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Universidade de Brasília Faculdade de Direito Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final de Curso “A DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS ANTES, DURANTE E DEPOIS DE CALAMIDADES PÚBLICAS SANITÁRIAS” Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Souza Júnior e Prof. Márcio Iorio Aranha Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal Consultora de Ensino à Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Sousa Consultora de Metodologia e Monografia Final: Profa. Loussia Musse Felix Brasília, 24 de janeiro de 2003.

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Faculdade de Direito

Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para

Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal

Monografia Final de Curso

“A DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

ANTES, DURANTE E DEPOIS DE CALAMIDADES PÚBLICAS

SANITÁRIAS”

Cândido Alfredo Silva Leal Júnior

Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Souza Júnior

Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix

Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Souza Júnior e Prof. Márcio

Iorio Aranha

Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende

Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal

Consultora de Ensino à Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Sousa

Consultora de Metodologia e Monografia Final: Profa. Loussia Musse Felix

Brasília, 24 de janeiro de 2003.

A Ana Luisa e ao tesouro que traz consigo,

por seu carinho e por sua existência.

Aos meus pais,

por serem como são.

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ÍNDICE

1. APRESENTAÇÃO................................................................... 4

2. PRESSUPOSTOS FÁTICOS E TEÓRICOS ........................... 9

3. CALAMIDADES PÚBLICAS SANITÁRIAS ...................... 18

4. “ANTES” DA CALAMIDADE ............................................. 36

5. “DURANTE” A CALAMIDADE .......................................... 46

6. “DEPOIS” DA CALAMIDADE ............................................ 61

7. CONCLUSÃO ........................................................................ 69

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1. APRESENTAÇÃO

Embora muitas gerações não tenham presenciado a ação de flagelos da

natureza, a possibilidade de sua ocorrência, os relatos de tempos passados e a lembrança

de experiências de outros povos, sempre aterrorizaram as pessoas comuns. A idéia da

“Peste” (e a impotência do homem diante dela) sempre assolou a história da

humanidade, assombrando a vida dos povos.

Não vivemos mais numa época em que o homem esteja impotente

diante da natureza, mas habitamos um mundo em que os limites do universo conhecido

se expandem diariamente e aumenta consideravelmente nossa interferência sobre os

mecanismos da natureza.

Paradoxalmente, entretanto, esse avanço humano não traz mais

segurança nem permite um maior domínio sobre o desconhecido. Por mais que

tenhamos caminhado em direção ao conhecimento, maiores se tornaram nossas

possibilidades. Mas também maiores se tornaram as fronteiras do desconhecido. O

conhecimento não fez o homem bom ou mau, apenas lhe deu maiores possibilidades

para ser bom ou mau. O mesmo aconteceu com o avanço nas fronteiras da ciência, que

não trouxe necessariamente maior tranqüilidade para o homem, mas apenas ampliou

suas possibilidades e suas preocupações. Possibilidades de encontrar soluções para seus

problemas. Possibilidades de causar prejuízo a si próprio e ao seu semelhante.

Embora a ciência e a tecnologia tenham modificado muitas coisas, o

homem continua essencialmente o mesmo ser, com seus medos e suas limitações diante

do desconhecido, mas também com sua curiosidade e suas esperanças em relação ao seu

futuro.

No mundo de hoje, talvez não exista mais espaço para flagelos

causados por pragas creditadas a bruxas ou castigos derivados da ira divina. Mas

certamente existe espaço para as ameaças decorrentes de acidentes nucleares, do

bioterrorismo, da guerra química e biológica, entre outros tantos exemplos que povoam

os noticiários internacionais e assombram os indivíduos em todos os lugares. Os medos

sofisticaram-se. As ameaças vestem novas roupas. Mas viver continua sendo muito

perigoso.

Pensando nisso, a proposta da monografia é examinar como o vigente

ordenamento jurídico brasileiro dá conta dessas situações de risco sanitário. Ou seja,

examinar os mecanismos jurídicos de que dispõem governo e cidadãos brasileiros para

enfrentar, sem ruptura da ordem institucional, uma situação de calamidade pública

sanitária de grandes proporções, em que fossem necessárias providências urgentes e

excepcionais para garantir o Estado, as Instituições Democráticas e, principalmente, a

convivência social.

A monografia tentará responder à questão de como a atual

Constituição vigente dá conta dessas situações de calamidade pública sanitária no

Brasil, quando se fazem necessárias providências urgentes e excepcionais para garantia

do Estado, das Instituições Democráticas e da convivência social. Mas é importante

salientar que muitas vezes nossa preocupação não está centrada apenas em encontrar

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respostas para os difíceis e intrincados problemas morais que o enfrentamento (e a

preparação para o enfrentamento) de uma calamidade pública sanitária suscita, mas

apenas lançarmos algumas questões para reflexão sobre tais problemas, evidenciando a

dificuldade teórica e prática para se lidar com tais questionamentos. Ou seja, muitas

vezes não é possível uma resposta pronta e acabada para uma determinada questão,

sendo muito mais proveitoso que se saliente o que parece importante para que, numa

situação de calamidade, os cidadãos e os governantes tenham condições de encontrar a

resposta mais apropriada, que atenda aos interesses do momento e, principalmente,

mostre-se adequada à preservação da vida individual e da convivência social.

Então, examinando as normas constitucionais e legais, procuramos

mostrar que existem diversas possibilidades normativas para enfrentamento de uma

calamidade sanitária. O direito não se preocupa apenas em enfrentar a calamidade, mas

também evitá-la, prevenindo-se e adotando mecanismos redutores dos riscos inerentes à

vida social e ao progresso científico-tecnológico. Diversos órgãos estão envolvidos

nesse trabalho de prevenção e enfrentamento (vigilância epidemiológica, vigilância

sanitária, vigilância ambiental, defesa civil, corpo de bombeiros, segurança pública,

serviços de saúde, etc). Mas o que vai interessar no curso dessa monografia é o

tratamento jurídico dessas questões a partir da perspectiva do direito sanitário. Mais

especificamente, vai interessar o tratamento da questão como capítulo do direito

sanitário constitucional.

O que se espera demonstrar é que a leitura da Constituição permite

identificar três princípios norteadores da atuação de governantes e administradores

públicos diante de calamidades públicas que possam abalar as instituições democráticas

ou colocar em risco a democracia, a saber: (1º) essas situações de calamidade pública

devem ser evitadas e prevenidas, tomando-se todas as providências necessárias para isso

antes de que ocorram; (2º) essas situações devem ser enfrentadas, tendo-se em vista a

preservação das instituições democráticas e dos indivíduos envolvidos, com o menor

dano individual possível; (3º) assim que superada a situação excepcional, é preciso

voltar imediatamente à normalidade, cabendo a todos prestarem contas das providências

que adotaram e responderem por elas.

O tema foi escolhido, primeiro, porque é recorrente na história da

humanidade, existindo muitas situações históricas em que a ocorrência de fatos

imprevistos da natureza colocaram em risco a ordem social então vigente (por exemplo,

as pestes da Idade Média), ou então provocaram a adoção de medidas de proteção social

(por exemplo, o isolamento dos portadores de hanseníase e tuberculose, a vacinação

obrigatória quanto à varíola e febre amarela, os acidentes nucleares de Chernobyl e de

Goiânia). Na atualidade, a epidemia de HIV/AIDS ameaçava ganhar proporções

semelhantes, mas felizmente tem conseguido ser enfrentada com uma nova mentalidade

sanitária, ao menos nos países que contam com recursos disponíveis para tanto1. Por

tudo isso, é importante analisar como o direito vigente daria conta de uma situação de

calamidade pública sanitária de grandes proporções, afirmando assim o primado do

direito também em situações de exceção.

Segundo, o tema foi escolhido porque se mostra presente nas

discussões que ocorrem no mundo contemporâneo, especialmente quanto às questões de

biossegurança, bioterrorismo, utilização de armas químicas e biológicas, e acidentes

1 RIOS, Roger Raupp. Respostas jurídicas frente à epidemia de HIV/AIDS. Direito Federal: Revista da

Associação dos Juízes Federais do Brasil, Brasília, nº 70, p. 351-68, 2002.

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nucleares2. Os atos terroristas de 11 de setembro de 2001, embora não tenham sido

cometidos com a utilização de armas químicas, nucleares ou biológicas, provocaram

fortes debates mundiais sobre as novas possibilidades de atos de hostilidade contra

grupos ou etnias, e até mesmo contra a população civil, tornando mais concretas as

possibilidades de utilização de forças da natureza com intenção de ruptura de

instituições políticas vigentes. Deixando de lado qualquer comprometimento ideológico

ou preconceito que pudesse influenciar a abordagem dessas questões, não há como

negar que hoje o mundo percebe que é vulnerável e os Estados passam a se preocupar

com sua proteção frente a essas questões3. Hoje, as calamidades públicas sanitárias não

são causadas apenas pela natureza, mas cada vez mais se torna palpável a possibilidade

de que venham a ser causadas (intencionalmente) pelo próprio homem.

Terceiro, porque é importante afirmar-se o primado do direito mesmo

num momento de exceção sanitária, em que direitos e garantias individuais tenham de

ser restringidos. A história mostra uma tendência daqueles que governam em se

utilizarem dessas situações de risco ou calamidade para aumentar seu próprio poder e

assim legitimar sua atuação, ascensão ou permanência no poder. As medidas de exceção

(estado de defesa ou estado de sítio) podem ser necessárias para a manutenção da ordem

pública e institucional numa dada ocasião, mas o “remédio” utilizado em excesso pode

tornar-se um perigoso veneno. A exceção, utilizada sem o devido controle num

momento de calamidade pública, pode resultar num desvirtuamento das instituições

democráticas e prestar-se a justificar a instauração de um regime ditatorial (o

desvirtuamento das exigências da “segurança nacional” ou das “razões de estado”). É

oportuno, pois, examinar com atenção as possibilidades constitucionais de exceção de

que dispõem os governantes num caso de calamidade pública sanitária e,

principalmente, os respectivos limites e controles para que se encontre o retorno à vida

institucional ordinária, assim que possível.

Quarto, o tema é atualíssimo na pauta de discussões dos Poderes

Públicos no Brasil. Basta ver que recentemente o Poder Executivo editou a Medida

Provisória 33, de 19 de fevereiro de 2002, que tratava da “emergência epidemiológica”

(arts. 32-36), definida como “a ocorrência de casos de doenças ou de outros agravos

2 Basta ver, por exemplo: (a) HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for defense

against infectious disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United States

Senate, 2001; (b) LAW COMISSION OF CANADA. In search of security: the roles of public police

and private agencies (discussion paper). Ottawa: Law Comission of Canada, s/d; (c) WORLD

HEALTH ORGANIZATION. Depleted uranium: sources, exposure and health effects. Geneva:

WHO, 2001; (d) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following

nuclear accidents. Geneva: WHO, 1999; (e) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Health aspects of

biological and chemical weapons (unofficial draft of projected second edition). Geneva: WHO, 2001;

(f) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the deliberate use of biological agents: a

rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002; (g) WORLD HEALTH

ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.

Second edition. Geneva: WHO, 2001; (h) WORLD HEALTH ORGANIZATION. Strengthening

national preparedness & response to biological weapons (meeting report). Rome: WHO, 2002; (i)

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Users’ manual for the IPCS health and safety guides. Geneva:

WHO, 1996.

3 O tema não é novo na filosofia política, e Thomas Hobbes já havia dedicado um capítulo de suas

maiores obras para tratar das causas de dissolução e enfraquecimento do Estado: “das causas internas que

tendem à dissolução do governo” (HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998,

cap. 12, pp. 181-95) e “das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução de um Estado” (HOBBES,

Thomas. Leviathan. São Paulo: Editora Abril, 1983, cap. XXIX, pp. 192-99).

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inusitados de etiologia conhecida ou desconhecida, de alto grau de transmissibilidade,

patogenicidade e letalidade” (art. 32 da MP 33/02). Nesses casos, o Ministro da Saúde

poderia declarar “estado de quarentena federal”, ocasião em que poderia: (a) dispor

sobre o isolamento de indivíduos, animais e comunidades em situação de risco; (b)

dispor sobre a interdição de ambientes ou meios de transporte; (c) determinar o

acompanhamento médico de indivíduos e a necessidade destes se reportarem,

periodicamente, à autoridade de epidemiologia (art. 33 da MP 33/02). Embora essa

medida provisória tivesse sido rejeitada pelo Congresso Nacional, suas disposições

foram novamente apresentadas, como Projeto de Lei 6.952, de 30 de abril de 2002, que

atualmente se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Ou seja, tramita no Poder

Legislativo um projeto de lei versando sobre essa “emergência epidemiológica”, entre

outras questões, evidenciando a atualidade e relevância do tema proposto.

Finalmente, quinto, porque o tema escolhido tem relação com o direito

sanitário, especialmente com o direito sanitário constitucional (estado de defesa e estado

de sítio). Tanto a Medida Provisória 33/02 quanto o Projeto de Lei 6.952/02

pretenderam subtrair do Sistema Único de Saúde as questões relativas ao Sistema

Nacional de Epidemiologia, ao Sistema Nacional de Saúde Ambiental e ao Sistema

Nacional de Saúde Indígena. Entretanto, essas questões dizem respeito à saúde pública

e, segundo os termos claros das normas constitucionais, não podem ser separadas do

sistema único de saúde. A definição das competências do SUS, conforme o art. 200 da

CF/88, não deixa dúvidas sobre a unicidade do sistema e o fato dele englobar não

apenas aquela parte relativa aos cuidados médicos e hospitalares, mas também aquelas

medidas pertinentes à saúde pública. As questões pertinentes à “emergência

epidemiológica” e ao “estado de quarentena federal”, caso implementadas, devem estar

inseridas nas atribuições do sistema único de saúde, porque é assim que quis a

Constituição ao estabelecer que “ao sistema único de saúde compete (...) executar as

ações de vigilância sanitária e epidemiológica” (art. 200-II da CF/88). Ou seja, o

exame dos mecanismos de defesa do Estado e das Instituições Democráticas frente a

calamidades públicas sanitárias é questão que interessa – e muito – ao direito sanitário e

por isso a pertinência de sua escolha como objeto dessa monografia.

Assim justificada a relevância do tema para o direito sanitário, antes

de abordar os aspectos jurídicos da questão, nos pareceu conveniente explicitar os

“Pressupostos Fáticos e Teóricos” (capítulo 2) da pesquisa, o que fizemos a partir do

exame de tensões que se concretizariam em dois planos, a saber: (1º) a tensão entre o

individual e o coletivo, decorrente dos conflitos do indivíduo com aquele modelo de

conduta que é idealizado e desejado numa dada sociedade, e decorrentes dos conflitos

entre liberdade e livre-arbítrio de cada um com essas mesmas faculdades dos outros que

ocupam o mesmo espaço; (2º) a tensão entre fatos e normas, decorrente da disparidade

entre aquilo que a norma prevê que possa acontecer e aquilo que efetivamente acontece

na realidade.

Essas tensões estão presentes na análise de regramentos de exceção,

previstos para serem aplicados num instante de crise, em que as regras ordinárias não

bastam e é preciso recorrer a uma legalidade excepcional. Servem como justificação

geral para as normas que serão editadas e para as decisões que serão adotadas durante a

exceção, legitimando-as teórica e faticamente.

A seguir, é tornada explícita a questão das “Calamidades Públicas

Sanitárias” (capítulo 3), quando procuramos examinar na pouca literatura jurídica

existente quais os elementos definidores do núcleo desse conceito constitucional. Era

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preciso delimitar o significado com que o constituinte utiliza-se do conceito de

calamidade pública, o que foi feito a partir do uso do termo na Constituição de 1988, do

uso lexical dos termos “calamidade” e “catástrofe”, e da sua ocorrência na doutrina

constitucional brasileira.

Disso foi possível concluir que a opção constitucional por

“calamidade pública” tem razão de ser na sutil distinção semântica apurada entre os

verbetes “calamidade” e “catástrofe”, evidenciando-se que a preocupação constitucional

não foi apenas com o instante em que os agentes danosos atuam, mas com a

permanência e consolidação dos efeitos desses agentes, perdurando no tempo e

permanecendo o prejuízo por muito mais tempo do que aquele instante da causação

danosa.

Para que não ficássemos apenas na especulação teórica sobre o

significado das palavras, nos pareceu oportuno concretizar o conceito, apresentando

algumas situações de calamidade pública sanitária que, pela ocorrência histórica ou

periculosidade presente, merecem destaque, a saber: (1º) as epidemias; (2º) o

bioterrorismo e a guerra química ou biológica; (3º) os acidentes nucleares.

Passamos então ao núcleo da monografia, examinando os três

momentos da calamidade: o antes, o durante e o depois.

Quanto àquilo que acontece “Antes da Calamidade” (capítulo 4), o

ordenamento jurídico não está preocupado apenas com o enfrentamento de situações já

concretizadas, mas também procura de todas as formas possíveis prevenir e evitar essas

situações de calamidade, estabelecendo mecanismos de controle e de prevenção, que

objetivam impedir que ocorram. Aqui importa ao máximo evitar sua ocorrência e criar

condições para minorar suas conseqüências. Entre os instrumentos jurídicos

examinados, incluem-se a vigilância sanitária, a vigilância ambiental, a vigilância

epidemiológica, a vigilância internacional e o papel da Organização Mundial da Saúde,

a educação sanitária e a educação ambiental, a prevenção pela biossegurança e o

princípio da precaução, o prévio estudo de impacto ambiental e o direito penal sanitário.

Quanto àquilo que acontece “Durante a Calamidade” (capítulo 5),

interessam as medidas previstas pelo ordenamento jurídico para enfrentamento da

situação de calamidade, quando falha a prevenção. A forma como se dá o combate à

situação de calamidade depende da gravidade de sua ocorrência e do alcance de suas

conseqüências e efeitos. Mas nos pareceu importante examinar: a competência

constitucional para o combate dessas situações, o instituto da requisição de bens e

serviços particulares para fazer frente ao perigo, o empréstimo compulsório, a dispensa

de licitação, as medidas provisórias. Também examinamos as propostas legislativas

sobre a disciplina de um “estado de emergência epidemiológica” e “estado de

quarentena federal”, recentemente propostos em medida provisória e projeto de lei do

Poder Executivo, apontando àquilo que nos pareceu inconstitucional e inadequado

frente à Constituição vigente.

Mereceu destaque a abordagem dos mecanismos de defesa do Estado

e das Instituições Democráticas previstos nos artigos 136 a 141 da Constituição Federal

de 1988 (estado de defesa e estado de sítio), que constituem um regramento de

legalidade excepcional para ser aplicado em tempos de crise institucional, havendo

expressa previsão da calamidade pública como hipótese de sua adoção. Essa seria a

resposta extrema que o direito prevê para aquelas situações de exceção, e por isso

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pareceu oportuno um tratamento mais amplo da questão, dentro dos limites da

monografia.

Finalmente, quanto àquilo que acontece “Depois da Calamidade”

(capítulo 6), nos pareceu importante ressaltar o princípio da temporariedade que

caracteriza o sistema constitucional das crises: findo o motivo que justifica a exceção,

deve-se retornar ao regramento ordinário o mais breve possível. Isso porque as medidas

de exceção são acompanhadas do respectivo incremento de poder para a autoridade

pública impor as medidas coercitivas necessárias ao enfrentamento da calamidade. Esse

incremento somente se justifica enquanto estiverem presentes os motivos determinantes

de sua adoção. Cessado o motivo justificante da legalidade de exceção, também ela

cessa. Procuramos também abordar os mecanismos de controle da exceção, que

asseguram o retorno à normalidade institucional e, principalmente, permitem a

responsabilização daqueles que tenham cometido excessos ou abusos durante a crise. As

medidas de exceção são da responsabilidade do Poder Executivo, que por sua vez é

controlado pelos Poderes Legislativo e Judiciário. É importante essa partilha de

atribuições quanto à fiscalização e controle das medidas excepcionais, porque assim são

diminuídas as possibilidades de abuso ou excesso.

2. PRESSUPOSTOS FÁTICOS E TEÓRICOS

2.1. O homem e os outros homens:

A vida de cada pessoa humana é algo único, singular, precioso. Para

alcançar sua felicidade, o ser humano busca obter dessa vida o melhor resultado

possível, ocupando um espaço no mundo e usufruindo da melhor forma possível os

recursos desse mundo. Para conseguir isso, dispõe de liberdade e livre-arbítrio, que de

um lado lhe permite fazer as escolhas quanto à sua forma de vida, e de outro o torna

responsável por essas suas escolhas.

Entretanto, como o homem não está só no mundo (e a vida não teria

sentido se o homem estivesse só), a presença das outras vidas é inafastável da condição

humana. O outro importa porque ele é, ao mesmo tempo, diferente e semelhante a nós.

É diferente porque ele tem seu próprio livre-arbítrio e sua liberdade, que lhe permitem

seguir seus caminhos tão livremente quanto nós poderíamos seguir os nossos. É

semelhante porque também é ser humano, dotado das mesmas prerrogativas e do

mesmo desejo por felicidade de que somos dotados.

Como a dimensão do outro existe e é relevante por dar sentido à nossa

existência, como existência humana, é impossível conceber a humanidade sem que os

indivíduos convivam em espaços próximos, mas num mundo de recursos limitados. Os

desejos humanos seriam, em princípio, ilimitados, enquanto os recursos para satisfazê-

los são limitados. Daí surgem conflitos entre sujeitos humanos e a premente necessidade

de regulação desses conflitos e da própria vida social, evitando que a busca pela

felicidade e o gozo das liberdades individuais acabe destruindo a própria vida que

ambiciona preservar-se.

Surgem então na organização humana diversos mecanismos e formas

de controle das liberdades individuais, inclusive a noção de bem comum, que procuram

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conciliar, da melhor forma possível, os diferentes desejos humanos, permitindo assim

que pessoas com concepções distintas de mundo e com desejos muitas vezes

concorrentes consigam sobreviver num espaço comum, buscando uma harmonia e um

equilíbrio entre suas concorrentes formas de vida. O direito é o instrumento por

excelência desse controle das liberdades individuais nas sociedades que se dizem

civilizadas, estabelecendo regras que devem ser obedecidas e observadas para que se

alcancem aqueles condições minimamente necessárias para a sobrevivência comum. A

adoção desses mecanismos, muitas vezes impostos pela força ou por situações históricas

que se perdem na lembrança dos povos, cobram um preço caro às liberdades

individuais, tendo implicações profundas na vida de cada um: estabelecem limites ao

livre-arbítrio e exigem um preço para aqueles que não seguem o que é socialmente

esperado de cada um.

Não é nosso objetivo analisar com minúcia esses processos e

mecanismos, que há séculos ocupam as páginas da filosofia política e da história da

humanidade. Mas para compreendermos o que está por trás dos mecanismos jurídicos

de controle social nas calamidades públicas sanitárias, é conveniente examinar o que

justifica a adoção de estados de exceção e a limitação das liberdades individuais,

examinando-se: (1º) os conflitos entre o indivíduo e a coletividade, que conduzem à

limitação das liberdades para que elas próprias possam ser gozadas por todos; (2º) as

tensões entre fatos e normas, que algumas vezes chegam a autorizar a ruptura da

normalidade com a adoção de um estado de exceção.

2.2. A tensão entre individual e coletivo:

Sendo cada vida humana única, singular, insubstituível e irredutível, e

dependendo a plena realização dessa vida da interação com as outras individualidades,

disso surgem conflitos entre os indivíduos e daí a necessidade de meios

institucionalizados para solução desses conflitos. O homem politiza-se. Civiliza-se. É

esse o tema por excelência da filosofia política: como podem os indivíduos viver

juntos? A história e a filosofia dão mostras de que não é fácil a resposta para essa

questão, variando as respostas conforme as épocas e os povos. Às vezes, procurando

essa resposta, os homens cometem erros brutais.

Não obstante algumas desastradas experiências totalitárias, o mundo

ocidental contemporâneo tem procurado suas respostas na construção de Estados

democráticos de Direito, onde os conflitos individuais e coletivos podem ser resolvidos

por meio de mecanismos institucionais próprios, assegurando a todos – muitas vezes, no

mínimo, nominalmente4 – a condição de pessoa humana e de sujeito de direitos, com as

4 Aqui nossa idéia que a democracia não é necessariamente um sistema acabado, não sendo necessário

que a justiça social e a representação política tenham sido definitivamente alcançados para que se pudesse

falar num Estado Democrático de Direito. Dificilmente encontramos Repúblicas perfeitas, onde impere

sempre e acima de tudo a justiça. Muitas vezes, principalmente nas democracias incipientes, os Estados

Democráticos ainda estão em construção, caminhando cidadãos e governantes em direção a uma situação

adequada de representatividade política e justiça econômica. Os extremos são fáceis de descaracterizar

como Estados Democráticos de Direito, isto é, facilmente concluímos que estados em que impere a

miséria, o arbítrio, a anarquia, a fome, a corrupção, a impunidade, etc, não se caracterizam como tais. Mas

dificilmente encontramos no mundo situações perfeitas, em que os direitos dos cidadãos são plenamente

assegurados de forma igualitária e sem exclusão, ou então em que os governantes estejam sujeitos a um

controle perfeito, não havendo um mínimo espaço para impunidade, nem sendo possível a eles fugirem da

responsabilização por seus atos. A maioria das Repúblicas parece situar-se numa zona cinzenta,

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inerentes conseqüências: universalidade do voto, valorização do trabalho humano,

reconhecimento da cidadania, proteção do pluralismo político, tolerância com as

diferenças, promoção do bem de todos, busca da liberdade, da justiça e da solidariedade,

ausência de discriminação, etc.

Mesmo numa democracia, todavia, não é fácil encontrar o ponto de

equilíbrio e a medida de todas as coisas. As diferenças individuais, as distintas

aspirações de cada um e, principalmente, situações historicamente geradas e

consolidadas fazem com que muitos dos objetivos constitucionais encontrem

dificuldade para se concretizarem no cotidiano. A igualdade fica sendo apenas

meramente formal, a justiça se perde em discussões meramente semânticas, a

solidariedade não surge espontaneamente, o respeito mútuo cede lugar à cobiça

individual. A sociedade e suas instituições não conseguem satisfatoriamente dar conta

dos conflitos que surgem entre os indivíduos, e acaba prevalecendo a vontade de alguns

em detrimento daquilo que seria o bem de todos. As instituições passam a ter donos e

estes donos definem qual o ideal social a ser alcançado, que pode não refletir

necessariamente as aspirações de pluralismo, de tolerância e de não-discriminação que

permitiriam a felicidade nas vidas individuais.

Esses conflitos às vezes são latentes ou velados. Outras vezes estão

dissimulados nas práticas cotidianas ou então legitimados pelas próprias instituições ou

agentes de poder que os produzem e impõem, fazendo com que não sejam questionados

por terem uma origem desde tempos imemoriais. Outras vezes, a diferenciação é

explícita e adotada com objetivo de pretensa preservação social, não sendo aceita a

diferença e até mesmo sendo perseguida na tentativa de exterminá-la e assim garantir a

hegemonia de um determinado grupo, de uma determinada concepção ou de uma certa

forma de vida. O documentário “Homo Sapiens 1900”5, construído a partir de arquivos

de fotos e filmes, dá uma exata noção do que se está falando. Documentos oficiais

revelam idéias e teorias envolvendo a eugenia e a limpeza racial como formas de

“aperfeiçoar” a espécie humana e criar um novo homem, seja no totalitarismo de direita

(nazismo, onde a eugenia procurava o corpo perfeito), seja no totalitarismo de esquerda

(stalinismo, onde procurava a mente perfeita). O documentário mostra como, na

Alemanha, a limpeza racial passava pelo corpo, pela perfeição e beleza física, enquanto

na União Soviética, a eugenia tinha como foco o cérebro e o intelecto. O documentário

mostra como a manipulação biológica pode ser usada como arma para eliminar todos os

que não se adaptam ao “padrão racial” imposto por um modelo totalitário de ideal

humano.

Também Michel Foucault examina com minúcia esses mecanismos de

controle do indivíduo, apresentando o corpo como uma realidade biopolítica, a ser

implantando em seus ordenamento uma série de regras que, ao menos nominalmente, tendem para um

Estado Democrático de Direito. Isso não significa, entretanto, que tenham atingido aquela justiça social e

representatividade política que seria ideal, mas apenas que tendem para isso, que estão buscando construir

seus caminhos nessa direção, fazendo suas opções em busca de algum dia conquistarem um lugar assim.

Até lá, é preciso muita luta e muita vigilância por parte dos cidadãos e da sociedade, através de seus

órgãos e instituições, controlando o exercício do poder e buscando a responsabilização daqueles que não

cumpram, na prática, os mandamentos normativamente previstos quanto à observância de princípios

democráticos. Por isso, nossa ressalva quanto ao “mínimo nominal”...

5 HOMO SAPIENS 1900. Direção, Roteiro e Montagem: Peter Cohen. Fotografia: Peter Östlund e Mats

Lund. Suécia, Arte Factum, Swedish Television, The Swedish Film Institute, 1998. 1 filme, son., col., 85

min.

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controlado e moldado a um modelo ideal construído por alguns ou por muitos6. Sandra

Jathay Pesavento analisa como se dá a criação desses quase universos paralelos, entre

cidadãos e excluídos, nas cidades7 e na própria literatura

8.

No caso brasileiro, por exemplo, historicamente a higiene e a

sexualidade foram controladas e a medicina social era utilizada como instrumento

político, buscando aquilo que foi definido oficialmente como o ideal perfeito. Os

higienistas e a Igreja produziam um discurso que justificava as práticas adotadas e

criava papéis sociais para homens e mulheres, que deveriam ser desempenhados sob

pena de se ter uma indesejada situação de anomalia, que devia então ser medicada,

curada ou extirpada9.

A necessidade desse controle fez com que surgissem então os

anormais, os excluídos, os marginais, os loucos, os doentes, que eram aqueles que não

se enquadravam naquelas cômodas expectativas oficiais10

. Algumas vezes será preciso

combatê-los, mas noutras bastará segregá-los para longe, isolá-los e assim afastar o

perigo. Os exemplos históricos são muitos, alguns bastante recentes. A Inquisição

Católica destruía os elementos nocivos que punham em risco a fé oficial. Os índios

tinham que ser convertidos para serem salvos, destruindo-se assim sua forma de vida

para que ganhassem uma nova religião e o verdadeiro Deus. Os ritos religiosos dos

negros africanos eram proscritos e proibidos. O nazismo germânico procurou

exterminar as raças “inferiores” para purificar a humanidade. O stalinismo soviético

aniquilou os que poderiam ter idéias diferentes, como aliás sempre foi próprio de

qualquer ditadura ou totalitarismo, de esquerda ou de direita. Na época das epidemias e

pestes medievais, os doentes eram segregados e amaldiçoados. Também os portadores

de tuberculose e da hanseníase tinham seus dias de segregação e maldição, assim como

os loucos de todo o gênero e aqueles que eram assim classificados pela ciência então

6 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 3 vols. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988, 1990 e

1985. _____. Microfísica do Poder. 11ª reimpressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1995. _____.

História da loucura. 4ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995. _____. Vigiar e Punir. 9ª edição.

Petrópolis: Vozes, 1991. _____. O Nascimento da clínica. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2001.

7 É a situação da distinção, que recentemente ganha força nos estudos humanos, entre “cidadãos” e

“excluídos”, que é tratada em PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos

no final do século XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. Para ela, “se, metaforicamente,

Deus tomara a iniciativa de instaurar a diferença, como nos revela o Antigo Testamento, os homens

foram de uma eficácia extraordinária na perseguição de tal tarefa, sofisticando as partilhas, delimitando

os espaços, dividindo os grupos, instituindo normas e conformando as práticas” (op. cit., pp. 7-8).

8 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. 2ª edição. Porto

Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

9 BONATO, Nailda Marinho da Costa. Educação [sexual] e sexualidade: o velado e o aparente.

Dissertação de mestrado em educação. Rio de Janeiro, 1996.

10 Nesse sentido, “a cidade que se estrutura e constrói não o faz somente pela materialidade de suas

construções e pela execução dos serviços públicos, intervindo no espaço. Há um processo concomitante

de construção de personagens, com estereotipia fixada por imagens e palavras que lhes dá sentido

preciso. Os chamados indesejáveis, perigosos, turbulentos, marginais, podem ser rechaçados e

combatidos como o inimigo interno, ou, pelo contrário, podem se tornar invisíveis socialmente, uma vez

que sobre ele se silencia e nega a presença. Esses excluídos, não-cidadãos, formam os selvagens, ou

bárbaros de dentro. Eles se opõem à cidade que se quer e que deve se aproximar, em maior ou menor

grau, da matriz civilizatória desejada” (PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos

excluídos no final do século XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001, p. 12-3).

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13

vigente. Em outros casos, percebe-se um tratamento diferenciado entre o cidadão e o

excluído, entre quem pode ser socialmente útil (o recém-chegado imigrante europeu) e

aquele que é apenas um fardo social (o recém-liberto escravo africano)11

.

Tudo isso traz problemas no âmbito individual e, principalmente, dá

origem a conflitos praticamente insolúveis entre os envolvidos, se consideradas apenas

as regras aplicáveis às situações de normalidade. Esses conflitos existem e são

inevitáveis. Alguns foram criados por situações históricas que se perdem no tempo (o

problema da escravidão africana na América; a destruição das culturas indígenas da

América; os conflitos entre israelenses e palestinos; a política exterior norte-americana e

os interesses dos outros povos autodeterminarem-se e buscarem as soluções mais

apropriadas; os imigrantes que buscam trabalho na Europa e a resistência dos europeus

à mão-de-obra estrangeira; os nacionalismos; o terrorismo, etc). Mas não importa mais

as origens nem as causas desses problemas e conflitos. O que agora é essencial é

buscarem-se soluções. Como dar conta dessas situações? Como resolver ou, ao menos,

diminuir esses conflitos?

A abordagem das situações de anormalidade institucional, provocadas

por calamidades públicas sanitárias, coloca questões que estão presentes no

equacionamento dessas questões. As situações não são idênticas, mas há uma

semelhança entre elas, porque todas se originam do conflito havido entre pretensões

individuais de felicidade, chocando-se indivíduo e coletividade.

Por exemplo, no caso de uma epidemia altamente contagiosa, será

preciso equacionar o direito do doente à vida e à liberdade (indivíduo), e o mesmo

direito dos ainda não-contaminados (coletividade)12

. São necessários instrumentos

jurídicos capazes de, num quadro de grave emergência sanitária, sem tempo para as

deliberações próprias do processo democrático, assegurar a vida e a dignidade dos

11 Nesse sentido, “a febre amarela, flagelo dos imigrantes que, esperava-se, ocupariam o lugar dos

negros nas lavouras do Sudeste cafeeiro, tornou-se o centro dos esforços de médicos e autoridades.

Enquanto isso, os doutores praticamente ignoravam, por exemplo, uma doença como a tuberculose, que

eles próprios consideravam especialmente grave entre a população negra do Rio. A intervenção dos

higienistas nas políticas públicas parecia obedecer ao mal confessado objetivo de tornar o ambiente

urbano salubre para um determinado setor da população. Tratava-se de combater as doenças hostis à

população branca, e esperar que a miscigenação – promovida num quadro demográfico modificado pela

imigração européia – e as moléstias reconhecidamente graves entre os negros lograssem o

embranquecimento da população, eliminando gradualmente a herança africana da sociedade brasileira”

(CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia

das Letras, 1996, p. 8-9).

12 José Saramago explorou essas possibilidades, numa obra literária, mostrando como seria uma

quarentena e as conseqüências disso para a vida social e individual. No início da quarentena, quando os

primeiros contaminados são confinados, é preciso decidir por um líder: “Disse a rapariga, O melhor seria

que o senhor doutor ficasse de responsável, sempre é médico, Um médico para que serve, sem olhos nem

remédios, Mas tem a autoridade. A mulher do médico sorriu, Acho que deverias aceitar, se os mais

estiverem de acordo, claro está, Não creio que seja boa idéia, Porquê, Por enquanto só estamos aqui

estes seis, mas amanhã de certeza seremos mais, virá gente todos os dias, seria apostar no impossível

contar que estivessem dispostos a aceitar uma autoridade que não tinham escolhido e que, ainda por

cima, nada teria para lhes dar em troca do seu acatamento, e isto ainda é supor que reconheceriam uma

autoridade e uma regra, Então vai ser difícil viver aqui, Teremos muita sorte se só for difícil. A rapariga

dos óculos escuros disse, A minha intenção era boa, mas realmente o senhor doutor tem razão, cada um

vai puxar para o seu lado” (SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 14ª reimpressão. São Paulo:

Companhia das Letras, 2000, p. 53).

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14

indivíduos envolvidos, e ainda permitir o mais rápido retorno à normalidade, mesmo

que às vezes isso implique alguns sacrifícios.

2.3. A tensão entre fatos e normas:

Como geralmente acontece, as regras constitucionais e legais tratam

prioritariamente das situações de normalidade institucional. Aquilo que ordinariamente

acontece (e deveria acontecer) é a matéria-prima que constituintes e legisladores

utilizam na sistematização das regras de uma determinada coletividade.

Entretanto, só isso não basta13

. É preciso também tratar de situações

excepcionais, onde medidas excepcionais serão permitidas justamente para evitar a

ruptura completa da normalidade e assim preservar aquele curso de vida, que se entenda

necessário para satisfação dos anseios humanos. Muitas vezes, os fatos mostram-se

rebeldes à generalidade das regras e, por isso, as regras precisam alcançar também esses

fatos anormais (exceções)14

, sob pena de perderem sua função de reguladoras das

condutas humanas. Se a regra não previsse o espaço para sua exceção, haveria vácuo

normativo no momento - de extrema gravidade - em que a esperada normalidade (a

regra geral) não basta15

. Assim, quando a regra prevê também sua exceção, evita-se

13 Nesse sentido, “a Constituição deve afirmar-se não só em tempos normais, mas também em situações

de emergência e de crise. Se ela não providencia para o vencimento de tais situações, então aos órgãos

responsáveis, no momento decisivo, não resta outra possibilidade que esta, de passar por cima da

Constituição” (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da

Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 528). Por isso, “a Constituição deve, por

conseguinte, por um lado criar a possibilidade de opor-se, no caminho do direito, às situações de

exceção que podem ser predeterminadas só dificilmente em particular, que não se deixam vencer com

meios jurídico-constitucionais normais; ela deve, por outro lado, proteger contra isto, que a

concentração de poder, que o estado de exceção requer, não seja mantida mais além da duração da

situação de exceção e abusada para isto, eliminar a ordem constitucional normal” (HESSE, Konrad.

Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1998, pp. 528-529).

14 Nesse sentido, tratando das estruturas de exceção, diz-se que elas incorporam o direito de necessidade

ao ordenamento constitucional: “Qualquer que seja o enunciado lingüístico e qualquer que seja a pré-

compreensão dos autores relativa ao „direito de exceção‟, o leque de questões subjacente à

constitucionalização do regime de necessidade do Estado reconduz-se fundamentalmente ao seguinte:

previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa da

ordem constitucional em caso de situação de anormalidade que, não podendo ser eliminadas ou

combatidas pelos meios normais previstos na Constituição, exigem o recurso a meios excepcionais.

Trata-se, por conseguinte, de submeter as situações de crise e de emergência (guerra, tumultos,

calamidades públicas) à própria Constituição, „constitucionalizando‟ o recurso a meios excepcionais,

necessários, adequados e proporcionais, para se obter o „restabelecimento da normalidade

constitucional‟” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra:

Livraria Almedina, 1987, p. 851).

15 Nesse sentido, “incorporação constitucional de uma disciplina extraordinária para situações de

emergência significa que se pretende não apenas uma causa de justificação eventualmente excludente de

culpa por fatos ou medidas praticadas para defender a ordem constitucional (o que pressupõe a sua

„ilicitude constitucional‟) mas uma causa justificativa que exclua a idéia de ilicitude dos mesmos fatos ou

medidas (o que implica, desde logo, o reconhecimento do direito e dever das autoridades

constitucionalmente competentes para recorrer a meios excepcionais, necessários, adequados e

proporcionais para afastar perigos graves ou situações de crise que ameaçam a ordem constitucional

democrática). A „constitucionalização‟ do direito de necessidade estadual considera-se a solução mais

conforme com a „idéia constitucional‟, porque é preferível ser a Constituição a consagrar e a definir os

pressupostos dos estados de exceção, a ter de recorrer-se a princípios de necessidade extra ou

supraconstitucional, susceptíveis de manipulação a favor de uma qualquer „razão de Estado‟ ou de

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15

dispêndio desnecessário de energia em momentos de crise e instituem-se mecanismos

normativos, dentro do próprio sistema, para sua preservação e higidez16

. Como dito em

obra clássica sobre o tema, “essa ordem especial se caracteriza por uma concentração

temporária do poder sem que haja ruptura da legalidade. Antes uma legalidade

excepcional se substitua à legalidade ordinária, por tempo certo”17

.

Para compreender a distinção entre a legalidade ordinária e a

legalidade de exceção, é preciso compreender que ambas não estão num mesmo plano

lingüístico. A legalidade ordinária é como uma linguagem natural, considerada como

aquela que dá conta das situações de normalidade institucional. Já o discurso sobre uma

legalidade de exceção, embora inserido dentro das próprias regras da legalidade, está

num plano metalingüístico, porque dá conta de situações excepcionais, que não são

aquelas propriamente previstas pela legalidade ordinária. Ou seja, quando se diz que as

“regras” são de regras de exceção, não se está deixando de dizer que elas são regras,

porque afinal estão previstas. Apenas se está afirmando que elas atuam num plano

distinto daquele da legalidade ordinária, que dá conta de situações ordinárias. Previstas

no mesmo ordenamento, essas regras de exceção alcançam situações específicas (onde

as regras ordinárias não foram suficientes), não atuando como regras gerais para os

casos gerais, mas como regras específicas para situações específicas normativamente

„segurança e ordem pública‟, invocada por „chefes‟ ou „governos‟ (a idéia clássica de ditator anda

precisamente associada a situações de necessidade) sem qualquer arrimo normativo constitucional”

(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,

1987, pp. 851-852).

16 Aqui cabe utilizar a lição de Carl Schmitt, que comparava a exceção na política ao milagre na teologia,

o que permitirá aqui compreender a distinção lógica existente entre uma regra geral e as regras de sua

exceção, permitindo que se perceba a distinção metalingüística envolvida quando se trata de evidenciar a

insuficiência da regra geral para dar conta dos fatos reais, o que evidencia essa tensão entre fatos e

normas que agora é tratada. Para esse autor, é soberano quem pode ditar a regra da exceção, abrindo uma

brecha na normalidade das leis jurídicos, da mesma forma que o santo era aquele que era capaz de

produzir um milagre, abrindo uma brecha na normalidade das leis físicas. Tratando do estado de exceção,

Carl Schmitt refere: “Assim que essa condição se instala, torna-se claro que o Estado continua existindo,

enquanto o direito recua. Como o Estado de exceção ainda é algo diferente da anarquia e do caos, no

sentido jurídico a ordem continua subsistindo, mesmo sem ser uma ordem jurídica. A existência do

Estado mantém, nesse caso, uma indubitável superioridade sobre a validade da norma jurídica. A

decisão liberta-se de qualquer ligação normativa e torna-se, num certo sentido, absoluta. No caso da

exceção o Estado suspende o direito em função de um, por assim dizer, direito à auto-preservação. Os

dois elementos do conceito „ordem jurídica‟ chocam-se entre si e provam sua independência conceitual.

Como no caso normal, em que o momento independente da decisão pode ser reduzido a um mínimo, no

caso da exceção a norma é eliminada. Mesmo assim, o caso de exceção continua acessível ao

reconhecimento jurídico, porque ambos os elementos, tanto a norma quanto a decisão, permanecem no

âmbito jurídico. (...) A exceção é o que não se pode acrescentar; ela subtrai-se à constituição geral, mas

ao mesmo tempo revela um elemento formal jurídico específico, em sua pureza absoluta, que é a decisão.

O caso excepcional só entra em sua forma absoluta quando, primeiro, é criada uma situação na qual as

normas jurídicas possam ser validadas. Toda norma geral exige uma condição normal das relações de

vida, nas quais ela tem que encontrar a sua aplicação tipificada e submetê-la à sua regulamentação

normativa. A norma precisa de um meio homogêneo. Essa normalidade efetiva não é só uma

„pressuposição externa‟ que pode ser ignorada pelo jurista; ela pertence à sua validade imanente. Não

existe norma aplicável no caos. A ordem deve ser implantada para que a ordem jurídica tenha um

sentido. Deve ser criada uma situação normal, e soberano é aquele que decide, definitivamente, se esse

Estado normal é realmente predominante” (SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar. São

Paulo: Scritta, 1996, pp. 92-3).

17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 22.

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16

delimitadas. Essa natureza eminentemente metalingüística do discurso sobre os dois

tipos de legalidade não pode ser esquecida, sob pena de ser obscurecida a distinção de

planos lógicos existentes entre uma regra e suas exceções.

Essa distinção entre regra e exceção fica bem caracterizada no

tratamento da exceção sanitária em nosso ordenamento jurídico, onde a regra geral é a

democracia. A Constituição é democrática. O Estado é democrático e quer se manter

democrático. Numa democracia, as mudanças se dão de forma gradual, com amplo

debate público, com possibilidade de exercício das prerrogativas da liberdade de cada

um, com direito à participação e opinião. Conseqüentemente, democracia exige tempo,

esforço, paciência, tolerância, construção. Os espaços públicos precisam ser criados,

nutridos e consolidados. É preciso o pluralismo de idéias, evitando-se

fundamentalismos. Precisa haver espaço para acomodação individual diante do social e

do coletivo. Isso não se consegue pela força, mas através da discussão, esclarecimento,

deliberação, tolerância.

Mas a complexidade crescente do mundo contemporâneo faz com que

o tempo seja escasso. As tecnologias surgem e tornam-se obsoletas em pouco tempo. Os

produtos já nascem descartáveis. A globalização faz tudo muito veloz: comunicações,

transportes, moda, economia, consumo, fluxo de capitais e idéias, etc. O avanço

genético e as descobertas da ciência colocam nas mãos do homem a possibilidade de

manipular a natureza e buscar nessas combinações soluções para seus problemas, quase

como se brincasse de ser um Criador de mundos e de criaturas.

O homem não é, todavia, um Criador onipotente e onisciente, porque

muito ainda é desconhecido e os avanços no seu conhecimento fazem cada vez maiores

suas dúvidas e suas possibilidades, e com isso maiores suas responsabilidades e maior o

risco a que expõe a si, seus semelhantes e seus descendentes. Ao mesmo tempo em que

manipula a vida e os processos biológicos, o homem ainda não sabe exatamente aonde

isso pode conduzi-lo e que efeitos trará para as gerações de amanhã. Aumenta cada vez

mais o risco de perder o controle desses processos, acontecendo uma situação como

aquela poeticamente retratada no filme infantil “Aprendiz de Feiticeiro”, um desenho

animado de Walt Disney, baseado num poema de J. W. Goethe18

.

Esse descontrole quanto à realidade pode ocorrer por acidente (os

acidentes nucleares de Goiânia e Chernobyl; a talidomida), ou por deliberada intenção

de utilizar os fenômenos químico-biológicos como armas (o agente laranja nas guerras

na Ásia; o gás sarin em Matsumoto e Tóquio19

; o anthrax nos Estados Unidos)20

.

18

Nesse desenho animado (FANTASIA 2000: O Aprendiz de Feiticeiro. Edição: Jessica Ambinder

Rojas e Lois Freeman. Walt Disney Home Video, 2000. 1 filme, 75 min, son., color), Mickey Mouse

interpreta um incauto aluno das artes mágicas que, aproveitando a ausência do mestre, resolve aplicar um

feitiço às escondidas. Faz com que uma vassoura crie pernas e braços, pegue um balde e vá buscar água

no rio, desempenhando assim a tarefa que competia ao aprendiz. Tudo corre bem até que o aprendiz

percebe que não sabe as palavras mágicas para fazer com que a vassoura pare. A cada momento, mais

água ela traz para casa. Tentando evitar uma inundação, o rapaz tem a infeliz idéia de destruir a vassoura

com um machado, e parte-a ao meio. Agora as duas metades vão buscar água, duplicando a quantidade

trazida e cada vez mais piorando a situação. No último momento, o mestre reaparece e resolve a situação,

evitando que Mickey Mouse fosse afogado pelas forças sobrenaturais que pôs em movimento mas,

infelizmente, não sabia controlar.

19 Nesse sentido, “on 20 March 1995, a terrorist group launched a coordinated attack with the nerve gas

sarin on commuters on the Tokyo subway system. This highly publicized attack killed 12 people and

caused over 5 000 to seek care. Without the prompt and massive emergency response by the Japanese

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17

Portanto, nem sempre os fatos vão deixar espaço e tempo para aquela

acomodação que a normalidade institucional exige. Não se conhece a existência de uma

“válvula de segurança” na natureza, que garantisse o homem contra seus erros e sua

ganância. Poderão ocorrer situações em que os homens percam o controle dos fatos

diante da natureza modificada, que então não é mais conhecida nem previsível em seus

efeitos, porque manipulada. Aqui, um controle posterior da atuação humana se mostrará

inviável e inútil. As causas já terão sido produzidas e os efeitos não poderão ser

evitados. A observância integral dos processos democráticos, próprios da normalidade

institucional, estará inviabilizada. Não haverá tempo para discussão pública das

questões, nem espaço para mudanças legislativas.

Nessas situações de anormalidade e emergência, as alternativas serão

ou perecer ou defender21

. Quando ocorrem essas mudanças bruscas e imprevistas, o

melhor resultado será aquele que reduza ao máximo as perdas e devolva o caminho à

normalidade institucional. Isso somente poderá ser retomado com a adoção de medidas

excepcionais, que aparentemente suprimem direitos e garantias individuais, mas o

fazem de forma justificada, proporcional e razoável. A Constituição reconhece que a

democracia é o melhor caminho, mas nem sempre ela conseguirá sozinha manter o

curso da normalidade institucional. A democracia quer preservar a si própria, e isso

significa preservar os indivíduos e suas vidas, porque a democracia não basta em si

mesma, nem é fim único ou supremo. Ela somente se justifica no instante em que

assegura a dignidade da pessoa humana e garante a cada indivíduo o máximo possível

de condições para alcançar uma situação de felicidade individual e de bem coletivo. A

democracia só se justifica porque ela é a forma mais efetiva que temos acesso para (ao

authorities, and some fortunate mistakes by the terrorist group, the incident could have been much more

devasting. While this is the most widely publicized incident of this type, it is not the first nerve-gas attack

in Japan. In June 1994, 7 people were killed and over 300 injured in an attack by the same group on a

residential apartment building in Matsumoto” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health

response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001,

p. 52).

20 Nesse sentido, “na maioria dos casos, a aquisição de capacidade nuclear exige um gigantesco

investimento financeiro: há dificuldades para se obter os componentes e as técnicas e as instalações

precisam ser imensas – e, por isso, logo são identificadas. Por outro lado, uma arma biológica pode ser

preparada com poucos recursos, em instalações pequenas (até mesmo na carroceria de um caminhão) e

transportada com facilidade”, sendo que “a guerra biológica é especialmente conveniente para os países

menos desenvolvidos e os grupos terroristas. No dia em que uma dessas armas for usada, os mortos

certamente serão contabilizados na casa das dezenas ou centenas de milhares – sobretudo se o agente for

a varíola ou alguma forma de peste” (SIMONS, Lewis M. Armas de destruição maciça: Um novo e

sinistro capítulo do pior legado do século 20. In: Revista National Geographic (edição brasileira), São

Paulo, Editora Abril, ano 03, nº 31, p. 47, novembro de 2002).

21 Nesse sentido, “os fatos têm (...) forçado a edição da norma jurídica. Nem seria possível que, em face

da necessidade, da crise, da urgência, da emergência, para atender a situações excepcionais, o regime se

mostrasse incapaz de agir. Daí a teoria das emergências constitucionais, que embora apresente riscos

graves, não pode deixar de ser elaborada, sob pena de possibilitar o risco ainda mais grave da

subversão do regime. Nessa perplexidade – entre a hipótese de prever a emergência e vê-la utilizada com

ou sem real necessidade e conveniência, o que será sempre difícil distinguir, na realidade, e correndo o

risco de não retornar, facilmente, à normalidade; e a hipótese de não a prever, com o risco da subversão

e dissolução do regime, pela vitória, sobre ele, das forças, internas ou externas, que o enfrentam e

minam; claro que a democracia só poderia optar pelo risco menor da primeira alternativa” (CORRÊA,

Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro: Presença,

1980, p. 24).

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18

menos) tentar assegurar a vida individual de todos. A democracia não se confunde com

a aplicação pura e simples da regra da maioria22

.

Diante da emergência, o Estado tem que se preservar, não porque seja

um fim em si mesmo, mas porque é meio para preservar outro fim: a vida social, que

permite a manutenção das vidas individuais da melhor forma possível23

.

3. CALAMIDADES PÚBLICAS SANITÁRIAS

3.1. O uso do termo “calamidade” na Constituição de 1988:

Antes de examinarem-se as possíveis respostas constitucionais às

calamidades públicas sanitárias, é conveniente precisar o significado desse conceito, o

que será feito a partir do texto constitucional e da linguagem ordinária.

No texto da Constituição Federal de 1988, a idéia de “calamidade

pública” está presente nos arts. 21-XVIII, 136 e 148-I, onde há explícita menção àquela

hipótese.

No art. 21-XVIII da CF/88 é atribuída competência à União para

“planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas,

especialmente as secas e as inundações” (grifou-se). Embora sejam enumeradas as

secas e as inundações como exemplos específicos de calamidades públicas, o conceito

fica aberto a outras situações que constituam calamidade pública, havendo então espaço

para o intérprete constitucional incluir outras situações fáticas no conceito

constitucional de calamidade pública, como seria o caso dos acidentes ou desastres

sanitários. O texto constitucional não traz aqui nenhuma indicação do que seria

necessário para a configuração de uma situação de calamidade pública, apresentando

apenas duas hipóteses que pretende ressaltar no texto constitucional, provavelmente

22 Nesse sentido, é dito que a simples regra da maioria, à semelhança do princípio da legalidade e demais

princípios fundamentais à plenitude e legitimidade do Estado de Direito, é parte de uma conflitiva e

jamais acabada ordem democrática, porque “a democracia exige a vigilância constante de suas formas e

seus princípios” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2ª edição. São Paulo:

Editora Max Limonad, 2000, p. 123). Daí sua conclusão de que “o maior número tem sempre essa

característica: suplantar a autoridade, abater a tirania. Mas também representa, de outra parte, ele

mesmo a autoridade e a opressão à minoria. Por isso, compatibilizar a regra da maioria com os

princípios da democracia significa ver nela apenas um dos elementos para a busca do consenso. O passo

preliminar para a democracia mais ampla” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia.

2ª edição. São Paulo: Editora Max Limonad, 2000, p. 124).

23 Não se pense, entretanto, que é fácil o caminho da legalidade de exceção. Existem muitos riscos na sua

adoção, que somente se justificam porque são maiores os perigos da ausência completa da legalidade nas

relações estatais. Sobre os riscos dessa legalidade excepcional, já foi dito que “a defesa da constituição

por métodos drásticos, que se opera com maior ou menor eficiência pelo estado de sítio, pela lei marcial

ou por qualquer outro sistema, não vai sem perigos. O recurso à força gera reação pela força que pede

mais força. Um círculo vicioso pode então ocorrer que aprofunde as dissensões em lugar de reduzi-las.

Por outro lado o poder embriaga e o fortalecimento do poder decorrente do arsenal de medidas

excepcionais desacostuma o governante da rotina e dos entraves da vida normal. Há, pois,a tentação de

transformar o recurso excepcional em meio de rotina. Servir-se da garantia contra o garantido”

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 25).

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19

pela ocorrência freqüente desses fatos da natureza (secas e inundações), que são comuns

em algumas regiões do País, trazendo sérios danos à população civil24

. Basta

acompanhar os noticiários da imprensa, que periodicamente divulgam situações de

calamidade pública em razão de chuvas intensas ou de seca prolongada. A menção a

essas situações, cuja ocorrência chega a ser previsível em determinadas regiões do País,

dada sua ocorrência histórica frequente, evidencia que a previsibilidade do evento não é

fator determinante para identificação da matriz do conceito constitucional de

calamidade pública, tanto que se fala em “defesa permanente” contra essas calamidades

públicas. Daí a conclusão de que não é a imprevisibilidade do evento que o faz uma

“calamidade pública”, mas o seu alcance: os efeitos que o evento produz, os danos que

causa, sejam previsíveis, previstos, imprevisíveis ou imprevistos. Além disso, o que se

pode extrair dessa menção constitucional é a qualificação de “pública” que acompanha a

situação de calamidade. Não está o constituinte precipuamente preocupado com a

situação pessoal dos atingidos pela calamidade, mas com seu caráter “público”, isto é, o

fato de extrapolar os interesses individuais e privados de determinado grupo de pessoas,

alcançando a coletividade como um todo, tendo um alcance de “calamidade pública”.

Então, da norma do art. 21-XVIII da CF/88 podemos extrair dois elementos relevantes

para a identificação da matriz constitucional do conceito: (a) não importa para a

definição de “calamidade pública” que ela seja imprevisível ou imprevista, não sendo

relevante sua previsibilidade para sua caracterização; (b) ela tem uma dimensão

“pública”, alcançando suas conseqüências não apenas os interesses individuais ou

privados de uma determinada pessoa ou coletividade.

No art. 136 da CF/88 é atribuída ao Presidente da República a

possibilidade de “decretar estado de defesa para preservar ou prontamente

restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social

ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por

calamidades de grandes proporções na natureza” (grifou-se). Nesse artigo, a menção à

calamidade é feita de forma mais específica, indicando os elementos pertinentes à sua

identificação. Novamente aqui não interessa a possibilidade de previsão da situação de

calamidade, mas sua efetiva ocorrência. O que importa são os efeitos que podem ser

produzidos ou que efetivamente foram produzidos pelos fatos, que são graves a ponto

de perturbarem a ordem pública ou a paz social. As conseqüências que os fatos da

natureza podem trazer é o que vai importar para a configuração da hipótese

constitucional, estando explícita que a calamidade é um fato de “grandes proporções na

natureza”. Não é necessário que ela alcance todo o território nacional, sendo possível

ser localizada e determinada, desde que exista com suficiente força para provocar um

abalo na ordem institucional, seja pela sua gravidade, seja pelos riscos iminentes de sua

expansão a outras regiões e outras pessoas. A norma constitucional não prevê o estado

24 Nesse sentido, referindo-se à dispositivo semelhante na ordem constitucional anterior, diz-se que o

destaque a essas situações tem “sua razão histórica nas condições ambientais em que se processou o

desenvolvimento populacional brasileiro: de um lado, a persistência sertaneja no vencer a adversidade

climática do Nordeste; e de outro, a frequência dos surtos de moléstias tropicais, grassando em muitas

regiões, desde os tempos do Brasil-Colônia. O princípio evolui a partir de uma fórmula mais ampla, a

dos „socorros públicos‟, garantidos expressamente na Constituição do Império (art. 179, XXXI), jurada a

1824. Nota-se, a princípio, nesse tipo de auxílio, o comportamento fatalista religioso diante dos males da

natureza, castigos de Deus para porem à prova o espírito de solidariedade e liberalidade. A Carta de Lei

Imperial é mandada observar „em nome da Santíssima Trindade‟ e, nas falas do Trono, Dom Pedro II dá

graças à Divina Providência pela volta da tranqüilidade, após as secas, e por não haverem sido „das

mais mortíferas‟ as epidemias” (OLIVEIRA, Moacyr. Calamidade: seu regime constitucional. Revista

de Informação Legislativa, Brasília, a. 20, n. 80, outubro-dezembro de 1983, p. 114.

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20

de defesa apenas como situação de repressão a fatos já ocorridos (reparar conseqüências

já causadas), mas também há preocupação com a ameaça, com a iminência da

ocorrência das conseqüências prejudiciais. Embora não se fale em “calamidade pública”

no art. 136 da CF/88, essa qualificação é implícita dadas as conseqüências que podem

advir desses fatos da natureza para as pessoas e para a própria ordem institucional.

Então, da norma do art. 136 da CF/88 podemos extrair os seguintes elementos,

relevantes para a definição da matriz constitucional do conceito: (a) não importa que ela

seja imprevisível ou imprevista; (b) ela tem uma dimensão ampla, importando que suas

consequências danosas colocam em risco a ordem pública ou a paz social; (c) não é

necessário que ela esteja efetivamente causando danos ou prejuízos (caráter repressivo

do conceito), mas é suficiente que exista uma grave e fundada ameaça de que esses

danos ou prejuízos venham a ser causados (caráter preventivo do conceito), sendo

suficiente a iminência de suas conseqüências para sua configuração constitucional.

Obviamente, é preciso que os eventos já estejam se manifestando, que já tenha atingido

a coletividade, o que não significa que seja necessário já ter iniciado a produção de

danos.

Por fim, no art. 148-I da CF/88 é atribuída competência tributária à

União Federal para instituir empréstimos compulsórios “para atender a despesas

extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua

iminência”. Aqui vai interessar o alcance das conseqüências que a calamidade pública

está causando, mas se reduz a possibilidade dessa tributação para atender despesas

decorrentes da iminência de uma calamidade pública. Ao contrário das demais

situações, em que as medidas tomadas pelo Poder Público envolvem não apenas o

enfrentamento imediato de uma situação de calamidade, mas também sua iminência, no

caso do empréstimo compulsório a autorização constitucional limita-se àquelas

situações em que efetivamente ocorra a calamidade pública e sejam necessárias

“despesas extraordinárias” para justificá-la. A menção constitucional à situação de

iminência é limitada à guerra externa, não alcançando as situações de calamidade

pública. O empréstimo compulsório só pode ser instituído quando existam efetivamente

despesas extraordinárias decorrentes da calamidade pública, afastando-se a tributação

“preventiva”. Isso ocorre provavelmente porque aquelas calamidades públicas que são

previsíveis ou previstas não necessitam de uma tributação extraordinária e excepcional,

como é o caso do empréstimo compulsório. O constituinte quer aqui forçar o

administrador a incluir essas situações (previstas ou previsíveis) no próprio orçamento

ordinário das despesas públicas, prevendo ali as respectivas receitas, sem necessidade

de instituição de tributação excepcional para tal cobrança, limitando assim a fúria fiscal

dos Poderes Públicos e evitando que a tributação excepcional fosse utilizada para

atender despesas ordinárias perfeitamente previsíveis dentre as atribuições dos Poderes

Públicos. O que interessa do conceito, entretanto, para a fixação da sua matriz

constitucional, é que a calamidade continua tendo aqui aquela dimensão pública, que

extrapola interesses privados e localizados, alcançando uma dimensão coletiva, cujas

dimensões e consequências não poderão ser enfrentadas tão-somente pelas receitas

tributárias ordinárias, sendo necessárias providências excepcionais e temporárias para o

enfrentamento das despesas e da situação de calamidade. Há também menção à

“calamidade pública” no art. 167-§ 3º da CF/88, que estabelece que “a abertura de

crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e

urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,

observado o disposto no art. 62”. Essa possibilidade de abertura de crédito

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21

extraordinário, é menos drástica que o empréstimo compulsório, e por isso não se

necessita de lei complementar para tanto, bastando a utilização de medida provisória.

Ainda é conveniente mencionar o art. 5º-XXV da CF/88, que permite

à autoridade competente usar de propriedade particular “no caso de iminente perigo

público”, assegurando ao proprietário ulterior indenização no caso de causação de dano.

Embora não exista na referida norma constitucional menção à situação de calamidade

pública, verifica-se que a situação de “iminente perigo público” contém aquelas

relativas às calamidades públicas, sendo obviamente mais extensiva que esta. Toda a

calamidade pública envolve uma situação de “iminente perigo público”, mas nem toda

situação de “iminente perigo público” pode ser configurada como calamidade pública.

Há uma escala crescente, indo do menor (iminente perigo público) para o maior

(situação de calamidade pública), sendo relevante para determinação das duas situações

o alcance das conseqüências que os fatos da natureza podem causar no âmbito coletivo e

social (público). A requisição de propriedade particular do art. 5º-XXV da CF/88 serve

como um mini-estado de defesa, para situações emergenciais em que há risco para a

coletividade e então a autoridade pública deve intervir, preventivamente, para evitar a

ampliação das conseqüências dos fatos.

3.2. O significado do termo “calamidade” nos dicionários:

Deixando de lado o texto constitucional e procurando na linguagem

natural o significado do termo “calamidade”, com vistas à definição do seu conceito,

percebe-se que há um conceito paralelo à calamidade, que deve também ser

considerado. É a idéia de “catástrofe”. É conveniente destacar os significados das duas

expressões (calamidade e catástrofe), porque isso vai ser relevante depois para se

precisar as razões pelas quais a Constituição Federal optou por “calamidade”, e não

“catástrofe”.

Dentre os dicionários disponíveis para a língua portuguesa, os dois

mais completos parecem ser o Aurélio e o Houaiss, que contam com reconhecida

aceitação na comunidade acadêmica, como repositórios da língua vernácula. O

Dicionário Aurélio25

assim apresenta os dois verbetes:

“CALAMIDADE. [Do lat. Calamitate.] S. f. 1. Desgraça pública;

catástrofe, flagelo: “É a Guerra aquela calamidade composta de

todas as calamidades, em que não há mal algum, que ou se não

padeça, ou se não tema” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, XIV, p. 9). 2.

Grande desgraça; infelicidade, infortúnio: A morte do pai foi para ela

uma calamidade. 3. Fam. Coisa ou pessoa caracterizada por

defeito(s) ou inconveniente(s); desgraça: O tráfego no Rio é uma

calamidade; Rubião, com aquela verborragia, é uma calamidade”.

“CATÁSTROFE. [Do gr. Katastrophé, „desordem‟, „ruína‟, desenlace

dramático‟, pelo lat. Tard. Catastrophe.] S. f. 1. Acontecimento súbito

de conseqüências trágicas e calamitosas. 2. Fig. Grande desastre ou

desgraça; calamidade. 3. Teatr. Na tragédia clássica, conclusão ou

consumação da ação trágica; acontecimento principal, decisivo e

25 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Século XXI (O Dicionário da Língua

Portuguesa). 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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22

culminante da tragédia, no qual a ação se esclarece inteiramente, e se

estabelece o equilíbrio moral. [CF/88. catástase.] 4. Teatr. P. ext. O

fim funesto decorrente da ação trágica”.

Já o Dicionário Houaiss26

assim os apresenta:

“CALAMIDADE. s.f. (1585 JLemH fº 8v) 1 grande perda, dano, desgraça,

destruição,esp. a que atinge uma vasta área ou grande número de

pessoas; catástrofe 2 fig. grande infortúnio ou infelicidade pessoal a

perda do filho foi uma c. para ele 3 fig. iron. algo ou alguém que

aflige ou incomoda por ter graves defeitos ou inconvenientes o

ensino público está uma c. o elenco do filme é uma c. c. pública

1 JUR interrupção da vida normal de uma coletividade, por efeito de

desgraça pública, catástrofe ou desastre decorrentes de fenômenos

naturais ou de lutas armadas 2 fig. joc. algo ou alguém que perturba

ou transtorna a vida dos outros tinha uma sogra que era uma c.

pública ETIM lat. calam tas, tis 'calamidade, desgraça, desastre;

perda das colheitas causada pela geada'; ver calam(i/o)-; f.hist.

c1596 calamjdade SIN/VAR ver sinonímia de catástrofe”.

“CATÁSTROFE. s.f. (1679 cf. AVSerm) 1 acontecimento desastroso de

grandes proporções, ger. relacionado a fenômenos naturais, que

provoca morte e destruição as últimas tempestades no Rio causaram

uma c. sem igual 2 p.ana. qualquer acidente de grandes proporções

c. aérea 3 p.ext. acontecimento de conseqüências graves a falência

da firma foi uma c. 4 ECO grande distúrbio, único ou raro, ao qual a

comunidade não se encontra adaptada, e que ger. envolve grande

mortalidade e destruição; ecocatástrofe cf. desastre ( ) 5 GEOL

m.q. 6 TEAT acontecimento funesto e decisivo que, na

tragédia clássica, provocava o desenlace da ação cf. catástase

ETIM gr. katastroph ,ês 'agitação, transtorno, ruína, desastre', lat.tar.

catastr pha,ae 'mudança de fortuna para o bem ou para o mal,

desenlace, solução; desfecho no fim de um poema ou de uma

composição teatral', prov. pelo fr. catastrophe (1552) 'fim, desenlace,

desfecho, final feliz ou infeliz'; hist. 1679 catastrophe, 1698 catastrofe

SIN/VAR açoite, calamidade, cataclismo, desastre, estrago, flagelo,

funestação, hecatombe, praga, tragédia”.

Embora a distinta etimologia dos verbetes (um é latino e outro grego)

e a menção a serem sinônimos, é possível perceber-se uma sutil distinção semântica

entre ambos os verbetes, que dá uma pista segura sobre a opção constitucional por

“calamidade”, em detrimento de catástrofe. O verbete “catástrofe” está mais associado

ao aspecto emocional da ocorrência, à dimensão temporal do evento. Uma catástrofe

geralmente se concentra num instante, num momento único. Embora seus efeitos e

conseqüências possam ser duradouros, quando se diz de algo que é uma “catástrofe”,

geralmente o que se quer enfatizar é o instante em que ocorrem os fatos, o momento em

que os danos, a morte, a destruição, muito intensos, estão sendo causados. Já o verbete

“calamidade” tem uma carga emocional que se prolonga no tempo, fazendo com que se

26

INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. [CD-

rom]. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.

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23

enfatize não apenas o instante em que ocorreram os eventos causadores dos prejuízos,

mas sua principalmente sua duração no tempo, o fato de perdurarem depois de passada a

fonte causadora da desgraça. Embora ambos os verbetes sejam utilizados para descrever

uma mesma realidade, eles trazem embutida em si uma carga semântica distinta. O

verbete “calamidade” parece enfatizar a idéia de permanência posterior das

conseqüências, ressaltando assim não propriamente o agente ou instante causador dos

prejuízos, mas a efetiva ocorrência dos prejuízos e sua permanência temporal. Enquanto

isso, o verbete “catástrofe” enfatiza o instante em que se dá a atuação do agente

causador das conseqüências, enfatizando esse instante em que forças muito poderosas se

conjugam para causar danos de grande dimensão.

3.3. O termo na doutrina constitucional:

A doutrina constitucional ainda não se empenhou na busca de uma

definição adequada para o termo “calamidade”, cabendo aqui transcrever algumas que

foram propostas:

“O âmbito normativo de calamidade pública é muito mais fácil de

precisar do que o de „grave ameaça ou perturbação da ordem

constitucional democrática‟. Por calamidade pública entendem-se as

catástrofes naturais (terremotos, vulcões, tempestades, inundações e

epidemias), as „catástrofes tecnológicas‟ e os „acidentes graves‟

(acidentes ferroviários, náuticos, aéreos, incêndios, explosões, etc)”

(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª

edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 863).

“Situação de emergência, provocada por fatores anormais e adversos,

que afetam gravemente a comunidade, privando-a, total ou

parcialmente, do atendimento de suas necessidades ou ameaçando a

existência ou integridade de seus elementos componentes”

(CRETELLA, José. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo:

Editora Saraiva, 1978, volume 12, pp. 477-478, apud BASTOS, Celso

Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do

Brasil. 5º volume. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 144).

“Calamidade pública é uma situação gravosa de emergência que

aflige repentinamente e de forma inesperada um grande número de

habitantes de uma comunidade ou região” (FERREIRA, Pinto.

Comentários à Constituição Brasileira. 5º volume (arts. 127 a 162).

São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 290).

“Calamidade pública é, portanto, a desgraça que atinge, de repente,

grande número de pessoas, como inundações, peste, fome, guerra,

incêndio, terremoto, vendaval, devastação ciclônica” (CRETELLA

JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Vol. III (arts.

18 a 22). 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p.

1426).

É relevante mencionar que o conceito de calamidade pública chegou a

ser explicitado em expediente do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 22 de

março de 1897 (DOU de 24/03/1897, p. 1.354), através de circulares em que o Governo

Federal procurava identificar o núcleo do conceito, que então era relevante para que os

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24

Estados recebessem auxílio da União na ocorrência daquelas situações. O texto da

circular era o seguinte:

“SECRETARIAS DE ESTADO

Ministério da Justiça e Negócios Interiores

Expediente de 22 de março de 1897

Gabinete – Ministério da Justiça e Negócios Interiores – Capital

Federal, em 22 de março de 1897.

Circular – Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais – Depois da

promulgação da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, recebeu o

Governo Federal diversas requisições dos governos dos Estados no

sentido de lhes ser prestado, na conformidade do art. 5º, o auxílio da

União, a fim de satisfazer despesas reclamadas por perturbações das

condições sanitárias ocorridas nos respectivos territórios, e a que

atribuíram o caráter de calamidade pública.

Tendo-se suscitado dúvidas acerca da inteligência de dito artigo,

resolveu o governo, após detido exame da matéria, significar-vos o

modo por que, definidas as circunstâncias em que aquelas e outras

eventualidades constituem o caso de calamidade pública ali previsto,

entende dever ser executado o preceito constitucional, enquanto não

deliberar definitivamente o Congresso Nacional a este respeito.

Como calamidade pública só pode ser considerada, em tese,

além das secas prolongadas e devastadoras, dos grandes incêndios e

inundações e de outros flagelos semelhantes, a invasão súbita do

território de um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial,

suscetível de grande expansão epidêmica, de disseminação rápida e

de alta letalidade, diversa daquelas que só se desenvolvem ao favor

da ausência de providências adequadas e do descuido no emprego

dos meios conhecidos de profilaxia usual.

Mas, atentos os limites das atribuições dos poderes da União e

dos Estados e a própria acepção dos dois vocábulos, para ter lugar a

intervenção da União não basta apenas que se manifeste e desenvolva

em algum dos Estados um dos flagelos aludidos. No ponto de vista de

que se trata, a calamidade pública é relativa. Assim, pode assumir

esse caráter qualquer daqueles acontecimentos, quando se dê em

Estado que disponha de poucos recursos; outro tanto, porém, não terá

cabimento afirmar se o caso se der em território de Estado cuja

administração esteja aparelhada com os meios necessários para

socorrer eficazmente a população.

Torna-se, pois, preciso que previamente demonstre o governo

respectivo terem sido já tomadas, quer por ele, quer pela

administração local, se o serviço for de natureza municipal, todas as

providências que a situação exigia, e, ainda mais, haverem-se

exaurido todos os recursos disponíveis, sem que, entretanto, se

conseguisse debelar o mal.

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25

Tal demonstração é tanto mais necessária quanto, uma vez que

tem de ser levada, provisoriamente, à verba – Socorros Públicos – a

despesa resultante do auxílio, imprescindível será justificar o crédito

suplementar que à mesma verba houver de ser aberto.

Se o Governo Federal reconhecer que se verificam as condições

em que, de acordo com o que se acha resolvido, deva ser prestado o

auxílio da União, este se efetuará na forma prescrita no título IV do

Regulamento da Diretoria-Geral de Saúde Pública, anexo ao Decreto

2.458, de 10 de fevereiro próximo findo, de que vos envio exemplares

impressos.

Saúde e fraternidade. – Amaro Cavalcanti. (Idêntico aos

presidentes a aos governadores dos demais Estados”27

.

Embora antiga, essa definição é atual por evidenciar o caráter aberto

do conceito de calamidade pública sanitária, sujeito à interpretação e integração de

acordo com os fatos ocorridos e suas conseqüências públicas. Fica evidente a

necessidade de fatos que, qualitativamente, possam ser inseridos no conceito de

calamidade pública (secas e inundações de grandes proporções, doença contagiosa, etc).

Mas isso não basta, porque há um caráter relativo nisso tudo, decorrente da forma como

as autoridades e a população estão preparadas para enfrentamento do flagelo ou da

situação de calamidade. Pode ser que em determinada comunidade o flagelo possa ser

contido com medidas ordinárias e usuais, quando então não está caracterizada a situação

de calamidade pública. Mas, não acontecendo isso, surge então um indicador

quantitativo das proporções do flagelo, que devido à sua gravidade, intensidade, risco

ou impossibilidade de controle, transforma-se em calamidade pública. O caso de um

agente biológico patogênico, por exemplo, permite que se compreenda não bastar

apenas o risco abstrato da disseminação dessa doença para que seja caracterizada a

situação de calamidade pública, mas é necessário também que as conseqüências dessa

situação sejam gravosas e de difícil enfrentamento: “a invasão súbita do território de

um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial, suscetível de grande expansão

epidêmica, de disseminação rápida e de alta letalidade”. A presença desses elementos

mostra que as providências usuais de profilaxia e combate ao flagelo poderão não surtir

resultados, sendo então urgente o emprego de outras providências para efetiva e

eficazmente combatê-la e impedir a propagação, ampliação ou manutenção de seus

efeitos nocivos. É isso que caracterizaria a calamidade pública: conseqüências de tal

gravidade que as autoridades públicas não tenham como enfrentá-las a partir dos

instrumentos ordinários de administração.

3.4. A opção constitucional por “calamidade”:

A Constituição Federal de 1988 não faz menção a “catástrofes”, mas a

“calamidades”. Essa opção constitucional parece fundada na sutil distinção semântica

apontada entre os dois verbetes, evidenciando-se que a preocupação constitucional não

foi apenas com o instante em que os agentes danosos atuam (“catástrofe”), mas com a

permanência e consolidação dos efeitos desses agentes (“calamidade”), perdurando no

27

Transcrito de MELLO, Humberto H. de Souza et al. O auxílio da União aos Estados nos casos de

calamidade pública. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 2, n. 7, setembro de 1965, pp. 252-

253. Grifou-se.

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26

tempo e permanecendo o prejuízo e o dano por muito mais tempo do que aquele instante

da causação danosa. O interesse do constituinte não está na causação da desgraça em si,

mas naquilo que vem depois, nos efeitos e conseqüências nocivos que podem perdurar

no tempo. A opção constitucional aponta para o enfrentamento dessas situações, que

trazem prejuízo às populações e podem colocar em risco a ordem institucional. Daí a

opção constitucional por “calamidade pública”, evidenciando não interessar se os fatos

eram ou não previsíveis ou previstos, mas importando sua dimensão pública, sua

dimensão social e seu alcance coletivo, em decorrência dos riscos que isso pode trazer

para a vida coletiva e o equilíbrio institucional da vida social.

3.5. As calamidades públicas sanitárias:

As calamidades públicas sanitárias são fatos da natureza, de grandes

proporções, que trazem prejuízos ou colocam diretamente em risco a saúde da

população ou de parte da população. Têm causas naturais (por exemplo, uma epidemia

de grandes proporções, como um vírus que se transmite por contágio) ou humanas (por

exemplo, um acidente biológico, um acidente nuclear, um ato terrorista). Alcançam uma

determinada população, de forma intensa e grave, de modo que suas conseqüências

adquirem caráter público, seja pelo risco de rápido contágio ou transmissão, seja pelas

conseqüências que isso pode trazer para cadeias alimentares, contaminação da água,

danos à saúde, etc. Não estão limitadas a indivíduos e interesses particulares, atingindo

uma dimensão pública, coletiva, social, decorrente do risco de ampliação de seus efeitos

(pelo contágio, por exemplo) ou da gravidade de suas conseqüências (um vírus letal, por

exemplo).

Pela ocorrência histórica ou pela periculosidade presente no mundo

contemporâneo, é conveniente aqui mencionar três situações que podem configurar

calamidades públicas sanitárias, a saber: (a) as epidemias; (b) o bioterrorismo e a guerra

química ou biológica; (c) os acidentes nucleares.

As epidemias são recorrentes na história da humanidade, variando

apenas o agente patogênico. As doenças infecciosas acompanham o homem desde o

início de sua história. Esporadicamente, surtos de peste, cólera, varíola, tifo e sarampo

assolavam populações inteiras28

. Basta recordar a “Peste Negra”, que assolava

periodicamente o continente europeu durante a Idade Média e a Moderna29

, ou então a

febre amarela30

e a varíola31

, que atormentaram as autoridades sanitárias brasileiras no

28 WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, pp. 89-106, novembro de 2000.

29 Nesse sentido, “in AD 541, the first recorded plague pandemic began in Egypt and swept across

Europe with attributable population losses of between 50% and 60% in North Africa, Europe, and central

and southern Asia. The second plague pandemic, also known as the black death or great pestilence,

began in 1346 and eventually killed 20 to 30 million people in Europe, one third of the European

population. Plague spread slowly and inexorably from village to village by infected rats and humans or

more quickly from country to country by ships. The pandemic lasted more than 130 years and had major

political, cultural, and religious ramifications. The third pandemic began in China in 1855, spread to all

inhabited continents, and ultimately killed more than 12 million people in India and China alone Small

outbreaks of plague continue to occur throughout the world” (INGLESBY, Thomas V. [et alii]. Plague

as a Biological Weapon. Journal of American Medical Association, vol. 283, nº 17, 03 de maio de 2000.

Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).

30 Sobre a febre amarela, por exemplo, “a estimativas indicam que mais de um terço dos 266 mil

habitantes do Rio contraíram febre amarela no verão de 1849-50. O número oficial de mortos nesta

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27

fim do século XIX e início do século XX. As epidemias são provocadas por doenças

geralmente infecciosas, de caráter transitório, que atacam simultaneamente grande

número de indivíduos em uma determinada localidade32

. Geralmente se caracterizam

pela rápida propagação através de contágio, com possibilidades de abalarem a vida

econômico-social de uma determinada comunidade33

. Ao contrário de outras

calamidades públicas, como um terremoto, por exemplo, as epidemias prolongam-se no

tempo e afetam a todos, inclusive aos não-contaminados, porque esses passam a viver o

medo do contágio e da contaminação. Um dos personagens do romance de Albert

Camus explicitou, com precisão, a especificidade de uma calamidade sanitária desse

tipo: “Ah, se fosse um terremoto! Uma boa sacudidela, e não se fala mais nisso...

Contam-se os mortos, os vivos, e pronto. Mas esta porcaria de doença [a peste]! Até os

que não a apanham parecem trazê-la no coração”34

. Infelizmente, as epidemias não são

primeira epidemia chegou a 4160 pessoas, mas tudo indica que o total indicado foi consideravelmente

subestimado. Houve quem falasse em 10 mil, 12 mil, 15 mil vítimas fatais. A febre amarela reapareceu

regularmente nos verões seguintes, provocando sempre a fuga apressada dos habitantes mais abastados

da capital. (...) Além disso, em 1855 e 1856 uma devastadora epidemia de cólera finalmente atingiu o Rio

de Janeiro e diversas outras localidades do Império. Nas décadas seguintes, a febre amarela causou

embaraços constantes às atividades comerciais do país e, mais tarde, às propostas de implementação de

políticas imigrantistas” (CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial.

São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 61-62). O capítulo 02 dessa obra examina as epidemias de

febre amarela no Brasil Imperial e como foram enfrentadas.

31 A varíola também esteve presente na história do Brasil, principalmente pela tentativa de introdução da

vacinação obrigatória, que resultou na “Revolta da Vacina” no Rio de Janeiro: “Rio de Janeiro, novembro

de 1904. A divulgação do projeto de regulamentação da lei que tornara obrigatória a vacinação

antivariólica transforma a cidade em praça de guerra. Durante uma semana, em meio a agitações

políticas e tentativa de golpe militar, milhares de pessoas saem às ruas e enfrentam as forças da polícia,

do exército e até do corpo de bombeiros e da marinha. O saldo da refrega, segundo os jornais da época:

23 mortos, dezenas de feridos, quase mil presos” (CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e

epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 97). O capítulo 03 dessa obra

examina a varíola e sua vacina, bem como as origens daquilo que o autor chama “tradição

vacinophobica”, apresentando subsídios importantes para exame de uma situação de calamidade pública

sanitária em decorrência de epidemia, e as implicações políticas e sociais que isso importa. A “Revolta da

Vacina” também é retratada num recente filme (Sonhos Tropicais. Direção: André Sturm. Brasil,

Pandora Filmes, 2001. 1 filme, 120 min, color), baseada no livro homônimo de Moacyr Scliar, mostrando

as políticas higienistas do início do século XX e sua implantação no Brasil.

32 Nesse sentido, “a ocorrência das doenças transmissíveis, como o próprio nome expressa, tem como

elemento essencial o contato entre agente infeccioso ou seu subproduto e o potencial doente, chamado

hospedeiro. Isso pode acontecer de várias formas, variando conforme a doença; diretamente de uma

pessoa a outra, pelo consumo de alimentos, por contaminação ambiental, por vetores etc. O tamanho da

população reunida em uma localidade é fator importante para que haja exposição ao agente. A

aglomeração, ao lado de más condições de vida, faz crescer a possibilidade desse encontro”

(HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras. Revista de Direito

Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 114).

33 Nesse sentido, “the microbial world is complex, dynamic, and constantly evolving. Microbes proliferate

rapidly, mutate frequently, and adapt with relative ease to new environments and hosts. They will also

eventually develop resistance to the drugs used to treat them. Numerous factors, including those linked to

human activities, can accelerate and amplify these natural phenomena, as has happened in recent years.

Moreover, when a complacent world relaxes its vigilance and lets down its defenses, the consequences

can be dramatic as well as rapid. Microbes are quick to exploit new opportunities to spread, adapt, and

resist” (HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for defense against infectious

disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United States Senate, 2001, p. 2).

34 CAMUS, Albert. A Peste. 13ª edição. São Paulo: Editora Record, 2002, p. 104.

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28

coisas do passado, estando presentes ainda hoje entre nós35

, bastando ver o caso recente

da dengue no Brasil e da AIDS no continente africano36

. A Organização Mundial da

Saúde destaca também febre amarela, peste, cólera, “african trypanosomiasis”,

meningite, influenza e leishmaniose37

. O que torna uma epidemia perigosa é a

dificuldade para o controle de sua propagação, seja pela facilidade do contágio, seja

pela inexistência de vacina eficaz, seja pela dificuldade da população ter acesso às

medidas profiláticas ou terapêuticas38

. O incremento do comércio internacional e a

facilidade das viagens aéreas internacionais podem contribuir para rapidamente

disseminar um determinado agente epidêmico39

. A epidemia é personagem constante na

35

Nesse sentido, “the emergence of new infectious diseases, and the re-emergence of others, combined

with the increased speed and volume of international travel, have alerted countries to the ease with which

infectious diseases can cross national borders. The emergence of AIDS, and its rapid progression to

endemicity in particular, convinced the world that a previously unknown pathogen can cause social and

economic upheaval on a scale that threatens to destabilize whole regions. In developing countries, the

destabilizing effect of endemic diseases, including AIDS, TB and malaria, is amplified by emerging and

epidemic-prone diseases. Outbreaks and epidemics disrupt routine control programmes and health

services, often for extended periods, due to the extraordinary resources and logistics required for their

containment. The interruption of trade, travel and tourism that can follow news of an outbreak places a

further burden on already fragile economies. In industrialized countries, infectious diseases can

represent a security issue for several reasons: if domestic populations need protection from diseases

originating abroad, if deteriorating health trends abroad lead to instability and violence, or if biological

agents are deliberately used to cause harm. Growing recognition of the power of emerging and epidemic-

prone infectious diseases to disrupt and destabilize has led to inclusion of their control in foreign policy

agendas that seek to build a more secure world” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness

for the deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO,

2002, p. 3).

36 Nesse sentido, “during the last two decades, this opinion [de que as doenças infecciosas haviam sido

controladas] has been reversed, and there is now a renewed appreciation of the importance of

communicable disease. The spread of new diseases such as HIV/AIDS, hepatitis C, and dengue

haemorrhagic fever, and the resurgence of diseases long since considered under control such as malaria,

cholera, and sleeping sickness, have drawn considerable attention. Infectious diseases cause 63% of all

childhood deaths and 48% of premature deaths. Many of these deaths are caused by epidemic infectious

diseases such as cholera, meningococcal disease, and measles. There are continuing threats of large

epidemics with widespread mortality like the „Spanish flu‟ epidemic in 1918-1919 which killed an

estimated 40 million people worldwide, or the HIV/AIDS epidemic which has caused widespread

morbidity and mortality, and reversed hard-won gains in life expectancy in Africa” (WORLD HEALTH

ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone Infectious Diseases.

Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).

37 WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone

Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02.

38 Nesse sentido, embora referindo-se à sua utilização como armas biológicas, convém destacar aqui as

características que tornam os agentes biológicos perigosos: “The Working Group on Civilian Biodefense

previously established a list of key features that characterize biological agents that pose particularly

serious risks if used as biological weapons against civilian populatios: (1) high morbidity and mortality;

(2) potential for person-to-person transmission; (3) low infective dose and highly infectious by aerosol

dissemination, with a commensurate ability to cause large outbreaks; (4) effective vaccine unavailable or

available only in limited supply; (5) potential to cause public and health care worker anxiety; (6)

availability of pathogen or toxin; (7) feasibility of large-scale production; (8) environmental stability;

and (9) prior research and development as a biological weapon” (BORIO, Luciana [et alii].

Hemorrhagic Fever Viruses as Biological Weapons. Journal of American Medical Association, vol.

287, nº 18, 08 de maio de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).

39 Nesse sentido, “the phenomenal recent increase in global travel and trade has given microbes multiple

opportunities to spread around the global in novel ways and with unprecedented speed. Microbes can

incubate in apparently healthy travellers, hide in food, animals, or cargo, or be carried by insects stowed

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29

literatura e na ficção científica, tendo sido escritas verdadeiras obras-primas sobre a

vida humana em tempos de epidemia. Apenas a título ilustrativo, é conveniente

mencionar as obras de Albert Camus40

, Daniel Defoe41

, Andrzej Szczypiorski42

e José

Saramago43

, tratando dessas questões a partir de uma perspectiva literária, mas nem por

away in the cabin and luggage holds of jets or in the pots of exotic plants. In the UK alone, 1,128 cases of

malaria were imported into the country by travellers in 2000. Cases of „airport malaria‟, in persons who

live or work near international airports yet have not travelled, are detected regularly in cities such as

London, Paris, Brussels, Geneva, and Oslo as well as in the United States and Canada. In just the past

two years, unexpected outbreaks of relatively new or previously rare diseases have taken populations on

every continent by surprise. Legionellosis and leptospirosis in Australia, Lassa fever, yellow fever,

hantavirus, listeriosis, and new variant CJD in Europe, and yellow fever, West Nile fever, cryptococcosis,

and E. Coli O157 in the US are just some examples. In the face of such highly mobile, microscopic, and

easily disguised threats, national borders are porous. An outbreak anywhere in the world must now be

considered a threat everywhere else” (HEYMANN, David L. Strengthening global preparedness for

defense against infectious disease threats. Washington: Committee on Foreign Relations of United

States Senate, 2001, p. 3).

40 CAMUS, Albert. Estado de sítio. São Paulo: Abril Cultural, 1977; CAMUS, Albert. A Peste. 13ª

edição. São Paulo: Editora Record, 2002. Essa última obra mostra a ocorrência de peste bubônica e

pulmonar numa determinada cidade, que acaba sendo isolada do restante do mundo em razão da

epidemia. Embora as descrições não sejam tão detalhadas quanto em Daniel Defoe, a preocupação de

Camus parece ser mais apresentar a luta dos indivíduos pela preservação de sua história pessoal. A peste,

aos poucos, vai aniquilando essa individualidade, construindo uma história comum, sem passado e sem

futuro, onde apenas importa o presente. Assim, a peste surge e progride. A cidade passa a viver a peste,

tentando os indivíduos resistirem. Os indivíduos parecem vencidos, não havendo mais consideração pelos

destinos individuais e suprimindo a peste os juízes individuais de valor. Nisso, Camus mostra como ela é

organizada, metódica e sistemática: o problema é de todos e os sentimentos pessoais tornam-se

inutilizáveis, principalmente o amor, porque o amor precisa de futuro e a peste é só instantes presentes.

Então, depois de progredir, ela se estabiliza e domina, então passando a exaurir-se. Os dois grandes

personagens do livro não são pessoas, mas são a cidade e a peste.

41 DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2002. Quando a grande

peste assolou Londres, em 1665, Daniel Defoe contava com cinco anos de idade. A obra é a vívida,

inquietante e inconformada reportagem (reconstituição histórica mais de 50 anos depois) acerca da

epidemia de peste bubônica que dizimou grande parte da população londrina naquele período. Ele

empenha-se na exemplificação da irracionalidade dos homens frente a um inimigo incontrolável e

invisível.

42 SZCZYIORSKI, Andrzej. Uma missa para a cidade de Arras. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

Na contracapa do livro, está dito que “o enredo é medieval e o cenário, obscuro, fatalista e permeado de

intolerância. A destruição causada pela peste, os excessos da fé e a violência étnica são, entretanto, uma

parábola da essência de todos os crimes da história. Na primavera de 1458, Arras, cidade do ducado do

Brabante, foi vítima de uma terrível epidemia de peste. A fome, a mortandade e o pânico deram vazão a

sentimentos e atos extremados que uma quarentena total aguçaria: devassidão, assassinatos, estupros,

caça às bruxas e condenação de supostos hereges para a redenção das almas dos mortais pecadores.

Pois, na penumbra medieval, que elementos têm os cidadãos para explicar um fenômeno que dizimou

partes inteiras da população local, senão a crença no irracional e em castigos divinos?”.

43 SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 14ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras,

2000. José Saramago explorou essas possibilidades, numa obra literária, que “é uma visão das trevas,uma

viagem ao inferno, e a história de uma resistência possível à violência de tempos escuros”. Nela, “um

motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma „treva branca‟ que

logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos vão se descobrir reduzidos à

essência humana, numa verdadeira viagem às trevas” (SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira.

14ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000). O livro vai tratar disto: como as autoridades

vão tratar da epidemia e como os doentes, segregados na quarentena, vão reagir, até chegarem ao extremo

de sua condição humana. Que regras podem regular essa convivência entre sãos e contaminados, e mesmo

entre estes?

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30

isso deixando de oferecer preciosos subsídios para que se compreendam as necessidades

e comportamentos humanos em tempos sombrios dessa calamidade pública sanitária.

O bioterrorismo e a guerra química ou biológica44

são também

ocasiões de calamidade pública sanitária, que atualmente vem recebendo um tratamento

minucioso por parte das autoridades e das nações. Embora o uso dessas armas apresente

dificuldades no tocante ao seu desenvolvimento e manutenção, e sua utilização tenha

sido rara na história, a magnitude de um possível impacto sobre populações civis pelo

seu uso e a ameaça de sua utilização obrigam que os governos procurem a prevenção e

tenham planos emergenciais para enfrentamento dessa ameaça45

. A discussão das armas

44 É importante definir o que são consideradas armas químicas e biológicas. Nesse sentido, “biological

weapons are those that achieve their intended target effects through the infectivity of disease-causing

microorganisms and other replicative entities, including viruses, infectious nucleic acids and prions.

Some of these biological agents may owe their pathogenicity to toxic substances that they themselves

generate. Such toxins can sometimes be isolated and used as weapons. Since they would then achieve

their effects, not as a result of infectivity, but of toxicity, they will fall within the definition given below of

chemical weapons, even though there would still be grounds for regarding them as biological weapons.

(…) Chemical weapons are those that are effective because of their toxicity, i.e. their chemical action on

life processes capable of causing death, temporary incapacitation or permanent harm. Weapons in which

chemicals are used, e.g. as propellants, explosives, incendiaries or obscurants are not regarded as

chemical weapons, even though the chemicals used in them may also have toxic effects. Only if producing

such toxic effects is the main purpose of the weapon concerned can it be regarded as chemical weapon.

Some toxic chemicals, such as phosgene, hydrogen cyanide and tear gas, may be used for both civil and

peaceful, and for hostile purposes. In the latter case, they, too, are chemical weapons” (WORLD

HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO

guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, p. 3).

45 Nesse sentido, “in fact the development, production and use of biological and chemical weapons

present significant difficulties. Resort to the weapons, particularly biological weapons, has been rare.

Even so, the magnitude of possible impacts on civilian populations of their use or threatened use obliges

governments both to seek prevention and to prepare response plans. Such response plans can and should

be developed as an integral part of existing national emergency plans” (WORLD HEALTH

ORGANIZATION. Health aspects of biological and chemical weapons (unofficial draft of projected

second edition). Geneva: WHO, 2001, p. ii). Felizmente, “the greater and more assured the mass-

destructive power sought for the weapon, the greater the practical difficulties of achieving it. There are,

in short, inherent technical limitations to take into account. Consider, for example, some of the problems

of conveying an agent to its intended target. Toxic or infective materials can be spread through drinking-

water or foodstuffs but (…) their effects would then be expected to remain localized unless the

contaminated items were themselves widely distributed or unless any biological agent that had been used

succeeded in initiating contagious disease. Otherwise, large-scale effects are possible if the materials can

be dispersed in the form either of vapour or of an aerosol cloud of liquid droplets or solid particles that

can then be inhaled. This mode of attack is subject to uncertainty. The movement of the vapourized or

aerosolized agent towards and across its target would be by possibly large fraction of it to miss the

target. (…) the rate of this dispersion will vary greatly depending on the stability of the athmosphere at

the time, and the direction of travel will depend both on local meteorological conditions and on the local

topography. If aerosol or vapour is released inside enclosed spaces rather than in the open, the situation

will, of course, be different. In addition, some agents may be unstable in the atmosphere and decay over

time following their dissemination in airborne form, which process may itself also stress the agent to the

point of substantial degradation or complete inactivation. Furthermore, for the agent to be retained after

inalation and to exert its intended pathological effects, other technical requirements must be satisfied. In

the case of particulate material, for example, larger particles may not be able to penetrate far enough

into the respiratory tract, while smaller ones may not be retained there. The optimal size range is,

moreover, a narrow one, and subject to a variety of difficulties, not least the processes of evaporation or

condensation that will be taking place as the cloud travels. These considerations apply to the aerosol

dissemination of agents of both contagious disease and non-contagious disease, though an attacker might

hope to rely on epidemic spread to compensate for poor aerosol presentation. That spread, too, is subject

to unpredictabilities and therefore uncontrollabilities (…). These technical factors operate to render such

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31

químicas ou biológicas não é nova para as nações, inclusive já tendo as mesmas sido

utilizadas em conflitos entre nações ditas civilizadas46

. Desde cedo, os Estados têm

procurado disciplinar a guerra e impedir a utilização dessa espécie de armamento letal,

mesmo que outras vezes tenham feito uso desse meio de destruição do inimigo. Existem

tratados internacionais que procuram disciplinar a questão (“Biological and Toxin

Weapons Convention”, em vigor desde 1975, e “Chemical Weapons Convention”, em

vigor desde 1997). Atualmente, entretanto, o risco não reside tão-somente utilização de

agentes químicos ou biológicos por nações beligerantes, em situações típicas de conflito

armado. O risco reside na utilização desses instrumentos de destruição por parte de

grupos terroristas, que não se submetam a uma ordem internacional e procurem

justamente a subversão dessa ordem, atingindo populações civis ao invés de alvos

unicamente militares47

. A causação de uma tragédia de grandes proporções, até mesmo

large-scale forms of attack more demanding in terms of materials and skills than is commonly supposed.

Large amounts of agent will need to be disseminated to be sure that a sufficient proportion will reach the

target population for a period of time sufficient to cause the desired effect. Several uncertainties will

affect the outcome. Micrometeorological variation in the atmosphere could result either in the agent

becoming diluted to harmlessness or in the cloud missing the target due to some veering of the wind. Such

attacks are bound, therefore, to be indiscriminate, the more so if agents of contagious diseases are used.

Nor are these difficulties of delivery the only or even the most demanding technical problems. In the case

of biological agents, there are, for example, the difficulties of selecting the appropriate strain in the first

place and then of maintaining its virulence throughout culturing, harvesting, processing, storing,

weapon-filling, release and aerosol travel” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health

response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001,

p. 9). Por isso, “the conclusion to be drawn is that, although the probability of an attack with the weapons

may be low, if it nevertheless happened with, improbably, all the many imponderables and uncertainties

favouring the attacker, then the consequences of the event could be great. In considering strategies for

national preparedness against such attacks, therefore, the possibility of a low-probablility catastrophic

outcome must be wighed against that of public health hazards of higher probability but smaller

magnitude. It would certainly be irresponsible to be complacent about the possible effects of deliberately

released biological or chemical agents, but it would also be prudent not to overestimate them. Given the

emotional shock of even an alleged threat of a biological or chemical release, it will therefore be wise for

governments at least to consider how to address such dangers, should they occur, as an integral part of

the national responde to other threats to public health and well-being” (WORLD HEALTH

ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.

Second edition. Geneva: WHO, 2001, p. 10).

46 Nesse sentido, “the event that most clearly marked the emergence of this for of warfare from its pre-

history took place near Ypres in Belgium on 22 April 1915, eight months into what was becoming the

First World War. Alone among the belligerents, Germany possessed large industrial capacity for the

liquefaction of chlorine gas, and, as the war progressed, it turned to this comparative advantage as a

possible way out both of the trench-warfare that was immobilizing its armies in the field and of the

shortage of explosives brought about by enemy naval blockade. These military necessities were accorded

precedence, in keeping with the (since disavowed) German legal doctrine of Kriegsraison, over the

ancient prohibition of poison warfare that had been reaffirmed at The Hague less than a decade

previously. Starting on the late afternoon of that day, 180 tonnes of liquid chlorine contained in 5,730

pressure cylinders were released into the breeze that would carry the resultant cloud of asphyxiating

vapour towards enemy lines. The available records are sparse, but some say that as many as 15,000

French Algerian and Canadian soldiers fell casualty to this onslaught, a third of them dead. The actual

numbers may have been different, but, whatever they were, here was the world‟s first experience of a

weapon of mass destruction” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to

biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 5-6).

47 Há uma distinção quanto aos meios utilizados pelo terrorismo: “Algumas vezes, aqueles que erguem

armas contra o Estado não terão interesse algum em seguir quaisquer regras dos direitos humanos

codificadas no Direito Internacional aplicáveis ao conflito armado, achando que nenhuma atrocidade

será chocante demais – e os medos atuais sobre a disseminação em mãos não-oficiais de armas químicas

ou biológicas ou até mesmo nucleares são pertinentes aqui. Mas outros procurarão anuir com o Direito

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32

uma calamidade pública sanitária, passa a ser o alvo dos grupos terroristas, que podem

pretender se utilizar de agentes químicos ou biológicos para isso. Embora a ocorrência

histórica de uso deliberado de agentes químicos ou biológicos com intenção de causar

danos faça a probabilidade ser pequena, as conseqüências que podem advir de tal

utilização são potencialmente grandes, e isso faz com que seja prudente que as

autoridades públicas se preocupem com essa questão48

. O advento das novas

tecnologias, principalmente no campo da engenharia genética, aumenta as

possibilidades de utilização de organismos geneticamente modificados para finalidades

destrutivas49

. Os recentes acontecimentos no cenário mundial das nações fez com que o

medo da ameaça biológica ou química novamente ressurgisse, sendo discutidos em

âmbito internacional os mecanismos para prevenção e controle desses atos terroristas50

.

humanitário internacional, em uma dimensão que possa ser totalmente segura a respeito do

levantamento de armas” (RODLEY, Nigel. Terrorismo: segurança do Estado. Revista do Centro de

Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, Brasília, ano IV, número 18, setembro de 2002, p.

18). Embora esses últimos continuem sendo passíveis de serem classificados como “terroristas”, os

primeiros é que causam maior preocupação e que podem se valer do bioterrorismo e das armas químicas

ou biológicas para provocar violência e desestabilização da ordem constituída.

48 Nesse sentido, “the risk that biological agents will be used deliberately to cause harm has historically

been low. While the probability may be low, the consequences are potentially so great as to make it

prudent for governments at least to consider how to address this danger as an integral part of the

national response to other challenges to public health and well-being. Given the emotive force of even an

alleged threat of a biological release, preparedness plans can reassure the public and reduce panic

should genuine threats or hoaxes occur. Historical precedent further suggests that the risk of a deliberate

release is considerably reduced by the existence of an effective ability to respond to and manage an

incident” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the deliberate use of biological

agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002, p. 6).

49 Nesse sentido, “the advent of genetic engineering offers opportunities for the improvement of human

health and nutrition, yet in the principle it could also be used to produce novel and perhaps more

efficacious biological agents and toxins as compared with those used in earlier weapons programmes.

Ability to modify more or less at will the genetic properties of living organisms could allow the insertion

of new heritable properties into microorganisms that will make them more resistant to the available

defences, more virulent or pathogenic, easier to produce, better able to withstand the stresses of an

unnatural environment, or more other valued characteristic of the microorganism would be lost, but

eventually even this drawback might be overcome. Still other aggressive possibilities may exist, e.g.

weapons may be developed that could be used to harm human populations by disrupting cell signalling

pathways, or by modifying the action of specific genes. Given the range and variety of pathogens already

present in nature, the advantages of basing a weapons programme on a modified organism are not

immediately obvious, nor is it always true that the new biotechnologies necessarily favour the offence

over the defence. Vulnerability to biological agents exists chiefly because of the current inability to detect

their presence in time for prompt masking or sheltering. Rapid detection methods based on modern

molecular techniques are now being brought into service, although the extent to which they have the

necessary sensitivity and whether they can produce results quickly enough and exclude false positives is

not clear. Moreover, the need to detect certain agents at concentrations equivalent to one organism per

breath of air continues to impose an enormous air-sampling requirement, even when polymerase chain

reaction (PCR) or other amplifying methods are used. Other new biotechnologies are transforming the

development of vaccines, while still others are thought to promise non-specific alternatives to vaccines.

Yet there can be little doubt that the spread of advanced biotechnology and the new accessibility of

information about it offer new tools to any country or hostile group intending to develop a biological

weapon” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical

weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 8-9).

50 O assunto não é novo na Organização Mundial da Saúde, que já em 1970 publicava a primeira versão

de um estudo com recomendações sobre as questões pertinentes à utilização de armas químicas e

biológicas. O texto foi recentemente revisado e atualizado, surgindo uma segunda edição em 2001, onde

constam as seguintes recomendações: “1) Public health authorities, in close cooperation with other

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33

A ironia disso tudo está em que foram as nações desenvolvidas que primeiro

desenvolveram e utilizaram armas biológicas em guerras que travaram na metade do

século XX, e agora são elas que mais temem a utilização desse monstro que ajudaram a

criar51

. Recente artigo publicado na edição brasileira da Revista National Geographic dá

conta de um exercício simulando as conseqüências de um ato de bioterrorismo,

ilustrando assim uma calamidade pública sanitária:

“Você talvez tenha perdido esta: pouco mais de um mês antes do

Natal, três pessoas adentraram um shopping em Oklahoma City.

Vestidos como funcionários da manutenção e carregando

borrifadores de plantas, cuidaram dos vasos de plantas que

decoravam os corredores. Concluída a tarefa, eles se encaminharam

para as saídas do shopping e desapareceram na noite. Na mesma

government bodies, should draw up contingency plans for dealing with a deliberate release of biological

or chemical agents intended to harm civilian populations. These plans should be consistent or integral

with existing plans for outbreaks of disease, natural disasters, large-scale industrial or transportation

accidents, and terrorist incidents. In accordance with World Health Assembly resolution WHA54.14

adopted in May 2001, technical support is available to Member States from WHO in developing or

strengthening preparedness for, and response to the risks posed by biological agents, as an integral part

of their emergency-management programmes. 2) Preparedness for deliberate releases of biological or

chemical agents should be based on standard risk-management principles, starting with an assessment of

the relative priority that should be accorded to such releases in comparison with other dangers to public

health in the country concerned. 3) Preparedness for deliberate releases of biological or chemical agents

can be markedly increased in most countries by strengthening the public health infrastructure, and

particularly public health surveillance and response, and measures should be taken to this end. 4)

Managing the consequences of a deliberate release of biological or chemical agents may demand more

resources than are available, and international assistance would then be essential. Sources of such

assistance are available and should be identified. 5) Attention is drawn to the international assistance

and support available to all countries that are Member States of specialized organizations such as OPCW

(e.g. in cases of the use or threat of use of chemical weapons, and for preparedness planning), and to

States Parties to the 1972 Biological and Toxin Weapons Convention (e.g. in cases of violation of the

treaty. Countries should actively participate in these multilateral regimes. 6) With the entry into force of

the 1972 and 1993 Conventions and the increasing number of states that have joined them, great strides

have been made towards „outlawing the development and use in all circumstances of chemical and

biological agents as weapons of war‟, as called for in the 1970 edition of the present report. However, as

the world advances still further into the new age of biotechnology, Member States are reminded that

every major new technology of the past has come to be intensively exploited, not only for peaceful

purposes, but also for hostile ones. All Member States should therefore implement the two Conventions

fully and transparently; propagate in education and professional training the ethical principles that

underlie the Conventions; and support measures that would build on their implementation” (WORLD

HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO

guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. iii-iv). Esse estudo é acompanhado por anexos, onde

estão contidas informações técnicas sobre ação e defesa relativamente a agentes biológicos (anexo 01),

toxinas (anexo 02), e agentes químicos (anexo 03).

51 Nesse sentido, “jusqu‟à ce jour, Washington nie l‟existence d‟une doctrine offensive dans ce domaine.

Pourtant, les archives dévoilées parcimonieusement prouvent le contraire et conferment que l‟état-major

a mis la guerre bactériologique au sommet de ses priorités stratégiques, à égalité avec lê nucléaire. Le

gouvernement a financé massivement cette recherceh, mobilisant au maximum les ressources militaires et

civiles. Dans le cadre d‟um programme urgent (crash program) développé entre 1950 et 1952 et

généreusement financé, les Etats-Unis étaient em passe de devenir la première nation au monde à

incorporer les armes bactériologiques dans um système et dans une doctrine d‟armements modernes”

(ENDICOTT, Stephen e HAGERMAN, Edward. Les armes biologiques de la guerra de Corée. Le

Monde diplomatique, julho de 1999, p. 05. Obtido na Internet, no site www.monde-

diplomatique.fr/1999/07/ENDICOTT/12209, em 29/11/02).

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34

hora, duas outras equipes fizeram exatamente o mesmo em shoppings

nas cidades de Atlanta e Filadélfia.

Às 7 da noite do dia 9 de dezembro, o Presidente dos Estados

Unidos convoca uma reunião secreta dos membros do Conselho de

Segurança Nacional. Todos ficam atônitos ao saber que „os Centros

de Controle de Doenças (CDC) registraram pelo menos um caso de

varíola – que talvez cheguem a 20 – entre civis, em Oklahoma City.

(...) É bastante provável que a epidemia tenha sido desencadeada de

propósito, como parte de um ataque terrorista nos Estados Unidos‟.

As autoridades federais e estaduais entram em ação e, em 24

horas, agentes do FBI vasculham as ruas de Oklahoma City. Na Casa

Branca, o vice-secretário de Saúde afirma que os dois únicos locais

onde se armazenam vírus de varíola são um depósito de segurança

máxima do CDC em Atlanta e o laboratório Vector, nas cercanias de

Novosibirsk, na Rússia. Os serviços de inteligência revelam que um

ex-cientista da Vector, especialista em varíola, deixou a Rússia e

provavelmente está no Iraque.

Uma semana depois existem 16 mil casos em metade dos estados

americanos, e mil vítimas, 200 das quais por causa de reações à

vacina. As cidades entram em colapso quando milhões de pessoas

tentam fugir da epidemia. Ao fim, acabam os suprimentos de vacina e

a violência toma conta das ruas. Segundo previsões das autoridades

de saúde, até fevereiro serão cerca de 3 milhões de casos de varíola

nos Estados Unidos. Um milhão de cidadãos americanos acabará

morrendo, e isso é só o começo. FIM DE JOGO”52

.

Finalmente, mesmo superado o período de Guerra Fria e a ameaça da

guerra nuclear total, a utilização da energia atômica ainda pode causar calamidades

públicas sanitárias, através dos acidentes nucleares. Esses acidentes podem ser fruto de

falhas da alta tecnologia53

, como foi o caso do vazamento do reator nuclear de

52 SIMONS, Lewis M. Armas de destruição maciça: Um novo e sinistro capítulo do pior legado do

século 20. In: Revista National Geographic (edição brasileira), São Paulo, Editora Abril, ano 03, nº 31,

pp. 40-41, novembro de 2002). Sobre esse exercício, ver também: JOHNS HOPKINS CENTER FOR

CIVILIAN BIODEFENSE [et alii]. Dark Winter: Bioterrorism Exercise Andrews Air Force Base

(final script). Obtido na internet, no site www.hopkins-biodefense.org/DARK%20WINTER.pdf, em

22/12/02. A varíola, embora seja considerada erradicada, ainda apresenta sérios riscos à população

mundial caso venha a ser utilizada como arma biológica: “If used as a biological weapon, smallpox

represents a serious threat to civilian populations because of its case-fatality rate of 30% or more among

unvaccinated persons and the absence of specific therapy. Although smallpox has long been feared as the

most devastating of all infectious diseases, its potential for devastation today is far greater than at any

previous time. Routine vaccination throughout the United States ceased more than 25 years ago. In a now

highly susceptible, mobile population, smallpox would be able to spread widely and rapidly throughout

this country and the world” (HENDERSON, Donald [et alii]. Smallpox as a Biological Weapon. Journal

of American Medical Association, vol. 281, nº 22, 09 de junho de 1999. Obtido na Internet, no site

http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).

53 Nesse sentido, “despite rigorous safety systems, there remains a finite probability that na accident can

occur in a nuclear reactor that can lead to the fuel in the core overheating or melting. If such an event

were to occur, there is a chance that radioactive fission products may be released to the environment. The

potential radiation exposure of the population will be influenced by the amounts of varios radionuclides

released, by the meteorological conditions affecting the dispersion and deposition of the released

radioactive material, by human and environmental factors, and by the effectiveness of any protective

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35

Chernobyl54

, quanto podem ser resultado da imprudência humana, como foi o caso do

césio de Goiânia, onde várias pessoas foram atingidas pelo manuseio inadequado de

uma “sucata” de ferro-velho. Uma descrição do que aconteceu em Chernobyl dá a

dimensão de um acidente dessas proporções e suas conseqüências para as populações

envolvidas:

“On 26 April 1986, reactor No 4 at Chornobyl (Chernobyl in

Russian) nuclear power station, 100km north of Kyiv, blew up during

the testing of a generator. Nearly nine tonnes of radioactive material

– 90 times as much as the Hiroshima bomb – were spewed into the

sky. Winds over the following days, mostly blowing north and west,

swept fallout into Belarus, as well as Russia, Pland and the Baltic

region. Fallout affected 23% of Belarus, with 7% of Ukrainian

territory and 0.5% of Russian land exposed. Thirty-one people died

during the explosion, but exactly how many thousands perished due to

the ensuing acute radiation sickness is unknown. A report issued by

the Ukrainian Health Ministry in 1999 put the figures of those who

died or suffered fatal diseases from being involved in the clean-up at

4365 and 167,653 respectively.

Immediately after the explosion, some 135,000 people were

evacuated from a 30km radius around the plant. The 10km exclusion

zone centred around the dead town of Prypyat remains at a high risk

of exposure today. The reactor was hastily enclosed in a concrete-

and-steel sarcophagus. Over the following years about 600,000

people – popularly known as „the liquidators‟ – worked on clean-up

operations inside the 30km zone. Although scientists agree that there

is no risk of the sarcophagus exploding, the status of the estimated

180 tonnes of radioactive material still smouldering beneath the

concrete is unclear. More recently, the deteriorating condition of the

actions taken” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following

nuclear accidents. Geneva: WHO, 1999, p. 1).

54 Nesse sentido, apenas para que se tenha uma idéia das conseqüências a médio e longo prazo que

resultam de um acidente dessas proporções, evidenciando assim a necessidade de prevenção e precaução,

basta referir a alta incidência de câncer em crianças na área do acidente de Chernobyl: “The World Health

Organization and Sasakawa Memorial Health Foundation have been carrying out a number of projects

aimed at humanitarian assistance in belarus, Rússia and Ukraine, the countries most affected by the

Chernobyl accident, to alleviate medical consequences of this disaster. Medical examinations of about

210 000 children performed within the framework of the WHO International Programme on the Helath

Effects of the Chernobyl Accident (IPHECA) and Chernobyl Sasakawa Project in the three countries

since 1991, have shown a significant increase in the incidence of childhood thyroid diseases including

thyroid câncer. It is, in particular, evident for the Gomel region, Belarus, where thyroid cancer incidence

is 100 times higher than before the accident” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Medical relief for

children affected by the Chernobyl accident through the development and implementation of health

telematics. Geneva: WHO, 2002. Obtido na internet, no site

www.who.int/peh/Radiation/Healthteleproject.htm, em 26/08/02). Também nesse sentido: “Now it is

clear that a population of roughly 2.3 million children living in southern Belarus, northern Ukraine and

the most easterly regions of the Russian Federation was exposed to significant amounts of radioactive

iodine. The result, less than fifteen years after the accident, is more than 1000 cases of thyroid cancer,

most probably solely attributable to this single release of radioactivity to the environment” (WORLD

HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for iodine prophylaxis following nuclear accidents. Geneva:

WHO, 1999, p. i).

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36

concrete sarcophagus which is allegedly crumbling has become a

major cause for concern.

The major effects of the explosion only became clear gradually.

An estimated 4.9 million people in northern Ukraine, southern

Belarus and the south-western corner of Russia were affected to some

degree. Many continued to live on contamined land and produced

contaminated meat, milk and vegetables, which found their way into

local markets.

Today, Ukraine has evacuated most of the highly contaminated

areas, although a number of resettlers, anxious to return to their

villages such as Opachichi and Koupovatoye, have moved back within

the forbidden zone, a practice the government mainly ignores.

Workers at the Chornobyl plant today live in the new town of

Slavutych, created following the 1986 disaster, and an international

team of scientists has set up a 24 hour monitoring station at the plant.

Over 15% of Ukraine‟s annual budget is consumed by Chornobyl-

related clean-up and maintenance operations, an amount the

government argues is nowhere close to sufficient, but all it can

possibly afford. Agricultural and production losses, especially in

Belarus, have also crippled the economy.

Despite huge pressure from the international community, the

Ukrainian government opted to reopen the remaining three reactors

at Chornobyl to help solve its energy crisis. A fire in 1991 prompted

the closure of reactor No 2, followed by reactor No 1 in 1996. Only

reactor No 3 is on line today and has been temporarily shut down

several times for urgent safety repairs to be carried out. This last

reactor, the government says, will be shut down for good in 2000

providing the West drums up the financial aid for Ukraine to construct

two replacement nuclear plants in Khmelnytsky and Rivne in western

Ukraine. The estimated cost is US$ 1.2 billion. On both sides, there

are increasing fears that this will not happen”55

.

4. “ANTES” DA CALAMIDADE

O exame do texto constitucional e da legislação sanitária vigente

permitem concluir que não se está preocupado apenas com o enfrentamento das

calamidades públicas sanitárias, uma vez ocorridas. Pelo contrário, a ordem jurídica

vigente procura de todas as formas prevenir e evitar essas calamidades, estabelecendo

mecanismos de controle e de prevenção, que objetivam impedir que tais situações

ocorram56

. O ponto de partida é a idéia de que a prevenção é a melhor solução,

55 BERKMOES, Ryan [et alii]. Russia, Ukraine & Belarus (travel guidebooks). 2ª edição. Victoria:

Lonely Planet Publications, 2000, pp. 752-753.

56 Nesse sentido, no âmbito internacional, “when a Member State is concerned and wants to be prepared,

WHO advises strengthening public health surveillance and response activities, with an emphasis on:

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37

principalmente porque algumas situações dificilmente poderiam ser controladas uma

vez ocorridas (por exemplo, um acidente nuclear, onde a contaminação é irreversível), e

em outros casos não há uma reparação suficiente para minorar os prejuízos acarretados

aos indivíduos (por exemplo, a contaminação por um vírus letal)57

.

A seguir, são examinados alguns mecanismos da legislação sanitária,

que tratam das situações preventivas de calamidades públicas sanitárias. O objetivo da

monografia não é exaurir o tratamento dessas questões, mas apenas abordá-las

sucintamente, evidenciando a relação de sua previsão normativa com a idéia de

prevenção, indicando assim que a ordem jurídica preocupa-se com aquilo que acontece

“antes da calamidade”, procurando ao máximo evitar sua ocorrência e criar condições

para minorar suas consequências.

A vigilância sanitária é, por excelência, o instrumento de que dispõem

os Poderes Públicos para evitar que fatos do homem ou da natureza possam desencadear

efeitos nocivos à saúde humana58

. A execução de ações de vigilância sanitária está

incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde59

. Controlando e fiscalizando

more effective national surveillance of outbreaks of illness; better communication between responsible

agencies (public health, water supply, food safety, veterinary, radiological, nuclear safety, poison-control

and related services), and better coordination of their responses; improved assessments of vulnerability,

and effective communication about risks to both professionals and the public; preparation for handling

the psychosocial consequences of the deliberate use of pathogens and chemical to cause harm; and

contingency plans for an enhanced response capacity (with the ability to enlist additional resources for

public health, such as civil defense, security, law-enforcement authorities and other bodies, and the

preparedness to work together, spelt out through cooperative agreements)” (FIFTY-FIFTH WORLD

HEALTH ASSEMBLY. Deliberate use of biological and chemical agents to cause harm. Report by

the Secretariat, em 16/04/02, A55/20. Geneva: WHO, 2002).

57 Nesse sentido, “preparedness plans should follow the established principles of risk assessment and

management and should draw on existing plans for dealing with disasters or emergencies, including

natural outbreaks of disease, natural disasters, and terrorist incidents. Planning principles will also

overlap with plans for responding to large-scale industrial or transportation accidents in which health

care facilities will be required to deal with a surge of casualties and emergency admissions. Every

outbreak should be treated as a natural outbreak until demonstrated otherwise. Such an approach frees

the health system to concentrate on the first priority: the reduction of morbidity and mortality and

prevention of further spread. For all outbreaks, whatever the cause, the window of opportunity for

effective intervention closes quickly” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for the

deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002, p.

6). Para prevenção, também é importante a introdução de estratégias de redução de riscos (WORLD

HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO

guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 33-34).

58 A vigilância sanitária “constitui um subsetor específico da Saúde Pública, cujo objeto é a proteção e

defesa da saúde individual e coletiva; compõe-se de um conjunto de saberes – de natureza

multidisciplinar – e práticas que visam interferir nas relações sociais produção-consumo para prevenir,

diminuir ou eliminar riscos e danos à saúde relacionados com os objetos historicamente definidos como

de interesse da saúde, tendo por objetivo a crescente qualidade de vida. (COSTA, Ediná Alves.

Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, p. 65).

59 É o que dispõe o art. 6º-I-a da Lei 8.080/90, assim definindo-a o art. 6º-§ 1º dessa Lei: “entende-se por

vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de

intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da

prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I- o controle de bens de consumo que, direta ou

indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao

consumo; e II- o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a

saúde”. Sobre vigilância sanitária, entre outras, ver também as Leis 6.437/77, 7.967/89, 9.695/98 e

9.782/99.

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38

as atividades humanas, especialmente aquelas que envolvam as relações de produção e

consumo de alimentos, bebidas, medicamentos, produtos correlatos, serviços de saúde,

etc, procura-se estabelecer um padrão mínimo a ser observado, precavendo-se contra os

efeitos não-desejados ou não-previsíveis desses processos de produção e consumo60

. O

Estado estabelece normas a serem seguidas e fiscaliza sua observância, impondo assim

aos particulares a obrigação de se submeterem a esses princípios jurídico-

administrativos que limitam as respectivas liberdades, fazendo então com que os

interesses coletivos (saúde da população, segurança nas relações de produção-consumo,

etc) não sejam expostos a riscos previsíveis ou desnecessários (contaminação de

alimentos, inocuidade de medicamentos, má-qualidade do serviço hospitalar, etc)61

. A

vigilância sanitária se apresenta como manifestação do poder de polícia do Estado, mas

não se esgota nisso, envolvendo ações de saúde de caráter coletivo e preventivo, no

campo de regulação das relações sociais de produção e consumo62

. Alcançando vários

60 Nesse sentido, é conveniente mencionar a “doença da vaca louca”, que tantas conseqüências têm

trazido para as populações e mercados europeus: “Em 1986, foi identificada na Inglaterra uma epidemia

de doença neurológica desconhecida, acometendo rebanhos de gado em diversas regiões do país. Essa

doença recebeu a denominação de encefalite espongiforme bovina ou doença da vaca louca, cujo agente

etiológico é um agente infeccioso ainda não descrito, os prions. As investigações dessa epidemia

verificaram que a contaminação desses rebanhos bovinos estava associada à introdução na ração dos

animais de proteína de carneiros, cujos rebanhos, na Inglaterra, sofrem endemicamente de doença

neurológica semelhante. Na década de 90, surgem na Europa casos humanos de uma doença neurológica

semelhante à síndrome de Creutzfeldt-Jacob, associados ao consumo de carne bovina originária de

rebanhos atingidos pela referida encefalite bovina (...). As repercussões dessa questão em termos de

saúde pública e de relações econômicas internacionais têm sido amplamente discutidas na imprensa”

(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 102).

61 Como exemplo, bastaria lembrar o caso da talidomida, “a maior tragédia médica do século XX”: “É

provável que todos já tenham visto um dia pessoas com membros atrofiados. Braços e ou pernas curtos,

às vezes um dedo onde deveria haver um braço, mãos coladas diretamente no tronco e outras diferenças,

como ausência de orelhas e certos órgãos internos. Os leigos não sabem a causa, mas a classe médica,

sim. O fenômeno é tristemente conhecido pelo termo desumano de FOCOMELIA – membros de foca -,

cuja causa foi o uso, durante a gravidez, da droga denominada TALIDOMIDA. Esta substância, a „Imida

N-ftática do ácido glutâmico‟ foi a partir de 1956 amplamente vendida e distribuída no mundo todo pelo

laboratório alemão Chemie Grunenthal, como calmante, sob a denominação de Contergan. A droga não

havia produzido efeitos colaterais em experiências com animais, o que fazia supor, então, que não

carecia de maiores estudos para sua introdução no mercado, além disso, seus efeitos benéficos foram

bastante divulgados, razão pela qual foi muito consumida, inclusive sem receita, no mundo todo (...).

Após intensos debates, não restaram dúvidas de que aqueles efeitos teratogênicos deviam-se ao uso da

Talidomida durante o primeiro trimestre de gravidez. Calcula-se que no período de 1958 a 1962 a droga

produziu cerca de 20 mil vítimas. Tais vítimas espalhavam-se por 51 países no mundo todo. Note-se que

nos Estados Unidos a droga não foi posta à venda oficialmente, porque o National Food and Drug

Administration, por entender que o produto carecia de base experimental, não autorizou a venda”

(FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Talidomida: a maior tragédia médica do século XX (trabalhos

forenses). Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 2, julho de 2001, pp. 143-144).

62 Nesse sentido, “não obstante insuficientemente teorizada em termos doutrinários e conceituais, a

Vigilância Sanitária surge como conceito inovador que abarca e ultrapassa o conceito de poder de

polícia ou – pelo desgaste deste termo – o equivalente ao poder atribuído pela sociedade ao Estado para

interferir nas liberdades individuais em favor dos interesses públicos (...). Atuando diretamente no

conjunto de bens materiais e imateriais, meios de circulação de bens e sobre o indivíduo em situação

específica (imigrante-portador de mercadoria força de trabalho) e em aspectos do ambiente, a Vigilância

Sanitária ocupa-se de riscos atuais ou potenciais – para preveni-los, diminuí-los, eliminá-los ou reduzir

efeitos previstos ao mínimo possível; atuando indiretamente, deve desenvolver atividades educativas e de

informação à coletividade de pessoas, incluindo os produtores e prestadores de serviços e organizações

sociais. A Vigilância também se ocupa da qualidade porque deve estabelecer meios para assegurá-la,

deve verificá-la, monitorá-la, e articular-se com o desenvolvimento, em especial o científico e

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39

objetos, suas competências administrativas são divididas entre vários órgãos e

instituições de distintos setores estatais63

, sendo precipuamente atribuição do sistema

único de saúde, tanto que o art. 200 da CF/88 estabelece que compete ao sistema único

de saúde, entre outras atribuições: (a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e

substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,

equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; (b) executar as ações

de vigilância sanitária; (c) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle

de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; (d) participar

do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e

produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Resumidamente, a vigilância sanitária

abrange os seguintes campos de atuação64

: (a) normalização e controle de bens, da

produção, armazenamento, circulação, transporte, comercialização e consumo de

produtos de interesse da saúde, suas matérias-primas, coadjuvantes de tecnologias,

equipamentos e processos; (b) normalização e controle de tecnologias médicas,

equipamentos, procedimentos; (c) normalização e controle de serviços direta ou

indiretamente relacionados com a saúde, prestados pelo Estado e modalidades do setor

privado; (d) normalização e controle de portos, aeroportos e fronteiras, alcançando

veículos, cargas e pessoas; (e) normalização e controle de aspectos do ambiente e da

saúde do trabalhador. A vigilância sanitária é permeada pelo conceito de nocividade,

porque é este que fundamenta aquela: “quando o Estado intervém em atividades

particulares visa evitar que possível nocividade de produtos e serviços (...) prejudique a

saúde individual, coletiva e ambiental”65

.

A vigilância ambiental também é instrumento de controle e prevenção

de calamidades públicas sanitárias, evitando que atividades humanas possam escapar ao

controle e causar prejuízos à saúde pública e ao meio-ambiente. Ao sistema único de

saúde é atribuída competência para “colaborar na proteção do meio ambiente” (art.

200-VIII da CF/88), havendo atribuição específica de competência aos Poderes Públicos

para “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

tecnológico, para obter elementos que contribuam na elevação de padrões técnicos, na realização ética e

no aumento da qualidade de vida” (COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da

saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, pp. 415-416).

63 É recomendado que exista essa especialização, evitando a confusão dos interesses econômicos e

sanitários, que é apontado com um dos fatores responsáveis pela reincidência de crises sanitárias. Nesse

sentido, “é inconcebível que a segurança sanitária possa ser confiada a uma autoridade que tenha como

incumbência a função de garantir a boa saúde econômica de um setor. Assim sendo, convém evitar os

conflitos entre as duas questões em jogo, procedendo a uma separação funcional entre as

responsabilidades de gestão de um setor e as funções de controle ou aquelas que regem os preços”

(DURAND, Christelle. A segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de

Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p.

65). Ao mesmo tempo, entretanto, também é causa daquelas crises a fragmentação do processo de decisão

e sua falta de coordenação. Nesse sentido, “as agências e outros protagonistas implicados na decisão em

saúde pública dependem de ministérios diferentes. (...) Uma tal fragmentação das competências torna

difícil toda tomada de decisão eficaz e aplicável. (...) Além disso, a falta de coordenação entre esses

vários interventores aumenta o disfuncionamento da gestão de riscos” (DURAND, Christelle. A

segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de Segurança Sanitária na

França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 66).

64 COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec,

1999, pp. 56-5.

65 COSTA, Ediná Alves. Vigilância sanitária: proteção e defesa da saúde. São Paulo: Editora Hucitec,

1999, p. 405.

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40

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”

(art. 225-§ 1º-V da CF/88). O homem vive transitivamente, isto é, vive num

determinado lugar. É preciso um espaço físico para que se dê a vivência humana, e esse

espaço é seu meio-ambiente. Mas não basta apenas o espaço físico, é preciso que o

homem possa interagir com esse meio, dele obtendo o que necessita para sua

sobrevivência. O ser humano não é autônomo e depende, para sobreviver, das relações

com o meio (alimentos, água, oxigênio, etc). É importante então que esse meio

ambiente seja resguardado e protegido, minorando os danos que a ação humana possa

causar e assegurando-se aos homens de hoje e aos de amanhã que possam obter desse

meio aquilo que necessitam para viver. Práticas nocivas ao meio ambiente devem ser

controladas e, dentro do possível, impedidas, preservando-se assim a qualidade de vida

e a própria vida, que depende intimamente de relações harmônicas e saudáveis com seu

meio. Todas aquelas atividades ou práticas que colocam em risco o meio ambiente,

estão colocando em risco também a vida humana, e por isso devem estar submetidas a

rigoroso controle e fiscalização por parte dos Poderes Públicos, o que se dá através da

vigilância ambiental. Também aqui se busca prevenir que uma conduta humana

desastrada ou imprevidente possa causar dano ao meio ambiente e assim desencadear

uma calamidade pública sanitária66

.

A vigilância epidemiológica envolve “um conjunto de ações que

proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos

fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a

finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou

agravos” (art. 6º-§ 2º da Lei 8.080/90). Mesmo com o desenvolvimento das tecnologias,

o ser humano continua ainda sendo frágil, exposto às doenças, que diminuem sua

capacidade laborativa, dificultam sua qualidade de vida e podem causar sua

incapacidade ou morte. É importante compreender e controlar as mudanças do meio

ambiente, e a forma que isso influencia sobre a saúde dos indivíduos e coletividades,

porque assim se ganha em previsibilidade quanto às situações de fragilidade do homem,

podendo ser enfrentadas as situações adversas67

. No que interessa às calamidades

66

Nesse sentido, quanto a agentes químicos, por exemplo, a prevenção é importante: “once chemicals

have been released into the environment, little or nothing can be done to remove them. Many chemicals

will continue to damage animals and plants and poison food and water for years or decades. Therefore, it

is essential that chemical pollution of the environment be prevented at its source – i. e., wherever

chemicals are manufactured or used. Good occupational hygiene principles should always be applied

when using or handling any chemicals at work. Chemicals must be controlled not simply in order to

ensure compliance with government standards (exposure limits, etc), but to prevent chemical

contamination – to the maximum extent possible – of the general environment. In the first instance, this

means judicious use of less toxic and/or more readily degradable chemicals and the use of more selective

pesticides. Chemical processes should be enclosed as far as possible to prevent release of chemicals as

dust, fumes or gas. Dust, fumes and gas that are generated during a process such as grinding or welding

should be captured by local exhausted ventilation. Contamined air from such processes, together with

contamined air from ventilation of closed systems and general ventilation, should not be allowed to

escape to the atmosphere inside the workplace, or outside, without first having had the contamination

removed” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Users’ manual for the IPCS health and safety

guides. Geneva: WHO, 1996, pp. 66-67).

67 Nesse sentido, “a utilização de instrumentos adequados para a identificação precoce de doenças

infecciosas ainda desconhecidas ou que por diferentes mecanismos alteraram seu comportamento clínico

e/ou na forma de atingir populações humanas, tornando ineficientes as estratégias de controle até aqui

aplicadas, é essencial para minimizar as taxas de morbi-mortalidade, diminuir o período e a freqüência

de incapacidade e as perdas econômicas decorrentes das doenças infecciosas emergentes”

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41

públicas sanitárias, é importante mencionar que muitas dessas doenças podem ocorrer

na forma de epidemias, atingindo grandes populações e, principalmente, disseminando-

se entre os indivíduos, através de contágio natural ou provocado. Exemplo disso são

vírus e bactérias que se proliferam e transmitem entre os indivíduos em determinadas

situações. O conhecimento desses processos é importante para se estabelecer formas

possíveis de controle, evitando-se que outras pessoas sejam alcançadas68

. Daí a

importância da vigilância epidemiológica como forma de realizar-se essa prevenção de

calamidades públicas sanitárias69

. A coleta e interpretação de informações sobre a

ocorrência dessas doenças também é importante, servindo para vários propósitos:

“First, the data are used to alert health officials when there is na epidemic of infectious

disease. For diseases that spread rapidly, and that have high case fatality rates if left

untreated, timeliness is of utmost important. Since the data are collected over a long

period of time, they can also be used to provide general picture of long-term trends in

incidence and case fatality rates”70

.

A vigilância internacional e a Organização Mundial da Saúde

desempenham relevante papel na prevenção de calamidades públicas sanitárias, porque

propiciam a difusão do conhecimento entre seus estados-membros, permitindo que o

conhecimento seja difundido além das fronteiras nacionais71

. Os riscos à saúde não

(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, pp. 103-104).

68 Nesse sentido, o conhecimento científico permitiu que o controle das doenças infecciosas não fosse

feito apenas por medidas coercitivas como isolamento, quarentena ou cordão sanitário: “Por volta de

1880, as pesquisas de Pasteur e de Koch permitem o desenvolvimento da microbiologia e de disciplinas

afins, criando condições para a ampliação do conhecimento científico e tecnológico que permitirá

avanços no campo da saúde pública, ampliando o conhecimento a respeito dos mecanismos de

transmissão das doenças infecciosas e propiciando a descoberta de novos instrumentos aplicados no seu

controle (...). O acesso a esse novo elenco de conhecimentos permite, no final do século passado, o

desenvolvimento de um quarto instrumento, a vigilância, definida, em seu conceito clássico, pela

específica mas limitada função de, sem restringir a liberdade de locomoção, observar, pelo período

máximo de incubação da doença sob suspeita, os indivíduos que tenham tido algum contato com

pacientes atingidos pela moléstia ou que tenham transitado por regiões por ela atingidas. Seu propósito é

detectar precocemente os primeiros sintomas da doença para, só então, instituir rapidamente o

isolamento” (WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a

segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 93).

69 Nesse sentido, “pelas suas implicações econômicas, políticas e militares, o controle das doenças

infecciosas volta, na última década, a constituir preocupação do Estado, ganhando atualidade a busca

de instrumentos adequados ao seu controle, nessa nova realidade. Com tal propósito, torna-se imperiosa

a perfeita delimitação do conceito de controle a ser adotado e a identificação e aperfeiçoamento dos

instrumentos a serem utilizados com essa finalidade, entre os quais poderíamos apontar: as tecnologias

médicas (vacinas e antibióticos, entre outras); a vigilância de doenças infecciosas, oferecendo subsídios

para a fundamentação técnica das estratégias aplicadas nas ações de controle; assim como as normas e

regulamentos que fundamentam a ação da fiscalização sanitária” (WALDMAN, Eliseu Alves. O

controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São

Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 91).

70 WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone

Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02.

71 Nesse sentido, “WHO has the mandate to lead and coordinate global surveillance. This includes setting

international epidemic surveillance standards, providing technical assistance to Member States in

surveillance activities, training in field epidemiology, strengthening laboratory capacity and laboratory

networks. WHO also maintains international collaborating networks like the WHO Network of

Collaborating Centers for Influenza Surveillance which monitors strains of influenza, the cholera task

force which coordinates preparedness and response to cholera outbreaks, and the International

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42

respeitam as fronteiras nacionais, alcançando muitas vezes dimensões mundiais, já que

cada vez mais as atividades humanas estão inter-relacionadas e globalizadas72

. Em razão

da intensidade do comércio internacional e da facilidade de trânsito das pessoas entre as

nações, a noção de fronteiras nacionais não é mais barreira à propagação de doenças, à

difusão de medicamentos inócuos ou à comercialização de alimentos contaminados, por

exemplo. É importante então que existam mecanismos internacionais de controle e

prevenção das calamidades públicas sanitárias, evitando a difusão de práticas nocivas ou

produtos perigosos. Por isso, a importância da Organização Mundial da Saúde quanto a

isso, permitindo a integração internacional e o esforço conjunto de seus estados-

membros para prevenção de doenças e calamidades sanitárias73

. Entre essas medidas

internacionais, está a adoção do Regulamento Sanitário Internacional, que em resumo

obriga os estados-membros a: (a) comunicar ao Secretariado da OMS os casos de

doenças de notificação internacional e outras informações epidemiológicas de interesse;

(b) oferecer serviços de saúde nos portos e aeroportos de trânsito internacional; (c)

editar documentos internacionais de saúde; (d) aplicar medidas sanitárias ao tráfego

internacional que não sejam mais rigorosas do que aquelas previstas no texto74

.

Também a manutenção e alimentação de um sistema global de vigilância quanto às

doenças infecciosas, alcançando o constante acompanhamento de todos os aspectos da

ocorrência e disseminação de doenças cujo controle é pertinente, realizando coleta,

análise, interpretação e disseminação de informações relativas a essas doenças75

. Isso

permite que sejam logo detectadas e prevenidas as epidemias, evidenciando a

necessidade da vigilância epidemiológica internacional para conhecer as doenças

contagiosas que tenham potencial epidêmico, para detecção prematura de novas

doenças, e para monitorar a resistência de seus agentes às drogas profiláticas e

terapêuticas76

.

Coordinating Group (ICG) on Vaccine Provision for Epidemic Meningitis Control. In addition, WHO

ensures international coordination of epidemic response, particularly for diseases of international public

health importance or when countries lack the capacity to respond to an epidemic themselves. Responses

can vary form investigating the cause of an epidemic, to verifying and disseminating information, and to

providing needed equipment and laboratory supplies” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO

Report on Global Surveillance of Epidemic-prone Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido

na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).

72 Nesse sentido, HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, pp. 113-126, março de 2001.

73 Nesse sentido, “a necessidade de colaboração entre os países salienta a importância de regulamentos

internacionais, especialmente a partir da tendência de globalização dos mercados e da contínua

introdução de novas tecnologias de comunicação e na produção de insumos, produtos e serviços”

(WALDMAN, Eliseu Alves. O controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 100).

74 Nesse sentido, HENRIQUES, Cláudio Maierovitch Pessanha. Regulação sanitária sem fronteiras.

Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 119.

75 Nesse sentido, “surveillance systems must detect new communicable diseases as well as recognize and

track diseases that currently are, or have the potential to become, of major public health importance”

(WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-prone

Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02).

76 Nesse sentido, em 18/05/02, a Assembléia da Organização Mundial da Saúde recomendou aos seus

estados-membros: “(1) to ensure they have in place national disease-surveillance plans which are

complementary to regional and global disease-surveillance mechanisms, and to collaborate in the rapid

analysis and sharing of surveillance data of international humanitarian concern; (2) to collaborate and

provide mutual support in order to enhance national capacity in field epidemiology, laboratory

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43

A educação sanitária e a educação ambiental também são

instrumentos de prevenção de calamidades públicas sanitárias, atuando de um modo

muito preventivo e sutil, através da educação das populações e conscientização dos

indivíduos para os riscos que a saúde coletiva e o meio ambiente podem estar expostos

se determinadas práticas nocivas, perigosas ou desconhecidas foram desenvolvidas, sem

o necessário cuidado e controle. O risco sempre foi uma inevitável realidade da vida,

não sendo possível ao homem suprimi-lo totalmente. É necessário conviver com um

certo risco, porque isso é condição do progresso humano e da própria vida humana,

afinal “viver é perigoso”. Mas é preciso que todos estejam conscientes dos riscos e

minimamente preparados para enfrentá-lo. A educação sanitária, tornando as pessoas

conscientes de seus direitos e deveres enquanto cidadãos, contribui para que isso seja

alcançado. Na área da saúde, também é importante que o Poder Público controle

adequadamente a formação de recursos humanos (art. 200-III da CF/88 e art. 6º-III da

Lei 8.080/90), não apenas instruindo-os com conhecimentos técnicos apropriados ao

trabalho que desempenham, mas também criando neles consciência do papel que

desempenham e sensibilidade aos riscos a que estão expostos e a que podem expor o

restante da população77

. Na área ambiental, é importante a promoção da educação

diagnoses, toxicology and case management; (3) to treat any deliberate use, including local, of biological

and chemical agents and radionuclear attack to cause harm also as a global public health threat, and to

respond such a threat in other countries by sharing expertise, supplies and resources in order rapidly to

contain the event and mitigate its effects” (FIFTY-FIFTH WORLD HEALTH ASSEMBLY. Global

public health response to natural occurrence, accidental release or deliberate use of biological and

chemical agents or radionuclear material that affect health. Ninth plenary meeting, em 18/05/02,

WHA55.16. Geneva: WHO, 2002).

77 Nesse sentido, a adequada formação do pessoal da saúde é importante, por exemplo, para identificação

das doenças infecciosas e comunicação de sua ocorrência aos órgãos nacionais e internacionais de

vigilância epidemiológica: “one of the mainstays of communicable disease surveillance is the reporting

and confirmation of cases seen in health facilities. This is known as passive reporting (in contrast to

active case-finding methods where cases cases are actively looked for). For passive reporting to be

successful, primary health care providers must be able to recognize the clinical manifestations of

reportable diseases. This involves having clear, uniform case definitions available at the peripheral

level” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Report on Global Surveillance of Epidemic-

prone Infectious Diseases. Geneva: WHO, 2000. Obtido na internet, no site www.who.int, em 23/07/02,

grifou-se). Além disso, “the covert release of a biological agent will, in most cases, take several days or

even weeks to become apparent. Suspicious that an attack has occurred will emerge only when patients

begin appearing in health care facilities or emergency rooms with unusual symptoms or an inexplicable

disease. For this reason, public health workers, including nurses, physicians, and hospital accident and

emergency personnel, will be the first to respond to a deliberately caused outbreak. Prompt detection

depends on their vigilance: their alertness to clusters of unusual symptoms and immediate reporting to

the appropriate authorities. Public health workers are also at the front line throughout the response and

should have first call on protective equipment, vaccines, and drugs. Most health personnel will have

littler or no experience of several of the illness that could be deliberately caused. Training is therefore

needed in the recognition and initial management of biological casualties, and for a rapid

communication that allows real-time sharing of information as an unusual event unfolds. First

responders also need training in barrier nursing techniques, safe handling of samples, and

decontamination procedures. Of great concern is the generally acknowledged fact that few countries will

ever have the surge capacity, in staff and facilities, to manage either a very large and lethal outbreak or

simultaneous attacks with different agents” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness for

the deliberate use of biological agents: a rational approach to the unthinkable. Geneva: WHO, 2002,

pp. 6-7). Também é importante para uma eficiente resposta às primeiras manifestações, por exemplo, de

um ataque com armas químicas ou biológicas: “the first to respond to an attack with a toxic substance

having immediate effects are likely to be the police, fire departments and emergency medical personnel

on or near the scene. In contrast, the first to respond to an initially undetected attack with an infective or

toxic agent having only delayed effects are more likely to be regular health-care providers, including

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44

ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para preservação do

meio ambiente (art. 225-VI da CF/88). Com isso, investindo na educação e

conscientização, assegura-se a todos acesso à informação sobre a importância da

atuação profissional e social de cada um, contribuindo para minorar e evitar acidentes

ou práticas nocivas à saúde e ao meio ambiente.

Embora o avanço tecnológico e as descobertas da ciência, o homem

ainda é pequeno diante da natureza e provavelmente sempre continuará a sê-lo, porque o

homem sempre será dependente do seu meio ambiente para sobreviver. Mesmo que

desenvolva novas tecnologias, não teria sentido pensar-se em seres humanos que

pudessem viver completamente isolados e independentes do seu meio. A graça da vida

está na incerteza que nos faz pequenos diante do futuro, e na fragilidade que nos faz

minúsculos diante do restante do mundo. O esforço humano consegue controlar doenças

e epidemias que antigamente matavam muitas pessoas (varíola, peste, etc), mas vê-se

impotente diante de novas doenças (câncer, AIDS, etc). Por isso, a ordem jurídica exige

do homem humildade frente à natureza e ao desconhecido. Da mesma maneira que

ainda conhecemos muito pouco do universo sideral e das origens da vida, também

conhecemos pouco sobre as conseqüências que muitas de nossas práticas cotidianas

podem trazer para nós próprios, para as gerações futuras e para o meio ambiente. A

ciência e o direito discutem hoje a engenharia genética, a reprodução controlada, os

alimentos geneticamente modificados, a utilização de novas tecnologias de

comunicação, etc, e ainda sabemos muito pouco sobre tudo isso. Por isso, a importância

nurses, physicians and hospital accident and emergency personnel, who may be located in widely

separated places. (…) Because victims of a chemical attack may be affected immediately, a rapid

response will be required, in which the main emphasis will be on contamination control and early

medical treatment. Emergency personnel will have to locate and identify the contaminated area

immediately (the „hot zone‟) and may have to act within minutes if lives are to be saved. On the other

hand, a covert release of a biological agent will be more likely to become apparent over a longer period

of time, e.g. days or even weeks, and will probably take the form of the appearance of cases of infectious

disease. Because victims are likely to move around in the symptom-free incubation period after exposure,

cases of the disease might appear in different parts of the country (or world), and the full picture might

become evident only after information, medical reports, and surveillance data from many areas have

been combined. Biological agents that are transmissible from person to person can also generate clusters

of secondary outbreaks. Depending on the nature of the organism involved, the attack might initially

appear to be a natural outbreak of disease. These differences need to be borne in mind in planning public

health preparedness for biological and chemical incidents. However, in the early phases of an incident, it

may not be clear whether the causative agent is biological or chemical, or possibly a mixture of the two.

As a result, first responders may find themselves needing to manage both types of incident before the

relevant specialists for biological or chemical incidents become involved. In order to prepare for

biological or chemical attack, the authorities concerned should be encouraged to make maximum use of

existing emergency-response resources, and to adopt an approach that is consistent with the principles

on which the management of any other type of public health emergency is based. While attacks with

biological and chemical agents will have some special features, they do not necessarily require the

formation of completely new and independent response systems. A well designed public health and

emergency-response system is quite capable of responding to a limited biological or chemical attack and

can take the measures necessary to mitigate its effects. An attack with a chemical agent will be very

similar to a major hazardous materials accident. A community‟s existing capability to respond to such an

accident is therefore an essential component of preparedness for such an attack. A biological agent

attack will generally have the characteristics of a disease outbreak, so that city, state and regional public

health authorities must be involved in the respond, which will have much in common with the infection-

control strategies used in any outbreak of disease” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public

health response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO,

2001, p. 30).

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45

da prevenção pela biossegurança e a defesa do princípio da precaução78

relativamente a

certas atividades humanas, cuja totalidade das conseqüências futuras ainda é

desconhecida ou incerta. Aliás, “atuar o princípio de precaução significa (...) conduzir

uma ação política que obriga a prudência. É necessário certificar-se do melhor estado

da arte a respeito e analisar as repercussões socioeconômicas e culturais do problema,

estabelecendo-se um adequado e eficaz sistema de vigilância, de alerta, e contando-se

com a participação ativa das pessoas para que se possa firmar a correta relação

custo/benefício, indispensável à tomada da decisão política”79

.

A exigência de prévio estudo de impacto ambiental para instalação de

obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio

ambiente (art. 225-IV da CF/88) está inserida dentro das garantias de que as surpresas

da natureza serão, dentro do possível, minimizadas e reduzidas àquilo que efetivamente

não possa ser controlado. A exigência constitucional significa um reconhecimento pelo

constituinte das limitações humanas e da necessidade de que o progresso se dê com

observância da ordem natural das coisas. Mesmo o cientista, que altera a natureza,

quanto o empresário, que explora os recursos naturais, devem se mostrar humildes

diante da natureza e do desconhecido, procurando conhecer e discutir com os demais

cidadãos as práticas e as conseqüências de suas práticas, antes de implantá-las

definitivamente. Essa exigência constitucional de prévio estudo do impacto que

determinada obra ou atividade poderá trazer para o meio-ambiente e para a vida de uma

coletividade nada mais é do que uma tentativa cautelosa e prudente de prevenção e

precaução diante do que ainda não se conhece totalmente, evitando que esses processos

fujam de nosso controle e machuquem outras pessoas ou outras gerações.

Finalmente, o direito penal sanitário também é importante instrumento

de que dispõem os Poderes Públicos para a prevenção das calamidades públicas

sanitárias, criminalizando condutas lesivas ou perigosas, e assim motivando as pessoas a

afastarem-se daquelas atividades ou não se omitirem de acordo com a vontade ou

necessidade social positivada na norma penal. Por isso, a legislação penal prevê crimes

contra incolumidade pública (arts. 250-285 do Código Penal), crimes contra o meio-

ambiente (Lei 9.605/98), crimes contra a segurança nacional (Lei 7.170/83), etc,

tutelando direta ou indiretamente a saúde pública e procurando afastar os indivíduos de

condutas perigosas ou nocivas para o interesse social e coletivo. As Leis 9.677/98 e

9.695/98 transformaram alguns crimes contra a saúde pública em crimes hediondos,

categoria que agrava a punição e restringe direitos do criminoso, evidenciando assim

sua relevância social em razão da nocividade das condutas criminosas80

. A lei penal

78 Nesse sentido, “obrigando os agentes a refletir quanto ao risco, a aplicação do princípio da precaução

exige ultrapassar as simples medidas de prevenção contra os riscos conhecidos. Em relação aos novos

riscos, ligado a exposição de doses fracas, convém agir ainda quando a prova científica faça falta ou que

seja insuficiente para afirmar a existência ou ausência de risco” (DURAND, Christelle. A segurança

sanitária num mundo global: os aspectos legais. O sistema de Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março de 2001, p. 70).

79 DALLARI, Sueli Gandolfi. A Justiça Frente à Revolução Cientítico-Tecnológica no Campo da

Reprodução Humana. Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,

Brasília, ano VI, número 16, março de 2002, p. 67.

80 Não obstante isso, as referidas leis receberam crítica no tocante a impropriedades e

inconstitucionalidades nelas contidas (DIAS, Cláudia R. Cilento. Crime hediondo em saúde pública:

discussão sobre as Leis 9.677/98 e 9.695/98. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 2, pp. 09-

30, julho de 2001).

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46

ainda estabelece que é circunstância que sempre agrava a pena, quando não constitue ou

qualifica o crime, ter o agente cometido o crime “em ocasião de incêndio, naufrágio,

inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido”

(art. 61-II-j do Código Penal), evidenciando assim a maior lesividade da infração penal

cometida por ocasião de calamidade pública.

5. “DURANTE” A CALAMIDADE

Falhando os mecanismos preventivos de calamidade pública

sanitária81

, e havendo ameaça ou ocorrência efetiva dessas situações, o ordenamento

jurídico disciplina como se dá o enfrentamento da calamidade, procurando debelar ou

minorar suas conseqüências para a população e assim assegurar o retorno à normalidade

institucional. É importante que o direito se preocupe com essas situações de exceção,

disciplinando com antecedência o enfrentamento da questão, que muitas vezes exige a

restrição de direitos e diminuição de garantias que, de outra forma, os cidadãos teriam à

sua disposição numa democracia. Obviamente, a forma como se dá o combate à

situação de calamidade pública vai depender da gravidade de sua ocorrência e do

alcance de suas conseqüências e efeitos82

.

81 Nesse sentido, “no sistema de segurança sanitária, a resposta institucional vem a posteriori, quando o

fenômeno da crise começou ou terminou, deixando pouco espaço para uma lógica coerente de

prevenção” (DURAND, Christelle. A segurança sanitária num mundo global: os aspectos legais. O

sistema de Segurança Sanitária na França. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, vol. 2, nº 1, março

de 2001, p. 63).

82 Por exemplo, no caso de ocorrência de um ataque biológico (isto é, utilização de agentes biológicos

com intenção destrutiva num determinado local), a resposta a tal ataque deveria envolver pelo menos as

seguintes ações: “(a) identify the hazards (determine that a release has occurred, or an outbreak is taking

place; identify the nature of the agent involved; develop a case definition that follow up the distribution of

cases; define the population at risk; develop an initial hypothesis as to the exposure that is causing

disease; test the hypothesis with clinical, laboratory or environmental data; conduct field investigations

and apply analytical epidemiology tools in comparing subgroups of the population); (b) evaluate the

hazards to determine the probability and severity of the initial risk (evaluate the potential outbreak

spread, and assess current and delayed case-management requirements, having regard to the possibility

that the infection may be contagious); (c) introduce risk-reduction strategies (implement a risk-

communication programme for the affected population that conveys information and instructions as

needed; order the necessary supplies and provide the personnel required; protect responders and health-

care workers; introduce infection-prevention and control procedures; conduct case triage; ensure

medical care of infected cases); (d) quantify the residual risk, and decide what risk is acceptable (decide

whether local and national resources are adequate, and whether international assistance should be

sought); (e) monitor the risk-management programme, and repeat the process as required (implement

active surveillance to monitor the effectiveness of the prevention and control procedures, and adjust

response activities as need; implement follow-up activities)” (WORLD HEALTH ORGANIZATION.

Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance. Second edition. Geneva:

WHO, 2001, pp. 40-45). Já um ataque com agentes químicos demandaria as seguintes providências: “(a)

identify the hazards (use rapid chemical detection techniques to determine and/or improve immediate

operational response measures; bring in specialists for the definitive identification, needed for forensic

and legal purposes); (b) evaluate the hazards to determine probability and severity of the initial risk

(evaluate the nature and magnitude of the chemical release detected, and how it may affect response;

predict the spread of the hazard, and assess current and delayed casualty-management requirements); (c)

introduce risk-reduction strategies (implement a risk-communication programme for the affected and

surrounding population, conveying information and instructions as required; protect responders; control

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47

A competência para o combate às calamidades públicas sanitárias

cabe precipuamente à União Federal, dispondo o art. 21-XVIII da CF/88 que “compete

à União ... planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas,

especialmente as secas e as inundações”. A atribuição de competência administrativa

não envolve apenas o planejamento da defesa, mas também a promoção dessa defesa,

que a Constituição quer permanente83

. A menção a secas e inundações é apenas

exemplificativa, com intenção de especificar uma situação que é historicamente

ocorrente no Brasil. Não impede que essa defesa permanente envolva outras situações

de calamidade pública, como aquelas decorrentes de agentes sanitários (epidemias,

doenças contagiosas, bioterrorismo, acidentes nucleares, etc). A atribuição da

competência à União Federal decorre da necessidade de centralização do planejamento

e promoção da defesa, concentrando-a na autoridade federal e assim otimizando os

recursos disponíveis, bem como da necessidade de enfrentamento da calamidade

pública a partir de uma visão federativa, evitando qualquer possibilidade de competição

entre os Estados-membros quanto a isso, afastando assim os riscos de tensão ou

rompimento do equilíbrio federativo. A coordenação e execução de ações e serviços

ordinários de vigilância sanitária e epidemiológica está distribuída entre as três esferas

do Sistema Único de Saúde (arts. 16-III, 17-IV e 18-IV da Lei 8.080/90). Entretanto, o

art. 16-§ único da Lei 8.080/90 dispõe que “a União poderá executar ações de

vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência

de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do

Sistema Único de Saúde ou que representem risco de disseminação nacional”. Ou seja,

quando a ocorrência epidemiológica ou sanitária corre o risco de transformar-se em

calamidade pública sanitária, de grandes proporções ou com risco de atingir todo o

território nacional, então estabelece-se a competência da União para o respectivo

enfrentamento, porque será ela quem terá melhores condições materiais e financeiras de

contamination: establish „hot-zone‟ scene control to limit contamination spread, conduct immediate

operational decontamination on-site, and decontamination of all persons leaving the „hot-zone‟, conduct

casualty triage, ensure medical care and evacuation of casualties, conduct definitive decontamination of

the site); (d) quantify the residual risk, and decide what risk is acceptable (decide whether local and

national resources are adequate, and whether international assistance should be sought); (e) monitor the

risk-management programme, and repeat the process as required (continuously monitor the residual

hazard level on the site, and adjust response activities as needed; implement follow-up activities)”

(WORLD HEALTH ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons:

WHO guidance. Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 45-49).

83 É interessante mencionar que recentemente foi divulgado na imprensa nacional que “o Brasil conta

com um plano nacional de emergência para o caso de um atentado terrorista, incluindo orientações que

vão desde como sepultar as vítimas até como evitar erros de identificação dos eventuais atacantes. O

documento foi apresentado ontem, em Porto Alegre, durante uma reunião de representantes dos países

do Mercado Comum do Sul (Mercosul) (...). O „Plano de Contingência – Hipótese: Ataque

Terrorista‟está condensado em 60 páginas, (...).As orientações do documento são didáticas e estão

divididas em dois grandes blocos. O primeiro é direcionado para a área de segurança pública –

policiais, basicamente – e explica, de maneira simples, como um terrorista atua. (...) Ainda nessa parte, o

plano ensina os tipos de atentados que podem ocorrer: com explosivos, com armas químicas e com

biológicas. O segundo bloco de orientações é dedicado ao pessoal da área de saúde e outros serviços. É

muito semelhante aos cuidados que devem ser tomados logo após um vendaval. Mas traz recomendações

específicas, com a necessidade de organizar o enterro adequado das vítimas, que deve ser feito seguindo

as orientações técnicas sanitárias. Ou seja: evitar que cadáveres entrem em deterioração ao ar livre,

pois poderiam transmitir doenças, principalmente no caso de um atentado com armas biológicas. (...) –

Existe um plano nacional de emergência para o caso de atentado, e cada Estado tem um próprio. No

nacional há orientações gerais e os estaduais descem às minúcias de cada procedimento” (WAGNER,

Carlos. Brasil tem plano para caso de atentados. Jornal Zero Hora, 30/08/02, p. 28).

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48

fazer frente àquela situação, utilizando-se do instrumental que o ordenamento jurídico

coloca à sua disposição. Além disso, quando se fizerem necessários recursos

extraordinários para enfrentamento do problema, foi atribuída à União Federal a

competência tributária para instituição de empréstimos compulsórios (art. 148-I da

CF/88), o que também justifica a manutenção da competência privativa da União no

tocante à defesa permanente contra as calamidades.

A Constituição também autoriza a requisição de bens e serviços

particulares para fazer frente a perigo público iminente, permitindo assim que a

autoridade pública se utilize urgentemente da propriedade particular para enfrentar essas

situações: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar

de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver

dano” (art. 5º-XXV da CF/88). No plano infraconstitucional, o art. 15-XIII da Lei

8.080/90 regulamentou a norma constitucional no âmbito da saúde, autorizando à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, no seu âmbito de atuação

administrativa, a possibilidade dessa requisição da propriedade particular, nesses

termos: “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias,

decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de

epidemia, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá

requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como jurídicas, sendo-lhes

assegurada justa indenização” (art. 15-XIII da Lei 8.080/90). No caso de decretação de

estado de defesa, há previsão constitucional específica para que as autoridades possam,

em caso de calamidade pública, ocupar e usar temporariamente bens e serviços

públicos, respondendo então a União pelos danos e custos decorrentes (art. 136-§ 1º-II

da CF/88). A União ainda tem competência privativa para legislar sobre “requisições

civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra” (art. 22-III da

CF/88). No caso de doenças infecciosas, que sejam transmitidas por contágio direto ou

indireto84

, é possível que as autoridades sanitárias se utilizem dessa norma para

determinar a destruição de objetos contaminados ou que possam significar facilidade de

contágio, desde que sejam indenizados os proprietários.

O enfrentamento da calamidade pública interessa a toda a coletividade

e muitas vezes pode demandar recursos financeiros que não estão disponíveis no

orçamento público, nem podem esperar o processo legislativo pertinente à questão

orçamentária. Por isso, a Constituição atribui competência para que a União institua

empréstimo compulsório para “atender a despesas extraordinárias, decorrentes de

calamidade pública” (art. 148-I da CF/88). Nessa hipótese, o empréstimo compulsório

não fica submetido ao princípio da anterioridade da lei fiscal, podendo o mesmo ser

84 Nesse sentido, “the mechanisms of transmission involved may be direct or indirect. Thus transmission

may, for example, result from direct contact between an infected and an uninfected person, or it may be

mediated through inanimate material that has become contamined with the agent, such as soil, blood,

bedding, clothes, surgical instruments, water, food or milk. There may also be airbone or vector-borne

secondary transmission. Airbone transmission can occur through coughing or sneezing, which may

disseminate microbial aerosol. Vector-borne transmission can occur via biting insects, other arthropods,

or other invertebrate hosts. The distinction between types of transmission is important when methods for

controlling contagion are being selected. Thus, direct transmission can be interrupted by appropriate

handling of infected persons, while the interruption of indirect transmission requires other approaches,

such as adequate ventilation, chlorination of water, or vector control” (WORLD HEALTH

ORGANIZATION. Public health response to biological and chemical weapons: WHO guidance.

Second edition. Geneva: WHO, 2001, pp. 24-25).

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49

exigido imediatamente, porque assim é próprio da natureza extraordinária da despesa85

.

O texto constitucional é explícito em vincular a aplicação dos recursos provenientes do

empréstimo compulsório à despesa que fundamentou sua instituição (art. 148-§ único da

CF/88). Antes da instituição de empréstimo compulsório, o art. 167-§ 3º da CF/88 abre

a possibilidade de remanejo dos recursos orçamentários disponíveis, através de abertura

de crédito extraordinário, nos casos de calamidade pública, e o art. 36-§ 2º da Lei

8.080/90 permite a transferência de recursos para financiamento de ações excepcionais,

em situações emergenciais ou de calamidade pública sanitária. Aquela possibilidade de

abertura de crédito extraordinário é menos drástica que o empréstimo compulsório, e

por isso não se necessita de lei complementar para sua adoção, bastando a utilização de

medida provisória.

Além disso, os casos de emergência ou calamidade pública podem ser

hipóteses de dispensa de licitação para compra de bens ou contratação de serviços no

âmbito da Administração Pública, desde que preenchidos os requisitos legais do art. 24-

IV da Lei 8.666/93, isto é, “quando caracterizada urgência de atendimento de situação

que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços,

equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens

necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas

de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e

oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou

calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos”86

. Também a ocorrência

85 Embora não submetido ao princípio da anterioridade tributária, o Supremo Tribunal Federal já decidiu

que a instituição de empréstimo compulsório, mesmo em caso de calamidade pública, está sujeito ao

princípio da irretroatividade da lei tributária: “EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. CALAMIDADE

PÚBLICA. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. O Supremo Tribunal Federal, ao definir a disciplina

jurídico-constitucional do empréstimo compulsório, não obstante tenha estatuído a sua plena submissão

às normas gerais de direito tributário – corretamente repelindo, desse modo, a artificiosa dicotomia

entre o denominado empréstimo compulsório excepcional (CF/69, art. 21, § 2º, II), -, afastou, com base

na cláusula final do § 29 do art. 153 da Carta Política de 1969, a incidência do princípio da

anterioridade nas hipóteses de empréstimos compulsórios motivados por situações emergenciais

decorrentes de calamidades públicas. O Decreto-lei 2.047/83, que criou empréstimo compulsório

destinado a atender situação de calamidade pública, transgrediu o princípio constitucional da

irretroatividade das leis em matéria tributária ao estabelecer a incidência dessa exação sobre ganhos e

rendas auferidos em exercício financeiro anterior ao da sua instituição” (STF, RExt 118.482, rel. Min.

Celso de Mello, j. 28/04/95, Revista de Direito Administrativo, vol. 203, pp. 171-173, janeiro a março de

1996).

86 Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Contas da União: “4. Questões envolvendo dispensa de certame

licitatório em situações de emergência ou calamidade já foram alvo de deliberações por parte desta

Corte, a saber: Decisão 347/94 (Plenário), Acórdão 300/95 (2ª Câmara), Decisão 820/96 (Plenário),

Acórdãos Sigilosos 172/97, 173/97 e 174/97 (Plenário), Decisão Sigilosa 459/97 (Plenário). Tais

deliberações convergem ao entendimento de que a situação emergencial ou calamitosa que legitima a

dispensa de licitação é aquela cuja ocorrência refuja às possibilidades normais de prevenção por parte

da Administração, ou seja, a que não possa ser imputada em razão da desídia administrativa, da falta de

planejamento ou da má gestão dos recursos disponíveis. 5. Das deliberações citadas, cabe destacar a

Decisão 347/94-TCU – Plenário, de caráter normativo, que , além de ter firmado o entendimento acima

exposto, ainda relaciona outros pressupostos para a dispensa de licitação preconizada pelo inciso IV,

artigo 24, da Lei 8.666/93. Consoante a mencionada Decisão, é preciso que se configurem ainda a

urgência do atendimento à situação calamitosa, ou de emergência, e o risco advindo daquela situação;

necessário se faz também que a contratação direta se mostre o meio adequado, efetivo e eficiente para

afastar tal risco. (...) 7. A idéia central que permeia toda a ausência de licitação fica às vezes eclipsada

por espessas nuvens de detalhes técnicos e processuais (e tais detalhes são, sem dúvida, relevantes),

firmados no sentido de bem caracterizar essas situações de não-ocorrência do certame licitatório. Essa

idéia, que jamais pode ser esquecida ou relegada a segundo plano, reflete o espírito mais elementar, não

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50

de situação de calamidade pública cria exceções no tocante aos motivos e às

formalidades para rescisão dos contratos administrativos (art. 78-XIV e XV da Lei

8.666/93).

As medidas provisórias são um instrumento legiferante que pode ter

grande valia para o enfrentamento de uma calamidade pública sanitária, permitindo que

o princípio da legalidade seja preservado mesmo numa situação de emergência (art. 5º-

II da CF/88)87

. Os requisitos da “relevância” e da “urgência” podem se fazer presentes

em situações de calamidade pública sanitária, desde que os instrumentos jurídicos

existentes não tenham condições de fazer frente àquela situação, permitindo assim que o

Presidente da República se utilize da faculdade constitucional do art. 62 da CF/88 para

estabelecer as regras jurídicas necessárias para o enfrentamento da situação. A simples

ocorrência de uma calamidade pública sanitária não evidencia, por si só, a relevância e

urgência para edição de medida provisória, mas fornece um indício de que talvez se

esteja diante de uma situação dessas, devendo as instâncias constitucionais apropriadas

exercerem o devido controle sobre tais requisitos de produção legislativa por parte do

Poder Executivo. Também devem ser observadas as demais limitações constitucionais à

atividade legislativa, como a inafastabilidade do controle jurisdicional e a

irretroatividade da norma legal (art. 5º-XXXV e XXXVI da CF/88). A situação de

emergência não autoriza o Poder Executivo a dispensar o devido processo legislativo

para edição e aprovação da medida provisória (art. 62 e parágrafos da CF/88, com a

redação da Emenda Constitucional 32/01). O processo legislativo das medidas

provisórias permite que o Presidente da República tome a decisão rapidamente, como o

momento está a exigir, submetendo-a à tramitação legislativa, onde haverá ratificação

ou rejeição pelo Congresso Nacional, como a democracia exige.

Utilizando-se dessa prerrogativa de edição de medidas provisórias em

casos relevantes e urgentes, o Poder Executivo tentou editar a Medida Provisória 33/02,

em cujos artigos 32-36 disciplinava o “estado de emergência epidemiológica” e instituía

o “estado de quarentena federal”. A medida provisória foi rejeitada pelo Congresso

Nacional, sendo então a proposta apresentada pelo Poder Executivo através do Projeto

de Lei 6.952/02, que se encontra atualmente em apreciação no Congresso Nacional.

Pretende-se com isso criar o “Sistema Nacional de Epidemiologia”,

que consistiria no conjunto de ações e serviços de saúde, relativo à epidemiologia,

prestado por órgãos e entidades públicas federais, estaduais, distritais e municipais, e

apenas da lei, mas da própria Constituição Federal: „a licitação é a regra‟. A ausência da mesma

constitui, pois, exceção. Logo, é sob o caráter de exceção que devem ser interpretados, analisados e

avaliados tanto os dispositivos legais que admitem a ausência de certame, como os procedimentos

advindos da aplicação daqueles” (Tribunal de Contas da União, Plenário, TC 929.114/1998-I, rel.

Marcos Vinicios Vilaça, j. 15/09/99, Revista de Direito Administrativo, vol. 218, outubro a dezembro de

1999, p. 324).

87 Nesse sentido, “na sociedade industrial moderna, porém, a extrema complexidade das relações que a

constroem, faz com que suas crises não possam ser convenientemente solucionadas, sem recurso a

modificações legislativas. Não basta pôr em ação um mecanismo de restrições e coerções para que elas

se deslindem; é necessário, no calor da ação e com a presteza do sopro vital, erguer, ajustar, corrigir um

maquinismo intrincado destinado a canalizar todo o esforço de um país no encalço da vitória”

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 104). Existem várias técnicas legislativas empregadas para assegurar ao Presidente da República

a edição da legislação necessária para dar suporte às suas decisões de exceção, inclusive durante um

estado de sítio (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1964, pp. 104-116).

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51

que procuraria o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos

fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade

de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos, das

doenças e de outros agravos à saúde (art. 1º do Projeto de Lei 6.952/02). Como dito na

respectiva exposição de motivos, “o atendimento a esta demanda é de vital importância

para a saúde pública do Brasil, principalmente pela necessidade de possuirmos um

órgão capacitado a responder rapidamente às emergências epidemiológicas e, em

especial, nas seguintes situações: (a) epidemias que ultrapassem os limites de uma

unidade federada; (b) epidemias de doenças emergentes; (c) introdução de vetor e/ou

agente infeccioso erradicado ou não existente no País; (d) expansão de epidemias para

áreas sem ocorrências anteriores; e (d) enchentes, secas e outras calamidades e/ou

desastres relevantes em saúde pública, quando demonstrada a insuficiência da ação do

município e/ou do estado”88

.

As competências administrativas seriam distribuídas entre todas as

esferas federativas, criando-se no âmbito federal uma “Agência Federal de Prevenção e

Controle de Doenças”, que atuaria ao lado do Ministério da Saúde quanto ao Sistema

Nacional de Epidemiologia (arts. 3º e 15-17 do Projeto de Lei 6.952/02).

Um ponto importante e polêmico do referido projeto de lei é a

disciplina da “emergência epidemiológica”, entendida como “a ocorrência de casos de

doenças ou de outros agravos inusitados de etiologia conhecida ou desconhecida, de

alto grau de transmissibilidade, patogenicidade e letalidade” (art. 32 do Projeto de Lei

6.952/02).

Na ocorrência dessas situações, o Presidente da Agência Federal de

Prevenção e Controle de Doenças poderia propor e o Ministro de Estado da Saúde

poderia declarar “estado de quarentena federal” (art. 33-caput do Projeto de Lei

6.952/02). Esse ato declaratório poderia estabelecer uma série de restrições à liberdade

individual e coletiva, com vistas ao combate da situação de epidemia, entre as quais: (a)

dispor sobre o isolamento de indivíduos, animais e comunidades em situação de risco;

(b) dispor sobre a interdição de ambientes ou meios de transporte; (c) determinar o

acompanhamento médico de indivíduos e a necessidade destes se reportarem,

periodicamente, à autoridade de epidemiologia (art. 33-§ 2º do Projeto de Lei 6.952/02).

O estado de quarentena federal é explicitamente tido como estado de calamidade

pública (art. 36 do Projeto de Lei 6.952/02).

Felizmente a medida provisória que tratava desse estado de

emergência foi rejeitada89

, porque a proposta do Poder Executivo apresenta aspectos

polêmicos, que merecem um maior debate legislativo, corrigindo-se as diversas

inconstitucionalidades e equívocos que apresenta. Apenas naquilo que interessa ao

objeto da presente monografia, menciona-se que as restrições que introduz à liberdade

individual, ausente declaração de estado de defesa ou estado de sítio, são passíveis de

88 BRASIL. Ministério de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, e Ministério da Saúde.

Exposição de Motivos Interministerial nº 042/MP/MS. Exposição de Motivos ao Projeto de Lei que

dispõe sobre os Sistemas Nacionais de Epidemiologia, de Saúde Ambiental e de Saúde Indígena e cria a

Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças. TAVARES, Marcus; SERRA, José. Obtido na

internet, no site www.planalto.gov.br/ccivil_03/Exm/2002/42-MPO-02.htm, em 09/12/02.

89 A rejeição consta do Ato de 24 de abril de 2002 (DOU 25/04/02), através do qual o Presidente da

Câmara dos Deputados faz saber que, em sessão realizada no dia 17 de abril de 2002, o Plenário da Casa,

rejeitou essa medida provisória.

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52

questionamento frente ao que prevê a Constituição Federal, que não deixa espaço para

outros mecanismos de defesa do Estado e das instituições democráticas que não aquelas

duas previstas nos arts. 136-141 da CF/88. Se existem fatos graves que justificam a

restrição de direitos e garantias individuais, o caminha constitucional é um só: aquele

dos arts. 136-141 da CF/88. Se não existem os fatos graves, não há necessidade de

disciplinar a exceção constitucional e as garantias individuais devem ser observadas90

.

Também é grave o fato de não existir previsão legal quanto à duração

e ao alcance da declaração do estado de quarentena, ficando delegado à própria

autoridade federal a definição desses prazos (art. 33-§ 1º do Projeto de Lei 6.952/02),

estabelecendo-se apenas que “o Estado de Quarentena Federal terá prazo e área de

abrangência definidos, podendo, se necessário, ser estendidos”. A norma não especifica

os limites temporais e espaciais da medida, mas permite sua extensão além do

inicialmente previsto, de acordo com a decisão da própria autoridade federal. Em

algumas situações de calamidade pública, não há dúvida, os respectivos efeitos

perduram no tempo e a intervenção estatal da autoridade sanitária deve também

perdurar. Mas é preciso que os limites sejam especificados em lei. Se não se indicar o

tempo máximo de duração da medida, ao menos deve-se fornecer ao intérprete da

norma as diretrizes e princípios que norteariam sua decretação, evitando que somente a

vontade da autoridade federal fosse o fator relevante para a duração e limites da medida.

Se o estado de quarentena atingir gravidade tal, que importe em perdurar por muito

tempo, talvez se esteja diante de uma hipótese de decretação de estado de defesa e

estado de sítio, e não de um paliativo infraconstitucional de duvidosa

constitucionalidade. Por isso, o mínimo que se esperaria do projeto de lei é que

estabelecesse claramente um período máximo de tempo para sua vigência, evitando que

pudesse ocorrer desvio de finalidade na sua manutenção ou que as medidas restritivas

perdurassem indefinidamente no tempo ou fossem reeditadas ao sabor dos governantes

da ocasião.

Também parece inapropriado atribuir-se competência a outras

autoridades, que não o Presidente da República, para decretação do estado de

quarentena federal. A medida é grave e sua decretação deve ser extraordinária,

principalmente pelas restrições que importa à liberdade individual. Não é possível que

uma medida dessa gravidade, com tais conseqüências, não esteja vinculada diretamente

ao Presidente da República, ao Conselho da República e ao Conselho de Defesa

Nacional, nos mesmos moldes que o estado de defesa e o estado de sítio. Mas o projeto

de lei atribui competência ao Presidente de uma autarquia federal para propor e ao

Ministro de Estado da Saúde para declarar o estado de quarentena federal (art. 33 do

Projeto de Lei 6.952/02), surpreendentemente subtraindo do Presidente da República a

responsabilidade política pela decretação da medida.

90

Nesse sentido, “evidente que não se pode admitir a adoção de uma terceira hipótese de exceção – que

é reservada à previsão constitucional – por Medida Provisória. Somente uma Emenda Constitucional

teria o condão de inserir em nosso Ordenamento tal dispositivo. Em suma, o que o legislador constituinte

pretendeu, inequivocamente, é que os direitos e garantias individuais e coletivas, mormente àqueles que

dizem respeito a direitos difusos, portanto indisponíveis, não são passíveis de flexibilização, suspensão e,

muito menos, revogação. Quaisquer dessas hipóteses significa violação ao mandamento constitucional.

Daí a inconstitucionalidade flagrante de todo o capítulo V da Medida Provisória nº 33 de 2002”

(REZENDE, Conceição et al. Nota técnica: sobre a Medida Provisória nº 33, de 19 de fevereiro de

2002. Obtido na Internet, no site www.pt.org.br/assessor/NotaMP33.doc, em 15/10/02).

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53

O único mérito do projeto de lei é trazer para a discussão legislativa e

debate social o tema da “emergência sanitária”, o que se faz urgente diante do quadro

mundial e da evolução das biotecnologias e respectivos riscos, sendo importante que

sejam previstas medidas para que as autoridades públicas possam enfrentar situações de

calamidade pública sanitária que não tenham ainda atingido o grau de instabilidade que

autoriza a decretação de estado de defesa ou de estado de sítio91

. Mas a forma como a

questão foi disciplinada, especialmente no tocante às respectivas competências

administrativas, parece de todo inapropriada, porque subtrai do Presidente da República

essa importante decisão política, o faz juridicamente irresponsável pela decretação da

medida e, principalmente, atribui demasiados poderes ao Presidente da Agência e ao

Ministro de Estado da Saúde, sem o respectivo respaldo constitucional.

Por fim, se a calamidade pública sanitária atinge proporções que

coloquem em risco a ordem pública ou a paz social, é possível a decretação do estado de

defesa e do estado de sítio92

. Ambos são mecanismos constitucionalmente previstos

para a defesa do Estado e das instituições democráticas (arts. 136-141 da CF/88)93

,

constituindo situações excepcionais de atuação estatal, em que há possibilidade de

restrição a alguns dos direitos constitucionalmente assegurados e adoção de medidas

necessárias para o enfrentamento da calamidade pública e retorno à normalidade

institucional94

. O equilíbrio é o elemento que caracteriza a ordem constitucional, sendo

que a competição entre os distintos grupos sociais só é tolerável na medida em que esses

91 A própria regulamentação detalhada do estado de defesa ainda se faz necessária, para que se

estabeleçam os limites e termos para as providências a serem adotadas pelo Presidente da República e

seus executores, como consta do art. 136-§ 1º da CF/88: “o decreto ... indicará, nos termos e limites da

lei, as medidas coercitivas ...” (grifou-se).

92 Nesse sentido, “com a expressão „Estado de sítio‟ se quer geralmente indicar um regime jurídico

excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente sujeita, em razão de uma situação de

perigo para a ordem pública, criado por determinação da autoridade estatal ao atribuir poderes

extraordinários às autoridades públicas e ao estabelecer as adequadas restrições à liberdade dos

cidadãos. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal situação são, em geral, de

ordem política, mas podem também ser acontecimentos naturais como terremotos, epidemias, etc; neste

caso, o perigo para a ordem pública não está nas circunstâncias perturbadoras que ocasionaram o

Estado de sítio, mas em seus efeitos” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário

de Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, p. 415).

93 Para um apanhado histórico da previsão e utilização desses instrumentos excepcionais no Brasil e nas

Constituições Brasileiras, recomenda-se ver: (a) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (1ª parte).

Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 05, pp. 134-180, março de 1965; (b) NAUD, Leda

Maria Cardoso. Estado de sítio (2ª parte: 1910-1922). Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02,

n. 06, pp. 61-88, junho de 1965; (c) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (3ª parte: 1922-1930).

Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 07, pp. 121-148, setembro de 1965; (d) NAUD,

Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (4ª parte: 1930-1937). Revista de Informação Legislativa, Brasília,

a. 02, n. 08, pp. 49-74, dezembro de 1965; (e) NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio (5ª parte:

1946-1965). Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 02, n. 09, pp. 119-164, março de 1966; (f)

NAUD, Leda Maria Cardoso. Estado de sítio e suspensão das liberdades individuais. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, a. 03, n. 12, pp. 227-238, outubro-dezembro de 1966.

94 Mas a invocação do estado de necessidade está sujeito a dupla exigência: “(1) em primeiro lugar, não

há qualquer fonte de legitimidade para regimes de exceção a não ser a própria lei fundamental (...),

donde resulta a inadmissibilidade do recurso a „princípios‟ ou „razões‟ extraconstitucionais para

introduzir legalmente regimes de excepção; (2) o direito de necessidade simples tem de conformar-se

formal e materialmente com as normas constitucionais, podendo, com base nestas, justificarem-se

restrições (nunca suspensões) a direitos, liberdades e garantias para salvaguarda de outros bens

constitucionalmente protegidos” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª

edição. Coimbra: Livraria Almedina, 1987, p. 865).

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54

mesmos grupos estejam subordinados aos procedimentos constitucionais95

. No instante

em que uma calamidade pública sanitária acontece e expõe à risco esse equilíbrio na

ordem pública e na paz social, acontece a atuação de regramento constitucional próprio,

apto a lidar com essa situação extraordinária de desequilíbrio, garantindo a higidez das

instituições democráticas mesmo em tempos de crise96

. Não é fácil a decisão pela

decretação do estado de exceção, que vai permitir a passagem de uma legalidade

ordinária para aquela excepcional. Para essa passagem, duas avaliações devem ocorrer:

“a verificação da situação de perigo para a ordem pública e a determinação da

necessidade de reagir com medidas excepcionais”97

.

O estado de defesa é cabível para enfrentamento de “calamidades de

grandes proporções na natureza”, como previsto no art. 136 da CF/88. Para que seja

decretado nessas situações, não basta apenas a ocorrência da situação objetiva da

calamidade natural de grandes proporções, mas é preciso que essa situação seja tão

grave a ponto de ameaçar a ordem pública ou a paz social em locais determinados do

País98

. Um dos princípios que rege o sistema constitucional das crises é a necessidade

das medidas, isto é, a decretação do estado de exceção é condicionada à ocorrência do

respectivo pressuposto fático e os meios de resposta têm sua executoriedade restrita e

vinculada a cada anormalidade em particular99

.

A decretação do estado de defesa não está submetido a juízo arbitrário

do Presidente da República (art. 84-IX da CF/88), havendo expressa previsão

constitucional dos respectivos requisitos e limites da medida, sendo que o respectivo

decreto especificará o tempo de duração (não superior a trinta dias, prorrogável uma vez

por igual período), as áreas abrangidas e as medidas coercitivas a vigorarem enquanto

estiver vigente (art. 136-§§ 1º e 2º da CF/88)100

. Obviamente, isso não significa retirar o

95 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.

96 Nesse sentido, “a legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege

o estado de exceção” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 635).

97 E isso traz dificuldades e riscos graves: “Estas avaliações, embora não tenham um valor peculiar do

ponto de vista formal, constituem elementos assaz delicados; do seu completo e equilibrado cumprimento

depende o afastamento ou não dos perigos que ameaçam a estabilidade do sistema constitucional. Isto

porque, normalmente, os órgãos aos quais compete a constatação e a avaliação da situação de perigo

são os mesmos que estão habilitados a pôr em prática as medidas extraordinárias prevista para o Estado

de sítio, com a conseqüência de que pode ocorrer – como de fato tem ocorrido na prática de vários

ordenamentos – que a avaliação dos perigos para as instituições seja feito em função do comportamento

de grupos de oposição” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO, Norberto [et alii]. Dicionário de

Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, p. 413).

98 Nesse sentido, “a calamidade é sempre um fato de desajuste no âmbito de sua verificação, mas, nos

termos do texto constitucional [art. 136 da CF/88], ela terá que ser de grandes proporções e ainda gerar

uma situação de séria perturbação à ordem pública ou à paz social para servir de base à decretação do

estado de defesa” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 636).

99 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.

100 Nesse sentido, embora examinando a Constituição anterior à de 1988, mencionou-se que “Não há

negar (...) que se impõe preveja o regime democrático, instaurado em estado de direito, para sua

segurança, os processos e instrumentos de defesa, criando mecanismo excepciona, que possa ser

acionado imediatamente, em caso de crise que ponha em risco as instituições. Há, contudo, de,

respeitada aquela margem de discricionariedade, na qual é impossível avaliar exatamente os motivos

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55

caráter político do ato, que envolve um certo grau de discricionariedade no exercício do

poder governamental, no tocante àquilo que os governantes podem e devem realizar

para cumprirem seus deveres constitucionais: “a intervenção do Governo não se

reconduz a uma simples função consultiva, de caráter neutro, interno e preparatório

(com o objetivo exclusivo de dar parecer, esclarecer ou estudar a declaração do estado

de exceção). O ato de pronúncia do Governo é um ato de juízo com relevância

autônoma, em que o Governo exprime a sua opinião sobre os pressupostos

legitimadores da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, avalia

discricionariamente o mérito da eventual decisão e aprecia as possibilidades e limites

das medidas que a ele pertencerá adotar (como órgão encarregado da defesa nacional,

da manutenção da ordem e segurança em tais situações)”101

.

A Constituição Federal não traz uma conceituação precisa e fechada

do que fosse uma “calamidade pública” capaz de autorizar a decretação das medidas de

exceção. É certo que das regras constitucionais é possível extrair que não é qualquer

desastre da natureza que pode ser classificado como tal, nem pode o Presidente da

República se utilizar livremente do conceito, segundo sua vontade, para recorrer à

legalidade de exceção. Ao contrário, as medidas excepcionais de salvaguarda

constitucional somente podem ser invocadas pelo Presidente da República quando se

está diante de uma situação grave, que desafie o próprio Estado e suas Instituições.

Então, diante daquelas hipóteses constitucionalmente previstas, caberá ao Presidente da

República ouvir seus Conselhos e decidir, segundo os juízos (políticos) de oportunidade

e conveniência que fizer, se deve ou não recorrer às medidas excepcionais, estando sua

decisão sujeita a controle pelos demais Poderes da República, seja na via política (Poder

Legislativo), seja na via jurisdicional (Poder Judiciário). Tanto é verdade que não há

absoluta margem de arbítrio para o Presidente da República aplicar as medidas

excepcionais, que o art. 8º da Lei 1.079/50, que define e sanciona os crimes de

responsabilidade do Presidente, inclui entre as figuras delituosas o “decretar o estado de

sítio, estando reunido o Congresso Nacional, ou no recesso deste, não havendo

comoção interna grave nem fatos que evidenciem estar a mesma a irromper ou não

ocorrendo guerra externa”. Ou seja, não é qualquer situação fática que se presta para

justificação das medidas de exceção que venham a ser determinadas pelo Presidente da

República, que não goza de liberdade política absoluta para fazê-lo. Ao decidir pela

implantação das medidas excepcionais (ou ao não implementá-las), o Presidente da

República está decidindo politicamente, com uma certa margem de discrição no tocante

à conveniência e oportunidade das providências, submetendo-se então aos controles

próprios do Estado Democrático de Direito, inclusive à eventual cassação ou

responsabilização, como adiante será melhor examinado.

Também não há liberdade do Poder Executivo na adoção de medidas

coercitivas, devendo observar os termos e limites da lei, somente podendo estabelecer

que caracterizam a situação que exige a excepcionalidade, examinar as condições ocorrentes, tendo em

vista, além do ensinamento da doutrina, as peculiaridades nacionais. (...) Vários são os riscos, de toda

ordem, das emergências constitucionais: o primeiro, é que excedam o alcance que lhes é previsto,

alargando as medidas autorizadas; o segundo, é que se prolonguem mais do que o necessário, quando

não indefinidamente; o terceiro, que não haja correção possível para os excessos cometidos, difícil como

é a caracterização destes, quando se trata de atos discricionários” (CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do

Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro: Presença, 1980, pp. 31-32).

101 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,

1987, p. 869.

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56

restrições aos direitos de reunião, de sigilo de correspondência e de sigilo de

comunicações telegráfica e telefônica (art. 136-§ 1º-I da CF/88), e a ocupação e uso

temporário de bens e serviços públicos, respondendo a União pelos danos e custos

decorrentes (art. 136-§ 1º-II da CF/88)102

. Afinal, “o direito de necessidade

constitucional não é um direito fora da Constituição, mas um direito normativo-

constitucionalmente conformado”, porque “o regime das „situações de exceção‟ não

significa „suspensão da Constituição‟ ou „exclusão da Constituição‟ (exceção de

Constituição), mas sim um „regime extraordinário‟ incorporado na Constituição e

válido para situações de anormalidade constitucional”103

. Isso não afasta, entretanto, o

problema decorrente da imprecisão e vaguidade próprias da disciplina constitucional das

situações de exceção, já que não seria possível ao constituinte antecipar normativamente

todas as possibilidades fáticas que talvez venham a exigir a adoção de providências

específicas104

.

Não tendo a decretação de estado de defesa conseguido enfrentar a

calamidade pública sanitária de modo satisfatório, havendo “comoção grave de

repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida

tomada durante o estado de defesa”, é possível ao Presidente da República solicitar ao

Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio (art. 137 da CF/88). A

solicitação do Presidente da República está vinculada aos motivos determinantes do

pedido, que devem ser relatados e explicitados ao Congresso Nacional (art. 137-§ único

da CF/88). O princípio da necessidade continua vigorando também no estado de sítio.

Aqui também existe vinculação do Presidente da República às

hipóteses constitucionais, devendo o respectivo decreto indicar a duração (não pode ser

decretado por período superior a 30 dias, podendo ser sucessivamente prorrogado, desde

que em prazo não superior a 30 dias, de cada vez), as normas necessárias para sua

execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas (art. 138 da CF/88).

A vigência do estado de sítio permite à autoridade executiva a adoção

das seguintes medidas contra as pessoas: (a) obrigação de permanecer em localidade

determinada105

; (b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por

102 Nesse sentido, “a expressão „bens e serviços públicos‟ não pode nem deve ser entendida como

vinculada apenas a bens públicos, mas a qualquer espécie de bens. O adjetivo „públicos‟ vincula-se

apenas aos serviços. Qualifica-os, mas não está restringindo o substantivo „bens‟. A dicção a ser

entendida é de bens públicos e privados e serviços públicos‟” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives

Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5º volume (arts. 136 a 144). São Paulo: Editora Saraiva,

1997, p. 31).

103 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª edição. Coimbra: Livraria Almedina,

1987, p. 852.

104 Nesse sentido, “o que tem caracterizado a fixação nos textos constitucionais das emergências e

poderes excepcionais, tem sido, precisamente ... a imprecisão, o vago, o indefinido. O texto francês, por

exemplo, refere-se a „les mesures exigées par les circonstances‟ numa indefinição, imprevisão e

vaguedade que autorizam todas as interpretações, usos e ampliações, ao sabor de quem é destinatário

delas” (CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de

Janeiro: Presença, 1980, p. 32). Por isso, a importância do controle e fiscalização dos demais Poderes da

República quanto às decisões do Presidente da República no tocante aos estados de defesa constitucional.

105 Guardadas as proporções históricas, é interessante transcrever um comentário sobre a ordem de

fechamento das casas contaminadas pela Grande Peste, em Londres, no ano de 1665: “É verdade que

trancar as portas das casas das pessoas e colocar um vigia noite e dia para impedir que saíssem ou que

alguém viesse visitá-las, quando muitas pessoas saudáveis talvez tivessem escapado se fossem afastadas

das pessoas doentes, parecia muito duro e cruel. Muitos morreram nesse miserável confinamento quando

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crimes comuns; (c) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo

das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e

televisão, na forma da lei; (d) suspensão da liberdade de reunião; (e) busca e apreensão

em domicílio; (f) intervenção em empresas de serviços públicos; (g) requisição de bens

(art. 139 da CF/88).

Numa situação de calamidade pública sanitária, algumas dessas

medidas podem se fazer necessárias, por exemplo, para que uma doença contagiosa

tenha sua propagação dificultada, ou para que as medidas terapêuticas necessárias sejam

adotadas para debelar ou minimizar os efeitos da contaminação106

. Pode ser o caso de

restringir-se o direito de reunião ou obrigar-se o confinamento de pessoas em

determinada localidade, para evitar o contágio e propagação da moléstia107

. No caso de

um acidente nuclear ou de contaminação biológica, pode ser necessário limitar o

trânsito de pessoas numa determinada região, ou então instituir uma espécie de

quarentena alcançando aqueles suspeitos de estarem contaminados, inclusive

impedindo-se a realização de reuniões e encontros. Pode ser também necessária a busca

e apreensão de bens em domicílios, para que sejam destruídos aqueles objetos e bens

suspeitos ou que possam estar de alguma forma contaminados. A violação do sigilo da

correspondência pode ser necessário por estarem as cartas e tráfego postal sendo

utilizados como instrumentos para a transmissão do agente químico ou biológico

causador de moléstia, como aconteceu recentemente no caso do anthrax, em várias

partes do mundo108

. Ou então pode ser imperioso que as autoridades públicas ocupem e

faz sentido crer que não teriam se contaminado se tivessem liberdade, embora a peste estivesse em suas

casas. No começo, a população ficou muito revoltada e inquieta e muitos atos de violência se cometeram

em agressão aos homens designados para vigiar as casas fechadas. Muita gente também saiu à força em

diversos lugares (...). Mas isso era para o bem comum, justificando-se o sacrifício individual, e não havia

como obter benevolência para os apelos dirigidos às autoridades ou ao governo da época, pelo menos

que eu tenha ouvido falar” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios,

2002, p. 63).

106 Nesse sentido, em se tratando de doenças infecciosas e respectivas epidemias, historicamente se

adotam instrumentos como a quarentena, o isolamento e o cordão sanitário. Refere-se que “a quarentena,

juntamente com o isolamento, talvez sejam os primeiros instrumentos aplicados sistematicamente no

controle das doenças infecciosas. Ambos determinam a separação de indivíduos de seus contatos

habituais, assumindo caráter compulsório, visando defender as pessoas sadias, separando-as das

doentas ou daquelas que potencialmente poderiam vir apresentar essa condição (...). Um terceiro

instrumento, que surge por extensão dos dois já citados, é o de cordão sanitário, dirigido a bairros,

cidades ou áreas delimitadas e não a indivíduos. Tinha por objetivo isolar as zonas afetadas para

defender as „áreas limpas‟ da contaminação pelas doenças epidêmicas” (WALDMAN, Eliseu Alves. O

controle das doenças infecciosas emergentes e a segurança sanitária. Revista de Direito Sanitário, São

Paulo, vol. 1, nº 1, novembro de 2000, p. 92).

107 Por exemplo, no caso da varíola, é recomendado que “patients diagnosed with smallpox should be

physically isolated. All persons who have or will come into close contact with them should be vaccinated.

As hospitals have proven to be site of epidemic magnification during smallpox outbreaks, patient

isolation at home is advisable where hospitals do not have isolation facilities. Whatever the policy,

isolation is essential to break the chain of transmission” (WORLD HEALTH ORGANIZATION. Who

Fact Sheet on Smallpox. Geneva: WHO, 2001. Obtido na internet, no site

www.who.int/emc/diseases/smallpox/factsheet.html, em 26/08/02).

108 Nesse sentido, WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for the Surveillance and Control

of Anthrax in Humans and Animals (WHO/EMC/ZDI/98.6). Geneva: WHO, 1998. Obtido na internet,

no site www.who.int/emc-documents/zoonoses/docs/whoemczdi986_nofigs.html, em 26/08/02. Também:

INGLESBY, Thomas V. [et alii]. Anthrax as a Biological Weapon. Journal of American Medical

Association, vol. 287, nº 17, 01 de maio de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em

11/12/02.

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58

intervenham em determinadas empresas de serviços públicos, direcionando os

respectivos recursos para o combate da calamidade pública e minoração de suas

conseqüências danosas. Ou então adotem medidas para preservação da ordem pública,

evitando saques e danos ao patrimônio público e privado109

. O que importa é que as

medidas estejam dentre aquelas constitucionalmente previstas, que exista uma situação

de risco e necessidade que justifique a restrição da garantia ou a adoção da medida

coercitiva, e que o decreto do Presidente da República, com a respectiva autorização

congressual, seja devidamente fundamentado e explícito no tocante a isso, permitindo

assim o ulterior controle das práticas adotadas e providências empreendidas na defesa

contra a calamidade pública. Além disso, “uma medida excepcional somente é

admissível se ela serve àquela reparação e corresponde ao princípio da

proporcionalidade”110

.

Quanto ao direito à vida, não parece possível que possa ser suprimido

durante o estado de sítio, por exemplo, determinando-se o sacrifício de pessoas que

estejam contaminadas por alguma moléstia incurável, altamente contagiosa, ou

inevitavelmente letal, como se vê em filmes de ficção científica. Pensando mais em

termos de situações de guerra, responde a doutrina negativamente à pergunta sobre a

possibilidade de sacrificarem-se vidas humanas numa situação de calamidade pública:

“Ainda com referência às medidas contra pessoas, pode-se

indagar se, admitindo de modo geral a forma qualificada do estado de

sítio a suspensão de qualquer das garantias individuais, o direito à

vida pode ser suspenso. Ou, em outras palavras, se nesse caso podem

109 Nesse sentido, descrevendo os comportamentos humanos durante a Grande Peste que atingiu Londres

em 1665, Daniel Defoe apresenta um relato de extraordinária atualidade: “Embora pudesse ser uma coisa

maravilhosa dizer que ninguém teria um coração tão endurecido por tal calamidade para assaltar e

roubar, a verdade é que todas as formas de vilanias, canalhices e libertinagem foram praticadas tão

abertamente como sempre na cidade” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes

& Ofícios, 2002, p. 28). A mesma obra apresenta, misturando o tom jornalístico ao ficcional, uma relação

das “ordens concebidas e publicadas pelo Lorde Prefeito e Vereadores da City de Londres referentes à

epidemia de Peste, 1665” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios,

2002, pp. 52-61), que dão idéia da alteração na vida social e na estrutura administrativa durante um

período de calamidade pública sanitária. Embora alguns séculos já se tenham passado desde então, o texto

guarda uma incrível atualidade, provavelmente porque “as epidemias mudaram, mas os povos continuam

os mesmos”. Também Albert Camus examina o comportamento individual num quadro de calamidade

sanitária, mostrando as possibilidades da violência entre os indivíduos: “a doença, que aparentemente

tinha forçado os habitantes à solidariedade de sitiados, quebrava ao mesmo tempo as associações

tradicionais e devolvia os indivíduos à sua solidão. Isto causava tumultos. (...) As portas da cidade foram

atacadas de novo durante a noite, repetidamente, mas desta vez por pequenos grupos armados. Houve

troca de tiros, feridos e algumas fugas. Os postos de guarda foram reforçados e estas tentativas cessaram

com certa rapidez. No entanto, isso bastou para levantar na cidade um sopro de revolução que provocou

algumas cenas de violência. Casas incendiadas ou fechadas por motivos sanitários foram saqueadas. A

bem da verdade, é difícil supor que estes atos tenham sido premeditados. Na maior parte das vezes, uma

oportunidade súbita levava pessoas até então respeitáveis a ações repreensíveis que eram logo imitadas.

Encontraram-se, assim, indivíduos furiosos capazes de se precipitarem numa casa ainda em chamas na

presença do próprio dono, imbecilizado pela dor. Diante da indiferença do morador, o exemplo dos

primeiros foi seguido por muitos espectadores e, nessa rua obscura, à luz do incêndio, viram-se fugir por

todos os lados sombras deformadas pelas chamas moribundas e pelos objetos ou móveis que carregavam

nos ombros. Foram incidentes que forçaram as autoridades a assimilar o estado de peste ao estado de

sítio e a aplicar as leis decorrentes” (CAMUS, Albert. A Peste. 13ª edição. São Paulo: Editora Record,

2002, p. 152).

110 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 529.

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59

os tribunais militares aplicar a pena de morte. A afirmação de que a

forma qualificada do estado de sítio admite a suspensão de todas as

garantias individuais [na vigência de ordem constitucional anterior

àquela de 1988], tem de ser compreendida em termos.De fato, essa

suspensão só pode atingir aquelas garantias que por sua natureza

disso são suscetíveis. Ora, a pena de morte não suspende o direito à

vida, suprime-o. Nem é suscetível de reparação, em termos rigorosos,

cessado o sítio. Logo, a resposta tem de ser negativa”111

.

Entretanto, no caso de calamidade pública sanitária gravíssima, a

resposta não poderia ser dada apenas com o recurso à vedação do art. 5º-XLVII-a da

CF/88 (que impede a pena de morte), porque não se trata de aplicação de sanção

criminal, mas se está cogitando da adoção da morte de indivíduos como meio de defesa

contra a propagação de uma peste ou epidemia, por exemplo. Obviamente, se está

falando apenas de casos extremos, gravíssimos, quase beirando à ficção científica, e não

daquelas situações em que o Estado ou os governantes considerem esse ou aquele

indivíduo ou classe de indivíduos nocivos e prejudiciais (o extermínio de grupos raciais

e ideológicos pelo nazismo e stalinismo, por exemplo). Não há possibilidade, no

âmbito dessa monografia, de responder à pergunta de se o Estado estaria autorizado a

determinar o aniquilamento físico de determinados indivíduos que apresentassem risco

de contágio aos demais, por exemplo, sem que tivesse cometido um crime ou pudesse

ser subjetivamente responsabilizado por sua atual condição de perigo. Não seria

possível uma resposta superficial, dizendo que o direito à vida não pode nunca ser

suprimido, porque a própria Constituição faz opção, num determinado instante, pelo

aniquilamento de indivíduos, quando permite que o Estado adote a pena de morte em

tempo de guerra, segundo a legislação militar (a ressalva da parte final do art. 5º-

XLVII-a da CF/88). Então, se no caso de guerra externa, é possível ao Estado matar um

criminoso de guerra e se os soldados do Estado são obrigados a matar os indivíduos do

Estado inimigo, as decisões sobre vida e morte são próprias dos negócios estatais, não

podendo causar surpresa que algumas vezes a vida individual seja sacrificada pelo

Estado em favor das demais vidas individuais. Não se está aqui defendendo a

possibilidade de supressão do direito à vida em situações de gravíssima e incontrolável

calamidade pública sanitária (uma espécie de estado de necessidade coletivo). Apenas

se está apontando a dificuldade de solução duma questão desse tipo a partir das

estruturas de vida cotidiana e normalidade institucional em que se está acostumado a

viver, criticando então aqueles que ingenuamente invocam a vedação constitucional da

pena de morte como argumento suficiente para uma resposta definitiva àquela questão.

Não são fáceis as respostas para as situações em que as leis, ordinárias ou excepcionais,

não bastam.

Embora não seja constitucionalmente prevista medida específica

quanto a isso, pode se fazer presente a necessidade de adoção de medidas excepcionais

no tocante à destruição dos corpos das vítimas que, por exemplo, tenham falecido em

decorrência de uma epidemia, evitando assim o contágio. É o caso, por exemplo, da

febre hemorrágica causada pelo vírus Ebola, em que há risco de contaminação quando

da manipulação dos cadáveres nas práticas funerárias e na própria autópsia112

. Também

111 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 156.

112 Nesse sentido, “POSTMORTEM PRACTICES. In the event of an outbreak of VHF, special provisions

will be required for burial practices. Contact with cadavers has been implicated as a source of

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60

aqui a literatura retratou os possíveis horrores de uma calamidade pública sanitária,

quanto à inviabilidade da manutenção de práticas funerárias e religiosas ordinárias em

tempos de epidemia, sendo de mencionarem-se alguns trechos das obras de Daniel

Defoe113

e de Albert Camus114

, que são suficientes para que se possa pensar sobre o

transmission in the Kikwit Ebola outbreak of 1995 and in Uganda in 2000. We recommend that trained

personnel, using the same infection control precautions as those used to transport ill patients, handle the

bodies of patients who die of VHF. Autopsies should be performed only by specially trained persons using

VHF-specific barrier precautions and HEPA-filtered respirators (N-95 masks or PAPRs) and negative-

pressure rooms, as would be customary in cases in which contagious biological aerosols, such as

Mycobacterium tuberculosis, are deemed a possible risk. We recommend prompt burial or cremation of

the deceased, with minimal handling. Specifically, no embalming should be done. Surgery or postmortem

examinations are associated with increased risks of transmission and should be done only when

absolutely indicated and after consultation with experts” (BORIO, Luciana [et alii]. Hemorrhagic Fever

Viruses as Biological Weapons. Journal of American Medical Association, vol. 287, nº 18, 08 de maio

de 2002. Obtido na Internet, no site http://jama-ama-assn.org, em 11/12/02).

113 Nesse sentido, “esta cena foi realmente muito triste e me tocou tanto quanto o resto, ou quase, pois

tudo era medonho e cheio de terror. O carro trouxe dezesseis ou dezessete cadáveres, alguns envoltos em

lençóis de linho, outros em trapos, quase nus ou tão mal cobertos que os panos se soltavam enquanto o

carro jogava os corpos, que caíam seminus entre os outros. Isto não tinha muita importância e ninguém

se incomodava com a indecência, pois estavam todos mortos e tinham que ser enterrados juntos na vala

comum da humanidade, como poderíamos chamá-la. Ali não havia diferença, pobres e ricos iam juntos.

Não havia outra maneira de enterrá-los, nem poderia haver, pois não se conseguiriam caixões suficientes

para a prodigiosa quantidade de gente que sucumbiu naquela calamidade” (DEFOE, Daniel. Um diário

do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2002, pp. 78-79). Mais adiante, refere-se que “é aqui,

entretanto, que se deve observar que, depois, os enterros se tornaram tantos que não havia mais tempo

para tocar o sino, velar e chorar ou se vestir de preto pelos outros como antigamente. Não, nem podiam

fazer caixões para os mortos” (DEFOE, Daniel. Um diário do Ano da Peste. Porto Alegre: Artes &

Ofícios, 2002, p. 194).

114 Nesse sentido, embora longa a citação, ela dá um panorama completo das necessidades e

possibilidades humanas em tempos sombrios: “o que caracterizava no início as nossas cerimônias

[fúnebres] era a rapidez! Todas as formalidades haviam sido simplificadas e, de uma maneira geral, a

pompa fúnebre fora suprimida. Os doentes morriam longe da família e tinham sido proibidos os velórios

rituais, de modo que os que morriam à tardinha passavam a noite a sós e os que morriam de dia eram

enterrados sem demora. Naturalmente, a família era avisada, mas, na maior parte dos casos, não podia

deslocar-se por estar de quarentena, se tinha vivido perto do doente. No caso de a família não morar

com o defunto, apresentava-se à hora indicada, que era a da partida para o cemitério, depois de o corpo

ter sido lavado e colocado no caixão. Suponhamos que esta formalidade se tenha passado no hospital

auxiliar de que se ocupava o doutor Fieux. A escola tinha uma saída por trás do edifício principal. Numa

grande peça que dava para o corredor, amontoavam-se os caixões. No próprio corredor, a família

encontrava um único caixão, já fechado. Passava-se logo ao mais importante, quer dizer, fazia-se o chefe

da família assinar papéis. Em seguida, colocava-se o corpo num carro que podia ser um verdadeiro

carro funerário ou uma ambulância adaptada. Os parentes tomavam um dos táxis ainda autorizados e, a

toda a velocidade, os carros dirigiam-se ao cemitério por ruas exteriores. À porta, os guardas faziam

parar o cortejo, davam uma carimbada no salvo-conduto oficial, sem o qual era impossível ter o que os

nossos concidadãos chamam de última morada, desapareciam, e os carros iam colocar-se perto de um

quadrado onde numerosas covas esperavam que as enchessem. Um padre acolhia o corpo, pois os

serviços fúnebres tinham sido suprimidos na igreja. Tiravam o caixão para as preces, passavam-lhe uma

corda, era arrastado, deslizava, batia no fundo, o padre agitava o seu hissope e já a primeira pá de terra

caía sobre o esquife. A ambulância partira um pouco antes para se submeter a uma desinfecção e,

enquanto as pás de terra ressoavam cada vez mais surdas, a família metia-se no táxi. Quinze minutos

depois, chegava em casa. Assim, tudo se passava na verdade com o máximo de rapidez e o mínimo de

riscos. E, sem dúvida, no princípio, pelo menos, é evidente que o sentimento natural das famílias se

ofendia. Em tempo de peste, porém, não é possível levar em conta semelhantes considerações: tinha-se

sacrificado tudo à eficácia. Além disso, se a princípio, o moral da população se ressentira com estas

práticas, porque o desejo de ser enterrado decentemente é muito mais profundo do que se supõe, pouco

depois, por felicidade, o problema do abastecimento tornou-se delicado e o interesse dos habitantes

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61

alcance do direito à liberdade religiosa em tempos de calamidade pública sanitária,

quando a manutenção dessas práticas religiosas e ritos funerários tragam possibilidade

de risco sanitário para a vida das demais pessoas. Até que ponto vai o direito do

indivíduo e da sua família para prestarem o devido culto aos seus mortos? Parece-nos

que esse direito, em conflito com o direito à vida, tem de ser relativizado e adequado às

circunstâncias da ocasião, impedindo por exemplo a propagação de uma epidemia

altamente contagiosa.

6. “DEPOIS” DA CALAMIDADE

Uma vez ocorrida a calamidade pública sanitária, deverá existir um

momento em que terá diminuído a intensidade de seus efeitos, sendo então possível o

retorno à normalidade institucional, já que não estão mais presentes os motivos

determinantes do estado de defesa e do estado de sítio. Não obstante possa variar em

grau e intensidade o alcance das medidas de defesa adotadas, alcançando parte ou a

totalidade do território nacional, é certo que a previsão da exceção constitucional,

rigidamente elencada na Constituição, evidencia a pretensão do constituinte de que, uma

vez superada a crise institucional e afastada a ameaça sanitária, as coisas voltem ao

estado de normalidade institucional. É o princípio da temporariedade que caracteriza o

sistema constitucional das crises.

derivou para preocupações mais imediatas. Absorvidas pelas filas que era preciso fazer; pelas

providências a tomar e pelas formalidades a cumprir caso quisessem comer, as pessoas não tiveram

tempo de se ocupar da maneira como se morria à sua volta e como elas próprias morreriam um dia.

Assim, estas dificuldades materiais que deviam ser um mal revelaram-se depois um benefício. E tudo

teria ocorrido bem, se a epidemia não se tivesse alastrado, como já vimos. Pois os caixões escassearam,

faltou pano para as mortalhas e lugar nos cemitérios. Foi necessário tomar algumas precauções. O mais

simples, e ainda por razões de eficácia, pareceu agrupar as cerimônias e, quando a coisa era necessária,

multiplicar as viagens entre o hospital e o cemitério. Assim, no que diz respeito ao serviço de Rieux, o

hospital dispunha neste momento de cinco caixões. Uma vez cheios, a ambulância os transportava. No

cemitério, eram esvaziados, os corpos cor de ferro eram colocados em macas e esperavam num local

preparado para esse fim. Os caixões eram regados com uma solução anti-séptica e levados novamente

para o hospital, onde a operação recomeçava tantas vezes quantas fossem necessárias (...). Apesar destes

êxitos de administração, o caráter desagradável de que se revestiam agora as formalidades obrigou a

prefeitura a afastar os parentes da cerimônia. Tolerava-se apenas que viessem até a porta do cemitério e

até isso não era oficial. Porque, no que se refere à última cerimônia, as coisas tinham mudado um pouco.

Num extremo do cemitério (...), tinham sido abertas duas enormes fossas. Havia a fossa dos homens e a

das mulheres. Sob este aspecto, as autoridades respeitavam as conveniências e foi só muito mais tarde

que, pela força das circunstâncias, este último pudor desapareceu e se enterraram de qualquer maneira,

uns sobre os outros, sem preocupações de decência, os homens e as mulheres. Felizmente, esta confusão

extrema marcou apenas os últimos momentos do flagelo. No período de que nos ocupamos, a separação

das fossas existia e as autoridades eram muito exigentes em relação a isso. No fundo de cada uma delas,

uma espessa camada de cal viva fumegava e fervilhava. Nas bordas do mesmo buraco, um montículo da

mesma cal deixava suas bolhas arrebentarem ao ar livre. Depois de acabadas as viagens da ambulância,

levavam-se as macas em cortejo, deixavam escorregar para o fundo, mais ou menos ao lado uns dos

outros, os corpos desnudos e ligeiramente retorcidos que, nesse momento, eram recobertos de cal viva e

depois de terra, mas só até uma certa altura, a fim de poupar espaço para os futuros hóspedes. No dia

seguinte, os parentes eram convidados a assinar um registro, o que mostra a diferença que pode haver

entre os homens e, por exemplo, os cães: a verificação era sempre possível” (CAMUS, Albert. A Peste.

13ª edição. São Paulo: Editora Record, 2002, pp. 153-156).

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62

Uma prova evidente dessa intenção constitucional é a previsão de

período determinado e limitado de tempo em que pode persistir o estado de defesa (o

máximo de trinta dias, prorrogável uma vez por igual período, conforme art. 136-§ 2º da

CF/88), que já deve vir fixado no respectivo decreto do Presidente da República (art.

136-§ 1º da CF/88). Também no estado de sítio há essa preocupação do constituinte,

exigindo que a autorização do Congresso e o decreto do Presidente da República

indiquem sua duração (art. 138-caput da CF/88), que no caso de calamidade pública não

poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo

superior (art. 138-§ 1º da CF/88). É o princípio da temporariedade que também

caracteriza o sistema constitucional das crises, impedindo que a legalidade

extraordinária dos estados de exceção acabe se transformando em algo definitivo ou

permanente115

.

Com isso, o constituinte evidencia que a adoção das medidas

coercitivas e restritivas que a Constituição permite só podem durar o quanto for

necessário para o restabelecimento da ordem institucional e superação da calamidade

pública, evitando assim os riscos e a tentação autoritária de protelar indefinidamente tais

medidas116

. Essas medidas de exceção são acompanhadas do respectivo incremento de

poder para a autoridade pública, que passa a dispor de autorização para restringir

garantias constitucionais dos cidadãos e para impor medidas coercitivas contra as

pessoas que se encontrem na área de abrangência das medidas117

. Por isso, somente se

justificam enquanto estiverem presentes os motivos determinantes de sua adoção, sendo

preciso evitar a todo custo que a ordem democrática seja desnaturada pela adoção

definitiva e ilimitada do estado de exceção. Nunca se pode perder de vista que os

estados de exceção nada mais são do que mecanismos constitucionais para “defesa do

Estado e das Instituições Democráticas”, e por isso é preciso retornar-se, assim que

possível, à normalidade institucional. Do contrário, não se está defendendo as

Instituições Democráticas118

.

115 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1990, p. 635.

116 Nesse sentido, “sem que se verifique a necessidade, o estado de exceção configurará puro golpe de

estado, simples arbítrio; sem atenção ao princípio da temporariedade, sem que se fixe tempo limitado

para vigência da legalidade extraordinária, o estado de exceção não passará de ditadura” (SILVA, José

Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1990, p. 636).

117 Nesse sentido, “o fato de que o Estado de sítio seja ocasionado por situações de exceção não

previsíveis a priori e destinado a enfrentá-las faz com que não seja fácil determinar-lhe o regime a priori

e que este deva ser normalmente decidido, em cada caso, pelo órgão que resolveu instituí-lo. É a ele que

incumbe a obrigação e o poder de predispor os instrumentos extraordinários adaptados às necessidades

que a excepcionalidade da situação criou. Tais instrumentos são mais ou menos complexos e evidentes

na medida em que consistam em inovações de caráter orgânico ou em atribuições de poder que,

mantidas as organizações do público poder ordinário, sirvam para reforçar o executivo com o

alargamento das suas faculdades normais ou com a concessão de novas funções. Na situação de exceção

ocasionada pelo Estado de sítio, estabelecem-se novas relações entre indivíduos e autoridade,

concretizadas na limitação das liberdades fundamentais” (BALDI, Carlo. Estado de sítio. In: BOBBIO,

Norberto [et alii]. Dicionário de Política. 4ª edição. 1º vol. Brasília: Editora da UnB, 1992, pp. 413-414).

118 Não se pense que é fácil o caminho da legalidade de exceção. Existem muitos riscos na sua adoção,

que somente se justificam porque são maiores os perigos da ausência completa da legalidade nas relações

estatais. Sobre os riscos dessa legalidade excepcional, já foi dito que “a defesa da constituição por

métodos drásticos, que se opera com maior ou menor eficiência pelo estado de sítio, pela lei marcial ou

por qualquer outro sistema, não vai sem perigos. O recurso à força gera reação pela força que pde mais

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63

Em democracias incipientes e frágeis, como aquelas próprias dos

países da América Latina, há sempre o risco de grupos sociais que constitucionalmente

detenham o poder pretenderem se utilizar de medidas de exceção para manutenção

inconstitucional de uma situação de poder, deixando então de observar as regras

democráticas119

. Para que essa tentação autoritária não seduza governantes e autoridades

públicas, a Constituição estabelece uma série de mecanismos de controle do poder no

estado de defesa e no estado de sítio, que fazem com que ele não se confunda com uma

situação de exceção totalitária ou com um governo puramente de força. Ao contrário,

mesmo durante o estado de exceção, a Constituição se preocupa com a disciplina

jurídica das medidas permitidas às autoridades públicas, que visam evitar desvios de

finalidade, impedir excessos ou abusos de poder, e principalmente garantir o retorno à

normalidade institucional assim que possível. Existe uma legalidade, que deve ser

observada, ainda que excepcional. O Estado continua sendo “de direito” e

“democrático”.

Dentre esses mecanismos de controle da exceção, destaca-se:

(a) a existência da prévia possibilidade de decretação do estado de

defesa, antes do estado de sítio, para tentar enfrentar a calamidade pública de uma forma

menos incisiva, quando isso for possível, havendo assim uma gradação na exceção

constitucional, que faz o estado de sítio ser a última possibilidade constitucional para o

enfrentamento da crise (progressividade nas medidas de exceção);

(b) a disciplina rígida das hipóteses de estado de exceção e a

vinculação das autoridades e governantes a esses requisitos e procedimentos120

, que não

dependerão de decisões puramente discricionárias da autoridade pública, nem estarão

sujeitas exclusivamente ao seu puro arbítrio, mas encontram previamente previstas e

estabelecidas no próprio texto constitucional121

, inclusive com limites e tempo de

duração previamente determinados;

força. Um círculo vicioso pode então ocorrer que aprofunde as dissensões em lugar de reduzi-las. Por

outro lado o poder embriaga e o fortalecimento do poder decorrente do arsenal de medidas excepcionais

desacostuma o governante da rotina e dos entraves da vida normal. Há, pois,a tentação de transformar o

recurso excepcional em meio de rotina. Servir-se da garantia contra o garantido” (FERREIRA FILHO,

Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 25).

119 Nesse sentido, “é dele [do Poder Executivo] que provém, quase sempre, o maior perigo, ao lado das

graves insurreições militares golpistas. Nesses casos, os estados d exceção visam especialmente criar

condições para a implantação de ditaduras, antes que para defender a Constituição. Quase sempre o

estado de exceção funciona como instrumento de preservação do domínio de uma classe dominante”

(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1990, p. 636).

120 Nesse sentido, “publicado o decreto, o Presidente da República designará o executor das medidas

específicas e as áreas abrangidas. Esses condicionamentos visam situar o estado de sítio em limites

estritamente necessários ao restabelecimento da normalidade, para que não se sirva dele como

instrumento para obter resultado diametralmente contrário a seus objetivos” (SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.

641).

121 Nesse sentido, “a instauração do estado de sítio pressupõe determinadas condições de fato, sem as

quais constituiria ele um abuso injustificável” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de

Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 121). Entretanto, nem todos pensam assim,

mencionando-se o voto do Min. Francisco Rezek: “ocorre-me que a avaliação da grave ameaça à ordem

pública pressuposto das medidas a que se refere o art. 155 da Constituição Federal [refere-se à EC

01/69] – configura juízo estritamente político, confiado, em alguns casos, à discrição exclusiva do

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64

(c) a exigência de prévia manifestação do Conselho da República e

opinião do Conselho de Defesa Nacional antes do decreto dos estados de exceção122

,

assegurando prévio aconselhamento técnico e político ao Presidente da República (arts.

90-I, 91-§ 1º-II, 136 e 137 da CF/88);

(d) a exigência de justificação ao Congresso Nacional do decreto de

estado de defesa e das providências adotadas, para sua aprovação, em prazos exíguos,

inclusive com convocação extraordinária se isso for necessário (art. 136-§§ 4º a 7º da

CF/88);

(e) a exigência de que o estado de sítio seja decretado pelo Presidente

da República somente se tiver autorização do Congresso Nacional para fazê-lo,

assegurando assim um controle político da decisão (art. 137 da CF/88), inclusive com

convocação imediata e extraordinária do Congresso Nacional se isso for necessário (art.

138-§ 2º da CF/88), mantendo-se em funcionamento o Congresso Nacional até o

término das medidas coercitivas (art. 138-§ 3º da CF/88), evidenciando-se assim que “o

estado de sítio (...) não altera a relação de poderes entre legislativo e executivo”123

;

(f) a atribuição de competência exclusiva ao Congresso Nacional para

aprovar o estado de defesa, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma

Governo, como sucede, entre nós, com as emergências; e noutros, como no do sítio, submetido ao juízo

igualmente político do Congresso Nacional. O que não acontece, seguramente em país algum, é de esse

alvitre político, entregue em variável medida distributiva aos poderes políticos do Estado, encontrar-se

subordinado ao juízo de legalidade do Poder Judiciário. Estou certo de que essa realidade elementar não

escapa à compreensão do notável jurista que patrocina o mandado de segurança” (BRASIL. Supremo

Tribunal Federal. Constitucional. Medidas de emergência (Constituição, art. 155). Decreto nº 89.566, de

18-4-84. Mandado de segurança requerido contra o ato do Presidente da República, por Deputados e

Senadores. Ausência de detrimento à atuação dos impetrantes. Mandado de segurança inviável, porque

requerido simplesmente contra a norma em tese (Súmula 266). MS nº 20.445-DF. Ulysses Silveira

Guimarães e outros, e Presidente da República. Relator: Min. Décimo Miranda. 25/04/84. Revista

Trimestral de Jurisprudência, Brasília, volume 109, p. 927).

122 Nesse sentido, a opinião e manifestação dos conselhos da República e da Defesa Nacional é

obrigatória, mas meramente consultiva, “o que vale dizer que sua opinião é sempre de ser levada em

consideração, mas não será vinculativa. Portanto, se opinarem contra a decretação da medida, o

Presidente da República ficará com a grave responsabilidade de, desatendendo-os, assim mesmo

decretá-la, se assim entender indispensável. Se o fizer e o Congresso a aprovar nos termos dos arts. 49,

IV, e 136, §§ 4º e 6º, tudo fica conforme com a Constituição. Se o Congresso rejeitar a medida, poderá

surgir hipótese de crime de responsabilidade do Presidente da República” (SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.

638). Também, nesse sentido, “os dois conselhos são, todavia, apenas conselhos consultivos. Opinam,

mas não decidem. O Presidente da República não é obrigado a seguir sua orientação. A Constituição

impõe-lhe apenas a oitiva dos dois organismos, mas nunca a obrigação de seguir seus conselhos”

(BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5º volume

(arts. 136 a 144). São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 05). Também, nesse sentido, “Tais Conselhos (...)

são órgãos de consulta do Chefe de Estado, o qual está obrigado a ouvi-los, embora não se vincule ao

seu conselho” (SLAIBI FILHO, Nagib. Estado de defesa e estado de sítio. Revista Forense, Rio de

Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p. 338). Entretanto, alguns defendem que essa consulta é

vinculativa para o Presidente da República (DANTAS, Ivo. Da Defesa do Estado e das Instituições

Democráticas na Nova Constituição (Direito Constitucional de Crise ou Legalidade Especial). Rio

de Janeiro: Aide Editora, 1989, pp. 43-44), o que não nos parece a melhor interpretação do texto

constitucional, porque nada indica que o parecer desses Conselhos seja vinculante. A decisão política é do

Presidente da República.

123 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 64.

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65

dessas medidas (art. 49-IV da CF/88), partilhando assim a competência entre os dois

Poderes da República, porque “a consagração da emergência constitucional conduziu,

inevitavelmente, ao fortalecimento do Executivo, que, como tal, é o responsável pela

tomada das decisões de execução; o que não implica nem impede que o Legislativo seja

chamado a colaborar efetivamente no exame das condições de sua decretação, ainda

que, „a posteriori‟”124

;

(g) a exigência de designação de Comissão, pelo Congresso Nacional,

composta por cinco membros, com prévia audiência dos líderes dos partidos, para

acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao

estado de sítio (art. 140 da CF/88), assegurando assim o controle daquelas decisões e

medidas;

(h) a existência do dever da União indenizar os danos e prejuízos que

tenha causado durante o estado de exceção (arts. 5º-XXV e 136-§ 1º-II da CF/88),

partilhando com toda a sociedade o custo e as despesas necessárias para o

enfrentamento da calamidade pública, sem que isso constitua exceção à

responsabilidade objetiva do Estado e sem que exista qualquer imunidade no tocante à

atuação estatal (art. 37-§ 6º da CF/88)125

.

Além de tudo isso, existe ainda a expressa previsão constitucional de

que, “cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos,

sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou

agentes” (art. 141 da CF/88)126

. Está constitucionalmente previsto que esse estado de

exceção não autoriza a quebra das regras constitucionais, estando submetidos todas as

autoridades, executores e agentes ao controle ulterior da legalidade e juridicidade de

seus atos, sujeitos inclusive à responsabilização pelos ilícitos que tenham cometido, nos

planos político, administrativo, cível e criminal. Ou seja, “o estado de defesa não é, e

não pode ser, situação de arbítrio, mas situação constitucionalmente regrada. Por isso,

124

CORRÊA, Oscar Dias. A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional. Rio de Janeiro:

Presença, 1980, p. 28.

125 Tratando dos da responsabilidade civil do Estado nos casos de terrorismo e violência, é proposta a

abordagem do problema da responsabilidade do Estado a partir de uma outra perspectiva: “O problema da

responsabilidade civil do Estado não terá de ser pensado de uma outra forma, estabelecendo que ela

ocorra não nos moldes da responsabilidade clássica da necessidade, mesmo quando objetiva,

considerando-se a natureza jurídica dessa responsabilidade objetiva independentemente de qualquer

laivo de culpa, mas permitindo a excludência desde o momento em que se demonstre a inexistência do

nexo de causalidade? Em legislação futura, não virão a ser adotados princípios outros que vão além

dessa responsabilidade, saindo propriamente do campo da responsabilidade tradicional para que, com

base nos fundamentos, principalmente, da solidariedade social, toda a sociedade seja responsável pela

composição dos danos pessoais ou patrimoniais daqueles que foram alcançados por atos dessa natureza

que, como se vê, pelo menos nesse início de século, cada vez mais se multiplicam e se tornam produtores

de danos, cuja extensão só Deus sabe a que ponto chegará?” (ALVES, José Carlos Moreira. O

terrorismo e a violência: responsabilidade civil do Estado. Revista do Centro de Estudos Judiciários

do Conselho da Justiça Federal, Brasília, ano IV, número 18, setembro de 2002, p. 15).

126 No célebre discurso proferido na sessão do Supremo Tribunal Federal em 26 de março de 1989, Rui

Barbosa defendeu regra semelhante a essa: “A jurisprudência que ao estado de sítio atribui efeitos

sobreviventes ao estado de sítio, hipertrofia esse órgão de opressão, dando-lhe proporções imprevistas

ao legislador constitucional, proporções incompatíveis com as instituições constitucionais, proporções

desconhecidas em toda a parte a essa lei de exceção, ainda nos países onde ela apresenta catadura mais

severa” (BARBOSA, Rui. O habeas corpus, o estado de sítio. Termo de seus efeitos. In: Escritos e

Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997, p. 503)..

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66

fica sujeito a controles político e jurisdicional”127

. A própria decretação dos estados de

exceção deve estar afeta ao controle jurisdicional, porque “a falta de qualquer desses

requisitos inquina de inconstitucionalidade o ato declaratório, inconstitucionalidade

que não só o judiciário pode como deve declarar, se chamado a manifestar-se”128

.

O controle jurisdicional dos atos praticados durante o estado de

exceção não está excepcionado129

, sendo passíveis tais atos de controle jurisdicional, na

forma do art. 5º-XXXV da CF/88, que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se houvesse intenção do constituinte em

tornar imunes os atos praticados durante a exceção, então teria explicitamente permitido

que fosse restringida a garantia de acesso ao justiça, como acontecia por exemplo com o

art. 170 da Constituição de 1937: “Durante o estado de emergência ou o estado de

guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e

tribunais”. Aliás, não causa surpresa o tratamento da matéria nessa Constituição de

1937, que foi caracterizada por uma concepção totalitária de poder, capaz inclusive de

suprimir a vigência do ordenamento constitucional. Francisco Campos, em entrevista

127 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1990, p. 639.

128 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1964, p. 140. Entretanto, poderá o Judiciário examinar se os fatos justificam a decretação do estado de

exceção ou se trata de decisão política, não passível de controle jurisdicional? Mesmo que na vigência de

outra ordem constitucional e contrariamente a precedente do Supremo Tribunal Federal (acórdão 3.556 de

10 de junho de 1914, onde afirmou que “tratando-se de ato de natureza essencialmente política, o

judiciário não pode entrar na apreciação dos fatos que o motivaram”), a doutrina constitucional traz

importantes subsídios para responder aquela questão: “A verificação da legalidade ou constitucionalidade

tanto do ato declaratório como das medidas adotadas em seu seguimento constitui questão evidentemente

judiciária. Isso, porém, não responde à nossa indagação, já que esta substancialmente se preocupa em

saber se a existência de comoção grave ou guerra não se inclui na verificação da constitucionalidade da

declaração. No caso de estado de sítio declarado sob fundamento de guerra externa, em nossa opinião

não há dúvida de que o judiciário pode e deve verificar, se provocado, a existência desse pressuposto. De

fato, (...) o pressuposto do sítio em tal caso não é um estado fático mas um estado jurídico, nascido da

declaração de guerra. Verificando se houve esta ou não, o judiciário não penetra o domínio estrito da

política, apenas comprova se algo nasceu juridicamente. No caso de fundar-se em comoção intestina

grave, ou em sua previsão, bem como no de alegar-se insurreição armada, a apreciação da gravidade da

situação de fato é, sem dúvida, política, dizendo respeito como diz à responsabilidade do governo para

com o povo e seu destino, em geral. Prevalecem, aí, considerações de conveniência que escapam ao crivo

estritamente jurídico. Não pertence aos tribunais, por isso, o conhecê-las e sim aos órgãos políticos.

Todavia, pode e deve o judiciário verificar, se da situação de fato declarada pelo decreto – comoção

intestina grave, previsão de comoção intestina grave, comoção intestina grave qualificada por

insurreição armada, guerra externa – se podem tirar as conseqüências extraídas. Ou seja, dosando a

Constituição a suspensão de garantias e as medidas que enseja segundo a situação de fato

reconhecida, o judiciário tem o dever de anular tudo o que ultrapassar essa dosagem. Assim, se,

declarado o sítio com fundamento em previsão de comoção intestina grave, forem decretadas medidas só

admitidas pela constituição em caso de guerra civil, o judiciário está obrigado a anulá-las, pois aí estará

examinando estritamente sua legalidade e constitucionalidade” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.

O Estado de Sítio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, pp. 142-143, grifou-se).

129 Nesse sentido, “o caráter político da decisão que decreta o estado de defesa ou o estado de sítio não

significa que o ato fique completamente imune à apreciação jurisdicional, nos casos em que perante os

tribunais forem postas pretensões à liberdade individual. Tais medidas excepcionais não representam

nenhuma autorização ao Poder Público em exorbitar da esfera própria de atribuições que lhe foi dada

pela ordem constitucional. Observe-se que o princípio adotado em nossa Constituição não é o da

instituição da ditadura constitucional, mas, sim, o de vigência temporária e responsável, de uma situação

excepcional, mas constitucionalmente delimitada” (SLAIBI FILHO, Nagib. Estado de defesa e estado

de sítio. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p. 336).

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67

concedida ao “Correio da Manhã”, em 03/03/45, assim se manifestava sobre os estados

de exceção nessa carta constitucional:

“Essa situação [refere-se à supressão da liberdade de opinião] que

tantos malefícios trouxe, não só à imprensa como ao povo do Brasil,

perdura atualmente, uma vez que não há no Ato Adicional qualquer

esclarecimento quanto aos efeitos do art. 171 da Constituição, o qual

declara que, na vigência do estado de guerra, deixará de vigorar a

Constituição nas partes indicadas pelo presidente da República. O

ponto é de capital importância. Pela interpretação que se deu a esse

artigo, anula-se pela raiz o regime constitucional em toda a sua

plenitude. Fundado nesse artigo, o chefe do Governo chegou mesmo a

prorrogar o seu mandato. E, servindo-se dele, com a amplitude do

sentido que se lhe atribui, o que fica à discrição do Governo é a

Constituição inteira. A inteligência, porém, que se atribui ao artigo

em questão é absolutamente infundada. O estado de guerra é criação

da reforma constitucional de 1935. Pelas emendas feitas à

Constituição de 1934 foi, com efeito, criado o estado de guerra e

autorizado o Governo a suspender a Constituição nas partes

indicadas no ato da declaração do estado de guerra. Que efeitos,

porém, decorrem da suspensão da Constituição? Poderá ela ser

suspensa em qualquer das suas partes ou suspensa em sua totalidade?

São questões que permanecem sem resposta. Conferir, porém, ao

Presidente da República a faculdade de suspender a Constituição nas

partes por ele indicadas no decreto de declaração do estado de

guerra é autorizá-lo a suspender todo o regime constitucional e,

portanto, o funcionamento dos demais poderes. Poderá, portanto,

haver um interregno em que deixe de existir qualquer regime jurídico,

abrindo-se ao presidente o ilimitado campo de discrição política,

legislativa e administrativa. Não haverá limites ao seu poder pessoal.

Será a mais totalitária das ditaduras, pois mesmo nos regimes

totalitários subsistiam certas formas, processos e limites ao poder do

ditador. Uma vez, porém, suspensa a Constituição, não haverá mais

limites ao exercício do poder. Será o „naked power‟, o poder

inteiramente nu ou absoluto, sem contrastes, formalidades e limites.

Poderá o presidente fechar as câmaras e os tribunais, confiscar a

propriedade, destruir ad libitum a vida e os bens dos cidadãos. Será

este o pensamento que se contém no artigo relativo à suspensão da

Constituição? Se é, não poderia ser concebida mais crua negação do

regime jurídico na sua própria substância, ficando facultado ao

presidente, sem autorização do Poder Parlamentar, investir-se na

totalidade dos poderes do governo, e, mais do que isto, investir-se na

totalidade desses poderes para exercê-los além dos limites que a

Constituição põe ao seu exercício, pois, por hipótese, não haveria

Constituição e os poderes do Governo seriam poderes absolutos. Não

pode ser este, evidentemente, o pensamento do artigo que autoriza a

suspensão da Constituição. Que efeito, porém, terá o estado de

guerra, e o que significa a suspensão da Constituição? Que diferença

existe entre o estado de emergência e o estado de guerra? O que

distingue o estado de emergência do estado de guerra é apenas o

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68

emprego das Forças Armadas para a defesa do Estado. O estado de

emergência se destina a evitar a comoção intestina. O estado de

guerra se declara quando a comoção intestina se manifesta,

tornando-se necessário o emprego das Forças Armadas para suprimi-

la. A suspensão da Constituição se torna, portanto, necessária apenas

nas zonas de operações militares para que o comando militar possa

agir com o desembaraço necessário às operações de guerra. A

Constituição se suspende apenas na porção do território em que a

comoção intestina torna impossível o exercício da autoridade civil.

Somente nesta porção do território em que existe realmente o estado

de guerra é que a Constituição se suspende, para dar lugar ao pleno

exercício da autoridade militar e à vigência das leis de guerra

aplicadas pelos tribunais militares. O domínio da lei marcial não

significa, porém, a abolição do regime jurídico; ao passo que a

suspensão da Constituição de maneira ilimitada, como tem sido

entendida em todo o território nacional, sem que em nenhum ponto

dele ocorra o emprego das forças armadas em operações de guerra,

significa, pura e simplesmente, o colapso total da ordem jurídica.

Convém que fique bem esclarecido que este não pode ser o

pensamento da Constituição, que este estado de absoluta negação da

ordem jurídica não se concebe em país algum, em nenhum tempo e em

qualquer circunstância, mesmo no caso de guerra externa e em

relação às pessoas e bens do inimigo”130

.

Mas não há restrição possível ao art. 5º-XXXV da CF/88, que não

esteja constitucionalmente prevista. Nada prevendo a Constituição, os atos praticados

durante o estado de defesa ou o estado de sítio são passíveis de controle jurisdicional

preventivo ou repressivo, na forma do devido processo legal131

. Aliás, a própria

Constituição estabelece situações expressas de atos praticados durante o estado de

exceção, como a comunicação à autoridade judiciária da prisão efetuada na vigência de

estado de defesa (art. 136-§ 3º da CF/88).

Há também possibilidade de que as autoridades públicas e seus

agentes respondam pelos crimes que tenham praticado durante o estado de exceção,

130 CAMPOS, Francisco. Entrevista de Francisco Campos ao Correio da Manhã do Rio de Janeiro,

em 3 de março de 1945. In: PORTO, Walter Costa. Constituições Brasileiras. Volume IV, 1937.

Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, pp. 45-47.

131 Nesse sentido, “o controle jurisdicional é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições

autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso de poder

durante sua execução, é lógico que seus atos ficam sujeitos à correção por via jurisdicional, quer por via

de mandado de segurança, quer por habeas corpus, quer por outro meio judicial hábil. Mesmo depois de

cessado o estado de sítio e seus efeitos, poderá ocorrer hipóteses de responsabilização jurisdicional de

seus executores ou agentes por atos ou condutas ilícitas cometidos durante a execução da medida,

conforme estatui o art. 141. Mais uma vez se vê que o estado de sítio, como o estado de defesa, está

subordinado a normas legais. Ele gera uma legalidade extraordinária, mas não pode ser arbitrariedade.

Por isso, qualquer pessoa prejudicada por medidas ou providências do Presidente da República ou de

seus delegados, executores ou agentes, com inobservância das prescrições constitucionais não

excepcionadas e das constantes do art. 139, tem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para

responsabilizá-los e pedir a reparação do dano que lhe tenha sido causado” (SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.

643).

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69

sejam eles previstos como crimes comuns ou crimes de responsabilidade132

. Não

obstante exista um cunho político na decisão do Presidente da República em decretar os

estados de exceção, ele pode vir a ser responsabilizado tanto pela sua atuação abusiva

como pela sua omissão na adoção de medidas excessivas ou necessárias para a

preservação da ordem institucional e retorno à normalidade. A previsão de que uma

Comissão de membros do Congresso Nacional acompanhe e fiscalize a execução de

todas as medidas de exceção (art. 140 da CF/88), e a exigência de que, finda a exceção,

as medidas aplicadas em sua vigência sejam relatadas pelo Presidente da República, em

mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências

adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas (art.

141-§ único da CF/88), evidencia que existe também um controle político ulterior do

ato, submetendo-se o Presidente da República e demais executores das medidas à

possibilidade de responsabilização, própria de um Estado democrático de Direito133

.

7. CONCLUSÃO

Em conclusão, pelo que foi examinado no tocante ao devido processo

constitucional pertinente à disciplina dos estados de exceção em decorrência de

calamidades públicas sanitárias, ficam evidenciadas e comprovadas as premissas de que

partiu a presente monografia, a saber:

(a) as situações de calamidade pública sanitária devem ser prevenidas

e evitadas, devendo os Poderes Públicos adotarem todas as

providências necessárias e suficientes para tanto antes que as

calamidades ocorram, como evidenciam os institutos da vigilância

sanitária, da vigilância ambiental, da vigilância epidemiológica, da

vigilância internacional, da educação sanitária e ambiental, do prévio

estudo de impacto ambiental e o próprio direito penal sanitário;

(b) entretanto, uma vez ocorrentes, essas situações de calamidade

pública sanitária devem ser enfrentadas, tendo-se em vista a

preservação das instituições democráticas e a causação do menor dano

individual possível às pessoas envolvidas e atingidas, inclusive com a

decretação de estado de defesa e estado de sítio, nas hipóteses em que

132 Nesse sentido, “tanto assim é que a lei 1.079, de 10 de abril de 1950, que define e sanciona os crimes

de responsabilidade do Presidente e dos ministros, inclui, por exemplo, entre as figuras delituosas „tomar

ou autorizar durante o estado de sítio medidas de repressão que excedam os limites da Constituição‟

(art. 7, nº 10) e „decretar o estado de sítio, estando reunido o Congresso Nacional, ou no recesso deste,

não havendo comoção interna grave nem fatos que evidenciem estar a mesma a irromper ou não

ocorrendo guerra externa‟ (art. 8, nº 3)” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de Sítio.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p. 137).

133 Nesse sentido, se o Presidente da República não teve a decretação do estado de defesa aprovada pelo

Congresso Nacional, ele será passível de condenação por crime de responsabilidade: “E se o Congresso

não aceitar a justificação dada pelo Presidente da República; se ele chegar à conclusão de que houve

arbítrio, excesso? Parece-nos que, em tal caso, ficará caracterizado algum crime de responsabilidade do

Presidente, especialmente o atentado a direitos individuais, pelo que pode ser ele submetido ao

respectivo processo, previsto no art. 86 e regulado na Lei 1.079/50” (SILVA, José Afonso da. Curso de

Direito Constitucional Positivo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 639).

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70

a grande proporção da calamidade assim recomendar, como

evidenciam os institutos da competência para combate às calamidades

permanentes, a requisição de bens e serviços particulares, o

empréstimo compulsório, a abertura de créditos orçamentários

extraordinários, a dispensa de licitação, as medidas provisórias, o

estado de defesa e o estado de sítio;

(c) assim que superada a situação de exceção, devem cessar os efeitos

restritivos do estado de defesa e do estado de sítio, voltando-se

imediatamente à normalidade institucional, cabendo a todos prestarem

contas das providências que adotaram ou deixaram de adotar,

respondendo pelas mesmas e estando sujeitos às sanções decorrentes

das eventuais ilicitudes em que tenham incorrido, como evidenciam os

institutos do controle político e jurídico das medidas adotadas durante

um estado de exceção sanitário.

Afinal, ao contrário da ordem constitucional anterior, a Constituição

Federal de 1988 deixou explícita a vinculação do Estado e de suas estruturas à “defesa

do Estado e das instituições democráticas”134

. Da democracia se partiu, à democracia se

deve retornar. Sempre e sem exceção, o mais rápido possível. É assim que se garante a

vida social. É assim que se faz possível a vida individual digna.

134

A Emenda Constitucional nº 11/78, dando nova redação aos arts. 155-159 da Emenda Constitucional

nº 01/69, trazia como rubrica do capítulo V do título II apenas “Das medidas de emergência, do estado de

sítio e do estado de emergência”. A rubrica do título V da CF/88 é clara nessa vinculação, constando

como “Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. A organização do Estado e dos Poderes da

República deve, assim, observar uma finalidade constitucionalmente explicitada. Nesse sentido, “A

constituição de 5 de outubro apresenta importante inovação ao situar os institutos do estado de defesa e

do estado de sítio no Título V, denominado „Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas‟,

diferentemente da Constituição anterior, a qual, em seu Título II, sob a denominação „Da Declaração de

Direitos‟, no Capítulo V, previa as medidas do estado de sítio e as similares das medidas de emergência

– antes, as salvaguardas constitucionais representavam um capítulo de suspensão das garantias

individuais. No novo texto constitucional, as salvaguardas são colocadas em posição topográfica mais

correta, em título específico, juntamente com os capítulos das Forças Armadas e da Segurança Pública,

infirmando o anterior caráter repressivo em favor da declaração da garantia do exercício do poder

democrático. O que se pretende com as medidas excepcionais ali previstas não é, teleologicamente, a

suspensão dos direitos e, sim, a defesa do Estado Democrático de Direito” (SLAIBI FILHO, Nagib.

Estado de defesa e estado de sítio. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 306, abril-junho de 1989, p.

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