40
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL À LUZ DE “A ÁGUIA E A GALINHA UMA METÁFORA DA CONDIÇÃO HUMANA” Por: Luciano Felismino de Melo Orientador Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves Niterói 2004

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL À LUZ DE “A ÁGUIA E A

GALINHA – UMA METÁFORA DA CONDIÇÃO HUMANA”

Por: Luciano Felismino de Melo

Orientador

Prof. Luiz Cláudio Lopes Alves

Niterói

2004

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL À LUZ DE “A ÁGUIA E A

GALINHA – UMA METÁFORA DA CONDIÇÃO HUMANA”

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato

Sensu” em Orientação Educacional.

Por: Luciano Felismino de Melo

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

3 RESUMO

Este trabalho monográfico pretende oferecer uma reflexão sobre o

perfil e o papel do orientador educacional dentro do processo ensino-

aprendizagem, a partir da obra de Leonardo Boff “A águia e a galinha –

Uma metáfora da condição humana”.

O objetivo é mostrar que o trabalho do Orientador Educacional é

muito mais abrangente que o aspecto pedagógico abordado por ele, isto é,

sua tarefa é orientar o educando quanto à sua formação integral, como

pessoa humana que é, ajudando-o a descobrir e despertar sua riqueza

interior.

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

4 METODOLOGIA

Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a

orientação educacional e o livro de Leonardo Boff. Levaram-se em

consideração, também, a experiência do autor como orientador educacional

ao longo dos dois últimos anos, quando desempenhou tal função em duas

escolas particulares do Rio de Janeiro, em uma delas junto à segunda etapa

do Ensino Fundamental, e na outra, junto ao Ensino Médio.

Também foi de grande importância seu trabalho como professor de

Filosofia junto ao Ensino Médio.

Após leitura do livro de Leonardo Boff, foi feito um fichamento da

obra, levantando-se os pontos a serem abordados na monografia, o

relacionamento de situações vividas no dia-a-dia que inspirariam a reflexão

do assunto e a redação deste trabalho, passando-se depois à elaboração da

monografia propriamente dita.

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

5 SUMÁRIO

RESUMO 03

METODOLOGIA 04

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I - “A águia e a galinha” – considerações iniciais 07

CAPÍTULO II - A Orientação Educacional 16

CAPÍTULO III - O Orientador Educacional à luz de “A águia e a galinha” 28

CAPÍTULO IV – O arquétipo do herói/heroína 33

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38

ÍNDICE 39

FOLHA DE AVALIAÇÃO 40

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

6 INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi redigido no intuito de refletir sobre o perfil e o

trabalho do orientador educacional, figura essencial no processo ensino-

aprendizagem, embora muitas instituições prescindam de sua presença.

Tomou-se como ponto de referência o livro de Leonardo Boff “A águia

e a galinha – Uma metáfora da condição humana”, em que o autor defende a

idéia de que cada ser humano traz em si “uma águia e uma galinha”, que

representam o que há em nós de imanência e transcendência.

A estória contada pelo autor é transcrita no primeiro capítulo, uma vez

que todo o trabalho gira em torno dela.

Após breve análise filosófica da estória contada por Boff, o capítulo

segundo trata da orientação educacional em linhas gerais, apresentando os

pressupostos filosóficos que baseiam sua existência, os conceitos

elaborados sobre ela até nossos dias, suas funções, seus desafios e as

estratégias de ação que podem ser sugeridas ao orientador educacional.

O capítulo terceiro procura fazer uma leitura do papel do orientador

educacional a partir da estória da águia e da galinha e, por último, no quarto

capítulo, apresenta-se o arquétipo do herói/heroína desenvolvido por

Leonardo Boff como forma de superação das dificuldades da existência

humana e tomado por nós como parâmetro da atuação do serviço de

orientação educacional.

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

7 CAPÍTULO I – “A ÁGUIA E A GALINHA” –

CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS INICIAS

Levando-se em consideração que toda esta monografia tem por

ponto-de-partida a estória apresentada por Leonardo Boff em seu livro “A

águia e a galinha – Uma metáfora da condição humana”, julgou-se ser

conveniente que, antes de qualquer reflexão, aquela estória fosse aqui

transcrita, no intuito de que a mesma fosse aproveitada com a máxima

fidelidade. Vamos a ela:

“Numa tarde sonolenta de verão, voltava um criador de cabras, do alto

de uma planura verde, na floresta atlântica do norte do estado do Rio de

Janeiro. Ao pé da montanha por onde passava, encontrou, de repente, um

ninho de águias todo estraçalhado. Semicoberta de gravetos, uma jovem

águia, ferida na cabeça. Parecia morta, toda ensanguentada. Era uma águia

rara, a águia-harpia brasileira, ameaçada de extinção.

Recolhendo-a com cuidado, pensou:

- Vou levá-la ao meu vizinho que é um amante de pássaros.

Gosta de empalhar gaviões, garças, patos selvagens e veados. Talvez ele

queira empalhar este filhote de águia!

E assim fez, pois o caminho passava junto à casa do empalhador.

Este acolheu alegremente o criador de cabras. Ficou admirado por se tratar

de uma águia-harpia, rara naquela região. Encheu-se de pena dela.

Também ele supôs que estivesse morta. Colocou-a ternamente debaixo de

uma cesta.

Amanhã vou empalhá-la, matutou resignadamente consigo mesmo.

Embora pequena, vais er uma ave soberba depois de empalhada, enchendo

de grandeza qualquer sala!

No dia seguinte, teve grata surpresa. Ao retirar o cesto, percebeu que

a águia se mexia levemente. As garras, ainda novas, estavam fechadas.

Havia feridas em várias partes do corpo. A águia estava cega.

Novamente sentiu pena da jovem águia. Por misericórdia quase quis

sacrificá-la. Pensando com seus botões, encontrava até razões para isso:

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

8 “Elas matam muitos animais pequenos, especialmente preguiças e macacos.

Desequilibram o sistema ecológico circundante, pois cada casal de águias-

harpia precisa de um território exclusivo de caça de cinquenta quilômetros

quadrados, com incursões num raio de mais de trezentos quilômetros”. (...)

Pensava em tudo isso como justificativa do atentado que,

piedosamente, queria cometer. Mas nisso lembrou-se da tradição espiritual

de Buda e de São Francisco. Eles viviam e pregavam uma ilimitada

compaixão por todos os seres que sofem. Recordou-se também da ética

ecológica que reza: “bom é tudo o que conserva e promove a vida, mau é

tudo o que diminui e elimina a vida”. Até uma frase bíblica veio-lhe à

mente:”escolha a vida e viverá”.

Por todos esses argumentos, convenceu-se de que não deveria

sacrificar a águia. Decidiu preservá-la. Começou, então, a tratá-la com

carinho.

Ela, porém, pouco reagia. Não procurava comida nem andava. Como

era colocada, assim ficava. Sem luz e sem sol, a águia não é águia.

Todo dia o empalhador partia-lhe pedaços de carne e a alimentava

com dificuldade. Depois de um ano começou a perceber que os seus

sentidos despertavam para a vida. Primeiro os ouvidos reagiam felizes ao

ruído dos passos, quando lhe traziam carne. Esticava a cauda, geralmente

em forma de cunha, e abria as asas alegremente. (...)

Depois começou a mover-se por si mesma. Andava pela sals e pelo

jardim. Postava-se sobre um tronco mais alto. Por fim, recuperou sua própria

voz, o kau-kau típico da águia.

Mas, continuava cega. Os olhos são tudo para uma águia. Seu olhar

penetrante vê oito vezes mais que o olho humano. (...)

Por fim, o empalhador decidiu colocá-la junto às galinhas. Uma águia

não é uma galinha. Mas a galinha pode provocá-la para viver, para

locomover-se e, quem sabe, para despertar em si a imagem das alturas e

buscar, um dia, o sol. Quem sabe... os olhos poderão renascer?...

Mas há também o risco de a águia esquecer o céu e o vasto horizonte

do sol e acomodar-se aos limites estreitos do terreiro das galinhas. Poderá

comportar-se como galinha. Será que vai virar galinha?

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

9 E foi assim que a jovem águia continuou a ser criado com as galinhas.

Durante dois anos circulava, cega, entre elas. Andava com dificuldade, pois

suas garras não foram feitas para andar. Ciscava aqui e ali como fazem as

galinhas, mas sem poder ver.

Eis que, um belo dia, o empalhador se deu conta de um milagre. A

águia via. Sim, via e já distinguia os alimentos. Seus olhos eram enormes.

(...)

Enfim, a águia estava curada e perfeita! Depois de três anos de

paciente cuidado, ela recuperara seu corpo de águia. Contudo à força de

viver com galinhas virara, também ela, uma galinha. Vivia com as galinhas,

ciscava com as galinhas, dormia no poleiro com as galinhas. O empalhador,

ocupado em seu ofício de empalhar aves, já se acostumara com a águia-

galinha entre as demais galinhas. Esqueceu-se dela.

A águia recuperara seu corpo. Mas, e o coração? Será que tinha

perdido seu coração de águia? Essa pergunta foi suscitada, um dia, por

certo fato curioso.

Certa manhã ensolarada, sobrevoou o galinheiro um casal daquelas

águias brasileiras grandes e imponentes. (...)

Ao perceber o casal de águias no céu, a águia-galinha espalmava as

asas, sacudia a cauda e ensaiava pequenos vôos. O sol começava a

despertar em seus olhos.

Foi então que o nosso empalhador se deu conta. A águia-galinha

começava a despertar para o seu ser-águia. Seu coração de águia voltava a

pulsar aos poucos.

O casal de águias foi embora em elegantes vôos circulares. A águia-

galinha se aquietou. Um pouco mais e mais um pouco, enturmou-se às

companheiras galinhas. No entanto, algo havia acontecido com ela. (...)

Nesse momento, o empalhador começou a dar-se conta desses

pequenos sinais. Disse consigo mesmo:

- Uma águia é sempre uma águia. Ela possui uma natureza

singular. Tem as alturas dentro de si. O sol habita seus olhos. O infinito dos

espaços anima suas asas para enfrentar os ventos mais velozes. Ela é feita

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

10 para o céu aberto. Não pode ficar aqui embaixo, na terra, presa ao terreiro

como as galinhas.

Passado um tempo, o empalhador recebeu a visita de uma naturalista

amigo. Conversaram sobre as aves da região e foram observar aquela águia

tornada galinha. O naturalista ficou perplexo com a capacidade adaptativa

da águia. Logo ponderou:

A águia jamais será galinha. Ela possui um coração. E este é de

águia. Ele a fará voar. Ela voltará a ser plenamente águia.

Aí mesmo decidiram fazer um teste. Queriam ver o quanto da águia

originária ainda vivia dentro da águia-galinha. O empalhador tomou uma

proteção de couro para o braço a fim de não ser espetado pelas garras

pontiagudas da águia. A muito custo conseguiram pegá-la. O empalhador

colocou-a no braço estendido, sustentando seu peso de mais de três quilos.

Animado pelo amigo falou-lhe com voz imperiosa:

- Águia, você nunca deixará de ser águia! Você já sobreviveu a

tantas desgraças! Você recuperou, um dia, seus olhos. Você é feita para a

liberdade e não para o cativeiro. Então, estenda suas asas! Erga-se! E voe

para o alto.

A águia parecia abobada. Não fez sequer um movimento. Ao olhar em

redor de si, vendo as galinhas comendo milho, deixou-se cair pesadamente.

E somou-se a elas.

Encorajado pelo amigo naturalista, o empalhador não desanimou.

Ponderou com ele:

- Uma águia tem dentro de si o chamado do infinito. Seu coração

sente os picos mais altos das montanhas. Por mais que seja submetida a

condições de escravidão, ela nunca deixará de ouvir sua própria natureza de

águia que a convoca para as alturas e para a liberdade!

No dia seguinte, agarrou a águia quando ainda estava no galinheiro.

Colocou novamente a proteção de couro e subiu com seu amigo ao terraço

de sua casa. Sob o olhar de expectativa do naturalista, disse-lhe com

convicção:

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

11 - Águia, já que você é e será sempre uma águia, desperte de

seu sono Liberte sua natureza feita para as alturas. Deixe nascer o sol

dentro de você. Abra suas asas! E voe para o infinito!

A águia parecia totalmente distraída diante de palavras tão

comovedoras. Olhou para baixo. Viu as galinhas ciscando o chão e bebendo

água no cocho. O empalhador lançou-a lá de cima, na esperança de que

voasse. Ela despencou pesadamente. Voou apenas alguns metros, como

voam as galinhas. Tentou uma, duas, até três vezes. E a águia não chegava

a voar. Comentou com seu amigo naturalista:

- Efetivamente, nesta galinha-águia, a galinha parece triunfar.

Aí ambos se lembraram da importância do sol para os olhos da

águia.(...)

- Não será, por acaso, o sol que irá devolver-lhe a identidade

perdida? Reanimar seu coração adormecido?

No dia seguinte, bem cedo, levantaram-se antes de o sol nascer. (...)

Quando chegaram ao alto, o sol despontava, fagueiro, por detrás das

montanhas. Os raios eram doces.

O empalhador de aves colocou a proteção de couro, sustentou

fortemente a águia e sob o olhar confiante do naturalista lhe disse:

- Águia, você que é amiga das montanhas e filha do sol, eu lhe

suplico: Desperte de seu sono! Revele sua força interior. Reanime seu

coração em contato com o infinito! Abra suas potentes asas. E voe para o

alto!

A águia mostrou-se surpreendentemente atenta. Parecia voltar a si

depois de um longo esquecimento. Olhou ao redor, viu as montanhas e

estremeceu. Por mais que o empalhador a ajudasse, com movimentos para

cima e para baixo, ela não superava o medo. Ele não conseguia fazê-la

voar.

Então, a conselho do naturalista, tomou-a firmemente entre as duas

mãos e, por bom espaço de tempo, segurou-a pela cabeça na direção do

sol. Os olhos da águia se iluminaram. Encheram-se do brilho juvenil do sol,

amarelo e alaranjado forte. (...)

Com voz forte e decidida retornou:

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

12 - Águia, você nunca deixou de ser águia! Você pertence ao céu e não

à terra! Mostre agora que você é de fato uma águia. Abra seus olhos. Beba o

sol nascente. Estenda suas asas. Erga-se sobre você mesma e ganhe as

alturas. Águia, voe!

Segurou-a firmemente pelas pernas emplumadas. Alçou-a para cima.

Deu-lhe um último impulso.

Oh, surpresa! A águia ergueu-se, soberba, sobre seu próprio corpo.

Abriu as longas asas titubeantes. Esticou o pescoço para frente e para cima,

como para medir a imensidão do espaço. Alçou vôo. Voou na direção do sol

nascente. Ziguezagueando no começo, mais firme depois, voou para o alto,

sempre para mais alto, para mais alto ainda, até desaparecer no último

horizonte.

Acabara de irromper plenamente a águia até aqui prisioneira da

galinha. Finalmente livre para voar, e voar como águia resgatada rumo ao

infinito. E assim voou! Voou até fundir-se no azul do firmamento”. 1

Leonardo Boff se utiliza da estória da águia e da galinha para

desenvolver, e o faz com profundidade, uma análise metafórica da existência

humana.

Por meio do relato acima, procura demonstrar que águia e galinha,

extrapolando o conceito ou definição que temos como simples animais,

representam e ilustram duas dimensões essenciais de todo e qualquer ser

humano:

“Para onde olharmos, encontraremos a dimensão águia e a

dimensão-galinha”. 2

A águia, com sua força intrínseca de arquétipo que possui, representa

a vida humana em sua transcendentalidade, captada por sonhos, desejos,

planos, projetos, buscas, vontade de ir além e por toda atitude humana que

1 Boff, Leonardo.A águia e a galinha – Uma metáfora da condição humana. Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes, 1997. p. 53-68. 2 Idem. Ibidem, p. 71

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

13 vise à superação de limites de toda espécie e à transformação do status

quo.

A galinha, por sua vez, representa o homem em seu cotidiano,

concretamente caracterizado por sua pertença a uma dada realidade,

envolto em uma teia de elementos políticos, históricos, sociais, culturais,

econômicos que o condicionam e tornam o “ser-aí”, de que nos fala

Heidegger. Tratam-se de suas características e traços

biopsicofisicogenéticos, sua família, sua comunidade social, seu dia-a-dia,

suas raízes.

O que alicerça a bidimensionalidade humana é o fato de que o

universo em si é, por essência e natureza, complexo, isto é, tudo está em

relação com tudo, tudo co-existe, inter-existe e inter-age com todos os seres

do universo.

Entender o universo pelo paradigma da complexidade significa

conceber cada par que compõe a realidade em questão como dualidade e

não dualismo, já que este vê os pares como realidades justapostas, sem

conexão ou relação entre si e apresentam os elementos que formam os

pares como excludentes. Já a dualidade procura unir o que o dualismo

separa, por entender aqueles mesmos elementos como aspectos articulados

de uma mesma complexidade.

Águia e galinha, portanto, são dimensões do ser humano que se

articulam e ganham forma no desenrolar do processo de personalização

vivido por cada um de nós.

Uma vez que somos seres inacabados essencial e existencialmente,

nossa vida consiste num trabalho de auto-construção, em que, lançando

mão da liberdade de que somos dotados, exercemos a possibilidade de nos

elaborarmos a nós mesmos.

Importante é lembrar que o exposto acima toma a liberdade em seu

conceito fenomenológico, que não elimina ou desconsidera a existência de

condicionamentos nem apresenta o outro como limite e ponto final da

liberdade de cada indivíduo, mas sim como condição sine qua non para a

existência e vivência da própria liberdade. Ser livre é ser CAPAZ de decidir e

escolher entre as diversas possibilidades, aquelas já existentes e as que o

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

14 próprio sujeito constrói, movendo-se criativamente entre os

condicionamentos que se apresentam, sejam eles impostos pela natureza

humana, ou pelo compromisso ético-moral, que garante e sustenta a

sobrevivência humana.

Há aqueles que pela dificuldade em lidar com a possibilidade da

escolha, preferem abrir mão deste privilégio, recusando-se a lidar com a

angústia que o leque de opções nos traz. O existencialismo os define como

inautênticos, já que voluntariamente se portam como objetos e não como

sujeitos de sua própria existência.

Assim sendo, o grande desafio a ser encarado por aqueles que optam

por assumir a possibilidade de construírem a si mesmos será fazer conviver

a águia e a galinha que co-existem em cada um de nós.

O sucesso na execução desta tarefa dependerá, antes de tudo, da

compreensão de que tentar aniquilar ou sufocar uma ou outra dimensão,

consistirá em atitude que só conduzirá à esquizofrenia.

Sobressaltar ou supervalorizar a águia retirará do homem seu

alicerce, seu chão, sua base sustentadora, sobre a qual se pretende erguer

seu edifício existencial.

Por outro lado, a fixação doentia no homem-galinha reduzirá o

indivíduo à condição de mero espectador da vida, prisioneiro que será de

seu cotidiano e limites.

O arquétipo da síntese apresentado por Leonardo Boff consiste na

transparência,

“uma das características que melhor definem a pessoa integrada e bem

realizada. A transparência é o efeito e a irradiação do diálogo constante e

fecundo entre o eu consciente e o eu profundo”. 3

Para o autor, é esse diálogo-interação que possibilita o alcance da

autenticidade, forma de vida daqueles que conseguem realizar a imanência

na transcendência e plenificar a transcendência na imanência. O autêntico

age para além do eu consciente, captando com a sensibilidade que lhe é

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

15 própria os anseios do eu mais profundo, estabelecendo uma sintonia fina

entre os dois eus que o faria autêntico e transparente.

A riqueza e profundidade com que Leonardo Boff desnuda a

existência humana nos tentam a prolongar ad eternum a abordagem

filosófica sobre o tema proposto por ele que até aqui se fez.

Todavia, o objetivo principal deste trabalho é estabelecer uma

reflexão acerca do papel e da atuação do orientador educacional. Assim

sendo, vejamos a partir de agora o que há de comum entre o trabalho do

orientador educacional e a estória contada por Leonardo Boff.

3 Idem, ibidem, p. 173-174

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

16 CAPÍTULO II – A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Pretender uma reflexão e análise coerentes sobre o papel e atuação

do orientador educacional de modo a buscar que sua ação seja efetivamente

educadora pressupõe e exige certa clareza conceitual quanto a esse

profissional.

Em outras palavras, antes de se tomar como fonte de reflexão a

estória proposta por Boff, é preciso esclarecer quem é o orientador

educacional, quais são seu papel e lugar dentro da educação, a trajetória

histórica percorrida pelo orientador no desempenho de sua função. De posse

desses conceitos, poderemos elaborar nossa concepção quanto ao papel e

atuação do orientador à luz de “A águia e a galinha – uma metáfora da

condição humana”.

Ao longo de toda a história da educação no Brasil, conceituar a

orientação educacional e definir seu papel se constituíram num desafio

constante, dadas as questões diversas que influenciaram e sempre

influenciarão o cumprimento daquela tarefa, tais como: O que significa

basicamente a orientação? Em que consiste sua qualificação “educacional”?

Qual o significado da orientação educacional no Brasil? Qual o perfil do

orientador educacional? Que contribuição dará a orientação ao pensamento

e planejamento de uma eficaz prática pedagógica?

As inúmeras tentativas de se responder a essas questões geraram

diversas variações do conceito da orientação educacional ao longo de sua

história. Em todas elas, no entanto, encontra-se sempre uma referência a

uma determinada ação de mudança a ser vivida por qualquer dos atores do

processo ensino-aprendizagem: aluno, escola, família, professor...

De qualquer forma, acredita-se que a orientação pode colaborar com

a educação na implantação de um projeto que torne a escola uma instituição

competente e qualificada, assim entendida por levar seus educandos à

consciência e vivência da cidadania.

Para que essa unidade seja obtida, é importante que se estabeleça a

concepção de homem a ser construído, já que ela será o referencial

norteador da prática pedagógica. Encontramos, assim, o caráter filosófico da

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

17 orientação educacional: para conceituá-la temos que nos valer de uma

determinada visão de ser humano, do sentido de sua existência e dos

valores que servem de parâmetro à sua ação.

2.1. Pressupostos Filosóficos

“Orientação” vem do latim oriens, particípio presente do verbo oriri,

levantar-se, ter sua origem (origo) de. Buscar a origem é procurar a gênese

e o caminho, ajudar o viajante a encontrar a direção a partir de uma viagem

interior rumo aos seus desejos mais profundos. Assim, a orientação pode ser

definida como toda e qualquer prática que visa a guiar, indicar o rumo,

instruir.

Já na vida tribal, a orientação, em seu sentido mais amplo, consistia

na ajuda dada por uma pessoa a outra, tendo em vista a sobrevivência e a

estabilidade do indivíduo e/ou do grupo.

Ao longo de toda a história da filosofia, grandes pensadores,

preocupados com a educação, apresentaram elementos da orientação

educacional.

Platão, em seu sistema educacional que se encarregava da seleção

de alunos mais aptos para os cursos superiores, destacou o papel

vocacional da orientação, que consistia na decisão do professor com base

no desempenho acadêmico do aluno.

Para Aristóteles, a educação deveria ser integral, visando a

desenvolver todas as potencialidades do indivíduo, já que seu fim último é

formar homens.

John Locke, por seu conceito de “tabula rasa”, segundo o qual todo

conhecimento humano provém da experiência, sugere a necessidade de um

orientador, que auxilie o educando na realização e exploração de suas

experiências.

Kant, ao conferir ao sujeito o papel central no mundo cognoscitivo,

inspira a orientação a conferir ao orientando o papel de centro de suas

atividades.

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

18 Na filosofia existencialista, a orientação encontra a reflexão sobre

uma de suas questões centrais: o processo de escolha. Cabe, aqui, uma

citação textual de Soren Kierkegaard:

“...nenhuma opção se pode fazer sem angústia. A opção é o sinal distintivo

da existência. (...) Existir é escolher-se. (...) Eu sou, de certo modo, o artífice

da minha própria essência e existo na medida em que completo essa

essência”.4

Muitos outros filósofos poderiam ser citados aqui, enquanto fontes de

reflexão sobre os fundamentos, os objetivos e o perfil do orientador

educacional. Não o faremos, contudo, já que pretendíamos, apenas, mostrar

que a orientação encontra em princípios filosóficos sua razão de ser.

2.2. Conceitos da Orientação Educacional

Ao longo dos últimos quarenta anos, a atuação do orientador

educacional passou por, pelo menos, três fases bem distintas.

A primeira delas, que coincide com o início da orientação educacional

no Brasil, é marcada pelo “orientador terapeuta”, que abordava e tratava as

situações problemáticas dos indivíduos.

Nas décadas de 60 e 70, vêem-se uma forte acentuação do caráter

preventivo da orientação educacional e a intenção clara de se retirar da

orientação seu caráter terapêutico. Nessa nova fase, a orientação buscou,

também, fazer a ponte entre a Psicologia e a educação. A prevenção era

realizada por meio de sessões de grupo, com palestras que visavam a levar

o aluno a um bom desempenho.

A terceira fase é aquela que está explícita em quase todos os

conceitos de educação e visa a atingir o aluno em sua totalidade, assistindo-

o em todos os seus momentos e decisões, colaborando, assim, com seu

desenvolvimento integral.

4 In GRISPUN, Mirian Paúra Sabrosa Zippin.O espaço filosófico da orientação educacional na realidade brasileira. Rio de Janeiro, Rio Fundo Ed., 1992, p. 79.

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

19 Em nossos dias, há uma tendência em situar o conceito de orientação

numa visão mais crítica, mais reflexiva da própria realidade educacional. Ela

deve ser concebida como um conjunto de atividades que, realizado no

contexto escolar, propicie ao aluno condições para que ele se posicione

criticamente em seu meio, como exercício para a vivência da cidadania.

Em síntese, é inegável a importância do trabalho do orientador

educacional no sentido de ajudar o aluno a identificar suas barreiras e

dificuldades pessoais nos estudos, de elaborar um trabalho que busque a

prevenção do fracasso escolar. Ainda mais importante, contudo, é que a

ação do serviço de orientação educacional tenha efeito perene e formativo.

2.3. Funções da Orientação Educacional

Ao longo da história, percebe-se que, se houve variação e

diversificação da forma como se conceituou a orientação educacional, o

mesmo também ocorreu quanto à definição das funções do orientador.

Se há algum tempo ao orientador foi atribuído apenas um papel de

coordenação, assessoria e consultoria, hoje seu papel está centrado nas

suas competências e no compromisso e participação no projeto

desenvolvido pela escola.

Na prática, espera-se o exercício de funções mais dinâmicas, críticas

e relacionadas com o momento atual. O grande desafio a ser vivido e

assumido pelos orientadores educacionais é caracterizado pela proposta de

uma mudança radical de suas funções, que deixam de enfatizar, em primeiro

lugar, a ajuda prestada ao aluno em seus desajustamentos emocionais, para

se fixar numa função mais política e social, que se preocupa com a escola

como um todo e com a formação do cidadão.

Em síntese, o orientador deve desempenhar as seguintes funções:

ü MEDIADORA: Por conciliar suas atribuições com as atribuições da

própria escola e por atuar como elo de ligação entre todas as

personagens envolvidas no processo educacional.

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

20 ü COMPLEMENTADORA: Por buscar informações que respondam às

questões que inquietam e problematizam o desempenho do aluno na

escola.

ü INVESTIGADORA: Por buscar com freqüência e constância todo o

saber necessário à sua preparação para o exercício de suas funções.

Para o cumprimento dessas funções, duas outras se apresentam

como cruciais:

ü POLÍTICA: Refere-se ao compromisso que ele assume com o

aluno e sua família, com os profissionais com quem trabalha, com

a instituição, em trabalhar da melhor forma possível.

TÉCNICA: Diz respeito ao compromisso pessoal do orientador (ele busca

um saber e realiza um fazer saber).

2.4. Desafios

Pensar a forma de atuação dos serviços que compõem a equipe

técnico-pedagógica de uma escola é deparar-se com algumas interrogações

sobre a postura que seus educadores têm diante do mundo, de seu trabalho,

de sua profissão e de seu aluno: caberá aos profissionais da educação

trabalharem pelo AJUSTAMENTO (do aluno à escola, do professor às

exigências da direção, do profissional ao mundo do trabalho) ou pela

TRANSFORMAÇÃO (do sujeito, da escola, das instituições, da sociedade)?

Acaso deve restringir-se a tarefa educativa a atender às necessidades

naturais apresentadas pelo e no cotidiano? Não caberia à escola a

provocação de novas necessidades a partir de outras dimensões da

realidade, como o sonho, o desejo, o compromisso, o afetivo?

Trata-se, no fundo, de buscar de toda atividade educativa, de toda

prática educacional o desenvolvimento e a formação do cidadão, aquele que

participa ativamente, que não espera ser chamado, mas que se engaja

espontânea e livremente na busca pela auto-determinação pessoal e social.

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

21 É sabido que o concreto existencial contemporâneo, no qual a

cidadania deve ser exercida, é assustador: desemprego, desestruturação

familiar, violência, a nível social; formação frágil de grande parte dos

professores, que vêem sua profissão cada vez mais desprestigiada pela

sociedade; à escola são entregues funções até então sob a prioritária

responsabilidade familiar, como a prevenção da gravidez, das drogas, a

educação dos bons costumes, o sentido da existência, entre outros.

Pelo exposto, o Serviço de Orientação Educacional, ciente de seu

papel de maior relevância, por trabalhar com a questão da construção das

identidades dos educandos e dos educadores vê-se no dever de assumir,

em todo aquele contexto, uma postura de liderança, articulando a

coletividade em torno de um novo projeto, que, comprometido com a

mudança, deve partir de onde o sujeito (professor, aluno ou pai) está,

levando em consideração seu momento pessoal, seu histórico de vida, suas

angústias e desejos, medos e sonhos, no intuito de compreender não para

justificar, mas para ajudar a mudar. Trata-se de estabelecer a dialética entre

continuidade e ruptura.

O serviço citado deve adotar como meta: o resgate da identidade do

professorado, a percepção do alunado como sujeito e a construção de uma

efetiva parceria com as famílias.

2.4.1. Resgate da identidade do professorado

Em nossos dias, percebe-se com relativa facilidade a existência de

uma séria crise de valores. É a situação do homem moderno que, ao buscar

o sentido, a motivação, o por quê de suas atitudes, depara-se com um

imenso vazio. Nas escolas, o que se encontra é um número considerável de

profissionais, principalmente professores, questionando o real valor de seu

trabalho e a utilidade de sua profissão, numa busca desenfreada por

respostas a perguntas as mais variadas.

Por todos os lados, observam-se sinais de uma realidade que precisa

ser alterada: achatamento salarial, degradação das condições de trabalho,

infra-estrutrura inadequada de muitas escolas, facilitação do acesso às

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

22 faculdades, os maus hábitos e a postura inadequada do aluno, entre outros

fatores, geram a constituição de um corpo docente que nem sempre tem a

sala de aula como uma opção radical e missionária pela profissão. Não é

pequeno o número de professores que, por uma relação desgastada com a

instituição em que trabalha, pelos desgostos rotineiros da profissão, pelo

cansaço dos anos a fio de trabalho, por descrença ou por qualquer outro

motivo, transformaram seu trabalho num mero meio de garantia da sua

sobrevivência.

Mas há algo ainda mais sério: não se pode esquecer daqueles que,

conformados com sua situação, já não mais perguntam. Estagnados

permanecem há muito, foram mecanizados com o tempo, engessados por

procedimentos outrora até eficazes, mas obsoletos na atualidade.

Nesse campo, a equipe técnico-pedagógica tem uma especial tarefa,

na medida em que pode ajudar a vivência do delicado processo de

hermenêutica existencial, de interpretação dos acontecimentos e de

renovação de sentido para o trabalho, auxiliando seus professores a re-

significar as opções outrora feitas.

Poderão os orientadores, a partir da abertura dada pelo professor,

pela acolhida e pelo diálogo, ajudá-lo na partilha das angústias impostas

pelo exercício da profissão e na busca conjunta de solução e respostas a

questões que também são suas.

A grande busca humana é de sentido. Quando ele falta, o sofrimento

advindo da vivência de uma determinada situação é ainda maior. Caberá

aos orientadores a responsabilidade da atuação como apoio incondicional

nessa busca.

2.4.2. Alunado como sujeito

É fato indiscutível que professor e aluno são peças imbricadas de um

mesmo processo, em que a atuação de um refletirá diretamente sobre o

outro.

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

23 A angústia e as dificuldades vividas pelo professor a partir da

ausência de sentido para o exercício de sua profissão também são vividas

pelo aluno. Não é à toa que percebemos em alguns alunos uma sede

enorme por um professor que tenha uma mística, que transmita alegria e

entusiasmo em sua prática pedagógica, que pensa sobre a vida além de

suas manifestações imediatas.

Ora, se queremos uma escola libertadora, que gere e transmita vida,

e vida repleta de sentido, é decisivo que os alunos assumam o papel

intransferível de sujeitos do processo de formação humana do qual

participam; que deixem de atuar como meros receptáculos do conhecimento

habitualmente transmitido e imposto pelo professor.

Aqui é importante apontar uma contradição muito concreta: muitas

vezes, na escola, nem sempre nos dispomos a “perder tempo” com as

questões de nosso aluno e com aquilo que ele tem a dizer. Há, inclusive,

aqueles profissionais que preferem mantê-lo à distância, não serem

procurados por ele, que sempre tem algo a reivindicar ou a sugerir.

Poderão os orientadores auxiliar nesse processo ao impedirem o

cerceamento da voz dos alunos, ajudando na construção de canais de

efetiva comunicação entre eles e a escola. Afinal, são eles a razão de ser de

toda a escola e de todos que nela atuam.

O trabalho da orientação com a organização dos alunos poderá, além

disso, ter um papel essencial no processo de mudança: em algumas

situações, a postura e os questionamentos dos alunos tem influência muito

maior na mudança de algumas práticas da escola do que longos discursos e

reuniões.

2.4.3. Parceria com as famílias

Desejar êxito por meio de uma proposta pedagógica que não valorize

a relação entre escola e família é absolutamente ilusório.

Cabe à família, pela transmissão dos valores e pela formação de

hábitos, a criação e o desenvolvimento de um sujeito suficientemente

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

24 equilibrado e paulatinamente maduro para o acompanhamento do trabalho

escolar a ser desempenhado pela escola.

Cabem à escola a corroboração dos valores trazidos de casa e a

transmissão do conhecimento intelectual que lhe é específico por sua

natureza e essência.

Todavia, é no seio familiar que o aluno deverá digerir o conteúdo

recebido da instituição e desenvolvê-lo.

A proximidade entre escola e família permitirá, assim, a avaliação do

desenvolvimento do aluno ao longo do processo, a análise das possíveis

dificuldades por ele encontradas e, pela troca de informações, o

replanejamento da atuação de ambas as partes e a formulação de

estratégias bilaterais que colaborem de maneira efetiva para o alcance dos

objetivos pré-estabelecidos.

2.5. Estratégias de ação

Na prática, o trabalho do orientador educacional poderá se concretizar

por meio de atividades como as relacionadas a seguir.

2.5.1. Eleição dos representantes de turma:

Cada turma fará a escolha por meio de voto direto de dois alunos que,

inicialmente atuarão como representantes da turma, servindo de elo de

ligação entre ela e os serviços oferecidos pela escola.

Uma vez eleitos, os mesmos terão encontros mensais com os

orientadores, no intuito de analisarem com os mesmos o momento vivido

pelas turmas, a relação entre os alunos e destes para com seus professores

e apresentarem sugestões para o dinamismo do segmento.

Além disso, receberão suporte teórico para que, aos poucos, possam

atuar em suas turmas como líderes das mesmas e não como seus meros

representantes.

A referida eleição será antecedida por um trabalho de

conscientização das turmas quanto ao papel do líder, suas qualidades

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

25 imprescindíveis, os critérios para sua escolha, sua forma de atuação, a

importância do voto enquanto exercício de cidadania e sobre a importância

de sua atuação junto aos serviços.

2.5.2. Realização de encontros de adolescentes

Assuntos como sexualidade humana, relações interpessoais,

prevenção ao uso de drogas, entre outros são elementos essenciais à

formação humana a serem desenvolvidos de forma interdisciplinar e sob a

liderança dos serviços.

Entendendo-se que sua discussão supera os limites de tempo e

espaço impostos pela sala de aula, os serviços proporão a realização de

encontros específicos para esse fim, fora do horário escolar, com a duração

aproximada de uma manhã ou uma tarde. Terão eles um momento de

espiritualidade, uma breve colocação sobre o tema escolhido, atividades de

discussão em grupo e um momento de lazer e descontração.

Serão, também, uma oportunidade de estreitamento dos laços que

unem os alunos e sua escola.

2.5.3. Atendimento individual a alunos, professores e famílias

A abertura ao outro por meio de sua escuta é atitude fundamental no

processo ensino-aprendizagem.

Assim, os serviços realizarão com freqüência o atendimento a alunos,

professores e famílias em sentido preventivo ou buscando, junto com eles, a

solução para problemas já existentes.

Espera-se, com isso, entre outras coisas, evitar-se a transferência

para o outro da parcela de responsabilidade que cabe a cada uma das

personagens envolvidos no trabalho pedagógico.

Os professores serão atendidos com os objetivos de apontamento das

dificuldades encontradas por eles, levantamento de alunos com dificuldades

e elaboração de estratégias de ação.

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

26 Os pais e/ou responsáveis serão chamados à escola oportunamente,

seja para partilhar a vivência de dificuldades ou, na inexistência das

mesmas, para o estreitamento dos laços que os unem à escola.

Atenção especial será dada aos alunos de quinta e oitava séries:

àquela, por seu ingresso em uma nova etapa do Ensino Fundamental; a

esta, como forma de preparação para sua passagem ao Ensino Médio.

Os serviços auxiliarão os alunos, também, no que diz respeito à

criação do hábito de estudos e na organização dos mesmos.

2.5.4. Trabalho junto às turmas

Eventualmente, o serviço de orientação educacional, se possível

juntamente com o serviço de orientação pedagógica, estará junto às turmas

no intuito de avaliar a vivência do processo até aquele momento, tratar de

sua relação com a escola, com os professores, de seu relacionamento

interno, em momentos de preparação para o Conselho de Classe, ou ainda

sempre que se julgar necessário.

2.5.5. Formação Continuada

A partir da relação cotidiana com os professores, alunos e todos os

que atuam junto ao segmento, os serviços estarão à disposição para o

auxílio na preparação e na realização dos encontros de formação continuada

previstos pela escola.

2.5.6. Direção

O serviço manterá junto à direção contato próximo e freqüente, que

visará a avaliar o andamento dos trabalhos realizados, o cumprimento das

atividades e ações planejadas e o alcance dos objetivos propostos, a fim de

buscar a superação das dificuldades em tempo hábil.

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

27 2.5.7. Integração à equipe geral

Também é importante que o orientador educacional busque estar

próximo às equipes responsáveis por outros segmentos e outros serviços e

setores da escola, de forma a promover a integração vertical de toda a

equipe técnico-pedagógica da instituição em que atua.

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

28 CAPÍTULO III – O ORIENTADOR EDUCACIONAL À

LUZ DE

“A ÁGUIA E A GALINHA”

3.1. O Orientador Educacional no contexto escolar

Desde o início de sua existência, o ser humano se percebe lançado

numa busca incansável de si mesmo.

Seu nascimento, que mexe e transforma o aconchego e a segurança

maternos que antes sentia, abre as portas para um mundo novo, a princípio

ameaçador, embora potencialmente rico, que deverá ser conhecido e

dominado.

A descoberta do tato, o choro, o mundo do simbolismo tratam de

devolver a sensação de poder e superioridade outrora perdida.

Os primeiros passos trazem a sensação de independência e sinalizam

seu firme desejo de construir, em pleno gozo da liberdade, seu próprio

caminho.

A descoberta da palavra e o domínio da linguagem garantem a

possibilidade da auto-manifestação de forma clara e autêntica; permitem

significar o real, buscar e transmitir conhecimento; constituem-se numa

ponte que conduz ao outro, que transmite sentimentos e emoções.

Todavia, em um dado momento, a conquista do novo exige o

desenvolvimento de habilidades e competências nem sempre alcançáveis

por uma busca solitária. A procura e a produção do conhecimento se

institucionalizam. A sede de saber se torna insaciável e incontida. As portas

da ciência se abrem e a capacidade de abstração garante o acesso a

instrumentos do pensar até então desconhecidos. A elaboração formal da

crítica e do questionamento leva “mais pra lá” a fronteira do limitado,

impossível, incompreensível e inatingível.

A escola se apresenta como local e entidade que oferece o trabalho

formal da educação, realizado por um grupo de profissionais especialmente

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

29 preparado para exercer determinadas funções e elaborar um projeto de ação

mais efetivo.

Historicamente falando, a escola nem sempre existiu, mas é um fruto

das transformações sociais e históricas. Quando nas sociedades primitivas,

a produção de bens ultrapassa o necessário para o consumo imediato, o

saber, que era coletivo, torna-se privilégio de alguns e surge a necessidade

de uma instituição que atuasse como responsável por transmitir o saber

acumulado.

A escola institucionalizada, como a conhecemos, é uma criação

burguesa do século XVI. Daquela época são os registros da fundação, nos

colégios criados pelas ordens religiosas, de uma escola que absorve todo o

tempo da criança, de modo a restringir sua convivência e separá-la do

mundo para que não fosse contaminada pelos vícios. A educação era

pautada na disciplina e um de seus objetivos era inculcar na criança regras

de conduta, ainda que para isso se fizesse indispensável a aplicação de

castigos corporais.

A escola burguesa despreza os interesses da criança, enfatiza a

formação moral e os estudos humanísticos e dá grande peso ao trabalho,

rigoroso e extenso.

A Revolução Industrial altera em alguns aspectos a estrutura escolar

burguesa, já que acentua a necessidade da formação técnica especializada,

mas não evita a perpetuação de um modelo tradicional de escola até nossos

dias, embora diversas teorias tenham sido elaboradas ao longo da história,

na tentativa de adequar a prática pedagógica às exigências da modernidade

e pós-modernidade.

Fato é que as diversas críticas atestam a insuficiência daquele

modelo educacional em atender a demanda de um mundo em constante

mudança, profundamente influenciado pela ciência e pela tecnologia.

Na busca por responder às diversas questões suscitadas pela

necessidade de construção de um novo modelo educacional, que venha a

diminuir o abismo existente entre a educação e a vida, entre os diversos

profissionais da educação, destaca-se o orientador educacional, cuja

atuação vai além do atendimento a alunos com notas ruins ou às suas

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

30 famílias. Cabe a ele a desafiadora missão de iniciar e encabeçar todo um

trabalho de reflexão sobre o fazer pedagógico da instituição da qual faz

parte, desde a escolha e vivência de seu marco doutrinal, passando pela

vigilância quanto à sua vivência, a organização do dia-a-dia escolar que

deve estar em consonância com os princípios filosóficos da escola até o

processo de avaliação institucional.

É esta atuação que pretendemos pensar a partir da obra de Leonardo

Boff.

3.2. O Orientador Educacional a partir de “A Águia e a

galinha”

Uma leitura atenta da estória da águia e da galinha possibilita

relacioná-la ao trabalho da orientação educacional.

Desde a queda sofrida pela águia, passando pelo seu encontro com o

viajante, pelo tratamento que recebeu, por todo o processo de recuperação

vivido por ela, até seu reencontro consigo mesma, que trouxe à tona seu eu

profundo, deparamo-nos com uma série de elementos ou situações

inerentes ao dia-a-dia do orientador.

Estabelecer esse paralelo possibilitará significar ou até mesmo re-

significar o educando, a forma como este encara a si mesmo e o processo

ensino-aprendizagem e o educador.

Talvez seja prudente iniciar nossa comparação a partir da definição

do papel da orientação educacional. Neste sentido, à pergunta: “o que é ou o

que faz o orientador?”, poderemos responder que ele é um elemento de

suma importância em uma equipe técnico-pedagógica, que deve ter acesso

a todos os profissionais da instituição da qual faz parte, pelo caráter

dinamizador intrínseco à sua função, isto é, deve ter atuação abrangente,

que extrapola o âmbito pedagógico do trabalho escolar.

No que diz respeito à sua ação junto ao educando, terá como um dos

desafios a serem enfrentados o fazer com que o mesmo se assuma e atue,

de fato, como SUJEITO de seu processo ensino-aprendizagem, o que

envolve responsabilidade, busca e construção da autonomia,

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

31 desenvolvimento do senso crítico e adoção de uma postura criativa e

produtora do conhecimento.

Possibilitar a construção do indivíduo como educador e não como

mero aluno significa reconhecer e valorizar o papel peculiar que lhe cabe na

educação. Toda e qualquer prática pedagógico-educacional que se pretenda

efetivamente construtora não pode prescindir da participação ativa do

educando: não se pode excluir do planejamento, da execução e da avaliação

de todo o processo aquele a quem os mesmos se destinam. Deve, portanto,

o orientador trabalhar para que seu educando assuma, paulatinamente e

com a maturidade que se requer, seu próprio espaço.

A colheita dos frutos do trabalho da orientação junto a seus

educandos dependerá significativamente da qualidade da relação que será

estabelecida entre eles. A exemplo das águias, espécie em que o macho e a

fêmea mantêm vínculo de fidelidade por toda a vida, é fundamental que o

relacionamento entre orientador e orientando seja marcado pela confiança e

transparência. Precisa ter o orientador uma postura tal, que garanta ao seu

educando a percepção da existência de um porto seguro, alguém com quem

possa contar de fato.

Nesse contexto, mais facilmente poderá o orientador auxiliar o

orientando na descoberta e construção de si mesmo, pela elaboração de sua

identidade, formação de sua personalidade e descoberta e concretização de

seu potencial. Levando-se em conta que a educação, mesmo aquela

oferecida no espaço escolar, não se restringe à transmissão de

conhecimentos pré-elaborados, mas visa à formação de todo homem e do

homem todo, deve-se buscar com constância a elevação da auto-estima do

formando, desenvolver sua capacidade de superação das dificuldades, sua

criatividade diante das situações negativas que venha a enfrentar, além de

ajudá-lo a descobrir e/ou elaborar suas fontes de energia.

O trabalho educacional está ligado, contudo, a alguns pressupostos

básicos.

O conhecimento da história do aluno é peça chave, já que o que

temos hoje nos chega como fruto de um passado e se apresenta como a

semente do que poderá ser desenvolvido no futuro. Além disso, as

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

32 dificuldades poderão ser mais facilmente solucionadas a partir da

consciência de suas raízes e das tentativas que já foram feitas em busca de

sua superação. O desejo de conhecer o outro implica em sua observação

minuciosa, que permite diagnosticar com precisão e sem enganos sua

situação real, a exemplo do que viveu a águia ferida: a primeira impressão

do empalhador dava-lhe conta de uma eventual morte da ave, o que não

correspondia à realidade.

Não se pode esquecer, também, que a trajetória de vida do educando

representa apenas uma parcela de todo um processo, que tem início com

seu nascimento, e não terá fim. Nesta visão, o resultado é sempre

importante, mas o são ainda mais as ações e os comportamentos e as

experiências realizadas no dia-a-dia. Cada homem tem seu tempo, seu

ritmo, que devem ser respeitados, assim como a recuperação da águia

ocorreu de forma lenta, mas constante e firme. Apressá-los poderá significar

uma queima de etapas ou estágios, que mais cedo ou mais tarde precisarão

ser vividos.

Entendida a caminhada do aluno como um processo vivido por ele, é

importante que esse mesmo processo seja acompanhado realmente pelo

orientador e da forma correta. Orientar é diferente de viver ou resolver pelo

outro e igual a estar próximo, por perto, refletir junto, aconselhar, ajudar a

visualizar e construir opções.

Cada mal requer um remédio na medida exata. O tratamento dado à

águia, tendo em vista sua recuperação, tem sua correspondência na relação

entre orientador e educando: a crença na capacidade de reação do aluno em

seus momentos de queda, o cuidado em detectar e analisar suas

deficiências (feridas), a paciência em ministrar com constância os cuidados

necessários à sua recuperação total, a persistência em ajudá-lo a descobrir

sua fonte de energia, conduzindo-o a ela até que possa produzir seu efeito

são elementos de uma atuação autêntica e realizadora do orientador

educacional.

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

33 CAPÍTULO IV – O ARQUÉTIPO DO HERÓI/HEROÍNA

De acordo com Leonardo Boff, assim como a estória da águia e da

galinha nos possibilitam a realização de uma metáfora da condição humana,

da mesma forma a queda vivida pela águia reflete as inúmeras situações

desafiadoras vividas pelo ser humano. Isto quer dizer, que assim como a

águia, também o homem se fere.

A queda humana, contudo, deve ser encarada como algo inerente ao

processo de personalização enfrentado pelo ser humano em seu dia-a-dia,

ou seja, na caminhada em busca de si mesmo, o indivíduo se depara com

aspectos e elementos positivos e negativos, também. A vida é feita de altos

e baixos. Toda estrada comporta encruzilhadas. E diante delas, o que fazer?

Para o autor,

“nas opções emerge o que somos por dentro: heróis e heroínas, fiéis até o

sacrifício pessoal. Ou indecisos, covardes, vítimas de nossa própria

omissão”.5

Em outra passagem, afirma Leonardo Boff:

“em toda situação de abandono está presente uma tentação e uma chance.

A tentação consiste nisto: a pessoa não enfrenta o desamparo. (...) Mas há a

chance de a pessoa aceitar o desafio do desamparo e crescer com ele”.6

Mas, quem é o herói de quem tanto fala Boff? Ele não se refere ao

herói que costumeiramente se vê nas estórias em quadrinhos, filmes ou

desenhos animados, e sim a todo aquele que corajosamente assume sua

vida como ela é e se dispõe a edificá-la pelo enfrentamento e superação das

dificuldades e não pela fuga dos mesmos.

5 Boff, Leonardo.A águia e a galinha – Uma metáfora da condição humana. Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes, 1997. p. 113 6 Idem, ibidem, p. 118.

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

34 Segundo Leonardo, o herói/heroína passa por seis situações ou

estágios no seu processo de individuação. O enfrentamento e a superação

de cada um deles simboliza um degrau a mais na escala do

amadurecimento humano.

Entendeu-se ser importante a abordagem dessa análise do autor,

uma vez que, em nossa visão, o trabalho do orientador deve ajudar seu

educando a perceber e vivenciar essas mesmas etapas em sua vida, na

busca pela realização e perfeição humanas.

Além disso, que também o próprio orientador reflita sobre o

cumprimento dessas mesmas etapas sua história de vida, as experiências

por que passou contribuirão de forma decisiva em seu trabalho, isto é, falar

sobre as etapas tendo passado por elas será muito mais frutífero do que

falar sobre elas sem tê-las vivido.

A primeira situação existencial que concretiza o arquétipo do

herói/heroína é a representada pela situação da águia caída e ferida.

Quedas e ferimentos simplesmente fazem parte da vida humana, e se

concretizam das mais variadas formas. Refere-se à fragilidade do homem,

que, com freqüência, se percebe isolado, diminuído, perdido, entregue à

sorte ou ao acaso, desprovido, à espera de quem o apanhe, erga do chão e

dele cuide.

Incapaz de reconhecer que o sofrimento faz parte da natureza do

homem, é comum que muitos deles se rebelem e reduzam a uma postura

sensacionalista, melancólica e covarde, que lhe impede a possibilidade do

crescimento.

O enfrentamento e a reação à queda representam, assim, a figura do

herói/heroína: do agüente, da resistência e da coragem.

Desse enfrentamento do abandono nasce o segundo traço do

arquétipo do herói. Trata-se do caminhante ou peregrino.

A busca de uma solução depende basicamente de se colocar a

caminho, uma postura que demanda tempo, paciência e autoconfiança e

impede o comodismo e a estagnação.

A figura do terceiro tipo de herói é a do lutador. Em nosso cotidiano

percebemos que as grandes conquistas exigem sempre grandes esforços e,

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

35 muitas vezes, grandes riscos também. Como não citar as muitas lutas

necessárias à garantia da sobrevivência de pessoas ou até de famílias

inteiras que compõem as camadas mais baixas de nossa sociedade, de

quem se retira até mesmo a dignidade? Nessas lutas, muitas vezes o

“inimigo” é externo, mas, em outras, ele se encontra dentro do próprio

indivíduo: são os próprios limites que precisamos superar, assim como a

águia teve que vencer seu medo para voar novamente, depois de tocada

pelo poder vivificador do Sol.

Quem luta precisa estar ciente de quem sempre se sai delas

vencedor. O mártir, quarto arquétipo do herói/heroína é aquele que aceita a

dor, todo tipo de sacrifício e até mesmo a morte, se necessária, não como

uma atitude masoquista, mas como preço a ser pago pelas causas e

objetivos pelos quais tudo vale a pena. Dessa forma, o sofrer ganha outro

sentido, ou melhor, passa a ter sentido, compreendido como última instância

da fidelidade a um projeto de vida, com o qual se busca a coerência.

Há ainda o quinto arquétipo do herói, que é o sábio. O sábio é aquele

que sabe o saber que tem sabor, o que resulta de experiências muitas delas

dolorosas, fruto de sofrimento. De acordo com Boff, trata-se daquele que

consegue ver além das aparências e nem se deixa iludir por elas, captando

com sensibilidade a verdade profunda, não perceptível pelo senso comum.

Leonardo ainda estabelece uma importante característica pela qual o

sábio é assim definido. Segundo ele, o sábio também é capaz de ver as

coisas pelo prisma do Absoluto, o que encaminha o homem para o encontro

com sua “Fonte Suprema”.

Por último, o sábio nos remete ao último traço característico do herói,

que é o mago. Este consegue “criar uma totalidade final sem deixar sobras”

e encurta a distância entre o eu profundo e o eu consciente, fazendo-nos ir

de encontro a Deus.

Pelo apresentado, o arquétipo do herói/heroína permanece de forma

irrecusável como um ideal e modelo a seguir na construção de nós mesmos,

uma vez que possibilita nova compreensão da dramaticidade da vida

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

36 humana e, ao mesmo tempo, apresenta um caminho alternativo para sua

vivência e superação.

O Orientador Educacional é alguém que deve buscar a experiência da

construção desse modelo de ser humano, de forma a apresentar esse

caminho a seus orientandos. Sua atuação será fundamental em seu

trabalho, principalmente se o desempenha junto à faixa etária da

adolescência, período em que se lida com mais intensidade e com maiores e

mais numerosos conflitos a condição humana manifestada pela águia e pela

galinha que convivem em nós.

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

37 CONCLUSÃO

O trabalho do orientador é atividade educacional carregada de

desafios.

O primeiro deles é justamente estender o conhecimento relativo à

importância da sua própria função dentro do âmbito escolar. É fato inegável

que muitos educadores, inclusive diretores de escolas, desconhecem, por

completo, a contribuição que o orientador pode dar ao trabalho desenvolvido

pelas instituições de ensino. Assim, acabam por vê-lo como peça

dispensável no processo ensino-aprendizagem.

Além disso, por seu caráter dinâmico, é imprudente transformar em

dogma um conceito para seu papel ou suas funções. Se dinâmica é sua

função, salvos seus princípios filosóficos que lhe dão especificidade, sua

atuação deve se adequar à realidade e às necessidades da instituição em

que atua e das pessoas com as quais lida.

Deve, ainda, estar atento ao orientador quanto ao limite de sua

atuação. Há que se ter cuidado de forma a evitar que não apenas seja visto,

mas que atue apenas como alguém que se dedica a atender a alunos com

notas ruins e suas famílias; por outro lado, deve estar atento a não invadir o

espaço de outros profissionais que podem e devem atuar junto aos

educandos, como psicólogos, psicopedagogos e outros mais.

O orientador educacional também deve ter em mente que o papel da

escola não se restringe à transmissão de conhecimentos, também sua

atuação deve extrapolar o pedagógico e visar à formação do indivíduo como

um todo, o que supera o horizonte meramente pedagógico.

Por fim, o zelo e a dedicação que demandam o trabalho do educador

estabelecem como condição ao sucesso esperado muita sensibilidade e

amor ao que se faz. Não se educa, tampouco será possível auxiliar na

construção do arquétipo do herói/heroína, sem sensibilidade ou sem

reconhecer em si mesmo a vocação para o trabalho educacional.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

38

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BOFF, Leonardo. A águia e a Galinha – Uma metáfora da condição humana.

40ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

GRISPUN, Mirian Paúra Sabrosa Zippin.O espaço filosófico da orientação

educacional na realidade brasileira. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1992

GRISPUN, Mirian Paúra Sabrosa Zippin (Org.). A prática dos orientadores

educacionais. São Paulo: Cortez, 1994.

NEVES, Maria Aparecida C. Mamede (Org.) A orientação educacional –

Permanência ou mudança. 3ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986.

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

39

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

RESUMO 03

METODOLOGIA 04

SUMÁRIO 05

INTRODUÇÃO 06

CAPÍTULO I – “A águia e a galinha” - considerações iniciais 07

CAPÍTULO II – A Orientação Educacional 16

2.1. Pressupostos filosóficos 17

2.2. Conceitos da Orientação Educacional 18

2.3. Funções da Orientação Educacional 19

2.4. Desafios 20

2.4.1. Resgate da identidade do professorado 21

2.4.2. Alunado como sujeito 22

2.4.3. Parceira com as famílias 23

2.5. Estratégias de ação 24

2.5.1. Eleição de representantes de turma 24

2.5.2. Realização de encontros de adolescentes 25

2.5.3. Atendimento individual a alunos, professores e famílias 25

2.5.4. Trabalho junto às turmas 26

2.5.5. Formação continuada 26

2.5.6. Direção 26

2.5.7. Integração à equipe geral 27

CAPÍTULO III – O Orientador Educacional à luz de “A águia e a galinha” 28

3.1. O Orientador Educacional no contexto escolar 28

3.2. O Orientador Educacional a partir de “A águia e a galinha” 30

CAPÍTULO IV – O arquétipo do herói/heroína 33

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 38

ÍNDICE 39

FOLHA DE AVALIAÇÃO 40

Page 40: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS … FELISMINO DE MELO.pdf · Este trabalho foi elaborado a partir leitura de livros voltados para a orientação educacional e o livro de Leonardo

40 FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: A Orientação Educacional à luz de “A águia e a

galinha – Uma metáfora da condição humana

Autor: Luciano Felismino de Melo

Data da entrega: 08 de Janeiro de 2005.

Avaliado por: Conceito: