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0 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU IMPUTABILIDADE PENAL Glauber Augusto Palmeira Rodrigues ORIENTADOR: Prof: Jean Alves Rio de Janeiro 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM – FACULDADE … · diligenciar o aspecto penal, processual penal e psiquiátrico sobre os possíveis agentes do crime e a limitação da atuação

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

IMPUTABILIDADE PENAL

Glauber Augusto Palmeira Rodrigues

ORIENTADOR:

Prof: Jean Alves

Rio de Janeiro

2016

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AVM – FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

IMPUTABILIDADE PENAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal.

Rio de Janeiro

2016

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AGRADECIMENTOS

Dedico esta monografia a minha família pela fé e confiança demonstrada.

Aos meus amigos pelo apoio incondicional. Aos professores pelo simples fato de estarem dispostos a ensinar.

Aos orientadores pela paciência demonstrada no decorrer do trabalho.

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DEDICATÓRIA

Agradeço em primeiro lugar a Deus que iluminou o meu caminho durante esta caminhada. Agradeço também ao meu pai Gilberto Rodrigues, que de forma especial e carinhosa me deu força e coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades. Agradecer também as minha amiga e irmã Bruna Palmeira, que embora não tivesse conhecimento disto, mas iluminou de maneira especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimentos. E não deixando de agradecer de forma grata e grandiosa a minha falecida mãe Glaucia Regina, a quem eu rogo todas as noites a minha existência.

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RESUMO

A presente monografia tem como finalidade o estudo dos conceitos de

imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade, pelo o arcabouço do Direito

Penal, sem que se pretenda promover analise exaustiva, buscando-se, assim,

diligenciar o aspecto penal, processual penal e psiquiátrico sobre os possíveis

agentes do crime e a limitação da atuação do poder punitivo do Estado aos

portadores de algum tipo de psicopatologia.

De forma preambular, tem o trabalho à finalidade de propiciar uma melhor

compreensão no que tange ao tema, procedendo a uma explicação lógico-sistêmica,

abordando, de maneira geral aspectos centrais, estabelecendo a ligação entre a

psicopatologia forense com o Direito Penal.

Serão abordadas questões relativas à imputabilidade, semi-imputabilidade

e inimputabilidade de modo a permitir o enquadramento psico-legal desta patologia,

bem como as consequências de sua condenação, através da aplicação das Medidas

de Segurança, objetivando determinar a reinserção do individuo na sociedade.

Claro está que tudo que contrarie a norma do Direito caracteriza-se como

ilícito jurídico, cujo aspecto mais grave é o ilícito penal, pois protege os bens mais

importantes da vida social e, a fim de coibir a prática de atos tendentes a violar os

bens por ele protegidos cabe ao Estado, além de estabelecer condutas típicas, a

incumbência de estabelecer sanções. Cabe, ainda, ao Estado a fixação de medidas

outras de forma a prevenir ou reprimir a ocorrência de fatos lesivos dos bens

jurídicos dos cidadãos.

Enquanto regente das relações entre os homens, cabe ao Estado o direito

dever de punir aquele que pratica ato que viole limites pré-estabelecidos. Não

obstante, o processo punitivo não atinge resultados benéficos para a sociedade,

uma vez que o punido sempre regressa para o convívio social.

Buscou-se, então, dar caráter preventivo (no sentido de evitar a prática de

novas infrações), punitivo e EDUCACIONAL para as penas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 7 1 PSICOPATOLOGIAS E IMPUTABILIDADE ..................................................... 9 1.1 Direito Penal ................................................................................................. 9 1.2 Crime ............................................................................................................. 11 1.2.1 Teoria da Classificação Natural ................................................................... 15 1.3 Culpabilidade ................................................................................................ 16 1.3.1 Teorias da Culapabilidade ........................................................................... 17 1.3.1 1 Teoria Psicológica .................................................................................... 17 1.31.2 Teoria Psicológica-Normativa .................................................................... 18 1.3.1.3 Teoria Normativa Pura. ............................................................................ 19 1.3.1.4 Teoria Limitada da Culpabilidade ............................................................. 20 1.3.2 Causas de Exclusão da Culpabilidade ........................................................ 21 1.4 Imputabilidade .............................................................................................. 23 1.4.1 Breve Histórico da Imputabilidade ............................................................... 23 1.4.2 Conceito de Imputabilidade ......................................................................... 25 1.4.3 Imputabilidade e Responsabilidade ............................................................. 26 1.4.4 Fundamento da Imputabilidade ................................................................... 27 1.4.5 Graus de Imputabilidade - Imputabilidade, Inimputabilidade e Semi-imputabilidade ...................................................................................................... 27 1.4.6 Sistemas Definidores dos Critérios Fixadores da Imputabilidade ................ 28 2 A EVOLUÇÃO DA IMPUTABILIDADE NO BRASIL ........................................ 29 2.1 História da Evolução dos Códigos Penais ................................................. 29 2.2 Legislação Atual ........................................................................................... 30 3 AS MEDIDAS DE SEGURANÇA COMO SANÇÕES PENAIS ......................... 31 3.1 Histórico das Medidas de Segurança ......................................................... 31 3.2 Medida de Segurança e Pena ...................................................................... 33 3.3 Legalidade da Medida de Segurança .......................................................... 33 3.4 Pressupostos para a Aplicação da Medida de Segurança ....................... 34 3.5 Espécies de Medida de Segurança e sua Imposição ................................ 35 4 AS PROBLEMÁTICAS DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL ............................................................................................................ 38 4.1 Decisões Judiciais “versus” Laudos Médicos .......................................... 38 4.2 Da escolha da Pena Privativa de Liberdade ou Medida de Segurança.... 41 4.3 Ser Considerado Normal ou Doente Mental? Penitenciária ou Manicômio Judiciário? .......................................................................................................... 43 5 AS DOENÇAS MENTAIS ................................................................................. 45 5.1 História da Doença Mental ........................................................................... 45 5.2 A Reforma Psiquiátrica e as Políticas de Saúde Mental no Brasil ........... 48 5.3 Hospitais de Custódia e Tratamento .......................................................... 49 6 A PENA E O DIREITO DE PUNIR ................................................................... 50 6.1 Das Penas Privativas de Liberdade ............................................................ 51

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6.2 Das Penas Restritivas de Direito ................................................................ 52 6.3 Regimes de Cumprimento de Pena ............................................................ 52 7 INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL NO DIREITO PENAL ............ 55 7.1 Culpabilidade como Limite à Execução Penal ........................................... 55 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 59

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INTRODUÇÃO

Pela inexistência da figura do Estado, e para manter a ordem nas

sociedades, estabeleceram-se normas com o objetivo de regular as relações

humanas.

Os primórdios da civilização estabeleciam seus próprios meios de punição

para aqueles que ultrapassassem limites pré-determinados. A sanção era vista como

mecanismo de retaliação. É a fase, conhecida como vingança privada.

Com o despontar de um Estado mais sólido, momento em que houve uma

maior organização social, o Estado chamou para si a responsabilidade de definir

quais eram os delitos e quais condutas constituiriam crimes e suas respectivas

sanções, com vistas a tornar invioláveis os bens que protege, estabelecendo, dessa

forma, o caráter retributivo, preventivo e ressocializador do Direito Penal. Atinge-se a

chamada fase da vingança pública. Emergindo, a penalização pelo aspecto criminal

como é, atualmente, conhecida no direito pátrio.

Enquanto regente das relações entre os homens, cabe ao Estado o direito

dever de punir aquele que pratica ato que viole limites pré-estabelecidos. Não

obstante, o processo punitivo não atinge resultados benéficos para a sociedade,

uma vez que o punido sempre regressa para o convívio social.1

Buscou-se, então, dar caráter preventivo (no sentido de evitar a prática de

novas infrações), punitivo e educacional para as penas.

O estudo da Criminologia aponta que o homem considerado sadio sob o

ponto de vista psiquiátrico delinque com mais frequência e, muitas vezes, de forma

mais severa do que o portador de patologias.

Complicado se faz a aplicação de penas ao agente acometido de

perturbações mentais, já que, na maioria das vezes, não há completa assimilação

dos princípios que a pena para ele deveria representar. Assevera-se, assim, que não

há como se apenar aqueles que são declarados pela lei como inimputáveis ou semi-

imputáveis.

Embora a aplicação de uma medida de segurança seja prevista em lei,

observar-se, a discussão sobre a utilização ou não deste instituto nos casos dos

doentes mentais, e a possibilidade de deixá-los ou não conviver no seio social, uma

1 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo. Editora: Saraiva 2016. p. 237.

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vez que estariam sempre propensos a delinqüir, já que na maioria das vezes tais

delitos sempre acontecem de forma gratuita e surpreendente.2

Estabelece-se, como meta basilar desta pesquisa o estudo dos conceitos

de imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade, pelo arcabouço do Direito

Penal, sem que se pretenda promover analise exaustiva, buscando-se, assim,

diligenciar o aspecto penal, processual penal e psiquiátrico sobre os possíveis

agentes do crime e a limitação da atuação do poder punitivo do Estado aos

portadores de algum tipo de psicopatologia.

2 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. Rio de Janeiro. Editora: Revista dos Tribunais, 2016. p. 134.

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CAPÍTULO I – PSICOPATOLOGIAS E IMPUTABILIDADE

De forma preambular, tem o presente capítulo à finalidade de propiciar

uma melhor compreensão no que tange ao tema, procedendo a uma explicação

lógico-sistêmica, abordando, de maneira geral aspectos centrais, estabelecendo a

ligação entre a psicopatologia forense com o Direito Penal.

Serão ainda abordadas questões relativas à imputabilidade, semi-

imputabilidade e inimputabilidade de modo a permitir o enquadramento psico-legal

desta patologia, bem como as conseqüências de sua condenação, através da

aplicação das Medidas de Segurança, objetivando determinar a reinserção do

individuo na sociedade.

Perfilhou-se, para esse fim, as referências bibliográficas dos insignes

doutrinadores: Damásio E. de Jesus em sua obra intitulada Direito Penal, 1º Volume

– Parte Geral, e Guilherme de Souza Nucci em seu Manual de Processo Penal e

Execução Penal.

1.1 Direito Penal

Segundo ensinamento do ilustre doutrinador Damásio E. de Jesus:

O fato social é sempre o ponto de partida na formação da noção do Direito. O Direito surge das necessidades fundamentais das sociedades humanas, que são reguladas por ele como condição essencial à sua própria sobrevivência. É no Direito que encontramos a segurança das condições inerentes à vida humana, determinada pelas normas que formam a ordem jurídica.3

Claro está que tudo que contrarie a norma do Direito caracteriza-se como

ilícito jurídico, cujo aspecto mais grave é o ilícito penal, pois protege os bens mais

importantes da vida social e, a fim de coibir a prática de atos tendentes a violar os

bens por ele protegidos cabe ao Estado, além de estabelecer condutas típicas, a

incumbência de estabelecer sanções. Cabe, ainda, ao Estado a fixação de medidas

outras de forma a prevenir ou reprimir a ocorrência de fatos lesivos dos bens

jurídicos dos cidadãos.

3 JESUS, Damásio E. de. Direito penal – parte geral. São Paulo. Editora: Saraiva, 2016. p. 80.

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Percebe-se, dessa forma, que ao estabelecer o Estado normas, com o

escopo de coibir a pratica de atos tendentes a violar o ordenamento jurídico, a

conjunto dessas normas dá-se o nome de Direito Penal.

A pena é o meio de ação de que se vale o Direito Penal, em caso de já se

haver a satisfação de uma exigência da justiça, constrangendo o autor da conduta

punível a submeter-se a um mal correspondente em gravidade ao dano que ele

causou. Todavia, na evolução do Direito, a pena vem atenuando cada vez mais, no

que se refere ao momento de sua execução, seu aspecto de retribuição e de

castigo, perdendo, assim, seu posto de sanção única do fato punível. A

modernização das idéias a respeito da natureza do crime, bem como suas causas, e

a exigência prática de uma luta eficaz contra a criminalidade fizeram eclodir uma

série de medidas dirigidas não somente a punir o delinquente, mas, visam também à

promoção da sua recuperação social ou seu afastamento nos casos de

desajustamento irredutível, chamadas de medidas de segurança.

Tem o Direito Pena, portanto, a função específica da tutela jurídica, pois

visa proteger os bens jurídicos mais importantes, intervindo, somente, nos casos de

bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade. Ao impor sanções aos

sujeitos que praticam delitos, robustece na consciência social o valor dos bens

jurídicos, dando força às normas que os protegem.

Com efeito, como afirma José Frederico Marques:

O Direito Penal é o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito em face do poder de punir do Estado.4

Quando o sujeito pratica um delito, estabelece-se entre ele e o Estado

uma relação jurídica, daí o jus puniendi, que é o Direito do Estado de atuar sobre os

delinqüentes na defesa da sociedade contra o crime. Por outro aspecto, aquele que

viola a norma penal tem o direito subjetivo de liberdade, o que significa não ser

punido senão de acordo com as normas ditadas pelo próprio Estado.

Nesse sentido assevera o mestre Magalhães Noronha que o Direito Penal

é uma ciência cultural, normativa, valorativa e finalista. Cultural por pertencer à

4 MARQUES, José Frederico. Psiquiatria Forense. São Paulo. Editora: Artmed, 2016. p. 265

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classe das ciências do “dever ser” e não do “ser”. Normativa, pois tem como

finalidade o estudo da norma. Valorativa porque o Direito não empresta às normas o

mesmo valor, porém, esse varia de conformidade com o fato que lhe dá conteúdo,

tutela os valores mais elevados ou preciosos, atuando, tão somente, onde há

transgressão de valores mais importantes ou fundamentais para a sociedade.

Finalista por atuar em defesa da sociedade na proteção de bens jurídicos

fundamentais.

Por fim, diz-se que o Direito Penal é sancionador, pois através da

cominação da sanção, protege outra norma jurídica de natureza extra penal. A

adesão aos seus mandamentos se estende, obrigatoriamente, a todos. Seu método

é o técnico jurídico, conjunto de meios que viabilizam a realizabilidade do Direito,

haja vista que segundo assinalou Ihering, o Direito existe para realizar-se, pois a sua

realização é a vida e a verdade do Direito.

1.2 CRIME

É imprescindível, apresentar-se primeiro as diretrizes básicas traçadas

pela teoria do crime para somente depois invadir o seara das classificações

criminológicas, e com isso, o crime e o delinqüente sintomático, pois não se pode

vislumbrar as espécies sem primeiro conhecer o gênero. Poder-se-ia, aqui, citar

incontáveis definições de crime dadas por estudiosos e jurisconsultos penais, o que

consistiria atividade inócua e repetitiva. No entanto, deve-se ter em mente que o

crime representa um fenômeno natural, social e antropológico, uma conduta

contrária a lei do Estado, promulgada para proteger o bem comum e os valores

decorrentes desse, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo,

moralmente imputáveis e politicamente danosos.

Indiscutivelmente, o conceito de delito abrange três características: a

tipicidade - um fato que se subsume a uma norma penal incriminadora, que se

denomina fato típico; a antijuridicidade – relação de contrariedade entre o fato típico

e o ordenamento jurídico; e, a culpabilidade – é a reprovação da ordem jurídica em

face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. Sendo os dois primeiros

de natureza objetiva e o segundo de natureza subjetiva. Este último, contudo,

pressupõe que o indivíduo que praticou a conduta anti-social seja imputável, visto

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que não poderá ser passível de reprovação quem não tenha capacidade para tanto.

Com efeito, a culpabilidade não é considerada requisito do crime mas apenas uma

condição para imposição de pena ao agente.

Desta forma, tipicidade e antijuricidade figuram como os requisitos

indispensáveis a qualquer delito consoante orienta o consagrado brocardo jurídico

nullum crimen sine lege e o artigo 1º do Diploma Repressor Brasileiro que reza “não

há crime sem lei anterior que o defina” (princípio da anterioridade da lei penal).

Vale dizer, também, que determinada conduta considerada anti-social e,

portanto, criminosa pode sofrer descriminalização se a conveniência e os interesses

sociais assim orientarem, já que estes são mutáveis no tempo e no espaço.

Da noção de crime depende todo o desenvolvimento do estudo do Direito

Penal, pois qualquer instituto jurídico-penal tem fundamento na noção de crime.

Pelo conceito material de crime, evidencia-se seu conteúdo teleológico, a

razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a

uma sanção. Sem descrição legal, nenhum fato pode ser considerado crime, sendo

importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns fatos

como criminosos, o estabelecimento de um norte ao legislador. Nesse sentido que

delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse

penalmente protegido, constituída de determinados elementos e eventualmente

integrada por certas condições, ou acompanhada de determinadas circunstâncias

prevista em lei. Assim, sob o aspecto material, o conceito de crime visa aos bens

protegidos pela lei penal, sendo nada mais que a violação de um bem penalmente

protegido.

Pelo aspecto formal, crime é um fato típico e antijurídico, constituindo a

culpabilidade um pressuposto da pena, e não requisito do crime.

Quanto à contravenção, ontologicamente não há diferença de essência

entre a mesma e o crime. Um mesmo fato pode ser considerado pelo legislador

como crime ou contravenção, de acordo com a necessidade da prevenção social.

Dessa forma, um fato que atualmente configura contravenção, no futuro poderá ser

definido como crime.

Para que haja crime é preciso primeiramente uma conduta humana

positiva ou negativa (ação ou omissão), mas somente o comportamento humano

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descrito pela lei penal pode ser assim considerado, em face do princípio da reserva

legal.

Somente o fato típico, aquele que se amolda ao conjunto de elementos

descritivos do crime contido na lei, é penalmente relevante, sendo este o primeiro

requisito do crime. Porém, é preciso que o fato também seja contrário ao direito, ou

seja, antijurídico. O legislador às vezes permite determinadas condutas que, em

regra, são proibidas. Assim, apesar de enquadradas em normas penais

incriminadoras, portanto fatos típicos, não ensejam a aplicação da sanção, como no

caso da legítima defesa, em que ocorre uma causa de exclusão da antijuridicidade

(arts. 23, II, e 25 CP). Mesmo assim, não basta que o fato seja típico e antijurídico

para caber a sanção, é preciso também que o agente seja culpável. Em havendo

causa de exclusão da culpabilidade, o fato é típico e antijurídico, mas não incide o

juízo de reprovação social, a culpabilidade. Existe o crime, mas o sujeito não é

apenado, pois ausente está a culpabilidade, que é um pressuposto da imposição da

sanção penal.

Resumindo, sob o aspecto formal, são características do crime o fato

típico e a antijuridicidade, sendo o fato típico o comportamento humano (positivo ou

negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como

infração; e a antijuridicidade, como relação de contrariedade entre fato típico e o

ordenamento jurídico. A conduta típica será antijurídica ou ilícita quando não

expressamente declarada lícita, sendo, portanto, o conceito de ilicitude de um fato

típico encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas

de exclusão da antijuridicidade.

Presente a causa de exclusão o fato é típico, mas não antijurídico, e, em

conseqüência, não se há de falar em crime, pois lhe falta um requisito genérico.

Por fim, a culpabilidade, que é a reprovação da ordem jurídica em face de

o sujeito estar ligado a um fato típico e antijurídico; a reprovabilidade que recai sobre

o agente, pois a ele cumpria conformar a sua conduta com o mandamento do

ordenamento jurídico, já que tinha a possibilidade de fazê-lo e não o fez, revelando

no fato de não tê-lo feito uma vontade contrária àquela obrigação, exprimindo-se no

comportamento uma contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma.

Podemos concluir que a culpabilidade não é requisito do crime, mas uma

condição de imposição da pena.

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No que diz respeito à punibilidade a doutrina majoritária entende que a

não é um requisito do crime, mas, sim a sua conseqüência jurídica. Uma vez violado

o preceito penal, compete ao Estado o direito dever de impor a pena ao sujeito, que

por sua vez tem o dever de não obstaculizar a aplicação da sanção. Surge assim a

relação jurídico-punitiva entre o Estado e o cidadão, e disso resulta que a

punibilidade não é mais que a aplicabilidade da sanção, ou seja, a possibilidade

jurídica de ser imposta. Essa possibilidade é, sem sombra de dúvidas, o efeito

característico do crime, uma conseqüência jurídica do crime e não seu elemento

constitutivo. As causas de extinção da punibilidade, salvo a anistia e a abolitio

criminis não afetam os requisitos do crime, apenas excluem a possibilidade de

aplicação da sanção.

Sendo o crime um ente jurídico, necessário se faz incluí-lo no esquema

genérico da ontologia jurídica. A teoria do Direito estuda os fenômenos jurídicos em

seus traços formais, criando, com um sistema de abstração e classificação, uma

hierarquia de princípios de relevante valor lógico. Neste contexto, é imprescindível

determinar qual a situação do crime nessa hierarquia de princípios e mandamentos

jurídicos.

Crimes, ilícitos civis e administrativos não são diferentes entre si,

ontologicamente. A diferença é de grau ou de quantidade. O legislador, examinando

as circunstâncias do momento, analisando o dano objetivo, o alarma social, a forma

de lesão, a reiteração, a reparabilidade ou irreparabilidade da lesão, a insuficiência

da sanção civil, deve estabelecer se um fato determinado precisa ou não ser erigido

à categoria de crime.

Geralmente, os fatos comuns não interessam ao Direito, porém, havendo

circunstâncias em que estes venham a interessar ao Direito, a eles será atribuída

conseqüências jurídicas, tais como: efeitos de nascimento, conservação, alteração,

transmissão e extinção de um ou mais direitos subjetivos, transformando-o em fato

jurídico.

Como o Direito não recai sobre todos os fatos, estes se classificam em:

fatos comuns, que não interessam ao direito; e fatos jurídicos, acontecimentos a que

o Direito atribui efeitos e que, por sua vez, se subdividem em fatos jurídicos naturais,

como o nascimento e a morte; e ações humanas. Estas se agrupam em ações

humanas de efeito jurídico voluntário, em que a atividade do homem se alia à

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vontade de produzir conseqüências jurídicas. São os atos jurídicos; e as ações

humanas de efeito jurídico involuntário, acontecimentos que produzem

conseqüências jurídicas, mas sem qualquer atenção à vontade do homem, não

sendo o efeito jurídico desejado pelo agente, porém ocorrendo por força de lei.

Dentre estes acontecimentos, estão incluídos os atos ilícitos de natureza

civil, administrativa e penal. Dessa forma, os atos ilícitos não são atos jurídicos, mas

pertencem à categoria dos fatos jurídicos.

O crime se enquadra na categoria dos atos ilícitos, ao lado dos ilícitos civil

e administrativo, não sendo, portanto, um ato jurídico, mas ação humana de efeitos

jurídicos involuntários, pertencendo ao vasto universo dos fatos jurídicos. Não é ato

jurídico, pois a sanção, efeito jurídico do crime, não é desejado pelo agente, não

recai sobre este por causa de sua vontade, mas por imposição legal. A conduta é

voluntária em sentido amplo, e a conseqüência jurídica contida no preceito

sancionador da norma incriminadora é involuntária. O crime é um ato contrastante

com a ordem pública, sendo, portanto, um ato ilícito, e dentro dessa categoria,

consubstancia o ilícito penal.

Resumindo, o crime primeiramente é um fato; dentre os fatos é um fato

jurídico, já que produz efeitos jurídicos; como fato jurídico é uma ação ou omissão

humana de efeitos jurídicos involuntários, e nessa categoria corresponde ao ilícito

penal.

1.2.1 Teoria da classificação natural

Segundo tal teoria, retocada pelo insigne doutrinador Veiga de Carvalho:

“(...) o ato delituoso consiste na soma das tendências criminais de um elemento com

sua situação global, dividida pelo conjunto de suas resistências.”.

Significa que todos nós temos um fator interno, fruto da nossa psique, da

nossa personalidade, da nossa formação. São condições pessoais, específicas e

subjetivas que variam de um indivíduo para outro, oriundas de fatores hereditários e

da nossa própria vivência, desde o momento da fecundação, ou seja, o nosso

acervo biológico, psicológico e até mesmo social. Tais fatores são considerados

primários.

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Somado a esta condição interna, ocorrem os fatores solicitantes,

elementos externos que levam o indivíduo a agir de um modo ou de outro, de acordo

ou contra a lei, atuando sobre uma estrutura já pronta e acabada, desencadeando

reações.

São os chamados fatores secundários.

No momento do ato criminoso, os fatores primários e secundários sofrem

uma integração interpsíquica, não importando a natureza jurídica do delito.

Com efeito, para que se faça um juízo mais adequado acerca da

inimputabilidade do sujeito, faz-se mister saber se ambos os fatores interferiram na

formação da personalidade do agente ou no desencadeamento da ação delituosa.

Destarte, conclui-se que o crime é resultado da personalidade do agente

(fatores primários) somada ao fator solicitante (fator secundário) que atua sobre ele.

Com efeito, a classificação natural dos criminosos divide-os em:

criminosos ocasionais - personalidade normal, apesar de seus problemas traumas e

frustrações, mostram-se ajustados até o momento da prática criminosa, forte fator

solicitante, ato consequente do rompimento transitório dos meios contendores dos

impulsos; criminosos caracterológicos - personalidade com defeito constitucional ou

formação do caráter (capacidade de julgamento comprometida, sua ação é antisocial

ou parassocial, candidato à reincidência), mínimo ou eventual fator desencadeante,

ato ligado à natureza do caráter do agente e, finalmente, criminosos sintomáticos,

sendo aqueles cuja personalidade é perturbada transitória ou permanentemente,

mínimo ou nulo fator solicitante e o seu ato é vinculado à sintomatologia da

enfermidade que o assola.

Claro está que, para os fins da presente monografia, tratar-se-á aqui tão

somente dos delinquentes sintomáticos.

1.3 Culpabilidade

Ao tratar de causa excludente da antijuridicidade, o CP utiliza expressões

como "não há crime" (art.23, caput), "não se pune" (art.128, caput), "não constituem"

(art.142, caput) etc. Já em relação à causa excludente de culpabilidade, emprega

expressões como "é isento de pena" (arts.26, caput e 28, § 1º), "só é punível"

(art.22, de onde se deduz o que não é punível). Havendo causa de exclusão da

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ilicitude, não há crime, pois um fato não pode ser ao mesmo tempo lícito e

antijurídico. Já quando há causa de exclusão da culpabilidade, existe o crime,

embora não efetivo em relação ao agente declarado não culpável. Dessa forma,

surge a figura do crime não punível.

Para a existência do crime, como visto, bastam dois requisitos genéricos:

fato típico e antijuridicidade. A culpabilidade liga o agente à punibilidade, a pena se

liga ao agente pelo juízo de culpabilidade. O crime existe por si mesmo, mas para

que seja ligado ao agente é necessária a culpabilidade, que é o pressuposto da

imposição da pena. Essa é a vertente adotada pela lei penal brasileira.

Por isso a expressão "não há crime" para o caso de exclusão da

antijuridicidade, já exclui o crime, e a expressão "é isento de pena" para o caso de

exclusão da culpabilidade, correspondente a "não é culpável", subentendendo-se

que o Código considera o crime mesmo não havendo a culpabilidade, como se

dissesse "não é culpável quem comete o crime". Entende então o código que,

havendo fato típico e antijurídico, configurado está o ilícito penal, de forma que

existe sim crime sem culpabilidade. Em resumo, culpabilidade não é requisito do

crime, este possui apenas duas facetas, a do fato típico e a da ilicitude. Funciona a

culpabilidade, portanto, apenas como condição da resposta penal.

Assim, a culpabilidade é pressuposto da pena e não requisito ou elemento

do crime, de forma que a imposição da pena está condicionada à culpabilidade do

agente; e, quanto mais culpável o sujeito, maior deverá ser a quantidade da sanção

penal.

1.3.1 Teorias Da Culpabilidade

1.3.1.1 Teoria Psicológica

Para a tradicional teoria psicológica, a culpabilidade constitui o nexo que

vincula o agente ao crime por ele praticado, isto é, representa o momento segundo o

qual o agente é o autor do fato incriminado ou a posição do agente diante do fato

punível. Em outras palavras, pode-se exprimir que a culpabilidade é o vínculo

psíquico que liga o agente ao seu ato e o torna penalmente responsável; para haver

vinculação do agente ao ato, deverá o mesmo possuir capacidade de entender o

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caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento,

razão pela qual se considera que a imputabilidade é um antecedente da

culpabilidade; logo imputável é todo indivíduo capaz de entender o ato que pratica e

determinar-se de acordo com esse entendimento.

Dentro da concepção psicológica, as espécies de culpabilidade limitam-se

ao dolo e a culpa stricto sensu; o dolo representa uma adesão da vontade ao

resultado oriundo do fato concreto e a culpa consiste na inexistência da intenção do

agente de produzir o resultado ou assunção do risco de produzi-lo. Deste modo,

para esta teoria, a culpa inconsciente é inadmissível.

O erro desta doutrina, conforme expõe Damásio de Jesus, consiste em

reunir como espécies fenômenos completamente diferentes: dolo e culpa. A culpa é

exclusivamente normativa, baseada no juízo que o magistrado faz a respeito da

possibilidade de antevi-são do resultado; já o dolo configura um conceito psíquico.

1.3.1.2. Teoria Psicológico-Normativa;

Dentro da concepção normativa, ou teoria psicológico-normativa da

culpabilidade, como é chamada por Damásio E. de Jesus, a culpabilidade passou a

ser entendida como qualquer conduta, consciente ou não, contrária ao ordenamento

jurídico.

A culpabilidade representa reprovabilidade, censurabilidade, exprimindo

uma contradição entre a vontade do agente e a vontade expressa na norma penal;

esse juízo de reprovação é pessoal, verificando-se que o conteúdo da culpabilidade

continua ser de natureza psicológica. Para os normativistas a fim de que se possa

censurar a conduta, além da consideração do dolo ou da culpa, se exige também

que o agente tenha perfeita consciência da ilicitude do fato, isto é, tenha

conhecimento de que praticou um fato contrário à norma penal.

Todavia, além do vínculo entre o agente e o fato e do conhecimento da

ilicitude da conduta, integra esta teoria a exigibilidade de um comportamento

adequado ao Direito. Assim, a culpabilidade não é só um liame psicológico entre o

autor e o fato, ou entre o agente e o resultado, mas sim um juízo de valoração a

respeito de um fato doloso (psicológico) ou culposo (normativo). Diante disso, dolo e

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culpa não podem ser considerados espécies da culpabilidade, mas sim elementos;

sendo a culpabilidade psicológico-normativa.

Segundo a concepção normativa, a culpabilidade é constituída pela

reunião de três elementos essenciais:

1º) imputabilidade;

2º) elemento psicológico-normativo (dolo ou culpa);

3º) exigibilidade de conduta diversa.

O erro desta doutrina, para Damásio E. de Jesus, encontra-se no fato de

o dolo persistir como elemento da culpabilidade; pois se o dolo é um fator

psicológico que sofre um juízo de valoração, deve estar fora dela para sofrer a

incidência do juízo de censurabilidade. Sendo a culpabilidade um fenômeno

normativo, seus elementos devem ser normativos.

1.3.1.3.Teoria Normativa Pura;

A teoria normativa pura da culpabilidade relaciona-se com a Teoria

Finalista da Ação; de acordo com aquela teoria, o dolo é inserido no tipo penal,

elidindo-se do dolo a consciência da ilicitude, introduzindo-o na culpabilidade. Dentro

desta nova concepção, pode-se concluir que a culpabilidade está estruturada nos

seguintes requisitos:

1º) imputabilidade;

2º) possibilidade de conhecimento do injusto (potencial consciência da

ilicitude);

3º) exigibilidade de conduta conforme a norma jurídica.

Esses requisitos representam puros juízos de valor, desti tuídos de

aspectos de caráter psicológico. Funcionam nos crimes dolosos e culposos.

A imputabilidade, que a lei penal brasileira confunde com

responsabilidade, é a capacidade que possui o indivíduo de entender o caráter

criminoso do fato e de conduzir-se de acordo com esse entendimento. Em outras

palavras, imputabilidade é o conjunto de atributos inerentes à pessoa sadia e

mentalmente desenvolvida, isto é, dotada de capacidade intelectovolitiva.

Entre os penalistas brasileiros, a diferença entre imputabilidade e

responsabilidade é reconhecida por Francisco de Assis Toledo: “imputabilidade é,

tecnicamente, a capacidade de culpabilidade; já a responsabilidade constitui um

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princípio segundo o qual toda pessoa imputável (dotada de capacidade de

culpabilidade) deve responder pelos seus atos”.

Analogamente, pode-se afirmar que a culpabilidade não se confunde com

a imputabilidade, pois segundo José Lopes Zarzuela, na concepção de culpabilidade

estão reunidos elementos jurídicos de caráter valorativo, enquanto que o conceito de

imputabilidade é naturalístico. Conclui ele que a culpabilidade envolve a

imputabilidade, que representa seu pressuposto necessário, expresso por um

vínculo físico ou material e ou psíquico ou moral que liga o agente ao fato; afirmando

que a culpabilidade do agente pode não configurar-se, mesmo estando presente a

imputabilidade. Saliente-se que a culpabilidade constitui a reprovabilidade que recai

sobre o autor do fato punível praticado em condições de imputabilidade, dolosa ou

culposamente, tendo ou podendo ter consciência de que viola seu dever e em

circunstâncias que não excluem a exigência de que se abstenha dessa violação.

Nota-se que o juízo de culpabilidade pressupõe um juízo de imputabilidade, apesar

de não ser pacífico esse entendimento, já que há posição de que a imputabilidade

constitui simples elemento da culpabilidade, compreendendo-se naquela a

maturidade e a saúde mental do agente.

1.3.1.4. Teoria limitada da culpabilidade

Na verdade é uma modalidade da anterior. Ela concorda com a teoria

extrema no sentido de que o erro de proibição não exclui o dolo, enquanto o erro de

tipo sim. Também concorda com os fatos de a circunstância de o erro de proibição

excluir a culpabilidade, de o dolo constituir elemento subjetivo do tipo, de a

consciência da ilicitude pertencer à culpabilidade e de exigir-se mera possibilidade

de conhecimento do injusto, de modo que a falta de consciência da antijuridicidade

não afasta o dolo.

Todavia, difere sobre a suposição de causa excludente da ilicitude

(discriminantes putativas, como a legítima defesa putativa).

Segundo a teoria extremista, mesmo nesses casos subsiste dolo,

absolvendo se o agente no caso de a ignorância da ilicitude ser inevitável. Já a

teoria limitada distingue ignorância da ilicitude por erro que recai sobre a regra de

proibição e a ignorância da ilicitude por erro incidente sobre a situação de fato. Caso

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o agente, por erro, supõe existir uma norma que, se realmente existisse, tornaria

legítima sua conduta, concordando com a teoria extrema, a teoria limitada afirma

haver dolo, cabendo absolvição apenas no caso de erro inevitável. Porém, quando

ao invés de o erro incidir sobre a regra de proibição, recair sobre a situação de fato,

supondo o sujeito estar agindo acobertado por uma causa excludente da ilicitude, o

dolo é afastado, podendo, todavia, responder por crime culposo. Assim, diante da

ignorância da ilicitude do erro, há a distinção entre erro sobre a norma de proibição,

em que subsiste o dolo, podendo ser excluída ou atenuada a culpabilidade, caso

inevitável ou evitável, e o erro sobre a situação de fato, não subsistindo o dolo,

podendo responder por crime culposo. O primeiro é considerado erro de proibição, o

segundo erro de tipo.

Essa é a teoria adotada pela reforma penal de 1984. De forma que as

discriminantes putativas, quando derivadas de erro sobre situação fática, são

tratadas como erro de tipo, excluindo-se o dolo e a culpa em caso de erro inevitável,

e apenas o dolo se evitável, subsistindo a culpa (art.20, § 1º, CP). Quando surgem

perante erro sobre a ilicitude do fato, trata-se de erro de proibição, excluindo a

culpabilidade se inevitável, e atenuando a pena se evitável (art.21, caput, CP).

Uma vez feita a análise das correntes doutrinárias, independentemente

das controvérsias que elas apresentam, verifica-se que a imputabilidade constitui

elemento, pressuposto, juízo de valor ou requisito da culpabilidade. A imputabilidade

constitui um dos momentos da ação praticada, tendo em conseqüência que ninguém

pode ser declarado imputável, semi-imputável ou inimputável a não ser quando

possa responder ou não pela prática de uma ação prevista como ilícita pelo Direito

Penal.

1.3.2 Causas de Exclusão da Culpabilidade

É certo que, a culpabilidade é formada por 3 elementos, a imputabilidade,

a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Faltando

algum desses elementos, não subsiste a culpabilidade. Nosso CP prevê

expressamente as causas de extinção da culpabilidade. Tais causas assim excluem

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a própria culpabilidade, embora o crime subsista, apesar de não ser culpado o

sujeito, que deve ser absolvido.

Nesse contexto, a inimputabilidade é a exceção, sendo a imputabilidade

a regra. Todo indivíduo é imputável, exceto nos casos de exclusão de

imputabilidade, que são:

a) a doença mental;

b) o desenvolvimento mental incompleto;

c) o desenvolvimento mental retardado;

d) a embriaguez completa, oriunda de caso fortuito ou força maior.

As três primeiras causas se encontram no art. 26, caput: a quarta, no art.

28, parágrafo primeiro do Código Penal.

Todas essas hipóteses excluem, por conseguinte, a culpabilidade.

Também exclui a imputabilidade a menoridade, encontrando-se abrangida pela

expressão "desenvolvimento mental incompleto" (art.26, caput, CP), e segundo o

art.27, os menores de 18 anos são plenamente inimputáveis, estando sujeitos às

normas estabelecidas na legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente

- ECA e leis complementares).

Ressalte-se que é necessário que em decorrência dessas causas de

exclusão o agente não tenha a capacidade de entender e de querer. A presença da

causa e do efeito é que faz nascer a inimputabilidade.

Como dito, a imputabilidade deve existir no momento da prática do fato (

ação ou omissão), não cabendo imputabilidade subseqüente. Se no momento da

prática o agente não tinha capacidade de compreensão e de determinação por

causa de uma doença mental, por exemplo, não será considerado imputável, se logo

após a ocorrência readquire a normalidade psíquica. Entretanto, pode haver casos

em que a doença mental sobrevenha à prática da conduta punível, situação em que

o agente não será considerado inimputável, suspendendo-se a ação penal até o seu

restabelecimento.

Pode ocorrer ainda de o agente se colocar propositadamente em estado

de inimputabilidade para a realização da conduta punível, como o caso da

embriaguez voluntária para cometimento de crime, estando em estado de

inimputabilidade no momento da execução, surgindo assim a questão da actio libera

in causa, sive ad libertatem relatae (ação livre em sua causa, relacionada com a

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liberdade), que são casos de condutas livremente desejadas, porém cometidas no

instante em que o sujeito se encontra em estado de inimputabilidade, não

possuindo, no momento da prática, capacidade de querer e de entender.

Nesse caso houve liberdade originária, mas não atual. Actio indica

conduta; libera, o elemento subjetivo do sujeito; in causa, a conduta anterior

determinadora das condições para a produção do resultado. Tais expressões

reunidas apontam a existência de um prius, consistente em conduta dominada pela

vontade livre e consciente, perante um posterius, não mais por ela regido.

Esses tipos de ações podem ser ativas ou omissivas, dolosas ou

culposas, sendo na maioria das vezes omissiva e culposa.

Na actio libera in causa a conduta se apresenta com dois atos, o ato livre

e o ato (em sentido amplo) não livre, sendo assim uma conduta em dois graus: no

primeiro, livre na resolução, no segundo, não livre na conduta. O ato de colocar-se o

agente em estado de inconsciência não constitui ato executório do crime, sendo ato

preparatório, tanto que, se após o primeiro ato (livre) nada ocorrer, não configura

crime, sequer tentativa. Para responder pelo crime no caso em questão, necessário

que na fase livre (resolução) esteja presente o elemento dolo ou culpa ligado ao

resultado, exigindo-se então que tenha querido ou assumido o risco de produzir o

resultado (dolo), ou que este seja previsível (culpa).

A potencial consciência da antijuridicidade, como visto, consiste na

possibilidade de conhecimento do caráter ilícito da conduta. Necessário ainda, para

configurar a culpabilidade (reprovação social), a exigibilidade de conduta diversa,

isto é, que nas circunstâncias do fato, tivesse o agente a possibilidade de realizar

outra conduta, em conformidade com o ordenamento jurídico. Só há reprovação da

conduta quando o sujeito, podendo realizar comportamento diverso, de acordo com

a norma jurídica, realiza outro, proibido.

1.4 Imputabilidade

1.4.1 Breve Histórico da Imputabilidade

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A ciência jurídica e a psicopatologia forense, sempre reconheceram a

enorme relevância da questão da imputabilidade, para a aplicação e concretização

de um direito mais justo.

O Direito Romano já fazia distinção entre premeditação negligência e

acidentalidade para aplicação de penas e atribuía imenso valor subjetivo à

imputação do crime na medida em que consideras a todo fato ilegal ou imoral como

delito desde que estivesse presente o caráter doloso, enquanto qualquer ofensa à

lei, desprovida de intencionalidade, era tida como mera acidentalidade.

O Digesto e os Códigos Justinianos apresentavam maior progresso ao

distinguirem, para efeito de responsabilização penal, os infantes (isentos de

qualquer imputação penal), os impúberes (até os 14 anos, cujo dolo é parcialmente

apurado pela justiça) e os menores (até os 25 anos e cuja imputabilidade reduzida).

Quanto à inimputabilidade por doença mental, elencavam a demência, a

estupidez, a sandice, a insanidade e os alienados em geral como alienações

mentais que implicavam em inimputabilidade.

Contudo, as retro mencionadas legislações fixavam que, se o agente

praticava o delito na vigência de um intervalo lúcido, imputar-lhes-ia a conduta anti-

social e a consequente responsabilização penal. Diante disso, não há como negar o

grande mérito dos legisladores da época de Justiniano que, diferentemente do que

acontece hoje, possuíam, incontestavelmente notáveis conhecimentos sobre

psicopatologia forense.

Entrementes, nos séculos subsequentes o que se viu foi a perda do

caráter humano e científico do direito penal, convertendo-se ele em um forte

instrumento de prepotência ora nas mãos do Estado, ora nas mãos da Igreja. Os

tribunais religiosos empregavam a ortodoxia culminando na instituição da Inquisição,

triste episódio da humanidade, quando se verificavam as torturas, as atrocidades,

terríveis crimes contra a humanidade sucediam-se incessantemente e já não mais

se distinguia o delinquente sadio do inimputável. Neste lamentável ponto histórico do

direito penal, ressalta-se que o Estado e a Igreja perderam qualquer resquício de

dignidade e grandeza, pois respondiam aos delinquentes com crimes ainda mais

terríveis, dotados de espantosa sordidez e crueldade.

Para a sorte não só da ciência penal mas da própria humanidade, o ilustre

italiano Cesare Beccaria, no século XVIII, publicou o seu Tratado dos Delitos e das

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Penas, cuja essência é a utilização, a intimidação e a moderação das penas, que

exerceria profunda influencia e repercussão sobre o direito e a política criminal,

sendo incontinenti. traduzida para a língua francesa pelas mãos de Voltaire e seus

princípios foram acolhidos pelo imperador mais sábio da época, Frederico, o

Grande, que, finalmente, declarou a abolição das torturas e renovou as normas

processuais penais de seu país.

Com o advento da publicação de “O Honem Delinquente”, de Lombroso,

“Sociologia Criminal”, de Ferri e de “Criminologia”, de Rafael Garofalo, fundadores

da escola penal positivista, os estudos acerca da psicopatologia forense e da

imputabilidade penal adquiriram suma importância, negando a liberdade humana e a

responsabilidade moral como fundamento da pena e concentrando o interesse

repressivo na periculosidade do criminoso, insistindo em indicar as anomalias

morfopsicológicas e a anormalidade mental. Em contrapartida, a escola clássica

adota o enquadramento do fato segundo a lei penal.

O Diploma Penal Brasileiro acolhe a escola eclética, que mescla a

positiva e a clássica, consoante a qual a pena tem concomitantemente o caráter

repressivo à conduta delituosa praticada e a função de reintegrar o delinquente ao

meio social.

Entretanto, na prática, tais finalidades caem por terra quando verifica-se o

tamanho descaso e abandono quanto aos manicômios judiciais.

De qualquer forma, a escola positiva tende cada vez mais a direcionar

nosso Código, fazendo-se necessário não somente estudar a pessoa que praticou a

conduta anti-social, mas todas as condições que geraram o delito.

1.4.2 Conceito de Imputabilidade

O insígne doutrinador Damásio E. de Jesus conceitua, com propriedade,

o ato de imputar: “Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa.

Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente

capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível.”.

Em direito penal, imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que

conferem ao agente capacidade para lhe ser imputada juridicamente a prática de um

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fato punível. O conceito de sujeito imputável encontra-se, a contrario sensu, no

art.26, caput, CP, que trata da inimputabilidade por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, in verbis;

É isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da

omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de detrerminar-

sr de acordo com esse entendimento”

Por outro lado, imputável será o sujeito mentalmente são e desenvolvido,

capaz de compreender o caráter ilícito e de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

A capacidade concreta de culpabilidade não é suscetível de percepção,

sobretudo por terceiras pessoas, uma vez que não pode ser objeto de conhecimento

teórico. É de se ressaltar que a norma não fala que o sujeito não compreendeu o

caráter ilícito do fato, pois assim estaria determinando uma apreciação concreta e

psicológica. Cabe então a distinção entre capacidade intelectiva e volitiva

(imputabilidade) e consciência de ilicitude, tratando-se assim de um puro juízo de

valor a respeito da capacidade de culpabilidade.

1.4.3 Imputabilidade e Responsabilidade

Embora à primeira vista possam parecer idênticos, as definições de

imputabilidade e responsabilidade não se confundem.

Na verdade, a responsabilidade, fenômeno social que decorre da

imputabilidade do agente ao passo que consiste na obrigação que determinado

indivíduo tem de cumprir como consequência do seu ato anti-social. Como o

indivíduo inimputável não possui capacidade volitiva e intelectiva, tampouco

consciência de ilicitude, não há que se falar em responsabilização e sanção penal.

A responsabilidade penal é consequência e pressuposto necessário da

punibilidade, resultando do concurso de requisitos que caracterizam a capacidade

de imputação.

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27

1.4.4 Fundamento da Imputabilidade

Segundo a doutrina da imputabilidade moral, o ser humano é dotado de

inteligência e liberdade e por isso é responsável pelos seus atos, inversamente,

quem não possui esses atributos é inimputável. Livre como é, pode escolher entre o

certo e o errado, e ao optar por uma conduta lesiva a interesses jurídicos de outrem,

deve sofrer as conseqüências de sua atitude. A doutrina dominante e a legislação

vêem a imputabilidade na capacidade de entender e de querer realizar o fato

criminoso. É imputável o mentalmente são e desenvolvido e com capacidade de

saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica, está eivado de

reprovabilidade. A inimputabilidade deve existir no momento da prática da infração

(ação ou omissão).

Nesse sentido, afirma José Lopes Zarzuela:

(...) entendemos que a imputabilidade se baseia na liberdade interna do homem, e precisamente a essa liberdade, a esse poder de auto determinação, é que o direito penal re-corre, impondo ou proibindo condutas sob a ameaça de uma sanção. O princípio eterno de justiça, um dos valores que orienta o Direito Penal, impõe que se volte os olhos para o poder de eleição ou escolha dos motivos, de ajuizar e decidir, para depois, se fazer a censura ou reprovação do agente. Responsabilidade pressupõe liberdade, surgindo aquela só quando o agente deva e possa agir diferentemente para evitar as conseqüências danosas do seu ato...5

1.4.5 Graus de Imputabilidade

Imputabilidade, segundo o sistema biopsicológico, está baseado na

higidez psíquica e na capacidade de entendimento ético-jurídico e de

autodeterminação. A nossa lei penal, ao estabelecer os graus de imputabilidade,

conforme o critério médico-legal presumiu os modificadores da capacidade de

imputação.

Assinala-se, assim, que graus de imputabilidade variam conforme o

critério adotado; no Critério Jurídico a lei penal não fala explicitamente em

imputabilidade, mas reconhece casos, além dos que a imputabilidade plena é

5 ZARZUELA, José Lopes. Semi-Imputabilidade: Aspectos Penais e Criminológicos. São Paulo Editora: Julex Livros, 2016. p. 63

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implícita, outros, como o previsto no art. 26, caput; art.28, par. 1º e 2º; par. único do

art. 26. Já o Critério Médico-Legal estabelece os graus de imputabilidade a partir de

conceitos contidos na lei penal:

a) 1º grau: a denominada imputabilidade plena, condicionada a

normalidade da mente e capacidade de entendimento ético-jurídico e de

autodeterminação no momento do crime;

b) 2º grau: é a imputabilidade atenuada ou semi-imputabilidade

(art. 26, parágrafo único; art. 28, par. 2º; art. 19, parágrafo único da Lei 6.368/76);

c) 3º grau: a chamada inimputabilidade, ou seja, nula capacidade

de imputação ou inteira incapacidade de imputação.

1.4.6 Sistemas Definidores dos Critérios Fixadores da Imputabilidade

Sob o ponto de vista doutrinário são três os sistemas definidores dos

critérios de fixação da inimputabilidade: o biológico, o psicológico e o biopsicológico.

De acordo com Sistema Biológico, admite-se, a priori, a existência de um

nexo causal. É relevante apenas a causa e não o feito, é dizer, somente interessa

saber se o agente é portador de alguma doença mental ou de grave deficiência

mental. Em caso positivo a pessoa será considerada não possuidora de capacidade

de culpabilidade, sem a necessidade de qualquer perquirição concreta se essa

causa anomalia retirou ou não a capacidade de compreensão da antijuridicidade e

de autodeterminação.

Há uma presunção legal de que a deficiência ou enfermidade mental

impossibilite o indivíduo de compreender o crime ou comandar a sua vontade,

mostrando-se desnecessário indagar-se acerca de suas reais e efetivas

conseqüências no momento da conduta.

Esse critério foi adotado, como exceção, por nosso ordenamento jurídico

penal no tocante ao caso dos menores, nos quais a imaturidade é presumida pela lei

do Código Penal. Vale ressaltar, nesse momento, que a mencionada presunção é a

denominada iuris et de iure, ou seja, o menor pode inclusive, entender perfeitamente

o caráter ilícito do delito, mas ele, na letra da lei, não sabe o que faz.

Para método psicológico, ao contrário do biológico,o que importa é o

efeito e não a causa. Leva em conta se o sujeito, no momento da prática delitiva,

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tinha condição de compreender o seu caráter ilícito e de determinar-se ou não de

acordo com esse entendimento. Se o agente não possuía essa capacidade é

considerado inimputável.

Como ilustração, se fosse este critério em nossa legislação penal, a

eliminação total dos sentidos pela emoção que poderia levar a exclusão da

capacidade de culpabilidade do agente, quando se retirar totalmente a aptidão de

entender ou de quer. É a reunião dos dois primeiros, importando tanto a causa

quanto o efeito, assim, a responsabilidade só será excluída, se o sujeito, em razão

da anomalia mental, era, no momento da ação incapaz de compreensão da

antijuridicidade e de autodeterminação.

O sistema biopsicológico é o critério adotado pelo nosso Código Penal.

Segundo este, são três os requisitos da inimputabilidade, o primeiro de ordem

causal, admite a existência de doença mental ou de desenvolvimento mental

incompleto ou retardado: o segundo, cronológico verifica a relevância da atuação do

agente ao tempo da conduta delituosa e; por fim, o terceiro, conseqüencial, o que

equivale dizer, perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer.

CAPÍTULO II - A EVOLUÇÃO DA IMPUTABILIDADE NO BRASIL

2.1 Histórico E Evolução Dos Códigos Penais

O primeiro Código Penal brasileiro da era Imperial e assim se expressava

sobre a inimputabilidade penal dos doentes mentais: “Não se julgarão criminosos os

loucos de todo o gênero, salvo se tiverem intervalos lúcidos e neles cometerem

crimes”.

Em 11 de outubro de 1890, com a Proclamada a República o Código Penal foi convertido no Decreto número 847, que sobre o doente mental assim determinava:

Não são criminosos os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de compreensão e os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e da inteligência no ato de cometer crime.

Mal o código da República nascia, já surgiam idéias de sua reforma.

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A partir de 1 de janeiro de 1942, começa a vigorar o Código Penal de

1940, que tinha sido promulgado em 7 de dezembro de 1939, através do decreto

número 2.848, tratando a irresponsabilidade da seguinte forma:

Artigo 22. É isento de pena o agente que, por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude da perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

2.2 Legislação Atual

Este Código Penal de 1940, entretanto, sofreu alterações de sua parte geral, através da Lei nº 7.209, datada de 11 de julho de 198412, se referindo a inimputabilidade penal nos seguintes termos:

Artigo 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Artigo 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Artigo 28 – Não excluem a imputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão; II- a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, o tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

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CAPÍTULO III – AS MEDIDAS DE SEGURANÇA COMO SANÇÕES PENAIS

3.1 Histórico das Medidas de Segurança

A primeira medida de segurança da história surgiu com os jurisconsultos

romanos, sendo imposta por Marco Aurélio e Lucius Verus, no momento em que

julgavam um indivíduo que havia matado a própria mãe, quando em seu veredicto,

disseram: "Ele já foi suficientemente punido pelo seu furor; acorrentai-o, não para

castigá-lo, mas para sua própria segurança e de seus parentes".

Nesse sentido, ensina o Professor Paulo José da Costa:

(...) de há muito se sentiu a necessidade de não só reprimir, mas de prevenir o delito. O direito romano, que considerava inimputáveis o infans (infante, menor de sete anos) e os amen ou furiosus (loucos), os submetia a medidas de prevenção, para a segurança do próximo.6

Foi, entretanto, o Iluminismo que desenvolveu o problema da prevenção

do crime.

“É conhecida a fórmula de Beccaria, in Dei delitti e delle pena: ‘É melhor

prevenir os delitos do que reprimi-los”.

No ano de 1893, com o Projeto do Código Penal suíço de Stoos, surge

no ordenamento jurídico, pela primeira vez, a medida de segurança como um

conjunto sistemático de providências de cunho preventivo individual, suprindo a

ausência de responsabilidade penal por inexistência de culpabilidade pessoal.

Entretanto, a definição de certas medidas contra os inimputáveis, visando

à defesa social, é bem mais antiga, mesmo no plano legislativo, uma vez que,o

Código Penal francês (1810) já continha disposições referentes aos menores de

dezoito anos que tivessem agido sem discernimento, os quais, livres de pena, eram

submetidos a medidas tutelares.

No Brasil, as Ordenações Filipinas versavam que não se poderia imputar

fato ilícito àquele que não poderia obrar com dolo ou culpa, visto ser louco,

insensato ou doente.

6 COSTA, Paulo José da. Comentários ao Código Penal: Parte geral. Rio de Janeiro. Editora: Saraiva. 2016. p. 101.

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O Código Penal do Império determinava que os loucos ou devessem ser

entregues as suas famílias, ou internados nas casas destinadas para tal, enquanto

os menores de catorze anos seriam recolhidos às casas de correção, sempre que

agissem sem discernimento.

Seguindo as diretrizes do Código de 1830, o Diploma Penal de 1890,

previa a entrega daqueles doentes a seus familiares ou à internação em hospícios.

Entretanto, somente, com o Projeto Sá Pereira que o instituto surgiu com

o nome de “medidas de defesa social”, mais tarde vindo a ser substituído pelo de

“medida de segurança”, quando foi revisto pela subcomissão legislativa.

Finalmente, a reforma penal de 1984 não admite mais medida de

segurança para o imputável, reservando a este, exclusivamente, a pena, conforme

dispõem os artigos 96 e seguintes do Código Penal Brasileiro:

Artigo 96 – As medidas de segurança são: I- internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou à falta, em outro estabelecimento adequado. II – sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único : Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta. Artigo 97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. § 1º A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. § 3º A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. § 4º Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. Artigo 98 – “Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. Artigo 99 – “O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.

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3.2 Medida de Segurança e Pena

Assim como a pena, a medida de segurança é uma sanção penal.

O insigne doutrinador Damásio E. de Jesus afirma que, enquanto a pena

é retributiva preventiva, tendendo a readaptar socialmente o delinqüente, a medida

de segurança possui natureza essencialmente preventiva, visto que, tem a finalidade

de evita que o sujeito que praticou o crime e se mostra perigoso venha cometer

novas infrações penais.

Nesse sentido, estabelece que enquanto as penas têm natureza

retributiva preventiva, as medidas de segurança são preventivas. Distingue-as

dizendo que as penas são proporcionais à gravidade da infração, enquanto a

proporcionalidade das medidas de segurança é estabelecida de acordo com a

periculosidade do sujeito.

Assevera, também, que as penas são fixas, as medidas de segurança são

indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade do sujeito. E,

por fim, a última distinção feita pelo doutrinador é que as penas são aplicáveis aos

imputáveis e semi-imputáveis, já as medidas de segurança também podem ser

aplicadas aos inimputáveis.

Assevera Noronha E. Magalhães, que na pena prevalece o cunho

repressivo, ao passo que na medida de segurança predomina o fim preventivo.

Porém, como já fez sentir, a prevenção também não é estranha à pena. Ao contrário

do que leciona Damásio, para esse doutrinador ambas pressupõem a prática de ato

ilícito e manifestam o “jus puniendi” estatal, colimando que o indivíduo que delinqüiu

e se revelou perigoso não torne a delinqüir.

Entretanto, não obstante a identidade entre a pena e a medida de

segurança, não há dúvida de que no ordenamento jurídico estão sujeitas a

regulamentação diversa para sujeito também diverso.

3.3 Legalidade da Medida de Segurança

A medida de segurança é sujeita aos rigores da lei, ou seja, não pode ser

imposta discricionariamente pelo Estado. Nesse sentido, do mesmo modo que a

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pena, a medida de segurança só será aplicada após processo regular, com amplas

garantias, em que sejam defendidos a liberdade e outros direitos do agente. Só

assim, e depois de ser proclamada a periculosidade é que a medida de segurança

se torna aplicável.

3.4 Pressupostos para Aplicação da Medida de Segurança

A legislação brasileira adota, como regra, a medida de segurança pós-

delitual, é dizer, para que haja a sua aplicação é necessário que, primeiramente,

tenha ocorrido prática de um fato considerado criminoso.

Porém, não basta, apenas, a prática de um ato descrito na norma como

crime; é necessário que concomitantemente, haja a periculosidade do autor. Nesse

sentido, é reconhecido também a personalidade do agente, a sua vida, aliadas aos

motivos e circunstâncias do fato, mostrando a probalidade que o mesmo possui de

tornar ou vir delinqüir, caso frequente nos delinquentes fronteiriços.

Como facilmente se aufere, temos como pressupostos das medidas de

segurança a prática de fato ilícito típico e periculosidade do agente, sendo que todas

devem obedecer ao princípio da legalidade, e, assim, apenas serão aplicáveis

aquelas previstas em Lei penal, anteriormente à prática do fato ilícito típico.

Ademais, a periculosidade é legalmente presumida nos inimputáveis e

deve ser valorada judicialmente em relação aos semi-imputáveis para aplicação do

sistema vicariante. Como preceituado no artigo 26, parágrafo único do Estatuto

Repressor, deve o juiz optar entre a diminuição obrigatória da pena, de uma dois

terços ou submeter o agente a medida de segurança, a qual, uma vez em execução

não difere daquela imposta aos inimputáveis.

Cumpre-nos ressaltar que, a verificação da periculosidade se faz por

intermédio de um juízo sobre o futuro, ao contrário do juízo de culpabilidade, que se

projeta sobre o passado.

Nesse contexto, o juiz se vale de fatores ou elementos e indícios ou

sintomas do estado perigoso do agente. O juiz verificará se os fatores que atuarão

sobre o indivíduo, o transformarão numa pessoa com a probabilidade de delinqüir

novamente.

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Claro está que, a periculosidade é tão importante na aplicação na medida

de segurança quanto na sua extinção, tendo em vista que, é necessário provar-se a

cessação da periculosidade para que o sujeito se livre dessa sanção penal que lhe

foi imposta, como oportunamente veremos. Com efeito, mais uma vez está

comprovada a importância da Psiquiatria para com o Poder Judiciário.

3.5 Espécies de Medidas de Segurança e sua Imposição

No ano de 1984, a reforma penal trouxe várias inovações no que tange

às medidas de segurança, já que sua aplicação aos imputáveis foi extinta, restando,

apenas àquelas aplicadas aos inimputáveis e semi-imputáveis.

Porém, foram conservadas duas espécies de medidas de segurança: a

detentiva e a restritiva. A primeira consiste na internação em hospital de custódia e

tratamento psiquiátrico, enquanto a segunda resulta de tratamento ambulatorial.

Neste contexto, ao inimputável acometido por uma doença mental (artigo 26, Código

Penal) aplica-se a medida de segurança detentiva, baseada em um juízo de

periculosidade que substitui o juízo de culpabilidade.

Sabemos que a internação é a regra, entretanto, como prevê o artigo 97,

Código Penal se a pena in abstrato prevista para figura delituosa violada for

detenção, o agente poderá ser submetido a tratamento ambulatorial.

É indeterminado o prazo para cumprimento da medida de segurança,vigorando a

aplicação enquanto a perícia médica não constatar a cessação da periculosidade, é

o que dispõe o parágrafo 1º do artigo 97, do Código Penal. Sendo necessário, para

isso, a realização de um exame após o prazo mínimo de três anos (artigo 97, §§ 1º e

2º, Código Penal).

Também, é possível a desinternação, entretanto, por tratar-se de uma

condicional, poderá ser restabelecida a situação anterior, sempre que necessário

(artigo 97, § 3º, Código Penal).

Em referência ao semi-imputável, ao contrário da legislação anterior,a

reforma atual adotou o sistema alternativo, também chamado de vicariante. Por

esse sistema pode o juiz determinar a redução da pena ou aplicar a medida de

segurança, sendo que, nesse último caso, a execução é feita como se o sujeito

fosse inimputável.

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Não existe mais o chamado sistema do duplo binário, utilizado antes da

reforma, em que o juiz poderia aplicar a pena ao semi-imputável, e ao término

dessa, aplicar-lhe a medida de segurança.

Nessa evolução, o critério do duplo binário cede lugar, nas legislações

mundiais, ao sistema vicariante, impedindo-se que, cumprida uma pena privativa de

liberdade, por tempo determinado, possa essa tornar-se perpétua em face da

medida de segurança imposta por prazo indeterminado, juntamente com a pena.

No que tange à aplicação da medida de segurança, toda essa revolução

permitiu a Fragoso ensinar que o sistema do duplo binário correspondia a um ciclo

histórico do Direito Penal, que está definitivamente encerrado: “O sistema de penas

e medidas de segurança, que passou a predominar na legislação penal com os

códigos promulgados entre as duas grandes guerras, chama-se duplo binário.”

Segundo a teoria tradicional a pena se funda e se mede pela

culpabilidade do agente, é expressão de reprovabilidade ético-jurídica sobre o fato e

seu autor, tendo caráter retributivo e aflitivo.

A medida de segurança, como o próprio nome indica, é medida

preventiva, sem caráter aflitivo, fundando-se na periculosidade do agente e por ela

se medindo.

Levando o sistema do duplo binário às últimas conseqüências, nosso

Código Penal de 1940 determinava imposição de pena (atenuada) aos semi-

imputáveis, pelo quantum da culpabilidade que revelam, e, depois, a medida de

segurança supostamente curativa.

O Estatuto Repressor presume a periculosidade dos inimputáveis e dos

semiimputáveis, sendo que por periculosidade se entende a probabilidade de que

venham a ser praticados pelo agente novos fatos que a lei define como crimes.

Dessa forma, se o semi-imputável que, em razão de perturbação de

saúde mental, ou de desenvolvimento mental, incompleto ou retardado, não era

inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo

com esse entendimento, não está isento de pena, mas necessitando de especial

tratamento curativo, podendo a pena pode ser substituído pela internação ou

tratamento ambulatorial, o que é de essencial importância aos criminosos

fronteiriços.

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Em suma, feita a substituição, e submetido o agente à medida de

segurança, não mais executará a pena privativa de liberdade, visto que o sistema do

duplo binário não mais existe. Ora, nada mais justo que isso ocorra, pois sem dúvida

a aplicação de ambas as sanções penais parece-nos um tanto quanto

desnecessária.

O método adotado mostra que a preocupação máxima concentra-se na

recuperação do enfermo, tornando-o apto para a vida social, ou se for o caso,

ressocializando-o. Busca, ainda, conciliar a defesa social com o respeito à

personalidade humana, à integridade do ser humano, que deve ser sempre a

suprema meta do Direito Penal do Estado democrático.

Pode-se afirmar que o Código veio permitir ao juiz distinguir, com o apoio

da perícia médica, quais os casos que exigem apenas internamento, apenas

tratamento ambulatorial, parte internamento e parte tratamento ambulatorial, início

com tratamento ambulatorial e substituição, posteriormente por internamento,

observando-se cautelosamente a evolução ou involução do problema.

Contudo, apesar de existir disposição legal e ser considerada uma

revolução no Direito Penal, no que pertine à aplicação das medidas de segurança

àqueles considerados inimputáveis ou semi-imputáveis, o que temos visto,

frequentemente, é um Poder Judiciário ignorando a sua existência, aplicando tão

somente penas privativas de liberdade, aumentando, dessa forma, a população

ociosa dos presídios, com o errôneo pensamento de estar fazendo justiça.

Como pudemos verificar e fazendo uma rápida retrospectiva, a noção de

imputabilidade e inimputabilidade surgiu a partir do momento em que se admitiu

existência de crimes praticados por pessoas com transtornos mentais. Esses

transtornos passaram a ser estudados por uma ramo da Medicina, tornando-se

evidente e necessária a atuação conjunta dessas duas ciências, a Psiquiatria e o

Direito.

Eclode, assim, a Psiquiatria Forense, chamada ao campo jurídico para

colaborar e auxiliar nas decisões do Poder Judiciário, emitindo pareceres acerca do

desenvolvimento mental dos acusados, para que a punição dada ao indivíduo

portador de uma doença mental fosse diversa daquele que não a possui.

Dessa forma, surge ao lado da pena a medida de segurança, como

sanção penal àqueles chamados de inimputáveis ou semi-imputáveis, que não

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poderiam ser considerados culpados do fato típico que praticaram, mas em virtude

de sua periculosidade, deveriam ser tratados.

Com efeito, o crime, a doença mental, a inimputabilidade, a Psiquiatria

Forense, as medidas de segurança e o Poder Judiciário estão intimamente

relacionados.

Porém, para que as medidas de segurança sejam aplicadas mais

assiduamente e, além disso, da forma como foram idealizadas, muitos fatores

deverão ser discutidos e posteriormente colocados em prática.

CAPÍTULO IV - AS PROBLEMÁTICAS DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE

SEGURANÇA NO BRASIL

4.1 Decisões Judiciais “versus” Laudos Médicos

Vimos que a lei vigente permite que a medida de segurança seja aplicada

tão somente aos considerados inimputáveis e semi–imputáveis, reservando aos

imputáveis a pena como sanção penal.

Assim, em caso de dúvidas em relação ao desenvolvimento mental do

acusado, a lei determina que o juiz nomeie um perito, capaz de prestar as

informações especializadas.

Vale dizer que essa figura do perito é antiga, sendo que sua noção tem

origem na Lei das Doze Tábuas, também chamada de legislação dos decênviros,

considerada poderosa fonte do direito. E foi no corpo da Lex Decenvirales que se

pode encontrar pela primeira vez o arbitru, que era nomeado para “dirimir as

divergências e tomar providências”.

Como exemplo, pode-se ler na Tábua VIII: “Se surgem divergências entre

possuidores de campos vizinhos, que o pretor nomeie três árbitros para estabelecer

os limites respectivos”...

Na Tábua IX, lê-se: “Se um juiz ou árbitro indicado pelo Magistrado

recebeu dinheiro para julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que

seja morto”.

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E, na Tábua XII, o seguinte: “Se alguém obtém de má fé a posse

provisória de uma coisa, que o pretor, para por fim ao litígio, nomeie três árbitros, e

que estes condenem o possuidor de má fé a restituir o dobro dos frutos”.

Em momento posterior ao surgimento desses preceitos é que veio a ficar

implícito na pessoa do médico, a figura de perito.

Podemos afirmar, então, que a perícia se caracteriza por ser a busca de

provas de que a Justiça precisa para esclarecer pontos que envolvem o

acontecimento, na maioria das vezes, criminoso. O que a define, é a natureza da

matéria a ser examinada.

Mas, o perito não ajuíza, tal qual fazia o arbitru na antiga Roma, funciona,

apenas, como auxiliar daquele que efetivamente decide, o juiz, e para isto usa de

sua capacidade técnica.

A função do perito separa-se, dessa forma, totalmente da função do juiz.

Sob esse aspecto surge a primeira problemática relacionada à aplicação

das medidas de segurança: o descaso dos juizes com relação aos laudos

elaborados pelos peritos, no momento de sua decisão.

Nesse sentido, fala-se que os médicos resolvem as questões, os juízes

decidem as soluções.

Na realidade, o que ocorre é que ao mesmo tempo em que a lei possibilita

que a Justiça convoque um perito para elaborar um laudo sobre as funções

psíquicas do acusado com o fim específico de atribuir-lhe ou não capacidade de

imputação acerca do crime praticado, a mesma lei também permite que o juiz decida

a causa sem que esteja adstrito ao laudo pericial.

Isso não significa que, constantemente, os magistrados tenham que

decidir as questões que lhes são postas, sem se basear nos fatos elucidados pelo

perito em seu laudo. Se assim fosse, não haveria necessidade de existir uma

previsão legal para a elaboração do laudo pelo perito, bastando que o juiz

(conhecedor de todos os fatos) decida a questão que lhe é exposta.

O descaso com os laudos elaborados pelos peritos é facilmente

compreendido quando levamos em consideração a idéia daquelas pessoas que

consideram a Psiquiatria um ramo da medicina muito subjetivo, onde tudo são

hipóteses, conjecturas, inferências sem base na realidade, falsificações para o

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encalço de fantasias, deixando apenas de manifesto a persistente

indemonstrabilidade das pretendidas causas genéticas do crime, além disso, com

inúmeras classificações de transtornos mentais.

E, nesse sentido, sustentam a idéia que o perito chamado a fazer um

laudo, sempre tenderá a atestar a disfunção psíquica do criminoso, classificando-o

em uma das muitas doenças mentais existentes na classificação médica,

prejudicando assim a “verdadeira justiça”.

Esse argumento, entretanto, perde sua força a partir do momento em que

verificamos que a Psiquiatria é dotada de critérios de avaliação que a Justiça não

levaria em conta no julgamento do criminoso, verificando a ocorrência de alterações

de comportamento consideradas anormais, mas que aos olhos da Justiça seriam

normais.

O mais recomendável é que o perito descreva, psicopatologicamente, o

quadro que está percebendo existir no paciente da maneira mais pura possível,

deixando para quem lê o parecer a interpretação do caso e o diagnóstico do sintoma

descrito; caso o técnico possua a necessária confiança no que conhece, poderá

então depois de descrever o quadro, deixar entre parênteses o diagnóstico do

quadro, segundo a sua escola de pensamento psicopatológico.

Em suma, para que o perito possa se fazer entender, precisa ser coerente

e apoiar-se em conhecimentos teóricos sólidos, que o permitam deduzir o que será

discutido no caso do qual estará encarregado de fornecer o parecer.

A disparidade entre o laudo que se apresenta pelo perito e a decisão do

juiz dificulta a aplicação das medidas de segurança, tendo em vista, que é a partir do

laudo que se atesta o desenvolvimento mental do acusado, esclarecendo ser o

indivíduo capaz de entender o caráter ilícito do fato que cometeu ou determinar-se

de acordo com esse entendimento.

Ora, se o juiz desconsidera um laudo que atestou o desenvolvimento

mental, incompleto ou retardado, ou ainda, a perturbação da saúde mental do

acusado, para considerá-lo imputável e aplicar-lhe a pena como punição, podemos

dizer, que a aplicação da medida de segurança é prejudicada, pois se a decisão do

juiz fosse oposta, considerando o indivíduo inimputável ou semi-imputável, haveria a

exclusão da culpabilidade e a punição correta seria a medida de segurança,

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baseada na periculosidade do agente, e não a pena (normalmente privativa de

liberdade), protegendo, desta forma, a coletividade em geral.

Assim, para que as medidas de segurança sejam e corretamente

aplicadas, é imprescindível que seja modificada a atitude dos juízes de

desconsiderar o laudo emitido por um perito (“expert” no assunto), com a justificativa

de estar fazendo justiça, aplicando a pena como punição a um doente mental.

Apesar dos laudos emitidos pelos peritos não vincularem o juiz em sua

decisão, deve o mesmo decidir de acordo com os fatos elucidados pelos “experts”,

bem como de acordo com a sua consciência.

Evidente que o juiz não deverá sempre aceitar o laudos apresentados

pelos peritos, tendo em vista que a prática também tem nos mostrado a existência

de médicos que atestam uma disfunção psíquica que não existe para que o

criminoso seja considerado inimputável pelo Poder Judiciário. Todavia, deve existir

um meio termo na conduta do Juiz que infelizmente, nos dias atuais, tem se

mostrado bastante radical ao desconsiderar laudos bem elaborados e adstritos a

ética profissional.

Dessa forma, deve o profissional atual, além do conhecimento específico

de sua área, ter também, conhecimento de outras ciências.

4.2 Da escolha entre a Pena Privativa de Liberdade ou Medida de Segurança

Como já foi dito, antigamente, as penas eram aplicadas aos infratores de

acordo com o dano produzido pelo agente, vigorando a Lei do Talião, mais

conhecida como “olho por olho, dente por dente”. Assim, a função das punições,

consistia na vingança da sociedade sobre aquele indivíduo, importando na aplicação

de penas corporais, e em muitas vezes na própria exclusão do indivíduo do seio

social.

Com o passar do tempo, as penas mais graves, que recaiam com mais

crueldade sobre o condenado, foram desaparecendo do sistema punitivo, dando

lugar às penas privativas de liberdade.

No direito brasileiro, são penas privativas de liberdade, em relação aos

crimes, a reclusão e a detenção. Tanto em uma quanto na outra, o condenado é

recolhido à um estabelecimento penitenciário, que deveria resguardar o mundo do

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perigo de que esse indivíduo torne a delinqüir. Submetido a um tratamento

recuperador, deveria ser restituído, por fim, sem perigo para a paz jurídica, às

normas de convivência.

Entretanto, embora, tenha sido essa a idealização que se fez acerca das

penas privativas de liberdade e do sistema carcerário, na solução da criminalidade e

reintegração do indivíduo à sociedade, certamente, não se trata da realidade vivida

em nosso país, visto que, podemos verificar que o sistema penitenciário brasileiro

evidencia presídios superlotados de indivíduos ociosos, que não são submetidos à

processo recuperador algum. Ao contrário do que um dia se imaginou, as cadeias

são, sem sobra de dúvidas, escolas do crime, não recuperam e, muito menos,

reintegram os indivíduos à sociedade.

Eclode, assim, polêmica quanto a aplicação de pena privativa de

liberdade como punição aos sujeitos que foram comprovadamente considerados

possuidores de transtornos mentais pela área da saúde, mas que tiveram esses

problemas ignorados pelo Poder Judiciário. Assim, a sociedade tem a mentalidade

de estar fazendo justiça quando verifica um doente mental punido com pena

privativa de liberdade.

A sociedade, porém, deveria ter a consciência de que os criminosos

doentes mentais devem ser tratados nos hospitais de custódia e tratamento para

que não mais retornem ao seio social enquanto não estiverem totalmente curados.

A mentalidade da aplicação da pena privativa de liberdade ao doente

mental está, consubstanciada, na falsa idéia que a sociedade tem de que estaria

deixando impune um criminoso doente ao considerá-lo inocente e excluindo a sua

culpabilidade, para aplicar-lhe uma medida de segurança.

É evidente que a justificativa para esse pensamento é o fato pelo qual

temos que considerar inocente um criminoso que praticou um crime pavoroso.

Ocorre que há um imenso contra-senso em tudo isso, tendo em vista que, como

vimos, a duração da medida de segurança é por tempo indeterminado, dependendo

da cessação da periculosidade do agente para que seja extinta.

Nesse sentido, defendo a aplicação mais freqüente das medidas de

segurança aos inimputáveis e semi-imputáveis, visto que, como ficou demonstrado,

a pena privativa de liberdade não é a punição correta, não cumpre a sua finalidade

para com o doente mental e acima de tudo, não aplica a verdadeira justiça.

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É certo que, com a aplicação da medida de segurança, o indivíduo deve

ser reexaminado, periodicamente, o que se bem conduzido, somente vai liberá-lo,

novamente, para o convívio social, depois de verificado que não mais apresenta o

mal ao qual foi acometido (periculosidade).

Entretanto, normalmente, não é o que acontece. Quando se vai ao júri é

esperado, (principalmente pela opinião pública e por outros que não conhecem

psicopatologia jurídica, que o acusado saia com “a maior pena possível”, se

esquecendo que os meandros jurídicos dão espaço para recursos e pedidos de toda

ordem, que acabam transformando uma pena inicialmente muito numerosa em anos

em algo como um quarto ou um terço do prazo original.

Poder-se-ia aqui, citar vários exemplos como é o caso do “Maníaco do

Parque”, que levado à júri, não foi considerado psicopata e desta forma, condenado

à cento e vinte e um anos de cadeia, quando se sabe que no Brasil somente se fica,

quando muito, trinta anos preso;

Entretanto, a par da mobilização observada em todo país, na busca da

punição “exemplar”, há que se verificar que o processo, principalmente o penal, não

pode sofrer influências da opinião pública e, que, talvez, seja a hora das áreas do

Direito e da Psiquiatria discutirem um pouco o porquê de tais atitudes, na medida em

que não se está considerando, (principalmente neste momento tão conturbado da

humanidade), que na ânsia de combater a criminalidade e a violência, estamos nos

esquecendo dos reais e científicos fatores que estão fazendo com que alguns

pacientes ajam como o fazem.

4.3 Penitenciária ou Manicômio Judiciário? Ser considerado normal ou doente

mental?

Como muitos profissionais da área da advocacia deixam transparecer a

seus clientes, a existência da medida de segurança como punição aos doentes

mentais não quer dizer, evidentemente, que seja melhor ser considerado doente.

Uma vez submetido à medida de segurança, o indivíduo fica,

naturalmente, sujeito ao parecer que deverá ser elaborado ao término da mesma, e

dependente de seu diagnóstico, correndo o risco de não mais ter alta, ou, pelo

menos.

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Por esse motivo, não deve prevalecer a idéia de quem defende ser a

medida de segurança um subterfúgio para que os criminosos fujam dos rigores da

lei, pois certamente, tem ela o mesmo caráter aflitivo da pena, com a agravante de

ser por tempo indeterminado.

Cumpre ressaltar ainda, a argumentação daqueles que dizem que, por

existirem muitas doenças mentais, os criminosos facilmente simulariam uma doença

para cumprir tão somente três anos de medida de segurança.

Cabe ao magistrado, com a colaboração dos peritos, definir se o

criminoso tinha consciência do ato que praticou ou não, aplicando-lhe a sanção

penal correta e enviando-o ao estabelecimento justo.

É equivocado, ainda, o pensamento daqueles que acreditam que ao

apelarem à Psiquiatria, alegando insanidade mental, irão para um estabelecimento

diferente dos presídios. Isso por que o que temos visto é a existência de

estabelecimentos precários, que estão longe de chegar àquilo imaginado.

Assim, a incapacidade da repressão, determinante do aumento da

criminalidade, notadamente a reincidência, a deficiência da organização das

penitenciárias, bem como a necessidade de solucionar o problema da criminalidade

do adolescente, concorreram para essa nova disciplina sistematizada que é a

medida de segurança.

As medidas de segurança têm vida autônoma, consideradas ou não

integrantes do sistema de penas, satisfazem a uma necessidade da vida social e

realizam progresso considerável na sua defesa, assegurando também uma melhor

eficiência do sistema penal, pois é aplicada ao delinqüente real ou potencial, não

admitindo o retorno do indivíduo ao seio da comunidade, enquanto não tenha

desaparecido toda a idéia de perigo, real ou potencial.

Obviamente que, quem defende a utilização das medidas de segurança

aos inimputáveis e semi-imputáveis não está assim fazendo assentado na

incapacidade das organizações penitenciárias, mas o faz baseado no que dispõe a

lei, visando sempre o bem comum. Além disso, é evidente que como as

penitenciárias, os estabelecimentos para atender os doentes mentais não chegam

nem perto do que foi idealizado, sendo também mais um problema da realidade

brasileira.

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CAPÍTULO V - A DOENÇA MENTAL

5.1 História da Doença Mental

Sem que se pretenda promover uma análise exaustiva, o termo “doença

mental” já teve vários significados. Aprioristicamente era tido como expressão de

magia e feitiçaria; campo de preocupação da caridade cristã; permitiu, na época da

revolução industrial, que se gerasse processo de exclusão e confinamento dos

loucos e inválidos, ditado pela necessidade de aproveitamento da mão de obra para

a produção que passou a considerar incômodo todo aquele que não pudesse

produzir.

Somente, a partir da segunda metade do século XVIII, Pinel, ao tentar

reproduzir, claramente, a ideologia da época: traçou um tratamento de cunho moral,

com o objetivo de reeducar os pacientes para o trabalho, ficando mantida a

estratégia de exclusão e isolamento do individuo acometido de doença mental pois

acreditava-se que esse era um tratamento necessário fundamentado na concepção

de que a família e a sociedade exerciam influências negativos . Este modelo

proposto mostrou-se ineficaz, pois focou explicita a predominância de superlotação e

proliferação dos hospícios.

A doença mental suscita, até hoje, vários questionamentos, pois mesmo

com o acúmulo de contribuições e evidências científicas, ainda não há uma causa

padrão que tenha plenas condições de explicar tal enfermidade, notadamente

estigmatizante.

Para fins jurídicos o conceito de doença mental é tomado de forma ampla,

incluindo estados que não são propriamente doenças mentais, como desmaio e o

delírio febril.

No que se refere à imputabilidade penal, doença mental é toda

manifestação de cunho orgânico, funcional ou psíquico, episódica ou crônica, que,

pode eventualmente, ter como efeito a situação de incapacidade psicológica do

agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

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Sob este aspecto, não basta, unicamente, a presença da doença mental

para excluir ou diminuir a imputabilidade. É imprescindível, que a enfermidade cause

o vício de entendimento ou de vontade. Deve-se analisar, neste contexto os tipos de

doenças mentais normalmente verificadas no cotidiano, uma vez que, mesmo com o

acúmulo de contribuições e evidências científicas, ainda não há uma causa padrão

que tenha plena condição de explicar tal enfermidade, notadamente estigmatizante.

A sintomatologia psicótica caracteriza-se, principalmente, pelas alterações

em nível do pensamento e da afetividade comprometendo toda existência do

indivíduo, visto que, pensamento e a afetividade se apresentam qualitativamente

alterados, tal como uma novidade cronologicamente delimitada na história de vida

do paciente e que passa a atuar em sua performance psíquica de maneira mórbida.

Esse distúrbio confere ao paciente uma maneira patológica de idealizar a

realidade, de organizar conceitos e de expor-se com o mundo objetivo, com

variações quantitativas da percepção do real, como pode acontecer no estado de

depressão, por exemplo, evoluindo, assim, um estado essencialmente patológico,

doentio e sofrível.Dessa forma, nota-se que o indivíduo psicótico, frequentemente,

possui o juízo afetado em relação a um determinado assunto ou tema, continuando

são em relação aos demais temas.

A loucura pode ser considerada como sendo o somatório de dois

elementos: uma causa predisponente atrelada à personalidade, e outra, causa

excitante fornecida pelo ambiente.

A esquizofrenia é uma doença da personalidade total que afeta a zona

central do eu e altera toda a estrutura vivencial. O esquizofrênico menospreza a

razão e não tem capacidade de libertar-se de suas próprias fantasias. Estima-se,

hoje, que 1% da população é acometida pela doença, geralmente iniciada antes dos

25 anos e sem predileção por qualquer camada sócio-cultural. Trata-se, pois da

mais comum das psicoses funcionais.

É chamada, atualmente de transtorno Afetivo Bipolar, onde o paciente

apresenta períodos de intensa depressão, podendo até levá-lo ao suicídio, e

períodos de intensa euforia, levando-o a graves distúrbios sociais. Entre um período

e outro o doente recupera toda a lucidez. Na fase de euforia o portador da doença

tem sensações de alegria e de grande força física e intelectual. Altamente impulsivo,

o enfermo é propenso a realizar condutas que denotam abuso e prepotência,

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derivados da falsa sensação de poder. Entretanto, na fase depressiva surgem a

angustia, a tristeza e o desespero. O aspecto negativo dos acontecimentos ganha

dimensão desproporcional.

A chamada personalidade sociopática é aquela em que o agente, devido

a alterações na afetividade e no caráter, não se adapta á vida em sociedade.

Apresenta: distúrbios da afetividade, egocentrismo exageradamente patológico, boa

inteligência, inconstância, insinceridade, ausência de vergonha e de remorso,

conduta social inadequada, sendo, portanto, incapazes de aprender ou modificar

suas atitudes com a punição.

Estima-se que, em torno de 25% dos indivíduos em regime prisional,

mostram características do que a psiquiatria chama de Sociopatia, classificada pela

Organização Mundial de Saúde sob a denominação de Transtorno da Personalidade

Dissocial.

Sabe-se, hoje, que o grau de inimputabilidade deve ser observado pelos

efeitos concretos que a anomalia produziu na consciência da ilicitude e na

capacidade de autodeterminação do agente, ao tempo do crime.

Mostra-se equivocada a expressão doença mental prevista no nosso

Código Penal, em virtude da limitação conceitual que a expressão acarreta.

Nesse sentido, afirma Aníbal Bruno:

Ai se incluem os estados de alienação mental por desintegração da personalidade, ou evolução deformada dos seus componentes, como ocorre na esquizofrenia, ou na psicose maníaco-depressivo e na paranóia; as chamadas reações de situação, distúrbios mentais com que o sujeito responde a problemas embaraçosos do seu mundo circundante: as perturbações do psiquismo por processo tóxico ou tóxico-infecciosos, e finalmente os estados demenciais, a demência senil e as demências secundária.7

Como facilmente se aufere, os estudos da psiquiatria, uma ciência

empírica e de paradigma causal, não podem, sem sombra de dúvidas, ser

transladados direita e objetivamente para o Direito Penal. Não se pode adotar in

7 ANÍBAL, Bruno. Reflexões, Revoluções e Reformas Psiquiátricas. Psiquiatria Hoje, ano 24, n°. 2. 2003. p. 8-16.

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totum os conceitos de tal conhecimento, muito embora não se negue o relevante

suporte proporcionado à dogmática jurídico-penal.

Destarte, não é, pois, a nosologia psiquiátrica que interessa ao Direito

Penal, mas sim, os efeitos psicológicos que reflitam na atuação da pessoa

etiquetada com qualquer que seja o.diagnóstico psiquiátrico.

É evidente que se deva abandonar critérios determinados de estado

psicopatológicos da conexão e fixar-se somente na verificação da capacidade de

compreensão e autodeterminação do indivíduo. Tal resultado apresenta-se

inevitável, frente à necessidade de preservação do princípio da culpabilidade, pedra

angular no Direito Penal moderno.

5.2 A Reforma Psiquiátrica e as Políticas de Saúde Mental no Brasil

Vigente no Brasil desde a década de 30, a legislação psiquiátrica, na

década de 60 e 70, sofreu um grande desgaste. Os hospitais públicos entraram em

colapso e sua substituição pelo sistema privado só veio criar um grande número de

hospitais de má qualidade. Surge, então, um movimento por uma Reforma Sanitária

que reorganizasse o atendimento à saúde da população, trazendo consigo os

reflexos dos movimentos internacionais e a discussão da Reforma Psiquiátrica.

Porém, somente na década de 80, os movimentos psiquiátricos ganham

força, dando origem a uma série de propostas de reestruturação da atenção à

Saúde Mental, através de uma reforma psiquiátrica, tendo como base o argumento

de que a forma como a assistência ao doente mental estava organizada era cara e

ineficaz.

Em 2002, o processo de redução dos leitos psiquiátricos e de

desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação passa a tornar-

se política pública, com uma série de normatizações do Ministério da Saúde.

O deslocamento do eixo da atenção em saúde mental, a partir da

desconstrução gradativa do modelo centrado no hospital, permitiu que a assistência,

antes fortemente ancorada na figura do psiquiatra, passasse a incorporar outros

técnicos, outros saberes, num trabalho que, gradativamente, vem assumindo

características interdisciplinares e multiprofissionais cada vez mais fortes.

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Dessa forma, a política de saúde mental vem apresentando duas

importantes tendências: a reversão de o modelo hospitalar para uma ampliação

significativa da rede extra-hospitalar, de base comunitária; e o entendimento das

questões do álcool e outras drogas como problema de saúde pública e como

prioridade no atual governo.

Pela proposta de desinstitucionalização, preconiza, igualmente, a extinção

dos hospitais de custódia da mesma forma que alguns teóricos da reforma

psiquiátrica defendem a extinção dos estabelecimentos psiquiátricos.

5.3 Hospitais de Custódia e Tratamento - Aspectos Históricos e Situação Atual

A relevância dos hospitais psiquiátricos se dá pelo fato de que

representaram os primeiros centros de estudos sistematizados na observação, por

meio dos métodos científicos e fenomenológicos, das formas clínicas e evolutivas

das doenças graves e, daquelas denominadas psicoses maníaco-depressivas.

Neste contexto, surgiram os Hospitais de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico (HCTP), antigamente, chamados de manicômios judiciários, instituições

especializadas em Psiquiatria Forense, constituindo um campo de saber em que a

Psiquiatria tem interface com o Direito Penal.

No Brasil, o primeiro manicômio judiciário foi construído no Rio de Janeiro

(1921), destinado exclusivamente aos enfermos mentais delinqüentes.

Ainda hoje se observa uma superlotação que, via de regra, reflete a condição

precária dos presídios, com prejuízo para os internos.

A Lei Federal n. 10.216/2001 procura redirecionar o modelo existente afirmando em seu art.4º:

Art.4º A internação em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º: O tratamento visará como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2º: O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros. §3º: É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no parágrafo 2º e que não assegurem aos pacientes os direito enumerados no parágrafo único do art. 2º.

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Enquanto não houver o cumprimento da Lei 10.216/2001, o que permitiria

a prática de uma assistência integral às pessoas portadoras de transtornos mentais

permanece os indícios de que os direitos humanos dos pacientes que cumprem

medida de segurança não vêm sendo respeitados.

CAPÍTULO VI - A PENA E O DIREITO DE PUNIR

A pena nada mais é do que uma vingança, Seu sentido de punição,

expiação e coação nasceu com o próprio homem a partir do entendimento do que

seria o bem ou o mal.

Sob este aspecto afirma René Ariel Dotti:

É generalizada a opinião de que a pena deita raízes no instinto de conservação individual movimentado pela vingança. Tal conclusão, porém, é contestada diante da afirmação segundo a qual tanto a vingança de sangue como a perda da paz não caracterizavam reações singulares, mas a revolta coletiva.8

A vingança privada era baseada no chamado vínculo de sangue,

representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam descendência comum.

Daí o surgimento do talião, para delimitar o castigo, adequando a vindita ao mal

ocasionado.

O ius puniendi, desde quando o Direito Penal abandonou a fase da

vingança privada, passou a ser público, ou seja, o Estado é que possui o direito

subjetivo de punir o infrator da lei penal. Além disso, essa punição se funda sempre

na lei e, por fim, serão os juízes e tribunais que aplicarão esta lei ao caso concreto.

Portanto, estes são os três limites formais subjetivo, objetivo e funcional, no entanto,

são insuficientes, carecendo de limites naturais, como por exemplo, o princípio da

culpabilidade.

A partir da evolução política das comunidades, a idéia de pena foi

adquirindo disciplina assim como o reconhecimento da autoridade de um chefe, a 8 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. Rio de Janeiro. Editora: Revista dos Tribunais, 2016. p. 273

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quem era deferida o poder de castigar. É a pena pública que, embora impregnada

pela vingança, penetra nos costumes sociais.

Daí a precisa conceituação dada por Damásio E. de Jesus: “Pena é a

sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração

(penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem

jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos.”

Com a reforma do Diploma Penal, em 1984, a pena passou a apresentar

natureza mista sendo retributiva e preventiva, sendo classificadas em: privativas de

liberdade; privativas de direitos; e pecuniárias.

6.1 Das Penas Privativas de Liberdade

A pena privativa de liberdade, largamente utilizada nas modernas

civilizações, era outrora apenas um instrumento de custódia provisória do acusado,

enquanto se desenrolava o processo ou se aguardava o início da execução da pena.

A prisão não era aplicada como pena propriamente dita, mas sim como um local de

retenção temporária.

Atualmente as penas privativas de liberdade são aquelas previstas no art.

33, caput, 1ª. Parte do Código Penal, ou seja, a detenção e a reclusão.

A reclusão se diferencia da detenção não só quanto à espécie de regime

como também em relação ao estabelecimento penal de execução (segurança

máxima, média ou mínima), á sequência de execução no concurso material, à

incapacidade para o exercício do pátrio poder, à medida de segurança e à prisão

preventiva.

Ao condenar, o juiz deve determinar a espécie de regime para início de

cumprimento da pena, observadas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do

CP.

Em regra, não há regime inicial fechado para detenção. Mas existe uma

exceção: está no art. 10, da Lei 9.034/95 (Lei dos Crimes de Organização

Criminosa), segundo o qual: “Os condenados por crime decorrentes de organização

criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado.”

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Pouco importa se o delito é punido com reclusão ou detenção. No

entanto, para a maioria da doutrina, esse artigo é inconstitucional.

Hoje, em regra, os sistemas jurídico-penais recorrem profusamente às

penas privativas de liberdade que, nem sempre, resultam na reforma ou melhora do

condenado.

6.2 Das Penas Restritivas de Direitos

São alternativas penais, também chamadas substitutivos penais, que são

meios de que se vale o legislador visando impedir que ao autor de uma infração

penal venha a ser aplicada medida ou pena privativa de liberdade. Estão elencadas

no artigo 43 do Código Penal: prestação pecuniária; perda de bens e valores;

prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária

de direitos; e a limitação de fim de semana.

As penas alternativas são autônomas, isto é, não dependem da imposição

da sanção detentiva (reclusão, detenção ou prisão simples).

O juiz, primeiramente, fixa a pena privativa de liberdade. Depois,

substitui-la por uma ou mais alternativas, se for o caso. Não podem ser aplicadas

diretamente, nem cumuladas com as privativas de liberdade.

São de execução condicional, e dizer, se subordinam a seu efetivo

cumprimento. Uma vez descumpridas, operam conversão em privação da liberdade.

6.3 Regimes de cumprimento de pena

Concernente à aplicação da pena propriamente dita, a Lei Substantiva

Penal Brasileira adotou o sistema trifásico para a pena privativa de liberdade, isto é,

devem ser percorridas, consecutivamente, três etapas.

Na primeira, fixa-se a pena, levando-se em conta as circunstâncias

contidas no art.59 do CP; na segunda, aprecia-se as circunstâncias legais elencadas

nos artigos 61, 62, 65 e 66 do mesmo estatuto jurídico, cumulando-as com a pena

antes fixada (pena-base); na terceira e última, é feita uma apreciação das as causas

especiais de aumento ou de diminuição de pena, estas sobrepostas ao resultado a

que se chegou quando da efetivação da segunda fase (circunstâncias legais).

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Dessa forma, uma vez aplicada a pena pelo juiz da sentença, deve ele,

obedecendo aos critérios estabelecidos em lei, fixar o regime inicial de seu

cumprimento (artigo 59, III, CP e artigo 110, LEP).

Considera-se necessário esclarecer que, o atual Código Penal rejeitou, na

reforma de 1984, a tendência de unificação do sistema prisional. Mantendo, assim, a

distinção da pena privativa de liberdade em reclusão e detenção, de cunho

eminentemente formal, pois a diferenciação entre reclusão e detenção, basicamente

se resume ao regime de cumprimento de pena, que na primeira hipótese deve ser

feita em regime fechado, semi-aberto ou aberto, enquanto na segunda alternativa –

detenção – admite-se a execução somente em regime semi-aberto ou aberto (artigo

33, caput, CP).

Vale lembrar, ainda, que com a referida reforma também foi abandonada

a distinção entre os regimes penais fundada, anteriormente, na periculosidade do

agente.

Em suma, conforme os sistemas progressivos adotados pelo

ordenamento jurídico brasileiro podem asseverar que existem três regimes para a

execução das penas privativas de liberdade, a saber:

a) Regime fechado: É aquele que deverá ser cumprido em penitenciária.

Segundo o art. 33, parágrafo primeiro, alínea a, considera-se regime

fechado “a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média.”

No regime fechado, o condenado fica sujeito a isolamento no período de

repouso e trabalho diurno. Se for realizado dentro do estabelecimento, o trabalho

será em comum, segundo as aptidões e ocupações exercidas anteriormente pelo

condenado.

A lei de Execução Penal prevê ainda celas individualizadas em seu artigo

88: “O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho

sanitário e lavatório”. Ademais, são requisitos básicos da unidade celular a

salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e

condicionamento térmico adequado à existência humana além de uma área mínima

de 6m² (seis metros quadrados).

b) Regime semi-aberto: onde a execução da pena é a execução da pena

em prisão agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

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São requisitos básicos das dependências coletivas a seleção adequada

dos presos e, ainda, o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de

individualização da pena.

No regime semi-aberto, é permitido ao condenado freqüentar cursos de

instrução de ensino médio ou superior, ficando sujeito a trabalho em comum durante

o período diurno, quer seja em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento

similar.

c) Regime aberto: onde há o recolhimento noturno e aos finais de

semana, devendo o apenado se recolher na Casa do Albergado ou estabelecimento

adequado. Exceção, quanto aos maiores de setenta anos e os que possuem doença

grave, bem como a gestante e as mães de filho doente ou incapaz, casos em que

poderão cumprir em regime aberto domiciliar.

Como, na maioria dos Estados brasileiros, não existe Casa do Albergado,

ocorre que a exceção acaba sendo regra, já que não se pode punir com pena maior

do que a estabelecida, ou seja, na maioria das vezes, o apenado acaba por cumprir

pena de regime aberto domiciliar.

A casa do albergado deverá situar-se em centro urbano, separado dos

demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos

contra a fuga, além disso, deverá conter além dos aposentos para acomodar os

presos, local adequado para cursos e palestras e, ainda, instalações para os

serviços de fiscalização e orientação dos condenados.

O regime aberto é baseado na autodisciplina e no senso de

responsabilidade do condenado. Este poderá, sem necessidade de vigilância, fora

do estabelecimento, trabalhar, estudar ou exercer qualquer outra atividade

autorizada, permanecendo recolhido, apenas, no período noturno , bem como, nos

dias de folga.

A pena de prisão simples, cominada nas contravenções penais, deverá

ser executada sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção

especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto.

O condenado a pena de reclusão reincidente ou aquele a quem foi

aplicada pena superior a oito anos (art. 33, § 2º, a, CP). Encontra-se,

obrigatoriamente, sujeito às regras do regime fechado, desde o início da execução

da pena privativa de liberdade,

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Podemos concluir que para a determinação do regime inicial de

cumprimento da pena concorrem dois fatores: a quantidade de pena imposta (art.

33, § 2º, CP) e as condições pessoais do condenado (art. 33, § 3º e 59 CP).

Na hipótese de condenação por mais de um crime, no mesmo processo

ou em processo distintos, a fixação do regime far-se-á pelo resultado da soma ou

unificação das penas, observadas, sempre que necessário, a detração ou remição

(art. 111, LEP). Vale dizer também que, sobrevindo condenação no curso da

execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para

determinação do regime (art. 111, parágrafo único, LEP).

Em alusão a Lei n. 8.072 de 25 de julho de 1990, que criou o regime

integralmente fechado, a jurisprudência e a doutrina vêm debatendo a

constitucionalidade ou não da vedação quanto a possibilidade de progressão de

regime prisional ao se tratar de crimes hediondos e equiparados.

Com relação aos crimes hediondos já se admite a progressão do regime,

o que, inclusive, já se encontra consagrado na referida lei.

CAPÍTULO - VII A INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL NO DIREITO

PENAL

7.1 Culpabilidade como Limite à Execução Penal

No que tange a análise da culpabilidade, cumpre esclarecer que sua

complexidade requer a busca pela fundamentação e justificativa mais clara possível

do por que e para que da pena.

Evidencia-se, que para se perquirir o juízo de culpabilidade, não basta à

indagação de que poderia o sujeito deixar ou não de agir de outro modo, mas

responder às seguintes questões: nas circunstâncias do caso, era esperado do

agente, no contexto da normalidade das relações sociais, que observasse o

imperativo normativo? Diante da situação circundante, criou-se a expectativa social

de observância da norma?

Se respondidas de forma afirmativa, é dizer, se frustrada a expectativa

social de cumprimento da norma, certo restará o juízo de reprovação. Portanto, na

hipótese de negativas as indagações, não se afirmará a culpabilidade do agente.

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Claro está que o embasamento da culpabilidade reside na liberdade do

ser humano de optar, de seu livre arbítrio no momento do fato, pela realização da

conduta. Contudo, não se trata de um livre arbítrio absoluto, mas uma liberdade

limitada, que permite ao agente determinar se aquela conduta é positiva ou negativa,

desejável ou indesejável, justificada ou injustificada.

Obviamente, além da capacidade de entendimento deve o indivíduo ter

condições de autocontrole exercendo uma espécie de "freio" psíquico que a situação

impõe.

Com efeito, a imputação do ilícito a uma pessoa só é procedente se

houver a vinculação individual com o ilícito realizado através da possibilidade de

reconhecer a contrariedade à norma de seu comportamento e de motivar-se de

acordo ela.

A culpabilidade é uma espécie de alicerce da pena, na medida em que,

para justificar-se a imposição de uma sanção penal, pressupõe-se a ocorrência de

um juízo de reprovação. Onde não há culpabilidade, não pode haver pena, ou seja,

não pode haver a atuação do poder punitivo do Estado.

Dessa forma, assinala-se que a culpabilidade, no nosso sistema penal, é

fundamento da pena, uma vez que se estabelece como critério punitivo a pena

proporcional à gravidade objetiva do fato e à culpabilidade do autor (art. 59, CP),

representando instrumento insubstituível à concretização da democracia, o que

revela a necessidade de sua manutenção como categoria jurídico-penal.

Afirma-se, ainda, que a culpabilidade é limitadora da pena, na proporção

em que estabelece uma barreira à faculdade de intervenção do Estado e protege o

delinqüente, de modo a obstar uma ingerência mais rígida e descabida em sua

liberdade pessoal.

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CONCLUSÃO

O tema da imputabilidade, como facilmente se aufere, é algo fascinante e

ao mesmo tempo misterioso no âmbito penal. Muitas vezes, o fato que,

preliminarmente, revele simplicidade, pode vir a ensejar configurações que aguçam

a mais excepcional das inteligências.

Os atos criminosos acontecem a todo o momento e por toda parte, pois

são oriundos da própria existência humana. Cabe ao homem posicionar-se ou não

de acordo com a lei.

Entretanto, infindos fatores crimino genéticos, oriundos muitas vezes da

própria constituição do delinquente ou do meio social em que vive, podem mirar a

sua resistência interna, dilacerando seu elemento repressor de manifestações

delitivas, tornando o livre-arbítrio não tão livre como se supõe.

O surgimento de um transtorno mental pode alterar completamente o

ritmo de vida de uma pessoa, deixando ela de ser responsável pelos seus próprios

atos.

Assim, aquele que se propõe a julgar a conduta alheia tem de ser

aprioristicamente um cientista do comportamento humano, muito embora, um grande

número de operadores do direito penal ignore o significado do termo criminologia.

Cada vez mais, ciências como a psicopatologia forense devem ser não só

consideradas mais aplicadas em integralização com o Direito, uma vez que, quando

o assunto é a polêmica entre o delinqüente fronteiriço e imputabilidade penal, mister

se faz o conhecimento do ser humano e de sua psique, adentrando-lhe a

identidade.

Ao cometer um delito, estando o dito fronteiriço na fase mórbida e

consistindo o crime num produto do transtorno por qual está passando, com

exacerbação de uma série de sintomas aqui exaustivamente descritos, pode ser ele

considerado inimputável, devendo ser aplicada a medida de segurança, o que

atualmente é muito difícil de vermos.

O cerne da polêmica surge quando o fato é cometido durante o decorrer

de uma fase de “acalmia”, pois, conforme preceitua o artigo 26 do Diploma Penal a

inimputabilidade do agente deve ser verificada no momento da ação ou omissão

criminosa. Tal enunciado nos levar a crer que, mesmo possuindo uma doença

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mental, se o indivíduo estiver na decorrência de um período “normal”, deve ele ser

responsabilizado penalmente. Entrementes, quando a doença mental for o

Transtorno da Personalidade Borderline, a lei deve ser interpretada de forma

diversa.

Evidencia-se que, o doente mental deve ser encarado com mais cautela

pelo Direito, pois, na maioria das vezes são criaturas carentes, angustiadas e

esquecidas, sucumbidas junto à terrível marginalização social da qual são vítimas,

devendo a sociedade se manter mais atenta às modificações ocorridas no que diz

respeito ao tratamento dispensado aos portadores de transtornos mentais, para que

estes não se mantenham a margem da sociedade.

O Estado, ao mesmo tempo em que detém consigo o direito/dever de

punir, deve também zelar pela manutenção da saúde mental e qualidade de vida de

seus cidadãos. Entra assim uma questão controvertida a respeito do tratamento que

deve ser dado aos portadores de transtornos mentais assim diagnosticados por

laudo pericial.

Dessa forma, conclui-se que, a despeito de a lei tentar prever todas as

situações envolvendo o portador de transtorno mental, torna-se difícil fazer-lhe um

acompanhamento que lhe permita retornar à sociedade, seja pela dificuldade de

internação em estabelecimento adequado, seja pela falta de atenção dada ao tema.

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