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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A DEFESA DO CONSUMIDOR À LUZ DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Por: Raquel Magalhães Ribeiro Orientador Prof. Sérgio Ribeiro Rio de Janeiro 2005

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … MAGALHÃES RIBEIRO.pdf · pedido formulado, como, por exemplo, a ação de consignação em pagamento (art.890); a ação de divisa

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A DEFESA DO CONSUMIDOR À LUZ DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Por: Raquel Magalhães Ribeiro

Orientador

Prof. Sérgio Ribeiro

Rio de Janeiro

2005

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A DEFESA DO CONSUMIDOR À LUZ DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso

de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Docência do Ensino

Superior, em Direito do Consumidor

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de

enriquecimento jurídico no assunto

escolhido. A todos os professores do curso

que sempre foram atenciosos e receptivos.

Ao meu orientador Professor Sérgio Ribeiro,

e em especial ao professor e amigo Jorge

Tardin que é para mim uma referência em

defesa do consumidor.

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais, tios e tias,

meu irmão, meu namorado, de quem foram

roubadas preciosas horas de convívio. Aos

professores do curso de Pós Graduação em

Direito do Consumidor, aos meus colegas de

trabalho, pelas discussões a luz do assunto

que tanto me auxiliaram na elaboração deste.

5

RESUMO

O chamado direito de defesa do consumidor vem aumentando sua

importância diariamente.

Muitas são as razões, idealismo, necessidade de prevenção da própria

espécie, visão de um novo mercado de trabalho etc. Cada vez mais vem sendo

acentuada a defesa dos interesses coletivos.

Por este motivo tem-se a importância da lei 7347/85.

Por este motivo foi primeiramente abordada questão dos interesses difusos e

coletivos, objetivando respaldar e facilitar o entendimento na diversidade do tema.

Posteriormente, e ainda a cerca do discutido, não poderia deixar de

mencionar os fatores prejudiciais, ou seja os aspectos negativos e positivos

indispensáveis também para melhor compreensão do caso concreto.

Não obstante, a questão da tutela antecipada é de suma importância

principalmente quando utilizada para atingir a coletividade, já que a medida visa a

garantia de um direito, e neste caso, coletivo. Seu objetivo é a garantia de um direito

antes de termos o mérito julgado, tornando o provimento jurisdicional mais efetivo.

Citando o litisconsórcio, temos os interesses individuais homogêneos serem

discutidos em uma mesma ação. Ressaltando que a demanda será sempre coletiva,

sendo a lide tratada uniformemente com relação a todos, e vislumbrando-se também

o benefício concedido pelo Art. 94 CDC.

No que diz respeito a postura do Ministério Público, esta virá será vinculada a

seus interesses, podendo aquele atuar como titular nas questões de ordem pública,

ou como agente fiscalizador, onde os interesses dependem do particular.

6

Tratando-se da coisa julgada, as partes terão o direito de usufruir da sentença

benéfica ou não. Vislumbra-se também a questão daqueles quer não fazem parte da

ação e que por direito são atingidos pela decisão.

7

METODOLOGIA

Muito se tem falado a respeito do assunto escolhido, porém o dia a dia nos

faz aprender e a ficar cada vez mais curiosos.

Uma das grandes vantagens do advogado militante, talvez seja sempre estar

aprendendo, convivendo diariamente com pessoas novas e discutindo sobre vários

assuntos pertinentes a sua área ou não.

Talvez tenha sido grande a contribuição a este trabalho, das audiências

assistidas, ou dos vídeos vistos e revistos que falam e debatem sobre este assunto

tão polêmico e cheio de várias opiniões contraditórias.

Primeiramente, antes mesmo de buscar a ajuda na doutrina, procurei me

aprofundar no dia a dia, no cotidiano do fórum e entre uma audiência ou outra,

iniciava a minha busca de ações civis públicas.

Nada melhor para entender o assunto do que viver na prática mesmo que

seja como ouvinte.

Posteriormente, nada melhor do que a busca em textos na internet, a opinião

diversificada de juristas me levou a ter a minha própria, e aí então começaram as

surgir as primeiras idéias de capítulos e títulos que seriam abordados.

Com a busca virtual, tive a oportunidade de diversificar e optar pelo que

gostaria de discutir dentro da ação civil pública, mas finalmente e principalmente não

poderia deixar de consultar o que de fato respalda, a doutrina.

Não busquei em instituições, mas tentei pesquisar na própria internet, a com

ajuda de amigos da área, acabei conseguindo um arsenal sobre o assunto.

8

Apesar da quantidade de subtítulos e assuntos que poderiam ser discutidos,

foi importante filtrar aqueles que de fato estão intrinsecamente ligados e que não

poderia deixar de mencionar, por fazer parte do contexto para melhor entendimento.

Desta forma, a pesquisa basicamente foi dividida em três partes: pesquisa

cotidiana e prática, pesquisa virtual e pesquisa doutrinária.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I - Ação Civil Pública 12

CAPÍTULO II - Interesses Difusos e Coletivos 19

CAPÍTULO III – Questões Preliminares e Prejudiciais 28

CAPÍTULO IV – Tutela Antecipada e Cautelar 41

CAPÍTULO V - Litisconsórcio 54

CAPÍTULO VI – Ministério Público 56

CAPÍTULO VII – Coisa Julgada 61

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

ÍNDICE 69

FOLHA DE AVALIAÇÃO 72

10

INTRODUÇÃO

A defesa de interesses coletivos vem se acentuando ultimamente. Cada

vez mais se tem deixado de defender interesses individuais para se defender os

interesses de um grupo determinado ou indeterminado de indivíduos. Essa é a

atual tendência da defesa dos interesses em juízo, pois as lides têm tomado

contornos mais abrangentes deixando de ser individualizadas para serem gerais,

envolvendo grupos de pessoas. Por esse motivo adveio a Lei n.º 7.347/85 que

disciplina a ação civil pública e que serve para a defesa de tais interesses em

Juízo, disciplinando quem e de que forma eles podem ser discutidos.

Em 1990 surgiu a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) que

trata especificamente dos interesses do consumidor, tanto os individuais quanto

os coletivos, e trazem em seu bojo as formas como tais interesses podem ser

defendidos em Juízo. Nessa lei surge a figura das ações coletivas, bem como é

feita diferenciação entre interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos. As

alterações trazidas por esse código, apesar de ser do Consumidor, não se

ativeram apenas à defesa das relações de consumo, ele em verdade aprimora e

eleva a tutela dos interesses transindividuais em juízo, constituindo um Diploma a

serviço do acesso a justiça, porque o legislador ampliou sobremaneira as

modalidades de interesses transindividuais passíveis de ser tutelados em juízo,

aprimorou a questão da representatividade adequada, veiculou vocabulário

jurídico mais preciso para indicar os vários institutos jurídicos que integram o seu

conjunto de disciplinas, disciplinou com mais rigor os limites subjetivos da coisa

julgada em matéria de interesses transindividuais. Enfim é o resultado do

aprimoramento doutrinário ocorrido no lapso de tempo entre o advento da Lei n.º

7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei n.º 8.078/90(Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor).

Não é objetivo desse trabalho exaurir o tema Ação Civil Pública, a

proposta é apenas abordar pontos que se encontram nos capítulos seguintes e

que merecem destaque quando é a mesma utilizada para a Defesa do

11

Consumidor, pois tais pontos conferem a tal ação feição própria, diferenciado-a

do instrumento utilizado, ainda que com o mesmo nome, para a defesa de outros

interesses coletivos em juízo.

Para elaboração do presente trabalho foi consultada a mais recente

doutrina sobre o tema Ação Civil Pública, bem como sobre Direitos do

Consumidor e ainda periódicos veiculados a respeito dos temas.

Serviu de base para o trabalho à obra Ação civil Pública de José Marcelo

Menezes Vigilar, que conseguiu, em linguagem clara e acessível, sintetizar muitos

conceitos aqui trazidos. De grande contribuição algumas obras de Rodolfo de

Camargo Mancuso, tais como Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente,

patrimônio cultural e dos consumidores que bem trata dos interesses difusos e

coletivos, fazendo as devidas classificações e diferenciações. E ainda, mas não

por último, de grande importância foi o Código brasileiro de Defesa do

Consumidor comentado pelos autores do projeto, onde grande subsídio forneceu

os trabalhos de Kazuo Watanebe e Ada Pellegrini Grinover.

12

CAPÍTULO I

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

1.1 Histórico

A ação coletiva encontra suas origens no Bill of Peace do século XVII do

sistema norte-americano que evoluiu para a class action, esta baseada na equity,

pressupõe a existência de um número elevado de titulares de posições individuais

de vantagem do plano substancial, possibilitando o tratamento processual unitário e

simultâneo de todas elas, por intermédio da presença em juízo, de um único

expoente da classe.

O legislador brasileiro trouxe para o nosso ordenamento os esquemas do

direito norte-americano, entretanto tratou de adaptar ao nosso sistema legal que é o

de civil law. Inspirado nas class actions americanas criou, primeiro, as ações

coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, através

da denominada lei da ação civil pública. Pela própria configuração de lei, destinada à

proteção de bens coletivos, indivisivelmente considerados, não permita que por seu

intermédio se fizesse a reparação dos danos pessoalmente sofridos, cabendo aos

indivíduos diretamente prejudicados valer-se das ações pessoais ressarcitórias,

dentro dos esquemas do processo comum.

Em 1989 a Lei n.º 7.913 cuidou da reparação dos danos causados aos

investidores no mercado de valores imobiliários. Tal diploma legal pela primeira vez

tratou da condenação que deveria reverter aos investidores lesados na proporção do

seu prejuízo, bem como cuidou da habilitação dos beneficiários para receberm a

parcela que lhes couber estava ai a primeira class action for damages do sistema

brasileiro que foi consagrada definitivamente pelo CDC.

13

1.2 Origem do nome

É costume no nosso ordenamento jurídico a denominação das ações. O

Código de Processo Civil está recheado de ações nominadas de acordo com o

pedido formulado, como, por exemplo, a ação de consignação em pagamento

(art.890); a ação de divisa e demarcação de terras particulares (946); a ação de

prestação de contas( art.914), e outras que ali se encontram.

Apesar dessa classificação ter inegável conteúdo prático, o instituto jurídico-

processual denominado ação não merece adjetivo. A denominação das ações, no

dizer de Cândido Rangel Dinamarco, é fruto ainda de uma visão privatista do

instituto e do processo como um todo, de acordo com critérios de Direito Civil,

lembrando que de há muito já se concluiu pela autonomia da ação que pertence

exclusivamente ao direito processual, que também constitui ciência autônoma1. Essa também é a posição de José Frederico Marques que ensina que essa

denominação, por dizer respeito diretamente à pretensão deduzida, não constitui

problema de direito processual e sim “ do direito material em que são regulados os

direitos subjetivos correspondentes” 2

A expressão “ação civil pública” foi utilizada por Calamandrei3 em

contraponto a ação penal pública prevista em nosso ordenamento material e formal

criminal, entretanto vem merecendo duras criticas pelos doutrinadores pátrios. Aqui

estão algumas abordadas:

1) O termo “civil” que integra a denominação em questão tem apenas o único

objetivo de esclarecer que é “não-penal”, ou seja, é uma ação que tem curso no

juízo cível, não fazendo referência ao direito que se pretende tutelar, como nos

1DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2ª ed. São Paulo Revista dos Tribunais. 1986, p 117 ss 2 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1ºvol. Rio de Janeiro. Forense. 1974, p. 163 3CALAMANDREI. Piero. Instituciones de derecho Procesal Civil. v. I. trad. Castelhana. 1973, p. 38

14

casos antes apontados. De qualquer forma vale salientar que a ação não comporta

qualquer tipo de adjetivação, pois é a mesma autônoma, não estando ligada a

qualquer adjetivo que venha a lhe ser imposto, o que evita que alguns operadores

do direito menos avisados e que não têm a necessária intimidade com certos

conceitos doutrinários cometam o equívoco de contestar ou não conhecer certos

direitos pleiteados em uma determinada ação alegando que o “nome” da mesma não

está correto. Obviamente não é pelo adjetivo que se conhece a essência deste ou

daquele instituto jurídico; independentemente de qual for o adjetivo utilizado sua

natureza jurídica não se modificará.

2) Quanto ao vocábulo “pública” muitas explicações já foram traçadas para

justificá-lo, entretanto nenhum absolutamente convincente. Antes de qualquer

consideração vale ressaltar que toda ação é pública, porque dirigida contra o

Estado, onde o demandante detém o direito/poder de exigir um provimento que,

afinal, será ofertado pelo próprio Estado.

A princípio, antes da edição da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública),

se entendia que se denominava tal ação como pública porque privativa do Ministério

Público, ou seja, a legitimidade ativa era de uma parte pública, entretanto após a

edição da lei em questão que através do seu art.º 5 ampliou a capacidade ativa para

outras pessoas jurídicas e entidades representativas, tal entendimento precisou ser

reformulado. Edis Milaré com clareza comentou o assunto:

Até a pouco, entendíamos que quando se falava em ação

civil pública se queria em verdade referir ao problema da

legitimação, e não ao do direito substancial discutido em

juízo. Ação Civil pública, então, era aquela que tinha como

titular ativo uma parte pública – o Ministério Público (...)

Agora, porém com a edição da Lei n.º 7.347/85, que conferiu

legitimidade para a ação civil pública de tutela de alguns

interesses difusos não só ao Ministério Público, mas

também às entidades estatais, autárquicas paraestatais e às

15

associações que especifica (art.5º), novo posicionamento se

impõem diante da questão. 4

Para se encontrar então um novo significado para o termo “pública” passou o

mesmo a ser utilizado para caracterizar o conteúdo da ação em questão, ou seja, é

a mesma pública por visar tutelar interesses públicos, entendemos como

tais os difusos e coletivos. No dizer de Hugo Nigro Mazzilli a ação civil pública.

...passou a significar, portanto, não só aquela proposta pelo

Ministério Público, como a proposta pelos demais

legitimados ativos do art. 5 da Lei n.º 7.347/85 e do art. 82

do CDC, e ainda aquela proposta pelos sindicatos,

associações de classe e outras entidades legitimadas na

esfera constitucional, sempre com o objetivo de tutelar

interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos

(isto é , agora um enfoque subjetivo-objetivo, baseado na

titularidade ativa e no objeto especifico da prestação

jurisdicional pretendida na esfera cível).5

Para o mestre paulista tal justificativa tem razão de ser, pois ao conceituar

interesse público ele o divide em primário (o interesse do bem geral) e aqui

entrariam os difusos e coletivos, e em secundário (ou seja, o modo pelo qual os

órgãos da Administração vêem o interesse público). Dessa forma seria coerente se

dizer que a ação é pública, pois pleiteia interesse público (primário). Rodolfo de

Camargo Mancuso ao se manifestar sobre o tema diz que não se trata de interesse

público, pois nem sempre o particular está em contraponto a autoridade estatal,

muitas vezes é o particular contra o próprio particular o que descaracterizaria o

interesse público.6

4 O Ministério Público e a ação ambiental. Cadernos Informativos. São Paulo. APMP. 1988, p. 33 5MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 5ª ed. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais. 1993, p. 32

16

O texto legal fala impropriamente em ação civil pública.

Impropriamente, porque nem a titularidade da ação é

deferida exclusivamente a órgãos públicos (MP; União;

Estados e Municípios), nem é objeto do processo a tutela do

interesse público.7

Analisando o termo interesse público segundo a distinção feita por Mazzilli,

entendo que a justificativa por ele dada se adequa ao caso em questão, pois em

verdade a ação civil pública sempre tem por objeto interesse público, ainda que sob

o nome de interesse público primário. O art.1º e incisos IV e V da Lei n.º 7.347/85

traz agora expressamente que, além dos demais valores tutelados, merece proteção

legal qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive o que for concernente à

proteção dos indivíduos contra abusos do poder econômico, pode-se concluir que a

ação civil pública é instrumento absolutamente adequado à tutela de qualquer

direito de natureza transindividual.

A ação civil pública, portanto, passou a ser o mais moderno e democrático

instrumento de defesa dos interesses da comunidade como grupo social,

interesses que jamais poderiam ser resolvidos se sua tutela fosse perseguida por

algum dos seus integrantes.

Ação civil pública, ou ação coletiva, como prefere o Código do Consumidor,

passou a significar, portanto, não só aquela proposta pelo Ministério Público, como

pelos demais legitimados ativos do art.5º da Lei n.º 7.347/85 e do art 82 do CDC, e

ainda pelos sindicatos, associações de classe e outras entidades legitimadas na

esfera constitucional, sempre com o objetivo de tutelar interesse difusos, coletivos ou

individuais homogêneos.

6 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 5ª ed. São Paulo. Ed.Revista dos Tribunais. 1997, p.18. 7GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações Coletivas para a tutela do ambiente e dos consumidores. Seleções Jurídicas. COAD.set 1986, p.3.

17

A ação destinada à tutela dos chamados interesses difusos já era referida em

doutrina como ação coletiva, tendo o CDC preterido esta terminologia à da ação civil

pública.

Com o advento da Lei n.º8.078/90 surge à nomenclatura de ações coletivas,

tais ações têm por escopo a defesa em juízo dos interesses individuais

homogêneos, pois para as demais modalidade de interesse supra-individuais a

defesa sempre feita por um substituto processual, que integra o rol ( numerus

clausus) dos legitimados para as ações essencialmente coletivas, que não

contempla o interessado.

Esse diploma legal regulamenta as class actions for damages, ou seja, as

ações civis de responsabilidade pelos danos sofridos por uma coletividade de

indivíduos. Surgiu então a dúvida se o CDC teria revogado do inciso II do art. 1º da

Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).

A tutela em si de direito material, que também é objeto do dispositivo legal

citado, permanece integra. A lei nova apenas ratificou a tutela, delineando os

elementos e as condições em que é suscetível de ocorrer. Derrogados foram apenas

os dispositivos formais ou processuais daquela, naquilo em que contravieram

normas da mesma natureza da lei mais recentes.

Resulta daí que os elementos formais básicos para a proteção do direito

segue o iter da Lei n.º7.347/85, que reflete a lei processual matriz. Aliás, o exame

das normas instrumentais do Código de Defesa do Consumidor denuncia que sua

aplicação tem muito mais caráter supletivo que fundamental.

Objetivam, portanto, tais ações coletivas a reparação, por processos

coletivos, dos danos pessoalmente sofridos pelos consumidores. Para tanto, o

Código prevê regras de competência, estipula a intervenção sempre necessária do

Ministério Público, contempla a ampla divulgação da demanda para facultar aos

18

interessados a intervenção no processo, e determina que a sentença, quando

condenatória, seja genérica, limitando-se a fixar a responsabilidade do réu pelos

danos causados.

Vê-se pelo exposto que qualquer nome que seja atribuído: civil pública ou

coletiva, como diz o Código de Defesa do Consumidor, é inerente já que a

nominação das ações, como dito ao início, é despicienda.

Se pode até chamá-la, se prender ao direito material pleiteado, em ação

coletiva em defesa do consumidor ou ação de interesse coletivo do consumidor, mas

esta, bem como qualquer outra denominação que venha a ser criada é irrelevante

para a apreciação da lide apresentada e que merece tutela jurisdicional.

19

CAPÍTULO II

INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS

2.1 Interesse ou Direito?

Antes da Carta Magna de 1988 não existia referência à defesa de interesses.

A defesa judicial sempre era de direito subjetivo referido a um tutelar determinado ou

ao menos determinável o que impedia a defesa de “interesses“ pertinentes, ao

mesmo tempo, a toda uma coletividade e a cada um dos membros dessa

coletividade. A estreiteza do conceito tradicional do direito subjetivo impedia essa

tutela jurídica. Hoje, com a concepção mais larga do direito subjetivo, abrangendo

também do que outrora se tinha como mero “interesse” na ótica individualista então

predominante, ampliou-se o espetro de tutela jurídica e jurisdicional.

A Constituição Federal pôs fim à questão entre “interesse” e “direito”, pois se

refere em seu art. 129, III a “interesses” e “direitos” dando a ambos a mesma tutela

jurídica e jurisdicional. Aliado a isso a nosso legislador ordinário referiu-se

indiferentemente a “interesses ou direitos” (CDC, art.82 e incisos; inciso IV do art. 1º

da Lei n.º 7.347/85, inserido pelo art. 110 do CDC). “O conceito clássico de direito

subjetivo –”interesse juridicamente protegido” - o advérbio, ai, reporta-se a “direito” e,

desse modo, o definido acaba por entrar na definição...”8

2.2 Generalidades

A evolução histórica do direito, que tradicionalmente teve caráter

individualista, reclamou a proteção de alguns direitos que, mesmo sem poder

identificar-se cada tutelar, pertencessem a grupos sociais, determinados ou não. Os

8 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Ob. Citada Manual do Consumidor em Juízo, pág.24

20

estudiosos do tema passaram a considerar, como juridicamente reconhecidos,

certos interesses pertencentes a grupos de pessoas, distinguindo a natureza desses

grupos e que não são apenas as posições jurídicas já normatizadas e subjetivadas

que são passíveis de tutela judicial. Ao contrário, são justamente os interesses e

valores desprovidos de um “titular” que, sendo socialmente relevantes, merecem

tratamento jurisdicional e de tipo diferenciado, dadas as suas peculiaridades.

A lei adotou a distinção que os estudiosos já faziam do assunto. No caso

interesses coletivos, já há muito ressaltava José Carlos Barbosa Moreira9 que as

relações jurídicas dos integrantes do grupo podiam ser distintas, mas eram análogas

por derivarem de uma relação jurídica-base. Os indivíduos, nessa categoria, não

precisam ser determinados, mas são determináveis. Os interesses difusos, por outro

lado, eram caracterizados como aqueles que, não tendo vínculos de agregação

suficientes para a sua institucionalização perante outras entidades ou órgãos

representativos, estariam em estado fluido e dispersos pela sociedade civil como um

todo. Nesse grupamento, os indivíduos são determinados, exatamente porque é

impossível destacar cada integrante, isoladamente, do grupo que integra.

Entre os interesses difusos e coletivos, merecem destaque dois pontos de

identificação existentes em seu perfil conceitual. O primeiro diz respeito aos

destinatários: em ambos os direitos presentes estão à natureza da

transindividualidade, de forma que hão de ser tratados em seu conjunto e não

levando em conta os integrantes do universo titular do interesse. O segundo consiste

na indivisibilidade do direito, o que está a significar que não se pode identificar o

quinhão do direito de que cada integrante do grupo possa ser titular. O direito

merece a proteção legal como um todo, abstraindo-se da situação jurídica individual

de cada beneficiário.

O legislador brasileiro deparou-se com a necessidade de trazer para o

âmbito do Direito Objetivo o gênero “interesses transindividuais”, subdividindo-o em

difusos, coletivos e individuais homogêneos, que na verdade correspondem a

9 MOREIRA, José CarlosBarbosa. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo. São Paulo: ed.revista dos Tribunais, n.º 61, p 188-189

21

diferentes “graus de coletivização”, seja numa perspectiva horizontal ou objetiva

(amplitude da projeção do interesse ao interior da sociedade civil), seja numa

perspectiva vertical ou subjetiva (expressão numérica dos sujeitos concernentes e

bem assim ao grau de sua indeterminação – absoluta ou relativa). Foram incluídas

seqüencialmente no art.81 da Lei n.8.078/90 as três espécies antes referidas, sendo

necessário distinguí-las, conforme a natureza coletiva lhes seja essencial ou

contingente, e, no primeiro caso, em qual extensão e compreensão, dentro do

“universo coletivo”. Assim é que nos “difusos” e nos “coletivos em sentido estrito” o

caráter coletivo lhes é imanente, lhe integra a própria essência, já que pelos

respectivos conceitos legais (incisos I e II). Se vê que o objeto apresenta-se

indivisível e os sujeitos concernentes são, em princípios, indeterminados. A

diferença específica fica por conta de que, nos “difusos, por se reportarem a meras

situações de fato, aquelas notas revelam-se absolutas (sujeitos absolutamente

indeterminados e objeto absolutamente indivisível), ao passo que nos ” coletivos em

sentido estrito” elas se relativizam, porque os sujeitos – pela circunstância de

estarem ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base – já

comportam certa visualização interior de certos segmentos da sociedade civil, ou

seja, em “grupos, categorias ou classes”, na dicção legal.quanto aos indivíduos

homogêneos, que estão elencados no mesmo dispositivo legal, guardam em comum

com as outras espécies notas de uniformidade e de larga expressão numérica dos

sujeitos concernentes, entretanto enquanto nos “difusos” e nos “coletivos em sentido

estrito” essa uniformidade decorre de sua essência coletiva, já nos “individuais

homogêneos” ela advém de circunstância externa, contingencial ou episódica, qual

seja o fato deles”. decorrerem de uma “origem comum”. Assim, numa palavra, os

“difusos”e os “coletivos em sentido estrito” são essencialmente coletivos ao passo

que os “individuais homogêneos”recebem tratamento processual coletivo pelo modo

uniformizado como se exteriorizam, assim parecendo ao legislador que sua tutela

judicial seria mais adequada e eficaz. Serão estudados cada um deles

detalhadamente.

22

2.3 Interesses Difusos

Aliado ao que já foi acima dito, fazem-se necessárias algumas observações

adicionais a respeito do tema que é bastante amplo e dá margem a várias

considerações.

Por interesse difusos se pode dizer que são interesses de grupos menos

determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vinculo jurídico ou fático

muito preciso. Na feliz expressão de Hugo Nigro Mazzilli, “são como um feixe de

interesses individuais, com pontos em comum”, ou seja, um conjunto de interesses

individuais em que cada um dos elementos do grupo indeterminado de pessoas

possui seu interesse, mas que guardam pontos comuns entre si.

Ainda que não se possa afirmar que a intensidade de cada indivíduo que

integra esse grupo (não determinado nem determinável) seja a mesma, fruto da

inexistência de vinculo jurídico ou, como ocorre em alguns casos, inexistência de um

vinculo fático bem preciso a uni-los, não se pode ignorar que tais interesses, em

alguns pontos coincidem.

O fator quantitativo também serve para identificar os interesses difusos,

diferenciando-os das demais categorias de interesses meta individuais os interesses

difusos podem dizer respeito até a toda humanidade, o que não acontece, por

exemplo, com os interesses coletivos em sentido estrito.

Além disso, o fator qualitativo também servirá para identificar os interesses

difusos, porque consideram o homem exclusivamente em sua dimensão de ser

humano.

Para resumir, pode-se afirmar que difusos são os interesses em que os

titilares não são passíveis de ser determinados ou determináveis e se encontram

ligados por mera circunstância de fato, ainda que não muito precisas. São interesses

indivisíveis e, embora comuns a uma categoria mais ou menos abrangente de

23

pessoas, não se pode afirmar com precisão a quem pertençam, tampouco a parcela

destinada a cada um dos integrantes desse grupo indeterminado.

Exemplificando, Kazuo Watanabe10, ao comentar a respeito de interesse

difusos traz, os seguintes casos que elucidam a questão:

a)publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de

imprensa falada, escrita ou televisionada, afetar uma multidão

incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma

relação –base. O bem jurídico tutelado pelo art. 37 e

parágrafos do Código é indivisível no sentido de que basta

uma única ofensa para que todos os consumidores sejam

atingidos e também no sentido de que a satisfação de um

deles, pela cessação da publicidade ilegal, beneficia

contemporaneamente a todos eles. As pessoas legitimadas a

agir, nos termos do art.82, poderão postular em juízo o

provimento adequado à tutela dos interesses ou direitos

difusos da coletividade atingida pela publicidade enganosa ou

abusiva; b) colocação no mercado de produtos com alto grau

de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos

consumidores, o que é vedado pelo art.10 do Código. O ato do

fornecedor atinge todos os consumidores potenciais do

produto, que são em número incalculável e não vinculados

entre si por qualquer relação-base. Da mesma forma que no

exemplo anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, pois

uma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os

consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela

retirada do produto do mercado, beneficia ao mesmo tempo a

todos eles.

10 WATANABE, Kazuo. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed.Rio de Janeiro:Ed.Forense Universitária.1988, p.625.

24

Para a defesa dos interesses difusos, como nos casos apontados, basta

uma única ação judicial coletiva, sendo o caso tratado moleculamente, pois a

sentença faz coisa julgada erga omnes, sendo desnecessária várias ações para que

se tenha a solução de um mesmo caso. Vale tal explicação, pois se tem ingressado

com ações distintas setorizando aquilo que não está setorizado, dizendo no

vestibular que tal ação se refere a um determinado segmento da sociedade

(moradores de um Estado ou Município, por exemplo) desnaturando por completo a

natureza indivisível do interesse, atomizando os conflitos quando o interesse do

legislador foi tratá-los moleculamente para assim se obter uma tutela mais efetiva e

abrangente.

2.4 Interesses Coletivos

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.81, parágrafo

único, inciso II, coletivos são os interesses transindividuais de natureza indivisível de

que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a

parte, por uma relação jurídica base.

Pode-se dizer que coletivos são os interesses que compreendem uma

categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas, dizendo respeito a

um grupo, classe ou categoria de indivíduos ligados por uma mesma relação

jurídica-base e não apenas por meras circunstâncias fáticas, como acontecia na

modalidade de interesses supra-individuais antes analisada (nos interesses difusos).

Os interesses coletivos, contudo, afastam-se dos supra-individuais diante da

existência de uma possibilidade de determinação dos mesmos (são determináveis

até mesmo pela própria existência de uma relação jurídica a , em muitos casos a

individuação dos interessados):todos estão unidos para alcançar aquilo que sintetiza

as aspirações do grupo, identificando-o como tal. Daí poder-se afirmar que o traço

distintivo básico do interesse coletivo é a “organização”. Sem um mínimo de

25

organização, os interesses não podem se coletivizar, não podem se aglutinar de

forma coesa e eficaz no seio de um grupo determinado.

Não se trata da defesa do interesse pessoal do grupo, não se trata,

tampouco, de mera soma ou justaposição de interesses dos integrantes do grupo;

trata-se de interesses que depassam esses dois limites, ficando afetados a um ente

coletivo, nascido a partir do momento em que certos interesses individuais, atraídos

por semelhança e harmonizados pelo fim comum se amalgamam no grupo. Quer

dizer: o sindicato representa a “família”, e não o conjunto de seus filiados. Por via de

conseqüência, o interesse coletivo torna-se para o grupo um interesse direto e

pessoal, legitimando o grupo a representar a coletividade com um todo. Seriam

assim, tais interesses. “Afetos a vários sujeitos não considerados individualmente,

mas sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos

intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado”.11

Pode-se dizer, portanto, que são elementos fundamentais para caracterizar o

“interesse coletivo”: um mínimo de organização, a fim de que os interesse ganhem

coesão e a identificação necessária; a afetação desses interesses a grupos

determinados( ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores; um

vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhe a situação

jurídica diferenciada.

Sintetizando o que foi dito a respeito de interesse coletivo, trazemos o

conceito de Santoro Passarelli:

Interessi di uma plurilità di personne a um bene idôneo a

soddisfare um bisogno comune. Esso non è la somma di

interessiindividuali, ma la loro combinazione, ed è indivisibili

nel senso Che viene soddisfatto non già da più beni atti a

11 BASTOS, Celso. A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. RePro 23. são Paulo: RT. jul/set 1981, p.40.

26

soddisfare i bisogni individuali, ma da um único bene atto a

soddfisfare il bisogno della collettività.12

2.5 Interesses Individuais Homogêneos

Os interesses que compartilham os titulares dos interesses individuais

homogêneos são divisíveis, cindíveis, passíveis de ser atribuídos a cada um dos

interessados, na proporção que cabe a cada um deles, mas que, por terem uma

origem comum, são tratados coletivamente.

Demais esses interesses originam-se não de uma idêntica relação jurídica,

mas sim de circunstâncias fáticas. Não há, portanto, relação jurídica-base a unir os

interessados.

Aliás, é justamente a circunstância de que a união dos titulares de um

interesse individual homogêneo tem sua origem numa situação fática que faz com

que esses interesses se aproximem dos difusos e se afastem dos coletivos em

sentido estrito.

Com efeito, basta lembrar que os interesses difusos também têm origem

numa situação fática, não havendo relação jurídica básica comum a unir os titulares

indetermináveis dos mesmos.

As principais diferenças entre os interesses individuais homogêneos e os

difusos, portanto, residem na divisibilidade daqueles e indivisibilidade destes e,

ainda, na possibilidade de identificação dos interessados naquela modalidade e na

impossibilidade de identificação desta.

As principais diferenças entre os interesses individuais homogêneos e os

coletivos (stricto sensu ) situam-se também na divisibilidade daqueles e

12 PASSARELLI, Santoro. Apus VIGORITI. Vicenzo. Interessi vollettivi e processo. Milão: giuffre, 1979.

27

indivisibilidade destes e no fato de a ligação dos interessados que são titulares dos

interesses coletivos no sentido estrito se dar uma mesma relação jurídica-base.

Essa categoria de direitos, passíveis de ser tutelados coletivamente em

juízo, surge, ao menos com essa determinação, no Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor, que veio permitir que esses direitos cujos titulares são plenamente

identificáveis e cujo objeto é cindível sejam defendidos coletivamente em juízo.

28

CAPÍTULO III

QUESTÕES PRELIMINARES E PREJUDICIAIS

3.1 Introdução

O processo é o instrumento utilizado para a solução dos litígios levados ao

Poder Judiciário. Durante todo o caminho a ser percorrido até se chegar à decisão

final, o julgador deve solucionar as várias questões que lhe são apresentadas e que

são anteriores a decisão da questão principal.

Tais questões, comuns a qualquer tipo de processo, também podem ser

identificadas na ação civil pública, sendo cabível o estudo das mesmas neste

momento.

Essas várias questões que são antes da principal questão posta em juízo, o

meritum causae, além da anterioridade cronológica podem também apresentar

anterioridade lógica, ou seja, não devem ser resolvidas antes apenas porque

surgiram em momento processual anterior a decisão da questão principal, mas

também porque o assunto a ser tratado guarda conexão lógica com aquela, lhe

sendo prejudicial.

A esse conjunto de questões, costuma a doutrina denominar de questões

prévias, podendo se dividir em preliminares e prejudiciais a depender do conteúdo

das mesmas, entretanto elas sempre influenciam a decisão da questão principal:

seja no sentido de tornar impossível ou desnecessária tal decisão, seja no de

condicionar-lhe o teor.

Muitas são as denominações atribuídas pela doutrina às questões prévias.

Alguns consideram todas as questões como prejudiciais, outros utilizam o termo

preliminares para quaisquer destas questões, e há aqueles que não vêm qualquer

29

utilidade prática nessa distinção. A grande maioria da doutrina atual, entretanto,

“tende a distinguir as questões prévias influentes sobre a decisão de mérito, a que

reserva o nome de prejudiciais, das que só influem sobre matéria do processo, que

seriam as preliminares”.

Neste trabalho será utilizada a denominação acima descrita, pois assim

vem classificando a maioria da doutrina consultada, com pequenas divergências, a

exemplo de Moacyr Amaral Santos que utiliza denominação diversa e que será

oportunamente abordada.

3.2 Questões Preliminares

A ação é dirigida contra o Estado, entretanto a sentença a ser proferida

ingressará na esfera jurídica de uma outra pessoa, o réu, que não provocou a

atividade estatal, mas que sofrerá as conseqüências da mesma.

Em respeito ao princípio do contraditório e da bilateralidade da ação, assim

como do processo, tem o réu o direito de defesa que é “virtualmente paralelo ao da

ação ”13 . Seguem esses autores denominando essa defesa do réu de “exceção” no

sentido de contradição a posição do autor, entretanto tais exceções podem se dirigir

contra o mérito ou contra o processo.

Alguns preferem reservar o nome exceção substancial

apenas à defesa indireta de mérito, usando o vocábulo

contestação para a defesa direta de mérito; outros ainda,

em vez de exceção substancial nesse sentido mais estrito,

falam em preliminar de mérito. Essa classificação é feita em

vista da natureza das questões deduzidas na defesa.

(...)na sistemática da legislação processual brasileira usa-se

o nome exceção para indicar algumas exceções

30

processuais, cuja argüição obedece a determinado rito

(CPC, art.304; CPP, art.95; CLT, art.799). Chama-se

contestação, no processo civil, toda e qualquer outra defesa,

de rito ou mérito, direta ou indireta, contendo também

preliminares (CPC, arts. 300e 301).14

Várias são as maneiras apontadas pelos doutrinadores como de defesa do

réu. O próprio Código de Processo Civil ao tratar da Resposta do Réu a partir do seu

art. 297, diz que o réu poderá apresentar contestação, exceção e reconvenção.

Essas maneiras apontadas pela lei poderão ser contra o processo visando

“trancá-lo, livrando-se da sujeição em que se encontra ou, ao menos, dilatar o

processo” ou contra o pedido do autor, “ que tende a obter uma sentença que rejeite

a pretensão do autor”15

Comungando com o posicionamento de Moacyr Amaral Santos, Vicente

Greco Filho também distingue as várias formas de defesa do réu, dividindo-as em

processual e de mérito da seguinte forma:

“...A defesa processual é uma defesa indireta, porquanto o

resultado pretendido (opor-se ao deferimento da pretensão

da inicial) se obtém mediante uma alegação que não discute

o mérito.a defesa de mérito, substancial ou material, pode,

também, ser indireta ou direta: é indireta quando consiste

em opor fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do

direito do autor; é direta quando consiste em resistência que

ataca a própria pretensão do autor, negando-a quando aos

fatos ou quanto ao direito material”.

13 CINTRA, Antônio Carlos Araújo e outros. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros editores, 10ª ed. 1994, p.269. 14 Idem p.271 e 272. 15 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2º vol., 15ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993, p. 188.

31

No Sistema do Código de Processo Civil, a defesa de

mérito, seja ela direta ou indireta, se faz com a contestação.

A defesa processual se faz com preliminar de contestação

se a matéria é de objeção (...) e se faz por meio de exceção

em sentido estrito se a alegação é de competência relativa,

suspeição ou impedimento do juiz.”16

Quando a defesa apresentada pelo réu se limita a apresentar alegações que

possam invalidar a relação processual ou revelar imperfeições formais capazes de

prejudicar o julgamento do mérito estamos diante de questões preliminares. Tais

questões são apresentadas antes mesmo de se discutir o direito apresentado pelo

autor, pois afetam os requisitos de constituição ou desenvolvimento válido e regular

do processo devendo ser conhecidas pelo juiz de ofício, ou seja. Ainda que não

argüida pela parte ré, pois a regularidade do processo é, sem dúvida, matéria de

interesse público.

As preliminares estão elencadas no art.301 do Código Processo Civil e

podem ser, como já dito antes, dilatórias ou peremptórias. São dilatórias aquelas que

não põem fim ao processo e peremptórias, contrariamente, aquelas que põem fim ao

processo.

Como será visto adiante, as preliminares são consideradas peremptórias, as

elencadas nos incisos III, IV, V, VI, e IX, e dilatórias, as dos incisos I, II, VII, VIII, X e

XI.

I - Inexistência ou nulidade da citação – é considerada dilatória, pois se o

réu comparecer, apesar de não citado, está suprida a falha da citação,ainda que ele

compareça apenas para alegar tal vício quando lhe será reaberto prazo para

contestar (art.214CPC).

16 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., 11ª ed., são Paulo:Ed. Saraiva.1996.

32

II - Incompetência absoluta – ocorre tal incompetência quando falta ao juiz

competência para apreciar a causa em razão matéria ou da hierarquia. Sendo

acolhida tal preliminar são os autos enviados ao juiz competente para o caso.

III - Inépcia da petição inicial – ocorrendo um dos casos previstos no art. 295

do CPC deve o juiz de plano indeferir a inicial, se não o faz cabe ao réu alegar na

contestação.

IV – Perempção – ocorre quando o autor já deu causa por três vezes a

extinção do processo sem julgamento do mérito por abandonar a causa. Se assim

ocorrer, apesar de ainda existir o direito material, não pode mais o mesmo ser

pleiteado em juízo, podendo apenas ser alegado em defesa. (arts. 267, III e 268,

parágrafo único do CPC).

V – litispendência – se verifica a litispendência quando a mesma ação é

novamente proposta ainda estando em julgamento à causa idêntica anterior (art.

301, § 1º do CPC). O próprio CPC define no § 2º do artigo em estudo o que se

entende por ações idênticas; é necessária tríplice identidade: partes, pedido e causa

de pedir. Se for constatada a litispendência a segunda ação deverá ser extinta sem

apreciação do mérito. Considera-se pendente a ação desde a citação até sua

extinção.

A litispendência só ocorre quando na reprodução de ação

anteriormente ajuizada, ocorrer a tríplice identidade: eadem

personae, idem res, idem jus expositio er causa petendi e

não ter sido prolatada decisão no processo anterior.17

VI – Coisa Julgada – ocorre à coisa julgada quando é proposta ação a

respeito de matéria já discutida e julgada em ação anterior da qual não cabe mais

17 PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação n.º 1.628/85. Acórdão Unânime n.º 5049. Relator: Desembargador Oto Luiz Sponholz. Adcoas. N. 117.543. 1988

33

recurso. A preliminar de coisa julgada parece com a de litispendência, salientando

que a diferença ocorre pois no primeiro caso não há ação pendente, a ação anterior

já foi apreciada e julgada não cabendo de tal decisão mais recurso, já no segundo

caso ambas as ações estão em curso ao mesmo tempo, não tendo sido extinta

ainda a ação inicial.

Configura-se coisa julgada nos termos do §3º do art. 301 do

CPC, quando se repete ação que já foi decidida por

sentença, de que não caiba mais recurso, ou seja, ação que

seja idêntica em seus três elementos: persone, causa

petendi e res. Quando a identidade se limita aos dois

primeiros, inocorre a identidade das duas ações e,

igualmente, a coisa julgada.18

VII – Conexão – pode ser alegada esta preliminar quando entre duas ações

lhe for comum o objeto ou a causa de pedir (art. 103 CPC). Neste caso a argüição

da preliminar serve apenas para determinar o envio da ação ao juízo que se tornou

prevento, não havendo extinção da segunda ação proposta. Vale frisar que aqui se

inclui também a continência (art.104), porque esta figura já contida no conceito de

conexão, como também porque processualmente ambas produzem o mesmo efeito.

VIII – Incapacidade da Parte, defeito de representação ou falta de

autorização – aqui são alinhados vários pressupostos processuais que estão

disciplinados nos arts. 7º a 13 do CPC. Se eles se verificarem o juiz marcará prazo

para que sejam sanadas as irregularidades, sendo extinto o processo se couber ao

autor a regularização e sendo declarado revel se couber ao réu a correção da

irregularidade.

IX – Compromisso arbitral – caso as partes tenham pactuado o juízo arbitral

para solução do litígio não cabe depois se propor ação para solucionar o litígio que

já foi resolvido pelo árbitro. Entretanto se o autor propõe a ação e o réu em

18 Rio de Janeiro. Tribunal de Alçada cível. Apelação n.º8.897/84. Acórdão Unânime. Relator: juiz Mauro Junqueira Bastos.

34

contestação não alega tal preliminar se presume que as partes renunciaram ao

acordo antes feito de confiar o julgamento ao árbitro, não podendo o juiz de ofício,

apenas neste caso, conhecer tal preliminar.

Toda matéria constante do art.301 do CPC, incluída nela a

caução de que trata o art. 835 do CPC, é de ordem

processual e dela conhecerá de ofício o magistrado, salva a

referente a compromisso arbitral, que exige provocação do

réu.19

X – Carência de ação – deve ser alegada ainda como preliminar a falta de

uma das condições da ação previstas no art. 267, VI do CPC: legitimidades,

interesse processual (necessidade, utilidade, adequação) e possibilidade jurídica do

pedido.

XI – Falta de caução ou de outra prestação que a lei eige como preliminar –

aqui nesta preliminar se encaixam todas as exigências formais pela lei para a

propositura da ação tais como: pagamento das despesas do processo anterior,

extinto sem julgamento do mérito para renovação da demanda (art. 268); depósito

de 5% do valor da causa para propositura de ação rescisória (art. 488); caução às

custas e honorários advocatícios quando o autor for estrangeiro não reside no Brasil

e sem bens imóveis aqui (art. 835).

Todas as questões preliminares aqui descritas podem e devem ser argüidas

pelo réu, pois apesar de poderem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, com exceção

do inciso IX, se o réu não as argüi na primeira oportunidade causando retardamento

da decisão incide nas sanções do art.22.

Além das matérias elencadas no art.301 a título de preliminares outras

questões podem também ser levantada pelo réu a título de preliminares de

19 SANTA CATARINA. 2ª Câmara do Tribunal de Justiça. Agravo n.º 4.685. Acórdão Unânime. Relator: Desembargador Eduardo Luz: Jurisprudência. Cat. 63/183

35

contestação, tais como: nulidades processuais, qualquer motivo de indeferimento da

inicial, etc.

3.3 Questões Prejudiciais

Antes da apreciação do mérito da causa, como já foi visto, podem ter que ser

resolvidas algumas questões que afetam o pedido principal guardando com ele

relação de subordinação. O pedido principal é questão subordinada a esta questão

prévia que deve ser anteriormente resolvida e que, por sua qualidade, é chama de

questão subordinante.

As questões subordinantes podem ser de dois tipos: no primeiro ela obsta a

apreciação da subordinada, tornando-a desnecessária ou mesmo impossível

impedindo que o juiz passe ao exame da questão principal; no segundo ela é uma

relação jurídica cuja existência ou inexistência condiciona a decisão da questão

principal. A esse primeiro tipo de questões se denomina preliminares, enquanto que

o segundo tipo prejudicial.

Como já foram vistas as questões preliminares passemos ao estudo das

questões prejudiciais.

A questão prejudicial encontra vários conceitos na doutrina nacional e

estrangeira:

Vicente Greco ensina:

É a relação jurídica controvertida, logicamente antecedente,

que subordina e condiciona a resolução da lide em

andamento, ditam principal, e apta, em tese, a ser objeto de

uma ação principal autônoma.20

20 GRECO FILHO, Vicente. Ob. Cit., p.165

36

Não difere a posição de Humberto Theodoro Júnior, “Prejudiciais são

questões ligadas ao próprio mérito e que por si só podem ser objeto autônomo de

um outro processo”.21

Completando diz Fabrício:

...entre as questões logicamente prejudiciais, se distinguem

apenas, como prejudiciais em sentido jurídico, aquelas cuja

solução exija do juiz operação mental da mesma natureza

empregada para a resolução da questão principal, em

sentença definitiva de mérito – isto é, a valoração jurídica de

um fato, ou, mais simplesmente, aplicação de norma a

fato.22E ainda Alsina, “(...) prejudicial toda cuestión jurídica

cuya resolución constituya um presupuesto de la

controversia principal sometida a juicio.”23

Em todos os conceitos aqui trazidos observa-se que um traço é comum a

todos: a autonomia e anterioridade da questão prejudicial em relação à questão

principal. A prejudicialidade pode ser interna, isto é, quando analisada nos mesmos

autos em que a lide deve ser julgada, ou externa, quando objeto de um processo

pendente. Pode ainda se classificar a prejudicialidade como homogênea ou

heterogênea (interjurisdicional) a depender de as questões se situarem no mesmo

ou em diversos ramos do direito material, ou seja, se a resolução couber a uma só

ou a diferentes “jurisdições”.

Para o presente estudo nos interessa quase que exclusivamente a

prejudicialidade interna.

Pode-se, portanto concluir que a questão prejudicial é aquela antecedente

logicamente a questão principal. Ela é anterior a principal e nela influi diretamente

21 THEODORO JÚNIOR, Humberto, ob. Cit., p. 328 22 FABRÌCIO, Adroaldo Furtado, ob. Cit., p. 48 23 ALSINA, Hugo. Las Cuestiones Prejudiciales em el Processo Civil. Buenos Aires: EJEA. 1959, p. 53

37

subordinando-lhe o julgamento, entretanto nem toda questão logicamente

antecedente poder ser considerada como questão prejudicial é necessário que a

anterioridade da questão, além de lógica, seja também jurídica; o elemento jurídico

seria um plus, no dizer de Furtado Fabrício, a complementar o lógico não a excluí-lo.

A natureza do juízo final e prejudicial seria igual a este novo elemento, é que

qualificaria de jurídica a prejudicialidade, entretanto, apenas o fato, o raciocínio

utilizado em ambas as questões, por ser idêntico não ainda satisfaz o conceito de

prejudicialidade, pois ele continua muito amplo e termina por abranger hipóteses que

lhe devem ser estranhas: quando, por exemplo, o juiz decide sobre o valor da causa,

está realizando valoração de fatos, mas nem por isso se pode falar em questão

prejudicial.

Para se alcançar o conceito exato de prejudicialidade se torna necessário

então incluir mais um elemento: autonomia. A questão prejudicial só pode ser

classificada de jurídica se, além da anterioridade lógica, puder ser objeto de

apreciação autônoma, ou seja, só é prejudicial à questão que possa ser apreciada

como principal em outro processo.

Ao se acrescentar à autonomia para se definir a juridicidade da questão se

apresenta nova dúvida: essa questão autônoma pode ser ou deve ser decidida em

separado? Surge então a necessidade de se definir conceitos de ponto, questão e

causa prejudicial que são imprescindíveis para a localização doutrinária da questão

prejudicial.

Arruda Alvim, citando Salomi, Chiovenda e Menestrina, traz a seguinte

terminologia que ele considera adequada:

1º) ponto prejudicial é o antecedente lógico incontroverso;

2º) questão prejudicial é o antecedente lógico controvertido,

o qual deve ser resolvido pelo juiz no mesmo processo e,

diríamos nós lógico-jurídicos controvertidos;3º) a causa

prejudicial é aquela que surgindo antes ou depois da

38

litispendência da causa prejudicada terá que ser resolvida

antes desta, em processo autônomo ou mediante

declaratória incidental, ou reconvenção se surgida após a

litispendência prejudicada, acrescentamos. A incontrovérsia

sobre o ponto prejudicial decorre do silêncio de acordo das

partes, ou da existência da coisa julgada anterior.24

O nosso ordenamento pátrio criou a figura da ação declaratória incidental,

cuida essa ação justamente da apreciação, durante a pendência de processo onde

se decide questão subordinada, a decisão da questão subordinante, ou prejudicial.

As questões prejudiciais, como antecedentes lógicas que são da principal,

são analisadas antes de se discutir o objeto do processo. O julgador

necessariamente precisa analisá-las para proferir sentença, entretanto tal análise

pode ser definitiva, ou seja, decidir, tal como é feito com a questão principal, de

forma que não caiba mais decisão a respeito do assunto. Quando se pretende que

tal questão seja decidida definitivamente é necessário o uso da ação declaratória

incidental.

A finalidade da atividade jurisdicional é a sentença que culmina com a coisa

julgada. É a coisa julgada a imutabilidade da decisão, limitado o seu campo as

questões decididas no processo, ou seja, aquilo que foi decidido e cuja decisão

revestiu-se do caráter de coisa julgada não pode mais ser apreciado nem pelo

mesmo nem por outro juízo.

Ingressa aqui a questão prejudicial como matéria analisada e decidida pela

sentença que aprecia a questão principal. A questão prejudicial só surge durante a

contestação; o réu, citado para uma ação, defende-se e nega a relação jurídica

invocada pelo autor; mais ainda, em reconvenção, baseia-se numa relação jurídica

incompatível com a do petitório inicial, é nesse momento que o ponto prejudicial se

transforma em questão prejudicial e a partir daí cabível a declaratória incidental.

24 ARRUDA ALVIM, José Manoel de . Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Ed . Revista dos Tribunais, 1975, v. I, p. 402

39

Pretendendo o autor que tal relação jurídica incompatível com o pedido principal seja

decidida por sentença e adquira o caráter de imutabilidade deverá ingressar com a

declaratória incidental, caso seja o réu quem deseje a decisão da questão prejudicial

deverá fazê-lo no momento processual previsto para reconvenção, ou seja,

simultaneamente com a contestação.

Na jurisprudência pátria encontramos as seguintes decisões a respeito do

tema:

Embora o pedido formulado na declaratória incidental

ostente caráter de ação distinta, desde que em seus termos

originários, cada um dos litigantes, de maneira diversa

conceitua e declina efeitos de relação jurídica que os liga,

ostensiva a interdependência das ações: a lide prejudicial e

a originária, daí a conexão entre ambas. Ainda que exercida

pelo réu a declaratória incidental, não será conhecida como

reconvenção, apesar da semelhança, mais sim ação nova,

em que se deduz nova pretensão, devendo ambas as lides

serem decididas principaliter.25A pretensão da declaratória

incidental objetivando a inexistência de relação contratual

deve ser formulada no prazo da contestação, mesmo prazo

em que poderia ser também utilizada a via reconvencional

para idêntico fim. Depois da contestação não é mais

possível criar-se litigiosidade sobre a relação jurídica

prejudicial.26

Da análise feita do tema podemos extrair as seguintes conclusões:

Para apreciação do pedido principal muitas vezes é necessário que o julgador

amplie o seu campo de atuação para conhecer de matérias, que apesar de não ser

25. 4ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Cível. Agravo n.º 217.787-9. Acórdão unânime. Relator. Juiz Telles Corrêa. JTACivSP. V. 110, p.410

40

aquilo que a parte a princípio pleiteou em juízo, guardam com a mesma estreita

relação não podendo deixar de ser apreciadas. Tais questões, a depender do seu

conteúdo, podem ser classificadas em principais.

... são aquelas cuja resolução, implicando valoração jurídica

de fato, subordina a de outra questão, dita “principal” ou

subordinada, de modo a predeterminar-lhe, no todo ou em

parte, o conteúdo, sendo, por outro lado, apta virtualmente a

constitui objeto principal de outro processo.27

O julgador, portanto, ao analisar o litígio que lhe é submetido a julgamento,

enxerga e aprecia um horizonte muito mais largo do que aquele estreito apresentado

no vestibular sendo que algumas questões prévias, ou seja, anteriores a principal,

que lhe são apresentadas devem ser conhecidas e decididas de ofício, é o caso das

preliminares, já outras questões, apesar de serem necessariamente analisadas

antes da principal por com elas guardar relação de subordinação, não podendo uma

ser apreciada sem antes a outra ser decidida, por vezes não são decididas

definitivamente naquele processo, é o caso das questões prejudiciais, que só fazem

em coisa julgada quando uma das partes pede ao julgador a decisão da mesma em

definitivo, através da declaratória incidental.

26 SÃO PAULO. 12ª Câmara. Agravo de Instrumento n.º 94.974-2. Relator Desembargador Carlos Ortiz. Revista dos Tribunais. V. 602,p.99. 27 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Ob. Cit. P.55/56

41

CAPÍTULO IV

TUTELA ANTECIPADA E CAUTELAR

4.1 Introdução

Pela concepção contratualista de Rosseau, é função do Estado dirimir

conflitos, pois foi tirado do particular a autotutela dos seus interesses devendo o

mesmo, sempre que necessário, recorrer ao Estado-Juiz para a solução de conflitos.

O objetivo do Estado ao executar essa atribuição é a prática da Justiça, ou

seja, encontrar a solução correta e adequada ao problema apresentado pelas partes

tutelando o direito cabível. Entretanto tal solução deve ser encontrada no menor

período possível, pois nada adianta uma decisão justa quando já percebeu o direito,

ou não há mais utilidade ou interesse para a parte.

A decisão judicial deve estar o mais próximo possível do problema para que

possa restabelecer a ordem e trazer uma solução útil à parte que teve seu direito

violado. De nada adianta uma bela e extensa decisão quando tardia e já inoperante,

pois não há mais o que se sanar. É preferível a parte uma decisão rápida, ainda que

contrária aos seus interesses, pois pode a mesma recorrer, pleitear uma revisão, do

que uma infinita indefinição que expõe o direito ao risco do perecimento.

Nessa esteira de pensamento o nosso Código de Processo Civil traz alguns

mecanismos que têm por escopo a celeridade da prestação jurisdicional. Pretendeu

o legislador armar o juiz de ferramentas que tornassem a resposta do Estado o mais

próximo possível do conflito entre as partes, ou seja, tornar o provimento jurisdicional

efetivo e eficaz.

No dizer de Cândido Dinamarco:

42

...aqui está a síntese de tudo. É preciso romper preconceitos

e encarar o processo como algo que seja realmente capaz

de “alterar o mundo”, ou seja, de conduzir as pessoas à

“ordem jurídica justa”. A maior aproximação do processo ao

direito, que é uma vigorosa tendência metodológica hoje,

exige que o processo seja posto a serviço do homem, com o

instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o

homem a serviço de sua tendência28.

Já estava previsto em nosso Código as ações cautelares, que pretendem

garantir a existência do direito quando do provimento da ação principal. Entretanto

tal remédio não estava sendo suficiente, pois em alguns casos o que se pretendia

era o próprio direito a ser garantido com o provimento principal, só que dado num

curto espaço de tempo, pois demora na apreciação do mesmo implicaria em sua

inexistência ou, como já dito, num provimento ineficaz, pois tardio. Diante dessa

realidade foi introduzida em nosso ordenamento processual civil através da lei n.º

8.952/94, que deu nova redação ao art. 273, a tutela antecipatória, que consiste

justamente em dar a parte, ab initio, aquilo que ela pretende ao final do processo.

Analisaremos nesse estudo tanto a já prevista tutelar cautelar para

interesses metaindividuais, como também a possibilidade da antecipação da tutela,

inovação trazida ao nosso Código de Processo Civil em sua recente reforma,

quando se discute esses mesmos interesses em juízo.

A ação civil pública, ou ação coletiva, comporta pedido de condenação (fazer

ou não fazer) e de reparação do dano causado. Aqui, a ação civil pública será de

conhecimento, quase sempre predominado a carga condenatória do provimento. É o

que diz o art. 3º.

Contudo, poderá veicular uma pretensão cautelar, diante da presença dos

requisitos do mérito cautelar (fumus boni iuris e périculum in mora), e da alegação da

28 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros. 1994, p. 297

43

ameaça a um interesse transindividual a ser protegido. Há quem admita a categoria

das denominadas ações cautelares satisfativas, que não reclamariam pelo

ajuizamento da também denominada ação principal: para estes adeptos, é viável a

ação cautelar satisfativa para a defesa dos interesses supraindividuais. Decorre esse

entendimento da própria análise do art.4º da Lei n.º 7.347/85.

Toda a sistemática reservada para as ações que veiculam pretensões

individuais vale para as que pretensões coletivas, além disso é o CPC aplicado

subsidiariamente a Lei n.º7.347/85 não havendo óbice portanto a utilização da

antecipação da tutela prevista no art. 273 daquele diploma legal, aos interesses

discutidos através da ação regulada por esse diploma.

4.2 Da Tutela Cautelar

A ação cautelar, como as outra ações previstas no CPC, necessita das

mesmas condições que aquelas para sua admissibilidade, entretanto deve-se

acrescer o periculum in mora como sua condição peculiar, pois é esse risco que

justifica a propositura desse tipo de ação; é ele que a diferença dos outros tipos de

ações por exigir do julgador uma tutela diferenciada, mais rápida do que a dada num

processo de conhecimento, por exemplo.

O outro traço característico da ação cautelar é o fumus boni iuris. Não se

trata aqui de condição especial da ação, como no caso anterior, mas de requisito

para a procedência da ação cautelar. Se trata da aparência do direito, a

possibilidade de existência do direito pleiteado pelo autor, em existindo deve a ação

ser julgada procedente, pois a cognição que se faz nesse tipo de procedimento

ainda não é a exauriente, que será feita no processo principal, mas simplesmente

sumária.

Esse é o entendimento de Galeno Lacerda ao analisar o tema:

44

Para procedência da ação, porém exige-se algo mais. Não

basta o perigo. Indispensável se faz que a aparência do

direito socorra ao postulante. O fumus boni iuris, portanto,

não constitui condição da ação cautelar, mas representa-

lhe, na verdade, a própria avaliação do mérito. Se o autor

satisfaz às três condições e se sua pretensão se apresenta

revestida da aparência de direito, o pedido merece

provimento.trata-se, porém, de juízo provisório, que não

representa prejulgamento definitivo da demanda principal. E

nisto reside, precisamente, a característica do mérito da

sentença cautelar: em ser juízo de mera verossimilhança

dos fatos. Por isto, se distingue da sentença de

conhecimento, que é juízo de realidade e certeza.29

Além do já exposto à tutela cautelar, no dizer de Marinoni, “ tem por fim

assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo”30, ou

seja, a finalidade da tutela cautelar não é ingressar no mérito da ação principal a ser

proposta, não se destina a realizar um direito, mas simplesmente garantir a

possibilidade de execução desse direito no futuro, garantir sua existência e

exeqüibilidade quando vier o mesmo a ser discutido.

Vale trazer aqui a lição de Humberto Theodoro Júnior quando conceitua

medida cautelar:

Por isso é que se diz que o processo principal é de natureza

“satisfativa”, porque redunda na satisfação efetiva do direito

da parte, quando esta sai vitoriosa no pleito forense. Mas, a

tutela cautelar é apenas de “prevenção” ou “garantia”,

porque quem a obtém, mesmo ganhando a ação cautelar,

não consegue, só com ela, a satisfação do seu pretenso

29 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil VII, vol. I, tomo I. rio de Janeiro: Forense, p. 295 30 MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. São Paulo: Malheiros.3ª ed.1997, p. 86

45

direito, que continua na dependência da solução do

processo principal. Com a medida cautelar, a parte

beneficiada apenas se precaver contra uma temida

mudança da situação fática ou jurídica que poderia inutilizar

o resultado do processo principal, caso lhe venha a ser

favorável.31

Assim também tem se manifestado a jurisprudência pátria:

(...) a cautela não visa, necessariamente, a assegurar a

execução da sentença a ser prolatada no principal. A

cautela objetiva garantir a eficácia, a resguardar toda

utilidade do processo principal a ser julgado.32A medida

cautelar não tem por objetivo tutelar o suposto direito, de

imediato, mas assegurar o processo principal, visando

impedir que ocorram lesões ou danos aos interesses

pendentes de apreciação e solução jurisdicional.33

A medida cautelar tem como função precípua garantir a

eficácia e utilidade prática do processo, sendo indiferente

diante dos interesses materiais em conflitos; o julgamento

da causa principal independe, portanto, da referida

medida.34

Na medida cautelar é necessário que haja referibilidade a um direito

acautelado, que exista um direito referido o qual é protegido cautelarmente.

Inexistindo essa referibilidade, não se pode falar em cautelar e sim em tutela

sumária satisfativa.

31 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Ob. Cit., p.1367 32BRASIL. Tribunal Federal Regional, 6ª turma. Apelação n.º 144.064-BA. Acódão unânime. Relator Ministro Eduardo Ribeiro 33MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, 2ª Câmara. Apelação n.º78.937/2. Relator Desembargador Léllis Santiago 34MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, 1ª Câmara. Apelação n.º33.172. Relator Juiz Murilo Pereira

46

Essa tutela cautelar já está prevista nos art. 4º e 12 da Lei n.º 7.347/85,

entretanto nem sempre ela é suficiente e eficaz para a garantia do direito pleiteado,

sempre de interesse de uma comunidade, e não apenas de um indivíduo. Por esse

motivo, tendo em vista a larga margem de pessoas que serão atingidas pelo julgado

e que poderão ter malefícios irreversíveis caso o provimento não seja tempestivo e

eficaz, é que se faz necessária à antecipação da tutela.

4.3 Tutela Antecipatória

Diversamente da tutela cautelar, a tutela antecipatória importa na apreciação

do pedido principal. Não se trata de uma outra ação, como no caso da cautelar, mas

de na mesma ação pedir à parte que o juiz, antecipadamente, aprecie o pedido

principal. Tal apreciação é feita de forma sumária, não podendo ser de outra forma,

pois caso contrário não haveria sentido para tal tutela que terminaria por ser

concedida ao mesmo tempo qual a sentença final.

Na tutela antecipatória podemos falar que existe cognição sumária, o

julgador conhece da causa apenas de forma sumária, não ainda exauriente como o

fará prolação da sentença. Tal tutela não é novidade no nosso direito, já existiam

alguns casos previstos em nossa legislação como as liminares em mandado de

segurança, despejo, possessórias, ação civil pública e ação popular, em que já se

fazia a cognição sumária para a concessão das mesmas.

Para a concessão de liminar do mandado de segurança, por exemplo, onde

a cognição é sumária, o juiz toma por base o fato de que durante a instrução

dificilmente o réu demonstrará direito diferente do que já provado pelo autor na

inicial. Há um certo grau de certeza que o autoriza a conceder a liminar, já na liminar

da medida cautelar há apenas a aparência de direito, levando o julgador a crer que

tal aparência será demonstrada, ainda que sumariamente, durante a instrução da

cautelar.

47

A tutela antecipatória ao adiantar a eficácia do provimento final a ser

apreciado na demanda realiza plenamente o direito, ainda que provisoriamente, já a

cautelar apenas assegura a possibilidade de realização do direito pleiteado.

Entre outros, é requisito exigido pelo próprio art. 273 que exista

“verossimilhança”, ou seja, aparência de direito; essa aparência há de ser forte, não

apenas uma possibilidade, como na cautelar. Para a concessão da antecipatória os

requisitos hão de ser mais fortes que para a cautelar, pois essa ainda não entrou no

mérito da principal, apenas assegura a garantia do direito a ser pleiteado; na

antecipatória é o próprio direito da principal que é antecipado.

Além de verossimilhança, outros são os requisitos exigidos pela lei para

concessão da tutela antecipatória: irreversibilidade, revogação e efetivação.

4.3.1- Da irreversibilidade

O parágrafo 2º do art. 273, CPC, fala na impossibilidade da concessão da

antecipatória quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

Essa irreversibilidade a que se refere o dispositivo legal é a jurídica não a fática,

pois em regra todo provimento produzirá efeitos fáticos que serão irreversíveis, mas

que eram necessários para garantir o direito do requerente da tutela antecipada.

Sempre que o julgador determinar um provimento de urgência haverá uma

modificação na situação fática das partes. Um terá o seu direito satisfeito em

detrimento do constrangimento do outro que deverá fazer ou não fazer alguma coisa

que não desejava. Essa situação de fato é irreversível, não poderá mais voltar atrás;

é possível até um novo provimento onde se determine o contrário do antes

estabelecido, entretanto a alteração sensível material da ordem das coisas que foi

efetivada com a tutela antecipatória, essa não pode ser apagada. É possível até

imaginar a impossibilidade da concessão da tutela antecipada tendo em vista a

possibilidade de causar danos irreparáveis à outra parte, já que a situação fática não

48

será recomposta por nenhuma decisão judicial; uma das partes suportou um ônus

que pode a final ser julgado indevido, pois o direito estava justamente come ela e

não com aquela que requereu a antecipação da tutela. Como já se disse à cognição

da tutela antecipatória é sumária, entretanto é baseada na apresentação de uma

existência de direito, não em uma possibilidade temerária, mas numa convicção por

parte do julgador de que o direito que lhe está sendo apresentado é realmente

aquele que naquele momento merece a tutela jurisdicional. O risco de causar lesões

injustas e irreparáveis é o mesmo quer o julgador conceda ou não a antecipação da

tutela. No caso que lhe é apresentado se ele está convencido que causará lesão

irreparável se não der a tutela necessária e imediata não há motivo para, supondo

uma possível injustiça a ser praticada a final, negue o remédio necessário.

Por esse motivo é que só se pode entender tal dispositivo limitando o

conceito de irreversibilidade apenas a jurídica, ou seja, o que proíbe o legislador é a

possibilidade de um provimento que produza efeitos jurídicos de impossível

reversibilidade, que não caiba mais alteração. O provimento que se proíbe é aquele

que depois de concedido cria uma situação de direito que não pode mais ser

alterada. Esse tipo de provimento, como deve ser, só pode ser concedido após uma

cognição exauriente não sendo possível com umas simples cognições sumárias, que

apesar da presunção de certeza de existência do direito alegada pela parte, é ainda

frágil e não pose ser definitiva. A proibição imposta pelo dispositivo em questão

certamente se refere às ações de natureza declaratória ou constitutiva relativa ao

estado ou à capacidade das pessoas, pois nesses casos não se tem como imaginar

uma tutela antecipatória, já que sempre se criará ou extinguirá direitos, que não

cause uma irreversibilidade agora já não apenas fática, mas também jurídica.

4.3.2 Da Revogação

Como se baseia em cognição sumária, ainda não definitiva, pode a tutela

antecipada ser revogada ou modificada (§4º, art. 273 CPC), sendo possível sua

49

alteração a qualquer tempo. A possibilidade da revogação é uma garantia para as

partes e uma útil ferramenta ao julgador, pois possibilita a correção de injustiças que

possam ocorrer no decorrer do processo se houver alteração de alguma das

condições que a princípio autorizaram a concessão da antecipação da tutela. Para

modificação ou revogação da tutela necessário que ocorra fato novo que altere as

circunstâncias que justificaram a antecipação, a decisão há de ser fundamentada,

pois se não houve alteração nos persistem os motivos da tutela antecipada e,

portanto, deve-a ser mantida. Caso contrário, se não fosse exigida tal

fundamentação, poderia a tutela antecipada ser utilizada com fins diversos da

aproximação da tutela jurisdicional ao risco da ofensa ou perecimento do direito. É

bem verdade que tal exigência feita pelo legislador poderia não estar incluída neste

dispositivo, pois é regra constitucional que toda decisão deverá ser fundamentada,

entretanto a prática nos leva a conclusão diversa, o que levou o legislador a

introduzir esse “lembrete” ao julgador ainda que redundante.

4.3.3 Da efetivação

A tutela antecipada só passa a ter sentido se existirem mecanismos hábeis

a tomar a ordem judicial exeqüível imediatamente, pois caso contrário será a mesma

inútil.

A razão de ser da antecipação da tutela e evitar o perecimento de um, ou a

produção de lesões irreparáveis à parte, por isso a decisão há de ser tomada com

brevidade pelo julgador e,ao mesmo tempo, efetividade com rapidez, para que

cumpra seus objetivos.

Tomar efetiva a decisão judicial considerada urgente já era previsto nas

medidas cautelares. Nesse caso, assim como na tutela antecipada, é necessário

meios adequados para garantir o pronto cumprimento da medida. Quando se estuda

o processo cautelar se constata que não há um momento para conhecimento, outro

50

para execução da decisão prévia: no mesmo procedimento o julgador conhece e

executa a ordem não sendo necessário um procedimento específico para tanto.

Dessa forma se torna possível a implementação daquela decisão que teve por

escopo a urgência que o caso requeria.

Ainda analisando o processo cautelar podemos observar que no art. 806 do

CPC o legislador fala em “efetivação” da medida, ou seja, na devida implementação

da medida determinada. Não basta conceder a ordem, é preciso dar os meios para

que a mesma seja cumprida. No procedimento cautelar a decisão já se constitui

numa ordem para efetivação da medida, não precisa o autor recorrer a outro

procedimento, ou pedir outra providência jurisdicional para ver seu interesse

atendido; com a mesma decisão que concedeu a cautela ele pode efetivar a ordem.

Assim trata o tema Humberto Theodoro Júnior:

Mesmo quando a medida preventiva admite execução

forçada, não se pode, ordinariamente, distinguir um

processo cautelar de cognição de um processo cautelar de

execução. Na maioria dos casos a estrutura do

procedimento é tal que a atuação da medida é parte do

procedimento e que a fase de cognição não se separa da

fase de atuação ou execução (...) Estabelecida, pois, a

relação processual cautelar, a atuação do juiz só se exaure

quando sua ordem de prevenção seja, efetivamente

cumprida. Toda atividade cautelar, desde a definição do

direito da parte à prevenção até a execução da tutela

preventiva, tudo isso se faz num só processo, numa única

relação processual.35

35 THEODORO JÚNIOR, Humberto, ob. cit, p. 1169

51

Quanto aos procedimentos cautelares a lei é clara no que diz respeito a

efetivação da decisão judicial neles proferidas, entretanto quando se trata

antecipada surgem algumas dúvidas quanto à forma de efetivação da medida

judicial.

Há quem sustente, e entre eles Ovídio Batista, que o provimento antecipatório

é mandamental, portanto deve ser cumprido imediatamente, assim como a medida

cautelar. Há os que defendem que se trata de provimento condenatório, assim como

Adroaldo Furtado Fabrício, devendo, portanto ser percorrido o procedimento

executório comum para a implementação da decisão, essa corrente doutrinária

justifica seu posicionamento na própria lei quando fala o §3º do art do art.273 em

“execução”.

A interpretação da lei pode ser gramatical, como quer a segunda corrente

acima apontada, ou teleológica, que atenta a sua finalidade. A introdução da

antecipação da tutela não teve outro escopo senão agilização do provimento

jurisdicional tornando ainda mais próximos à lide e a decisão judicial, ou seja, a

pronta recomposição do dano causado ou o impedimento que o mesmo venha a

ocorrer. Os procedimentos cautelares, como já visto, não atendem a estes pois,

apenas servem para garantir a existência de um outro direito a ser discutido no

processo principal. Era necessário um provimento que tutelasse o direito principal e

não apenas garantisse a sua existência, era preciso em alguns casos, adiantar a

tutela que seria objeto de apreciação ao final do processo, e por esse motivo foi

introduzida em nosso código à tutela antecipatória. Essa é a sua finalidade.

Entendendo dessa forma, não se pode atrelar a execução da medida

antecipatória ao processo de execução comum, ele não foi pensado e disciplinado

para atender as medidas de urgência; sua finalidade são os títulos executivos e

para esses não há necessidade da celeridade da prestação jurisdicional, como nos

casos de antecipação de tutela.

A medida cautelar e o título executivo são provimentos completamente

diferentes quer conceitual, estrutural e funcionalmente, eles têm finalidades

52

diferentes e portanto merecem tratamentos diferentes. É da essência da medida

cautelar a urgência no atendimento executivo, não lhe é intrínseco, como no outro

caso. Seria portanto um contra-gosto exigir que para a execução de um provimento

de urgência fossem empregados os métodos próprios para outros provimentos onde

a celeridade não é o fator mais importante.

Também não é lógico imaginar que para as medidas cautelares previstas no

Código de Processo Civil haja um procedimento próprio não sendo necessário

enfrentar o procedimento executório, e para as medidas antecipatórias este é o

caminho para cumprimento. A se perfilhar por esse caminho, se estará retirando do

provimento antecipatório a sua finalidade, restando tal medida inócua, pois não

poderá ser aplicada a contento.

Necessário se considerar, assim como é feito no procedimento cautelar, que

o provimento antecipatório tem executividade intrínseca, não se trata, portanto, de

decisão condenatória que precise recorrer ao procedimento executório para a sua

efetividade, se trata de uma ordem, assim como nas liminares das possessórias, por

exemplo, onde a própria decisão já tem carga de executividade, por isso também

chamadas por Pontes de Miranda de Execução Real.

A cognição utilizada para a concessão da liminar de uma possessória é a

mesma da utilizada no provimento antecipatório e a urgência é idêntica em ambos

os casos, não há porque então se adotar soluções diferentes para casos

semelhantes. Além disso cumpre observar que a qualquer tempo à medida pode ser

revogada ou modificada, não necessitando portanto a outra parte apresentar

embargos à execução e sim simples pedido de modificação ou revogação da tutela

concedida.

A tutela antecipada foi introduzida em nosso ordenamento com a finalidade

de tornar mais efetivo o provimento jurisdicional, para tanto é necessário que a

decisão antecipatória seja prontamente efetivada para que cumpra a sua finalidade.

53

O processo de execução não cumpre a finalidade almejada por tal

provimento, pois o seu rito não é célere como se deseja no cumprimento das tutelas

antecipadas.

É necessário que a decisão judicial que antecipa a tutela já tenha carga de

executividade, que o próprio julgador já estabeleça a forma de cumprimento e as

penalidades em caso de descumprimento assim como pode fazer nos casos

previstos no art. 4614 do CPC. Não há razão para que nesse dispositivo, onde a

decisão também se baseia em cognição sumária assim como na tutela antecipada,

seja permitido que o juiz tome todas as medidas necessárias para efetivação da

medida, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento

de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial e no

caso de antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, fique o julgador limitado

a conceder uma ordem que não será prontamente efetivada.

Há de se atender a finalidade da lei, a interpretação não pode conduzir a

constatação de que foi criado um instituto sem qualquer utilidade prática, pois

concede a parte à tutela, mas não permite que a mesma seja utilizada.

Urge que o novo instituto aqui em debate sirva para a agilização e

desentrave da já tão criticada máquina judiciária, bem como a para a aproximação

da tutela jurisdicional ao reclame da parte que precisa não apenas da garantia de

que seu direito será respeitado, mas, principalmente, da efetivação desse seu

direito. Por vezes a celeridade é imprescindível para tal efetivação, e sendo assim

que esteja o julgador munido de todo arsenal legal necessário para garanti-la,

mormente quando os interesses tutelados atingem não apenas a órbita de um

indivíduo e sim uma coletividade, ao menos determinável de pessoas que estão em

geral desprotegidas diante da superioridade econômica da outra parte.

54

CAPÍTULO V

LITISCONSÓRCIO

Na hipótese de tais interesses necessitam de tutela jurisdicional não se

estará diante de pluralidade subjetiva de demandas (como ocorre no litisconsórcio

ativo). Os interesses individuais homogêneos são passíveis de ser defendidos, numa

única demanda, pelo substituto processual de seus titulares. A demanda será

sempre coletiva, pois postulará uma tutela coletiva, ainda que de conteúdo genérico

a eventual condenação daquele que tenha infringido tal modalidade de interesse

metaindividual ( art. 95 da Lei n.º8.078/90).

Prevê, entretanto, o art. 94 do CDC a publicação de edital para a ampla

divulgação da ação coletiva proposta e tem por finalidade a intervenção dos

interessados no processo, a título de litisconsortes do autor coletivo. A espécie rege-

se pelas disposições do CPC (arts.46 a 49),inclusive no que respeita à regra

segundo a qual os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os

demais (art.48).

Trata-se, na espécie, de litisconsórcio unitário, uma vez que a lide será

necessariamente decidida de modo uniforme em relação a todos, no que diz respeito

ao dever de indenizar, fixado na sentença condenatória. Depois, nos processos

individualizados de liquidação da sentença, o litisconsórcio que eventualmente se

formar será comum.

A intervenção, a título, acarreta importantes conseqüências quanto aos

limites subjetivos da coisa julgada: com efeito, tenham os interessados intervindo, ou

não, no processo a título de litisconsortes, serão beneficiados pelos efeitos da

sentença favorável. Se, todavia, a sentença rejeitar a demanda pelo mérito, somente

os que não tiverem intervindo no processo poderão propor suas ações reparatórias

individuais.

55

Existem, portanto, duas possibilidades:

a) o interessado não intervém no processo coletivo. Sendo a sentença

procedente, será igualmente beneficiado pela coisa julgada, mas se a demanda for

rejeitada, pelo mérito, ainda poderá ingressar em juízo com sua ação individual de

responsabilidade civil;

b) o interessado intervém no processo a título de litisconsorte: será

normalmente colhido pela coisa julgada, favorável ou desfavorável, não podendo,

neste último caso, renovar a ação a título individual.

Quanto aos interesses que proporcionam litígios essencialmente coletivos,

lembra José Carlos Barbosa Moreira:

O seu objeto é por natureza indivisível, como acontece, por

exemplo, em matéria de proteção do meio ambiente, em

matéria de defesa da flora e da fauna, em matéria de tutela

dos interesses na preservação do patrimônio histórico,

artístico, cultural, espiritual da sociedade; e como acontece

também, numerosas vezes, no terreno da proteção do

consumidor, por exemplo, quando se trata de proibir a

venda à exploração de um produto considerado perigoso ou

nocivo à saúde.36

36 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais n.º 61, p. 188-189

56

CAPÍTULO VI

MINISTÉRIO PÚBLICO

6.1 Introdução

A forma de intervenção do Ministério Público no processo civil se dá de

acordo com o interesse público a ser discutido. Para defesa daqueles interesses

indisponíveis tidos pela ordem jurídica como essenciais à sociedade é outorgada ao

Ministério Público a possibilidade de manejar a ação civil pública, já quando o

interesse, apesar de indisponível, depende da iniciativa de seu respectivo titular,

cabe ao Ministério Público o seu acompanhamento para a fiscalização de que será o

mesmo respeitado, sem ,entretanto, tirar do titular a possibilidade da escolha do

momento oportuno para a sua reclamação.

A princípio merece se discutir essa tradicional divisão de tarefas do

Ministério Público, afinal de contas ele participa do contraditório seja a que título for

sua intervenção, podendo produzir provas, participando de todos os atos

processuais, enfim se comportando perante o juiz como parte e sendo assim tratado.

Por esse motivo assim escreveu Vicente Greco ao se referir a essa divisão:

...merece críticas porque não define exatamente a razão da

intervenção e a sua verdadeira posição processual. Com

efeito, todo aquele que está presente ao contraditório

perante o juiz á parte. Portanto, dizer que o Ministério

Público ora é parte ora é fiscal da lei não define uma

verdadeira distinção de atividades, porque seja como autor

ou como réu, seja como interveniente eqüidistante a autor e

réu, o Ministério Público desde que participe do

contraditório, também é parte. Modernamente, procura-se

buscar a distinção da atividade do Ministério Público no

processo civil segundo a natureza do interesse público que

57

determina essa mesma intervenção. É preciso destacar

preliminarmente que, no processo civil, a intervenção do

Ministério Público tem como pressuposto genérico a

existência, na lide, de um interesse público. Ora, esse

interesse público pode estar definido como ligado ao autor,

como ligado ao réu, ou pode estar indefinido. Assim, é

possível classificar a atuação do Ministério Público no

processo civil segundo o interesse público que ele defende,

da seguinte forma: o Ministério Público intervém no

processo civil em virtude e para a defesa de um interesse

público determinado, ou intervém na defesa de um interesse

público indeterminado.37

Apesar do exposto, o art. 5º da Lei n.º 7.347/85, prevê a participação do

Ministério Público intervenção nesse tipo de ação: seja como parte, seja como fiscal

da lei, tais formas de participação serão a seguir analisadas.

6.2 Como Parte

Está o Ministério Público legitimado para o ingresso de ação civil para

interesses difusos e coletivo, é o que diz o art. 129, III da Constituição Federal. A lei

que rege a ação civil pública já atribuía tal legitimação ao parquet e assim também o

fez o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 82, sendo que nesse

ordenamento foi ampliado o raio de ação da instituição para incluir também a defesa

dos interesses individuais homogêneos.

Querem alguns autores classificar a legitimação do Ministério Público como

extraordinária quando é parte, pois estaria defendendo não interesse próprio, mas

de um grupo de pessoas:

37 GRECO FILHO, Vicente. Ob. cit, p 154

58

Age em nome próprio pela específica legitimação que a

ordem jurídica lhe conferiu, mas os interesses cuja proteção

persegue por meio da ação pertencem a terceiros, sejam

estes determinados, determináveis ou indetermináveis, mas

sempre terceiros, é a estes que cabe a titularidade dos

interesses sob tutela. Por essa razão, a legitimação do

Ministério Público na ação civil pública é extraordinária.38

Outros autores, como Rodolfo de Camargo Mancuso, entendem que a

legitimação do Ministério Público é ordinária, pois é a lei que lhe confere legitimidade

para o ingresso com a ação, além disso alguns interesses não podem ser atribuídos

a qualquer coletividade, pois pertencentes à humanidade, como é o caso da

preservação da floresta amazônica, por exemplo, nesses casos o Ministério Público

não está a substituir essa ou aquela parte, mas defendendo em juízo, em nome

próprio, interesse público por determinação legal.

Vale trazer aqui lição de Mancuso:

Presentemente, os interesses difusos já passaram a ser

acionáveis, visto que o legislador reconheceu sua existência

e a possibilidade de se os fazer em juízo. Com isso, cremos

que não mais padece dúvida quanto a sua “legitimidade”,

nem há por que considerar o tema sob a rubrica de

legitimação extraordinária. Se. V.g., a Associação de Defesa

da Serra do Mar promove um ação civil pública para

responsabilizar as empresas causadoras da poluição que

vitimou a floresta, ela estará agindo autorizada pela lei (n.º

7.347/85, art.5º) e defendendo posição jurídica própria.

Basta, portanto, que se interprete com a devida abertura e

atualidade o art. 6º do CPC e se poderá concluir que é

38 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública comentários por artigos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 1995, p. 78

59

ordinária a legitimação das entidades referidas no art. 5º da

citada lei sobre os interesses difusos.39

Como dito anteriormente, a legitimação para agir do Ministério Público não se

limita aos interesses difusos e coletivos engloba também os individuais

homogêneos, apesar de exigir polêmica quanto a estes últimos, pois alegam alguns

doutrinadores que são os mesmos cindíveis e disponíveis, portanto inclusos na

esfera individual por cada um dos interessados. Contrariando essa linha de

raciocínio, Mancuso e Kazuo Watanabe afirmam que a Constituição Federal, ao

determinar em seu art. 127, caput, que compete ao Ministério Público a defesa “dos

interesses sociais e individuais indisponíveis” estendem o seu campo de atuação

para aqueles interesses que apesar de individuais apresentam grande destaque na

sociedade devendo ter tutelados pelo Ministério Público.

Em linha de princípio, somente os interesses individuais

indisponíveis estão sob a proteção do parquet. Foi à

relevância social da tutela a título coletivo dos interesses ou

direitos individuais homogêneos que levou o legislador a

atribuir ao Ministério Público e a outros entes público a

legitimação para agir nessa modalidade de demanda

molecular.40

6.3 Como fiscal da lei

Quando não é parte, deve Ministério Público intervir obrigatoriamente como

custos legis tendo em vista os interesses envolvidos.

39MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesse Difuso: conceito e legitimação para agir. São Paulo: RT. 1988 (3ª ed. 1994), p. 175. 40 WATANABE, Kazuo. Ob. cit. P. 640

60

Em virtude de certos interesses serem relevantíssimos socialmente e, por

isso, considerados pela lei como indisponíveis, não importa a titularidade dos

mesmos, o Ministério Público é sempre chamado.

... a participar imparcialmente do processo, colaborando

com o juiz e com as partes, tudo no intuito de permitir a mais

perfeita definição jurisdicional do interesse; a defesa da

indisponibilidade, nesse caso, significa lutar pelo

reconhecimento tanto da existência como da inexistência do

interesse.41

Os interesses difusos e coletivos foram alçados pelo Estado como interesse

máximo da sociedade. Quando a Constituição dá a esses interesses o caráter de

indisponibilidade significa dizer que submeteu todos os demais interesses a esses

que são considerados essenciais à sociedade não podendo ser postergados nem

pelos indivíduos, nem pelo próprio Estado.

A indisponibilidade que caracteriza tais interesses implica na impossibilidade

de renúncia dos mesmos por seus titulares, via de regra, envolvem os interesses

econômico de vários grupos, havendo sempre o risco de colusão entre as partes,

pressões do autor coletivo visando receber vantagens em troca da desistência da

causa. Por esse motivo se faz imprescindível à intervenção ministerial sempre que

um desses interesses vai a juízo.

41 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no Processo Civil BRASILEIRO. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 1998, p. 65

61

CAPÍTULO VII

DA COISA JULGADA

7.1 Introdução

A doutrina tradicional processualista limita a eficácia da coisa julgada as

partes envolvidas no processo, pois até bem pouco não eram conhecidas em nosso

ordenamento, ações visando resguardar interesses de uma coletividade e não

apenas de um indivíduo. Com a ampliação dos limites das lides para serem

contemplados sujeitos coletivos no pólo ativo da relação, necessária a reformulação

dos limites da coisa julgada, pois agora não é mais um sujeito que vem a juízo pedir

tutela de seu interesse e sim uma coletividade onde, muitas vezes, seus membros

sequer sabem que um seu interesse está sendo defendido em juízo, pois substituído

processualmente conforme os permissivos trazidos pelas Lei n.º 7.347/85 e

8.078/90.

Esses indivíduos que tiveram seus interesses discutidos em juízo devem ter

garantidos os direitos tanto de usufruir a sentença benéfica, pois caso contrário o

julgado seria inócuo, como também de não ser pela sentença prejudicados, quando

seus interesses não forem devidamente defendidos.

Muito antes da regulamentação das ações coletivas, Liebman já abordava a

complexa questão da coisa julgada que atinge terceiros não presentes na lide

principal. Ao prefaciar a segunda edição de sua obra, Eficácia e Autoridade da

Sentença, ele assim se refere ao terceiro:

A distinção entre eficácia da sentença e autoridade da

coisa julgada permite reconhecer ao terceiro uma posição

distinta da das partes. Obrigado a respeitar o julgado

pronunciado entre as partes, mas sem lhe sujeitar, o

terceiro, titular de uma relação de prejudicialidade-

62

dependência com respeito à relação alheia objeto da

sentença passado em julgado, não é nem indiferente a

esse sentença, como os demais terceiros, nem é atingido

pela autoridade da coisa julgada, como as partes que

participaram do processo em que a sentença foi proferida:

esta pode lhe ser oposta, mas ele também pode contestá-

la demonstrando sua injustiça, porquanto existiam motivos

suficientes para obter um julgado diverso.42

Aqui já se pode vislumbrar uma primeira preocupação com a situação

daquele que não participou do processo, mas a decisão de alguma forma lhe atingiu.

No texto acima, bem como na obra citada, o autor não se referiu ao problema das

ações coletivas, entretanto com a introdução das mesmas em nosso ordenamento, o

tema precisou ser abordado para que fossem resolvidas nascentes.

7.2 “Secundum eventum litis”

O primeiro problema apresentado diz respeito ao fato de a parte não estar

presente no processo e a sentença ter contra si eficácia. Diz-se que tal situação fere

frontalmente o contraditório não podendo ser acolhida, pois inconstitucional. Ao

comentar o Código de Defesa do Consumidor, do qual foi uma das autoras, Ada

Pelegrini Grinover traz a fórmula norte-americana de representação adequada, ou

seja, a coletividade a ser atingida pelos limites da coisa julgada não se constituem

“terceiros” para o processo, pois estava legalmente representada por aquele a quem

a lei conferiu poderes para tanto o fazendo substituto processual.43 Mas ainda se

pode argumentar que pode acontecer desse substituto processual não ser diligente

o suficiente, trazendo aos representados prejuízos que eles poderiam ter evitado se

tivessem sido convocados a participar da demanda. Por esse motivo a coisa julgada

42 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense. 1984, p. VI

63

nessas ações é secundum eventum litis, ou seja, só é aplicada se favorável ao

representado, caso contrário poderá a parte discutir novamente tal questão em juízo.

Inúmeras foram as criticas formuladas em especial por se levantar a questão

que o réu em ação coletiva quando vencedor em uma ação poderá ter que repetir

sua defesa outras vezes, sempre que um dos integrantes do grupo resolver pleitear

seu interesse em juízo. Em verdade a crítica procede, entretanto era necessário se

fazer uma opção entre se estender o julgado nesses casos erga omnes, e se

abranger, ainda que a sentença fosse desfavorável, o terceiro que não interveio na

relação processual, ou se limitar secundum eventum litis e garantir a todos os

interessados, que nesses casos são sempre consumidores hipossuficientes em

relação à parte ré, normalmente grandes grupos econômicos, o direito de ter o seu

interesse garantido. Aliás, foi essa a intenção da lei a defesa do consumidor, é esse

o nome do Código não podendo desse ordenamento surgir um instrumento capaz de

vir a lhe prejudicar, bastando para tanto a colusão entre o substituto processual e a

parte ré, o que trataria prejuízos irremediáveis.

A imutabilidade é uma qualidade alcançada pelos efeitos da sentença. Ela

informa que as mesmas partes não podem mais discutir o mesmo conteúdo em

outra demanda quando já há decisão a seu respeito. Tal princípio, da imutabilidade,

merece agora mitigação, pois não se está mais diante de tutela individual e sim de

tutela coletiva.

O art.16 da Lei n.º 7.347/85 reza que a coisa julgada terá efeito erga omnes,

exceto quando for à ação julgada improcedente por deficiência de provas. Tal

cautela imposta pela lei tem razão de ser, pois é possível imaginar que um dos

legitimados para propositura da ação, mancomunado com a outras parte, venha a

propor uma ação para defesa de interesse metaindividual que foi violada não

juntado, propositadamente, o conjunto probante devido. Sai à sentença julgando

improcedente o pedido tendo em vista a insuficiência de provas. Não seria justo que

outras pessoas interessadas em defender um direito seu que foi violado, se visse

43GRINOVER, Ada Pelegrini. Ob. citada. P 708

64

impedida de fazê-la mesmo tendo todas as provas que demonstrarem a efetiva

violação desse interesse.

Com exceção dessa hipótese, nos outros casos, ainda que sequer a parte

tenha sido intimada a participe do contraditório instituto pelo juiz, a coisa julgada se

operará erga omnes:

7.3 Inovações do Código de Defesa do Consumidor

O art. 103 da Lei n.º 8.078/90 ( Código de Defesa do Consumidor) veio

disciplinar minuciosamente os efeitos da coisa julgada ficando assim sua eficácia:

a) erga omnes, se estiver diante de interesses difusos, excetose a

demanda for julgada improcedente com base na insuficiência de

provas; uma nova demanda, com o mesmo conteúdo, poderá ser

proposta com novas provas;

b) ultrapartes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe ( ou seja,

àqueles que estiverem unidos por mesma relação jurídica-base),

quando se estiver diante da defesa de interesses coletivos em

sentido estrito (art.81, parágrafo único, inciso II, da lei n.º8.078/90);

vale, aqui, a mesma exceção apresentada acima; portanto, uma

nova demanda, com o mesmo conteúdo da anterior, poderá ser

proposta se aquela merecer a improcedência por insuficiência de

provas;

c) erga omnes, quando se estiver diante da defesa de interesses

individuais homogêneos, mas, nessa hipótese, apenas haverá

eficácia erga omnes se a demanda for julgada procedente; a

improcedência seja ela fundamentada em qualquer motivo, quando

da defesa dos interesses transindividuais, não induz tal eficácia;

65

desde que não tenham intervindo na ação coletiva como

litisconsortes, os interessados poderão ajuizar próprios demanda a

titulo individual (art.103, §2º, da Lei n. º 8.078/90): isso decorre da

divisibilidade dos individuais homogêneos.44

Outra inovação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor diz respeito à

transposição para as demandas individuais de indenização do quanto decidido na

ação coletiva. O Código estende a decisão para incluir no julgado o dever de

indenizar. Tal dever não é mais discutido quando o interessado ingressa em juízo

pedindo indenização pelo dano sofrido; a sentença favorável proferida na ação

coletiva já informa o dever de indenizar por parte do réu, só se discutindo no

processo o quantum debeatur.

Tal fenômeno não é novo em nosso ordenamento. A sentença penal faz

coisa julgada no cível tornando certa a obrigação de reparar o dano, o que se

discute no processo cível é apenas o valor da indenização ou a maneira como a

mesma será prestada, mas a certeza da indenização já foi informada pelo juízo

criminal.

Pelo aqui tratado se vê que o legislador deu um grande e corajoso passo em

matéria de coisa julgada nas ações coletivas. Da maneira como está hoje posta o

consumidor se vê tutelado não havendo risco para a efetivação do seu direito. Ele

tanto pode ingressar sozinho para defesa de um seu direito, no caso específico dos

interesses individuais homogêneos, como também pode esperar a decisão de uma

demanda coletiva que, se não o beneficiar, também não pode lhe prejudicar.

Essa legislação conseguiu assegurar tanto os interesses individuais como os

coletivos, seja qual for sua classificação, constituindo um grande avanço na

estruturação de um Estado mais justo, menos opressor e direcionado pelos grandes

grupos que monopoliza o nosso comer, vestir, usar, sentir e, às vezes, pensar.

44 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. São Paulo: Atlas. 1997. p. 101e 102

66

CONCLUSÃO

Com a elaboração do presente trabalho foi possível concluir que atualmente

os interesses e direitos dos consumidores têm uma nova arma em sua defesa. Após

a promulgação da Lei n. º 8.708/90, Código de Defesa do Consumidor, um grande

passo foi dado em caminho do resgate da cidadania. Com o advento desse

instrumento legal muitas queixas que antes ficava apenas no plano de lamentações

passaram a lides resolvidas judicialmente sob nova ótica no julgamento e apreciação

desses casos.

O Ministério Público, que atingiu após a Constituição Federal papel de

verdadeiro “ombudsman” do povo, tem tido papel determinante na defesa dos

interesses coletivos do consumidor que antes não eram levados a sério,

especialmente pelos grandes grupos econômico-financeiros que dominam o

mercado de consumo.

É necessária uma nova mentalidade, uma nova consciência de cidadania e

de direitos que cada um tem e deve preservar. Com o amadurecimento dessa idéia e

do conhecimento que nossa legislação já prevê instrumentos adequados, como a

ação civil pública, para a sua defesa é que construiremos um país melhor, com

igualdade de oportunidades, com respeito ao próximo e melhor qualidade de vida

para todos.

Talvez seja um ideal utópico, mas são essas utopias, quando

instrumentalizadas, que modificam uma sociedade, uma época e um povo.

67

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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WATANABE, Kazuo. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 9

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

AÇÃO CIVIL PÚBLICA 12

1.1 - Histórico 12

1.2 – Origem do nome 13

CAPÍTULO II

INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS 19

2.1 – Interesse ou Direito? 19

2.2 – Generalidades 19

2.3 – Interesses Difusos 22

2.4 – Interesses Coletivos 24

2.5 – Interesses Individuais Homogêneos 26

70

CAPÍTULO III

QUESTÕES PRELIMINARES E PREJUDICIAIS 28

3.1 – Introdução 28

3.2 – Questões Preliminares 29

3.3 – Questões Prejudiciais 35

CAPÍTULO IV

TUTELA ANTECIPADA E CAUTELAR 41

4.1 - Introdução 41

4.2 – Da Tutela Cautelar 43

4.3 – Da Tutela Antecipatória 46

4.3.1 – Da Irreversibilidade 47

4.3.2 – Da Revogação 48

4.3.3 – Da Efetivação 49

CAPÍTULO V

LITISCONSÓRCIO 54

CAPÍTULO VI

MINISTÉRIO PÚBLICO 56

6.1 – Introdução 56

6.2 – Como Parte 57

6.3 – Como Fiscal da Lei 59

CAPÍTULO VII

COISA JULGADA 61

7.1 – Introdução 61

7.2 – “Secundum e ventum litis” 62

7.3 – Inovações do Código de Defesa do Consumidor 64

71

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

ÍNDICE 69

72

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: A Defesa do Consumidor à Luz da Ação Civil Pública

Autor: Raquel Magalhães Ribeiro

Data da entrega:24/02/2005

Avaliado por: Conceito: