47
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS NA ADOÇÃO Por: Gabriela Paiva Castello Branco de Moura Orientador Profª. Ana Paula Ribeiro Rio de Janeiro 2010

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · da Criança e do Adolescente, bem como as reformulações sofridas por esta ... justiça, requerentes ao processo de ... entre

  • Upload
    dinhnga

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS NA ADOÇÃO

Por: Gabriela Paiva Castello Branco de Moura

Orientador

Profª. Ana Paula Ribeiro

Rio de Janeiro

2010

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS NA ADOÇÃO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Psicologia

Jurídica.

Por: Gabriela Paiva Castello Branco de Moura

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de

estar cursando esta especialização,

bem como ao meu marido Rafael, pela

paciência, estímulo e dedicação

durante este período e aos meus avós:

Ernani e Celina por tudo o que me

proporcionaram ao logo do meu

desenvolvimento.

4

DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho aos meus

avós, por todo o esforço dispensado

sobre mim durante todo esse tempo, ao

meu marido Rafael por todo o meu

suporte, amor e carinho e aos meus

demais parentes e amigos.

5

RESUMO

O gradativo aumento do número de casos de crianças e adolescentes

devolvidos no contexto da adoção nos remeteu à necessidade de abordar

sobre esta temática, a fim de compreender os fatores mobilizadores desta

ação, analisar as consequências que esta pode acarretar sobre as pessoas

envolvidas: pais e filhos adotivos, bem como ressaltar a importância da

preparação psicossocial e jurídica dos indivíduos inseridos nesta demanda.

6

METODOLOGIA

O presente trabalho foi desenvolvido com base em livros, artigos, dissertações,

matérias de jornal e legislações sobre a temática da adoção e da devolução de

crianças e adolescentes, sobretudo a Lei n.º 8.069 que regulamenta o Estatuto

da Criança e do Adolescente, bem como as reformulações sofridas por esta

em novembro de 2009.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O Instituto da Adoção 10

CAPÍTULO II – A Adoção e a Devolução de Crianças 24

CAPÍTULO III – A intervenção do Grupo de Habilitação 35

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA 44

ÍNDICE 47

FOLHA DE AVALIAÇÃO 48

8

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema a adoção de crianças e adolescentes

e o mecanismo da devolução. A questão central da monografia é verificar por

que tantas crianças e adolescentes adotados são devolvidos.

A Lei nº 12.010/2009, que alterou as regras da adoção no Brasil, em três

de novembro de 2009, impulsionou os requerentes ao grupo de habilitação. Tal

fato se deve por muitas razões, entretanto, a mais recorrente é a infertilidade,

pois nem sempre a angústia pela impossibilidade de gerar um filho é

elaborada, o que acarreta na recusa ao sofrimento, no sentimento de

incompletude, na idealização da criança e no discurso altruísta.

Por esses motivos, muitas vezes, os pais não conseguem colocar a

criança adotada na condição de filho e, com isso, encontram como solução a

devolução “daquilo” que não os pertence, ressaltando, ainda, que a adoção é

um ato irrevogável.

Diante disso, é fundamental propiciar a problematização dos conflitos

decorrentes do processo de adoção, assim como refletir acerca dos conceitos

implicados no referido processo, notadamente, após o cadastro no grupo de

habilitação de requerentes.

Neste processo, é imperioso que sejam suscitadas todas as questões

inerentes a essa demanda, ou seja, fazer emergir o que representa

verdadeiramente o significado da palavra adoção na vida de cada candidato a

9

pai; a responsabilidade implicada nesta forma de filiação; promover a escuta

das fantasias e desejos e, estabelecer o que de fato se pretende com a

adoção, enfim, utilizar o espaço para que todas as queixas possam ser

trabalhadas e elaboradas, contribuindo para a minimização do mecanismo da

devolução de crianças e adolescentes.

Os objetivos desta pesquisa são a análise da evolução histórica do

instituto da adoção até a vigência da nova Lei de Adoção; compreender os

motivos pelos quais os pais adotantes recorrem ao mecanismo da devolução

como busca de solução dos conflitos através da psicanálise, com a reflexão

sobre os aspectos do complexo de castração, a recusa ao sofrimento, o

sentimento de incompletude: a busca pela criança ideal e, por fim enfatizar a

importância da intervenção do grupo de psicólogos e técnicos do judiciário, no

processo de habilitação de requerentes, na construção da instituição familiar.

CAPÍTULO I

10

O INSTITUTO DA ADOÇÃO

1.1 Definição de Adoção

De acordo com o dicionário Aurélio, a definição do vocábulo adoção

advém do verbo transitivo direto: adotar. Adotar é uma palavra genérica, que

dependendo da situação pode assumir significados diversos, como: optar,

escolher, assumir, aceitar, acolher, admitir, reconhecer, entre outros.

Quando se trata da adoção de um filho, o termo adoção ganha o

significado de acolhimento. Nesta perspectiva, acolher uma criança acontece

mediante a ação legal e por vontade própria de reconhecer como filho legítimo,

alguém que foi em algum momento desamparado pelos pais biológicos,

conferindo-lhe os mesmos diretos de um filho natural.

A adoção é entendida também como uma forma de oferecer a uma

criança que se encontre em risco social e psíquico uma família, possibilitando o

seu desenvolvimento pleno.

É definida, ainda, como uma criação jurídica de um laço de filiação entre

duas ou mais pessoas.

De acordo com Luiz Schettini. “Todos os filhos são

biológicos e todos os filhos são adotivos. Biológicos

porque essa é a única maneira de existirmos concreta e

11

objetivamente, adotivos, porque é a única forma de

sermos verdadeiramente filhos.” (SCHETTINI, 1998).

Para além do significado da adoção, está a significância desta ação, ou

seja, o valor que ela representa na vida das pessoas envolvidas nesse

processo: pais e filhos.

Segundo Rosalina Rocha Araújo Moraes. “Adotar um filho

não se difere em quase nada da decisão de ter um filho

de sangue. Excluindo-se os processos biológicos, todo o

resto é igual. O amor, o afeto, a ansiedade, o desejo, a

expectativa, a espera, a incerteza do sexo, da aparência

das condições de saúde, dos problemas com a educação

e o comportamento, os conflitos. Tudo isso acontece nas

relações entre pais e filhos independente de serem filhos

biológicos ou adotivos.” (MORAES, 2007).

De acordo com o Código Civil, a adoção é um ato jurídico no qual um

indivíduo é permanentemente assumido como filho por uma pessoa ou casal

que não são os pais biológicos do adotado. Quando isto ocorre, todas as

responsabilidades e direitos, como o Pátrio Poder, são transferidos

integralmente aos adotantes.

1.2 Breve Histórico do Instituto da Adoção

12

O instituto da adoção sempre foi tema bastante debatido no decorre da

história da humanidade, principalmente pelo fato de compreender diversos

aspectos, como, jurídicos, psicológicos, sociais, econômicos e políticos.

E por abranger tantas disciplinas, analisar o conceito da adoção nunca

foi tarefa fácil. Por isso, desde o período pré-romano surgiram muitas

legislações com a pretensão de dar conta deste assunto, que envolve crianças

e adolescentes, poder familiar, justiça, requerentes ao processo de habilitação,

equipe interdisciplinar e entre outros.

Seu prenúncio surgiu no período da antiguidade, como comprovam

alguns textos sobre este tema, com o Código de Hammurabi.

O referido código, o qual foi descoberto em 1901 pela expedição

Francesa de J. Morgam, já ditava algumas regras sobre adoção na Babilônia,

no período de 1728 a 1686 antes de Cristo.

Com a descoberta desta lei, concluiu-se que a grande preocupação do

legislador, nesta época, era com o retorno do adotado à casa do pai biológico.

Diante disso, ao analisar o modo pelo qual a adoção é tratada pelo

código em questão, nota-se que foram estabelecidos critérios para verificar em

que situações seriam possíveis o regresso à família de origem.

13

Segundo Antonio Chaves, na interpretação do Parágrafo

185 do Código de Hammurabi. “Enquanto o pai adotivo

não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna;

mas uma vez educado, tendo o adotante despendido

dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-

lo e voltar tranqüilamente à casa do pai de sangue.”

(CHAVES, p.40).

Com isso, percebe-se que a adoção denotava possuir um caráter

contratual, pois o princípio de justiça existente neste período estabelecia que

as prestações recíprocas entre os contratantes devessem ser iguais, ou seja,

correspondentes.

Ainda segundo o Código de Hammurabi, outro ponto de destaque

refere-se ao fato de que o filho adotivo teria os mesmos direitos hereditários de

um filho biológico e que a adoção seria também, deferida de modo irrevogável,

com isso, demonstrando o senso de justiça já existente desde o período pré-

romano.

A legislação sobre o instituto da adoção, mesmo com poucos relatos

também vigorava nas sociedades da Babilônia e Hindu. Assim como faz alusão

a Lei de Manú, IX, 10. “Aquele a quem a natureza não deu filhos, pode adotar

um para que as cerimônias fúnebres não cessem”. (ALVIM, p. 2).

Com a leitura de passagens bíblicas foi possível encontrar também,

entre os hebreus relatos sobre a existência da adoção. Como faz menção o

caso de Moisés adotado por Temulus, filho de Faraó, história na qual já foi

retratada até em filme.

14

Na chegada da Idade Média e das invasões bárbaras a adoção fica

paralisada, principalmente pelo fato da igreja católica ter conseguido sua

expansão, reforçando a importância do matrimônio como garantia de

procriação da espécie humana.

Já no Brasil, a evolução histórica do instituto da adoção iniciou-se com a

vigência do Código Civil de 1916.

O Código em questão aborda como temática central a valorização que

foi atribuída às pessoas que não puderam ter filhos, pois só poderiam adotar

os maiores de sessenta anos e os indivíduos que tivessem pelos menos

dezoito anos a mais que o adotado.

Diante disso, nota-se que tal lei garantia maiores privilégios às pessoas

que não puderam ou não quiserem ter filhos, criando empecilhos a quem

tivesse a intenção de adotar e que de alguma maneira não se encontrava

dentro do perfil imposto, mantendo, inclusive, a mesma característica que a

adoção possuía desde sua origem.

A partir da Lei 3.133 de 8 de maio de 1957, surgiram algumas

mudanças que favoreceram a adoção. Uma das principais alterações que

ocorreram foi em relação a diminuição da idade para adotar, passou de

sessenta para trinta anos, e a diferença de idade entre adotando e adotado era

de dezesseis anos. Ficou estabelecido também que poderiam adotar casais

que já possuíam filhos, apenas sendo necessário comprovar a estabilidade

matrimonial por um período de cinco anos.

15

Em 2 de junho de 1965 passou a vigorar a Lei 4.655, que tratou apenas

sobre a possibilidade de cancelar o registro de nascimento primitivo, ou seja,

se tornou possível produzir novo registro, contendo na certidão do adotado

dados do casal adotante.

Posteriormente, em 10 de outubro de 1979, entra em vigor a Lei 6.697,

mais comumente conhecida como o Código de Menores.

O Código de Menores destacou-se pelo significativo avanço na

proteção da criança e do adolescente, o que contribuiu diretamente para o

favorecimento da adoção.

Com isso, percebeu-se que, com a introdução da referida lei no

ordenamento jurídico, o legislador ampliou o foco do seu olhar, ou seja,

passando a proteger não só os adotantes mais também os adotados,

estabelecendo à adoção como uma forma de garantir o bem estar da criança e

do adolescente.

A Constituição Federal de 1988 se destacou pela importância da

fiscalização do Poder Público nas condições ideais para inserir, efetivamente,

a criança ou adolescente em família substituta, na modalidade da adoção.

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente

16

Em 1990, entrou em vigor a Lei n.º 8.069 que regulamenta o Estatuto da

Criança e do Adolescente e tem como princípio central a proteção integral dos

mesmos, considerando-os como sujeitos de direitos.

Na forma prevista pela Lei n.º 8.069, de 13 de julho de

1990, art. 4º. “É dever da família, da comunidade, da

sociedade em geral e do poder público assegurar, com

absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária.”

Uma das garantias desse direito é reservar que a criança e o

adolescente tenham direito fundamental de ser criado no seio familiar, seja

esta natural ou substituta.

De acordo com a legislação vigente, a colocação da criança ou

adolescente em família substituta será realizada mediante a guarda, tutela ou

adoção, independente da situação jurídica na qual se encontre a criança.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, guarda refere-se à

obrigação que é exigida pelo detentor da criança e do adolescente de oferecer

assistência material, moral e educacional à criança e adolescente. O instituto

da guarda tem por finalidade regularizar a pose de fato, podendo ser deferida

liminar ou incidentalmente.

17

A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente

de quem detenha o Poder Familiar.

Esta, por sua vez, pode ser unilateral ou compartilhada,

como faz alusão o Art. 1583 em seu parágrafo 1º do

Código Civil atual. “Compreende-se por guarda unilateral

a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o

substitua e, por guarda compartilhada a responsabilização

conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da

mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao

poder familiar dos filhos comuns.”

O instituto da Tutela diz respeito a uma autoridade que é conferida a

alguém para administrar os bens e proteger a criança ou adolescente que se

encontre destituído do Poder Familiar.

De acordo com o Código Civil de 2002, os filhos menores só serão

colocados em Tutela com o falecimento dos pais, ou estes sendo julgados

ausentes e também na hipótese de destituição do Poder Familiar.

O Código Civil de 2002 em seu Art. 1.734 dispõe. “As

crianças e os adolescentes cujos pais forem

desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos

ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados

pelo Juiz ou serão incluídos em programa de colocação

familiar, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de

julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.”

18

A tutela, segundo o código em referência é subdivida em três tipos. A

Testamentária faz menção aos pais biológicos que deixam escrito, através de

testamento quem será o tutor do filho. A Legítima coloca a cargo do juiz, de

nomear um tutor na própria família do menor, seja na família natural ou na

extensa. E por fim, a Dativa que se refere à escolha por parte de autoridade

competente de nomear tutor fora da família para representar os interesses da

criança ou adolescente.

Tanto o instituto da Guarda quanto o da Tutela poderão ser revogados a

qualquer tempo, de acordo com reavaliação de autoridade competente, sem ou

em conjunto com o apoio de equipe interprofissional.

A adoção é considerada de caráter excepcional e irrevogável, a qual

deve-se recorrer apenas quando forem esgotadas todas as possibilidades de

manutenção da criança na família de origem.

Entende-se por família de origem ou natural aquela formada por pelos

pais ou qualquer deles e seus descendentes.

O instituto da adoção será utilizado como medida de colocação da

criança e do adolescente em família substituta quando apresentarem

vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Este é, aliás, o entendimento previsto em lei,

notadamente pelo parágrafo 5º, artigo 42, do ECA. “Serão

colocados em adoção todas as crianças e adolescentes

19

cujos pais biológicos (ou adotivos, uma vez que não há

limite para que uma pessoa seja adotada) ou

representante legal concordem com a medida, ou se os

pais estiverem destituídos do poder familiar ou ainda, se

estiverem falecidos, porém, só será efetivamente

deferida, sempre que “manifestar reais vantagens para o

adotando e fundar-se em motivos legítimos.”

Recentemente foi sancionada a nova Lei de Adoção que entrou em

vigor em novembro de 2009, na qual foram estabelecidas algumas alterações

no Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange o instituto da adoção.

Na forma prevista pela Lei nº 12.013, Art. 1º. “Esta Lei

dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista

para garantia do direito à convivência familiar a todas as

crianças e adolescentes.”

A proposta central que regulamenta a nova Lei de Adoção no país,

resguarda à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e

comunitária, onde será prioritário o apoio, a orientação e a promoção social da

família de origem. Tem status de direito fundamental.

A legislação em vigor defende a permanência da criança e do

adolescente na família de origem, ressalvada a possibilidade de manutenção

na mesma, demonstrada por decisão judicial fundamentada.

Como faz alusão o Art. 19, parágrafo 3º da referida Lei. “A

manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à

20

sua família terá preferência em relação a qualquer outra

providência, caso em que será esta incluída em

programas de orientação e auxílio.”

Com a impossibilidade de permanência na família de origem, conforme

mencionado anteriormente, a criança e o adolescente serão colocados em

família substituta, nas modalidades de guarda, tutela ou adoção.

A criança e o adolescente que serão colocados em família substituta

receberão preparação gradativa e acompanhamento posterior de equipe

interprofissional, a fim de que se garanta sempre o melhor interesse do menor,

priorizando a convivência familiar e comunitária.

Nos casos em que for possível a criança e o adolescente também serão

ouvidos previamente por esta equipe, respeitando o seu estágio de

desenvolvimento e o seu grau de compreensão acerca da medida implicada e

sua opinião poderá ser levada em consideração.

Com a criação de um banco de dados único para crianças aptas a

serem adotadas e de pretendentes habilitados à adoção, por parte do

Conselho Nacional de Justiça, vem auxiliando diretamente os juízes na

condução dos processos de adoção e consequentemente, na

desburocratização do próprio processo, pois uniformiza os dados.

Outra contribuição significativa dos cadastros é a racionalização dos

procedimentos de habilitação, ou seja, o pretendente a adotante estará apto a

21

adotar em qualquer estado da Confederação Brasileira com uma única

inscrição feita na Comarca de sua residência.

O cadastro orienta, ainda, o planejamento para políticas públicas de

crianças e adolescentes que aguardam a possibilidade de terem convivência

familiar.

Os candidatos pretendentes a adoção devem procurar a Vara da

Infância e da Juventude para serem inseridos no Grupo de Habilitação, onde

poderá existir a sentença de habilitação e por fim, ocorrer o cadastramento que

será feito pelo próprio juiz que os habilitou.

No Grupo de Habilitação, os requerentes ao processo de adoção

deverão passar por uma preparação, ou seja, os candidatos a pais terão que

passar obrigatoriamente por uma preparação prévia.

O referido procedimento consiste na avaliação psicossocial e jurídica

dos requerentes, após a realização no Cadastro Nacional de Adoção.

Sempre que for possível, é recomendável a preparação e esta deverá

incluir o contato direto com crianças e adolescentes que apresentarem

condições para a adoção e que estiverem em acolhimento, seja familiar ou

institucional.

22

A preparação será realizada por equipe técnica, interdisciplinar da

Justiça da Vara da Infância e Juventude, com o apoio dos técnicos

responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política

municipal de garantia do direito à convivência familiar.

Após a passagem dos requerentes pelo Grupo de Habilitação, a adoção

será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, de

acordo com o prazo que a autoridade competente fixar, sendo dispensado

apenas nos casos em que tiver estabelecido vínculo de afinidade e afetividade

e quando houver a guarda legal, ou seja, a guarda obrigatória.

Contudo, mesmo diante de tais mudanças provenientes da vigência da

nova Lei, ainda se verifica a devolução de crianças e adolescentes pelas

famílias adotantes.

Por tais razões, o presente trabalho visa verificar os motivos que levam

pessoas ao processo de adoção, assim como, analisar os fatores que

impulsionam os pais adotantes a devolverem as crianças e adolescentes e por

fim, contribuir de maneira efetiva na minimização dos processos de devolução

existentes na adoção.

23

CAPÍTULO II

A ADOÇÃO E A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS

2.1 A Devolução da Criança como solução para a Adoção

No Brasil, o processo da adoção é motivado na maior parte das vezes

pelas pessoas que buscam a adoção como opção para exercerem a

maternidade e a paternidade não vinculada ao fator biológico.

24

Tal escolha implicará em questões peculiares na relação que será

estabelecida entre pais e filhos adotivos, que futuramente poderão contribuir

para o mecanismo da devolução da criança adotada.

A infertilidade se configura como um dos muitos fatores que propiciam o

processo da adoção, pois diversos casais passam por inúmeras tentativas de

gravidez por meio de técnicas de reprodução assistida, que acabam se

tornando fracassadas. Na maior parte das vezes, devido ao grau de

expectativa depositada nesta técnica.

Diante das diversas tentativas frustradas, a adoção acaba se tornando o

meio pelo qual as pessoas procuram como alternativa de construção da

relação de filiação, ou seja, a adoção se estabelece como uma tentativa de

suprir a perda de não poder realizar o desejo da procriação biológica.

Assim como faz alusão Maria Luiza Ghirardi. “A

experiência com a adoção poderá vir acompanhada por

sentimentos depreciativos, pano de fundo sobre o qual os

conflitos serão encenados. Para suplantar a ferida aberta

no narcisismo, os pais poderão alimentar uma esperança

de compensação e, nesse caso, o filho poderá vir a

ocupar o lugar daquele que tem a missão de ressarci-los

pela perda imaginária desses aspectos de seu

narcisismo.” (GHIRARDI, 2008).

De acordo com a psicanálise, o complexo de castração não corresponde

a acepção da mutilação dos órgãos sexuais masculinos propriamente ditos,

mas designa uma experiência psíquica completa, inconscientemente

25

vivenciada por uma criança. Esta, porém, não se restringe apenas a um

momento cronológico na sexualidade infantil, muito pelo contrário, ela é

renovada em toda a existência.

O desejo do sujeito se estrutura na base do complexo de castração em

conjunto com o complexo de Édipo, através da subjetividade que é a forma

como este se relaciona com o mundo.

Para Freud, o indivíduo humano só será constituído como sujeito

desejante a partir da ameaça da castração que será marcada pelo recalque de

suas pulsões, ou seja, em outras palavras, para que o sujeito possa desejar é

necessário que ocorra a falta.

No contexto da adoção este conceito se faz presente a partir da não

realização do desejo da procriação biológica, pois os adotantes vivenciam a

“falta” que consequentemente gera o sentimento de incompletude mobilizando

para a idealização da criança. Portanto, a adoção se faz útil como saída para

atender a estas expectativas.

O discurso altruísta de poder ajudar crianças e adolescentes que foram

abandonados pelos pais biológicos é algo que se expressa também como

causa para uma possível adoção. Segundo pesquisa desenvolvida por Weber.

“36,8% dos pedidos formulados pelos adotantes são motivados pelos

sentimentos ligados ao ‘altruísmo’ e à crença na própria ‘bondade’.” (WEBER,

2001).

26

Outro aspecto que pode contribuir para esta justificativa é a situação

econômica e política do nosso país, pois favorece ainda mais o aparecimento

desse tipo de fator mobilizador.

O surgimento das fantasias de poder “salvar” a criança abandonada, a

qual é vista como vinda de uma origem desvalida, aparece subjacente aos

sentimentos de bondade.

Na adoção, o sentimento de altruísmo representaria um mecanismo de

defesa criado pelo próprio sujeito para não vivenciar a experiência dolorosa

que a infertilidade pode suscitar.

De acordo com Maria Luiza Ghirardi. “O tema da adoção

de crianças e adolescentes se insere no contexto das

filiações que são propiciadas pela cultura. Esta

contingência suscita mobilizações psíquicas específicas

no âmbito familiar por tratar-se de experiências vividas

relacionadas ao desamparo, ao abandono e à rejeição.”

(GHIRARDI, 2009).

O início das novas concepções familiares nos últimos tempos, também

contribui como fator decisivo para o processo da adoção, pois muitas pessoas

têm a vontade de deixar algo para alguém, sejam bens materiais ou até

mesmo a perpetuação do próprio nome.

27

Segundo especialistas, cresce gradativamente o número de crianças

devolvidas aos abrigos. No estado do Rio de Janeiro a devolução vem

aumentando, inclusive verificou-se que nos últimos três anos, sete crianças

adotadas já foram devolvidas.

Contudo, abordar sobre a temática da devolução de crianças e

adolescentes em nosso país é algo extremamente delicado e pouco

comentado na sociedade, se tornando muitas vezes invisível e oculto.

Por outro lado, porém, o mecanismo da devolução se configura como

uma realidade mais comum que se imagina, até mesmo porque a adoção na

visão do legislador é considerada um ato irrevogável, como já citado

anteriormente.

A devolução ocorre inserida num cenário onde as experiências

relacionadas ao desamparo e a rejeição não foram bem sucedidas, gerando na

criança e nos pais adotivos um intenso sofrimento psíquico.

No âmbito da adoção, o mecanismo da devolução se faz presente a

partir de situações em que pais e filhos vivenciam intensos momentos de

conflitos. Então, a entrega da criança a uma instituição de acolhimento se faz

como medida alternativa para a resolução dos problemas.

Nas palavras de Maria Luiza Ghirardi. “A devolução da

criança é uma realidade encontrada em alguns contextos

da adoção em que os pais, a partir das intensidades dos

conflitos experimentados, decidem entregá-la aos

cuidados de instituições.” (GHIRARDI, 2009).

28

O aparecimento destes conflitos oriundos das relações estabelecidas

entre pais e filhos adotivos podem ocorrer desde o período conhecido como

estágio de convivência ou até mesmo depois de ter sido decretada a adoção.

No entanto, o momento de abortar o projeto da adoção, recorrendo ao

mecanismo da devolução da criança e do adolescente, de acordo com a

legislação em vigor, é no momento em que se antecede a decretação da

sentença da adoção.

Entretanto, a irrevogabilidade da adoção é contestada como forma de

evitar que a criança vivencie experiências de maus tratos, abusos e

humilhações, fazendo valer o fundamento central da própria lei, que objetiva a

proteção integral do menor.

Segundo estudos sobre este tema, existem alguns fatores de risco que

funcionam como desencadeadores deste processo de devolução de crianças,

no contexto da adoção.

Entre os mais marcantes, revela-se a grande dificuldade que os pais

adotivos encontram em inserir em seu próprio imaginário a criança adotada na

condição de filho, pois a adoção associada à impossibilidade de construção da

relação de filiação através da ordem natural, a qual em muitos casos vem

acompanhada de sentimentos depreciativos, levam os pais adotivos a

colocarem a criança no lugar de compensação, ou seja, atribui-se a ela a

forma de ressarci-los da perda, que não foi elaborada. Podendo, inclusive

29

suscitar nos pais adotantes o pensamento de que é possível “devolver aquilo

que não os pertence”.

De acordo com Renzi. “Quando esta é a vivência

subjetiva dos adotantes, os conflitos com a criança –

dificuldades intrínsecas a qualquer relação humana –

poderão ser experimentados com imensa frustração,

gerando ódio e nova rejeição. Desse modo, fortaleceria

uma convicção de que a criança não lhes pertence e de

que nunca se constituiu como filho. Estas fantasias, que

se dão fundamentalmente de forma inconsciente, podem

ser consideradas substitutas do sentimento depreciativo

dos adotantes, fruto da impossibilidade de conceber seus

próprios filhos.” (RENZI, 1997).

Entretanto, a criança só será inserida no imaginário dos pais, na

condição de filho, a partir do momento em que as perdas sofridas por estes

forem reconhecidas e aceitas. Contribuindo, então para que a experiência

relacionada ao luto possa ser elaborada.

Assim como faz alusão Silva. “Se não ocorrer o luto, o

filho adotivo permanecerá como um objeto ambíguo para

os pais como aquele que representa uma tentativa de

sutura da ferida narcísica, mas também a ruptura da

transcendência.” (SILVA, 2001, p. 164).

Quando os pais adotantes não conseguem se identificar com a

capacidade de procriação de seus próprios pais, o tema da infertilidade se

atualiza e ganha força, acarretando na oscilação do sentimento afetivo para

30

com a criança. Esta modulação interferirá na relação que foi estabelecida com

a criança.

Assim como faz menção Silva. “Quando a criança passa

a ser reconhecida pelos pais como uma marca que revela

a diferença e a alteridade não assimiladas, poderá ficar

destinada a ocupar um lugar de exterioridade em relação

ao imaginário parental, dificultando o seu reconhecimento

como filha. Esse reconhecimento é uma aquisição

psíquica e é sustentado pela possibilidade dos adotantes

se identificarem com a criança. As identificações

consistem em atribuir à criança certas semelhanças,

encontrando nela o que pode vir a ser familiar, em um

campo relacional de alteridade.” (SILVA, 2001 p. 164).

Os pais adotantes na tentativa de recusarem o sofrimento não

elaborado pelas perdas sofridas vão em busca da criança ideal. Tal idealização

toma forma a partir do momento em que os pais adotantes tendem

superestimar as características da criança e da própria adoção.

Nas palavras de Eduardo Rozenthal. “Os objetos

tecnológicos oferecem ao sujeito de hoje a possibilidade,

ainda que transitória, da recusa do sofrimento (busca da

criança ideal, negação da falta) e da negação da morte

(presunção de infinitude, investimento em “verdades”). O

mecanismo da “recusa”, de acordo com o pensamento de

Freud, é à base do funcionamento da perversão. Tal

estratégia serve para investigar - diante do argumento de

que o perverso, sendo amoral, não sofre de culpa. Esta é

uma qualidade específica do padecimento psíquico típico

31

de nosso tempo e da nossa sociedade.” (ROZENTAHL,

2010).

Esse mecanismo de recusa que ocorre de maneira inconsciente poderá

desencadear nas pessoas envolvidas muitas frustrações, depositando

principalmente na criança o sentimento de fracasso, pois esta não conseguirá

compensar, ou melhor, retribuir as expectativas que foram colocadas sobre ela,

pelos pais adotivos.

Por estas razões, ainda se faz notório no processo de habilitação de

requerentes a existência da solicitação de alguns tipos de perfis. Estes querem

na maioria das vezes adotar crianças com características físicas semelhantes

as suas, crianças que não possuem nenhum tipo de problema de saúde e

principalmente dão preferência por crianças que estão abaixo dos seis anos de

idade.

De acordo com matéria do Jornal O Globo. “A cor branca

deixou de ser obstáculo para a adoção. No estado do Rio

de Janeiro não se tem mais dificuldade de conseguir

adoção para crianças negras. A dificuldade maior é para

crianças acima de 6 anos.” ( MENDES, 2010, p. 22/23).

A adoção que foi motivada pela crença na própria bondade, poderá

interferir na educação da criança, surgindo ao logo do tempo à dificuldade de

por limites no menor, assim como na aceitação dos seus comportamentos

indesejáveis.

32

Tal situação poderá acirrar ainda mais o aparecimento de conflitos nesta

relação, recaindo, ainda, sobre a criança a tentativa de retribuir a “bondade”

que lhe foi atribuída.

A origem da criança, no contexto da adoção, deposita sob os adotantes

uma situação enigmática, pois na maior parte das vezes nada se sabe sobre a

dupla que procriou a criança. A história da criança vem acompanhada de

significações tão íntimas, que situa a criança na condição de adotada e reedita

nos pais a dolorosa experiência vivenciada por eles, que culminou com a

adoção.

A fantasia de que algum dia a criança tenha o desejo de procurar a

família de origem, recai sobre os pais adotantes, assim como o temor de que a

família natural possa querer “resgatar” a criança. São fatores de imensa

angústia que se não forem bem administrados podem contribuir para uma

possível devolução.

Para que a criança possa se estruturar psiquicamente é necessário que

a relação de filiação que foi estabelecida entre pais e filhos adotivos seja

construída num processo natural, ou seja, a criança deverá ter conhecimento

sobre sua condição de adotada, pois assim será inserida no mundo como

sujeito.

Assim como faz menção Maria Luiza Ghirardi.

“Necessária e complexa, a revelação apresenta sua

contraparte: coloca em relevo a presença de uma criança

‘estrangeira’ ao núcleo familiar e traz, paradoxalmente, a

face do que é familiar, mas não assimilado, não aceito,

33

marcando a experiência que Freud (1919/1976)

denominou inquietante estranheza.” (GHIRARDI, 2008).

A demora no processo de destituição do poder familiar pode ser

geradora de angústia e temor para os adotantes, pois o processo de

desvinculação da criança de seus pais biológicos leva algum tempo. Este

período já se torna o suficiente para causar nos requerentes o receio de se

“apegarem” a criança e o medo de que esta possa em dado momento

regressar à família de origem.

A insegurança proveniente da burocratização deste processo de adoção

poderá provocar nos requerentes uma rejeição em relação à criança adotada,

bem como a inadaptação da própria criança inserida nesta nova configuração

familiar.

Em virtude do retardamento do julgamento desta ação, existe um novo

projeto de lei que está sendo tramitado no Congresso Nacional que tem como

finalidade a diminuição do tempo de espera da destituição do poder familiar,

para que este processo se torne mais rápido, consequentemente beneficiando

as pessoas envolvidas neste contexto.

Contudo, verifica-se que a devolução em alguns momentos não passa

de uma mera fantasia experimentada pelos adotantes, mas em situações de

crise ela se torna possível, retirando destes pais o lugar da maternidade e da

paternidade associado aquela criança.

34

CAPÍTULO III

A INTERVEÇÃO DO GRUPO DE HABILITAÇÃO

3.1 O papel do Psicólogo nas varas da Infância e Juventude

Nas Varas da Infância e da Juventude, cada vez mais abre-se espaço

para outros profissionais que não os operadores do direito, formando a

chamada equipe interprofissional. Dentro dela, o saber psicológico vem se

estabelecendo no ordenamento jurídico.

É notório que, continuamente, surgem demandas do judiciário,

solicitando o olhar da psicologia sobre aspectos que estão para além dos

processos propriamente ditos. Aspectos estes, que englobam fenômenos

psíquicos e emocionais vivenciados pelas pessoas envolvidas no processo.

35

Este olhar é lançado por profissionais desta área, na condição de

peritos, para realizar uma avaliação psicológica nos pretendentes ao processo

de adoção de crianças e adolescentes.

É considerado perito psicológico o profissional reconhecidamente

habilitado pelo órgão da profissão, à saber, o Conselho Federal de Psicologia,

que fiscaliza a atividade profissional, a qual é regulamentada por lei. A função

deste perito é a de produção de prova, dentro de seus conhecimentos

técnicos, tendo como missão intervir, realizar exames, constatações e

apreciações, produzindo um relatório.

Caberá ao profissional conciliar uma atuação ética, sem deixar de

fornecer um parecer útil, mas ao mesmo tempo algo que oriente o julgador,

sem dizer “como”. O perito é, sobretudo, um técnico, e não cabe a ele ser

julgador, de fato.

Vale lembrar que dentro do código de ética do psicólogo,

em seu artigo 17, faz alusão. “O psicólogo colocará o seu

conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de

promover e aprofundar uma maior compreensão entre a

lei e o agir humano, entre a liberdade e as Instituições

Judiciais.”

O princípio norteador do profissional da psicologia deve estar sempre

em compromisso com a ética, independente da sua área de atuação, pois ele

tem uma responsabilidade com os efeitos de suas intervenções. A atuação do

psicólogo no âmbito jurídico atinge as relações humanas, abrangendo tanto os

sujeitos trazidos ao judiciário quanto aos operadores do direito.

36

A perícia psicológica é um atuar psicológico. Embora o espaço não seja

para terapia, é sempre terapêutico o atuar do profissional. Porém, o psicólogo

não poderá manejar junto ao sujeito os efeitos desta intervenção. A resposta

está no instrumento de trabalho do psicólogo: a escuta. A intervenção ética

perpassa por esta fidelidade, atenta-o para o não dito, para o “dizer”. O

psicólogo jurídico pode auxiliar o sujeito a reescrever sua história a partir da

sua escuta. Não raro são os casos em que depois de haver os encontros com

a psicologia, o sujeito muda a sua atitude diante de um processo, atenta para

os fatos que o levou até ao Grupo de Habilitação, no caso dos requerentes à

adoção, encontrando a solução para o impasse que o encaminhava ao Outro-

justiça, sendo capaz de fazer escolhas e decidir por si mesmo, conduzido pelo

psicólogo a escutar suas próprias fantasias e desejos.

Entretanto, a observação prática demonstra que o laudo, muitas vezes,

tem “poder de sentença”, pois, de fato, a sentença será baseada no laudo. O

conhecimento técnico do psicólogo deverá dar suporte no processo de

habilitação de requerentes à adoção, devendo, desta forma, o perito atentar

para sua responsabilidade e ética profissional.

3.2 A Importância do Grupo de Habilitação

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a existência de equipe

interprofissional para os casos de adoção. Esta equipe será composta pelos

técnicos da Justiça da Infância e da Juventude com a finalidade de avaliar e

preparar psicossocialmente e juridicamente os pretendentes ao processo de

adoção, através do Grupo de Habilitação.

37

Entretanto, os termos avaliar, selecionar e preparar não traduzem com

exatidão o empreendimento que se pretende assumir, pois o que permeia esta

situação reflete o pensamento de que os requerentes querem apenas o filho

que a natureza não os deu e quem é que pode avaliar se estes serão bons

pais.

De acordo com José César Coimbra. “Afinal, o que a

equipe interprofissional faz ao ouvir uma demanda por

adoção? Avaliação, de fato, ainda é uma palavra que

comparece com insistência nas definições e nos

constrangimentos... Mas, novamente, poderíamos

perguntar: trata-se de avaliar o quê?” (COIMBRA, 2001,

p. 3).

Porém, o local para onde se dirigem os requerentes à adoção é o

Judiciário, constituindo-se a forma de um processo e como tal a prova sempre

é exigida pelos operadores do Direito, principalmente pela figura do juiz.

Diante disso, a demanda dos operadores se torna objeto de análise da equipe

interprofissional e esta por sua vez acaba utilizando algum tipo de norma para

atender a solicitação.

Neste contexto, a equipe interprofissional, mais especificamente o setor

de psicologia inicia seu trabalho na tentativa de avaliar se cada requerente que

integra o grupo possui estrutura emocional o suficiente para exercer a função

da maternidade e da paternidade.

38

O ano de 1999 foi marcado pelas significativas mudanças que

ocorreram nos procedimentos relativos às intervenções da equipe

interprofissional na preparação dos requerentes. Tais mudanças visam,

sobretudo, à diminuição dos casos de devolução de crianças e adolescentes.

As alterações no referido procedimento contribuíram de maneira

contundente para um maior estreitamento entre os diferentes campos de

saber, pois anteriormente, cada equipe era responsável por realizar sua própria

entrevista, assim como produzir seu parecer.

O novo procedimento foi inserido pela equipe de Psicólogos e

Assistentes Sociais. Seus principais benefícios refletem na ampliação do

número de encontros entre estes e os requerentes à adoção. Os encontros

são divididos entre as visitas domiciliares, entrevistas, e por fim é emitido um

único parecer elaborado pela equipe.

Com a vigência da nova lei de adoção em novembro de 2009 ficam

estabelecidas também visitas a crianças e adolescentes que estejam acolhidos

institucionalmente.

A lei 12.010 de 2009 dispõe em seu art. 50, parágrafo 4º.

“Sempre que possível e recomendável, a preparação

incluirá o contato com crianças e adolescentes em

acolhimento familiar ou institucional em condições de

serem adotados, a ser realizado sob a orientação,

supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da

Infância e da Juventude, com apoio dos técnicos

responsáveis pelo programa de acolhimento e pela

39

execução da política municipal de garantia do direito à

convivência familiar.”

A preparação dos requerentes do Grupo de Habilitação consiste

também na observação dos mesmos por um período suficiente, a fim de que

neste tempo possam suscitar diversas situações durante os encontros. O

trabalho apresenta ainda, uma orientação pedagógica para que todas as

dúvidas referentes ao processo de adoção possam ser sanadas.

O Grupo de Habilitação propicia aos requerentes a discussão das

fantasias e dos desejos na medida em que as demandas são trazidas por

estes nos encontros. Neste cenário, a equipe abre espaço para pontuar a

dissimetria que pode vir a existir entre o ideal e a realidade e fantasia e desejo,

pois pode ser que em dado momento alguns integrantes do grupo não

consigam efetivar a adoção, porque buscam na criança características físicas e

personalidades parecidas com as suas, ou seja, querem assumir a

maternidade e a paternidade da criança sonhada por estes.

O futuro da criança adotada, no que tange o seu comportamento,

atitudes, desempenho escolar e entre outras características é reflexo, em

grande medida, da maneira como os pais adotantes lidam com suas fantasias

em relação ao instituto da adoção. Aplicado isto, a futura adoção poderá se

tornar bem sucedida e consequentemente, impactará na diminuição ou até

mesmo na não utilização da devolução de crianças e adolescentes como saída

para a resolução de conflitos.

Outro tema abordado pela equipe é a diferença existente entre os

conceitos de adoção e de reprodução biológica. A ênfase é marcada sobre o

40

conceito da adoção, pois exatamente o oposto, na reprodução biológica não é

exigido nenhuma prova sobre o lugar que se pretende assumir com a ação em

questão. De acordo com José César Coimbra. “Quanto à adoção, há um

pressuposto mínimo de que algo deva ser dito sobre a experiência na qual o

requerente quer lançar-se.” (COIMBRA, 2001, p. 2).

Os pretendentes do Grupo de Habilitação são, também, direcionados

pela equipe a refletir sobre o lugar que se pretende assumir com a escolha da

adoção. Assim como faz alusão Jean Brunin. “Na adoção é preciso ser capaz

de responder por sua escolha.” (BRUNIN, 1992. p. 63).

Abordar sobre a temática da adoção implica aos requerentes poder falar

sobre o significado que esta palavra representa na vida de cada pessoa que

está inserida neste grupo e, que poderá em breve exercer absolutamente a

função da maternidade e paternidade.

Na escolha da adoção, de acordo com o pensamento de Brunin é

importante deslocar a pergunta que geralmente é feita aos requerentes sobre o

que é preciso para ser boa mãe ou bom pai. Nesta hora cabe indagar o que a

adoção significa para estes candidatos a pais. Tal modificação assinala o que

a adoção possivelmente poderá representar na vida cada ser humano que está

diante desta escolha.

De acordo com Brunin. “Seriam os requerentes idôneos

para serem bons pais? Para acentuar a responsabilidade

daquele que pretende assumir o lugar de requerente e,

portanto, de pai ou mãe. Todavia, ao mesmo tempo em

que dá esse passo, trata a adoção em sua especificidade:

41

o que a adoção significa para esse que se pretende

requerente?” (BRUNIN, 1992, p. 65).

Para além da significância do conceito da adoção, os requerentes

precisam, sobretudo, assumir a responsabilidade implicada nesta forma de

filiação, pois até mesmo um filho biológico precisa ser “adotado” por seus

genitores para que se estabeleça a relação de filiação.

Contudo, mesmo diante da dificuldade de reconhecer, a princípio, quem

poderá exercer satisfatoriamente a maternidade e a paternidade, cabe a

equipe interprofissional salientar aos requerentes a responsabilidade inerente

na escolha da adoção.

De acordo com a teoria Psicanalítica na vertente Lacaniana, só poderá

ser dito quem será uma boa mãe ou bom pai aquele que se lançar em tal

experiência. Este referencial teórico se faz pertinente, pois nas relações de

filiação não existe uma cartilha capaz de estabelecer normas que direcionem o

caminho a seguir. Sem sombra de dúvidas, exercer a função materna e

paterna requer independentemente se for através da adoção ou não de

vivenciar todas as vicissitudes e mais do que isso, interpelá-las.

42

CONCLUSÃO

Com a elaboração deste trabalho, conclui-se a importância da

preparação dos requerentes para o processo da adoção, principalmente no

que tange a “discussão” dos fatores atrelados a esta demanda, pois só assim

será possível superar as perdas associadas à ausência de um filho biológico.

Neste sentido, para que o processo da adoção possa vir a ser uma

experiência satisfatória dependerá da dinâmica de vida das pessoas

habilitadas para este processo, pois se as motivações subjetivas que os

impulsionaram à adoção não forem elaboradas, poderá acarretar na

intensificação dos conflitos já existentes o que provavelmente culminará na

devolução da criança.

Com isso, o Grupo de Habilitação tem a finalidade de contribuir para que

os requerentes habilitados no processo da adoção consigam legitimamente

assumir e reconhecer a maternidade e a paternidade, a fim que sejam

construídos na relação de filiação os vínculos de afetividade e afinidade,

proporcionando o pleno desenvolvimento físico, psíquico e social da criança e

do adolescente, os quais estão inseridos nesta nova constelação familiar.

43

Portanto, com a viabilização das etapas deste processo de preparação e

habilitação dos requerentes, os pais adotantes não necessitarão utilizar o

mecanismo da devolução de crianças e adolescentes como resolução de

conflitos dentro desta temática, porém a deficiência na quantidade de

profissionais nas Varas da Infância e da Juventude pode vir a prejudicar e

excelência deste tão valioso trabalho.

BIBLIOGRAFIA

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Código Civil de 2002

Código de Ética Profissional

Estatuto da Criança e do Adolescente

Lei Nacional de Adoção

ALVIM, Eduardo. F. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO. São Paulo.

COIMBRA, José C. HABILITAR, AVALIAR: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

SOBRE A INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO NOS PROCESSOS DE

ADOÇÃO. Rio de Janeiro, 2001.

COIMBRA, José C. A DEMANDA NOS PROCESSOS DE HABILITAÇÃO

PARA ADOÇÃO E A FUNÇÃO DOS DISPOSITIVOS JUDICIAIS, Rio de

Janeiro, 2005.

FILHO, Luiz Schettini. ADOÇÃO: ORIGEM, SEGREDO E REVELAÇÃO.

Recife, 1998.

FREUD, S. O ESTRANHO. Rio de Janeiro. Imago, 1976.

44

FREUD, Sigmund. O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO CONTEMPORANEA. Rio

de Janeiro, Imago, 1929.

GHIRARDI, M.L.A.M. A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

ADOTIVOS SOB A ÓTICA PSICANALÍTICA: REEDIÇÃO DE HISTÓRIAS DE

ABANDONO. São Paulo, 2008.

GHIRARDI, M.L.A.M. A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS ADOTADAS: RUPTURA

DO LAÇO FAMILIAR. São Paulo, 2009.

MATTOS, Glicia Barbosa de. PERÍCIA PSICOLÓGICA – PROCEDIMENTOS

JUDICIÁRIOS. Niterói, 2000.

RENZI, C. LA DEVOLUCIÓN. IN: GIBERTI, E. ADOPCIÓN HOY. Buenos

Aires: Paidós, 1997.

SILVA, M. S. N. EM BUSCA DO ELO PERDIDO. 2001. 164p.

WEBER, L. PAIS E FILHOS POR ADOÇÃO NO BRASIL. Curitiba: Juruá, 2001.

http://www.tjmg.jus.br/jij/adocao/conceito.pdf. acessado em 05/05/2010.

http://www.direito2.com.br/tjdf/2010/abr/7/1a-vij-divulga-estatistica-de-adocao-

do-ano-de-2009. acessado em 15/05/2010.

http://pt.wikipedia.org . Wikipédia A Enciclopédia Livre. acessado em

10/05/2010.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u646864.shtml. acessado em

06/06/2010.

http://www.cafecomadocao.kit.net/artigopsi.htm. acessado em 02/06/2010.

http://www.sig.org.br. Acessado em 24/06/2010.

http://www.infoescola.com/sociologia/adocao-no-brasil/. acessado em

03/06/2010.

45

http://pontolacaniano.wordpress.com/page/2/. acessado em 15/06/2010.

JORNAL O GLOBO. Rio de Janeiro, 23 mai. 2010. p. 22 e 23.

REVISTA CRESCER. Rio de Janeiro; Editora Globo. P. 24.

Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

Complexo de Castração. http://www.infopedia.pt/$complexo-de-castracao.

Acessado em 22/06/2010.

A PRESENÇA DA INFERTILIDADE NO CONTEXTO DA ADOÇÃO: EFEITOS

POSSÍVEIS NA RELAÇÃO PAIS/FILHOS ADOTIVOS. In: Volich, R.M. Ferraz,

F.C. Ranña, W. (Org.) Psicossoma IV – Corpo, História, Pensamento. São

Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

46

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

2

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - O Instituto da Adoção 10

1.1– Definição de Adoção 10

1.2– Breve Histórico do Instituto da Adoção 12

1.3 - O Estatuto da Criança e do Adolescente 16

CAPÍTULO II – A Adoção e a Devolução de Crianças 24

CAPÍTULO III – A intervenção do Grupo de Habilitação 35

3.1 - O papel do Psicólogo nas varas da Infância e Juventude 35

3.2 – A importância do Grupo de Habilitação 37

CONCLUSÃO 43

BIBLIOGRAFIA 47

47

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Instituto a Vez do Mestre

Título da Monografia: A Devolução de Crianças na Adoção

Autor: Gabriela Paiva Castello Branco de Moura

Data da entrega: 31/07/2010

Avaliado por: Ana Paula Ribeiro Conceito: