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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSO”
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
TRÁFICO DE PESSOAS: ASPECTOS NORMATIVOS E FINALÍSTICOS
SILVIA VALERIA BORGES DUARTE
Rio de Janeiro 2010
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUCÁO “LATO SENSO”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
TRÁFICO DE PESSOAS: ASPECTOS NORMATIVOS E FINALÍSTICOS
Monografia produzida para o curso de pós-graduação lato senso da Universidade Cândido Mendes, do Instituto A Vez do Mestre, como requisito parcial para a obtenção do título de pós graduada em Direito Internacional e Direitos Humanos.
Rio de Janeiro 2010
AGRADECIMENTOS Ao coordenador, professor e orientador Francis Rajzman, que corajosamente aceitou o desafio do pioneirismo e com toda sua perspicácia nos trouxe excelentes notícias do Direito Internacional. A todos do Instituto a Vez do Mestre que em parceria com Universidade Cândido Mendes insistem em acreditar na educação. E a minha família que já faz parte das minhas empreitadas acadêmicas.
“A miséria oferece e a sociedade compra” (Victor Hugo – Os miseráveis)
SUMÁRIO
INTRODUÇAO
• CAPÍTULO 1 - O TRÁFICO DE PESSOAS 1.1 .Conceito 1.2 .Breve Histórico
• CAPÍTULO 2 – PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS PÁTRIOS E INTERNACIONAIS
2.1 .Código Penal 2.2 .Protocolo de Palermo 2.3 .Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores 2.4 .Estatuto do Estrangeiro 2.5 .Estatuto da Criança e do Adolescente 2.6 .Remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplante e tratamento
• CAPÍTULO 3 – VARIAÇÕES FINALÍSTICAS 3.1. Exploração Sexual 3.2. Exploração da mão-de-obra 3.3 .Tráfico de Órgãos e de partes do corpo
• CAPÍTULO 4 – CONCLUSÃO
• CAPÍTULO 5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .
INTRODUÇAO Aumenta a cada dia o desejo das pessoas de se deslocarem de um país
para outro, buscando melhores oportunidades. Num outro trabalho em que o
objeto de estudo foi a Extradição1, tive a oportunidade de verificar algumas das
muitas razões que levam as pessoas a migrarem: desastres naturais, a rigidez
climática de alguns lugares, a fome, perseguições étnicas, religiosas, as
guerras e a pobreza em geral.
O avanço da globalização, a busca por novos mercados consumidores
acabou por incentivar cada vez mais a circulação de gentes, embora,
atualmente, muitos países dificultem o acesso a seus territórios por conta das
ofensivas terroristas.
Neste contexto, e a despeito de toda dificuldade imposta pelos Estados
onde estrangeiros são personas non gratas um crime gravíssimo acontece: o
comércio ilícito de pessoas ou apenas de parte de seus corpos.
Para o cidadão comum tudo parece não passar de mais uma “lenda
urbana”, mas na verdade, milhares de pessoas estão sendo aliciadas,
transportadas, vendidas, exploradas, escravizadas, mutiladas, como se fossem
mercadorias.
Acredita-se que o Tráfico de Pessoas seja o comércio ilícito que mais
cresceu nos últimos tempos, perdendo em rentabilidades apenas para o tráfico
de armas e drogas, embora alguns acreditem que atualmente, tráfico de
pessoas já tenha superado o tráfico de drogas. 2
Atualmente, as pessoas se deslocam como nunca se viu antes. Em 2004,
o mundo registrou 175 milhões de imigrantes internacionais, o que equivale a
3% da humanidade. No entanto, pelo menos outros 90 milhões talvez não
estejam sendo documentados. Um número ainda maior participou de
migrações internas, 150 milhões apenas na China, que atraídos pelas cidades
e zonas industriais em expansão, abandonaram regiões do interior. Outros 20
1 DUARTE, Silvia Valeria Borges. Requisitos materiais e formais da extradição. Monografia apresentada para obtenção de título de bacharel em Direito na UniverCidade, 2005. 2 O Desembargador Antonio Carlos Malheiros, representante do TJ de São Paulo na Comissão de Combate ao Tráfico de Pessoas da Sec. Est. de SP, afirma: "O Tráfico de pessoas já está em segundo lugar nas atividades criminosas mais lucrativas do mundo. Já superou o tráfico de drogas e perde apenas para o tráfico de armas" ( www.tj.sp.gov.br)
milhões de refugiados ou exilados complementam esse quadro. Os EUA e a
Europa continuam sendo o destino preferencial.3 O presente trabalho pretende trazer à luz, por hora, de forma mais
abrangente, a temática do tráfico de pessoas, e quem sabe, num futuro
próximo, originar uma pesquisa mais profunda e enfática acerca da
comercialização de órgãos ou de “partes do corpo”, como preferem alguns
estudiosos.
O fenômeno pode ser analisado sob diversos aspectos, especialmente o
econômico, social, o antropológico e o criminal. Pretende também pesquisar os
instrumentos legais pátrios e internacionais existentes que objetivam combater
tal prática.
Todo aparato sigiloso, a compra e venda de órgãos humanos existe
silente, sendo apontada como grave violação aos direitos humanos perpetrada
na calada das noites, nos prostíbulos, nas fazendas, nas fábricas e nos
containeres mundo afora.
A sociedade ainda desconhece a gravidade que envolve o tema, muitos o
tratam como uma espécie de mito contemporâneo, mas a verdade é que
muitos têm se beneficiado financeiramente por explorarem a vida e a morte de
terceiros.
Se o curso que ora se conclui é sobre Direito Internacional com ênfase
em Direitos Humanos, está-se diante de um grande desafio: estudar um fato
que sob o olhar jurídico-criminal, configura-se como uma das maiores
violências que um ser humano pode fazer com outro: “coisificá-lo”.
Inicialmente, apresentam-se alguns poucos conceitos existentes sobre
tema e sua evolução histórica, contextualizando a globalização e os
movimentos migratórios.
No segundo capítulo, destacamos alguns instrumentos legais pátrios e
internacionais, tais como o Código Penal Brasileiro, comentando as recentes
modificações visando aumentar o alcance da proteção; o Estatuto da Criança e
do Adolescente; o Estatuto do Estrangeiro; a Consolidação das Leis
Trabalhistas; as Convenções da Organização Internacional do Trabalho; A lei
que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para
3 NAÍM, Moisés. Ilícito. O ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Jorge Zahar Editor.2006. p.86
fins de transplante e tratamento; Tratado de Paris, que se ocupou primeiro do
tráfico de negros; A Convenção de Genebra, de 1956, que ampliou o Tratado
de Paris; o Acordo para Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, de 1904,
depois convolado em Convenção; a Convenção Internacional para a
Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, de 1921 em Genebra; a
Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, de
1933, e por último a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico
de Pessoas e do Lenocínio, de 1949; e finalmente o Protocolo de Palermo, de
2000.
No terceiro e último capítulo destacamos as principais vertentes do tráfico
de pessoas, ou seja, algumas de suas muitas finalidades, tais como a
exploração sexual, a exploração de mão-de-obra, a venda de crianças para
serem adotadas ilegalmente ou servirem às redes de prostituição infantil e por
fim, o tráfico de órgãos ou de partes do corpo para transplantes ou rituais de
feitiçaria, demonstrando a vulnerabilidade das vítimas.
Comercializar pessoas pode ser cruel para alguns, mas extremamente
lucrativo e compensatório para outros.
Por fim, espera-se que trabalho possa contribuir para estimular a
discussão e o fluxo de informação acerca do tema entre os atuantes nas
ciências jurídicas e sociais, assim também como entre os cidadãos comuns,
desejosos de um mundo mais digno.
1- O TRÁFICO DE PESSOAS
1.1 Conceito
Em 1994, a Resolução da Assembléia Geral da ONU assim definiu o
tráfico de pessoas:
Movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das
fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países
em desenvolvimento e de alguns países com economia em
transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações
de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício
de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim
como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de
mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os
casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções
fraudulentas 4
O conceito do tráfico de pessoas que emana do Protocolo de Palermo,
principal documento internacional global contra a criminalidade organizada
transnacional, está ligado à idéia de exploração:
A expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de
pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras
formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre
outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo,
a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de
exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura
ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos 5
4 Resolução da Assembléia Geral da ONU, 1994. 5 Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças (2000)
Para o Ministério da Justiça Brasileiro, Tráfico de Pessoas é causa e
conseqüência de violação de direitos humanos, porque explora a pessoa
humana, degrada sua dignidade e limita sua liberdade de ir e vir.
A doutrina não preocupou-se em construir conceitos acerca do tráfico de
pessoas e os existentes estão calcados da práxis.
Moisés Naím nos traz uma diferenciação entre contrabando humano e
trafico humano:
Os termos contrabando humano e tráfico humano designam,
em princípio, duas atividades diferentes. No contrabando
humano, o imigrante paga ao contrabandista pela travessia. No
caso do tráfico, o traficante decide, coage o imigrante e o
vende como mão de obra. 6
Dolores Cortes7, da Organização Internacional para as Migrações (OIM),
discorreu sobre “A importância da conceitualização do problema: mecanismos
legais disponíveis contra o tráfico de pessoas”. A representante da OIM
indicou que é extremamente importante conceitualizar o tráfico de pessoas
que, de acordo com a OIM, trata-se de uma forma de migração irregular que
implica a violação dos direitos humanos do migrante. Afirmou que o tráfico é
um crime que faz dois milhões de vítimas por ano, conforme dados da OIM.
Acrescentou que, em conformidade com o Protocolo relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças
(Protocolo de Palermo), os elementos que definem o tráfico de pessoas
incluem atividades, meios e fins. As atividades são de captação, acolhida,
traslado e recebimento, e os meios incluem ameaças, força, fraude, coação,
engano e abuso. Por outro lado, afirmou que o resultado das atividades e o
uso dos meios conduzem aos fins que se traduzem pela exploração, que se
manifesta, entre outros, pela exploração sexual, os trabalhos e serviços
forçados, a escravidão, a servidão, a extração de órgãos, etc.
6 Naím, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Tradução Sérgio Lopes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 2006, p. 85. 7 Dolores Cortes – Relatora da Reunião das Altas Autoridades Nacionais em Matéria de Tráfico de Pessoas, Venezuela, 2006.
1.2 Breve Histórico O homem como objeto de negociação, vem sendo explorado desde a
Antiguidade, principalmente no período de Alexandre Magno. 8 Atualmente o
Tráfico de Pessoas está ligado à globalização, às facilidades tecnológicas que
impulsionam o comércio e a circulação de pessoas.
O Brasil, à época da colonização portuguesa, permitiu o tráfico de
pessoas, negros oriundos do continente africano, durante um longo período
que aqui chegaram para trabalharem no cultivo da cana de açúcar, do café, do
cacau. Os homens, no trabalho da lavoura; as mulheres, geralmente levadas
ao trabalho doméstico e à satisfação sexual dos homens da família. 9
Ao longo de quinhentos anos, o Brasil construiu uma cultura hostil ao
tráfico de seres humanos, visto que sempre atuou como importador ou
exportador de seres humanos, em especial mulheres.
Thalita Carneiro Ary10 nos informa um pouco mais acerca da origem do
Tráfico de Pessoas
O tráfico de seres humanos é uma prática muito antiga, existindo desde a Antiguidade Clássica, primeiramente na Grécia e posteriormente em Roma. Nesse período o tráfico se dava com o objetivo de se obter prisioneiros de guerra para serem utilizados como escravo. Saliente-se que o trabalho escravo era respaldado pelos pensadores da época, apontando Aristóteles que haviam homens escravos por natureza, pois existiam indivíduos tão inferiores que estariam destinados a empregar suas forças corporais e que nada de melhor poderiam fazer. Apenas Durante o período renascentista, por volta do século XIV e XVII, o tráfico ganhou feição de prática comercial. Com o advento da colonização européia nas Américas, surge uma nova forma de tráfico de seres humanos: o tráfico negreiro, o qual se configura como um sistema comercial que recrutava mediante força e contra seus desígnios, mão de obra de determinada sociedade transportando-a a outra de outra cultura completamente diferente. Africanos passaram a ser utilizados para suprir a carência de mão de obra nas colônias de exploração européia, perdurando essa exploração humana por séculos. A estruturação econômica e política dessas sociedades estavam alicerçadas na exploração dessa espécie de força de trabalho, configurando-se condição essencial e indispensável para sua sobrevivência. Dessa forma o trabalho escravo movimentou economias e levantou impérios, construiu grandes cidades, impulsionou o comércio.
8 Plutarco. Alexandre e César. São Paulo, Ediouro, 2001. 9 Da Cunha, Manoela Carneiro. Negros, estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985, p. 31/39. 10 ARY, Thalita Carneiro. O tráfico de pessoas em tr6es dimensões: evolução, globalização e a rota Brasil /Europa. http://hdl.handle.net/10482/4359
No século XIX os esforços se pautaram na eliminação dessa espécie de tráfico que possuía como finalidade específica a escravidão, adquirindo posteriormente, um enfoque diferente. Assim, dentro do escopo do processo de internacionalização da mão de obra no período de globalização do capitalismo, em fins do século XIX e início do séc. XX surge uma nova preocupação referente às pessoas traficadas: a questão do tráfico de escravas brancas objetivando a prostituição.
2- PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS PÁTRIOS E INTERNACIONAIS
A legislação internacional, como já informamos, se ocupou primeiro do
tráfico de negros que sustentaram os regimes escravocratas, estendendo-se
depois às mulheres brancas. Em 1904 é firmado em Paris o Acordo para a
Repressão de Tráfico de Mulheres Brancas, no ano seguinte convolado em
Convenção.
Assim desenvolveu-se a legislação coercitiva e de combate à exploração
sexual:
• 1904 – Acordo para repressão ao tráfico de mulheres brancas
• 1910 – Convenção Internacional para repressão ao tráfico de mulheres brancas
• 1921 – Convenção Internacional para repressão ao tráfico de mulheres e crianças
• 1933 – Convenção par repressão ao tráfico de mulheres maiores
• 1949 – Convenção e Protocolo final para repressão ao tráfico de pessoas e do
lenocínio.
A partir de 1910, os instrumentos normativos internacionais passaram a
tratar o tráfico para fins de exploração sexual como crime punível com privação
de liberdade e passível de Extradição. Houve uma ampliação gradual da
proteção à todas as mulheres, incluindo adolescentes e crianças.
A convenção de 1949 é um marco divisório nos aspectos legais, pois
incorporou valores como a dignidade da pessoa humana, o bem estar da
família e da coletividade, abrangendo o conteúdo da norma, apontando como
possível vítima qualquer pessoa, independentemente de idade ou gênero.
O Tribunal Penal Internacional prevê em seu estatuto os crimes de
escravidão sexual e de prostituição forçada como sendo crimes contra a
humanidade e de guerra.
Em 2000, após inúmeros debates, a ONU aprovou o Protocolo Adicional
à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, o
“Protocolo de Palermo”; importante documento que ampliou o conceito da
matéria para todo tipo de exploração, seja ela sexual, do trabalho ou para
remoção de órgãos para diversos fins.
Na proteção ao trabalho, destaca-se a Convenção 29 e 105 da OIT. A
primeira (Convenção sobre Trabalho Forçado) dispõe sobre a eliminação do
trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas. Admite algumas
exceções de trabalho obrigatório, tais como o serviço militar, o trabalho
penitenciário adequadamente supervisionado e o trabalho obrigatório em
situações de emergência, como guerras, incêndios, terremotos, entre outros. A
segunda (Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado) trata da proibição
do uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção
ou de educação política; castigo por expressão de opiniões políticas ou
ideológicas; medida disciplinar no trabalho, punição por participação em
greves; como medida de discriminação. Há também a declaração de Princípios
e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de 1998.
No Brasil, visando coibir o tráfico de pessoas de maneira abrangente, os
principais instrumentos legais são os seguintes: Lei 2.848/40, art. 231 e 231-A;
245 (Código Penal); Lei 6.815/80, arts. 80 e 125 (Estatuto do Estrangeiro); Lei
8.069/90, arts. 238 e 239 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei 9.434/97,
arts. 14 e seguintes (Lei dos Transplantes); Decreto 5.948/2006 que aprova a
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e institui Grupo de
Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar proposta do Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP).
2.1. O Código Penal
O legislador, no Código Penal no Título VI, Capítulo V, artigo 231,
descreve o tipo penal e determina a pena para os que praticam Tráfico
Internacional de Pessoas e no 231 A, abarca o tráfico interno, no âmbito
territorial brasileiro.
O tipo penal descrito do Art. 231 é “Promover, intermediar ou facilitar a
entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a
saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro”. Já no 231-A o texto refere-se à
mesma prática, só que em território nacional.
O professor e Procurador de Justiça Rogério Greco,11 faz o seguinte
comentário acerca do assunto:
Temos tomado conhecimento com uma freqüência assustadora, pelos meios de comunicação de massa, sobre o grande número, principalmente de mulheres, que parte do Brasil para o exterior, especialmente para os países da Europa, iludidas com promessas de trabalho, ou até mesmo, com propostas de casamento para na verdade, exercerem a prostituição. O contrário também ocorre, ou seja, mulheres estrangeiras aliciadas para se prostituírem no Brasil, mesmo que em menor freqüência. A Lei 11.106 de 28 de março de 2005 modificou a redação original do art. 231 do CP a começar pela sua rubrica. Inicialmente, a previsão legal dizia respeito tão somente ao tráfico de mulheres, sendo que o tipo penal indicava como sujeito passivo. Depois da mencionada modificação legislativa, a infração penal em estudo passou a ser chamada de tráfico internacional de pessoas significando que tanto mulheres como homens podem figurar como sujeitos passivos do delito sub examen. Há uma preocupação em nível internacional no que diz respeito ao tráfico de pessoas com o fim de serem exploradas sexualmente, mediante o exercício da prostituição. Em 21 de março de 1950, foi concluída, em Nova York, a Convenção das Nações Unidas destinadas ä repressão do tráfico de pessoas e do lenocínio, assinada pelo Brasil em 05 de outubro de 1951 e aprovada pelo DECRETO Legislativo n. 06, de 1958, tendo sido depositado o instrumento de ratificação na ONU em 12 de setembro de 1958.
Outro importante doutrinador penalista, o Professor Guilherme de Souza
Nucci 12 também manifestou-se sobre o trafico de pessoas em território
nacional:
O novo tipo penal, introduzido pela Lei 11.106/2005, destina-se a coibir o tráfico de pessoas, dentro do território nacional, com a finalidade do exercício da prostituição. É sabido que, atualmente, o turismo sexual com a meta de conseguir relacionamento sexual remunerado, tem sido preocupação de muitas autoridades, em especial quando envolvem adolescentes e até mesmo crianças, motivo pela qual se toma medidas mais severas para impedir a facilitação da prostituição, inclusive de adultos, levando e trazendo pessoas e proporcionando, para tanto, hospedagem e abrigo.
11 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. V. III. Ed. Impetus, 2007. 12 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Ed. RT, 2007.
2.2. O Protocolo de Palermo
O Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional á Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo á prevenção,
repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças)
foi um instrumento legal de abrangência internacional destinado a prevenir
combater o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Exige dos
países que dele fazem parte, medidas preventivas, punitivas para os traficantes
e de proteção as vítimas, resguardando seus direitos fundamentais,
internacionalmente reconhecidos.
A elaboração do documento, que completa a Convenção das Nações
Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional foi também motivada pela
verificação de não haver até então nenhum instrumento com um caráter tão
ampliativo sobre tal conduta criminosa.
O Protocolo também define, no art. 3, a expressão tráfico de pessoas:
significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo á ameaça ou ao uso da força ou a outras
formas de coação, ao rapto, a fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou a
situação de vulnerabilidade ou á entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade
sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá no mínimo, a
exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares á escravatura,
a servidão ou a remoção de órgãos, práticas odiosas das quais discorremos
mais a frente.
2.3. Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores
A Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores
surgiu para dar maior proteção à criança e ao adolescente através de medidas
mais abrangentes, assim como ao reconhecimento do Princípio de Proteção
Integral e efetiva do menor e preocupado com o crescente número de crianças
vitimadas pelo tráfico internacional de menores.
Visa proteger os direitos fundamentais e os interesses superiores dos
menores, bem como a regulamentação de seus aspectos civis e penais.
2.4. Estatuto do Estrangeiro c/c Constituição Federal
O Estatuto do Estrangeiro em seu art. 125 prevê como conduta criminosa
o ato de introduzir clandestinamente o estrangeiro no Brasil e a competência
processual e punitiva cabe a Justiça Federal.
2.5. Estatuto da Criança e do Adolescente
O ECA reprime a conduta dos responsáveis pelo menor com a seguinte
redação do art. 238:
Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceira,
mediante paga ou recompensa.
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
Parágrafo único – Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva
a paga ou recompensa.
Assim também como àqueles que enviam os menores para fora do
Brasil, na previsão do art. 239 da mesma Lei:
Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio
de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das
formalidades legais ou com o fito de obter lucro.
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 8 (oito) anos, além da pena
2.6. Lei que dispõe sobre a Remoção de Órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento (Lei 9434/97).
No intuito de alavancar o número de doações de órgãos e tecidos o
Ministério da Saúde tem investido na conscientização da necessidade da
doação de órgãos para serem transplantados às pessoas doentes que
precisam de uma nobre atitude de doação para viver. No Brasil, teoricamente,
a doação só acontece com o consentimento dos familiares e observando as
demais disposições previstas na lei nº 9434, de 4 de fevereiro de 1997.
Contudo, existem pessoas que diante do quadro grave de saúde em que
se encontram ou movidos por interesses financeiros, acabam por violar as
normas previstas na Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, ora indo de
encontro com o previsto no artigo 15 (comprar ou vender tecidos, órgãos ou
partes do corpo humano), ora contrariando o disposto no artigo 14 (Remover
tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com
as disposições desta Lei), dentre outras previstas na lei de regência da matéria.
3- VARIAÇOES FINALÍSTICAS
Moisés Naím 13 comenta sobre o quantitativo estimado de pessoas vítimas
deste crime, estima que cerca de 30 milhões de mulheres e crianças foram
vítimas de tráfico no Sudeste Asiático nos últimos 10 anos. Afirma que o tráfico
através de fronteiras, que é apenas uma parte de todo esse quadro, transporta
aproximadamente de 700 mil a 2 milhões de pessoas por ano, sem contar o
comércio interno.
Em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo em 2006, estimou-se
que o tráfico de seres humanos tenha superado o trafico de armas em termos
de lucratividade ao movimentar US$ 32 bilhões por ano e explorar mais 2,5
milhões de pessoas Não se pode precisar o quantitativo por se tratar de
comércio ilícito, mas os governos, organizações internacionais e grupos
ativistas que rastreiam esses fluxos concordam que o número de pessoas que
cruzam ilegalmente as fronteiras em condições coercitivas, não tem
precedentes na história.
Segundo a ONU14, quando o tráfico e o contrabando de seres humanos
aparecem combinados, o quadro é ainda mais preocupante. China e México se
destacam nessa prática odiosa. O primeiro pelo elevado índice populacional
que gera uma mão de obra extremamente barata e a política severa de
controle de natalidade, que provocam a venda de crianças para dentro e fora
do país, o segundo por desejar a realização financeira no país rico e fronteiriço.
13 NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Tradução de Sérgio Lopes- Rio de Janeiro. Jorge Zahar. Ed. 2006. Página 85 14 ONU –Brasil. www.onu-brasil.org.br
Ambos são aspectos de uma vasta nova indústria que prospera graças
ás aspirações daqueles que buscam uma vida melhor em algum lugar e aos
obstáculos que os governos colocam no seu caminho.
3.1. Exploração Sexual
No tráfico para exploração sexual a vítima preferencial é a mulher,
embora muitos homens estejam sendo atualmente aliciados. No Brasil,
Segundo dados do Ministério da Justiça (PESTRAF- Pesquisa sobre tráfico de
mulheres, crianças e adolescentes para fins comercias no Brasil)15 os
recrutados são pobres, com idades entre 18 e 30 anos, solteiros, com pouca
escolaridade e sem profissão definida. As principais formas de aliciamento são
através de agências de modelos, de viagens e empregos, sites de
relacionamentos, restaurante, boates e hotéis Os agentes criminosos diretos
são geralmente brasileiros com atividade profissional ligada ao turismo e ao
entretenimento.
Os Estados que muito se destacam são Pará, Goiás, Roraima, Bahia,
Natal, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. .
Ao chegarem ao exterior têm seus passaportes – muitas vezes falsos-
apreendidos e passam a viverem em condições análogas a de escravos, em
condições inumanas, existindo apenas para garantirem a lucratividade dos que
as exploram. 16
Países como a China, Rússia, Tailândia, Japão, Filipinas, Colômbia e
Camboja, se destacam nesta prática degradante. Com a unificação das
Europas, centenas ou milhares de adolescentes foram exportadas da Rússia,
Ucrânia, Moldávia e Romênia para serem exploradas sexualmente em cidades
da antes Europa ocidental e do Japão. Em cidades como Londres (Inglaterra) e
Lyon (França) a mudança resultante da chegada de jovens estrangeiras para
atuarem no mercado do sexo foi tão expressiva, que prostitutas locais
organizaram movimentos ativistas para protestar contra a tomada do mercado
15 Ministério da Justiça do Brasil – www. mj.gov.br 16 Operação Castanhola – WWW.dpf.gov.br/DCS/notícias/2005/ - Operação realizada pela Polícia Federal em Goiás, desbaratando uma quadrilha que traficava mulheres para Espanha e Portugal .
pelas mulheres oriundas da Europa Oriental, trazendo àquelas, prejuízos
insondáveis.
A situação é gravíssima. Os recrutadores ganham em torno de 500
dólares por vítima que é convencida através de promessas falsas de virem a
tornar-se modelos, secretárias ou balconistas em um país rico. Depois de
cruzarem a fronteira são “armazenadas” em depósitos e condicionadas à
exploração sexual pelo uso de drogas, ameaças de morte, espancamentos e
seguidos estupros. Uma mulher poderá passar anos como escrava sexual,
sujeita a um tratamento desumano até seu corpo se exaurir ou o traficante
decidir que ela quitou sua “dívida”. O mesmo acontece no Japão, onde as
meninas são geralmente oriundas do Brasil, Equador, Colômbia ou Tailândia,
onde as meninas são geralmente vendidas pelos próprios pais.
Um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC) 17 revelou que aproximadamente 70.000 mulheres são vítimas de
tráfico sexual para a Europa Ocidental anualmente. De acordo com o
documento O Tráfico de Pessoas para a Europa para Exploração Sexual, há
atualmente cerca de 140.000 mulheres obrigadas a trabalhar no mercado do
sexo na região.
A ONU18 estima que essas “escravas sexuais” façam em torno de 50
milhões de programas ao ano, a um custo médio de 50 euros por cliente
(aproximadamente 109 reais), movimentando um total de 2,5 bilhões de euros
(aproximadamente 5,47 bilhões de reais). Segundo o documento, a região dos
Bálcãs é a principal origem das mulheres traficadas para a Europa Ocidental
(32% do total), seguida dos países do ex-bloco soviético (19%). As sul-
americanas representam 13% dessas mulheres e têm como principais destinos
Espanha, Itália, Portugal, França, Holanda, Alemanha, Áustria e Suíça. A
organização percebe ainda um aumento no número de mulheres brasileiras
traficadas para a Europa. A maioria das vítimas são originárias de regiões
pobres no norte do país, principalmente nos estados do Amazonas, Pará,
Roraima e Amapá.
O tráfico para fins sexuais também é comum nos EUA. Em 1998
escravas sexuais mexicanas foram descobertas na Flórida. Um relatório do
17 Relatório divulgado na Espanha pelo diretor executivo da UNODC, Antonio Maria Costa. 18 ONU. www.onu-brasil.org.br
governo, em 1999, assinalou que as autoridades da imigração identificaram
256 bordéis em 26 cidades que aparentemente eram abastecidas com vítimas
do tráfico. 19
As crianças não são poupadas nesse comércio ilegal. São vendidas
anualmente cerca de 120 mil crianças da Europa Oriental para a Ocidental,
avalia o UNICEF. Só uma estreita cooperação entre estes Estados poderia
evitar o tráfico humano. A ONG Terre des Hommes confirma que mais de um
milhão de crianças são vendidas anualmente. Muitas são forçadas à
prostituição e sofrem abusos sexuais e violência. A maioria é levada para longe
de sua pátria e muitas são aprisionadas e maltratadas.
As crianças vendidas para a Alemanha são em muitos casos exploradas
sexualmente e forçadas a atividades criminosas, como roubar ou vender
drogas.
Naím20 nos informa que num vilarejo chinês de Langle, é facil reconhecer
as casas das famílias cujos filhos são do sexo feminino:
Essas famílias têm a casas com telhas e ar condicionado, enquanto as famílias que não têm meninas são pobres, e suas crianças ainda caçam com arco e flecha nas colinas. A principal razão para que as casas com meninas sejam mais prósperas é que elas não estão mais lá.
Nas grandes cidades da Europa, cresce o número de trombadinhas –
crianças trazidas do Leste Europeu especialmente para “bater carteiras”. Outro
ramo de trabalho dos traficantes é a adoção ilegal. Como mercadorias,
crianças são oferecidas em catálogos na internet. As preferidas para adoção
são brancas, saudáveis e recém-nascidas.
Rússia e a Albânia têm se destacado neste infeliz mercado e a corrupção
dificulta o combate ao tráfico humano por parte da polícia, que em muitos
países também é corrupta. Além do mais, os criminosos contam com os meios
mais modernos de comunicação. A internet é uma plataforma confortável para
oferecerem seus produtos além fronteiras. Segundo o relatório da UNODC, a
pornografia infantil gera para os criminosos aproximadamente US$ 250
19 NAIM, Moisés. Ilícito. Jorge Zahar Editor. 2006. p.89 20 Idem.
milhões, com cerca de 50 mil novas imagens publicadas todos os anos na
rede.
A quarta Conferência Mundial sobre mulher, em Beijiin (1995) acolheu o
conceito de prostituição forçada como uma forma de violência, permitindo,
conseqüentemente o entendimento de que a prostituição exercida livremente
não representa violação aos direitos humanos, alterando assim um dos
paradigmas da Convenção de 1949. Entretanto é importante ressaltar que o
entendimento prevalente é no sentido de que configurada a exploração da
pessoa humana, o Estado não poderá chancelar o consentimento.
No Brasil, o cineasta Rudi Lagemann mostrou nas telas o drama da
exploração sexual de crianças e adolescentes nos garimpos da Amazônia, num
filme intitulado Anjos do Sol que logo em sua primeira exibição pública
arrematou o prêmio do júri popular para melhor longa Ibero-Americano durante
o Miami International Film Festival.
2.2 Exploração de mão-de-obra (Trabalho Escravo)
O tráfico de pessoas muitas vezes tem como finalidade submeter
pessoas ao trabalho forçado. Atinge tanto os países ricos como os pobres. É
um fenômeno verdadeiramente global. Os novos arranjos políticos e
econômicos que afetaram o mundo como a queda do Muro de Berlim, o
Colapso da Cortina de Ferro, a União Européia, o MERCOSUL, entre outros,
trouxeram uma liberdade de locomoção jamais vista, disponibilizando
potenciais trabalhadores aos países que dele necessitavam. O crescimento
econômico de alguns países criou uma demanda por trabalhadores
inexistentes no mercado local.
Os empregadores fazem lobby por leis de imigração mais flexíveis, mas
mesmo assim nenhum estrangeiro é recebido em qualquer lugar do mundo de
braços abertos, favorecendo assim um mercado global de trabalhadores com
inúmeras barreiras legais que deverão ser enfrentadas com coragem e
ousadia, que muitas vezes os levam às mãos de intermediários criminosos.
Os principais destinos costumam ser os centros urbanos dos países mais
ricos – Amsterdã, Bruxelas, Londres, Nova Iorque, Roma, Sidnei, Tóquio – e as
capitais de países em desenvolvimento e em transição. Mas a movimentação
de pessoas traficadas é muito complexa e variada. Países tão diferentes como
Albânia, Hungria, Nigéria e Tailândia podem funcionar como pontos de origem,
de destinação e de trânsito ao mesmo tempo.
Trabalhadores domésticos, operários de fábricas e, sobretudo, os que
trabalham no setor informal, podem tornar-se vítimas desse fenômeno. Embora
sua causa principal esteja em fatores econômicos, a luta contra o tráfico exigirá
uma gama de instrumentos. O tráfico de seres humanos é um ultraje moral,
mas as sanções penais que lhe são impostas costumam ser menos rigorosas
que as do tráfico de drogas. 21
O tráfico de pessoas em sua forma mais simples envolve a
movimentação de pessoas para a execução de um trabalho e mais
provavelmente para engajá-las em atividades ou empregos ilegais a serem
exercidos em condições de trabalho que contrariam normas estabelecidas.
Requer um agente, recrutador ou transportador, que, com toda probabilidade,
tirará vantagens dessa intervenção. A coerção pode não ser evidente no início
do processo ou no ciclo do tráfico. A pessoa pode entrar em acordo com o
agente recrutador, de uma maneira aparentemente voluntária, embora muitas
vezes sem ter recebido informação completa. Mas no lugar de destinação, as
condições costumam envolver coerções, inclusive restrições físicas à liberdade
de movimento, abuso, violência e fraude, muitas vezes na forma de não
pagamento de salários prometidos. As vítimas se vêem em geral envolvidas em
servidão por dívida e em outras condições análogas à escravidão.
De fato, grande parte do tráfico de pessoas para o trabalho pode ser
considerado servidão por dívida (truck system). Não se trata aqui de trabalho
em regime de servidão, derivada da tradicional servidão na agricultura, e que
passa de geração em geração. A servidão por dívida pode ser de duração
muito mais curta. Sua principal motivação é tirar proveito por diversos métodos,
que vão desde a prestação de serviços ilícitos – como a falsificação de
documentos – ao uso criminoso e direto da força.
21 Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT relativa a princípios e direitos fundamentais do trabalho – Conferência Internacional do Trabalho, 89ª Reunião, 2001
Benjamin Skinner 22 revela dados alarmantes acerca da exploração do
trabalho no mundo:
• Existem mais de 300 tratados internacionais que visam coibir o trabalho forçado.
• Existem em torno de 12,3 e 27 milhões de escravos atualmente no mundo.
• Há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da humanidade
• A Ásia e a Índia possuem mais escravos que todo o resto do mundo.
• O Haiti tem em torno de 300 crianças escravas.
• Um escravo pode custar entre 45 e 2 mil dólares.
No Brasil, em 1995, num pronunciamento, o então Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso assumiu a existência do trabalho
escravo no Brasil. A partir de então foram criadas estruturas governamentais
para o combate a esse crime, com destaque para o Grupo Executivo para o
Combate ao Trabalho Escravo (Gertraf) e o Grupo Especial de Fiscalização
Móvel.
Em 2003, o Brasil lançou o Plano Nacional para a Erradicação do
Trabalho Escravo e criou a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo (Conatrae).
Em março de 2004, reconheceu na Organização das Nações Unidas a
existência de pelo menos 25 mil pessoas reduzidas à condição de escravos no
país.
De 1995 até agosto de 2009, cerca de 35 mil pessoas foram libertadas
em ações dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego. As ações fiscais demonstram que quem escraviza no Brasil não são
proprietários desinformados, escondidos em propriedades atrasadas e
arcaicas. Pelo contrário, são grandes latifundiários, que produzem com alta
tecnologia para o grande mercado consumidor interno ou para o mercado
internacional.23 Não raro, nas fazendas são identificados campos de pouso de
aviões dos fazendeiros. O gado recebe tratamento de primeira: rações
balanceadas, vacinação com controle computadorizado, controle de natalidade 22 Benjamin Skinner é jornalista, pesquisador e autor do livro “A crime so monstrous. Face a face with modern day slavery” 23 O primeiro condenado criminalmente por trabalho escravo, Antonio Barbosa de Melo, proprietário da Fazenda Alvorada, em Água Azul do Norte, sul do Pará, teve sua pena convertida em pagamento de 30 cestas básicas por seis meses.
com inseminação artificial, enquanto os trabalhadores vivem em piores
condições do que as dos animais. 24
Segundo o Procurador do Trabalho Fábio Goulart Villela:
A “senzala moderna” é o barracão de lona incrustado em localidade inóspita e de difícil acesso, ponto final de uma viagem que se inicia com o aliciamento de trabalhadores através dos conhecidos “gatos” ou diretamente pelos tomadores de serviços em diversas regiões do Estado Brasileiro. As precárias habitações, as péssimas condições de trabalho e de higiene e a configuração da chamada “servidão por dívida” (truck system), esta última como relevante fator inibidor da liberdade de ir e vir do trabalhador, são algumas das características desta chaga social, que constitui uma mancha no processo civilizatório nacional. 25
A ONG Terre des Hommes confirma que mais de um milhão de crianças
são vendidas anualmente. Como mão-de-obra barata, elas são obrigadas a
tecer tapetes, a trabalhar em pedreiras ou na agricultura. Algumas são
destinadas ao plantio de entorpecentes e outras tornam-se pedintes
profissionais. Na África muitas crianças são recrutadas para a atividade militar.
Estima-se que existam 300 mil crianças envolvidas em conflitos armados em
mais de 30 países ao redor do mundo. De acordo com o UNICEF, a maioria é
de adolescentes, mas existem crianças de até sete anos nessa situação. O
recrutamento de crianças em guerras se dá geralmente para as linhas de
batalha, mas elas são usadas também como espiões, mensageiros ou escudos
humanos.
Kevin Bales sociólogo britânico estudou o assunto no Brasil, Tailândia,
Mauritânia, Paquistão, Índia e França, afirma que há 3 mil escravas domésticas
em Paris, Londres e Zurique. As meninas são compradas ou “adotadas” em
países pobres. Estima-se que há cerca de 1 milhão de meninas com menos de
18 anos, trabalhando gratuitamente nas Filipinas.
3.3. O Tráfico de Órgãos e de partes de corpo
De todas as modalidades e finalidades do tráfico de pessoas a mais
covarde e complexa em suas razões é o tráfico de órgãos ou de partes do
24 http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/iniciativas/iniciativas.php 25 VILLELA, Fábio Goulart. Formas Contemporâneas de Escravidão Mídia Jurídica. Mural . N. 52/2008.
corpo. A comercialização ilegal de órgãos ou de partes do corpo requer uma
vítima absolutamente vulnerável na quase totalidade dos casos. Boa parte dos
órgãos traficados, vendidos ilegalmente para transplantes, pesquisas em
universidades ou rituais religioso-supersticiosos, são captados sob fraude,
torpeza ou extrema crueldade, o que explica maior relevo nesta parte da
pesquisa.
Retornemos à questão da definição e conceituação das expressões
tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, e tráfico de partes do corpo.
Há uma importante indagação a ser respondida: A pessoa foi traficada
para a remoção de uma parte do corpo ou a parte do corpo foi traficada
sozinha, separada da vítima?
O Protocolo das Nações Unidas (ONU) para Prevenir, Suprimir e Punir o
Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e Crianças, suplemento da
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado
(Protocolo de Palermo, 2000), fornece a primeira definição de tráfico de
pessoas acordada a nível internacional:
O “Tráfico de pessoas” significa o recrutamento, transporte,
transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou
uso de força ou por quaisquer outras formas de coerção, de rapto, de
fraude, de decepção, do abuso de autoridade ou de uma posição de
vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento para uma pessoa ter controlo sobre outra, para o
propósito de exploração (Artigo 3).
O parágrafo seguinte do artigo 3 do Protocolo de Palermo diz: (b) O
consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a intencionada
exploração explicada no sub parágrafo (a) deste artigo será considerado
irrelevante onde tenham sido usados quaisquer dos meios mencionados
no sub parágrafo (a).
No Protocolo de Palermo, o consentimento é irrelevante se for obtido por
meios de fraude ou coerção, incluindo abuso de poder sem força física. Isto
aplica-se aos casos em que indivíduos consentem, inicialmente (por exemplo
para migrar ou trabalhar) mas que depois são sujeitos a exploração. Se não
existe a possibilidade realista de consentimento livre e plenamente informado
ou de recusa, isto contribui para ser tráfico. A questão de consentimento é
irrelevante no caso de uma criança, como delineado no Artigo 3 (c) do
Protocolo de Palermo:
(c) O recrutamento, transferência, abrigo ou recebimento de uma criança
para fins de exploração será considerado como “tráfico de pessoas”
mesmo nos casos em que não envolva qualquer dos meios mencionados
no sub parágrafo (a) deste artigo.
O tráfico de partes de corpo em si, separado da vítima, não é abordado
no Protocolo de Palermo, uma vez que a remoção de órgãos nem sempre
implica elementos coercitivos.
Conclui-se que não existe uma definição de tráfico de partes de corpo
reconhecida a nível internacional, dificultando assim as denúncias, a
classificação penal e conseqüentemente medidas preventivas, protetivas e
punitivas, assim como levantamentos estatísticos para verificação do
quantitativo de ocorrências.
Quando a pessoa está viva e o objetivo do deslocamento é a remoção de
partes de corpo, o Protocolo de Palermo oferece uma definição abrangente. No
entanto, uma vez que não existe uma definição para quando as partes de corpo
são removidas fora do corpo da vítima, fica complicado estabelecer tal
ocorrência. Parece que até agora, nenhuma organização humanitária foi capaz
de fornecer uma definição de tráfico de partes de corpo. A maioria utiliza-se da
constante no Protocolo de Palermo. Verifica-se que existe um pressuposto de
que o tráfico de partes de corpo está apenas relacionado com transplantes e
que, por conseguinte, de um modo geral, a pessoa teria de ser traficada para
remoção da parte de corpo. Aparentemente, o conceito de usar partes de corpo
para fins além de transplantes não foi considerado quando se avaliou a
necessidade de uma definição.
Se uma parte de corpo for usada ou vendida num local diferente do local
de onde foi removida do corpo, então terá ocorrido deslocamento da parte do
corpo.
Tráfico é o ato de movimentar e comercializar algo ilegal. Uma vez que
estar na posse de partes de corpo para fins comerciais é considerado ilegal, o
movimento de uma parte de corpo para venda ou transação comercial é tráfico
de partes de corpo. Assim, Liga Moçambicana de Direitos Humanos chegou a
uma definição do que seria o tráfico de partes do corpo: “É considerado
tráfico de partes de corpo o transporte ou o movimento de uma parte de
corpo, quer através de uma fronteira ou dentro de um país para venda ou
transação comercial”.
O comércio de órgãos, destinados ao transplante, resulta das inovações
científicas e da ampla disseminação de novos equipamentos, drogas e avanços
da medicina, tornando o corpo humano um grande negócio.
O Brasil a despeito de ser o segundo país que mais realiza transplante
bem sucedido no mundo, é também, com a Índia, dos que mais se destaca
pelas estórias de doações forçadas. Na Índia recentemente, a National
Geographic Explorer divulgou informações sobre a viagem de Lisa Ling à Índia
para investigar relatos de comércio ilegal de órgãos de pessoas pobres
daquele país. A pesquisadora visitou uma vizinhança pobre conhecida como
“vila do rim”, onde muitos de seus moradores teriam vendido um de seus rins
ilegalmente por algo em torno de 800 dólares.
Em 1989, a Assembléia Mundial da Saúde, abordou a prevenção da
compra e venda de órgãos humanos. Em 1991, aprovou um conjunto de
princípios que enfatizam, dentre outros, a doação voluntária, a não
comercialização de órgãos, a preferência pela doação de cadáveres à doação
por pessoas vivas, e a preferência pela doação de geneticamente aparentado à
doação por não-aparentados, ressaltou os princípios da justiça e da eqüidade,
Em 2004, a mesma entidade aprovou um documento que recomenda a
proteção dos grupos mais pobres e vulneráveis de práticas como o “turismo
para transplante” e a venda de tecidos e órgãos.
Por um lado se tem a enorme demanda por órgãos nos países de maior
desenvolvimento econômico, por parte de pacientes que, em geral, se
encontram em situação crítica de saúde; por outro, a desigual vulnerabilidade
de cidadãos em situação econômica desfavorável, que geralmente vivem em
países de menor desenvolvimento econômico. A junção dessas “necessidades”
cria o risco de exploração da situação por indivíduos inescrupulosos, por meio
do comércio de órgãos para transplante.
No continente africano, A Liga de Direitos Humanos de Moçambique
realizou uma pesquisa alarmante que demonstra a ocorrência reiterada de
homicídios e lesões corporais gravíssimas, cuja finalidade principal é o tráfico
de partes do corpo para fins religiosos e supersticiosos. O estudo relata que
pessoas são atacadas para que delas se retirem seus órgãos,
preferencialmente os genitais. Um médico que trabalhou durante algum tempo
no Distrito de Mocímboa da Praia (Província de Cabo Delgado, Moçambique),
examinou, no local do crime, um corpo de uma mulher que havia sido
assassinada ao cortarem-lhe a garganta e arrastarem-na a alguns metros da
estrada. Depois de morta, os assassinos usaram uma “faca grande” e a
“genitália externa” foi retirada com “um golpe preciso, ou provavelmente dois
golpes, um de cada lado”. Não foram detidos quaisquer suspeitos. O médico
acredita que o fato se deu ―provavelmente para cerimônias tradicionais, para
fazer medicamentos tradicionais.
Outro caso que também faz parte da mesma pesquisa trata do corpo de
uma criança de dez anos que foi encontrada ―sem a cabeça, coração, fígado,
pênis e testículos, e tinha uma incisão obliqua descendente da esquerda para a
direita realizada com um objeto contundente. A criança foi brutalmente
assassinada e que os ferimentos foram fatais, ―primeiro a garganta foi cortada
e depois os órgãos foram removidos.
Questões antropológicas, culturais e até mesmo religiosas são
observadas nestas práticas e há certa conformação da população a este
estado de coisa. Um médico da maior associação de Médicos de Moçambique
fez a seguinte declaração, bastante curiosa:
Segundo os médicos tradicionais (MT) da AMETRAMO (Associação de médicos tradicionais de Moçambique) em Nampula, um “feiticeiro é aquele que faz ou pratica o mal”, eles “agem por inveja ou por vingança criando doenças inexplicáveis às pessoas até que estas percam a vida”. A AMETRAMO chama-os de médicos tradicionais de “segunda categoria” porque “eles não aplicam os seus conhecimentos de medicina tradicional como deveriam em contraste com os de
“primeira categoria� que investigam e aprofundam os seus conhecimentos para fazer o bem.” Eles acrescentam que os feiticeiros podem “incitar as pessoas a cometer assassínios como meio de torná-las ricas”. Afirmaram também que “médicos tradicionais confiáveis não precisam fazer tratamentos com órgãos humanos” e
que os que fazem isso são “gatunos, não são médicos tradicionais”. Os médicos tradicionais acrescentaram ainda que há tratamentos feitos por feiticeiros com partes de corpo humano que podem ser feitos por eles sem usar partes de corpo, mas sim com “a força dos espíritos e de Deus, sem ter de matar ninguém, com a ajuda das raízes.” Os membros da AMETRAMO de Nampula disseram também que a medicina tradicional não é tão desenvolvida na Beira e em Maputo, e que “é nesses sítios que estão os que fazem tratamentos com genitais humanos”. Eles defendem-se ao dizer que apesar de serem acusados de praticarem este tipos de tratamentos, que eles são “contra os feiticeiros”.
No Brasil, A Polícia Federal numa investigação nomeada “Operação
Bisturi”, levantou casos de aliciamento e tráfico de seres humanos para
remoção de rins realizados através de uma associação clandestina, que
entrava em contato com habitantes da periferia de Recife, oferecendo
pagamento em dinheiro em troca do órgão. Os doadores seriam remunerados
com quantias que variavam de 6 a 10 mil dólares. As operações ocorriam no
Hospital St.Augustine, de Durban, África do Sul, e a viagem e todos os
procedimentos necessários corriam ás expensas da dita “associação”. As
pessoas selecionadas como doadores eram encaminhadas, ainda em Recife, a
exames pré-operatórios e, se aprovadas, recebiam documentos de viagem,
passaporte e passagens, tudo providenciado pelo grupo de Gaudy. Ao
retornarem, muitos dos aliciados passaram também a ser captadores de novos
“doadores”, recebendo a quantia de mil dólares por voluntário captado.
Outro caso chocante foi o da vítima Paulo Veronesi Pavesi, cujo pai
imputa a médicos da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas o
homicídio de seu filho. Segundo o pai da vítima os médicos apontados na
denúncia oferecida pelo Ministério Público, eram os responsáveis pela cirurgia
de captação de órgãos, que haviam sido doados em função da declaração de
morte cerebral da criança, porém a declaração de morte encefálica seria falsa e
seu filho havia morrido na ocasião da cirurgia para a extração dos órgãos.
quando da cirurgia, por isso a imputação de homicídio a esses profissionais.
Além do homicídio foram também incursos no art. 14 da Lei dos Transplantes.
A CPI do Tráfico de órgãos 26, presidida pelo Deputado Neucimar Fraga,
apresenta-nos um caso digno de inspirar um filme de terror, onde uma pessoa
26 Comissão Parlamentar de Inquérito com a finalidade de investigar a atuação de organizações criminosas atuantes no tráfico de órgãos, 2004.
foi morta pelo próprio médico no centro cirúrgico. Passamos a transcrever parte
do relatório da CPI e parte do depoimento de uma testemunha:
“A enfermeira Rita narrou a esta CPI de maneira categórica fatos estarrecedores. Contou que estava de plantão no Hospital com outra técnica de enfermagem na noite dos fatos e recebeu por telefone o aviso de que era necessário preparar a sala de cirurgia para um paciente que sofrera traumatismo craniano, José Farias Carneiro. O paciente chegou à sala e se debatia muito, obviamente vivo. A depoente declarou surpreender-se porque ao invés de chegar um neurocirurgião na sala chegaram nefrologistas, os Drs. Pedro Henrique e Sacramento. Chegou também a médica anestesista, Dra. Lenita Bassi. As técnicas se espantaram quando uma briga com muitos gritos ocorreu na sala onde os médicos se preparavam para a cirurgia. A discussão ocorria porque a médica se recusava a anestesiar o paciente, que ainda se debatia e era seguro na mesa pelas técnicas. Rita ouviu a anestesista dizer “vou só fazer um cheirinho de anestesia porque me recuso a participar disso”. Assim fez a anestesista, ministrando ao paciente anestesia inalada, fraca. Os médicos disseram às auxiliares que seria uma nefrectomia. Elas começaram a mudar o paciente de posição (pois a nefrectomia exige o paciente em posição lateral na mesa), mas foram impedidas pelos médicos que disseram que iam retirar os rins com o paciente em decúbito dorsal. Cortaram o abdômen, lesando intestinos, e retiraram os dois rins, colocando-os em caixas apropriadas. O tempo todo o paciente gemia de dor, sentiu toda a cirurgia e ao final estava quase consciente, tentando se sentar na mesa. Os nefrologistas já iam saindo e deixaram o Dr.Fernando (residente) para suturar o paciente. Este gritou quando iam saindo: “O que eu faço? Ele não para”, enquanto junto com a depoente segurava o paciente na mesa. O Dr. Pedro Henrique Torrecilas voltou, pegou o bisturi e disse: “É tão simples!” e afundou o bisturi na região do coração, o que fez o paciente finalmente morrer. O corpo teria que ser encaminhado a algum lugar, mas ninguém mostrara documento algum, nem ficha do paciente. A ordem dada foi que o corpo fosse deixado na UTI, o que era uma ordem absurda, porque cadáveres vão para necrotérios, não para UTIs. A UTI se recusou a receber o corpo, obviamente.
4- CONCLUSAO
O problema é grave e requer olhar abrangente sob o âmbito dos Direitos
Humanos e do Direito Internacional.
O trabalhou pretendeu trazer à luz uma violação grave à vida e a
dignidade humana. Apresentou-se o que havia no âmbito jurídico normativo
acerca de uma definição do Tráfico de Pessoas, quando se pode observar que
há um hiato conceitual. Isto pode significar entre outras coisas, que tamanho
delito ainda não entrou na agenda dos doutrinadores do Direito, o que se
percebe também com o escasso número de publicações sobre o tema.
Depois mostrou os (poucos) instrumentos legais mais expressivos dentro
e fora do Brasil, onde se percebeu que ainda há muito a se produzir, emendar
e modificar. As leis existentes não alcançam os fatos ilícitos já descritos no
mundo da vida.
No que se refere ao Protocolo de Palermo, cabe aos países que
ratificaram o protocolo adaptarem suas legislações visando combater o
comercio de pessoas focando na implementação dos instrumentos jurídicos
internacionais na matéria, na prevenção do delito, na proteção e assistência às
vítimas, na efetiva punição dos autores do delito de tráfico de pessoas; no
intercâmbio de informação e experiências entre os países e suas agências
políticas de combate e aperfeiçoamento dos registros estatísticos.
Discorreu-se sobre algumas finalidades do Tráfico de Pessoas e
observou-se que exploração sexual vitima principalmente mulheres adultas e
crianças; que o trabalho forçado, infelizmente tão presente no norte e nordeste
do Brasil, afeta proporcionalmente a homens, mulheres e crianças, tendo
grande ocorrência nos países mais desenvolvidos do mundo, como EUA e
China; e por fim, abordou-se o tráfico de órgãos para fins de transplante e
feitiçaria.
No levantamento do material para pesquisa, verificou-se que há
inúmeros outros enfoques, mas que se descritos, tornaria o trabalho um
verdadeiro calhamaço, fugindo assim os limites de uma monografia lato sensu.
Em meio à miséria, a pobreza, a fome, a guerra, ignorância, e tudo mais
que a desigualdade social pode propiciar, não há limites para o lucro.
As autoridades ligadas ao Ministério da Justiça, especialmente nos
programas de combate ao Tráfico de Pessoas, já admitiram que alguns
aspectos do tráfico de pessoas ainda não estão plenamente abordados pela
legislação brasileira, tais como: o tráfico de pessoas para fins de casamento
forçado, de transplante de órgão, de trabalho forçado, e outras.
Deve-se fomentar uma sensibilidade social, a fim de combater a lei do
silêncio que existe em torno do tráfico humano.
Se o que se deseja é erradicar, intimidar, inibir o tráfico de pessoas em
qualquer lugar do mundo, primeiro é necessário uma maior compreensão de
como se dá o fenômeno, para preparar o caminho para políticas, leis e
programas de ação mais eficazes; segundo, compreender a natureza e a
dimensão dos problemas, apontando quais são as rotas principais do tráfico,
dentro e através de quais fronteiras e com que instituições negociam, qual é o
perfil comum das pessoas traficadas, classificadas por sexo, idade, origem
social, raça e etnia; terceiro, examinar as causas e os efeitos, buscando
pesquisas que demonstram índices de fatores sociais e econômicos que estão
por trás do aumento do tráfico de pessoas, por fim, divulgar as medidas que
estão sendo adotadas por governos, interlocutores sociais, organizações
internacionais e grupos religiosos.
De certo, pode-se afirmar que mesmo no meio jurídico, pouco se
conhece sobre o tráfico de pessoas, ignora-se a dimensão deste flagelo
humano.
O crime organizado é o outro lado da moeda da globalização, afirmou o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Norberto Bobbio em “A Era dos Direitos” remetendo-se ao que chamou
de “extraordinária passagem de Kant” afirma que o atual debate sobre os
direitos do homem – cada vez mais amplo, cada vez mais intenso, tão amplo
que agora envolveu todos os povos da Terra, tão intenso que foi posto na
ordem do dia pelas mais autorizadas assembléias internacionais pode ser
interpretado como um “sinal premonitório” do progresso moral da humanidade.
É o que todos nós desejamos.
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. Ed. RT,São Paulo, 2007.
NAIM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2006.
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Brasil, Estatuto do Estrangeiro. Lei 6815/1980. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Coletânea de Dir. Internacional. 8ª ed. 2009.