59
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS FACULDADE DE PSICOLOGIA CURSO DE PSICOLOGIA O PAPEL DO PSICÓLOGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO MARIA CECÍLIA AFFONSECA PETRÓPOLIS 2006

universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS FACULDADE DE PSICOLOGIA

CURSO DE PSICOLOGIA

O PAPEL DO PSICÓLOGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO

PSIQUIÁTRICO

MARIA CECÍLIA AFFONSECA

PETRÓPOLIS

2006

Page 2: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS FACULDADE DE PSICOLOGIA

CURSO DE PSICOLOGIA

O PAPEL DO PSICOLÓGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO

PSIQUIÁTRICO

MARIA CECÍLIA AFFONSECA

Monografia apresentada como requisito para a conclusão da disciplina Monografia em Psicologia II visando à obtenção do grau de Psicólogo no Curso de Psicologia da Universidade Católica de Petrópolis.

Prof.ª Orientadora Ms. Cleia Zanatta Clavery Guarnido Duarte

PETRÓPOLIS

2006

Page 3: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

MARIA CECÍLIA AFFONSECA

O PAPEL DO PSICOLÓGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO

A monografia apresentada como requisito

para a conclusão da disciplina Monografia

em Psicologia II visando à obtenção do grau

de Psicólogo no Curso de Psicologia da

Universidade Católica de Petrópolis foi

considerada

___________________________________

___________________________________

Petrópolis, _____ de _____ de _____

_________________________________________ Prof.ª Ms. Cleia Zanatta Clavery Guarnido Duarte

_________________________________ Prof.ª Ms. Elisameli Paiva Vilhena Leite

_________________________________ Prof.ª Ms. Marília Antunes Dantas

Page 4: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Dedico este trabalho àqueles que contribuíram para que com enorme satisfação eu pudesse concluir minha formação. Em especial a meu pai e meus avós que mesmo não estando mais presentes sei que olham por mim.

Page 5: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me dar saúde e força para chegar até aqui. A minha família que mesmo com todas as dificuldades me apoiou e esteve sempre ao meu lado, principalmente minha mãe que me passou os melhores valores que possuo. Agradeço em especial a uma grande amiga que fiz nesta Universidade, Eloá, com quem muito aprendi. E também ao meu companheiro, Plinio, que me incentivou e apoiou contribuindo para que com mais alegria eu terminasse minha graduação, bem como a todos que mesmo não sabendo contribuíram neste sentido.

Não posso deixar de agradecer a minha orientadora, Cleia Zanatta, que com carinho e dedicação, me passou seus conhecimentos me auxiliando para que a execução deste trabalho se tornasse possível. E também a toda equipe do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, onde fiz minha pesquisa, que abriu suas portas com toda assistência possibilitando a coleta de dados para a realização deste trabalho.

Page 6: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

RESUMO

A presente monografia tem como tema conhecer as condições de funcionamento de uma instituição manicomial hoje no Brasil, bem como analisar o papel desempenhado pelo profissional de psicologia inserido na mesma. Defini-se como problema, refletir sobre o papel do psicólogo no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Selecionou-se três objetivos para direcionar o estudo teórico e empírico: investigar acerca da historia da loucura ao longo dos tempos; conhecer o surgimento e o caminhar das instituições manicomiais e sua legislação; pesquisar em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sobre o papel exercido pelo psicólogo. A motivação para realizar esta pesquisa surgiu a partir de uma visita feita a um hospital de custodia em trabalho anterior. Naquela ocasião observou-se que poderia ser relevante realizar um estudo sobre o tema: o papel do psicólogo num hospital de custodia e tratamento psiquiátrico e disponibilizá-lo aos estudantes de psicologia, visando contribuir com informações sobre mais uma área da psicologia aplicada. A fundamentação teórica apoiou-se num estudo histórico sobre o caminhar da doença mental ao longo dos séculos, pesquisou-se a respeito do surgimento dos manicômios judiciais e da legislação criada para subsidiar tal questão. Fundamentam os estudos Pessoti (1994), Foucault (1999), entre outros, assim como a Lei Federal n. 10.216/2001 que dispõe sobre o funcionamento de hospitais de custodia e tratamento psiquiátrico. A metodologia utilizada foi uma pesquisa de campo de base qualitativa que coletou dados empíricos através das técnicas de observação e entrevista em profundidade. Os dados coletados foram trabalhados através da analise do discurso. Como resultado encontrado na pesquisa de campo, obteve-se uma vasta atuação do psicólogo inserido em um Hospital de Custódia e um profissional ciente do que lhe cabe. Ao menos na instituição visitada pode-se concluir que a aceitação deste papel é boa e este profissional realmente traz para a instituição significativos resultados.

História da Loucura - Manicômio Judiciário - Papel do Psicólogo - Tratamento

Page 7: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 09 2. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA DOENÇA MENTAL .

2.1 Considerações à cerca da loucura............................................................... 11

2.2 O Modelo Mítico-Religioso.......................................................................... 12

2.3 O Modelo Orgânico................................................................................... 15

2.4 O Modelo Psicológico................................................................................... 17

3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO.

3.1 Os Manicômios.............................................................................................

3.2 Da Reforma Psiquiátrica.............................................................................

3.3 Da Legislação................................................................................................

4. O PAPEL DO PSICÓLOGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO: uma pesquisa de campo

4.1 A Inserção do Psicólogo no Sistema Penitenciário...................................

4.2 Visita a um Hospital de Custódia...............................................................

4.2.1 Objetivos da Pesquisa........................................................................

4.2.2 Metodologia Utilizada........................................................................

4.2.3 Os Entrevistados ...............................................................................

4.2.4 As Entrevistas e os Relatos................................................................

19

23

24

30

34

37

38

39

39

Page 8: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

4.3 Categorização...............................................................................................

4.3.1 "Prisão Perpétua"...............................................................................

43.1.1 "As Doenças psiquiátricas"...............................................................

4.3.1.2 "A Casa de Transição".....................................................................

4.3.2 "A Chave da Questão" ......................................................................

4.3.3 "Multiprofissionais"...........................................................................

40

41

42

43

44

46

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................

50

53

APÊNDICE

Page 9: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema estudar o Hospital de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico do ponto de vista histórico, legal, clínico e institucional.

Estuda-se a clínica em hospitais psiquiátricos e em consultórios, mas a formação de

um psicólogo para atuar em hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos nem sempre é

tema tratado em cursos de psicologia. O atendimento ou o conhecimento da realidade do

"interno-detento" nestas instituições exige por parte do psicólogo domínio de

conhecimentos teóricos específicos, bem como de preparação para o exercício de uma

prática de natureza no mínimo dupla: clínica e jurídica. Escolheu-se como problema para

ser investigado de forma concisa, levando em conta a amplitude e complexidade do tema

escolhido, analisar o papel do psicólogo no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

Definiu-se como objetivos realizar um estudo histórico sobre a doença mental,

passando pelo surgimento das instituições manicomiais e posteriormente Hospital de

Custódia e Tratamento Psiquiátrico; analisar as condições de funcionamento dos Hospitais

Psiquiátricos tanto antes quanto após a reforma sofrida pela Lei Federal 10.216/2001,

através de estudos teóricos e empíricos; e apresentar, dados colhidos numa pesquisa de

campo realizada em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no estado do Rio

de Janeiro sobre o papel desempenhado pelo psicólogo junto à equipe interdisciplinar desta

instituição, a partir de relatos da própria equipe de saúde.

A motivação para pesquisar este tema surgiu de uma visita feita, há alguns anos, a um

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico no Estado do Rio de Janeiro onde se pode

Page 10: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

perceber a necessidade de conhecer melhor o papel desempenhado por um psicólogo em

uma instituição deste tipo, dentro de uma abordagem legal, e científica.

Refletir sobre o papel de psicólogo, pareceu-nos uma questão relevante, uma vez que

estas instituições se constituem como jurídicas e de saúde, suscitando portanto o

questionamento sobre o papel e as funções do profissional que nela atua. Seria um

psicólogo clínico, psicólogo jurídico ou psicólogo institucional? Um papel excluiria o

outro? Esta reflexão torna-se válida a partir do momento em que identificado este papel,

melhor se pode visualizar as funções a ele inerentes. Por isso, com base nestes

questionamentos, buscou-se investigar dentro a própria instituição o que diversos

profissionais, bem como o próprio psicólogo tem a dizer a respeito deste trabalho.

Assim, este estudo tem o compromisso de analisar e refletir o papel e a identidade do

psicólogo no sistema prisional, visto que refletir esta realidade é tarefa necessária aos

profissionais de saúde, operadores do Direito e da sociedade de modo geral. Espera-se que

aqueles que motivados pelo desejo de mudança, possam através dos estudos realizados,

encontrar motivação e possíveis contribuições para a construção de novos caminhos a

trilhar a respeito do assunto.

A metodologia utilizada foi de natureza empírica investigando-se a equipe

multidisciplinar de um Hospital de Custódia no Estado do Rio de Janeiro, cuja identidade

se manterá em sigilo, tendo como principal instrumento uma entrevista formulada em três

questões, anexas ao apêndice desta monografia, que busca com base em respostas dadas

pelos profissionais, descrever como funciona o trabalho e atuação dos mesmos, sendo estes,

enfermeiro, psiquiatra, e psicólogo, que exercem aí, suas atividades.

Apresenta também um relatório com fins descritivos sobre a visita a instituição,

mostrando como funciona no dia a dia uma penitenciária de saúde mental no Brasil.

Page 11: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

A visita limitou-se a um Hospital de Custódia devido a custos e curto prazo de tempo

disponível para realização da coleta e análise dos dados, ficando a proposta futura de se

estender a pesquisa a outras instituições com objetivo de realizar estudo comparativo.

Page 12: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

2. A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA DOENÇA MENTAL

2.1. Considerações gerais acerca da loucura

A doença mental de acordo com Sonntag et al (1980), pode ser compreendida a partir

de dois vieses que estão diretamente interligados, a formação sócio - econômica - cultural e

os fatores biológicos e psicológicos do sujeito. Há alguns séculos atrás estes contextos

atuais de análise da patologia psíquica não apresentavam correlação teórica para os estudos

da doença mental, interferindo portanto no tratamento dispensado aos loucos, como eram

chamados. Cabe lembrar que o conceito de loucura, sua compreensão e tratamento é algo

que varia de cultura para cultura, sendo um fenômeno social que deve ser interpretado de

acordo com sua época. Segundo Pessoti (1994), na obra A Loucura e as Épocas, pode-se

dividir a loucura em três modelos históricos: o Mítico-religioso, o Organicista e o

Psicológico.

Estes modelos não fazem nenhum tipo de correlação a teorias psiquiátricas, eles

apenas nos ajudam e nos permitem compreender a variação das visões de diferentes teorias

e olhares acerca da loucura.

Em estudo feito por Cherubini (2006), para Pessoti o modelo Mítico-Religioso reúne

idéias que amparam a influência sobrenatural como causadora da loucura, aparece na

Grécia e em Roma antiga e posteriormente durante a Idade Média associada à idéia de

Demonismo. Já o modelo Organicista inicia-se na Idade Antiga através de Hipocrates, e

persiste até a atualidade, sustentando a causa da loucura como sendo física, orgânica. E por

fim o modelo Psicológico que surge na Antiguidade Clássica com autores da Tragédia

Page 13: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Grega e enfraquece como idéia relevante para explicar a loucura, voltando a ser enfocada

no trabalho de Philipe Pinel, perdurando até a atualidade.

2.2. O Modelo Mítico-Religioso

De acordo com Pessoti (apud Cherubini, 2006), os registros de aparecimento da

loucura, de anormalidades do psiquismo e de seres com diferenças comportamentais, datam

já na Antiga Grécia. É possível constatar isso nos poemas de Homero onde se assinala o

primeiro modelo teórico de loucura.

Os momentos de insensatez só aconteciam, na visão mítico-religiosa, por intervenção

direta e permanente dos deuses, capricho e ciúmes, um castigo de sua ira contra os homens.

A cura só ocorria quando o sujeito deixava de lado sua pretensão de se igualar aos deuses

ou voltava a se adequar ao contexto social do qual tinha se desviado, aceitando seu destino.

A intervenção sobrenatural era o que comandava os desejos e vontades dos loucos, a

autonomia e a vontade curvavam-se diante da entidade mitológica, e para estes doentes não

havia remorso, pois estavam tomados por momentos de insensatez. Não haviam também

responsabilidades pelos atos cometidos, pois eram determinados por forças celestiais

mesmo quando estes eram atos criminosos. O sujeito louco era mantido em liberdade,

podendo vagar pela cidade, entretanto isto não impedia que certas medidas contra eles

fossem tomadas, aos familiares era recomendada a guarda dos loucos para que não viessem

a prejudicar nem aos outros e nem a si mesmo. Já aos tidos como de difícil controle era

previsto o aprisionamento, e aos que haviam cometido crime à contenção era mais severa

podendo até ficar preso por correntes.

Em resumo a loucura nesta época era vista como a irresponsabilidade do doente

diante de seus atos frente ao poder mitológico. Com o tempo e com a transformação da

Page 14: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

visão do poder mitológico exercido sobre o homem, para a visão do poder demoníaco como

justificativa à loucura, a própria doença passou a ser o castigo maior que o indivíduo podia

receber ao ser desaprovado pela própria sociedade a qual pertencia, uma vez não ter

correspondido aos costumes e regras vigentes.

Ainda segundo o autor (apud Cherubini, 2006), já na Idade Média a influência

espiritual como causa da loucura retoma seu posto com a diferença que os comportamentos

distintos dos demais, antes atribuídos aos deuses, são agora atribuídos ao demônio, como

dito acima. No entanto a principal diferença é que não se chama mas esse sujeito de louco,

pois quem diz ou faz coisas estranhas está possuído por uma espécie de demônio, a loucura

passa a ser uma prova de possessão ou de bruxaria.

O demonismo fixa suas raízes na doutrina cristã, o culto aos deuses pagãos é visto

como obra do demônio e tanto os loucos com seus demônios quanto os hereges 'sem seu

deus' passam a ser perseguidos, de forma distintas, pelo cristianismo.

Nesta época dá-se início a "caça as bruxas", e até fenômenos da natureza passam a ter

como possível causa à feitiçaria, esta visão fica bem clara em um dos livros mais

importantes que tratam sobre o assunto, o "Malleus Maleficarum", "O Martelo das

Feiticeiras" de Spreger e Heinrich, de 1484. O livro retrata um dos massacres mais

sangrentos encabeçado pela Igreja Católica na sua luta contra o demonismo, atribuindo

como causa da doença mental demônios e feitiçaria.

É importante citar que na Idade Média, segundo Daniel-Rops (1993), também

chamada de Idade das Trevas, a Igreja Católica dominava o cenário religioso sendo

detentora do poder espiritual impondo como instituição de poder, o controle sobre a

sociedade. A Igreja influenciava o modo de pensar, as formas de comportamento das

pessoas. As convenções sobre a doença mental, sob influencia da Igreja Católica,

Page 15: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

retomaram a concepção mágico-religiosa. Nesta época as convenções eram ditadas pela

igreja, e as relações entre os seres humanos eram ditadas pela lei natural, que era a

diferença do lugar social que só poderia ser superado na vida eterna, havendo só uma forma

de equilibrá-la e garanti-la: para os senhores a caridade, e para os não-senhores e escravos a

submissão. Quem fugia ou tentava fugir a ordem natural da diferença ditada por Deus

através da Igreja Católica, era visto como herege, profano ou louco.

Nesta época a loucura passou a ser alvo de controle e contenção e a inquisição foi

uma destas formas, visando calar os "detentores de saberes espirituais". Assim como

mulheres que tinham conhecimentos de ervas medicinais e com isso exerciam grande

influencia popular, as ditas bruxas. Além destas pessoas morreram também anatomistas,

astrólogos, cantores, músicos e poetas que disseminavam através da arte, criticas sociais,

além dos devassos, pródigos, histéricas e os hereges, de acordo com Daniel-Rops (op. cit).

A Inquisição foi uma maneira da Igreja Católica se manter no poder, visto que no

final da Idade Média e inicio do Renascimento ela vinha perdendo a influência que exercia

devido ao surgimento das religiões protestantes.

De acordo com Cherubini (2006), Pessoti cita que a possessão demoníaca era vista

como algo que atingia ao físico, visto que a alma era reservada a Deus, instalando-se no

cérebro ou também por aproximação, sem estar dentro do corpo da pessoa, vindo a alterar

seu humor, causando alucinações e delírios, doenças que a medicina seria na época, incapaz

de entender e resolver devido ao pouco avanço da mesma e da imposição do pensamento

cristão a respeito do fato.

Ainda segundo o autor (op. cit), essa visão cultural da doença mental da época

dificultava muito o trabalho dos médicos, que "desautorizados" não tinham como investigar

cientificamente o tema, uma vez que para igreja estes problemas eram atribuídos ao

Page 16: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

demônio e abordados através de orações e exorcismo. Neste contexto, as pessoas com

distúrbio mental passam a ter papel importante para igreja, que através do louco, reafirma o

demonismo e através da disseminação do medo, passa a ter grande controle sobre as

pessoas principalmente no que diz respeito à sexualidade, seus instintos e desejos, que eram

tidos como a 'a maior porta de entrada do demônio'. O louco passa a ser o exemplo dessa

possessão e pecado, ser em falta, passando assim a ser temido.

2.3. O Modelo Orgânico.

De acordo com Pessoti (apud Cherubini, 2006), o modelo Organicista da doença

mental é iniciado por Hipócrates pondo fim ao pensamento médico-religioso da época.

Neste modelo Hipócrates propõe um entendimento da loucura como um desatino do

cérebro causado por disfunções hormonais, sua causa seria orgânica, por isso o tratamento

recomendado era no corpo físico. Com isso ele acaba por influenciar pensadores de sua

época bem como Platão, que associado a sua teoria também enxerga a loucura como um

desarranjo dos humores. Por outro lado Aristóteles não concorda com a idéia de atribuir ao

cérebro a fonte da razão, para ele o coração é esta fonte, tanto do racional quanto do

irracional, no entanto sua teoria a cerca da loucura e do comportamento não deixa de ser

orgânica.

Para a autora Pessoti descreve o processo segundo a visão de Hipócrates da seguinte

forma: "A fleuma bloqueia a passagem de ar ao cérebro o que causa desnutrição e o

esfriamento do mesmo, que fica temporariamente desalimentado movimentando-se, isto

acaba por afetar os sentidos e as percepções sensoriais" (Cherubini , 2006, p.54).

Page 17: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

É a partir deste modelo que a doença mental ganha um enfoque médico, na medida

em que o estudo da medicina avança apontando como núcleo da loucura o distúrbio de

alguma estrutura ou função orgânica, sobretudo do cérebro, acabando por afastar as

explicações sobrenaturais, que passam a perder terreno deixando de introduzir um elemento

mágico como causa da mesma.

Após passar por um período de esquecimento na Idade Medieval este modelo alcança

uma aceitação, de forma mais ampla, quando retorna nos séculos XVII e XVIII.

Segundo Michel Foucault (1999), durante este período de esquecimento do modelo

Organicista os segregados da época foram os leprosos, para eles foram construídos

leprosários por toda Europa separando-os da sociedade, estes permaneceram lotados por

séculos, até que, com significativos avanços do estudo sobre a doença e através da própria

exclusão acabou-se por romper os focos de lepra deixando vazios os leprosários.

Com a decadência do Feudalismo cresce a criminalidade aumentando o número de

mendigos, e tanto estes quanto os loucos passam a oferecer perigo a sociedade. Os

criminosos aleijados que haviam escapado da pena de morte passam a perambular pelas

cidades sendo expulsos a paulada e proibidos de retornar. Aos loucos é aplicada à mesma

medida, ficando famosa a época da Nau dos Loucos ou Narrenschiff, embarcações que os

levava para outras cidades com o objetivo de que assim eles não pudessem encontrar o

caminho de volta. Os leprosários no entanto não permanecem vazios por muito tempo pois

a sociedade assim como excluiu a lepra agora tem novamente seus excluídos, são eles os

loucos, mendigos, criminosos e portadores de doenças venéreas, o convívio destes nos

asilos dura cerca de cento e cinqüenta anos.

Este é mais ou menos o cenário que o modelo Organicista encontra quando retorna no

século XVII, movimento contra esta mistura de excluídos surgem até mesmo por parte dos

Page 18: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

criminosos que não concordam em ficar aprisionados com os loucos. Com a criação dos

grandes hospitais e prisões começa a haver uma separação destes internos, as doenças

venéreas passam a receber mais atenção por parte da Medicina sendo direcionadas aos

hospitais, os criminosos vão aos presídios e os loucos podem ser melhores observados em

sua particularidade não se falando ainda em doença mental e sim em seres mais fracos. O

tratamento do insano, no entanto não tem utilidade econômica visto que ele dificilmente

pode vir a produzir riquezas, e por isso passa a não haver pressa quanto a ele. Para o estado

o tratamento dos loucos é um custo alto, por isso a loucura passa a ser tratada em casa pelas

famílias que tem condições financeiras, e para as que não possuem recursos é oferecido

"cuidados" de forma gratuita nos asilos. Segundo Foucault (1999), quando a loucura passa

a ser coisa privada vem à necessidade de um estatuto público e de um lugar próprio que

garanta a sociedade sua segurança. O louco passa então a ter um espaço para ser ele

mesmo, possibilitando a observação de seu comportamento e o registro dos mesmos,

entretanto este contexto só assume um papel mais terapêutico com Pinel e Tuke, e o modelo

Psicológico.

2.4. O Modelo Psicológico.

De acordo com Pessoti (apud Cherubini, 2006), o modelo Psicológico surge no final

do século XVIII através de Philipe Pinel, no entanto já havia se pensado desta forma na

tragédia grega por autores trágicos como Eurípedes, onde seus personagens apresentavam

quadros clínicos estudados pela psiquiatria atual. Neste modelo apontava-se a natureza

animal e o instinto sobre o comportamento e a vontade do homem. Nesta época faz-se

Page 19: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

menções sobre imposição e permissão dos deuses, porém a explicação encontra-se mais

focada nos conflitos e impulsos do homem provocados por sua própria natureza. Nas obras

de Eurípides a loucura se "psicologiza", e tanto a sua etiologia quanto os quadros clínicos

são atribuídos às conseqüências das emoções na vida dos homens, passa-se a ter uma visão

racionalista das contradições, limitações e fraquezas humanas, modelo este que foi

substituído por outros até sua retomada por Pinel.

Philippe Pinel, a ele cabe dizer que inicia a Psiquiatria como uma especialidade

médica após escrever a obra "Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental",

publicada em 1801. Pinel é tido na época como um revolucionário devido a suas idéias

inovadoras como soltar os alienados dentro dos muros dos hospícios, libertando-os, não dos

asilos mas das correntes.

Para Pessoti (op.cit), Pinel vê as lesões no intelecto como algo que pode provocar a

loucura, segundo ele devem-se observar os comportamentos ditos distintos, a fala e os

gestos alegando que os problemas comportamentais são um reflexo do comprometimento

das faculdades mentais dos pacientes. É através da observação dos traços comuns que se

chega a uma classificação das doenças, um primeiro passo para oferecer um diagnóstico. É

preciso que o louco esteja solto para que possa ser observado seu comportamento natural, o

que não podia ser feito nas condições antes oferecidas de aprisionamento a correntes e

violência, e a partir daí, quando necessário o uso da força, passa-se a utilizar a contenção

por camisa de força.

Ainda de acordo com o autor (apud Cherubini, 2006), Pinel vê a insanidade sempre

como um problema da mente, o tratamento oferecido por ele tem um tom moralista visto

que destaca como causadores da loucura o tipo de educação, o modo de vida, a

religiosidade de forma excessiva e até mesmo o excesso das paixões, a inconstância dos

Page 20: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

hábitos assim como a imoralidade dos mesmos. Diante destas causas morais, para ele

causadoras da loucura, faz-se necessário um tratamento focado na educação e em processos

disciplinares.

Em 28 de agosto de 1793, Pinel é nomeado diretor do Bicêtre, hospital que

inicialmente havia sido construído para abrigar a pobreza, recepcionando agora os loucos.

Para Foucault (1999), a nomeação de Philipe Pinel para diretor do Bicêtre é vista como uma

prova de que a loucura estava passando a ser algo de domínio médico.

Page 21: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E

TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO.

3.1 Os "Manicômios"

Os hoje, Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, percorreram longo

caminho até os dias de hoje incluindo sua nomenclatura. Asile, madhouse, asylum,

hospizio, estas são apenas algumas formas de denominar as instituições que têm como

finalidade a realização de assistência aos denominados "loucos". O nome dado a estas

instituições sofreu ação do tempo e se modificou no caminhar do contexto histórico em que

ela se originou.

De acordo com Golffman (1999), a expressão manicômio teve seu berço no século

XIX, e passou a significar hospital psiquiátrico especializado em realizar atendimento

médico sistemático a pessoas que possuíam qualquer tipo de distúrbio psíquico. Estes locais

passaram a se valer do princípio do isolamento do louco da sociedade.

A exclusão destes doentes mentais do meio social, e sua colocação em locais

específicos criados especialmente para acomodá-los, já é algo feito há séculos, conforme

expõe Michel Foucault (1999), que dizia que o primeiro local destinado a abrigar estas

pessoas foi criado no século VII, no Oriente Médio, mais especificamente na cultura árabe.

Ainda segundo o autor (op. cit), os primeiros manicômios da Europa se deram em

meados do século XV, devido especialmente a invasão árabe ocorrida na Espanha. A

Page 22: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

influência árabe na Europa fez com que surgisse na Itália no mesmo período, novos

hospícios instalados em Florença, Pádua e Bérgamo.

Nos dois séculos que se seguiram após a invasão árabe, houve a proliferação dos

hospícios que passaram a abrigar não só doentes mentais, mas também pessoas que viviam

à margem da sociedade como os leprosos, sifilíticos, aleijados e mendigos, como dito no

capítulo anterior. É por esse motivo que eram considerados lugares de exclusão social da

pobreza e da miséria criadas pelos regimes pautados no absolutismo, sistema adotado na

época.

O surgimento destas instituições foi marcado pela desumanidade dos tratamentos

aplicados a seus internos, considerado na época muito pior do que o realizado nas prisões.

Algumas declarações, como a realizada por Esquirol, em 1818, estudioso de grande

importância sobre o tema dos hospícios do século XIX retratam bem este quadro:

Eles são mais mal tratados que os criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi privados de ar para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à vida. Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância brutal destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz, acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes, que os governos, por luxo e com grandes despesas, mantêm nas capitais.(Esquirol, apud Ugolotti, 1949, p. 83).

Para Foucault (1999), no período marcado pela Revolução Francesa, o hospital

psiquiátrico da cidade de Bicêtre, em Paris, era comparado a uma "casa dos horrores" onde

seus internos, em grande parte portadores de problemas psíquicos, ficavam largados à

própria sorte.

Page 23: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Segundo Cherubini (2006), Pessoti conta que a influência do Iluminismo e dos ideais

pregados pela Revolução Francesa, fez com que Philippe Pinel, médico e um dos primeiros

alienistas (nome dado aos médicos que iniciaram o estudo da Psiquiatria), diretor dos

hospitais de Bicêtre e da Salpêtrière, libertasse seus pacientes das correntes que os

mantinham imobilizados, dando-lhes liberdade de movimentos, considerada por ele

próprio, forma de terapia de grande importância no tratamento dessas pessoas, como visto

no modelo psicológico proposto por Isaias Pessoti (apud Cherubini, 2006), no capítulo

anterior.

Segundo a autora, Pessoti aponta que Pinel separou e classificou as várias espécies de

"desvios" ou "alienações mentais" com a finalidade de estudá-las, tratá-las e curá-las. Foi

desta maneira que teve início o hospital psiquiátrico, ou manicômio, como local destinado a

estudo e tratamento da alienação mental.

Foi a partir do momento que os "loucos" se tornaram área de estudo médico-

científico, que começaram a surgir às discussões a respeito de formas de tratamentos e

teorias sobre a origem dos distúrbios.

De acordo com Goffman (1999), nascem duas correntes bem diferentes. A primeira

defende o tratamento "moral", através de práticas psico-pedagógicas, dando um foco

especial às terapias afetivas. Este "tratamento moral" praticado pelos alienistas tinha com

fundamento o afastamento dos internos das influências da vida social, e de qualquer outra

forma de contato que tivessem condições de modificar o que era considerado o

"desenvolvimento natural" da doença. Sendo assim, pressupunha-se que a alienação poderia

ser estudada de forma otimizada e assim poderia ser alcançada a cura. Já a segunda está

pautada no tratamento físico, acreditando ser a loucura um problema orgânico, resultado de

Page 24: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

uma lesão ou disfunção do cérebro. Para esta corrente, as acomodações dos hospícios, não

tinham funções de grande relevância para o desenvolvimento dos tratamentos.

Na opinião do autor (op. cit), ainda que realizadas mudanças no sistema manicomial,

os tratamentos ainda eram mais torturantes do que uma prática médico-científica, nenhuma

das duas correntes citadas abriam mão de métodos aplicados sobre o corpo de seus internos.

Nestes tratamentos havia a utilização de "choques" como forma de fazer com que

passassem por sensações intensas, com a intenção de libertá-los do estado de alienação.

Eram realizadas de forma comum, sangrias, confinamentos em quartos escuros,

aplicação de banhos gelados, além de objetos construídos para fazer com que os pacientes

rodassem por grandes períodos de tempo para que perdessem a consciência.

Ao longo dos tempos as correntes morais e organicistas se alternaram como forma de

tratamento dos pacientes dentro da ciência médica que dava seus primeiros passos. Com o

tempo, a grande maioria dos indivíduos que chegava a essas instituições nunca mais

retornava ao convívio social.

De acordo com os estudos de Figueiredo (1996), no Brasil, a primeira instituição

deste tipo foi criada em 1852 pelo então imperador D. Pedro II, através do Decreto 82 de

1841 como anexo ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Corte e inaugurado em

1852. De 1841 a 1852, funcionou ali um asilo provisório de alienados. Este se situava no

Rio de Janeiro, e possuía a fama de impedir a alta de seus internos, o que fez com que em

pouco tempo de existência, este hospital se tornasse superlotado. Nos anos seguintes,

hospícios de alienados foram criados em várias províncias brasileiras. Em São Paulo

(1852), Pernambuco (1864), Pará (1873), Bahia (1874), Paraíba (1875), Rio Grande do Sul

(1884), Ceará (1886), etc.

Page 25: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Ainda de acordo com o autor (op.cit), no Brasil, tal qual ocorria no mundo inteiro, os

hospícios cada vez mais se tornavam um lugar de depósito dos excluídos do convívio

social.

Com a evolução das ciências humanas nos últimos séculos a loucura passou a ser

enquadrada numa categoria mais social. A institucionalização, a exclusão do convívio

social, foi perdendo seu significado inicial passando a ter uma função apenas histórica,

tendo em vista a comprovação de que esses métodos não eram considerados adequados,

para aqueles ditos doentes mentais.

3.2. Da Reforma Psiquiátrica.

De acordo com Desviat (1999), a reformulação ocorrida na Psiquiatria, chamada

Reforma Psiquiátrica, é um conjunto de iniciativas políticas, sociais, culturais,

administrativas e jurídicas que visam transformar a relação da sociedade para com o doente,

ela se organiza dentro dos princípios de desinstitucionalização, desospitalização e a garantia

dos direitos de cidadania dos doentes mentais. No último século teve seu auge na

transformação do atual molde assistencial em saúde mental, dando possibilidade de

inclusão a estes doentes novamente à sociedade.

Ainda segundo o autor (op.cit), vale a pena ressaltar que não se pretende eliminar o

tratamento clínico da doença mental, mas apenas eliminar o confinamento como forma de

exclusão social dos portadores de transtornos mentais. Propõe-se que seja substituído o

modelo manicomial, pela criação de uma extensa rede de serviços locais de auxílio

psicológico, dentro das comunidades.

Page 26: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Conforme Saraceno (1999), através deste modelo, seus usuários passam a possuir ao

seu dispor equipes multidisciplinares que realizam o acompanhamento terapêutico.

Adquirem também o título de agentes no próprio tratamento, e conquistam o direito de se

organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários,

promovendo a inserção social de seus membros.

Segundo o autor (op.cit), no Brasil a extinção dos manicômios operou-se de forma

gradual. A primeira lei federal brasileira relativa à assistência psiquiátrica foi promulgada

em 1903; a seguinte, em 1934, e em abril de 2001 foi aprovada uma Lei Federal de Saúde

Mental, que regulamentou o processo de Reforma Psiquiátrica. Esta Lei, nº 10.216 de 6 de

abril de 2001, também conhecida como Lei Paulo Delgado e como Lei da Reforma

Psiquiátrica instituiu um novo modelo de tratamento aos transtornos mentais no Brasil.

Percebe-se então que inicialmente os manicômios não tinham como prática o

cumprimento do papel terapêutico, isto porque tinham como forma de atuação o isolamento

do paciente, método considerado arcáico e anti-ético. A nova visão da loucura gerada neste

século, leva em conta o respeito às singularidades dos indivíduos e, antes de tudo, o seu

estatuto social como cidadão capaz, produtivo e livre.

Deste modo, a "cura da doença mental" não é o único objetivo dos novos serviços de

atenção psicossocial. Pretende-se instaurar uma nova significação da loucura na sociedade,

no sentido de que o louco seja respeitado em seu sofrimento, em sua individualidade e em

sua condição de cidadão.

Se a essência de cada época pode ser observada também por suas leis, pode-se

observar, através delas, as mudanças no estatuto social dos chamados consecutivamente

"alienados", "psicopatas" e "pessoas portadoras de transtornos mentais", no decorrer do

século XX.

Page 27: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

3.3. Da Legislação.

Segundo Peres (maio/agosto, 2002), o Código Penal vigente foi se modificando de

acordo com as necessidades, sofreu uma série de projetos com o objetivo de alterar o até

então vigente e adequá-lo aos avanços da ciência penal que dizia que o código brasileiro

deveria acompanhar os avanços da criminologia. Em 1893, o primeiro projeto de proposta

de reformulação foi entregue pelo então deputado Vieira de Araújo à Câmara dos

Deputados, seguiram-se a ele vários outros: o da Comissão Especial da Câmara, o projeto

Galdino Siqueira (1913), o projeto Sá Pereira (1935) e o projeto Alcântara Machado

(1938). Este foi submetido a uma comissão revisora, cujo trabalho resultou no projeto que

foi convertido em lei, em 1940, na vigência do Estado Novo (Brasil, Decreto-Lei

2.848/40).

A definição de crime volta a ser, pois não o era antes, independente da

imputabilidade do delinqüente, e o doente mental não deixa de ser criminoso em

decorrência de seu estado, o que é definido nos artigos 1 e 26.

Segundo Delmanto (1986), o Código Penal Brasileiro em vigor prevê em seu artigo

26 a questão da inimputabilidade.

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Natureza - A inimputabilidade é uma das causas de exclusão da culpabilidade. O crime persiste, mas não se aplica pena, por ausência de reprovabilidade.

Page 28: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Para Peres (maio/agosto, 2002), as Medidas de Segurança surgem para possibilitar ao

Direito Penal uma atuação frente aos irresponsáveis e "semi-responsáveis", que com base

no código anterior, ficavam fora do olhar das restrições penais. As Medidas de Segurança

vieram corrigir uma falha presente no código de 1890, que isentando de pena os doentes

mentais, não previa para eles nenhuma medida de segurança ou de custódia, deixando-os

completamente a cargo da Assistência a Alienados.

De acordo com Mirabete (1995), a adoção da medida de segurança trouxe consigo a

necessidade de suporte adequado e destinado a sua execução, como no caso do Hospital de

Custódia e Tratamento Psiquiátrico que é ao mesmo tempo um Hospital com todo dever

que o cabe, e um presídio.

A medida de segurança é uma espécie de pena imposta aos inimputáveis, ou seja,

aquele que por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, no

momento da ação era inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito de seu ato.

Após a perícia, no caso do paciente ser considerado inimputável sob o artigo 26 do Código

Penal, o Juízo de primeira instância absolve o paciente da responsabilidade penal, aplicando

a Medida de Segurança com a internação por um prazo de um a três anos, que só poderá ser

cumprida em hospital que apresente a dupla função de Custódia e Tratamento conforme

determinado no artigo 96 do mesmo código.

Do Hospital de Custódia e tratamento Psiquiátrico

Art. 96. As medidas de segurança são:

I — Internação em hospital de custódia e tratamento ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.

Page 29: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

II — Sujeição a tratamento ambulatorial. Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará a sua internação. Se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. §1. A internação, ou o tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo fixado deverá ser de um a três anos. §2. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. §3. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de sua periculosidade. §4. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

Estudos realizados por Peres (maio/agosto, 2002), apresentam a evolução da

concepção de doença mental incorporada pela Legislação brasileira ao longo dos tempos.

Decreto 1.132/1903: Reorganiza a assistência a alienados

Decreto 24.559/1934: Dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e proteção à

pessoa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos e dá

outras providências.

Projeto 3.657/1989: Dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua

substituição por outros recursos assistências e regulamenta e internação

psiquiátrica compulsória.

Lei 10.216/2001: Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de

transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Ainda segundo a autora (op.cit), o Decreto 1.132/1903, que "Reorganiza a assistência

a alienados", foi promulgado quando Rodrigues Alves era presidente da República. Seu

relator foi o deputado João Carlos Teixeira Brandão, primeiro professor titular de

Page 30: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que antes de ser deputado foi o

diretor do Hospício Nacional. Esta Lei foi declaradamente inspirada na Lei francesa de

1838, de Esquirol, e objetivava unificar a política assistencial no país e estimular a

construção de hospitais estaduais especializados. O modelo assistencial proposto era

hospitalocêntrico e centralizado. Ainda, proibia expressamente a manutenção de alienados

em prisões, enfatizando a sua necessidade de tratamento médico.

O Decreto 24.559/1934, que "dispõe sobre a profilaxia mental, a assistência e a

proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos...",

entrou em vigor no governo provisório de Getúlio Vargas.

O Projeto de Lei 3.657/89, que antecedeu a Lei 10.216/2001, continha a percepção

sobre as necessidades urgentes de reformar a assistência psiquiátrica e de lutar pela garantia

dos direitos de cidadania dos doentes mentais. Ele desencadeou os debates e embates entre

representantes de entidades corporativas de profissionais de saúde, de associações civis, de

usuários e familiares e de grupos políticos, que se consagrou na Lei Federal 10.216/2001.

A Lei 10.216/2001, que "Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras

de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental", tem 13

artigos, sendo que a proteção dos direitos dos doentes mentais está disposta nos artigos 1º,

2º, 3º e 11º. Os artigos 4° e 5° definem os objetivos do tratamento em regime de internação

hospitalar, e a regulamentação das internações voluntárias e involuntárias está descrita nos

artigos 6º a 10º.

A Lei determina que o tratamento oferecido deve ser integral, oferecido por equipe

multidisciplinares e que a internação hospitalar deve ser indicada somente quando os

recursos extra-hospitalares forem insuficientes.

Page 31: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Em resumo, a Lei vigente trata da garantia dos direitos básicos do doente mental,

inclusive o de ter acesso aos melhores recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis,

numa rede de serviços diversificada; aponta a necessidade de políticas específicas de

desospitalização e reconhece a internação hospitalar como mais um dos recursos

terapêuticos válidos, desde que de boa qualidade.

Segundo Greco (2004), muitas vezes o regime de internação piora a situação do

doente, o que justifica a edição do novo diploma legal que proíbe a construção de novos

manicômios públicos.

De acordo com o texto informativo obtido na instituição visitada, o Hospital de

Custódia e Tratamento Psiquiátrico é um órgão público da administração direta, pertencente

à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), e no caso da instituição

visitada que será abordada de maneira mais completa no próximo capítulo, esta pertence ao

Governo do Estado do Rio de Janeiro, e todas estão subordinadas a Subsecretaria Adjunta

de Tratamento Penitenciário e a Superintendência de Saúde.

Destina-se à custódia para cumprimento de medida de segurança por determinação

judicial, para observação e tratamento de pacientes que cometeram delitos em virtude de

serem portadores de condutas anti-sociais, doenças mentais e/ou desenvolvimento mental

incompleto.

Para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico podem ser encaminhados

também os réus que não foram julgados, mas que no decorrer do processo pode-se perceber

que são portadores de deficiência mental assim como os sentenciados, que são aqueles

presos comuns que durante o cumprimento da pena apresentam algum sintoma de

sofrimento mental, como por exemplo delírio de perseguição, que uma vez controlado ou

Page 32: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

sanado permite a volta do detento ao presídio comum para terminar o cumprimento da

pena.

Estes pacientes são duplamente estigmatizados, pelo delito e pela doença, estando

muitas vezes sujeitos ao hospitalismo, ao abandono familiar e a perda de identidade como

indivíduos com dificuldade para obter apoio da família, principalmente quando o delito

ocorre no âmbito familiar, havendo assim muitos problemas no que diz respeito a

reinserção social.

Page 33: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

4. O PAPEL DO PSICÓLOGO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO

PSIQUIÁTRICO: uma pesquisa exploratória.

4.1 A Inserção do Psicólogo no Sistema Penitenciário

No Brasil, o surgimento da profissão do psicólogo se deu a pouco tempo e ainda

acaba por não ter incentivos suficiente para pesquisa, diferente de outras ciências mais

antigas a que já se investe há tempo. Os espaços oferecidos para atuação do psicólogo nas

suas diversas áreas e nas instituições são muito limitados na grande maioria das vezes, esta

realidade é visível, por exemplo, nos quadros de vagas oferecidas a psicólogos no

concursos públicos.

A Psicologia além disso, pode trazer consigo "inconvenientes", por exemplo é o de se

abster do uso da farmacologia, o que muitas vezes faz com que o paciente acabe optando

pelo médico, que lhe trará “alívios” mais rápidos com o uso de medicações. O segundo e,

interligado ao primeiro, é o caráter de reflexão e questionamentos de valores sociais e

pessoais a que propõe levar o sujeito. Ou seja, a Psicologia implica mudanças.

Isso tem relevância em ser citado para melhor expor o ingresso tardio do profissional

de psicologia, tanto para a sociedade vendo-o como ciência, quanto para o próprio

profissional que não tinha espaço para seu trabalho em um ambiente onde culturalmente

não se pregava, acreditava e via o louco como um sujeito carregado de sofrimento psíquico

e passível de tratamento. Para Paim (1993, p. 182), "O hospital psiquiátrico se tornou uma

instituição condenada justamente porque os pacientes não dispõem de espaço pessoal". O

autor aponta que a primeira degradação sofrida pelo interno é a perda da identidade. Os

Page 34: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

internos são na maioria das vezes desrespeitados pelos médicos, enfermeiros, agentes e

outros profissionais, que não percebem que "ali" encontram-se seres humanos, que estão

sofrendo. Como poderia, a Psicologia atuar neste modelo? A sociedade até então não

demonstrava interesse algum em rever as condições subumanas a que submetiam os

internos, como se eles não fizessem parte também da própria sociedade. Devido a isso se dá

o ingresso tardio da Psicologia no contexto hospitalocêntrico.

Os Hospitais de Custódia visam, hoje, conforme orientação atual do Ministério da

Saúde, assistir aos doentes mentais através de equipes interdisciplinares, educação e

formação profissional que garanta ao interno um futuro espaço no mercado de trabalho. E

também conforme o Ministério da Saúde, é cobrado que os Hospitais de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico, que se ajustem às diretrizes e aos princípios do Sistema Único de

Saúde (SUS).

Segundo publicou o Jornal do CRP-RJ (dez./2005), o trabalho da Psicologia se

regulamentou de fato na área criminal com a criação da Lei de Execução Penal (LEP) em

1984, porém antes da promulgação desta lei os psicólogos desenvolviam suas práticas em

caráter experimental. Nos antigos Manicômios os estudantes de psicologia e psicólogos

faziam atendimentos a internos e a seus familiares, elaboravam pareceres e acompanhavam

a evolução do tratamento dos asilados.

Em 1984, a Lei 7.210, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), estendeu para

as penitenciárias o campo de atuação dos psicólogos, diz a norma conforme o artigo 7°:

A Comissão técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, quando se tratar de um condenado à pena privativa de liberdade. (Código Penal, 2006)

Page 35: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Tendo em vista a regulamentação da prática Psicológica em tais instituições faz-se

indispensável abordarmos as atribuições profissionais do mesmo, determinadas na

resolução 1/2002, pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP, com a intenção de buscar

um melhor embasamento teórico para a pesquisa empírica que se realizará sobre o tema,

buscando delimitar onde se encontra o psicólogo inserido nas instituições manicomias, e

que tipo de papel exerce, o de Psicólogo Clínico, Jurídico, ou ambos?

DEFINIÇÃO DAS ESPECIALIDADES A SEREM CONCEDIDAS PELO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, PARA EFEITO DE CONCESSÃO E REGISTRO DO TÍTULO PROFISSIONAL DE ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA IV - Psicólogo especialista em Psicologia Jurídica Atua no âmbito da Justiça, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência, centrando sua atuação na orientação do dado psicológico repassado não só para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal intervenção, para possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial, além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis: Avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes e adultos em conexão com processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças, aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de psicometria, para determinar a responsabilidade legal por atos criminosos; atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias, para serem anexados aos processos, a fim de realizar atendimento e orientação a crianças, adolescentes, detentos e seus familiares ; orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciário sob o ponto de vista psicológico, usando métodos e técnicas adequados, para estabelecer tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais; realiza atendimento psicológico a indivíduos que buscam a Vara de Família, fazendo diagnósticos e usando terapêuticas próprias, para organizar e resolver questões levantadas; participa de audiência, prestando informações, para esclarecer aspectos técnicos em psicologia a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico; atua em pesquisas e programas sócio-educativos e de prevenção à violência, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender às necessidades de crianças e adolescentes em situação de risco, abandonados ou infratores; elabora petições sempre que solicitar alguma providência ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz durante a execução de perícias, para serem juntadas aos processos; realiza avaliação das características das personalidade, através de triagem psicológica, avaliação de periculosidade e outros exames psicológicos no sistema penitenciário, para os casos de pedidos de benefícios, tais como transferência para

Page 36: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

estabelecimento semi-aberto, livramento condicional e/ou outros semelhantes. Assessora a administração penal na formulação de políticas penais e no treinamento de pessoal para aplicá-las. Realiza pesquisa visando à construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado ao campo do direito. Realiza orientação psicológica a casais antes da entrada nupcial da petição, assim como das audiências de conciliação. Realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que chegam às instituições de direito, visando à preservação de sua saúde mental. Auxilia juizados na avaliação e assistência psicológica de menores e seus familiares, bem como assessorá-los no encaminhamento a terapia psicológicas quando necessário. Presta atendimento e orientação a detentos e seus familiares visando à preservação da saúde. Acompanha detentos em liberdade condicional, na internação em hospital penitenciário, bem como atuar no apoio psicológico à sua família. Desenvolve estudos e pesquisas na área criminal, constituindo ou adaptando o instrumentos de investigação psicológica.

VI - Psicólogo especialista em Psicologia Clínica Atua na área específica da saúde, em diferentes contextos, através de intervenções que visam reduzir o sofrimento do homem, levando em conta a complexidade do humano e sua subjetividade. Estas intervenções tanto podem ocorrer a nível individual , grupal, social ou institucional e implicam em uma variada gama de dispositivos clínicos já consagrados ou a serem desenvolvidos, tanto em perspectiva preventiva, como de diagnóstico ou curativa. Sua atuação busca contribuir para a promoção de mudanças e transformações visando o benefício de sujeitos, grupos, situações, bem como a prevenção de dificuldades. Atua no estudo, diagnóstico e prognóstico em situações de crise, em problemas do desenvolvimento ou em quadros psicopatológicos, utilizando, para tal, procedimentos de diagnóstico psicológico tais como: entrevista, utilização de técnicas de avaliação psicológica e outros. Desenvolve trabalho de orientação, contribuindo para reflexão sobre formas de enfrentamento das questões em jogo. Desenvolve atendimentos terapêuticos, em diversas modalidades, tais como psicoterapia individual, de casal, familiar ou em grupo, psicoterapia lúdica, terapia psicomotora, arteterapia, orientação de pais e outros. Atua junto a equipes multiprofissionais, identificando, compreendendo e atuando sobre fatores emocionais que intervêm na saúde geral do indivíduo, especialmente em unidades básicas de saúde, ambulatórios e hospitais. Atua em contextos hospitalares, na preparação de pacientes para a entrada, permanência e alta hospitalar, inclusive pacientes terminais, participando de decisões com relação à conduta a ser adotada pela equipe, para oferecer maior apoio, equilíbrio e proteção aos pacientes e seus familiares. Participa de instituições específicas de saúde mental, como hospitais-dia, unidades psiquiátricas e outros, podendo intervir em quadros psicopatológicos tanto individual como grupalmente, auxiliando no diagnóstico e no esquema terapêutico proposto em equipe. Atende a gestante, no acompanhamento ao processo de gravidez, parto e puerpério, contribuindo para que a mesma possa integrar suas vivências emocionais e corporais. Atua junto aos indivíduos ou grupos na prevenção, orientação e tratamento de questões relacionadas a fases de desenvolvimento, tais como adolescência, envelhecimento e outros. Participa de programas de atenção primária e centros e postos de saúde na comunidade, organizando grupos específicos na prevenção de doenças ou no

Page 37: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

desenvolvimento de formas de lidar com problemas específicos já instalados, procurando evitar seu agravamento em contribuir ao bem estar psicológico. Acompanha programas de pesquisa, treinamento e desenvolvimento de políticas de saúde mental, participando de sua elaboração, coordenação, implementação e supervisão, para garantir a qualidade da atenção à saúde mental em nível de macro e microsistema.

4.2 Visita ao Hospital de Custódia.

Após a exposição deste breve trajeto histórico acerca da doença mental, do tratamento

dispensado a ela, e de tudo que ela envolve, partiu-se em direção a pesquisa de campo com

a intenção de investigar como funciona, hoje, um hospital de custódia e o trabalho realizado

em tal instituição, com ênfase no papel desempenhado pelo psicólogo. Para que isso fosse

possível realizou-se uma visita a uma instituição manicomial no Estado do Rio de Janeiro,

cuja identidade será mantida em sigilo por normas éticas para procedimentos em pesquisa

de campo.

Para realização da visita foi feito um contato telefônico para agendamento do dia e

horário preferencial à instituição. Esta fase transcorreu de modo tranqüilo, com boa

receptividade por parte do chefe de segurança que tomou as providências institucionais

necessárias.

Foi feita uma visita à instituição no mês de outubro de 2006 e neste dia foi entregue

ao hospital a carta de apresentação da Faculdade de Psicologia da Universidade Católica de

Petrópolis, bem como foi disponibilizado o projeto de pesquisa em desenvolvimento para

conhecimento da Direção do hospital. A instituição apesar de existir desde a década de 70

não é muito conhecida pelos moradores da região, mesmo estando esta localizada em ponto

central da cidade.

Page 38: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

A primeira impressão foi boa, pois a instituição é arborizada, muito limpa e o prédio é

muito bem conservado. A receptividade por parte das pessoas que contribuíram com as

informações para a realização da parte empírica da pesquisa foi muito boa, mostraram-se

interessados, cooperativos e disponíveis a fornecer as informações necessárias para

enriquecer este estudo. Foi possível permanecer na instituição por tempo suficiente para

coleta dos dados que se fizeram necessários.

Na visita foram priorizados alguns pontos que se julgou indispensáveis observar, tais

como:

As condições físicas da instituição;

Funcionamento das equipes de trabalho;

Número de funcionários e os cargos que ocupam;

As políticas de saúde e políticas institucionais;

Por qual órgão é subsidiado a infra-estrutura tanto física quanto de pessoal da

instituição.

O hospital ocupa um área de 6.264 m2, com 4.566 m2 de área construída. Apresenta

as seguintes instalações: prédio de Administração, unidade hospitalar, Casa de Transição,

quadra. Sendo o primeiro onde se encontra a área administrativa e suas respectivas salas.

No prédio principal ficam as salas dos profissionais, a cozinha, e o refeitório, isso no

primeiro andar. No segundo e terceiro andar encontram-se os pavimentos, como são

chamados, onde ficam os internos.

A rotina destes pacientes em alguns aspectos é como em um presídio normal, as 7hs

da manhã abre-se as celas, que possuem cada uma capacidade para seis internos, e todos

são contados. Passam o dia livre nos corredores, vão para as atividades, para o pátio, para a

horta, e às 22hs são novamente contados tendo suas celas trancadas.

Page 39: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Nos pavimentos, alas 1 e 2, encontra-se em cada um, uma sala de enfermagem, sendo

estes profissionais os que mais têm contato com os pacientes. Há também no segundo

pavimento uma sala de T.O. (Terapia Ocupacional) onde se encontra uma mesa de sinuca,

uma mesa de totó, e uma televisão. No primeiro pavimento há também uma cantina, que

tem como “funcionários”, não permanentes os próprios internos, chama-se isso de “trabalho

de geração de renda”.

As celas possuem camas de alvenaria, e cada interno tem suas coisas, uns tem rádio,

outros pequenas televisões, outros ventiladores, objetos trazidos por parentes.

Os pavimentos, assim como o prédio principal em geral, são bem limpos. Cada sala

tem sua identificação na porta: Psicologia; Assistência Social; Terapia Ocupacional;

Psiquiatria.

Os internos desenvolvem nestas salas atividades bem como, confecção de velas

artesanais; pintura e exposição de quadros; confecção de um jornal que já é distribuído

entre outras unidades prisionais e manicomiais, e que têm como função além de

informativos, a correspondência entre membros de diferentes unidades; horta, entre outras

atividades e acompanhamentos.

A instituição possui hoje 133 internos e tem capacidade para 155, sendo todos leitos

conveniados ao SUS. Segundo o psicólogo nunca ouve super lotação.

Os profissionais da instituição trabalham em mini equipes, cada mini equipe é

constituída por um psicólogo, um assistente social, um terapeuta ocupacional e um

psiquiatra e são responsáveis por até 39 pacientes, e por todo o trabalho desenvolvido com

os mesmos. A instituição possui 4 mini equipes que se reúnem semanalmente.

Tabela fornecida pela própria instituição no que diz respeito ao quadro de

profissionais atuantes na instituição:

Page 40: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Servidores Públicos Estaduais Direção 02

Médicos Plantonistas Psiquiátricos 08 Médicos assistentes Psiquiátricos 05

Médicos Clínicos 03 Enfermeiros 07

Auxiliares e técnicos de enfermagem 34 Psicólogos 05

Assistentes Sociais 04 Terapeutas Ocupacionais 06

Farmaceuticos 02 Dentistas 02

Nutricionistas 01 Administração 06

Lavanderia e Rouparia 03 Zeladoria 03

ISAP 26 PM 04

Servidores Contratados ou terceirizados. Limpeza 04 Nutrição 12

Administração 08 Enfermagem 01

Terapia Ocupacional 02

Estagiários 05

A instituição é um órgão público da administração direta, pertencente à Secretaria de

Estado e Administração Penitenciária (SEAP), do Governo do Estado do Rio de Janeiro e

está subordinado a Subsecretaria Adjunta de Tratamento Penitenciário e a Superintendência

de Saúde.

Page 41: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

4.2.1 Objetivos da Pesquisa.

Esta pesquisa de campo teve como objetivos:

Conhecer o referencial da equipe de saúde a respeito do papel exercido por um

Psicólogo em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico;

Refletir sobre as condições de funcionamento da instituição após a reforma

psiquiátrica, buscando analisar as mudanças propostas e o trabalho realizado.

Identificar a partir dos depoimentos dos profissionais da equipe de saúde do

hospital, quais os principais problemas apresentados pela instituição.

4.2.2 Metodologia Utilizada.

Os resultados desta pesquisa foram colhidos através de entrevistas semi-estruturadas

realizadas com a equipe do Hospital de Custódia com base nos objetivos acima. Foram

formuladas três perguntas a cada profissional, entrevistado individualmente, cujas respostas

foram gravadas com consentimento dos mesmos.

A pesquisa limitou-se somente a uma instituição devido a custos e principalmente ao

curto período de tempo disponível para coleta de dados e elaboração de seus resultados.

De modo a atingir os objetivos desta pesquisa de campo selecionou-se as seguintes

perguntas:

Page 42: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

1- Ao longo do tempo em que você trabalha no Hospital de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico, o que você poderia falar sobre os problemas apresentados pelos internos?

2- Como são as condições de trabalho da equipe de saúde mental do Hospital de Custódia

e Tratamento Psiquiátrico?

3- Na sua opinião, qual é o papel do psicólogo dentro de uma equipe de saúde mental num

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico?

4.2.3 Os Entrevistados.

A escolha dos entrevistados tomou como base o quadro de assistentes de saúde que

segundo Lei deveriam minimamente compor o Hospital de Custódia: o Psiquiatra, o

enfermeiro e o psicólogo.

A entrevistas não se estenderam aos internos devido ao pouco tempo disponível para

realizá-la e posteriormente analisá-las.

4.2.4 As Entrevistas e os relatos.

As entrevistas foram agendadas previamente com a instituição e realizadas num só

dia com os três profissionais de saúde. Neste mesmo dia também ocorreu a visita ao

hospital já relatada. Inicialmente foram entregues as cartas de apresentação e os termos de

Page 43: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

consentimento livres e esclarecidos (vide apêndice deste trabalho), a cada um dos

entrevistados, cumprindo assim normas do Conselho Nacional de Saúde para realização de

pesquisas na área de saúde com seres humanos ( Decreto 93.933/87), estes concordaram em

participar da pesquisa assinando os termos de consentimento. Ao chefe de segurança, que

nos recebeu, também foram entregues os mesmos formulários bem como cópia do projeto

de monografia para conhecimento e arquivamento na instituição.

Foram feitas três entrevistas cujos relatos foram gravados mediante autorização

verbal por parte dos entrevistados, para que posteriormente se pudesse analisar seu

conteúdo. Os relatos foram analisados usando-se da técnica de analise do discurso.

A Análise do discurso segundo Orlandi (2003), é um método que tem como objeto de

estudo, como o nome já diz, o próprio discurso, “Estuda a língua funcionando como

produção de sentido” (p.17).

Provendo da relação da Lingüística, do Marxismo, e da Psicanálise, este método visa

compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios

gestos de interpretação que são considerados, por ela, atos no domínio simbólico.

Para o autor (op. Cit) a Análise do Discurso não busca uma verdade oculta atrás do

texto, e sim compreender os gestos de interpretação que o constituem.

Page 44: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

4.3 Categorização.

A partir das respostas a cada pergunta feita aos três profissionais, buscou-se encontrar

um ponto predominante nos relatos de cada entrevistado sobre o tema investigado, para

estabelecer categorias de análise, e elaborou-se três categorias para as quais apontou-se

possíveis concordâncias e discordâncias encontradas nos depoimentos coletados.

Sendo assim conseguiu-se o seguinte quadro:

Prisão Perpétua:

A doença Psiquiátrica,

Casa de Transição,

A Chave da Questão;

Multiprofissionais.

4.3.1 "Prisão Perpetua".

"... a Medida de Segurança é hoje a única forma de prisão perpétua no Brasil." (Fala

do psiquiatra entrevistado, abordando os principais problemas enfrentados pelos internos).

O abandono familiar aliado a falta de subsídios externos para receber os recém

desinternados, é visto como principal agravante para questão da longa permanência em um

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sendo hoje o maior problema causador de

dificuldades na reinserção social do então detento ao seu 'mundo de origem'.

Como foi mostrado no decorrer deste trabalho o problema do doente mental foi

explicado através de diversas abordagens teóricas e de comportamento social frente as suas

Page 45: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

dificuldades e diferenças. Se somarmos estas dificuldades de adaptação ao delito cometido

por um destes sujeitos, este vira alvo de repudia e sanção penal e moral.

Ao longo das entrevistas pode-se perceber a preocupação dos entrevistados com o

assunto, mostrando o desenvolvimento de trabalhos com a família, a presença em fóruns de

debates para tentar se discutir estas questões, trabalhos como saídas terapêuticas e etc. Para

o Psicólogo após a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei Federal 10.216/2001), foi imposto

certas mudanças nas formas de tratamento e visão do indivíduo sujeito a Medida de

Segurança, e ao modelo hospitalocêntrico que o encere. Com iniciou-se uma discussão em

torno do que seria longa e curta internação, estabelecendo a Lei que, longa internação seria

aquela que durasse mais de um ano. No entanto a Medida de Segurança sempre será

considerada então uma internação longa, visto que a pena é decretada em seu caráter

mínimo de um a três anos. Seria isto bom, se mesmo considerada longa, os internos depois

de tratados e com isso tendo cessado seu grau de periculosidade, voltassem recuperados ao

convívio social.

4.3.1.1 "A Doença Psiquiátrica"

Entretanto há também as questões das patologias, que no caso da instituição visitada

segundo o relato do Psiquiatra "Constituem as principais patologias as psicoses, de uma

maneira geral as psicoses esquizofrênicas." Da mesma forma o Psicólogo entrevistado diz:

...do ponto de vista psicopatológico a patologia mais freqüente é a esquizofrenia paranóide, a maioria dos diagnósticos aqui é esse, e os delitos estão ligados a própria patologia, muitas vezes delitos como homicídio contra algum membro da

Page 46: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

família ou delito tipo invasão de propriedade alheia por conta de algum delírio de grandeza.

A partir disso cria-se uma dificuldade ainda maior de se tentar reinserir esse sujeito

não só na sociedade mas no âmbito familiar, visto que a família agora teme este membro.

Segundo o Enfermeiro que respondeu a entrevista o maior problema dos internos é a

falta de apoio familiar, como declara neste relato: "..., esse é um grande problema, nós

temos aqui internos que terminam de cumprir a pena dele e não têm para onde ir, por que,

por que a família não quer mais." Como explica o psicólogo, esse abandono se fundamenta

no tipo de delito cometido:

A gente trabalha visando a desinternação, no entanto nós recebemos casos muito complicados, são casos graves, muitas vezes envolvendo homicídios, nós temos aqui um percentual de 38%, com maioria absoluta de homicídios contra família, é muito comum, por exemplo, homicídio contra a mãe, e é ai que se caracteriza a situação de abandono.

Jogado as ruas, sem medicação, apoio e afeto, passando por situações muitas vezes de

miséria, este volta a delinqüir e possivelmente cometer novos atos delituosos.

De acordo o Psiquiatra:

As pessoas que cometem delito e que tem uma doença psiquiátrica são normalmente as que vivem as margens da sociedade, tem uma situação familiar difícil, normalmente vivem em situação subumana. A maioria vive em situação delinqüente, então um doente mental acaba delinqüindo.

O relato do psicólogo descrito abaixo mostra que ambos compartilham mais ou

menos do mesmo ponto de vista.

O que nós fazemos aqui, e precisa ser feito em todo lugar, é também trabalhar esses contextos culturalmente, tomando em conta os direitos do paciente ao tratamento e a dismitificação em torno dessa coisa de que o louco infrator é pior

Page 47: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

do que o louco que está no hospital psiquiátrico, ou pior do que qualquer pessoa, quer dizer, tomar em conta de que o delito na maioria absoluta das vezes está ligado a desassistência, deslocar o significante periculosidade para desassistência. Se você não tem uma rede assistência em saúde mental articulada lá fora, é possível que alguém que tenha um transtorno psicótico, entre em surto, ou um delírio persecutório, e cometa algum crime e ai seja punido. Mas veja, se ele pudesse estar inserido em uma rede de assistência e a família tivesse orientação para poder intervir certamente aquele tipo de delito não precisaria acontecer.

4.3.1.2 "Casa de Transição"

Na tentativa de contornar esse problema a instituição visitada criou uma medida

alternativa, a chamada por eles "Casa de Transição", como explica o próprio psicólogo e

posteriormente o enfermeiro, ambos entrevistados:

Por a gente ter essa realidade de pacientes que ficam muito tempo aqui, nós criamos alternativas próprias, a gente criou a Casa de Transição. O que é a Casa de transição, ela é semelhante a uma residência terapêutica, se você pensar em termos da reforma psiquiátrica, no entanto ela não tem a intenção de que o paciente more ali para sempre como em uma residência terapêutica, ela como diz, é uma casa de transição, ou seja, os pacientes que após cumprida a medida de segurança, não tenham nenhum suporte familiar e tenham o mínimo de condição de autonomia para levar uma vida com assistência é claro, a gente manda para Casa de Transição de tal maneira que eles consigam construir uma rede de assistência externa. A equipe aqui trabalha nessa direção, de conseguir fazer com que o paciente ao entrar na casa consiga sair e se estabelecer de forma adequada na sociedade.

... quando o interno acaba a pena dele, ele não pode mais ficar aqui dentro do presídio, então nós temos aqui fora um lugar Chamado casa de Transição, o que significa, o interno fica ali, tem uns até que vão para rua trabalhar e voltam, para se readaptar a sociedade, tem uns que a família não quer mais porque ficam com medo dele, do cérebro dele não estar totalmente curado e de não tomar o remédio direitinho.

Diante destes relatos fica a pergunta, quem será que não oferece a estes pacientes-

internos apoio, subsídio, assistência? São as instituições ou o Estado? É a família que o

Page 48: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

abandona ou a falta de informação que os faz deixar de lado, devido ao medo de uma

reincidência, estes entes? Que tipo de trabalho conjunto é preciso ser desenvolvido? A

partir do momento que se faz a reforma, institui-se Leis, aboli-se os mecanismos de

contenção priorizando o tratamento integrado, essa responsabilidade passa a ser de quem?

Somente das instituições?

4.3.2 "A Chave da Questão".

Esta segunda categoria foi escolhida a partir da segunda pergunta da entrevista, que

abrangia os problemas de funcionamento da instituição. Em relatos colhidos pode-se

observar que a predominância das dificuldades citadas girava em torno da falta de

treinamento da equipe que é encontrada através de concurso público, sem preparação

alguma para trabalhar em um hospital-prisão. Pudemos observar isto ao tocar no assunto

com o enfermeiro entrevistado que deu como resposta o relato a seguir:

Ai está à chave da questão. Eu fui saber o que era o sistema penitenciário direito depois de cinco anos trabalhando aqui, até a consciência da responsabilidade que a gente tem aqui é coisa muito séria. A gente é designado para o DESIP (Departamento de Sistema Penitenciário), sem ter noção nenhuma do que é isso aqui.

Para o Psicólogo:

A questão do louco infrator é muito complicada, isso atinge não somente as pessoas que estão ai fora, mas os profissionais que trabalham aqui, porque acontece que no serviço público muitas vezes você constitui a equipe e não necessariamente através da profissão da pessoa para aquele trabalho, isso por que

Page 49: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

a escolha é feita por concurso público. Então no último concurso que a gente teve aqui, teve um quadro de enfermagem muito grande, no qual 90% nunca tinha trabalhado com saúde mental, e ai vem trabalhar com saúde mental em um manicômio judiciário, cria um problema que tem haver com não ter as condições técnicas para trabalhar com aquela especificidade.

Segundo o psicólogo, a instituição pretende criar um setor de Recursos Humanos na

tentativa de treinar e melhor inserir o profissional que chega, através do concurso público,

na instituição, para que ele possa melhor se adaptar e lidar com a questão mais difícil ali

dentro, que, segundo eles, é a tentativa de reinserção do interno na sociedade.

Se nós tivéssemos um setor de RH reduziríamos muito os nossos problemas aqui, por exemplo, nós temos aqui o pessoal da saúde assim como o da segurança, cada um voltado para um lado, um quer soltar o outro quer prender, só que o hospital de custódia é um hospital do sistema prisional, então 90% é ligado a prisões simplesmente, são só 3 hospitais de custódia no total de cinqüenta e tantas penitenciárias, então a maioria dos nossos colegas que trabalha em penitenciárias trabalha com outras questões, não com questões da saúde mental, problemas próprios da medida de segurança, então quando chegam aqui é muito comum não saberem lidar com o problema, por isso precisa haver um treinamento para os que vem fazer esse trabalho aqui.

Por outro lado na entrevista com o Psiquiatra notamos uma divergência de opiniões,

visto que para o mesmo o treinamento não é tão essencial e nem faz falta no sistema. Como

coloca em seu depoimento:

O tratamento aqui é o mesmo que o oferecido em um Hospital Psiquiátrico comum, não tem nada de tão especial no tratamento, as pessoas (refere-se aos funcionários), vão se adaptando ao estado prático pelas normas e como lidar com eles no dia a dia.

Em relação a dualidade do tratamento saúde-segurança, o médico psiquiatra não

demonstra ver problemas:

Page 50: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Aqui é o seguinte, o nome já diz: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Primeiro é Custódia, o interno está custodiado pelo juiz, e segundo é Psiquiátrico, um hospital como outro qualquer. Então a segurança faz a parte dela que é a responsabilidade de preservar a integridade física dos funcionários e dos pacientes, impedir que eles fujam, tudo responde ao juiz, ele é o responsável por essa segurança. E o Hospital Psiquiátrico que é ligado ao SUS, igual um hospital psiquiátrico qualquer, com os mesmos deveres, cada um fazendo sua parte.

Diante de pontos de vista opostos relativos à função exercida pelos funcionários de

saúde mental e pelos funcionários da segurança, foi perguntado ao Psicólogo como era a

interação e em que basicamente está divergência de tarefas atrapalhava no tratamento ou no

funcionamento da instituição. Como resposta obteve-se o relato a baixo:

O objetivo da equipe de segurança é zelar pela integridade física dos funcionários e pacientes e evitar fugas. Bom, para isso implica-se estratégias mais repressoras, mais grades, muros mais altos, estratégias que engessam a livre expressão. Do ponto de vista da saúde a gente quer desinternar, a gente quer desinstitucionalizar, a gente quer promover cidadania e isso implica mobilidade, liberdade, espaço, é nesse sentido que são contraditórias. Mas não podem ser contraditórias porque se não a gente entra em conflito, então o que que nós fazemos, criamos alternativas, temos por exemplo a reunião técnico-administrativo onde tanto a segurança quanto a equipe de saúde participam. Ali se debatem os problemas, eu posso dizer para o chefe de segurança: "Olha o paciente tal, está sendo impedido de sair para ir para lá, mas é importante que ele saia e você não está deixando. O agente não está deixando ele ir no jardim, mas ele precisa ir no jardim." Mas isso não se sobrepõe a idéia de se tentar preparar estes funcionários assim que eles entram aqui.

4.3.3 "Multiprofissionais"

A investigação acerca do papel do psicólogo em um Hospital de Custodia e a visão

dos funcionários que lá trabalham em relação a importância deste papel foi averiguado na

pergunta número três. Como foi observado, a instituição estudada valoriza o papel do

Page 51: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

profissional de Psicologia e busca inseri-lo de diversas formas neste contexto. Segundo o

enfermeiro:

Este papel é muito importante, na minha opinião. Por exemplo nós temos aqui na unidade muitos que cometeram crimes por problemas mentais e outros por drogas. Para o cara se libertar das drogas, colocar na cabeça dele que a vida dele sem isso é muito melhor, e que muitas vezes foi todo um ambiente que levou ele a fazer isso, as vezes problema familiar, falta de instrução, pobreza, miséria, então é muito importante o psicólogo para tentar mostrar um caminho, até porque um dia ele vai sair daqui, e se não tiver mudado não adianta nada ter vindo para cá.

Através do relato do psicólogo nós pudemos observar que este profissional pode se

inserir em áreas distintas na instituição, executando tarefas não só de um psicólogo clínico,

como na maioria das vezes se imagina, como também de psicólogo jurídico, organizacional

ou hospitalar. No entanto, uma vez ter sido observada somente uma instituição, não

podemos afirmar que as coisas sejam assim também em outros hospitais de custódia. Segue

a baixo o que disse o próprio profissional quando perguntado sobre o papel que

desempenha na instituição:

Eu acho que o psicólogo, ele pode trabalhar em todos ou em quase todos os aspectos da psicologia em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Vou explicar por que: O primeiro e principal é a escuta, trabalhar com clínica, e com clínica é escuta, por que os casos aqui são casos que a princípio exigem de nós uma posição clínica de escuta e clínica no sentido terapêutico da palavra. No entanto isso traz um problema por que na maioria das vezes a demanda não é expontânea, então a gente também tem de intervir do ponto de vista institucional, então há também um viés do psicólogo de análise institucional. É muito forte aqui a importância de se discutir a periculosidade, o conceito de periculosidade, de trabalho na interface com o agente penitenciário que tem uma missão diferente da missão do agente de saúde. Há contradições, e trabalhar nessas contradições implica em estar preparado para lidar com a dinâmica institucional, ferramentas teóricas da análise institucional. Eu estou usando análise institucional de uma forma muito generalizada mas estou incluindo ai Foucault, Guattari, Deleuze, Lourau, Barengliche, quer dizer pessoas que discutiram estas questões próprias das instituições, sobretudo das instituições totais.

Page 52: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Ontem em uma reunião nós estávamos discutindo se não seria o caso de nós criarmos aqui no hospital, um setor de RH, que pudesse receber os novos profissionais que chegam aqui através dos concursos, e treiná-los para essa nova tarefa. Com isso nós diminuiríamos muitos dos nossos problemas, o pessoal da enfermagem, da segurança, e até mesmo os nossos próprios colegas. Não raro chega aqui psicólogos que nunca trabalharam com saúde mental. Tem que se trabalhar isso, então tem haver com Psicologia de Recursos Humanos também. Até ai a gente já toma três aspectos da Psicologia que são importantes e que podem ser trabalhados em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

E há também a parte jurídica, onde o laudo do psicólogo assim como o do assistente social, vai entrar anexado ao laudo do psiquiatra para entregar ao juiz apontando para cessação ou não da periculosidade. Todas estás informações sobre o paciente também se encontram no prontuário único do paciente. Nós aqui seguimos as normas do SUS, utilizando o prontuário único, e todas as informações inseridas por cada profissional sobre o paciente convergem para ele. Então há também o viés do Psicólogo Jurídico. Resumindo em um Hospital de Custódia o Psicólogo é um Multiprofissional.

Como veremos a baixo de acordo com relatos do psiquiatra do hospital, este também

vê o Psicólogo como peça importante na engrenagem da instituição.

O trabalho deste profissional aqui dentro é de extrema importância, ele faz parte desta equipe multidisciplinar. Então ele faz o atendimento, ele vai ver toda a sintomatologia assim como o psiquiatra é claro, vai levantar a hipótese diagnóstica dele, fazer o aporte psicoterápico, enfim, dá essa assistência psicológica que é fundamental. Faz trabalho de grupo, individual, associado a terapia ocupacional, atendimento as famílias, e desenvolve trabalhos de saídas terapêuticas para começar a reincerção social. Também trabalha de casa de transição, dando suporte aos que já cumpriram a pena e não têm esse suporte externo, da família. Ah, e também dá o parecer psicológico dele sobre o paciente, que entra anexado ao laudo feito por mim e que é entregue ao juiz, então como você pode ver é um trabalho muito abrangente e no nosso caso pelo menos, muito eficaz, junto com toda equipe nós desenvolvemos um trabalho, no ponto de vista muito eficaz.

Através dos relatos colhidos, é possível estabelecer uma comparação de caráter

prático acerca do papel previsto pela Resolução 2/2001 do Conselho Federal de Psicologia

(CFP), onde se estabelece a atribuição do psicólogo inserido no sistema judicial, com o

trabalho que é desenvolvido pelo psicólogo da instituição visitada. Visto que o profissional

Page 53: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

parece encontrar condições adequadas para execução de todas as tarefas que lhe cabem,

assim como vimos em relato.

A partir das três entrevistas podemos observar que no tocante geral parece haver uma

visão positiva do psicólogo e de seu trabalho dentro da instituição visitada, sendo este peça

importante nos processos decisórios, nas intervenções terapêuticas, nos trabalhos externos

incluindo trabalhos com as famílias e programas de reinserção e resocialização ao mundo

extra-muros.

Page 54: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A loucura é, e sempre foi um tema presente na vida do homem. Tema que fascina e

intriga, não tendo sentido único em todas as sociedades. É um conceito construído, com

variações de cultura para cultura.

As formas de compreendê-la como vimos sofreram, e ainda sofrem, alterações ao

longo dos séculos.

Esses modelos se sucederam ou se substituiram de épocas em épocas. Após séculos

de esquecimento, exclusão e sofrimento, a loucura “passou por reformas”, e hoje temos, o

que não quer dizer que ocorra em todos os casos, condições de oferecer tratamentos à

doença mental de forma mais eficaz e humanizada. Para isso criaram-se estatutos, normas,

e Leis, foram estabelecidos critérios que nortearam estas mudanças. Na área penal a

discussão sobre o internamento ou não resultou nestas Leis, como a Lei da Reforma

Psiquiátrica (Lei 10.216/2001), que hoje sustenta o internamento apenas com base na

periculosidade dos pacientes, como vimos no decorrer deste trabalho.

No entanto após realizada a pesquisa de campo, observou-se ainda muitas falhas neste

sistema, falhas que atravessam as Leis, e que acabam por dar a Medida de Segurança um

caráter perpétuo. Diante deste fato cabe aqui questionar acerca de onde se enquadraria a

pessoa do "paciente-detento" neste contexto frente ao discurso da anti-psiquiatria, exposto

na Lei citada? Será que a Lei ao se propor a uma abordagem clínica com foco menor na

doença e maior na saúde, não descuidou do excesso de punibilidade "disfarçado" pela idéia

de tratamento? Que tipo de problema esta medida implica aos profissionais que lidam

diretamente com o sistema prisional?

Page 55: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

Em um texto publicado no jornal do CRP por um dos Psicólogo que compõe o quadro

de saúde da instituição visitada, encontrou-se comentários ricos para esta conclusão,

segundo o profissional "a noção de periculosidade é algo ainda muito enraizado no

imaginário social, e o estigma da loucura e do criminoso é algo que contamina, até mesmo

os profissionais de saúde, acabando a medida de segurança por inibir ações progressivas

que poderiam facilitar o tratamento e o retorno destes sujeitos à sociedade".

Com isso, ele cita a necessidade de percebemos, que faz-se preciso à criação de

medidas capazes de intervir na cultura para que se faça uma sociedade mais justa e digna,

que respeite as diferentes condições do ser humano, abrangendo o assunto para outros

órgãos e setores da sociedade, incluindo o poder público, e com isso se pare para pensar no

futuro destes pacientes lembrando-se da co-responsabilidade, e também almejando a

criação de possibilidades de trabalho que viabilizem a integração destes sujeitos à

sociedade.

Foi possível observar neste trabalho que o tratamento dedicado ao doente mental

realmente sofreu mudanças significativas, no entanto seria de grande importância a reflexão

por parte dos detentores de poder publico, da sociedade e dos próprios profissionais que

aquilo que foi criado para excluir, dificilmente virá a incluir, e que é necessário a criação de

medidas mais eficazes no que diz respeito ao tratamento e o método como este é feito, para

o interno em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

No que diz respeito à instituição visitada e as questões averiguadas, houve a

impressão de que ao menos lá, as propostas reformistas são seguidas pelos profissionais,

dentro do possível, lembrando-se de que as questões levantadas acima foram mencionadas

por membros da própria instituição.

Page 56: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

O psicólogo e seu papel, nosso objeto de estudo neste trabalho, pareceu-nos no caso

do psicólogo entrevistado, algo bem consciente do que lhe cabe, e de forma satisfatória a

instituição lhe oferece subsídios para execução destas tarefas. Encontramos então um

campo de atuação vasto, incluindo aspectos clínicos, jurídicos, organizacionais e

hospitalares, e também profissionais que têm consciência da importância deste papel

inserido em uma equipe que precisa trabalhar e funcionar como equipe.

Fica então o anseio de que estas noções do trabalho deste profissional na área

jurídica, possam ser melhor disseminadas nas instituições de ensino e formação dos

estudantes de Psicologia, visto que há sempre uma tendência tanto das universidades

quanto dos alunos de enveredarem pelo campo clínico prioritariamente, pouco se falando a

respeito de outras áreas de atuação que podem desempenhar, como no caso do papel

estudado, onde se encontrou um trabalho muito bonito e importante, tanto para cada interno

ali inserido, como para a sociedade que o espera “quando este retornar”.

Page 57: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Leis, Decretos, etc. Código Penal e Constituição Federal. 44ªedição. São

Paulo : Saraiva, 2006.

CHERUBINI, Karina Gomes. Modelos históricos de compreensão da loucura. Da

Antigüidade Clássica a Philippe Pinel. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1135, 10 ago.

2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8777>. Acesso em: 10

set. 2006.

DESVIAT, Manuel. A Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro, Fiocruz, 1999.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, Rio de Janeiro: Renovar 1986

DANIEL-POPS, Henry. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo: Quadrante,

1993.

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 6ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1999.

(Estudos, 61).

FIGUEIREDO, Gabriel R. A evolução do hospício no Brasil. São Paulo, 1996 (tese

apresentada à Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, para

obtenção do título de doutor em medicina)

Page 58: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

GARCIA, J. Alves. Psicopatologia forense: Para médicos advogados e estudantes de

medicina e direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

GRECO, ROGÉRIO. Curso de Direito Penal: Parte geral. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus,

2004. 846p. (Série Jurídica).

GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 6ªedição. São Paulo: Perspectiva,

1999.

MIRABTE, Júlio Iabbini. Execução Penal. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 1995.

ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. 5ª edição. São Paulo :

Pontes, 2003.

PERES, M. F. T. e NERY FILHO, A.: 'A doença mental no Direito Penal brasileiro:

inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança'. História,

Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9, maio-ago. 2002.

PESSOTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. 7ª edição. Rio de Janeiro : Editora 34, 1994.

PAIM, Isaías. Curso de Psicopatologia, 11ª Ed. São Paulo: EPU 1993

SARACENO, Benedetto. Libertando Identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania

possível. Rio de Janeiro, Instituto Franco Basaglia / Te Corá, 1999.

Page 59: universidade católica de petrópolis faculdade de psicologia curso

SONNTAG, et al. Psiquiatria e Subdesenvolvimento. São Paulo : Brasiliense, 1980.