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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS VAGNER MELLO PEPE Rio de Janeiro 2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO … · uma necessidade de cunho social. ... passou por uma evolução histórica que vem desde ... constituído por patrícios na idade

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS

CRIMES AMBIENTAIS

VAGNER MELLO PEPE

Rio de Janeiro

2009

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2UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS

CRIMES AMBIENTAIS

VAGNER MELLO PEPE

OBJETIVO:

Esta monografia tem como fim cumprir

um dos requisitos para a obtenção do

título de especialização em Direito

Ambiental .

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3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pai eterno e todo

poderoso, ao meu pai Valter pelo

exemplo de vida e luta. A todos os

meus mestres, com os quais tive o

prazer de aprender. Ao mestre e amigo

Francisco Carrera pelas brilhantes

aulas, às quais estarão sempre na

lembrança. Ao Instituto A Vez do

Mestre.

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4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha amada

esposa Fernanda, fiel companheira, pelo

seu amor e dedicação, e aos meus filhos

Lucas e Davi, fontes de eterna inspiração,

pela paciência e oportunidade que me

proporcionaram na realização deste

projeto de vida profissional.

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5RESUMO

Diante das grandes lesões ambientais perpetradas pelos entes morais,

surge a necessidade do direito penal na qualidade de ultima ratio, tutelar o

meio ambiente protegendo-o para as presentes e futuras gerações. Assim se

faz mister a análise de uma nova ordem penal, com novos atores no cenário

do delito, ou seja, as pessoas jurídicas, haja vista, hoje não mais ocorrer,

apenas, a criminalidade clássica de concepção individualista, mas a

criminalidade perpetrada pelos entes morais, no seu benefício e interesse,

lesando diversos bens jurídicos relevantes, tais como a economia o direito dos

consumidores, o meio ambiente, dentre outros. Por conseguinte, torna-se

imperioso, estudar e analisar esse novo fenômeno social denominado de crime

societário, e mais precisamente, os delitos ambientais praticados pelos entes

coletivos.

Há parte da doutrina que entende ser inaceitável a responsabilização

criminal dos entes coletivos, em razão da existência de princípios de

envergadura constitucional, tal como, personalidade das penas, e outros, que

impossibilitam a reprimenda penal. Encontram ainda, guarida na atual teoria

do delito, enfatizando o princípio da culpabilidade, verdadeiro pilar das

Ciências Criminais.

Em atendimento ao comando constitucional expresso no art.225, §3º,

CRFB, vários doutrinadores pugnam pela aplicação deste dispositivo da Carta

Magna, procurando adaptar a atual teoria do delito a essa novidade do campo

jurídico.

Assim nasce o presente estudo, onde há a análise da pessoa jurídica no

campo penal com ênfase em suas condutas, culpabilidade e sua

responsabilidade penal, inclusive no direito comparado, elencando a postura

dos países pertencentes ao direito anglo-saxão, bem como, a família romano-

germânica. Ressalta-se a essencial análise da lei 9605/98, delineando as

minúcias da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes

Ambientais.

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6METODOLOGIA

O presente trabalho baseou-se na análise de farto material doutrinário,

presente em vários livros correlatos com o tema da pesquisa. Trata-se de

pesquisa descritiva. As fontes da pesquisa foram baseadas em doutrina, leis,

jurisprudências, coleta em periódicos especializados, jornais, revistas,

congressos científicos. As pesquisas foram realizadas em bibliotecas públicas

e particulares, tais como Biblioteca Nacional, Biblioteca da OAB, Biblioteca da

IAB, Bibliotecas da Universidade Candido Mendes. A metodologia da pesquisa

consiste na abordagem do problema em estudo, caracterizando o aspecto

científico da mesma.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 8

CAPÍTULO 1 - DA PESSOA JURÍDICA .......................................................10

1.1- Precedentes Históricos ........................................................................ 10

1.2-Da Natureza Jurídica Dos Entes Coletivos ............................................12

1.3 -Diferenças entre a Responsabilidade Penal e a Civil ..........................13

CAPÍTULO 2 - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO

DIREITO COMPARADO ............................................................................16

CAPÍTULO 3 - A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

EM CRIMES AMBIENTAIS NO DIREITO PÁTRIO......................................25

3.1-Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas de Direito Público ..... 27 3.2-Não aceitação da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais .......................................................................................29 3.3-Aceitação da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais ...................................................................................................31

CONCLUSÃO ............................................................................................. 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................37

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8INTRODUÇÃO

A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

veio a lume com a Constituição da República Federativa do Brasil em 1998,

prevista no art. 225, §3º. Tema por demais controvertido na doutrina e

jurisprudência nacional e estrangeira, vem mudar o paradigma jurídico-penal

de nosso arcabouço legal.

A Pessoa jurídica surgiu com a finalidade de atender aos reclamos da

sociedade que já não podia suprir suas necessidades diante do individualismo

da pessoa física. Assim, foi necessária a criação desses entes morais com

personalidade jurídica distinta das pessoas naturais, patrimônio próprio e auto-

gestão. Isso gerou diversas conseqüências no mundo jurídico, em razão de

questionamentos quanto à responsabilidade civil destes entes e

posteriormente a responsabilidade penal.

No que tange a responsabilidade civil não houve maiores problemas

para a sua implantação, pois diante das diversas relações comerciais

realizadas tornou-se imperiosa. Mas o que dizer da responsabilidade penal?

Esse questionamento surgiu de maneira incessante, haja vista que após a

revolução industrial e com o surgimento dos grandes grupos empresariais a

criminalidade deixou de ser clássica, individualista e ganhou novos rumos.

Passou-se a observar o surgimento de uma delinqüência perpetrada pelas

pessoas jurídicas, no exercício de suas atividades e no seu interesse. Esses

entes abstratos lesam o meio ambiente a economia, dentre outros bens

jurídicos. Como responder a essas condutas delituosas derivadas de uma

vontade institucional? Há tempos os países da família oriundas do Common

Law entendem como legal a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Com o surgimento da lei 9605/98, a qual elencou em seu art.3º, a

responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, houve o

início da punição das pessoas jurídicas em matéria criminal ambiental, fato

extremamente relevante, no contexto atual em que se lesa o meio ambiente,

pois este é um bem de uso comum de todos e essencial à sadia qualidade de

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9vida, ou seja, o maior dos direitos fundamentais, pois o ser humano está em

seu cerne.

Esse trabalho procurou enfocar o surgimento da pessoa jurídica como

uma necessidade de cunho social. Além disso, há uma abordagem sobre a

natureza da responsabilidade jurídica em sentido lato. Procurou-se demonstrar

a necessidade de punição penal aos entes morais, diante das diversas

agressões ambientais, relatando de forma clara todos os pormenores da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, inclusive como a mesma ocorre no

direito comparado. Tudo isso, amparado em sólido conhecimento doutrinário e

jurisprudencial.

Esse tema abordado pela pesquisa surgiu da necessidade de

desenvolver e aprofundar a temática ambiental, dando suporte jurídico para os

operadores do direito atuarem nas questões penais ambientais em que a

pessoa jurídica encontra-se no centro dos acontecimentos, infelizmente, nada

raro de ocorrer. Prova disso é que em 29 de março de 2003, ocorreu o mais

grave desastre ecológico em águas doces da história do País. Houve o

derramamento de milhões de litros de resíduos tóxicos em um córrego do rio

Pomba, córrego do Cágado, e que após atingir o rio já citado, veio a atingir o

rio Paraíba do Sul, pois houve o rompimento das barragens do depósito de

rejeitos da Indústria Cataguases de Papel Ltda., ocasionando, desta forma,

grande lesão a fauna, flora e a vida e saúde de milhares de pessoas. Isso

mostra a tamanha responsabilidade que deve pesar sobre os entes

corporativos, justificando, por si só o presente estudo.

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CAPÍTULO 1 - DA PESSOA JURÍDICA

1.1- Precedentes Históricos

A pessoa jurídica surge com a finalidade de coadjuvar o ser humano no

trato das questões sociais. Mas até alcançar este patamar a pessoa jurídica

passou por uma evolução histórica que vem desde os romanos, gerando, com

isso, as bases das atuais teorias da ficção e da realidade, tão debatidas pelos

juristas. O nascimento da pessoa jurídica, segundo preleciona Daniel M.

Levorato fez-se sob três correntes: “A primeira diz respeito sobre o direito

romano, que durante muito tempo visualizou a pessoa física como titular de

direitos e obrigações” (Levorato, 2006, p.24).

Para os romanos, todo direito era constituído para os homens. O

conceito de pessoa jurídica desenvolveu-se lentamente já que nem o populus

romano,1 poderoso grupo a quem se legitimava uma vontade coletiva e ao qual

se identificava com o próprio Estado, nem os collegia, entidades coletivas de

origem antiga, eram considerados pessoas jurídicas, nem agiam como tais”.

No entanto, na época do direito romano clássico, o termo persona era

utilizado tanto para designar o homem no significado lato, ou seja, tanto o

homem, como o escravo, nenhum dos dois possuíam direitos. Para que o

homem se tornasse sujeito de direitos deveria somar as seguintes qualidades:

nascer com vida, depois ser livre, ser cidadão romano e não ser dependente

do poder familiar. O termo pessoa é de origem grega, denominado prósopon, o

qual originou o termo em latim persona que originalmente significava a

máscara, figura, personagem de teatro na Grécia antiga, papel representado

por um ator, daí evoluindo e passando a designar o ser humano.

1 “O populus romano, durante o período do direito romano da realeza, período entre 753 a 510 a.C., era constituído por patrícios na idade do serviço militar que se reuniam em assembléias- os comícios curiatos- num recanto do fórum denominado comitium. A lei, proposta pelo rex, detentor do impérium, é votado pelo populus romano e era chamada de leges curiatae, pois o populus votava por cúrias. Mas na época do direito romano na república, 510 a 27 a. C., o populus romano era composto de patrícios e plebeus, que se reuniam em comícios contra a realeza.

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11No império romano surgiram os municípios ou cidades e com estes a

noção de pessoa jurídica entendida como “resultado da organização autônoma

que os romanos permitiram às cidades conquistadas, ao estender seu domínio

para toda à Itália, tirando-lhes sua independência política e deixando-lhes sua

capacidade privada” (Levorato, 2006, p.25).

Este conceito de pessoa jurídica foi logo estendido para outras

entidades, como as associações de sacerdotes e artesãos, ao próprio Império

visto na amplitude de sua jurisdição e as dioceses, templos e os colégios

(collegia) que adquiriram autonomia patrimonial como corporações.

O direito canônico, por sua vez, possuía princípios diversos do direito

romano, onde a igreja tinha caráter institucional representada por um chefe

terreno denominado Papa. 2 Apenas os seminários e monastérios com

patrimônio próprios possuíam personalidade jurídica.

O fator institucional por possuir caráter espiritual e transcendente tinha

prioridade em relação ao fator corporativo, já que não dependia da vontade

humana, pois tinha sua origem na força divina.

Hodiernamente, a jurista Maria Helena Diniz, revela os contornos da

pessoa jurídica aduzindo que:

“é uma unidade de pessoas naturais ou de patrimônio que

visa a consecução de certos fins, reconhecida pela ordem

jurídica como sujeito de direito e obrigações” (Diniz, 2009,

p.241).

Três são os requisitos que constituem a pessoa jurídica: organização de

pessoas ou de bens; liceidade de propósito ou de fins; e capacidade jurídica

2“Os canonistas consideravam a igreja o império de deus, um organismo vivo com caráter institucional. A igreja universal é uma fundação divina, uma unidade espiritual, mística, criada por Deus para salvar os homens, não era formada pelos cristãos, era uma unidade formada por um chefe divino, que era cristo e por um representante terreno que era o Papa. (Levorato, 2006, p 24).”

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12reconhecida por norma. Atualmente, o nascimento da pessoa jurídica é

previsto nos arts. 45 e seguintes do Código Civil Brasileiro. 3

1.2 - Da Natureza Jurídica dos Entes Coletivos

As teorias de grande relevância jurídica que explicam a natureza jurídica

dos entes coletivos são: a teoria da ficção legal, a teoria da equiparação, a

teoria orgânica e a teoria da realidade.

A teoria da ficção legal traduz a idéia de que a pessoa jurídica possui

existência fictícia, irreal, pois servem apenas como uma construção artificial,

dotada de patrimônio na maioria das vezes. Essa teoria foi desenvolvida pelo

grande jurista alemão SAVIGNY, o mesmo que elaborou e publicou a tão

festejada obra “O tratado da posse”.

A teoria da equiparação não vingou, pois equiparava as pessoas

jurídicas às físicas. Ora, como confundir patrimônio com coisas, elevando os

bens a categoria de direitos e obrigações.

A teoria orgânica, também conhecida como teoria da realidade objetiva,

determina que paralelamente as pessoas físicas, existem os organismos

sociais, constituídos pelas pessoas jurídicas, às quais tem existência distinta

de seus membros.

3 “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as demais alterações por que passar o ato constitutivo” (Código Civil de 2002).

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13Por derradeiro a teoria da realidade das instituições jurídicas, tendo

OTTO GIERKE, grande jurista alemão, como seu grande idealizador,

determina que as pessoas jurídicas têm existência distinta de seus membros. É

a teoria mais aceita no mundo, pois responsabiliza civil e penalmente a pessoa

jurídica, independente de seus membros. Assim a pessoa jurídica não é uma

entidade impossível de ser atingida, mas plenamente responsável por seus na

seara penal e administrativa. Urge esclarecer que tal teoria, hoje, é adotada

não apenas pelos países oriundos da família do Common Law, mas também

por diversos países da família jurídica romano-germânica.

Atualmente, a teoria da realidade, vige em nosso ordenamento jurídico,

conforme é possível concluir, na análise da art. 3º, lei 9605/98, onde há a

criminalização expressa da pessoa jurídica, curvando-se ao mandato expresso

do art. 225, §3º, CRFB.

1.3-Diferenças entre a responsabilidade penal, a civil e a

administrativa.

Responsabilidade deriva da expressão latina, respondere a qual

significa, responder por algo. Assim surge a responsabilidade penal como

última ratio, conforme preleciona o renomado jurista Rogério Greco. 4

O direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos

bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento

jurídico são objeto de outros ramos do direito, conforme preleciona ROXIN5.

4 O direito penal somente deve preocupar-se com a proteção dos bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. O princípio da intervenção mínima, ou última ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do direito penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização” (Greco, 2008, p. 49). 5 ”O direito penal é, inclusive a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente podem intervir quando falhem outros meios de solução social do problema, tais como, a ação civil, os regulamentos de polícia, as sanções não penais, etc.” (Greco, 2008, p.50).

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14O ilustre desembargador Cavalieri, 6 situa a responsabilidade civil,

distinguindo, inicialmente a noção de obrigação, a qual seria um dever jurídico

imposto de forma originária o qual sendo violado geraria uma dever jurídico

sucessivo, sendo esta, denominada de responsabilidade. Desta forma em

apertada síntese, preleciona que a responsabilidade civil seria um dever

jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de

um dever jurídico originário.

Outro fator de extrema importância refere-se ao fato de que a

responsabilidade penal é de natureza subjetiva, ou seja, só é possível

responsabilizar o agente pela prática do crime se agiu com dolo ou culpa.

Diferentemente da responsabilidade de natureza civil onde em matéria

ambiental, dentre outras, permite a responsabilidade objetiva,

independentemente de culpa.

Daí emergem diferenças substanciais entre a responsabilidade civil e

penal, cada qual, com finalidades de tutelar, muitas vezes o mesmo bem

jurídico, porém sob óticas distintas mas com fundamento de validade comum,

ou seja , a Constituição da República Federativa do Brasil.

A responsabilidade administrativa surge quando ocorre a violação de

uma norma de natureza, também, administrativa. Assim, havendo violação de

norma criada pela Administração Pública objetivando normatizar as questões

de interesse público, surgirá uma sanção de cunho administrativo

responsabilizando o transgressor. Celso Antônio Bandeira de Mello, assim se

pronunciou: “Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela

natureza da sanção que lhe correspondem e se reconhece a natureza da

sanção pela autoridade competente para impô-la" (de Mello, 2008, p.834).

6 “A punição de certos ilícitos na esfera civil, portanto ao invés de o serem na órbita penal obedece a razões puramente de conveniência política. Para o Direito penal é transportado apenas o ilícito de maior gravidade objetiva, ou que afeta mais diretamente o interesse público, passando, assim, o ilícito penal. O ilícito civil, de menor gravidade, não reclama a severidade da pena criminal, nem o vexatório stripitus judiciae” (Cavaliere, 2003, p. 36).

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15 A jurista Maria Helena Diniz, 7 distingue a responsabilidade penal da

civil de acordo com o sujeito passivo da lesão, ou seja, se for uma lesão aos

direitos dos cidadãos, temos a penal, se for o particular ou Estado, com

repercussão no dano privado, estamos diante da civil.

7 “A responsabilidade penal pressupõe turbação social, ou seja, uma lesão aos direitos

dos cidadãos para com a ordem da sociedade. A responsabilidade civil, por ser repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão de modo que a vítima poderá pedir reparação do prejuízo causado, traduzindo na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro” (Diniz, 2009, p.23).

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CAPÍTULO 2 - RESPONSABILIDADE PENAL DA

PESSOA JURÍDICA NO DIREITO COMPARADO

A responsabilidade penal da pessoa jurídica não é um fato isolado no

Brasil, mas um fenômeno jurídico há muito, adotado em diversos países e em

franca expansão em diversos outros. A pessoa jurídica é um núcleo de grande

importância, pois é capaz de despertar interesses no campo da cultura,

literatura, política, economia, esportes, pois se configura um grande centro de

decisões sociais.

O tema é de grande atualidade, pois cada vez mais a pessoa jurídica

surge com capacidade, ainda maior, de influenciar as decisões do Estado, em

razão de deter enorme capacidade financeira, considerada em seu todo.

O desembargador do TRF 4ª Região, Dr. José Luiz B. Germano8 da

Silva, em suas decisões detalha de forma brilhante a evolução do direito penal

8 (TRF 4ª Região – MS 4849-200204010138430/PR – 7ª T, 10/12/2002 – DJU 26.02.2003, p.41), em sede criminal de forma brilhante discorreu: ...“A pessoa jurídica não passa, sem dúvida alguma, de um mero patrimônio." E esse patrimônio somente recebe significado jurídico porque a norma lhe empresta esse significado. Não é por outro motivo que uma sociedade pode contratar e inserir-se no ramo de direito privado, onde a liberdade de vontade é regulada. A vontade da pessoa jurídica, portanto, teve de ser reconhecida, consubstanciando-se no seu cérebro que é a pessoa física gerenciadora das atividades sociais. O Direito Penal, por seu lado, evoluiu historicamente de maneira bem definida. Quando de sua sistematização científica, a partir da conquista da liberdade com a Revolução Francesa em 1789, iniciou-se uma pesquisa no mundo europeu com Bentham (Inglaterra), Romagnosi (Itália) e Feurbach (Alemanha) que atravessou o século XIX. Nessa fase a criminalidade exclusiva era a que hoje denominamos clássica. A delinqüência de maior presença se identificava em ações deletérias no âmbito das cidades, que sofriam um inchaço derivado da Revolução Industrial e, em seguida, resultante de seu fracasso. A ação se limitava a um conceito puramente individualista, como de resto a culpabilidade. E isso não se modificou no início do século XX. Em verdade, no sistema anglo-saxão, cujo direito contém uma inspiração altamente pragmática, em que se busca muito mais a efetividade da normatização do que seu refinamento científico, desde o século XIX já marcava a doutrina americana uma preocupação com o problema do crime econômico. Em 1890 o congresso dos EEUU aprovava a lei Antitruste Sherman. A Europa continental, adotando um sistema romano-germânico, de índole formalista e com forte influência do espírito especulativo alemão, somente na década de 50 do século XX, num congresso em Roma, admitia a existência de um direito penal econômico. Em verdade, o crime ainda se exprimia pela violência ou sagacidade individuais. Tal realidade recrudesceu a partir de 1960, quando o movimento hippie, numa reação pacifista diante da guerra do Vietnã, vulgarizou o uso do tóxico como mecanismo de fuga psicológico. Entretanto, o aumento dos investimentos foi determinando uma reformulação no âmbito das sociedades, cada vez maiores e mais complexas, fazendo-se o capital com ações colocadas no mercado de bolsas. Os negócios foram evoluindo, tendo a globalização estabelecido um nível extremo de

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17e a necessidade de punição criminal aos entes coletivos, haja visto ser

imperioso, reprimir a delinqüência societária. Bastando mencionar, o caso

denominado Torrey Canyon ocorrido em 1969 relatado pelo Dr. Sidney

Guerra9.

Após este emblemático episódio, muitos outros se sucederam. Assim,

esta enorme desproporção financeira em relação à pessoa física, levou o

Estado a criar uma maior repressão penal dos entes morais. Assim a

responsabilidade penal da pessoa jurídica passou a ganhar destaque no

âmbito internacional sendo objeto de estudo e debate em diversos congressos

de direito penal pelo mundo.

No I congresso de Direito Internacional realizado em 1926, ocorrido em

Bruxelas, houve certa vontade de debater o tema, em virtude da vontade de

punir-se penalmente os Estados, quando violassem normas de direito

internacional, porém não foi avante.

complexidade nos mesmos. Nesse ambiente arrefeceu o âmbito da regulação dos Estados e, exatamente por isso, abriu-se oportunidade para que os crimes empresariais se afirmassem, tendo por sujeito passivo em especial o universo dos consumidores, os habitantes de cidades etc. O crime é sempre a ocupação do espaço vazio do poder. O crime do colarinho branco exatamente entendeu a falha do sistema. Um direito penal montado dogmaticamente sobre uma experiência individualista nunca poderia atingir as sociedades. E foi através delas, com seu uso, que os criminosos passaram a agir com o objetivo de lucro e vantagens. E, diga-se de passagem, há duas espécies de criminalidade nesse âmbito econômico: a das empresas e a das organizações criminosas. A primeira diz respeito ao empresário que, para obter um melhor resultado no emprego do capital, frauda o consumidor, o Fisco, lesa o meio ambiente etc. Desse tipo de crime surge o chamado dinheiro negro. A segunda, que teve um recrudescimento vertiginoso em especial depois da vulgarização do uso do tóxico, deixou de simplesmente vender proteção, explorar prostituição ou jogos de azar. Passou a empregar as vultosas quantias objeto do tráfico internacional de entorpecentes nas atividades empresariais. Dessa ação delinqüente se originou o dinheiro sujo. Disso tudo resultou que as ações complexas no mundo internacional dos negócios têm como protagonista o poder econômico das sociedades e não simplesmente o das pessoas físicas. Desconhecer isso é desviar os olhos da realidade, uma volta à época em que se pretendia negar personalidade jurídica às sociedades, quando estas surgiram. Ihering criticava o formalismo jurídico, afirmando que a vida não deve submeter-se aos princípios, e sim os princípios haverão de modelar-se à vida... (Régis Prado, 2005, p. 201).

9 “O Navio tanque Torrey Canyon encalhou e terminou por naufragar na costa inglesa da Cornualha, que poluiu com 118.000 toneladas de óleo, ocasionando poluição das praias e acarretando a morte de peixes e aves. Inúmeros problemas surgiram neste caso: o proprietário era norte-americano; o afretador era inglês; o navio tinha bandeira da Libéria; a tripulação era italiana. Qual seria o responsável pelo problema.” (Guerra, 2006, p.60).

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18Após a II guerra mundial foi reconhecida a responsabilidade criminal das

pessoas jurídicas pelas atrocidades realizadas por ocasião da guerra, onde foi

criado o Tribunal de Nuremberg, sendo responsabilizado criminalmente não só

os integrantes, mas o partido nazista, a polícia e os integrantes da temida S.S..

Durante o VI congresso Internacional de Direito Penal realizado em

1953 em Roma, outra vez recomendou-se aos Estados participantes a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, quando forem sujeitos ativos de

delitos.

Novamente no VII Congresso de Direito Internacional em Atenas no ano

de 1957 sugeriu-se que a adoção de multa em face das pessoas jurídicas seria

suficiente para a prevenção e repressão dos ilícitos penais.

Durante a realização do XII, Congresso Internacional de Direito Penal,

realizado em Hamburgo em 1979, houve grande preocupação dom o meio

ambiente e especialmente preocupou-se em evitar a punição somente da

pessoa física deixando impune a pessoa jurídica.

Durante a realização do XIII, Congresso de Direito Internacional

realizado no Cairo em 1984, ficou estabelecido que a responsabilidade penal

da pessoa jurídica seja reconhecida em um crescente número de países como

apropriada ao controle de delitos econômicos e empresariais. O referido

Congresso foi de grande importância, à medida que, previu que não havia mais

espaço para a responsabilidade penal apenas da pessoa física.

O Conselho de Ministros da Europa em 1977, através da Resolução nº

28/77, recomendou que os Estados Membros criassem saídas para

responsabilização penal da pessoa jurídica quando envolvessem casos de

violação do meio ambiente. Em 1981, a recomendação foi no mesmo sentido,

porém quando os delitos violassem a ordem econômica, tendo ainda em 1982

havido recomendação recomendando punição de ordem penal nos delitos

praticados contra consumidores.

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19Vale ressaltar que em 1979 na cidade de Nova Iorque, durante o VI

Congresso da ONU para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente foi

sugerida a responsabilização da pessoa jurídica nos casos em que se

constatasse sua participação nas ações delituosas ou danosas, além das

pessoas físicas, é claro.

Retornando às recomendações do Conselho de Ministros da Europa em

1983 iniciou-se um estudo por uma Comissão de Especialistas no sentido de

responsabilizar penalmente a pessoa jurídica.

Os países da Europa decidiram abandonar a já antiga e ultrapassada

teoria de Savigny e protagonizaram o avanço para a nova era de

responsabilidade penal, baseando-se nas várias sugestões dos Conselhos de

Ministros após sucessivas reuniões dos Congressos internacionais de Direito

Penal.

A conclusão do estudo por parte da Comissão de Especialistas chegou

somente em final de 1987, tendo sido aprovado na Recomendação 88/18 do

Conselho da Europa, de 1988, visando à punibilidade real das pessoas

jurídicas ou a introdução de novas formas de sanções administrativas.

O posicionamento do Brasil era considerado ultrapassado tendo em

vista os aspectos da Recomendação Européia assim como em relação a

outros países, tais como: Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Estados Unidos,

Argentina e outros na discussão e implantação da responsabilidade penal da

pessoa jurídica.

Os códigos penais da Noruega (1992) e da França (1994) foram

elaborados sob os alicerces da moderna teoria da responsabilização da

pessoa jurídica.

No XV Congresso Internacional de Direito Penal sediado na cidade do

Rio de Janeiro em 1994, a comunidade internacional aprovou, com quase toda

a unanimidade dos votos, a responsabilidade penal da pessoa jurídica em

delitos contra o meio ambiente, com penas apropriadas para as pessoas

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20jurídicas de direito público e outras penas para as pessoas jurídicas de direito

privado.

Desde 1992, na Venezuela, há uma legislação sobre o meio ambiente

cujo objetivo é responsabilizar criminalmente as pessoas jurídicas que, porém,

apresenta inúmeros empecilhos legais e princípios, tornando impossível impor

alguma sanção ás sociedades.

O código penal do México, através do artigo 11, a princípio permite que

o ente criminoso seja considerado uma pessoa jurídica. Todavia, esse

dispositivo é na realidade uma medida de segurança que na prática mostra-se

inoperante.

Os Estados Unidos da América do Norte foram os primeiros no

continente americano a aplicar a teoria da responsabilidade da pessoa jurídica,

pois acreditavam que a teoria da imunidade da pessoa jurídica beneficiava no

crime, a pessoa moral, e como tal, também foi considerada culpada e obrigada

a se submeter, assim como os entes físicos, aos meios de repressão criminal.

O pioneiro dos casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica foi o

julgamento do caso New York Central & Hudson River Railroad VS no dia 23

de fevereiro de 1909 nos Estados Unidos da América. Ficou determinado que

a pessoa delinqüente não deve ser distinguida, tanto podendo ser a pessoa

jurídica como a pessoa física, ou até mesmo ambas em co-autoria delinquente.

Nesse julgamento observou que os agentes agiram com a finalidade de

proporcionar para a pessoa jurídica uma vantagem indevida. Logo, a conclusão

a que se chegou era de que a pessoa jurídica, em sendo beneficiada, também

deveria ser atingida pela conduta das pessoas físicas. Atualmente vige nos

Estados Unidos a teoria denominada respondeat superior. 10

10O direito norte-americano admite que infrações culposas sejam imputadas às pessoas jurídicas, quando praticadas por empregado no exercício de suas funções, mesmo sem proveito para a empresa, e as infrações dolosas quando cometidas por executivo de nível médio” (Prado, 2005, p.160).

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21Na Inglaterra, seguindo os moldes da responsabilização americana,

onde uma empresa foi considerada culpada quando agiu com omissão nas

cautelas que deveria ter tomado. Deste ponto em diante houve um

alargamento de entendimento da responsabilização das pessoas jurídicas até

a edição, em 1889, do Interpretation Act, que, assim como os Estados Unidos

fariam mais tarde, no sentido de que os entes morais eram sim, responsáveis

criminalmente pelos seus atos, assim como as pessoas físicas. Mas na

verdade foi somente a partir de 1944 que a pessoa jurídica passou a responder

criminalmente por qualquer delito. 11

O Japão, seguindo os critérios dos países pertencentes ao Common

Law, estabeleceu que a pessoa jurídica responda pelos seus atos no aspecto

criminal, não havendo diferença entre a pessoa física e a jurídica criminosa.

Inicialmente na Alemanha, 12 a responsabilidade penal da pessoa

jurídica surge com o Direito Penal Econômico, em consonância com a ampla

aceitação dos países oriundos do Common Law e dos pertencentes à família

romano-germânica, estes denominados Civil Law.

A Alemanha encontrou na responsabilização uma forma de rever seu

posicionamento e formar uma nova geração de entes sujeitos às sanções

penais. Além disso, evitou que o país fosse alvo de sanções econômicas

graves.

11 “O fundamento penal encontrado está na teoria da identificação (identification theory) – identificação do controlling mind -, originária da jurisprudência cível (acórdão da House of Lords, 1915), que acabou por alcançar a área criminal, em 1944. O juiz ou tribunal deve procurar identificar a pessoa que “não seja um empregado ou agente, cuja sociedade seja responsável pelo fato em decorrência de uma relação hierárquica, mas qualquer um que a torne responsável porque o ato incriminado é o próprio ato da sociedade”” (Prado, 2005, p.160).

12 “De maneira ampla, a responsabilização na Alemanha culminou pela aceitação da pessoa jurídica criminosa por grande parte da doutrina alemã a partir dos anos setenta em face da grande incidência de delitos econômicos marcados pelos sucessivos abusos macroeconômicos gerando sensível demonstração de mudança do pensamento germânico”. (Migliari Júnior, 2002, p.70).

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22A Holanda, influenciada pelos Congressos de Direito Internacional dos

quais participava, criou a figura da responsabilidade penal das pessoas

jurídicas coletivas que viessem a cometer crimes de caráter econômico, o

chamado Direito Penal Econômico por meio da Wet Economische Delikten,

W.E.D. no dia 22 de junho de1950.

Foi na Holanda, em 1976, que os Congressos Mundiais fizeram

introduzir em sua legislação penal a responsabilidade criminal das pessoas

jurídicas, independentemente dos membros das sociedades empresariais

serem responsabilizados ou não.

A França adotou a teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica

quando entrou em vigência o novo Código Penal do país em 1° de março de

1994, rompendo a antiga regra do societas non delinquere potest.

A primeira condenação francesa apoiada na teoria da responsabilidade

penal da pessoa jurídica foi o caso conhecido como o julgamento de Verdun. 13No caso Verdun, o tribunal aplicou a condenação penal de uma pessoa

jurídica porque julgou que houve negligência – em um caso típico de acidente

de trabalho – um silo de estocagem de milho, tendo um funcionário do

estabelecimento sido morto, no interior da cooperativa agrícola EMC2, quando

procedia à limpeza de um silo de farinha de soja. Outro empregado do

estabelecimento – desavisado – colocou em funcionamento no momento em

que o primeiro empregado fazia a limpeza.

Foi condenado o empregado encarregado da vistoria do local, por sua

incúria e desídia, mas o tribunal de Verdun entendeu que houve a

responsabilidade, também, da própria empresa jurídica – ente moral e fictício –

13 “A decisão de Verdun, para o mundo do Civil Law é um verdadeiro divisor de águas, que rompe com o velho sistema penal, em que bastaria apenas a condenação dos entes que formam a sociedade, permitindo que esta continuasse a praticar tantos quantos outros crimes desejasse, bastando, para isso, a simples modificação das peças do cenário, para evitar-se uma pena grave e séria à pessoa moral” (Migliari, 2002, p.72).

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23por não tomar as medidas assecuratórias para evitar o infortúnio, sendo este

entendimento um grande marco para o mundo do Civil Law.

O Art.121-2, que modificou o Código Penal Francês de 1994,

estabeleceu que as pessoas morais, com exclusão do Estado, são

responsáveis penalmente, segundo as regras dos arts. 121-4 a 121-7 e nos

casos previstos pelos órgãos ou representantes. Esse anteprojeto do Código

Penal francês foi elaborado em 1988, no mesmo ano em que o Conselho de

Ministros da Europa aprovava a Recomendação n°18 para o apenamento da

pessoa jurídica.

Os legisladores franceses de forma expressa, excluíram a possibilidade

do Estado ser responsabilizado criminalmente pelos crimes perpetrados,

diferentemente do Brasil, onde não houve nenhuma distinção quanto a

responsabilidade penal do Estado,14 sendo tema, ainda, bastante debatido.

Portanto, a França não inclui o Estado como passível de

responsabilidade penal, por simples deliberação legislativa. O moderno código

penal português de 1983 possibilitou responsabilizar penalmente a pessoa

moral. A regra consiste em que apenas de forma excepcional é possível a

responsabilização penal das pessoas jurídicas.

O Canadá, como um dos países membros do Common Law, adota a

responsabilidade da pessoa jurídica como ente passível de sofrer sanções na

esfera pena e não faz distinção sobre a pessoa que deve sofrê-la, seguindo o

exemplo dos Estados Unidos da América e da Inglaterra e ratificando o grande

elo que liga o pensamento dos países de língua inglesa.

O Canadá, contudo, só abraçou a teoria da responsabilidade penal,

incluindo a pessoa jurídica como ente capaz de responder criminalmente pelos

14 “Tiveram em mente que não se poderia imaginar que um julgador tivesse o condão de interferir de tal modo no Estado a ponto de restringir a sua capacidade de autogerenciamento de seus interesses e da comunidade, isto é, sua possibilidade de exercer sua função laborativa, ou ainda, simplesmente mandar dissolver um outro órgão do Estado” (Migliari, 2002, p.71).

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24seus atos na década de 80 do século passado. A grande vantagem da lei

canadense é conjugar a nova teoria da responsabilidade criminal juntamente

com a pessoa física, revelando que muito se assemelha com a nossa doutrina

dominante, que admite a responsabilidade penal.

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25

CAPÍTULO 3 - A RESPONSABILIDADE PENAL DA

PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS NO

DIREITO PÁTRIO

As constituições mais modernas a partir da década de 70 passaram a

dar um tratamento explícito as questões ambientais, tutelando de forma ampla

esse bem jurídico difuso transindividual.

Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em

5 de outubro de 1988, inspirada nas Constituições da Grécia (1975), Portugal

(1976) e principalmente Espanha (1978), fez previsão no art.225 CF de que

todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes

e futuras gerações. Desta forma a Carta Magna de 1988, inaugurou proteção

ambiental, até então, tímida e frágil, para elevar o meio ambiente ao patamar

de direito fundamental, estritamente vinculado a dignidade da pessoa

humana15.

Não obstante o texto constitucional no §3º, art.225, trouxe a lume um

mandato expresso de criminalização determinando que as condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e

jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados. A origem imediata do texto brasileiro

(art.225, §3º, CF), deita suas raízes no parágrafo 3º do artigo 45 da

Constituição Espanhola, que foi a primeira a consagrar de maneira clara e

15“O artigo 225 aparece, então, intimamente vinculado ao rol axiológico basilar enumerado na Constituição. Há desse modo uma correlação estreita entre esse dispositivo e, por exemplo, os valores da dignidade e da liberdade, da igualdade e da justiça (Preâmbulo, arts. 1º e 5º, CF); bem como os objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos.” (Prado, 2006, pág.77).

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26expressa em seu corpo a proteção penal do ambiente, como mandato

expresso de criminalização. 16

Diante do comando constitucional determinando a criminalização das

condutas lesivas perpetradas tanto pelas pessoas físicas ou jurídicas, surgiu a

lei dos crimes ambientais lei 9605/98, de 12/02/1988, proposta pelo Governo e

aprovada em regime de urgência pelo Poder Legislativo. Lei de conteúdo misto

de natureza híbrida, pois mistura conteúdos de direito penal, administrativo e

internacional. A referida lei inspirou-se no Código Penal gaulês de 1994.

Convém ressaltar que a Carta Magna de 1988, ao tratar dos princípios

gerais do sistema econômico, dispôs no art.173, §5º, que a lei poderá

responsabilizar a pessoa jurídica nos atos praticados contra a ordem

econômica e financeira e contra a economia popular. Mas, alguns juristas

interpretaram no sentido de que ele não atribuía responsabilidade penal às

pessoas jurídicas. Outros entenderam que ao usar o conectivo “e” entre as

palavras, a Carta Magna, desejou a punição de forma cumulativa.

Retornando a lei dos crimes ambientais, o art. 3º da referida lei,

rompendo com o axioma societas delinquere non potest, responsabilizou

criminalmente a pessoa jurídica, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas

serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto

nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício da sua entidade”.

Depreende-se do artigo 3º o seguinte: a) existência de infração penal; b)

cometida por decisão do representante legal ou contratual da pessoa jurídica,

16 “Em realidade, na esteira de sua congênere espanhola, com o aludido dispositivo, “a Constituição não faz senão reconhecer a transcendência dos valores meio ambientais para o ser humano, pois, quando a tendência é a descriminalização de condutas, impõe-se neste artigo [...] a criação de sanções penais, sendo sua única explicação que o constituinte, consciente da importância de conservar os recursos naturais, quis se assegurar que o ordenamento contribui com todos os seus meios para dita conservação, inclusive com o direito penal, em que pese seu caráter de ultima ratio” (Prado, 2005, p.82).

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27ou de seu órgão colegiado; c) no interesse ou benefício da sua entidade. Fica

claro em relação à autoria, a necessidade de conduta punível, tanto para o

delito quanto para a contravenção, realizada por ato decisório de autor

qualificado, representante legal ou contratual (v.g., presidente, diretor, gerente

etc.) ou órgão colegiado (v.g., assembléia geral, diretoria, conselho de

administração, etc.) da pessoa jurídica, não sendo cingida a figura do

empregado subalterno ou do proposto, sem nenhum poder de decisão. Mas

convém destacar, como conditio sine qua non da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, a existência de uma pessoa física (ou grupo de pessoas); isso

quer dizer: há de se pressupor necessariamente um substratum humanus.

3.1-Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas de

Direito Público

Vale destacar que a lei de crimes ambientais, lei 9605/98, penalizou

tanto pessoas físicas ou jurídicas, autoras e co-autoras ou partícipes de delitos

ambientais, mas nada falou sobre o fato do Estado figurar como réu nos

referidos crimes, a contrário sensu, da lei francesa, a qual exclui o Estado

expressamente. Simplesmente não fez distinção. A par de vários

posicionamentos ressalta-se o dos irmãos Passos de Freitas, 17 o qual pugnam

pela impossibilidade do Estado ser punido criminalmente.

17 “A pessoa jurídica a nosso ver deve ser de direito privado. Isto porque a pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações públicas) não pode cometer ilícito penal no seu interesse ou benefício. Elas, ao contrário das pessoas de natureza privada, só podem perseguir fins que alcancem o interesse público. Quando isso não acontece é porque o administrador público agiu com desvio de poder. Em tal hipótese só a pessoa natural pode ser responsabilizada penalmente. A norma legal não foi expressa a respeito. Além disso, eventual punição não teria sentido. Imagine-se um município condenado a pena de multa: ela acabaria recaindo sobre os munícipes que recolhem tributos à pessoa jurídica. Idem restrição de direitos – por exemplo, a pena restritiva de prestação de serviços à comunidade (art.9º) seria inviável, já que cabe ao Poder Público prestar tais serviços. Seria redundância” (Passos de Freitas, 2006, p.70).

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28Outros entendem que a não responsabilização do Estado criminalmente,

afrontaria princípio de envergadura constitucional, tal como, o da igualdade,

assim pensam Arthur Migliari Júnior, 18 e Régis Prado.19

Vale ressaltar que o Juiz Federal, Fausto Martins de Sanctis, preleciona

em sua obra “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica”, de forma clara, que

vários institutos vem privilegiando o Estado no cotidiano forense, mas há de

cuidar-se para que não ocorra injustas exceções ao princípio constitucional da

isonomia. Porém, o apenamento do Estado acarretaria graves conseqüências

à atividade estatal e aos cidadãos, fato este que deve observar-se e pugnar-se

pela irresponsabilidade penal do Estado.

Deduz-se que tal possibilidade é extremamente debatida e controvertida

na doutrina pátria e alienígena. Ressalta-se que apesar da lei 9605/98 ter

nítida inspiração na legislação francesa, não acompanhou sua congênere

neste ponto, pois não excluiu expressamente a responsabilidade penal do

Estado, como o fez o Código Gaulês.

18 “Segundo pensamos, a ausência do estado na responsabilização penal, quando não atuar na forma direta de administração pública, fere mortalmente os princípios constitucionais da igualdade e isonomia. A Constituição Federal estabelece normas de vigência das leis, estabelecendo a igualdade de todos perante suas normas infraconstitucionais e constitucionais. Se todos são iguais perante a lei, não haveria razão lógica de se negar igualdade, quando fosse o Estado chamado à responsabilidade” (Migliari Júnior, 2002, p.162).

19 “Assim em obediência ao princípio constitucional da igualdade, todo ente moral pode ser criminalmente responsabilizado, inclusive sindicatos, fundações, associações e partidos políticos. A ressalva atinge tão-só o Estado – detentor do jus puniendi – e as coletividades territoriais, sendo que estas respondem penalmente em caso de concessão de serviço público. Nesta última hipótese, tanto o município quanto a empresa concessionária do serviço – por exemplo, tratamento e distribuição de água – podem ser objeto de processo criminal” (Prado, 2005, p. 165).

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293.2-Não aceitação da responsabilidade penal da pessoa

jurídica nos crimes ambientais

A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes

ambientais, apesar do comando constitucional expresso neste sentido e o art.

3º da lei penal ambiental mencionar tal possibilidade, ainda assim, contam com

a resistência de grande parte da doutrina, a qual vê essa possibilidade como

algo que subverte a teoria do delito, preconizada em nosso ordenamento

jurídico.

Além disso, o direito penal Brasileiro por longos anos entendeu pela

irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, pois deriva da família jurídica

romano-germânica, a qual possui maior rigor técnico e formalismo na evolução

do Direito, e não admite conduta penalmente relevante perpetrado por entes

morais. Diante disso cunhou-se o axioma societas delinquere non potest. Tal

axioma vincula-se a teoria onde as pessoas jurídicas são mera ficção,

elaborada pelo jurista alemão Savigny.

Hodiernamente contamos com o entendimento de Régis Prado, 20

dentre outros, o qual afirma não ser possível responsabilizar penalmente a

pessoa jurídica, em razão da vigência de princípios constitucionais, tais como,

princípio da personalidade das penas, princípio da individualização das penas,

além de fundamentos elencados na teoria do delito. Ainda neste contexto o

saudoso jurista Nelson Hungria, 21 revelando que a pessoa jurídica não possui

20 “Em verdade, o princípio da personalidade da pena – nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art.5º, XLV, CF) – tradicionalmente enraizado nos textos constitucionais brasileiros, impõe que a sanção penal recaia sobre todos os membros da corporação (v.g., operários, sócios minoritários etc.), o que ocorreria caso se lhe impusesse uma pena” (Prado, 2005, p.151).

21 “Somente a pessoa física natural pode praticar crime. Redunda num contra-senso o admitir-se que também as pessoas jurídicas ou entes morais possam delinqüir e incidir sub poena: faltam-lhes inteligência e vontade e, portanto, capacidade de direito penal. Nem lhes seria ajustável à sanção penal expiatória, mesmo a pena pecuniária, pois esta iria atingir, não ao ente moral, mas às pessoas físicas que o compõem, culpadas ou inocentes. Não se pode rejeitar o velho princípio de que societas delinquere non potest. O critério da responsabilidade coletiva, adotado pelo macabro Tribunal de Nuremberg, foi um triste retorno aos tempos primitivos, em que se confundia o individual com o grupo” ( Hungria, 1958, p. 205).

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30inteligência, nem vontade, sendo impossível figurar como sujeito ativo de

delitos.

Na mesma esteira dos companheiros antes mencionados, Paulo de

Bessa Antunes22 entende mais adequado responsabilizar administrativamente

a pessoa jurídica, aproximando-se da posição germânica vigente até os anos

setenta, onde admitiam somente a responsabilização de cunho administrativo

as pessoas jurídicas.

O jurista René Ariel Dotti23 entende impossível responsabilizar

criminalmente a pessoa jurídica, pois esta não pode entender o caráter ilícito

do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.

Desta forma, vê-se com clareza que grande parte da doutrina entende

impossível a pessoa jurídica figurar como sujeito ativo em crimes de qualquer

natureza, inclusive ambientais. Fundamentam seus posicionamentos na

impossibilidade da pessoa jurídica manifestar sua vontade com entendimento

do caráter ilícito. Além disso, o princípio da culpabilidade nos remete a um

juízo de censura e reprovabilidade da conduta, impossível de ocorrer em

relação aos entes morais, pois são inerentes ao ser humano. Por derradeiro o

princípio da pessoalidade das penas nos remete ao fato de que somente o

autor do delito deve responder pela conduta. Esta situação não ocorreria em

face das pessoas jurídicas, pois estas seriam punidas pela conduta perpetrada

pelo dirigente ou órgão colegiado.

22 “Em verdade, mais adequado, em termos do sistema jurídico adotado pelo nosso país, sem dúvida, é o estabelecimento de responsabilidades administrativas mais estritas e definidas para os empreendedores. Poder-se-ia admitir, inclusive, que o Poder Judiciário, em caso de omissão do Poder Público (administração), pudesse, por provocação do Ministério Público ou de interessados direto, impor a penalidade administrativa, co-responsabilizando o administrador omisso” (Antunes, 2006, p.794).

23 “Os crimes (ou delitos) e as contravenções não podem ser praticados pelas pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade jurídico-penal é uma qualidade inerente aos seres humanos. Quando o CP trata deste assunto o faz em consideração às pessoas naturais, como agentes que revelam capacidade para entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.” (Dotti, 2001, p.303).

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31

3.3-Aceitação da Responsabilidade Penal da Pessoa

Jurídica

Em que pese correntes doutrinárias contrárias à responsabilização penal

da pessoa jurídica, há também juristas de elite, os quais entendem

perfeitamente possível punir penalmente os entes coletivos com fundamento

no ordenamento jurídico pátrio, doutrina e jurisprudência.

Élida Seguin e Francisco Carrera, 24 assim se manifestaram em sua

obra “Lei dos Crimes Ambientais” criticando aqueles que não admitem a

punição penal das pessoas jurídicas, pois entendem que atualmente o

momento jurídico criminal reclama pela repressão internacional, haja visto, a

globalização. Outros, como os irmãos Passos de Freitas, 25 entendem

perfeitamente possível a imputação penal as pessoas jurídicas, pois este foi o

comando constitucional, devendo todos velarem pela efetividade das normas

elencadas no texto magno.

A renomada jurista Marcia Dometila de Carvalho, deduz em sua obra

“Fundamentação Constitucional do Direito Penal” que as ânsias incontroláveis

de lucro, praticando atividades delituosas, principalmente das multinacionais,

sem nenhum princípio ético, não poderiam ficar sem resposta no texto

Constitucional.26

24 “Claro que este posicionamento doutrinário equivoca-se ao ignorar que o momento histórico-social, quando a parte especial do Código Penal (1940) foi promulgada, é diverso do contexto jurídico-social da LCA (Lei dos crimes Ambientais), que veio a lume em 1998, momento em que as palavras de ordem são Globalização, preocupação com o meio ambiente e repressão internacional com a criminalidade” (Carrera, 1999, p.95).

25 “Se a própria Constituição admite expressamente a sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque ofenderia outra norma que não específica sobre o assunto. Tal tipo de interpretação, em verdade, significa estar o Judiciário a rebelar-se contra o que o Legislativo deliberou, cumprindo a Constituição Federal. Portanto, cabe a todos, agora, dar efetividade ao dispositivo legal” (Passos de Freitas, 2006, p.69). 26 “Não poderiam ficar sem resposta, em um texto Constitucional com clara opção por um desenvolvimento nacional equilibrado pela justiça social, as atividades delituosas dos vários

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32A pessoa jurídica, segundo argumenta parte da doutrina, possui vontade

capaz de gerar uma conduta penalmente relevante. Mas, é óbvio, que tal

vontade não se manifesta da mesma maneira que a derivada da pessoa física,

mas sim através de seus representantes legais no bojo das associações.

Assim, o espírito associativo claramente direcionado a maximização dos

lucros, se é desprovido de vontade nas acepções humanas, não o é em

caráter institucional. Este também é o entendimento do jurista Alamiro Velludo

Salvador Neto.27

Édis Milaré, 28com a autoridade que lhe é peculiar em matéria ambiental,

reforça a necessidade de responsabilização penal dos entes coletivos, pois

entende que o jurista não deve esperar por um direito ideal, mas deve sim,

aprender a trabalhar com o direito existente. Vê-se, portanto, a necessidade de

curvar-se ao comando constitucional elencado no art.225, §3º, CRFB.

Corroborando os posicionamentos anteriormente mencionados o

saudoso Affonso Arinos de Mello Franco, já nos idos de 1930, entendia

possível responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica, pois em nada

infringiria o que chamou de “princípio multisecular do animus delinquendi”.29

grupos que atuam protegidos pelas vestes da personalidade coletiva, mais das vezes multinacionais, sem qualquer princípio ético, a reger as suas ânsias incontroláveis de lucro” (Carvalho, 1992, p.132). 27 “Existe, assim uma vontade por agregação humana, institucionalizada, a qual, no modus operandi coletivo e delitivo, sobressai-se à dimensão simplesmente individual como foco de propulsão das atividades... Exatamente esta é a conduta da sociedade que pode ser punida, eis que a verificação da culpabilidade neste aspecto far-se-á como juízo de reprovação lastreado em considerações normativas, recaindo sobre o ente coletivo, sem prejuízo da responsabilidade individual das pessoas físicas identificáveis e culpáveis” (Salvador Neto, 2009, p.94).

28 “Portanto, diante da expressa determinação legal, não cabe mais entrar no mérito da velha polêmica sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Melhor será exercitar e perseguir os meios mais adequados para a efetiva implementação dos desígnios do legislador, pois, segundo advertência de Starck, o jurista não pode esperar por um direito ideal. Ele deve trabalhar com o Direito existente, em busca de soluções melhores” (Milaré, 2005, p.858).

29 “Portanto, a capacidade criminal das pessoas jurídicas não vem em nada infringir o princípio multi-secular da necessidade do animus delinquendi para que se complete a figura do delicto, com a inclusão de seu elemento moral. Com a aceitação dessa forma indubitável de capacidade criminal, apenas reconheceremos um novo um novo aspecto que assume na época contemporânea mais do que nunca, a teoria da responsabilidade, estendendo-a a todas as entidades sociais verdadeiramente responsáveis e cujas atividades, no campo do direito penal, não podem mais ser negadas. Nada custa á doutrina acolher esse princípio de transparente

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33Sérgio Salomão Shecaira, em sua brilhante obra intitulada

“Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica,” declara a necessidade de

apenar-se a pessoa jurídica com o escopo de prevenção geral.30Além disso,

reconhece que as pessoas jurídicas tem decisões não no sentido próprio do

ser humano mas em um plano pragmático-sociológico, reconhecível

socialmente.

Importa trazer a colação o entendimento dos juristas Lanfredi,31 os quais

entendem que a responsabilização criminal da pessoa jurídica foi delineada

através do debate constitucional segundo as regras do jogo vigentes,

observando-se a conveniência e oportunidade de punir-se criminalmente a

pessoa jurídica.

O elemento anímico, manifestado expressamente pela pessoa jurídica

de forma institucionalizada, retrata uma conduta relevante para o direito penal.

Desta forma, segundo entendimento de parcela da doutrina, fica latente a

necessidade de adaptar-se a atual teoria do delito, objetivando tornar mais

seguro a punição dos entes coletivos.

A lei 9.605/98, além da conduta perpetrada pelo representante legal ou

contratual, ou ainda, órgão deliberativo, determina, também, como requisito

necessário à responsabilização penal, que a conduta tenha sido realizada no

interesse ou benefício da pessoa jurídica. Assim, a conduta realizada pelo

substratum humanus, que se desvincule desse interesse ou benefício, gerará

conseqüências de ordem penal apenas para a pessoa física, pois dissocia-se

da vontade denominada por agregação gerada no seio das corporações.

simplicidade, que as leis, menos indagadoras e mais diretas, já incluíram entre os seus textos” (Migliari Júnior, 2002, p. 153). 30 “A melhor resposta estatal para o crime praticado pelas empresas é, sem qualquer dúvida, a inflição de uma pena, que contemple um caráter público, com o fim de prevenção geral combinada com uma prevenção especial não marcada pelo retributivismo” (Shecaira, 1999, p.149). 31 “O ponto de vista contrário a responsabilização penal da pessoa jurídica foi vencido no debate institucional, segundo as regras do jogo democrático. A opção legislativa foi inserida no ordenamento jurídico, o que significa a predominância do entendimento da conveniência e oportunidade de utilizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica como instrumento eficaz no combate à criminalidade ambiental” (Lanfredi, 2004, p.23).

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34CONCLUSÃO

Ao longo da história testemunhou-se a necessidade da criação dos

entes coletivos, pois o individualismo humano não era mais suficiente para

suprir as necessidades da sociedade. Assim surgem os entes coletivos, cuja

personalidade jurídica, até os dias de hoje é debatida, mas sem dúvida, várias

conseqüências dessa realidade surgiram. Inicialmente a responsabilidade civil

foi aplicada sem grandes dificuldades, pois é sabido, que aquele que causa

prejuízo a alguém, gerando um dever jurídico sucessivo de indenizar, deve

recompor ao status quo, o bem lesado, seja material ou imaterial.

Mas na seara penal, infelizmente não ocorreu o mesmo. Assim, após o

Iluminismo iniciando-se a fase humanitária do direito penal elaborou-se uma

teoria do delito com concepções individualistas, pois à época a criminalidade

assim se cingia. Com o nascimento da revolução industrial, gerando as

grandes corporações, o direito penal passa a ser inoperante em face dessa

nova realidade, ou seja, os crimes cometidos pelas pessoas jurídicas, (lesando

principalmente o meio ambiente), passam a ser constantes. Isso gera grande

devastação ambiental, colocando em risco a própria existência do planeta.

Diante deste quadro, vários países oriundos do Common Law, com

menos rigor técnico e mais praticidade, incorporam o axioma societas

delinquere potest em seu ordenamento jurídico, inclusive influenciados pelos

diversos congressos de Direito Penal Internacional, os quais reclamam pela

adoção de penas de cunho criminal as pessoas jurídicas. Na contramão

desses acontecimentos os países oriundos da família romano-germânica, Civil

Law, adotam o axioma do societas non delinquere potest, evitando a punição

na seara penal dos entes coletivos.

Nesse contexto, surge no ordenamento jurídico pátrio, uma ordem

expressa do legislador Constituinte, determinando que as pessoas jurídicas

que lesarem o meio ambiente devem ser responsabilizadas criminalmente

(art.225, §3º, CRFB). O legislador infraconstitucional atendendo ao comando

constitucional aprovou em 12/02/1988, em regime de urgência, o projeto de lei

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35enviado pelo Executivo, o qual no art. 3º, criminalizou a conduta das pessoas

jurídicas que por decisão de seu representante legal viessem a praticar lesão

ao meio ambiente no seu interesse ou benefício.

Assim surge este trabalho no afã de desvendar os meandros do

instituto, objeto deste trabalho, tão debatido e longe de ser pacificado,

objetivando mostrar que a cada fato ou fenômeno social novo, a sociedade

passa a valorá-lo e, por conseguinte, cria uma norma que atenda aos

interesses desta mesma sociedade. Daí a importância do estudo desenvolvido.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Parte Geral. São Paulo:

Saraiva, 2009.

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São Paulo: Saraiva, 2009.

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39ATIVIDADES CULTURAIS

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40FICHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO ‘‘LATO SENSU’’ EM DIREITO AMBIENTAL

TEMA - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

NOS CRIMES AMBIENTAIS

VAGNER MELLO PEPE

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Professor Orientador CONCEITO: __________________________________