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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA QUEM CONTA OS MALES DESENCANTA Por: ROSANE MUNIZ RABELLO Orientador Profª Ms Fátima Alves Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

QUEM CONTA OS MALES DESENCANTA

Por: ROSANE MUNIZ RABELLO

Orientador

Profª Ms Fátima Alves

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

QUEM CONTA OS MALES DESENCANTA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Arteterapia na Saúde e

Educação

Por: Rosane Muniz Rabello

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AGRADECIMENTOS

Para tecer essa trama colorida muitos me deram conchas, pérolas e fios de

vários tons e texturas: seda, linho, prata, ouro. Sou grata:

A Nossa Senhora, Grande Mãe de muitas faces, que sempre zela por meus

sonhos e me protege nas passagens complicadas; ao meu filho Thadeu, meu

menino guerreiro, melhor parte do meu enredo; meu neto Antônio, por

despertar o melhor de mim e por me contar suas histórias com olhos brilhantes,

vastos gestos e uma incrível sonoplastia; minha nora PamPam que bordou-se

em nossa trama com fios de ouro; às "meninas": Isabella, Maria, Claudia e

Luciana, minhas irmãs, parceiras de aventura no enfrentamento de dragões e

no preparo de finais felizes; meus sobrinhos: Jovita, Gustavo, Alice, Susana,

Pedro, Joana, por me brindarem seu amor com pedidos de “conta aquela do

vovô”...”conta outra ...”; A Luiza, sobrinha-neta cujos olhos viram estrelas

luzentes diante de uma história; a Maria Marta, minha tia, porque em seu

espelho ninguém é mais linda do que eu; a meus pais, por darem asas a

“imaginação dessa menina”; a minha avó, D. Conceição, Sra.“Baronesa do

Guandu” que sabia a linguagem dos ventos, das flores, da coragem e me

alimentou com histórias; ao meu “savô” que ensinava por metáforas e apoiava

ousadias; a meu avô Sr. Roldão pelos causos, serestas e, principalmente, por

ter encontrado meu tom e me permitido cantar com ele; sou grata a Paulo Pinho

que me ajuda a compreender e transformar minha história desatando os nós da

trama; a Vânia Maciel, mulher de sabedoria pela generosidade no cuidar e me

ensinar em sua Casa do Parto ; a minha amiga Teti Coube pelo carinho e

confiança de fada madrinha; e a todos que compartilham suas histórias comigo,

Sou grata.

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DEDICATÓRIA

Para minha mãe e

para todas as avós que conhecem a força da sua presença e buscam nutrir o

corpo e a alma de seus netos uma prece de Clarissa Pinkola Estés:

“Pelas avós nas cozinhas, de cujas mãos, corações e mentes vêm muitos tipos

de alimento – doces, agridoces, fortes, suaves, picantes – alimentos que

perduram na alma muito depois do primeiro registro do sabor na mente....por

todas as velhas que acalmam e ajudam a curar não importa quem seja que

elas toquem...pelas velhas que aparecem sujas com salpicos de tinta ou

adornadas com ideias radicais; ou que simplesmente surgem por um bom

motivo quando ninguém mais ousa...por elas, que sempre sejam corajosas;

que suas almas sejam protegidas por muitas outras, pois ao nosso mundo

carente elas trazem recursos conquistados a duras penas...que vivam muito,

com força e saúde e com imenso espírito aberto aos ventos....”

Assim seja.

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RESUMO

A arte ancestral de contar histórias, que além de entretenimento foi suporte

para transmissão de conhecimento e registro da identidade das diversas

culturas, vem resgatando sua importância. Tal fato pode ser comprovado pelas

crescentes publicações, cursos, eventos e pesquisas em torno do tema.

Nesse resgate se inclui sua função terapêutica como portadora de

informações, através do simbolismo presente em sua estrutura, capazes de

espelhar etapas e desafios de vida oferecendo, assim, elementos de reflexão

para o percurso de desenvolvimento pessoal. No processo de Arteterapia -

apoiada na perspectiva junguiana - as histórias constituem um recurso

facilitador da autodescoberta e da transformação pessoal, aonde, através de

dinâmicas, expressões e linguagens plásticas, o universo interior vai se

desvelando.A proposta deste trabalho é apontar de que forma as histórias,

podem ser utilizadas como recurso terapêutico na prática da Arteterapia,

contribuindo com o processo de autoconhecimento ao qual Carl Jung

denominou Processo de Individuação.

Palavras-chave: Histórias – Arteterapia – Processo de Individuação

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METODOLOGIA

A presente pesquisa é de caráter bibliográfico, se apoia na leitura de

referencial teórico produzido sobre o tema por autores consagrados, com suas

visões e experiências sobre o assunto.

O foco central dos estudos é a literatura produzida por pesquisadores cujos

pressupostos se baseiam na perspectiva da psicologia analítica ao estabelecer

uma relação entre o conteúdo simbólico das histórias e contos de fada com o

desenvolvimento psíquico, num processo arteterapêutico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Entrou pelo bico do pato, saiu pelo bico do pinto,

quem quiser que conte cinco:

A arte ancestral de contar/ouvir histórias 13

CAPÍTULO II - E foi assim que um dia...: A Arteterapia 22 CAPÍTULO III – E foram felizes para sempre: 32 Histórias/Arteterapia/Individuação

CONCLUSÃO 59

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 64

ÍNDICE 68

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INTRODUÇÃO

““... aos meus parentes, minhas famílias, minha tribo, meus mestres, tanto os vivos quanto os presentes em espírito, por deixarem pegadas." (Clarissa P. Estès) Quando escolhi o título deste trabalho: “Quem conta os males

desencanta”, pensei nas muitas histórias onde o herói/heroína é enfeitiçado e

se transforma em animal, ou sofre com alguma maldição, até que acontece a

redenção, seja através de um beijo, ritual, palavras ou qualquer outro tipo de

magia. Assim, o personagem é redimido e transformado. Associei esse

movimento ao de contar histórias no processo de Arteterapia. Muitas vezes

estamos como que enfeitiçados por um conflito ou comportamento que não

nos permitem enxergar quem somos, nossos potenciais interiores, qualidades

capazes de nos ajudar a clarear a questão, transformar as posturas, encontrar

novas saídas, mais criativas. Com as histórias, através dos recursos e

dinâmicas que apoiam a vivência do seu enredo, podemos “desencantar” os

males que nos afligem, inspirados pelo simbolismo com que estas nos contam

sobre os dilemas, comuns a todos nós, que devemos enfrentar ao longo da

vida para nos tornarmos mais inteiros.

Amo as histórias e tenho por elas reverência especial e respeito por sua

força. Desde sempre estou rodeada de histórias, criando e sendo criada e

transformada por elas. Minha avó me contava muitas, com riqueza de detalhes

discorria bordados, cores e brilhos de vestidos e festas de casamento, que ela

chamava "banquetes” (de um jeito assim, solene) falava dos cardápios

recheados de delícias e cantava as canções. Um mundo de magia encantava

minha vida povoada de princesas, bruxas, sapos e príncipes, tapetes

voadores, cobras e florestas frescas e assustadoras, onde se desenrolavam

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aventuras. Eu vivia as histórias enquanto ouvia, através da voz dela conheci

lugares, sensações, medos, coragem, ousadia e, sobretudo a certeza de que

depois dos desafios e tarefas vem o final feliz, sempre.

Confesso que durante muito tempo, quando as pessoas diziam:

"Rosane e suas histórias..." eu não gostava nem um pouco, hoje gosto muito e

me sinto honrada de ser guardiã de tantas histórias e causos.

O fato de pertencer a uma família de cantadores e contadores, gente do

interior que gosta de se reunir na cozinha (como diante das antigas fogueiras!)

para rir e se emocionar com causos e sucedidos, influenciou meu amor e

respeito pelos contos de fada e histórias da tradição. Posso afirmar que em

muitas situações elas me ensinaram sobre mim mesma, nos desafios da vida

trouxeram alento e instruções, esperanças, alertas e esclarecimentos.

O estudo dos Contos numa proposta terapêutico/pedagógica ampliou

meu interesse, o que eu "sentia", meu conhecimento, ancorou-se numa teoria

(de base Junguiana) o que ampliou e fundamentou minha percepção das

funções de orientação, apoio, autoconhecimento e possibilidade de

transformação que as histórias nos oferecem. As histórias contam nossa

própria história. A arte da narrativa sempre teve função social, educativa e

cultural. Nas rodas de contação, desde a antiguidade, a oralidade transmitia

conhecimento, experiências, promovia o senso de pertencimento de um grupo.

Nos contos, o tema, os espaços e ambientes, os personagens, conflitos e

soluções, o simbolismo das passagens reproduzem processos evolutivos e

desafios vividos pelo Homem, podendo, portanto, ser pistas que nos ajudam a

transitar pelas tramas pessoais.

Minha experiência, como Arteterapeuta e Contadora de Histórias,

confirma a teoria sobre o quanto uma história pode ser um bálsamo e um

caminho quando escolhida, acolhida e compartilhada no momento certo,

revelando um registro preciso das mensagens para a solução de conflitos

internos, clarificando sobre o que é importante nos rumos da jornada do

herói/heroína que somos nós, pelos enredos da vida.

O encantamento que as histórias proporciona é arquetípico, isto é,

comum a todos. A expressão “era uma vez” tem magia, pois abre uma via de

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escuta para além do racional, para a ancestral imaginação, o que permite o

acesso ao mundo interno, às identificações, rejeição, sentimentos e emoções

que as histórias nos permitem conhecer, reconhecer, em nós.

Somos uma sociedade da informação e da conexão, porém, o poeta

Drummond já preconizava em seu poema O homem e suas viagens (1973) o

que hoje observamos nas dificuldades de relação, com o outro e com a vida,

nos sintomas e frustrações causados pela falta de autoconhecimento, falta de

contato com a alma e seus anseios, quando exploramos e focamos apenas o

exterior:

O homem, bicho da Terra tão pequeno chateia-se na Terra

lugar de muita miséria e pouca diversão, faz um foguete, uma cápsula, um módulo

toca para a Lua desce cauteloso na Lua

pisa na Lua planta bandeirola na Lua

experimenta a Lua coloniza a Lua

civiliza a Lua humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra. O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte - ordena a suas máquinas. Elas obedecem, o homem desce em Marte

pisa em Marte experimenta

coloniza civiliza

humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado. Vamos a outra parte?

(...)

E assim, de planeta em planeta – metáfora para tantas substâncias,

objetos e atitudes - vai o homem buscando a plenitude, a saciedade, a

felicidade. Mas, a viagem mais importante, a que pode de fato conferir

significado à própria vida é a que o poeta classifica como

“dangerosíssima” viagem, aquela que nos leva para dentro de nós:

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De si a si mesmo: Pôr o pé no chão Do seu coração Experimentar Colonizar Civilizar Humanizar O homem Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas A perene, insuspeitada alegria De con-viver.

Nos conectamos em múltiplas redes virtuais mas, a teia da psique, as

tramas dos desejos da alma aguardam nosso olhar cuidadoso e manifestam

sua insatisfação através dos mais variados desconfortos físicos/emocionais na

tentativa de que, assim, possam nos chamar atenção para a necessidade do

embarque na busca interior. Acredito que a Arteterapia pode ser um veículo e

as histórias bilhetes de entrada para o território do si mesmo.

A proposta desse trabalho é contribuir com as pesquisas sobre

Arteterapia, um campo de conhecimento ainda recente, buscando reunir

informações e ampliar as discussões sobre o valor terapêutico das histórias,

nessa intenção:

O capítulo I: Entrou pelo bico do pato, saiu pelo bico do pinto, quem

quiser que conte cinco: A arte ancestral de contar/ouvir histórias traça o

histórico, as características e elementos das histórias e a importância do contar

e ouvir para a humanidade, apresenta a transmissão do conhecimento, cultura

e registro da identidade dos povos através da oralidade.

O capítulo II: E foi assim que um dia: A Arteterapia, discorre sobre

definição e histórico da Arteterapia, do processo arteterapêutico com base nos

pressupostos da psicologia de Jung e no que diz respeito ao Processo de

Individuação.

O capítulo III: E foram felizes para sempre:

Histórias/Arteterapia/Individuação, faz um entrelaçamento dos conceitos,

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abordando o simbolismo das histórias como elemento para Individuação

através da Arteterapia.

Na esperança de contribuir para o trabalho de arteterapeutas, de homenagear

os contadores de história que alimentam a alma com seu contar e de louvar as

histórias e seu poder transformador, pronuncio a expressão de poder, para que me

abençoe as intenções: assim seja!

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CAPÍTULO I

Entrou pelo bico do pato, saiu pelo bico do pinto, quem

quiser que conte cinco: A arte ancestral de contar/ouvir

histórias.

“Contar histórias é acender uma fogueira em seu coração para que a sabedoria e a imaginação possam transformar sua vida.” Nancy Mellon

As histórias estão presentes na vida do homem desde sempre. Não há

um registro preciso de um momento exato do seu surgimento. Imagens em

cerâmica datadas de 4.000 anos, entre Assírios e Babilônios, mostram

imagens narrativas cujo tema central era os ciclos de renovação da vida, a

ordem superando o caos, o cotidiano e as experiências do Homem. Seu

surgimento deriva dos mitos e se atrela à necessidade humana de

compreender e elaborar a origem da vida e das coisas. Através das histórias o

mundo e a natureza iam sendo compreendidos a partir de muitas leituras dos

fenômenos e situações vividas.

Podemos, portanto, afirmar que a arte de contar histórias atravessa o

percurso da Humanidade como forma de comunicação e transmissão de

conhecimento e valores, na construção da identidade, de geração em geração.

É no contar de um povo que conhecemos seus costumes, sua

identidade e sua cultura. Ao redor das fogueiras as sociedades agrárias se

juntavam para contar histórias entre a semeadura e a colheita, narrativas que

tratavam do contato com o sagrado, das questões existenciais; as mulheres,

camponesas e artesãs iam criando e fiando enquanto contavam, passando

experiências e ensinamentos para as mais jovens e para as crianças.

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Contando nos criamos e recriamos, numa relação de interdependência, assim

vamos sendo histórias, como diz Clarissa Estès:

“a humanidade sobrevive porque é capaz de

contar histórias. Na verdade, a humanidade é

história.” (ESTÈS, 2002, p.9)

1.1 - No tempo que os animais falavam: Uma história sobre

as histórias

"Quando o coração da gente transborda, ele sai pela boca em forma de histórias. " (ditado etíope)

Antigamente, muito no antigo dos tempos, quando os animais falavam

– ou éramos nós que ainda ouvíamos a natureza? - os homens se juntavam ao

redor do fogo para contar de suas caçadas, dos desafios que enfrentavam, da

seca e da chuva, do frio e do vento, que eles transformavam em bênçãos ou

fúrias dos deuses. As mulheres em roda fiavam panos e enredos sobre cura,

parto, ervas e desafios do ser mulher. Assim, o tempo foi passando e as

histórias contadas, enriquecidas com a imaginação do contador, além de

contadas, passaram a ser escritas e se mantém no fio da nossa história

trançando um laço de encantamento.

A origem precisa do hábito da narrativa se perde no tempo, há registros

nas cavernas, na arte rupestre, talvez o primeiro livro de imagens, com

desenhos representando um enredo:

“A existência dessas narrativas remonta a uma

época muito antiga, cerca de 4.000 anos atrás,

modeladas pelos assírios, babilônios, hititas e

cananeus, em pedaços de argila cozida. São

relatos escritos em versos, representados em

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forma de pantomima, iniciando com a

indefinível expressão “Era uma vez”, que

marca o clima mágico da narrativa.”

(Corumba e Ramalho, 2008, p.30)

O ato de narrar confere aos sujeitos de uma coletividade um senso de

pertencimento, ao manter viva sua trajetória e herança cultural através da

memória. O caminho da contação de histórias e dos contadores percorre as

trilhas das mais diversas culturas e épocas, mudando e ganhando novos

contornos de acordo com o contexto social:

“Era o rapsodo para os gregos, o Griot para os

africanos, o Bardo para os Celtas. Ou

simplesmente o contador de histórias. Era um

sujeito que se valia da narração oral como via

de organizar o caos, perpetuar e propagar os

mitos fundacionais da sua cultura. Um sujeito

que mantinha vivo o pensamento do seu povo

por meio da memória...)”

(Busatto, 2006, p.18)

Muitas histórias tratavam questões sexuais e traziam situações de

estupro, violência, maus tratos, como Pele de asno, que sugeria um incesto, ou

uma versão de Chapeuzinho vermelho em que a menina vai para a cama com o

lobo. Isso se explica pelo fato de que os contos de fada, inicialmente, não eram

destinados às crianças, eram para adultos, contados como entretenimento nas

salas de fiar, em reuniões sociais, nos grandes salões. Mais tarde, no século

XVII, nas coletâneas organizadas pelos irmãos Grimm, e por Perrault sofreram

alterações e passaram a ser considerados literatura infantil.

A ideia primeira dos Grimm de publicar contos (a maior coleção de

histórias do mundo) reunidos sobre o folclore alemão foi alterada a partir de

críticas ao conteúdo “grosseiro” das histórias:

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“A meta original de produzir um arquivo

cultural de folclore deu lugar, gradualmente, ao

desejo de criar um manual educativo para

crianças.”

(Tatar, 2004, p.353)

Teóricos do mundo todo e de todas as áreas são unânimes em afirmar

que a origem do ato de narrar é milenar e reafirmam sua importância

abordando a estrutura e o costume de contar e ouvir a partir de pontos de vista

diferentes e, o quanto as histórias e contos de fada nos permitem conhecer o

Homem em seu processo histórico evolutivo, a organização social das

comunidades, o aspecto religioso das diversas culturas e tempos, as etapas de

desenvolvimento e as questões psíquicas dos indivíduos. Dessa forma os

clássicos vão se desdobrando em diferentes interpretações e seu significado vai

sendo ampliado em novos olhares.

1.2 – Era uma vez: A estrutura das histórias, seus elementos

e características

...”não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós.” (Joseph Campbell)

A estrutura básica das histórias parte de uma situação de

aparente estabilidade: “Era uma vez uma viúva que vivia com seus três filhos...”

ou “Houve um tempo em que o Rei e a Rainha estavam felizes com o

nascimento de sua filhinha...”; nesse momento acontece algo que quebra a

harmonia: “a bruxa enfeitiça a princesinha...” ou ”o rei morre...”; é preciso então

entrar na floresta, mergulhar no rio, é o momento do confronto, da luta com

dragões, gigantes, de superação. Em seguida vem o encontro com as

potencialidades e possibilidades, receber ajuda de sábios, objetos mágicos.

Vencidas as provas o herói está frente ao novo, ao florescer até o final feliz, a

transcendência, quando retorna transformado e com capacidade para agregar

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transformações à situação inicial.

O primeiro a sistematizar a estrutura das narrativas foi Vladimir Propp,

acadêmico russo que ao coletar vários contos para elaborar um estudo das

narrativas, observou e delimitou uma estrutura comum dos elementos

narrativos. Demonstrou que a história gira em torno de um núcleo, algo

desestabiliza a ordem, a partir daí o corpo da narrativa se constrói no

movimento do protagonista em busca de restabelecer a ordem inicial ou

superar o obstáculo. Propp, em seu livro A morfologia do conto maravilhoso

(2006, Editora Forense Universitária) identificou grupos de personagens que

denominou de “agentes”, estabeleceu uma sequência de estágios da narrativa

e funções tais como ausência dos pais, do rei; dar uma ordem e outras, o autor

especifica trinta e uma funções dramáticas nas narrativas.

Um dos mais famosos mitólogos do mundo, Joseph Campbell, ao

pesquisar mitos das diversas culturas e etnias fala da “Jornada do herói” (em O

herói de mil faces, 2000) e também identifica padrões e princípios de vida

comuns, subjacentes nas histórias e mitos, numa sequência de doze etapas

vividas pelo protagonista. Campbell cita itens como: “mundo comum, chamado

à aventura, recusa ao chamado, provação, encontro com o mentor, caminho de

volta e retorno com o “elixir””, dentre outras.

Tais pesquisas nos mostram que a estrutura das narrativas guarda uma

ordem que retrata a dinâmica da transformação diante de um dado

conflito/situação vivido pelo herói/protagonista.

. Quanto aos elementos presentes nas histórias e contos de fada

podemos destacar a noção de tempo e espaço, que são difusas: “era uma vez”,

“há muito tempo”,” numa aldeia distante”, mostrando que a história se passa

longe do real. Os personagens não são nomeados: um rei, um velho, uma

menina, a madrinha e, quando identificados,usam nomes gerais como João,

Maria. O fantástico é traço marcante: uma capa que torna invisível, uma toalha

que ao ser estendida faz surgir alimentos, uma bota que transpõe longas

distâncias. O contato com a natureza também é um elemento dos contos: a

floresta, o rio, animais, flores, assim como a presença de seres sobrenaturais

como ogros, bruxas, gigantes, fadas e situações de proibição: não atravessar a

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ponte, não abrir certa porta, fazem parte dos enredos. Outro elemento

característico é a metamorfose ou redenção, de sapo em príncipe, de cobra em

rainha, a ambiguidade entre bem e mal e os estereótipos como a moça, rapaz

ser lindo, muito pobre ou muito rico. E, naturalmente, o final feliz: “E foram

felizes para sempre!”.

Para identificar as características e elementos vamos observá-los na

história O rei sapo, compilada pelos Grimm, cujo primeiro registro foi feito no

começo do século XIX:

“O rei sapo

Era uma vez, no tempo em que os desejos ainda se cumpriam, um rei

cujas filhas eram todas belas. Mas a menor era tão linda, que o próprio Sol,

que já vira tanta coisa, se alegrava ao iluminar o seu rosto. Perto do castelo do

rei havia um bosque escuro. E, no bosque, debaixo de uma grande árvore,

havia um poço. Quando fazia muito calor, a filha do rei saía para o bosque e

sentava-se à beira do poço. E quando a princesinha se entediava, pegava uma

bola de ouro e ficava brincando de jogá-la para cima e agarrá-la.

1- Início: existe uma situação que está posta e reflete uma aparente

tranquilidade, mostra a rotina da princesinha, num tempo e espaço

indefinidos, brincando com a bola e apresenta os personagens,

observem que não há nomes, o Rei, suas filhas, a caçula;

Mas aconteceu, certa vez, que a bola de ouro passou direto pelas mãos

da menina, bateu no chão e rolou para dentro d água. A princesinha foi

seguindo a bola com os olhos até que não conseguiu mais enxergá-la, pois o

poço era muito fundo. Então começou a chorar. Chorava cada vez mais alto,

sem conseguir parar.

2 -Ruptura: tem que sair do estabelecido, a perda da bola rompe com a

situação inicial.

Enquanto se lamentava, ela ouviu uma voz que dizia:

- O que foi que te aconteceu, filha do rei? Choras tanto que podes comover até

uma pedra. - Ela olhou em volta, procurando de onde vinha aquela voz, e viu,

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então, um sapo com sua grande e feia cabeça para fora da água.

- Ah, és tu? - disse ela. - Estou chorando por causa da minha bola de ouro que

caiu no fundo do poço.

- Sossega e não chores - respondeu o sapo. - Eu posso te ajudar. Mas o que

me darás, se eu te devolver o brinquedo? 3 - Confronto: diante da perda da bola a princesa se desespera, julgando

não ter condições de lidar com a situação e, o sapo – um elemento

fantástico auxiliar - aparece para oferecer ajuda.

O que tu quiseres, querido sapo - disse ela. - Meus vestidos, minhas

pérolas, minhas pedras preciosas e também a coroa de ouro que estou usando.

- O sapo respondeu:

- Teus vestidos, tuas pérolas, tuas pedras preciosas e tua coroa de ouro eu não

quero. Mas se aceitares gostar de mim, para eu ser teu amigo e companheiro, e

me deixares sentar ao teu lado à mesa, comer no teu prato de ouro, beber na

tua taça e dormir na tua cama, se me prometeres isso, eu descerei para o fundo

do poço e te trarei de volta a bola de ouro.

- Ah, sim - disse ela. - Eu te prometo tudo o que queres, mas traze-me de volta

a minha bola de ouro.

4 – Frente ao novo: ao prometer qualquer coisa para ter sua bola de ouro

de volta a princesa se coloca em posição de mudança, o sapo além de

auxiliar é o agente transformador.

Apanhou seu lindo brinquedo e saiu pulando. - Aí, ela pensou consigo

mesma: "Que bobagens fala este sapo! Ele vive dentro d água com outros

sapos, coaxando, não pode ser companheiro de um ser humano”.

Quando o sapo recebeu a promessa, mergulhou de cabeça, desceu ao fundo e

voltou com a bola na boca. A princesinha

- Espera, espera! - gritou o sapo. - Leva-me contigo, eu não posso correr!

Mas a menina não lhe deu atenção, apressou-se para casa e logo esqueceu o

pobre sapo, que tinha de descer de volta ao seu poço. No dia seguinte,

quando ela com o rei, e todos os cortesãos, sentada à mesa comia no seu

prato de ouro, eis que alguma coisa - ploque, ploque, ploque - veio se

arrastando, subindo pela escadaria de mármore. Quando chegou em cima,

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bateu na porta e gritou:

- Filha do rei, a mais nova, abre para mim! - A princesinha correu para ver

quem estava lá fora. Mas quando abriu a porta e viu o sapo ali, bateu a porta

depressa e sentou-se de volta à mesa, sentindo medo. O rei percebeu que o

coração da filha batia forte e disse:

- Minha filha, de que tens medo? Será que algum gigante está à porta e quer te

levar?

- Oh, não - respondeu ela. - Não é um gigante, mas um sapo nojento.

- E o que esse sapo quer de ti?

- Ah, meu pai querido, ontem eu estava sentada lá no poço brincando e a

minha bola de ouro caiu na água. E porque eu chorava muito, o sapo foi

buscá-la para mim. E porque ele me exigiu, eu prometi que ele seria meu

companheiro. Mas eu pensava que ele nunca poderia sair da água. E agora

ele está lá na porta e quer entrar aqui.

Enquanto isso, lá fora, o sapo batia na porta e gritava: "Princesa, a mais nova,

abre para mim! Lembras o que ontem prometeste a mim, lá junto do poço?

Prometeste, sim! Princesa, a mais nova, abre para mim”!

Então, o rei disse:

- O que tu prometeste, deves cumprir. Vá agora e abre a porta para ele! - Ela

abriu a porta e o sapo entrou pulando, sempre nos pés da princesa, até a sua

cadeira. Então, sentou-se e gritou:

- Levanta-me para junto de ti! - Ela hesitou, até que, finalmente, o rei mandou

que o fizesse. Quando o sapo já estava na cadeira, quis subir para a mesa, e

quando já estava ali, ele disse:

- Agora, empurra o teu pratinho de ouro para mais perto de mim, para

podermos comer juntos! - A filha do rei obedeceu, mas via-se bem que não era

de boa vontade. Finalmente, ele disse:

- Fartei-me de comer e estou cansado. Agora, leva-me para o teu quarto e

arruma a tua caminha de seda, onde nós dois vamos dormir.

A filha do rei começou a chorar. Tinha medo do sapo frio que ela não se atrevia

a tocar e que agora iria dormir na sua linda caminha de seda. Mas o rei ficou

zangado e ordenou:

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- Quem te ajudou na hora da necessidade, não podes desprezar depois!

Então, ele segurou o sapo com dois dedos, carregou-o para cima e colocou-o

sentado num canto. Quando ela estava deitada na cama, ele veio se

arrastando e disse:

- Estou cansado, quero dormir igual a ti. Levanta-me, senão eu conto ao teu

pai!

5 – Provas: aqui ela vai ter que enfrentar novas situações, assumir

responsabilidades ao ter que cumprir sua promessa e tomar atitude

frente ao que quer, quando:

Aí ela ficou furiosa, levantou o sapo e atirou-o com toda a força contra a

parede:

- Agora me deixarás em paz, sapo nojento!

6 – Redenção: a transformação do sapo em príncipe.

Quando ele caiu, já não era mais um sapo, e, sim, um lindo príncipe,·.

7 – Transcendência: final feliz!

...que ficou sendo, pela vontade do pai da princesa, seu companheiro amado e

marido. Ele contou à princesa que tinha sido enfeitiçado por uma bruxa e

ninguém poderia libertá-lo do poço a não ser ela. Disse também que, na

manhã seguinte, iriam juntos para o reino dele.

De manhã, quando o Sol nasceu, chegou uma carruagem com seis cavalos

brancos, com cabeças enfeitadas de plumas de avestruz e arreados com

correntes de ouro. A carruagem viera para levar o príncipe e sua amada para

seu reino.”

O galo cantou cocorocó, a alvorada chegou e meu conto acabou.

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CAPÍTULO II

E foi assim que um dia...: A Arteterapia

“Ser arteterapeuta é aprender a

escutar com os olhos e falar com

as mãos”

Fayga Ostrower

A Arteterapia é um processo terapêutico que acontece através da

utilização de recursos e materiais expressivos tais como colagem, pintura,

desenho, dança, música, tecelagem, contos de fada e histórias, teatro,

literatura, mosaico, expressão corporal e dramática dentre outros, como define

Ângela Philippini:

“Uma, dentre as inúmeras formas de

descrever o que é mesmo arteterapia,

será considerá-la como um processo

terapêutico que ocorre através da

utilização de modalidades expressivas

diversas. As atividades artísticas

utilizadas configurarão uma produção

simbólica, concretizada em inúmeras

possibilidades plásticas, diversas

formas, cores, volumes, etc.”

(Philippini, 2000, p. 25).

Sua proposta é apoiar o desenvolvimento e o crescimento do indivíduo

através da produção plástica. Entre o sujeito e suas emoções, os materiais e

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as técnicas, oferecem uma ponte para elaboração de suas questões, um

território onde o inconsciente pode se manifestar na sua linguagem simbólica,

imagética, os recursos utilizados favorecem a compreensão dessa linguagem e

a interlocução com a psique, uma vez que:

“A linguagem simbólica é um sistema com outras

maneiras de percepção além do racional.

Precisamos aprender como abrir esse

caminho de conhecimento e expressão.”

(Susan Bello,2003, p.15)

Portanto, podemos entender o processo arteterapêutico como um facilitador da

abertura ao potencial criativo pessoal que, por sua vez, oferece novas vias de

expressão e percepção de si mesmo e do sentido dos fatos, o que favorece as

transformações.

2.1 – Histórico

O homem sempre expressou através da arte o seu viver, traduzindo de

diversas formas suas experiências, sentimentos e relações. Os desenhos

gravados nas cavernas há milênios, comprovam a relação do homem com a

arte como veículo de representação tanto do mundo externo quanto interno

com seus fenômenos:

“Nossos antepassados de dentro da caverna

podiam espreitar, protegidos, os perigos do

lado de fora....As formas possivelmente hostis

dos animais, ou a tranquila constância da

paisagem, a luz que aparecia com o dia e

desaparecia com a noite, os sons do vento e

da chuva....As imagens percebidas e

introjetadas no espírito aos poucos

exteriorizava-se na superfície da rocha, numa

representação sensível. “(Luppi, 1994, p.21)

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Nos templos de cura de Asclépio o indivíduo era convidado a assistir

peças de teatro para inspirar sentimentos e emoções, ou a pernoitar para

incubar seus sonhos que trariam informações sobre seus conflitos, símbolos,

que seriam, então, elaborados. Esses registros demonstram a ligação ancestral

do homem com a arte e o caráter sagrado simbólico que lhe conferia como

potencial de cura.

A arte vem sendo pesquisada como recurso terapêutico por estudiosos

há muito tempo, em 1876:

“o psiquiatra Max Simon classificou as

doenças mentais segundo as produções

artísticas de seus pacientes”. Cesar Lombroso,

em 1888, também classificou doenças

analisando desenhos....outros autores

prosseguiram estudando a amanifestação

artística de doentes psiquiátricos...”

(Carneiro, 2010, p.25)

Freud, embora não tenha utilizado a arte com finalidade terapêutica,

num estudo sobre os artistas e suas obras assinalou a presença do

inconsciente nas produções, através da observação de imagens que

“escapavam” da percepção consciente do autor, como num processo de

catarse.

O pioneiro na utilização da expressão plástica como tratamento

psicoterápico foi Carl Jung, que ao propor o desenho de conflitos, sonhos e

sentimentos percebeu que o paciente via mais claramente a questão que o

incomodava. Portanto, Jung traz a imagem para a terapia, que até então era

centrada na palavra.

Os estudos da Arteterapia como prática terapêutica remontam ao

trabalho de Margareth Naumburg, primeira a sistematizar a Arteterapia através

de pesquisa na área educacional, no atendimento a crianças com necessidades

especiais, em 1941. No Brasil, Osório César desenvolveu, como residente do

Hospital de Juqueri, pesquisas sobre a utilização de recursos expressivos com

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os pacientes e criou a escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, em São Paulo

e publica os primeiros trabalhos sobre o tema.

No Rio de Janeiro, a Dra. Nise da Silveira, psiquiatra, instituiu oficinas de

arte-expressão no Hospital Pedro II, revolucionando a prática terapêutica

vigente e criando o Museu de Imagens do Inconsciente, iniciativa inovadora que

conquistou reconhecimento mundial e que reúne um acervo único no Brasil,

formado pelas obras dos pacientes atendidos nos ateliês terapêuticos e

considerado um dos mais importantes do mundo.

Apesar da linha do tempo ter um fio comprido das referências ancestrais

da arte como expressão da identidade e como elemento terapêutico, a

Arteterapia pode ser considerada um campo ainda novo de conhecimento,

cujas pesquisas sobre suas aplicações e interfaces vêm se aprofundando a

partir de novos estudos, relacionando-a como facilitadora, além da saúde

mental, na educação, administração, recursos humanos, dentre outras, uma

vez que sua base se assenta sobre o potencial criativo humano e a capacidade

de transformação que contém.

2.2 – Criatividade e Arteterapia

Criatividade pressupõe o “novo”, quase sempre se refere a um fenômeno

que acontece na mente e que materializa esse “novo” no mundo, na sociedade,

na cultura, nos fazeres, nas relações, seja através das artes ou por outros

caminhos, segundo Ostrower:

“criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo. Em qualquer que

seja o campo de atividade, tratam-se nesse “novo”, de novas coerências que se

estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e

compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a

capacidade de compreender: e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar,

configurar, significar. ”(OSTROWER,2004, p.9).

Porém, para que o novo chegue é preciso um rompimento com o

estabelecido, o conhecido, e isso exige compromisso, ousadia, trabalho e

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coragem pra sustentar a angústia e superar o medo que acompanham a

mudança.

Ser criativo é arriscar, ousar assumir uma postura interior de coragem

para encontrar um lugar interno de reconhecimento de nossa singularidade e o

direito de manifestá-la. Como toda mudança começa internamente, a expressão

em Arteterapia, o espaço que é oferecido ao inconsciente nos processos

arteterapêuticos, nos permite um novo olhar e assim, adotar atitudes que

facilitam que encontremos um canal para fluidez do potencial criativo e que as

imagens se conjuguem numa perspectiva de desenvolvimento de competências

para a vida, mobilizando o potencial criativo para a busca de soluções

inovadoras para as questões com as quais nos debatemos e, então:

“a arteterapia pode ser um caminho capaz de nos levar ao “território em

que os caminhos da criação resultam em caminhos da transformação”.

(PHILIPPINI, 2007).

O sintoma mais comum no bloqueio do potencial criativo é a falta de

vitalidade, uma sensação de cansaço e vazio - queixa bastante recorrente e

está por trás de tantas doenças - porque mesmo estando sempre em

movimento e ocupados, agimos de forma repetitiva, sem dar espaço a nossas

imagens interiores, “cumprindo” vida, numa completa mesmice, sufocando o

ser inventivo e fértil que mora dentro de nós.

O momento é de questionamento diante dos valores e costumes que

vêm sustentando todos os aspectos da vida moderna. Todo repensar pode ser

possibilidade de transição e, portanto, gera crise entre posturas de acomodação

e/ou de oportunidade para mudança de paradigma. Para mudar somos

convocados a pensar sobre o novo e assumir responsabilidades e o

compromisso da criação de novos padrões de vida. Exige comprometer-se na

afirmação e realização das escolhas com uma coragem criativa, entendendo-a

como Rollo May para quem:

“... a coragem criativa é a descoberta de novas formas, novos símbolos,

novos padrões segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída.”

(MAY, 1982, p.19).

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A Arteterapia tem como proposta ativar as forças criadoras interiores do

indivíduo, dar espaço para o improvisar, para a livre expressão de ideias,

sentimentos, emoções. Nesse improvisar, na busca por soluções diante das

produções a criatividade se faz presente. Conhecem o ditado da sabedoria

popular que diz que “a necessidade faz o sapo pular”? Pois acredito que a

criatividade nos faz pular, no sentido de encontrar novas maneiras e padrões

de viver a vida. Ser criativo não se restringe a uma ocasião ou momento

específico, é ser capaz de estar consciente em procurar exercê-la sempre,

afinal:

“Toda ação pode ser praticada como arte, como ofício ou como obrigação.”

(Nachmanovitch, p.21)

A afirmativa do autor é uma boa reflexão sobre como estamos conduzindo

nossa vida seja no trabalho, nas relações conosco e com o outro. Nossas

atitudes, escolhas e posturas estão baseadas na alegria do espírito criativo, na

formalidade técnica do desempenho ou na tediosa e desgastante energia da

obrigação?

Ao tratar sobre capacidade criativa quase sempre surgem perguntas sobre

como se aprende a criar? Como aprendemos a ser criativos? Para

Nachmanovitch a pergunta correta é “o que nos impede?” Porque na verdade:

“O que temos que expressar já existe em nós, é nós, de forma que trabalhar a

criatividade não é uma questão de fazer surgir o material, mas de desbloquear

os obstáculos que impedem seu fluxo natural.” (Nachmanovitch p.21).

O fluxo criativo, para Csikszentmihalyi, se traduz por experiências onde

o que sentimos, desejamos e pensamos estão em harmonia, o que causa uma

sensação de plenitude. A ação flui – e nossa concentração acontece - sem

esforço, sem peso. Nessas circunstâncias a noção de tempo é alterada e “...

as horas parecem passar como minutos.” (Csikszentmihalyi, p.38). O autor

entende por fluxo “ uma fonte de energia psíquica que concentra a atenção e

motiva a ação.” ((Csikszentmihalyi, p.136). Nesse sentido as atividades

propostas num ateliê arteterapêutico, são capazes de despertar a atenção e o

foco, os materiais são ativadores da criatividade e o fluxo pode encontrar uma

via de passagem através do lúdico, da experimentação.

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O automático, e repetitivo, é mais fácil, seguir o caminho de menor

resistência gera menos esforço, em tese, pois, investir numa mudança requer

determinação e questionamentos, pode trazer dor e sofrimento, porém é dessa

forma que podemos construir uma vida mais plena, viver com melhor qualidade

de vida. E é isso que o processo arteterapêutico propõe.

2.3 – Arteterapia de base junguina

"Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der". Jung

A Arteterapia pode se estruturar a partir de diversos suportes teóricos,

cada enfoque vai se apoiar em pressupostos específicos para o

desenvolvimento dos trabalhos, a fim de alcançar os objetivos a que se

propõe.

Em articulação com a teoria junguiana, a Arteterapia leva em conta o

conceito de Processo de Individuação, a partir de suas pesquisas e

experiências Jung reconhece que há uma predisposição inata para que

realizemos nossa essência, o que nos é particular. Para Nise da Silveira o

conceito é claro e simples: “ ...tendência instintiva a realizar plenamente

potencialidades inatas.” (SILVEIRA, 1997, p. ...).

A busca instintiva de realização das potencialidades nos revela que

somos muito mais do que pensamos e sabemos sobre nós mesmos. Nessa

busca pelo encontro, reconhecimento e conciliação de aspectos interiores, os

símbolos e as imagens, a mitologia e os contos de fada são auxiliares que

mostram caminhos e soluções criativas. Assim sendo, a Arteterapia junguiana

busca, então, oferecer espaços para que o inconsciente revele suas imagens

simbólicas, norteadoras do percurso de individuação.

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2.4 – Jung e o Processo de Individuação “Eis que estavas dentro de mim e eu te buscava do lado de fora.” (Santo Agostinho) Jung valorizou a imagem no processo terapêutico de seus pacientes

psicóticos, percebendo, inclusive, que conseguiam expressar mais claramente

seus conflitos e sentimentos imageticamente e, na observação dessas

imagens, percebeu que determinados símbolos, mesmo sendo particulares à

história daquele indivíduo, estavam presentes na expressão de outros sujeitos

e nos mitos de diversas culturas. Essa percepção ampliou sua concepção de

um inconsciente pessoal para a existência de um inconsciente coletivo e o

conduziu à teoria dos arquétipos:

“ “Em 1912 ele escreveu sobre imagens

primordiais que reconhecia na vida

inconsciente de seus pacientes, como

também em sua própria autoanálise.

Essas imagens eram semelhantes a

motivos repetidos em toda parte e por

toda a história.”

(Dicionário Junguiano, Rubedo, 2012).

Ao integrar as linguagens verbal e imagética Jung apontou que uma

complementava e enriquecia a outra num diálogo consciente/inconsciente

através dos símbolos produzidos pelos sujeitos, Nise da Silveira, afirma que:

“... através deste método, onde se conjugam

imagem e ação, Jung descobriu o

desdobramento de um processo inconsciente

— o processo de individuação, que é o

próprio eixo de sua psicologia”.

(Silveira, 1981, p. 102)

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Por Processo de individuação entendemos a busca e o encontro com a

nossa singularidade, nossa totalidade, o reconhecimento e a integração dos

opostos que vivem em nós.

Além da observação dos pacientes, Jung, a partir de suas vivências

numa difícil fase de vida, e na interpretação de seus sonhos confrontou

também, as questões que se passavam em seu interior, segundo Nise da

Silveira:

“Atento aos fenômenos que se desdobravam

no íntimo de si próprio, apreendeu o fio e a

significação do curso que tomavam,

verificando que outra coisa não acontecia

senão a busca da realização da

personalidade total.”

(Silveira, 1981, p 16)

Portanto, o conceito de Individuação, foi construído na observação de temas

específicos presentes nos delírios, alucinações, fantasias das pessoas e,

também, descritos nos mitos e contos de fada.

Jung afirma que o processo de individuação pode acontecer a partir da

segunda metade da vida, quando advém uma necessidade de resgatar o

contato interior em função das questões que se apresentam nesse momento

sobre espiritualidade e necessidade de conferir significado à própria vida que

exigem respostas e reflexões. É hora de aceitar como diz a canção “a dor e a

delícia de ser o que é”, oportunidade para reconhecer-se como único e

singular.

O Processo de Individuação não é uma experiência linear, uma estrada

onde passamos por determinadas estações e chegamos ao destino desejado.

É, ao contrário, um caminho espiralado, com idas e voltas, estágios e

progressos, regressões também. Como na frase de Guimarães Rosa a “coisa

não está na partida nem na chegada, tá na travessia”. Esse caminhar e

encaminhar um diálogo entre consciente e inconsciente é o movimento de

individuar-se, realizar a si próprio, pois:

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“Todo ser tende a realizar o que existe nele,

em germe, a crescer, a completar-se. (...) no

homem isso adquire um caráter peculiar: o

homem é capaz de tomar consciência desse

desenvolvimento e influenciá-lo. Precisamente

no confronto do inconsciente com o

consciente, no conflito como na colaboração

entre ambos é que os diversos componentes

da personalidade amadurecem e unem-se

numa síntese, na realização de um indivíduo

específico e inteiro.”

(Silveira, 1981, p. 77).

Nesse percurso somos convocados a reconhecer nossa sombra, aspectos

inconscientes que foram reprimidos (ou não reconhecidos) pelo ego, sejam

eles bons ou ruins; a despir a máscara, a persona, aquilo que entendemos

como eu, mas que na verdade é uma defesa, ou estrutura adaptativa frente à

vida, uma identidade ideal com a qual nos apresentamos ao outro e ao mundo;

lidar com os efeitos dos arquétipos(ideias, imagens, padrões dos instintos,

como definiu Jung, por exemplo: mãe, pai, órfão, herói) constelados nas

diversas situações que enfrentamos na vida.

O Processo de Individuação, ainda segundo a Dra. Nise, é “descrito em

imagens nos contos de fada, mitos, no opus alquímico, nos sonhos” (Silveira,

1981) e pode ser acompanhado, através das produções simbólicas do

inconsciente, por meio dos recursos da Arteterapia.

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Capítulo III

E foram felizes para sempre:

Histórias/Arteterapia/Individuação

“Há sempre um pouco de conto de fadas acontecendo na vida.” Von Franz

Ouvir uma história, escutar alguém contar uma história é uma

experiência mágica, desperta sensações, lembranças, acorda a criança

interior. É como entrar numa dimensão diferente de tempo e espaço. Cada

pessoa vive essa experiência de uma maneira, claro, mas é impossível não

sentir-se tocado por uma história. Identificar-se com a(s) personagem(s),

reconhecer-se naquela trama, na aventura do herói/heroína. Por abordar

questões existenciais, comuns a todos, as histórias vêm se perpetuando e

despertando o interesse de estudiosos. Bruno Bettelheim, em A psicanálise

dos contos de fada mostra o quanto é importante a narrativa para o

desenvolvimento da subjetividade da criança. Nos enredos ela identifica seus

medos, conflitos, sentimentos (que às vezes julga inaceitáveis) e pode vivê-los

em segurança. Para nós adultos também. Encontramos nas histórias situações

e conflitos com as quais nos defrontamos o tempo todo, no amor, nas

relações, na vida com seus encontros, desencontros e passagens. Nas tramas

das histórias nos identificamos, sua linguagem metafórica nos ajuda elaborar

uma nova compreensão das experiências conflituosas.

Sabemos da capacidade curativa das histórias utilizada desde que o

mundo é mundo para ensinar, orientar e cuidar. No processo arteterapêutico a

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história é mediadora, pois, sua estrutura reproduz situações que facilitam a

identificação, assim sendo, protege da dor de um contato direto com o

sofrimento ou demanda, sua linguagem simbólica permite uma abordagem

indireta do conflito:

“ “ As histórias permitem-nos isso, falar de algo

que nos diz respeito pessoalmente, que nos

toca intimamente, sem expor-nos;”

(Marina Manferrari)

As transformações e o final feliz oferecem esperança e abrem perspectiva de

que existe solução para o “era uma vez” do nosso mundo também.

Nas histórias encontramos as pistas para pensar em melhores soluções,

em saídas criativas, que podem quebrar os padrões repetitivos das nossas

respostas à vida. Assim sendo, a Arteterapia lança mão das histórias como

suporte facilitador do processo de autoconhecimento, de individuação.

3.1 – Simbolismo das histórias e Processo de Individuação em

Arteterapia

O Processo de individuação trata da busca por uma vida plena, pela

integração dos muitos aspectos que nos constituem, pois somos muitos dentro

de nós. É marcado por símbolos e imagens carregadas de energia, imagens

simbólicas. Como símbolo, Jung define uma produção espontânea da psique,

com capacidade para transformar e/ou redirecionar a energia psíquica.

Segundo Sharp (1997) o símbolo é “a melhor expressão possível para algo

desconhecido”. Na produção plástica, nas dinâmicas e vivências em

Arteterapia, os símbolos se manifestam e uma atitude observadora da

mensagem simbólica pode revelar o significado ou o propósito desse símbolo

específico num dado momento, trazendo clareza ao processo.

Os contos são recheados de símbolos e situações que são metáforas da

vida. Suas personagens são arquétipos que representam nossos aspectos

interiores em ação, forças psíquicas que representam padrões da psique.

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Sobre arquétipos Ulson (1988) diz que “são predisposições herdadas”,

“matrizes organizadoras da forma com que apreendemos o real.”. Kant

também disse que “o indivíduo ao perceber o mundo exterior, o plasma

segundo matrizes herdadas”. Como exemplo de arquétipos podemos citar a

mãe, o pai, o irmão, o caminho, o órfão, a criança, o herói, o sábio, a sombra,

entre inúmeros outros. O arquétipo não tem uma forma, ganha concretude a

partir de nossos comportamentos e atitudes quando atuamos na vida de

acordo com um padrão que o representa. Por trás da ideia do pai pessoal, por

exemplo, do pai real, existe outra configuração de pai, como uma matriz que

reúne as experiências e características atribuídas à figura do pai pela

humanidade e que estão registradas no inconsciente coletivo. As

características que estão associadas ao arquétipo do pai são a lei, a ordem, a

proteção, orientação, objetividade, iniciativa, provisão, para citar algumas.

Ao arquétipo da mãe se referem a maternagem, acolhimento, geração e

criação, cuidado, nutrição. No período da gravidez e pós-parto o arquétipo

materno ganha força e influencia nossos atos e escolhas. Se alguém é

influenciado pelo arquétipo do órfão, vai agir e funcionar com as características

de um órfão, com sentimentos e sensações de abandono, rejeição, que vão

dirigir seu olhar e postura diante da vida e das relações, como tal. O arquétipo

tem estrutura bipolarizada, em contrapartida à mãe acolhedora temos a

devoradora, o pai mentor e o castrador, autoritário e/ou ausente.

Os contos de fada são semelhantes aos sonhos, as imagens oníricas

com sua linguagem simbólica e até sobrenatural se parecem com as

passagens e acontecimentos registrados nas histórias. Porém, nos sonhos,

esses conteúdos se referem ao universo pessoal do sonhador. Nos contos,

são relativos ao universo arquetípico, isto é, comum a todos, ligado às

experiências coletivas, da humanidade. Porém, ambos nos falam na

linguagem do inconsciente.

Jung mostrou que, além do inconsciente pessoal, que guarda aspectos

da singularidade do sujeito, há o inconsciente coletivo, cujo conteúdo se refere

às experiências comuns à humanidade, na busca pelo sentido da vida. Nessa

perspectiva e, a partir de rigorosos estudos e pesquisas com sonhos e contos

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das culturas do mundo, Jung afirma que é possível estudar/observar a

estrutura da psique nos contos de fada, uma vez que:

“...o conto expressa, por meios simples, as imagens

e os sentimentos que vive a humanidade inteira.”

(GUTFREIND, p. 11)

Marie Louise Von Franz, analista junguiana considerada a maior autoridade em

pesquisa e análise dos contos de fada na perspectiva de Jung, assegura que

“os contos têm origem nas camadas profundas do inconsciente, comuns à

psique de todos os homens.” (Von Franz, p.35)

Portanto, ouvir, imaginar, explorar, viajar e criar, a partir das histórias, num

espaço arteterapêutico, nos permite tornar consciente movimentos

inconscientes que determinam nossas escolhas e sentimentos, dar visibilidade

aos conteúdos e forças psíquicas que atuam, em nós, de modo invisível. Como

num espelho, a pessoa vê refletido seu momento e funcionamento emocional

no mitologema do conto, podendo acionar uma energia interior capaz de

despertar a capacidade criativa para ser autor de sua própria história, diante

dos desafios que a vida convoca.

O conto de fadas é sempre uma narrativa carregada de significados. O

mitologema é “um elemento ou tema isolado, em qualquer mito” ( Hollis, 2005)

conto ou história. Os temas da ascensão, queda, perda, a busca, redenção são

mitologemas, a parte onde é identificada a situação mitológica que o conto

aborda. O mitologema, as personagens como manifestações de forças

psíquicas, são meios que a Arteterapia utiliza na leitura simbólica dos contos.

A leitura simbólica considera que todas as personagens do conto são aspectos

da psique do herói/heroína protagonista. Tanto as criaturas que auxiliam nas

provas quanto as ameaçadoras são forças internas do indivíduo. A aventura ou

percurso diz respeito a uma situação que deve ser transformada a partir de

determinadas circunstâncias.

Assim como vimos anteriormente o conto O rei sapo para identificar a estrutura

da história, vamos observar o conto O peixe luminoso, do folclore italiano

recolhido por Ítalo Calvino, para uma possível leitura simbólica:

O PEIXE LUMINOSO

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Há muito, muito tempo, um velho e sua esposa viviam numa casa junto ao mar.

Com o passar dos anos, todos os seus filhos morreram, condenando o velho

casal à pobreza e à solidão. O velho mal ganhava para viver, catando lenha na

floresta e vendendo-a na aldeia. Um dia, na mata, encontrou um homem de

longas barbas – conheço todos os seus problemas – disse o estranho – e

quero ajudá-lo. Deu ao velho uma pequena bolsa de couro e quando este

olhou dentro dela desmaiou de espanto : a bolsa estava cheia de ouro!

Quando voltou a si o estranho havia desaparecido. Então o velho jogou a lenha

fora e correu para casa. No caminho começou a pensar : se eu contar a minha

esposa sobre esse dinheiro ela vai querer gastá-lo todo – disse a si mesmo.

Quando chegou em casa, não mencionou nada à esposa, em vez disso

escondeu o dinheiro sob um monte de estrume.

No dia seguinte, ao acordar, o velho viu que a esposa havia preparado um

esplêndido desjejum, com pão e chouriço. – Onde você arrumou dinheiro para

tudo isto? – perguntou a ela.

- Ontem você não trouxe lenha para vender – ela disse – de modo que vendi o

estrume para o fazendeiro lá de baixo. O velho fugiu, gritando desolado e

tristemente foi trabalhar na floresta, resmungando consigo mesmo.

No fundo da mata encontrou novamente o estranho. O homem das longas

barbas riu – sei o que você fez com o dinheiro, mas ainda quero ajudá-lo,

então deu ao velho outra bolsa, cheia de ouro. O velho correu para casa , mas

no caminho, de novo começou a pensar: - se eu contar a minha esposa ela vai

esbanjar essa fortuna. E ele então escondeu o dinheiro na lareira, sob as

cinzas. No dia seguinte, ao acordar, viu que a esposa havia preparado outro

desjejum delicioso. Perguntada respondeu : - como você não trouxe lenha eu

vendi as cinzas para o fazendeiro lá de cima.

O velho correu para floresta arrancando os cabelos de desespero. No fundo da

floresta encontrou o estranho pela terceira vez. O homem de longas barbas

sorriu, tristemente.

- Parece que você não está destinado a ser rico meu amigo – disse o estranho

– mas ainda quero ajudá-lo. Deu ao velho uma grande sacola dizendo : pegue

estas duas dúzias de rãs e vá vendê-las na aldeia e use o dinheiro para

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comprar o maior peixe que encontrar, nada de peixe seco, moluscos, chouriço,

bolos ou pão. Apenas o maior peixe! Dizendo isso, desapareceu.

O velho correu à aldeia e vendeu as rãs, com o dinheiro nas mãos, viu coisas

estupendas que poderia comprar no mercado e achou peculiar o conselho do

estranho. Apesar disso, decidiu seguir as instruções à risca e comprou o maior

peixe que encontrou. Voltou para casa muito tarde para limpá-lo, de modo que

o pendurou do lado de fora da casa, nos caibros do telhado. Então, ele e sua

esposa foram dormir.

Naquela noite caiu uma forte tempestade e o velho e sua mulher podiam ouvir

as ondas reboando nos penhascos sob sua casa. No meio da noite alguém

bateu na porta, o velho foi ver quem era e deu de cara com um grupo de

jovens marinheiros, dançando e cantando à entrada.

- Obrigado por salvar nossas vidas!!! Disseram ao velho. – Do que estão

falando? – ele perguntou. Então os pescadores contaram que haviam sido

surpreendidos no mar pela tempestade e não sabiam para que lado remar, até

que o velho acendeu uma luz para eles. – Uma luz? – perguntou. Então eles

mostraram. E o velho viu seu peixe pendurado no caibro, brilhando com uma

luz tão forte que podia ser vista a milhas ao redor.

Desse dia em diante, o velho todas as noites, pendurava o peixe para trazer os

jovens pescadores de volta e eles dividiam o produto de sua pescaria com ele.

E assim, ele e sua mulher viveram confortavelmente e gozando de grande

estima até o fim de seus dias.

- A história apresenta uma situação de pobreza e solidão, um homem

desvitalizado, os filhos “morreram”, simbolicamente sua capacidade criativa

está estagnada, pois os filhos são criação, renovação, vida nova;

- Ele mora junto ao mar, símbolo recorrente do inconsciente e à floresta,

associada à busca, à interioridade; O que aponta um momento de reflexão e

necessidade de mergulho interior sobre o significado inconsciente para a

aridez e pobreza da vida ;

- Na floresta ele ele busca lenha, tenta encontrar algo que alimente seu fogo

criador, que o mantenha vivo, lá ele encontra o velho, faz contato com sua

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sabedoria interior (o velho sábio que também habita em nós) que lhe oferece

ajuda, ouro, algo de valor nele, um potencial de mudança e transformação;

- Desconectado do seu feminino intuitivo – pois ele exclui a mulher - ele não

consegue usufruir do ouro, da riqueza de seus “insights”;

- A mulher, seu aspecto feminino, sua anima, mantém o padrão repetitivo, pois

não há interlocução entre os aspectos masculino/feminino, não sintonia e,

portanto condição de oferecer continente para nutrir suas percepções e

melhorar sua situação;

- O homem esconde seu ouro, sua riqueza pessoal sob o “estrume”, e a cinza,

sobre o que não serve mais, elementos sem vida, numa resistência às

mudanças. Isso aumenta sua desvitalização. Causa raiva e sofrimento;

- Mas o velho ainda quer lhe ajudar, a força psíquica do velho sábio está

atuando e a necessidade de mudança é mais forte e ele então recebe as rãs,

animal capaz de viver na água e na terra, reinos do sentimento e da

concretização, associado ao renascimento e à ressurreição, por causa de suas

metamorfoses (Chevalier e Gheerbrant). Esse é o momento em que uma

transformação vai se anunciando.

- O homem consegue, afinal, responder de modo diferente, não se deixa

seduzir ou desviar-se do caminho por elementos tentadores como o pão, uma

nutrição rápida, o bolo no sentido dos afetos, gestos conhecidos, ambos como

repetição de uma solução paliativa, e faz exatamente o que deve ser feito.

Consegue afinal mudar seu padrão repetitivo;

- Compra o peixe, que é símbolo de prosperidade, pode afinal fazer uma

aliança, se comprometer com a abundância da vida nova, o peixe também é

símbolo da vida manifestada da água, nascimento e restauração (Chevalier e

Gheerbrant) da vida.

- O peixe brilha na noite, o escuro e a noite são símbolos do inconsciente, ele

reconhece o insight, a luz do homem volta a brilhar quando salva a vida dos

jovens marinheiros, pode, com sua percepção iluminar sua juventude e

vitalidade (criatividade) para navegar nos mares da vida ; ele resgata seu brilho

interior, suas capacidades para compartilhar e seu potencial criativo,

estabelecendo uma relação saudável com sua guiança interior.

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O momento – a etapa de individuação - solicitava ao homem um

confronto com a sua sombra, a integração com a anima (feminino interior) e

um encontro com os arquétipos do velho sábio e do jovem (puer/marinheiros)

para que pudesse revitalizar sua vida psíquica e transformar os rumos de sua

história.

Essa é uma interpretação possível do conto, que não se esgota aqui.

Dependendo do contexto outras abordagens se apresentam. Já contei essa

história numa vivência de Arteterapia num evento sobre valorização da vida,

onde encontrar e resgatar o próprio brilho, reconhecer o que temos de especial

para oferecer ao mundo foi o diferencial num trabalho sobre a autoestima.

Nessa oficina, depois de contar a história, pedi a cada participante que,

pensasse sobre o que julga ter de mais especial, um dom, talento,

característica e, que num papel previamente recortado de modo irregular,

criasse uma imagem com pedacinhos de papel laminado, paetês dourado e

prateado e cola “gliter” dourada e prateada. Pendurei numa parede um grande

peixe cortado em papel branco. Quando todos compartilharam suas qualidades

e talentos, solicitei que colassem suas produções no peixe na parede, que

ganhou cor e brilho! Todos se emocionaram, não só ao ouvir a história, mas,

também, com a oportunidade de interiorização e contato com o que têm de

melhor, geralmente o foco é na falta! Registraram a força do grupo e sua

importância no apoio e fortalecimento de todos.

3.2 – O Arteterapeuta e a contação de histórias

As dinâmicas e materiais têm papel determinante no atendimento em

Arteterapia:

“A materialidade adequada favorece o

fluir da expressão criativa e, em

consequência, o “insight” sobre a

produção simbólica.”(Philippini, p.17)

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São instrumentos capazes de despertar e/ou desbloquear o processo criativo

e promover o contato com a nossa criatividade. O diálogo com a criatividade

nos permite acessar recursos interiores e reconhecer “insights” para conduzir,

ou reorganizar a vida de modo saudável e mais pleno. Romper com visões e

opiniões cristalizadas que levam ao engessamento do criativo e conduzem

sempre aos mesmos lugares de insatisfação.

A utilização dos contos de fadas no ateliê terapêutico estimula a

concentração, a escuta, o imaginário e a produção de imagens internas.

Porém, mais importante que escolher uma história na intenção de produzir

determinado efeito ou provocar uma dada reação, é compreender que a

narrativa por si só produz seus efeitos, sentimentos e imagens, materiais a

serem elaborados plasticamente.

O arteterapeuta, como acompanhante atento do processo de descobertas do

outro, deve conhecer um vasto repertório de contos e histórias em suas muitas

versões. Deve conhecer muitas histórias e saber contá-las, levando em conta a

entonação adequada, o ritmo, a postura corporal, gestos, a riqueza de

detalhes, a descrição dos elementos: o som do mar, das ondas, do vento,

roupas, cheiros, sabores; ambientação: luz, som, material. Afinal, o caminho

da imaginação passa pelos sentidos. Ler a história antes, refletir sobre o conto

escolhido, narrar para si mesmo, enfim, estar com a história, passar um tempo

com ela em intimidade faz toda diferença. O material e a técnica a serem

utilizados nas produções plásticas a partir da história devem ser escolhidos

com critério, considerando aspectos como integração com o tema, efeito

terapêutico e demanda do cliente ou grupo. Isso reforça o fato de que o

arteterapeuta deve conhecer e manejar o maior número possível de materiais

e dinâmicas para que possa escolher a que mais se ajusta à ocasião, tema ou

situação, ao mesmo tempo em que deve exercer seu potencial criativo

trabalhando em produções próprias e na experimentação constante com

diversos materiais.

Quase sempre a experiência com histórias não se esgota num único

momento, às vezes o tema se desdobra em encontros subsequentes, quando

as imagens vão sendo amplificadas ,porque a imagem é:

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“uma estrutura capaz de transportar

energia que, quando carregada, tem o

poder de evocar uma resposta

energética dentro de nós.” (Hollis, p.12)

E a partir da diversidade de símbolos vão sendo oferecidos novos materiais e

propostas, novas dinâmicas, pois:

“Cada vez que um símbolo é produzido

no processo terapêutico, seus

significados inconscientes demandam

propostas de atividades criativas para

desvelá-los. (Philippini, p.17)

Uma possibilidade interessante é trabalhar o conto favorito do indivíduo, qual a

história que mais gostava? Por quê? Quem contava? È uma porta para se

entrar no reino do “era uma vez”, poder ouvir de novo, em outro contexto, é

revelador, porque a história preferida tem muito a contar sobre nós.

Como a pesquisa sobre os contos vêm sendo ampliada sob diversas

leituras, alguns autores têm se dedicado a reunir histórias com temas

específicos, como o feminino (Marie Louise Von Franz, Marion Woodman,

Verena Kast, Clarissa Pinkola Estès, Jette Bonaventure, entre outros,

especificados nas referências), contos para meia-idade (Allan Chinen) ,

transtornos alimentares, questões do masculino ( Robert Bly), o que oferece

um leque amplo de opções enriquecendo as possibilidades de trabalho.

O conto não é um recurso inicial a ser utilizado, a não ser, naturalmente, que

ele surja naquele momento, seja mencionado e aí sim, pode ser abordado. Já

ouvi uma pessoa dizer, logo ao se apresentar, que se sentia como a Bela

adormecida, dormindo muito, mantendo sua casa toda fechada e sem cuidar

do seu jardim, já meio coberto de mato!

Investido de seu papel de contador de histórias o arteterapeuta, com

seu conhecimento e sensibilidade, escolhe um conto do seu repertório como

quem oferece um mapa capaz de orientar novas rotas, como quem conta e os

males desencanta no seu contar.

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3.2 – Entrando na floresta: experiências em Arteterapia com as

histórias

De início é importante reiterar que as histórias devem estar

contextualizadas e que é importante refletir e pesquisar sobre qual história

aborda o tema ou situação em particular. As histórias, dinâmicas e materiais

também devem escolhidos de acordo com o grupo/pessoa e o tempo da

vivência, para evitar frustrações. Caso seja um evento isolado, o tema deve

privilegiar a criatividade e o prazer, evitando o contato com situações dolorosas

que não terão continente para ser elaboradas ou acolhidas devidamente.

Encontramos hoje uma rica bibliografia sobre as teorias e estudos que

envolvem o uso terapêutico e pedagógico das histórias, porém é mais difícil

encontrar informações sobre a prática de organização de oficinas com as

histórias e contos e/ou um trabalho em ateliê de Arteterapia. Com essa

intenção e, para dar suporte à teoria exposta, escolhi três histórias para

exemplificar o trabalho numa oficina arteterapêutica.

A primeira é um conto compilado pelos irmãos Grimm que se chama O

sapateiro e os duendes. Trata da importância de se manter e alimentar um

diálogo consciente/inconsciente, como possibilidade de nutrir o potencial

criativo para reestruturar e reorganizar os rumos da nossa trajetória, quando

necessário. Trata também de como o equilíbrio entre os aspectos

masculino/feminino orienta e reorienta nos caminhos da realização pessoal e

da concretização dos nossos anseios. As atividades propostas ao final da

história buscam oferecer um momento de reflexão e interioridade para

incentivar o contato e a troca da energia psíquica entre

consciente/inconsciente.

Vamos “ouvir?”

O Sapateiro e os Duendes

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Era uma vez um sapateiro que trabalhava duro e era muito honesto. Mas nem

assim ele conseguia ganhar o suficiente para sobreviver. Até que, finalmente,

tudo que ele tinha no mundo se foi, exceto a quantidade de couro exata para

ele fazer um par de sapatos. Ele os cortou e deixou preparados para montar no

dia seguinte, pretendendo acordar de manhã bem cedo para trabalhar. Apesar

de todas as dificuldades, tinha a consciência limpa e o coração leve, por isso

foi tranquilamente para a cama, deixando seus problemas aos cuidados dos

céus, e adormeceu.

De manhã cedo, depois de dizer suas orações, preparava-se para fazer seu

trabalho, quando, para seu grande espanto, ali estavam os sapatos já prontos,

sobre a mesa! O bom homem não sabia o que dizer ou pensar sobre aquele

estranho acontecimento. Examinou o acabamento: não havia sequer um ponto

falso no serviço todo e era tão bem feito que parecia uma obra de arte.

Naquele mesmo dia apareceu um cliente e os sapatos agradaram-lhe tanto,

que pagou um preço muito acima do normal por eles; e o pobre sapateiro, com

o dinheiro, comprou couro suficiente para fazer mais dois pares. Naquela noite

cortou o couro e não foi para a cama tarde porque pretendia acordar e

começar cedo o trabalho no dia seguinte: mas foi-lhe poupado todo o trabalho,

pois quando acordou, pela manhã, o trabalho já estava feito e acabado. Vieram

então compradores que pagaram generosamente por seus produtos, de modo

que ele pôde comprar couro suficiente para mais quatro pares. Ele novamente

cortou o couro à noite, e encontrou o serviço acabado pela manhã, como

antes; e assim foi durante algum tempo: o que era deixado preparado à noite

estava sempre pronto ao nascer do dia, e o bom homem prosperou

novamente.

Certa noite, perto do natal, quando ele e a mulher estavam sentados perto do

fogo conversando, ele lhe disse:

- Gostaria de ficar observando esta noite para ver quem vem fazer o trabalho

por mim.

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A esposa gostou da ideia. Eles deixaram, então, uma lâmpada ardendo e se

esconderam no canto do quarto, por trás de uma cortina, para observar o que

iria acontecer. Quando deu a meia noite, apareceram dois anõezinhos nus que

se sentaram na bancada do sapateiro, pegaram o couro cortado e começariam

a preguear com seus dedinhos, costurando, martelando e remendando com tal

rapidez que deixaram o sapateiro boquiaberto de admiração; o sapateiro não

conseguia despregar os olhos do que via. E assim prosseguiram no trabalho

até terminá-lo, deixando os sapatos prontos para o uso em cima da mesa. Isto

foi muito antes do sol nascer; logo depois eles sumiram depressa como um

raio.

No dia seguinte, a esposa disse ao sapateiro:

- Esses homenzinhos nos deixaram ricos e devemos ser gratos a eles,

prestando-lhes algum serviço em troca. Fico muito chateada em vê-los

correndo para cá e para lá como eles fazem, sem nada para cobrir as costas e

protegê-los do frio. Sabe do que mais vou fazer camisas, e casacos, colete, e

calças, e você fará para cada um deles um sapatinho.

A ideia muito agradou o bom sapateiro e, certa noite, quando todas as coisas

estavam prontas, ele as puseram sobre a mesa em lugar das peças de

trabalho que costumavam deixar cortadas e foram se esconder para observar o

que os duendes fariam. Por volta de meia-noite, os anões apareceram e iam

sentar-se para fazer o seu trabalho, como de costume, quando viram as

roupas colocadas para eles, o que os deixou alegres e muito satisfeitos.

Vestiram-se, então, num piscar de olhos, dançaram, deram cambalhotas e

saltitaram na maior alegria até que finalmente saíram, dançando pela porta

para o gramado, e o sapateiro nunca mais os viu: mas enquanto viveu, tudo

correu bem para ele desde aquela época.

Leitura simbólica:

- O sapateiro vive um momento em que trabalha, se empenha, porém sua

atividade já não o sustenta emocionalmente, sente-se pobre;

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- O conto fala do dia, da consciência, vigília, o mundo real, onde ele se sente

em dificuldades; e da noite, do inconsciente, fonte de recursos para ele criar e

mudar sua situação;

- Os sapatos têm o simbolismo do tomar posse da terra, viagem, do viajante,

harmonia, identificação com a pessoa, prova de identidade (sapato da

Cinderela, que a identifica junto ao Príncipe); Produzir sapatos é lançar mão de

recursos interiores para caminhar pela vida; os sapatos que aparecem prontos

são insights, ideias para resolver o problema;

- Duendes: forças psíquicas, recursos interiores inconscientes (vêm à noite)

que trazem transformação para a vida dele;

- Quando o sapateiro observa para descobrir quem faz os sapatos ele está

prestando atenção aos movimentos do inconsciente, às percepções que lhe

ocorrem como solução para sua questão;

- A mulher, lado feminino, a anima, nutre, percebe que é preciso acolher essas

percepções, cuidar desse potencial que surge; por isso tece roupas para

agasalhar em união com o masculino que faz os sapatos. Numa troca e

interação entre consciente e inconsciente.

- O homem nunca mais viu os duendes, o conteúdo foi assimilado, trazido para

consciência e, portanto pode ser utilizado de modo consciente.

Roteiro da oficina:

- Material necessário:

- Aparelho de CD;

- CD com música para relaxamento, instrumental;

- Papel branco ofício;

- Papel “canson” colorido,

- Lápis preto;

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- Pote colorido;

- Moedas;

- Sementes;

- Jarra com água;

- Faca;

- Vela;

- Caixa de fósforo ( costumo encapar com papel colorido);

- Caixinhas de medicamentos encapadas com papel pardo;

- Caixa colorida para suporte do filó vermelho, colares e batom;

- Figuras de sapatos recortadas de revista ou de catálogo de sapataria;

- 1º momento: Relaxamento para escuta da história. Colocar música.

- Vamos fechar os olhos, respirar, sentir e acalmar o ritmo da

respiração...bem devagar vamos aquecer nossas mãos esfregando uma na

outra e colocando junto aos olhos....vamos novamente criar calor com as mãos

e colocar nos ouvidos...sentindo o calor...relaxando...e devagar, abrir os

olhos...Era uma vez, numa aldeia distante, um sapateiro....

- 2º momento: Desenho, produção de imagem do conto.

- Criar uma imagem sobre a história – papel “Canson” colorido e pastel a

óleo. No verso da folha registre suas sensações sobre a produção.

- 3º momento: Ciranda de elementos – colocar música suave.

- No centro da sala (ou sobre a mesa) você vai encontrar alguns

elementos, cada um deles traz uma pergunta para sua reflexão, não responda

nesse momento, apenas pense e fique atento às suas sensações e

pensamentos, para registrar.

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Elementos:

1 - Pote com sementes - como são as suas semeaduras?

2 - Cestinha com moedas - o que realmente tem valor?

3 - Taça transparente e jarra com água - e a sua transparência, como vai?

4 - Filó vermelho, batom, colares - como vai a sedução?

5 - uma vela e caixa de fósforos: o que precisa ser iluminado?

6 - Uma faca: o que precisa ser cortado?

7 - pequenas caixas: o que precisa ser construído?

- Escrita criativa sobre a reflexão: escreva sobre suas sensações,

sentimentos, pode ser um poema ou texto narrativo.

- 4º momento: Consciência corporal: os pés – colocar música.

- Caminhar pela sala sentindo a própria pisada, em que parte do pé se apoia?

Imagine que caminha sobre a água – sobre algodão – sobre a terra – o fogo;

caminhe depressa, agora devagar, ande em câmera lenta; sempre conectado

às sensações e impressões;

- Sente-se e observe seus pés – eles são responsáveis pelo seu caminhar na

vida - massageie, com creme, com cuidado, atenção, perceba dê atenção aos

locais doloridos ou tensos; lembre-se de que na planta dos pés estão

representados todos os órgãos do corpo.

- Quando terminar de cuidar de seus pés aproxime-se das gravuras

espalhadas no centro da sala (ou no local determinado), são imagens de

sapatos, escolha um e cole na folha de papel (ofício branco), completando a

frase: esse sapato é o meu porque:

Obs.: Nessa atividade a proposta também pode ser a criação de um sapato

com argila (ou gaze gessada), caso a pessoa esteja frequentando o ateliê, se

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for uma oficina isolada não, uma vez que não vai secar a tempo de ser pintado

e finalizado para a pessoa poder levar sua produção.

5º momento: Fechamento

- Após vivenciar as atividades é o momento de compartilhar as

experiências com o grupo e com o facilitador.

A próxima história - Rosa vermelha e Rosa Branca - também faz parte

da coleção dos Grimm, existem outras versões, com poucas variações,

inclusive associadas ao nome Branca de Neve e Rosa vermelha, porém

mantendo a estrutura e o mitologema.

Rosa Vermelha e Rosa Branca

Uma pobre viúva vivia numa pequena cabana. Em seu jardim havia duas

roseiras: em uma florescia rosas brancas, e, na outra, rosas vermelhas. A

mulher tinha duas filhas que se pareciam com as roseiras: uma chamava-se

Rosa-Branca; a outra Rosa Vermelha. As crianças eram obedientes e

trabalhadeiras. Rosa-Branca era mais séria e mais meiga que a irmã. Rosa

Vermelha gostava de correr pelos campo: Rosa-Branca preferia ficar em casa

ajudando a mãe. As duas crianças amavam-se muito e quando saíam juntas,

andavam de mãos dadas.Elas passeavam sozinhas na floresta, colhendo

amoras. Os animais não lhes faziam mal nenhum e se aproximavam delas sem

temor. Nunca lhes acontecia mal algum. Se a noite as surpreendia na floresta

elas se deitavam na relva e dormiam. As meninas mantinham a choupana da

mãe bem limpa. Durante o verão, era Rosa-Vermelha que tratava dos arranjos

da casa e no inverno, era Rosa-Branca. Á noite, quando a neve caía

branquinha e macia, Rosa-Branca fechava os ferrolhos da porta. À noite

sentavam perto da lareira e enquanto a mãe lia em voz alta num grande livro

as mãozinhas das meninas fiavam; aos pés delas, deitava-se um cordeirinho, e

atrás, em cima do poleiro, uma pomba muito branca dormia com a cabeça

entre as asas.

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Uma noite, quando estavam assim tranqüilamente, ouviram bater à porta e a

mãe mandou Rosa-Vermelha abrir a porta pois devia ser alguém procurando

abrigo.

Ao abrir a porta Rosa-Vermelha d um enorme urso que meteu a grande

cabeça d através da abertura da porta. Ela soltou um grito e correu para o

quarto; o cordeirinho pôs-se a balir, a pomba a voar, e Rosa-Branca se

escondeu atrás da cama da mãe.

-Não tenham medo, – falou o urso – Estou gelado me deixem aquecer perto da lareira.

-Pobre animal, disse a mãe, – chega perto do fogo, mas cuidado para não se queimar.

Então a mãe chamou as meninas. Elas voltaram e, pouco a pouco, aproximaram-se o cordeirinho e a pomba, sem medo.

-Meninas, disse o urso –por favor tirem a neve que tenho nas costas!

As meninas pegaram a vassoura e limparam o seu pelo; em seguida, o urso

estendeu-se diante do fogo, grunhindo satisfeito. Não demorou muito, ela

puseram-se a brincar com ele. Puxavam o pelo com as mãos, subiam nas suas

costas ou batiam nele com uma varinha de nogueira.

Quando chegou a hora de dormir e as meninas foram deitar-se, a mãe disse ao urso:

-Fique perto do fogo e você estará ao abrigo do frio e do mau tempo.

Logo que amanheceu, as meninas abriram a porta ao urso e ele se foi para a

floresta, trotando sobre a neve. A partir desse dia, ele voltou todas as noites, à

mesma hora. Estendia-se diante do fogo e elas brincavam com ele.

Chega a primavera e tudo se cobre de verde, então o urso disse a Rosa-

Branca que tinha que ir embora e não voltaria durante o verão, pois tinha que

proteger seus tesouros dos maus anões. No inverno eles permaneciam nas

tocas; mas quando o sol derrete a neve eles saem e roubam tudo o que

podem; escondendo em suas cavernas.

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Ela ficou muito triste e quando abriu a porta para o urso passar, ele esfolou a

pele na lingüeta da fechadura, e Rosa-Branca viu o brilho de ouro, mas não

teve certeza.

Algum tempo depois, a mãe mandou as meninas apanharem gravetos na

floresta. Lá chegando, viram uma árvore caída ao solo, e no tronco, entre a

relva, qualquer coisa se agitava, pulando de um lado para o outro. Ao se

aproximaram, viram um anão de rosto acinzentado, envelhecido e enrugado,

com uma barba branca muito comprida. A ponta da barba estava presa numa

fenda da árvore. Ao vê-lo Rosa-Vermelha perguntou como sua barba ficara

presa na árvores.

-Sua estúpida!- respondeu o anão; – eu quis partir esta árvore para ter lenha

miúda na cozinha, porque, com pedaços grandes, o pouco que pomos nas

panelas queima logo; nós não precisamos de tanta comida como vocês, gente

estúpida e glutona! Tinha introduzido a minha cunha no tronco, mas a maldita

madeira é muito lisa, a cunha saltou e a árvore fechou-se tão depressa

prendendo minha linda barba. Riem suas bobonas!

As meninas fizeram muitas força para livrar o homenzinho, mas não

conseguiram desprender a barba, então Rosa-Vermelha disse que precisariam

de ajuda.

-Suas burras, – estrilou o anão, – Chamar mais gente? Não podem ter uma

idéia melhor?

-Não fique nervoso, – disse Rosa-Branca. – Vou resolver isto.

Tirou do bolso uma tesourinha e cortou a ponta da barba. Ao se ver livre, o

anão agarrou um saco cheio de ouro oculto nas raízes da árvore e, pôs às

costas, sem agradecer, saiu resmungando:

-Suas brutas! Cortaram-me a ponta de minha barba! O diabo que vos

recompense!

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Passado algum tempo, Rosa-Branca e Rosa-Vermelha foram pescar peixes

para o jantar. Quando chegaram perto do rio, viram uma espécie de gafanhoto

grande saltitando à beira d’água. Correram até lá e reconheceram o anão.

Rosa-Vermelha perguntou; – você não quer se jogar na água?

-Não sou tão burro! – gritou o anão. – É esse maldito peixe que me arrasta

para a água.

Para pescar o anão lançou a linha, mas o vento enroscou sua barba na linha e,

nesse momento, um grande peixe mordeu a isca do anzol e suas forças não

eram suficientes para mantê-lo fora da água, mesmo agarrando-se aos ramos.

As meninas seguraram o anão para desembaraçar sua barba, mas foi

necessário usar mais uma vez à tesourinha e cortar outro pedaço da barba.

Ele gritou, zangado:

-Isso é modo, suas patas chocas, de desfigurar a cara de uma pessoa? Já não

bastava cortarem minha barba da outra vez, agora cortaram a parte mais

bonita!

Pegando um saco de pérolas, escondido numa touceira ele sumiu atrás de

uma pedra.

Pouco tempo depois, a mãe mandou as meninas à cidade comprar linha,

agulhas, cordões e fitas. O caminho serpeava por uma planície de rochedos.

Lá viram um grande pássaro pairando no ar, que depois de descrever um

círculo cada vez menor, foi descendo, até cair sobre um rochedo não muito

distante. No mesmo instante ouviram um grito.

Correram e viram com horror que a águia segurava nas garras o seu velho

conhecido, o anão, e se dispunha a carregá-lo pelos ares. As meninas

seguraram o anão com todas as forças, e puxa de cá e puxa de lá, por fim a

águia teve de largar a presa. Quando o anão voltou a si do susto, gritou-lhes

com voz esganiçada:

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-Não podem me tratar com mais cuidado? Estragaram o meu casaco! Suas,

palermas!

Depois pegou um saco cheio de pedras preciosas e deslizou para dentro da

toca, entre os rochedos.Sem se incomodar com sua ingratidão, elas foram pra

cidade.

Ao regressarem pela floresta, elas surpreenderam o anão, que tinha despejado

o saco de pedras preciosas num lugar limpinho. Os raios do sol caiam sobre as

pedras, fazendo-as brilhar tanto, que as meninas, deslumbradas, pararam para

asadmirar.

-Que fazem aí de boca aberta? – berrou o anão; seu rosto acinzentado estava

vermelho de raiva. Ia continuar xingando, quando se ouviu um grunhido surdo

e, um enorme urso negro saiu da floresta.O anão deu um pulo de medo, mas

não teve tempo de alcançar um esconderijo: o urso cortou-lhe o caminho.

Então ele implorou:

-Querido urso eu lhe darei todos os meus tesouros! Deixe eu viver! Você nem

me sentirá entre seus dentes. Pegue essas duas meninas gordinhas para o

seu estômago!

O urso não ouviu suas palavras; deu-lhe uma forte patada que o estendeu no

chão.

As meninas fugiram, mas o urso chamou os seus nomes e elas reconheceram

a sua voz e pararam. Quando o urso as alcançou, caiu a sua pele e, surgiu um

formoso rapaz, todo vestido de trajes dourados.

-Sou filho de poderoso rei, – disse ele – este anão mau me condenou a vagar

pela floresta sob a forma um urso depois de ter roubado os meus tesouros e

só com sua morte eu poderia me libertar.

Rosa-Branca, pouco tempo depois, casou com o príncipe e Rosa-Vermelha

com seu irmão. Partilharam, entre todos, os tesouros que o anão tinha

acumulado na caverna e a velha mãe viveu ainda muitos anos tranqüila e feliz

junto de suas queridas filhas e as duas roseiras que foram plantadas diante da

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janela dos seus aposentos. E todos os anos elas continuaram a dar as mais

lindas rosas brancas e vermelhas.

Leitura simbólica:

- o início mostra uma tríade de mulheres, aspectos do feminino: a viúva que

representa uma situação de perda do contato com o masculino e suas filhas –

conteúdos novos e opostos, pois uma era séria, meiga e gostava de ficar em

casa, a outra era traquina, moleca, gostava de correr pelos campos, mais solta.

-os aspectos opostos estavam equilibrados, andavam de “mãos dadas”;

- as estações do ano mostram o ciclo da vida em ação, no inverno, o aspecto

mais recolhido cuidava da psique e no verão a função psíquica mais expansiva

realizava essa tarefa. De fato as duas épocas simbolizam essas energias:

inverno/recolhimento, verão/expansão, respectivamente.

- A floresta, o inconsciente, não assustava, ela transitava com tranquilidade

nesse território, com seus impulsos (animais), frutos (insights), em aparente

calma consigo mesma.

- O fogo que aquece é o da lareira – associado à deusa Héstia, ao fogo do

feminino – e elas tecem, atividade ligada também ao feminino, tecer é criar as

tramas da vida;

- Até que na figura do urso, animal relacionado ao lunar, à caverna onde

passa o inverno, ele é noturno, um conteúdo aflora;

- Ele é bem recebido, cuidado, certa intimidade vai sendo construída com o

novo que surge e aos poucos vai trazendo transformações;

- Como um sonho recorrente o urso volta todas as noites para se aquecer,

como um conteúdo inconsciente vai se mantendo acolhido até poder ser

integrado;

- Chega a primavera, tempo das sementes que estavam incubadas

florescerem, a vida nova ganha força, mas há que protegê-la do anão que

rouba os tesouros;

- o anão personifica pensamentos e sentimentos, atitudes que roubam energia;

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- Apanhar gravetos na floresta é buscar o que pode nos acender a chama, o

entusiasmo, o fogo criativo;

- Cortar a barba é diminuir a força desse masculino agressivo interior, do

animus com sua voz interior que julga, humilha, dita regras e impede o fluxo da

energia criativa;

- Pescar é buscar alimento no fundo do inconsciente;

- Mais uma vez é preciso lidar com a força negativa do masculino interior;

- Quando tenta esconder as pérolas, o que há de valor, a roupa – persona –

desse masculino predador é rasgada, uma parte de sua máscara é mutilada;

- Até que toda riqueza do feminino prejudicado aparece, as forças positivas

interiores são vistas e podem ser salvas;

- surge o urso, um masculino mais doce e guerreiro, com capacidade para

proteger e guiar em parceria com o feminino a vida da mulher, a redenção do

aspecto negativo do arquétipo do masculino;

- o tesouro da vida interior, com seu potencial, é resgatado e acontece o

casamento, a união entre o masculino e o feminino;

- A maternagem se recolheu a seu lugar adequado, deixando que a menina,

até então,protegida pelo complexo materno positivo, que a afastava e

deturpava sua visão do masculino se transformasse em mulher podendo viver

seu feminino, sua sexualidade, de modo pleno;

- A partir daí as roseiras sempre davam flores, numa analogia com o

desabrochar da vida. A rosa é símbolo do feminino em seus muitos aspectos:

afetivo, sexual, romântico.

Roteiro da Oficina

- 1º momento: acolhimento e relaxamento – usar música instrumental.

- Vamos fechar os olhos, acompanhar a respiração... inspirar curto e

expirar bem comprido, pela boca...de novo... essa respiração acalma e nos

centra...mais uma vez...agora no seu tempo abra os olhos e escute essa

história que aconteceu há muito tempo atrás..uma viúva...

- 2º momento: Buscar lenha/Colagem – o ambiente deve ser “a floresta”, um

tecido de juta espalhado no chão, com folhas secas e flores onde estarão

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espalhadas as gravuras de revista com imagens diversas sobre situações

como andar de bicicleta, frente ao computador, na praia, exercícios físicos,

crianças e seus pais, trabalho, namoro, pintar, costurar, objetos e etc.;

- Vá à floresta e recolha os “gravetos”. Escolha imagens que

representem situações que alimentam sua alma e seu prazer, seu fogo criativo;

depois faça uma colagem no papel;

- Finda a colagem anote no verso do papel suas sensações;

- 3º momento: Pescando/Aquarela – usar música instrumental – colocar uma

caixa de papelão de tamanho razoável, encapada com papel azul e cheia de

areia com pequenos peixes de papel colorido enterrados e semiaparentes,

com sentimentos escritos, tais como paciência, amor, saudade, alegria,

concentração, ansiedade, tolerância, amizade e etc.

- Vá até o rio e pesque um peixe. Que peixe você fisgou? O que esse

peixe te conta?

- Crie uma imagem com a aquarela sobre sua pescaria;

- Registre suas sensações no papel, pode ser um poema, um

pensamento ou narrativa curta;

- 4º momento: unindo os fios da trama – música instrumental – organizar

caixas (ou usar organizadores) – com lãs de várias cores e espessuras, linhas

coloridas, fitas, rendas, botões, lacinhos, paetês, e uma boa variedade de

aviamentos e retalhos de tecido. O suporte para a produção é um retângulo

(médio) de tecido de algodão cru.

- Escolha linhas, aviamentos e tecidos na “loja”;

- No pano que recebeu crie uma imagem sobre a história, você pode

usar a cola de tecido ou agulha e linha;

- 5º momento: Integrando Rosa Branca e Rosa Vermelha – música

instrumental.

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- Na folha de papel desenhe o rosto de Rosa Branca, lembre-se de

suas características, como você a imagina?

- Nessa outra folha desenhe, mantendo o padrão de tamanho, o rosto

de Rosa vermelha, fique atenta às suas características, como você a imagina?

- Agora você vai riscar com lápis dividindo a imagem de Rosa Branca de

3 em 3cm até o final, numerando cada espaço na parte de cima:

- Faça o mesmo com a imagem de Rosa vermelha, coloque a

numeração embaixo dessa vez;

- Vamos recortar a imagem seguindo os riscos e transformá-las em tiras,

uma de cada vez, guardando as tiras numeradas separadamente;

- Num papel maior vamos colar, intercaladamente, o número 1 de Rosa

Branca com o número 1 de Rosa vermelha, e assim sucessivamente;

- Agora que as tiras estão coladas, vamos dobrar o papel como uma

sanfona e abri-lo como um leque.

- Se você mexer para um lado vê Rosa Branca, se virar para o outro vê

Rosa Vermelha!!! Vamos experimentar?

- 6º momento: Fechamento

- Hora de olhar nossas produções e compartilhar nossas sensações e

sentimentos, nossas percepções das experiências que vivemos hoje.

È preciso deixar claro que o compartilhar é facultativo, algumas pessoas

preferem guardar para si seus sentimentos e percepções. Por outro lado, há

pessoas que aguardam, ansiosamente, o momento de falar, não só porque se

privilegia o não verbal durante o processo, o que causa certa angústia pela

palavra, mas, também, porque se sentem empolgadas com os insights e

sentimentos experimentados.

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Tanto no ateliê quanto em Oficinas os materiais devem ser

acondicionados em recipientes coloridos, bonitos, cestas de palha, é possível

com garrafas Pet cortada do meio para o fundo, fazer belos potinhos, basta

arrematar com viés de tecido, rendas,laço para que transpareça o cuidado com

que o facilitador organizou o ambiente e, recebe o indivíduo. A ambiência, luz,

o tom de voz do arteterapeuta, junto com a arrumação dos materiais conferem

à vivência uma semelhança com o “têmenos” – espaço sagrado – propício às

reflexões e transformações a que a Arteterapia se propõe.

Escolhi, para fechar, um conto de ensinamento, são histórias com temas

reflexivos que apontam para, a relação com o espiritual e o sagrado no

cotidiano. Essa história fala de companheirismo, da necessidade de

compreensão e união entre as pessoas para que todos sejamos mais felizes e

possamos nos nutrir a partir do cuidado mútuo e respeito às diferenças.

É uma boa história para grupos de trabalho, ou reuniões família/Escola, por

exemplo. Até em família! Pois no chá de panela de meu filho e minha nora fiz

um painel com essa história impressa em letras bem grandes num papel que

imitava um papiro antigo, queimei suas pontas e pintei na cor sépia, com pastel

seco, com uma grande colher de pau bem enfeitada, colada. Fiz também em

tamanho ofício e,junto com a colher, foi uma lembrança do encontro. Mas

vamos conferir:

O INFERNO E O PARAÍSO

Era uma vez, há muito tempo, aconteceu logo ali, de um discípulo pedir a seu

mestre para conceder-lhe uma visão do inferno e do paraíso, assuntos sobre o

qual vinha meditando. Como ele era um discípulo aplicado em seus estudos o

mestre atendeu seu pedido. Disse a ele que fechasse os olhos, contasse até

três e a visão do inferno lhe apareceria na mente. Ele assim o fez, antes do

três viu um rico palácio, cercado de um belíssimo jardim com raras flores e

imponentes árvores. Lá dentro, num rico e suntuoso salão com grandes lustres

de cristal que espalhavam cores de arco-íris pelas paredes, lindos móveis e

confortáveis também, havia uma grande mesa de banquete, toalha bordada

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em ouro, copos de cristal, guardanapos do mais puro linho e no centro da

mesa uma enorme panela da mais rica porcelana de onde exalava um

cheirinho gostoso de uma sopa maravilhosa, com todos os legumes de todas

as partes do mundo, carnes exóticas, vegetais exuberantes. Em torno da mesa

muitos, mas muitos convidados, zangados, mal-humorados já discutindo entre

si por estarem famintos, com muita fome depois de dançarem tanto e curtir a

noite. Famintos? Sim, porque ao redor da panela havia colheres para todos,

porém, elas tinham o cabo muuuito comprido e eles não conseguiam se servir.

Apenas reclamar e ofender uns aos outros, muito zangados.

O mestre pediu que o discípulo abrisse seus olhos, inspirasse e expirasse três

vezes para espantar essa visão e abrir-se à visão do paraíso. Isto feito pediu

que fechasse os olhos e de novo contasse até três e a visão do paraíso lhe

apareceria. Antes do três o discípulo visualizou o mesmo jardim, reconheceu

as flores e sentiu seus perfumes e lá estava o palácio, ele pensou que havia

algo errado, quase abriu seus olhos, mas confiava no seu mestre e prosseguiu

de olhos fechados, viu o salão iluminado, a mesma mesa e a mesma panela

fumegante de delícias. Só que os convidados sorriam, brincavam e alguns só

diziam uhmmmm!!! Adorando a sopa. E aí ele percebeu a grande diferença,

como o cabo da colher era muuuito comprido os convidados serviam uns aos

outros, o desse lado recolhia a sopa na colher e servia o companheiro do outro

lado e assim todos compartilhavam das delícias.

O discípulo abriu seus olhos e agradeceu a seu mestre pela lição, depois

contou para mim e agora eu conto a você.

Após contar a história pode-se oferecer uma colher de pau para enfeitar

com contas, fios, papéis coloridos e brilhantes, que representem nosso desejo

de compartilhar e servir com o que temos de melhor em nós.

Dessa história eu sei mais sete que posso trocar por um patinete!

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CONCLUSÃO

"Nada lhe posso dar que já não exista

em você mesmo. Não posso abrir-lhe

outro mundo de imagens, além daquele

que há em sua própria alma. Nada lhe

posso dar a não ser a oportunidade, o

impulso, a chave.”

Hermann Hesse

Mergulhada em livros e histórias passei um tempo com kairós, que é o

deus da criação, rege o tempo do criar, aquele que encanta e dispersa,

entretém no prazer dos fazeres. Tão diferente de Chronos, o deus que governa

o tempo cronológico, urgente, apressado me apontando seu relógio. Na

verdade estive com ambos, cada um me ensinando sua lição, entre o prazer

de construir, tecer essa trama tão significativa na minha história e o sentimento

de urgência, do prazo marcado e da hora certa para acabar.

As afirmações sobre as histórias, de que trato nesse estudo, mais que

apoiadas em teorias de pensadores importantes sobre o assunto, se traduzem,

também, por vivência pessoal e profissional. É importante descobrir a qual tipo

de história nos ligamos, acredito que as histórias nos escolhem. Gosto de

histórias de mulheres de poder. As velhas sábias das florestas e das ervas.

Gosto de contá-las para que possamos, nós mulheres (e as meninas)

principalmente, resgatar nossa estima e o poder do feminino, tão aviltado ao

longo da história da humanidade e, ainda hoje, em imagens e estereótipos que

nos denigrem como pessoa e desvalorizam como gênero.

Transpondo os temas arquetípicos das histórias para a realidade, nos vemos

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muitas vezes vivendo essa dinâmica, alguém que tem uma situação de

estabilidade pessoal/profissional/afetiva, de repente se vê diante de uma crise,

doença, demissão, separação, promoção, perda, que trazem o novo, o

desconhecido, e põe à prova competências, aptidões, valores e crenças e ela

vai encontrando suas dores e recursos interiores/exteriores, traduzidos em

coragem, aptidões para lidar com as questões/desafios apresentados, recebe

ajuda de amigos, parentes, desconhecidos, (re) descobre a fé e vence as

dificuldades, se tornando mais forte e mais consciente de quem é, do seu papel

e responsabilidade sobre a própria vida, e do que é capaz.

O profissional de Arteterapia, com base em seus conhecimentos e

sensibilidade, pode identificar/reconhecer uma história que facilite a apreensão

da realidade vivida e a elaboração dos símbolos nela contidos. A linguagem

simbólica confere presença e nomeia, pela expressão, o que se passa no

inconsciente, pois:

“Às vezes uma história ilustra temores de que

padecemos, outra encarna ideais ou desejos

que nutrimos, em certas ocasiões ilumina

cantos obscuros do nosso ser.”

(CORSO, 2006, p.5).

Acredito que um trabalho de pesquisa não se encerra, não se conclui,

antes, abre outras possibilidades, sugere cores, deixando espaços e desejos

para novos teceres. Minha intenção foi oferecer um velho/novo recurso: as

histórias, como suporte para a união dos universos interior/exterior,

promovendo o casamento sagrado – que celebra o final feliz nas histórias –

entre razão e emoção. Na expectativa de mostrar, que vale a pena deixar o

espaço confortável da mesmice e da repetição de modelos e padrões

restritivos e limitadores e adentrar a floresta, encarar novas trilhas, confrontar-

se com os dragões e bruxas, porque com certeza a ajuda vem e as mudanças

acontecerão e valerão a pena os sacrifícios.

Gostaria de encerrar com uma história da qual gosto muito,

especialmente porque fala sobre nutrir a fonte das águas da criatividade, do

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quanto é fundamental cuidar dessa nascente interior. Há muitas formas de

realizar esse cuidado. Frequentar museus e exposições, ler, desenhar, pintar,

brincar, sorrir, praticar jardinagem, cozinhar, ouvir música, buscar novos

trajetos no dia a dia para chegar aos lugares, assistir bons filmes, se dedicar a

algo que nos dá prazer e alegria. Limpar também, retirar os entulhos e as ervas

daninhas que obstruem o caminho do fluxo criativo, sejam pensamentos,

preconceitos, ideias engessadas, velhas crenças, ansiedade, tédio por ações

repetitivas, inércia e acomodação a antigos hábitos. São medidas que nos

ajudam na melhoria da qualidade de vida e no fluir da criatividade.

A história é de origem austríaca e se chama O guardião do olho d’água:

O GUARDIÃO DO OLHO D´ÁGUA

Era uma vez, em um tempo muito, muito antigo, uma pequena e

próspera aldeia, e ao lado dela uma floresta. Bem no centro da floresta havia

um olho d’ água, e nesta aldeia por causa do olho d’ água havia muitos rios,

fontes e quedas d’ água. Havia bela vegetação, pequenos animais silvestres,

boa agricultura e abundância. E nesta aldeia havia um habitante muito

especial: o guardião do olho d´água.

Ele vivia a maior parte do tempo dentro da floresta e para se manter

recebia contribuições de todos os moradores, que as deixavam na entrada da

floresta. Periodicamente ele se deslocava até a entrada da floresta para

recolhê-las e voltava para cuidar do seu ofício. E o desempenhava da forma

mais atenta e cuidadosa que podia.

Ah! Como ele amava seu ofício! Ele era o zelador do olho d´água. E,

todos os dias, lá estava ele, primeiro ficava bem quieto, depois observava e

escutava todos os ruídos da floresta e depois, passo a passo, com muito

cuidado, iniciava seu ofício. Removia pedras, galhos e folhas secas, afastava

um pouco a terra para que o olho d´água pudesse fluir. E depois observava a

rede formada pelos filetes de água que nasciam do olho d´água, e que pouco a

pouco iam ganhando mais força e mais força e se transformavam em riachos,

que iam alimentar as fontes e cachoeiras. O guardião seguia o caminho de

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cada um deles e com cada um praticava seu ofício. Ficava quieto, muito atento

e observava, e depois removia pedras, galhos e folhas secas, afastava um

pouco a terra para que a água pudesse fluir. E assim passava seus dias.

Chegava quando o dia amanhecia e partia quando o sol se punha.

A aldeia era conhecida pela boa qualidade de suas águas e, inclusive,

havia na praça central uma grande fonte que era uma referência deste lugar.

Vinham habitantes de muitas aldeias vizinhas recolher um pouco de água

fresca e limpa. Também pequenos animais ali podiam beber e se refrescar.

Casais de namorados gostavam de estar próximos, namorando ao ruído

daquela fonte. Os velhos da aldeia gostavam de contemplar o movimento e o

fluir das águas. E assim o tempo foi passando até que um dia um dos

habitantes disse para o outro que há muito tempo não via o guardião da fonte e

perguntou sobre o que será que ele andava fazendo. E a pergunta se

espalhou. Onde está? Onde está? O que faz? O que faz? Em ecos e ondas

que se reproduziam, espalhando a mesma pergunta. Onde está? Onde está?

O que faz? O que faz? O que faz? E ninguém sabia responder. Ou então

diziam assim: “Não sei, não conheço, nunca vi. Vive dentro da floresta, só

serve para recolher as doações. Não faz nada. É um inútil. Não se relaciona

com ninguém. Não precisamos dele. Não o queremos mais aqui. Nada mais de

doações. Vamos avisá-lo que não o queremos mais aqui.” E assim foi feito. Um

grupo de moradores se revezou à entrada da floresta até que o avistaram e

avisaram da decisão. O guardião não questionou. Tinha poucos pertences.

Reuniu-os num pequeno saco e se foi. E as águas seguiram seu curso. A

natureza também. Chuvas, vento, mudança de estações,...

A princípio nenhuma mudança visível e o ciclo da águas também seguia

seu curso. Depois, pouco a pouco, alguma coisa começou a mudar. Um

morador da aldeia vizinha ao recolher água percebeu que ela já não era tão

clara assim, estava meio amarelada. O olho d´água seguia doando suas águas

e o tempo passando. Mas, o vento derrubou folhas e quebrou galhos de

árvores, moveu a terra e tudo isso foi caindo na nascente que passou a brotar

cada vez mais vagarosamente. A água cristalina amareleceu e cada vez mais

seu fluxo se reduzia.

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Assim, a fonte, que era ponto de encontro foi perdendo seus encantos e

ficando lamacenta, os filetes de água que faziam a nascente dos rios secaram

e os rios diminuíram seu fluxo e ficaram lamacentos também.

Um dia, para espanto geral, a fonte secou e os moradores da aldeia

perceberam que havia muito pouca água disponível. Custaram um pouco a

entender o que se passava e custaram mais ainda a se lembrar do guardião do

olho d´água.

Mas, o mais difícil foi encontrá-lo de novo, pois havia se recolhido em um ponto

muito distante da floresta e de difícil acesso. Quando afinal foi encontrado,

concordou com tranquilidade em voltar. Reuniu seus poucos pertences e

retomou seu ofício. No outro dia bem cedo estava atento e cuidadoso a

observar a nascente. Demorou um pouco de tempo até que as águas

retomassem seu fluxo e a fonte resgatasse seus encantos, mais tempo ainda

para que os campos e cultivos da aldeia retomassem sua abundância.

Quanto ao guardião ninguém mais o viu, mas seguiam depositando dia

a dia suas doações na entrada da floresta, e as águas seguiram seu curso,

puras e cristalinas.

As águas necessitam correr para realizar seu destino.

A música A primeira pedra, de Marisa Monte e Arnaldo Antunes traduz

bem a função do princípio criativo diante dos desafios e crises da vida: “Todo

corpo que tem um deserto, tem um olho d’água por perto”.

A realização de um trabalho através das histórias, apoiado em recursos

plásticos, (e outros) expressivos, dentro de uma proposta de Arteterapia

junguiana pode ser o caminho para uma bela aventura de autoconhecimento,

proporcionando os desdobramentos que a tomada de consciência sempre traz

na renovação dos ares e, no florescimento de vida nova, nos ajudando a

desvendar o mapa interior para encontrar o olho d’água capaz de irrigar

nossos desertos!

E assim contei como quem me contou, conte também, se você gostou!

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

AGRADECIMENTO

DEDICATÓRIA

RESUMO

METODOLOGIA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

Entrou pelo bico do pato saiu pelo bico do pinto 13

1.1 – Uma história sobre as histórias 14

1.2 – Era uma vez: estrutura das histórias, seus elementos

e características 16

CAPÍTULO II

E foi assim que um dia, a Arteterapia 22

2.1 - Histórico 23

2.2 – Criatividade e Arteterapia 25

2.3 – Arteterapia de base junguiana 28

2.4 – Jung e Processo de Individuação 29

CAPÍTULO II I

E foram felizes para sempre: histórias/Arteterapia

/Individuação 32

3.1 – Simbolismo das histórias e Processo de

Individuação em Arteterapia 33

3.2 – O arteterapeuta e a contação de histórias 39

3.3 – Entrando na floresta: experiências em

Arteterapia com as histórias 42

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CONCLUSÃO 59

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 64

ÍNDICE 68