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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS Por: Mônica Cataldo de Oliveira Orientador Prof. Dr. Francisco Carrera Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS

Por: Mônica Cataldo de Oliveira

Orientador

Prof. Dr. Francisco Carrera

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A TUTELA JURÍDICA DOS ANIMAIS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito

Ambiental.

Por: . Mônica Cataldo de Oliveira.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, sempre presente alegremente em meu coração, dando

a força necessária e permitindo que eu completasse mais uma vitória.

Aos meus amados pais Daltro e Lais, grandes incentivadores

de minha realização pessoal e do meu sucesso profissional, e também pelo

amor, carinho, felicidade, sabedoria e harmonia sempre presentes em nossas

vidas.

Ao Professor Francisco Carrera, pelas brilhantes e inesquecíveis

aulas ministradas e pela descoberta de novas idéias e conceitos em minha

mente.

A estimada e muito querida 5ª Turma Especializada do Tribunal

Regional Federal da 2ª Região, pelo companheirismo, pela compreensão e

pela verdadeira amizade.

Ao meu namorado Marcelo, por sua inteligente e feliz

companhia.

A amiga Ana Cristina, pelo carinho e boa vontade em ensinar-me

normas e técnicas de como formatar uma monografia.

Aos meus amigos e parentes, presentes com suas palavras de

estímulo no meu dia a dia.

E aos meus encantadores Pingo, Margarida e Touchet, por

existirem, irradiando felicidade em minha vida.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta obra a todos os elementos da

natureza e em especial a todos os

animais que tive o prazer de conviver ,

que convivo ; assim como dedico também

a todas as pessoas que de alguma

forma, lutam pela preservação ambiental.

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RESUMO

"Tome partido. Neutralidade ajuda o

opressor, nunca a vítima. Silêncio encoraja

o torturador, nunca o torturado"- Elie

Wiesel

O presente trabalho se propõe a abordar a questão da tutela dos

animais, nos mais variados aspectos.

É apresentado um breve relato da importância dos animais em

nossas vidas, como colaboradores que são , e o quanto são importantes em

nosso planeta.

Este estudo também apresenta conceitos da fauna, bem como

sua classificação.

Juridicamente , a presente obra oferece um pequeno resumo de

legislações pertinentes aos animais , bem como define a natureza jurídica da

fauna e questiona o seguinte tema: animais têm direitos? Sim ou não? Por

que?

Uma ampla abordagem referente aos maus tratos e crueldades

contra os animais também é apresentada, com a finalidade de caracterizar o

quanto é incoerente o ser humano quando se trata de vitimar inocentes

criaturas , seja em nome da ciência, do lucro ou do esporte.

Enfim, esta monografia tem por objetivo mostrar a importância

dos animais nos conceitos naturais e jurídicos.

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METODOLOGIA

Os métodos utilizados para o desenvolvimento da presente

monografia foram pesquisas em livros, manuais, periódicos e internet, além de

anotações feitas das excelentes aulas do curso de Direito Ambiental desta

instituição.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Fauna, divisão e natureza jurídica 10

CAPÍTULO II - Histórico legal 16

CAPÍTULO III - Maus tratos e crueldade contra os animais 23

CAPÍTULO IV- Direitos dos animais 36

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

ÍNDICE 47

FOLHA DE AVALIAÇÃO 48

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INTRODUÇÃO

“Em meu pensamento, a vida de um

cordeiro não é menos importante que a

vida de um ser humano." - Mahatma

Gandhi

A interação entre homens e animais data de épocas pré-

históricas. Ambos herdaram o planeta e coexistem desde sempre.

Infelizmente, nesta relação os animais sempre saíram perdendo, os homens

nunca deram muita atenção para a real importância desse relacionamento. Na

realidade, o homem, com sua visão antropocentrista, sempre achou que a

única função dos animais no mundo é a função da servidão, seja a que preço

for. Todos nós somos elementos com a mesma importância diante da

grandiosidade do Criador e a ausência de qualquer uma das peças, gera

defeitos na nossa grande máquina planetária. Entretanto, cabe a nós

humanos, na condição de seres pensantes, a responsabilidade de proteger e

respeitar as outras formas de vida que convivem conosco. Devemos entender

que cada elemento tem seu papel fundamental e que sem o qual haverá um

grande desequilibro, que afetará todas as formas de vida.

Desde os tempos mais remotos, os animais têm contribuído, de

alguma forma, para o desenvolvimento do homem. O homem pré-histórico

sobreviveu graças aos animais: sua carne era usada como alimento e sua pele

como abrigo no frio. Sem os animais, a espécie humana teria perecido.

Depois, pouco a pouco, os seres humanos descobriram outras

formas de utilização dos animais. Os eqüídeos, passaram a ser utilizados

como meio de transporte, e através do sofrimento dos mesmos obtém-se a

vacina antiofídica. As vacas e cabras, por sua vez, fornecem o leite, fonte de

vida. Dessa nobre fonte de alimento derivam todos os produtos do gênero

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laticínio. Até os seus dejetos são largamente utilizados, quer como adubo

natural, quer como componente de argamassa, para a construção de casas de

barro, ou mesmo como combustível, para serem queimados depois de secos.

Em muitas regiões, o gado também é utilizado como força motriz para arar a

terra, mover moinhos, pilões, etc. As galinhas, por sua vez, oferecem-nos seus

ovos, outra importante fonte de alimento, e também suas penas, para a

confecção de travesseiros e acolchoados. Das ovelhas retira-se a lã utilizada

na indústria do vestuário. As abelhas nos presenteiam com o seu néctar - o

mel – além do própolis, antibiótico natural, e a cera. Do bicho da seda obtém-

se os fios para a confecção desse finíssimo tecido. Na Tailândia, os elefantes

transportam toras de madeira há anos. Os cães, além de guardarem a

propriedade contra intrusos, são, sem dúvida os melhores amigos do homem:

auxiliam na locomoção de pessoas deficientes físicas e visuais; na busca e

salvamento de pessoas perdidas ou soterradas em avalanches e terremotos.

Devido à sua grande capacidade olfativa, os cães têm sido utilizados até

mesmo para detectar o transporte de drogas e de material explosivo. Os gatos,

a par da companhia que proporcionam aos humanos, afastam das casas os

roedores. A eliminação da população felina provoca um desequilíbrio,

infestando as cidades de doenças transmitidas pelos ratos, como a

leptospirose. Os pássaros deleitam-nos com sua beleza e seu cantar, mas

também, a exemplo de alguns insetos, são semeadores e polinizadores,

contribuindo para a preservação do meio ambiente, que o homem insiste em

depredar.

Os exemplos acima citados devem ser necessariamente sempre

lembrados, fazendo com que os seres humanos entendam definitivamente que

os animais , além de possuírem direito à vida, são nossos colaboradores e não

instrumentos de lucro, de experimentação e de crueldades.

Assim, com base na idéia de que os animais possuem direitos e

por serem entes vivos, que têm sentimentos e sensações, que se pretende

desenvolver este trabalho.

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CAPÍTULO I

FAUNA

“A proteção dos animais faz parte da moral

e da cultura dos povos” - Victor Hugo.

.

O CONCEITO

Fauna é um bem ambiental, formado por um conjunto de todos os

animais que vivem numa determinada região ou área geográfica. Zoólogos e

paleontólogos geralmente usam o termo fauna para se referir a uma coleção

de animais tipicamente encontrados em um período específico ou lugar

específico, como por exemplo a "Fauna da Amazônia ".

O termo fauna foi usado pela primeira vez por LINEU como título

de sua obra chamada Fauna Suecica, de 1746, onde classificava o reino

animal.

Podemos dizer também que a palavra fauna vem do latim, de

Faunus, de uma raiz latina que significa "favorável" e que representa na

mitologia romana, o controlador, o rei da floresta e de seus animais. Desde

então, a floresta, já era um patrimônio.

Segundo o evolucionista Ernst Mayr fauna é, em estrito senso, “a

totalidade de espécies na área”( is the totality of species in the área), e em lato

senso, “as espécies animais encontradas em uma área como resultado da

história da área e suas condições ecológicas presentes”( the kinds of animals

found in an area as a result of the history of the area and its present ecological

conditions ).

A palavra fauna significa o conjunto dos animais próprios de uma

região. Todos estão tutelados, inclusive insetos como borboletas, por serem

considerados animais.

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Conforme a lição de Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo

Abelha Rodrigues 1 :

“uma tarefa das mais complexas no âmbito do Direito

Ambiental é o estudo da fauna, pelo simples fato de que

tais bens possuem uma atávica concepção de natureza

privatista, fortemente influenciada pela nossa doutrina

civilista do começo deste século, que os estudava

exclusivamente como algo que poderia ser objeto de

propriedade, no exato sentido que era vista como res

nullius.”

A nossa Constituição Federal em seu art.225, §1º, VII, não definiu

o que vem a ser fauna, cabendo ao legislador infraconstitucional definir a

mesma, como por ex, nos termos da Lei 5.197/67, entende-se por fauna

silvestre: “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu

desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro”.

E de acordo com a Lei 9.605/98 no seu art. 29, §3º: “são

espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas,

migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou

parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro,

ou em águas jurisdicionais brasileiras”.

Na verdade, carecemos de uma definição mais completa de modo

a assegurar a todos os silvestres a devida proteção legal.

A fauna tem importância vital no equilíbrio dos ecossistemas em

geral, pois muitos animais são vitais à existência de muitas plantas, pois

formam com elas um elo de procriação já que são seus agentes polinizadores,

como no caso dos beija-flores, insetos como borboletas, besouros etc.

A proteção da fauna deve ser feita através de medidas

administrativas e legais. As administrativas são feitas através da criação de

1 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6.ed. ampl. São Paulo. Saraiva.2005, p.108

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unidades de conservação pelo Poder Público como parques nacionais,

estaduais e municipais, estações ecológicas, florestas naturais, refúgios da

vida selvagem, APAs ( Áreas de Proteção Ambiental), Reservas da Biosfera e

as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).

Quanto à proteção legal, a Constituição Federal diz que compete

à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a

fauna (art.24,VI). Determina também que o Poder Público proteja a fauna ,

ficando proibido práticas que coloquem em risco a sua função ecológica,

provoquem a extinção de espécies ou submetam animais à crueldade

(art.225).

Entre outras leis e decretos merecem destaque a Lei 9.605/98,

que regula os crimes contra a fauna (art.29 ao art.37) e o Decreto-lei 221, de

28.2.67, conhecido como Código de Pesca , o qual não protege apenas os

peixes mas é mais amplo pois conforme o art.1º protege “todos os elementos

animais ou vegetais que tenham na água seu normal ou freqüente meio de

vida.”

Dessa forma a fauna tem importância primordial na existência e

desenvolvimento das áreas naturais . Ademais, não podemos esquecer que o

reino animal e o reino vegetal formam uma fina camada na superfície da terra,

conhecida como biosfera, regida por rigorosas leis fisiológicas que em

harmonia permitem a sobrevivência das espécies.

DIVISÃO DA FAUNA

A nossa legislação classifica a fauna em relação ao seu meio e

nas suas relações com os seres humanos em animais silvestres, nativos,

exóticos, migratórios, domésticos e domesticados.

Animais silvestres ou selvagens são aqueles naturais de

determinado país ou região, que vivem junto à natureza e que não possuem

contato com o ser humano.

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Animais nativos são aqueles que têm, num determinado território,

o seu habitat. Lobo-guará, onça-pintada, mico-leão-dourado, piranha, boto,

curió, papagaio e capivara são exemplos de animais silvestres nativos, ou seja,

da fauna brasileira.

Animais exóticos: são os originários de outras regiões que

ingressaram no território dos animais nativos, legal ou ilegalmente, e que se

aclimataram. São animais silvestres exóticos leão, tigre, elefante, pavão,

canguru e outros animais que não fazem parte da fauna brasileira.

Animais migratórios são aqueles que por um processo de

migração - imigração e posterior emigração, permanecem temporariamente

em determinado território , onde muitas vezes acontece o acasalamento.

Já a fauna doméstica é constituída de espécies que foram

submetidas a processos tradicionais de manejo, possuindo características

biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem para sua

sobrevivência, sendo que em alguns casos, infelizmente, alguns animais são

objetos de comércio e de utilidade econômica.

Animais domesticados são aqueles animais selvagens que, uma

vez amestrados pelo homem, passam a conviver com este, sem apresentar as

mesmas características de apego dos animais domésticos. É constituído por

animais silvestres, nativos ou exóticos, que, por algum motivo, perderam seus

habitats na natureza e passaram a conviver pacificamente com o homem, dele

dependendo para sua sobrevivência. Os animais domesticados perdem a

adaptabilidade aos seus habitats naturais e, caso sejam devolvidos à natureza,

deverão passar por uma readaptação antes da reintrodução, onde em alguns

casos, não passa de tentativa, por ser a readaptação muito problemática, sem

resultados satisfatórios, retornando o animal ao cativeiro por não conseguir

sobreviver fora do mesmo.

Segundo o Código Civil Brasileiro, os animais domésticos são

bens móveis suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia.

Em direito, recebem o nome de semoventes. São considerados propriedade de

seus donos e os abandonados estão sujeitos à apropriação. No caso de lesão

a um animal doméstico, o seu dono pode exigir indenização ou ressarcimento

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do dano, no Juízo Cível, a todo aquele que por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, agredir seu animal ou lhe causar prejuízo. Já os

animais da fauna silvestre brasileira são propriedade da União, considerados

bem de uso comum do povo.

Assim, a fauna como componente do meio ambiente, além de ser

um bem ambiental, também é um bem de uso comum do povo .

NATUREZA JURÍDICA DA FAUNA

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte

de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns

para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas

ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento

em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem

comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-

se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. O

Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los

em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Assim, a nossa

legislação classifica os animais silvestres como bem de uso comum do povo,

ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível; e os domésticos ,

considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis de direitos reais. O

animal é um bem, seja da coletividade, ou seja propriedade particular.

Se analisarmos os direitos de uma pessoa humana com os direitos

do animal como indivíduo ou espécie, constatamos que ambos tem direito à

defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida e ao livre

desenvolvimento de sua espécie, entre outros direitos. Para Peter Singer, a

compreensão do princípio da igualdade aqui aplicado não requer mais que a

compreensão do princípio da igualdade de interesses, onde não importa se

somos capazes de falar ou de assumir deveres, mas se somos passíveis dede

sofrimento, se somos seres sensíveis. Nesta hipótese, a capacidade de

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sofrimento e de ter sentimento são as características vitais que conferem a um

ser o direito à igual consideração. Todos os animais são seres sencientes, e

sujeitos de direitos, onde esses direitos, são deveres de todos os homens.

Deste modo, no Brasil, a fauna tem a natureza jurídica de um bem

ambiental , de uso comum do povo, indispensável à sadia qualidade de vida,

além de ser um bem de caráter difuso.

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CAPÍTULO II

HISTÓRICO LEGAL

“Eu sou a favor dos direitos animais bem

como dos direitos humanos, essa é a

proposta de um ser humano integral.”

Abraham Lincoln

Direitos dos animais – Leis protetoras aos animais. Como

surgiram? Este capítulo faz um breve registro mencionando algumas leis e

decretos onde o homem decidiu resguardar em normas escritas, tais direitos.

Antes de tecer considerações sobre a legislação, vale ressaltar o trabalho

incansável de associações de proteção aos animais e organizações não-

governamentais.

A primeira sociedade protetora dos animais foi fundada na

Inglaterra em 1824, por um nobre inglês que adorava cavalos. Trata-se da

“Royal Society for de Prevenction of Cruelty to Animals”, que até hoje mantém

um abrigo para cavalos doentes. No Brasil, hoje em dia, existem várias

associações, ongs e sociedades que se interessam pelo bem-estar e pela

proteção dos animais, sobrevivendo apenas de colaborações de associados, e

ou voluntários, onde podemos citar, por exemplo a Sociedade União

Internacional Protetora dos Animais ( SUIPA), sociedade sem fins lucrativos e

contra a eutanásia.

Quanto à legislação propriamente dita, talvez a primeira lei

visando à proteção dos animais tenha sido a instituída na Colônia de

Massachussets Bay, em 1641, que previa que ninguém poderia exercer tirania

ou crueldade para com qualquer criatura animal que habitualmente fosse

utilizada para auxiliar nas tarefas do homem.

Já no século vinte, no final da década de 70 o tema dos maus-

tratos contra os animais mereceu a atenção mundial, a ponto de a UNESCO,

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em 27 de janeiro de 1978, promulgar, em Bruxelas, a Declaração Universal dos

Direitos dos Animais em cujo preâmbulo destacam-se importantes

ensinamentos onde em outras palavras , equivale dizer que, o ser humano

estará preparado para conviver com seus próprios semelhantes na medida em

que for capaz de respeitar e reconhecer os direitos de seres como os animais.

Disse o sábio Humboldt: “ Pode-se avaliar o grau de civiilzação de um povo

pela maneira que esse povo trata seus animais " . Com a Declaração Universal

dos Direitos dos Animais, ficou implícito ao homem não apenas o

conhecimento dos direitos dos animais, mas também a obrigação de defendê-

los. Na verdade, os direitos dos animais dependem dos não-direitos dos

homens como por ex, o homem não tem o direito de se divertir às custas do

sofrimento dos animais, como nos casos de circos , rinhas ou rodeios, bem

como o homem não tem também o direito de matar animais para se enfeitar.

Isso é válido para cada jacaré que vira sapato , para cada bebê foca que vira

casado de pele de mulheres de mente rasa. Tudo isso violenta a natureza.

Concluída essa breve incursão acerca da conduta moral dos

homens em relação aos animais, seguiremos com os direitos dos animais no

sistema normativo brasileiro.

2.1 Constituição da República Federativa do Brasil

Um capítulo inteiro da Constituição Federal de 1988 foi dedicado

à preservação do meio ambiente, inserindo nele a proteção dos animais.

Especificamente o inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República

Federativa do Brasil trata do tema, estabelecendo:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se

ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as futuras gerações

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1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe

ao Poder Público:

[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,

as práticas que coloquem em risco sua função

ecológica, provoquem a extinção de espécies ou

submetam os animais a crueldade.”

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 225, § 1º, VII, ao

referir-ser à proteção da fauna, não delimitou o seu conceito , fê-lo de forma

ampla, não restringindo a tutela à fauna silvestre apenas, mas a todos os

animais ; e determinou esta tarefa ao Poder Público, vedando na forma da lei,

as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, que provoquem a

extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

A tutela dos animais domésticos e selvagens obedece a

finalidades diferentes. Trata-se de preservar os primeiros de atos de crueldade

e do abandono e de proteger os segundos de uma captura, destruição,

comercialização desenfreada e que os tornam particularmente vulneráveis.

Desta maneira, em nível Constitucional, todos os animais foram

igualmente tutelados, independentemente da espécie a que pertençam ou do

habitat em que vivam.

Conforme ensina Paulo Afonso Machado 2:

“A Constituição fornece três direções a proteção da

fauna, coibindo práticas que coloquem em risco a

função ecológica ( como por exemplo, a aplicação de

pesticidas), práticas que gerem a extinção de espécies

(exemplo, a abertura da caça em temporada

inadequada) e práticas que submetam os animais à

crueldade ( rinhas de galos, por exemplo). Este inciso

2 MACHADO, Paulo Affonso Leme . Direito Ambiental Brasileiro. 3 ed. rev.e ampl. São Paulo. RT. 1991, p.50

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VII não é auto aplicável, a proteção dada pela

Constituição Federal é remetida à aplicação da

legislação ordinária ou complementar. Exemplo: Atos

administrativos que coloquem à venda pesticidas que

provoquem risco à função ecológica da fauna, poderão

ser invalidados com fundamento na norma constitucional

objeto de análise.

2.2 Decreto 16.590/24

Foi a primeira legislação brasileira, em âmbito federal, a proibir

a crueldade contra os animais. O Decreto 16.590/24, ao regulamentar as

atividades das Casas de Diversões Públicas, proibiu as corridas de touros, e

novilhos, proibiu as brigas de galos e canários, dentre outras diversões que

causassem sofrimento aos animais.

2.3 Decreto-lei nº 24.645/34

O reconhecimento no Brasil, de que os animais de qualquer

espécie não podiam ser submetidos a maus-tratos remonta a 1934, mais

precisamente ao Decreto-lei n° 24.645/34, editado pelo então Presidente

Getúlio Vargas. No decreto são relacionadas as práticas caracterizadoras de

maus-tratos contra os animais .

Infelizmente, as práticas cotidianas em nada condizem com o

conteúdo normativo. As disposições do Decreto de Getúlio, talvez por terem

sido editadas há quase setenta (70) anos, caíram no esquecimento. O homem,

em nome do progresso a qualquer custo consumiu sem pensar na natureza.

Somente agora, no final da última década, com a tomada de consciência do

homem de que se ele não se voltar para as questões ambientais,

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preocupando-se com a preservação do meio ambiente, o planeta estará

fadado à destruição, onde não restará nada ou quase nada para as futuras

gerações apreciarem e conviverem.

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�������ei 5197/67 - Lei de Proteção à Fauna

Esta lei apresenta tipos penais não muito claros, mas também

apresenta algumas inovações, como por ex, a propriedade que passou a ser

do Estado ( art. 1º) , e não do caçador, como previa o art. 595 do CC de 1916,

dispositivo não repetido no de 2002.

Nos termos da Lei 5.197/67, entende-se por fauna silvestre: “os

animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento que

vivem naturalmente fora do cativeiro”. De certa maneira, este artigo restringiu

o conteúdo da fauna, resumindo o objeto de proteção da lei à fauna silvestre.

Esta lei foi posteriormente alterada pela Lei 7653/88, onde, entre

outras providências alterou a redação dos arts. 18, 27, 33 e 34 da Lei nº

5.197, de 3 de janeiro de 1967.

2.5 Lei nº 9.605 – Lei dos Crimes Ambientais

Mais recentemente, em 1998, foi editada a Lei nº 9.605, que, em

seu art. 29, § 3º, conceituou como espécimes da fauna silvestre "todos aqueles

pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou

terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos

limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras."

O art. 32 da Lei 9.605/98 considera crime contra a fauna "praticar

ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos", cuja pena é de "detenção, de três meses a

um ano, e multa.

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Dentre os crimes contra a fauna destacam-se: matar, perseguir,

caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota

migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade

competente, impedir a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em

desacordo com a obtida; modificar, danificar ou destruir ninho, abrigo ou

criadouro natural; vender, expor, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro

ou depósito, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna

silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela

oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida

permissão, licença ou autorização da autoridade competente; exportar peles e

couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade

ambiental competente; introduzir espécime animal no País, sem parecer

técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente; praticar

ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos; provocar, pela emissão de efluentes ou

carregamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática

existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais

brasileiras; degradar viveiros, açudes ou estações de aqüicultura de domínio

público; explorar campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem

licença, permissão ou autorização da autoridade competente; fundear

embarcações ou lançar detritos de qualquer natureza sobre bancos de

moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica; pescar em

período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão

competente; pescar espécies que devam ser preservadas ou espécimes com

tamanhos inferiores aos permitidos; pescar quantidades superiores às

permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e

métodos não permitidos; transportar, comercializar, beneficiar ou industrializar

espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas; pescar mediante

a utilização de explosivos ou substâncias que, em contato com a água,

produzam efeito semelhante, substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela

autoridade competente.

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Assim, os animais silvestres estão tutelados pela proteção

constitucional , e pelas normas infraconstitucionais, ou seja, além da proteção

genérica dada pelo art. 225 da Constituição, estão sob o amparo específico da

Lei 5.197/67, que proíbe a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha

desses animais, bem como a proteção do art. 29 da Lei 9.605/98, que

caracteriza crime matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da

fauna silvestre, nativas ou em rota migratória, sem a devida licença ou

autorização.

Finalizando este capítulo, podemos dizer que a legislação

brasileira visando à proteção dos animais contra a crueldade humana, os

maus-tratos e o abandono, é extremamente farta e diversificada. Mas com

profundo lamento, que se observa, na realidade do dia-a-dia dos animais, o

enorme menosprezo tanto em relação ao texto legal, quanto ao sofrimento dos

mesmos. Nunca é demais enfatizar, em razão do grande descaso e de

tamanha insensibilidade com que os seres humanos tratam os animais, que

tão-só leis não são suficientes para garantir o respeito aos direitos dos

animais, porque os textos legais, em realidade, não obrigam, mas apenas

prescrevem comportamentos comissivos ou omissivos, que podem ou não ser

observados com penalidades ínfimas comparadas a dor de um animal. Assim,

necessitamos com urgência de uma definição mais completa e uníssona de

modo a assegurar a todos os animais a devida proteção legal.

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CAPÍTULO III

MAUS TRATOS E CRUELDADE CONTRA OS ANIMAIS

“Falai aos animais, em lugar de lhes bater.”

Tolstoi

Uma conceituação genérica e abrangente de crueldade contra os

animais é dada pela Dra. Helita Barreira Custódio, em seu parecer de 7/2/97,

elaborado para servir de subsídio à redação do Novo Código Penal Brasileiro.

Diz ela:3

“Crueldade contra os animais é toda ação ou omissão,

dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou

privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por

desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição

ambiental, mediante dolorosas experiências diversas

(didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas,

mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes

práticas diversas (econômicas, sociais, populares,

esportivas como tiro ao vôo, tiro ao alvo, de trabalhos

excessivos ou forçados além dos limites normais, de

prisões, cativeiros ou transportes em condições

desumanas, de abandono em condições enfermas,

mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de

espetáculos violentos como lutas entre animais até a

exaustão ou morte, touradas, farra do boi ou similares),

abates atrozes, castigos violentos e tiranos,

3 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Condutas lesivas à fauna silvestre. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, p. 87, ano 17, abr./jun. 1993

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adestramentos por meios e instrumentos torturantes

para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou

quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em

maus-tratos contra animais vivos, submetidos a

injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas,

dentre outros atrozes sofrimentos causadores de

danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva

fadiga ou de exaustão até a morte desumana da

indefesa vítima animal.”

Assim, podemos caracterizar como crueldades, por exemplo,

obrigar os animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças, bem

como castigá-los, ainda que para aprendizagem ou adestramento; engordar

aves, suínos e outros animais por processos mecânicos, químicos e outros

métodos que sejam cruéis; manter, criar, expor ou transportar o animal de

cabeça para baixo ou em recinto anti-higiênico, mal ventilado; realizar

espetáculos, esporte, tiro ao alvo, cerimônia religiosa, em ato público ou

privado, que envolva a morte de animais, bem como lutas entre animais da

mesma espécie ou de espécies diferentes; touradas ou seu simulacro ,

rodeios, vaquejadas, e farra do boi; amarrar latas em rabos dos animais ;

abater para consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de

gestação, bem como utilizar em serviço animal cego, ferido, enfermo, fraco, ou

desferrado em ruas calçadas, entre tantas outras crueldades.

A Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em seu art. 32, § 1º,

tipifica como crime a realização de experiência dolorosa ou cruel em animal

vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos

alternativos. Esta realização de experiência dolorosa em animal vivo é

denominada vivissecção, que consiste no uso de animais para o estudo dos

processos da vida e de doenças, e todo tipo de manipulação sofrida pelos

seres vivos em diversos tipos de testes e experimentos. Algumas práticas

conhecidas são:

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“ Draize Eye Irritancy Test “ : shampoos, pesticidas, herbicidas,

produtos de limpeza e da indústria química são testados em olhos de animais

conscientes. Este teste existe desde 1944. Nesta forma cruel ministra-se uma

nova substância química que será testada, nas órbitas oculares dos animais,

que permanecem imobilizados pelas patas e pelo pescoço em um aparelho de

contenção. Eles não recebem sedativos para aliviar a dor, e este teste dura

vários dias, durante os quais a córnea e a íris são examinadas para se verificar

ulceração, hemorragia, irritação, inchação, e cegueira. Depois disso,

usualmente, o pesquisador extrai o olho lesionado para submetê-lo a estudos

de ordem anatômica ou fisiológica. Além de ser um método imensamente

indigno, é ultrapassado, pois já existem alternativas para os fabricantes de

cosméticos e outros produtos, como por ex, cultura de células, simulações em

computador, e pele humana artificial.

“ LD 50” , dose letal em 50% : introduzido em 1927, consiste em

administrar nos animais uma dose de certos produtos tais como pesticidas,

cosméticos, drogas, produtos de limpeza, para verificar a toxidade. Ocorre a

morte em 50% das aplicações. A forma comum é a ingestão forçada por via

bucal, usando-se um tubo, que vai até o intestino. Durante os primeiros dias,

os animais podem até morrer, em função dos índices toxicológicos da

substância aplicada. Para cada teste, diminui-se a dose administrada a uma

nova série de animais da mesma espécie e em igual número. Se 50% deles

sobreviverem , diz-se que a experiência atingiu seus objetivos, obtendo-se um

percentual, que convencionou-se aceitável para o lançamento do produto no

mercado. Este teste, além de não respeitar a vida animal e o seu sofrimento, é

ineficaz porque os resultados variam muito dependendo da espécie do animal

utilizado. Um prognóstico seguro da dose letal para os humanos é impossível

de ser detectado através dos animais.

Testes de toxidade alcólica e tabaco: mesmo já conhecendo os

efeitos nocivos do álcool e do tabaco no organismo, os animais são forçados a

inalar fumaça e se embriagar para, em seguida, serem dissecados e

examinados para comprovar o que todos já sabem: álcool e tabaco são

nocivos aos seres humanos.

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Experimentos na área da psicologia: muitos dos mais cruéis

experimentos se realizam na área da psicologia, por mais inofensiva que ela

possa parecer. Tais experimentos incluem privação da proteção materna e

privação social na inflicção de dor, para observação do medo; no uso de

estímulos aversivos, como choques elétricos, para aprendizagem; e na indução

dos animais a estados psicológicos estressantes. Tudo isto para testar drogas

já conhecidas, como antidepressivos, soníferos, sedativos, estimulantes e

tranqüilizantes.

Apesar de ser tão perversa, a vivissecção é regulamentada pela

Lei nº 6.638/79, que talvez para poder apresentar falsas preocupações com o

bem estar animal, aponta ser vedada a prática da vivisseção sem que se

ministre anestesia ao animal, dentre outras proibições. A experimentação em

animais exige dos pesquisadores um comportamento ético mínimo. Por isso, o

COBEA - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, com sede no Distrito

Federal, determina aos pesquisadores, dentre outras posturas: a

responsabilização moral pela escolha de métodos e ações na experimentação

animal bem como a consideração da possibilidade de desenvolvimento de

métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações

computadorizadas, sistemas biológicos in vitro, utilizando-se o menor número

possível de espécimes animais.

Hoje, existem técnicas alternativas à ultrapassada e drástica

vivissecção, técnicas que recorrem a disciplinas e outros meios que permitem

evitar o emprego de animais vivos em experiências de laboratório.

Os métodos que substituem a vivissecção recorrem a um grande

número de matérias, dentre as quais citam-se: biogenética, matemática,

virologia, bioquímica, radiologia, microbiologia, cromatografia de gás e

espectrometria de massa. Podemos ressaltar; entre os métodos

desenvolvidos: utilização de microorganismos e invertebrados inferiores,

elaboração de modelos matemáticos, enquetes junto ao público, modelos de

computador, engenharia genética, ovos de galinha, modelos mecânicos,

modelos matemáticos, e audiovisuais. Alguns dos testes mais conhecidos

usados como alternativa à vivissecção são : cultura celular, utilização

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combinada de testes, pesquisa epidemiológica, técnicas de imagens não

invasivas, teste Ames, placenta, farmacologia quanta, Eyetex, Cromotografia e

Corrositex, onde explicaremos de maneira resumida em que consiste cada um,

destacando-se a importância da divulgação e utilização destes testes , para

que seja abolida a vivissecção o mais rápido possível.

Cultura celular: cada vez mais usada pelos laboratórios industriais

e de pesquisa (sobretudo para vacinas) no estágio dos primeiros ensaios.

Chama-se cultura celular a técnica que consiste em cultivar células isoladas

fora de seu meio normal. Essas células são provenientes de fontes humanas,

animais e vegetais. Os tecidos humanos podem ser obtidos na ocasião das

operações cirúrgicas, biópsias e autópsias, ou retirados de fetos ou placentas.

Os tecidos animais podem ser buscados nos matadouros . As células podem

viver, crescer e multiplicar, mediante recebimento de substâncias nutritivas,

fora de seu meio natural. Algumas têm um potencial de vida limitado, outras

podem viver indefinidamente, permitindo estudos de vários meses. Um só

doador é necessário. A cultura celular é, também, menos onerosa, além de

produzir resultados científicos mais confiáveis. O inconveniente é que o meio

artificial da cultura pode provocar transformações estruturais e bioquímicas nas

células ou a perda de alguma função específica, necessitando-se ainda de

pesquisas complementares.

Utilização combinada de testes: uma segunda técnica que implica

a cultura de tecidos vivos é a cultura orgânica. Como o nome indica, exige a

conservação em vidro de parte ou de todo um órgão, de maneira a

salvaguardar sua estrutura fundamental e seus caracteres bioquímicos.

Pesquisa epidemiológica: é o estudo das doenças humanas em

indivíduos infectados ou em populações específicas. Esse tipo de pesquisa

usa voluntários, estudo clínico de casos, relatório de autópsias e análise

estatística aliada à observação mais acurada. Permite observar os fatores

ambientais ligados à doença, o que não é possível em animais confinados.

Técnicas de imagens não invasivas: o desenvolvimento de

técnicas não invasivas, como CAT, MRI, PET e SPECT, que são equipamentos

que permitem a avaliação de doenças humanas nos pacientes. Por exemplo,

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estes equipamentos escaneadores têm servido para fazer diagnóstico precoce

na avaliação da doença de Alzhheimer, de tumores muscoesqueletais, do mal

de Parkison, e de doenças cerebrovasculares.

Teste AMES: inventado pelo Dr. Bruce Ames, da Universidade da

Califórnia, em Berkeley, este teste in vitro checa substâncias cancerígenas

usando a bactéria salmonella, a qual produz câncer nos seres humanos e

outros mamíferos. O teste dura cerca de 2-3 dias e o custo é muito menor que

o realizado com o modelo animal.

Placenta: a placenta humana, que geralmente é descartada após

o nascimento de uma criança, pode ser usada na prática de cirurgia

microvascular e no teste de toxidade de químicas, drogas e poluentes. Não

tem custo, e o material é 100% humano.

Farmacologia quanta: é uma técnica computadorizada usada na

química , para o estudo da estrutura molecular de drogas e seus receptores no

organismo. Usando o conhecimento existente, é possível predizer através da

estrutura da droga qual o efeito no órgão humano em questão.

Eyetex: para ser usado em substituição ao “Draize eye irritancy

test”, que prevê o uso de uma proteína líquida que imita a reação do olho

humano.

Cromotografia: é usada para separar drogas no nível molecular

para identificar suas propriedades, podendo detectar a trajetória de drogas e

seus danos aos humanos.

Corrositex: é um teste in vitro para avaliação do potencial de

corrosividade dérmica de químicas diversas. Corrosividade química é

determinada pelo tempo que leva para penetrar na pele artificial e provocar a

mudança de coloração. Desenvolvido pelo In Vitro Internacional Inc, a técnica

possibilita testar uma substância química ou várias , em uma barreira de pele

artificial feita de colágeno. Abaixo daquela camada há um líquido contendo um

corante indicador de PH, o qual muda a cor quando entra em contato com a

química a ser testada.

Com tantas coerentes alternativas, não podemos mais tolerar a

prática de pesquisas em animais sem qualquer critério ético. Precisamos

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pesar muito bem o sofrimento do animal e os benefícios que a experiência

pode trazer.

Assim, quando diminuir a ganância dos cientistas e a humildade

prevalecer sobre os mesmos, os métodos alternativos serão utilizados de

maneira habitual, de praxe, e a vivissecção passará a ser então, considerada

crime, por força da Lei 9.605/98.

Além das barbaridades que são praticadas em nome da

vivissecção, no Brasil e em todo o mundo, milhões de animais são agredidos

pelo homem, das mais variadas formas. O homem primitivo agredia o animal

pela caça ou para se defender. Hoje, as formas de crueldade foram se

tornando cada vez mais requintadas, com a ajuda da tecnologia , da ciência e

de algumas religiões. Tudo isso não para alimentar-se ou defender-se, e sim

com finalidades de lucro, diversão ( sic) ou exibicionismo.

São incontáveis as barbaridades cometidas pelo homem. Entre

elas, vale ressaltar, de modo elucidativo e resumido , as brigas de galo,

canários e cães, os rodeios e vaquejadas, a farra do boi, e o uso de animais

para a produção de soro.

A crueldade das brigas de galos e de canários: por volta de um

ano o galo já está preparado para a briga e passará por quase 70 dias de trato.

No trato o animal é pelinchado , o que significa ter cortadas as penas de seu

pescoço, coxas e debaixo das suas asas, suas barbelas e pálpebras são

operadas. O treinador, segurando o animal com uma mão no papo e outra no

rabo, ou, então, segurando-o pelas asas, joga-o para cima e deixa-o cair no

chão para fortalecer suas pernas. Depois, o galo é suspenso pelo rabo, para

fortalecer suas unhas na areia. Em seguida, o animal é escovado para

desenvolver a musculatura e avivar a cor das penas. O animal é banhado em

água fria e colocado ao sol até abrir o bico, de tanto cansaço. Tudo isto para

aumentar a resistência. Chega então, a hora do treinamento de cotejo, quando

o galo é posto para brigar com outro, só para treinamento, usando buchas nas

esporas e biqueiras de borracha no bico. O galo passa a vida aprisionado em

gaiola pequena, só circulando em espaço maior nas épocas de treinamento,

quando é posto em uma passadeira, para o infeliz duelo.

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Já na briga de canários, que acontece na época da reprodução ,

a partir de agosto e setembro, dois machos são estimulados a disputarem uma

fêmea até não agüentarem mais, onde o vencedor, não fica com ela, sendo

guardado para uma nova luta. Os canários para briga são alimentados com

sementes de maconha e o remédio Melhoral dissolvido em água. Além disso,

aplica-se massagem no peito dos bichos, para atiçar os animais uns contra os

outros. O perdedor não tem escolha: se sobreviver à ira do adversário morre

esmagado nas mãos do criador, revoltado com sua derrota.

Na verdade, o objetivo das rinhas é ganhar dinheiro com as

apostas e com a comercialização das aves, um negócio multimilionário, em

que os animais não passam , lamentavelmente, de instrumentos cruéis de

exploração financeira, por indivíduos sádicos e sem compaixão.

Rodeios: crueldade legalizada no Brasil. O rodeio foi importado

dos Estados Unidos e, cada vez mais, se expande pelo interior do Brasil. Os

animais utilizados em rodeios, normalmente dóceis, devem parecer bravios, a

fim de justificarem a pseudo coragem dos peões em domá-los. Para alcançar

tal intento, são utilizadas ferramentas de tortura: agulhadas elétricas, um

pedaço de madeira afiado, ungüentos cáusticos; sedém ou sedenho (artefato

de couro ou crina que é amarrado ao redor dos órgãos genitais do animal e

que é puxado com força no momento em que ele sai à arena), esporas,

choques elétricos e mecânicos. Também são introduzidas no corpo do animal

substâncias abrasivas como a terebintina e a pimenta, a fim de causar-lhe dor

e, conseqüentemente, enfurecê-lo. São freqüentes as distensões em peões e

no animal, podendo ocorrer até fraturas. No final da prova o peão escolhe o

melhor momento para saltar, enquanto um peão-palhaço, o salva vidas, distrai

o animal depois que o peão desmonta.

Existe, ainda, outra modalidade derivada do rodeio, a prova do

laço do bezerro, onde o mesmo é capturado pelo pescoço , e o laçador,

montado num cavalo, atravessa a porteira perseguindo um bezerro de apenas

três ou quatro meses de idade. O peão laça a cabeça do animal e o puxa para

trás, e pára de correr. Depois, desce do cavalo e levanta o filhote até a altura

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da cintura, e com a corda que carrega na boca amarra três de suas patas.

Maior requinte de maldade, impossível.

Nos estados do nordeste é adotada uma festa similar, a

vaquejada, um espetáculo genuinamente brasileiro, que nasceu na cidade de

Santo Antão, em Pernambuco. Dois vaqueiros, um denominado puxador e o

outro esteireiro, montados em cavalos, acompanham um boi desde a saída da

sangra (box feito para a largada da rés) até a faixa de julgamento. Ali, devem

tombar o boi ao chão, arrastando-o brutalmente, até que mostre as quatro

patas. Os animais usados em vaquejadas sofrem luxações e hemorragias

internas, devido ao tombo. E não é só o sertanejo que participa da derrubada

do boi. Hoje em dia, já vêm entrando em cena empresários, profissionais

liberais e outras categorias profissionais, como se essa prática fosse um

esporte. Todo esse tormento que sofrem os animais é para ganhar prêmios

oriundos de rateio das inscrições pagas pelo vaqueiro. Como sempre, o

dinheiro e o lucro despontando, em desprezo aos animais.

As pessoas leigas que assistem a um rodeio, ou a uma

vaquejada, não imaginam o sofrimento que há por detrás daquela

apresentação, até porque muitas são criadas e acostumadas com esse tipo de

evento, e os organizadores deles, ofuscados pelos recursos financeiros que

esses eventos canalizam, não percebem a dor e o sofrimento dos animais.

O mais incrível é que existem leis no Brasil que regulamenta a

atividade de peão de rodeio (Lei 10.220/01), e a Lei 10.519/02, que trata de

cuidados sanitários e outras providências para os rodeios. Ambas são usadas

como defesa dos organizadores de rodeios e simpatizantes.

Em 1934 as vaquejadas e os rodeios haviam sido proibidos pelo

Decreto Federal 24.645/34, que diz textualmente em seu art. 3º:

“Considera-se crueldade:

[...]

XXIX: Realizar ou promover lutas entre animais da

mesma espécie ou de espécies diferentes, touradas e

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simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar

privado.”

Os rodeios e as vaquejadas, sem dúvida nenhuma, configuram-se

como simulacros de touradas. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça

de São Paulo, no RT.2247/105 — Ms n. 774.276. Mas, o Ministério da

Agricultura regulamentou os rodeios, pela Portaria n.14, de 17/7/1984. A

Constituição Federal e a Lei 9.605/98 vedam as práticas que submetam os

animais a crueldade, daí ambas deveriam ser mais respeitadas e aplicadas,

não cabendo nenhum tipo de dúvida que rodeio ( ou simulacro) é sim, uma

grande perversão, e não um esporte ou uma atração saudável.

Outra crueldade é a Farra do Boi que é uma das maiores

atrocidades cometidas contra os animais no Brasil. Causou uma comoção

nacional, mobilizou a imprensa, foi tema de várias teses de mestrado em

diferentes disciplinas, e até hoje constituiu um problema social e jurídico de

grande monta.

No estado de Santa Catarina, descendentes de açorianos,

associando o boi a entidades pagãs, supliciam este animal até a morte,

representando o linchamento a vitória do cristianismo sobre os mouros. Tal

prática é sempre executada na semana santa. Munidos de paus, pedras,

açoites e facas, participam da farra homens, mulheres, velhos e crianças.

Assim que o boi é solto, a multidão o persegue e o agride incessantemente. O

primeiro alvo são os chifres, quebrados a pauladas. Em seguida, os olhos são

perfurados. A tortura só termina quando o animal, horas depois, já com vários

ossos quebrados, não tem mais forças para correr às cegas, sendo

definitivamente abatido e carneado para um churrasco.

Em 1997, após muito debate e pressão por parte das entidades

de proteção e defesa dos animais, veio a proibição, por meio da decisão

prolatada no Recurso Extraordinário nº 153.531-8/SC (RT 753/101). A farra do

boi foi proibida por força de acórdão do Supremo Tribunal Federal, na Ação

Civil Pública nº 023.89.030082-0, promovida pela APANDE, entidade de

proteção dos direitos dos animais com sede em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

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Até o presente momento, nem a sentença contra a farra do boi,

existente no Supremo Tribunal Federal foi capaz de deter a fúria da multidão

adepta deste sadismo. O Governo de Santa Catarina criou uma Comissão de

Estudos que considerou a Farra do Boi como movimento cultural, e ainda

hoje, é praticada escondidamente, com outro nome, para não ser enquadrada.

Hoje , chama-se disfarçadamente, para alguns , de “ brincadeira do boi ”.

Os descendentes dos açorianos defendem a farra do boi como

manifestação cultural, que estariam defendendo o meio ambiente cultural.

Este argumento não procede, pois a cultura não pode ser exercida com o

sofrimento dos animais, no caso os bois. Nenhuma cultura pode prevalecer

frente ao sofrimento e a discriminação, seja em animais ou seres humanos.

Brigas de cães. Outra prática crudelíssima , que ocorre na

clandestinidade, aqui no Brasil. Em regra, um Pit Bull fica abrigado no escuro,

deitado sobre os próprios excrementos. Para descarregar a tensão constante,

ele morde a correia que o aprisiona. Seu treinamento é terrível: antes de tudo,

ele é obrigado a correr durante horas, por percursos longos ou sobre esteiras

rolantes. É obrigado a vencer obstáculos e, para fortalecer os músculos do

maxilar, a puxar com os dentes charretes com 800 quilos de ferro. Isso

durante horas. Esta é a vida de um Pit Bull treinado para as brigas. Sua

alimentação é composta de animais feridos, mas ainda vivos, o que serve para

torná-lo mais feroz. Na maioria das vezes a vítima é um gato propositalmente

ferido. O cão o recebe como recompensa depois do treinamento cotidiano.

Esse cão é treinado para agredir e matar depois de receber determinados

sinais , tais como ter uma ponta de cigarro apagada em sua testa. O

treinamento para combate submete o cão a várias torturas, como coleiras

elétricas. Cada vez que ele não satisfaz seu instrutor é punido com uma

descarga elétrica. Uma briga de cães consiste em colocar dois cães ,

previamente treinados, para se confrontarem em uma luta sangrenta. A regra

é simples: vence o animal que sobreviver a 30 minutos de assalto. Se ambos

desistirem o juiz decide quem venceu. Uma briga dura de dois a três combates.

O cão campeão, depois de costurado, é preparado para novo combate.

Dependendo de sua determinação para lutar um cão pode valer milhares de

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dólares. O critério de seleção de um cão é sempre testando-o em um

combate. Além de ser cruel e ilegal, esses criadores conseguiram também

criar o mito de que todos os pit bulls são feras em potencial, criando pânico na

sociedade ao avistar um destes cachorros caminhando em uma calçada,

mesmo com focinheira e coleira.

E para encerrar exemplos de algumas cruedades, em 1990, um

periódico noticiou a triste e comovente história de um cavalo do Instituto

Butantã usado para a fabricação de soro. Como todos os outros, ele não tinha

um nome, mas apenas um número: 814.Quando o 814 foi descoberto, ele já

estava sendo utilizado pelo Instituto Butantã há quatorze anos para a produção

de soro contra veneno de animais peçonhentos. A vida média desses animais

nos institutos para fabricação de soro é de 4 a 5 anos, ( quando a vida média

de um cavalo corresponde a 30 anos) , mas o 814 resistiu bem mais que isso,

não se sabe como. Suas costas sangravam continuamente, já havia perdido

um olho, sofria terríveis cólicas de fígado e, mesmo assim, era envenenado e

sangrado, como todos os outros. Os ecologistas tentaram, amigavelmente,

retirar o cavalo do Instituto e levá-lo para uma fazenda onde pudesse se

aposentar em paz. Os experimentadores não aceitavam o diálogo e nem

admitiram estar submetendo o animal a maus-tratos.

O CRMV Federal encaminhou o caso para exame do CRMV/SP,

que chamou o Instituto Butantã para prestar esclarecimentos sobre o estado

do cavalo 814, onde se justificavam, dizendo não haver outro método eficaz

para produção de soros e que o estado de saúde do referido cavalo era bom,

estava bem alimentado e que não era economicamente viável sua

aposentadoria. Entretanto, duas semanas após, estranhamente, o Instituto

divulgou a morte de 814 e mais dois animais, diagnosticando “um adiantado

estado degenerativo.” Com a morte de 814 era esperado o silêncio, mas 814

será sempre um símbolo da maldade humana. O soro antiofídico é,

atualmente, o único medicamento para o veneno de cobra. O processo de

fabricação de soros consiste em se injetar veneno de cobra, escorpião ou

aranha nos cavalos, para a reprodução de anticorpos. O impacto do veneno é

tão forte que ele precisa ser recebido em três dosagens. Doze litros de sangue

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são retirados por vez, dos quais só o plasma com anticorpos será aproveitado

para soros e vacinas salvadoras. Os cavalos são amarrados em um tronco,

sem chance de defesa, e recebem em dias alternados as doses de peçonha

de cobras e escorpiões. Cheios de dor, arrastam-se até um cercadão, onde

descansam alguns dias e voltam ao tronco para serem sangrados. Alguns dias

de descanso e recomeça o martírio, que só termina com a morte do animal,

coberto de feridas que não cicatrizaram. Apesar das inúmeras pesquisas que

estão sendo realizadas para o tratamento de picadas de cobras com plantas, a

situação não evoluiu, e os cavalos continuam sendo sacrificados para a

produção de soros. Cientistas trabalham para que no futuro a substituição da

soroterapia seja feita pela quimioterapia na cura de envenenamento por

animais peçonhentos.

Também constituem-se maus tratos, portanto, passíveis de pena,

provocar lesões físicas e estresse desnecessário aos animais, como animais

em circos ; casos em que se exija trabalho excessivo ou que ainda maltrate

os animais, como por exemplo, animais de tração , sem a proteção devida;

abandonar animal de estimação infringindo-lhe fome e desabrigo , o tráfico de

animais para comércio e a abominável matança de animais para extração de

peles.

Enfim, são inúmeros os tipos de crueldades contra os animais,

indo desde os acima citados até a irresponsabilidade dos donos, em sua

criação; crueldade na criação para o consumo, onde os animais passam a vida

inteira confinados, sem ver a luz do sol; maus tratos na hora do abate; até as

péssimas condições oferecidas por alguns parques e zoológicos.

Desta forma, diante de tantas crueldades, podemos afirmar que ,

sem dúvida alguma, maltratar animais é crime; previsto na Lei Federal n°

9.605/98. Em seu art. 32, está prevista pena de 3 (três) meses a 1(um) ano de

detenção para aquele que praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar

animal doméstico, domesticado, silvestre nativo ou silvestre exótico, o que é

muito pouco em relação ao sofrimento causado à inocentes criaturas.

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CAPÍTULO IV

DIREITOS DOS ANIMAIS

ANIMAIS TÊM DIREITOS?

“O destino dos animais é muito mais

importante para mim do que o medo de

parecer ridículo .“ Émile Zola

Com a nova concepção de sustentabilidade e preservação, a

humanidade, ainda que lentamente, iniciou uma positivação de leis e regras,

objetivando garantir de forma mais efetiva os direitos dos animais.

Apesar da raça humana ter uma natureza predatória, sempre

existiram no mundo indivíduos que demonstraram preocupação com os

animais. O que ocorre é que apesar de existirem leis de proteção à fauna, a

sua condenação é ínfima comparada ao dano causado, quase sempre

irreparável.

Afinal, os animais possuem ou não direitos? Segundo afirma

Diomar Ackel Filho4, "no papiro de Kahoun, documento do antigo Egito,

encontrado em 1890, e que data de 4000 anos atrás, foram anotadas

observações interessantes sobre cuidados com os animais". Também no

Código de Hamurabi – prossegue o autor, ” são encontradas normas que

prevêem obrigações dos humanos em relação à saúde dos animais.

Buda também ensinava que uma relação harmoniosa e virtuosa

com o mundo traz bem-estar e leveza ao coração, bem como clareza

imperturbável à mente. Por isso, delimitou alguns preceitos básicos de

moralidade que conduzem à consciência plena. Um destes preceitos é o que

prega que o ser humano deve abster-se de destruir os seres vivos. Esse

4 ACKEL, F. Diomar. Direito dos Animais. São Paulo. Themis. 2001, p.26.

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preceito significa honrar toda as formas de vida, das mais simples até as mais

complexas, de modo a não causar mal a qualquer criatura viva.

Vale informar também, segundo Fernando Levai 5, que "um dos

registros mais remotos da preservação da fauna terrestre remonta ao Velho

Testamento". De acordo com relato da Bíblia Sagrada 6, Deus, porque a terra

estava cheia da violência do homem, decidiu eliminar toda a vida terrestre.

Estabeleceu porém uma união com Noé, fazendo-o construir a Arca, para

salvar-se a si própria e sua família. E ordenou-lhe Deus :

19. De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada

espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca para os

conservares vivos contigo.

20. Das aves segundo as suas espécies, do gado

segundo as suas espécies, de todo réptil da terra

segundo as suas espécies, dois de cada espécie virão

a ti, para os conservares em vida .

O grande filósofo Aristóteles, também conhecido como o pai da

Zoologia, foi o autor da primeira obra que se tem conhecimento sobre o direito

dos animais, compreendendo um conjunto de dez livros, dentre os quais se

destacava o Livro dos Animais, que abordava as partes dos animais, a sua

marcha e geração.

De outra parte, Edna Cardozo Dias 7, autora da obra A Tutela

Jurídica dos Animais, comenta que:

“...já os pré-socráticos "viam a natureza abarcar tudo,

inclusive os deuses, relativizando a importância do ser

5 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais – o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão. Mantiqueira, 1998, p .13. 6 BÍBLIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 6-19 e 20. 7 DIAS, Edna Cardozo. A Tutela Jurídica dos Animais.Belo Horizonte. Mandamentos.2000, p.20.

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humano". Dentre os filósofos pré-socráticos destaca

Demócrito de Abddera, que sobre a superioridade

humana ensinou:

[...]

A boa natureza dos animais é a força do

corpo; a dos homens, a excelência do caráter.

[...]

Talvez sejamos ridículos quando nos

vangloriamos de ensinar os animais. Deles somos

discípulos nas coisas mais importantes – da aranha no

tecer e remendar; da andorinha no construir casas, das

aves canoras, cisne e rouxinol no cantar, por meio da

imitação. “

Também José Roberto Goldin e Márcia Mocellin Raymundo 8 ,

autores de artigo sitiado na internet, referente a pesquisa em saúde e direitos

dos animais relatam que Pitágoras (582-500 a. C.) já pensava que a

amabilidade para com todas as criaturas não-humanas era um dever.

A utilização de animais em pesquisas médicas remonta a

Hipócrates (377 a. C.) considerado como o “pai da medicina” e Galeno ,

(aproximadamente 150 a.C) cognominado “pai da anatomia”, adeptos de

práticas vivisseccionistas. Séculos se passaram e mais precisamente no séc.

XVII, com o racionalismo de René Descartes, (1596-1650) onde a célebre

frase: ” penso, logo existo” ficou gravada para sempre. A grosso modo, então,

quem não pensa, não existe. Ou pelo menos não tem nenhum direito, já que,

sem poder verbalizar seu descontentamento, é mero objeto nas mãos do

homem. Com este pensamento , houve um retrocesso quanto ao

comportamento ético dos homens em relação aos animais. O filósofo francês,

acreditava que os processos de pensamento e sensibilidade faziam parte da

8 GOLDIN, José Roberto, RAYMUNDO, Márcia Mocellin. UFRGS. Pesquisa em saúde e direito dos animais. In: www.ufrgs.br/hcps, p.4-5. Página acessada em 09.09.2008.

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alma. Como na sua concepção os animais não tinham alma, não havia sequer

a possibilidade de sentirem dor. Ele argumentava que os animais não pensam

e não sentem dor, portanto não são seres sencientes. Sendo assim os maus-

tratos não eram errados.

Voltaire9 (1694-1778), outro defensor dos direitos animais

respondeu a Descartes no seu Dicionário Filosófico:

“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer

que os animais são máquinas privadas de

conhecimento e sentimento, que procedem

sempre da mesma maneira, que nada aprendem,

nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas

que tenho sentimento, memória, idéias? Pois

bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito,

procurar um papel com inquietude, abrir a

escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado,

encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que

experimentei os sentimentos de aflição e prazer,

que tenho memória e conhecimento.Vê com os

mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e

procura-o por toda parte com ganidos dolorosos,

entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e

vai de aposento em aposento e enfim encontra no

gabinete o ente amado, a quem manifesta sua

alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e

carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão

prodigiosamente vence o homem em amizade,

pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no

vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas.

9 VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Tradução de Marilena de Souza Chauí, São Paulo, Abril Cultural, Os Pensadores, 1978.

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Descobres nele todos os mesmos órgãos de

sentimentos de que te gabas. Responde-me

maquinista, teria a natureza entrosado nesse

animal todos os órgãos do sentimento sem

objectivo algum? Terá nervos para ser insensível?

Não inquines à natureza tão impertinente

contradição”.

No século XVIII, um dos fundadores do utilitarismo moderno, o

filósofo britânico Jeremy Bentham, argumenta que a dor animal é tão real e

relevante como a dor humana e que "talvez chegue o dia em que o restante da

criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido

privados, a não ser pela mão da tirania". Bentham argumenta ainda que a

capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida

para como nós tratamos outros seres. Se a razão fosse critério, muitos

humanos incluindo bebês e pessoas especiais, também teriam que ser

tratados como coisas, onde a questão não é se eles pensam ou falam. E sim

a questão é: eles sofrem .

Jeremy Bentham (1748-1832) é considerado um dos escritores

que ampliaram o campo para a posterior elaboração dos direitos animais,

defendendo em tese que não importa se os animais são incapazes ou não de

pensar. O que importa que são capazes de sofrer.

Ainda no séc. XVIII Importante revolução no pensamento em

defesa animal foi a apresentada por Charles Darwin, com a publicação de sua

obra Origem das Espécies, em 1859, ao estabelecer que o homem não era o

filho de Deus, mas uma evolução dos primatas. Pela teoria da evolução de

Darwin, todos os animais tiveram uma origem comum. As diferenças entre os

membros dessa única família de seres vivos ocorrem devido ao processo que

Darwin denominou de seleção natural, onde são repetidas nas gerações

futuras as mutações de células que foram favoráveis a sobrevivência de um

determinado grupo; sempre adequando-se ao seu próprio ambiente.

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No século XIX, Arthur Schopenhauer argumentava que os animais

têm a mesma essência que os humanos, e posicionou-se contra a

vivissecção.

Mais recentemente, uma das obras que, sem sombra de dúvida,

causou grande impacto e que ensejou uma reflexão bem mais profunda em

relação aos experimentos com os animais foi o livro Animal Liberation, de Peter

Singer, filósofo australiano, publicado em 1975. Ao abordar a questão da

diferença entre os seres humanos e os animais , lembra que a base da

hipótese da superioridade dos humanos em face dos animais, em termos

genéticos, foi praticamente destruída por Charles Darwin.

Peter Singer, registrou em sua outra obra denominada Ética

Prática, que vários filósofos procuraram desenvolver suas teorias, afirmando

ou refutando a idéia de que a ética decorre de uma lei natural universal. Por

isso, propõe que se aceite que os juízos éticos devem ser formulados de um

ponto de vista universal. Dessa forma, foi determinado o princípio da igual

consideração dos interesses, sobre o qual se funda a igualdade de todos os

seres humanos, devendo também ser aceito como regulador moral da relação

humana com os seres não pertencentes à nossa espécie. Isso porque o fo, “o

especismo é tão sem propósito e sem razão quanto o racismo, ou

discriminação de sexo. ( Especismo é a exploração humana sobre todos os

outros animais visando unicamente o seu próprio bem estar, lucro e prazer,

não levando em conta os direitos que todos os seres possuem no

ecossistema). Singer observou que os estímulos que causam dor aos seres

humanos também causam dor nos animais. Por isso, baseado em Bentham,

reconhece que a capacidade de sofrimento é que deve conferir a um ser o

direito à igual consideração: se um ser sofre, não pode haver nenhuma

justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em

consideração. Em seu livro Libertação Animal, ele argumenta que os

humanos devem ter como base de consideração moral não a inteligência nem

a habilidade de fazer julgamentos morais, mas sim a habilidade de

experimentar a dor. Como os animais também experimentam a dor, ele afirma

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que excluir animais dessa forma de consideração é uma discriminação

chamada de "especismo.”

Ao longo da história, os animais e os seus direitos não foram

esquecidos, sendo defendidos por uns, como os acima citados e contestados

por outros, onde uma corrente contrária aos que defendem os direitos dos

animais têm tentado identificar diferenças moralmente relevantes entre

humanos e animais que pudesse justificar a atribuição de direitos e interesses

aos primeiros e não aos últimos como por exemplo a inteligência , mas, tais

conceitos não são viáveis, pois os mesmos podem não ter aplicação em todos

os humanos, e por sua vez, podem ser aplicáveis à alguns animais.

Hoje, pode-se afirmar que os animais possuem direitos, direitos

estes de serem capazes de possuir as suas próprias vidas o que não implica

em aceitar a filosofia do bem-estarismo animal, que é uma filosofia que

acredita que a crueldade empregada em animais é um problema, mas que não

dá direitos morais específicos à eles.

Assim, podemos concluir que os animais também possuem

direitos de personalidade, como o direito á vida e ao não sofrimento. E tal

como os juridicamente incapazes, seus direitos são garantidos por

representatividade, tornando-se esses direitos deveres de todos os homens.

No Brasil, essa representação foi atribuída ao Ministério Público e

às sociedades protetoras dos animais, legitimados ativamente para agir em

favor dos animais.

Desta forma, além da existência da Declaração Universal dos

Direitos dos Animais e das leis que os amparam ( já citados no capítulo II), os

animais têm direitos. Direito à vida, por serem seres que como os humanos,

sentem dor; direito à liberdade e principalmente nós, humanos, temos os

deveres de representá-los e de cuidá-los. Conforme já afirmava Mahatma

Gandhi, “ a grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados

pela maneira com que seus animais são tratados.”

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CONCLUSÃO

"Naquela noite, no meu saco de dormir, no

chão da cabana, sonhei que um castor

enorme subia na minha jaqueta-

travesseiro. Isso me acordou e eu senti

alguma coisa movendo no meu cabelo e

depois se retirando para o chão. No feixe

de luz da minha lanterna, havia uma

pequena ratinha de patas brancas e em

sua boca um grande chumaço do que

parecia ser meu cabelo. Ela saiu correndo

para um canto onde havia um braço de

cadeira quebrado. Esperei no escuro e

ela subiu de novo na minha cabeça e

suas pequenas patinhas rosadas e seus

dentes cortaram o comprimento

necessário de cabelo para aquele ninho.

Voltei a dormir pensando o quanto era

bom saber que o homem, a única

verdadeira praga na Natureza teve, por

fim, uma utilidade para ao menos uma

"pessoinha" naquele vasto deserto." --Dr.

Harry Lillie, 1975.

O pensamento holístico ( Holístico é um termo que ao mesmo

tempo indica uma tendência ao ver o todo além das partes, ele considera esse

todo como santo e sagrado) é profundamente ecológico, e de acordo com ele,

o indivíduo e a natureza não estão separados mas formam um conjunto

impossível de ser dissociado. Por isso é que qualquer forma de agressão à

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fauna , para a abordagem holística, é pura e simplesmente uma forma de

retrocesso. Não podemos tratar dos animais e dos indivíduos de formas

apartadas. A concepção sistêmica da vida não vê as coisas como elementos

isolados, mas como partes de padrões vibratórios integrados, conjuntos cheios

de significados, cujas características mais importantes não estão em suas

partes, mas na maneira como estas partes se relacionam. É a Teia de Gaia,

onde tudo se completa, e onde o que se faz em um determinado ponto, terá

sua conseqüência em outro, ainda que distante.

Já na visão jurídica, podemos dizer que existe um mínimo de

direitos inerentes a todos os seres vivos: direito de viver, direito à liberdade,

direito de se alimentar, de saciar a sede, de perpetuar a espécie, de não sofrer

violência ou crueldades. E , além disso, cabe a cada espécie, em razão de

suas características peculiares, que sejam reconhecidos direitos que lhes são

próprios. Os animais, silvestres ou domésticos, têm direito à vida e a uma

existência dignas, resguardadas as características de cada espécie. Como

conseqüência desse direito, aos humanos impõem-se o dever e a obrigação,

não apenas moral, mas também jurídica, de se absterem de qualquer prática

abusiva, violenta, ou cruel com os animais.

Assim, quando falamos em conceitos atuais como

desenvolvimento sustentável, meio ambiente equilibrado, devemos nos

atualizar também quanto ao conceito de “domínio” dos homens perante os

animais. Em termos jurídicos, os animais não devem ser mais considerados

como propriedade e sim como um bem ambiental e difuso, cabendo a tutela

ou a guarda aos homens, e com apenas uma finalidade: a proteção .

Como seres conscientes, temos o dever não só de respeitar todas

as formas de vida como de tomar as providências para evitar o sofrimento

delas.

Finalmente, propõe-se que o direito como justo, como devido por

justiça é a máxima que deve orientar a conduta do homem não apenas em

relação ao seu semelhante, mas também em relação aos demais seres vivos.

É a solidariedade e a sensibilidade para com todas as criaturas que torna um

homem verdadeiramente humano.

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INDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

FAUNA, DIVISÃO E NATUREZA JURÍDICA 10

CAPÍTULO II

HISTÓRICO LEGAL 16

CAPÍTULO III

MAUS TRATOS E CRUELDADE CONTRA OS ANIMAIS 23

CAPÍTULO IV

DIREITOS DOS ANIMAIS 36

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 45

ÍNDICE 47

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes. Projeto A Vez do

mestre.

Título da Monografia: A Tutela Jurídica dos Animais.

Autor: Mônica Cataldo de Oliveira.

Data da entrega: 03 de outubro de 2008

Avaliado por: Conceito: