processo de ensino um sistema que possibilite a

“reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais

agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de

nossas experiências futuras”. Teixeira (1971, p. 17).

Educação é vida, e viver é desenvolver-se , é crescer, Vida e crescimento não estão subordinados a nenhuma outra finalidade, salvo a mais vida e mais crescimento. O processo educativo, portanto, não tendo nenhum fim além de si mesmo, é o processo de contínua reorganização, reconstrução e transformação da vida. [...] o hábito de aprender diretamente da própria vida, e fazer que as condições da vida sejam tais que todos aprendam no processo de viver, é o produto mais rico que se pode alcançar, Graças a esse hábito, a educação, como reconstrução contínua da experiência, fica assegurada como atributo permanente da vida humana. (TEIXEIRA, 1971, p.33-34).

A revelia dos esforços dos mais diferentes educadores espalhados pelo

mundo, o movimento pela Escola Nova que protagonizou boa parte das primeiras

décadas do século XX acaba ofuscado por seus opositores.

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A ascensão dos regimes totalitaristas na Europa e o consequente período

de guerra (1939-1945) põe fim ao movimento abrindo passagem para a

efetivação do modelo disciplinar e uniformizador de outrora.

Na américa do norte houve a apropriação da Escola Experimental de

Dewey por parte de seus pares na Universidade de Chicago, o que ocasionou a

migração de Dewey para a Universidade de Columbia e a consequente

apropriação e aplicação deformada de suas teorias e práticas.

Mesmo silenciados tais ideais, de uma educação pela experiência, cujas

relações constituintes considerem os diferentes contextos, em função de um

ensino que busque a geração da autonomia em consonância aos dispostos

socioeconômicos e culturais, ainda reverberam no campo da formação

pedagógica.

A prática pedagógica, no entanto, segue firme na reprodução das lógicas

de mercado, no ensino homogeneizante, pautado pela dissociação entre

conhecimento e aplicabilidade, na redundância conteudística, na incitação a

competição e na segregação meritocrática.

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. (AZEVEDO Et al., 1932, p.1).

Contemporaneamente as proposições dos pioneiros da Escola Nova

ressurgem no contexto didático-pedagógico e são comunicadas por inovação,

recebem a alcunha de ‘Metodologias Ativas de Ensino e Aprendizagem’, e

passam a figurar como ativos de uma nova concepção metodológica e escolar.

Vê-se então a teorização e propagação de variados métodos de ensino

que buscam uma maior eficiência nos processos de aprendizagem, bem como

propõe um diálogo mais efetivo com as gerações nativas de um contexto

sociocultural que assumiu distinções significativas a partir da popularização das

redes informáticas.

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A apropriação deste novo contexto determina, por exemplo, abordagens

como a proposição de uma sala de aula invertida, do inglês flipped classroom,

que em síntese determina uma ampliação dos limites do espaço circunscrito de

aula para a imaterialidade dos ambientes digitais.

Busca-se também um incentivo ao protagonismo discente na busca,

obtenção e maturação de seu conhecimento, por meio, da descentralização da

fonte que agora compartilha dos repositórios conteudísticos da internet. O

ambiente físico e coletivo passa então a aturar com ponto de convergência e

compartilhamento do adquirido externamente.

Apesar da semelhança na nomenclatura a sala de aula invertida não

necessariamente constitui em uma aprendizagem invertida, para tal deveria

contemplar os quatro pilares fundamentais nomeados pela sigla F-L-I-P (FLN,

2014).

Flexible environment, ambientes flexíveis: Criação de espaços flexíveis que permitam aos alunos escolherem quando, onde e como aprendem. Learning Culture, cultura de aprendizagem: a utilização do tempo em sala de aula para a exploração de assuntos com maior profundidade, bem como, a criação de novas oportunidades de aprendizado. Intentional Content, conteúdos dirigidos: abarcam as diferentes especificidades manifestas nas características e habilidades de cada educando, deste modo, promove-se a adoção de ferramentas, métodos e estratégias que visem potencializar a aprendizagem em cada um deles. Professional Educator, educador profissional: característica que alia a capacidade de gerar respostas em função de demandas de sala de aula, e do constante acompanhamento e disponibilidade nos demais momentos da aprendizagem. (FLN, 2014, s/p).51

51 Original em inglês: Flexible Environment, educators create flexible spaces where students choose when and where they learn. Additionally, educators who flip their classes are flexible in their expectations of student timelines for learning and in their assessments of student learning. Learning Culture, in a Flipped Learning model, in-class time is dedicated to exploring topics in greater depth and creating rich learning opportunities. As a result, students are actively involved in knowledge construction as they participate in and evaluate their learning in a manner that is personally meaningful. Intentional Content, flipped Learning Educators determine what they need to teach and what materials students should handle on their own. Educators use Intentional Content to maximize classroom time in order to adopt methods of student-centered, active learning strategies, depending on grade level and subject matter. Professional Educator, the role of a Professional Educator is even more important, and often more demanding, in a Flipped Classroom than in a traditional one. During class time, they need to observe students, providing them with instant feedback and an assessment their work. While Professional

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Outro método que se popularizou entre as metodologias ativas é o PBL,

acrônimo de project based learning, em português aprendizagem baseada em

projetos. Tal metodologia se baseia na proposição de desafios tangíveis que

permitam a convergência e materialização de conhecimentos, habilidade e

ferramentas, bem como, da complementariedade de competências inerente às

ações coletivas.

Similarmente a aprendizagem baseada em problemas, do inglês problem

based learning, incita a concepção de soluções estruturadas a questões

formuladas e/ou identificadas no contexto social do alunado.

Outro método popular é a aprendizagem baseada em times, do inglês

team based learning – TBL, caracteriza-se na construção de conhecimento entre

pares em função de uma demanda apresentada e no requerimento de atuações

distintas, porém complementares.

Os principais métodos ativos de aprendizagem apresentados acima

guardam sinergias entre si, complementando-se em função de um propósito

maior que tange o ensino pela experiência52. Esta premissa do movimento pela

Escola Nova, na contemporaneidade se manifesta imbricada, em geral, pelo

protagonismo das ferramentas digitais, o que, poderia contraditoriamente ao

desejado, influir em sua mitigação.

Tal hipótese alicerça-se na consideração de que a experiência requer uma

participação complexa do intelecto (imaterial), do corpo (físico) e do espaço

(circunstancial) em função da criação de relações e continuidades. (TEIXEIRA,

1971).

A experiência alarga, deste miodio, os conhecimentos, enriquece o nosso espiríto e dá, dia a dia, significação mais profunda à vida. E é nisso que consiste a educação. Educar-se é crescer, não já no sentido puramente fisiológico, mas no sentido espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais propício, mais benfazejo para o homem. (TEIXEIRA, 1971, p. 17).

Educators take on less visibly prominent roles in a flipped classroom, they remain the essential part that enables Flipped Learning to occur successfully. Tradução nossa. 52 Grifo nosso.

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Deste modo, a utilização de metodologias ativas de ensino e

aprendizagem, podem se manifestar em dois sentidos opostos, ou seja, aquele

que coloca o aluno como protagonista de sua aprendizagem, e o que coloca a

ferramenta com centro do processo.

Soma-se a este cenário a insurgência de um pragmatismo didático-

metodológico que enseja determinar um campo onde, em tese, convergem-se o

conhecimento abstrato ao empirismo projetual. Nomeou-se esta conjuntura por

“Movimento Maker”, neologismo derivado do inglês “Do-It-Yourself” também

referenciado por seu acrónimo “DIY”.

A ideia do “faça-você-mesmo” como ferramenta paradidática e de

estimulo a aprendizagem não é nova, como apontado anteriormente neste texto,

ganha visibilidade e descreve ‘inovação’ na medida que se apresenta como uma

coleção de peças combinatórias que delineiam um potencial criativo e

construtivo.

A uma variante desta abordagem que evidencia as relações humanas nos

processos construtivos nomeada por “faça com os outros” do inglês “it with

others” ou DIWO.

HATCH (2013) postula alguns dos princípios deste movimento, ou seja,

fazer, compartilhar, presentear, aprender, equipar-se, divertir-se, participar,

apoiar, mudar e permitir-se errar.

De acordo com o autor (op. Cit., p. 11) o fazer é o fundamento para o

significado de ser humano, deste modo, se faz necessário o processo contínuo

de criação e registro, para que deste modo na medida que modifiquemos o nosso

ambiente em decorrência passemos também a nos reinventar.

O compartilhamento (op. Cit., p. 14-15) daquilo que se produz é meio pelo

qual se alcança o senso de plenitude, a noção de pertencimento que se constitui

pela partilha e cooperação.

Relaciona-se com o princípio definido pelo autor (op. Cit., p. 18) por doar.

Segundo o qual reverbera a uma inclinação altruísta da natureza humana, e

desta forma, retorna como um sentimento de satisfação.

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O aprender é tratado pelo autor (op. Cit., p. 19-20) como um processo

contínuo de assimilação de recursos materiais e imateriais em função da

ampliação do potencial realizador do indivíduo em função de sua comunidade.

Equipar-se (op. Cit., p. 23) refere-se à apropriação e acesso das

ferramentas e instrumento demandados em determinada atividade ou projeto. A

capacidade de aquisição e/ou construção destes artefatos ampliam

potencialmente a capacidade realizadora do homem.

A diversão, alinhada implicitamente na proposição do autor (op. Cit., p.

26) ao brincar, implica a capacidade da descoberta pela experimentação lúdica

dos meios e processos.

A participação (op. Cit., p. 28) se faz necessária ao convívio colaborativo,

nas interações e complementariedades em função da viabilização do almejado.

Empenha-se ainda da divulgação dos princípios norteadores do movimento, no

intuito de alargar suas fronteiras em processo cada vez mais edificante de um

novo mundo.

Para Hatch (op. Cit., p. 29) os apoios a tais iniciativas, sejam de cunho

emocional, técnico, tecnológico, intelectual, financeiro, político e/ou institucional,

devem ser promovidos por seus partícipes. “A melhor esperança de mudar o

mundo somos nós, e nós somos os únicos responsáveis por fazer um futuro

melhor”53.

O princípio da mudança (op. Cit., p. 31) alude a necessidade de aceitação,

assimilação e adequação em relação as modificações que tendem a ocorrer em

função do avançar na complexidade de suas atividades específicas ou na própria

vida.

Por fim, a necessária aceitação do erro como substrato ao propósito

assertivo, o constante refazer como metodologia de desenvolvimento e

aperfeiçoamento pessoal de suas capacidades criativas e potencial realizador.

O conjunto metodológico ativo, em conjunção aos pressupostos e ideais

que nortearam os movimentos pela reforma da educação no início do século XX,

em especial na Europa e nas Américas, foram direta e/ou indiretamente

53 Original em inglês “The best hope for improving the world is us, and we are responsible for making a better future”. Tradução Nossa.

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influenciadores da formulação de um sistema de ensino e aprendizagem

baseado em design, tal qual, se segue no capítulo cinco deste texto.

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5. DESIGN DA AUTONOMIA: UM SISTEMA DE ENSINO E APRENDIZAGEM.

A inteligência é uma adaptação. Para apreender as suas relações com a vida em geral é necessário determinar quais as relações que existem entre o organismo e o meio ambiente. De fato, a vida é uma criação contínua de formas cada vez mais completas, uma busca progressiva do equilíbrio entre essas formas e o meio. (MUNARI, 2010, p.28).

A proposta que se configura a partir deste ponto e é intitulada por Design

da Autonomia54 congrega um conjunto epistêmico, metodológico e

organizacional voltados aos processos de ensino e aprendizagem em

consonância ao contexto sociocultural e ao desenvolvimento técnico dos

indivíduos.

Há uma ampla discussão em relação a importância dos processos

colaborativos, interativos e integrativos, constituídos nas relações entre pares

nos ambientes de ensino, em função dos meios de geração e compartilhamento

do conhecimento.

Vivemos a chamada Era da informação (CASTELLS, 1999), onde as

tecnologias informáticas permeiam, direta ou indiretamente, todas as dimensões

do fazer e do relacionar humano.

A partir dos anos noventa do século XX, incidiram gradativamente nos

ambientes de ensino e aprendizagem, onde passaram a sinonimizar a inovação,

e tornaram-se percursoras de uma revolução educacional que estava por se

desenhar.

A mediação tecnológica assume o protagonismo nos ambientes

educacionais e tornam-se imperativos ao olhar da maioria. Laboratórios de

informática, salas de multimídia, espaços de robótica, dentre outros, começam a

surgir primeiro nos colégios particulares acessíveis às elites, para em seguida

começarem também a se popularizar em escolas menos abastadas.

54 Grifo nosso.

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Em comum, a ideia ainda em construção de que a disponibilidade destes

espaços, por si só permitiriam um melhor desempenho e formação de seu

alunado.

Aposentam-se velhas metodologias e acendem novas possibilidades, o

livro antagoniza com a internet, pesquisa torna-se recurso de buscadores, o

conhecimento acumulado jaz a uma url de distância.

Em oposição, algumas poucas instituições de ensino no mundo, seja pela

falta de recursos para implementação tecnológica ou por opção ideológica,

passam a buscar, criar e implementar metodologias outras, cujo os ideais

dialogam com o movimento Escola Nova descrito no capítulo anterior.

Vimos que as metodologias ativas de aprendizagem começaram a ser

formuladas e aplicadas no início do século XX, sendo à revelia destes esforços,

o modelo prussiano ainda o imperativo na maioria das escolas ocidentais

atualmente.

No campo teórico pedagógico as influências construtivistas protagonizam

as discussões e os esforços para uma cisão para com modelos padronizadores

de ensino, na aplicação empírica ainda encontram resistências.

Vygotsky (1978), em especial a partir da publicação do livro intitulado

“Mind in Society”, apresenta e explana uma abordagem teórica que trabalha a

proposição da existência de um campo potencial de desenvolvimento, que é

determinado por sua capacidade de resolução de problemas de modo autônomo

em relação ao nível potencial de desenvolvimento adquiridos por meio da

mediação para com um referente ou pela síntese relacional com seus pares.

Ou seja, segundo Vygotsky (op. Cit.) há em cada indivíduo uma zona de

desenvolvimento real e outra de desenvolvimento potencial, entre elas situa-se

a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), a qual o autor define como o espaço

de atuação do mediador com o intuito de prover a aproximação entre os

extremos.

É neste intermeio, de acordo com o autor (op. Cit.), o espaço de

desenvolvimento do aprendizado, espectro este onde o educador deve atuar

visando e possibilitando, pela sua estimulação, a aquisição de novos saberes e

o desenvolvimento de novas competências.

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Em síntese, a zona de desenvolvimento real delimita o onde estou, a de

desenvolvimento potencial onde quero chegar, e a zona de desenvolvimento

proximal descreve o espaço entre estas dimensões.

Figura 9: Teoria Sociocultural - Lev Vygotsky

Fonte: Autoria Nossa

Nota-se na proposição de Vygotsky que o nível de domínio e

conhecimento do mediador iguala-se ou ultrapassa o nível potencial desejado, é

evidente ainda a contextualização do aprendizado expresso na inter-relação dos

conteúdos estudados em relação ao ambiente social de pertença.

Não é de meu interesse aqui o aprofundamento em particular na teoria

sociocultural de Vygotsky, mas da apropriação do espectro da ZDP como área

de atuação, e neste sentido proponho ainda a sua subdivisão, ou seja, a

separação em dimensões especificas para a aprendizagem como veremos mais

adiante neste texto.

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Howard Gardner (1994) propôs uma abordagem a qual intitulou por “teoria

das inteligências múltiplas” onde o autor descreveu a existência de oito55 tipos

de inteligências ou as predisposições aos seus desenvolvimentos.

São elas:

Inteligência Lógico/Matemática – caracterizada pela capacidade

em articular dados numéricos, elaboração e resolução de questões

inerentes ao raciocínio lógico e matemático.

Inteligência Linguística – fluência no uso da língua para

comunicação e expressão, facilidade na aprendizagem de novos

idiomas.

Corporal-cinestésica – aptidão na utilização do corpo como meio

expressivo, desenvoltura em atividades físicas, esportivas e

artísticas.

Naturalista – compreende a capacidade de observação, análise e

compreensão de fenômenos e padrões naturais.

Intrapessoal – voltada ao autoconhecimento, leitura e análise

crítica de potenciais e limitações, e no direcionamento de ações de

potencialização, neutralização ou controle que se fizerem

necessárias ao bem viver.

Interpessoal – capacidade de leitura e interpretação de

características e personalidades de outros indivíduos, e com isso

prover um bom relacionamento e/ou assumir a liderança em tarefas

em equipe.

Espacial – domínio da espacialidade, movimentação e

posicionamento de corpos e objetos. Bons reflexos e tomadas de

rumos conscientes.

Musical – habilidade na identificação e composição de padrões

musicais, lida com instrumentos específicos ou na produção

autônoma de sons rítmicos.

55 Mais tarde Gardner adicionou um nono tipo a qual chamou de inteligência existencial. As pessoas que possuem este tipo de inteligência desenvolvido, de acordo com o autor, tendem a filosofia da existência, e deste modo, tecem ponderações relacionadas a ela. Não integra neste trabalho a listagem inserida no texto em função de carecer de mais investigações e por ser relacionada, em tese, ao desenvolvimento pleno das demais inteligências. Nota Nossa.

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Os espectros potenciais de aprendizagem propostos por Gardner (1994)

demonstram que a atuação na mediação da aprendizagem não deve ser

baseada na estandardização, mas em contrário, na adequação heterogênea em

função do potencial identificado em cada aluno.

Contudo a identificação de tais características individualmente torna-se

pouco precisa a curto prazo, o que pode não contribuir de forma evidente nos

processos de ensino e aprendizagem. Umas das formas para tal identificação, é

a estimulação plural de todas elas, e neste sentido as metodologias ativas, vistas

no capítulo anterior, possuem um papel determinante.

Gardner (1994) sugere que a compensação plena de uma limitação

genética não é possível, no entanto, ambientes de ensino que ensejem tais

pretensões tendem a contribuir positivamente ao desenvolvimento em potência

destas inteligências.

Deste modo, o que se propõe é uma organização teórica que permita o

trato dos aspectos endógenos e exógenos constituintes do processo de

formação da autonomia do indivíduo em relação ao seu contexto sociocultural e

econômico.

Tais proposições compreendem o sistema de ensino e aprendizagem

baseado em design, e divide-se em dois espectros complementares, as

dimensões dialógicas do design (DDD) e as disposições ambientais de

aprendizagem (DAA).

5.1. DIMENSÕES DIALÓGICAS DO DESIGN (DDD)

Na visão de Rousseau, três são os agentes de educação do sujeito humano: a natureza, os homens e as coisas. O primeiro responde pelo desenvolvimento interno dos órgãos e das nossas faculdades; o segundo, pelo uso que se ensina a fazer desse desenvolvimento; o terceiro, pela aquisição de experiência sobre os objetos. (SODRÉ, 2012, p.155).

O espectro DDD abarca duas dimensões complementares, nomeadas

aqui por endógena e exógena, que se inter-relacionam em função de um objetivo

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estruturado ou semiestruturado, produzindo de modo sinérgico o empenho

necessário à ação projetual.

Como características endógenas, ou seja, aquelas pertencentes ao

indivíduo, delimitamos: teoria, conjunto de conhecimentos adquiridos sobre

algo; e técnica, habilidades e competências desenvolvidas ou em

desenvolvimento. Há uma ação decorrente de cada um destes eixos, ou seja, o

conhecimento determina o porquê fazer, enquanto a habilidade descreve o

como fazer.

No campo da dimensão exógena, manifesta em função e em decorrência

do contexto sociocultural e econômico, estão: tecnologia, insumos,

instrumentos e ferramentas disponíveis ou em potência no contexto de vivência;

e projeto, articulação metodológica e procedimental em função de determinado

objetivo. Qual tal qual os eixos anteriores, descrevem por sua vez o com o que

fazer e o quando fazer56.

Figura 10: Matriz DDD

Fonte: Autoria Nossa.

Os subsídios formativos do eixo teórico compreendem o conjunto de

conhecimentos adquiridos por meio da vivência individual e/ou coletiva, no

acesso a narrativas, experiências, demonstrações, leituras, observações, etc.

Desenvolve-se a partir do nascimento e estendem-se por toda a vida adulta.

O eixo técnico, compreende as competências operacionais, expressivas,

projetivas, reflexivas, etc. O desenvolvimento da habilidade se dá de modo

56 Grifos nossos.

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autônomo, no exercício permanente de determinada aptidão, ou na condução

metódica em função de almejado domínio.

Há na conjunção de ambas as dimensões, teórica e técnica, a formação

do saber individual, heterogêneo e delineador do potencial transformador de

cada indivíduo em relação à sua coletividade.

Se expostos aos mesmos estímulos concomitantemente, ainda assim,

dois indivíduos diferentes introjetariam de forma distinta o conhecimento

apreendido (teoria), e por sua vez também o exteriorizariam de modo díspar

(técnica).

Tais características determinam assim a relação com o contexto exterior,

ou seja, com os recursos materiais e imateriais disponíveis e o intento

processual, ou seja, os eixos de tecnologia e projeto descritos na dimensão

exógena da matriz DDD.

O método DDD, emprega a inter-relação de aspectos complementares

inerentes a formação em relação as atividades, problemas e projetos, em

especial, na congregação de competências oriundas das individualidades que

compõe o coletivo. A fim de fomentar a aplicação e a partilha dos saberes

existentes e empregados na efetivação da interferência local proposta, bem

como, no desenvolvimento das capacidades de identificação e emprego dos

recursos complementares existentes em determinada comunidade.

A integração destas dimensões em função de uma ação exterior

consciente, articula aspectos inerentes as individualidades a outras

características concernente ao contexto sociocultural de existência dos

indivíduos.

A atenção às dimensões propostas na matriz DDD implica em ampliações

dos aspectos teóricos e práticos-metodológicos dos conteúdos abarcados em

convergência e em atenção aos recursos materiais e imateriais do contexto

sociocultural do alunado.

Deste modo a concepção de matrizes curriculares, se estruturadas na

matriz DDD, devem contemplar o trafego pelos eixos propostos, seja na

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completude de uma unidade curricular ou na conjunção de variadas outras

unidades.

Tabela 1: Exemplo de distribuição curricular horizontal na Matriz DDD.

Eixos 1º Semestre 2º Semestre 3º Semestre ...8º Semestre

Teórico Fundamentos teóricos/conceituais

Técnico Desenvolvimento de habilidades e competências

Tecnológico Instrumentalização

Projetual Conjunção e aplicação operacional

Fonte: Autoria nossa.

Na distribuição horizontal das unidades curriculares pertencentes a um

programa de curso, contempla-se ambas às dimensões da matriz DDD em cada

semestre, ou seja, são desenvolvidos e apresentados concomitantemente os

aspectos de ambas as dimensões, endógena e exógena, em um constante de

criação e evidenciação de vínculos.

A aplicação da matriz DDD implica sempre uma abordagem inter-

relacionada dos diversos aspectos formativos em complementaridade às

funções, atividades e projetos em desenvolvimento ou a serem desenvolvidos.

Aplicam-se assim as quatro dimensões simultaneamente, seja, como

apontado, por meio da divisão complementar em unidades curriculares, ou na

distribuição nas etapas de um projeto, ou ainda na problematização lógica das

intervenções contextuais.

Tabela 2: Exemplo de distribuição curricular vertical na Matriz DDD.

1º Semestre 2º Semestre 3º Semestre 4º Semestre...

Projeto I Projeto II Projeto III Projeto IV

Teórico Teórico Teórico Teórico

Técnico Técnico Técnico Técnico

Tecnológico Tecnológico Tecnológico Tecnológico

Contexto socioeconômico e cultural

Fonte: Autoria nossa.

No exemplo acima os subsídios teóricos, técnicos e tecnológicos

fomentam a ação projetual que será desenvolvida nos semestres que se

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seguem, deste modo os requisitos projetuais amparar-se-ão no conjunto

epistêmico, de competências e de manuseio instrumental já desenvolvidos ou

em processo de desenvolvimento pleno.

Há assim um adensamento da complexidade das atividades de projeto

que se estruturam nas conjunções das singularidades existentes no alunado,

bem como o compartilhamento de estímulos educacionais sinérgicos ao

programa e ao contexto socioeconômico e cultural onde opera-se a formação.

Requer-se, porém, a atenção ao entendimento de que:

A crença de que toda autêntica educação se efetua mediante a experiência não significa que todas as experiências são verdadeiras ou igualmente educativas. A experiência e a educação não podem ser diretamente equiparadas uma a outra. (DEWEY, 1958a, p.22).

Ou seja, não é a simples profusão na oferta de atividades projetuais que

determinam os bons resultados em processos de ensino e aprendizagem, mas,

a estruturação consciente de experiências construtivas e significativas, que

dialoguem com as individualidades com a mesma profundidade e eficiência que

com a coletividade manifesta no ambiente social.

Para Dewey:

[...] a experiência, para ser educativa, deve conduzir a um mundo expansivo de matérias de estudo, constituídas por fatos ou informações, e de idéias. Esta condição somente é satisfeita quando o educador considera o ensino e a aprendizagem como um processo contínuo de reconstrução da experiência. (DEWEY, 1958a, p. 118).

O processo de aprendizagem implica a experimentação e o processo

mediador desta, configura-se no também propiciar e direcionar às vivências de

modo estruturado. Dentre as instituições educacionais que atualmente são

consideradas modelos de inovação em âmbito mundial (DIB, 2014) (CALVO,

2016) são em geral elencadas aquelas que modificaram de alguma forma os

seus ambientes e métodos em função de uma cultura que abarque alguns dos

pontos acima expostos.

É de certo modo comum a associação primeira do termo inovação a

disponibilidade e uso de recursos de ordem tecnológica. No entanto, quando a

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abordagem se refere às escolas inovadoras, o conceito contempla em especial

o conjunto metodológico empregado, os propósitos formativos, a integração com

a comunidade, a apropriação de recursos materiais e imateriais locais, o respeito

à diversidade, a contextualização do aprendizado, dentre outros fatores

norteadores.

Observa-se que a obliteração das barreiras físicas, a dissolução da

circunscrição disciplinar, o provimento de experiências múltiplas, o estímulo a

inter-relação, a empatia, a alteridade, a evidenciação da dependência e

necessidade de atenção para com o meio ambiente, bem como, o incentivo ao

desenvolvimento criativo, inovador e crítico, tornaram-se aspectos fundamentais

na edificação de um novo contexto escolar.

Salienta-se nestes esforços a aderência conceitual aos princípios da Liga

Internacional pela Escola Nova, como visto no capítulo anterior, e ensejam a sua

ampliação e adequação aos diferentes contextos socioculturais.

A matriz DDD sistematiza o trânsito pelas dimensões complementares em

função de um processo que englobe os aspectos apontados. Os aprendizes são

assim expostos aos predicados requeridos ao exercício autônomo do fazer em

consonância à complementariedade impressa no colaborar.

Colaborar evoca o senso de trabalho conjunto que aliado ao cooperar,

fundamentam e constituem a ideia basilar da noção de ordenamento social como

apontado no primeiro capítulo deste estudo.

Outro aspecto de importância neste modelo está no requerimento do

desenvolvimento da criatividade e da inovação como características elementares

e indissociáveis de uma cultura que preza pelo fazer, ou seja, que permita a

identificação, qualificação, desenvolvimento, registro e aplicação de ações

inerentes aos processos em consideração aos dispostos contextuais.

Tais características configuram um método de aprendizagem que decorre

do empirismo relacional ativo, ou seja, da complexidade inerente as interrelações

entre atores humanos e não humanos, que integrem e/ou compartilhem um

mesmo processo de aprendizagem.

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O empirismo relacional ativo compõe a maior porção da pirâmide do

aprendizado idealizada pelo psiquiatra norte-americano Willian Glasser (1925-

2013).

Segundo Glasser nós aprendemos57:

10% quando lemos; 20% quando ouvimos; 30% quando observamos; 50% quando vemos e ouvimos; 70% quando discutimos com outros; 80% quando fazemos; 95% quando ensinamos aos outros.

Podemos observar por meio da pirâmide da aprendizagem proposta por

Willian Glasser que a passividade (ler, escutar e observar) se mostra menos

eficiente que a atividade (debater, fazer, ensinar). A maior parte das escolas

brasileiras fazem uso de metodologias de ensino onde o aluno, em geral, assume

uma posição passiva em relação ao conteúdo apresentado.

Sendo a proatividade, em alguns casos, desencorajada em função de um

conteúdo hermético que pouco, ou nada, se relaciona com as realidades

individuais e coletivas do alunado.

57 As porcentagens referem-se ao potencial de retenção do conteúdo de acordo com cada conjunto de atividades.

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Figura 11: Pirâmide da aprendizagem de Glasser.

Fonte: Adaptação nossa com base na Pirâmide de Aprendizagem de William Glasser

O protagonismo do estudante, como já defendido em outras teorias e

métodos aqui apresentados, é um ponto crucial no desenvolvimento pleno da

autonomia do indivíduo, seja na capacidade de atendimento à diferentes

demandas contextuais e na aptidão ao permanente incremento e

aperfeiçoamento de suas competências e amplitudes teóricas.

Se considerarmos os processos de ensino tradicionais em relação a

proposição de uma aprendizagem que se fundamenta nas dimensões dialógicas

do design58 podemos contrapor as seguintes características.

O ensino tradicional subdivide-se em unidades curriculares quase sempre

estanques, ou seja, que pouco ou nada se relacionam entre si ou com o contexto

social do alunado. Já em um sistema de ensino baseado nas dimensões

58 Design como potencial humano nato.

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dialógicas do design deve sempre atentar para esta convergência em explícita

aderência aos objetivos desejados e aplicação e replicação conjuntural.

Outro aspecto divergente entre os métodos está na origem da informação,

enquanto o primeiro mantém resguardada sob a tutoria de um professor

destacado para a disciplina, o segundo implica a descoberta, a apropriação e a

construção de saberes em função das demandas que se constituem no

processo. A condução dá-se por meio da mediação e tutoria, em geral, não

seguem um roteiro rígido, mas atendem as diferentes exigências teóricas,

técnicas e tecnológicas, que surgem das atividades em desenvolvimento.

De ordem intelectual podemos notar que no ensino tradicional,

principalmente, mas não exclusivamente nos níveis fundamental e médio, há

uma excessiva e por vezes intransigente perspectiva baseada no conhecimento

já desenvolvido e instituído na esfera acadêmico-científica, havendo pouca ou

nenhuma margem para a inovação. O sistema de ensino baseado nas

dimensões dialógicas do design se apropria das bases teóricas já desenvolvidas

sem, no entanto, restringir o acesso e aplicação de conhecimentos de origem

outra, como a baseada em saberes culturais de origem popular, ou aqueles que

são desenvolvidos em função das experimentações e/ou dos requerimentos das

atividades em exercício.

Esta característica, acima descrita, não refuta o erro, mas se apropria dele

em função do aprendizado em desenvolvimento. Deste modo, o erro assume

função complementar e desejável no processo de ensino e aprendizagem, em

oposição, os sistemas tradicionais punem e repudiam o erro em função do estrito

acerto.

Outro distintivo reside na uniformidade desejada em um conjunto

metodológica tradicional de ensino em oposição a pluralidade ensejada no DDD.

A disposição disciplinar, ordenatória, espacial, explanatória e avaliativa,

existentes nos processos tradicionais, buscam pela homogeneização a formação

de equivalentes. Antagonicamente um sistema de ensino baseado nas

dimensões dialógicas do design prima pela heterogeneidade, na identificação e

potencialização de saberes e competências complementares em função de uma

conjunção operacional.

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Deve haver assim um constante incentivo à livre expressão, a

apropriação, desenvolvimento e compartilhamento de novos saberes, bem

como, a leitura plena de seus pares, a interlocução interna e externa, e a

observância aos aspectos contextuais de sua região.

Ressalta-se ainda o desenvolvimento da criticidade, que deve atuar como

balizadora do pleno socioeconômico e cultural, bem como, como atributo

autoavaliativo, seja nos processos de apropriação teórica, técnica e tecnológica,

ou ainda nos registros e interferências de suas ações projetuais em seu âmbito

social.

Os aspectos até aqui abordados da matriz DDD implicam a atenção as

dimensões citadas, endógena e exógena, nas suas subdivisões propostas,

teórica e técnica e tecnológica e projetual, consecutivamente. Alude a um diálogo

potencial entre estas instâncias em função de uma ação finalística previamente

determinada, mas não totalmente fechada.

Considera ainda a potência descrita por Gardner (1994) por inteligência,

e ampare-se neste espectro heterogêneo e complementar que pela conjunção

descreve o que chamamos por cultura.

E é ela, a cultura, que constitui aquilo que chamamos verdade. E nela que

embrionia o senso de realidade, por meio do qual se constitui os espaços, sejam

eles de vivência ou de passagem.

A cultura não é um patrimônio que o cidadão incorpora à sua individualidade por meio da educação como um valor externo, e sim uma pletora de possibilidades que pertence por visceralidade política à comunidade-Estado (polis), portanto, à condição intrínseca de constituição da individualidade. (SODRÉ, 2012, p.36).

Tal edificação alicerçada na cultura manifesta-se na articulação dos

recursos materiais e imateriais disponíveis ou obteníveis no contexto

socioeconômico e cultural.

A escola, como descrito no capítulo anterior, surge com simulacro de uma

realidade desejada, e assim, passa a construir a narrativa que produzirá a

conjuntura cultural de determinada população.

A revolução industrial deixou-nos como legado a teoria da linha de produção da educação. No meio da cidade existe um grande prédio de concreto dividido em muitas salas idênticas, cada sala equipada com

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fileiras de mesas e cadeiras. Ao soar uma campainha você vai para uma dessas salas junto com outras trinta crianças que nasceram, todas, no mesmo ano que você. A cada hora, entra um adulto e começa a falar. São pagos pelo governo para fazer isso. Um deles lhe fala sobre o formato da Terra, outro sobre o passado humano e um terceiro sobre o corpo humano. É fácil rir desse modelo, e quase todo mundo concorda que, a despeito de suas conquistas do passado, ele está falido. Mas até agora não criamos uma alternativa viável, muito menos uma alternativa adaptável, que possa ser implementada no México rural, e não apenas nos sofisticados subúrbios da Califórnia. (HARARI, 2019, p.327).

Um sistema de ensino e aprendizagem baseados em design, sobretudo

em sua vertente que abarca as dimensões dialógicas do design, implica o olhar

para o externo, e ali identifica os diálogos possíveis entre o constructo teórico e

as disposições ambientais.

Ou seja, a matriz DDD é passível de aplicação universal sem, no entanto,

ser universalizante. O que determina as relações entre as dimensões endógenas

e exógenas é a circunscrição do espectro cultural e de interferência onde o

sistema está sendo implantado.

Isso não significa porem uma restrição regional de competências, mas o

desenvolvimento da capacidade autônoma de leitura e análise contextual,

projeção e desenvolvimento de soluções a problemas ou atendimento a

demandas, e do potencial criativo que enseje à inovação.

A matriz DDD propõe o rompimento com um sistema de ensino

conteudista e sem relação explícita com os diferentes contextos

socioeconômicos e culturais. Possibilitando, por sua vez, a apropriação teórica

e técnica que convirja ao externo em forma de intervenções criativas e

inovadoras, e sobretudo, passiveis de realização.

Enseja-se aqui um sistema de ensino e aprendizagem que não se ampare

na formação de especialistas, mas em oposição, na criação de condições que

viabilizem o acesso constante a conhecimentos e o desenvolvimento de

habilidades generalistas.

Em um mundo em constante e acelerada transformação, o ser humano

precisa aprender a lidar com maestria com tais alterações, para tal a capacidade

da articulação teórico e técnica, bem como, a aptidão na obtenção de novos

conhecimentos e habilidades em função de desafios diferentes que se

apresentam no cotidiano, tornam-se diferencias em um contexto onde, em geral,

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nos conformamos ao longo dos últimos séculos em fragmentos operacionais de

processos produtivos industriais e dependentes do consumo.

Atualmente, e sobretudo no futuro que se desanuvia aceleradamente,

esta circunscrição operacional tende, se não revertida, acentuar as

desigualdades e suas decorrências sociais.

Harari argumenta que:

[...]para poder acompanhar o mundo de 2050 você vai precisar não só inventar novas ideias e produtos, acima de tudo, vai precisar reinventar a você mesmo várias e várias vezes [...] para continuar a ser relevante, não ó economicamente, mas acima de tudo socialmente, você vai precisar aprender e se reinventar o tempo inteiro [...]. (HARARI, 2018, p.323-326).

A proposta aqui apresentada de um sistema de ensino baseado em

design, cuja dimensão DDD acaba de ser exposta, complementa-se com um

processo disruptivo no que se refere aos espaços de ensino e aprendizagem.

Assim como a matriz DDD, as disposições ambientais da aprendizagem

(DAA) configuram-se e adequam-se aos diferentes contextos socioeconômico e

culturais.

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5.2. DISPOSIÇÕES AMBIENTAIS DA APRENDIZAGEM (DAA)

LDBE - Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. -Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O ambiente escolar sofreu, em geral, poucas alterações desde suas

primeiras concepções nos séculos XVII e XVIII na Europa. O modelo de

segregação, uniformização e ordenação socioespacial imperam e determinam

as edificações até os dias de hoje.

Figura 12: Ilustração de uma sala de aula no Séc. XIX

Fonte: https://www.istockphoto.com

As escolas mais inovadoras do mundo (CALVO, 2016) possuem em

comum uma tendência a disrupção no que concerne aos métodos, propósitos e

espaços de ensino e aprendizagem, seja em função de necessidades

especificas relacionadas a recursos ou limitações ambientais, ou ainda, em

função da disponibilização de ambientes que potencializem os processos ali

desenvolvidos.

O que nomeamos neste estudo por disposições ambientais da

aprendizagem (DAA) configura-se em um conjunto epistêmico, norteador de

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disposições ambientais que potencializem e complementem os aspectos

propostos na matriz DDD.

As formulações das ‘Disposições ambientais da Aprendizagem’

inspiraram-se inicialmente na proposição do arquiteto espanhol radicado nos

EUA Tomas Eliaeson, mas diferem-se, dentre outros aspectos, no sentido que

as DAAs rompem com a exigência arquitetônica e instrumental em função de

uma democratização de sua aplicação em diferentes contextos e realidades

socioeconômicas.

As DAAs são constituídas por cinco arranjos ambientais distintos e

complementares, que abarcam e possibilitam experiências diferentes que

convirjam a um propósito comum.

O primeiro arranjo contempla a disposição do Eu, o segundo do Eu no

mundo, o terceiro considera o espaço do Nós, o quarto o do Nós no Mundo e

o quinto arranjo a disposição do Eles59.

O trânsito entre os espaços, bem como, a frequência de utilização, devem

contemplar as questões inerentes a construção curricular disposta na matriz

DDD, mas sobretudo, as necessidades individuais e coletivas dos estudantes.

A disposição do EU configura-se em uma ambiência que faculte a

reflexão, maturação e autoavaliação dos conteúdos teóricos e técnicos em

aquisição e desenvolvimento. É um espaço voltado também ao aprendizado

autônomo, da criação de inter-relações e ao livre pensar.

O espaço intitulado ‘Eu no mundo’ configura-se em um território de

experimentações empíricas, onde o conteúdo teorizado relaciona-se com o fazer

prático em consideração as demandas socioeconômicas, culturais e ambientais

da região onde a escola se insere.

A dimensão do Nós descreve um ambiente para o compartilhamento,

discussão, análise e geração de novos subsídios teóricos, técnicos e

tecnológicos. É um lugar para descobertas e aquisição coletiva de novos saberes

amparados nas relações interpessoais.

59 Grifos nossos.

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Já a região do Nós no mundo alicerça-se na soma de competências que

fomente o desenvolvimento de ações projetuais estruturadas e alinhadas as

demandas e/ou aplicações contextuais. Contempla ainda a execução de

atividades coletivas que alinhem a teoria, a técnica, as tecnologias ao contexto

social.

Por fim, o espaço do Eles destina-se ao compartilhamento interno e

externo das produções desenvolvidas e em desenvolvimento, bem como,

possibilita a participação comunitária na geração de novos subsídios teóricos,

técnicos e tecnológicos de interesse comum ao contexto socioeconômico e

cultural da localidade escolar.

As DAAs não se delimitam pela disponibilidade física, estrutural e

instrumental dos ambientes de ensino e aprendizagem, mas pela ressignificação

destes em conjunção a uma expansão dos limites escolares, que passam a se

coincidir com os limites da região geográfica onde o aparelho escolar está

instalado.

Deste modo, a escola torna-se o centro aglutinador da diversidade

sociocultural, dela emana ações efetivas no macro e no microambiente social. A

escola como ente vivo e sinergicamente alinhado as expectativas e potencial

desenvolvimento local.

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Figura 13: Escola localizada na zona rural do estado do Pará.

Fonte: http://pedagogiaquintoano.blogspot.com

Um olhar para a imagem acima tende a colocar em dúvida todas as

considerações até então traçadas neste texto. É evidente a precariedade da

ambiência e a carência daqueles que dele compartilham, sejam professores,

alunos e familiares.

Podemos por meio da análise da imagem acima especular sobre o que e

como aprendem os que ali estão, salvo engano, devem estar passando por um

processo de letramento e pela aquisição de conhecimentos matemáticos

elementares.

De acordo com o censo escolar 2016 realizado pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no Brasil 33,9% das

escolas estão em áreas rurais e 66,1% estão em áreas urbanas, sendo que do

montante geral 7,2% delas possuem um único docente.

Outro dado importante diz respeito a média de anos que um aluno

permanece na escola, sendo nas áreas rurais igual a 4 (quatro) anos e na urbana

igual a 7 (sete) anos.

De certo que as motivações para que os dados apresentados sejam tão

pessimistas extrapolam o âmbito escolar. A carência social e econômica, o

trabalho prematuro, as condições precárias de moradia, a disponibilidade de

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serviços de amparo a saúde, o acesso à bens de primeira necessidade, dentre

outros fatores, configuram-se em aspectos limitadores ao pleno desenvolvimento

escolar.

As DAAs em consonância as DDDs, tende a ampliar a instância escolar

para o campo da aprendizagem social, ou seja, a escola deixa de se formalizar

pela circunscrição territorial e física, e imbrica-se pela comunidade apropriando-

se do saber local em consonância às prerrogativas curriculares.

A escola torna-se expandida, flexível, móvel, híbrida, plural e

contextualizada. Gerando subsídios para que os processos de ensino e

aprendizagem ocorram durante todo o tempo e o tempo todo, onde a mediação

é partilhada, não só pelos letrados, mas por toda a comunidade.

Deste modo a escola enquanto idealização assume o centro social e

ramifica-se pelas estruturas que o orbitam, fomentando subsídios para que as

carências socioeconômicas e culturais sejam dirimidas gradativamente em

função do desenvolvimento teórico, técnico e tecnológico de sua população.

Evidentemente que os aspectos descritos nas DAAs podem ser

implementados também em constituições escolares tradicionais, deste modo, a

ambiência interna devem contemplar em totalidade as dimensões propostas no

modelo.

Isso não exclui a contextualização do aprendizado, tal qual descrito

anteriormente, em consonância provê um novo processo de apropriação e

registro do conteúdo curricular em diálogo constante com os anseios, eventos e

demandas da sociedade contemporânea.

Na cidade de São Paulo e adjacências, encontramos quatro escolas que

com frequência aparecem em matérias e estudos sobre escolas inovadoras,

todas da rede pública municipal de ensino.

São elas, EMEF Amorim Lima, localizado no bairro do Butantã na zona

oeste; CIEJA Campo Limpo pertencente ao Jardim Ângela na Zona Sul, ONG

Projeto Âncora na cidade de Cotia; CEU EMEF Campos Salles no bairro de

Heliópolis.

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Figura 14: 1- EMEI Amorim Lima; 2 - CIEJA Campo Limpo; 3 - Projeto Âncora; 4 - EMEI Campos Salles.

Fonte: Imagens de divulgação (Internet).

Estas escolas guardam muitas sinergias entre si, a começar pelo que

nomeiam por educação democrática, ou seja, há desde dos primeiros anos

escolares uma construção político-social que determina os rumos da escola.

O ambiente, reconfigurado para permitir a fluidez desta nova ótica,

fomentam a integração ao invés da segregação que a arquitetura das chamadas

escolas tradicionais impõe.

Podemos encontrar nestes espaços implicitamente dispostas as

dimensões ambientais da aprendizagem aqui propostas, que atuam em sintonia

plena com os métodos disruptivos de ensino praticados nestas instituições, que

por sua vez acabam por versar com práticas outras adotadas em escolas

inovadoras de todo o mundo.

Como exemplo, elenco aqui a Green Scholl localizada em Bali na

Indonésia, que possui uma metodologia de ensino que se baseia na holística e

em questões ambientais; Steve Jobs School, em Amsterdã, na Holanda, que faz

uso de softwares para prover um processo de aprendizado extremamente

personalizado a cada um de seus estudantes; Saunalahti School, na cidade de

Espoo, na Finlândia, cuja integração do ambientes escolar com a vida na cidade

ocorre em todas as instâncias; e Vocational School na aldeia de Sra Pou, em

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Camboja, o espaço atua como um centro de formação profissional e um centro

comunitário, onde ocorrem encontros e debates públicos, bem como, a tomada

de decisões democráticas que abranjam toda a comunidade.

Figura 15: 1- Bali's Green School; 2 - Steve Jobs School; 3 - Saunalahti school; 4 - Sra Pou Vocational School.

Fonte: Imagens de divulgação (Internet).

Também aqui podemos com certa facilidade identificar elementos que

tencionam a um sistema de ensino e aprendizagem baseados em design, no

sentido que, em todos os exemplos o ambiente escolar soma-se e integra-se ao

contexto sociocultural, seja no uso e apropriação de recursos construtivos

disponíveis localmente, ou em seus propósitos formativos.

Realidades tão diversas quanto as apontadas aqui, convergem em

aspectos estruturantes, metodológicos e em intento formativo, às dimensões

propostas neste trabalho, DDD e DAA.

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5.3. DETERMINANTES CURRICULARES E CONTEXTUAIS - DCC

Que a pressão do meio tem um papel essencial no desenvolvimento da inteligência, parece-nos impossível de negar, e não podemos acompanhar o gestaltismo no seu esforço para explicar a invenção independentemente da experiência adquirida. É por isso que o empirismo está condenado a renascer continuamente das suas cinzas [...]. (PIAGET, 2010, p.37-38).

As determinantes curriculares e contextuais (DCCS) descrevem o fluxo e

a implementação de estruturas curriculares em atenção aos dispostos

anteriormente nas dimensões dialógicas do design (DDDs) e nas disposições

ambientais da aprendizagem (DAAs).

Como visto, foi implementado no ocidente um sistema de ensino que se

baseou quase que exclusivamente na homogeneização do pensamento, sistema

que se estabelece sob um alicerce científico aceito como verdade no espectro

sociocultural.

Tal compêndio teórico é passível de aferição por meio de testes que

demonstrem com efetiva demonstração o nível de retenção pelo aluno do

conteúdo demonstrado pelo professor.

Em geral, tal avaliação não considera a aplicabilidade efetiva do

conhecimento demostrado, mas a sua passividade descritiva, ou seja, o aprendiz

como replicador automatizado de formulações alheias e que são localmente

aceitas por verdade.

Quando se fala em universalidade das teorias científicas, é necessário compreender que não se está aludindo a um conteúdo inerente fixado por Deus ou pela natureza, mas ao âmbito de sua aplicabilidade – da capacidade de tirar os casos de seu isolamento aparente com o fim de ordená-los em sistemas que (a exemplo do que ocorre com todos os seres vivos), provém sua qualidade vital, pelo gênero de mudança que se denomina crescimento. (DEWEY, 1958b, p. 10).

Em complementariedade às estruturas anteriormente descritas, as DCCs

ilustram e propõe um processo de contextualização, relação e aplicação dos

dispostos curriculares em consonância às individualidades e as

complementariedades potenciais do coletivo socioeconômico e cultural.

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As determinações curriculares contextuais compreendem uma conjectura

concernente a criação de conteúdos programáticos, que versem pelos modelos

científicos e pelas demandas socioeconômicas e culturais, gerando-se assim

experiências complexas e respostas aplicadas ao contexto.

O ambiente de ensino por sua vez, passa a se estruturar sob tais modelos,

conjugando-os a outros originados no potencial transformador de cada indivíduo

atuante no sistema, bem como, em tendências e inovações demandadas ou

informadas pela complexidade social local e global.

Sociedade é como dissemos, muitas associações, não uma organização simples! Sociedade significa associação, reunião de pessoas para, através de inter-relações e ações, do melhor modo a levarem a efeito todas as formas de experiência, formas que ganham valor e vigor à medida que venham a ser mais e mais partilhadas. (DEWEY, 1958b, p. 200)

O termo empirismo singular refere-se ao potencial efetivo de cooperação

que um indivíduo pode acarretar a coletividade a qual integra, há um processo

perene de retroalimentação e transformação desta potência, ou seja, a

efetivação de ações (exógenas) gera subsídios ao desenvolvimento e/ou

aprimoramento teórico e técnico (endógenos).

O conjunto de tais singularidades configuram o movimento transformador

do contexto social, que por sua vez, incide sobre os ambientes de ensino e

aprendizagem e determinam as demandas à ciência.

Há neste sentido um processo cíclico que se operacionaliza em função do

atendimento ou não às demandas socioeconômicas e culturais, que por sua vez

são geradas pelos processos de interferência individual e/ou coletiva dos atores

que as compõem.

Vygotsky (1896-1934) citado no início deste capitulo, alicerça sua teoria

nas relações sociais e no espectro cultural, ou seja, para Vygotsky o potencial

desenvolvimento humano é determinado pelo vetor contextual (LEFRANÇOIS,

2016, 254).

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Figura 16: Determinações Curriculares Contextuais - DCC

Fonte: Autoria Nossa.

Complementarmente outro estudioso dos processos de ensino e

aprendizagem, Jean Piaget (1896-1980) afirma em síntese que “o

desenvolvimento humano é um processo de adaptação, e a mais elevada forma

de adaptação humana é a cognição, ou conhecimento”. (LEFRANÇOIS, 2016,

234).

As teorias de Vygotsky e Piaget, corroboram as proposições dadas por

este estudo nas dimensões que compõe o referido sistema de ensino e

aprendizagem em suas vertentes DDD, DAA e DCC.

Com o intuito de possibilitar uma síntese das relações propostas, foi

elaborada a matriz DCC, que permite pela nomeação de um espectro macro60,

60 Grifo nosso.

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a identificação das relações entre as esferas das sociedades, dos indivíduos,

das ciências e do âmbito escolar.

Tabela 3: Matriz DCC

Sociedade Indivíduo Ciência Escola

Sociedade Cultura Requerimentos Demandas Contextualização

Indivíduo Participação Cooperação Potência Transformação

Ciência Respostas Fundamento Complexidade Modelo

Escola Formação Experiências Contribuição Colaboração

Fonte: Autoria Nossa

Determinada sociedade em relação a ela mesma ou em confrontação a

um outro contexto sociocultural provê o desenvolvimento e a manutenção do que

nomeamos por cultura. Um conjunto complexo e determinado pela soma de

todos os conhecimentos, técnicas, instrumentos, ferramentas, códigos, símbolos

e demais elementos constituintes de uma identidade coletiva e regional.

O contexto social expõe aos seus indivíduos os requerimentos para que

integrem e façam parte de um certo contexto cultural, sendo a ambiência

circundante a determinante sociocomportamental de seus atores.

Para o campo científico a sociedade demanda respostas, esse por sua

vez em atenção aos requerimentos, debruça-se na pesquisa a fim de viabilizar

resultados que possam ser aplicados empírica e/ou epistemicamente nos

campos a que se referem.

Em relação aos ambientes de ensino e aprendizagem o âmbito social gera

contextualização, ou seja, o universo necessário às materializações das

abstrações oriundas das teorias e ao registro técnico.

Pela ótica do indivíduo, sua relação para o contexto sociocultural tange

pela participação no sentido de dar parte de si. As sociedades se constituem pela

união de suas partes constituintes, o totalitário compreende a cultura.

Entre indivíduos ressoa o senso de cooperação, isto é, operar

coletivamente em função do funcionamento desejado de algo, o bem comum.

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125

Para o campo científico as individualidades configuram-se em potencias,

indicam assim as capacidades de produção e ação na solução de demandas

sociais e na concepção de novos paradigmas.

Os indivíduos deste modo flexionam-se nos ambientes de ensino e

aprendizagem como elementos transformadores, os quais pela reflexão, leitura

socioambiental e investigações teórico-empíricas, atuam no agenciamento do

conhecimento cientifico-cultural.

A ciência fundamenta o avançar dos indivíduos a medida que propiciam a

base onde se edificam os novos saberes. O homem é o acumulo de perguntas

e respostas proferidas por outros homens.

Em relação a ele próprio, o campo científico atua na complexidade

inerente ao avanço (acumulo), descreve-se assim um adensado de formulações

que visam, em geral, a facilitação da vida.

Para o espaço escolar a ciência determina o modelo sobre o qual se

constituíra o senso do que é verdade, a partir daí cabe a ela própria a

manutenção ou refutação do que outrora postulou.

A escola opera na formação, deste modo, por meio da apropriação

cientifica e contextual incide na forma de ação61 de seu alunado para com o

espectro social.

Fomenta a exposição a experimentações teórico-técnica-tecnológicas e

projetuais, amparadas às inerências e determinações da comunidade na qual se

insere e, em potência, do macro universo sociocultural.

O co-labor existente entre as instituições escolares implica assim mais do

que um esforço conjunto no atendimento das demandas formativas, mas o

também na publicitação e compartilhamento de seus métodos e resultados, a fim

de subsidiar o perene aprimoramento e efetividade de seus compromissos para

com o constructo sociocultural.

61 Grifo nosso.

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Figura 17: Dimensões constituintes – Design da Autonomia

Fonte: Autoria Nossa.

O Sistema de Ensino e Aprendizagem Baseado em Design deste modo

busca sistematizar o design como uma multidimensão que abarca aspectos

inerentes as competências e heterogeneidades de cada indivíduo em

consonância às determinantes socioambientais, culturais e econômicas, e na

inter-relação entre os diferentes atores que as compõe.

Deste modo um sistema de ensino e aprendizagem baseado em design

compreende a ampla leitura e apropriação contextual (recursos materiais e

imateriais), a construção de relações interdisciplinares, a idealização de

soluções a problemas identificados ou em atenção a oportunidades, prototipação

e registro de intervenções, a efetuação de aplicações e verificações in loco, o

desenvolvimento projetual e a implementação local, para conseguinte coleta e

compartilhamento de resultados.

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127

CONCLUSÃO

O aforismo pitagórico “eduquem as crianças e não será necessário

castigar os homens”, de certo modo perpassou o pensamento sociocultural de

diferentes nações ao longo dos últimos séculos.

O reconhecimento de que o desenvolvimento cultural, intelectual e técnico

permitem aos indivíduos um trânsito facilitado pelos requisitos da vida é de certo

modo uma verdade universal.

Muitos esforços foram despendidos desde a antiguidade em função de

uma ampliação significativa do espectro teórico humano em suas mais diferentes

dimensões.

Como visto, contemporaneamente ainda, os temas ensino e

aprendizagem fomentam discussões e produções de novos paradigmas e

abordagens que possibilitem a efetivação cada vez mais plena dos aspectos

formativos requeridos na complexidade social do século XXI.

A ascensão e popularização das tecnologias, em especial as informáticas,

impulsionaram pesquisas que possibilitassem a sua incorporação cada vez mais

prematuramente nos âmbitos escolares.

A apropriação social de tais aparatos tecnológicos se deu em maior

velocidade do que aquela com que a escola conseguiu incorporá-los, e neste

sentido, tensões foram criadas e dúvidas suscitadas.

No entanto, frente ao inevitável cenário coube a escola um processo de

assimilação e legitimação tecnológica, primeiramente como recurso paradidático

para em seguida facultar sua efetivação como protagonista nos processos de

ensino.

Uma abordagem que se fundamente na disponibilidade tecnológica como

atributo de qualificação dos processos de ensino e aprendizagem, criam na

escassez destes, o senso de excludente social.

Tais distanciamentos implicam, dentre outros aspectos, na manutenção

dos extremos e na conformidade ao estabelecido, deste modo, a carência

tecnológica tenderia a sentenciar os indivíduos à limitação lógica e operacional.

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No entanto, acompanhamos contemporaneamente algumas iniciativas

que em oposição a um ajuizamento primeiro, buscam viabilizar um processo de

ensino que verse pelo desenvolvimento de competências que vise o atendimento

a demandas e necessidades locais.

Isso não implica em um ofuscar do mundo contemporâneo em função da

retomada de sistema produtivo e de vida que ficou no passado, mas em

contrário, antecipa a uma necessidade futura que cada vez se desanuvia com

maior clareza no horizonte. A certeza da finitude dos sistemas de produção e

consumo tais quais conhecemos hoje.

KURZWEIL (2005) especula que o corpo orgânico sofrerá um processo

de desmaterialização e upload para a nuvem digital, mas talvez isso seja apenas

matéria de ficção.

Parte da comunidade cientifica por sua vez prevê mudanças climáticas,

esgotamento das reservas minerais, vegetais e animais, antecipam condições

de vida relativamente mais severas para a parte mais vulnerável da população e

um aumento exponencial nos conflitos humanos.

Deste modo “eduquem as crianças e não será necessário castigar os

homens” deveria contemplar o desenvolvimento da capacidade autônoma, seja

no uso e apropriação das novas tecnologias, mas sobretudo, no

desenvolvimento de competências teóricas e técnicas que permitam o fazer

independente da ferramenta.

A hipótese posta no início deste estudo apresenta-se como verdadeira,

seja na teoria a partir da relação dos diferentes autores que servem de base a

este texto, como também, da observação das relações entre o homem e suas

necessidades na contemporaneidade.

A aquisição daquilo que se requer, em geral, implica em uma lógica de

produção e consumo que distancia tanto quem produz, como quem consome, da

complexidade envolvida nos processos de manufatura e distribuição de

determinado produto.

Desta forma, o domínio do fazer se abstrai do campo das individualidades

e jaz no fragmento das especializações, atributo determinador de uma sociedade

de consumo a qual “representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou

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reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas,

e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 2008, p.71)

“[...] dificilmente alguém conseguirá viver sem consumir, principalmente se entendemos o mesmo como um conjunto de práticas socioculturais que vão além do mero intercâmbio econômico de bens materiais e serviços”. (PERES-NETO, 2014, p. 6).

Há, no entanto, iniciativas sociais que versão por uma restituição e/ou

reintegração de competências teóricas e técnicas que versem pela ampliação da

autonomia humana no que concerne aos processos produtivos que possibilitem

a manutenção e/ou a obtenção dos requisitos humanos, como o movimento da

permacultura62, ecovilas63, economia criativa64, empreendedorismo social65 e

outros.

O sistema de ensino e aprendizagem desenvolvido neste estudo buscou

a sistematização e aplicação da complexidade inerente às necessidades

formativas demandadas em um mundo em constante transformação, em

atenção às diversidades socioculturais existentes nas diferentes regiões do

planeta.

Não se objetivou aqui a contemplação de determinada classe ou contexto

socioeconômico e cultural, mas a disponibilização de um entendimento que

fosse adequável às diversas realidades.

Deste modo ampliando o potencial econômico criativo, o desenvolvimento

sustentável, a autoprodução, a preservação da cultura regional, a ampliação da

autonomia e a apropriação e uso dos recursos materiais e imateriais disponíveis

local e globalmente.

62 Permacultura é termo originado no inglês “Permanent Agriculture” concebido por Bill Mollison e David Holmgren para descrever e sistematizar princípios de produção agrícola e de interferência e atendimento a demandas sociais, que se baseiam na observação e reprodução de padrões naturais. Nota nossa. 63 Comunidades autônomas que auto-produzem a maior parte de suas necessidades socioculturais. Caracterizam-se por um microcosmos onde todas as dimensões homanas se relacionam em um contexto social pautado pelo senso de comunidade, pela cooperação e colaboração. Nota nossa. 64 Caracteriza-se por um conjunto de iniciativas que se baseiam no capital intelectual, cultural, no desenvolvimento e aplicação do potencial criativo a fim de criar uma cadeia econômica cujo centro seja a comunidade. Nota nossa. 65 Implica o desenvolvimento de um modelo de negócio que traga benefícios sociais a comunidade ou região onde é implementado. Nota nossa.

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Os campos teóricos abordados nesta tese compõem por si só extensas

produções intelectuais: técnica, tecnologia, sociologia, design e educação; São

temas de inúmeros estudos e teorias produzidos e em produção na comunidade

cientifica mundial.

Há a compreensão de que o aqui exposto apresenta um abrevio teórico,

suficiente para ilustrar as proposições apresentadas, mas que carecem ainda de

ampla exploração.

Este trabalho está longe de esgotar o tema, em contrário, sinaliza o início

de um ainda longo percurso onde o design, em sua complexa capacidade de

gerar o elementar, possa ser apropriado em completude como uma competência

emancipatória.

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