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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O CASAMENTO HOMOAFETIVO NO BRASIL Por: Viviane Rafael Simões Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, sem precisar ... A união homossexual como forma de entidade

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O CASAMENTO HOMOAFETIVO NO BRASIL

Por: Viviane Rafael Simões

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O CASAMENTO HOMOAFETIVO NO BRASIL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito Privado e Civil.

Por: Viviane Rafael Simões

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AGRADECIMENTOS

Ao meu marido, João Paulo, pelo

estímulo, respeito, e por todo o amor a

mim dedicado.

Aos meus pais, minha avó e meu irmão

por estarem sempre presentes, por todo

o esforço e dedicação.

Aos meus mestres pelos valiosos

ensinamentos compartilhados e pela

colaboração em meu crescimento

profissional.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho se dedica a todos aqueles

que durante a jornada acadêmica e

profissional contribuem para o eterno

aprendizado e pelo amor ao direito.

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RESUMO

A presente monografia versa sobre o reconhecimento da união estável

homossexual como entidade familiar de pleno direito. Baseia-se na análise dos

preceitos fundamentais, contidos na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988; na moderna doutrina e em recentes decisões jurisprudenciais

brasileiras, em especial no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal

nos autos da ADI nº 4277. O estudo buscou as novas conceituações de família;

a constitucionalização do núcleo familiar; a violação aos preceitos fundamentais

(princípio da igualdade, liberdade e da juridicidade); e ainda as implicações

jurídicas quanto ao reconhecimento da união homoafetiva no ordenamento

pátrio. Concluí-se que embora não haja disposição legal, tais uniões são reais e

que o judiciário vem através de jurisprudências atualizando o direito, bem como

garantido o seu reconhecimento e os efeitos decorrentes deste.

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METODOLOGIA

O presente trabalho foi elaborado através do estudo de monografias

sobre o tema, doutrinas, periódicos e jurisprudências.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - A união homoafetiva frente à Constituição Federal de 1988 09

1.1 – A união homossexual como forma de entidade familiar 10

1.2 – O princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana 12

CAPÍTULO II - O reconhecimento do casamento homoafetivo pela

jurisprudência brasileira 16

CAPÍTULO III – A Mutação Constitucional 25

CAPÍTULO IV – A equiparação da união homoafetiva à união heterossexual 28

4.1 – Os aspectos patrimoniais da união homoafetiva 28

4.2 – Os regimes de bens aplicáveis 29

4.3 – O direito a alimentos 32

4.4 – A facilitação do direito a adoção 34

4.5 – O direito sucessório 34

4.6 – O casamento homoafetivo em Cartório 36

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50

BIBLIOGRAFIA CITADA 52

ANEXOS 41

ÍNDICE 54

FOLHA DE AVALIAÇÃO 55

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INTRODUÇÃO

O homossexualismo está presente na sociedade brasileira mesmo antes

da chegada dos europeus.

A homossexualidade era aceita pelos índios, embora vista como pecado

pelos portugueses. Considerada como desvio sexual, tida como uma afronta a

moral e aos bons costumes, gerou um sistema de exclusão. Atualmente perdura

não só o preconceito como a repulsa por aqueles que escolhem a sua

sexualidade, traduzindo em violência contra todos que se manifestam

homossexuais.

O assunto gera discussões fundadas em moralidade e anormalidade e

um desconforto nos legisladores em regular as situações de fato envolvendo

uniões entre pessoas do mesmo sexo.

A luta das pessoas LGBT pelo combate ao preconceito e a

discriminação teve grandes avanços também no âmbito jurídico, encontrado

alicerce nos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa

humana.

Há anos as pessoas que mantém vínculo homoafetivo já vêem

reconhecidos alguns direitos quando se socorrem do poder judiciário.

No início o direito reconhecia tais uniões como sociedades de fato, ou

seja, como se os “casais homossexuais” fossem sócios em uma empreitada.

Isso de certo protegia o patrimônio adquirido pelos conviventes, porém não era

inserido no rol de competência do direito de família, razão pela qual aqueles

estavam obrigados a ingressar com ação judicial na vara cível, o que causava

um desconforto e certa humilhação.

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Apesar da preocupação do judiciário, este não salvaguardava os direitos

sucessórios do companheiro homoafetivo, quem muitas vezes era expulso do lar

comum por parentes do falecido.

Após tantas lutas, recente decisão da Corte Suprema reconheceu a

união homoafetiva inserindo-a no conceito de união estável em decisão

vinculante, a qual deve ser observada por todos os magistrados do Brasil.

Apesar de tal avanço a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal

tem efeito inter partes e não erga omnes, ou seja, para que outros conviventes

homoafetivos possam ver reconhecida a sua união com status de união estável

devem socorrer-se ao judiciário, devendo os magistrados julgarem em

consonância ao posicionamento do STF.

Na esteira desse entendimento o Superior Tribunal de Justiça (STJ)

admitiu que os noivos, mesmo sendo do mesmo sexo, podem requerer a

habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, sem precisar

antes comprovar a união para depois transformá-la em casamento.

As importantes decisões jurisprudenciais trazem conseqüências lógicas

para as uniões homoafetivas, nos diversos ramos do direito, como por exemplo,

no casamento homoafetivo, no pleito de alimentos, na facilitação da adoção, no

âmbito do direito sucessório, dentre outros.

CAPÍTULO I

A UNIÃO HOMOAFETIVA FRENTE À CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

Desde a promulgação da Carta Magna Brasileira de 1988, há a

preocupação com a igualdade e dignidade de todos os indivíduos. Como

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objetivos fundamentais o legislador previu expressamente a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. Entretanto, quando se trata dos direitos dos homossexuais,

parece que esses fundamentos e princípios muitas vezes não são observados.

1.1 – A união homossexual como forma de entidade familiar

A tarefa de conceituar juridicamente família não é simples em função do

surgimento dos novos modelos e/ou formatos e também por causa da

diversidade de interpretações dos conceitos.

As possibilidades de entidades familiares homossexuais são baseadas

na mudança da sociedade e na separação política das relações entre Estado e

Igreja. O estágio cultural que a sociedade vive atualmente se direciona para o

pleno reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar.

Não há que negar que a norma do art. 226 da Constituição é de

inclusão, diferentemente das normas das Constituições anteriores a constituição

cidadã. Ao excluir da antiga Carta a expressão de que só seria o núcleo familiar

o constituído pelo casamento proporcionou um sentido amplo a palavra família,

abrigando os arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diferentes

do modelo matrimonial.

A explicitação do casamento, da união estável e da família

monoparental não exclui as demais que se constituem como comunhão de vida

afetiva, com finalidade de constituirem família, de modo público e contínuo. Não

há norma na Constituição que vede o relacionamento de pessoas do mesmo

sexo. Porém ainda há o vazio normativo infraconstitucional, o qual a

jurisprudência brasileira tem procurado preencher, atribuindo efeitos pessoais e

familiares às relações entre essas pessoas. Ignorar essa realidade é negar

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direitos aqueles que independente da opção sexual são cidadãos e, portanto,

merecem a proteção do Estado Democrático de Direito.

O tratamento dispensado pela justiça as relações homossexuais como

meras sociedades de fato, como se as pessoas envolvidas fossem sócios de

uma sociedade de fins lucrativos, vai de encontro ao princípio da dignidade da

pessoa humana, consagrado no art. 1º, III, da Constituição.

Se a relação homoafetiva é vista em comparação a uma união estável,

não é plausível que devido a orientação sexual dos conviventes haja

discriminação no seio da justiça, posto que estes são obrigados a requerer

direitos em varas cíveis, os quais em casos análogos seriam pleiteados em

varas de família.

A Constituição de 1988 trouxe uma cláusula aberta de entendidas

familiares junto ao seu Artigo 226, o qual Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, pp.43/46)

conclui que:

[...] Além do princípio da igualdade das entidades, como

decorrência natural do pluralismo reconhecido pela

Constituição, há de se ter presente o princípio da liberdade

de escolha, como concretização do macro princípio da

dignidade da pessoa humana. Consulta a dignidade da

pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a

entidade familiar que melhor corresponda à sua realização

existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e

mais adequada.

[...] Não é a família per se que é constitucionalmente

protegida, mas o lócus indispensável de realização e

desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista

do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas

algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois

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a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por

opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a

realização do princípio da dignidade humana.

Defende-se a assertiva acima respaldada pelo princípio da máxima

efetividade da interpretação constitucional, nos termos dos ensinamentos de J.

J. Gomes Canotilho:

[...] a uma norma constitucional deve ser atribuído o

sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo

em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e

embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade

das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo

invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de

dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça

maior eficácia aos direitos fundamentais) (CANOTILHO,

1993, p.227).

1.2 – O princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal consagra o princípio da igualdade e condena

todas as formas de discriminação e preconceito. Observa-se também que é

objetivo da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação, entendendo que a orientação sexual também está incluída na

proteção dos direitos fundamentais.

O dispositivo constitucional é explícito na vedação de tratamento

discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos, in

verbis:

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Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil:

...

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. (CRFB, 1988)

O tratamento discriminatório ou aquele que não observa a igualdade,

desprovidos de fundamentos, colidem com o objetivo constitucional de

“promover o bem de todos”.

A Carta Magna permite a todos os indivíduos igualdade entre si.

Homens e mulheres têm reconhecido constitucionalmente a permissão para se

unirem em matrimônio, porém aos homossexuais somente uma parceria civil

lhes é oferecida.

De acordo com Maria Berenice Dias “tratar a iguais com desigualdade

ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante

desigualdade”. Dessa forma buscam-se proibir as flagrantes desigualdades,

discriminações arbitrárias, que desvirtuam o próprio conceito de Justiça.

A vedação constitucional ao preconceito em razão do sexo

intencionalmente não obrigou e tampouco proibiu o concreto uso da sexualidade

humana. Nesse sentido, conclui-se que o uso da sexualidade faz parte da

autonomia de vontade das pessoas naturais, constituindo-se em direito subjetivo

ou situação jurídica ativa.

As liberdades individuais se impõem ao respeito do Estado e da

sociedade e se concretizam sob a forma de direito à intimidade e à privacidade.

A prática da sexualidade implica no respeito ao direito da intimidade e

privacidade das pessoas naturais.

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O legislador constitucional assegurou o respeito à liberdade do indivíduo

amparado no Estado democrático de direito e, esta liberdade está intimamente

ligada ao poder de decisão, de escolha entre diversas possibilidades, inclusive

no tocante a opção sexual.

Noberto Bobbio afirma que a liberdade e a igualdade dos homens não

são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas

um valor; não são um ser, mas um dever ser.

Segundo Luis Roberto Barroso, o Estado democrático de direito deve

assegurar ao indivíduo condições objetivas para que as escolhas sobre com

quem as pessoas manterão relações de afeto e companheirismo de forma plena

se concretizem.

Konrad Hesse afirma que a Constituição não é mais apenas a ordem

jurídico-fundamental do Estado, tendo se tornado a ordem jurídico-fundamental

da comunidade, pois suas normas abarcam também de forma especialmente

clara garantias tais como o matrimônio e a família.

Na esteira deste entendimento, o repúdio à união homossexual é uma

afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já que todos

devem ser tratados com igual respeito e consideração. A discriminação das

uniões homoafetivas equivale ao desrespeito as individualidades. Desse modo,

ao não reconhecer as uniões homoafetivas, também não se reconhece o

indivíduo homoafetivo em si, indo de encontro com o referido princípio.

Neste sentido, corrobora Cesar Fiúza (2003, p. 29), ao ponderar que:

“Vive-se hoje no Brasil os alvores do Estado Democrático

de Direito. Este é o momento da conscientização desse

novo paradigma. Só agora assumem a devia importância

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os princípios e os valores constitucionais por que se deve

pautar todo o sistema jurídico. Constitucionalização ou

publicização do Direito Civil entram na temática do dia. [...]

Diz-se que os pilares de sustentação do Direito Civil,

família, propriedade e autonomia da vontade, deixaram de

sê-lo. O único pilar que sustenta toda a estrutura é o ser

humano, a dignidade da pessoa, sua promoção espiritual,

social e econômica.”

A relação que se estabelece entre a proteção da dignidade da pessoa

humana e a orientação sexual e afetiva homossexual é direta. “Sem liberdade

sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, o próprio gênero humano

não consegue alcançar a felicidade, falta-lhe a liberdade, que é um direito

fundamental” (DIAS, 2006), conforme o artigo 5º, caput da CRFB/88.

O princípio da liberdade individual se consubstancia, cada

vez mais, numa perspectiva de privacidade, de intimidade,

de exercício da vida privada. Liberdade significa, hoje,

poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as

próprias escolhas individuais, exercendo-as como melhor

convier. (MORAES, 2003:107)

Por fim, a segurança jurídica envolve a tutela de valores como a

previsibilidade de conduta, estabilidade das relações jurídicas e a proteção da

confiança. Para haver essa segurança, deve o Estado promover ações que

corroborem para o reconhecimento da união homoafetiva. A inexistência de um

regime jurídico próprio gera a insegurança daqueles que dela necessitam.

Assim, quando for possível conceber o direito de modo a proteger as

uniões homossexuais, o bem jurídico em questão será concretizado.

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CAPÍTULO II

O reconhecimento do casamento homoafetivo pela

jurisprudência brasileira

Em que pese as uniões homoafetivas ainda não gozarem de previsão

legal, o seu reconhecimento e amparo encontra lugar junto a algumas

manifestações do Poder Judiciário, em casos litigiosos que lhe são submetidos.

Como situação de fato, as uniões homoafetivas começaram a ser

levadas à apreciação do Judiciário, posto que os companheiros precisavam ver

reconhecidos direitos sucessórios, previdenciários, direitos relativos à adoção

por parceiros homossexuais, já que em um Estado Democrático de Direito, a

tolerância a e o respeito entre as pessoas são essenciais. Esse pressuposto de

tolerância democrática é reforçado pelo escólio de José Afonso da Silva:

“[...] a democracia é um processo de convivência social em

que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou

indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que

é um processo de convivência, primeiramente para denotar

sua historicidade, depois para realçar que, além de ser

uma relação de poder político, é também um modo de vida,

em que, no relacionamento interpessoal, há de verificar-se

o respeito e a tolerância entre os conviventes”.

Pioneiro no que toca ao tema, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul começou a proferir e confirmar decisões que garantiam direitos aos

parceiros homossexuais. Tal pioneirismo daquela Justiça gaúcha mereceu a

atenção da jurista Maria Berenice Dias, que acabou por publicar no ano de 2003

uma obra dedicada a abordar o pioneirismo daquelas decisões. Sobre a

tendência do Judiciário brasileiro, já naquela época, a autora previu:

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“A postura da jurisprudência, juridicizando e inserindo no

âmbito do Direito de Família as relações homoafetivas,

como entidades familiares, é um marco significativo.

Inúmeras outras decisões despontam no panorama

nacional a mostrar a necessidade de se cristalizar uma

orientação que acabe por motivar o legislador a

regulamentar situações que não mais podem ficar à

margem da justiça. Consagrar os direitos em regras legais

talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e

derrubar preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o

Judiciário que necessita suprir a lacuna legislativa, mas

não por meio de julgamentos permeados de preconceitos

ou restrições morais de ordem pessoal.”

Outrossim, afirma-se que em decorrência da decisão proferida na Ação

Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, o INSS foi obrigado, há mais de dez anos,

a reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade

familiar, exatamente nos mesmos moldes das uniões estáveis entre

heterossexuais. O INSS foi constrito a exigir das uniões homoafetivas nada mais

do que habitualmente exigia das uniões estáveis heteroafetivas quando o

assunto fosse a comprovação do vínculo afetivo e da dependência econômica

presumida entre os casais no instante do processamento dos pedidos de

pensão por morte e de auxílio-reclusão.

Nesse contexto, o INSS, diante da necessidade de estabelecer rotinas

para uniformizar procedimentos a serem adotados pela linha de benefícios, viu-

se compelido a publicar em 07 de junho de 2000 a Instrução Normativa

INSS/DC Nº 25/2000. Este foi um considerável passo na quebra do paradigma

legislativo de proteção das relações afetivas de natureza unicamente

heterossexual.

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Há mais de uma década, portanto, o direito previdenciário, no plano do

regime geral da previdência social, tem por superada a discriminação baseada

na opção sexual das pessoas que, conscientes de suas opções, resolveram

firmar laços familiares. É irrelevante, portanto, no contexto das relações

previdenciárias que a convivência tenha sido estabelecida entre pessoas do

mesmo ou de diferente sexo. O que importa fundamentalmente em qualquer

uma das situações ora mencionadas é a prova de que estas pessoas

mantiveram relações de interdependência. O que prepondera, enfim, é a

afetividade dos sujeitos e não a sua biologicidade.

