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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FERNANDA BRAGA BARBOSA “QUEM DISSE QUE UM TAPINHA NÃO DÓI” O IMPACTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA FAMÍLIA Rio de Janeiro / RJ 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FERNANDA BRAGA BARBOSA

“QUEM DISSE QUE UM TAPINHA NÃO DÓI”

O IMPACTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA FAMÍLIA

Rio de Janeiro / RJ

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS GRADUAÇÃO “LATU SENSU”

“QUEM DISSE QUE UM TAPINHA NÃO DÓI”

O IMPACTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA FAMÍLIA

Rio de Janeiro / RJ

2010

Monografia apresentada pela pós-graduanda Fernanda Braga Barbosa como exigência do curso de pós-graduação em “Terapia Familiar” da Universidade Cândido Mendes, como requisito para obtenção do título.

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RESUMO

Sabemos o quanto á violência tem sido difundida na mídia e o quanto é

ameaçadora, no entanto vemos paralelamente uma fobia crescente da

população, de modo geral. Cada vez mais as pessoas tentam se proteger

dos atos de violência, se escondendo destro de suas casas, com muros altos,

protegidas com alarmes, seguros residenciais e cães de guarda. O homem se

isola, teme o convívio social, se torna vitima de sua própria alienação.

Influenciado pelo medo da violência, faz uma movimento contrario, invés de

combater e buscar soluções para realidade que vive a negar como um

problema seu, e delega para o publico a administre, de acordo com as

competências instituídas pelo Estado. A violência desenvolve um papel

transformador na sociedade, resultando nas transformações das relações

sociais, o Estado passa viabilizar ações para minimizar os conflitos sociais com

objetivo de transmitir a sociedade a idéia de harmonia. A violência é um dos

fenômenos mais preocupantes em nossa sociedade contemporânea. Estudar e

pensar a violência implica em pensar os moldes da sociedade moderna, com a

idéia de que com a expansão da violência, em suas diversas manifestações,

acarreta na violação dos direitos inerentes a pessoa humana. Ao tratarmos da

temática da violência, é necessário considerar as características estruturais da

sociedade, as conjunturas políticas e econômicas, os valores culturais, e a

própria dinâmica que se estabelece entre os diferentes atores sociais que

respondem, em grande parte, pela construção do campo da violência.

Palavras-chave: Relações de gênero; Família; Violência contra a mulher;

Movimento Feminista; Lei Maria da Penha.

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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................... 4

Capítulo I

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER: UMA ANÁLISE DAS

RELAÇÕES DE GÊNERO ................................................................................. 7

1.1 Relações de Gênero .................................................................................... 7

1.2 A Violência Doméstica Contra a Mulher na Perspectiva de Gênero .......... 15

1.3 Família e seu papel no fenômeno da violência .......................................... 25

Capítulo II

POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A

MULHER .......................................................................................................... 26

2.1 As contribuições do Movimento Feminista ................................................ 26

2.2 Políticas de Enfrentamento à violência contra a mulher ............................ 30

2.3 A Lei Maria da Penha ................................................................................ 33

Considerações Finais ...................................................................................... 36

Referências Bibliográficas ............................................................................... 38

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INTRODUÇÃO

O interesse dessa pesquisa foi despertado com a minha inserção como

profissional em serviço de atendimento a mulheres em situação de violência

doméstica, no Centro de Referência Especializado da Assistência Social

(CREAS) situado no município de Pinheiral.

Com a implementação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS)

em 2003, a política de assistência social foi organizada em dois níveis de

proteção: proteção social básica (prevenir situações de risco pessoal e social e

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários) e proteção social

especial (destinada a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e

social, de acordo com a complexidade). A proteção social especial divide-se

em dois níveis de complexidade: média e alta. O CREAS, articulador da política

especial de média complexidade, constitui-se como um espaço privilegiado de

atendimento a família e indivíduos com seus direitos violados, entretanto, sem

rompimento de vínculos.

A temática que envolve a violência doméstica contra a mulher ainda é

um tema visto com muito pudor. De acordo com Almeida (2007) as pesquisas

realizadas no âmbito da violência doméstica contra a mulher, até a década de

1990 era extremamente escassa.

Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (2001) em quase

todos os casos de violência, a mulher não pede ajuda, apontando também, que

os casos de denúncia pública são bem mais raros.

Diante deste quadro, de sujeição da mulher pelo homem, faz-se

necessário discutir o papel que a mulher desempenha, no qual, é culturalmente

reproduzido pela sociedade patriarcal, onde a mulher ocupa o espaço

privado/doméstico e o homem é responsável pela esfera pública/provedor.

Vale ressaltar que, não há um consenso referente ao conceito “violência

doméstica contra a mulher”. As autoras Saffioti e Almeida, defendem um

conceito mais amplo – violência de gênero – pautando-se nas relações

socialmente construídas. Esta é entendida como uma categoria que:

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(...) potencializa a apreensão das relações sociais (...) ao longo da história, vem sendo estruturados lugares sociais sexuados, a partir das dicotomias público X privado, produção X reprodução, político X pessoal e, em última análise, vêm sendo estruturadas as desigualdades sociais – são também uma categoria histórica. (ALMEIDA, 2007, 26)

A violência doméstica contra a mulher seria um dos possíveis resultados

das profundas mudanças que ocorreram nas últimas décadas no que se refere

ao papel da mulher na sociedade e na família. Cabe ressaltar que além da

instituição familiar ser considerada um lugar de proteção e afeto, tem sido

espaço de violação dos direitos da mulher, o que dificulta a publicização da

violação dos direitos da mulher.

Torna-se então, nosso objetivo principal compreender o fenômeno da

violência doméstica, e como os novos arranjos e rearranjos familiares em que a

família vem experimentando nos últimos tempos, tem impactado este

fenômeno, fomentando uma discussão referente aos mecanismo de defesa da

mulher vítima de violência doméstica, pontuando os avanços na luta para

assegurar os direitos concernentes aos sujeitos que estão com seus direitos

violados. Tendo como objetivos secundários, mas não de menor relevância,

conhecer como a categoria gênero foi socialmente construída, bem como, o

processo de construção das políticas de enfretamento e erradicação da

violência doméstica contra a mulher, e levantar as transformações que a família

passou nos últimos anos, considerando os novos arranjos e a diversidade da

família

Visando corresponder com os objetivos propostos, nossa metodologia

de pesquisa é de caráter essencialmente qualitativo.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994:22)

Essa investigação se dará através de pesquisa bibliográfica.

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a pesquisa bibliográfica como um procedimento metodológico importante na produção do conhecimento científico capaz de gerar, especialmente em temas pouco explorados, a postulação de hipóteses ou interpretações que ser- virão de ponto de partida para outras pesquisas. (MIOTO & LIMA, 2007: 44)

Este trabalho está estruturado em dois capítulos. O primeiro, intitulado

“Violência doméstica contra mulher: uma análise das relações de gênero”

aborda a categoria gênero como categoria socialmente construída, a sociedade

patriarcal, a violência doméstica contra a mulher na perspectiva de gênero e o

papel da família no fenômeno da violência.

No segundo capítulo que tem como título “Políticas de enfrentamento a

violência doméstica contra a mulher” centralizamos a discussão nos

mecanismos que proporcionaram a construção das políticas de enfrentamento

a mulher em situação de violência doméstica, dando relevância a Lei Maria da

Penha, resultado de ampla lutas de diversos segmentos da sociedade.

Cabe dizer, que este trabalho não possui pretensão de se esgotar aqui,

e sim ser um ponto inicial de partida para a construção de outros trabalhos,

objetivando o conhecimento e fomento para a elaboração de novas propostas

de intervenção a mulher vítimas de violência doméstica.

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CAPÍTULO I - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA

MULHER: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO

1.1 – Relações de Gênero

Iniciaremos este capítulo discutindo o conceito de gênero. Cabe

ressaltar que a palavra gênero não é utilizada somente para referenciar o papel

feminino, mas uma categoria socialmente construída para pensarmos os

papéis femininos e masculinos.

A partir dos anos 1990, com o impacto político do feminismo e de novas

perspectivas de analise, tornou-se mais freqüente o uso da categoria gênero,

passando a ser discutido nas universidades e instituições acadêmicas no

mundo e no Brasil.

Na concepção de Moraes:

A expressão relações de gênero, tal como tem sido utilizada no campo das ciências sociais, designa primordialmente, a perspectiva culturalista em que a categoria diferencia de sexo não implicam no reconhecimento de uma essência masculina ou feminina, de caráter abstrato e universal, mas, diretamente, apontam para a ordem cultural como modeladora de mulheres e homens. (MORAES, 1998: 100)

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Isto quer dizer que a denominação de homem não se determina a partir

da sexualidade biológica, mas a partir das relações estabelecidas em distintas

estruturas de poder. Neste sentido, a categoria gênero alerta para os riscos de

não naturalizar as relações que são inscritas na ordem social.

Na teoria Marxista são as classes sociais da luta pela apropriação e distribuição das riquezas sociais, que define o universo de possibilidades do individuo.No capitalismo, aqueles que nascem pobres, desprovidos dos meios de produção, vão ter que enfrentar o predomínio dos ricos, num mundo voltado para a produção do lucro.As classes sociais, assim como o gênero, são produtos da cultura e da historia. (MORAES, 1998: 100).

Ainda segundo a autora o feminismo contemporâneo alavancou uma

perspectiva feminista de análise que, principalmente em sua vertente marxista,

colaborou para compreensão das complexas dimensões de uma sociedade em

que a distribuição de poder obedece a hierarquias sexuais e de classe social.

Contudo, o uso da categoria gênero não é tão abrangente como o marxismo,

pois, não existe uma teoria feminista de igual alcance.

Segundo Saffioti:

O gênero é a representação de uma relação social : do pertencimento de um individuo a uma categoria social e da posição destes individuos face a outros grupos previamente constituídos. O gênero distribui os indivíduos pelas posições sócio-culturalmente significativas. Assim, não se trata apenas de uma construção sócio-cultural, mas também de um aparelho semiótico, ambos convergindo para a emergência de um conjunto de representações que atribuem significados aos membros de uma sociedade. (SAFFIOTI apud ALMEIDA, 1996: 4)

O gênero, baseado em Scott (1996), é um elemento constitutivo de

relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o

gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder. (SCOTT

apud ALMEIDA, 1996).

Para Lauretis (1996) esses valores podem variar de cultura para cultura,

mas estes sempre estarão ligados a fatores políticos e econômicos de cada

sociedade. Analisando estes aspectos o gênero é construído culturalmente,

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mesmo que em diferentes culturas, podem ser entendidos como

sistematicamente ligadas a organização da desigualdade social.

As concepções culturais de masculino e feminino como duas categorias complementares, mais que se excluem mutuamente, nas quase todos os seres humanos são classificados formam, dentre de cada cultura, um sistema de gênero, um sistema simbólico ou um sistema de significações que relaciona o sexo a conteúdos culturais de acordo com valores e hierarquias sociais (LAURETIS apud ALMEIDA, 1996: 4).

As leis mudaram, mas algumas atitudes ainda persistem, as mulheres

assumiram seu lugar na produção, mas os homens não assumiram a

reprodução, acarretando assim a chamada dupla jornada de trabalho feminino,

onde as mulheres acumulam responsabilidade pelas tarefas do lar assim como

o cuidado com os filhos. (MOREIRA, 1994)

A reprodução biológica ainda é considerada um assunto exclusivo das mulheres. Quando engravida, recai sobre a mulher o peso de ter a criança e arranjar os esquemas para suprir suas necessidades. Sintoma disso é a recusa do empresariado em atender as reivindicações por creches nos locais do trabalho. A recusa dos legisladores em apoiar medidas que possibilitem ao homem dar assistência à mulher no pós-parto. E a recusa da maioria dos homens em aceitar cumprir papéis elementares no trato da criança. (MOREIRA, 1994: 25).

A identidade é, antes de tudo, resultado de um processo histórico –

cultural. Nascemos como um definição biológica, ou seja, homens ou mulheres.

Estas definições sexuais se construíra uma identidade social para os

indivíduos, homens e mulheres. E essa identidade social será construída à

partir de elementos históricos, culturais, religiosos e psicológicos. (CARNEIRO,

1994: 187).

A autora sinaliza que isto tudo não seria problema se esta diferença não

fosse vista e vivida como inferioridade na cultura ocidental, “o que implica dizer

que a identidade feminina se explicitará sua diferenciação ao sexo masculino”.

(CARNEIRO, 1994: 187).

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Cabe ressaltar que o movimento feminista no Brasil e no mundo fez uma

revolta contra o processo de opressão, constituindo uma recusa a todos os

esteriótipos tradicionais que há sobre a mulher, dentre eles o mito da

fragilidade feminina, o confinamento das mulheres no âmbito doméstico e como

mera reprodutora da espécie humana. Com este movimento pode-se visualizar

uma aproximação de igualdade com o modelo de masculinidade.

A identidade feminina é hoje, antes de tudo, um projeto em construção que passa de um lado, pela desmontagem destes modelos introjetados de rainha do lar, do destino inexorável da maternidade, da restrição ao espaço doméstico familiar e o resgate de potencialidade abafado ao longo dos séculos de domínio da ideologia machista e patriarcal (CARNEIRO, 1994:168).

Ainda, para este autor, a identidade feminina enquanto projeto em

construção, é fundamentalmente o esforço de construção de plena cidadania

para mulheres.

Segundo a autora se homens e mulheres devem viver em igualdade no

mercado de trabalho, se desempenhar as mesmas funções, ainda será preciso

lutar para que a educação formal ministradas pelas escolas não mais

reproduza os esteriotipos que direcionam as meninas para as atividades

consideradas femininas, introduzindo matérias que desemboquem para um

tratamento igualitário a homens e mulheres.

Podemos perceber que em nossa sociedade homens e mulheres não

desempenham papéis iguais e que esta diferenciação se dá histórica e

culturalmente dando alento as classes dominantes

“a identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através de atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante precisão, os campos em que podem operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem”. (SAFFIOTI, 1987: 8)

De acordo com esta autora a mulher é responsável pela criação e

educação dos filhos, mesmo quando esta desempenha uma função

remunerada fora do lar. Esta mulher pode transferir esta a outrem como algum

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familiar desde que o seu sustento e dos filhos possam ser providos por ela e ou

para a “ajuda” nas despesas juntamente com o marido.

Estas atribuições dadas as mulheres tornam a vida da mulher mais difícil

na medida em que ela é responsável pelo espaço doméstico.

“Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço doméstico à mulher. A sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição do espaço doméstico à mulher decorre de sua capacidade de ser mãe. De acordo com este pensamento, é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, ai compreendida a socialização dos filhos, como é natural sua capacidade de conceber e dar à luz”. (SAFFIOTI, 1978: 9)

A autora enfatiza que diferentes culturas podem denominar maneiras

diferentes para o papel da mulher. A exemplo disso temos a experiência da

maternidade na cultura indígena, onde a mulher logo após o parto volta aos

seus afazeres e cabe ao pai o repouso, cuidar da criança e de sua

alimentação, este costume chama-se couvarde.

“Neste sentido específico de um fenômeno natural, formulado de diferentes maneiras por distintas sociedades, constituí sua dimensão social, cultural ou sociocultural. Rigorosamente, os seres humanos nascem machos e fêmeas. É através da educação que recebem que se tornam homens e mulheres.” (SAFFIOTI, 1987:10).

Saffioti (1987) analisa que a identidade social é socialmente construída,

se as mulheres modernas diferentemente das indígenas, dão a luz em

hospitais, é porque a sociedade brasileira hoje constituí desta forma a

maternidade. Assim esta função natural sofreu uma elaboração social.

É próprio da espécie humana elaborar socialmente fenômenos naturais. Por esta razão é tão difícil, senão impossível, separar a natureza daquilo em que ela foi transformada pelos processos socioculturais.(SAFFIOTI, 1987: 10).

Assim quando se afirma que é natural que o espaço doméstico seja

reservado à mulher, deixando o espaço publico para o homem, estamos

naturalizando um resultado da história.

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É de extrema importância compreender como a naturalização dos processos socioculturais de discriminação contra a mulher e outra categorias sociais constitui o caminho mais fácil e curto par legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos. (SAFFIOTI, 1987: 11)

A autora ainda ressalta que existe a tentativa de mostrar aos seres

humanos a ideologia da “inferioridade” feminina, denotando que mulheres são

menos inteligente que os homens.

“Mas a ciência já mostrou suficientemente que a inteligência constitui um potencial capaz de se desenvolver com maior ou menor intensidade, dependendo do grau de estimulação que recebe. Isto posto, não é difícil concluir sobre as maiores probabilidades de se desenvolver a inteligência de uma pessoa que freqüenta muitos ambientes, o que caracteriza a vida de homem, em relação a pessoas encerradas em casa durante grande parte do tempo, especificidade da vida da mulher. Do exposto pode-se facilmente concluir que a inferioridade feminina é exclusivamente social. (SAFFIOTI, 1987:14-15).

As relações de gênero são construídas historicamente. Não são

determinadas pelo ponto de vista biológico, mas principalmente pelos fatores

sociais e históricos.

Ainda, Saffioti (1987) enfatiza que atualmente quando nasce macho ou

fêmea, a eles são denominados papéis claramente distintos, a começar pela

distinção da cor de roupas que os bebes devem usar, até as escolhas

profissionais de acordo que farão ao longo da vida determinando seu

comportamento em sociedade, esferas de poder em que atuarão, tudo estará

definido pelos papéis de gênero.

O reforço destas ideologias de gênero encontra apoio nas instituições

como igreja, as escolas, as leis e as políticas, e isto faz a manutenção do

pensamento da educação diferenciada para meninos e meninas.

No decorrer da história de subordinação de gênero foi reservado a

mulher o papel de reprodução da espécie, tanto os naturais de reprodução

biológica como os de alimentar a família, manter a organização do lar, cuidar

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de idosos e doentes,assim como reproduzir valores e crenças as novas

gerações.

Além da função de procriar, a mulher passou a ser responsável também

pelo papel cultural da reprodução. O homem apesar de também ser

responsável pela reprodução da vida este foi gradativamente se esquivando

dessa função social, ficando assim prioritariamente responsável pela produção

de bens.

O patriarcado surgiu quando em determinado momento os papeis sociais sobrepujaram as funções naturais, e quando a produção de bens sobrepujou a reprodução da vida. Em vez de trabalhar para viver, as pessoas passaram a viver para trabalhar, iniciando o processo de acumulação de riquezas. Por mais que as sociedades se transformem, ainda persiste a subordinação de gênero, tanto na produção como na reprodução. Isto explica o fato de persistir subordinação das mulheres mesmo quando elas entram na esfera da produção (MOREIRA, 1994: 14-15).

Um fator de destaque, na visão desta autora, inicia-se na Era Industrial

onde o fenômeno da subordinação feminina tornou-se mais agudo. O

capitalismo industrial reforçou a divisão entre as duas esferas da vida, a

produção e a reprodução, separando-os como se não um obtivesse reflexo no

outro.

Para o capitalismo industrial a divisão dos seres humanos em classes sociais, grupos étnicos superiores e inferiores, brancos e negros, homens e mulheres era antes de tudo uma estratégica lucrativa. Ele circunscreveu às mulheres o papel da reprodução biológica e da força de trabalho. Para os homens a produção de bens e a reprodução social. (MOREIRA, 1994: 19)

De acordo com a autora, devido ao grande valor que se dá a produção

de bens feita pelos homens, levou-se a celebrar como superiores os valores

relacionados a ela, as conquistas, a competitividade e a agressividade. Devido

a estes valores, se dá a desvalorização da reprodução da vida, que é da

competência das mulheres já que estas são determinados por valores como à

passividade, à compaixão, e a regeneração.

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Segundo Moreira (1994), ao longo do tempo foi construídas relações de

subordinação da mulher pelo homem e passando de geração para geração,

cristalizando papéis diferenciados para a mulher e o homem, que contribuíram

para as relações de subordinação de gênero.

Moreira (1994) afirma também, que a subordinação da mulher segue os

mesmos passos da subordinação do homem no mundo do trabalho, quando

este vive a hierarquia do trabalho e no espaço doméstico reproduz esta relação

de poder. Esta imagem do homem chefe de família, ainda fica fortalecida na

memória das pessoas, porque mulheres mesmo quando são provedoras de

bens no espaço domestico, ainda deixam as grandes decisões para o homem.

Na organização social criada pelo capitalismo industrial as mulheres

continuam com o papel de procriar e manter a força de trabalho, mas se

marginalizam na produção, onde circulam o dinheiro e o poder de decisão, e

mais ainda na reprodução social, onde os recursos e a ideologia são

transmitidos de geração para geração¨. Ao longo da historia as mulheres, em

massa integram o mundo do trabalho, mas ainda em posição inferior a dos

homens. (MOREIRA, 1994)

Na produção, as mulheres se destinam majoritariamente às funções reprodutivas: são empregadas domésticas, professoras, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogas, como extensão das tarefas reprodutivas que realizam em casa. (MOREIRA, 1994: 22)

Isoladamente são os casos em que estas mulheres atuam em esferas de

tomada de decisões e remunerações condizentes. Em geral, para chegar a tais

postos, as mulheres têm que se qualificar mais que seus colegas do sexo

masculino.

De acordo com Moreira:

muita coisa mudou, ao nível de comportamento individual,em grupos sociais ainda restritos, homem e mulheres opinam,decidem compartilhar a vida em situação de completa reciprocidade, ou seja, com papeis sociais diferenciados, mas em igualdade de direitos e deveres.(MOREIRA, 1994: 22)

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Temos que ter um olhar além do espaço doméstico e suas relações,

embora seja de suma importância, é necessário perceber também a maneira

como a sociedade organiza a vida de homens e mulheres.

“Na realidade social o que se tem é a mulher sempre abaixo do homem e tratada em condições de subordinação. É sempre assim: uma relação que independe do homem, individualmente, ser bom ou ruim, da mulher ser submissa ou não”. (MOREIRA, 1994: 22).

De acordo com Sueli Carneiro:

Seja numa visão biológica, que define a mulher como inferior ao homem do ponto de vista da força física; seja numa visão religiosa que identifica a mulher como subproduto do homem, já que foi construída da costela do Adão; seja do ponto de vista cultural, que define um campo especifico para a atividade feminina e outro, privilegiado, para a atividade masculina, todos esses argumentos, na maioria pseudocientíficos, prestam-se a construir uma identidade negativa para a mulher e, assim, justificar os diversos níveis de subordinação e opressão a que as mulheres estão submetidas e a promover, nelas, a aceitação de um papel subordinado socialmente. (CARNEIRO, 1994: 188).

Como referenciamos acima, a categoria gênero se refere a homem e

mulher, mas as análises nem sempre se utilizam de tal categoria, reverenciam,

em sua grande maioria, a mulher.

1.2 – A Violência Doméstica Contra a Mulher na Perspectiva de

Gênero

A Conferência de direitos humanos de 1993 gerou uma definição oficial

das Nações Unidas sobre a violência contra a mulher: Todo ato de violência de

gênero que resultem em, ou possa resultar em dano ou sofrimento físico sexual

ou psicológico a mulher; incluindo a ameaça de tais atos, a coerção ou a

arbitraria da liberdade, tanto na vida publica como na vida privada.(DANTAS &

GIFFIN, 2005)

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Segundo Pitanguy (2007) ao tratarmos da temática da violência, é

necessário considerar as características estruturais da sociedade, as

conjunturas políticas e econômicas, os valores culturais e a própria dinâmica

que se estabelece entre os diferentes atores sociais que respondem, em

grande parte, pela construção do campo da violência.

De acordo com Garbin (2006) a percepção social da violência contra a

mulher é histórica e neste sentido, ao longo dos séculos, vem se transformando

em função de luta política das mesmas. Essa luta desnaturalizou esse tipo de

violência, tornando-a visível e, mais recentemente, qualificando-a como

violação de direitos humanos e como comportamento criminal, devendo ser

encarada justamente desta maneira pelos profissionais que lidam com essas

vítimas.

Apesar de historicamente e culturalmente a mulher desempenhar um

papel de submissão ao homem, várias tem sido as mudanças, principalmente,

pela inserção da mulher no mercado de trabalho.

Através de uma constante evolução, as mulheres vêm ocupando cada vez mais posições sociais que eram exclusivamente masculinas, porem a violência contra elas continua como um grave problema de saúde publica. (GARBIN, 2006: 2567).

Para Almeida (2003) verifica-se tanto no debate acadêmico quanto na

elaboração de políticas e também nas práticas sociais, a utilização, com

sentido equivalente, de distintas expressões de violência contra a mulher, a

violência doméstica, a violência intra-familiar e violência de gênero. Os diversos

significados dessa categoria contem implicações teóricas e práticas.

A autora Almeida (2003) realiza uma abordagem de definição e

conceituação desses tipos de violência.

A violência domestica se define na esfera privada, que historicamente na

dimensão da vida social é contraposta ao público e ao político. A violência de

gênero acontece em um contexto de relações socialmente construída, portanto

seu espaço de produção é societal. (ALMEIDA, 2003)

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O Ministério da Saúde assim define a violência intrafamiliar ¨... é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consangüinidade, e em relação de poder à outra. Acrescenta que o conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se constrói e efetua. Distingue a violência intrafamiliar da violência domestica esta inclui... Outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no espaço domestico. (ALMEIDA, 2003: 2)

Segundo a autora, parece clara a incompletude conceitual de todas as

formulações. Entretanto, a autora centra suas análises utilizando a categoria

violência contra a mulher, entendendo que o foco preferencial de determinada

modalidade de violência é a mulher.

Em prol da categoria violência domestica, pode-se enfatizar que o processo de oculta mento da violência perpetuada no espaço protegido da casa guarda intrínseca relação com a naturalização dessa forma de violência – facilmente mesclada ou superposta ao disciplinamento vinculado a praticas de socialização – e com a sua cronificaçao, potenciada por um espaço simbolicamente estruturado, tendo como corolário a escalada da impunidade. (ALMEIDA, 2003: 3)

De acordo com Almeida (2003) a categoria violência intrafamiliar e

violência doméstica, desvendam e desmistificam o caráter sacrossanto da

família e da intocabilidade do espaço privado. Revelando o lado violento que a

família pode apresentar, a despeito dos laços de afeto, e que a esfera privada

não é isenta de regulação pelo poder publico. Ao contrário não há uma união

entre as esferas pública e privada, o que se revela positivamente é a

perspectiva de assegurar direitos.

A autora pontua ainda, que a categoria gênero é o único qualificativo da

violência, dentre as designações anteriormente citadas, que ultrapassa o

caráter descritivo. Com efeito, gênero apresenta dupla dimensão categorial, é

analítica e histórica. Para um melhor entendimento podemos dizer que gênero

não se constitui um campo especifico de estudo, mas potencializa a apreensão

da complexidade das relações sociais, em nível mais abstrato, portanto é uma

categoria analítica. Isto porque as relações de gênero apresentam-se como um

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dos fundamentos da organização da vida social, visto que ao longo da história

vem sendo construído lugares sociais sexuados, materializados a partir da

dicotomias entre publico e privado, produção e reprodução, político e pessoal

relações estas que estruturam as desigualdades sociais – portanto, gênero é

também uma categoria histórica.

A utilização da categoria violência de gênero, também marcada pela incompletude, apresenta o risco adicional de ter um caráter tão abrangente que, sendo aplicável a uma multiciplicidade de fenômenos e de descrições, deixe escapar as particularidades das relações de exploração, e dominação que se exercem nas relações íntimas. O seu risco é de trasbordamento, não de limitação. Não obstante permite entender a violência no quadro das desigualdades de gênero. (ALMEIDA, 2003: 5)

A violência de gênero só se sustenta em um quadro de

desigualdades de gênero. Integram assim o conjunto de desigualdades sociais

estruturais, que se expressam no marco do processo de produção e

reprodução das relações fundamentais – as de classe, étnico-raciais e de

gênero. (ALMEIDA, 2003).

De acordo com a autora citada as desigualdades de gênero são

fundadas a partir de concepções dominantes de feminilidade e masculinidade,

que materializam através de disputas simbólicas e materiais. Essas

desigualdades se manifestam nas instituições cuja funcionalidade no processo

de reprodução social é incontestável, marcadamente na família, na escola, na

igreja, nos meios de comunicação e materializadas, ainda nas relações de

trabalho, no quadro político-partidário, na divisão sexual do trabalho operada

nas diversas esferas da vida social e também nas distintas organizações da

sociedade civil.

É neste espaço e práticas que vão se produzindo, reatualizando e naturalizando hierarquias, mecanismos de subordinação, o acesso desigual às fontes de poder e aos bens materiais e simbólicos. É também nesse registro que vai se consolidando, para a mulher, a jornada extensiva de trabalho, a maior superposição de tempos e espaços nas dimensões publica e privada da vida, as menores possibilidades de investimento em qualificação, as maiores cobranças quanto a sua responsabilidade na reprodução familiar. (ALMEIDA, 2003: 7)

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Segundo Almeida este processo macro e micropolítico, vão se

desenvolvendo na sociedade ou em relações pessoais. Não há lugar para

distinção entre violência estrutural e violência interpessoal, e, portanto,

vitimação e vitimização. Assim podemos dizer que os sujeitos, suas

representações, seus referenciais, e seu reconhecimento social são

construídos a partir de sua inserção nas relações estruturadas do ser social.

Esse processo cuja eficácia está diretamente hipotecada a sua possibilidade de imersão na cotidianidade das nossas vidas, nos pequenos gestos, nas disputas doméstica miúda, nos corriqueiros conflitos de trabalho, assim como o grau de justificação e aceitação dos mecanismos de heteronomia que vão se produzindo. A violência de gênero, gerada no interior de disputas pelo poder em relações íntimas, visa a produzir a heteronomia, a potencializar o controle social e, em ultima analise, a reproduzir a matriz hegemônica de gênero na sua expressão macroscópica.( ALMEIDA 2003: 7)

Conforme Almeida (2003) a violência de gênero, do ponto de vista

relacional, é constituída em bases hierarquizadas, com o objetivo nas relações

entre os sujeitos inseridos em relações de desigualdades na vida social e

familiar. Enquanto a categoria feminina for subjugada, a violência de gênero

produzirá preferencialmente vítimas mulheres. Na medida em que homens e

mulheres se apropriam e intervêm contraditoriamente nessas relações, em

escala bastante reduzida, a violência de gênero pode também vitimizar

homens.

A autora aponta que a violência física não se mantém sem a violência

simbólica. Esta se fortalece e legitima para as ações/relações de força.

Na violência de gênero em relações intimas, a dimensão simbólica é potenciada, por ser o problema circunscrito a um espaço fechado, ambíguo, fortemente estruturado no campo axiológico e moral, no qual as categorias de conhecimento/reconhecimento do mundo contêm tendencialmente, maior peso emocional do que cognitivo. (ALMEIDA 2003)

Para Almeida (2003) sem a pretensão de separar emoção e razão,

sabendo-se que a primeira pode potencializar a segunda, chama-se a atenção

para o fato de que a sobreposição da emoção, da mesclagem do medo, da dor,

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da culpa, da vergonha, da raiva, da indignação, do afeto à razão no movimento

de apreensão do mundo, sobretudo se o sujeito estiver vivendo densas

relações de poder e de violência, dificulta o vislumbramento da situação e de

possíveis saídas.

A violência de gênero (sobretudo a restrita á dimensão simbólica ), uma vez instalada no seio de relações familiares, tende a se reproduzir de forma ampliada, sob o olhar complacente da sociedade, do poder publico e dos técnicos envolvidos neste campo, prescindindo de justificativas para seu exercício cotidiano contra suas vítimas preferenciais. (ALMEIDA, 2003: 10)

Almeida (2003) ressalta que se a violência abre caminho para a maior

efetivação da dominação, e reintera-se que não se dirige a seres passivos, mas

àqueles que se opõem com resistência, a sua contínua reprodução de

submissão, fragiliza sobremaneira a auto-estima dos seus protagonistas.

Provoca sintomas psicossomáticos e à crescente passividade das suas vítimas.

A passividade é a consequência e não causa da violência de gênero

institucionalizada.

Para Garbin (2006) dentre as ocorrências de violência contra a mulher

mais freqüentes de agressões estão a lesão corporal dolosa e os maus tratos,

estas podem se apresentar de diversas formas :agressões físicas (socos,

chutes, tapas, violência sexual) ou agressões com qualquer tipo de objeto que

possa machucar ou prejudicar a saúde da pessoa.

A lesão corporal pode ser de natureza leve ou grave conforme prevê o Código Penal Brasileiro. A lesão corporal leve é aquela que não causa grande ofensa à integridade corporal, embora, deixe também um trauma psicológico muito grande. É considerada lesão corporal grave, conforme art.129 do Código Penal Brasileiro, a agressão que resulta na a incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração de parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilizarão de membros, sentido ou função, deformidade permanente, ou aborto. as mulheres maltratadas têm sua saúde prejudicada tanto pelas lesões resultantes do espancamento, quanto por desenvolverem dores crônicas, depressão e baixa auto-estima, causas que muitas vezes levam-nas ao suicídio. As conseqüências da violência contra a mulher refletem desequilíbrios em todas as esferas da sociedade: econômica, emocional e familiar. (GARBIN, 2006: 2568-2569)

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Para Klevens (2006) este tipo de violência não só causa danos físicos e

psicológicos para as mulheres, mas também implica riscos à saúde de seus

filhos, já que a criança ao presenciar a violência contra sua mãe poderá sofrer

depressão, ansiedade e retardos em seu desenvolvimento. Daí a importância

de se encarar essa questão como problema de saúde pública. (KLEVENS apud

GARBIN, 2006)

Para Berger & Giffin (2005) a tradição patriarcal por muito tempo

consentiu num certo padrão de violência contra mulheres, dando ao homem o

papel ativo nas relações sociais e sexuais entre os sexos, restringindo a

sexualidade feminina à passividade e à reprodução. O homem como provedor

e a mulher com a dependência financeira, parecia explicar a aceitação de seus

deveres conjugais, que incluíram o serviço sexual.

O controle cotidiano da sexualidade feminina nas sociedades de tradição patriarcal acompanhou a ascensão da ideologia da família nuclear, que passou a funcionar com um dos principais meios de organizar as relações sexuais entre os gêneros. (BERGER & GIFFIN, 2005: 418)

Segundo Berger & Giffin (2005) algumas teóricas feministas apontaram

uma associação direta entre a sexualidade e a situação de opressão e

desigualdade: “a objetivação sexual é o processo primário de sujeição das

mulheres; o controle da sexualidade é o método por excelência do controle

cotidiano das mentes e corpos das mulheres nas culturas patriarcais”.

Berger & Giffin (2005) referem que nos últimos trinta anos houve uma

significativa inserção da mulher no mercado de trabalho remunerado e no

orçamento familiar, juntamente a aceitação social da atividade social da

atividade sexual feminina e não-reprodutiva e fora do casamento. Essas novas

representações femininas, em termos positivos indicam a independência

destas mulheres, o controle de fecundidade, a autonomia sexual e social, que

mostra que estamos perante uma transição de gênero.

Associa a visibilidade contemporânea das diversas categorias da violência sexual ao imperceptível nascimento de uma nova visão do sujeito e da intimidade. A mudança na percepção da violência sexual contra mulheres, ao passar a ser visto como crime focaliza e valoriza

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atos até então desprezados, ¨uma massa de gestos transgressores se impõe ao olhar, não porque sejam novas, mas porque são observados de outro modo ¨. (VIGARELLO apud DANTAS & GIFFIN, 2005: 419)

Isto denota mudanças nos perfil feminino que implica um outro olhar nas

relações sociais entre homens e mulheres e na abordagem da situação de

violência sexual, onde a mulher sustenta, ainda que de forma ambivalente, uma

posição de sujeito e não de objeto nas relações sexuais que vivencia.

Nolasco (2005) conclui que o homem nesta situação, tendo perdido a

base anterior de sua identidade de gênero, mas sem palavras para nomear o

novo, reage com violência. (NOLASCO apud DANTAS & GIFFIN, 2005)

Giddens (2005) considera esta situação como relacionada “à derrocada

da ordem patriarcal” é possível que boa parte da violência que os homens

praticam hoje contra a mulher, não seja apenas a persistência do velho

sistema, e, sim uma incapacidade ou recusa de adaptar-se ao novo. Ou seja,

não é apenas a continuação do patriarcado tradicional, mas uma reação contra

a sua derrocada. (GIDDENS apud DANTAS & GIFFIN, 2005)

A violência é um dos fenômenos mais preocupantes em nossa

sociedade contemporânea. Estudar e pensar a violência implica em pensar os

moldes da sociedade moderna, com a idéia de que com a expansão da

violência, em suas diversas manifestações, acarreta na violação dos direitos

inerentes a pessoa humana.

Para uma melhor análise da violência doméstica contra a mulher,

consideramos necessário conhecer alguns conceitos de diferentes autores do

termo violência.

Mazuim (2007) faz um resgate sobre diferentes conceitos de violência na

visão de alguns autores: Ferreira (1975), Fraga (2002), Wievioka (1998),

Riches (1988), Santos (1995).

Ferreira considera que a violência é o constragimento físico ou moral

que possa sofrer uma pessoa. Fraga conceitua a violência original como a

violência dos primatas, aquela praticada como uma necessidade incontornável

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no processo de luta pela sobrevivência. Wieviorka a define como a “expressão

desumanizada do ódio, da destruição do outro, tende a barbárie dos

purificadores étnicos ou dos erradicadores”. Riches defende que a violência é

uma transgressão a ordem social, desrespeito aos valores e expectativas de

reciprocidade na sociedade. Santos caracteriza a violência como uma relação

social inegociável, uma vez que, atinge as condições de sobrevivência,

materiais e simbólicas, daquele percebido como desigual pelo agente de

violência.

Faleiros (2004) também traz uma contribuição para pensarmos

analiticamente as diversas dimensões da violência .

Este autor defende que

“A violência é um processo social relacional complexo e diverso. É complexo por envolver tanto o contexto social mais geral como as relações particulares entre as pessoas, ao mesmo tempo diverso, em suas manifestações familiares, individuais, coletivas, no campo e na cidade, entre os diferentes segmentos, atingindo tanto o corpo como a psique das pessoas” (FALEIROS, 2004: 8).

Para Dadoun a violência é inerente à natureza humana e à constituição

da sociedade, postulando que violência se responde com violência (DADOUN

apud FALEIROS, 2004).

Faleiros (2004) resgata a discussão de Hobbes que define a violência

como um estado de natureza, afirmando que o homem é lobo do homem, de

que há guerra de todos contra todos.

Girard aponta que a violência tem uma saída sacrificial na religião,

através dos bodes expiatórios. Assassinato e sacrifício são aparentados,

levando o ser humano a buscar substitutivos para violência, como uma válvula

de escape que serve de medicação entre o sacrificador e a divindade.

(GIRARD apud FALEIROS, 2004).

“cada um vê no outro o usurpador de uma legitimidade que pensa defender que não pára de enfraquecer. Nada pode ser afirmado ou negado a respeito de um dos adversários que não deva ser imediatamente afirmado ou negado sobre o outro. A todo momento, a

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reciprocidade é alimentada pelos esforços que cada um dispende para destruí-la.” (GIRARD apud FALEIROS, 2004: 11)

Engels defendia que “os entraves à mudança é que geram violência,

pois toda mudança social das condições de produção acontecerá num

processo contraditório, e se houver travas a esse processo haverá uma

violência para se desvencilhar delas”. (FALEIROS, 2004: 9).

Faleiros sustenta ainda, que o troco tornou-se socialmente banalizado,

apontando que está presente em muitos filmes, na TV, refletindo a ordem

mundial hegemônica em que vence aquele que levar vantagem no troco.

Essa ordem aparece legitimada e não percebida, assim, naturalizada pelo não olhar sobre o paradigma das relações presentes num castigo, numa revolta, num linchamento, mantendo-se a lógica da ordem ao invés de uma lógica da justiça. Na consideração da ordem dominante, a violência anula o conflito, a relação de disputa clara. Quando não detona o outro simplesmente, nega o conflito subjacente na relação, nega a divergência e as pressões da divergência e da diferença. Mantém-se a violência em nome da ordem, sem que se questione a própria ordem. (FALEIROS, 2004: 12).

Deste modo, podemos considerar, em consonância com Faleiros (2004)

“que a violência implica relações desiguais de vida e de poder que negam a vida, a autoridade legítima, a diferença, destroem a tolerância, transgridem o pacto social de convivência ou legal, violam direitos, negando-se o outro e a construção de uma relação mediada, implicando prejuízos materiais, morais ou de imagem, ou a morte do outro, em função de aumento de vantagens para si ou de manutenção de uma estrutura de desigualdade” (FALEIROS, 2004: 12).

Assim, a violência não pode ser reduzida nem tão pouco naturalizada.

Como sabemos, ao longo da história da humanidade a violência se manifestou

e se manifesta através de guerras, agressões, entre outros, tendo como

conseqüência diversos danos e perdas, contrariando a lógica de uma

sociedade pautada na afirmação dos direitos, na democracia e justiça social.

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1.3 – Família e seu papel no fenômeno da violência Partimos do pressuposto de que a violência seria um dos possíveis

resultados das profundas mudanças que se processam nas últimas décadas

nas atribuições da mulher na sociedade e na família, levando-nos a refletir

sobre as mudanças processadas na atual conjuntura.

A temática que envolve violência doméstica contra a mulher é um tema

polêmico e permeado de reservas, ainda é visto, geralmente, sob o prisma

privado. A dicotomia público/privado é de extrema relevância no estudo sobre

tal fenômeno, uma vez que há poucos registros em bancos de dados referente

a violência doméstica contra a mulher, logo não há publicização deste

fenômeno. Um dos fatores preponderantes para este fato, é a visão da família

como um lugar sagrado.

Ainda temos a imagem de uma família composta por mãe, pai e filhos,

vivendo em uma casa. Este modo é o da família nuclear burguesa. E quando a

família não adota este padrão é considerada, desestruturada, colocando em

cena a família, não as relações interpessoais. Áries (1975) nos relata que a

família, até o século XV “era uma realidade moral e social, mais do que

sentimental.” (ARIÈS, 1975:231)

Devido o surgimento da escola, da privacidade, a manutenção das

crianças junto aos pais e o sentimento de família potencializado pelas

instituições, inclusive a Igreja, no início do século XVIII começa-se a delimitar a

família nuclear burguesa.

De acordo com Áries (1975) no século XIX, na Europa, a população

mais pobre e numerosa vivia como famílias medievais, com as crianças

afastadas da casa e dos pais. Mas, com o tempo, “a vida familiar estendeu-se a

quase toda a sociedade, a tal ponto, que as pessoas esquecera m de sua

origem aristocrática e burguesa.” (ARIÈS, 1975:271)

Aceitaram como verdade, os valores, normas e padrões, numa

relação pautada na subordinação e poder, no qual a autoridade masculina sob

a mulher prevalece, mantendo relações desiguais, além do espaço público

pertencer ao homem e da mulher ao privado. Assim, a família, como as demais

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instituições sociais, é histórica e socialmente construída, aceitando os seus

valores, regras, crenças e padrões.

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CAPÍTULO II – POLÌTICAS DE ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

2.1 – As contribuições do Movimento Feminista

Como vimos no capítulo anterior, às relações de poder estabelecidas

pelo sistema patriarcal colocou o sexo feminino, em condição de inferioridade

em relação ao masculino. Cabe destacar ainda, o que a autora Saffioti discorre

como três categorias de dominação indissociáveis – patriarcado, raça e classe

social, onde o patriarcado é o sistema mais antigo de dominação-exploração.

A sociedade não comporta uma única contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe. Com efeito, ao longo da história do patriarcado, este foi-se fundindo com o racismo e, posteriormente, com o capitalismo, regime no qual desabrocharam, na sua plenitude, as classes sociais. Acham muitos que a opressão (exploração-dominação) não só das mulheres, mas também delas, era muito mais aguda no passado remoto. O capitalismo teria aberto as portas do mundo do trabalho para a mulher. Não foi nem é assim. O capitalismo abriu as portas sim, mas do emprego, pois as mulheres já trabalhavam, havia muito tempo, mais que os homens. A realidade social é contraditória, comportando avanços e retrocessos. (SAFFIOTI, 2000: 73)

Esta perspectiva assinalada por Saffioti (2000) postula que a sociedade

patriarcal, em que o sistema capitalista se sustenta, denota que o homem deve

dominar a mulher e ela se submeter ao poder do macho. “Dada sua formação

de macho, o homem julga-se no direito de espancar sua mulher. Esta, educada

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que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma este destino como

natural” (SAFFIOTI, 1987: 79).

Esta mesma autora considera que estas categorias, coloca como

principal beneficiado o homem rico, branco e adulto. Com isso, a mulher, pobre

e negra carrega historicamente a naturalização das diferentes manifestações

de violência, assim como, sendo anulado os direitos fundamentais do ser

humano.

É a partir desta análise, que pretendemos iniciar uma breve discussão

sobre as organizações feministas, como um mecanismo de fazer com que as

mulheres reivindiquem os seus direitos negados há milênios, em condição de

subalternidade em relação ao homem.

De acordo com Saffioti (2000) Simone de Beauvoir foi à precursora dos

estudos de gênero, no qual influenciou várias partes do mundo, com a

publicação de seu livro “Segundo Sexo”, em 1949, no qual cita uma frase

celebre “não se nasce mulher, torna-se mulher”, demonstrando que ser homem

ou ser mulher vai depender da aprendizagem, da socialização que receberam,

não necessariamente pelo sexo.

“Essa frase, na verdade, reúne o único consenso que existe entre feministas a respeito de gênero. Todo mundo diz: gênero é uma construção social. Muitas vezes, porém, quem diz não sabe o que isso significa; mas todo mundo está de acordo que o gênero não é biológico, que ele é social. Esse é o único acordo; não existe consenso sobre mais nada; cada uma pensa o gênero de uma maneira diferente: umas são pós-modernas, outras são humanistas, outras partem da diferença sexual, outras são indiferentes à diferença sexual, enfim, há feminismos, teorias feministas e não ‘a teoria feminista’, não ‘o feminismo’ no singular. A liberdade de pensar quando não se tem modelo - isso é o que acontece - é muito saudável; cada pessoa tem a liberdade de pensar o que bem entender e depois, quem sabe, quando essas idéias amadurecerem, haverá um corpo mais coeso de teorias ou, então, talvez uma teoria feminista.” (SAFFIOTI, 2000)

Uma outra frase, de acordo com Almeida (1998) que movimentou o

feminismo, foi “O pessoal é político”, defendida por feministas radicais, no início

da década de 1970, nos EUA, sendo incorporada pelo movimento feminista a

nível internacional, transformando-se em importante bandeira de luta. Tinham

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como finalidade abordar que os problemas vividos por mulheres de

nacionalidades, culturas, religiões, classes, etnia, possuem raízes comuns, ou

seja, não são individuais nem privadas.

“O pessoal é político é uma frase que subverte a lógica do espaço político clássico e que exige a reinvenção de novas bases para fazer política, a partir de temas considerados marginais, conferindo-lhes, no entanto, a centralidade necessária para romperem o anonimato” (ALMEIDA, 1998: 52).

Ainda, esta autora destaca que feministas do mundo inteiro começam a

fomentar estas raízes, “organizando debates e pesquisas, trocando reflexões,

aprendendo a identificar o campo de lutas e os adversários” (ALMEIDA, 1998:

52).

Costa (2005) defende que o feminismo mudou de perfil, além de

sustentar que o movimento feminista brasileiro alinha-se ao movimento

internacional, entretanto, sob novas dinâmicas.

O feminismo ressurge no contexto dos movimentos contestatórios dos anos 60, em torno da afirmação de que o pessoal é político, pensado não apenas como uma bandeira de luta mobilizadora, mas como um questionamento profundo dos parâmetros conceituais do político. Vai, portanto, romper com os limites do conceito de político, até então identificado pela teoria política com o âmbito da esfera pública e das relações sociais que aí acontecem. Isto é, no campo da política que é entendida aqui como o uso limitado do poder social. Ao afirmar que “o pessoal é político”, o feminismo trás para o espaço da discussão política as questões até então vistas e tratadas como específicas do privado, quebrando a dicotomia público-privado base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da política e do poder político. O movimento resignificou o poder político e a forma de entender a política ao colocar novos espaços no privado e no doméstico. Sua força está em recolocar a forma de entender a política e o poder, de questionar o conteúdo formal que se atribuiu ao poder a as formas em que é exercido. Distingue-se dos outros movimentos de mulheres por defender os interesses de gênero das mulheres, por questionar os sistemas culturais e políticos construídos a partir dos papeis de gênero historicamente atribuídos às mulheres, pela definição da sua autonomia em relação a outros movimentos, organizações e o Estado e pelo princípio organizativo da horizontalidade, isto é, da não existência de esferas de decisões hierarquizadas (ALVAREZ apud COSTA, 2005: 1).

No final da década de 1970 e no decorrer da década de 1980, o

movimento feminista brasileiro mobilizou-se com o tema “Quem ama não

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mata”, em decorrência dos assassinatos de mulheres de camadas médias,

culminando com a organização deste segmento da sociedade na luta pelo

combate de violência contra a mulher.

Durante os anos 1980 as feministas mostraram capacidade de

organização e articulação colocando na agenda internacional, pontos em

comuns, além de criar outros mecanismos de expansão na defesa dos direitos

das mulheres.

A década de 1980 foi rica em experiências inovadoras, articuladas por feministas e mulheres organizadas em diferentes movimentos, que resultaram na constituição, fragmentada e improvisada, de uma agenda nacional de combate à violência contra a mulher. Foi uma década que viu renascer as esperanças da população brasileira, notadamente das categorias e frações de classe excluídas política e economicamente (ALMEIDA, 1998: 9).

Durante este período da história brasileira, as feministas começavam a

ver os frutos de suas lutas, juntamente com outros setores de esquerda pela

anistia a presos políticos.

(...) lideranças banidas do cenário político nacional voltavam à arena pública após terem amargado anos de exílio e incertezas, o que significava ampliação dos interlocutores e possibilidades de esclarecimento de novas alianças; e mulheres exiladas ou que partilharam o exílio com seus companheiros também retornavam convertidas pelo feminismo europeu contribuindo para imprimir um novo colorido às organizações locais (ALMEIDA, 1998: 10).

O movimento feminista brasileiro, desde sua constituição, teve a

compreensão da importância do processo legislativo, uma vez que sua

cidadania era tolhida (BASTERD, 2007).

De acordo com Basterd (2007), os tratados, convenções e conferências

internacionais além de denunciar as violações de direitos humanos das

mulheres, sobretudo as violências de toda espécie humana, produziram grande

repercussão positiva na legislação brasileira.

Vale ressaltar aqui, a importância da IV Conferência Internacional da

Mulher, que ocorreu em Beinjin, no ano de 1995, no qual, obteve maior

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relevância mundialmente. Nesta conferência, foi reivindicado que os governos

adotassem medidas concretas para a igualdade de gênero, bem como, para a

sua efetivação.

Os direitos da mulher são direitos humanos. (...) Garantir a todas as mulheres e meninas todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, e tomar medidas eficazes contra as violações desses direitos e liberdades (DECLARAÇÃO DE BEIJIM, 1995).

Desta forma, o Estado assume a responsabilidade de implementar

políticas públicas que tenham como foco de ação as mulheres, bem como a

garantia de igualdade de gênero e a consolidação da cidadania, com objetivo

de romper com a injustiça de inferioridade e subalternidade da mulher.

2.2 – Políticas de Enfrentamento à violência contra a mulher

A partir da década de 1980, as demandas das mulheres que

contemplem em suas necessidades, o enfrentamento da violência de gênero,

passam a ser demandas de políticas públicas.

A Constituição Federal (CF) de 1988 foi um marco no processo de

redemocratização do país, no qual instituiu e consolidou avanços significativos

na ampliação dos direitos das mulheres e no estabelecimento das relações de

gênero mais igualitárias. A CF reconheceu a igualdade de direitos entre de

homens e mulheres, na vida pública e privada.

A busca pela igualdade e o enfrentamento das desigualdades de gênero

fazem parte da história do país. Mulheres têm lutado por relações iguais de

poder para construção de uma sociedade de igualdade.

“igualdade entre homens e mulheres, que respeite as diferentes orientações sexuais; igualdades raciais e étnicas, que façam com que as diferenças de cor e origem também sejam apenas uma expressão da rica diversidade humana; igualdade de oportunidades para todas as pessoas” (PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2004).

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A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) foi criada

em 2003, com status de ministério e inaugurou um novo momento da história

do Brasil no que se refere à formulação, coordenação e articulação de políticas

que promovam a igualdade entre mulheres e homens.

Com a realização da I Conferência Nacional de Políticas para as

Mulheres (CNPM), em 2004, iniciou-se o processo de construção do Plano

Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). Este plano foi resultado de

ação coletiva, pois contou com a participação de mulheres de todo o país

através de plenárias municipais e/ou regionais e as Conferências Regionais,

além de expressar o papel fundamental do Estado como promotor e articulador

de ações políticas que garantam um Estado de Direito, bem como a

necessidade do diálogo permanente da sociedade e organizações para a

construção destas políticas.

“A PNPM visa construir a igualdade e equidade de gênero, considerando todas as diversidades. As mulheres são plurais, e as políticas propostas devem levar em consideração as diferenças existentes entre elas (...) Esta política assume como pressuposto que a definição dos papéis sociais de homens e mulheres é uma construção histórica, política, cultural e um componente estrutural das relações sociais e econômicas e almeja, coerentemente, o rompimento da visão corrente, que rebaixa, desqualifica e discrimina a mulher e seu papel em nossa sociedade” (PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2004: 31)

A Política Nacional para as Mulheres orienta-se pelos seguintes

princípios:

• Igualdade e respeito à diversidade;

• Eqüidade;

• Autonomia das mulheres;

• Laicidade do Estado;

• Universalidade das políticas;

• Justiça social;

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• Transparência dos atos públicos;

• Participação e controle social.

Cabe dizer que, para a consolidação destes princípios é necessários que

as três esferas do governo e a sociedade sejam parceiras nessa caminhada,

bem como, os mecanismos existentes no país referente à consolidação e

ampliação dos direitos da mulher, em todas as suas representações.

As ações do PNPM foram direcionadas a partir de quatro linhas de

atuação, pois foram consideradas as mais importantes e urgentes para

garantir, de fato, o direito a uma vida melhor e mais digna para todas as

mulheres.

• Autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania;

• Educação inclusiva e não sexista;

• Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos

reprodutivos;

• Enfrentamento a violência contra as mulheres.

Até 2004, no Brasil, não havia nenhuma garantia contra a violência

doméstica. A consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência

contra as Mulheres (PNEVCM), em 2003, foi cristalizada a partir do (PNPM), o

que representou uma mudança na forma de intervenção do Estado no combate

à violência, especialmente pela definição de sua responsabilidade central no

enfrentamento a este fenômeno.

Com a elaboração e implementação da (PNEVCM), o Brasil consegue

garantir ações destinadas à prevenção, à assistência e à garantia dos direitos

da mulher em diversos campos, de forma integrada com as políticas

intersetoriais, com a finalidade de romper com o ciclo da violência.

Em 2007, ocorreu a II Conferência Nacional de Políticas para as

Mulheres, culminando com o lançamento do Pacto Nacional pelo

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Enfrentamento à Violência contra as mulheres, objetivando o enfrentamento de

todas as formas de violência contra a mulher, durante quatro anos (2008-2011).

(...) o Pacto Nacional desenvolverá políticas públicas amplas e articuladas, direcionadas, prioritariamente, às mulheres rurais, negras e indígenas em situação de violência, em função da dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior vulnerabilidade social. Serão implementadas ações nas mais diferentes esferas da vida social, por exemplo, na educação, no mundo do trabalho, na saúde, na segurança pública, na assistência social, entre outras. (PACTO NACIONAL PELO ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA ÀS MULHERES, 2008: 7).

O pacto nacional tem como objetivos: reduzir os números de violência

contra as mulheres; disseminar uma cultura de igualdade e valores éticos, bem

como, o respeito às diversidades de gênero e valorização da paz; além de

prever a garantia e proteção aos direitos das mulheres em situação de

violência.

Dentro do pacto nacional, temos estabelecido quatro áreas principais de

ação: a consolidação da PNEVCM, incluindo a Lei Maria da Penha; promover o

combate contra a exploração sexual, assim como, ao tráfico de mulheres;

validação dos direitos humanos as mulheres em situação de prisão; e

promoção dos direitos sexuais e reprodutivos e enfrentamento à feminização

da AIDS.

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as mulheres

consolida a Política Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres,

além de contribuir para o fortalecimento da implementação da Lei Maria da

Penha (Lei nº 11.340/2006) de 7 de agosto de 2006, reconhecendo a gravidade

da violência doméstica e familiar, em particular a violência doméstica contra a

mulher.

2.3 – A Lei Maria da Penha

Até a instituição da Lei Maria da Penha, a legislação brasileira não

atendia de forma satisfatória a realidade das mulheres submetidas às

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diferentes formas de violência. De acordo com o balanço das ações de 2006-

2007, até então, os crimes realizados contra a mulher, eram julgados pelos

Juizados Especiais Criminais (Jecrins), tratados da mesma forma que delitos

no trânsito, sendo considerados menor potencial ofensivo.

De acordo com Barsted (2007) esta lei, não define apenas o que é

violência doméstica e familiar contra as mulheres, mas também, as linhas de

uma política de prevenção e atenção ao enfrentamento da violência,

articulando ações governamentais e de não governamentais, de forma

articulada, em consonância com a Lei Orgânica da Assistência Social, Sistema

Único de Saúde, entre outras normas e políticas públicas.

Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (LEI MARIA DA PENHA, ART 1º).

Nesta lei, configura-se como violência doméstica e familiar contra a

mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,

lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (LEI

MARIA DA PENHA, ART. 5º).

Esta lei, também tipifica a violência doméstica e familiar contra a

mulher.

São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e

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vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (LEI MARIA DA PENHA, ART 7º)

A legislação também cria medidas intersetoriais e integradas para a

prevenção, a mulher em situação de violência, além de prever como a

autoridade policial irá adotar as medidas legais cabíveis.

A lei Maria da Penha institui também, a criação dos juizados de violência

doméstica e familiar para julgar os crimes, com atendimento multidisciplinar;

cria novas defensorias públicas da mulher; prisão em flagrante do agressor;

prisão preventiva do agressor; medidas protetivas de urgência; inserção das

mulheres em situação de violência em programas de assistência social, como o

CREAS; e prevê atendimento à mulher em situação de violência aos serviços

intersetoriais, como a saúde, assistência social, educação, justiça, cultura,

segurança, habitação, entre outras.

Estudos apontam que há avanços provocados desde a vigência da Lei

Maria da Penha. Contudo, não podemos desconsiderar a cultura milenar de

comportamentos e hábitos machistas, historicamente construídos.

Entretanto, ainda há um longo caminho à se percorrer. A lei necessita de

aparatos que incorporem a realidade dos serviços de atendimento à mulher em

situação de violência. Faz-se necessário romper com a lógica cultural

predominante, além de expandir a rede de atendimento a estas mulheres que

enfrentam esta realidade.

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Considerações Finais

Neste trabalho procuramos abordar a importância da categoria gênero

para a construção dos mecanismos de luta, além de colocar em evidência o

processo histórico da cultura patriarcal em que o sexo masculino “coloca-se

como superior” perante a mulher, na atribuição dos papéis socialmente

construídos, assim como, as políticas de enfrentamento a violência doméstica

contra a mulher.

Observamos também, que é necessário entender a dinâmica estrutural

da sociedade e seus sujeitos sociais, para compreender que a violência

doméstica contra a mulher é histórica e que devido à conjuntura política,

econômica e cultural, colocou este fenômeno em cena e evidência, tornando-a

visível e colocando na pauta como violação dos direitos humanos.

A dicotomia público X privado constitui uma das bases fundamentais de

subordinação da mulher pelo homem, sendo de fundamental importância sua

superação, uma vez que a violência implica em relações de poder socialmente

construída.

Os novos rearranjos familiares constituídos pela sociedade vem

sofrendo e acarretando com o fenômeno da violência doméstica, uma vez que

ainda predomina-se os valores, normas e padrões da sociedade patriarcal que

gera o agravamento desta questão.

Dentro desta perspectiva, alguns autores que citamos neste trabalho

defendem a idéia de que a violência doméstica contra a mulher seria um

fenômeno em que o homem não aceita o novo, devido os avanços da mulher

no que se refere a sua independência, bem como, a mudança no perfil e

representações femininas.

Durante esta análise pontuamos o grande avanço em que as políticas

públicas de enfrentamento e erradicação da violência doméstica contra a

mulher vivenciou nos últimos anos.

Acreditamos, que apesar dos avanços, este problema necessita ser

encarado por profissionais qualificados que possuem senso crítico, capaz de

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fomentar o empoderamento de mulheres dispostas a enfrentar e superar as

condições estruturais das desigualdades de gênero.

Almeida (2007) sustenta ainda que faz-se necessário ultrapassar a

perspectiva de propostas focalistas e fragmentadas, no qual são insuficientes

para enfrentar as desigualdades que estão na base da violência de gênero.

é fundamental se combinar a universalidade do acesso a direitos sociais, culturais, econômicos, civis e políticos – em síntese, aos direitos humanos – as particularidades derivadas do reconhecimento das desigualdades de gênero. (...) É importante recuperar a visão de totalidade necessária à apreensão dos processos sociais em suas múltiplas determinações, o que supõe a formulação de políticas públicas de acesso universalizante, que, partindo do reconhecimento das desigualdades de classe, de gênero e étnico-raciais e das particularidades geracionais, sejam capazes de prever a eliminação de barreiras que impedem o acesso daqueles que se encontram em condições subalternas à riqueza material e espiritual produzida coletivamente. (ALMEIDA, 2007: 39)

Construir políticas públicas ao atendimento a mulher em situação de

violência implica na necessidade de um trabalho intersetorial e contínuo,

incorporando a perspectiva de cidadania. O trabalho intersetorial levará o

enfrentamento desta questão em sua completude e complexidade abarcando

em novos possibilidades de ação.

Nesta lógica, há um longo caminho a se percorrer para uma eficiente e

eficaz atuação a mulheres em situação de violência, tendo como parâmetro os

direitos humanos e as relações de gênero socialmente construídas. Para tal,

entendemos que o profissional de Serviço Social tem um papel importante

como protagonista, uma vez que, tem o compromisso firmado pelo Código de

Ética profissional, nos princípios éticos fundamentais, a “defesa intransigente

dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo”. (CÓDIGO DE

ÉTICA, 1993)

Cabe dizer que esta investigação não tem a pretensão de esgotar sob

esta temática, partindo da premissa que este é apenas o ponta pé inicial para

novas pesquisas e contribuições.

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