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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE UMA EDUCAÇAO ASSOCIADA AO PRAZER COMO FATOR DE REDUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR Por: Miriam Toledo Moreira Orientador Prof. Celso Sanchez Rio de Janeiro 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

UMA EDUCAÇAO ASSOCIADA AO PRAZER COMO FATOR DE

REDUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR

Por: Miriam Toledo Moreira

Orientador

Prof. Celso Sanchez

Rio de Janeiro

2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

UMA EDUCAÇAO ASSOCIADA AO PRAZER COMO FATOR DE

REDUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Psicopedagogia.

Por: Miriam Toledo Moreira

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AGRADECIMENTOS

Aos meus queridos alunos e alunas ao

longo de doze anos de atuação no

Magistério que me fizeram sempre

perguntar pelo prazer na minha

docência e buscar favorecer uma

discência mais prazerosa para eles.

Ao meu marido, Márcio Azevedo que

tomou a iniciativa de inscrever-me

neste curso de pós-graduação.

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DEDICATÓRIA

À minha filha Letícia Toledo,

personificação da alegria, para que siga

na vida amando aprender!

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RESUMO

Pesquisar sobre onde anda o prazer no exercício acadêmico nos leva a

perguntar se não seria sua ausência uma das principais causas de atraso e

evasão escolar no sistema de ensino brasileiro. E, por outro lado, não seria

uma educação associada ao prazer fator de redução dessa mesma situação

de fracasso?

A escola e o prazer de aprender é um tema urgente e importantíssimo,

uma vez que a sociedade do novo milênio pede uma resposta direta aos

problemas da educação, pede pessoas melhores, mais humanizadas, com

objetivo, pessoas com valores, mais alegres e felizes, conseqüência, em

grande parte, de uma educação cheia de sentido, democrática, cidadã.

Por conseguinte vemos que nem sempre a escola tem conseguido

seus objetivos, aliás, tem uma grande parcela de responsabilidade na situação

de exclusão social a que são submetidos os evadidos dos sistemas de ensino.

Nem sempre os que buscam a escola encontram nela a resposta para

suas questões fundamentais, ou não suportam o peso de um currículo

engessado que não faz sentido algum em confronto com o projeto de vida

pessoal que possuem.

Após experiência de fracasso e evasão escolar, muitos jovens e

adultos retornam à escola buscando realizar o sonho de uma certificação

escolar que possivelmente lhe abrirá as portas cerradas do mercado de

trabalho, possibilitará reconhecimento social, aumento da auto-estima, enfim,

um lugar melhor na sociedade. Porém a escola que sonham encontrar, nem

sempre é a escola real que os acolhe. Aqui está o grande desafio para a

escola, hoje: fazer uma educação cheia de sentido, de alegria e de prazer!

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METODOLOGIA

A presente pesquisa foi realizada através da leitura de textos

acadêmicos de diversos teóricos da Educação e áreas afins, da observação da

vida acadêmica em escola particular de Ensino Fundamental, pesquisa de

campo em estabelecimento de ensino público em Educação de Jovens e

Adultos (EJA) no Rio de Janeiro, leitura de artigos e entrevistas em periódicos

e internet.

Após observação da dificuldade demonstrada pelos alunos em querer

aprender e o desânimo em muitos docentes em querer ensinar, e conseqüente

situação de fracasso gerado pelos baixos índices de aprendizagem busquei, na

leitura de diversos teóricos da educação, na conversa com alunos e

professores, na visita e entrevista a alunos de EJA em escola pública do Rio

de Janeiro a compreensão para o problema, possíveis causas, e caminhos

para solução.

A constatação da ausência de prazer no exercício acadêmico levou à

investigação de qual seria o sentido da educação na vida da pessoa, o que se

espera da escola, no que a escola pode contribuir para o projeto de vida

pessoal do aluno e o que acontece quando esses projetos – do aluno e da

escola – não se encontram.

Assim sendo, após a compreensão do problema, busca-se propostas

para uma educação associada ao prazer, cheia de sentido, desafiadora,

mostrando o retorno à escola de pessoas com histórico anterior de fracasso

escolar.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Escola e Prazer 12

CAPÍTULO II - Fracasso Escolar 24

CAPÍTULO III – O retorno à Escola em Educação de Jovens e Adultos 30

CONCLUSÃO 41

ANEXOS 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 46

ÍNDICE 50

FOLHA DE AVALIAÇÃO 52

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INTRODUÇÃO

Anos de atuação no Magistério, participação em cursos de formação

para professores, fóruns, congressos de educação, conversas informais à hora

do recreio, conselhos de classe etc, fizeram-me deparar com uma das

perguntas mais intrigantes e urgentes que nós, professores, precisamos nos

fazer: Poderia a escola assegurar uma aprendizagem efetiva (êxito acadêmico)

sem o prazer no processo de aprendizagem?

A escola precisa perguntar-se sobre onde está o prazer nas salas de

aula, onde está o sentido de ensinar e aprender, por que está cada vez mais

difícil atingir os alunos, envolvê-los na produção e descoberta do

conhecimento, por que as histórias de fracasso e evasão escolar aumentam a

cada ano e nenhuma teoria, método de ensino, filosofia de educação, projeto

de qualquer natureza consegue dar conta de tal problema por muito tempo?

Sabemos que, para o ser humano, o aprender é questão vital. Desde

que nasce precisa aprender a sobreviver. Tudo lhe é ensinado.

Segundo Antunes (2004) o ser humano vai além da sobrevivência, ele

gosta de aprender o que lhe interessa, o que lhe faz sentido. A escola, porém,

que de acordo com Alves e Pretto (2005) inicialmente, para os gregos, era

espaço de lazer e conseqüentemente local de prazer, com o passar do tempo

tornou-se instituição onde se vai buscar e adquirir informações, conhecimentos

produzidos por outros que, muitas vezes, são passados de forma

descontextualizada, tornando-se um lugar enfadonho e desprazeroso, gerando

desânimo, desinteresse e conseqüente fracasso e abandono escolar.

Sinal disto é a dificuldade de ensinar hoje a alunos que, a seu modo,

querem saber, mas não querem aprender o que a escola ensina, nem como

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elas ensina e que, por isso, rejeitam, resistem à educação que lhes é

oferecida. Sinal disto é a crescente indisciplina, indiferença e violência que

contamina muitas de nossas escolas hoje.

Segundo Freud, o ser humano é movido pelo prazer. Desde que nasce

busca satisfazer seus instintos, rejeitando o desprazer e a dor. Ele tem

necessidade de extravasar suas energias, aquilo que, em excesso, o incomoda

(pulsão). Saciar a sede de saber, de conhecer o mundo, de compreender os

por quês da vida, a alegria de sentir-se inteligente, útil, de conviver com seus

pares é fonte infinita de prazer e é buscada permanentemente pelo aluno que

cultiva sua curiosidade natural.

Assim sendo, o ser humano busca também prazer em seu aprendizado

no mundo, deixa-se levar pelas múltiplas oportunidades oferecidas no dia a

dia pela mídia, pelas novas tecnologias, no lazer, no contato com amigos, com

a família, nas leituras informais, na arte, no cinema, enfim, na vida! Esta

experiência prazerosa que encontra no mundo, o aluno quer experimentar

também na escola.

O conflito surge quando a escola não consegue oferecer espaço para

essa aprendizagem com sentido, com prazer. A falta de motivação e prazer no

ato de aprender/estudar pode ser uma das principais causas do atraso escolar

em que se encontram os jovens freqüentadores do ensino supletivo, fator este

que os leva a buscar a escola estritamente por objetivos funcionais como a

busca de um diploma, necessidade de inclusão social, elevação da auto-

estima, manutenção ou aquisição de emprego, apesar de, em muitos casos,

existir o desejo de prosseguimento dos estudos. Esta visão funcional da

escola se daria, sobretudo, pela diferença substancial entre os projetos da

Instituição e os projetos pessoais dos educandos que, em muitos casos, não

vêem na prática educativa vigente, em especial por metodologias inadequadas

utilizadas pelos docentes, conteúdos descontextualizados, currículo engessado

etc., uma resposta para seus anseios.

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Para Gadotti (2005) o aluno

“...só aprende quando quer aprender e só quer aprender quando vê na aprendizagem algum sentido. Aprende-se o que é significativo para o projeto de vida da pessoa, aprende-se quando se tem um projeto de vida .”

A escola, por sua vez, precisa restabelecer uma educação cheia de

sentido, com um projeto que tenha relação com o projeto de vida de seus

alunos, uma educação que proporcione aprendizagem prazerosa e

significativa.

A escola e o prazer de aprender é um tema urgente e importantíssimo,

uma vez que a sociedade do novo milênio pede uma resposta direta aos

problemas da educação, pede pessoas melhores, mais humanizadas, com

objetivo, com valores, mais alegres e felizes, conseqüências em grande parte,

de uma educação bem feita. Por conseguinte vemos que nem sempre a

escola tem conseguido seus objetivos, aliás, tem uma grande parcela de

responsabilidade na situação de exclusão social a que são submetidos os

evadidos dos sistemas de ensino. Nem sempre os que buscam a escola

encontram nela a resposta para suas questões fundamentais, ou não suportam

o peso de um currículo engessado que não faz sentido algum em confronto

com o projeto de vida pessoal do aluno.

O objetivo desta pesquisa é Investigar como a questão do prazer na

aprendizagem pode contribuir para o êxito acadêmico e diminuir a repetência e

evasão escolar; Compreender as motivações que levam alunos com histórico

de fracasso escolar a retornarem à Escola na modalidade de Educação de

Jovens e Adultos (EJA); Levantar o nível de motivação apresentado por esses

alunos durante o curso,qual seu projeto pessoal ao buscar a escola; Verificar

até que ponto o Projeto da Escola atende ou não as expectativas dos alunos,

se tem ou não a ver com se projeto de vida e finalmente, definir estratégias

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para recuperar o espaço acadêmico como local de aprendizagem significativa

e prazerosa.

A leitura de textos acadêmicos de diversos pesquisadores da Educação

e áreas afins embasou teoricamente esta pesquisa que foi enriquecida com

visita a um estabelecimento de ensino público em Educação de Jovens e

Adultos (EJA) no Rio de Janeiro e entrevista com alunos da instituição.

CAPÍTULO I

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Escola e Prazer

“O novo profissional da educação deve romper

o divórcio entre a vida escolar e o prazer”

(GADOTTI, 2005).

1.1. A escola.

Muito se tem refletido sobre a escola e sua função na sociedade do

novo milênio, qual o seu projeto e o que ela representa para a humanidade.

Há um consenso geral acerca da importância do espaço escolar e a vida

acadêmica é valorizada em todas as camadas sociais como fator de promoção

humana e ascensão social. Freqüentar a escola, mais que um direito

adquirido, faz parte do dever civil de todo cidadão.

Mas, a final, o que é a escola? O que ela significa? Qual sua

importância, qual seu papel? Será que seus alunos conhecem sua identidade,

seu valor, sua função? A escola sempre foi assim, como a vemos hoje? No

que tem se tornado a escola como espaço de aprendizagem?

Não é nosso objetivo, no momento, fazer um estudo aprofundado sobre

a origem da Escola e sua evolução até os nossos dias, mas apenas dar um

olhar panorâmico sobre sua história a fim de buscar caminhos de

compreensão para responder nossas indagações.

De acordo com Piletti e Piletti (2002) a palavra escola, na língua grega,

significa “o lugar do ócio”. Na educação grega, somente os homens livres que

não precisavam trabalhar, logo, que tinham tempo, dirigiam-se aos “ginásios” a

fim de cuidar do corpo, fazendo ginástica, massagem, sauna e da mente para

discutir Política e Filosofia.

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A escola era sinônimo de descanso, convívio social e prazer, para a

minoria dos cidadãos que tirava proveito da sua liberdade. Vale lembrar que

havia uma grande massa de escravos que somava 90 % da população. Logo,

a escola era local de privilégio restrito aos poucos que podiam exercer

cidadania, almejado por todos os outros que não podiam dispor de seu tempo

totalmente entregue ao trabalho braçal.

Na Idade Média a escola surge como Instituição ligada a religião católica

com o objetivo de atender a demanda de uma nova classe social, também

privilegiada, que precisava ocupar seu tempo ocioso de forma nobre e digna.

A preservação da doutrina católica e a iniciação cristã dos novos fiéis

deram origem ao que se chamava de escolas catedrais, por funcionarem nos

prédios eclesiásticos e terem como tarefa principal a reforma moral do mundo

e a sólida instrução moral de seus próprios membros.

As escolas monacais tinham o objetivo de preparar jovens vocacionados

à vida religiosa através do estudo da doutrina católica, cópia e conservação de

livros e estudo da literatura. Eram, segundo Piletti e Piletti (2002),

praticamente os únicos centros de pesquisa, editoras para multiplicação de

livros, as únicas bibliotecas para a conservação do saber, e enfim, o local pro

excelência onde se preparavam os únicos sábios e estudiosos da época.

A cópia dos manuscritos antigos e a sistematização do saber produzido

na época, feitos pelos monges foi um dos maiores benefícios deixados por

estes à educação. Sem esse trabalho não teríamos acesso a maior parte das

obras do passado, nem uma visão da evolução da educação ocidental.

Contudo, é na Idade Média que a escola se forma como local do saber,

onde se legitima o saber produzido, onde se busca o conhecimento que tem

valor porque é respaldado pela “academia”.

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Podemos dizer que as demais fases atravessadas pela educação, de

modo geral, até os nossos dias, seguem esta mesma linha de escola

desenhada na Idade Média, onde só teriam valor as aprendizagens realizadas

dentro do espaço escolar. Tudo o que é aprendido fora, se não for validado

pela academia, é visto com reservas, desconfiança, enfim, não passa de senso

comum, não é ciência, como afirmam Alves e Pretto (2005).

Apesar de todo avanço científico, da elaboração de teorias de educação

baseadas no desenvolvimento humano, de métodos de ensino

contextualizados, que levam em conta o social, a história pessoal do aluno,

vemos uma escola, seguindo o legado deixado pela educação jesuítica de

guardiã do saber cuja principal função seria a de passar o conhecimento

produzido pela humanidade para as gerações. O aluno vai a escola não para

produzir conhecimento, mas para adquirir e armazenar informações, e o que é

pior, as informações que a escola quer dar, que elege como necessárias, o que

muitas vezes não condiz com o que o aluno gostaria de aprender, que entende

como necessário para sua vida, para seu projeto pessoal. Talvez esteja aqui a

raiz da crise que a Escola tem enfrentado nas últimas décadas, a raiz do

conflito entre a Escola e o prazer de aprender.

Para Gadotti (2005), um caminho para compreender a crise que

enfrenta a educação, hoje, pode estar na perda de sentido do que é educar, de

qual o papel da Escola e do professor, e nas razões por que o aluno vai a

escola, como a sociedade vê a educação e o que espera dela. Ao falar para

professores, Gadotti diz:

“Talvez esteja aí a chave para entender a crise que vivemos: perdemos o sentido do que fazemos, lutamos por salário e melhores condições de trabalho sem esclarecer a sociedadesobre a finalidade de nossa profissão, sem justificar porque estamos lutando...”

E continua:

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“Enquanto não construirmos um novo sentido para a nossa profissão,

sentido esse que está ligado à própria função da escola na sociedade

aprendente, esse vazio, essa perplexidade, essa crise, deverão continuar”.

Podemos nos perguntar, então, sobre qual seria o sentido de ser

professor, professora, qual seria a função da escola hoje e o que fazer para

responder à demanda de um mundo que muda em ritmo aceleradamente

frenético. Na verdade, tal pergunta deve ser feita constantemente pelo

profissional de educação, pois cada geração pede uma resposta própria.

É claro que, se a função da escola muda junto com o mundo, a tarefa do

professor, diante da velocidade com que a informação se desloca, envelhece e

morre, não pode ser simplesmente transmitir essa informação.

As novas tecnologias criaram novos e inúmeros espaços de

aprendizagem. Aprender, hoje, transcende a escola. Todos os espaços

sociais, de repente, se tornaram educativos. Pode-se acessar o ciberespaço

da formação e da aprendizagem a distância, buscar a informação disponível

nas redes de computadores interligados, encontrar a formação em espaços

comunitários como Ongs, Igrejas, associações, sindicatos, etc. Gadotti cita

Herbert Mc Luhan que já na década de 60, vislumbrava um novo tipo de

educação para nosso mundo:

“ O planeta tornou-se a nossa sala de aula e o nosso endereço. O ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a aprendizagem. O espaço de aprendizagem é aqui, em qualquer lugar; o tempo de aprender é hoje e sempre”. (MCLUHAN, Herbert M.Os meios de comunicação como extensões do homem.São Paulo, Cultrix, 1974).

A escola, apesar de ter consciência desta nova realidade da educação

não consegue abrir-se a novas possibilidades de ensino e aprendizagem.

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Parece estar presa a um paradigma que não existe mais, que não atende às

necessidades do aluno hoje. Nossa escola continua preocupada em ensinar e

não pára para pensar a educação, como se aprende, por que se aprende. Dar

aulas excelentes, aprovar em concursos, conferir títulos tem sido a

preocupação da escola. Parece que tudo se resume na “aula”. E é

inacreditável que a escola continue meramente “dando aulas” em vez de cuidar

da aprendizagem, no dizer de Pedro Demo (2001).

Se a escola continua ignorando a realidade ocupando-se somente em

dar aulas, sem incomodar-se com o que o aluno precisa, tão cedo será

superado o paradoxo que toma conta da educação.

“O aluno quer saber, mas ele não quer aprender, não

quer aprender o que lhe é ensinado e nem como lhe é ensinado.

E o conflito, o desinteresse, a indisciplina, a violência nas

escolas está crescendo. A escola ensina num paradigma e o

aluno aprende em outro paradigma”. Gadotti (2005)

É preciso resgatar o sentido da escola, o sentido de ensinar, o sentido

de aprender. Só assim haverá alegria no espaço acadêmico, alegria que vem

com o prazer de se ter um projeto comum, de saber para onde ir. Falando-se

em prazer, é imperativo resgatar, dentro da escola, esta qualidade do ensino

há muito perdida, suplantada pelo trabalho acadêmico árduo, pelas aulas e

aulas plenas de conteúdo e vazias de sentido. Não que a aprendizagem não

exija trabalho, sim, exige. Porém um trabalho cheio de sentido também pode

ser extremamente prazeroso. Passamos a abordar, agora, a questão do

prazer.

1.2. O aluno e o prazer

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Segundo Sigmund Freud (1856-1938), criador da Psicanálise, todo ser

humano é regido, inconscientemente, pelo princípio do prazer, isto é, a mente

humana atua de modo a buscar o prazer e evitar a dor, o desprazer.

Após o nascimento a criança tende a alcançar o prazer imediato, prazer

que não pode ser adiado, pois, ao não ser atendida, reage com choro e grito

manifestando o estado de desprazer, a frustração. Mais tarde ela adquire a

capacidade, de modo gradativo, adiar a realização do prazer, ou seja, pode

suportar um pouco mais o retardo dessa realização e a sensação do

desprazer.

De acordo com a teoria de Freud, o ser humano é repleto de energia, é

pulsão. O aumento na tensão psíquica, que podemos chamar de carga de

energia, pulsão, libido, causa o desprazer, enquanto que com a sua diminuição

(descarga da tensão), obtém-se o prazer.

Podemos assim resumir o conceito principio do prazer: o indivíduo, ou a

mente humana, procura em tudo, inconscientemente, obter prazer e evitar o

desprazer.

Ainda conforme Freud, este princípio do prazer é limitado pelo princípio

da realidade. Se o prazer está na realização do impulso primário vital do ser

humano, a realidade está no social, na vida dos indivíduos em grupos com

suas regras, normas e sanções e, por conseguinte, com suas inevitáveis

sensações de desprazer.

É pelo confronto entre esses dois princípios – prazer e realidade – que

começa a se diferenciar, no indivíduo, o eu interior, do mundo externo. O

principio de realidade, no seu confronto com o principio do prazer, irá capacitar

o ser humano a construir defesas que o protejam dos desprazeres de que o

mundo externo o ameaça.

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A partir desta teoria podemos compreender o fato de que o ser humano

busca e interessa-se pelo que lhe dá prazer ou que carrega em si uma

possibilidade prazerosa e rejeita o que não lhe agrada, o que não se apresenta

como possibilidade prazerosa o que não se apresenta como possibilidade de

prazer, de extravasar sua energia, seu desejo por bem estar, o que podemos

chamar de felicidade.

O ser humano, após descarregar sua pulsão, sente logo o desejo de

buscar mais, na tentativa de prolongar aquele estado de prazer e afastar a

sensação de desprazer. Ele se mantém vivo à custa da lembrança do prazer

que experimenta, o que o faz suportar os momentos de desprazer na busca,

no desejo de poder, tão logo, extravasar a pulsão.

É este olhar sobre o ser humano, um ser de pulsão, que busca o prazer

em todas as coisas, inclusive na escola, que procuraremos realizar agora, a fim

de encontrar caminhos para uma aprendizagem com prazer.

1.3. O prazer de aprender

Para o ser humano, assim como o prazer, aprender é uma questão vital.

Ao nascer precisa que alguém lhe ensine a sobreviver. É o ser vivo mais frágil

e dependente da natureza até que adquira, com o tempo, conhecimento e

autonomia para manter-se e defender-se. Aprendizado e vida caminham

juntos.

“Conhecer não é só adaptar-se ao mundo. É condição de sobrevivência do ser

humano e da espécie”. (Gadotti, Op.cit)

Não é por acaso que seja o único ser vivo curioso, ávido por aprender, o

único que pode transformar sua realidade. Segundo Antunes (2004), o ser

humano vai além da sobrevivência, ele não só precisa aprender como gosta

naturalmente de aprender, sente prazer em dominar um conhecimento novo,

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em compreender a realidade à sua volta, em descobrir novos caminhos e

assim produzir conhecimento, mudando a própria história.

Antes de conhecer, porém, o sujeito se interessa, como no dizer de

Freire (1996), possui aquela “curiosidade epistemológica” que o faz querer,

desejar conhecer e sentir prazer ao satisfazer tal desejo.

“Só é possível conhecer quando se deseja, quando se

quer, quando nos envolvemos profundamente com o que

aprendemos. No aprendizado, gostar é mais importante do que

criar hábitos de estudo”. (Idem)

Neste sentido, não que se possa prescindir de uma rigorosidade

científica no processo de aprendizagem, mas é de tal importância o trabalho de

sedução realizado pelo professor que fará com que o aluno se encante pelo

próprio desejo de aprender abrindo-se ao conhecimento produzido pela

humanidade, encontrando sentido em seu fazer acadêmico, o que fatalmente

se transformará em aprendizagem com prazer.

Vivemos numa sociedade baseada no conhecimento o qual possui valor

de mercado. Conhecer pode ser sinônimo de poder, dependendo da

informação que se possui e da velocidade com que é acessada.

Assim sendo, o trabalho de sedução realizado pelo professor encontra-

se propriamente no fato de ele, além de dominar a informação, ter clareza

acerca de seu valor, qual o sentido que tem para a história da humanidade,

sua aplicabilidade no cenário atual, sua importância para o contexto social e

para o projeto de vida do aluno.

O aluno só se sente seduzido quando o conteúdo é interessante. Porém

isto só ocorre quando o conteúdo ministrado é significativo, quando faz

sentido, quando faz-se necessário para a vida do aluno. É muito mais que

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conhecer, trata-se de saber como e onde aplicar a informação a fim de ganhar

qualidade de vida, a fim de compreender a história da humanidade e a própria

história, de inserir-se no contexto, analisá-lo e transformá-lo. Uma informação,

para seduzir, tem que ter este poder!

A escola, por sua vez, precisa conscientizar-se de que é muito difícil,

para o aluno, estabelecer uma relação significativa entre a produção científica

acumulada pela humanidade ao longo da História – diga-se, conteúdo

transmitido ao aluno na escola – com sua vida, sua história e seus projetos.

Não é raro encontrar alunos confusos, desmotivados, perguntando, diante de

certos conteúdos programáticos: “Para quê eu preciso aprender isso,

professor? Vai servir em quê na minha vida? Ajudar o aluno a estabelecer

esta relação significativa entre o conhecimento e a vida tem-se constituído na

principal tarefa do professor hoje.

Isso porque, se o aluno não conseguir ver sentido no que está

aprendendo ele rejeitará, resistirá à aprendizagem desinteressando-se e, muito

freqüentemente fracassando, chegando à desistência.

Podemos dizer que um dos maiores problemas que a escola enfrenta

hoje encontra-se na falta de sentido no fazer acadêmico. O aluno não sabe

por que ou para que estuda e o professor, perplexo com a situação alarmante

da educação, com o sucateamento das escolas, com as políticas públicas que

relegam a educação a último plano, com salários baixos, com a violência dos

alunos, indisciplina etc, não sabe por que ou para que continua na profissão.

É por isso mesmo que não adianta querer resolver o problema com a

implantação de novos métodos e técnicas de ensino, seguir receitas que

deram certo em outros contextos, seguir teorias inovadoras e aparelhar

escolas com tecnologia de ponta na ilusão de, com isso, resgatar o prazer

dentro da escola. Está claro que o problema é interno e interna a solução.

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A motivação do aluno vem de dentro, do sentido que ele vê no que está

aprendendo. Sentido este mediado pelo professor que sabe o que ensina,

como ensina e por que ensina. Sentido conferido por um professor que não

somente preenche uma vaga no sistema de ensino, mas que tem um sonho,

um projeto: ajudar o aluno a tornar-se mais humano, mais autônomo, mais

solidário e mais feliz. Isso é muito mais que “dar aula”, isso confere sentido à

vida! Isso é pleno de beleza! Como no dizer de Freire, educar assim é seduzir

o aluno no encantamento pela beleza! É a educação, estética, a beleza da

educação.

Falta beleza em nossas escolas, falta alegria, falta amizade, falta

relação. Pelo contrário, existe muita regra, muita cobrança, muita imposição,

muito conteúdo, muita burocracia e, por conseguinte, muita insatisfação, muito

desanimo, indisciplina, violência, cansaço e desistência.

O prazer de aprender acontece quando somos tocados pelo que

aprendemos, quando colocamos emoção. Para isto é necessário se educar as

emoções, aprender a sensibilidade neste mundo totalmente embrutecido. É

necessário ao professor ensinar com alegria.

A escola, por sua vez, precisa perceber a dimensão do poder de

sedução ao qual o aluno encontra-se exposto diante da TV, da internet, dos

jogos, do fascínio da propaganda veiculada pela mídia em geral, o que

freqüentemente entra em concorrência ou em contradição com o que as

crianças aprendem na escola e, com a forma como lhes é ensinado.

Não que tenhamos que competir com a mídia, com os atrativos

sedutores de além muros das escolas com uma espécie de show acadêmico,

mas buscar fazer do espaço escolar um lugar mais acolhedor, mais alegre,

mais atraente para os alunos e ajudá-los a compreender e gerir o saber na

sociedade da informação. Para isso faz-se necessário uma mudança de

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postura, de visão da relação professor-aluno, e da relação de ambos com o

saber.

“O professor deve estabelecer uma nova relação com seu aluno, passar do papel de ‘solista’ ao de ‘acompanhante’, tornando-se não mais alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda o aluno a encontrar, organizar e gerir o saber, guiando, mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida”. (DELORS, JACQUES (org), Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Pág. 154-155).

As considerações do Relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional sobre Educação para o Século XXI nos oferecem algumas pistas

sobre esta nova tarefa do professor de resgate da alegria e do prazer na

escola, enfrentando o desânimo e a desistência instalados no espaço escolar.

Passo a descrever algumas características desse “novo professor”, segundo a

análise de Gadotti para essa nova escola que queremos:

1. O novo professor é um profissional do sentido. Ele sabe gerir os

novos espaços de formação e a informação veiculada neles, sabe integrar e

gerir o conhecimento social, seleciona a informação dando sentido para o

conhecimento, na verdade, sendo seu mediador. Ele ensina a pensar a

realidade. Pensá-la e transforma-la.

2. O novo professor é um profissional que aprende em rede

(ciberespaço da formação), sabe cooperar, trabalhar em equipe. É um

aprendiz permanente e com isso desperta o desejo de aprender no o aluno e

trabalha para que o aluno seja autônomo e se torne sujeito da sua própria

formação.

3. Citando Gadotti (2005) “Ensinar é mobilizar o desejo de aprender.

Mais importante do que saber é nunca perder a capacidade de aprender... O

novo profissional da educação deve romper o divórcio entre a vida escolar e o

prazer”.

4. O comprometimento ético faz parte das funções desse novo

professor. Ele sonha, tem um projeto, uma utopia. Ele sabe educar com

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sensibilidade, não pratica uma educação mecanicista, alienante,

desumanizadora. Sabe unir a razão e emoção no ato de ensinar.

5. O novo professor deve também valorizar a vida, lutar pela vida,

propagar a “cultura da vida” contra a “cultura de morte” instalada nos quatro

cantos do mundo! Ele tem o papel de promover a paz, a solidariedade, de

contagiar as pessoas ao engajamento na luta pela vida.

Uma aprendizagem com prazer é uma aprendizagem cheia de sentido,

com ideal de vida, com alegria, com emoção, com vontade! Assim é o desejo

natural do ser humano de aprender. Ao encontrar uma escola, porém, onde

esse desejo é morto pela frieza de um sistema rígido, que privilegia o conteúdo

em detrimento da descoberta, ao encontrar uma prática educativa

desencarnada da realidade, ao não ver correspondência entre o que a escola

ensina e seu projeto pessoal de vida, o aluno resiste, desanima, fracassa e

desiste. É esta realidade que passo a considerar, no capítulo seguinte, sobre

o fracasso escolar. Fracasso entendido não unicamente como fracasso do

aluno, mas também do professor, da escola, da família e da sociedade.

CAPÍTULO II

O fracasso escolar

“Em primeiro lugar, a escola precisa instigar no aluno a

curiosidade, a vontade de aprender. Infelizmente, muitas escolas

recebem alunos ávidos por conhecimento e conseguem aniquilar esse

desejo de aprender, que é natural que eles tenham”. (SAYÃO,

ROSELY, Como a escola mata a vontade de aprender. Folha de São

Paulo, 3/07/2003).

Sendo nosso objetivo principal estabelecer uma conexão entre a

ausência de prazer no exercício acadêmico e o fracasso escolar,

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buscaremos uma melhor compreensão sobre o assunto, traçando alguns

marcos históricos, na tentativa de interpretar a situação que permeia,

atualmente o cotidiano dos alunos em situação de atraso escolar

freqüentadores da Educação de Jovens e Adultos.

2.1. Um breve histórico dos problemas de aprendizagem

Durante o século XVIII e XIX (SCOZ, 1996), havia uma grande

preocupação com a relação binária normal-anormal. As crianças que não

acompanhavam um "ritmo" estabelecido pelo grupo de pares eram rotuladas

e estigmatizadas de incapazes.

Acompanhando essa tendência, os psicólogos passaram a ter um

papel crucial no grupo educacional, através do uso de instrumentos

avaliativos. O problema da criança geralmente ficava associado ao ambiente

familiar (alcoolismo do pai, divórcio, etc).

Na década de 60, a medicalização do fracasso escolar tomou espaço

dentro do discurso pedagógico, através da Neurologia, atribuindo à

Síndrome de Disfunção Cerebral Mínima (DCM) a responsabilidade das

dificuldades apresentadas pelo aluno. Cypel (1986) apud SCOZ (1996, p.24)

afirmou que 40% das crianças atendidas em consultórios eram assim

diagnosticadas.

Essas avaliações causavam uma desmotivação por parte do

professor, que se sentia enfraquecido em função da "superioridade" das

falas clínicas. Essa dimensão simbólica persiste até hoje em nossos meios

educacionais.

No sentido de rever a forma com a qual a educação estava se

delineando em relação aos problemas de aprendizagem, nos anos 60 surge

a Escola Nova, que suscita questionamentos relacionados à doença e ao

fracasso. Passa-se a olhar para as diferenças individuais dos alunos,

baseado no desejo da sociedade igualitária. Entretanto, esta tendência

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tornou-se inviável, pois numa sociedade dividida em classes, reforçam-se as

diferenças no sentido de pobre/rico, capaz/incapaz (DOTTI, 1994).

Já nos anos 80, a Psicopedagogia, formada por equipes

multidisciplinares, apresenta um novo corpo de conhecimento e postura em

relação aos problemas de aprendizagem e ao fracasso escolar. Há uma

revisão de situações, onde a pobreza deixa de ser considerada a causa do

fracasso. Os psicopedagogos, à luz de alguns teóricos, passam a

compreender melhor o fracasso de aprendizagem pelo qual a criança passa.

Basicamente, seus trabalhos fundamentaram-se em estudos de autores

como Piaget, que se ocupa do sujeito inteligente; Vygotsky, que enfoca o

sujeito social; Wallon, que se concentra no sujeito desejante e Freire, com

idéias centradas na antropologia da aprendizagem, vinculando o aprender à

vida. Esse repensar do fracasso escolar, hoje, faz com que

redimensionemos o estigma e o preconceito em relação aos alunos.

Conforme afirma DOTTI (1992, p.27),

[...] sabe-se que a questão do fracasso escolar está mais ligada

aos preconceitos que temos a respeito da criança e da pobreza.

Procurando ver as crianças e as classes populares sob a ótica de uma

matriz dialética, ver o que a criança tem de feio e bonito, viver a

diversidade, com crianças diversas, desmistificando os nossos

estereótipos positivistas de que existe o "bom" aluno e o professor

"padrão".

Aqui percebemos a necessidade de rejeitarmos todo maniqueísmo

para não classificarmos os nossos alunos, não esteriotipá-los, não rotulá-

los. Pois o problema não é só deles, é global, diz respeito a todos os

envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, diz respeito à sociedade

que não sabe como resolver o problema dos “fracassados”, diz respeito ao

mercado que não encontra formas de como absorvê-los, diz respeito a todos

os inseridos que não sabem o que fazer com os que estão postos à

margem.

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Um caminho possível seria compreender a inter-relação de vários

fatores que levam ao fracasso, sejam eles hereditários, sociais, culturais,

pedagógicos, psicológicos e/ou médicos. Isso se quisermos compreender

globalmente o desenvolvimento do aluno e não fazer avaliações superficiais

que estigmatizem, reforçando uma baixa estima e pré-conceitos do

professor com relação a ele.

Outro caminho possível seria começar a repensar a escola.

Perguntar-se sobre qual seu papel na sociedade aprendente, qual sua

função, como ela lida com o saber, como exerce sua missão de ensinar,

quais seus valores, qual o sentido que tem para o aluno a informação que

ela veicula? E mais, o que é conhecer, como se aprende, para que se

aprende, o que é ensinar, como se ensina, para que se ensina? Por que o

aluno que chega na escola, com aquela enorme vontade de aprender que

lhe é natural, tem esse desejo aniquilado pela escola em forma de

reprovações que levam à desistência?

2.2. O fracasso escolar

O fracasso escolar é uma realidade que se impõe de forma crescente e

persistente, no sistema de ensino brasileiro, caracterizando-se por

repetências sucessivas, evasão escolar e dificuldade de aprendizagem de

diferentes ordens.

Este fenômeno tem-se configurado, ao longo da história recente da

educação, como um grave problema social e pauta de diversos estudos.

Em nossa sociedade capitalista, pós-industrial e globalizada; onde se

valorizam trabalhos ao nível de competência cada vez mais elevada e o ideal

do ser melhor reina, que lugar ocupa a escola e qual sua função?

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Nesse tipo de sociedade fica evidente que a escola ocupa lugar no eixo

mercadológico. Ela “prepara” para o mercado, para conferir um lugar na

sociedade do consumo. O fazer da escola tem a ver com necessidades

econômicas, e é freqüente encontrar pessoas (alunos) que não esperam

dela mais que um simples diploma a fim de manterem sua

“empregabilidade”. Isto faz com que fique reduzida a dimensão mais

profunda da educação que diz respeito à humanização do sujeito, à utopia

de vivência plena da cidadania, transformação da sociedade, compreensão

e direção da própria história.

Nesta sociedade, um sujeito que resiste a esse tipo de educação –

castradora, inflexível, conteudista, desumanizante, massificadora,

adestradora – fatalmente é fadado ao “fracasso”, desistindo, em prol de uma

atividade que lhe renda o sustento sem ter que suportar os longos anos nos

bancos escolares à mercê de uma educação que não lhe diz nada e nada

lhe acrescenta de significativo.

Sim, porque essa sociedade padroniza os comportamentos e até

mesmo os sentimentos. Tudo se resume no marketing, na sedução para

aguçar o desejo de consumo e assegurar a exploração comercial.

A figura do aluno normal, para essa sociedade, é aquele capaz de

aprender o que e como a escola, na figura de seus professores, ensina e

quer que seja ensinado e aprendido.

Deste modo o fracasso do aluno à tarefa pedagógica produz embaraço

para a escola. Os incômodos causados (principalmente de natureza

financeira) levam a recorrência sistemática à retaguarda médica e

psicológica, para justificar este problema. Outro modo de negar a situação,

segundo o interesse do Estado, é através de mecanismos de aprovação

contínua ou estatísticas mascaradas.

A fim de manifestar seu mal estar diante do que a sociedade e a escola

desejam e impõem que o alienam em seu desejo de realizar um projeto de

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vida, o aluno resiste e fracassa, denunciando um sistema que aniquila, exclui

e mata o desejo de aprender.

Resultado é a realidade que vemos em nossas escolas: Temos alunos

deprimidos, angustiados, violentos, destituídos de subjetividade e desejo.

Alunos que fracassam na escola para clamar ao mundo para que reconheça

sua dívida para com ele.

O abandono da escola, porém, é temporário. A Instituição escolar tem

muita importância na vida das pessoas, principalmente das camadas

populares que vêem na educação uma possibilidade de melhoria de

condições de vida. A educação está ligada à realização de um sonho:

emprego melhor, salários melhores, respeito, reconhecimento social etc.

Este universo de desejo por dias melhores faz com que muitos desistentes,

agora amadurecidos pela idade e pela (dura) experiência fora da escola,

retornem aos bancos escolares a fim de, através da legitimação do seu

aprendizado conferida pela escola, realizar seu desejo, implementar seu

projeto de vida.

O retorno de alunos com experiência de fracasso e evasão escolar à

educação, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, suas

motivações, sua visão da escola e experiências serão tratados no capítulo

que se segue.

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CAPÍTULO III

O retorno à escola em Educação de Jovens e Adultos

3.1. Educação de Jovens e Adultos

Após experiência de fracasso e evasão escolar na infância ou

adolescência, muitos jovens, ao encontrarem as imensas barreiras

colocadas por nossa sociedade letrada e as exigências do mercado de

trabalho cada vez mais restrito a pessoas com alta qualificação, sem contar

o sentimento de inferioridade por não ter uma certificação escolar, retornam

à escola buscando recuperar o tempo perdido, sonhando com

oportunidades melhores de emprego e qualidade de vida que seriam

conferidos pela educação formal nos bancos escolares.

A fim de estarem aptos a freqüentar um curso profissionalizante ou

preparatório a nível Médio, precisam, antes, vencer a etapa Fundamental da

Educação Básica, ou mesmo avançar um pouco além de uma alfabetização

inicial.

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Assim, a alternativa mais provável é freqüentar a modalidade de

educação a eles destinada, designada Educação de Jovens e Adultos – EJA

que tem crescido muito, nos últimos anos, em nosso País.

Este retorno à escola apesar de se dar em meio a esperanças de dias

melhores, nem sempre é feito de modo consciente do que seja a função real

da escola, a dimensão mais alargada da educação, quais as propostas, os

fundamentos e as funções da Educação de Jovens e Adultos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e

Adultos apresentam a EJA como um “resgate” de um direito negado a um

enorme contingente de pessoas, excluídas do acesso e domínio da leitura e

escrita e de todos os bens advindos da educação. Num Brasil de opostos

tão gritantes, onde o abismo entre ricos e pobres (hoje miseráveis!) atinge

proporções vertiginosas, onde há os que podem e os que não podem, os

que têm e os que não têm, os “com acesso” e os sem acesso, podemos

dizer também que, na esfera educacional, há opostos e abismos gritantes:

uma minoria formada por aqueles que tiveram sua escolarização completa,

até níveis mais elevados como mestrado ou doutorado, e uma imensa

massa de alfabetizados com iniciação precária ou completamente

analfabetos.

Tal situação chama a atenção do poder público, o qual, tem ampliado

o número de crianças presentes no ensino fundamental, focalizando,

principalmente, a relação defasada idade/ano na escola.

Porém, a criação de vagas e a construção de novas escolas não

resolvem o problema. A incapacidade de manter o aluno na escola é visível.

As condições sociais adversas presentes, aliada a condições históricas por

vezes perversas, mais as condições globais da escola hoje que incluem uma

dificuldade em aliar o prazer ao exercício acadêmico, condicionam o

sucesso escolar.

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No Brasil, a média de permanência na escola é de 5 e 6 anos, para

os 8 anos devidos. E os 8 anos, por vezes se estendem por 11. A

repetência e a evasão escolar mantém e aprofundam a distorção idade/ano

e retardam o acerto definitivo no fluxo escolar.

É por isso que se diz que a EJA vem tentar reparar essa dívida social

para com aqueles que, além de terem sido privados do acesso e domínio da

leitura e da escrita como bens sociais, são os que oferecem sua força de

trabalho para a construção das riquezas do país.

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Aqui se configura, segundo as Diretrizes Curriculares, a primeira

função da EJA: a função reparadora, ou seja, ela quer oportunizar aos que a

ela acorrem, a restauração do direito a uma escola de qualidade que lhes foi

negado. Como diz o Parecer CEB 4/98, citado nas Diretrizes:

« Nada mais significativo e importante para a construção da

cidadania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a

socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade,

o grande artesão dos tecidos da história. »

Impedidos de exercer a plena cidadania, os que demandam este tipo

de educação sofrem as conseqüências de uma realidade histórica injusta,

pois as elites dirigentes sempre atribuíram caráter inferior à educação

escolar dos grupos de excluídos (negros, índios, caboclos, imigrantes,

trabalhadores braçais, dentre outros) dos quais são descendentes.

A situação se agrava ainda mais, ao levarmos em conta que as novas

competências exigidas pelo mercado de trabalho e as transformações

constantes que acontecem na base econômica mundial, requerem do

trabalhador, obrigatoriamente, acesso ao saber básico e constante

atualização. Numa economia onde o acesso ao ensino médio se impõe, a

necessidade do ensino fundamental é de extrema urgência e uma corrida

contra o tempo. A instabilidade e a insegurança do mercado, a

competitividade, por vezes cruel, e o medo do desemprego oprimem e

desestabilizam os que estão ativos, que são escolarizados, quanto mais os

que são analfabetos ou de escolaridade baixa! Assim, reparar essa dívida é

um imperativo que se coloca à EJA.

A função equalizadora da EJA quer, em última instância, oferecer ao

indivíduo que interrompeu sua formação, uma oportunidade de restabelecer

sua trajetória escolar, adequando a correlação idade/ano, a fim de colocar-

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se num ponto igualitário ou de, pelo menos, diminuir sua desvantagem na

luta por um lugar digno na sociedade.

Sim, porque numa sociedade onde impera o conhecimento, a

educação torna-se indispensável, por seu poder de possibilitar ao indivíduo

retomar seu potencial, desenvolver habilidades, confirmar competências

adquiridas ao longo da vida, enfim, conferir-lhe um nível técnico e

profissional mais qualificado, o que poderá aumentar a abertura de

possibilidades no mercado de trabalho, participação na vida social e política,

enfim, abrir cada vez mais canais de participação sem tanta desvantagem

em relação aos que tiveram sua trajetória escolar regularmente.

A EJA, levando em consideração o potencial humano de se qualificar

e requalificar, de descobrir novos campos de atuação, de transpor limites,

quer propiciar uma atualização permanente de conhecimentos, um

educação continuada por toda a vida, como meio de construção de uma

sociedade mais inclinada à equalização e respeitadora da diversidade. Esta

função qualificadora da EJA se dá na conquista de conhecimentos, até

então restritos impedidos por uma sociedade onde a busca da sobrevivência

diminui os espaços da estética, do prazer, da igualdade e da liberdade.

3.2 – Algumas características do aluno de EJA

Devido à escassez de dados e pesquisas atuais, o que é esperado

tendo-se em conta que a EJA ainda não é prioridade nas políticas públicas

no Brasil, o perfil aqui delineado representa, de modo geral, a clientela que

acorre tradicionalmente ao Curso, e os alunos da Escola alvo desta

pesquisa, na zona norte do Rio.

O artigo 37 da LDB 9394/96 define assim os destinatários da EJA:

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“... será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de

estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”.

É certo que o público que se candidata à EJA é imenso, plural e

heterogêneo. É composto, basicamente por pessoas de condição

social desfavorável, maioria de jovens, trabalhadores, desempregados

ou em subempregos, por minorias excluídas da cidadania, por

analfabetos e pessoas que tiveram passagens fracassadas pelo ensino

básico regular. A clientela potencial de EJA assusta por sua

grandiosidade

Pedro Demo já apontava para a importância deste tipo de educação e

para o tamanho do desafio, a partir da extensão da clientela:

« Quantitativamente o supletivo detém importância central,

porque sua clientela potencial é astronômica. Se levarmos em conta

que somente uns 20% dos alunos de 1º grau chegam a completá-lo,

que a taxa de escolarização obrigatória não atingirá ainda os 70%, que

o índice de analfabetismo sobre a população de 15 anos ou mais

estaria por volta dos 25%, e assim por diante, é fácil vislumbrar a

enormidade da clientela potencial do supletivo. » (DEMO, pág. 62)

Como já foi referido acima, uma das características mais marcantes

do público que acorre à EJA é o fato de ser jovem e trabalhador. A

juventude dos candidatos revela o grande número de adolescentes e jovens

que não tiveram acesso ou foram excluídos do sistema regular de ensino. A

condição de trabalhadores dos alunos é reconhecida pelas Diretrizes

Curriculares, que pedem um novo tratamento, mais adequado à esta

realidade dos usuários:

« Este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos,

predominantemente marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e

maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros

tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho ».

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Quanto ao estado civil, por ser maioria jovem, os alunos de EJA são

predominantemente solteiros. O que não significa que não hajam

responsabilidades com família, visto que muitos alunos já são pais e mães

apesar de não terem união estável. E em virtude das exigências da

sociedade moderna, são obrigados a amadurecer mais cedo.

Grande tem sido a presença feminina dentre os alunos de EJA,

revertendo a tendência tradicional de predominância masculina. Tal fato se

daria pela maior participação feminina no mercado de trabalho, o que exige

maior escolarização, abandono do ensino regular por motivo de

maternidade, afazeres domésticos, casamento, emprego, dentre outros.

Também há o fato de os homens se evadirem mais dos cursos, dando

preferência ao trabalho que, muitas vezes, não exige escolarização.

A escolaridade média dos pais dentre os alunos do 1º ciclo, é de

3 a 4 anos. A taxa de analfabetismo chega a 20% dentre eles.

Os alunos de EJA pesquisados apontam, como causa do

abandono da escola regular, primeiramente, a necessidade de trabalhar,

fato que ocorre antes dos 18 anos. Outros motivos são a falta de recursos

para permanecer na escola, mudança de local de moradia, falta de vagas

nas escolas próximas à residência e razões de ordem pedagógica, como

recuperar ano praticamente perdido no regular, desinteresse, falta de gosto

pelos estudos, reprovações sucessivas, muita bagunça e “criancice” dos

alunos do diurno, etc.

3.3 – Por uma educação com prazer: O projeto pessoal do aluno

de EJA

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Muitos e variados são os projetos dos alunos de EJA pesquisados

neste trabalho. Porém, ponto em comum entre eles, é a questão de

“recuperar o tempo perdido”, ou “agarrar a oportunidade que lhes foi

roubada na infância”, a fim de “terminar logo” os estudos e conseguir um

“emprego melhor”.

A visão que eles têm da escola, é a clássica visão de escola

idealizada, perfeita, visão liberal de escola oportunizadora de ascensão

social, trampolim para um emprego, capaz de transformar os “burros” em

inteligentes, os “ninguéns” em “alguém na vida”! Os subalternos em

“cidadãos de verdade”. Seus planos se resumem em estudar para

conseguir um diploma, fazer um curso técnico e, conseqüentemente,

arrumar um emprego ou passar para uma função melhor do que a que

exercem no momento.

É latente o sentimento de culpa pelo próprio fracasso, expressado

pelos alunos: “Quem se atrasa é porque não quer nada. A escola tá aí é pra

ensinar. Quem não aprende é porque não quer” (N, 22 anos, 4a série,

desempregada).

Segundo Linhares, (1996), é a lógica dos mecanismos de

“culpabilização da vítima”, incorporados pela “ideologia capitalista em seus

matizes de calvinismo”. Sabemos que o fracasso escolar não é ocasionado

apenas por fatores pedagógicos como desinteresse ou dificuldade de

aprendizagem por parte dos alunos, mas por uma série de situações,

inclusive sócio-econômicas que afetam toda a vida escolar. Apesar de

excluídos, muitas vezes, de seu direito a condições de permanência (não só

acesso) na escola, geralmente os alunos em atraso escolar se culpam por

isso. Envergonham-se por não ter emprego, por não trabalhar ou por

submeterem-se a um subemprego, pois este é o destino daquele que “não

quer estudar”.

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O discurso dos alunos pesquisados, mostra a grande expectativa que

têm quanto ao curso, como se fosse uma “remissão” pelo abandono da

escola, anteriormente, embora, em sua maioria, não alimentem esperança

de prosseguimento de estudos até o nível superior. Isto porque, apesar de

valorizarem o fato de sua atividade acadêmica atual, reconhecem a

desvantagem em que se encontram em relação aos outros que

prosseguiram normalmente os estudos e, muito mais, quanto aos “filhos de

papai que podem pagar pré-vestibular”, segundo eles.

Passo a apresentar alguns depoimentos de alunos pesquisados, os

quais refletem, em sua fala, o projeto da maioria dos cidadãos que buscam

a EJA, suas expectativas, sua visão da escola, as possíveis causas do

fracasso escolar e a questão do prazer no exercício acadêmico.

Rafaela, 20 anos, aluna da 5ª série, retornou à sala de aula após 7

anos de afastamento da escola. Segundo ela, desistiu de estudar por causa

de sucessivas reprovações e expulsões por “mau comportamento”. Após

passar por três escolas, abandonou a quarta por causa de uma gravidez:

“Como eu não ia passar mesmo, larguei tudo pra me casar”, diz.

Questionada sobre o por quê de seu retorno aos estudos, é

categórica: “Não quero continuar diarista a vida toda. Já perdi muito

emprego por não ter um diploma”.

Claudio, 16 anos, aluno da 4ª série, é um daqueles que estuda

porque quer sair da exclusão social em que se encontra: “Já brinquei

demais na vida. A escola é legal pra quem dá valor aos estudos. Agora

quero estudar pra ser alguém”.

Perguntado sobre seu projeto, diz: “Tenho que terminar o ‘primário’

pra poder entrar num curso legal. A maioria exige até a 4ª série. Quero

fazer informática”.

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Sobre a questão do prazer no exercício acadêmico, as opiniões se

dividiram. Alguns dizem que sim, mas salientam que, quando crianças não

gostavam de estudar. Outros afirmam que, apesar de ser “chato”, estudam

por necessidade.

Como o caso de Fátima, 19 anos, 4a série: “É muito cansativo ficar

escutando o professor falar o tempo todo. Eu sempre achei chato estudar,

mas hoje em dia vejo que faz muita falta pra gente”.

Nádia, 21 anos, 4a série, também concorda: “Não existe prazer

nenhum em vir pra escola. Geralmente as pessoas vêm obrigadas: quando

crianças, pelos pais; quando adultas, porque precisam melhorar de vida”.

Marinalva, 18 anos, 5a série, pensa diferente: “Acho muito legal

estudar. Porque a gente está na escola é pra aprender a ser alguém”.

Analisando as respostas dos entrevistados, observamos que o projeto

pessoal do aluno de EJA com relação à sua vida acadêmica, está

intimamente ligado a fatores de promoção humana.

A maioria dos entrevistados espera melhorar sua condição sócio-

econômica, com um emprego melhor, que seria obtido através de

escolarização.

Outro ponto perceptível é a busca de elevação da auto estima que a

educação confere. Apesar de todos os problemas enfrentados dentro da

escola, já relacionados neste trabalho, acreditam que existe uma diferença

significativa de qualidade de vida entre os alunos que se encontram dentro e

os outros que estão fora da escola, e por isso lutam bravamente para

permanecerem no processo de ensino-aprendizagem, pois quem não tem

estudo, não pode ser considerado “gente”, não é ninguém.

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Existe, também, o desejo de socialização, de encontro, de troca com

outras pessoas de lutas semelhantes, que partilham sonhos e projetos.

Em última análise, o projeto é de humanização. É de recriação da

própria pessoa, que deseja atuar na sociedade como um cidadão que tem

direitos adquiridos, como alguém capaz de produzir cultura e contribuir para

o progresso do país, não só com sua força de trabalho, mas também com

produção intelectual e experiência de vida.

Esta visão positiva que os alunos demonstram, porém, não é

suficiente para mantê-los na escola e levá-los ao sucesso acadêmico. Faz-

se necessário repensar a escola, sua função para além de “dar aulas”.

Sabemos que é difícil o retorno à escola, mas a perseverança depende

demais de que escola é encontrada após o afastamento e a experiência de

fracasso escolar.

Uma vez que a escola tem de volta alunos evadidos, cabe a nós,

profissionais de educação, oferecer uma experiência melhor, mais

significativa, mais prazerosa, ligada à vida, cheia de emoção e participação

como é o projeto de EJA.

“A razão nos dá a capacidade de análise, enquanto o coração a

de participar. Coisas tão fundamentais como a felicidade não encontram

eco maior na ciência, mas podem ser realçadas e realizadas pela

sensibilidade à flor da pele, capaz de emprestar ao ser humano

dimensão mais ampla e solidária”. (DEMO,Pedro., 2000)

É grande o desafio que se coloca à nossa frente, porém, nenhuma

conquista ou mudança fundamental acontece gratuitamente, sem esforços,

sem luta e sem conflito.

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Que ao retornarem à escola, nossos jovens e adultos reencontrem,

também, para além da possibilidade de uma certificação escolar, encontrem

uma escola mais alegre, mais bela e prazerosa.

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CONCLUSÃO

É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em

seus programas e em seus métodos adaptada ao fim que se

persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se

como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com outros

homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história

(...) Freire (1991 p. 36).

Ao pensarmos uma educação aliada ao prazer de aprender

imediatamente visualizamos a possibilidade de construirmos uma instituição

educacional mais bela, alegre, prazerosa, feliz, democrática, participativa e

autônoma.

E um primeiro cuidado a se ter para viabilizar este processo, é procurar

trabalhar na dimensão de uma organização que se preocupe em garantir a

satisfação do envolvimento, porque sem prazer ninguém se envolve

efetivamente. Todos na comunidade educativa devem envolver-se nos

projetos: direção, corpo técnico, professores, demais funcionários, alunos,

família, comunidade.

Deve haver sentido naquilo que se propõe, naquilo que se faz! Todos

devem ter participação nos benefícios, no “lucro” adquirido pelo trabalho, uma

vez que custou o esforço de todos. É prazeroso gozar os frutos do próprio

esforço, e não ser forçado a nada, pois é muito difícil trabalhar com alguém

que se sente obrigado a comparecer e que não sinta prazer em estar presente.

Saber cuidar é outro pressuposto para alcançarmos uma educação mais

prazerosa. Cuidar da vida dentro da escola, a começar pelo prédio,

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proporcionando espaços educativos mais alegres, mais limpos, mais

estimulantes, mais estéticos mesmo!

Cuidar das pessoas vê-las em seu mistério, em sua maravilha humana!

Saber ler o rosto do outro, conhecer o outro, importar-se com ele, respeitá-lo

em sua individualidade, acolhê-lo em suas limitações, ajudá-lo a superá-las na

medida do possível, enfim, aprender a conviver com o diferente.

Receber o aluno com alegria, como um dom, sempre como uma

possibilidade, não com uma sentença inexorável de fracasso. Construir uma

educação baseada na ousadia, na criatividade, na vontade, no desejo e na

ação política, comprometidos com a educação do presente e do futuro,

recusando o imobilismo, superando o descaso do poder público, atuando

politicamente, tendo voz, buscando sua vez, sem omissões e comodismos.

Praticar uma educação parceira, coberta de parcerias com a família,

com a comunidade, com as ongs, com as empresas.

Ter uma escola viva, alegre, cheia de eventos, de portas abertas para a

comunidade, sempre! Transformá-la num local de produção de cultura e

conhecimento articulada com o que vem acontecendo ao seu redor, fazendo

sentido para os envolvidos!

Enfim, uma escola onde a noção de qualidade e excelência acadêmica

seja diferente: onde a competência profissional seja medida pela capacidade

do docente de estabelecer relações com seus alunos e seus pares, pelo

exercício da liderança profissional e pela atuação comunitária, do que pela sua

capacidade de “dar aulas”.

Uma escola bela, alegre e feliz é aquela onde se constrói possibilidades

para que as pessoas possam aprender, conviver e viverem melhor.

Termino este trabalho com emoção e alegria, citando Moacir Gadotti:

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“O mesmo movimento que recupera o sentido do trabalho do professor é o que

dá sentido ao estudo para o aluno(...) A esperança, para o professor, a professora,

não é algo vazio, de quem espera acontecer. Ao contrário, a esperança para o

professor encontra sentido na sua própria profissão, a de transformar pessoas, a de

construir pessoas, e alimentar, por sua vez, a esperança delas para que consigam,

por sua vez, construir uma realidade diferente, mais humana, menos feia, menos

malvada” (GADOTTI, 2005).

Que estas reflexões ajudem a todos os educadores a acreditar mais em

seu trabalho, como fizeram a mim, e que as palavras possam transformar-se

em ações concretas em busca de uma educação de qualidade, bela, alegre e

cheia de prazer.

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ANEXOS

INTERNET

POR QUE GOSTAMOS DE APRENDER? [ ABRIL DE 2004 ]

Celso Antunes, Existe uma enorme diferença no processo de aprendizagem revelado pelos animais e pelos homens. Os animais aprendem porque necessitam aprender e dessa forma seu instinto e sua carga genética sinalizam a importância evolutiva de sua aprendizagem. Não existem animais “ignorantes” pois se assim o fossem, por certo não teriam elementos para sobreviver. É, portanto, possível concluir que os animais não aprendem por prazer, ainda que não poucas vezes gostam de deleitar-se e usufruir prazer com o que puderam aprender. O homem, nesse aspecto, é completamente diferente dos animais. São seres que também precisam aprender, mas fazem dessa ação algo além da necessidade, mostrando que gostam de aprender. Podem até não gostar de aprender aquilo que se lhes quer ensinar, mas quando a aprendizagem é livre não hesitam em desafiarem-se na iniciativa de cada vez querer saber mais e melhor. Diante da simplicidade desse quadro comparativo, emerge a pergunta: O que possui de diferente a espécie humana que a faz gostar de aprender? Uma resposta mais imediata apontaria para suas inteligências. O homem possui cérebro privilegiado em relação às demais espécies do reino e, dessa forma, tem meios para dar maior estímulo e maior dimensão às suas capacidades. Essa resposta é razoável mas não satisfaz, pois é, ao mesmo tempo, causa e efeito. O homem gosta de aprender porque é inteligente ou é inteligente porque gosta de aprender? A pergunta, no entanto, ainda fica e é por ela que aqui se especula. Pensamos assim que independente da qualidade incomparável de seus equipamentos cerebrais, o homem gosta de aprender porque sua espécie revela quatro atributos específicos. São eles: O primeiro é sua curiosidade. As espécies animais mais evoluídas mostram-se curiosas, mas a dimensão desse anseio em nada se compara à humana. O homem é, literalmente, um enorme xereta, intrometido, bisbilhoteiro e isso o fez cientista e por isso avançou muito em suas descobertas, saciando com voracidade o apetite do saber. Além de extremamente curioso, é também o ser humano extremamente ousado arriscando-se muito além dos limites mínimos de segurança. Confiante em demasia, é mais destemido, mais petulante, mais corajoso e imprudente que qualquer espécie. Essa característica o difere dos mais ousados animais: os mamíferos possuem muita coragem quando estão famintos ou se defendem a prole, enquanto que a humanidade exercita a coragem por prazer, busca riscos por diversão, ousa pela euforia do ousar. Por assim ser, evoluiu construiu, desmanchou, edificou e solidificou-se como dominador absoluto e irrefletido da natureza. Além da coragem e da ousadia, a humanidade é a única espécie a criar crenças como se fosse portador de um cérebro que não aceita explicações ilógicas, inventando respostas que progressivamente são mudadas. Essa capacidade em inventar respostas mesmo que não inteiramente satisfatórias fez do homem um ser criador e destruidor de hipóteses e, entre acertos e erros, mais acertou ainda que muito errou. Finalmente, o homem é a única espécie que desenvolveu a habilidade em fazer de todos os seus sentidos ferramentas de aprendizagem. Aprendemos quando ouvimos, quando falamos, aprendemos pelo olfato, pelo tato e pelo paladar e, por isso mais que outros, melhor aprendemos. Intempestivo, nunca aceita um saber como completo e, dessa maneira, possui sentidos que desafiam-se entre si para que a aprendizagem seja mais ampla e mais eficiente. Aqui chegando, chega-se ao centro maior da aprendizagem que, quer aceitemos ou não, é a escola. Ainda que a vida mais nos ensine, é a escola a instituição criada para ensinar e se assim o é, cabe a questão. A escola que temos exalta e aplaude a curiosidade do aluno? Nas aulas, a ousadia da criatividade é premiada? Existem estímulos e projetos sistemáticos para que os alunos sejam levados a construir, testar, destruir e inventar hipóteses? A escola usa todos os sentidos na aprendizagem? Propõe desafios intrigantes e curiosos voltados para a cooperação e a ação? Será que não exalta maior o ouvir que o ver, que o memorizar, que o explorar da intuição e do olfato?

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Impossível imaginar as respostas que se dará a essas prosaicas questões. Sejam elas, entretanto, quais forem, pelas mesmas se identificará a qualidade da escola e a verdadeira ação educativa do professor, seu agente mais insigne.

Celso Antunes

ARTIGOS

Por que gostamos de aprender? - Abril de 2004 Direito ao orgulho - Março de 2004 Tal como Água da Fonte - Dezembro de 2003/Janeiro de 2004 Que é uma Escola Construcionista? - Novembro de 2003 Um aluno e sua função - Outubro de 2003 A criatividade ao alcance das mãos - Setembro de 2003 A extrema ingenuidade do "OU" - Agosto de 2003

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ÍNDICE

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INTRODUÇÃO....................................................................................................8

CAPÍTULO I:.....................................................................................................12

ESCOLA E PRAZER

1.1 – A escola...................................................................................................12

1.2 – O aluno e o prazer...............................................................................17

1.3 – O prazer de aprender............................................................................18

CAPÍTULO II.....................................................................................................24

O FRACASSO ESCOLAR

2.1. Um breve histórico dos problemas de aprendizagem...............................24

2.2. O fracasso escolar..................................................................................27

CAPÍTULO III....................................................................................................30

O RETORNO À ESCOLA EM EDUCAÇAO DE JOVENS E ADULTOS

3.1 – Educação de Jovens e adultos...............................................................30

3.2 – Algumas características do aluno de EJA.............................................33

3.3 – Por uma educação com prazer: O projeto pessoal do aluno de EJA...36

CONCLUSÃO...................................................................................................41

ANEXOS...........................................................................................................44

REFERÊNCIAS BLIOGRÁFICAS.....................................................................46

ÍNDICE..............................................................................................................50

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: Uma educação associada ao prazer como fator de

redução do fracasso escolar.

Autor: Miriam Toledo Moreira

Data da entrega: julho/2005

Avaliado por: Prof. Celso Sanchez Conceito: