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Universidade
Católica de
Brasília
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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO
ÀS VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA
Especialização
A ATENÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA:
A EXPERIÊNCIA DO CENTRO DE APOIO ÀS VÍTIMAS DE
CRIME DE ALAGOAS
Thaísa Christine de Oliveira Costa
Orientadora: Prof. MSc. Karina Aparecida Figueredo
BRASÍLIA 2009
THAÍSA CHRISTINE DE OLIVEIRA COSTA
A ATENÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA:
A EXPERIÊNCIA DO CENTRO DE APOIO ÀS VÍTIMAS DE CRIME DE
ALAGOAS
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos – Proteção e Assistência a Vítimas e a Colaboradores da Justiça, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Direitos Humanos. Orientadora: Prof. MSc. Karina Aparecida
Figueredo
Brasília 2009
2
Trabalho de autoria de Thaísa Christine de Oliveira Costa, intitulado “A
Atenção às Vítimas de Violência: a experiência do Centro de Apoio às Vítimas de
Crime de Alagoas”, requisito parcial para obtenção do Certificado de Especialista em
Direitos Humanos: proteção a vítimas e a colaboradores da justiça da Universidade
Católica de Brasília, defendida e aprovada, em 27 de novembro de 2009, pela banca
examinadora constituída por:
_____________________________________________ Profª. MSc. Karina Aparecida Figueredo
Orientador
__________________________________________ Prof. MSc: Thiago Bazi
__________________________________________ Prof.(a):
Brasília 2009
3
Ao meu amor Davi, que diariamente me estimula em
busca de novas conquistas.
Ao meu filho Lucas, meu maior tesouro, razão de
nossas vidas e presente Divino.
4
Agradeço a Ti Senhor, que conduz meus passos e
me faz acreditar que um mundo mais justo e
igualitário ainda é possível.
Ao Centro de Apoio às Vítimas de Crimes pela
história construída e pela contribuição na
reconstrução de vidas.
A amiga Lílian Lamenha com quem divido as
conquistas e desafios profissionais.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República e a “Vida e Juventude”
pela preciosa oportunidade.
5
“Trabalhar a problemática dos
agravos violentos pressupõe um
comportamento entrelaçado, uma
compreensão do fenômeno em rede,
em que a violência dos indivíduos e
dos pequenos grupos deve ser
relacionado à violência do Estado, à
violência dos conflitos, à da ordem
estabelecida. É consensual hoje que
qualquer ação para superar a
violência passa por articulação
intersetorial, interdisciplinar,
multiprofissional e com organização
da sociedade civil e comunitária que
militam por direitos e cidadania”.
(Minayo e Assis,1993)
6
RESUMO
COSTA, Thaísa Christine de Oliveira. A atenção às vítimas de violência: A
experiência do Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas. 2009.
Especialização em Direitos Humanos, Proteção a Vitimas e Colaboradores da
Justiça. Pós-graduação, Universidade de Católica de Brasília. Brasília, 2009.
Nas últimas décadas a violência vem crescendo no Brasil e suas formas de enfrentamento estão na pauta da agenda social e política. Muitas ações estão sendo feitas na busca de minimizar essa realidade, ressaltando que em sua maioria, ainda de cunho repressor. Este trabalho visa primordialmente socializar a experiência do Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas, como espaço de cidadania habilitado em oferecer assistência jurídica, psicológica e social as vítimas de crime, seus familiares e dependente, com o fim de favorecer o acesso dessas vítimas aos seus direitos fundamentais enquanto sujeito de direitos. Para embasar este estudo, nos fundamentamos nos fatores históricos dos direitos humanos e a particularidades das políticas pública brasileiras. O estudo proporcionou avaliar criticamente a atuação destes Centros, por está imerso em uma política de ajuste neoliberal, portanto, de cunho focalista e excludente. Contudo, foram abordadas ainda a importância destes Centros de atendimentos especializados às vítimas, por considerar fundamental na minimização dos efeitos desestruturantes da violência sofrida. Para tanto, o estudo teórico com relação à vitimologia e direitos humanos proporcionou compreender que a desvalorização da vítima faz parte de um processo histórico, implicando no não reconhecimento e não prioridade de ações voltadas para esta parcela da população.
Palavras chave: direitos humanos, políticas públicas, vitimologia e violência.
7
ABSTRACT COSTA, Thaísa Christine de Oliveira. The attention to the violence victims: The
experience of the Center of Support to the Victims of Crime of Alagoas.. 2009.
Specialization in Human Rights, Protection the Victims and Collaborators of Justice.
After-graduation, University of Catholic of Brasilia. Brasilia, 2009.
In the last few decades the violence comes growing in Brazil and its forms of confrontation are in the guideline of the social agenda and politics. Many actions are being made in the search to minimize this reality, standing out that in its majority, still of repressor matrix. This work primordially aims at to socialize the experience of the Center of Support to the Victims of Crime of Alagoas, as space of citizenship qualified in offering to legal, psychological and social assistance the victims of crime, its familiar and dependent one, with the end to favor the access of these victims to its basic rights while subject of rights. To base this study, on them we base on the historical factors of the human rights and the particularitities of the Brazilian politics public. The study it provided to critically evaluate the performance of these Centers, for is immersed in one politics of neoliberal adjustment, therefore, of focalista and exculpatory matrix. However, they had been boarded still the importance of these Centers of atendimentos specialized to the victims, for considering basic in the minimização of the desestruturantes effect of the suffered violence. For in such a way, the theoretical study with regard to the human vitimologia and rights it provided to understand that the depreciation of the victim is part of a historical process, implying in not the recognition and not priority of actions come back toward this parcel of the population. Words key: human rights, public politics, vitimologia and violence
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........................................................
09
2 CAPÍTULO I – OS DIREITOS HUMANOS E A
ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS DE CRIME: UMA ESTREITA RELAÇÃO...............................................
13
2.1 Breve Reflexão sobre a Origem Histórico-Social dos
Direitos Humanos em Defesa da Vítima............................
13
2.2 Políticas Públicas no Brasil: particularidades da política
de assistência às vítimas de crime.....................................
20
2.2.1 Possíveis estratégias de Enfrentamento da Violência: a
busca pela efetivação dos direitos humanos...........................
20
2.2.2 A vítima no tempo........................................................................
23
2.2.3 A experiência do Centro de Apoio às Vítimas de Crime de
Alagoas.........................................................................................
27
2.2.4 Breve Caracterização dos Usuários Atendidos pelo Centro
de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas................................
38
3 CAPÍTULO II – NA BUSCA DE COMPREENDER O
FENÔMENO DA VIOLÊNCIA ...................................
43
3.1 O Fenômeno da Violência: bases para sua compreensão........................................................................
43
3.2 A Violência em Alagoas......................................................
46
4 Considerações Finais.............................................
49
Referência.................................................................
52
Anexos......................................................................
54
9
INTRODUÇÃO
A violência, um dos maiores problemas sociais enfrentados hoje pela
sociedade brasileira, vem se constituindo nos tempos atuais como tema relevante e
de grande preocupação de estudiosos, órgãos e autoridades envolvidas com a
efetivação de direitos, bem como com a sua contenção e/ou responsabilização.
Envolve questões relacionadas à desigualdade social, e é também resultado do
processo político e sócio-econômico que vivenciamos ao longo do tempo.
Desenvolver um trabalho buscando compreender o fenômeno da violência,
enfocando os avanços e retrocessos da assistência à vítima de crime no Estado de
Alagoas, significa oferecer uma contribuição no sentido de entendermos o constante
nascimento de políticas públicas que se propõem a conhecer a realidade social e
nela intervir na tentativa de minimizar os principais problemas enfrentados na
atualidade, bem como contribuir no melhoramento do programa, sendo este o motivo
maior que nos alertou para a escolha do tema.
A falta de informação, a desestruturação familiar, a inacessibilidade aos
direitos sociais, também são fatores que contribuem para o agravamento dos índices
de violência. Esses fatores estão atrelados principalmente a política de ajuste
neoliberal, condicionada aos países da América Latina e consequentemente ao
Brasil.
Especificamente em Alagoas, o problema da criminalidade envolve ainda
outras peculiaridades relacionadas à economia local e a formação de sua sociedade.
Entre tantos outros, um dos maiores desafios a ser enfrentado por nosso Estado é o
de superar a disparidade entre o potencial do Estado nos diversos setores
produtivos e o baixo crescimento sócio-econômico, registrado ao longo dos anos,
acirrando as desigualdades sociais e consequentemente a violência. A economia
alagoana é resultado da combinação da sua pobreza com os frágeis indicadores
sociais. Segundo o IPEA, 62% da população é considerada pobre e metade de seus
habitantes é beneficiário do Programa Bolsa Família. Na região Nordeste, Alagoas
apresentava, em 2004, a 3ª menor renda per capita. Uma renda que representa
apenas 40% da média nacional, sendo também 20% menor que a média do
10
nordeste. Ainda de acordo com o IPEA, somos campeões na taxa de mortalidade
infantil assim como na taxa de analfabetismo da população acima de quinze anos.
A concentração de renda em Alagoas sempre foi apontada como a causa
dos problemas econômicos e sociais do Estado, mas ao longo da história, nada foi
feito para mudar esta realidade. Devemos considerar que esta dinâmica de
concentração do capital nas mãos de poucos, influenciou desde cedo à organização
social e político-administrativa do Estado.
O respeito aos Direitos Humanos, especialmente o direito a vida, encontra-
se fragilizado pela banalização da violência. As violações à dignidade do ser
humano crescem em número e se tornam cada vez mais cotidianas, passando a ser
consideradas normais.
Paralelamente ao aumento da violência, cresce também, a cultura do medo,
o temor da população em denunciar a violência sofrida, tanto pela falta de segurança
proporcionada pelo Estado, como pela morosidade com que os casos são
resolvidos, quando são.
A população desacredita na justiça resultando na impunidade, um dos
maiores estímulos para o aumento da criminalidade e, sobretudo fortalece os que as
representações sociais costumam propagar sobre os direitos humanos: “DH são
privilégios para os bandidos”, ou ainda, “bandido bom, é bandido morto”. Essa
afirmação, fortalecida pela imprensa sensacionalista, sem nenhum respaldo teórico-
científico sobre o que sejam direitos humanos, incorpora ao senso comum a idéia de
que esse ramo do direito protege somente os agressores.
Segundo Oliveira, (2000, p.241 apud PEDROSA, 2008), essa estigmatização
dos Direitos Humanos, “começou no instante em que os militantes de Direitos
Humanos, a partir do momento em que já não havia prisioneiros políticos a defender,
voltaram sua atenção para os presos comuns, tradicionalmente tratados com
absoluto desprezo nos seus direitos mais elementares”, surgindo uma verdadeira
luta em prol dos agressores, que apesar de legítima, se transformou em fanatismo
para alguns.
Do outro lado está à vítima, sujeito que sofreu a ação delituosa, permeada
pelo silêncio e medo, sempre foi relegada a segundo plano, impedida de acessar
seus direitos sociais, o que fortalece a impunidade.
11
Nessa direção, recentemente no Brasil, implementou-se projetos que visam
dar uma atenção especial às vítimas. Seus fundamentos estão embasados no artigo
245 da Constituição Federal, que obriga o Estado Brasileiro a dar uma atenção
especial às pessoas vítimas de crimes e seus herdeiros e dependentes, declarando
expressamente que: “A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o poder
público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas
vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do
ilícito”; no compromisso constante no Programa Nacional de Direitos Humanos, no
Capítulo que trata da “Garantia do Direito à Vida”, de “Apoiar a criação e o
funcionamento de centros de apoio a vítimas de crimes nas áreas com maiores
índices de violência, com vistas a disponibilizar assistência social, jurídica e
psicológica às vítimas de violência e seus familiares e dependentes”; na Declaração
dos Princípios Básicos de Justiça em favor das Vítimas de Crimes e Abuso do Poder
das Nações Unidas; no decreto nº 4.671 de 10/04/2003, Seção I, Art. 5º, que confere
à Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos a competência de:
“apoiar, monitorar e supervisionar a implementação dos programas estaduais de
proteção a vítimas e testemunhas e dos centros de atendimento a vítimas de
crimes”.
Hoje a assistência à vítima de crime envolve o amparo social, jurídico e
psicológico, que deve ser prestado pelo Estado e tem como principais objetivos:
oferecer serviços que assegurem o exercício de direitos das vítimas e familiares de
vítimas de crimes, constituindo-se em instrumentos eficazes no combate e
prevenção da violência e da impunidade e na promoção da cidadania.
A política de Direitos Humanos em relação à vítima hoje prioriza ações que
viabilizam o acesso dessas pessoas aos seus direitos sociais, fortalecendo o próprio
conceito de Direitos Humanos e de cidadania, contribuindo assim, para que elas
tenham “vez e voz” e possam ser reconhecidas como sujeito de direitos.
No decorrer do trabalho, enfocaremos o serviço prestado em Alagoas, pelo
Centro de Apoio às Vítimas de Crimes, que surgiu em Agosto de 2001 e foi resultado
de um Convênio entre o Ministério da Justiça e a Secretaria Estadual de Justiça e
Cidadania, tendo atendido até setembro de 2008 mais de 1.500 vítimas e familiares
de vítimas de crimes, prestando assistência social, psicológica e jurídica gratuitas.
12
Este trabalho está organizado em dois capítulos, nos quais se procurou
discorrer sobre as particularidades das políticas públicas brasileiras servindo de
subsídio para compreender o a estrutura em que está inserido o Centro de Apoio às
Vítimas de Crime de Alagoas, objeto de análise dessa produção e sobre a questão
da violência e suas formas de enfrentamento,
No primeiro, abordou-se a concepção dos Direitos Humanos e a Assistência
as Vítimas de Crime, fazendo uma breve reflexão sobre a origem histórico-Social
dos Direitos Humanos em defesa da vítima, o que nos permite olhar para uma
sistemática de negação dos direitos fundamentais previstos na Constituição
Brasileira. E ao mesmo tempo, discorremos sobre as políticas públicas no Brasil, que
tem em sua origem um caráter assistencial e excludente e a formalização dos
Centros de Apoio encontra seu fundamento imerso nesse contexto. Essa política
delineia a estrutura das frágeis estratégias de enfrentamento da violência em nosso
país. Ainda neste capítulo, fizemos um resgate da vítima de crime no tempo, para
embasar a experiência dos Centros de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas.
Na perspectiva de analisar a questão da violência, especificamente através
dos casos atendidos pelo CEAV se Alagoas, priorizamos um levantamento
quantitativo por meio da pesquisa bibliográfica sobre o tema em estudo e
documental a partir dos dados e registros de atendimentos do CEAV/Alagoas no
período de 2007 a 2008.
No processo metodológico de investigação, utilizamos os dados contidos no
livro de registro de atendimento inicial do CAV contendo as seguintes categorias:
data do atendimento, sexo, faixa etária, tipo de crime e agressor.
O segundo capítulo apresenta uma breve contextualização da violência por
meio de literaturas especializadas no tema.
O trabalho finaliza com algumas considerações e desafios que se colocam
para os Centros de Apoio às Vítimas de Crime em nível nacional como forma de
contribuir para o alargamento das ações de assistência às vítimas em nosso país.
13
CAPÍTULO I – OS DIREITOS HUMANOS E A ASSISTÊNCIA AS VÍTIMAS DE CRIME: UMA ESTREITA RELAÇÃO.
1.1- Breve Reflexão sobre a Origem Histórico-Social dos Direitos Humanos em Defesa da Vítima
Considerando em seu sentido amplo, é muito antiga a preocupação com os
Direitos Humanos. O que se observa na contemporaneidade como uma iniciativa de
assegurar o convívio pacífico entre homens, e ainda de garantir a preservação da
vida humana, tem sua origem na antiguidade. Considerando esta compreensão, é
possível entender algumas produções religiosas e filosóficas que já demonstravam
esta preocupação.
A configuração atual dos Direitos Humanos tem a marca de toda uma
produção que se estabelece na Idade Moderna, ou seja, a preocupação com os
Direitos Humanos decorre da necessidade de se estabelecer um relacionamento
que supere a possibilidade de destruição dos seres humanos, tendo o Estado o
elemento que perpassa esta relação. Com o advento do estado moderno e a partir
das produções de filósofos jusnaturalistas, tem-se a necessidade de estabelecer
limites entre o estado de natureza, em que se registram os direitos inatos, e o estado
social ou sociedade civil, onde é possível o contrato social. Nessa direção,
destacamos as produções de Hobbes (identificamos a concepção que dá a base
fundamental dos Direitos Humanos: o direito à vida), Locke (destaca sua produção
pela defesa dos direitos da liberdade e de propriedade) e Rousseau (contribui para a
atual concepção de Direitos Humanos defendendo a liberdade).
Além da contribuição dos filósofos – cabe destacar que esta contribuição
não está isenta do cenário histórico em que se situam estes pensadores- registram-
se também alguns acontecimentos históricos que impulsionaram a materialização do
pensamento sobre os Direitos Humanos. Aí destacamos as Declarações dos Direitos
dos Homens e dos Cidadãos. Considerando o caráter histórico dos Direitos
Humanos, pode observar que a partir da Revolução Francesa, momento em que se
vivencia intenso enfretamento do Estado, evidencia-se os Direitos Humanos de
primeira geração. A expansão o capitalismo e o enfrentamento de suas trágicas
conseqüências impulsionaram novas discussões sobre Direitos Humanos, definindo
14
assim uma nova etapa, ou seja, a definição dos Direitos Humanos de segunda
geração. O sofrimento enfrentado pela humanidade com as guerras mundiais
reforçou a necessidade dos Direitos Humanos anteriormente definidos (primeira e
segunda gerações) e impulsionou a luta por direitos de terceira geração.
De acordo com a análise de Fernando Sorondo, os Direitos Humanos,
conforme são construídos podem ser classificados como: Direitos Humanos de
primeira geração (direitos civis e políticos, com foco no individuo, enquanto titular de
direitos inalienáveis como a vida, a liberdade e a propriedade). São chamados de
direitos de liberdade; Direitos Humanos de segunda geração (direitos sociais,
econômicos e culturais) enfatizam o direito de categoria, de classe social, decorrente
daí o direito ao trabalho, à organização sindical, à justa remuneração, à assistência
e à segurança. São os chamado direitos de igualdade; Direitos Humanos de terceira
geração, referentes aos direitos à paz e ao desenvolvimento.
Conforme Tosi (2005, p.23) considerando a dinâmica histórica a que estão
submetidos os Direitos Humanos, já se discute hoje sobre a elaboração de uma
quarta geração de Direitos Humanos.
Numa visão mais contemporânea dos Direitos Humanos, ressaltamos a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948. É um
documento que representa um esforço coletivo de assegurar o respeito aos Direitos
Humanos, ao menos pelos 48 países signatários da Declaração, dentre eles o Brasil.
Segundo Noberto Bobbio (1922)
os direitos elencados na Declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem: são direitos do homem histórico, tal como este se configurava na mente dos redatores da Declaração, após a tragédia da segunda guerra mundial, numa época que teve inicio com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética.
O problema fundamental em relação aos Direitos Humanos hoje, não é tanto
de justificá-los, mas sim de protegê-los, analisa Bobbio (1992:24):
Trata-se de um problema não filosófico, mas político (...). O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios (...). Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los,
15
para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
Ainda segundo Bobbio, “não se pode pôr o problema dos direitos do homem
abstraindo-o dos dois grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da
guerra e da miséria, do absurdo contraste entre excesso de potência que criou as
condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena
grandes massas a fome. Só nesse contexto é que podemos nos aproximar do
problema dos direitos com senso de realismo. Não devemos ser pessimistas a ponto
de nos abandonarmos ao desespero, mas também não devemos ser tão otimistas
que nos tornemos presunçosos”.(idem, p.45).
Tosi (2002) avalia que, a atual conjuntura mundial dominada pelo processo
de globalização, sob a hegemonia neoliberal, acentua e acirra a contradição entre
direito de liberdade e direitos sociais, democracia política e social. Assim, a
universalização dos direitos humanos anda na contramão da globalização, que está
vinculada à lógica do capital, do lucro, da concentração de riqueza, desvinculada de
todo e qualquer compromisso com os direitos do homem. Nesse sentido, a
globalização significa um retrocesso à defesa da liberdade, com a mínima
intervenção do Estado.
Mais especificamente no Brasil verificam-se, desde o seu período colonial,
atrocidades contra os Direitos Humanos, contra os primeiros habitantes do Brasil, os
povos indígenas. As raízes do tempo da escravidão, onde a cultura do mando é que
predominavam, as oligarquias agrárias detinham o poder, mandando e
desmandando na massa popular, baseado nos interesses econômicos da elite
oligárquica. São heranças do patriarcalismo, do autoritarismo, do machismo
radicada na cultura brasileira. Somos fruto de uma sociedade violenta, que sempre
violou os Direitos Humanos, e que até hoje sofremos as conseqüências dessa fase
da história.
As atrocidades costumeiras contra índios, negros, e mais recentemente
“matutos nordestinos”, pobres, humildes; a tortura, a corrupção, a chantagem,
humilhação, a não efetividade ou precariedade da lei, que nunca foi imparcial nas
diferenças sociais, étnicas, de gênero e muitas vezes, ou por que não dizer, sempre,
foi omissa em relação aos desmandos dos poderosos.
Mais recente, as primeiras experiências no Brasil em defesa dos Direitos
Humanos estiveram atreladas ao combate aos regimes ditatoriais e na luta pela
16
reconquista do regime democrático. Assim, o processo histórico-cultural que marcou
a construção dos Direitos Humanos no Brasil foi o período da Ditadura Militar,
marcada por profundas violações. De acordo com Carbonari,
“Neste momento histórico, a realidade brasileira foi marcada pela inviabilização dos direitos humanos como conteúdo e como experiência prática, dado o processo de cerceamento da participação social, a prisão, o exílio e a morte de centenas de ativistas que se opunham à ditadura militar (...). Em nome dos Direitos Humanos foi nesta mesma época que setores da sociedade brasileira começaram a se levantar contra o arbítrio da ditadura”.
A expressão pública na luta pelos Direitos Humanos no Brasil teve uma
maior relevância diante da resistência da ditadura militar. Os movimentos formados a
partir dos anos 70, a partir da luta contra a tortura, as prisões arbitrárias, a luta pela
anistia, tornaram os direitos humanos conhecidos pela sociedade.
Mesmo diante da redemocratização, com a consolidação de uma
Constituição dita cidadã, considerada como um dos instrumentos mais democráticos
do mundo, o Brasil necessita de cidadania, pois a situação atual dos Direitos
Humanos, em nosso país, encontra-se ainda em fase de consolidação. Vivemos um
quadro perplexo de constantes violações aos Direitos Humanos (miséria, pobreza,
violência policial, urbana, doméstica, sistema penitenciário falido, preconceito,
trabalho infantil, escravo...), e desconstruir o que o senso comum, através de suas
representações sociais chama de “Direitos Humanos são direitos de bandidos”. Para
isso, concordo com o que Margarida Genevois (2008) descreve em se texto: “a
educação em Direitos Humanos, mais do que um conteúdo, deve ser uma postura
da pessoa diante do mundo”.
E aí estar o ponto fundamental para a consolidação de uma nova sociedade:
a educação. Incide a necessidade de uma transformação cultural (mudança de
mentalidade de um povo) fortalecida com os movimentos sociais e militância em
Direitos Humanos. Talvez o maior desafio na construção de novas estratégias de
luta esteja na ampliação da capacidade de mobilização social em torno da agenda
de direitos humanos, enfrentando as travas culturais conservadoras presentes na
opinião pública.
Além do mais, como acentua ADORNO (2002, p. 7-8)
As políticas públicas de segurança, justiça e penitenciárias não têm contido o crescimento dos crimes, das graves violações dos direitos humanos e da violência em geral. A despeito das pressões sociais e das mudanças
17
estimuladas por investimentos promovidos pelos governos estaduais e federal, em recursos materiais e humanos e na renovação das diretrizes institucionais que orientam as agências responsáveis pelo controle da ordem pública, os resultados ainda parecem tímidos e pouco visíveis.
Mais, que explicações podem ser dadas diante dessa perplexa realidade em
que estamos inseridos? De acordo com ADORNO,
a) mudanças na sociedade e nos padrões convencionais de delinqüência e violência. Em particular, nos últimos cinqüenta anos, assiste-se a uma aceleração de mudanças, jamais conhecida e experimentada anteriormente: novas formas de acumulação de capital e de concentração industrial e tecnológica; mutações substantivas nos processos de produção, nos processos de trabalho, nas formas de recrutamento, alocação, distribuição e utilização da força de trabalho com repercussões consideráveis nas formas tradicionais de associação e representação sindicais; transbordamento das fronteiras do Estado-nação, promovendo acentuado deslocamento nas relações dos indivíduos entre si, dos indivíduos com o Estado e entre diferentes Estados, o que repercute na natureza dos conflitos sociais e políticos e nas formas de sua resolução (com a criação de legislação e tribunais paralelos ao Estado, por exemplo).
Tais mudanças têm repercussão tanto no domínio do crime, quanto na
violência e nos Direitos Humanos. A cada dia o crime organizado vai se
modernizando e criando novas formas da criminalidade, inclusive com violência
excessiva mediante o uso de potentes armas de fogo, corrupção de agentes
públicos, exacerbados desarranjos no tecido social, desorganização das formas
convencionais de controle social. Assim, agrava-se o cenário das graves violações
de direitos humanos.
b) violência e desigualdade social. A tese que sustentava relações de causalidade entre pobreza, delinqüência e violência está hoje bastante contestada em inúmeros estudos. No entanto, não há como deixar de reconhecer relações entre a persistência, na sociedade brasileira, da concentração da riqueza, da concentração de precária qualidade de vida coletiva nos chamados bairros periféricos das grandes cidades e a explosão da violência fatal.
O autor afirma ainda, que a
desigualdade social e a concentração de riqueza, fenômenos que persistiram ao longo dos anos 90 a despeito do crescimento da riqueza e das profundas mudanças por que vem passando a economia brasileira, coincidiram com a crise fiscal, mais propriamente com fortes restrições ao Estado para reduzir a violência por meio do estímulo ao desenvolvimento socioeconômico, à expansão do mercado de trabalho e à garantia de um mínimo de qualidade de vida para o conjunto da população. (P.04)
18
Com a crise econômica, que atinge a qualidade de vida das populações
urbanas, especialmente a camada que vive em situação de vulnerabilidade social,
atinge também a capacidade do Estado na aplicação das leis, inclusive na garantia
de segurança da população. Nessa direção a população tem assistido ao aumento
da criminalidade angustiada, insegura e, sobretudo vivenciando a cultura do medo,
crescendo o temor em não denunciar tais atrocidades.
Nessa direção, Pedrosa (texto não publicado, 2008) afirma que “não resta
dúvida que o respeito à vida humana encontra-se fragilizado pela banalização da
violência. As violações à dignidade do ser humano aumentam em número e se
tornam cada vez mais cotidianas, passando a ser consideradas comuns”.
E por fim, o autor acrescenta uma terceira explicação para o fenômeno da
violência:
c) crise no sistema de justiça criminal. Não são poucos os estudos que reconhecem a incapacidade do sistema de justiça criminal – agências policiais, ministério público, tribunais de justiça e sistema penitenciário – em conter o crime e a violência nos marcos do estado democrático de direito. O crime cresceu e mudou de qualidade; porém, o sistema de justiça permaneceu operando como o fazia há três ou quatro décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do estado de impor lei e ordem. Os sintomas mais visíveis desse cenário são as dificuldades e os desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência, sintomas representados pela sucessão de motins e rebeliões nas prisões, pela ousadia no resgate de presos, pela existência de áreas das grandes cidades onde prevalecem as regras ditadas, por exemplo, pelo tráfico de drogas em detrimento da aplicação das leis.(p.04)
O autor analisa que diante dessa realidade, temos consequências graves
para a sociedade, pois esta desacredita nas instituições promotoras de justiça, em
especial as instituições encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os autores
de crime e de violência. Além do mais, essa descrença se deve tanto pela falta de
segurança proporcionada pelo Estado, como pela morosidade com que os casos
são resolvidos, quando são.
Assim, a população apela para outras saídas, muito comum na atualidade.
Aqueles que dispõem de recursos recorrem à segurança privada. Em compensação,
a grande parcela da população urbana, segundo ADORNO “depende de guardas
privados não profissionalizados, apóia-se perversamente na “proteção” oferecida por
traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria”.
19
Essas “saídas” só contribuem para o enfraquecimento da busca de “soluções
proporcionada pelas leis e pelo funcionamento do sistema de justiça criminal”. (idem)
Diante desta realidade, algumas sugestões são trazidas pelo relatório da
Organização Mundial de Saúde sobre o que poderia ser feito para prevenir e reduzir
as consequência da violência para a população. Entre tais sugestões estão: o
desenvolvimento de programas de prevenção pra crianças e adolescentes,
treinamento de pais e programas de apoio e medidas de controle do porte de arma.
Destaca-se ainda o apoio às vítimas de crime e o aprimoramento de coleta de dados
sobre os casos de violência.
Deste modo, elegemos a embrionária política de assistência às vítimas de
crime, para discutir a questão da violência na sociedade.
20
1.2 – Políticas Públicas no Brasil: Particularidades da Política de Assistência às Vítimas de Crime
1.2.1 Possíveis Estratégias de Enfrentamento da Violência: a Busca pela Efetivação dos Direitos Humanos.
Até o início do século XX as idéias liberais de um Estado mínimo que
apenas assegurasse a ordem e a propriedade e do mercado, como regulador
“natural” das relações sociais prevaleciam. A posição ocupada pelo indivíduo na
sociedade e suas relações eram percebidas de acordo com sua inserção no
mercado. A questão social expressava-se na exclusão das pessoas, tanto da própria
produção, quanto do usufruto de bens e serviços indispensáveis à sua reprodução.
Após a crise de 1929, a questão social intensa e o desenvolvimento do
capitalismo monopolista determinaram novas relações entre o capital e o trabalho,
bem como entre estes e o Estado, obrigando as elites econômicas a admitir os
limites do mercado como regulador natural e resgatando o papel do estado como
mediador civilizador, ou seja, com poderes políticos que interferissem nas relações
sociais. Nessa direção, entende-se como política social a estratégia de intervenção e
regulação do estado no que diz respeito à questão social.
O Estado toma pra si a responsabilidade de formular e executar políticas
econômicas e sociais. As políticas públicas envolvem conflitos de interesses entre
camadas e classes sociais, e as respostas do estado podem atender a um interesse
em detrimento do interesse do outro.
As políticas públicas têm sido criadas como repostas do Estado às
demandas que surgem da sociedade sobre uma determinada área. De acordo com
Cunha apud Pereira (1994), pode-se entender política pública como
linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito coletivo e não individual (Pereira, citada por Degennszajh, 2000:p.59)
21
Pereira (1994) acrescenta ainda que falar em política pública faz-se
necessário a compreensão do termo público e sua dimensão.
o termo público, associado á política, não é uma referência exclusiva do estado, como muitos pensam, mas sim á coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e apoio de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas e frequentemente providas pelo estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política pública expressa, assim, a conversão de decisões privadas e ações públicas, que afetam a todos.
Dentre as diversas políticas públicas, enfatizamos a política social,
expressada através de um conjunto de princípios, diretrizes, objetivos e normas, de
caráter amplo e permanente. Com o agravamento da questão social e dentre suas
expressões destacamos o desemprego estrutural, precarização das relações de
trabalho, alterações na organização familiar e o abismo das desigualdades sociais,
geraram exclusão e simultaneamente inclusão marginal de grande parte da
população.
Como resposta política a esse agravamento da questão social destacamos o
corte de benefícios ou a introdução de medidas de flexibilização do acesso a eles,
seletividade, privatização de programas de bem-estar social, o desmonte da rede de
proteção social antes mantida pelo Estado e a focalização das políticas sociais.
Especificamente essa focalização torna os programas residuais e casuais, ou seja,
sem continuidade e sem abrangência, atendendo a pequenas parcelas da sociedade
e por tempo determinado.
Ao final da década de 70, no Brasil, a crise decorrente do esgotamento do
“milagre econômico”, propiciou uma conjuntura socioeconômica favorável ao
movimento da sociedade com vistas à redemocratização. Esse processo de
redemocratização deu origem a Carta Constitucional de 1988 possibilitando a
introdução de direitos sociais que pudessem ser traduzido em deveres do Estado,
através das políticas públicas.
Muitos direitos conquistados não foram regulamentados e muito menos
postos em prática. Nessa direção, a seletividade e a exclusão são expressões
marcantes das políticas sociais no Brasil, não podendo ser consideradas como
universais, pois muitas vezes exige de seus sujeitos atestados de pobreza para sua
inclusão.
22
Conforme analisa Telles (2001, p. 26) apud Pedrosa
[...] o Estado cria a figura do necessitado, que faz da pobreza um estigma pela evidência do fracasso do indivíduo em lidar com os azares da vida e que transforma a ajuda numa espécie de celebração pública de sua inferioridade, já que o seu acesso depende do indivíduo provar que seus filhos estão subnutridos, que ele próprio é um incapacitado pra a vida em sociedade e que a desgraça é grande o suficiente para merecer ajuda estatal’.
O não acesso dos trabalhadores aos seus direitos políticos contribuiu para
agravar a situação brasileira devido à associação e à vinculação da cidadania ao
trabalho, que consequentemente atrasou as lutas sociais da classe trabalhadora,
visto que quando tiveram acesso aos seus direitos políticos já estavam na era do
estado neoliberal (década de 80).
Já nos países desenvolvidos, a cidadania não foi condicionada ao trabalho.
Os trabalhadores conquistaram primeiro os direitos políticos, sem esquecer também
que eles vivenciaram o Estado de Bem Estar Social (Welfare State) que foi um
período de grande alargamento e desenvolvimento das políticas públicas. Nessa
direção, não é pertinente discutir a realidade brasileira tomando como base o Estado
de Bem Estar Social, visto que o modelo brasileiro não adquiriu características que
se aproximassem.
A impossibilidade de ampliação das políticas sociais no Brasil tem resquícios
de problemas advindos da ausência de revolução burguesa. O que vivenciamos foi
uma chamada “revolução passiva” e é por esse motivo que a luta pela cidadania tem
um caráter diferente. E como exemplo é que as políticas públicas já nasceram
focalizadas. A intencionalidade das políticas públicas é de compensar as
desigualdades geradas pela concentração de renda e propriedade nas mãos de
poucos e inacessibilidade aos recursos fundamentais a sobrevivência humana.
Nesse sentido, a política de assistência às vítimas de crime se insere nesse
contexto. Ela atua prestando assistência às pessoas vitimadas pela violência e que
não tem acesso a assistência jurídica, psicológica e social e que tiveram seus
direitos violados.
As saídas encontradas pelo Estado para controlar a situação da violência,
são marcadas por ações pontuais, focalizadas que não resulta em uma modificação
23
significativa para a sociedade. Pois o clientelismo, a burocracia, a instabilidades dos
programas, a má aplicação e insuficiência dos recursos, o paralelismos dos
programas, o distanciamento entre beneficiários e formuladores e o frágil
mecanismo do controle social marcam o sistema social brasileiro da década de 90.
Porém, a junção de diversos serviços e a necessidade de prestar assistência
a essa parcela da população faz-se necessário para minimizar essa realidade. É
comum que esses programas demorem a apresentar resultados, pois se baseiam na
mudança das condições de vida ou das relações entre as pessoas. Todavia, se
alcançarem as metas estabelecidas, seu impacto pode ser mais intenso e mais
prolongado.
As pessoas que sofrem a ação delituosa são o alvo de estudiosos que se
dedicam ao tema. Para uma melhor compreensão da temática, faremos uma breve
análise histórica da vítima no tempo para ajudar a situarmos a questão na
atualidade.
1.2.2. A Vítima no Tempo
Esta política teve seu fundamento na Vitimologia, que se propõe a estudar a
relação do criminoso com a vítima. A discussão sobre seu objeto tem início na
década de 40 após a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1947, com o
holocausto, considerado como ponto mítico de fundação da ciência vitimológica o
termo inicialmente foi usado pelo advogado Beijamin Mendelsohn, em uma
conferencia considerando-a enquanto ciência biopsicossocial. Nessa direção,
definiu-se Vitimologia como a “ciência sobre as vítimas e a vitimização” (PIEDADE
JUNIOR, 1993). Foram três as fases da Vitimologia: a fase do protagonismo da
vítima, a fase da neutralização da vítima e a fase atual, ou seja, o redescobrimento
da vítima.
O primeiro momento, ainda na antiguidade, é caracterizado como a fase do
protagonismo da vítima, onde o que prevalecia era a luta pela sobrevivência própria,
da família e da tribo. Como resposta ao mal causado, era imposto ao algoz males
físicos, tomada de bens materiais e até mesmo a morte, cabendo a vítima e sua tribo
buscá-la, já que não existiam organizações políticas ou jurídicas à época. Isso
acarretava na eliminação de grupos inteiros.
24
Este momento do protagonismo da vítima tem seu apogeu com a Lei de
Talião, ou seja, a agressão deveria ser rebatida com a mesma intensidade. A Lei de
Talião foi adotada “pelas legislações mais antigas como o código de Hamurabi, o
Código de Maun, o Pentateuco e a Lei das XII Tábuas” (JORGE, 2001: p.13)
A segunda fase na história da Vitimologia é fase seguinte da neutralização
da vítima, refere-se historicamente a Idade Média. As decisões em relação às
punições eram tomadas pelos Senhores Feudais, pela Igreja e pelo Rei, com
castigos severos, condenação pecuniária ou confisco dos bens, quase sempre
revertido para a Igreja.
Esse período, quando ocorre á formação dos Estados nacionais, o poder de
punir estava centrado na figura do Rei, ou seja, o Estado chama para si a
administração da justiça. A vítima foi neutralizada, passa a ser tão somente, sujeito
passivo do crime, diante do início de um poder público que não permitia o espaço
para as leis elaboradas em costumes, desejos ou cultos sagrados. Com essa
formação do Estado moderno, tem-se uma nova organização social, econômica e
política. O Estado passa a governar a justiça de forma racional e direcionada. Não
há lugar para a justiça da vítima, pois as relações sociais são reguladas por um novo
modelo de produção no qual o Estado é a organização política.
Só após o Holocausto, uma das maiores vitimização coletiva do mundo que
a vítima passou a ser vista não apenas como objeto do crime, mas como parte que
sofreu as diversas consequências que o crime pode causar para além do que está
na lei.
O massacre coletivo ocorrido na Europa mudou a relação entre
algoz/estado/vítima, para uma relação vítima/algoz, no qual foi o momento do
redescobrimento da vítima na justiça criminal e nas relações sociais.
A partir dos meados de 1940 nos decênios que seguem é instaurada toda
uma discussão sobre a vítima, sobre a ciência da vitimologia. Em 1948, Hans Von
Henting publica a primeira obra sobre o tema. Em 1945 Mendelson publica o
trabalho A Vitimologia. Em 1979 é criada a Sociedade Mundial de Vitimologia. Em
1984 é fundada a Sociedade Brasileira de Vitimologia e em 1985 em Assembléia
Geral a ONU aprova a Declaração dos Princípios Básicos da Justiça para as Vítimas
de Delito e Abuso de Poder, no mesmo período a Sociedade Mundial de Vitimologia
é credenciada como órgão consultivo (PEDRA, 2001: p.16).
25
Verifica-se, portanto, que a Vitimologia surgiu, a princípio, com o intuito de
estudar a relação criminoso-vítima na ação delitiva, não estando completamente
inocente, mas por vezes culpada ou colaboradora em alguns procedimentos
delitivos.
Atualmente, o enfoque da Vitimologia está direcionado para estimular a
criação de programas de assistência às vítimas de crime, mudanças na legislação
que a valorize na justiça criminal, além da busca de meios que viabilizem a devida
reparação do dano sofrido, ultrapassando assim as discussões de suas origens,
superando a preocupação com seu comportamento e sua classificação, usada por
alguns advogados de defesa para transpor a culpa de seu cliente para as vítimas.
Ressalta-se ainda, que os movimentos vitimológicos não visam subtrair os direitos
do acusado em prol de uma satisfação da vítima. Nessa direção, uma das
preocupações desse movimento é a vitimização dos encarcerados, que a depender
do momento, o acusado também é uma vítima.
No Brasil, só na década de 90 é que são efetivamente iniciados os primeiros
programas, projetos e leis direcionados às vítimas e testemunhas de crime e
violência.
Verifica-se ainda, certo abandono da vítima em alguns âmbitos do sistema
criminal, mas já se percebe algumas iniciativas buscando a valorização desta. De
acordo com Antonio Scarance Fernandes “este é o século que está assistindo a
vítima sair do ostracismo”. E destacamos algumas disposições legais que dão a
vítima foros de cidadania. Citaremos alguns exemplos resultados dos avanços da
ciência da Vitimologia: Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais);
Lei 9.714/98 (Lei de Penas Alternativas); Lei 9.807/99 (Lei de Proteção às Vítimas e
Testemunhas). Estas e outras iniciativas visam proporcionar ao ofendido respostas
satisfatórias e condizentes com suas perspectivas. A mais recente mudança se deu
na reforma do código de processo penal, avançando, ainda que timidamente no que
concerne aos direitos das vítimas.
A Lei 11.690/2008 demonstra alguns avanços no que tange a preocupação
com a vítima. Como relatamos acima, o que se tinha, até então, em termos legais,
era a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), onde já demonstrava
avanços para que a vítima saísse do “ostracismo”. Embora esta Lei dos Juizados
26
Especiais Criminais seja delimitada a alguns tipos de crimes, ela já possibilitou a
“aparição” da vítima no cenário do processo.
A Lei 11.690, modifica diversos dispositivos do Código de Processo Penal.
Destacamos, em especial, o artigo 201 e seus cinco parágrafos que tratam a vítima
com mais preocupação visando sua valorização perante a persecução criminal. A
reforma da lei 11.690, reforça o poder de participação das partes na fase instrutória
do processo.
De acordo com Sales e Saraiva (2008)
As inovações do art. 201 estão atreladas ao conceito mor de proteção à dignidade da pessoa humana, e dos direitos inerentes a personalidade, quais sejam liberdade, integridade, imagem, honra, privacidade, desmembrando para outras garantias fundamentais como uma vida digna, como o direito de ir e vir, de ter sua intimidade preservada, de receber do Estado assistência sociopsicojuridica, inaugurando expressamente o que prega os estudos da Vitimologia moderna e buscando minimizar sobremaneira os efeitos do fenômeno da chamada vitimização secundária.
O Artigo 201 no novo Código de Processo Penal propõe a valorização da
vítima, ainda que timidamente, mas enseja torná-las sujeito de direitos. Percebia-se,
até então, apesar dos estudos dedicados a Vitimologia, é que na prática a vítima era
relegada a função de depositário de informação, o que causava comumente
frustração permanente. As pessoas que sofreram a ação delituosa necessitavam ser
tratadas como sujeito de direitos e, portanto, tem a oportunidade de se posicionar
perante o processo que resolveram mover, sem ser meramente a pessoa que
apenas deu a notícia do crime e como aconteceu.
Segundo Oliveira (1999) apud Sales e Saraiva
No sistema penal atual, os conflitos são decididos por pessoas estranhas e as partes originalmente envolvidas desaparecem. Aquela que é representada pelo Estado – a vítima – só tem papel de desencadear o processo e prestar algumas informações. A vítima é uma perdedora diante do autor da infração e diante do Estado; não recupera o que perdeu para o infrator, pois as penas não levam em conta seus interesses, e perde ainda a oportunidade de vivenciar de forma positiva o conflito, que não é mais seu. A localização das salas de julgamento nos tribunais das cidades grandes, a ritualização dos atos, a linguagem peculiar – uma verdadeira subcultura -, tudo afasta a vítima que, quando comparece em juízo, percebe que seu conflito é propriedade dos advogados, dos promotores, dos juízes. A despersonalização dos conflitos reflete o desempenho dos papéis sociais; nas sociedades industrializadas, as pessoas se conhecem em fragmentos, de acordo com os papéis que desempenham em cada cenário da vida, e o sistema penal não oferece oportunidade para que as partes e os operadores atuem como seres humanos integrais.
27
Nessa direção, a nova lei com capítulo específico, cujo título dá ao ofendido
valor, notoriedade e, sobretudo a exclusividade pioneira, busca valorizar a vítima,
baseando-se nos postulados científicos da Vitimologia, considerando-a, desta forma,
sujeito de direitos.
Uma das alterações mais significativas nessa reforma foi a que estabelece
que o Juiz possa encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar ainda a
expensas do ofensor ou do Estado (§5º). Lamenta-se, portanto, a não
obrigatoriedade dessa providência por parte do juiz. Deixar a critério do Juiz esse
encaminhamento poderá ocorrer a sua não aplicabilidade, continuando a vítima
abandonada à própria sorte.
Considerando a importância do atendimento às vítimas de crime, esse
encaminhamento é fundamental na tentativa de superação do trauma sofrido. Diante
das consequências trazidas pelo crime, acreditamos que não apenas uma resolução
no judiciário consegue dirimir, necessitando da intervenção social e psicológica,
além da assistência a saúde para dar um suporte maior à vítima.
Nessa direção, recentemente no Brasil, implementou-se projetos que visam
dar essa atenção especial às vítimas, objeto de discussão do próximo tópico.
1.2.3 A Experiência do Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas
Como já citado, a Vitimologia tem baseado os estudos para a formulação de
políticas públicas direcionadas para as vítimas, familiares e dependentes. Kosovski
apud Pedrosa (2008, p.32), sobre a desatenção do Estado para com a vítima,
atenta:
Todo o arcabouço do sistema penal, a começar com a política, passando pelo ministério publico, a defensoria publica, o judiciário e finalmente a execução da pena é calcado quase que exclusivamente na perseguição ao criminoso (nem sempre bem sucedida) e na punição ( quase sempre falha), deixando de fora das preocupações do estado com a vítima, o lesado, o agredido, aquele que sofreu a ofensa e que deve requeres mais atenção.
Baseado nessa atenção específica para as vítimas de crimes foi aprovado,
em Assembléia Geral, no Congresso de Prevenção de Crime e Tratamento de
deliquentes em Milão, em 1985, tendo adesão do Brasil, a resolução 40/34 e a
Declaração de Princípios Básicos de Justiça em favor das Vítimas de Crime e Abuso
28
de Poder. Nessa resolução da ONU destacam-se ainda os direitos das vítimas, são
eles: vítimas deverão ser tratadas com respeito e compaixão; vítimas deverão ter o
direito a informação durante o processo; vítimas têm direito de apresentar sua
opinião às autoridades judiciárias; vítimas têm direito a assistência jurídica gratuita;
vítimas têm direito a proteção da sua identidade e privacidade; vítimas têm direito a
proteção contra retaliação e intimidação; vítimas têm direito à oportunidade de
participar em mediação; vítimas têm direito a compensação paga pelo ofensor;
vítimas têm direito de receber compensação do estado em caso de crimes violentos;
vítimas têm direito ao apoio e assistência social.
De acordo com a Declaração de Princípios Básicos de Justiça em favor das
Vítimas de Crime e Abuso de Poder as vítimas são percebidas como “pessoas que,
individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões corporais ou
mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus
direitos fundamentais, como consequência de ações ou omissões que violem a
legitimação penal vigente nos Estados – Membros, incluída a que prescreve o abuso
criminal de poder”.
Acrescenta ainda, que poderá ser considerada vítima, independente do
modo como o vitimizador foi identificado, detido, julgado ou condenado, bem como
independentemente da relação familiar entre o vitimizador e a vítima. Incluem-se
também nesse contexto de vítima, quando conveniente, familiares ou pessoas
dependentes que tenham relação direta com vítima e as pessoas que tenham
sofrido danos ao intervir para dar apoio à vítima em risco ou para prevenir a ação
delituosa.
Tomando como base a Declaração, o Brasil inclui na Constituição de 88 em
seu artigo 245 atenção especial ás vítimas. De acordo com a lei: “A lei disporá sobre
as hipótese e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e
dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da
responsabilidade civil do autor do ilícito.” Ainda assim, não discordamos de que tal
comando necessita de regulamentação infraconstitucional, todavia, reportamo-nos
ao parágrafo 1º do artigo 5º da CF/88 o qual afirma que “As normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
29
Nesse contexto, uma vez ser unânime que o acesso à justiça, às políticas
públicas e à saúde (física e psicológica) são garantias fundamentais a todo ser
humano, o trabalho desenvolvido pelos Centros de Apoio é a personificação da
aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais. Ou seja, apesar de ser
importante a implementação de regra infraconstitucional que dê contornos mais
precisos ao artigo 245 da CF/88, teleologicamente, observa-se que o trabalho
desenvolvido pelos Centros de Apoio às Vítimas o contempla.
Lamentavelmente, porém, esta norma é programática, de aplicabilidade
futura, dependendo de lei específica para sua efetivação, o que até o momento não
ocorreu. O que houve de avanço nessa direção, foi a edição do Primeiro Programa
Nacional de Direitos Humanos – PNDH I, promulgado por Decreto Presidencial em
13/05/1996 após sua aprovação em Conferência Nacional de Direitos Humanos,
atualizado em 1999 (PNDH II) ampliando as políticas públicas em favor das vítimas,
dentre elas: o compromisso em apoiar a criação e funcionamento de Centros de
Apoio às Vítimas de Crimes nas áreas com maiores índices de violência, com vistas
a disponibilizar assistência social, jurídica e psicológica ás vítimas de violência e
seus familiares e dependentes.
Nessa direção, em 2001, o Ministério da Justiça firma um convênio com o
Estado de Alagoas com a finalidade de promover assistência jurídica, psicológica e
social a todas as vítimas de crime intitulado Centro de Apoio às Vítimas de Crime –
CAV Crime.
De acordo com Seidel (2008) o Centro de Apoio às Vítimas de Crime é um
espaço de cidadania habilitado a oferecer serviços que assegurem o exercício de
direitos das vítimas e familiares de vítimas de crimes, constituindo-se em
instrumentos eficazes no combate e prevenção da violência e da impunidade e na
promoção da cidadania. Trata-se de disponibilizar, nas regiões onde a violência se
manifesta de forma mais latente, um serviço continuado, integrado e capaz de
prestar atendimento jurídico, psicológico e social a vítimas de crimes e seus
familiares e dependentes.
Deverá, ainda, fornecer orientações gerais sobre Direitos Humanos a todas
as vítimas de discriminação e violações dos Direitos Humanos fundamentais, sob
qualquer forma, bem como para a geração, produção, difusão, fomento e
disponibilização de conhecimentos sobre direitos humanos, mediante as ações
30
educativas. Nessa perspectiva, o Centro deve exercer o importante papel de
articulador dos serviços junto a organismos governamentais e não governamentais
que integram a Rede de Atendimento, sendo o acesso natural a esses serviços para
as populações em situação de vulnerabilidade social, em função da discriminação e
da violência.
Os Centros de Atendimento a Vítimas de Crimes destinam-se, sobretudo, a
garantir assistência sistemática, psicossocial e jurídica às vítimas de crimes
violentos, sendo este o seu eixo de atuação mestre. São especialmente nomeados
os crimes de homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio, estupro, entre outros.
Seus fundamentos estão embasados no já citado artigo 245 da Constituição
Federal, que obriga o Estado Brasileiro a dar uma atenção especial às pessoas
vítimas de crimes e seus herdeiros e dependentes; no compromisso constante no
Programa Nacional de Direitos Humanos, no Capítulo que trata da “Garantia do
Direito à Vida”, de “Apoiar a criação e o funcionamento de centros de apoio a vítimas
de crimes nas áreas com maiores índices de violência, com vistas a disponibilizar
assistência social, jurídica e psicológica às vítimas de violência e seus familiares e
dependentes”; na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça em favor das
Vítimas de Crimes e Abuso do Poder das Nações Unidas; no decreto nº 4.671 de
10/04/2003, Seção I, Art. 5º, que confere à Subsecretaria de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos a competência de: “apoiar, monitorar e supervisionar a
implementação dos programas estaduais de proteção a vítimas e testemunhas e dos
centros de atendimento a vítimas de crimes”.
Hoje a assistência à vítima de crime envolve o amparo social, jurídico e
psicológico, que deve ser prestado pelo Estado e tem como principais objetivos:
oferecer serviços que assegurem o exercício de direitos das vítimas e familiares de
vítimas de crimes, constituindo-se em instrumentos eficazes no combate e
prevenção da violência e da impunidade e na promoção da cidadania.
Atualmente os Centros estão presentes em 25 cidades brasileiras, alguns
Estados com a replicação do serviço.
O Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas, especificamente, foi
inaugurado em Novembro de 2001, sendo o quarto Centro no Brasil e o segundo na
região nordeste. Sua implantação se deu através de um Convênio firmado entre a
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e a então
31
Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUC). Atualmente o convênio se encontra em
seu sexto Termo Aditivo e é executado pela Secretaria de Estado da Mulher, da
Cidadania e dos Direitos Humanos.
Desde o início do funcionamento do Centro o maior público sempre foi de
vítimas de violência doméstica, embora esta ainda seja esta uma grande demanda
em Alagoas, se fez necessária uma reformulação nos objetivos do Programa,
seguindo as diretrizes da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência
da República, tendo em vista os alarmantes índices de mortes por crimes violentos
muitos deles ligados ao crime organizado, tráfico de entorpecentes, jogos de
interesse e poder, a maioria deles tem ficado sem solução e suas vítimas, familiares,
dependentes ficam completamente desamparados.
Sendo assim, em dezembro de 2007, o CAV Crime delimitou sua demanda,
voltando às atenções para alguns crimes considerados mais violentos: homicídio,
latrocínio, lesão corporal grave, estupro, sequestro e cárcere privado, sendo eles
consumados ou tentados. Para tanto, se fez e se faz necessária uma grande e
permanente articulação com novos e velhos parceiros: Ministério Público, Poder
Judiciário, Delegacias, Hospitais, Postos de Saúde, Conselho Tutelar, Instituto
Médico Legal, Conselhos de Classes Profissionais, Secretarias Municipais e
Estaduais de Educação, Saúde, Assistência Social, Secretaria de Defesa Social,
Sociedade Civil Organizada, entre outros.
Contudo, vale salientar que não deixamos de atender, orientar e encaminhar
cada vítima de crime, independente da violação sofrida, que chegue ao Centro e
continuamos todos os casos que já estavam em andamento, até o seu termo final.
Nesses oito anos de atuação, o grande desafio institucional enfrentado pelo
CAV Crime, tem sido no âmbito das políticas, em sua dimensão prática, ou seja, a
formulação de uma proposta de política pública que contribua com a real diminuição
ou controle dos índices de criminalidade, o que é dificultoso em virtude do quadro
sócio-cultural marcado pela impunidade e pela banalização da violência que sempre
fez parte das raízes históricas de Alagoas, não sendo esta realidade diferente do
restante do país.
A falta de atenção dispensada a este segmento social, ou seja, as vítimas de
crime têm trazido prejuízos para a sociedade, acarretando ações pontuais e
32
desqualificadas. Por conseguinte, há falta de planos e programas do Governo
Estadual onde a herança do pensamento desarticulador entre os atores envolvidos
deixa de produzir resultados que apontem para o real e verdadeiro significado da
esfera pública.
O enfrentamento à violência exige o envolvimento da sociedade nos
diversos espaços, tanto na formulação, execução, fiscalização e controle das
políticas públicas, da forma em que estar delineado, por ser uma ação pontual, os
Centros de Apoio não tem apresentado resultados eficazes na luta contra a violência
e a impunidade, pois acreditamos que permanecerá dessa forma, enquanto mantiver
essa característica de convênio entre Governo Federal e Estadual e/ou municipal.
A razão pessimista desta afirmação pauta-se na descaracterização do
atendimento as vítimas de crime, enquanto política, por ser projeto e, portanto, sem
garantias de continuidade. Nesses termos, observamos que o caráter de convênio
impõe metas quantificadas de atendimento, não sendo construído indicadores
capazes de realizar mudanças significativas e coletivas no que se refere à
assistência às vítimas de violência.
Essas dificuldades de ordem política/institucional fragilizam a equipe devido
as interrupções nos convênios celebrados, podendo provocar a fragmentação da
equipe e o mais preocupante de tudo, comprometer o trabalho realizado junto ao
usuário. Os financiamentos desses projetos seguem uma lógica, muitas vezes os
convênios terminam ou seus aditamentos demoram em se efetivarem. Ainda que os
convênios sejam celebrados, o trabalho normalmente só se inicia com o depósito de
valores, comprometendo muitas vezes o serviço prestado.
Lamentavelmente, essa situação é comum em projetos sociais. Ela revela,
portanto, certa ambiguidade do Estado ao não dispor de orçamento condizente a
programas por ele criados, comprometendo a continuidade do serviço prestado, bem
como o atendimento prestado às vítimas e seus familiares. Percebe-se, portanto, a
necessidade urgente do reconhecimento do Estado, mais especificamente
vinculando orçamento condizente para as ações dos Centros, visto que por se tratar
de uma política de direitos humanos não pode estar sujeitas a flutuações políticas
governamentais.
33
Pode-se dizer que na dimensão da prática, o atendimento do CAV crime
destaca-se pela relevância dos serviços que oferece a população, visto que em
Alagoas não havia um atendimento direcionado a vítima, sendo este realizado pela
Defensoria Pública, ou seja, não existia atendimento específico prestado, às vítimas
de crime. No âmbito político, é preciso que este avance enquanto política pública
capaz de colaborar através de programas e recursos para apoiar as ações de
enfrentamento à violência. Entendemos que as políticas de proteção, assistência e
segurança são essenciais num marco para a visibilidade da violência como uma
solução possível.
É notório que, apesar do trabalho pontual, o CAV crime destaca-se por ser
referencial no atendimento às vítimas que lá chegam, e isso tem uma relevância
fundamental na vida das pessoas atendidas, independente de transformar o coletivo
ou não. Acreditamos que por contribuir na transformação de uma vida já estamos
cumprindo nosso papel social e moral.
Passamos agora a discutir como se dá o atendimento do CAV. O trabalho do
Centro é pautado em quatro eixos: atendimento multi/interdisciplinar das áreas
jurídica, social e psicológica visa intervir nos efeitos desestruturantes individuais,
coletivos e sociais oriundos da violência; articulação onde o centro tem um
importante papel que é articular com os diversos serviços existentes na esfera
privada e pública, buscando sempre viabilizar o acesso das vítimas, familiares e
dependentes aos serviços existentes no Estado de Alagoas; prevenção através de
ações educativas, desenvolvemos um trabalho preventivo nos espaços públicos ou
privados, visando fornecer orientações gerais sobre Direitos Humanos,
especificamente sobre prevenção da violência e suas formas de enfrentamento; e
fomento a Política de Direitos Humanos especialmente no que se refere a
assistência às vítimas de crime em Alagoas. Nessa direção desde 2008 o Centro
vem trabalhando no intuito de Implantar o serviço nos municípios alagoanos,
sensibilizando os gestores municipais sobre a importância da Política de Assistência
às Vítimas e capacitando os profissionais dos municípios para o atendimento
interdisciplinar às vítimas.
A eficácia das ações de prevenção da violência depende da reunião de
recursos de diversas áreas, dada a complexidade do problema e as repercussões
34
que causa. Daí também a necessidade da rede de parceiros para um atendimento
integral. Para tanto, algumas iniciativas são realizadas, onde nos utilizamos de
ações estratégicas no sentido de estreitar relações com a sociedade, buscando
aproximar a prestação do serviço da população. Alguns objetivos são traçados
visando desenvolver essa rede, articulando os serviços e, também, reunindo
esforços de diferentes níveis de governo, além da sociedade civil e dos movimentos
sociais. E conforme Jorge-Birol (2008, p. 1), “a melhor forma de se combater ou
diminuir a criminalidade é alcançando o crime em suas causas, suas raízes, não em
suas consequências”.
Nesse contexto de atendimento, destacamos especificamente a atuação dos
profissionais, com uma proposta de trabalho interdisciplinar visando soluções mais
favoráveis para o usuário do serviço, “objetivando a instrumentalização necessária
para uma nova práxis, especialmente voltada para a atuação nos programas que
têm por matriz os Direitos Humanos” (conteúdo da disciplina atuação em equipes
interdisciplinares – UEA 06)
A proposta de intervenção interdisciplinar oportuniza ao profissional uma
ferramenta metodológica para a apreensão das questões postas na atualidade, de
forma que se produza conhecimento e que a atuação profissional articule esses
conhecimentos específicos visando às metas estabelecidas.
As modalidades de intervenção seja ela multidisciplinar, pluridisciplinar,
interdisciplinar e transdisciplinar, requerem o comprometimento ético- profissional
com vistas a reconhecer o usuário enquanto sujeito de direitos.
No entanto, existem diferenças entre disciplina e profissão. De acordo com
MELO e ALMEIDA (2000, 228 p.)
Um trabalho pode ser inter/multiprofissional (quando há mais de um profissional envolvido) e isso não se confunde com multidisciplinaridade (disciplinas que abordam o objeto sem relações), interdisciplinaridade (relação de disciplinas a partir de relação hierárquica de uma disciplina integradora e coordenadora de disciplinas que recombinam seus elementos internos) e transdiciplinaridade (axiomática geral compartilhada, integrando diferentes níveis e relações entre as disciplinas, com tendências à horizontalização das relações de poder e criação de campos novos de conhecimento – radicalização da interdisciplinaridade).
35
Para que tenhamos alcance da proposta interdisciplinar de atendimento às
vítimas, faz-se necessário que as intervenções sejam resultados de abordagens
dialogadas entre as disciplinas, mas especialmente entre os atores (usuário e
familiares ou dependentes), fundamentais para o processo de superação da
violência.
De acordo com Bazi (2009),
essa atuação, de caráter interdisciplinar, deve se dar de forma que se estabeleçam relações dialógicas transversais horizontais entre as áreas atuantes. Esse processo deverá levar em consideração também os aspectos estruturais que vão desde os fatores de sustentação imediata como os fatores de sustentação mediata do projeto a ser construído.
Além de ultrapassarmos a prática focalizada e repartida da
multidisciplinaridade e avançarmos para uma prática interdisciplinar ou quem sabe
transdisciplinar, urge a necessidade de sairmos do isolamento de nossa ação e
partirmos para o enfrentamento que ultrapasse o senso comum de que violência é
caso de polícia. As políticas de segurança, assistência e proteção devem ser
centrais no enfrentamento da violência, e acima de tudo na percepção do usuário
como sujeito.
Nesse contexto, destacamos a atuação dos profissionais do Serviço Social.
O Assistente Social tem desenvolvido sua prática ativamente, apesar das
deficiências das políticas sociais existentes, as quais possibilitam um mínimo
exercício da cidadania dos usuários. Este trabalho tem maiores resultados com a
interação entre os profissionais das áreas psicológica e jurídica, desenvolvendo uma
aproximação da prática interdisciplinar como alternativa de sucesso em prol dos
usuários atendidos.
O atendimento do Assistente Social é caracterizado pela mediação entre o
usuário, os serviços públicos e instituições que efetivam o acesso das vítimas aos
seus direitos sociais, além da orientação, socialização de informações e demais
ações inerentes à emancipação do usuário. Isto nos remete ao que diz Iamamoto
(2001, p.25), quando fala sobre o afastamento do Estado no trato das necessidades
sociais. “Transfere-se para distintos segmentos da sociedade civil significativa
parcela da prestação de serviços sociais”.
36
Tomando como princípio que a questão social é um conjunto de
problemáticas causadas pelo atual modo de produção econômico excludente,
consideramos que a violência – como expressão da questão social - é conseqüência
da exploração do trabalho, da minimização do Estado nos investimentos em políticas
sociais que possibilitem dignidade à população carente.
Embora tratemos aqui das vítimas de violência/crime, não podemos
esquecer as vítimas da violência causada pelo esquecimento dos poderes públicos,
pois o afastamento destes nos investimentos sociais agrava ainda mais a
criminalidade. A fome, a miséria, o precário acesso aos serviços de saúde,
educação, lazer, trabalho, levam a população a se enveredar por outros caminhos,
mesmo que estes possuam características ilícitas (tráfico de drogas, roubos,
latrocínios, etc).
Nessa direção, percebe-se que através do desenvolvimento de uma prática
profissional comprometida ética e politicamente com a garantia da efetividade da
cidadania, no sentido de favorecer o acesso da população aos serviços e diminuir as
desigualdades sociais é que o profissional de Serviço Social poderá atuar.
Assim, a atuação do Assistente Social se dá de forma ativa, mesmo diante
de todos os entraves postos diante da modesta intervenção do Estado no
investimento de políticas públicas, principalmente destinadas à assistência às
vítimas de crime. Nesse contexto, o Assistente Social desenvolve suas ações no
sentido de identificar as demandas apresentadas pelos usuários, buscando em
conjunto com este os meios de superá-las; favorece a inserção das vítimas no meio
social; contribui para o fortalecimento de sua auto-estima, buscando desenvolver
ações que visem o fortalecimento do usuário de forma que este se reconheça
enquanto sujeito de direitos em uma sociedade excludente, dirimindo a concepção
de filantropia e benesse.
Já a atuação do setor de psicologia diante desse quadro de violência é
fundamental na (re) construção do ser que sofreu a ação delituosa. A violência é
uma forma de dilaceramento do ser, que modifica sua subjetivação, considerando
subjetivação, “o modo como o sujeito se reconhece, percebe o mundo e propõe
relação com esse mundo” (SANTOS apud PEIXOTO Jr. 2001).
37
Nesse sentido, “(...) a sociedade, no seu transcurso cultural, não é a única
responsável pela aliança entre os sujeitos desapropriados de direitos e a violência,
já que se cairia no equívoco conceitual do determinismo social, é, na verdade, o
lastro fundador dessa relação” (SANTOS, 2009).
Como já foi citada, a falta de informação, a desestruturação familiar, a
inacessibilidade aos direitos sociais, também são fatores que contribuem para o
agravamento dos índices de violência. Nessa direção, parafraseando Fernando
Pessoa que diz: “sou o intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me
fizeram” reforça a concepção de que os fatores externos influenciam a subjetivação
do indivíduo, ou seja, é necessário fazermos uma leitura conjuntural associada a
nossa ação sobre o mundo, que também é influenciada pela ação do outro.
Nessa direção, o papel da psicologia nesse processo é de fundamental
importância, visto ser o profissional capacitado para lidar com frustrações,
características de sua personalidade e com a capacidade de trabalhar com o evento
traumático. O desafio é ainda maior ao pensarmos que o profissional da psicologia
tem que ir além dos fatos descritos e relatados, precisando enxergar o que estar
velado, o que estar por traz dos sinais.
Como forma de superação dos efeitos devastadores da vitimização, a
psicologia em consonância com as outras áreas, buscará contribuir com a vítima no
desenvolvimento de estratégias de (re) adaptação. Essas estratégias se constituem
o que chamamos de resiliência, “uma expressão importada do campo da física, que
serve para designar a capacidade de um corpo submetido à pressão voltar à sua
forma inicial” (TRINDADE, 2007, p.160). Para a psicologia, especificamente na
abordagem jurídica, consistiria em auxiliar o sujeito, após o crime sofrido, “a retornar
ás suas condições iniciais, voltando aos níveis de adaptação emocional anterior,
com o menor sofrimento e no menor espaço de tempo possível” (Idem, p.160).
Diante desta realidade, percebe-se que a atuação do psicólogo se dá no
sentido de favorecer a população a reestruturação de sua saúde mental, articulando
com outros profissionais a garantia de direitos.
Percebe-se ainda, que a atuação do psicólogo nos Centros de Apoio se dá
de forma ainda limitada. É necessária que a categoria profissional se debruce em
ações que estejam além da intervenção psicoterápica e trabalhe em parceria com os
38
outros saberes para superação da condição de vítima, criando mecanismos que
superem a psicologização individualizante e atuem também no fortalecimento da
rede solidária de proteção e assistência. Com uma intervenção efetiva, o “sujeito
pode redimensionar-se como sujeito, buscando um novo lugar de fala e de
reconhecimento que esteja mais distante possível da dor, mas nunca
completamente livre dela” (Santos, 2009). Esse é um dos maiores desafios.
Além dos princípios e deveres materializados pelo Código de Ética do
Advogado, bem como em seu Estatuto e Regulamento da profissão, o profissional
do direito que atua na área de Direitos Humanos, especificamente com vítimas de
crime, deve seguir alguns princípios básicos: interação com outras disciplinas
(interdisciplinaridade), sigilo das informações, superar o individualismo característico
da formação profissional, busca incessante de justiça, interação dentre outros.
A atuação do setor jurídico é feita na perspectiva de orientar às vítimas
sobre os procedimentos legais, acompanhando-a aos espaços que se fazem
necessários até a extinção do processo criminal. É nesse setor que muitas das
vítimas atendidas depositam suas esperanças na superação da violência sofrida, ou
seja, muitos usuários do serviço acreditam que acessando a justiça eles de alguma
forma superarão a condição de vítimas, acreditando que seus direitos sejam
garantidos, seus danos reparados para que a rotina de suas vidas se restabeleça.
Os advogados do CAV atuam em ações privadas, ou seja, aquelas que
dependem da vontade da vítima, e nas ações públicas, que independe da denúncia
por parte da vítima ou de seu familiar, onde o Ministério Público é o detentor da
ação, tendo os advogados do CAV, nestes casos, eles atuam na função de
assistentes da Promotoria. Essas ações favorecem a vítima, pois esta passa a ser
informada sobre o andamento processual, deixando de ser mero objeto da ação
delituosa, passando a ser sujeito de direitos, participando ativamente do processo.
Além do acompanhamento processual, o advogado tem uma rotina junto à
equipe multidisciplinar, incluindo aí a produção de relatórios interdisciplinares,
análise de casos e entrevistas. Essa interação proporcionará a discussão ampliada
dos casos, sob o ângulo jurídico, a sistematização da prática visando o
aperfeiçoamento do programa e o alargamento das discussões de casos. Outro
39
papel designada ao advogado refere-se a articulação com autoridades dos sistema
de justiça e segurança pública.
E para alcançarmos maiores resultados urge a necessidade de sairmos do
isolamento de nossa ação e partirmos para o enfrentamento que ultrapasse o senso
comum de que violência é caso de polícia. As políticas de segurança, assistência e
proteção são, portanto, questões centrais no enfrentamento da violência, sendo
imprescindível o avanço das políticas de prevenção de forma a garantir as condições
favoráveis à autonomia pessoal e coletiva que precisam ser assumidas e acolhidas
em programas de assistência às vítimas como o CAV crime.
Para esse alcance, é necessário compreender a conjuntura atual, bem como
a formação das políticas públicas no cenário brasileiro, como já explanado
anteriormente. A formação das políticas públicas tem em sua origem um caráter
assistencial e excludente e a formalização dos centros de apoio encontra seu
fundamento imerso nesse contexto, dificultando ainda mais a transformação desses
projetos em políticas públicas, o que certamente teria algum impacto sobre os
índices de violência registrados em nosso país.
1.2.4. Breve Caracterização dos Usuários Atendidos pelo Centro de Apoio às Vítimas de Crime de Alagoas
Na perspectiva de caracterizar o perfil dos usuários atendidos pelo centro de
apoio às vítimas de crime, priorizamos realização de um levantamento de dados no
livro de registro deste Centro, órgão de referência na assistência às vítimas no
Estado de Alagoas, referente aos anos de 2007 e 2008.
O interesse pela temática surgiu inicialmente a partir dos estudos
desenvolvidos no decorrer da pós-graduação em direitos humanos, diante da
inexistência de tratamento estatístico verificando empiricamente os casos de vítimas
de crime que lá chegavam, bem como pela prática desenvolvida enquanto assistente
social do CAV crime e posteriormente desenvolvendo na função de coordenação
deste projeto.
40
Para definição dos instrumentos de investigação, bem como da abrangência
da própria coleta de dados, desenvolvemos estudos bibliográficos referentes ao
tema, a partir da concepção de direitos humanos, do estudo da vitimologia, políticas
públicas e de diversas outras produções. Realizamos também um levantamento das
condições de coleta de dados através do estudo específico no livro de registro do
CAV, para definição das categorias empíricas.
Após esse processo, iniciamos o levantamento, que foi realizada no período
de setembro a outubro de 2009. No processo metodológico da investigação,
contemplamos as seguintes categorias: sexo, idade, agressor e tipo de crime.
Em termos gerais os dados apontam para um total de 117 casos registrados
de janeiro de 2007 a dezembro de 2008.
No universo analisado, referentes ao sexo verifica-se um quantitativo de 101
casos do sexo feminino e 16 casos do sexo masculino, perfazendo um total de 117
casos. Essa disparidade de números de casos atendidos referente ao sexo, se dá
devido ao grande número de casos referente a violência doméstica, demanda esta,
que era o “carro chefe” do nosso atendimento. Ressalta-se ainda, que mesmo
quando o homem é vítima de crime ele é acompanhado por alguém do sexo
feminino (seja mãe, esposa, amiga...) na procura por assistência.
41
Fonte: livro de registro do CAV Crime referente aos anos de 2007 e 2008. Maceió, 2009.
Referente à distribuição de casos registrados no CAV crime por faixa etária
verificou-se a partir dos dados coletados que a maior incidência é de jovens vítimas
de crime na faixa etária de 18 a 28 anos, com 33 casos registrados, seguido da faixa
etária de 29 a 35 anos, com um total de 20 casos. Chamamos a atenção ainda para
os crimes cometidos contra crianças e adolescentes perfazendo um total de 36
casos registrados.
Fonte: livro de registro do CAV Crime referente aos anos de 2007 e 2008. Maceió, 2009.
42
De acordo com os dados coletados no livro de registro do CAV Crime,
quanto ao tipo de crime, verificou-se que em sua maioria foram do tipo penal
caracterizado como lesão corporal e ameaça, perfazendo um total de 40 casos cada
crime. Na sequencia, observam-se os crimes sexuais de atentado violento ao pudor
(como era antes caracterizado) e estupro com um total de 27 e 19 casos
respectivamente.
Fonte: livro de registro do CAV Crime referente aos anos de 2007 e 2008. Maceió, 2009.
Na categoria referente ao autor do fato delituoso, agressor, verifica-se que
em sua maioria recai sobre o companheiro ou namorado, com um total de 29 casos,
justificando aí, o índice de mulheres vítimas da violência doméstica, como citamos
acima, seguido da de ex-companheiro ou ex-namorado, com 21 casos registrados.
Destacamos ainda neste gráfico o elevado índice de casos tendo como agressor o
pai ou familiar, reforçando a violência intrafamiliar nesse contexto, com 11 e 13
casos respectivamente.
43
Fonte: livro de registro do CAV Crime referente aos anos de 2007 e 2008. Maceió, 2009.
Em seu conjunto, os resultados expressos nos dados empíricos revelam
significativa amplitude da problemática da violência em nossa cidade, podendo,
nesse sentido servirem como referência ao próprio centro de apoio e demais órgãos
articulados, para definição de ações específicas através de projetos que contemplem
as principais demandas da realidade apresentada.
Essa indicação, se por um lado reitera a importância do levantamento
realizado ao apresentar um conhecimento da situação das vítimas de crime que são
atendidas pelo CAV, por outro repõe a necessidade de realização de uma pesquisa
mais ampla e sistematização periódica dessa realidade em âmbito local e nacional,
que, a nosso ver, se realizaria de maneira eficaz através da implementação de um
sistema único de informação entre os CEAV’s. Isso reforçaria a atuação destes
Centros para juntos, buscarem uma unificação, respeitando os contextos locais, e
seu fortalecimento enquanto política pública.
44
CAPÍTULO II – NA BUSCA DE COMPREENDER O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA
2.1- O Fenômeno da Violência: bases para sua compreensão
A cada ano, a violência ceifa a vida de milhares de pessoas em todo o
mundo além de prejudicar a vida de muitas outras, exacerbando o sentimento de
medo e a insegurança entre as pessoas. Ultrapassa fronteiras geográficas, raça,
idade, nível de escolaridade ou renda.
A falta de informação, a desestruturação familiar, a inacessibilidade aos
direitos sociais, também são fatores que contribuem para o agravamento dos índices
de violência. Esses fatores estão atrelados principalmente a política de ajuste
neoliberal, condicionada aos países da America Latina e consequentemente ao
Brasil.
De acordo com Cavalcanti (2007, p. 26), “do ponto de vista pragmático
podemos afirmar que a violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes,
nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou afetam sua integridade
física, moral, mental ou espiritual”.
A violência é também entendida, de acordo com a Organização Mundial de
Saúde (2002) como:
Uso intencional de força física ou de poder, na forma real ou de ameaça, contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulta, ou tem grandes chances de resultar em ferimentos, morte, danos psicológicos, subdesenvolvimento ou privação.
Considerada como um dos maiores problemas sociais enfrentados hoje pela
sociedade brasileira, a violência vem se constituindo nos tempos atuais como tema
relevante e de grande preocupação de estudiosos, órgãos e autoridades envolvidas
com a efetivação de direitos, bem como com a sua contenção e/ou
responsabilização. Envolve questões relacionadas à desigualdade social, e é
também resultado do processo político e sócio-econômico que vivenciamos ao longo
do tempo.
45
Com a constitucionalização dos Direitos Humanos, no século XIX, a
violência passou a ter maior representação na sociedade como desafio a ser
enfrentado. Ela ocorre em vários contextos, tanto na esfera pública quanto em
âmbito privado. A Organização Mundial de Saúde – OMS classifica a violência em
três modalidades: violência interpessoal, violência contra si mesmo e violência
coletiva.
A violência interpessoal pode ser física ou psicológica, em espaços públicos
ou privados, tendo como modalidades a violência entre jovens, violência doméstica,
violência contra crianças e adolescentes e a violência sexual.
A violência coletiva é os conflitos violentos entre nações e grupos,
terrorismos de estado ou de grupos, estupro como arma de guerra, guerras de
gangues.
Podemos incluir ainda nessa classificação a violência social que ocorre
devido às desigualdades sócio-econômicas e a violência urbana que ocorre nas
cidades,seja por crimes eventuais, sejam em razão do crime organizado.
A violência é expressa em distintos campos de atuação, englobando
diversas contingências relacionadas tanto com a falta de políticas públicas, como as
situações econômicas e sociais de pauperização e exclusão.
Segundo a análise de Maria do Rosário (2000 apud COSTA, 2001, p. 30)
a violência se verifica num quadro de exclusão econômica e social, demarcado pela baixa condição de vida material e privações imposta pelo desemprego e a concentração de renda, até os sentimentos e imposições culturais na relação entre as pessoas, nas quais seres humanos são condenados à vida em sacrifício e humilhação.
1
Assim, enquanto fenômeno humano, a violência é percebida a partir de um
quadro histórico-cultural, que a depender do grupo analisado, atitudes e ações
podem ser considerados violentas em determinadas culturas e percebidas de forma
diferente em outras. Como consequência a violência é multifacetada e heterogênea
de acordo com a estrutura simbólica a qual se insere.
1 Costa, Thaisa e HOLANDA, Rosifrance. A questão das violações dos direitos de crianças e
adolescentes no município de Maceió. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Alagoas. Maceió, 2001.p. 30.
46
As mais distintas manifestações da violência afeta a saúde, ameaça a vida,
produz enfermidade, consequências psicológicas, podendo chegar a ápice, que é a
morte. Dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, no relatório publicado em
2002, apresentam dados afirmando que todos os anos cerca de 1,6 milhões de
pessoas morrem vítimas de alguma forma de violência.
Especificamente no Brasil, desde o período colonial, a violência é praticada
de diversas formas. Os índios, as primeiras vítimas desse processo, foram
escravizados ou exterminados pelos portugueses. Posteriormente a população
negra, onde muitos negros foram mortos, traficados ou transformados em escravos.
No século XX o mundo ficou marcado pela violência cruel das duas grandes guerras
mundiais.
Já no século XXI, tinha-se uma expectativa de uma sociedade mais
evoluída, mais harmônica, mas infelizmente o que se registra hoje, divulgado
cotidianamente pelos meios de comunicação, são denúncias do aumento alarmante
de várias formas de violência, quer seja pelos crimes praticados, quer seja pelas
guerras que vitimizam milhões de pessoas no mundo. Essa é a modalidade mais
aparente da violência. Sobretudo, a face mais visível da violência ainda é pouco
reconhecida. É o desemprego, a exploração sexual infanto-juvenil, o preconceito, a
prática de violência doméstica, entre tantas outras, tão marcantes no senso comum.
Somos testemunhas de diversas formas de violência: violência urbana,
violência contra negros, índios, mulheres, idosos, violência social devido aos
alarmantes índices de desigualdade social e pobreza, violência doméstica, entre
outras. Nessa direção, não podemos considerar essa realidade com uma única
explicação. Associa-se à lógica da pobreza e da desigualdade sócio-econômica,
contudo não justificando o alto índice de violência. Compreender o fenômeno da
violência criminal no Brasil exige analisar vários aspectos da exclusão social. De
acordo com Cavalcante (2007, p. 33)
os excluídos não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente. Não apenas do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas morais e espirituais. Seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão cultural. Se a pobreza compreende um aspecto da exclusão – a exclusão econômica -, é preciso reconhecer que existem outras formas contemporâneas de privação: a exclusão social (idosos, deficientes, doentes crônicos), a exclusão cultural (xenofobia e o racismo), a exclusão patológica (rupturas familiares e distúrbios psicológicos e mentais) e a exclusão motivada por comportamentos autodestrutivos (tais como o consumo de drogas).
47
Nossa sociedade é profundamente excludente. Presenciamos diariamente
os cidadãos sem acesso aos bens essenciais ao seu desenvolvimento, marcado por
1/3 de nossa população vivendo em condição de miséria.
Outra demanda da violência criminal encontra-se também associada à falta
de organização das instituições responsáveis pela dita ordem pública, bem como à
violência praticada pelas instituições, como no caso da violência praticada pela
instituição polícia. Outro problema associado ao crescimento da violência é a certeza
da impunidade que está imbuída na sociedade brasileira.
2.2. A Violência em Alagoas
Especificamente em Alagoas, o problema da criminalidade envolve ainda
outras peculiaridades relacionadas à economia local e a formação de sua sociedade.
Entre tantos outros, um dos maiores desafios a ser enfrentado por nosso
Estado é o de superar a disparidade entre o potencial do Estado nos diversos
setores produtivos e o baixo crescimento sócio-econômico, registrado ao longo dos
anos, acirrando as desigualdades sociais e conseqüentemente a violência. A
economia alagoana é resultado da combinação da sua pobreza com os frágeis
indicadores sociais. Segundo o IPEA, 62% da população é considerada pobre e
metade de seus habitantes é beneficiário do Programa Bolsa Família. Na região
Nordeste, Alagoas apresentava, em 2004, a 3ª menor renda per capita. Uma renda
que representa apenas 40% da média nacional, sendo também 20% menor que a
média do nordeste. Somos campeões na taxa de mortalidade infantil assim como na
taxa de analfabetismo da população acima de quinze anos.
Em julho de 2009 foi divulgado pela Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República, UNICEF e Observatório de Favelas um
relatório apresentando dados sobre os Índices de Homicídio na Adolescência. O
relatório revela que mais de 33 mil adolescentes serão assassinados até 2012 no
Brasil e entre as capitais brasileiras, Maceió (AL) e Recife (PE) apresentam os piores
números, com 6 mortes para cada mil adolescentes cada. De acordo com o estudo,
de cada mil adolescentes que completam 12 anos no Brasil, 2,03 são mortos por
48
homicídio antes de completar 19 anos. Foram analisados dados de 2006 de 267
municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.
A concentração de renda em Alagoas sempre foi apontada como a causa
dos problemas econômicos e sociais do Estado, mas ao longo da história, nada foi
feito para mudar esta realidade. Devemos considerar que esta dinâmica de
concentração do capital nas mãos de poucos, influenciou desde cedo à organização
social e político-administrativa do Estado.
Golbery Lessa (texto não publicado) destaca a correlação entre o crime
organizado em nosso Estado e a predominância das oligarquias. Ele enfatiza:
Em Alagoas, o crime organizado não é independente dessa estrutura antidemocrática. Em um ambiente social marcado pelo poder dos coronéis, não surpreende que se desenvolvam grupos armados que misturam os crimes comuns com as suas intervenções, abertas ou veladas, no jogo político. A própria forma adquirida pelo poder político em Alagoas torna esses grupos armados uma necessidade estrutural da classe dominante, bem como torna estrutural a conivência dessa classe com suas várias dimensões.
O respeito aos Direitos Humanos, especialmente o direito a vida, encontra-
se fragilizado pela banalização da violência. As violações à dignidade do ser
humano crescem em número e se tornam cada vez mais cotidianas, passando a ser
consideradas normais.
Paralelamente ao aumento da violência, cresce também, a cultura do medo,
o temor da população em denunciar a violência sofrida, tanto pela falta de segurança
proporcionada pelo Estado, como pela morosidade com que os casos são
resolvidos, quando são.
A população desacredita na justiça resultando na impunidade, um dos
maiores estímulos para o aumento da criminalidade e, sobretudo fortalece os que as
representações sociais costumam propagar sobre os direitos humanos: “DH são
privilégios para os bandidos”, ou ainda, “bandido bom, é bandido morto”. Essa
afirmação, fortalecida pela imprensa sensacionalista, sem nenhum respaldo teórico-
científico sobre o que sejam direitos humanos, incorpora ao senso comum a idéia de
que esse ramo do direito protege somente os agressores.
Segundo Oliveira, (2000, p.241 apud PEDROSA, 2008), essa estigmatização
dos Direitos Humanos, “começou no instante em que os militantes de Direitos
Humanos, a partir do momento em que já não havia prisioneiros políticos a defender,
49
voltaram sua atenção para os presos comuns, tradicionalmente tratados com
absoluto desprezo nos seus direitos mais elementares”, surgindo uma verdadeira
luta em prol dos agressores, que apesar de legítima, se transformou em fanatismo
para alguns.
Do outro lado está à vítima, sujeito que sofreu a ação delituosa, permeada
pelo silêncio e medo, sempre foi relegada a segundo plano, impedida de acessar
seus direitos sociais, o que fortalece a impunidade.
Faz-se necessário também a percepção de que por traz de um ato violento,
existem fatores que contribuem para sua ocorrência: autor do fato, conflito, intenção,
catalisadores como álcool e armas de fogo e os aspectos culturais e estruturais.
Considerando a violência como complexa e multifacetada é necessário entender a
dinâmica local da violência, ou seja, faz-se a elaboração de um diagnóstico local e
preciso pra melhor intervir na realidade, bem como a articulação com diversos
órgãos e atores, buscando a integração dessas estratégias
Nessa direção, reconhecendo a violência como um fenômeno multifacetado,
tornam-se imperioso o atendimento às vítimas em virtude do contexto violento que
se gestam as relações sociais, visto que a violência e a criminalidade são produto de
distintos fatores que estão imbricados na tessitura social, sem um determinante
único.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho, tendo como foco central a questão da política de assistência
às vítimas, buscou analisar as dimensões em que esta se insere a partir de
concepções teóricas a luz dos Direitos Humanos.
Na configuração desse estudo demos ênfase aos Direitos Humanos, que
numa visão mais contemporânea, destacamos a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pela ONU em 1948, como documento que representa um
esforço coletivo de assegurar o respeito aos Direitos Humanos, ao menos pelos 48
países signatários da Declaração, dentre eles o Brasil. Para melhor contextualizar a
assistência às vítimas, abordamos questões fundamentais para compreender o
modelo que se tem dessa assistência diante da formatação que temos de política
pública. Política esta que impossibilita sua ampliação devido a resquícios de
problemas advindos da ausência de revolução burguesa. E como exemplo é que as
políticas públicas no Brasil já nasceram focalizadas. A intencionalidade das políticas
públicas é de compensar as desigualdades geradas pela concentração de renda e
propriedade nas mãos de poucos e inacessibilidade aos recursos fundamentais a
sobrevivência humana.
Nessa direção, a política de assistência às vítimas de crime se insere nesse
contexto. Ela atua prestando assistência às pessoas vitimadas pela violência e que
não tem acesso a assistência jurídica, psicológica e social e que tiveram seus
direitos violados. A assistência às vítimas tem embasamento na vitimologia, que
atualmente está direcionado para estimular a criação de programas de assistência
às vítimas de crime, mudanças na legislação que a valorize na justiça criminal, além
da busca de meios que viabilizem a devida reparação do dano sofrido,
ultrapassando assim as discussões de suas origens, superando a preocupação com
seu comportamento e sua classificação.
Nesse sentido temos a criação dos centros de atendimento às vítimas de
crime que se constitui num espaço de cidadania que oferece serviços que
assegurem o exercício de direitos das vítimas e familiares de vítimas de crimes,
constituindo-se em instrumentos eficazes no combate e prevenção da violência e da
impunidade e na promoção da cidadania.
51
Seus fundamentos estão embasados no artigo 245 da Constituição Federal,
que obriga o Estado Brasileiro a dar uma atenção especial às pessoas vítimas de
crimes e seus herdeiros e dependentes; no compromisso constante no Programa
Nacional de Direitos Humanos, no Capítulo que trata da “Garantia do Direito à Vida”,
de “Apoiar a criação e o funcionamento de centros de apoio a vítimas de crimes nas
áreas com maiores índices de violência, com vistas a disponibilizar assistência
social, jurídica e psicológica às vítimas de violência e seus familiares e
dependentes”; na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça em favor das
Vítimas de Crimes e Abuso do Poder das Nações Unidas; no decreto nº 4.671 de
10/04/2003, Seção I, Art. 5º, que confere à Subsecretaria de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos a competência de: “apoiar, monitorar e supervisionar a
implementação dos programas estaduais de proteção a vítimas e testemunhas e dos
centros de atendimento a vítimas de crimes”.
O grande desafio institucional enfrentado pelos Centros de Apoio,
especificamente o de Alagoas, tem sido no âmbito das políticas, em sua dimensão
prática, ou seja, a formulação de uma proposta de política pública que contribua com
a real diminuição ou controle dos índices de criminalidade.
A desatenção com este segmento social, ou seja, as vítimas de crime têm
trazido prejuízos para a sociedade, acarretando ações pontuais e desqualificadas.
Por conseguinte, há falta de planos e programas do Governo Estadual onde a
herança do pensamento desarticulador entre os atores envolvidos deixa de produzir
resultados que apontem para o real e verdadeiro significado da esfera pública.
Assim, por ser o Estado responsável pelo bem estar social, é
consequentemente responsável pelo aumento da criminalidade, deve este, no
mínimo, oferecer a assistência devida àqueles que são vitimizados, e isto implicaria
a regulamentação do art. 245 da Constituição Federal de 1988, que fundamenta a
criação destes Centros.
A nosso ver, enquanto estes Centros de Apoio estiverem este formato de
projetos e, portanto, sem garantias de continuidade, não construiremos indicadores
capazes de realizar mudanças significativas e coletivas no que se refere à
assistência às vítimas de violência.
É preciso, portanto, que este avance enquanto política pública capaz de
colaborar através de programas e recursos para apoiar as ações de enfrentamento à
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violência. Entendemos que as políticas de proteção, assistência e segurança são
essenciais num marco para a visibilidade da violência como uma solução possível. E
que apesar do trabalho pontual, o CAV crime é referencia no atendimento às vítimas
de crime, e isso tem uma relevância fundamental na vida das pessoas atendidas,
independente de transformar o coletivo ou não. Acreditamos que por contribuir na
transformação de uma vida já estamos cumprindo nosso papel social e moral.
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