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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
OS CONTRATOS DO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO Á LUZ DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OUTROS ASPECTOS
RELEVANTES
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de
Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito do Consumidor.
Por:. Carla Adriana Martins Lemos da Costa
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, irmãos e ao meu esposo pelo
suporte e incentivo com que pude contar ao longo
dessa trajetória.
4
RESUMO
A presente monografia tem por escopo demonstrar as diversas políticas
implementadas nas últimas cinco décadas no Brasil, com o intuito de reduzir o problema
do déficit habitacional no país, que atingia índices alarmantes.
Nesse contexto, também trataremos dos inúmeros planos de financiamento,
para a aquisição da casa própria, assim como das parcelas integrantes das prestações
devidas pelos mutuários aos agentes financeiros.
Outrossim, também discorreremos sobre a execução extrajudicial, promovida
pelos agentes financeiros do SFH, que pode, inclusive, culminar com a arrematação do
imóvel do mutuário em público leilão, sem que tal questão chegue à apreciação do
Poder Judiciário, o que, em tese, configuraria descumprimento de preceito
constitucional, no caso o artigo 5º, LIII, LIV e LV da CRFB/88.
Outra questão a ser abordada no presente trabalho acadêmico é a do chamado
“contrato de gaveta”, que consiste em avença celebrada entre o mutuário do SFH e
terceiro, estranho à relação contratual com o agente financeiro, que não o reconhece
5
como titular de direitos, não podendo, dessa forma, entre outras coisas, pleitear a
renegociação de dívida etc.
Finalmente, também trataremos da questão acerca da incidência ou não do
CDC aos contratos do SFH, tendo em vista os agentes financeiros do SFH constituírem-
se em fornecedores de serviços, na forma do que dispõe o § 2º do artigo 3º do CDC,
estando, portanto, submetidos às disposições do CDC, o que permitiria, entre outras
coisas, que o mutuário ingressasse com ação pleiteando a revisão contratual,
decorrente de cláusula abusiva constante da avença contratual.
6
METODOLOGIA
O interesse pelo assunto abordado no presente trabalho acadêmico surgiu da
vivência como estagiário de Direito da Caixa Econômica Federal, na qual convivi quase
que diariamente com o tema, durante aproximadamente dois anos.
Dessa forma, a partir da prática diária, começamos a colher o material para a
elaboração da presente monografia, obtido em parte pela internet, nos sites dos
principais tribunais do país, tais como Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal
de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Outra parte foi extraída de pesquisas a livros de doutrina e jurisprudência,
sendo que grande parte do referido material foi colhido na biblioteca do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I – O Sistema Financeiro Habitacional no Brasil 09
CAPÍTULO II – Planos de Financiamento X Prestação Habitacional 26
CAPÍTULO III – A Execução Extrajudicial 38
CAPÍTULO IV – Os Contratos de Gaveta 48
CAPÍTULO V – A Incidência do CDC aos Contratos do SFH 57
CAPÍTULO VI – A Revisão Judicial dos Contratos do SFH 60
CONCLUSÃO 65
BIBLIOGRAFIA 68
ÍNDICE 70
8
INTRODUÇÃO
O déficit habitacional brasileiro cresceu assustadoramente nas décadas de 40 e
50, o que resultou no aparecimento do fenômeno conhecido como migração rural,
consistente na ida de trabalhadores da zona rural para os grandes centros urbanos
atrás de oportunidades de emprego.
Com a vinda de mão-de-obra, em sua grande maioria desqualificada, a
tendência natural era de que tais trabalhadores encontrassem enormes dificuldades
para se inserir no competitivo mercado de trabalho. Esse processo de exclusão social
levou à proliferação das favelas.
Os diversos governos visando reduzir o crescente grau de insatisfação da
sociedade criaram inúmeros planos de habitação, que se destinavam a reduzir o déficit
habitacional.
O Banco Nacional da Habitação – BNH foi criado com o intuito de organizar e
controlar o Sistema Financeiro Habitacional – SFH, tendo-lhe sido atribuídas inúmeras
metas a serem cumpridas. O seu principal objetivo era acelerar o ritmo de construção
das casas populares, além de propiciar o seu acesso às classes de menor poder
aquisitivo.
Seguiram-se ao Plano Nacional da Habitação, diversos outros planos, com
finalidades parecidas, que, infelizmente, não surtiram os efeitos desejados por inúmeros
motivos.
9
Com as crescentes taxas de inadimplência de mutuários, o governo viu-se
obrigado a legislar a respeito da retomada dos imóveis financiados, tendo em vista que
os recursos utilizados para tais financiamentos eram oriundos em sua grande maioria
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.
Assim, com a edição do decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, os
agentes financeiros puderam passar a optar entre a execução prevista no Código de
Processo Civil e a execução prevista no aludido diploma legal.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
acirraram-se os debates das correntes doutrinárias a respeito da constitucionalidade ou
não do decreto-lei nº 70/66.
Outra questão de igual importância é a dos contratos de gaveta, muito difundidos
por todo o país, cuja questão principal se prende ao fato dos ditos gaveteiros terem ou
não legitimidade para ingressar em juízo com ações pleiteando a renegociação de
dívidas oriundas de contratos de financiamento.
Vale ainda abordar a questão da incidência ou não do Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de financiamento da casa própria, pois caso as instituições
financeiras do SFH estejam submetidas às disposições do CDC, os
consumidores/mutuários poderiam ingressar com inúmeros tipos de ações, tais como:
revisionais, declaratórias de nulidade de cláusula contratual etc.
O questionamento que norteará os rumos do presente trabalho de revisão
bibliográfica é o seguinte: Quais são os aspectos mais relevantes pertinentes à
execução extrajudicial, regulada pelo decreto-lei nº 70/66?
10
I O SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL NO BRASIL
O déficit habitacional brasileiro agravou-se nas décadas de 40 e 50, em virtude
do congelamento dos aluguéis e do crescimento populacional urbano acelerado,
originado pela migração rural, também conhecida como boom urbanístico.
A migração rural trouxe como principal problema a crescente defasagem entre a
declinante disponibilidade de espaço habitável (casas de moradia e infra-estruturas
urbanas) e a sua elevada demanda, ou seja, um descompasso entre a oferta e a
demanda de moradias e serviços urbanos, acessíveis às classes populares. A
favelização crescente das cidades é a conseqüência principal desse desequilíbrio.
O aumento populacional nos grandes centros urbanos foi de aproximadamente
75% entre os anos de 1940 e 1960, em função da migração rural para as zonas
urbanas. Assim, em 1940, a população urbana, que era de quase 13 milhões, evoluiu
para 32 milhões de habitantes em 1960, representando, 45% da população brasileira.
A noção oficial de déficit habitacional sugere que a defasagem entre o
crescimento populacional urbano e o lento ritmo de construção de novas residências é
o que origina a penúria habitacional, a alta do preço das moradias e também a
diferenciação social no espaço urbano.
11
O Plano Nacional da Habitação, criado pela lei nº 4.380, de 21 de agosto de
1964, foi uma resposta do governo à dramática situação da época. O déficit
habitacional brasileiro atingia, então, contornos dramáticos, chegando em 1964, à
ordem de oito milhões de habitações. Deve-se entender que tal número foi estimado
levando-se em consideração a qualidade das moradias até então existentes. As classes
de mais baixa renda da população urbana vinham habitando moradias sub-humanas,
sem as mínimas condições higiênicas e sanitárias. Do total de domicílios particulares
urbanos em 1960 – 6,5 milhões, 29% não possuíam água corrente, e, ainda desse total,
21% apresentavam-se sem instalação sanitária de qualquer natureza.
1.1 A Criação do BNH
O Banco Nacional da Habitação - BNH foi criado pela lei nº 4.380, de 21 de
agosto de 1964, com a precípua finalidade de orientar e controlar o Sistema Financeiro
Habitacional, embora tivesse outros objetivos além da promoção da política
habitacional, como, por exemplo, incentivar a indústria da construção civil, a fim de que
com a construção de novas moradias surgissem novas oportunidades de trabalho
nesse setor.
Outro fator que teve grande influência para a criação do BNH, além dos já
citados, foi o político, tendo em vista que o novo regime militar almejava conquistar a
simpatia da população, que começava despertar para a política em meados da década
de 60. O regime militar que sempre foi marcado pela intolerância e desrespeito aos
direitos individuais do homem, como, por exemplo, à liberdade de expressão, procurava
mostrar uma imagem de sensibilidade, face às necessidades sociais de amplos setores.
12
Sandra Cavalcante, observando o crescente grau de insatisfação apresentado
pela população, endereçou carta ao então Presidente da República Castelo Branco, na
qual propunha a criação do BNH pelas razões abaixo descritas:
A revolução vai necessitar agir vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs e magoadas, de modo que vamos ter que nos esforçar para devolver a elas uma certa alegria, penso que a solução dos problemas da moradia, pelo menos nos grandes centros urbanos, atuará de forma amenizadora e balsâmica sobre suas feridas cívicas.1
A escolha do problema habitacional como principal objeto de manipulação
político-ideológica prende-se à importância primordial do mesmo para a população
trabalhadora urbana, conforme pôde constatar-se em pesquisa realizada em 1960 por
Loyd A. Free, que sob o patrocínio do Institute for International Social Research
demonstrou que a principal aspiração das populações urbanas brasileiras era a
aquisição da casa própria.2 O aludido estudo mostra também uma elevada correlação
estatística entre a propriedade da habitação e atitudes políticas conservadoras, o que
não deixa de ser uma dedução apressada, própria das absolutizações quantitativas.
No mesmo contexto inserem-se as declarações do então Ministro Roberto
Campos, consoante trecho abaixo transcrito:
A solução do problema da casa própria tem esta particular atração de criar um estímulo à poupança que, de outra forma não existiria e contribui muito mais para a estabilidade social que o imóvel de aluguel. O proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem.3
1 SOUZA, Berenice Vasconcelos. O BNH e a política do governo – Dissertação de mestrado. UFMG, 1974, p. 157 – 159. 2 BOLAFI, Gabriel. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo : Alfa-Ômega, 1982. 3 Habitação e poder. Rio de Janeiro : Zahar, 1982.
13
Inicialmente, o BNH foi constituído como entidade autárquica, com capital de
CR$ um milhão e receita proveniente de 1% do fundo perdido da folha de pagamento
de todos os empregados sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT. Adicionalmente, ainda constituía recurso do BNH o percentual de 4% pagos pelos
proprietários de imóveis, incidentes sobre o montante de aluguéis recebidos. Esse
pagamento, feito em forma de empréstimo, seria devolvido no prazo máximo de 20
anos.
Com o advento da lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, criando o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço, que foi a sua principal fonte de recursos, o BNH
recebeu um novo impulso.
No período compreendido entre 1964 e 1969 o índice de inadimplência dos
mutuários do SFH cresceu absurdamente, tendo em vista que a política da habitação
popular, embora tivesse caráter supostamente social, tinha na verdade como principal
objetivo a restituição dos valores financiados com o ganho de lucro.
Em decorrência de tais fatos houve um crescimento assustador do número de
favelas, visto que o BNH não conseguiu diminuir o déficit habitacional, muito menos
reduzir as desigualdades entre a distribuição de renda. Portanto, o SFH que
inicialmente destinava-se à população de baixa renda, terminou por beneficiar apenas
as classes com maior poder aquisitivo.
Em 1971, o BNH foi transformado, pela lei nº 5.762, de 14 de dezembro de 1971,
em empresa pública (Banco de 2ª linha), vinculado ao Ministério do Interior e passando
a representar o principal instrumento de execução da política habitacional do Governo
Federal.
14
Em decorrência da grande importância do SFH e dos demais programas sob a
gestão do BNH na economia brasileira, a partir de 1972 o Presidente do BNH passou a
ser membro do Conselho Monetário Nacional.
Com a transformação do BNH em empresa pública, conforme já relatado, em
mais uma tentativa de solucionar os diversos casos de abandono e inadimplência dos
mutuários, houve a implantação de medidas burocráticas como a escolha e seleção de
mutuários através do preenchimento de fichas sócio-econômicas, que em via de regra
determinavam a total exclusão dos detentores de mais baixa renda.
As causas de tudo isso são de ordem econômico-estrutural. Em primeiro lugar, a
renda concentrada e mal distribuída que reprime a demanda solvável da maioria dos
trabalhadores, em especial dos mutuários de baixa renda. Eis o ponto chave para a
verificação da contradição básica dos programas de moradia popular do SFH: os
reajustes das prestações da habitação popular, muitas vezes superiores aos reajustes
salariais reais, impedem que famílias de baixa renda, sem poder aquisitivo, tenham
condições de satisfazer essa necessidade básica que é a moradia.
1.1.1 Principais finalidades
O BNH, na qualidade de principal instrumento do Governo para implementação
do Plano Nacional da Habitação e como órgão central do Sistema Financeiro da
Habitação e do Saneamento, tinha por escopo, atendidas as diretrizes do planejamento
global do país promover dentre outras coisas: a coordenação, orientação normativa e
fiscalização específica da política habitacional e do financiamento para o saneamento, a
maior difusão da propriedade residencial e, em especial, acesso a ela das classes
menos favorecidas etc.
15
Além das atribuições acima enumeradas, também cabia ao BNH promover a
melhoria do padrão habitacional, com a eliminação do congestionamento da habitação
e da promiscuidade nos conjuntos tipo favela, a redução do preço da habitação
mediante aumento da oferta sobre a procura legal, através da concessão de
financiamentos a níveis adequados, da economia da escala na produção, do aumento
da produtividade nas indústrias de construção civil e de materiais de construção e da
redução de intermediação nos programas de natureza social.
O BNH, no intuito de cumprir os objetivos que lhe foram atribuídos, mantinha
atuação dirigida, através de programas e sub-programas, visando atender às
necessidades de cada área específica.
Os programas foram divididos em três grandes classes: programa de
desenvolvimento urbano, programas habitacionais e programas complementares. Os
primeiros tinham como condão promover e controlar o crescimento urbano brasileiro,
implantando e melhorando os sistemas de água, esgotos, etc. Os habitacionais visavam
à produção e à comercialização de habitações e os complementares são aqueles que
tinham por objetivo a criação das condições infra-estruturais e de apoio, indispensáveis
à boa execução dos programas habitacionais e de desenvolvimento urbano.
Embora o leque de atribuições do BNH fosse vasto, achamos por bem
transcrever apenas as que entendemos como principais, valendo salientar que as
metas a serem alcançadas pela aludida empresa pública eram de natureza utópica,
tendo em vista o assustador quadro em que o país se encontrava.
16
1.2 A Extinção do BNH e a sua Sucessão pela Caixa Econômica Federal
O BNH foi extinto com o advento do decreto-lei nº 2.291, de 21 de novembro de
1986, tendo sido incorporado à Caixa Econômica Federal – CEF, consoante dispõe o
art. 1º do aludido diploma legal.
A CEF, na qualidade de legítima sucessora do BNH, o sucedeu em todos os
seus direitos e obrigações, consoante dispõem as atribuições previstas no § 1º do
referido dispositivo legal in verbis:
Art. 1º - § 1º - a CEF sucede ao BNH em todos os seus direitos e obrigações, inclusive: a) na administração, a partir da data de publicação deste Decreto-Lei, do
ativo e passivo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis; b) na gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do Fundo de
Assistência Habitacional e do Fundo de Apoio à Produção de Habitação para a População de Baixa Renda;
c) na coordenação e execução do Plano Nacional de Habitação Popular –
PLANHAP e do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA, observadas as diretrizes fixadas pelo Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente;
d) nas relações individuais de trabalho, assegurando os direitos adquiridos
pelos empregados do BNH e, a seu critério, estabelecendo normas e condições para o aproveitamento deles;
e) nas operações de crédito externo contraídos pelo BNH, com a garantia do
Tesouro Nacional, cabendo à CEF e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional promover as medidas necessárias à celebração de aditivos aos instrumentos contratuais pertinentes.
Quanto às ações que estivessem em curso e nas quais o BNH figurasse como
parte, assistente ou opoente, o art. 5º do mencionado decreto-lei convencionou que os
17
prazos de tais ações fossem suspensos até ulterior intimação da CEF por meio de
mandado, de ofício pelo juiz, ou a requerimento das partes, ou do Ministério Público.
1.3 A Política Habitacional Brasileira
O Governo Vargas iniciou a intervenção estatal no setor da habitação popular
através da criação da Fundação da Casa Popular – FCP em 1946, cujo objetivo
principal era viabilizar uma política habitacional de âmbito nacional para a população de
baixa renda, haja vista que as instituições existentes à época (Institutos, Caixas de
Pensões e Aposentadorias) atuavam, no setor da habitação, de forma fragmentada e
limitada apenas aos seus sócios.
A fundamentação do projeto de criação da FCP, bem como a definição da sua
linha de atuação tinham comprometimento essencialmente político, visto que as elites
dirigentes utilizavam esse órgão como meio para conquistar a simpatia e o voto dos
setores populares.
Assim, a política habitacional redistributivista pregada pela FCP transformou-se
em uma política, eminentemente assistencialista, cuja finalidade maior era a barganha
político-eleitoreira.
As condições exigidas pela FCP para a obtenção de financiamentos das
moradias tinham como condão excluir as classes de mais baixa renda da política
habitacional perpetrada pelo Governo, tendo em vista que a aludida fundação exigia
que os proponentes percebessem ganhos mensais que chegassem em torno de 12,8
salários mínimos.
18
Ademais, problemas de ordem burocrático-administrativa, tais como a escassez
de informações sobre prazos e locais de inscrições, número e localização das
moradias, contribuíram por afastar ainda mais as classes de mais baixa renda da
política habitacional proporcionada pelo Estado.
Os recursos utilizados pela FCP na produção de moradias eram provenientes do
erário público, sendo que a amortização era feita em prestações mensais fixas, isto é,
não reajustáveis, o que em uma época de crescente inflação tornava a prestação
irrisória em pouco tempo. E isto, por sua vez, ao impossibilitar o retorno do capital
investido na construção, tornava o mecanismo financeiro incompatível com o princípio
de retorno do crédito, o que impedia que a FCP atendesse à demanda de casas
populares.
O Plano de Assistência Habitacional criado em 1961 tinha como intuito reduzir a
crise habitacional que assolava o país com números cada vez mais alarmantes. A sua
principal inovação consistia no estabelecimento de uma relação proporcional entre a
prestação e o salário mínimo. A prestação não poderia comprometer mais de 20% do
maior salário mínimo vigente no país, e só mudaria de acordo com o reajuste do salário
mínimo.
Aos critérios adotados pela FCP para a obtenção de financiamentos para a
aquisição da casa própria, acrescentaram-se a exigência de estabilidade no emprego e
de tempo de residência na localidade, o que só agravou a situação dos detentores de
mais baixa renda, que se viram mais uma vez excluídos da política habitacional.
O período de 1964 em diante foi marcado pelo novo Estado autoritário, cuja
política habitacional teve que se adequar a uma nova estratégia econômica, destinada
19
a promover uma fase de intensa acumulação monopolista, que começou por um
programa de estabilização econômica, que visava conter a inflação, através de um
violento e prolongado arrocho salarial, que juntamente com a redução da força do
movimento sindical, formaram as duas pré-condições de segurança sócio-política
estabelecidas para atrair os investimentos de capital estrangeiro.
Criou-se, então o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG, durante a
presidência de Castelo Branco, que dentre outras coisas objetivava estimular a indústria
da construção civil, através de um programa habitacional voltado a atender a demanda
das populações, tornando a aquisição da casa própria acessível às classes menos
favorecidas.
Ocorre que, embora o discurso apregoado por tal plano tivesse caráter social, o
mesmo resumiu-se a papéis, visto que o seu condão era tão somente de auferir lucros,
o que relegou a segundo plano o aspecto social.
O BNH viria posteriormente a promover projetos de desenvolvimento urbano,
visando uma maior integração com a política habitacional, visto que o problema do
déficit habitacional englobava inúmeros fatores, dentre os quais destacava-se o da
infra-estrutura.
Assim, com vistas a atender a área de desenvolvimento urbano, o BNH criou em
1968 o Programa de Financiamento para Saneamento – FINASA, que se constituiu no
embrião do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA elaborado em 1971, quando
começaram a ganhar relevo as atuações urbanas do BNH, que conheceram uma
expansão expressiva com a implementação do Projeto CURA - Comunidade Urbana
para Recuperação Acelerada, cujos objetivos principais eram: racionalizar o uso do solo
20
urbano, melhorar os serviços básicos e as infra-estruturas das cidades e corrigir as
distorções causadas pela especulação imobiliária.
Alguns dos meios previstos para se atingir esses objetivos eram: a ordenação
das áreas de aplicação do projeto na cidade e/ou município em forma plurianual. Nas
áreas beneficiadas pelo Projeto CURA, o imposto territorial aplicado aos lotes de
terrenos vagos seria progressivamente elevado, a partir do primeiro ano, após o término
da obra, e até o quinto ano, quando o imposto atingiria 1% do valor de mercado do
imóvel. Com essas medidas, pretendia-se eliminar a capacidade ociosa dos
investimentos urbanos, racionalizar os investimentos em infra-estrutura, promover a
conglomeração da população urbana, e integralizar o processo de execução de obras
urbanas.
As Companhias de Habitação – COABs eram os principais instrumentos
utilizados pelo BNH na implementação da Política de Habitação Popular, haja vista
serem os agentes executores dos seus programas de habitação popular. Foram
constituídas sob a forma de sociedade mista, incumbindo ao poder público, do Estado
ou Município deter o seu controlo acionário.
Os recursos utilizados no financiamento de projetos das COABs vinham do
FGTS. Nesses projetos, as prefeituras locais assumiam, quase sempre, os encargos
referentes às implantações das infra-estruturas básicas e, por vezes, também
participavam com a doação do terreno. Quando isto não acontecia, as COABs deveriam
adquirir o terreno a preço de mercado.
As COABs, por estarem investidas nas funções de agente promotor e
financiador, seguiam as regras de funcionamento do BNH. Delegavam, assim, ao setor
21
privado todas as funções produtivas, contratando a construção de moradias com
empresas privadas, se limitando, tão somente a fiscalizar as obras e a liberar parcelas
de financiamento, conforme cronograma físico-financeiro, se incumbindo também de
comercializá-las e de efetuar as cobranças.
Com o aumento das taxas de inadimplência e abandono dos imóveis pelos
mutuários, as COABs introduziram em 1975, modificações significativas para a
obtenção de financiamentos, passando a exigir renda mensal não inferior a 5 (cinco)
salários mínimos, o que só contribuiu para marginalizar os possuidores de mais baixa
renda.
Logo, em função das medidas adotadas, houve uma significativa modificação na
composição social da clientela das COABs, que passou a ser composta por pessoas
possuidoras de renda mensal mais elevada.
A partir de 1977, na tentativa de combater os altos índices de inadimplência
apresentados pelos mutuários, foram estabelecidos incentivos financeiros adicionais
para os mutuários em dia com as suas prestações.
Com a constatação de que as metas originariamente atribuídas ao BNH, não
haviam sido atingidas, criou-se em 1973 o Plano de Habitação Popular – PLANHAP,
cuja área de atuação se restringiria às cidades com população superior a cinqüenta mil
habitantes e/ou taxa de crescimento superior a 7%.
Um dos objetivos precípuos do PLANHAP era estender a concessão de
financiamentos às pessoas detentoras de mais baixa renda, que percebessem entre um
a três salários mínimos como renda familiar.
22
O PLANHAP tinha como expectativa nos seus primeiros dez anos de existência
construir a casa própria para dois milhões de famílias, criar duzentos mil novos
empregos diretos e oitocentos mil indiretos por ano, além do efeito estimulador para
toda a construção civil.
Acontece que o mencionado plano não atingiu o resultado esperado, tendo em
vista que deixou praticamente intacto o déficit habitacional que, após sete anos de
atuação do BNH, ainda se mantinha em 76%, pois, segundo o Relatório Anual do BNH
de 1971, os recursos disponíveis só tinham permitido atender a 24% da demanda de
moradia.
Com o fim do milagre brasileiro e com a saturação do mercado imobiliário de
imóveis de luxo houve uma abrupta queda na taxa geral de produção de moradias. Na
tentativa de reverter esse quadro, o BNH promoveu a implantação de inúmeras
medidas dentre as quais destacaram-se: a redução das taxas de juros aplicadas nos
financiamentos de 6% para 1% e 3%, a ampliação dos prazos para o pagamento dos
financiamentos de vinte para vinte e cinco anos, a elevação do mínimo de renda familiar
de três para cinco salários mínimos, além da reestruturação do SFH através de dois
planos (A e B).
No Plano A, que se destinava principalmente a erradicar as favelas, as
prestações eram reajustadas sessenta dias após o aumento nominal do salário, sendo
que o valor da nova prestação passaria a ser calculada pela razão entre o valor do
maior salário mínimo vigente no país e o seu nível imediatamente anterior.
23
A quitação da dívida, no Plano A, conforme a forma de reajustamento das
prestações, poderia ocorrer dentro dos prazos contratados ou dilatar-se, dependendo
da correlação entre o reajuste do salário e o reajuste da UPC.
Por outro lado, no Plano B, as prestações reajustáveis no início de cada trimestre
civil passaram a ser reajustadas com base na relação entre o valor da nova UPC e o
valor da UPC do trimestre anterior.
Quanto à extinção da dívida, no que tange ao Plano B, a mesma ocorreria no
prazo estipulado no contrato de financiamento, uma vez que se utilizava o mesmo
mecanismo de reajuste, tanto para a prestação, quanto para a UPC.
Com a implantação desses dois planos, que passaram a se chamar Plano de
Equivalência Salarial – PES e Plano de Correção Monetária, respectivamente, houve a
necessidade de se criar um mecanismo compensador, destinado a cobrir eventuais
saldos devedores ao término do contrato, em função de se convencionar um número
pré-fixado de prestações nos contratos de financiamento.
Assim, criou-se o Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS,
formado das contribuições obrigatoriamente pagas pelos mutuários no valor de uma
prestação, quando da escolha do contrato de financiamento pelo Plano A. Caso não
houvesse saldo devedor após o término do prazo convencionado para o pagamento do
financiamento, o mutuário teria direito à restituição da importância recolhida ao FCVS.
Embora tenham realizado-se inúmeras modificações de natureza técnica, as
mesmas não garantiram o sucesso do PLANHAP, como prova o crescimento acelerado
do chamado setor informal de moradias, uma atividade produtora clandestina de
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moradias precárias, construídas sem a licença das Prefeituras, pelas famílias carentes
excluídas do SFH.
Em 1979, após mais um insucesso, o BNH criou o Programa de Erradicação de
Subhabitação, que se destinava à erradicação ou recuperação das favelas, palafitas ou
mocambos, através do saneamento e urbanização da área. Realizados esses
procedimentos, se iniciaria a construção de moradias compatíveis na área ocupada.
A Resolução BNH nº 135/82 dispôs que o financiamento da moradia continuaria
sendo de 100% do investimento, limitado ao máximo de 300 UPCs. Também dispôs
sobre os juros, que aumentariam de 1% para 2% ao ano. No que tange ao cálculo da
amortização determinou que fosse feito através da tabela Price, onde uma parte da
prestação era destinada para remunerar o capital investido. Os juros incidiam sobre os
saldos devedores, cada vez menores, e as cotas de amortização cresciam após cada
pagamento, e os reajustes da prestação eram feitos através do PES.
A implantação do PROMORAR ficou a cargo da Carteira de Suberradicação e a
sua viabilização financiada com recursos oriundos do FGTS, de subsídios federais,
estaduais e municipais. Contando, também, desde 1982, com recursos do FINSOCIAL,
segundo o relatório anual do BNH do mesmo ano.
O Governo, com a criação do PROMORAR, tinha por escopo modificar a sua
imagem perante a população de mais baixa renda, com vistas a conquistar o eleitorado.
Ao contrário das políticas habitacionais anteriores, que objetivavam acabar com as
favelas, levando os seus moradores para conjuntos habitacionais distantes, os atuais
administradores queriam elevar o padrão de vida desses moradores com a realização
de obras de infra-estrutura.
25
O PROMORAR acreditava que, ao promover habitações populares subsidiadas,
conseguiria solucionar inúmeros problemas, dentre os quais o da precária situação de
moradia das populações carentes, o da desigualdade na distribuição de renda, o da
falta de oportunidades de emprego e o do baixo padrão de vida levado pelas classes
detentoras de menor poder aquisitivo.
Cumpre, assim, mencionar, que o principal objetivo do PROMORAR não foi
atingido, visto que, em função do quadro recessivo que se instaurou durante o Governo
Figueiredo, houve um processo de aceleração da periferização das áreas urbanas,
particularmente das regiões metropolitanas.
1.3.1 A importância do FGTS
O principal mecanismo de captação de recursos, criado em setembro de 1966, é
o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Destina-se, por um lado, a
substituir o antigo sistema de indenização, paga aos trabalhadores demitidos “sem justa
causa”, e a legitimar, assim, o fim da estabilidade do emprego. Por outro lado, garante o
confisco regular de 8% do salário mensal dos trabalhadores enquadrados nos moldes
da CLT. É, portanto, uma forma de poupança compulsória de parte do salário, que o
Governo transforma, administrativamente, em capital imobiliário, mediante repasses do
BNH aos agentes financeiros e aos promotores do setor imobiliário e urbanístico.
Assim sendo, o FGTS nada mais é do que o depósito compulsório que todas as
empresas devem efetuar até o dia 30 de cada mês, em conta bancária vinculada em
nome do assalariado, correspondente a 8% da remuneração paga no mês anterior a
cada empregado.
26
Na qualidade de gestor do FGTS, o BNH atua segundo planejamento e normas
gerais expedidas por um Conselho Curador, integrado por um representante do
Ministério do Trabalho e Previdência Social, um representante do Ministério do
Planejamento e Coordenação Econômica, um representante das categorias
profissionais, e presidido pelo Presidente do BNH.
As despesas decorrentes da gestão do FGTS pelo BNH serão custeadas em
diferenciais de juros obtidos nas operações de aplicação dos recursos, em relação aos
custos de capitalização do Fundo. A título de taxa de administração, o BNH receberá
importância mensal correspondente a uma percentagem sobre o valor do FGTS, fixada
pelo Conselho Monetário Nacional. No entanto, o saldo – eventualmente verificado
entre a receita produzida pela taxa de administração efetivamente realizada pelo BNH
com a gestão do Fundo – será levado à conta de capital desse banco e aplicado no
financiamento de habitações para a população de baixa renda.
27
II PLANOS DE FINANCIAMENTO X PRESTAÇÃO
HABITACIONAL
A criação do BNH na data de 21 de agosto de 1964 determinou além da criação
do SFH, a aplicação da correção monetária nos contratos relativos ao financiamento de
imóveis.
Segundo Plácido e Silva o conceito de correção monetária é o seguinte:
“representa a atualização monetária da moeda, em virtude de sua desvalorização pelo
processo inflacionário”.4
O decreto-lei nº 19, de 30 de agosto de 1966 estabeleceu o princípio da
obrigatoriedade da correção monetária das prestações provenientes do SFH, o que se
faria com base em índice a ser fixado pelo Conselho Nacional de Economia.
Com base no que determinava a lei nº 4.380/64, ficou estabelecido que a
correção das prestações seria efetuada de acordo com a época de variação do salário
mínimo e teria como teto máximo de reajuste o índice aplicado àquele (não
necessariamente o mesmo índice). Não existia ainda a sigla PES.
4 SILVA, Plácido e. Vocabulário jurídico. 17. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 225.
28
No âmbito do BNH, foram criados três planos de financiamento: Planos A, B e C.
O índice de reajuste adotado era a UPC (Unidade Padrão de Capital), mas com
limitação àquele teto.
Os três planos não apresentaram resultados expressivos, principalmente pelo
fato de não oferecerem garantias aos mutuários, quanto à satisfação do débito, o que
no caso dos dois primeiros planos ocorreu, em virtude das prestações não estarem
atreladas ao salário. Por outro lado, no caso do último plano, a ausência de garantias
destinadas à satisfação do débito consistiu no fato do prazo ser prorrogado até a efetiva
quitação do saldo devedor.
Em 1969 foi criado o Plano de Equivalência Salarial – PES, através da
Resolução do Conselho (BNH) nº 36/69, que foi regulamentada pela Resolução de
Diretoria (BNH) nº 75/69. Esses dispositivos estabeleciam que a correção das
prestações seria feita pelo mesmo índice de variação do salário mínimo. Esse plano
substituiu os denominados “A” e “C”. O Plano B passou a denominar-se Plano de
Correção Monetária (PCM) e a ser utilizado principalmente em empréstimos concedidos
a empresários da construção civil (Plano Empresário).
Em 1973 o BNH criou o salário mínimo habitacional, que na verdade era um
novo indexador para corrigir as prestações do SFH, tendo em vista que o salário
mínimo sofreu, a partir daquele ano, correções acima dos índices de correção
monetária.
No ano de 1975, a Lei nº 6.025 estabeleceu a descaracterização do salário
mínimo como fator de correção monetária, não havendo a partir daí qualquer
possibilidade de se firmar contratos de financiamentos com base naquele indexador.
29
Em 1977, o BNH através de nova resolução (RC nº 01/77, regulamentada pela
RD nº 10/77) estabeleceu que os contratos do Plano de Equivalência Salarial teriam as
suas prestações corrigidas em conformidade com a variação do indexador UPC
(Unidade Padrão de Capital). Os reajustes passaram a ser anuais e se aplicariam tanto
às prestações, quanto ao saldo devedor, que por sua vez representaria o valor do
financiamento (empréstimo) originário. Com o tempo, ele sofreria variações, em função
da aplicação das taxas de juros e correção monetária.
Assim sendo, a partir de 1977 seriam então três os indexadores aplicáveis aos
contratos do SFH em vigor: salário mínimo, salário mínimo habitacional e UPC.
Entretanto, a partir de 1982, os salários passaram a ser mais arrochados do que
de costume, e para piorar a situação, o indexador UPC, que era utilizado para correção
das prestações e saldo devedor, passou a expressar variações superiores à
capacidade salarial dos mutuários.
Em decorrência de tais fatos, houve intensa mobilização de mutuários em todo o
país, sendo que no Rio de Janeiro, a FAMERJ (Federação das Associações de
Mutuários do Estado do Rio de Janeiro) ajuizou dezenas de ações, com centenas de
mutuários em cada uma.
A Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro concedeu
inúmeras liminares, no sentido de que os reajustes das prestações não poderiam
superar a variação salarial dos mutuários.
O Governo, então, editou o decreto-lei nº 2.164, de 19/09/84, criando o Plano de
Equivalência Salarial por Categoria Profissional – PES/CP, sendo que os mutuários
30
com contratos de financiamento já pactuados teriam a oportunidade de optar pelo novo
plano, que previa que os reajustes das prestações obedeceriam aos mesmos
parâmetros daqueles concedidos aos salários dos mutuários, não mais se aplicando a
UPC.
Consoante definição inserta no caderno Morar Bem do Jornal O Globo do dia 11
de agosto de 2002, o PES/CP consiste em uma forma de reajuste das prestações que
deve seguir a periodicidade e os índices do reajuste concedido à categoria profissional
do mutuário. No caso de autônomos e profissionais liberais, o reajuste deverá seguir os
índices de variação do salário mínimo.
A partir daí houve a edição de inúmeras leis, que ao seu turno traziam novos
planos de financiamento, que sempre teriam como regra básica o reajuste em
conformidade com a variação salarial do mutuário.
Podemos citar as seguintes leis adiante transcritas: leis 8.004/90, 8.100/90,
8.177/91 e 8.692/93, sendo que esta última criou o Plano de Comprometimento de
Renda (PCR), que previa reajustes pelo mesmo índice, que atualiza o saldo devedor,
respeitando, no entanto, certo percentual da renda do mutuário (geralmente em torno
de 30%).
No PCR, o reajuste da prestação é limitado a um percentual de
comprometimento de renda do mutuário, que não poderá ser superior a 30% de seus
ganhos, consoante definição publicada no caderno Morar Bem do Jornal O Globo do
dia 11 de agosto de 2002.
31
Foram, então, criados diversos sistemas de amortização dentre os quais
destacamos os seguintes: o SFA (Sistema Francês de Amortização) ou TB (Tabela
Price), SAC (Sistema de Amortização Constante), SAM (Sistema de Amortização
Misto), SIMC (Sistema Misto de Amortização com Prestações Reais Crescentes),
SACRE (Sistema de Amortização Crescente) e SG (Série em Gradiente).
Inicialmente, iremos tratar da tabela Price, cujas principais características
seguem a seguir transcritas: “prestações constantes; valor de juros decrescentes e
amortizações crescentes ao longo da operação; pagamentos periódicos e sucessivos”. 5
A denominação tabela Price, segundo o Professor Mário Geraldo Pereira “se
deve ao nome do matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no
século XVIII e que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de
empréstimos (ou financiamentos)”.6
Consoante a lição de Paulo Luiz Durigan, a Tabela Price consiste “numa série
uniforme de recuperação de capital para pagamento em encargos, sendo este de
parcelas de amortização e juros, as quais devem variar em sentido inverso ao longo de
n períodos. Isto é: enquanto a quantia representativa das amortizações cresce, a de
juros tem de decrescer”.7
O referido autor afirma que a sistemática de Richard Price reside no fato da
prestação (de amortização e juros) já calculada e invariável, liquidar o empréstimo ao
término de um n número de pagamentos.
5 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. SFH – Sistema financeiro da habitação – Questões controvertidas. 6 Matemática financeira. 5. ed. São Paulo : Atlas, 1995, p. 220. 7 DURIGAN, Paulo Luiz. Richard Price a casa própria, texto extraído do site www.apriori.com.br/artigos.
32
O aludido sistema de amortização tem como principal finalidade tornar possível a
liquidação do financiamento ao término do prazo pactuado, através do aumento das
amortizações, o que acarretaria na redução do saldo devedor e, conseqüentemente dos
juros mensais.
Trataremos, agora, do SAC (Sistema de Amortizações Constantes), que ao
contrário da Tabela Price, apresenta-se mais realista quanto a financiamentos a longo
prazo, justamente pelo fato da amortização permanecer constante, o que resulta em
encargos inicialmente maiores. Por outro lado, o SAM (Sistema de Amortização Misto)
consiste num híbrido entre o SAC e a tabela Price.
Segundo a conceituação apresentada no caderno Morar Bem do Jornal o Globo
do dia 11 de agosto de 2002, o SACRE assemelha-se em quase tudo ao SAC,
possuindo como principal diferença o fato da Taxa Referencial de Juros – TR entrar nos
cálculos posteriormente, fazendo com que a amortização seja não constante, mas
variável.
Outro sistema de amortização que merece menção é a Série em Gradiente, que
consistiria na redução da prestação inicial do financiamento em até 50%. Destinava-se
aos mutuários que não tivessem condições de comprovar o percentual de renda exigido
para a concessão de financiamento.
Ocorre, que a diferença inicial é recuperada progressivamente a partir da 2ª
prestação do financiamento, não respeitando, outrossim, a variação salarial concedida
à categoria profissional ao qual pertença o mutuário, a fim de possibilitar ao final do
prazo de financiamento a integralização do capital emprestado.
33
Cumpre também mencionar o decreto-lei nº 2.291, de 21/11/1986, que extinguiu
o BNH e transferiu ao Conselho Monetário Nacional grande parte das atribuições
normativas do mesmo.
Por fim, mais recentemente através da edição da medida provisória nº 2075-
37/2001, o Governo deu mais autonomia aos agentes financeiros, autorizando-os a
financiar a aquisição de imóveis com recursos provenientes do SFH,
independentemente dos critérios previstos na lei nº 8.692/93. Alterou-se, assim, a taxa
de juros, limitando-a ao máximo de 12% ao ano.
2.1 O FCVS e a Quitação do Saldo Devedor Residual
O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS foi criado pela
Resolução do Conselho (BNH) nº 25/67, sendo que a sua normatização e controle
ficaram a cargo da Caixa Econômica Federal – CEF (Decreto-lei nº 2.291, de
21/11/1986), do Banco Central do Brasil (Resolução do Conselho Monetário Nacional nº
1.277, de 20/03/1987), do Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente
(Decreto-lei nº 2.406, de 05/01/1988) e do Ministério da Fazenda (Lei nº 7.739, de
16/03/1989).
O fundo foi constituído em 16/06/1967 com capital de NCR$ 10.000,000 (dez
milhões de cruzeiros novos), conforme dispõe o item nove da Resolução de Conselho
(BNH) nº 25/67.
Posteriormente, o referido fundo passou a perceber:
34
• Contribuições mensais dos mutuários estipulada em 3% da prestação de
amortização e juros para os contratos firmados após 01/11/1984 no PES – Plano de
Equivalência Salarial;
• Contribuições trimestrais dos agentes financeiros, correspondentes, em cada
trimestre, a 0,025% sobre o saldo dos financiamentos imobiliários concedidos no âmbito
do SFH, existente no último dia de cada trimestre civil.
Existiam, ainda, outras fontes arrecadadoras de recursos para o FCVS como, por
exemplo: as de mutuários optantes do antigo Plano A, dos agentes financeiros nos
casos de sub-rogação de dívida entre 07/06/1984 e 31/03/1987, os retornos de
aplicações e receitas do FUNDHAB, parcela a maior correspondente ao comportamento
da relação entre as indenizações pagas e os prêmios arrecadados nas operações
pertinentes ao SFH, e, eventualmente, dotação orçamentária da União.
Segundo o magistério de André Luiz Mendonça da Silva, a finalidade do FCVS é
a seguinte, in verbis:
Suprir aquelas diferenças apuradas ao final do contrato ou, em outras palavras restou erigido com o propósito de abater aquela parte que o mutuário não chegou a pagar por ter atingido o número de cotas a cujo pagamento se obrigara e ainda existir resíduo originário do saldo devedor.8
O Banco Central do Brasil – BACEN em página disponível na internet também
apresentou o objetivo do FCVS a seguir descrito:
8 SILVA, André Luiz Mendonça da. Questões do sistema financeiro da habitação. 2. ed. Curitiba : Juruá, 2001, p. 120.
35
Esse fundo foi criado para pagar o saldo devedor residual dos contratos de financiamento em que a obrigação do devedor era apenas a de pagar o número total de prestações. Os contratos assinados após 1993 deixaram de ter esse tipo de cobertura.9
2.2 A Obrigatoriedade do Seguro Habitacional
O seguro habitacional, previsto no art. 14 da lei nº 4.380/64, está regulamentado
pela Circular nº 8, de 18/04/1995, da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP,
consistindo o mesmo numa única apólice, para todos os financiamentos concedidos no
âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, estipulada pelo extinto BNH e que é
averbada no próprio contrato de financiamento, automaticamente, por ocasião da sua
concessão.
O encargo do seguro é um dos fatores componentes da prestação paga pelo
mutuário do SFH. O agente financeiro atua como intermediário, pois o pagamento
mensal do prêmio de seguro deve-se à obrigatoriedade dos seguros estipulados para
os financiamentos do SFH.
2.3 O Coeficiente de Equiparação Salarial
Em 11/11/1969, foi editada a Resolução nº 36 do Conselho de Administração do
BNH, instituindo o então denominado PES, adotando o salário-mínimo como fator de
correção monetária, balizado, porém, por um coeficiente de equiparação salarial – CES,
o qual, lançado a primeira prestação, estabelecia uma relação de proporcionalidade
para com a época da assinatura do contrato, eliminando o impacto da incidência do
índice acumulado de doze meses.
9 Trecho extraído do site www.bcb.gov.br.
36
Com a edição da lei nº 6.205, de 29/04/1975, que descaracterizou o salário
mínimo como fator de indexação para quaisquer fins de direito, o BNH viu-se obrigado a
editar a Resolução de Conselho nº 01/77, cujo teor segue adiante transcrito:
1 – O reajustamento das prestações dos financiamentos concedidos com recursos do Sistema Financeiro da Habitação será realizado segundo o Plano de Equivalência Salarial (PES) ou o Plano de Correção Monetária (PCM), na forma do disposto nesta Resolução. 2.1 – O valor inicial da prestação, no PES, será obtido multiplicando-se o total das parcelas de amortização, juros, taxas e prêmios de seguro pelo Coeficiente de Equiparação Salarial. 2.1.1 – O Coeficiente de Equiparação Salarial, para os contratos assinados a partir de 1º de julho de 1977 será fixado, anualmente, pela diretoria do BNH.
Com isso, a sistemática do PES implantada pela Resolução de Conselho nº
36/69 foi alterada, na parte que regulava a aplicação do CES à prestação inicial dos
mútuos: o CES, que antes era variável, passou a ser fixo e válido por um ano. De outra
parte, substituiu-se o índice de correção pelo salário mínimo, que era anual e único
para todos os contratos, pela variação da UPC trimestral, tornando diferenciados os
índices de correção, conforme a data de assinatura dos contratos.
Com a edição da Lei nº 6.423, de 17/06/1977, a ORTN passou a ser o único fator
de correção monetária para todo e qualquer negócio jurídico.
A Resolução de Conselho (BNH) nº 10/77, de 24/06/1977, atualizando a
regulamentação dos planos de reajustamento do SFH, dispôs:
1 – Os financiamentos concedidos na forma dos Planos de Correção Monetária (PCM) e de Equivalência Salarial (PES), assinados a partir de 1º de julho de 1977, observarão os princípios básicos constantes desta Resolução. 2 – A prestação de amortização e juros, na data do contrato, será o resultado do produto do valor do financiamento pela soma do inverso do número de
37
meses fixado para a amortização do financiamento com a taxa contratual de juros por período. 2.1 – No PES, a prestação considerada será multiplicada pelo Coeficiente de Equiparação Salarial em vigor na data da assinatura do contrato de financiamento.
12 – O Coeficiente de Equiparação Salarial, para os contratos do PES firmados a partir de 1º julho de 1977, aplicável a todas as épocas de reajustamento será 1,15.
Com a criação de um novo sistema de amortização de prestações (progressão
aritmética), através da Resolução de Diretoria (BNH) nº 15/79, algumas modificações
foram introduzidas, porém PES continuou significando apenas a sistemática da
aplicação do CES a primeira prestação.
Continuando, no tocante ao CES, a Resolução do BNH nº 04/79, de 30/07/1979,
assim dispôs:
1 – O Coeficiente de Equiparação Salarial – CES, bem como a contribuição para o Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, previstos na Resolução de Diretoria nº 15/79, aplicáveis aos financiamentos concedidos a mutuários finais no Plano de Equivalência Salarial - PES, vigorarão, a partir de 1º de agosto de 1979, na forma abaixo: A – para valores unitários de financiamentos iguais ou inferiores a 500 UPC (quinhentas Unidades-Padrão de Capital do BNH): CES = 1,11 (um inteiro e onze centésimos); Contribuição ao FCVS = 0,35% (trinta e cinco centésimos por cento do valor do financiamento); B – para valores unitários de financiamentos superiores a 500 UPC (quinhentas Unidades-Padrão de Capital do BNH) e iguais ou inferiores a 1.800 UPC (mil e oitocentas Unidades-Padrão de Capital do BNH): CES = 1,13 (um inteiro e treze centésimos); Contribuição ao FCVS = 0,35% (trinta e cinco centésimos por cento) do valor do financiamento;
38
C – para valores unitários de financiamentos a 1.800 UPC (mil e oitocentas Unidades-Padrão de Capital do BNH): CES = 1,15 (um inteiro e quinze centésimos); Contribuição ao FCVS = 0,3% (três décimos por cento) do valor do financiamento.
Mais tarde, a Diretoria do Banco Nacional da Habitação, com a Resolução nº
158, de 08/07/1982 definiu:
1 – O Coeficiente de Equiparação Salarial – CES, previsto na Resolução BNH nº 151/82, aplicável aos financiamentos concedidos a mutuários finais no PES, passará a vigorar com os seguintes valores: A – para os contratos que prevejam o reajustamento das prestações com periodicidade semestral: CES = 1,10 B – para os contratos que prevejam o reajustamento das prestações com periodicidade anual: CES = 1,25
O CES, portanto, é um encargo incidente sobre as prestações dos mutuários do
SFH, criado e regulamentado por normas do BNH, ainda em vigor, com fundamento no
art. 17, I, da lei 4.380/64.
39
III A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL
A execução extrajudicial promovida no âmbito do SFH rege-se pelo decreto-lei nº
70, de 21 de novembro de 1966, no qual estabeleceu-se que a aludida execução seria
realizada, não pelos próprios agentes financeiros, mas por agentes fiduciários, que por
serem estranhos à relação contratual, garantiriam a imparcialidade no regular
processamento da mesma.
O referido diploma legal foi normatizado pela RD (Resolução de Diretoria) nº 8/70
do extinto BNH.
Poderão atuar como agentes fiduciários, a fim de que promovam a execução
extrajudicial, as instituições financeiras mencionadas no art. 30, I e II do decreto-lei nº
70 de 21/11/1966 e no art. 4º da RD nº 8/70, abaixo transcrito:
Art. 4º - Poderão atuar como Agentes Fiduciários, em nome do Banco Nacional da Habitação, as instituições financeiras por ele escolhidas entre as credenciadas para o exercício da função pelo Banco Central do Brasil.
§ 1º - O credenciamento será feito mediante requerimento da instituição interessada. Poderão obter esse credenciamento, além do Instituto de Resseguros do Brasil: a) As Caixas Econômicas; b) As Sociedades de Crédito Imobiliário; c) As Associações de Poupança e Empréstimo; d) As Sociedades de Crédito e Financiamento; e) Os Bancos Comerciais; f) Os Bancos Privados de Investimentos ou Desenvolvimento; e g) Os Bancos Oficiais.
40
§ 2º - Os Agentes Fiduciários não poderão ter ou manter vínculos societários com os credores das hipotecas cuja execução lhes for atribuída.
Cumpre salientar que a escolha do agente fiduciário deve se consentida por
ambas as partes contratantes, o que normalmente não ocorre, em virtude do contrato
de mútuo com pacto adjeto de hipoteca ser um contrato padrão utilizado pelas
instituições credenciadas pelo BNH, para concessão de financiamentos relativos à
aquisição da casa própria, sendo, portanto um contrato de adesão onde normalmente
não se permite a discussão de cláusulas contratuais.
Normalmente, nos contratos acima referidos, a cláusula contratual relativa à
eleição do agente fiduciário é meramente permissiva, ou seja, permite a escolha de
qualquer uma das instituições credenciadas pelo Banco Central do Brasil.
Caso o mutuário encontre-se inadimplente para com o pagamento de três ou
mais prestações referentes à aquisição da casa própria, o agente financeiro que optar
pelo aludido diploma legal, formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução
da dívida, instruindo-a com o rol de documentos elencados pelo art. 31 in verbis:
I- o título da dívida devidamente registrado; II- a indicação discriminada do valor das prestações e encargos não pagos; III- o demonstrativo do saldo devedor, discriminando as parcelas relativas a principal, juros, multa e outros encargos contratuais e legais; IV- cópia dos avisos reclamando pagamento da dívida, expedidos segundo instruções regulamentares relativas ao SFH.
Após o recebimento e autuação da solicitação de execução da dívida – SED, que
funcionará como peça inicial do processo administrativo, nos 10 (dez) dias
subseqüentes o agente fiduciário notificará o devedor por intermédio do Cartório de
Títulos e Documentos, para que tome ciência do procedimento de execução
41
extrajudicial. Concederá, ainda, ao devedor o prazo de 20 (vinte) dias para purgar o
débito, consoante dispõe o art. 31, § 1º do decreto-lei nº 70/66 e art. 13 da RD nº 8/70.
O parágrafo único da RD nº 8/70 acrescenta que a notificação será feita em
nome do devedor, mas que também mencionará, quando for o caso o nome do
cônjuge, não importando o regime de casamento.
Caso o devedor se encontre em lugar incerto ou não sabido, o oficial do Cartório
de Títulos e Documentos certificará o fato, para que, então, o agente fiduciário promova
a sua notificação por intermédio de edital, que deverá ser publicado por 3 (três) dias,
pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local, ou noutro de comarca de fácil
acesso, se no local não houver imprensa diária, conforme exigência inserta no art. 31, §
2º do decreto-lei nº 70/66 e art. 15 da RD nº 8/70.
Tendo o devedor quedado-se inerte, no que tange à purgação do débito, o
agente fiduciário estará autorizado a publicar editais e a efetuar, no decurso dos 15
(quinze) dias imediatos, o primeiro público leilão do imóvel hipotecado, conforme prevê
o art. 32 do decreto-lei nº 70/66.
O bem imóvel adquirido no âmbito do SFH não será arrematado no primeiro
público leilão, na hipótese do maior lance obtido ter sido inferior ao saldo devedor no
momento, acrescido das despesas constantes do art. 33 mais as do anúncio e
contratação da praça.
Neste caso, se realizará o segundo público leilão, nos 15 (quinze) dias seguintes,
no qual será aceito o maior lance apurado, ainda que inferior à soma das aludidas
quantias.
42
Caso o maior lance do segundo público leilão seja inferior àquela soma, serão
pagas inicialmente as despesas componentes da mesma soma, e a diferença entregue
ao credor, que poderá cobrar do devedor, por via executiva o valor remanescente de
seu crédito, sem nenhum direito de retenção ou indenização sobre o imóvel alienado,
nos exatos termos do § 2º do art. 32 do decreto-lei nº 70/66 e art. 36 da RD nº 8/70.
Assim, tendo sido efetivada a alienação do imóvel, nos termos do art. 32, será
emitida a competente carta de arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo
agente fiduciário, e por cinco pessoas físicas idôneas.
Cabe, ainda frisar, que o aludido documento servirá como título hábil para a
transcrição no competente Registro Geral de Imóveis - RGI, à luz do que dispõe o art.
37 do decreto-lei nº 70/66 e art. 46 da RD nº 8/70.
Consoante dispõe o § 2º do art. 37 do decreto-lei nº 70/66, registrada a carta de
arrematação no competente RGI, o adquirente poderá requerer a imissão da posse no
imóvel que lhe será concedida liminarmente, após o decurso das 48 (quarenta e oito)
horas mencionadas no § 3º deste artigo, sem prejuízo de se prosseguir no feito, em rito
ordinário, para o debate das alegações que o devedor porventura aduzir em
contestação.
No ínterim entre a transcrição da carta de arrematação no RGI e a efetiva
imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em público leilão, o juiz arbitrará
uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar
o investimento realizado na aquisição, cobrável via ação executiva, por força do
comando legal constante do art. 38 do decreto-lei nº 70/66.
43
3.1 Da Discussão Doutrinária
A execução extrajudicial dos imóveis adquiridos via financiamento, no âmbito do
SFH, tem suscitado calorosos debates entre os doutrinadores, por se tratar de
instrumento em que a alienação de bem imóvel transcorre com extrema rapidez.
Ademais, o aludido procedimento de execução extrajudicial transcorre fora do
seio do Poder Judiciário, o que na opinião de alguns transgrediria o disposto no art. 5º,
XXXV, da Carta Magna de 1988.
Com o passar do tempo formaram-se duas grandes correntes doutrinárias a
respeito do tema, que com a promulgação da Carta Política de 1988, tornou os debates
sobre o mesmo ainda mais fervorosos.
A corrente doutrinária que considera o decreto-lei nº 70/66 compatível com a
Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB de 1988, defende a tese de que
o mesmo prevê uma fase de controle judicial, ainda que a posteriori, além de não
impedir que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento de execução
extrajudicial seja reprimida, desde já, pelos meios processuais adequados.
Segundo Orlando Gomes, afigura-se como constitucional o decreto-lei nº 70/66
pelas seguintes razões:
a) não impede, nem proíbe, o acesso à via judicial; b) se há lesão de direito no caso, quem sofre é o credor por efeito do inadimplemento do devedor; e é a ele, credor, que a lei faculta a escolha da via extrajudicial; c) ao devedor não é defeso buscar a via judicial em qualquer fase da execução extrajudicial; não estando excluída, por conseguinte, a apreciação pelo Poder Judiciário;
44
d) há exemplos na legislação nacional de execução ou cobrança por via extrajudicial (no penhor, na alienação fiduciária em garantia, na falência), sem que jamais houvesse sido argüida a inconstitucionalidade das disposições que as autorizam; e) a própria lei, decreto-lei nº 70/66, de 1966, prevê o controle jurisdicional (art. 37) ainda que “a posteriori”, exigindo carta de arrematação na venda por leiloeiro que, transcrita no registro de imóveis, possibilita ao adquirente imitir-se na posse do bem; f) por último, responsabiliza o agente fiduciário que, mediante comprovada má-fé, aliena imóvel hipotecado pela via extrajudicial.
As decisões emanadas dos tribunais superiores têm reconhecido a
constitucionalidade do decreto-lei 70/66 sob vários argumentos, dentre eles
destacando-se os seguintes:
a) não há limitação ou redução do campo de defesa do devedor, ao qual está assegurado o direito de propor as ações cabíveis (consignatória, prestação de contas ou qualquer outra) sempre que entender lesado seu direito; b) só não haveria o controle judicial se o próprio texto da lei assim dispusesse; c) o decreto-lei 70/66 possibilita a purgação da mora a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, sem prejuízo de recurso ao Judiciário; d) o decreto-lei 70/66 impõe severa sanção ao agente fiduciário que não agir legalmente; e) o devedor, antes do início da execução, quando tiver fundada razão para pôr em dúvida a imparcialidade ou a idoneidade do agente fiduciário eleito no contrato, poderá pedir em juízo sua destituição (DL 70/66, arts. 31 e 41, § 1º).10
Há vários acórdãos que têm adotado essa linha de raciocínio:
PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL (PES) – CONSTITUCIONALIDADE DO DL 70/66. Restou demonstrado que os autores só recorreram às vias judiciais após haver iniciado o processo de execução extrajudicial.
10 CHALHUB, Melhim Namen. Propriedade imobiliária – Função social e outros aspectos. Rio de Janeiro : Renovar, 2000, p. 250.
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É válido o processo de execução extrajudicial contra mutuários da Caixa Econômica Federal, por inadimplência no pagamento das prestações referentes a financiamento de imóvel, desde que obedecidos os requisitos do Decreto-Lei nº 70/66. Pacífico entendimento dos Tribunais quanto à constitucionalidade do DL 70/66. Honorários de advogado fixados em 10% sobre o valor da causa devidamente corrigido. Decisão unânime que nega provimento ao recurso dos autores e dá provimento ao recurso da Caixa Econômica Federal.11 ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO-LEI N.º 70/66 – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. Inadimplemento do devedor hipotecário junto ao agente financeiro, constituído em mora regularmente. Inocorrência de violação a direito, vez que obedecido o procedimento legal estabelecido na lei específica, que culminou com a expropriação forçada do imóvel. Legítima, portanto, a execução extrajudicial. Apelação improvida. Sentença confirmada. 12
O Supremo Tribunal Federal – STF já se pronunciou a respeito de tal questão em
Recurso Extraordinário, cuja ementa segue abaixo transcrita:
EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI N.º 70/66. CONSTITUCIONALIDADE. Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados. Recurso conhecido e provido. 13
11 Tribunal: TRF – 2ª Região – AC. 90.02.13363-4/RJ – 3ª Turma – Rel.: Desemb. Federal Celso Passos – DO 19.08.93. 12 Tribunal: TRF – 2ª Região – AC. 90.02.18479-4/RJ – 1ª Turma – Rel.: Desemb. Federal Frederico Gueiros – DO 14.09.93. 13 Tribunal: STF – Decisão: 23.06.98 - Recurso Extraordinário 223.075-1 – 1ª Turma – Rel.: Min. Ilmar Galvão – DJ 06.11.98.
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O Ministro Relator Ilmar Galvão em seu voto exauriu o tema ao concluir que o
decreto-lei nº 70/66 não viola a Carta Magna de 1988, tampouco os princípios do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa, disciplinados no art. 5º, incisos LIV
e LV, respectivamente da norma constitucional.
Por outro lado, a corrente doutrinária que considera o decreto-lei nº 70/66
incompatível com a CRFB/88, por não prever as garantias constitucionais dispostas nos
incisos XXXV, XXXVII, LIV e LV, da Carta Política de 1988, defende a tese de que o
aludido diploma legal é inconstitucional, em função de ofender a nova ordem
constitucional pelas razões acima tratadas.
A professora Ada Pelegrini Grinover expôs com brilhantismo o seu
posicionamento a respeito da execução extrajudicial, prevista no decreto-lei nº 70/66 e
na lei nº 5.741/71, in verbis:
Referidos diplomas legais permitem que a execução das operações ligadas aos mútuos para aquisição de casa própria se faça mediante procedimento administrativo sumário, instaurado por simples solicitação do credor ao agente fiduciário, sem possibilidade de defesa, sem contraditório, sem fase de conhecimento, ainda que incidental (...) o agente fiduciário pode ser o próprio credor (...) Nessa hipótese, concentram-se nas mãos da mesma entidade a legitimação para a execução e a competência legal para os atos executivos (...) o controle jurisdicional é insuficiente porquanto a lide se circunscreve tão só à verificação do preenchimento das formalidades legais, ficando a matéria restrita ao âmbito angusto da discussão sobre a posse (...) A verdade é que a malsinada execução extrajudicial consagra uma forma de autotutela, repudiada pelo Estado de direito (...) infringe o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação judiciária e fere os institutos da unidade da jurisdição e da atribuição da função jurisdicional ao juiz constitucional; além de violar os postulados que garantem o direito de defesa, o contraditório, a produção das próprias razões, sem os quais não pode caracterizar-se o devido processo legal.14
14 CHALHUB, Melhim Namen. Propriedade imobiliária – Função social e outros aspectos. Rio de Janeiro : Renovar, 2000, p. 245.
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Arnaldo Rizzardo, corroborando o posicionamento acima citado, também teceu
as seguintes considerações acerca do decreto-lei nº 70/66, abaixo transcritas:
É óbvio que o processo de execução extrajudicial não permite oportunidade para o exercício da defesa. O decreto-lei 70/66 não permite à parte defender-se, nem mostrar o valor da dívida, discutindo-o, e, com isto, obter uma decisão sobre o real montante devido. Não oferece condições para o exame do critério utilizado no cálculo da dívida, ou do reajuste das prestações. Enfim, constitui uma forma nítida de primitivismo na distribuição da justiça, onde se tolhe um dos direitos mais primários, que é de defender-se, o que leva a se derrogar uma longa tradição do direito processual civil. Sujeita-se o devedor, vingando a plena validade do citado diploma, a ter seu patrimônio dilapidado em vendas extrajudiciais adredemente dirigidas para favorecer o arrematante ou o adjudicante. E em vista da vigente Carta, é induvidosa a inconstitucionalidade, eis que, em face do art. 5º, LIV, ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’. José Cretella Júnior fez o seguinte comentário: ‘A expressão ‘devido processo legal’ é versão ad litteram da expressão inglesa due process of law, cuja tradução correta e correspondente em nossa língua poderá ser ‘adequado processo jurídico’... ‘Devido processo legal’ é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o tipo de prova – prova que entenda seu advogado deva produzir, em juízo. Sem processo e sem sentenças, ou prolatada por juiz incompetente, ninguém será privado da ‘liberdade ou de seus bens’.15
Cumpre, assim, mencionar alguns dos inúmeros julgados, que decidiram pela inconstitucionalidade do referido diploma legal, in verbis:
Execução extrajudicial. Procedimento previsto nos arts. 30, parte final, e 31 a 38 do decreto-lei 70/66. Inconstitucionalidade. Afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, bem como ao monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário. Ementa da Redação: É inconstitucional o procedimento de execução extrajudicial previsto nos arts. 30, parte final, e 31 a 38 do decreto-lei 70/66, pois afronta os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
15 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1994, p. 172-173.
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processo legal, bem como o monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário, não se tolerando, portanto, que os agentes financeiros façam as vezes de juízes.16 Argüição de inconstitucionalidade. A execução especial prevista no decreto-lei 70/66 é processo submetido assim às normas constitucionais de natureza processual. Constituindo execução privada, realizada fora do Poder Judiciário, sem segurança de contraditório e ampla defesa, dita execução é incompatível com as garantias postas nos incisos XXXV, LIV e LV da Constituição do Brasil de 1988. Incidente acolhido.17
16 Tribunal: TACSP – Decisão: 08.11.99 – Ag. Inst. 897.572-2 – 11ª Câmara – Rel.: Juiz Silveira Paulilo. 17 Julgados, v. 76, p. 83, dez./90.
49
IV OS CONTRATOS DE GAVETA
Os contratos de gaveta consistem basicamente na transferência da posse dos
imóveis adquiridos no âmbito do SFH a terceiros, sem a anuência dos agentes
financeiros, por intermédio de contrato registrado no Cartório de Títulos e Documentos.
No corpo da aludida avença contratual, estabelece-se que o cessionário da
posse se compromete a pagar o restante das prestações em nome do mutuário
originário, que após o término do prazo convencionado para o financiamento promoverá
a inscrição do nome do cessionário no competente Registro Geral de Imóveis – RGI.
Os contratos de gaveta, segundo trecho contido na obra de André Luiz
Mendonça da Silva são:
Os instrumentos através dos quais o mutuário mediante contrato de compra e venda, aliena a um terceiro o imóvel financiado, recebendo um determinado valor por tal operação, assumindo a partir daí o promitente comprador a obrigação de pagar o encargo mensal perante o agente financeiro.18
A proliferação dos contratos de gaveta, também conhecidos como contratos de
venda das chaves, que se estenderam por todo o Brasil, ocorreu em função dos
“gaveteiros” quererem fugir de novos financiamentos ou mesmo de refinanciamentos,
18 SILVA, André Luiz Mendonça da. Questões do sistema financeiro da habitação. 2. ed. Curitiba : Juruá, 2001, p. 129.
50
cujos prazos para o resgate das dívidas seriam dilatados com a desconsideração dos
períodos em que os mutuários originários tivessem pago as prestações mensais.
Assim, caso viesse a se contrair novo financiamento, a dívida seria aumentada e,
conseqüentemente, o valor da nova prestação, já se incluindo os encargos que a
compõe. O novo contrato também não contemplaria os benefícios insertos no primeiro,
haja vista a inclusão de cláusulas prejudiciais ao novo adquirente.
No decorrer dos anos, tal situação chegou ao seio do Poder Judiciário com o
objetivo de alcançar por sentença a transferência do financiamento para o novo
adquirente sem alterar quaisquer das cláusulas contratuais originais. Até o advento da
Lei 8.004/90, tal transferência era permitida para todos os contratos do SFH, sem
quaisquer discriminações ou alterações no contrato original. Ou seja, com a simples
substituição do devedor. Com a Lei 8.004/90, embora possibilitasse a transferência do
financiamento, foram criadas diversas discriminações, não sendo mais permitida a
transferência de todos os contratos do sistema.
Assim, a lei impôs a interveniência obrigatória da instituição financiadora no ato
da transferência, a sua permissão exclusivamente para o financiamento, cujo valor
original não ultrapassasse no máximo 1.500 VRF (valor de referência de
financiamento), e a proibição de tal transferência para os contratos firmados após
28.02.86.
Os arts. 2º e 3º do aludido diploma legal contemplam as discriminações
referendadas, fazendo-se, assim, necessária a sua transcrição:
Art. 2º. A transferência dar-se-á mediante simples substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário as mesmas condições e encargos do contrato
51
original, desde que se trate de financiamento destinado à casa própria, cujo valor original não ultrapasse os seguintes limites: I – contratos firmados até 31.12.79: 750 (setecentos e cinqüenta) Valores de Referência de Financiamento – VRF (art. 4º); II – contratos firmados de 01.01.80 a 31.12.84: 1.100 (mil e cem) VRF; III – contratos firmados de 01.01.85 até a data de vigência desta Lei: 1.500 (mil e quinhentos) VRF. Art. 3º. Nos financiamentos contratados até 28.02.86, não enquadrados nas condições fixadas no artigo anterior, a transferência será efetivada mediante a assunção, pelo novo mutuário, da metade do saldo devedor contábil da operação, atualização pro rata die da data do último reajuste até a data da transferência.
Mendonça da Silva é árduo defensor da tese, de que a transferência deve ser
permitida para todos os contratos do SFH, independentemente do valor originalmente
financiado e da data de firmatura da avença.
Nesse mesmo contexto, insere-se artigo da autoria de Francisco Carlos Duarte e
Andreza Cristina Stonoga, cujo desfecho segue abaixo transcrito:
A locução ‘contrato de gaveta’ é uma expressão pública e notória utilizada, inclusive pela própria CEF, que, de volta em volta, seguramente para obter ingressos extras, faz chamamentos através dos meios de comunicação aos mutuários que possuem ‘contratos de gaveta’ para regularizá-los. O comprador do imóvel financiado, no entanto, evita regularizar o contrato por causa do custo envolvido. Cabe, por último, lembrar que a própria jurisprudência tem consolidado o entendimento, na esteira da nova visão científica do processo, de que este não deve ser utilizado como obstáculo à realização da Justiça, devendo, portanto, ser abrandado o formalismo excessivo. E a legitimidade do titular de ‘contrato de gaveta’ deve ser considerada da perspectiva de quem vai ser afetado materialmente pela decisão. Enfim, o reconhecimento judicial da prática social desta espécie de contrato ora tratado é uma exigência de justiça social e da nova política judiciária comprometida com o processo de democratização da administração da justiça e da sociedade, não podendo ser ignorada pelo Direito, nem por seus operadores.19
19 Boletim informativo Juruá, nº 270, p. 10-11.
52
Quanto à questão da limitação ao direito de propriedade, cumpre-se salientar,
que os grandes doutrinadores já se posicionaram a respeito de tal aspecto, tendo
considerado como inconstitucional a interveniência dos agentes financeiros na forma de
dispor da propriedade pelo mutuário, o que constituiria verdadeiro óbice ao direito de
propriedade constitucionalmente garantido.
Mendonça da Silva ensina que, presente o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido, dele emergente, deve ser protegido, eis que nenhuma lei, portaria ou
resolução posteriores têm o condão de atingi-lo. Logo, qualquer dispositivo legal ou
normativo do Sistema que veio a lume após a data de assinatura do contrato de
financiamento, proibindo a transferência do financiamento, não pode atingi-lo para o fim
de impor a necessidade de um refinanciamento. É que o direito adquirido do mutuário
alienante se transmite ao adquirente do imóvel financiado e hipotecado. E tal ato deve
ser respeitado pelo credor, ainda que não tenha anuído expressamente quando do ato
de transmissão onerosa inter vivos.
Embora a lei nº 8.004/90 não permita mais a transferência de financiamentos
habitacionais, não pode o aludido diploma legal atingir os contratos firmados
anteriormente que, por serem anteriores à vigência da lei, caracterizam o ato jurídico
perfeito, emanando do mesmo o direito adquirido.
Marchesini Júnior discorre com propriedade sobre a hipoteca instituída nos
contratos de financiamento no âmbito do SFH, cujo conceito segue abaixo transcrito:
53
A hipoteca, portanto, assegura o cumprimento da obrigação, limitando o direito de propriedade, sem, contudo retirar o domínio e a posse do devedor sobre a coisa dada em garantia. 20
O citado autor também se mostra amplamente favorável ao entendimento, de
que o fato do imóvel estar gravado por hipoteca, não impede que o mutuário utilizando
o direito de dispor da coisa venha a aliená-la, ainda que o credor não tenha anuído,
haja vista a permanência do direito de seqüela.
Cabe tecer breves considerações sobre o direito de seqüela, que consiste em
atributo ou qualidade inerente a determinados direitos, notadamente os reais, em
virtude do qual se permite a seu titular seguir a coisa, aonde quer que ela vá, a fim de
que se possa fazer valer o direito correspondente sobre a referida coisa.
Os contratos de financiamento de imóveis no âmbito do SFH admitem a cessão
com sub-rogação de ônus real e seguro, haja vista que o art. 69 da lei nº 4.380/64 já
dispunha nesse sentido, in verbis:
Art. 69. O contrato de promessa de cessão de direitos relativos a imóveis não loteados, sem cláusula de arrependimento e com imissão de posse, uma vez inscrita no Registro Geral de Imóveis, atribui ao promitente cessionário direito real oponível a terceiro e confere direito a obtenção compulsória da escritura definitiva de cessão, aplicando-se, neste caso, no que couber, o disposto no artigo 16 do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, e no artigo 346 do Código de Processo Civil.
Consoante os ensinamentos do mestre Silvio Rodrigues “a sub-rogação é aquela
operação pela qual a dívida se transfere ao terceiro que a pagou, com todos os
acessórios e garantias que a guarneciam”.21
20 JÚNIOR, Waterloo Marchesini. A propriedade, o mútuo e a hipoteca no sistema financeiro da habitação. Curitiba : Juruá, 1992, p. 35.
54
Ainda no que tange à questão da admissibilidade da cessão de direitos com sub-
rogação de ônus real e seguro, cumpre transcrever novo trecho da obra de Marchesini
Júnior, que trata do assunto com propriedade:
O proprietário, portanto, pode ceder direitos e obrigações relativos aos contratos por ele firmados junto ao Sistema Financeiro da Habitação, ainda que o credor com garantia hipotecária não tenha prestado sua anuência expressa, de vez que o ônus real passa com o imóvel para o domínio do adquirente. Se houver recusa do credor em instrumentalizar a cessão, cumpre ao devedor exigi-la por ação de obrigação de fazer mediante cominação de multa. Ademais, a sub-rogação legal de ônus real, inegavelmente, é conseqüência direta da cessão de direitos e obrigações, operando-se, também, independente da vontade do credor, que tem o direito de seqüela sobre o imóvel onerado. Assim, o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação pode outorgar escritura de compra e venda ou de promessa de compra e venda de bem imóvel com sub-rogação de ônus real (hipoteca) e seguro, independentemente de anuência tácita ou expressa do credor.22
Outra questão muito discutida pela doutrina seria a da validade ou não das
cláusulas instituídas pelos agentes financeiros nos contratos de financiamento para a
aquisição da casa própria, que proíbam a alienação do bem hipotecado.
Parece-nos se tratar de cláusula potestativa, haja vista ter emanado da vontade
exclusiva de uma das partes, qual seja, do agente financeiro. Silvio Rodrigues exaure o
tema definindo como potestativa a condição, “quando a realização do fato, de que
depende a relação jurídica, se subordina à vontade de uma das partes, que pode
provocar ou impedir a sua ocorrência”.23
21 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Parte geral das obrigações. 27. ed. 2.v. São Paulo : Saraiva, 1999, p. 186. 22 JÚNIOR, Waterloo Marchesini. A propriedade, o mútuo e a hipoteca no sistema financeiro da habitação. Curitiba : Juruá, 1992, p. 39. 23 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Parte geral. 28. ed. 1.v. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 244.
55
Destarte, as cláusulas de inalienabilidade insertas nos contratos de
financiamento são proibidas, por força de lei, consoante dispõe o art. 115, do Código
Civil, abaixo transcrito:
Art. 115. São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.
Insistindo no tema, vislumbramos que as cláusulas de inalienabilidade são
aceitas no ordenamento jurídico, apenas nas hipóteses de testamentos e doações, à
luz do disposto no art. 1.676, do Código Civil.
Após a realização de pesquisa jurisprudencial, constatamos que a jurisprudência
relativa à admissibilidade da transferência dos contratos de financiamento firmados no
âmbito do SFH a terceiros ainda é vacilante, tendo em vista que os posicionamentos
adotados pelas grandes correntes doutrinárias ainda divergem entre si. Destarte o
próprio Supremo Tribunal Federal – STF ainda não se pronunciou sobre tal questão.
Os adeptos da corrente doutrinária, que entendem como legal a transferência de
tais imóveis a terceiros, defendem a tese de que os mutuários não podem enfrentar
limitações ao direito de dispor da propriedade, bem como que as cláusulas de
inalienabilidade instituídas pelos agentes financeiros afiguram-se como ilícitas. Também
afirmam não haver qualquer empecilho na alienação de tais bens, visto que sobre os
mesmos recai garantia real (hipoteca), o que garante aos credores hipotecários o direito
de seqüela, não importando, assim, com quem quer que estejam.
Nesse mesmo diapasão, inserem-se os arestos abaixo transcritos:
56
Sistema Financeiro da Habitação. Cessão ou transferência de contrato. A hipoteca em favor do agente financeiro não pode impedir a cessão do contrato. Sua finalidade é de simples garantia, vinculando o bem gravado, e acompanhando-o sempre onde quer que se encontre. Adere à coisa, sem, no entanto, trazer limitações quanto ao poder de dispor. Lei 8.004/90, que impõe o refinanciamento do saldo devedor, ao mesmo tempo em que concede um abatimento de 50% de seu montante, mas que cerceia profundamente o direito de propriedade, impedindo um dos poderes inerentes ao seu exercício a menos que o mutuário satisfaça duplamente encargos inseridos no contrato. Sentença mantida pelos próprios fundamentos.24 Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Contrato hipotecário de mútuo. Venda do imóvel para terceiro precedida de notificação. Persistência da garantia. Arts. 985, 999 e 1.035, Código Civil. Leis 4.038/64 e 8.004/90. 1. Inequívoco o conhecimento, pela instituição financeira (credora hipotecária), da transferência do imóvel para terceiro, este sub-roga-se nas obrigações e direitos estabelecidos no contrato firmado pelo originário devedor. Continuando a mesma garantia hipotecária. O conhecimento e a continuação dos pagamentos das parcelas mensais de amortização da dívida. Inexistente oposição à transferência. Equivale a concordância. 2. Precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso improvido.25
Mais recentemente, sentença proferida pelo Tribunal de Justiça – TJ do Estado
do Rio de Janeiro reconheceu a legitimidade de gaveteiro para discutir judicialmente
financiamento para a aquisição da casa própria.
A referida sentença foi proferida em ação, na qual Marlene Prado Freitas,
proprietária de um apartamento localizado em Jacarepaguá, pleiteava o direito à
renegociação da dívida, haja vista encontra-se em dificuldades para permanecer
pagando o financiamento.
A ação foi ajuizada na Justiça Federal, tendo sido distribuída à 15ª Vara Federal,
que não reconheceu o seu direito de discutir judicialmente o financiamento, por não se
24 Julgados, v.78, p. 339, jun. /91. 25 Tribunal: STJ – Decisão: 15.12.95 – REsp. 0061413/95/SP – 1ª Turma – Rel.: Min. Milton Luiz Pereira – DJ 06.05.96, p. 14.374.
57
tratar de parte integrante da relação contratual, tendo o desembargador Rogério do TJ
determinado à 15ª Vara Federal, que julgue o caso.
Assim, tal sentença poderá criar precedentes para que inúmeros gaveteiros
espalhados por todo o Brasil possam pleitear a renegociação de dívida oriunda de
contrato de financiamento.
Por outro lado, os adeptos da corrente doutrinária contrária, defendem a tese de
que a transferência do imóvel adquirido no âmbito do SFH a terceiros sem a anuência
do agente financeiro se constituiria em descumprimento de cláusula contratual.
Nessa esteira seguem as ementas abaixo transcritas:
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – TRANSFERÊNCIA DE FINANCIAMENTO – INTERVENÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO – OBRIGATORIEDADE. A interveniência do agente financeiro é obrigatória, na transferência de financiamentos, celebrados pelo Sistema Financeiro da Habitação. O cessionário de financiamento regido pelo SFH carece de legitimidade para propor ação de consignação contra o agente financiador, se este não interveio na transferência (Lei 8.004/90, art. 1º).26 Sistema Financeiro da Habitação. Contrato de mútuo. Imóvel hipotecado. Cessão de direitos. Ausência da anuência do agente financeiro. Hipótese que implica no vencimento antecipado da dívida. Voto vencido. Ementa da Redação: Por força de cláusula resolutiva expressa, a cessão de direitos relativa a contrato de mútuo hipotecário regido pelo Sistema Financeiro da Habitação sem a anuência do credor implica no vencimento antecipado da dívida, eis que o terceiro adquirente não poderá opor-se contra o agente financeiro, seja porque com ele nada contratou, seja porque quando da aquisição do bem tinha conhecimento que sobre este pendia garantia real. 27
26 Tribunal: STJ – Decisão: 16.12.97 – Resp. 43.230/RS – 1ª Turma – Rel.: Min. Humberto Gomes de Barros – DJ 23.03.98, p. 00004. 27 Revista dos Tribunais, v. 754, p. 450, ago. /98.
58
V
A INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA
HABITAÇÃO
Conforme dispõe o artigo 3º, caput do Código de Defesa do Consumidor – CDC,
abaixo transcrito, in verbis:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Já o § 1º do aludido dispositivo legal, conceitua que “produto é qualquer bem,
móvel ou imóvel, material ou imaterial”.
Por sua vez, o § 2º do artigo 3º, caput do CDC, disciplina que “serviço é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista”.
Dessa forma, os contratos celebrados para a aquisição da casa própria
encontram-se sob a égide da lei nº 8.078/90, tendo em vista que a atividade
desenvolvida pela instituição financeira, integrante do SFH, está tipificada na expressão
“fornecedor” descrita no caput do art. 3º, uma vez que presta serviços de natureza
financeira e de crédito, previstos no § 2º do mesmo artigo.
59
O CDC rege as relações bancárias, de mútuo ou de abertura de crédito e as
operações de financiamento da casa própria e de crédito imobiliário, pois são relações
de consumo e os bancos, como prestadores de serviços, especialmente contemplados
no art. 3º, § 2º, estão submetidos às disposições do CDC.
Assim, os contratos de financiamento e habitação da casa própria estão incluídos
no conceito legal de prestação de serviços dirigida a consumidores/mutuários, isto é,
aos que necessitam da casa para a moradia, com ampla previsão no CDC.
Cumpre mencionar que o mutuário encontra-se na condição de consumidor ao
entabular com as instituições financeiras contrato de mútuo, destinado à aquisição da
casa própria, cuja conceituação, segundo o artigo 2º do CDC é a seguinte:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Nessa ordem, tem-se como consumidor aquele a quem são dirigidos os
produtos, os clientes ou fregueses, ou os adquirentes finais das mercadorias como
ocorre com o mutuário no financiamento de habitação. É a pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza bens ou serviços, como destinatário final.
Alberto do Amaral Júnior define consumidor “como todo aquele que, ao final da
cadeia de produção, adquire ou utiliza, para fins privados, bens ou serviços colocados
no mercado por alguém que atua na função de sua atividade comercial ou
profissional”.28
28 JR., Alberto do Amaral. Proteção ao consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo : RT, 1983, p. 105.
60
Novamente reportamo-nos ao mestre Alberto do Amaral Júnior, também
defensor da aplicabilidade do CDC aos serviços de natureza bancária, financeira e
creditícia, e que ressalta a amplitude do conceito de fornecedor utilizado pelo Código e,
contraditando a oposição mais comum à incidência da lei nº 8.078/90, preleciona:
Para o Código, consumidor não é apenas o adquirente, mas o mero usuário. A utilização do produto tem, aqui, sentido mais amplo que o da simples fruição, abrangendo a possibilidade de sua disposição. Desse modo, o consumidor que celebra um contrato com a instituição bancária utiliza o produto recebido como meio de satisfazer as suas necessidades. 29
Nesse mesmo sentido, cumpre transcrever o posicionamento defendido pelo
professor Arnaldo Rizzardo, no sentido de que os contratos firmados para a aquisição
da casa própria se sujeitam ao CDC, in verbis:
Existe, no contrato de financiamento da casa própria, uma prestação de serviços, dirigida a atividades a consumidores, isto é, aos que necessitam da casa para a moradia. Trata-se de uma atividade que certos Bancos exercem, prestada ao público, desde que preenchidos alguns requisitos ou satisfeitas certas formalidades. (...) Por ser dirigida ao público, ou oferecida a quem tem necessidade dela, cuida-se de uma relação de consumo. 30
Finalmente, vale ressaltar que o Excelso Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 2.591, ajuizada pela
Confederação Nacional das Instituições Financeiras – CONSIF, julgou improcedente o
pedido de declaração de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 3º do CDC, por maioria
de votos (nove a dois).
29 JÚNIOR, Alberto do Amaral. Revista de Direito do Consumidor. v. 19, p. 154. 30 RIZZARDO, Arnaldo. O código de defesa do consumidor aplicado aos contratos regidos pelo sistema financeiro da habitação. Revista Ajuris. v. 60, p. 46.
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VI A REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS DO SISTEMA
FINANCEIRO DA HABITAÇÃO
O contrato de financiamento, para a aquisição da casa própria, é um típico caso
de contrato de adesão, que de acordo com o disposto no caput do artigo 54 do CDC “ é
aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Nesse diapasão, cumpre transcrever a conceituação de contrato de adesão
trazida pelo insigne Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, in verbis:
Contrato de adesão é aquele em que carece uma das partes da liberdade de discutir cláusulas contratuais, impostas pelo outro contratante, embora lhe reste a liberdade de aceitar ou recusar o contrato. Em outras palavras, um contratante impõe as cláusulas e o outro, impedido de discuti-las, simplesmente adere.31
O professor Arnaldo Rizzardo, defensor da tese de que os contratos de
financiamento, para a aquisição da casa própria, constituem-se em contratos de
adesão, discorreu com propriedade acerca do tema, in verbis:
Abordaremos algumas características do contrato de financiamento.
31 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro : Aide, 1991, p. 72.
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Apresenta-se com cláusulas uniformes, não deixando espaço ao princípio da autonomia da vontade, quer no que respeita à determinação do conteúdo, quer quanto à escolha do outro contratante. É um típico contrato de adesão, ou, usando as palavras de Orlando Gomes, ‘o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas’. Tal avença é um sinal dos tempos modernos, em que as relações entre a massa popular e os centros comerciais se travam mediante condições impressas antecipadamente, sujeitando-se os compradores interessados a simplesmente aceitarem as exigências, fora de qualquer discussão. Por isso, explica Orlando Gomes: ‘O esquema contratual constitui-se de uma série de condições ou cláusulas ou condições gerais destinadas a ser lex contractus de uma seqüência ilimitada de relações jurídicas concretas de natureza negocial. Caracterizam-se tais cláusulas pela generalidade, uniformidade e abstratividade, repetindo-se, sem se exaurirem, em todos os contratos dos quais sejam o conteúdo normativo e obrigacional’. Acrescenta Anoldo Wald: ‘Um dos contratantes exerce um monopólio de fato ou de direito, em relação a serviços essenciais existentes na sociedade, estando o outro praticamente obrigado a contratar nas condições fixadas pela empresa dominante em determinada área de atividades. No contrato de financiamento da casa própria, o mutuário nem tem a faculdade de discutir com a outra parte sobre o conteúdo do já ordenado previamente. A ele cabe subordinar-se, aderindo às condições preestabelecidas, para ter financiada, pelos termos do sistema, a aquisição da moradia pretendida.32
Antônio Carlos Efing, compartilhando do entendimento acima exposto, dispôs a
respeito do tema, in verbis:
Evidentemente que os contratos imobiliários são contratos de adesão, sendo que sequer o agente financeiro esclarece ao aderente as condições ajustadas. Algumas instituições financeiras se utilizam do expediente de obter do mutuário, de próprio punho, ‘declaração’ dizendo a sistemática de correção das prestações (nome do plano), visando descaracterizar o contrato com de adesão. Todavia, tal ‘declaração’ é obtida de maneira padrão dos mutuários, não sendo exigível do mutuário conhecer o teor da sua manifestação, ainda mais que tal ‘declaração’ é condicionada à concessão ou não do financiamento. Assim, não resta outra alternativa ao consumidor se pretender adquirir o imóvel senão ceder às imposições da instituição financeira.
32 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 2.ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1994, p.95-96.
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Segundo Guilherme Fernandes Neto, ‘os contratos de adesão utilizados pelos agentes do SFH, via de regra, afrontam a Lei 8.078/90, a Constituição Federal e, inclusive, o vetusto Código Civil. Exemplo típico e irretorquível deste acinte às relações de consumo e aos direitos positivados pela atual Carta Magna é a cláusula que proíbe a venda, promessa de venda, cessão e promessa de cessão do débito ou dos direitos sobre o imóvel para terceiro, sem a anuência do agente do SFH’.33
Dessa forma, estando o contrato de financiamento, para a aquisição da casa
própria, eivado de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais
ou que, em razão de fatos supervenientes tornem-se excessivamente onerosas, o
mutuário poderá pleitear a sua revisão judicial.
Nesse sentido, dispõe o artigo 6º, V, bem como o artigo 51, IV e § 1º, III, ambos
do CDC, abaixo transcritos, in verbis:
Art. 6º (...) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; Art. 51 (...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; § 1º (...) III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
33 EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 157.
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Segundo o mestre Orlando Gomes existe excessiva onerosidade “quando uma
prestação de obrigação contratual se torna, no momento da execução, notadamente
mais gravosa do que era no momento em que surgiu”.34
Cumpre mencionar que, em conformidade com o disposto no § 2º do artigo 51 do
CDC, “a nulidade de uma cláusula contratual não invalida o contrato, exceto quando de
sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer
das partes”.
Nessa mesma linha de raciocínio, cumpre transcrever a tese defendida por Carlos
Alberto Bittar, no sentido de a onerosidade excessiva não levar necessariamente à
resolução do contrato, mas sim a sua modificação, conforme trecho da sua obra, abaixo
transcrito, in verbis:
Outra causa de resolução, mas que oferece também opção ao interessado, é a da onerosidade excessiva. Em conformidade com essa noção, a parte prejudicada por fenômeno externo, imprevisível à época da contratação e que desequilibre as posições em contratos comutativos de execução continuada, tem o direito de pleitear a resolução, ou obter em Juízo a modificação eqüitativa do ajuste. Justificada pela teoria da imprevisão, essa figura encontra no princípio do equilíbrio das prestações a sua razão última, na exata medida de defesa do patrimônio lesado, para que não sofra perdas irreparáveis, ou a ruína. Aplicável, pois, em situações excepcionais, possibilita, ou a resolução do objeto, com as conseqüências próprias, ou a modificação de seu conteúdo, a fim de restaurar-se a equivalência das prestações (cumprimento do contrato modificado).35
Logo, ao proferir sentença em uma ação revisional de contrato, o magistrado,
atendo-se aos princípios da boa-fé, da eqüidade e do equilíbrio, somente deverá
declarar a resolução do contrato em última análise, tendo em vista que o objetivo
34 GOMES, Orlando. Contratos. p. 210 35 BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos contratos e dos atos unilaterais. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1990, p.164.
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principal do CDC é a manutenção das relações contratuais, ainda mais nos dias atuais,
em que vivemos submetidos a contratos cativos de longa duração.
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CONCLUSÃO
O presente trabalho acadêmico demonstrou que os vários governos
implementaram políticas habitacionais, cujos objetivos não eram os propagados pelos
mesmos, visto que por trás da inocente iniciativa de promover a construção de
moradias destinadas às camadas mais pobres da população, ocultavam-se inúmeros
interesses.
O interesse mais imediato seria o de reduzir o grau de insatisfação manifestado
pela população, que poderia causar problemas ao regime ditatorial. Outro interesse
acobertado sob o pálio do caráter social de tais políticas habitacionais seria o de auferir
lucros com o financiamento de unidades imobiliárias.
Com o aumento do preço das unidades habitacionais, as classes sociais de mais
baixa renda foram pouco a pouco sendo excluídas das políticas habitacionais
propiciadas pelo governo.
Assim, a classe média foi a que mais se beneficiou com a construção das
moradias populares, tendo em vista que as camadas mais pobres da população não
tinham como suportar os pesados encargos cobrados pelos agentes financeiros.
Com a extinção do BNH, acarretada pelo não atendimento às metas a que se
propunha, a CEF o sucedeu no intuito de dar continuidade às políticas habitacionais,
consistentes na construção de moradias populares acessíveis aos detentores de mais
baixa renda.
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Ocorre que, na prática, as políticas habitacionais implementadas até hoje, não
alcançaram resultados expressivos a nível nacional, tendo em vista que o problema da
ausência de moradias dignas acompanha a população brasileira há mais de meio
século, permanecendo, ainda hoje em patamares inaceitáveis.
Quanto à questão da execução extrajudicial, embora a jurisprudência nem a
doutrina sejam pacíficas a respeito de tão tormentoso tema, entendemos que o decreto-
lei nº 70/66 é perfeitamente compatível com a CRFB/88, haja vista não impedir o
acesso ao Judiciário, tampouco cercear o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Caso, o mutuário entenda que o seu direito à propriedade esteja sendo violado,
poderá ingressar com o mais variado leque de ações, dentre as quais destacam-se: a
de consignação em pagamento, que com o início do depósito em juízo das prestações
nos valores que o mesmo considerar como justos e devidos, suspenderá o processo de
execução extrajudicial; a de nulidade do procedimento de execução extrajudicial,
quando houver a constatação, de que o mesmo está eivado de nulidades.
No que tange aos contratos de gaveta, somos partidários da tese, de que os
chamados gaveteiros são possuidores de legitimidade para ingressar com ações
pleiteando a renegociação de dívidas oriundas de contratos de financiamento, visto
que, por força do contrato celebrado entre o cedente e o cessionário, o último se sub-
roga nos direitos, obrigações e garantias provenientes da coisa. Não se afigura, assim,
hipótese de prejuízo ao credor, tendo em vista que sobre o bem recai uma garantia real
(hipoteca), o que lhe garante o direito de seqüela.
No que pertine à aplicação ou não do CDC aos contratos referentes à aquisição
da casa própria, entendemos que os mesmos são regidos pelos dispositivos do CDC,
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visto que as instituições financeiras do SFH encontram-se abrangidas pelo conceito de
fornecedor, previsto no caput do art. 3º do CDC.
Ademais, na qualidade de fornecedoras de serviços bancários, de abertura de
crédito e de operações de financiamento para a aquisição da casa própria, as
instituições financeiras do SFH estão submetidas às disposições do CDC.
Finalmente, no que diz respeito à possibilidade de revisão judicial dos contratos
de financiamento, somos partidários da tese de que a mesma é perfeitamente possível,
já que a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas é um dos direitos básicos do consumidor/mutuário.
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BIBLIOGRAFIA
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habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo : Iglu, 2000.
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70
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RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 2. ed. São Paulo : Revista
dos Tribunais, 1994.
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02 DEDICATÓRIA 03 RESUMO 04 METODOLOGIA 05 SUMÁRIO 06 INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I O Sistema Financeiro Habitacional no Brasil 09 1.1 A Criação do BNH 10
1.1.1 Principais finalidades 13 1.2 A Extinção do BNH e a sua Sucessão pela Caixa Econômica Federal 15 1.3 A Política Habitacional Brasileira 16
1.3.1 A importância do FGTS 24
CAPÍTULO II Planos de Financiamento X Prestação Habitacional 26 2.1 O FCVS e a Quitação do Saldo Devedor Residual 32 2.2 A Obrigatoriedade do Seguro Habitacional 34 2.3 O Coeficiente de Equiparação Salarial 34 CAPÍTULO III A Execução Extrajudicial 38 3.1 Da Discussão Doutrinária 42