Após tantas decisões judiciais pode-se afirmar que o ano de 2011 foi

muito importante pela profunda alteração havida na seara do direito de família,

notadamente no que se refere ao direito homoafetivo. Verifica-se na decisão do

Supremo Tribunal Federal, ocorrida nos dias 04 e 05 de maio, que no

julgamento conjunto da ADI n. 4277 e da ADPF n. 132 equiparou as uniões

homossexuais às uniões estáveis heterossexuais, e, ainda, poucos meses

depois importante precedente do STJ, abriu caminho para sedimentar o

casamento gay no direito brasileiro.

No dia 25 de outubro de 2011, a comunidade gay obteve nos tribunais

superiores pátrios a segunda vitória mais importante da história recente do

Brasil, qual seja, o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, por

maioria de votos (4 x 1), de que é possível a habilitação para o casamento

diretamente no Cartório de Registro Civil, sem precisar requerer na Justiça a

conversão da união estável homoafetiva em casamento.

A decisão do STJ ocorrida no julgamento do Recurso Especial n.

1.183.378-RS, pela 4ª Turma, teve como relator o min. Luis Felipe Salomão. As

recorrentes à época da propositura da ação, nos idos de 2009, declararam

haver um namoro de aproximadamente 3 anos e tiveram negada a habilitação

para o casamento tanto pelo Juízo da Vara de Registros Públicos da Comarca

de Porto Alegre–RS, que julgara improcedente o pleito “por impossibilidade

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jurídica do pedido”, como pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul, cuja 7ª Câmara Cível, no julgamento da Apelação Cível n. 70030975098,

em que fora relator o desembargador José Conrado de Souza Júnior,

desprovera o recurso e mantivera na íntegra a sentença de primeiro grau, o que

ensejou o recuso ao STJ.

O julgamento no STJ teve início no dia 20 de outubro de 2011, e após

quatro ministros votarem favoravelmente à tese de casamento homossexual (o

relator, seguido pelos ministros Antonio Carlos Ferreira, Isabel Gallotti e Raul

Araújo), o julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Marco

Buzzi, o qual posteriormente acompanhou o voto do relator, dando provimento

ao recurso. Por outro lado, o ministro Raul Araújo, que acompanhara o relator

na sessão anterior, mudou seu voto para desprover o recurso ao entendimento

de que somente o STF seria competente para tratar da questão, uma vez que

não se manifestara a Suprema Corte no julgamento da ADI e da ADPF citadas

sobre a possibilidade de casamento homossexual, matéria essa eminentemente

constitucional.

De acordo com o voto do relator, acima referido, “se é verdade que o

casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo

múltiplos os “arranjos” familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser

negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de

orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares

homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas

por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus

membros e o afeto” (grifo no original). Ainda segundo consignou em seu voto, os

artigos 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil, não vedam

expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se

enxergar uma vedação implícita ao casamento homossexual sem afrontar os

princípios constitucionais, tais como o da igualdade, da não discriminação, da

dignidade da pessoa humana, do pluralismo e livre planejamento familiar.

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O STF no julgamento conjunto da ADI n. 4277 e da ADPF n. 132

equiparou as uniões homossexuais às uniões estáveis heterossexuais sem fazer

qualquer ressalva quanto à sua extensão, ao contrário, afastando qualquer

entendimento diferenciador ou preconceituoso entre ambas as formas de união,

permitiu o Pretório Excelso, com isso, que se pudesse extrair da interpretação

do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, bem como do art. 1.726 do Código

Civil, a possibilidade de conversão das uniões homossexuais em casamento. E

permitido esse entendimento, não faria qualquer sentido impedir a habilitação

para casamento e sua celebração direta no Cartório de Registro Civil.

Não é demais acrescentar a íntegra do acórdão proferido pelo Superior

Tribunal de Justiça, nos autos do recurso Especial nº 1183378, originado do Rio

Grande do Sul, o qual foi um divisor de águas no reconhecimento da

possibilidade do casamento civil entre casais homossexuais:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE

PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO).

INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535

e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE

VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O

CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO

IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL.

ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO

STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N.

4.277/DF.

1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião

do direito infraconstitucional, no estado atual em que se

encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase

histórica da constitucionalização do direito civil, não é

possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de

costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser

entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem

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lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de

Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito

infraconstitucional, não pode conferir à lei uma

interpretação que não seja constitucionalmente aceita.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da

ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art.

1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à

Constituição para dele excluir todo significado que impeça

o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura

entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,

entendida esta como sinônimo perfeito de família.

3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma

nova fase do direito de família e, consequentemente, do

casamento, baseada na adoção de um explícito

poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são

igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico

chamado "família", recebendo todos eles a "especial

proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988,

não houve uma recepção constitucional do conceito

histórico de casamento, sempre considerado como via

única para a constituição de família e, por vezes, um

ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da

igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a

concepção constitucional do casamento - diferentemente

do que ocorria com os diplomas superados - deve ser

necessariamente plural, porque plurais também são as

famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário

final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário

de um propósito maior, que é a proteção da pessoa

humana em sua inalienável dignidade.

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição -

explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta

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Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as

famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos

dignas de proteção do Estado, se comparadas com

aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais

heteroafetivos.

5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é

que essas famílias multiformes recebam efetivamente a

"especial proteção do Estado", e é tão somente em razão

desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar

a conversão da união estável em casamento, ciente o

constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege

esse núcleo doméstico chamado família.

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a

forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo

múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta

Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família

que por ela optar, independentemente de orientação

sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas

por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos

axiológicos daquelas constituídas por casais

heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de

seus membros e o afeto.

7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a

ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de

vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma

palavra: o direito à igualdade somente se realiza com

plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão

diversa também não se mostra consentânea com um

ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre

planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante

ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz

presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se

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unir, com escopo de constituir família, e desde esse

momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de

escolha pela forma em que se dará a união.

8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do

Código Civil de 2002, não vedam expressamente o

casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como

se enxergar uma vedação implícita ao casamento

homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais,

como o da igualdade, o da não discriminação, o da

dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre

planejamento familiar.

9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a

maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia

mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos

civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma

aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e

não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e

protetivo de especialíssima importância, exatamente por

não ser compromissado com as maiorias votantes, mas

apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a

proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles

das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao

contrário do que pensam os críticos, a democracia se

fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de

governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.

10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro,

não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse

processo constitucional de defesa e proteção dos

socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário

demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de

um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem

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que tal predicativo resista a uma mínima investigação

acerca da universalização dos direitos civis.

11. Recurso especial provido.

Imperioso acrescentar o brilhantismo de Maria Berenice Dias com suas

célebres palavras:

O caminho está aberto, sendo imperioso que os juízes

cumpram com a sua verdadeira missão: fazer Justiça.

Acima de tudo, precisam ter sensibilidade para tratar de

temas tão delicados como as relações afetivas, cujas

demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e

menos preconceito. Os princípios de justiça, igualdade e

humanismo devem presidir as decisões judiciais (DIAS,

2008, p.191).

CAPÍTULO III

A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Em que pese os entendimentos contrários há que se reconhecer a

ocorrência de uma mutação constitucional no tocante as uniões homoafetivas. À

época da elaboração da Constituição de 1988 não se vislumbrava tal realidade,

portanto, não havia motivos para o reconhecimento expresso de tal forma de

relacionamento.

No entanto, acrescente-se que deve haver real preocupação do julgador

com a realidade social e com a verdadeira função do direito, que não pode, por

mera formalidade, deixar de reconhecer direitos essenciais ao indivíduo, como o

afeto, o direito à liberdade de contrair tal sentimento em face de qualquer

indivíduo, independentemente de outros requisitos, como sexo, idade, raça, etc.;

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o direito à dignidade de quem pretende viver ao lado de alguém do mesmo

sexo; o direito à vida em seu plano positivo, a vida digna: o direito dos

homossexuais usufruírem de suas vidas da maneira que melhor lhes aprouver; e

o direito à isonomia, a igualdade formal de tratamento, que deve proporcionar

igualdade de direitos e deveres, igualdade de possibilidades de união entre as

pessoas.

A procedência das ações perante o STF e a mudança de contexto fático

leva à ocorrência da mutação constitucional às uniões homossexuais, mutação

esta expressamente reconhecida por Érika Harumi Fugie.

Pode-se afirmar que normas singulares inseridas na Constituição

acabam por se tornar automaticamente obsoletas, quando as mesmas, em

virtude de uma mudança real de situação, não podem mais cumprir a sua

função integradora e, porventura, podem até assumir função desintegradora.

A essa nova situação denomina-se mutação constitucional. Assim, os

preceitos constitucionais reclamam interpretação adequada à exigência da

realidade. Essa interação com a realidade permite considerar a Constituição

como uma ordem aberta.

O aparecimento da mutação constitucional, para Pedro Lenza, ocorre

quando há "alterações no significado e sentido interpretativo de um texto

constitucional, ou seja, a transformação não está no texto em si, mas na

interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado".

Já Nelson Nery Júnior denomina de mutação constitucional a "prática

estatal que não viola formalmente a Constituição (caso de realidade sem

norma); a impossibilidade de se exercer certos direitos estatuídos

constitucionalmente (caso de norma sem realidade); a prática estatal

contraditória com a Constituição (caso de realidade contrária à norma); e a

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hipótese de interpretação da Constituição, em que a realidade distorce

(tergiversa) a norma, isto é, a reinterpreta".

Pode-se entender que o fenômeno da mutação constitucional é

responsável pela atualização de normas jurídicas pelo uso, por parte do

Supremo Tribunal Federal, da técnica da interpretação conforme a Constituição,

oxigenando tais normas e as mantendo vivas em face da evolução e alteração

do comportamento da sociedade brasileira.

Nesse sentido apesar do texto da Constituição Federal determinar: Art.

226, "§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável

entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua

conversão em casamento", por uma mutação do texto constitucional as palavras

mulher e homem do texto devem ser interpretadas como "pessoas".

Essa abertura da própria Lei Fundamental permite o evoluir constante

da ordem constitucional, no compasso da evolução histórica. De modo que a

Constituição impõe sua força normativa: ‘a força normativa da Constituição

implica, pois, a construção de via de duas mãos: a Constituição conforma a

realidade; mas ao mesmo tempo é, de certo modo, também por ela (pela

realidade) conformada’”. (FUGIE, 2002)

Considerando que a razão crítica exige a equiparação de tratamento

jurídico das uniões homoafetivas relativamente àquele conferido às uniões

heteroafetivas por ambas formarem famílias conjugais quando atendidos os

requisitos da publicidade, continuidade e durabilidade, e considerando a

ausência de proibição expressa e de limites semânticos no texto a impedir a

união estável homoafetiva, esta deve ser reconhecida mediante o

reconhecimento da ausência de proibição no texto constitucional a esta

exegese, pois interpretar a Constituição não é ativismo judicial, tendo o STF

meramente identificado direitos já existentes/decorrentes da própria

Constituição.

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Importante notar que esta decisão reforça a idéia de que o Supremo aos

poucos abandona a concepção jurídica para adotar o sentido estrutural da

Constituição, onde a Constituição não pode ser analisada somente em seu

aspecto jurídico, mas sim conectado à realidade social.

Desta forma, assim como em relação à possibilidade de prisão civil do

depositário infiel a mutação constitucional foi utilizada para se declarar

impossível possibilidade expressa pela constituição, neste caso, pode-se cogitar

de uma utilização semelhante do instituto, mas para se declarar possível

impossibilidade implícita.

CAPÍTULO IV

A equiparação da união homoafetiva à união

heterossexual

O reconhecimento das uniões homoafetivas pelas nossas Cortes

Superiores trazem implicações sociais, políticas, econômicas e jurídicas que

ultrapassam o interesse subjetivo das partes envolvidas, posto que as decisões

conforme já dito acima possuem caráter erga omnes.

4.1 – Os aspectos patrimoniais da união homoafetiva

A união pelo casamento almeja mútua cooperação, assim como

assistência moral, matéria e espiritual. No matrimônio, ultrapassam-se os efeitos

pessoais entre os cônjuges e destes com relação aos filhos. No entanto, apesar

da existência de afeto mútuo, esta união traz consigo reflexos patrimoniais para

ambos, principalmente após o desfazimento do vínculo da união.

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Por conta disto, devem ser estabelecidas as formas de contribuição do

marido e da mulher para o lar, a titularidade e administração dos bens comuns e

particulares e em que medida essas bens respondem por obrigações perante

terceiros.

Desse modo, a existência de um regime de bens é necessária, não

podendo o casamento subsistir sem ele. Ainda que os cônjuges não se

manifestem, a lei se apresenta para suprir essa lacuna disciplinando o regime

legal a ser adotado em caso de silêncio.

Contudo estas regras disciplinam somente as uniões entre homens e

mulheres, excluindo as relações entre pessoas de mesmo sexo, e o silêncio

constitucional e a omissão legal não podem afastar os efeitos jurídicos

decorrentes de tais uniões, devendo ser atendida a determinação do art. 4° da

Lei de Introdução ao Código Civil, fazendo uso da analogia, dos costumes e

princípios gerais do direito.

Assim, de forma analógica, às uniões homoafetivas deverão ser

aplicados os regimes de bens existentes no direito civil brasileiro que gerem o

casamento, bem como as regras de sucessão, nunca afastando os princípios

norteadores do Estado Democrático de Direito, como o respeito à dignidade

humana, o princípio da igualdade e da liberdade.

4.2 – Os regimes de bens aplicáveis

Antes do advento do novo Código Civil, em janeiro de 2002, o código

anterior vedava a modificação do regime de bens após a concepção do

matrimônio, devendo a escolha do regime de bens anteceder ao casamento,

uma vez que a antiga norma estabelecia a imutabilidade do regime de bens, ou

melhor, sua irrevogabilidade, visando sempre à garantia dos próprios cônjuges

como também para resguardar direitos de terceiros. Entretanto o Código de

2002 passou a admitir a alteração no regime de bens desde que haja

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autorização judicial oriunda de pedido motivado por ambos os cônjuges, de

acordo com o § 2º do art. 1.639.

O Código Civil brasileiro adota como regra geral a liberdade de escolha

pelos cônjuges do regime patrimonial do casamento, conforme se observa no

art. 1.639 da citada norma legal, sendo a comunhão parcial, a comunhão

universal, a separação de bens e a participação final nos aqüestos as

modalidades de regimes existentes. É permitido até mesmo combinar os

regimes entre si de acordo com o interesse dos nubentes, tendo que ser

elaborada uma escritura antenupcial para estabelecer o regime de bens que

escolheram, além de outras disposições patrimoniais acordadas. A escritura

antenupcial também deve ser formalizada por escritura pública antecedente ao

casamento, se os nubentes escolherem regime diverso do regime legal, o da

comunhão parcial de bens, de acordo com o parágrafo único do art. 1.640 do

Código Civil.

O regime parcial de bens é o mais conhecido, por ser o regime legal.

Este regime consiste na disposição da lei de que somente os bens adquiridos

após o casamento formam a comunhão do casal, isto é, cada pessoa guarda

para si, em seu próprio patrimônio, os bens trazidos antes da união, de acordo

com o disposto no art. 1.658 do Código Civil. Nesta modalidade não há

necessidade de pacto antenupcial e existem três massas de bens: os bens de

ambos os cônjuges trazidos antes do casamento e os bens comuns, adquiridos

após o matrimônio, observando o disposto no art. 1.660 da norma legal

anteriormente citada.

Observa-se que não entram no patrimônio comum do casal os bens

havidos, mesmo depois da data do casamento, por doação como adiantamento

de herança sem a contemplação do cônjuge por afinidade, e por herança em

inventário. Os bens havidos nessas condições, mesmo depois da data do

casamento, são por lei considerados patrimônio exclusivo do cônjuge que o

recebeu, conforme art. 1.659, do Código Civil vigente.

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Quanto à administração dos bens comuns, qualquer um dos cônjuges

poderá fazê-la, sendo necessária anuência de ambos para os atos a título

gratuito ou oneroso, que impliquem na cessão de uso ou gozo dos bens, por

exemplo.

Uma vez dissolvida a união, seja por morte, separação ou anulação,

cada cônjuge retirará seus bens particulares e serão divididos os bens comuns

em partes iguais para ambos.

A segunda modalidade elencada no Código Civil é o regime da

comunhão universal de bens, que para ser adotado é necessária a lavratura de

escritura pública como condição para sua validade. Tem essa denominação

porque se comunicam todos os bens do casal, presentes e futuros, salvo as

exceções previstas no art. 1.668 do Código Civil, ou seja, torna comum tudo o

que o casal possui, tanto patrimônio trazido para o casamento, havido por

qualquer forma de aquisição no estado civil anterior, quanto patrimônio havido

após a data do casamento, havido por compra, por doação como adiantamento

de herança, por herança em inventário ou por qualquer outra forma de

aquisição. Quanto à administração dos bens, aplicam-se os princípios relativos à

comunhão parcial, segundo determina o art. 1.670 da norma legal anteriormente

citada. Quando da dissolução da união, os bens serão divididos em sua

integralidade entre o casal através de partilha judicial, ficando até este momento

a administração do patrimônio a cargo daquele que já exercia esta função.

A terceira modalidade é a separação total de bens, na qual existe

completa distinção de patrimônio dos dois cônjuges, não se comunicando os

frutos e aquisições e permanecendo cada qual na propriedade, posse e

administração de seus bens, conforme regulamenta o art. 1.687 do Código Civil.

Deste modo, este regime isola totalmente o patrimônio dos cônjuges, não

podendo, por exemplo, no caso de morte, o sobrevivente exercer a

inventariança dos bens do de cujus. Porém nada impede que os cônjuges

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estabeleçam a comunhão de certos bens, se assim o desejarem, escriturando

tal vontade no pacto antenupcial.

Este regime pode decorrer tanto da vontade dos nubentes quanto por

imposição legal, isto é, quando ocorrer qualquer das hipóteses elencadas no art.

1.641 do Código Civil, deverão os nubentes obrigatoriamente adotar tal regime

de bens.

O Código Civil inovou, trazendo para o espaço jurídico novo regime de

bens: a participação final nos aqüestos. Trata-se de um regime híbrido, no qual

são aplicadas regras da separação de bens e da comunhão dos aqüestos,

estando estampada a noção geral no art. 1.672 do Código Civil.

Entende-se por bens aqüestos aqueles que são adquiridos na vigência

do matrimônio e, neste novo regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio e

lhe caberá, quando da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos

bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância da união. Assim, à

época da dissolução da sociedade conjugal, cabe a cada cônjuge o direito à

metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do

casamento, ou seja, cada um tem direito à metade do que o outro adquiriu por

esforço próprio durante a vigência do casamento. Os cônjuges conduzem-se

durante o casamento como se estivessem sob o regime da separação de bens,

mantendo, porém, a expectativa da meação ao final deste.

Da mesma maneira, far-se-á nas relações homoafetivas, ou seja, os

indivíduos poderão optar pelo melhor regime de bens que lhes convier,

observadas as imposições legais atualmente existentes. Corrobora para tal

entendimento a Apelação Cível nº 70005488812 processada e julgada em

25/06/2003, na Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, pelo desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, na qual julgou

procedente a aplicação do regime da comunhão parcial de bens como norteador

no momento da partilha do patrimônio de um casal homoafetivo.

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4.3 – O direito a alimentos

As relações familiares impregnam-se de autenticidade, sinceridade,

amor, compreensão, diálogo, paridade, e todos esses elementos materializam a

solidariedade familiar. Os alimentos referentes às relações familiares decorrem,

ou dos vínculos de consangüinidade, ou do casamento. A obrigação dos pais

para com os filhos se origina do dever de sustento familiar e os alimentos

decorrentes dos elos de parentesco têm por fundamento a solidariedade que

existe entre os membros de uma família. O dever de mútua assistência, imposto

aos cônjuges quando do casamento, é que dá origem à obrigação alimentar,

cuja exigibilidade está condicionada ao rompimento do casamento.

Partindo destas premissas, se a relação homoafetiva, como qualquer

outro relacionamento heterossexual, lastreia-se no afeto e na solidariedade, não

há motivo para deixar de reconhecer o direito a alimentos em favor daquele que

necessita de proteção material, visto que a Carta Magna define como direitos

fundamentais a solidariedade social e a dignidade da pessoa humana.

Do princípio da dignidade da pessoa humana decorre o respeito à

integridade física e psíquica e às condições básicas de igualdade e liberdade,

além da afirmação da garantia de pressupostos materiais mínimos para que se

possa viver, enquanto a obrigação de alimentar já materializa a solidariedade

social, na qual está inclusa a solidariedade familiar.

Assim, mesmo que o Código Civil não contemple os parceiros

homossexuais como merecedores de prestação alimentícia, não só invocando

os preceitos fundamentais, como também o princípio da igualdade, devem estes

receber tal benefício, utilizando a analogia como forma de resolver a omissão

legal.

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Diante da evolução do direito, que passou a valorizar o afeto, repelindo

os preconceitos e admitindo certos costumes, em breve os Tribunais aceitarão

tal questão, vindo a pacificar o ordenamento jurídico.

4.4 – A facilitação do direito a adoção

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), em seu

artigo 42, determina que casais podem adotar crianças, desde que cônjuges ou

concubinos e comprovada a estabilidade da família. A adoção também pode ser

feita por uma única pessoa. Se não há vedação a que um homossexual adote,

não há previsão expressa para que um casal homossexual o possa fazê-lo, já

que deveria ser reconhecido como uma família estável.

A Câmara dos Deputados, em agosto de 2008, promoveu alteração da

lei, mas não permitiu que a previsão para a adoção de casais homossexuais

constasse na lei.

Há, contudo, decisões judiciais permitindo a adoção por casais

homossexuais. A primeira decisão judicial a respeito teria ocorrido em Bagé, Rio

Grande do Sul, em 2005. Em junho de 2008, conforme levantamento da Folha

de S. Paulo, haveria dez casos finalizados ou em fase final, permitindo essas

adoções, em seis estados diferentes (RS, SP, AM, PR, DF e AC). No Rio

Grande do Sul, já haveria um consenso entre os juízes quanto à possibilidade

dessas adoções. Em Pernambuco, também já foi noticiada uma adoção.

O Superior Tribunal de Justiça, sob a justificativa de que na adoção

deve-se olhar o que é o melhor para a criança, manteve decisão que permitiu a

adoção por um casal de lésbicas.

4.5 – O direito sucessório

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O vocábulo suceder ou sucessão tem vários significados. Em sentido

lato significa vir depois, enquanto em sentido estrito consiste em ocupar a

posição daquele que faleceu em suas relações jurídicas transmissíveis.

Nas relações heterossexuais, quando da morte de um dos cônjuges, os

herdeiros têm, automaticamente, independente de qualquer ato processual, a

partir do falecimento, além da propriedade, o direito à posse da integralidade

dos bens, tal como era exercida a posse do de cujus.

Contudo, em relação às uniões homoafetivas, no caso da morte de um

dos parceiros, via de regra, o sobrevivente entra em juízo buscando a partilha do

acervo patrimonial construído na comunhão, e não a integralidade da herança.

É certo que, mesmo que não haja herdeiros necessários, aos parceiros

homossexuais não é invocado o direito sucessório, visto que o art. 1846 do

Código Civil só reconhece como herdeiros necessários os descendentes, os

ascendentes e o cônjuge. Então, diante da ausência de lei que regulamente a

união homoafetiva, não pode o parceiro sobrevivente participar da ordem de

vocação hereditária e participar dos direitos decorrentes da abertura da

sucessão.

Os Tribunais ainda não pacificaram esta questão, ora aceitando a

juridicidade do convívio, ora rejeitando-a.

A primeira decisão que deferiu a partilha de bens por morte de um dos

parceiros ocorreu em 1989, concedendo ao companheiro do pintor Jorge Guinle

a metade de seus bens (TJRJ - Apelação Cível 731/89 - 5ª Câmara Cível - Rel.

Des. Mario Albiani – j. 22/08/1989).

O Superior Tribunal de Justiça também se pronunciou em 1998,

permitindo ao parceiro, o direito de receber a metade do patrimônio adquirido

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pelo esforço comum, desde que reconhecida a sociedade de fato (Resp

148897/MG – 4ª Turma – Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar – j. 10/02/1998).

Contudo a decisão reconheceu apenas uma sociedade de fato, não

mostrando qualquer evolução no universo jurídico, deferindo apenas a partilha,

ignorando a existência de um duradouro vínculo afetivo, bem como deixando de

atribuir o direito à herança. O enunciado da Súmula 380 do STF também foi

invocado, enfatizando que a partilha foi feita tão somente por existirem provas

nos autos de que ambos contribuíram no patrimônio em comum.

O Estado do Rio Grande do sul foi quem proferiu a primeira decisão

integrando o parceiro na ordem de vocação hereditária aplicando a analogia

como forma da resolução do conflito. A base legal aplicada foi a legislação que

rege as uniões extamatrimoniais, bem como a lei que regula as uniões estáveis.

Desde então vêm multiplicando decisões parecidas, servindo para que a

realidade não seja negada e que a Justiça aprecie com melhores olhos os

vínculos afetivos além daqueles existentes entre homens e mulheres.

4.6 – O casamento homoafetivo em Cartório

Importante avanço ocorreu com a decisão proferida pelo Superior

Tribunal de Justiça que admitiu que os noivos, mesmo sendo do mesmo sexo,

podem requerer a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro

Civil, sem precisar antes comprovar a união para depois transformá-la em

casamento.

Isso significa, no brilhantismo das palavras de Maria Berenice Dias que

a justiça passou a admitir o casamento sem escala!

Considerando que o STF no julgamento conjunto da ADI n. 4277 e da

ADPF n. 132 equiparou as uniões homossexuais às uniões estáveis

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heterossexuais sem fazer qualquer ressalva quanto à sua extensão, ao

contrário, afastando qualquer entendimento diferenciador ou preconceituoso

entre ambas as formas de união, permitiu o Pretório Excelso que se pudesse

extrair da interpretação do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, bem como do

art. 1.726 do Código Civil, a possibilidade de conversão das uniões

homossexuais em casamento. E permitido esse entendimento, não faria

qualquer sentido impedir a habilitação para casamento e sua celebração direta

no Cartório de Registro Civil.

Não obstante, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em

consonância com a decisão do Supremo Tribunal Federal, o tema ainda será

objeto de intensos debates na doutrina e mesmo na Jurisprudência, posto que a

decisão do STJ anteriormente mencionada, embora sirva de parâmetro e de

precedente, pode não ser seguida pelos juízes que diversa convicção possuam,

em razão do princípio do livre convencimento, além de eventualmente vir a ser

em sentido oposto o entendimento da 3ª Turma do próprio STJ, caso seja

instada a se pronunciar em processo que contenha a mesma matéria, já que a

decisão mencionada, embora avançada não foi proferida com efeitos erga

omnes, mas tão somente inter partes. Esta foi a razão pela qual no julgamento

ocorrido na 4ª Turma o ministro Raul Araújo chegou a propor que o julgamento

do recurso especial fosse transferido para a 2ª Seção da Corte, que reúne as

duas Turmas (3ª e 4ª) responsáveis pelas matérias de direito privado.

CONCLUSÃO

“O Direito deve acompanhar o momento social. Assim como a

sociedade não é estática, estando em constante transformação, o Direito não

pode ficar à espera da lei. As sociedades modernas são dinâmicas [...]. É

necessário pensar e repensar o direito acima de conceitos estigmatizados e

moralizantes que servem de instrumento de expropriação da cidadania”. Dias

(2006, p. 155)

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Isso quer dizer que as normas acerca do Direito de Família,

principalmente as que regram a união estável e o casamento, devem se moldar

à realidade em que o indivíduo está inserido e não a pessoa se moldar à norma.

Com isso, não vai ser o indivíduo homossexual que vai mudar para se adequar a

uma lei, que vai deixar de buscar e lutar por seus direitos. Mas sim é a lei que

deve se adequar a essas pessoas, já que ideia contrária a esta, como querem

muitos doutrinadores, constitui um preconceito e não algo justo.

Dessa maneira, se um casamento é um contrato que provém da

vontade e das relações humanas, por que não estender esse tipo de contrato

para os casais homoafetivos se essas relações, da mesma maneira como os

casais heteroafetivos, também estão baseadas no afeto e na confiança?

Percebe-se, por meio das palavras da autora, que o casamento é, em verdade,

um mero contrato, como qualquer outro. As únicas diferenças ente o contrato,

que é regulado pelo Direito de Família e o contrato que é regulado pelo Direito

das Obrigações, é que, no primeiro ele é mais solene, mais pomposo do que no

segundo e que também é o afeto, o desejo, o amor que leva a formá-lo,

enquanto no segundo, o afeto e o amor não existem.

Então, o que se pode dizer é que quando um casal heterossexual se

casa, ele está formando, assinando um contrato que vai regular o seu

patrimônio, mas que a origem desse contrato é o amor. Portanto, se o amor

existe entre pessoas do mesmo sexo, por que lhes é negado formar esse

contrato? Só pelo fato de um simples artigo do Código Civil mencionar “o

homem e a mulher”? Está se falando em um contrato que até poderia ser

tratado no campo de Direito das Obrigações e dos Contratos (daí, valendo, tanto

para as uniões entre homossexuais, quanto para as uniões entre

heterossexuais), mas verifica-se que não foi essa a intenção do legislador

quando tratou sobre o casamento. Preferiu ele, já que o matrimônio é um

contrato que se baseia no afeto, trazer para o campo de Direito de Família. E, se

analisar por este prisma, que é o amor, então não tem porque negar aos

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homossexuais esse contrato, que é o casamento. Ou seja, se está se afirmando

que a origem do contrato de matrimônio é o afeto, então os casais homoafetivos

bem podem utilizar-se deste instrumento para se unirem.

Diante de todos os avanços já expostos é necessário que o legislador

abandone sua postura omissiva e preconceituosa e aprove o Estatuto da

Diversidade Sexual, projeto de lei elaborado pela Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), que traz o reconhecimento de todos os direitos à comunidade

LGBT e seus vínculos afetivos.

De certo será essencial para eliminar com a homofobia, garantir o direito

à igualdade e consagrar o respeito à dignidade, independente da orientação

sexual ou identidade de gênero.

Tal contribuição legislativa será predominante para o entendimento de

toda a população de que é tão proibido discriminar as pessoas em razão da sua

espécie masculina ou feminina quanto em função da respectiva preferência

sexual. Por analogia, se há um direito constitucional líquido e certo à isonomia

entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da

contraposta conformação anátomofisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso

da respectiva sexualidade; c) de, nas situações de uso emparceirado da

sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não; quer dizer,

assim como não assiste ao espécime masculino o direito de não ser

juridicamente equiparado ao espécime feminino − tirante suas diferenças

biológicas −, também não assiste às pessoas heteroafetivas o direito de se

contrapor à sua equivalência jurídica perante sujeitos homoafetivos. O que

existe é precisamente o contrário: o direito da mulher a tratamento igualitário

com os homens, assim como o direito dos homoafetivos a tratamento isonômico

com os heteroafetivos.

Conforme já exposto, é preciso reconhecer que a sociedade é dinâmica,

mutável, e as situações vividas pelos indivíduos variam no tempo e no espaço. A

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mesma pessoa pode ter posicionamentos diferentes em épocas distintas sobre

o mesmo assunto. O que é bom hoje poderá ter efeito oposto amanhã,

dependendo da personalidade do indivíduo (sua inteligência, caráter, valores,

atitudes, expectativas e percepções) e da situação (com seus inúmeros

aspectos e influências ambientais, pessoais, financeiros, políticos, econômicos,

religiosos, sociais, psicológicos, culturais, educacionais, científicos, técnicos,

tecnológicos, gerenciais e administrativos).

É sabido que o direito é formado não só por princípios, como também

pelos costumes que regem a sociedade. Deste modo, o Direito de Família pátrio

necessita ser constantemente reavaliado, conforme as mutações da sociedade.

E nesse sentido, deve-se reconhecer as uniões homoafetivas e as

conseqüências patrimoniais que delas decorrem.

Em consonância, se faz necessário afastar a hipocrisia que paira sob o

mundo jurídico, encarando o fato de que os homossexuais existem e são

pessoas protegidas pela Constituição, não devendo ser discriminados tão pouco

deixados à margem da lei.

Assim, diante do trabalho exposto, aos homossexuais deve ser

garantido o direito ao casamento, fazendo constar no texto constitucional seu

reconhecimento como entidade familiar e da mesma maneira, normas para

reger o patrimônio, a dissolução conjugal e a sucessão.

Enfim, é chegada a hora de assegurar a todos o direito fundamental à

felicidade!

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ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1 >> Entrevista; Anexo 2 >> Imagem; Anexo 3 >> Reportagem; Anexo 4 >> Internet;

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ANEXO 1

ENTREVISTA

Juiz que autorizou primeiro casamento gay de Minas diz que só garantiu direitos 28/03/2012 | Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM No dia 22 de março, o estado de Minas Gerais assistiu à realização do primeiro casamento gay de sua história na cidade de Manhuaçu (Zona da Mata mineira). O matrimônio foi autorizado pelo magistrado Walteir José da Silva, Juiz de direito da Comarca de Manhuaçu. A partir das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união estável, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que abriu a possibilidade da habilitação para casamento entre pessoas do mesmo sexo, ambas de 2011, vários casamentos vêm sendo realizados no Brasil. Brasília, Maceió, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro estão entre as capitais que já celebraram matrimônio homoafetivo. O interior do País também se movimenta e já foram registrados casamentos em Jacareí, Cajamar, Jardinópolis, Casa Branca, Franca e Caraguatatuba (todas paulistas) e mais, Soledade (RS), Cacoal (RO). Para o Juiz Walteir, que confirmou o casamento entre dois homensno interior de Minas, a pacificação sobre o tema é uma questão de tempo, "até que todos adotem o mesmo entendimento e garantam efetivamente o direito à dignidade da pessoa humana dos homossexuais". Confira mais detalhes da entrevista. Como o senhor se vê dando uma decisão inédita (em Minas Gerais) como esta, que permite o casamento entre dois homens, frise-se, em um estado com acentuada tradição religiosa? Primeiro, o que fiz foi simplesmente aplicar a decisão do STF e garantir os direitos dos homossexuais, com base no princípio basilar da Constituição que é o principio da igualdade ou isonomia, como forma de igualar os desiguais. Segundo, apesar da acentuada tradição religiosa do nosso Estado, a minha decisão em nenhum momento quis afrontar a fé das pessoas e muito menos a Igreja. O que se buscou com a decisão foi a garantia de direitos, conforme preconiza a Carta Magna. Ademais, fechar os olhos para algo que já acontece no mundo fático é o mesmo que negar o direito. Acha que sua decisão abre precedentes para outras similares? Com certeza, pois sabemos que existem milhares de pessoas homossexuais e que estavam encontrando dificuldades para ver garantido os seus direitos e que a partir da decisão do STF e da minha decisão vão encontrar fundamentos em outras ações com o mesmo fim. Ademais, as pessoas precisam acabar com a hipocrisia e reconhecer que o mundo sempre dependeu das diferenças, com as

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quais podemos não concordar, mas temos que respeitar. A frase célebre de Voltaire muito me ensinou e ensina, quando me deparo com casos emblemáticos, qual seja: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Assim, também é o direito dos homossexuais e das minorias, alguns podem não concordar, mas todos devemos lutar para que a felicidade, seja ela entre heterossexuais ou homossexuais prevaleça. Pois só se garante a dignidade da pessoa humana, quando ela está feliz. A chamada linha positivista do Direito alega que o Judiciário vem usurpando competência legislativa ao permitir interpretação principiológica para suprir lacuna legal. O senhor acredita que em decisões como essa há respeito ou desrespeito à separação dos poderes? Foi o tempo em que o Judiciário era a boca da lei. Hoje, temos um judiciário muito mais ativista e com tendências a suprir as lacunas deixadas pelo legislador, justamente para garantir o comando constitucional que garante que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º inc.XXXV, da CF), mesmo naqueles casos que ainda não haja legislação ou ela é omissa.Também entendo que não há desrespeito à separação dos poderes, pois foi o próprio legislador constitucional que garantiu a possibilidade do poder judiciário legislar quando houver lacuna ou omissão da lei, tanto isto é verdade que existe o mandado de injunção e outros comandos constitucionais no mesmo sentido. Considera que sua decisão foi dada em sintonia com os movimentos sociais atuantes hoje na sociedade brasileira? Sim. A nossa sociedade já não é a mesma de antigamente. Hoje, existem movimentos sociais em todos os sentidos e não se pode dizer que os movimentos em prol dos homossexuais seja ilegítimo, tanto que o STF em decisão inédita, com efeitos erga ommnes (efeito para todos) e vinculante, reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar, possibilitando, inclusive, o casamento. Registro que esta decisão busca quebrar preconceitos com a finalidade de reconhecer que cada pessoa é individual e tem direito de ser feliz, seja com uma pessoa do sexo oposto ou não. Na sua opinião, qual o papel que o magistrado deve ter hoje ao julgar questões do Direito de Família? Em primeiro lugar, deve olhar para a Constituição que garante o direito de todos, independentemente da opção ou orientação sexual. Em segundo, pela preservação da família, seja ela heterossexual ou homossexual, já que toda família deve ser reconhecida como entidade familiar e com fins de crescimento da sociedade. Ressalto, que apesar de cada juiz ter suas próprias convicções, ele deve estar sempre atento às mutações sociais, principalmente quando ocorre interpretação constitucional da matéria por quem é o seu guardião, o STF. Como não há hierarquia entre as formas constituídas de família, aplicam-se as mesmas regras para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por que,

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então, alguns órgãos do Judiciário insistem em não respeitar a decisão com força vinculante dada pelo Supremo em5.5.2011, que reconheceu a entidade familiar homoafetiva? Quero registrar que não posso responder pelos juízes que não estão cumprindo a decisão do STF, mas ao mesmo tempo posso dizer que existem meios legais de se buscar o cumprimento das decisões do STF, principalmente quando se trata de decisão com efeito vinculante. O primeiro deles é o recurso cabível, em tese, a apelação. O segundo, a reclamação. Na verdade, é só uma questão de tempo, até que todos adotem o mesmo entendimento e garantam efetivamente o direito à dignidade da pessoa humana, dos homossexuais. Os direitos das minorias, como os dos homossexuais, não devem sersubmetidos à aprovação das maiorias? Entendo que não. A necessidade de submeter à aprovação das maiorias os eventuais direitos de homossexuais ou de qualquer outra minoria fere de morte a Carta Magna pois o princípio basilar da norma constitucional é igualar os desiguais, na busca da igualdade material e não apenas formal. Assim foi com o direito de cotas para os negros e índios nas universidades, que são minorias. A verdade é que temos de deixar de ser hipócritas e sermos mais humanos. A pessoa só valoriza o outro ser humano que se declara homossexual quando tem um irmão, pai ou filho homossexual e vê que a coisa é diferente e precisa mudar os seus conceitos.

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ANEXO 2

IMAGEM

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ANEXO 3

REPORTAGEM

Revista Veja – Internacional - Rio, 14 de Abril de 2012

http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/campanha-a-favor-de-casamento-gay-e-lancada-no-brasil

Campanha a favor de casamento gay é lançada no Brasil

Rio de Janeiro, 13 abr (EFE) - Deputados brasileiros irão trabalhar para conseguir a aprovação do casamento civil igualitário, iniciativa que contará com o apoio de artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Carlinhos Brown, entre outros, segundo o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). De acordo com o parlamentar, membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, o objetivo é que casamento de casais homossexuais seja reconhecido com os mesmos efeitos civis e legais que as demais uniões. Com o slogan 'Os mesmos direitos com os mesmos nomes', foi lançada uma campanha que busca o apoio de 171 políticos, para que seja aprovada no Congresso uma emenda constitucional nesse sentido. Até agora, segundo Wyllys, os promotores da campanha têm o apoio de 103 políticos, disse nesta sexta-feira o congressista em entrevista coletiva. 'Quase 70 direitos são negados aos homossexuais, que representam 10% da população do país', afirmou o deputado. A campanha conta com o apoio de diversas celebridades, que gravaram um vídeo que já está disponível na internet. O projeto tem o apoio de artistas como os cantores Chico Buarque, Zélia Duncan, Ney Matogrosso, Preta Gil, e da atriz Mariana Ximenes, entre outros. 'O Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável dos homossexuais, mas isso não é um direito, porque o casamento precisa ir até a Justiça para conseguirmos isso. Somos considerados cidadãos de segunda categoria', declarou Wyllys. Para o deputado, o casamento é a única coisa que garante a igualdade dos direitos: 'não queremos tirar direitos de ninguém, só levá-los a uma parcela da população que é esquecida'. EFE Copyright Efe - Todos os direitos de reprodução e representação são reservados para a Agência Efe.

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ANEXO 4

INTERNET

http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1665790-15605,00.html Edição do dia 26/06/2011- Atualizado em 30/06/2011 17h41 – Acesso em 15/04/2012. 'Eles não são uma família', diz juiz que anulou casamento gay Jeronymo Villas Boas contrariou a decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar a união estável de pessoas de mesmo sexo. O juiz de Goiás que mandou anular um casamento gay deu uma entrevista exclusiva ao Fantástico. Uma assinatura histórica. Se dependesse do casal homossexual que casou em Goiás duraria para sempre. “Foi aquela muvuca no cartório porque foi a primeira do Brasil”, contou. Mas durou pouco mais de um mês. A primeira união estável entre pessoas de mesmo sexo foi anulada por um juiz em Goiânia. “Ele comparou o nosso ato para o cartório como um ato criminoso, de um roqueiro que tira a roupa durante um show no palco”, diz o jornalista Léo Mendes. Odílio e Léo foram ao Rio de Janeiro fazer outra escritura de união estável. “Sim! E não já juiz nesse país que irá nos separar”, disse Léo, no momento do sim. A cerimônia se transformou em um protesto coletivo: 43 casais homossexuais firmaram compromisso em cartório, inclusive, Odílio e Léo. Mas eles nem precisavam ter viajado. A corregedora de Justiça de Goiás Beatriz Figueiredo Franco anulou a sentença do juiz e deu validade ao primeiro documento assinado pelo casal. “Eu achei por bem tornar sem efeito a decisão, dado o alcance administrativo que esta significava”, diz a corregedora. O Fantástico foi a Goiás encontrar o juiz Jeronymo Villas Boas que contrariou a decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar a união estável de pessoas de mesmo sexo. A equipe de reportagem chegou no momento em que ele recebia a notificação da corregedoria, revendo a sentença. Perguntado sobre se não teria medo de uma punição, ele responde: “Medo não faz parte do meu vocabulário”. Quem é o juiz que discordou do Supremo Tribunal Federal? Repórter: O senhor é homofóbico?

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Juiz: De modo algum. Mineiro de Uberaba, 45 anos, casado, pai de dois filhos e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Jeronymo Villas Boas é juiz há 20 anos e diz que se baseou na lei para tomar sua decisão. “O que neste ato pretenderam os dois declarantes é obter a proteção do Estado como entidade familiar. Os efeitos jurídicos que se extrairia disso são efeitos jurídicos de proteção da família. Eles não são uma família”, afirma. Ele argumenta que se ateve ao conceito de família definido pela Constituição brasileira: “Declara no artigo 16 que constitui família o núcleo formado entre homem e mulher. E dá a esse núcleo uma proteção especial como célula básica da sociedade. Família é aquele núcleo capaz de gerar prole”. Para o juiz, a união estável de pessoas de mesmo sexo contraria esse conceito constitucional. Na opinião dele, casais gays não teriam como constituir nem família nem estado. “Se você fizer um experimento, levando para uma ilha do Pacífico dez homossexuais e ali eles fundarem um Estado, sob a bandeira gay, e tentarem se perpetuar como Estado, eu acredito que esse Estado não subsistiria por mais de uma geração”, argumenta. A posição do juiz vai contra a interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o que é uma família. O ministro-relator Ayres Britto disse que a Constituição apenas silencia e, portanto, não proíbe a união homoafetiva. Em linguagem poética, o relatório dele, aprovado por unanimidade, diz que família é um núcleo doméstico baseado no afeito. E que os “insondáveis domínios do afeto soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração”. Desde o ano passado, o juiz Jeronymo Villas Boas é também pastor da Igreja Assembleia de Deus, que frequenta toda semana. Para os que o acusam de fundamentalismo religioso, Jeronymo Villas Boas diz que já tomou decisões contra a sua própria igreja, negando pedidos de isenção de impostos. E afirma ter outras inspirações: “As pessoas, talvez, possam querer me criticar porque eu tenho uma forte influência marxista”, diz o juiz. De Marx, o fundador do comunismo, a Martin Luther King, de quem tem um imenso painel. “O Martin Luther King foi um defensor da igualdade racial, mas também foi um defensor da família”, ele destaca. Em uma biblioteca contígua ao gabinete dele, Jeronymo mostra à equipe de Vinicius de Moraes, ao famoso ensaio do psicanalista Roberto Freire sobre o desejo, e até uma bíblia em hebraico. Diz que lê de tudo, sem preconceito. Mas não nega a influência de seus princípios religiosos. “A Constituição brasileira foi escrita sob a proteção de Deus. Querer que um juiz, que professa a fé evangélica, não decida questões

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que envolva conflitos, muitas vezes, de natureza política, social ou religiosa é negar a independência do juiz”, ele pondera. E afirma que vai tomar a mesma decisão sempre que houver casos semelhantes. “Já solicitei de todos os cartórios que me remetam os atos que foram praticados a partir de maio deste ano para análise”, avisa. O repórter pergunta se ele sabe que irá enfrentar uma briga e Jeronymo responde: “Não há problema. Se o juiz tiver medo de decidir, tem que deixar a magistratura. Juiz medroso ou covarde não tem condição de vestir a toga”. Já quando perguntado sobre o que fará se for enquadrado pelos superiores, argumenta: “Eu tenho direito de defesa. Se me punirem sem o direito de defesa, nós entramos no regime de exceção”, afirma. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, se diz perplexo com a atitude de Villas Boas. Para o ministro, nenhum juiz está acima das orientações do Supremo. “No meu modo de ver, a reiteração dessa prática por esse magistrado vai revelar a postura ostensiva de afronta à Suprema corte. Isso efetivamente vai desaguar em um processo disciplinar junto ao Conselho Nacional de Justiça”, alerta Fux.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALVES, Luis Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de

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BEVILAQUA, Clovis. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: noções de filosofia do direito.

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FREITAS, Thiago Batista. União homoafetiva e regime de bens. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3441>. Acesso em: 04 nov. 2007.

FUGIE, Érika Harumi, “A união homossexual e a constituição federal”, Revista

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GOMES, Orlando. Direito de família, 11 ed. rev. e atual., Rio de Janeiro:

Forense, 1999.

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INSTITUTO Interdisciplinar de Direito de Família – IDEF (Org).

Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Identidades familiares constitucionalizadas: para além

do numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família.

Belo Horizonte, 2002.

MEDEIROS, Jorge Luiz Ribeiro de. A CONSTITUCIONALIDADE DO

CASAMENTO HOMOSSEXUAL, 1ª Edição, São Paulo: Editora LTr, 2008.

NOGUEIRA, Claudia Almeida. Direito das Sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro:

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Relator dá voto favorável à união gay no STJ. Disponível em:

<http://odia.terra.com.br/brasil/htm/geral_118682.asp>. Acesso em: 21 ago.

2007.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. v. 6, 5. ed. atual.

CC/2002. São Paulo: Atlas, 2005.

WALD, Arnoldo, O novo direito de família. 14 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo:

Saraiva, 2002.

BIBLIOGRAFIA CITADA

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1 - BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004,

p. 49.

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, 6. ed. Coimbra:

Livraria Almedina, 1993. 1228p.

3 Constituição da República Federativa do Brasil. Serie Legislação Brasileira,

Editora Saraiva, 1988.

4 - DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça!: as pioneiras

decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem

direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

5 – ________. União homossexual: o preconceito & a justiça. 3ª ed. rev. e atual.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 184p.

6 - ________. Família Homoafetiva. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado;

RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Manual de direito das famílias e das

sucessões. Belo Horizonte: Del Rey e Mandamentos, 2008, pp. 169-191.

7 - LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

8 - LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para

além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, v. 3, n.

12, jan-mar 2002, pp. 40-55.

9 - MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a pessoa humana: uma leitura civil-

constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 358p.

10 - SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. ver.

e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

2

AGRADECIMENTO

3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

A união homoafetiva frente à Constituição Federal de 1988 9

1.1 - A união homossexual como forma de entidade familiar

10

1.2 – O princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana 12

CAPÍTULO II

O reconhecimento do casamento homoafetivo pela jurisprudência brasileira 16

CAPÍTULO III A Mutação Constitucional 25

CAPÍTULO IV

A equiparação da união homoafetiva à união heterossexual 28

4.1 – Os aspectos patrimoniais da união homoafetiva 28

4.2 – Os regimes de bens aplicáveis 29

4.3 – O direito a alimentos 32

4.4 – A facilitação do direito a adoção 34

4.5 – O direito sucessório 34

4.6 – O casamento homoafetivo em Cartório 36

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CONCLUSÃO 37

ANEXOS 41

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 50

BIBLIOGRAFIA CITADA 52

ÍNDICE 54