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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA PROJETO: “A VEZ DO MESTRE” PROBLEMAS DA APRENDIZAGEM INFANTIL por Lúcia Maria Neves Arêas Baumgratz Rio de Janeiro Dezembro 2001

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA PROJETO: “A VEZ DO MESTRE”

PROBLEMAS

DA

APRENDIZAGEM INFANTIL

por

Lúcia Maria Neves Arêas Baumgratz

Rio de Janeiro

Dezembro 2001

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA PROJETO: “A VEZ DO MESTRE”

PROBLEMAS

DA

APRENDIZAGEM INFANTIL

por

Lúcia Maria Neves Arêas Baumgratz

Monografia apresentada à

Universidade Candido Mendes, como

requisito parcial para conclusão do

Curso de Pós-graduação em

Psicopedagogia e obtenção do título

de Especialista.

Orientadora: Maria Esther de Oliveira

Rio de Janeiro

Dezembro 2001

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho

com todo afeto a

todas as pessoas de

minha família.

AGRADECIMENTO

Agradeço afetuosamente

a todos os professores e colegas que me

ajudaram na consecução deste grande objetivo:

concluir minha Pós-graduação.

RESUMO

Pretendeu esta Monografia analisar a

problemática da aprendizagem infantil.

Inicialmente foram descritas as fases da infância

e caracterizados os problemas de aprendizagem

que a criança enfrenta tanto no âmbito familiar

como na escola. Em seguida foi abordado, com

base na teoria psicanalítica, a questão da

aprendizagem em suas relações com a

socialização e a psicossexualidade. Finalmente o

trabalho mostrou a necessidade de mudanças na

conduta dos educadores.

INTRODUÇÃO

— Delimitação do tema e objetivos do estudo

Trata a presente Monografia de um estudo teórico sobre os

problemas de aprendizagem que podem ser apresentados por crianças

entre seis e dez anos de idade.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo é realizar uma análise

acerca da aprendizagem infantil e da problemática que a pode envolver

e/ou prejudicar.

Por extensão objetiva, também, embasar cientificamente o papel da

família na aprendizagem e, principalmente, o trabalho dos especialistas

na solução dos problemas que podem ocorrer e afetar crianças desta faixa

etária.

— Justificativa e relevância do tema

A temática aqui estudada encontra sua justificativa numa miríade

de fatores diferentes, correlacionados entre si . Em primeiro lugar cabe

destacar que, em função das dificuldades de aprendizagem

comprometerem o desempenho escolar, esta interfere significativamente

na evolução da criança através das séries escolares, podendo vir a ser

causa da evasão escolar. Tal questão no Brasil assume hoje especial

relevo, dentro do quadro geral de progressivo sucateamento do ensino

público em nosso pais.

Um segundo fator que torna tal estudo plenamente justificado é a

relevância intrínseca do tema, não só para o país, como —

principalmente — para a própria criança a apresentar dificuldade de

aprendizagem e sua família, também participante do processo.

Por último, ainda que fator de menor relevância, cabe destacar o

grande interesse que uma análise em perspectiva de tal problemática

desperta na autora do presente estudo.

— Metodologia de trabalho

Para a elaboração da presente Monografia foi util izada a pesquisa

bibliográfica qualitativa, seguindo-se as etapas apresentadas a seguir.

— Levantamento da li teratura pertinente ao tema.

— Leitura cuidadosa da bibliografia selecionada.

— Seleção dos trechos mais importantes a serem

utilizados e/ ou citados (citações diretas ou

indiretas)

— Redação preliminar da Monografia;

— Revisão e correção;

— Redação final, digitação e formatação.

— Visão geral do tema

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pelas

Nações Unidas, estabelece:

— Toda pessoa tem direito à educação, que deve ser

gratuita e obrigatória.

— A educação visa o desenvolvimento da personalidade

humana.

— Os pais têm direito de escolher a educação dos filhos.

— A educação deve favorecer o congregamento social.

A educação é um direito de todos, uma das necessidades inerentes

ao desenvolvimento totalizante do ser humano. Desta forma, a

aprendizagem qualitativa é uma necessidade, ou melhor é um direito de

toda criança, a fim de que esta alcance o desenvolvimento pleno de suas

habilidades psicomotoras e de raciocínio.

O desenvolvimento do ser humano está subordinado à uma

multiplicidade de fatores relacionados entre si: hereditariedade,

adaptação biológica, fatores sociais. . . Todas elas — em conjunto ou em

separado — podem interferir diretamente na aprendizagem infantil , seja

prejudicando ou auxiliando, fazendo surgir algum problema de

aprendizagem. Neste trabalho, escolheu-se trabalhar a educação em

concomitância com o desenvolvimento psicossexual infantil , conforme

preconizado por Freud.

Para Freud a criança passaria por sucessivas fases de

amadurecimento e desenvolvimento, nas quais ela tomaria conhecimento

de seu corpo e de sua relação com o mundo. Nessas fases, seus objetos

de desejo iriam se modificando, numa progressão.

Cada um desses deslocamentos corresponde a um estágio do

desenvolvimento da personalidade, e algumas dessas fases correspondem

ao estágio da criança em idade escolar e portanto tem relação direta

como esta criança lida com o conhecimento que adquire e se irá ou não

aprender, e em que nível qualitativo — assim como estabelece quais os

problemas que esta poderá apresentar. (Scoz, 1991)

CAPÍTULO I A PROBLEMÁTICA QUE ENVOLVE A QUESTÃO DA APRENDIZAGEM INFANTIL

1.1 — O conceito de aprendizagem

Segundo Bourdieu (1996), valores como símbolos, l inguagem,

lógica e moral são reguladores que o homem adquire por transmissão

exterior. Isso implica que, se a lógica fosse inata, o papel da educação

seria, apenas o de instruir. Mas a lógica não nasce com a criança. Esta,

assim como a moral e a linguagem, são construídos progressivamente

(no interior da criança) através da educação. Tais constituem fatores

inatos, a serem adquiridos através da aprendizagem.

Os meios e instrumentos para trabalhar o inato é justamente a

estrutura da aprendizagem. A aprendizagem deve ser vista não como

formação, mas como condição formadora necessária ao próprio

desenvolvimento natural da criança. Cabe destacar que meios e

instrumentos inadequados podem ser uma das causas por trás de um

problema de aprendizagem.

Cabe destacar ainda o papel da família no processo de

aprendizagem e de formação da personalidade, posto esta atuar em todas

as fases, e de forma predominante nas fases iniciais.

Em sentido amplo de influência, entra, após a família, a escola. A

escola não é, portanto, o espaço exclusivo no qual a aprendizagem

ocorre, ainda que tenha grande parcela de responsabilidade no sucesso e

adaptação social da criança.

De acordo com Chauí (1981), o direito à educação é o direito que o

indivíduo tem de se desenvolver normalmente em função das

potencialidades que possui, e a obrigação da sociedade é a de

transformar essas possibilidades em realizações efetivas e úteis. Sendo

assim a aprendizagem qualitativa que ocorra sem dificuldades ou

problemas é a meta a ser perseguida por qualquer educador.

Aprender é um processo dialético que ocorre em conjunto com o

ensinar. Não há aluno sem professor. Sendo assim, o papel do professor

na aprendizagem qualitativa é tão grande quanto o do aluno. Cabe ao

professor, contudo, conhecer seus alunos e saber diagnosticar suas

deficiências, agindo sobre estas. “Formar” é muito mais que apenas

“treinar” o educando/aluno, no desempenho de certas destrezas. (Freire,

2000)

Para Paulo Freire (2000), ensinar é mais que a simples transmissão

de conhecimento, é na verdade criar as possibilidades para sua produção

ou sua construção. Ele critica duramente a atitude “bancária” de certos

professores que agem como se fizessem “depósitos de saber” em seus

alunos, assim como quem põe moedas numa caderneta de poupança, sem

se importar com as características individuais de cada aluno —

características estas que tornam o processo de aprendizagem um processo

único e diferenciado para cada indivíduo.

Então torna-se de importância ímpar a atitude cônscia dos

professores em interagirem com seus alunos, diagnosticando suas

deficiências e auxiliando-os no que for necessário. Cabe aos professores

recuperarem a consciência de seu papel e, desta forma, o realizarem de

maneira mais ativa e, cientes de sua importância, realmente se

importarem se seus alunos aprendem ou não — e em que nível qualitativo

esta aprendizagem se dá.

1.2 — Problemas de aprendizagem?

Inicialmente, cabe destacar que embora a inteligência e a

aprendizagem sejam elementos estritamente relacionados, nem por isso

todo déficit de inteligência que possa ser apresentado por uma ou outra

criança irá implicar em um problema de aprendizagem.

Análises realizadas por estudiosos de problemas de aprendizagem,

servem apenas para colocar as coisas de maneira diversa. É comumente

afirmado que um déficit de aprendizagem não possui um único fator

determinante para o seu surgimento.

1.2.1 — A interferência de outros fatores

O principal elemento que caracteriza um problema de

aprendizagem é que este não costuma ser decorrente de uma patologia,

como o seria um distúrbio (ex.: dislexia). A análise dos problemas de

aprendizagem, não passa só pelos aspectos restritos ao fator biológico,

mas principalmente pelo fator social, decorrente de que o ser humano,

enquanto ser biológico, passa por um processo de humanização através

da herança cultural que recebe da sociedade e da presença do “outro”

(aqueles com que convive desde seu nascimento).

1.2.2 — Avaliação educacional e aprendizagem

Falar de aprendizagem sem mencionar a avaliação educacional, é

como falar de afeto sem ressaltar o amor. A aprendizagem, em nossas

escolas, está intimamente ligada ao processo de avaliação — sendo este

até considerado o objetivo máximo da escola, na visão de muitos

educadores — posto que o próprio nível de aprendizagem é “medido” e

quantificado através da avaliação educacional.

Infelizmente, não é prematuro afirmar que o que torna a avaliação

escolar um insucesso, levando em consideração a questão do fracasso de

muitos alunos e até a sua evasão escolar, é, antes de tudo e

principalmente, o caráter quantitativo desta. Não se avalia para medir a

qualidade do ensino que se está ministrando e nem a qualidade formada

no discente, pensa-se em primeira instância na pontuação (notas) que o

aluno deve atingir para ser considerado aprovado ou reprovado.

Enquanto esta idéia estiver em relevância, nossos pés continuarão

seguindo os mesmos caminhos.

Um aluno que obtém notas baixas é considerado um aluno com

problemas de aprendizagem. Mas será isso mesmo? Será que na verdade

este aluno apenas não se diferencia de outros alunos por questões de

deficiência do próprio ensino-aprendizagem?

Tais questões foram abordadas pela professora Magda Soares que

mostra claramente como o aluno é tratado em relação às suas diferenças,

que em vez de serem trabalhadas, são sumariamente taxadas como

deficiências, o que o levaria à discriminação e ainda mais: à reprovação

ou evasão.

Buscando apoio nas palavras de Magda Soares, pode-se ressaltar:

“Tanto para a teoria da deficiência

quanto para a teoria das diferenças, as

dificuldades linguísticas se devem as

desigualdades sociais que determinam

desigualdades de rendimento escolar.”

(Soares, 1992, p. 24)

Para se avaliar adequadamente, não existe uma receita única e

pronta, é preciso que se pense em cada aluno como um problema

diferente, pois os alunos não apresentam as mesmas características. Os

conselhos de classe, por exemplo, poderiam ocorrer de maneira diversa

da atual. Não é exagero afirmar que estes têm um só objetivo hoje, falar

dos alunos considerados fracos, mas sem levantar as questões que podem

ser repensadas para auxiliar este aluno.

1.2.3 — Material didático e aprendizagem

O material didático util izado muitas vezes pode atrapalhar ou

dificultar o processo de aprendizagem. Este deve sempre ser adequado a

cada faixa etária a que se destina e ao conteúdo que pretende transmitir,

afim de prender a atenção infantil . Afinal, um aluno que não consegue

prestar atenção na aula é um aluno que não aprende.

Muitas vezes o professor trabalha com poucos recursos didáticos, o

que limita seu desempenho de maneira significativa. Normalmente o que

se vê são os livros didáticos, o quadro-negro e o giz, que não despertam

muito interesse na criança em fase escolar. Estes constituem quase

sempre recursos precários para um ensino de boa qualidade, posto não

prender a atenção infantil , mais afeita ao uso de recursos audiovisuais.

Alguns docentes, usam da criatividade e, sobretudo, do profissionalismo

para melhor abordar esta questão.

Um fator nem sempre considerado mas que pode dificultar a

aprendizagem é o livro didático escolhido. Este, muitas vezes, traz ao

longo de vários anos as mesmas atividades, não acompanhando as

mudanças que surgem com o tempo. As questões não são abordadas

dentro da modernidade do mundo e o professor, por sua vez, não faz as

adaptações necessárias para seus alunos, tornando-as assim maçante.

O livro didático é o material adotado com mais frequência pelos

professores. Outros recursos didáticos já são menos utilizados pelos

professores, como por exemplo: retro-projetor, slide, televisão, música,

os quais não são encontrados em todas as escolas, e quando o são, ainda

assim o professor não se sente estimulado para usá-los.

A evolução tecnológica do mundo exige mudanças no quadro

escolar. A escola precisa dar passos largos para aproximar-se da

realidade do mundo e de suas crianças.

1.2.4— A relação família / escola e a aprendizagem

Não pode ser esquecido que a aprendizagem infantil tem no social

um fator de relevância, as possibilidades reais que o meio fornece ao

indivíduo, abrangendo-se aí as características das comunidades às quais

a criança pertence, ou seja, a casa, o bairro e a escola, sua família e

perspectivas de futuro, enfim, suas condições e possibilidades de vida.

No Brasil , infelizmente, pouca atenção tem sido dada à relação

entre família e a escolaridade dos filhos. Poucos são os artigos e livros

que tratam especificamente do assunto, insistindo em considerações mais

globais sobre as ações educativas e as políticas estatais ou ainda, como

observam certos autores, deixando que o conceito de família seja

“absorvido” pelo conceito de comunidade.

A família da criança, principalmente os seus responsáveis diretos

— pai, mãe ou substitutos legais — interferem diretamente na formação

da psique da criança e na forma como ela lidará com o saber.

Interessa, portanto, ingressar no estudo do universo sociocultural

das famílias, suas dinâmicas internas, seu relacionamento com o mundo

escolar, sem contudo incorrer na tendência determinista de desqualificar

o caráter unificador da família, baseando-se num caráter excludente e

discriminatório de suas condições sociais.

Na verdade, a questão da família tem uma importância tal, e um

tamanho desdobramento de temas (no que diz respeito a aprendizagem

escolar), que merece um capítulo só para sua análise. A tal se destina o

capítulo II da presente monografia.

CAPÍTULO II DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE RELAÇÃO FAMÍLIA - ESCOLA, SOCIALIZAÇÃO E PSICOSSEXUALIDADE

As formas de interação família-escola — relação com os

professores e com a instituição em si, por exemplo — variam nas

diferentes camadas sociais brasileiras. E é essa grande rede de

interrelações que tem sido tão pouco explorada no Brasil , muitas vezes

deixando o tema dissolver-se sob uma ótica unificadora, que relega à

distribuição socioeconômica da população toda a responsabilidade sobre

a relação família-escola. Um mito que precisa ser derrubado por uma

visão nítida de família que saiba interagir com todas as agências da

sociedade, sobretudo com a escola.

2.1 — Relação família — escola: Interfaces possíveis

De que modo se dá a participação da família na vida da escola?

Segundo Garcia (1978), a participação da família vai desde as tarefas

mais simples, como ajudar no dever de casa, passando pela organização

dos tempos e espaços domésticos do discente e pelos gastos financeiros.

A própria escolha do estabelecimento de ensino, através de critérios e

procedimentos próprios, também fazem parte das relações cotidianas em

que família e escola se interferem mutuamente.

Há ainda outras nuances que podem pesar nesta ponte entre família

e educação. É o caso dos questionamentos, aspirações e projeções dos

pais em relação aos filhos, envolvendo o desempenho escolar, a escolha

da carreira, o trabalho que poderá sustentá-los, a realização pessoal. Ou,

ainda, o papel da família e da escola em fases críticas como a

adolescência, em que ambos têm contato com a transformação no corpo e

na personalidade do filho e/ou filha, e precisam estar preparados para

agir (e interagir) da melhor forma possível.

A influência da família sobre a vida educacional de seus filhos,

segundo Romanelli (2000), decresce de um modo geral à medida que

estes vão galgando os passos desde a educação fundamental ao ingresso

no curso universitário. Embora, sem dúvida, existam outros fatores dos

quais dependa a influência da família sobre a escolarização dos filhos, a

autora afirma:

“(. . .) deve-se levar em conta que essa

influência pode ser mais intensa em relação à

freqüência ao ensino fundamental, reduzindo-

se quando se trata do ensino médio e

tornando-se menos atuante ainda quando se

refere ao ingresso no curso superior.”

(Romanelli , 2000, p.101)

Acrescentando-se a isto os fatores macroestruturais — resultantes

das transformações e modernização do ensino e do mercado de trabalho,

por exemplo — percebem-se as novas exigências para o cidadão de hoje.

A pressão do mercado de trabalho pede um diploma de nível superior, ou

uma especialização, ou mesmo um grau de escolaridade determinado para

desempenhar funções definidas, ao mesmo tempo em que os empregos

decrescem quantitativamente.

2.2 — Teoria psicanalítica e psicopedagogia

Além de toda a problemática sócio-econômica abordada acima,

existem outros de influência ainda maior. É de extrema relevância

estudar também o espectro de influência da família e do ambiente

próximo na formação da personalidade infantil , e na forma com que a

criança lidará com o que aprende. A este respeito, a teoria Psicanalítica

de Freud apresenta vários fatores que permitem sua compreensão em

amplitude.

A psicanálise freudiana formulou uma teoria da personalidade que

divide o desenvolvimento infantil em sucessivas fases de maturação,

diretamente ligada a como a criança percebe o mundo e seu próprio

corpo. Por extensão, pode associar tais fases ao modo como a criança

lidará com o conhecimento, como aprende e se relaciona.

Tais idéias a respeito do desenvolvimento da personalidade

durante os anos escolares refletem interpretações teóricas que merecem

um capítulo dos aspectos relevantes de sua teoria. Para o educador — e

sobretudo para o educador de orientação psicopedagógica — a

psicanálise fornece desta forma uma atitude orientadora ao seu agir.

A relação entre as fases do desenvolvimento infantil da teoria

freudiana e a educação é muito grande e de suma importância na

formação de um psicopedagogo. Tal será o tema abordado no próximo

capítulo, que é o terceiro e último da presente Monografia.

CAPÍTULO III DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, SOCIALIZAÇÃO E APRENDIZAGEM

3.1 — O legado de Freud

A teoria de Sigmund Freud (1856-1939) sobre desenvolvimento

psicossexual, apesar de muito criticada, é extremamente relevante, além

de se constituir em origem de idéias amplamente sustentadas em relação

ao desenvolvimento da personalidade.

No entender de Freud, a libido é um impulso inato, uma força

motivadora, sexual por natureza, que já se encontra presente desde o

nascimento do indivíduo. Com o desenvolvimento há deslocamentos

sucessivos na parte do corpo, que é a sede primária da satisfação de

impulsos libidinais. Cada um desses deslocamentos corresponde a um

estágio do desenvolvimento da personalidade. Desta forma, Freud foi o

primeiro teórico a reconhecer e enfatizar a importância dos primeiros

anos de vida para o desenvolvimento da personalidade, um ponto de vista

que agora é amplamente considerado certo. (Kupfer, 2000)

Freud denominou as fases do desenvolvimento infantil de estágios

psicossexuais, o que reflete a ênfase de Freud sobre a base sexual do

desenvolvimento da personalidade. O termo teoria psicodinâmica se

refere a teorias como a de Freud, que enfatiza a dinâmica motivacional

de personalidade. (Kupfer, 2000)

Na tabela apresentada a seguir, estes estágios são especificados e

correlacionados às respectivas faixas etárias.

PERÍODO DE

DESENVOLVIMENTO ESTÁGIO PSICOSSEXUAL

1 Lactância Estágio oral

2 Primeiros anos Estágio anal

3 Primeira infância Estágio fálico

4

Período entre a

primeira infância e a

adolescência

Período de latência

5

Adolescência em

diante

Estágio genital

3.2 — Desenvolvimento psicossexual de crianças entre os 6 e 10 anos

de idade

Crianças de faixa etária entre os seis e dez anos de idade estão no

período em que intervém os estágios 3 e 4 de desenvolvimento

psicossexual, conforme visto na tabela anterior.

3.2.1 — Estágio 3: a fase fálica ou genital precoce

O terceiro estágio de desenvolvimento, o fálico ou genital

precoce, ocorre aproximadamente entre as idades de três e seis anos. Isto

significa que, ao ingressar no C.A, as crianças estão geralmente no final

desta fase. As conseqüências desta fase persistem até o quarto estágio,

que só termina propriamente na puberdade.

Sendo assim, a fim de compreender a visão de Freud dos anos

escolares que vão dos seis aos dez anos de idade, e os problemas que

podem surgir nesta fase, deve-se observar o estágio fálico e o de

latência com mais atenção do que a destinada ao estudo das demais fases.

Na fase fálica, a área genital é o foco central de prazer

libidinoso, ainda de maneira diferente da que caracterizará a

sexualidade adulta. O acontecimento mais importante desse estágio é o

conflito edípico (complexo de Édipo). Para os meninos, a l igação com a

mãe que começou na infância se intensifica, e fortes sentimentos de

rivalidade e ciúmes se desenvolvem em relação ao pai. (Strommen, 1986)

Tais sentimentos são, contudo, naturalmente inaceitáveis. E como

os pais são “poderosos” comparados aos seus pequenos filhos, o filho

experimenta um sentimento de impotência que, para a teoria

Psicanalítica de Freud, seria a “ansiedade da castração”— medo de que o

pai o castigue ou machuque por aquilo que sente e sabe ser inaceitável.

Este é um conflito insolúvel para a criança. (Kupfer, 2000)

A fim de lidar com tal conflito, a criança apela para a repressão:

a ansiedade e os sentimentos de ligação em relação à mãe e rivalidade

com o pai que o produzem são retirados da observação consciente.

Simultaneamente identifica-se com o pai, incorporando atributos dele a

sua própria personalidade, como se, sendo como o pai, pudesse

compartilhar substitutivamente tanto a força do pai quanto seus

privilégios especiais. (Kupfer, 2000)

Freud supôs que meninas se submeteriam a um conflito

semelhante, algumas vezes designado como “Complexo de Electra”.

Porém, Freud nunca desenvolveu tal teoria de forma tão completa para as

mulheres como o fez para os homens, e algumas de suas suposições a

respeito das mulheres foram — e ainda são — muito criticadas. (Idem)

Como os órgãos genitais femininos não incluem um pênis, Freud

supôs que as meninas experimentam inveja do pênis e que como

resultado desvalorizam a feminilidade. Isso por sua vez leva-as a se

afastarem da sua ligação precoce à mãe em direção ao pai. A

conseqüência é um conflito insolúvel análogo ao experimentado pelos

meninos: há uma forte ligação com o pai e rivalidade e desvalorização da

mãe. (Kupfer, 2000)

As meninas, como os meninos, l idariam com esse conflito

insolúvel através da repressão e através da identificação com o genitor

do mesmo sexo. Tanto para meninos quanto para meninas, a identificação

estabelecida nesse ponto é considerada como a fonte principal do

desenvolvimento do papel sexual e da consciência. (Strommen, 1986)

Sendo assim, a repressão de sentimentos que surgem a partir dos

Complexos de Édipo e Electra já se deu quando as crianças estão com

seis anos e persiste até a aproximação da puberdade e adolescência.

Durante estes anos intermediários, as influências dinâmicas sobre o

desenvolvimento da personalidade são reprimidas e latentes, ou inativas

— daí o nome de período de latência dado a esta fase intermediária.

(Strommen, 1986)

Ao entrar nesse período as crianças apresentam apenas um início

de identidade de papel sexual e de consciência. Durante este período

aprendem muitos fatos novos, técnicas e papéis; a consciência e a

identidade de papel sexual se tornam mais estáveis e melhor organizadas,

desenvolvendo-se. Mas, da perspectiva dinâmica da teoria freudiana,

estes são simplesmente refinamentos sobre aspectos já estabelecidos de

personalidade. (Kupfer, 2000)

É como se o desenvolvimento da personalidade estivesse retido

até que a intensidade crescente de sentimentos sexuais que amadurecem

acompanhando a aproximação da puberdade se torne suficientemente

forte para causar o rompimento da repressão. Isto marca o começo do

estágio genital. Nesse ponto os conflitos reprimidos durante o estágio

fálico voltam a emergir, mas agora o indivíduo pode transferir a um par

os sentimentos originalmente dirigidos ao genitor do sexo oposto, assim

resolvendo o complexo anterior. (Kupfer, 2000)

Observe-se que, apesar da resolução ser nova, o complexo não é.

O próprio conflito formativo teve lugar durante o estágio fálico. Eis

porque Freud acreditava que a personalidade estava basicamente

determinada antes da criança alcançar a idade de cinco anos de idade.

Desta forma, fica claro que a fase genital ou fálica é de extrema

importância na formação da criança, e certamente com o modo como

esta lidará com o conhecimento, ainda que ocorra durante a pré-escola.

(Idem)

A educação escolar tradicional, reprime a sexualidade. O que não

é o ideal, já que o desejo é fator importante para a aprendizagem.

Aprendizagem e a sexualidade se relacionariam da mesma forma que se

relaciona inteligência e desejo e desta forma, aprendizagem e

sexualidade seriam elementos intimamente ligados na teoria de

Psicanalítica de Freud (Kupfer, 2000).

3.2.2 — Estágio 4 ( período de latência ) e a aprendizagem

A partir de mais ou menos o sétimo ano de vida, o

desenvolvimento sexual infantil se detém e fica menos visível. É a

chamada “amnésia infantil”, e o período no qual se forma a auto-estima,

entre outros pontos importantes do desenvolvimento da psiquê.

(Strommen, 1986)

O período que vai, aproximadamente, dos seis anos aos 10 anos de

idade ocorre então, propriamente, no interior desta fase (período de

latência). O período de latência é uma época de grandes possibilidades

para a aprendizagem sistemática por parte da criança, já que a energia

sexual é sublimada e a curiosidade se desloca para a vontade de

aprender, para as atividades físicas, para as revistas e livros, etc.

Cabe inclusive destacar que, como este é o período de formação da

auto-estima, o sujeito que não consegue aprender se considera diferente

dos outros e inapto. O ideal almejado, na escola, seria o da criança

sobressair-se das demais por sua “inteligência, facilidade de aprender e

boas notas”. Quando tal não ocorre, resulta na perda da auto-estima por

parte da criança, e em um possível quadro progressivo de agravamento

do fracasso escolar.

Vários são os fatores fundamentais que podem estar por trás de um

problema de aprendizagem. Segundo a teoria psicanalítica, um problema

de aprendizagem seria uma reação à interdição da satisfação do

indivíduo, interdição esta que pode se dar pelo afastamento da realidade

e pela excessiva satisfação na fantasia, que a educação escolar provoca.

(Kupfer, 2000)

CONCLUSÃO

A partir da análise da multiplicidade de aspectos que envolvem e

norteiam a questão da aprendizagem infantil , o presente estudo pretendeu

clarear os horizontes de compreensão acerca dos problemas que uma

criança pode apresentar em seu processo de aprendizagem.

Ainda que a ênfase tenha sido dada ao papel da criança no

processo, de nenhuma forma o presente estudo pretendeu imiscuir o

professor de sua relevância no processo. Afinal, aprendizagem é uma via

de mão dupla, uma relação dialética entre professor e aluno, por isso

mesmo sendo chamado por muitos de “processo de ensino-

aprendizagem”.

Aprendizagem, sem dúvida, deve ser entendida aqui como o

desenvolvimento da pessoa em sua totalidade: inteligência, afetividade,

padrões de comportamento moral, coordenação motora, capacidades

artísticas, etc. A pedagogia que talvez tornasse possível a superação de

qualquer problema seria uma que assumisse a multidimensionalidade do

processo de ensino-aprendizagem, a fim de não cairmos em nenhuma

visão reducionista. Ver o aluno como mais que um objeto passivo, e sim

como um Ser-humano, em seus múltiplos aspectos e potencialidades.

Através da apresentação dos vários fatores que influem no

processo de aprendizagem, principalmente da teoria freudiana,

pretendeu-se destacar a forma com a criança lida com o conhecimento,

para que desta forma o professor possa agir sobre os problemas que se

apresentem a fim de saná-lo.

Apesar de via de mão-dupla, a responsabilidade de busca de

superação dos problemas de aprendizagem é responsabilidade do

professor, enquanto agente catalisador do processo de ensino-

aprendizagem — sendo que o professor deve agir em conjunto com a

família da criança, já que ambos estão diretamente relacionados a forma

como a criança lidará com o conhecimento.

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SCOZ, Beatriz J. Lima. Psicopedagogia: contextualização, formação e

atualização, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1991.

VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Ed.

Nova Fronteira, 1991.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

— Delimitação do tema e objetivos do estudo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

— Justificativa e relevância do tema ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

— Metodologia de trabalho.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

— Visão geral do tema .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

CAPÍTULO I — A PROBLEMÁTICA QUE ENVOLVE A

QUESTÃO DA APRENDIZAGEM INFANTIL ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.1 — O conceito de aprendizagem ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.2 — Problemas de aprendizagem? ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.2.1 — A interferência de outros fatores .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.2.2 — Avaliação educacional e aprendizagem ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.2.3 — Material didático e aprendizagem ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1.2.4— A relação família / escola e a aprendizagem ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

CAPÍTULO II — DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE:

RELAÇÃO FAMÍLIA - ESCOLA, SOCIALIZAÇÃO E

PSICOSSEXUALIDADE ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.1 — Relação família — escola: interfaces possíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2 — Teoria psicanalítica e psicopedagogia .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

CAPÍTULO III — DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE,

SOCIALIZAÇÃO E APRENDIZAGEM .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.1 — O legado de Freud .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.2 — Desenvolvimento psicossexual de crianças entre

os 6 e 10 anos de idade .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.2.1 — Estágio 3: a fase fálica ou genital precoce .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.2.2 — Estágio 4 ( período de latência ) e a aprendizagem ... . . . . . . . . . . . . . 25

CONCLUSÃO ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

ANEXOS