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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UNB INSTITUTO DE LETRAS IL DEPTO. DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS LIP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA PPGL PERDAS, ATITUDES E SIGNIFICADOS DE VITALIZAÇÃO ENTRE OS KYIKATÊJÊ Brasília 2015

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE LETRAS – IL

DEPTO. DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS – LIP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA – PPGL

PERDAS, ATITUDES E SIGNIFICADOS DE VITALIZAÇÃO ENTRE OS

KYIKATÊJÊ

Brasília

2015

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ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Linguística do

Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de

Letras da Universidade de Brasília, como requisito parcial à

obtenção do título de Doutor em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral.

Co-orientador: Prof. Dr. Sanderson Castro Soares de Oliveira

Brasília

2015

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ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO

Esta tese foi julgada adequada à obtenção do título de

Doutor em Linguística e aprovada em sua forma final

pelo Curso de Doutorado em Linguística, do Programa

de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Letras

da Universidade de Brasília.

Brasília, 24 de agosto de 2015

______________________________________________________

Profa. Dra. e orientadora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral (UnB) (Presidente)

Universidade de Brasília

______________________________________________________

Prof. Dr. Sanderson Castro Soares de Oliveira (UEA) (Membro externo)

Universidade Estadual do Amazonas

______________________________________________________

Profa. Dra. Maria Risoleta Julião (UFPA) (Membro externo)

Universidade Federal do Pará

______________________________________________________

Profa. Dra. Socorro Pimentel da Silva (UFG) (Membro externo)

Universidade Federal de Goiás.

Profa. Dra. Enilde Leite de Jesus Faulstich (UnB) (Membro interno)

Universidade de Brasília (UnB)

______________________________________________________

Profa. Dra. Rozana Reigota Naves, UnB (membro interno) (Suplente)

Universidade de Brasília (UnB)

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DEDICATÓRIAS

Aos meus amados filhos Nilinha e Manduquinha pela felicidade que me proporcionam a

cada dia, pelo companheirismo singular, compreensão pelas decisões que tivemos que tomar em

nossas vidas e por alguns momentos difíceis de crise familiar, mas que graças a Deus estamos

seguindo nossas vidas. Obrigada filhos amados pela força e carinho e me desculpem por alguns

acontecimentos tristes que presenciaram (tentem esquecer!); sou muito grata pelo que vocês me

ensinam e me perdoem pelos momentos que suportaram as minhas ausências.

À minha mãe Erondina que há anos me acompanha nesta caminhada sedenta pelo

conhecimento. És minha mestra e meu porto seguro, grata por me dá força para continuar lutando por

meus sonhos e objetivos. Perdão por minhas ―rabujices‖.

Ao meu pai Expedito Bertozo Brito (In memorian) que até hoje me faz muita falta.

Ao meu professor Aryon Dall’Igna Rodrigues (In memorian) que nos cativava com sua

gentileza e humildade. Com ele tive o privilégio de estudar sobre a Linguística Histórica das línguas

indígenas e conhecer sua trajetória de Línguísta e pesquisador das línguas indígenas.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, meu grande mestre e companheiro que permitiu que mais este

sonho se realizasse;

Às lideranças e a todos os moradores da Krĩ (aldeia) Kyikatêjê Amtatí,

nomeadamente: o Cacique Kykyiré que em 2009 juntamente com outros líderes da

comunidade permitiu que essa pesquisa fosse iniciada;

Ao atual Cacique da comunidade Kyikatêjê Zeca Gavião que em 2011 permitiu que

eu desse continuidade a pesquisa iniciada;

Ao diretor administrativo da Escola Estadual Indígena de Ensino fundamental e

médio Tataktí Kyikatêjê: Rikpàrti Kôkaprôti (Líguido)

À diretora pedagógica: Conserlene Iguarací Piguara Sompré (Concita Sompré)

À coordenadora pedagógica: Conserlei Aracipiguara Sompré

À diretora administrativa da Associação Indígena Gavião Kyikatêjê: Concita Sompré

Aos professores indígenas da Língua Kyikatêjê: Rikpàrti Kôkaprôti, Alacid, Jõprara

Kwykre Tahoti, Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco), Prekrôti Amjererê Jokahinti que se

dispuseram e possibilitaram o meu acesso as suas lembranças, histórias de vida, opiniões, suas

alegrias, tristezas e superações. E aos professores indígenas que tive contato em 2013 por

ocasião da aplicação dos questionários: Claudio Xankrare Poprereajanare, Conserlei

Aracipiguara Sompré

Às professoras e professores Kupẽ (não-indígena) da Escola Tataktí Kyikatêjê,

particularmente: Joelma, Isaac, Maurício (professores que estavam na comunidade em 2009,

que marca nosso primeiro com a comunidade e que ficaram até 2012); Simone Lima, Clebson

Peixoto, Adelayde Nascimento, Julio Alves de Oliveira, Letícia Cunha, Elaine Leite e Maria

José Barbosa.

À professora e secretária da Escola Tataktí Kyikatêjê: Arlete Peixoto que sempre se

mostrou prestativa na ocasião que a procurei pessoalmente ou por email. Minha estima pela

amizade que construímos e minha eterna gratidão;

Ao Ropré que nas entrevistas com os ―velhos‖ sempre estava disposto a me ajudar

nas traduções. Minha admiração estima e gratidão;

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À família Kôkaprôti, especialmente à Maria Gorethe que me recebeu em seu lar com

muito carinho e pela nossa amizade.

Aos chefes de famílias indígenas entrevistados: Pepkrakte Jakukreikspiti Ronore

Konxarti ( Zeca Gavião ); Rikpàrti Kôkaprôti (Líguido); Ronore Ronjonkraktare Kanprere

(Mamãe Grande); Roberto Cacau Mulato (Xukré) ; Jans Watãna Dias Karajá; Apreiré

Joxatkraré Kwynkaprekré; Pahojimonkré Gavião; Amjikmti J. Kwynkapretiré; Kroakiniré

Anikenti; Timóteo Mulato Gavião; Conserlene Iguaraci Piguara Sompré; Pahamré Gavião;

Kwypamtaré Ronoré; Jôpeire Joxatkraré Kwynkaprekrê; Krekrare Ahkitkwyi Junuré

(Pretinha); Renato Xerente; Claudio Xankraré Poprereajanare ; Jose Aianaré Kaktiti

Popramre; Amjikrorê (Micrô; Tohar Kwynk Aprekré (Aparati); Januré Anjipeiti Jonkahyti;

Pempti Kokaproti Jonkahynti; Prykaparé Horakraktaré (Karina); Kukakryre Horakraktare

(Kroakô); Weilla Hawikyderi Sompré (Haw); Jose Urubatan Sompré; Jõprykatire Jokahyti

Kôkaprôti ; Paulo Aritana Sompré (Arú); Pinduca; José Carlos Sompré.

Aos chefes de famílias não- indígenas: Simone Martins Araújo; Jeferson Felipe de

Araújo; Laíze Bezerra e Francélio de Souza Cavalcante.

À profa M. Sc Rosani Fernandes , que em 2009 possibilitou-me conhcer o seu

trabalho como coordenadora pedagógica da Escola Tatakti Kyikatêjê e pelo aprendizado e

pelas reflexões que fizemos a cerca dos temas indígenas.

À minha querida Professora e Orientadora Dra. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral,

de quem tenho recebido, além de uma orientação segura, o carinho, a compreensão e,

sobretudo a amizade. E por ter me dado a oportunidade de sair da minha zona de conforto e

conhecer a Linguística Descritiva de uma língua indígena, mas que pelas minhas próprias

limitações nesta área, consegui obter um conhecimento embrionário; tive ainda o privilégio de

conhecer o seu trabalho de luta, dedicação, profissionalismo e amor incondicional pelos povos

indígenas do Brasil, sobretudo na formação de pesquisadores indígenas nas suas próprias

línguas. Também conheci o universo interdisciplinar de assuntos diversos fundamentados nos

estudos indígenas como: aspectos linguísticos, culturais, étnicos, contato, planejamento

linguístico, fortalecimento linguístico das línguas em estágio de obsolescência, assuntos

desafiantes e que contribuíram significativamente para meu aprendizado e que foram

decisivos na construção desta tese de doutorado. Meus sinceros agradecimentos ―minha eterna

professorinha‖ e grande amiga.

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Ao meu Co-orientador Professor Dr. Sanderson Soares Castro de Oliveira pelas

correções orientadas e reflexões linguísticas que foram fundamentalmente importantes para

que eu repensasse novos direcionamentos e estratégias de análise qualiquantitativa dessa tese.

Meus sinceros agradecimentos e serei ainda eternarmente grata pelas palavras de incentivo e

apoio emocional que me fizeram acreditar que eu poderia elaborar um trabalho desta natureza,

tão diferente de tudo que eu já tinha feito em toda a minha vida acadêmica.

Aos professores Dr. Sanderson Soares Castro de Oliveira, Dra. Maria Risoleta Julião

e Dra. Rosineide Magalhães de Sousa pela leitura cuidadosa deste trabalho e sugestões

valiosas apresentadas por ocasião do exame de qualificação.

Ao Programa de Pós-graduação em Línguística (PPGL-LIP/UNB) e ao Laboratório

de Línguas e Litraturas Indígenas (LALLI);

À Coordenadora do PPGL, Prof Dra. Viviane Rezende pela compreensão por ocasião

de meus pedidos de prorrogação de qualificação e defesa desta presente tese;

Às secretárias acadêmicas do PPGL-LIP/UNB: Renata e Ângela pela gentileza e

auxílio nos momentos de dúvidas e pelas solicitações atendidas.

A todos os pesquisadores do Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas

(LALLI), em especial aos amigos e amigas: Fábio Couto, Ana Maria Aguilar, Suseile

Andrade de Souza, Lucivaldo Costa, Chandra Viégas, Lidiane Camargos, Ariel Pheula,

Andérbio Márcio Martins, Joaquim Kaxinauá, Paltu Kamaiurá, Wary Kamaiurá, Tisciane

Alencar, Jorge Lopes, Kaman Nahukua, Rodrigo Cotrim pelos debates linguísticos e por tudo

que vivemos nesse percurso.

À CAPES e à UFPA pela Bolsa de doutoramento recebida por um ano e meio.

Ao Instituto de Línguas, Literaturas e Artes (ILLA/UNIFESSPA) pela compreensão

por ocasião de minha solicitação de prorrogação de afastamento.

À Banca de doutoramento: Dr. Sanderson Soares Castro de Oliveira (UEA), Dra.

Maria Risoleta Julião (UFPA), Socorro Pimentel da Silva (UFG) e Dra. Enilde Leite de Jesus

Faulstich (UnB) pela leitura cuidadosa, aprendizado, contribuições positivas e relevantes

apresentadas por ocasião da defesa desta tese.

Aos professores Dr.Gilson Penalva e M. Sc Margarida pela amizade e os momentos

de reflexão.

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Aos meus amigos Prof Dr. Roberto Vilhena do Espírito Santo e prof M. Sc

Alessandra Vasconcelos pela amizade de muitos anos e pelas correções e discussões que

tivemos sobre o texto final desta tese de doutoramento;

Profa. Dra.Eliane Machado Soares, que em 2009 me deu força na elaboração de um

Projeto de Pesquisa para trabalhar com a comunidade indígena Kyikatêjê e pelas trocas de

experiências que tivemos durante o desenvolvimento de nossa primeira pesquisa no âmbito

das questões indígenas. E de nossa primeira participação no C-Indy em Vitória da Conquista,

onde apresento as pesquisas com a comunidade Kyikatêjê. E pelas discussões e reflexões que

muito contribuíram para o desenvolvimento desta tese.

Aos professores Dr. Wilmar D`Angelis, Dra Dulce Franceschini, Dra Ruth Monserrat

e Dra Suzana Alice Cardoso pelas discussões linguísticas que tivemos durante o Curso de

PPGL;

À minha amiga e irmãzona Cláudia Vilhena do Espírito Santo que me acolheu em

seu lar com carinho, e principalmente por suas palavras de apoio e conselhos que foram

imprescindíveis nos momentos de tensão e ansiedade nessa fase final desse estudo. Minha

estima e gratidão.

À minha amiga Vanessa Guedes e família pela hospitalidade recebida e pela grande

amizade construída.

Às minhas amigas Iêda, Iolanda, Walquíria, Rose, Rosângela e ―sobrinha‖ Carol pela

amizade construída e apoio.

À minha tia Siraíra Souza Silau pelo apoio sempre dado à minha mãe e a mim em

momentos difíceis de minha vida. Minha gratidão.

À minha tia Ruth Elena Silau por ter cuidado de meus filhos com carinho e zelo.

Ao meu querido irmão José William Dias de Souza por quem tenho grande

admiração e carinho.

Ao Sr. João Paulo pela amizade de muitos anos, carinho e apoio.

Aos amigos e amigas: Danilo Ferreira, Marcus Paulo, Tiago Gomes, Izilda Cordeiro,

Lúcia Cristina Santos, Denise Chiaretta confidentes nas horas vagas de dúvida e angústia e,

que estarão sempre ―guardados do lado esquerdo‖ de meu peito.

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À Profa MSc Guilhermina Corrêa pela amizade e grande ajuda nas horas mais

difíceis.

Às professoras: Adliz Castro, Dra Tânia Pantoja, Dra Célia Brito, Dra Luíza Mastop,

Dra Edma Moreira, Dra Denise Miranda e a MSc Thais Amorim pela amizade e apoio.

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(...) Para o linguísta, a morte de uma língua é tão

lamentável como é a extinção de uma espécie animal para

o zoólogo ou de uma planta para o botânico. E para nós,

que além do trabalho descritivo e documental das línguas

indígenas desenvolvemos estudos comparativos, os quais

têm entre os seus maiores propósitos contribuir para o

conhecimento de fases pré-históricas das línguas e das

culturas de seus falantes, a morte de uma língua sempre

corresponde ao desaparecimento de uma peça chave do

quebra-cabeça que, se montado, ajudaria a contar, da

historia de um povo ou de um conjunto de povos,

importantes aspectos de sua diversificação linguística e

cultural, de seus movimentos migratórios e de seus

contatos passados com outros povos. Este é apenas um

dos significados da morte de uma língua para o linguísta.

(CABRAL, 2003)

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RESUMO

Partindo de uma perspectiva sociolinguística, nosso objetivo geral é estudar a situação de uso

da língua Kyikatêjê na comunidade que a fala, assim como as atitudes linguísticas de seus

falantes. O Kyikatêjê é uma variedade Timbira do mesmo nome do povo - família Jê, tronco

Macro-Jê (RODRIGUES, 1989, 1999). A comunidade Kyikatêjê encontra-se localizada no km

25 da BR 222, do município de Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará. Analisamos o

modo como representantes do povo Kyikatêjê se posicionam em relação às duas línguas em

contato: o Português e o Kyikatêjê. Um dos objetivos específicos é o de reunir elementos que

caracterizem as atitudes dos indígenas para alimentar as discussões sobre o ensino das duas

línguas nas escolas das aldeias. Consoante, partimos da premissa de que as atitudes

sociolinguísticas dos falantes são determinantes para o favorecimento do uso de uma ou outra

língua conforme situações em que a atitude sociolinguística dos falantes se mostra favorável

ao uso de uma ou outra língua, destacando dessa maneira à perspectiva sociocultural (valores

ideológicos e culturais) das diferentes comunidades de fala, grupos sociais, ou indivíduos (cf.

MELLO, 1999). Para obter os dados relevantes, optamos por utilizar os questionários de

Maher (2007). A presente tese orientou-se por estudos de diferentes autores que de uma forma

ou de outra contribuíram para a discussão dos temas centrais da pesquisa, como morte de

línguas, vitalização linguística, planejamentos e políticas linguísticas, como Calvet (2007),

Maher (2007, 2008), Hinton, (2001a, 2001b, 2001c), Fishman (1999), Thomason (2001),

Crystal (2000), Rodrigues (2000), Monserrat (2006), Seky (1984), Pimental da Silva (2009).

PALAVRAS-CHAVE: Atitudes linguísticas; Povo Kyikatêjê; Políticas Linguísticas,

Vitalização linguística.

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ABSTRACT

Starting from a sociolinguistic perspective, our main purpose the Kyikatêjê language use and

the linguistic attitudes of its speakers. Kyikatêjê is a variety of the Timbira language, which

belongs to the Jê family, Macro-Jê stock (RODRIGUES, 1989, 1999). The Kyikatêjê people

live at km 25 of Road 222, at Bom Jesus do Tocantins district, Southeast of Pará. We analyze

how representatives of Kyikatêjê community are positioned in relation to the two languages in

contact: the Portuguese and the Kyikatêjê languages. The main premise underlining the

present work is that sociolinguist‘s attitudes of the speakers are fundamental in favoring the

use of one or other language in a contact situation (MELLO, 1999). Maher‘s questionnaires

(2007) were the main instruments used in the data analysis. This thesis have also benefited

from the work of different authors working on connected relevant issues such as language

loss, vitalization, language policies, and language planning, as Calvet (2007), Maher (2007,

2008), Hinton (2001a, 2001b, 2001c), Fishman (1999), Thomason (2001), Crystal (2000),

Rodrigues (2000), Montserrat (2006), Seky (1984), and Pimentel da Silva (2009).

KEYWORDS: Linguistic attitudes; Kyikatêjê language, Linguistic policies, Language

Vitalization.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1- IMAGEM SATÉLITE DA RESERVA INDÍGENA DE MÃE MARIA (RIMM).

FONTE: GOOGLE EARTH IN FERNANDES (2010, P.10). ..........................................................35

FIGURA 2- IMAGEM DA ALDEIA KYIKATÊJÊ- FONTE: ACERVO DA ESCOLA

ESTADUAL INDÍGENA KYIKATÊJÊ. ...........................................................................................36

FIGURA 3: ARTESÃO KYIKATÊJÊ CONFECCIONANDO UM PANEIRO. FOTO DE

ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO, JANEIRO DE 2012 ...................................................................41

FIGURA 4 -DA ESQUERDA PARA DIREITA TEMOS PREKRÔRE, UM EXCELENTE

ATIRADOR DE FLECHA COM OUTROS PARENTES KYIKATÊJÊ. FOTO DE ÁUSTRIA

RODRIGUES BRITO, JANEIRO DE 2012 ......................................................................................42

FIGURA 5- TOCO DE COQUEIRO, ONDE A FLECHA DEVE SER FINCADA. FOTO DE

ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO, JANEIRO DE 2012 ...................................................................43

FIGURA 6- JÕPRARA UMA EXCELENTE JOGADORA DE FLECHA COM OUTRAS

MULHERES DA ALDEIA KYIKATÊJÊ. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO,

JANEIRO DE 2012 ..............................................................................................................................44

FIGURA 7- OS KYIKATÊJÊ NA BRINCADEIRA DA PETECA. FOTO DE ÁUSTRIA

RODRIGUES BRITO, JANEIRO DE 2012 ......................................................................................45

FIGURA 8: RÕPRÉ MOSTRANDO A PETECA CONFECCIONADA COM AS PALHAS DO

MILHO. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO, JANEIRO DE 2012 ................................45

FÍGURA 9: JABUTI ASSADO NA CASCA. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO,

JANEIRO DE 2012. .............................................................................................................................48

FIGURA 10- JÕPRARA OBSERVANDO SE O JABUTI JÁ ESTAVA NO PONTO PARA SER

SABOREADO. FOTO DE ÁUSTRIA BRITO, JANEIRO DE 2012. .............................................48

FIGURA 11- EXIBIÇÃO DA PINTURA DO PEIXE [TÉP] POR KUWEJIRÕTI SOMPRÉ.

FONTE: ACERVO DA ESCOLA KYIKATÊJÊ ..............................................................................49

FIGURA 12- PRODUÇÃO ARTÍSTICA DOS ALUNOS KYIKATÊJÊ. FONTE: MATERIAL

CEDIDO PELA PROFA DE HISTÓRIA ADELAYDE NASCIMENTO. .....................................50

FIGURA 13- PRODUÇÃO ARTÍSTICA DOS ALUNOS KYIKATÊJÊ , REPRESENTAÇÃO

DO HÀKTI (GAVIÃO). FONTE: MATERIAL CEDIDO PELA PROFA DE HISTÓRIA

ADELAYDE NASCIMENTO. ............................................................................................................51

FIGURA 14 - CORRIDA DA TORA. FONTE: ESTADÃO

HTTP://BLOGS.ESTADAO.COM.BR/OLHAR-SOBRE-O-MUNDO/ESPORTE-

GUERREIRO-TRIBO-KYIKATEJE/. FOTO DE ERNESTO RODRIGUES /AE ....................187

FIGURA 15 - BERARUBU PRONTO PARA SER ASSADO. FONTE: ACERVO DA ESCOLA

INDÍGENA KYIKATÊJÊ. ...............................................................................................................187

FIGURA 16 - BERARUBU ASSANDO. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO, JANEIRO

DE 2012. ..............................................................................................................................................188

FIGURA 17 – ACAMPAMENTO CONSTRUÍDO PELA PRÓPRIA COMUNIDADE PARA

REALIZAÇÃO DE VÁRIAS ATIVIDADES NA ALDEIA. FOTO DE ÁUSTRIA BRITO

JANEIRO DE 2012. ...........................................................................................................................188

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FIGURA 18 –MOMENTO DE APRENDIZADO COM OS “VELHOS”. FOTO DE RIANE

RIANE SOUZA ARAÚJO/ NOVEMBRO DE 2009 .......................................................................189

FIGURA 19 –ABERTURA DA CONFERÊNCIA DE EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA.REGIONAL MARABÁ. FOTO DE RIANE SOUZA ARAÚJO/ JULHO DE 2009

..............................................................................................................................................................189

FIGURA 20 – CACIQUE KYKYIRÉ COM A PESQUISADORA ÀUSTRIA RODRIGUES

BRITO.FOTO DE MARIA GORETHE/ JAN DE 2012. ................................................................190

FIGURA 21 – CACIQUE KYKYIRÉ DA COMUNIDADE INDÍGENA GAVIÃO-

KYIKATÂJÊ ATÉ ABRIL DE 2012. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO/ JAN DE

2012. .....................................................................................................................................................190

FIGURA 22 – FAMÍLIA DE RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI COM A PESQUISADORA AUSTRIA

RODRIGUES BRITO. FOTO DE KARINA KÕKAPRÕNTI/ JAN DE 2012. ............................191

FIGURA 23 – FILHOS DE RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI COM A PESQUISADORA ÁUSTRIA

RODRIGUES BRITO. FOTO DE RIKPÀRTI / JAN DE 2012. ....................................................191

FIGURA 24 – FILHOS DE RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI COM A PESQUISADORA AÚSTRIA

RODRIGUES BRITO.FOTO DE RIKPÀRTI/ JAN DE 2012. ......................................................192

FIGURA 25 – MEMBROS DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ PARTICIPANDO DA

BRINCADEIRA DA PETECA, NO CENTRO DA ALDEIA .FONTE: FOTO DE ÀUSTRIA

RODRIGUES BRITO/ JAN DE 2012. .............................................................................................192

FIGURA 26 – ROMPRÉ CONFECCIONANDO A PETECA COM A PALHA DE MILHO

PARA A BRINCADEIRA COM OS MEMBROS DA COMUNIDADE. FOTO DE ÁUSTRIA

RODRIGUES BRITO/ JAN DE 2012. .............................................................................................193

FIGURA 27- MULHERES DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ PARTICIPANDO DA

BRINCADEIRA DA PETECA, NO CENTRO DA ALDEIA .FOTO DE ÁUSTRIA

RODRIGUES BRITO/JAN DE 2012. ..............................................................................................193

FIGURA 28 –MULHERES DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ PARTICIPANDO DO JOGO

DE FLECHA NO ACAMPAMENTO. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO/ JAN DE

2012. .....................................................................................................................................................193

FIGURA 29 – MULHERES DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ PARTICIPANDO DA

BRINCADEIRA DA FLECHA NO ACAMPAMENTO. .FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES

BRITO. MAIO DE 2014. ...................................................................................................................194

FIGURA 30 – HOMENS DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ PARTICIPANDO DA

BRINCADEIRA DA FLECHA NO ACAMPAMENTO. .FOTO DE ÀUSTRIA RODRIGUES

BRITO; MAIO DE 2014. ...................................................................................................................195

FIGURA 31 – PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM OS ARTESÃOS DA

COMUNIDADE KYIKATÊJÊ. FOTO DE ROMPRÉ /JAN DE 2012. .......................................195

FIGURA 32 – JÕPRARA SE PREPARANDO PARA DEGUSTAR O JABUTI NA CASCA.

FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO; JAN DE 2012. ......................................................196

FIGURA 33 - PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM A PROFESSORA DE

CULTURA E LÍNGUA JÕPRARA. FOTO DE RIKPÀRTI / JAN DE 2012. ............................197

FIGURA 34 – PROFESSORA JÕPRARA EM NOSSO TERCEIRO DIA DE ENTREVISTA .

.FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO/ JAN DE 2012. ......................................................197

FIGURA 35 - PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM JÕPRARA. .FOTO

DE RIKPÀRTI/ JAN DE 2012. .........................................................................................................197

FIGURA 36 - PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM O PROFESSOR DE

CULTURA ALACIDE. FOTO DE RIKPÀRTI/ JAN DE 2012. ...................................................198

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FIGURA 37 - PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM OS PROFESSORES

DE CULTURA PREKRÕRE E JOSE AIANARÉ KAKTITI POPRAMRE .FOTO DE MARCUS

PAULO./ JAN DE 2014. ....................................................................................................................198

FIGURA 38 - PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO COM JOSE AIANARÉ

KAKTITI POPRAMRE EM MOMENTO DE APRENDIZADO.FOTO DE MARCUS PAULO/

JAN DE 2012. .....................................................................................................................................199

FIGURA 39- “CACIQUE ZECA GAVIÃO DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ REUNIDO

COM OS PARENTES KOYAKATI, KRIAMRETIJÊ E A KYIKATÊJE (ANFITRIÃ) PARA

OUVIR A SENTENÇA POSITIVA DA JUSTIÇA REFERENTE AO CONTRATO COM A

VALE. DEPOIS DE MESES O IMBRÓGLIO FINALMENTE CAMINHA PARA UMA

SOLUÇÃO FAVORÁVEL AOS ÍNDIOS GAVIÃO DESSAS TRÊS COMUNIDADES.”

(ASCOM). FONTES: MAGNO BARROS . .....................................................................................200

FIGURA 40 – DIRETOR DA ESCOLA KYIKATÊJÊ RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI (

LÍGUIDO), ABRINDO AS ATIVIDADES DE CULTURA DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ (

REMEMORANDO ATIVIDADES DE SUA COMUNIDADE , COMO A FESTA DO TÉP

KRÃ (CABEÇA DE PEIXE). FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA KYIKATÊJÊ ..200

FIGURA 41 - DIRETOR DA ESCOLA KYIKATÊJÊ RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI ( LÍGUIDO),

DISCURSANDO PARA PROFESSORES , JOVENS, CRIANÇAS E PARA OS OUTROS

MEMBROS DA COMUNIDADE E REGISTRA A IMPORTÂNCIA DE SE PRESERVAR A

CULTURA E A LÍNGUA DE SEU POVO. FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA

KYIKATÊJÊ ......................................................................................................................................201

FIGURA 42 - DIRETOR E PROFESSOR BILÍNGUE DA ESCOLA KYIKATÊJÊ

RIKPÀRTI KÔKAPRÔTI ( LÍGUIDO), EM ATIVIDADE DE CULTURA COM AS

CRIANÇAS , JOVENS ,PROFESSORES E MEMBROS DA COMUNIDADE PARA A

CELEBRAÇÃO DO TÉP KRÃ (CABEÇA DE PEIXE). FONTE: ACERVO DA ESCOLA

INDÍGENA KYIKATÊJÊ ................................................................................................................201

FIGURA 43- MEMBROS DA COMUNIDADE CELEBRANDO A FESTA TRADICIONAL D

O TÉP KRÃ (CABEÇA DE PEIXE ) QUE FAZ PARTE DE SUA CULTURA DESDE MUITAS

DÉCADAS. FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA KYIKATÊJÊ ...............................202

FIGURA 44 : IMAGEM DE HORÂKRAJARE EM 1976, CELEBRANDO A FESTA

TRADICIONAL O TÉP KRÃ (CABEÇA DE PEIXE , NA LADEIRA VERMELHA , ANTIGA

MORADA DOS KYIKATÊJÊ . FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA KYIKATÊJÊ

..............................................................................................................................................................202

FIGURA 45– MENINAS KYIKATÊJÊ EM ATIVIDADE DE CAMPO E CELEBRAÇÃO DA

FESTA TRADICIONAL DA COMUNIDADE . FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA

KYIKATÊJÊ ......................................................................................................................................203

FIGURA 46– PESQUISADORA ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO REUNIDA COM AS

JOVENS KYIKATÊJÊ . FOTO DE MARCUS PAULO/ JUL/ 2013 ...........................................204

FIGURA 47 : ASSOCIAÇÃO INDÍGENA KYIKATÊJÊ . FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES

BRITO/ JULHO 2013 ........................................................................................................................204

FIGURA 48- PRÉDIO DA EEIEFM TATAKTI KYIKATÊJÊ, CONSTRUÍDA EM 2001.

FOTO DE ÁUSTRIA BRITO, JUL/2013 ........................................................................................205

FIGURA 49 –PLANTA DO PRÉDIO DA EEIEFM TATAKTI KYIKATÊJÊ·, CONSTRUÍDA

EM 2001. FONTE: ACERVO DA ESCOLA INDÍGENA . ...........................................................206

FIGURA 50– REFEITÓRIO EEIEFM TATAKTI KYIKATÊJÊ.FOTO DE ÁUSTRIA

BRITO/ JUL/2013 ..............................................................................................................................206

FIGURA 51 –SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL DA EEIEFM TATAKTI

KYIKATÊJÊ. FOTO DE RIANE /OUT DE 2009 .........................................................................206

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15

FIGURA 52– SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL DA ESCOLA TATAKTI

KYIKATÊJÊ·. FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO / JANEIRO DE 2013. .................207

FIGURA 53 – SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL DA ESCOLA KYIKATÊJÊ.

FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO / JANEIRO DE 2013. ............................................207

FIGURA 54 – SALA DE AULA DA EDUCAÇÃO INFANTIL DA ESCOLA I KYIKATÊJÊ.

FOTO DE ÁUSTRIA RODRIGUES BRITO / JANEIRO DE 2013. ............................................208

FIGURA 55 – EEIEFM TATAKTI KYIKATÊJÊ ( 2º PRÉDIO , VISTO DE FRENTE) ,

CONSTRUÍDO EM 2011. FOTO DE ÁUSTRIA BRITO, JUL/2013 ..........................................208

FIGURA 56 – EEIEFM TATAKTI KYIKATÊJÊ ( 2º PRÉDIO , VISTO INTERNAMANTE ).

FONTE: FOTO DE ÁUSTRIA BRITO, JUL/2013 .......................................................................209

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16

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: ETNIA POR NÚMERO DE MORADORES NA ALDEIA KYIKATÊJÊ. ............40

GRÁFICO 2- DEMONSTRATIVO DAS TRADIÇÕES CULTURAIS DA COMUNIDADE

KYIKATÊJÊ. .......................................................................................................................................47

GRÁFICO 3: SOBRE A LÍNGUA QUE APRENDEU A FALAR PRIMEIRO? ..........................96

GRAFICO 4 QUE TIPO DE LÍNGUA É MAIS FÁCIL? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA

E POR SEXO (ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ ). ..............................................127

GRÁFICO 5 COM QUEM CONVERSA EM LP? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA E POR

SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . .....................................................128

GRÁFICO 6 FALA E/ OU ESCREVE EM LI? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA E POR

SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . .....................................................130

GRÁFICO 7 COM QUEM VOCÊ CONVERSA EM LÍNGUA INDÍGENA NA SUA ALDEIA?

..............................................................................................................................................................132

GRÁFICO 8 QUAL LÍNGUA É MAIS BONITA ? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA E

POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . ...........................................134

GRÁFICO 9 PORQUE ACHA QUE A LI PODE ACABAR? RESPOSTAS POR FAIXA

ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ. ........................135

GRÁFICO 10- QUE LÍNGUA DEVE SER ENSINADA NA ESCOLA? RESPOSTAS POR

FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . ........137

GRÁFICO 11 - EM QUE LÍNGUA O PROFESSOR DEVERIA USAR COM OS ALUNOS EM

SALA ? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA

ALDEIA KYIKATÊJÊ . ....................................................................................................................138

FIGURA 12- JUSTIFICATIVA DO USO DA LÍNGUA PELO PROFESSOR- RESPOSTAS

POR FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ. 140

GRÁFICO 13 – VOCÊ ACHA QUE A LI PODE SE ACABAR? RESPOSTAS POR FAIXA

ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . .......................141

GRÁFICO 14 – POR QUE ACHA QUE A LI PODE SE ACABAR? RESPOSTAS POR FAIXA

ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . .......................142

GRÁFICO 15- QUAIS AS AÇÕES DE VITALIZAÇÃO QUE A COMUNIDADE JÁ ESTÁ

REALIZANDO PARA QUE A CULTURA E A LÍNGUA NÃO SE EXTINGA? RESPOSTAS

POR FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . 144

GRÁFICO 16- O QUE PODE SER FEITO PARA PROTEGER A LI? RESPOSTAS POR

FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . .........145

NO GRÁFICO 16, NOTAMOS QUE É IMPRESCINDIVEL A PARTICIPAÇÃO DOS

JOVENS, INTERESSSE DE TODOS, SOBRETUDO DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE

FORTALECIMENTO DA LÍNGUA INDÍGENA. COMO SE PODE OBSERVAR NO

DEPOIMENTO SEGUINTE: ...........................................................................................................146

GRÁFICO 17 - COMO A COMUNIDADE PODE AJUDAR NA PRESERVAÇÃO DA

LÍNGUA INDÍGENA ? RESPOSTAS POR FAIXA ETÁRIA E POR SEXO POR

ENTREVISTADOS NA ALDEIA KYIKATÊJÊ . ..........................................................................147

GRÁFICO 18: SOBRE O ENGAJAMENTO DO BRANCO COM A COMUNIDADE? .........160

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17

GRAFICO 19- SOBRE O CONHECIMENTO DOS MITOS TRADICIONAIS DOS

KYIKATÊJÊ . ....................................................................................................................................160

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 A HIPÓTESE DO TRONCO MACRO-JÊ DE RODRIGUES (1999) ......................53

QUADRO 2 TRECHO DO LIVRO “OS CANTOS DE CAÇADOR” EM PARKATÊJÊ E

OUTRAS LÍNGUAS ............................................................................................................................62

QUADRO 3- NÍVEL DE FALANTES, LEMBRANTES E APRENDIZES POR GERAÇÃO ..131

QUADRO 4: DISTRIBUIÇÃO DAS ATIVIDADE DE SALA DE AULA E CAMPO (CF.

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2011, P. 42) ....................................................................154

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1- NÚMERO DE ENTREVISTADOS POR SEXO NA ALDEIA KYIKATÊJÊ ......125

TABELA 2 - NÚMERO DE ENTREVISTADOS POR FAIXA ETÁRIA ....................................126

TABELA 3 - NÚMERO DE ENTREVISTADOS POR FAIXA ETÁRIA NA ALDEIA

KYIKATÊJÊ ......................................................................................................................................126

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................23

1.2 JUSTIFICATIVA..............................................................................................................................23 1.3 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO ..................................................................................26 1.4 CONTRIBUIÇÕES DA PRESENTE TESE ............................................................................................26 1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .............................................................................................27

1.5.1 Pesquisa qualiquantitativa ....................................................................................................27 1.6 OS DADOS .....................................................................................................................................28

1.6.1 Etapa I: Aplicação dos questionários ....................................................................................29 1.6.2 Etapa II: as entrevistas ..........................................................................................................31

1.7 ORGANIZAÇÃO DA TESE ..............................................................................................................32

CAPÍTULO I ........................................................................................................................................34

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O POVO GAVIÃO-JÊ .................................................34

1.1 O POVO GAVIÃO-JÊ E SUA LOCALIZAÇÃO .............................................................................34 1.2 A HISTÓRIA DE CONTATO INTERÉTNICO DO POVO GAVIÃO-JÊ, COM FOCO ESPECIAL NO

KYIKATÊJÊ ..........................................................................................................................................36 1.3 A ATUAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA DOS KYIKATEJÊ COMO FATOR FORTALECEDOR DO DUELO DE

LÍNGUAS EM CONTATO .......................................................................................................................38 1.4 A CISÃO ENTRE OS KYIKATÊJÊ .....................................................................................................40 1.5 BREVES OBSERVAÇÕES SOBRE AS TRADIÇÕES CULTURAIS KYIKATÊJÊ ............................41

CAPÍTULO II .......................................................................................................................................53

2 OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE AS VARIEDADES LINGUÍSTICAS FALADAS

PELO POVO GAVIÃO DO PARÁ ....................................................................................................53

2.1- SOBRE A LÍNGUA DOS GAVIÃO-JÊ .............................................................................................53 2.1.1 Sobre a perda gradativa da língua original dos Gavião-Jê....................................................56

2.2 SOBRE AS PESQUISAS REALIZADAS COM A VARIEDADE LINGUISTICA DOS GAVIÃO- JÊ ..............57 2.2.1 As pesquisas da profa. Dra. Leopoldina Maria Souza de Araújo .........................................57 2.2.2 Os estudos da Profa. Dra. Marília de Nazaré de Olivieira Ferreira .....................................64 2.2.3 A pesquisa da Dra. Profa. Eliane Machado Soares .............................................................68

CAPÍTULO III .....................................................................................................................................69

3 CONTATO LINGUÍSTICO, OBSOLESCÊNCIA, POLÍTICA E PLANEJAMENTO PARA

FORTALECIMENTO DE LÍNGUAS INDÍGENAS ........................................................................69

3.1- COMO OCORRE E COMO SE CARACTERIZA A MORTE DE UMA LÍNGUA? POR QUE DEVEMOS NOS

PREOCUPAR? O QUE PODE SER FEITO? ..............................................................................................70 3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA LINGUÍSTICA E PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO ......80

3.2.1 Política Linguística e Planejamento Linguístico. Que medidas tomar para se arquitetar uma

política linguística pró-língua minoritária? ...................................................................................81 3.2.2 Planejamentos Linguísticos ..................................................................................................86

CAPÍTULO IV .....................................................................................................................................88

4 LINGUA, ATITUDES LINGUÍSTICAS E PROCESSOS IDENTITÁRIOS DOS SUJEITOS 88

CAPÍTULO V .......................................................................................................................................95

5 EXPERIÊNCIAS DE VITALIZAÇÃO DE LÍNGUAS INDÍGENAS: ALGUNS CAMINHOS

PARA O FORTALECIMENTO .........................................................................................................95

5.1 ETAPAS DE ―REVITALIZAÇÃO‖ .....................................................................................................99

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21

5.2 DIFERENTES ABORDAGENS DA PRÁTICA DE ―REVITALIZAÇÃO‖ ................................................100 5.3 MODOS DE INCENTIVAR E DESENVOLVER UMA LÍNGUA EM EXTINÇÃO ......................................103

5.3.1 Como então encorajar os falantes a trazer sua língua de volta? .........................................104 5.4 AS MUDANÇAS LINGUÍSTICAS ....................................................................................................104 5.5 AS VARIEDADES DE LÍNGUAS .....................................................................................................105 5.6 O DESENVOLVIMENTO DE VOCABULÁRIO ..................................................................................108 5.7 SOBRE AS METODOLOGIAS APLICADAS AO ENSINO DE LÍNGUAS ...............................................109

5.7.1 Outros métodos de ensino...................................................................................................110 5.7.2 Uma experiência de projeto de fortalecimento da língua com os Karajá ...........................113

5.7.2.1 Perfil sociolinguístico das comunidades .....................................................................114 5.7.2.2 Espaços de usos da língua Karajá ...............................................................................115

5.8 SOBRE OS PROJETOS DE FORTALECIMENTO DA ALDEIA KYIKATÊJÊ DE ACORDO COM O PROJETO

POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA KYIKATÊJÊ ..........................................118 5.8.1 Cultura e ensino da Língua Kyikatêjê ................................................................................118

5.8.1.1 Alguns projetos elaborados e concluídos no período de (2004-2005) ........................118 5.8.1.2 Sobre a ―coexistência das duas línguas‖ - Língua portuguesa e língua Kyikatêjê ......120

CAPÍTULO VI ...................................................................................................................................123

6 - O PERFIL SOCIOLINGUISTICO DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ: DESCRIÇÃO E

ANÁLISE DOS RESULTADOS .......................................................................................................123

6.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ............................................................................................123 6.2 ETAPAS DA PESQUISA .................................................................................................................123

6.2.1 Etapa I .................................................................................................................................123 6.2.2 Etapa II ...............................................................................................................................124

6.3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA ETAPA I .................................................................125 6.3.1 Situação do contexto atual da língua Kyjkatêjê: atitudes, usos, comportamento linguístico e

as ações políticas de vitalização entre os Kyikatêjê ....................................................................125 6.3.2 Atitudes dos falantes Kyikatêjê sobre o uso e funções da língua indígena e do Português 127 6.3.3- Sobre a obsolescência da língua na comunidade...............................................................141 6.3.4- Sobre as atitudes de vitalização da língua indígena ..........................................................144

6.4.1.1 Sobre a história de vida dos entrevistados e como se tornaram educadores: ..............149 Jõprara Kwykre Tahoti ................................................................................................................149 Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco) ..........................................................................................150 Rikpàrti Kôkaprôti .......................................................................................................................150 Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco) ..........................................................................................155

6.4.1.3 Sobre o ensino-aprendizagem da língua indígena e os instrumentos usados na aplicação

das atividades. .........................................................................................................................156 Jõprara Kwykre Tahoti ................................................................................................................157 Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco) ...........................................................................................158 Prekrôti Amjererê Jokahinti.........................................................................................................158 Rikpàrti Kôkaprôti .......................................................................................................................159

6.4.1.4 Com relação à cultura tradicional oral (mitos, história) dos Kyikatêjê .......................160

CONCLUSÃO ....................................................................................................................................162

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................164

ANEXOS .............................................................................................................................................172

ANEXO A – QUESTIONÁRIOS .......................................................................................................172 Questionário 1 Observação e levantamento dos usos linguísticos no âmbito familiar ..............172 Questionário 2 Mapeamento das atitudes linguísticas .................................................................173 Questionário 3 Planejamento linguístico e ações de vitalização da língua ..................................174 Questionários 4 Mapeamento no âmbito dos aspectos culturais .................................................175

ANEXO B – ENTREVISTAS ..........................................................................................................177

COM OS PROFESSORES......................................................................................................................177

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22

COM O DIRETOR DA ESCOLA ............................................................................................................178

ANEXO C – DOCUMENTOS DA ESCOLA .................................................................................179

ANEXO D – FIGURAS....................................................................................................................187

.....................................................................................................................................................204

APÊNDICE 1- TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ................................................................210

Com a professora de língua e cultura Jóprara Kwykre Tahoti ...................................................210 Com o professor de língua e cultura Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco) .................................212 Com o professor de cultura Prekrôti Amjererê Jokahinti ............................................................214

APÊNDICE 2 – TRANSCRIÇÃO DE ALGUMAS RESPOSTAS DADAS PELOS JOVENS

POR O CASIÃO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO 2 ......................................................223

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1 INTRODUÇÃO

Esta tese de doutorado trata de atitudes sociolinguísticas da comunidade indígena

Kyikatêjê em relação ao Português e a variante Kyikatêjê, em um estágio do contato em que a

segunda tem drasticamente tomado o lugar da primeira. O Kyikatêjê é uma das variedades do

complexo Timbira, família Jê, tronco Macro-Jê (RODRIGUES 1989, 1999), falada na

Reserva Indígena Mãe Maria, localizada no Município de Bom Jesus do Tocantins, Sudeste

do Estado do Pará. A outra variante dessa língua é o Parkatejê. O estudo foi concebido sob um

enfoque teórico-metodológico da Sociolinguística, voltado para as relações língua e

identidade, perda de língua e fortalecimento, em situações de línguas em contato.

Por eleger como tópico principal as atitudes sociolinguísticas dos falantes,

priorizamos, como referências fundamentais os estudos de Hinton (2001a, 2001b, 2001c),

Fishman (1999), Maher (2007), e Monserrat (2006), por esses estudiosos focalizarem nos

respectivos trabalhos questões pertinentes à realidade dos Kyikatêjê e por fornecerem

fundamentos orientadores de um trabalho da natureza que aqui desenvolvemos. Neste sentido,

foram também fundamentalmente importantes os depoimentos dos entrevistados, sem os quais

esta tese não atingiria os seus objetivos. Eles foram a base do diagnóstico sobre o uso de uma

ou de outra língua com a reflexão que fazem de suas próprias atitudes.

O presente estudo levou em consideração a necessidade de um retorno à comunidade

Kyikatêjê, para que não se resumisse a mais um diagnóstico sobre atitudes indígenas relativas

à sua situação sociolinguística, razão pela qual os resultados desta tese foram organizados de

forma a contribuir, para futuras discussões sobre o papel da escola no fortalecimento da língua

nativa, junto à comunidade Kyikatêjê.

1.2 JUSTIFICATIVA

A ideia de uma tese de doutorado dessa natureza decorreu da necessidade de

colocarmos em discussão como se dá na prática o uso das duas línguas - o Português e o

Kyikatêjê, nesta comunidade (traçando o perfil sociolinguístico dos usos e funções da língua),

visto se tratar de uma aldeia praticamente urbana onde o português é a língua oficial para

todos os fins.

Nosso interesse por essa comunidade surgiu em 2009, quando um professor de língua

nativa da aldeia Kyikatêjê, o professor Rikpàrti Kôkaprôti, foi à UNIFESSPA (Universidade

Federal do Sul e Sudeste do Pará, localizada no município de Marabá- PA), a fim de solicitar

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24

um apoio quanto a questões relacionadas ao ensino de sua língua, posto que ele entendia que o

ensino de línguas não estar pautado em aspectos relevantes para a função social das duas

línguas: o Português e o Kyikatêjê. Pediu-nos para assistir a aulas que, de alguma maneira,

pudessem lhe dar alguns subsídios para a compreensão de teorias e metodologias propícias ao

uso das duas línguas tanto na comunidade como na escola, ajudando-o a criar alternativas que

possam ―animar‖ as crianças, jovens e adultos a ampliar os contextos de interação da língua

indígena nos espaços da aldeia.

Acolhemos, assim, o professor indígena, formador indígena na sua aldeia, que tinha

interesse em enriquecer sua atuação na Escola Indígena Kyikatêjê. Após alguns meses de aula

na Faculdade de Estudos da Linguagem (FAEL), fomos convidados pelo docente a visitar a

escola da aldeia, e a conhecer as lideranças e os professores. Sensibilizados, fomos visitá-lo e,

a partir de algumas observações iniciais (algumas gravadas em vídeo), pudemos, juntos,

levantar a hipótese de que a ineficácia a que se referia Rikpàrti Kôkaprôti era resultante da

ausência de proposta curricular que considerasse a situação sociolinguística dos indígenas,

sobretudo estratégias e metodologias que visassem fortalecer o papel da língua nativa naquela

sociedade. Vimos que o modelo de educação escolar ―plantada‖ na matriz da Secretaria da

Educação (SEDUC) não atendia aos anseios da comunidade; que o currículo utilizado pelos

professores é o mesmo das escolas não indígenas, o que vai de encontro a uma educação

realmente indígena. Vimos também que a criação de estratégias e métodos criados pela

própria comunidade pode ser uma forma de intervenção no fortalecimento da língua dos

Kyikatejê. Finalmente, vimos que, por meio de medidas educativas construídas com a

comunidade Kyikatêjê, é possível a construção de um currículo bilíngue.

Diante da preocupação de Rikpàrti Kôkaprôti, sentimos que deveríamos intervir no

sentido de contribuir para a discussão de uma escola voltada para os anseios do povo

Kyikatêjê, reunindo argumentos e sistematizando-os de forma que servissem para

fundamentar as suas reivindicações de uma escola preocupada com o ensino da língua

materna, com o seu fortalecimento e em reverter o processo de extinção a que a ameaça.

Sabemos que desde a história de colonização linguística os povos indígenas tiveram

suas línguas substituídas pelas línguas majoritárias, em que foram forçados a usar o Português

mais do que a língua nativa, e o contexto escola, que surge do próprio contato, não considerou

as ameaças sofridas pela língua nativa, e até o presente não se criou medidas educativas no

âmbito da educação escolar indígena que desse conta de uma política linguística de

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valorização da língua indígena, de forma que nenhuma providência foi tomada para que ela

servisse de eixo fortalecedor da língua e cultura do povo1.

Uma das questões que consideramos, desde o início do nosso projeto de pesquisa, é a

problemática do convívio de duas línguas em uma sociedade como a do povo Kyikatêjê.

Calvet (2002) afirma que a língua não é algo como um martelo ou como um serrote,

instrumentos que são utilizados e logo em seguida são guardados, como se, em algum

momento, pudéssemos nos desvencilhar deles. Para Calvet,

existe todo um conjunto de atitudes, de sentimentos dos falantes para com

suas línguas, para com as variedades de línguas e para com aqueles que as

utilizam, que torna superficial a análise da língua como simples instrumento.

(CALVET, 2002, p. 65).

Nesse sentido, a língua Kyikatêjê não pode ser guardada e esquecida, enquanto o

Português se difunde cada vez mais, por meio das novas gerações, principalmente dos

homens, pois esses são os que têm contato mais intenso com os não índios. Há também que se

considerar o fato de que uma língua deve ser entendida como instrumento cultural (Everett,

2012) e meio de interação social, resultante da ação e interação de sujeitos, mudando com o

passar dos tempos e com o contexto.

Desse modo, torna-se evidente que um ensino de línguas que não parta dessas

premissas se tornará inócuo, no sentido de que não estará cumprindo o seu verdadeiro papel,

que é o de favorecer a comunidade escolar uma aprendizagem relevante para as relações

sociais.

Com base nessa realidade, construímos uma proposta de trabalho com o principal

objetivo de analisar alguns aspectos da situação sociolinguística dos Kyikatêjê, focalizando as

atitudes destes com relação às duas línguas - Português e Kyikatêjê.

Estabelecemos os seguintes objetivos específicos:

• Reunir elementos que caracterizem as atitudes sociolinguísticas dos Kyikatêjê para

alimentar as discussões sobre o ensino das duas línguas na escola da aldeia de modo

que a língua indígena seja transmitida como primeira língua.

• Refletir sobre as causas do que tem levado a variante Kyikatêjê à extinção.

1 Conforme o resultado da aplicação dos questionários (capítulo VI) ficou-nos claro que a escola não está a par

de aspectos sociolinguísticos relevantes para um ensino de línguas mais efetivo.

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• Reunir, dos discursos dos Kyikatêjê sobre a sua realidade sociolinguística elementos

que possam ser norteadores de futuros planejamentos linguísticos para a escola e para

a comunidade Kyikatêjê.

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Este estudo é de natureza interdisciplinar com: (1) um viés sociolinguístico, voltado

para política e planejamento linguísticos, visando ao fortalecimento de línguas e culturas

com base em Calvet (2007), Maher (2007, 2008), Hinton (2001a), Fishman (1999), Rodrigues

(2000) e Monserrat (2006); 2) Contato linguistico, obsolescência, atitude relativa à

dicotomia língua e identidade, considerando a situação de uso da língua Kyikatêjê e visando

identificar as atitudes linguísticas 2 da comunidade Kyikatêjê em relação à sua língua

indígena. Nesse sentido, foram fundamentais os estudos de Hinton (2001a, 2001b, 2001c,);

Maher (2007), Seky (1984) Crystal (2000), Thomason (2001). 3) Experiências de

fortalecimento linguístico no Brasil e em outros países, visando reunir elementos que

mostrem caminhos a ser seguido pela Escola e pela comunidade Kyikatêjê com vistas ao

fortalecimento de sua língua materna. Deste modo utilizou-se de Hinton (2001 a), Tsitsipis

(1992), Haugens (1992) in Dorian (1992 Pimentel da Silva (2009).

1.4 CONTRIBUIÇÕES DA PRESENTE TESE

Esta tese foi pensada para servir de instrumento à comunidade Kyikatêjê para que

vejam de fora para dentro o perfil sociolingüístico de sua comunidade, suas atitudes sobre

usos e funções das duas línguas – o Português e o Kyikatêjê. Dessa forma, os resultados desta

tese poderão oferecer-lhes subsídios para a reflexão sobre o grau /estágio de obsolescência de

sua língua, ajudando-os a pensarem sobre medidas educativas de intervenção de um ensino

bilíngue por imersão (considerando os vários contextos de aprendizado que os Kyikatêjê

usam), e contribuindo para as discussões da comunidade sobre o desenvolvimento de política3

e planejamentos linguísticos voltadas para o fortalecimento da sua língua e cultura. Com a

presente tese, vimos ser possível também estimular a criação de estratégias e metodologias de

2 Quanto ao conceito de atitudes linguísticas, est levando em consideração as proposições de Miranda (2014,

p.24) fundamentado em Lambert (1967) Cargile et al. (1994) que entendem que a atitude é, ao mesmo tempo:

cognitiva, porque implica crenças sobre o mundo; afetiva, porque possui sentimento sobre o objeto; de natureza

comportamental, porque estimula certas ações. 3 A política que estamos referindo aqui, não é uma política de resultado, mas uma política de construção com a

comunidade indígena Kyikatêjê.

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uso da língua indígenas em vários espaços biossociais, com fito de garantir que essa língua

volte a ser transmitida intergeracionalmente.

1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

A presente pesquisa seguiu as seguintes etapas: (1) pesquisa bibliográfica, já citada

no referencial teórico; (2) pesquisa qualitativa e quantitativa que chega aos seus resultados por

meio da aplicação dos questionários e entrevistas junto aos representantes da comunidade

Kyikatêjê (3) descrição e análise dos questionários, a partir da qual traçamos o perfil

sociolinguístico com o auxílio de gráficos estatísticos; (4) recorte de algumas falas dos

entrevistados, com o intuito de descrever as atitudes destes diante da língua indígena e do

português (maiores detalhes da metodologia serão dados no capítulo VI).

1.5.1 Pesquisa qualiquantitativa

Por se tratar de uma pesquisa inserida no âmbito das ciências humanas e sociais,

apoiamo-nos numa proposta transdisciplinar, aglutinando pesquisas qualitativas e

quantitativas. A seguir pontuamos os objetivos de nossa pesquisa e justificamos o uso dos

métodos quantiqualitativos, bem como as fases que identificam o fazer de nossa pesquisa.

De acordo com os autores Denzin & Lincoln (2006:23)

(...) Os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza socialmente

construída da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é

estudado, e as limitações situacionais que influenciam a investigação. Esses

pesquisadores enfatizam a natureza repleta de valores da investigação.

Buscam soluções para as questões que realçam o modo como a experiência

social é criada e adquire significado. Já os estudos quantitativos enfatizam o

ato de medir e de analisar as relações causais entre variáveis, e não

processos. Aqueles que propõem esses estudos alegam que seu trabalho é

feito a partir de um esquema livre de valores.

A pesquisa qualitativa tem um caráter ―transdisciplinar e, às vezes, contradisciplinar,

que atravessa as humanidades, as ciências sociais e as ciências físicas. ―A pesquisa qualitativa

é muitas coisas ao mesmo tempo‖ (DENZIN e LINCOLN, 2006, p: 21). Em outras palavras,

esse tipo de pesquisa possui ―(...) um foco multiparadigmático. ―Seus praticantes são

suscetíveis ao valor da abordagem de múltiplos métodos, tendo um compromisso com a

perspectiva naturalista e a compreensão interpretativa da experiência humana.‖ Para os

autores (Idem.), esse tipo de pesquisa situa-se em um campo ―inerentemente político e

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influenciado por múltiplas posturas éticas e políticas.‖ A pesquisa qualitativa caracteriza-se,

assim, por uma visão ―interpretativa, pós-experimental, pós-moderna, feminista e crítica‖.

As perguntas que orientam a nossa pesquisa são as seguintes: a) Como se dá na

prática, o uso das duas línguas – o Português e o Kyikatêjê (com quem se fala, o que se fala,

que língua, para quem e onde sefala)? b) Quais as atitudes da comunidade Kyikatêjê face às

duas línguas? c) O que essas atitudes revelam sobre a manutenção ou deslocamento dessas

línguas na comunidade em que vivem?

Deste modo, para a sistematização dos dados de nossa pesquisa optamos pela

utilização dos métodos de pesquisa quantitativa e qualitativa. Na abordagem qualitativa,

torna-se necessária a identificação de muitos fatos e ocorrências do mesmo fenômeno, a fim

de conferir maior confiabilidade à análise. Simultaneamente, os dados quantitativos foram

interpretados à luz das informações qualitativas observadas durante a pesquisa. Dessa forma,

durante a pesquisa utilizamos mais de um procedimento para a coleta de dados e informações,

visando esclarecer e validar o material colhido, como será demonstrado no capítulo VI.

Por outro lado, a pesquisa quantitativa nos ajudará traduzir nossos dados em

números, para posteriormente classificá-los e organizá-los em gráficos estatísticos, como

veremos a seguir, a fim deixar mais concretas as conclusões apresentadas.

1.6 OS DADOS

Os dados foram gerados a partir de duas etapas, a saber:

Etapa I- aplicação de questionários, em que foi possível traçar o perfil

sociolinguístico da comunidade Kyikatêjê (atitudes e o comportamento da comunidade diante

do uso da Língua indígena e da Língua Portuguesa);

Etapa II- aplicação das entrevistas gravadas com os professores de língua e

cultura da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Tatakti Kyikatêjê

(EEIEFM), o que possibilitou recortes de falas dos professores entrevistados com o intuito de

saber sobre a sua história como professor, suas práticas no âmbito do ensino-aprendizado da

língua indígena na aldeia (as transcrições completas das entrevistas dos sujeitos da pesquisa

estão no apêndice, ao final desta tese).

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Com relação ao tempo que permaneci em atividade de campo, podemos dividí-lo

também em duas etapas:

–2009 – marca nosso primeiro contato com a comunidade Kyikatêjê;

–2013 a 2014 – meses de junho e julho de 2013 e janeiro, junho e julho de 2014,

quando se realizou a pesquisa de campo junto à comunidade Kyikatêjê. Durante cinco (5)

meses realizei a coleta de dados, por meio de aplicação de quatro (4) questionários e cinco (5)

entrevistas, em idas intermitentes à aldeia.

A seguir faremos a descrição detalhada de cada instrumento metodológico para que

possamos mostrar o passo a passo do desenvolvimento de nossa pesquisa.

1.6.1 Etapa I: Aplicação dos questionários

Os questionários sociolinguísticos utilizados são de autoria de Maher (2007), os

quais foram fundamentados em Fishman (1967). Para a realização de nossa pesquisa,

utilizamos quatro (4) questionários, que foram adaptados à realidade sociolinguística e

cultural da comunidade indígena Kyikatêjê. Todos os questionários aplicados objetivavam a

obtenção de elementos que caracterizem as atitudes sociolinguísticas dos usos das línguas em

contato – o Português e o Kyikatêjê, com o intuito de registrar as funções sociais que elas

desempenham nos contextos situacionais da comunidade indígena.

No levantamento de janeiro de 2014, de um total de 142 indivíduos, selecionamos 47

indivíduos para a pesquisa.

A seguir, apresentamos os objetivos da aplicação dos questionários, a fim de obter

uma melhor compreensão dos aspectos sociolinguísticos que envolvem a comunidade em

questão, assim como suas atitudes em relação às duas línguas – o Kyikatêjê e Português.

O primeiro questionário, anexo, objetivou o registro dos vários contextos de uso da

língua indígena e língua portuguesa nas relações de interação com os integrantes da

comunidade. Visitei 36 casas e aplicamos o questionário a cada representante da família

(pertencente a primeira e segunda gerações). Nossa intenção era aplicar com todos os

integrantes da família, mas, em virtude de grande parte destes não se encontrar na ocasião,

decidimos fazer apenas com o chefe da família. As visitas nas casas eram previamente

agendadas, respeitando os horários combinados com as famílias (de manhã e de noite).

O tempo destinado para o preenchimento dos questionários variou de 50 minutos a 1

hora. Conseguimos visitar até quatro famílias por dia. Durante 28 dias aplicamos o

questionário junto às famílias. Em junho de 2013 (14 dias) e em julho de 2013 (14 dias).

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Já os questionários 2, 3 e 4 foram aplicados no período de janeiro e junho de 2014,

junto a um grupo de 47 sujeitos selecionados dentro do universo de 142 moradores da aldeia,

representando um percentual de 33% da população local. Os questionários foram aplicados a

cinco faixas etárias, a saber: 8-12, 13-30, 31-45; 46-60 e mais de 60, com fito de apreender a

situação sociolinguística de homens e mulheres de diversas idades; consideramos também o

aspecto de gênero, contemplando sujeitos dos sexos femininos e masculinos. Observando a

idade e sexo buscamos dividir o número de entrevistados de forma equitativa entre as

categorias analisadas, como será observado no capítulo VI.

O segundo questionário (Anexo A) versa sobre perguntas de caráter subjetivo,

específicas para avaliar as atitudes linguísticas em relação ao Kyikatejê e ao Português. Essas

perguntas buscavam verificar: a) a (s) língua (s) falada (s) pelo sujeito na infância com os

familiares, e no presente; b) a percepção e avaliação do sujeito em relação à Língua indígena e

a Língua portuguesa (qual língua é mais bonita, se prefere falar em Língua indígena ou em

Língua portuguesa, e qual destas línguas se utiliza mais nas interações intragrupo e

intergrupo); c) o posicionamento do sujeito em relação ao seu uso em lugares públicos ou à

sua aprendizagem na escola; e) a avaliação do sujeito em relação à sua língua indígena – se

corre o risco de ser extinta, se há ações da comunidade em vista a vitalização4 da língua

indígena.

O terceiro questionário (Anexo A) versa sobre perguntas objetivas, específicas para

avaliar o conhecimento da comunidade sobre suas práticas tradicionais e culturais. Essas

perguntas possuem duas opções – sim ou não, citação e descrição do que era perguntado. As

perguntas, de uma maneira geral, buscavam verificar: a) se os Kyikatêjê sabiam ou não

descrever um mito, uma festa tradicional, uma comida típica (se sabiam o modo de preparo),

sobre o significado das pinturas, se conheciam algumas cantigas, dentre outros.

O quarto questionário (Anexo A) tinha por objetivo registrar o que pensam os

Kyikatêjê sobre as ações políticas de fortalecimento da Língua indígena. Possuía questões de

caráter subjetivo e objetivo. As perguntas, de forma geral, buscavam verificar os seguintes

aspectos: a) as atitudes dos Kyikatêjê em relação a sua língua, bem como as ações já

realizadas pelas lideranças no sentido de vitalização lingüística de sua língua; b) o que

pensam os Kyikatêjê sobre a organização política e sócio-econômica da aldeia (que melhorias

desejam para a comunidade); c) com relação ao uso das línguas- o Português e o Kyikatêjê, o

que desejam no âmbito ensino-aprendizagem para a comunidade.

4 O uso que fazemos da palavra vitalização é o mesmo que faz Hinton (2001) da expressão revitalização.

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A aplicação dos referidos questionários foi individual e a seleção dos sujeitos

obedeceu à faixa etária e ao sexo, mas foi feita com a assessoria dos professores da

comunidade. Na ocasião perguntei se o sujeito queria ou não fazer parte da amostragem de

nossa pesquisa. As crianças e os jovens eram entrevistados em momentos de descontração no

acampamento da aldeia, quando estavam em brincadeiras (jogando futebol, jogando flecha).

Alguns adultos aceitavam ser entrevistados no acampamento, e outros preferiam que os

questionários fossem perguntados em casa. As idas às casas também eram feitas com

agendamento prévio. O melhor horário para falarmos com os homens era pela parte da noite,

já às mulheres tinham mais tempo de nos atender, assim as visitas aconteciam pela manhã e

muito raramente à tarde, pois a comunidade reservava esse horário para descansar.

O tempo destinado ao preenchimento de cada questionário variou de vinte (20) a

trinta (30) minutos. Por dia, conseguimos aplicar o questionário com até cinco (5) pessoas.

Levamos trinta (30) dias em idas intermitentes à aldeia para concluir os questionários

supracitados.

1.6.2 Etapa II: as entrevistas

As entrevistas foram colhidas durante a nossa permanência na aldeia no período de

julho de 2014 também com idas intermitentes à aldeia. Estas entrevistas foram realizadas com

quatro (4) professores de língua e cultura5 da comunidade Kyikatêjê e com o diretor da escola

(Ver anexo B, roteiro das entrevistas). Na ocasião, conversamos bastante com os membros da

comunidade para identificar os anseios do grupo no que se refere ao processo de

fortalecimento da língua, a cisão ocorrida em 2012 com o grupo, dentre outros, o que nos

permite comparar e interpretar as respostas dadas em diferentes momentos e situações.

As entrevistas foram semi-estruturados (com roteiros pré-definidos que incluíram o

que se queria perguntar aos entrevistados). O roteiro das entrevistas possui perguntas fechadas

e abertas, de forma que o entrevistado tinha a possibilidade de discorrer sobre o tema

proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador. A seguir descrevemos os

objetivos das entrevistas e apresentamos o roteiro das perguntas. Ao todo fizemos 4 (quatro)

entrevistas com os professores de língua e cultura. E como um dos professores era o diretor da

escola, aplicamos uma entrevista com perguntas diferenciadas ao mesmo (Anexo B, roteiro

das entrevistas). A entrevista com o diretor durou 90 minutos (1hora e 30 minutos) e as

5 O termo ― professor de língua e cultura‖ é a forma designada pelos Kyikatêjê para se referir ao professor

indígena que é falante da língua e ainda para se referir ao professor indígena que possui conhecimento sobre a

língua materna (lembradores da língua), tema que será discutido com mais detalhes no Capítulo III.

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entrevistas com os professores duraram aproximadamente duas horas. O diretor e os

professores permitiram a divulgação de suas identidades. Assim, serão identificados no corpo

de nossa pesquisa pelos seus referidos nomes.

As entrevistas com os professores de cultura e com o diretor da escola foram feitas

nas suas residências com agendamento prévio. No momento da entrevista utilizamos

gravações em áudio e transcrições posteriores das falas dos sujeitos. (Ver Apêndice 1)

A entrevista com os professores de cultura tinha como objetivo conhecer a história de

vida de cada professor, sua formação, tempo de formação, idade, sexo, escolaridade e

algumas informações subjetivas sobre o seu conhecimento e aprendizado na língua Kyikatêjê

e usos e metodologia de ensino no processo ensino-aprendizagem da língua nativa.

A entrevista com o diretor da escola Rikpàrti Kôkaprôti objetivou saber a opinião do

líder sobre a escola que desejam os Kyikatêjê e quais as atitudes linguísticas do seu povo com

respeito às duas línguas (Português e Kyikatêjê).

Para avaliar os dados qualitativos e quantitativos sobre a atitude e comportamento

lingüístico dos participantes, desenvolvemos uma pesquisa sociolinguística com o intuito de

levantar dados junto as lideranças, professores, alunos e outros membros para um diagnóstico

da situação de uso, dos comportamentos e das atitudes face à língua Kyikatêjê. Por fim, os

dados obtidos foram organizados em gráficos e a descrição do desenvolvimento da

metodologia pode ser vista no Capítulo VI, onde apresentamos a descrição e análise dos

questionários e entrevistas.

1.7 ORGANIZAÇÃO DA TESE

A presente tese está constituída de uma introdução, em que apresentamos o objeto de

estudo, os contornos gerais da pesquisa e os seus objetivos. Em seguida apresentamos a

justificativa, em que esclarecemos as motivações empíricas e as contribuições teóricas do

presente estudo para a comunidade Kyikatêjê. Apresentamos ainda as bases teórico-

metodológicas que norteiam a nossa pesquisa, destacando com detalhes os instrumentos

utilizados e os procedimentos adotados durante a realização da pesquisa de campo.

No capítulo I apresentamos a história de contato do Povo Gavião-Jê discorrendo de

um modo geral sobre a política de contato e os vários fatores que levaram os Kyikatêjê a

enfraquecerem o uso de sua língua.

No capítulo II descrevemos as pesquisas desenvolvidas sobre a variedade linguística

falada pelos Gavião - Jê, desde a década 70 até o momento.

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No capítulo III apresentamos uma discussão sobre contato linguístico, obsolescência,

política de vitalização da língua e planejamento linguísticos com o objetivo de levar

contribuições que visem o fortalecimento da língua na comunidade Kyikatêjê.

No capítulo IV trazemos uma discussão sobre atitudes linguísticas; concepção de

língua, identidade e cultura a partir de uma perspectiva dos Estudos Culturais que concebe a

linguagem como um constructo social e vê a identidade e cultura como processos móveis,

lugares não fixos, que se considera tudo aquilo que é heterogêneo e, é neste descontínuo que a

identidade e cultura emergem, em meio a uma realidade biossocial diversa, múltipla e

deslocada.

No capítulo V apresentamos uma discussão sobre algumas das poucas experiências

de fortalecimento da língua materna existente no país e outras experiências de outras partes do

mundo, buscando reunir elementos que mostrem caminhos a ser seguido pela escola local no

fortalecimento da língua nativa.

No capítulo VI apresentamos a análise dos dados, pondo em foco os resultados do

questionário sociolinguístico e das entrevistas. Discutimos os resultados da pesquisa, pondo

em evidência os anseios dos indígenas com respeito à sua língua nativa e as próprias

propostas deles para a salvaguarda de sua língua.

E finalmente apresentamos a conclusão da pesquisada realizada, em que construímos

uma discussão sobre os grupos étnicos que perdem suas línguas nativas, ou que tomam

consciência do significado das perdas para a construção e estabilidade e de sua identidade

indígena e demais perdas a elas associadas.

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CAPÍTULO I

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O POVO GAVIÃO-JÊ

1.1 O POVO GAVIÃO-JÊ E SUA LOCALIZAÇÃO

Sobre a denominação ―Gavião‖, Ricardo (1985, p.53) ressalva que Castelneau, Ayres

Carneiro, Gomes Vicente e Sá teriam sido os primeiros a tecerem comentários a respeito:

A denominação ―Gavião‖ se refere ao histórico de contato com as frentes de

expansão que começaram a invadir a área de circulação desses grupos locais

século XIX, principalmente pelo Maranhão. O termo se popularizou em

parte, pelas referências de viajantes às tribos Gavião a partir da primeira

metade do referido século. E em parte, em função dos ataques indígenas a

colonos que, dessa forma associaram-nos à ave do mesmo nome.

Arnaud (1989, p. 366) fundamentado em Curt Nimuendajú (1946) observa que por volta

da primeira metade do século XX, os ―Gaviões de Oeste‖ distribuíram-se em três grupos

indígenas dispostos em três aldeias: Parkatêjê, Kyikatêjê e Akrântikatêjê, denominações estas

que fazem referência à posição que cada grupo ocupava na Bacia do rio Tocantins. Os

Parkatêjê, (onde par é pé, jusante; katê dono; e jê é povo), "o povo da jusante". O segundo

grupo é denominado Kyikatêjê (onde Kyi é cabeça), "o povo de montante", conhecidos

também como "grupo do Maranhão". A terceira unidade, que ficou conhecida como "turma da

Montanha", conforme sua autodenominação Akrãtikatêjê (onde akrãti é montanha), ocupava

as cabeceiras do Rio Capim.

O estudo focaliza o subgrupo Gavião-Kyikatêjê de contato mais recente que foi

trazido do estado do Maranhão pelo Serviço de Proteção Indígena (SPI) no fim da década de

70, e que passaram a morar na Ladeira Vermelha6·. Posteriormente, na década de 80, por

decisão da Fundação Nacional Indígena (FUNAI) os Kyikatêjê passaram a conviver com os

Parkatêjê e com os Akrãtikatêjê, em uma única aldeia, a aldeia conhecida como Parkatêjê,

6Lugar fundamental na memória dos Kyikatêjê , onde os ―velhos‖ guardam as preciosas lembranças

da infância e onde estão sepultados familiares e parentes de muitos deles.

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localizada na Reserva Indígena de Mãe Maria (RIMM), no km 30 da BR 222, município de

Bom Jesus do Tocantins, no Sudeste do Pará, e que faz divisa com os Municípios de São João

do Araguaia e Marabá), com uma área de 62.488,4516 hectares (Cf. figura 1- imagem satélite

da Reserva Indígena de Mãe Maria).

Entretanto, em 2001, a comunidade Kyikatêjê retirou-se daquela aldeia e se instalou

em sua própria aldeia, localizada no km 25 da BR 222 (ver figura 1). Até 2010, perfaziam

aproximadamente 320 indivíduos. Com a cisão ocorrida meados de 2012, temos atualmente

142 pessoas.

Figura 1- Imagem satélite da Reserva indígena de Mãe Maria (RIMM). Fonte: Google Earth In

Fernandes (2010, p.10).

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As disposições das casas em círculo obedecem o padrão arquitetônico Timbira.

Figura 2- Imagem da aldeia Kyikatêjê- Fonte: Acervo da Escola Estadual Indígena Kyikatêjê.

1.2 A HISTÓRIA DE CONTATO INTERÉTNICO DO POVO GAVIÃO-JÊ, COM FOCO

ESPECIAL NO KYIKATÊJÊ

Considerando o que sabemos sobre a história de contato desse povo, podemos listar

os vários fatores que contribuíram para a atual situação sociolinguística da comunidade, onde

o uso do português é mais acentuado na comunidade Kyikatêjê, em detrimento da língua

nativa. Dos vários fatores implicados, ressaltamos a presença, desde a década de 50, dos não

indígenas nas vizinhanças, como: coletores de castanha, posseiros, madeireiros, fazendeiros,

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hidrelétricas, entre outros. Além disso, a proximidade com Marabá, um centro urbano em

expansão, muito propiciou o contato dos indígenas com a sociedade envolvente, fazendo com

que aqueles começassem a utilizar também a língua portuguesa como instrumento de

interação.

Ainda sobre a relação dos Gavião com a sociedade envolvente, Palha Jr (2010)

afirma que o contato dos Parkatêjê com os não indígenas teve momentos de maior

aproximação e de distanciamento

em que na década 1950 por um momento crítico onde, por uma aproximação

muito íntima com os não indígenas, houve significativa desestruturação do

povo, com saída de muitos indígenas das suas áreas para se instalarem na

cidade e em uma redução demográfica bastante acentuada, em função de

epidemias de gripe e sarampo trazidas da cidade por estes indígenas,

causando uma redução de 70% de sua população, crise demográfica só teve

seus primeiros sinais de recuperação vinte e cinco anos depois, a partir de

1975, quando adotaram medidas de tentativa de reestruturação do grupo, tais

como a concentração destes indígenas na RIMM, a reintegração dessa

comunidade que havia sido criado entre os civilizados ou no seio de outros

povos indígenas, o casamento dos homens Parkatejê com mulheres

regionais, busca de esposas entre os Pukôbjê, a incorporação de famílias ou

indivíduos de etnias indígenas não timbira e até de não indígenas, numa

política consciente de ―voltarem a ser muitos outra vez‖ (PALHA JR, 2010,

p.7) Grifo meu).

E, a partir dessa tentativa de ―tentar ser muitos outra vez‖, o contato dos indígenas

com os não indígenas vem aumentando paulatinamente nos últimos anos.

Palha Jr (2010, p. 8) afirma que os Kyikatêjê atualmente, já conseguiram alcançar

grande autonomia no que diz respeito ao protagonismo político e econômico, como o fato de

já comercializarem diretamente a castanha-do-Pará, assim como por administrarem as suas

terras sem a mediação da FUNAI. Tanto é que esse povo já possui desde 2002, uma

Associação Indígena Gavião Kyikatêjê Amtáti onde discutem e resolvem questões de

relevância social interna e externa da comunidade.

De acordo com Fernandes (2010, p.31) ―Uma das primeiras ações da gestão Kyikatêjê

da associação foi a contratação de profissionais indígenas com experiência nas atividades em

saúde, educação e desenvolvimento de projetos sustentáveis para o trabalho de

assessoramento da comunidade e da associação.‖

Desse modo, é notório que, por conta dessa historicidade marcada por um contato

étnico muito acentuado, a sociedade indígena Kyikatêjê esteja passando por um processo

contínuo de mudanças sociais que refletirão inevitável e diretamente em todos os aspectos de

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sua história futura. Por conta de toda essa conseqüência histórica do contato com o não

indígena, o povo Kyikatêjê, hoje, usa, em suas interações uma alternância de código, ora a

língua Kyikatêjê, ora a língua portuguesa, mas a primeira perdendo espaço para a segunda.

Assim, fica evidente que cabe agora à escola adaptar-se a essa nova configuração social,

marcada pela heterogeneidade étnica, ao uso de duas línguas que, com efeito, exige que se

pontue a questão de ‗quando‘ e ‗em que situação‘ usar uma ou outra língua.

1.3 A ATUAÇÃO POLÍTICO-ECONÔMICA DOS KYIKATEJÊ COMO FATOR

FORTALECEDOR DO DUELO DE LÍNGUAS EM CONTATO

Como já dissemos, em 2001 os Kyikatêjê reivindicaram o direito à sua própria aldeia

e se instalaram a cerca de 40 km da cidade de Marabá. E como parte das ações de organização

da nova aldeia, os Kyikatêjê organizaram sua Associação Indígena Gavião Kyikatêjê Amtáti.

De acordo com Fernandes (2010, p.30) ―as lideranças Kyikatêjê contrataram os

serviços da Organização Não Governamental (ONG), Extensão Amazônia, para o

gerenciamento da associação da comunidade, contratação que propicia ainda mais o contato

dos indígenas com a sociedade não indígena. Com sede no município de Marabá, distante

aproximadamente 40 km da aldeia, a ONG administrava os recursos repassados pela

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)‖. As lideranças constataram que a referida ONG não

mostrava idoneidade no tocante à administração da indenização referente ―aos impactos

causados pela passagem da Estrada de Ferro Carajás que escoa a produção de minério de ferro

da Serra de Carajás‖ (FERNANDES, 2010, p.30) e, uma vez que também ―interferiram

diretamente na forma de liderança tradicional, aliciando possíveis defensores e fomentando o

isolamento dos que fossem contrários à política administrativa que desejavam implantar‖.

Desta feita, a comunidade Kyikatêjê demitiu a equipe que atuava na resolução de questões

administrativas relativas à comunidade, passando assim a assumir ela mesma, por meio de

representantes escolhidos, a gerência da Associação.

Desse modo, as lideranças Kyikatêjê tornam-se protagonistas de suas ações,

reassumindo a administração da Associação e, em 2004, ―transferem a sede da mesma da

cidade de Marabá para o interior da aldeia, apostando agora na qualificação dos próprios

Kyikatêjê e de profissionais indígenas de outras etnias para o gerenciamento das atividades‖

(FERNANDES, 2010, p.31), fator que acentua mais ainda o uso do português brasileiro.

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Fernandes esclarece que a Associação indígena Gavião Kyikatêjê Amtáti (Anexo, D)

teria sido criada pelas lideranças Kyikatêjê como parte do ―projeto de autodeterminação‖ da

comunidade servindo de instrumento jurídico de representação e, também, de

encaminhamento das reivindicações e demandas das lideranças Kyikatêjê, mas especialmente

para mediar as relações do povo Kyikatêjê com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e

com as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (ELETRONORTE), esta responsável pela

linha de transmissão de energia elétrica que passa pela Reserva Indígena Mãe Maria

(FERNANDES, 2010, p.32).

O contato cada vez mais acentuado com a sociedade envolvente acarretou certas

implicações ao modo de estruturação social do povo Kyikatêjê, propiciando, por exemplo, a

construção de uma escola com currículo igual ao da sociedade não indígena, implantação de

relações empregatícias (contratação de empregadas domésticas, capinadores, abatedores de

caça).

Assim, é justamente nesse contexto que se instaura o paradoxo social responsável

pelo ―duelo‖ das duas línguas. O paradoxo gatilho pela alternância sistemática de uma ou

outra língua começa com o fato, de os Kyikatêjê não quererem a intromissão de não indígenas

na administração interna da aldeia, pois como já dissemos buscaram sua autonomia. Por outro

lado, os Kyikatêjê para serem autônomos em suas relações com a sociedade não indígena

(capitalista) necessitam, inevitavelmente, de uma adaptação no sentido de buscar uma

formação que os qualifiquem a tomar medidas em ―pé de igualdade‖ com a sociedade não

indígena, e, nessas circunstâncias certamente haverá constantes influências da comunidade

externa no interior da sociedade indígena.

E, uma vez que a ―língua não está dissociada do que se entende hoje por cultura e

identidade, pois a língua é um construto social que reflete a cultura e as identidades do

indivíduo‖ (SODRÉ, 2011, p.94), o povo Kyikatêjê inevitavelmente cada vez mais

estabelecerá uma relação simbólica com o português brasileiro, relação que culminará no uso

dessa língua, concomitante com o uso da língua materna da comunidade.

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1.4 A CISÃO ENTRE OS KYIKATÊJÊ

Até 2013, os Kyikatêjê somavam um total de 259 indivíduos de ascendências distintas

(alguns são Kyikatêjê, outros Parkatejê, alguns Xerente, alguns não indígenas, alguns Karajá,

e alguns Guaraní Mbyá e Rubiaça), contudo, em abril de 2012, parte da comunidade

Kyikatêjê decide pela cisão. Assim, perfazem atualmente um total de 142 pessoas, sendo a

maioria Kyikatêjê, conforme quadro demonstrativo, a seguir:

67%

6%

2%

8%

3%

4%

10%

ETNIAS POR NÚMERO DE MORADORES

KYIKATÊJÊ

RUBIAÇA

KARAJÁ

GUARANI

XERENTE

PARKATÊJÊ

BRANCOS

Gráfico 1: Etnia por número de moradores na aldeia Kyikatêjê.

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1.5 BREVES OBSERVAÇÕES SOBRE AS TRADIÇÕES CULTURAIS KYIKATÊJÊ

Como já dissemos anteriormente, desde o contato dos Gavião com a sociedade

envolvente, em 1976, e com a separação dos Kyikatêjê dos Parkatêjê em 2000, a comunidade

Kyikatêjê passou por novos rearranjos sociais, econômicos e políticos. Contudo essa

comunidade conseguiu manter os vínculos culturais tradicionais da cultura Gavião, que eram

praticados quando todos eles formavam ainda uma única aldeia na Reserva Indígena de Mãe

Maria.

Por exemplo, a cultura material, que se mantém na tradição, é ainda hoje cultivada

pelos mais velhos e comercializada, em geral vendida pelo próprio artesão que a fabricou aos

visitantes da aldeia. Essa prática atualmente menos frequente, haja vista que quem a produzia

eram os mais velhos, os quais, com a cisão ocorrida deixaram a aldeia Kyikatêjê. Tivemos a

oportunidade de presenciar a feitura de parte de objetos tradicionais, quando estivemos lá em

janeiro de 2012.

Figura 3: Artesão Kyikatêjê confeccionando um paneiro. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro de

2012

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Os homens e mulheres praticam, ainda, na aldeia, ―as brincadeiras‖ de atirar flechas.

Observamos que os ―atletas Gavião‖ atiram a flecha para baixo, de modo que esta deve bater

à frente de um toco de coqueiro, onde a flecha deve ser fincada no alvo.

Figura 4 -da esquerda para direita temos Prekrôre, um excelente atirador de flecha com outros parentes

Kyikatêjê. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro de 2012

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Figura 5- Toco de coqueiro, onde a flecha deve ser fincada. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro

de 2012

Aquele que conseguir fincar a flecha no alvo, acumula pontos. Desse modo, o

vencedor é aquele que conseguir acertar o alvo, definido pelo grupo. As flechas dos

participantes são marcadas para que cada um saiba qual é a sua. Arcos e flechas são elementos

culturais e não objetos de comércio com os não-indígenas. Para a feitura desse material

buscam a madeira na mata e se esmeram para dar o melhor acabamento nas peças. Essas

atividades, entre muitas, se constituem em práticas que os Kyikatêjê chamam de

"brincadeiras". Na imagem abaixo temos Jõprara Kwykre Tahoti7 participando juntamente

com as outras mulheres do jogo de flecha.

7 É professora de Cultura e da Língua nativa na Escola indígena Tatakti Kyikatêjê desde 2003. É bastante

habilidosa no arco e flecha e já venceu muitos campeonatos;

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Figura 6- Jõprara uma excelente jogadora de flecha com outras mulheres da aldeia Kyikatêjê. Foto de

Áustria Rodrigues Brito, janeiro de 2012

Outra brincadeira que presenciamos na comunidade foi a da peteca (ver imagens

abaixo), ela é lançada para cima por algum voluntário, e na ocasião fizemos esse lançamento-

esse momento é de grande concentração, pois quando a peteca é lançada para cima, os

participantes devem espetar a peteca para que esta não caia ao chão. Aquele que conseguir

espetar mais vezes a peteca, impedindo que a mesma caia ao chão vai somando pontos e,

quem obtiver mais pontos é o vencedor.

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Figura 7- Os Kyikatêjê na brincadeira da peteca. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro de 2012

Figura 8: Rõpré mostrando a peteca confeccionada com as palhas do milho. Foto de Áustria Rodrigues

Brito, janeiro de 2012

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Aproveitamos também esse momento para fazer uma pequena entrevista com

Rõpré sobre as manifestações culturais da comunidade Kyikatêjê – perguntamos se era

frequente a comunidade se reunir para realizar as tradições culturais – jogo da flecha,

brincadeira da peteca, dentre outras. A seguir temos o relato de Rõpré sobre as antigas

tradições culturais e sobre a manutenção da cultura e de sua participação nas brincadeiras com

os mais velhos.

Eu estou dizendo isso que isso era coisa nossa, há muito tempo, né, nossos

velhos faziam isso, a gente nunca, né: correu atrás para poder puxar essa/

esse esporte quando nós estávamos lá nos Parkatêjê não tinha oportunidade,

e hoje nós temos. Então quando eu ouvi os mais velhos contando isso, eu fui

eu tomei a frente, eu conversei que eu ia fazer a frente, puxar no esporte

cultural, nas festas da nossa comunidade. Então foi assim que eu fiz, eu corri

atrás do milho, eu peguei a palha de milho, eu fiz peteca, aí, eu estava né,

jogando para as pessoas, aí, estava jogando ou flechando ou (jogando)

peteca. E isso não vai ser só para mim isso vai servir para os filhos no futuro

para os netos. E daí por diante. E mesmo essas coisas, esporte nosso que é do

Kykatêjê. Rõpré

Por esse relato nota-se que os Kyikatêjê costumam realizar festas em forma de

agradecimento pelas colheitas de cereais, como a 'festa do milho novo', realizada a partir do

final de janeiro. Além dessa festa há a corrida da tora, quando a comunidade se divide em dois

grupos- Pàn (Arara) e Hàk (Gavião). Os grupos adentram a mata com a tora no ombro, que

chega a pesar aproximadamente 80 quilos. Em seguida cantam como forma de agradecimento

aos animais da floresta, ocasião em que pedem ainda permissão para a ―mãe natureza‖ para

adentrarem a mata. Durante o percurso o grupo (formada somente por homens) vai revezando

as toras com os demais participantes. Os guerreiros Kyikatêjê são acompanhados por sua

―torcida organizada‖- mulheres, crianças e mais velhos. O grupo que conseguir fazer todo o

percurso de cerca de mil metros em menor tempo é o vencedor (Ver anexo- figuras D). A

corrida da tora é uma das maiores tradições da comunidade, e em segundo lugar temos a festa

do milho, conforme gráfico 2:

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Gráfico 2- Demonstrativo das tradições culturais da comunidade Kyikatêjê.

O povo Kyikatêjê também tem um time de futebol que disputa o campeonato paraense

de futebol, o Gavião Kyikatêjê Futebol Clube. É o primeiro time de futebol indígena do

Brasil, e a maioria dos atletas é da aldeia que dá nome ao clube. O treinador Zeca Gavião é

também o primeiro técnico indígena do país.

A seguir, destacamos dois principais pratos típicos feitos pelos Kyikatêjê - o berarubu

ou ―kaputi‖ e o jabuti na casca. O primeiro é um alimento tradicional dos Kyikatêjê

consumido diariamente. A caça (peixe, carne ou qualquer tipo de caça) é misturada à massa

da macaxeira, e em seguida é envolvida na folha da bananeira. Depois se coloca no forno feito

no solo com uma profundidade de 50 centímetros. Na sequência é só deixar assar

(dependendo do tipo de caça, poderá ficar assando por mais ou menos 4 a 10 horas). Esse

prato é servido com arroz, feijão, farinha e pimenta a gosto. Mas há quem prefira comer só a

massa e a carne da caça. (ver anexo D) - a primeira mostra o Berarubu pronto para ser assado

e a segunda mostra o Berarubu em fase final assando.

A segunda iguaria, o jabuti na casca tivemos a oportunidade de ver o preparo na casa

de Jõprara, na ocasião estávamos fazendo a entrevista com ela. Deste modo, observamos que

o jabuti maior, somente as vísceras do jabuti foram tiradas e por cima foi colocado sal a gosto.

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Em seguida foi colocado na brasa e lá ficou por mais ou menos 40 a 50 minutos. O jabuti

menor foi colocado diretamente na brasa.

Fígura 9: Jabuti assado na casca. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro de 2012.

Figura 10- Jõprara observando se o jabuti já estava no ponto para ser saboreado. Foto de Áustria Brito,

janeiro de 2012.

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Durante nossa pesquisa de campo, observamos também que a comunidade Kyikatêjê

gosta de se reunir no acampamento (Anexo D). Lá ocorrem as reuniões entre os velhos, as

brincadeiras, a produção de artesanato, aulas de língua e cultura, eventos e congressos locais,

as festas tradicionais como o tép krã (cabeça de peixe) (Anexo D), a primeira registra a

imagem Horâkrajare no ano de 1976, na Ladeira Vermelha, onde os Kyikatêjê moravam

antes de se unirem aos Parkatêjê. A segunda registra a imagem de Rikpàrti Kôkaprôti 8 no ano

de 2014 na aldeia Kyikatêjê, no Km 25, segurando a máscara que simboliza o tép krã. Essa

festa ocorre no período de inverno, onde todos estão animados e celebram na língua Timbira a

fartura e pedem proteção espiritual para que os membros da comunidade tenham saúde.

Dentre outras praticas ritualísticas que fazem parte da cultura Kyikatêjê, destacamos

a pintura corporal e seus significados. Há pinturas que simbolizam o peixe [tép] surubim,

termo que vem do tupi ‘surubi‘ que significa ―pintado‖. Temos ainda pinturas que

representam Hàkti (gavião), Toire (lontra) e Xêxêtêre (arraia). Algumas podem ser vistas nas

produções artísticas dos alunos Kyikatêjê, que foram cedidas pela Prof.ª Adelayde

Nascimento, a seguir:

Figura 11- Exibição da pintura do peixe [tép] por Kuwejirõti Sompré. Fonte: acervo da Escola

Kyikatêjê

8 Na época da entrevista, em 2012, assumia o cargo de coordenador e professor bilíngue na educação escolar

indígena da aldeia. Em 2013 foi indicado pelas lideranças para assumir o cargo de diretor da escola.

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Figura 12- Produção artística dos alunos Kyikatêjê. Fonte: Material cedido pela profa de História

Adelayde Nascimento.

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Figura 13- Produção artística dos alunos Kyikatêjê , representação do Hàkti (gavião). Fonte: Material

cedido pela profa de História Adelayde Nascimento.

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Os professores da aldeia Kyikatêjê trabalham a partir de Projetos geradores que

envolvem a realidade biossocial das tradições culturais do povo. Tratam-se dos projetos

Kuputi, também chamado Berarubu; Projeto pinturas corporais; Projeto krowa-pej

―preparação da tora‖; Projeto de artesanatos. Ressaltamos que não acompanhamos o

desenvolvimento dos projetos na Escola Kyikatêjê, apenas os descreveremos, conforme

apresentado no Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Kyikatêjê (conf. capítulo V),

relacionando-os às práticas metodológicas desenvolvidas pelos professores de Língua e

Cultura da Escola Kyikatêjê.

No capítulo seguinte, descrevemos alguns trabalhos que já foram desenvolvidos com

essa comunidade, desde a década de 70 até o presente. Destacar as pesquisas da linguísta

Leopoldina Maria de Souza Araújo, da linguísta Marília Ferreira e das pesquisas mais

recentes da linguísta Eliane Pereira Machado Soares.

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CAPÍTULO II

2 OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE AS VARIEDADES LINGUÍSTICAS

FALADAS PELO POVO GAVIÃO DO PARÁ

2.1- SOBRE A LÍNGUA DOS GAVIÃO-JÊ

Segundo Nimeundajú (1946) citado por Ricardo (1985, p. 54) ―a língua Gavião é

classificada como pertencente à família ―Jê do Norte‖, constituindo um dialeto Timbira

Oriental‖. Deste modo os povos Parkatêjê, Kyikatêjê e Akrantkatêje falam uma língua que

integra o subramo linguístico denominado Timbira, que por sua vez integra o ramo Jê Central

da família linguística Jê, do tronco linguístico Macro-Jê (RODRIGUES, 1999, p. 6-7).

Rodrigues (1986, p.47) ressalva que o Tronco Macro-Jê, constitui a maior família

linguística Jê e, estaõ situadas nas regiões do sul do Maranhão e do Pará, passando pelos estados

de Tocantins, Goiás e Mato Grosso. Conforme hipótese de Rodrigues há (doze ) 12 famílias

linguísticas, conforme quadro linguístico do Tronco Macro- Jê a seguir:

Quadro 1 A hipótese do Tronco Macro-Jê de Rodrigues (1999)9

I Família Jê

a) Jê nordeste

1. Jaikó (sudeste do Piauí)

b) Jê norte

1. Timbíra (incluindo Canela Ramkokamekrã, Canela Apanyekrã, Gavião Piokobjé,

Gavião Parakatejé, Krinkatí, Krahô, Krenjé; Maranhão, Pará, Tocantins) Apinajé (norte

de Tocantins)

2. Kayapó (incluindo A’ukré, Gorotíre, Kararaô, Kikretum, Kokraimôro, Kubenkrakén,

Menkrangnotí, Mentuktíre, Xikrin; Mato Grosso Oriental e sudeste do Pará)

3. Panará (Kren-akarôre (Área Indígena Panará, norte do Mato Grosso e sudeste do

Pará)

4. Suyá (incluindo Tapayuna; Parque Indígena do Xingú no Mato Grosso)

9 Quadro extraído da Tese de Doutorado de CAMARGOS, Lidiane S. Consolidando uma proposta de Família

Linguística Boróro. Contribuição aos estudos histórico-comparativos do Tronco Macro-Jê. Unb/PPGL/LALLI

(2013, p.9-12)

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c) Jê Central

1. Xavante (Sudeste de Mato Grosso, originalmente no norte e no oeste de Mato Grosso).

2. Xerente (Tocantins)

3. Xabriabá (Minas Gerais)

4. Akroá (Goiás oriental; sul do Maranhão)

d) Jê Sul

1. Kaingáng (incluindo K. de São Paulo, K. do Pará, K. central, K. do sudoeste. K. do

sudeste: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul)

2. Xokléng (Santa Catarina)

3. Ingaín (nordeste da Argentina, sudeste do Paraguai).

II Família Kamakã

1. Kamakã (sudeste da Bahia, nordeste do Espírito Santo)

2. Mongoyó (sudeste da Bahia)

3. Menién (sudeste da Bahia)

4. Kotoxó (sudeste da Bahia)

5. Masakará (nordeste da Bahia)

III Família Maxakalí

1. Maxakalí (nordeste de Minas Gerais, norte do Espírito Santo)

2. Kapoxó (incluindo Kumanaxó e Panháme; Nordeste de Minas Gerais e sudeste da

Bahia)

3. Monoxó (nordeste de Minas Gerais e sudeste da Bahia)

4. Makoní (nordeste de Minas Gerais)

5. Malilí (nordeste de Minas Gerais)

6. Pataxó (incluindo Hãhãhãe; sudeste da Bahia)

IV Família Krenák

1. Krenák (originalmente chamados de Botocudos, incluindo Nakrehé, Nakpié, Naknyanúk,

Nyepnyep, Etwet, Minyãyirún, Yiporók, Pojitxá, Potén, Krekmún, Bakuén, Aranã; nordeste

de Minas Gerais e norte e centro do Espírito Santo, formalmente também no sudeste da

Bahia; algumas família agora também no centro de São Paulo)

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2. Guerén (sudeste da Bahia)

V Família Purí

1. Purí (Espírito Santo, Rio de Janeiro, nordeste de São Paulo, sudeste de Minas Gerais)

2. Koropó (Espírito Santo)

3. Coroado (Espírito Santo)

VI Família Karirí

1. Kipeá (também conhecido como Kirirí; nordeste da Bahia e Sergipe; 1830 etnias)

2. Dzubukuá (sobre uma ilha no rio São Francisco, no norte da Bahia)

3. Sabuyá ou Sapoyá (centro da Bahia)

4. Kamurú ou Pedra Branca (leste da Bahia)

VII Família Yaté

1. Yaté (as pessoas são chamadas fulniô, originalmente conhecidos como Carnijó;

Pernambuco)

VIII Família Karajá

1. Karajá (incluindo K. do sul, K. do norte, Javaé e Xambiwá; leste Mato Grosso e oeste

de Tocantins)

IX Família Ofayé

1. Ofayé (incluindo Ivinheima O. e Vacaria O.; também conhecido como Opayé e Ofayé-

Xavante; leste de Mato Grosso do Sul)

X Família Boróro

1. Boróro oriental (sul de Mato Grosso)

2. Boróro ocidental (oeste de Mato Grosso)

3. Umutína (oeste de Mato Grosso; 100 indígenas; 1 falante3)

XI Guató

1. Guató (sudoeste de Mato Grosso)

XII Família Rikbaktsá

1. Rikbaktsá (norte de Mato Grosso)

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2.1.1 Sobre a perda gradativa da língua original dos Gavião-Jê

Como dissemos anteriormente, a contínua relação dos Gavião com a sociedade

envolvente, com comerciantes e exportadores de castanha do Pará, Centrais Elétricas do Norte

do Brasil S/A (ELETRONORTE) e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), por exemplo, fez

com que a língua Parkatêjê fosse deixando de ser falada. Também o que contribuiu para o uso

do português nas aldeias foram as relações matrimoniais e de convívio com diferentes etnias

indígenas com as quais o uso do português era inevitável.

Desse modo, a perda linguística gradativa nessa comunidade ficou cada vez mais

acentuada e, tem-se tornado preocupante a possibilidade de preservação da língua. Na década

de 70, Krohokrenhũm, líder dos Parkatêjê, preocupado com a perda linguística de sua

comunidade solicitou a intervenção da linguísta Leopoldina Araújo, para que ela

desenvolvesse junto a comunidade Parkatêjê algumas ações de vitalização da língua.

Cabe lembrar ainda que, na época do trabalho desenvolvido pela pesquisadora Araújo

com os Parkatêjê, a língua Parkatêjê era ainda muito falada entre os Parkatêjê, como bem

relata a pesquisadora:

Há quase 35 anos (1974) comecei a trabalhar na então Reserva Indígena Mãe

Maria, encontrando duas comunidades com em torno de 50 pessoas cada.

uma delas, os Kyikkatêjê (turma do alto) de contato mais recente, havia

sido recentemente trazida de Imperatriz, no Maranhão, sendo por isso

chamada de ―maranhão‖ pelos moradores da sede. Essas pessoas moravam

na Ladeira Vermelha, quatro km distante da aldeia sede e cerca de um km

para dentro da mata. Com eles moravam missionários da New Tribes. A

outra, de contato mais antigo, morava às margens do igarapé Mãe Maria e

também da estrada PA 70 (hoje BR 222), que havia atravessado a Reserva,

no sentido Belém-Marabá. Nesta última, chefiada pelo chefe Krôhôkrenhũm,

―capitão‖, como costumou chamar a FUNAI, é que permaneci para estudar a

língua da comunidade. Já nessa época, o português era corrente entre as

crianças, embora os jovens ainda compreendessem e falassem com os mais

velhos a língua tradicional. Mas o chefe declarava então que as crianças só

tinham nome português, pois já eram Kupẽ , batizados. Corria o ano de 1974.

(ARAÚJO, 2008, p.2)

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Nos dias de hoje, esta língua encontra-se ameaçada e a língua portuguesa passou a ser

língua majoritária, a mais utilizada nas relações intragrupos e intergrupos.

Traçamos, a seguir, um panorama a cerca das pesquisas desenvolvidas com a

comunidade Gavião - Jê desde a década de 70 até o momento.

2.2 SOBRE AS PESQUISAS REALIZADAS COM A VARIEDADE LINGUISTICA DOS

GAVIÃO- JÊ

2.2.1 As pesquisas da profa. Dra. Leopoldina Maria Souza de Araújo

A partir de 1974, a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Dra

Leopoldina Maria Souza de Araújo, elaborou uma coletânea bilíngue de mitos da língua

falada pelos Gavião, a ser empregada como material didático na escola da aldeia; em 1977

finaliza sua Dissertação de Mestrado intitulada ―Estruturas subjacentes de alguns tipos de

frases, declarativas afirmativas do dialeto Gavião-Jê‖, 139 f. pela Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC); em 1989, apresenta sua tese de doutorado intitulada ―Aspectos da

língua Gavião-Jê” pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que consiste em uma

primeira descrição da língua Parkatêjê no âmbito dos estudos fonético-fonológicos ,

morfológicos e sintáticos dessa língua.

A pesquisadora produziu ainda ―La escola : instrumento de resistência de los

Parkatejê‖. In: AIZPURO, Pilar G. (Coord.). Educación rural e indígenen Iberoamerica.

Mexico, (1996, p 287-300); ―Fonologia e grafia da língua da comunidade Parkatejê

(timbira)‖. In: SEKI, Lucy (Org.). ―Linguística indígena e educação na América Latina (

1993); ―Retenções lexicais no dialeto Parkatejê‖. Moara: Rev. dos Cursos de Pós-Graduação

em Letras ( UFPA, n. 4, out. 1995/mar. 1996).

O objetivo de sua tese de doutorado intitulada ―Aspectos da língua Gavião-Jê‖ foi

segundo a autora, o de oferecer um acervo organizado em função dos critérios tipológicos da

língua, como o intuito que esta ficasse disponível para os Gavião utilizarem na escola e para

os linguístas confrontarem com dados de outras línguas‖ (ARAÚJO, 1989, p. 4).

A referida tese está constituída de uma introdução, onde a autora descreve o território

e a situação sócio-política dos Gavião Parkatêjê. Em seguida descrevemos o sistema

linguístico ngua Parkatêjê. Quanto ao sistema fonológico, fundamenta uma referida discussão

em que apresenta o sistema fonológico da língua, começando pela identificação dos fonemas

vocálicos e consonontais:

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(...) há dezesseis vogais, dentre orais e nasais, enquanto apenas onze

consoantes, das quais a glotal oclusiva é freqüência esporádica, embora

ocorra fonemicamente. O sistema consonantal não apresenta oposição de

sonoridade: a série oclusiva tem apenas consoantes surdas, há uma aspirada

surda e as demais são sonoras. (ARAÚJO, 1989, p.18)

Nos capítulos seguintes a autora apresenta o embasamento teórico do seu trabalho

(capítulo II), apresenta uma descrição de aspectos morfológicos e sintáticos, focalizando

dezessete padrões e processos gramaticais do Gavião- Jê. Identifica a estrutura da língua

Parkatêjê na ordem básica SVO- S(sujeito) V(verbo), O (objeto) em orações declarativas;

Segundo a autora, ―Observa-se que as duas ordens evidentes em dados elicitados ou em textos

são SOV, a ordem básica dominante, e OSV, ordem alternativa, com função de focalização do

objeto.‖ (op.cit., p.52). Em seguida a autora apresenta as orações sem objeto sintático

expresso ―Consideramos nesse caso orações em que o verbo tem apenas UM argumento, que

aqui indicaremos com S, sem levar em seu caráter de Agente ou Experimentador ou além

disso, outro tipo Locativo ou Meta.‖ (op.cit, p.56)

Araújo trata da posse e observa que os genitivos são sistematicamente antepostos ao

núcleo do sintagma, em harmonia com OV. (op.cit., p.60). Identifica os adjetivos restritivos e

afirma que estes sempre estão pospostos ao nome, contrariamente à expectativa para as

línguas OV. Descreve também o caso de orações copulativas, onde o adjetivo recebe sufixo

de tamanho; trata ainda de construções relativas, onde a construção se faz sem um elemento

do tipo pronominal, procedimento típico das línguas OV. (Idem, p.62).

Quanto aos demonstrativos e nomes na língua, a autora afirma que

No gavião-Jê o demonstrativo, diferentemente da previsão para línguas

posposicionais, segue-se ao nome que determina o que permite distinguir um

sintagma nominal com demonstrativo de uma oração do tipo copulativo ou

descritivo, em que este represente o sujeito.‖ ( ARAÚJO, op.cit., p.63)

Sobre a noção de numeral e nome na língua, a autora afirma que

―se comporta como um adjetivo descritivo, posicionando-se à direita do

nome que determina. Há designação independente para os algarismos de UM

e TRÊS, não havendo um sistema produtivo. Outros numerais são

construídos indicando-se a soma dos algarismos simples.‖ ( ARAÚJO,

op.cit., p.64)

Sobre nome próprio e nome comum a autora afirma que

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―em caso de construções indicativas de lugar se faz com o elemento variável

anteposto ao padrão, contrariando o previsto no esquema de Lehman. A

construção, na verdade, corresponde à construção genitiva, o determinante

antecedendo o determinado. (ARAÚJO, op.cit., p.65 e 66)

Trata de verbo principal e verbo subordinado, de palavras interrogativas e da

estrutura dos vocábulos . Araújo resume a estrutura dos vocábulos Parkatejê, como em

seguida:

―são consideradas línguas do tipo aglutinativo (Lehmann, 1973:47) aquelas

que expressam categorias morfológicas através de elementos distintos,

prontamente identificáveis, diferentemente das de tipo flexional, em que

essas categorias se fundem com a raiz. (...) parece-nos haver um estágio

entre o isolante o aglutinativo, isto porque onde houve o processo de reunião

é possível identificar facilmente os elementos morfo-semânticos, mas, em

muitos casos, sente-se que os significados revestem formas sintaticamente

isoladas. (ARAÚJO, op.cit., p.73)

Araújo tem uma preocupação tipológica e procura analisar a língua, tendo como

referência universais linguísticos compara a língua Gavião aos modelos de tipológicos de

Grenberg e Lehmann, principalmente eferenciando-se Grenberg ( 1966 ) e Lehman (1973 ).

Faz ainda um levantamento linguístico da Língua Gavião considerando o princípio

da tipologia ativa sugerida Klimov (1974)- ―as línguas de tipologia ativa agrupariam os

substantivos em duas classes de acordo com a presença ou não de atividade em seus

referentes.‖ (op.cit., p.82 a 84).

Para Araújo, ―Os verbos ativos e estativos apresentam em Gavião-Jê morfologia

diferenciada.‖ e o que ― os distingue é a forma de expressão do sujeito pronominal: prefixado

nos estativos, mas expresso por forma livre quando se trata doa ativos.‖ (ARAÚJO,

op.cit.,p.84)

Trata dos verbos com esferas de uso delimitadas, afirmando que ―há verbos que se

organizam de acordo com as características do seu objeto, mas não me é possível, no

momento definir classes. (ARAÚJO, op.cit. p.88). E sobre a ausência de verbos de posse

considera que ―a construção sintática que corresponde à sentença com verbo de posse em

português é uma sentença do tipo existencial, em que aparecem o Sujeito e o Beneficiário

(Meta) de sua existência. (ARAÚJO, op.cit., p.88).

Com relação ao sincretismo nome/verbo estativo a autora afirma que substantivos e

verbos estativos têm em comum o fato de se combinarem com o sufixo de tamanho.

(ARAÚJO, op.cit., p. 92 e 93). e sobre a estrutura verbal, precisamente sobre tempo-aspecto,

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a autora propõe que ―as raízes, tanto verbais como nominais no Gavião-Jê tendem a ser

monossilábicas, sendo os casos de dissilabismo ou trissilabismo resultante, a meu ver, de

processos diacrônicos de aglutinação, sicronicamente identificáveis ou não.‖ e observa que

―Não se pode, portanto, falar de polissintetismo nas raízes-verbais. É, no entanto, verdade que

o tempo, mas sob forma de partículas, i.e., formas dependentes‖. (ARAÚJO, op.cit., p, 93).

Araújo trata da supleção de raízes verbais, embora ressalve que não tenha sido

possível, naquele momento, ―avaliar a sistematicidade do processo, pois a freqüência é muito

baixa.‖ (ARAÚJO,op.cit., p.95). Apresenta também uma descrição da morfologia nominal,

observando que o Gavião-Jê ‗só flexiona seus nomes quanto à relação parte/todo e quanto a

tamanho; para os termos de parentesco, apenas há a indicação de [+_ vivo], que se faz

afixalmente ou por supleção de base ou ainda utilizando os dois processos simultaneamente.‖

E acrescenta que ―Neste grupo semântico, no entanto, operam também os sufixos de tamanho,

aqui com valor cronológico: - ti mais velho-, -re mais novo.‖ ( ARAÚJO,op.cit., p.95)

Araújo conclui sobre o alinhamento em Parkatejê que o modelo apresentado por

Klimov (1974) é o que melhor se adéqua à língua Gavião-Jê. Admite que, embora ―as

informações referentes aos verbos necessitem ser ampliadas é possível afirmar que essa língua

se enquadra em 75% das características assinaladas por Klimov com típicas dos sistemas de

estrutura ativa.‖ (op.cit., p.97)

Sobre os Substantivos a autora afirma que estes constituem núcleo de um sintagma

Nominal (SN) e funcionam como argumento de um predicado. Estão divididos em dois

grupos- ativos e não ativos10

. ―Em ambos é possível apresentar-se o sufixo de tamanho

incorporado ou a possibilidade de recebê-lo, seja com caráter descritivo, o que modifica o

significado básico do lexema, seja derivacionalmente, do que resulta nova palavra‖. ( Idem,

p.100).

Os adjetivos, segundo a autora, constituem classes modificadoras do substantivo e

―Englobam, em Gavião-Jê, os numerais que, em nossas línguas, são tradicionalmente

considerados uma classe à parte, mas que têm comportamento sintático e morfológico de

―adjetivo‖ e os chamados ―pronomes demonstrativos‖- que assumem a função de

especificadora‖. ( op.cit.,p.103).

Quanto aos verbos, ressalta que são núcleos de sintagmas verbais estão, assim,

caracterizados na Língua Gavião-Jê:

10

Não-ativos consistem em nomes inalienáveis, de acordo com a terminologia usada por Klimov

(cf.ARAÚJO,ibid, p.101).

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1-Se sub- classificam em ativos e estativos; 2-Dentre os ativos há, ainda,

uma divisão binária entre os que têm forma longa quando a sentença é

marcada para tempo passado/aspecto completo e os que têm uma única

forma; 3-têm subclasse com possibilidade de flexão de pessoa, prefixal; 4-

parece haver pares verbais com esferas de uso delimitado em função de

características do objeto. ( ARAÚJO, op.cit., p.104)

Sobre aos pronomes, descreve-os como sub-categorizando-se em pessoais, reflexivos

e indefinidos. Os pessoais funcionam, segundo a autora, como núcleo do sujeito ou do objeto

(Objetivo ou Meta) e ―conforme expressem reciprocidades. Embora se comportem como

substantivo, dele diferem por se constituir classe fechada. ‘ ( ARAÚJO, op.cit., p.106)

Trata também das posposições e advérbios. Os primeiros são descritos com

vocábulos gramaticais que servem para ligar dois termos sintaticamente e são também

denominados de formas dependentes, manifestando locativo, instrumento, meta, união,

sequência; já o segundo têm como função modificar um verbo, um adjetivo, ―a sentença ou

parte dela e constituem formas dependentes . Manifestam aspecto, negação, ênfase, tempo e

lugar.‖ (op.cit.,p.108).

Sobre o processo de composição no Gavião—Jê, Araújo (op. cit., p.128) considera o

―princípio de que um composto tem sempre e apenas dois termos, sendo possível a um

composto constituir um terceiro. No caso da Língua Gavião-Jê ―o primeiro termo de um nome

composto será sempre uma base nominal ou outro composto; o segundo termo pode ser uma

base nominal, um outro composto ou uma base verbal ou adjetiva.‖ Apresenta os seguintes

aspectos dos compostos em Parkatêjê: 1. Compostos nominais : estrutura, 2. Compostos

nominais: descrição e metáfora e 3) compostos nominais: relações entre os termos.

A tese de doutorado de Leopoldina Araújo é um marco nos estudos gramaticais do

complexo Timbira, por apresentar uma primeira descrição gramatical da língua Parkatejê.

O último trabalho publicado da Profa. Leopoldina Araújo sobre a língua Parkatejê foi

o livro ―Cantos de caçador‖. Aqui, apresentamos uma resenha de minha autoria, publicada na

Revista Brasileira da Línguistica Antropológica (jul.2010), mas com pequenas modificações.

O livro ―Cantos de caçador‖ trata das principais características das cantigas de

caçador como cultura proveniente de um conhecimento e saber tradicional que tem por

finalidade explicar sua prática e concepções relacionadas aos animais e aos mitos. Esses

cantos anunciam a chegada do caçador com ou sem a caça. Krôhôkrenhûm, o capitão da

aldeia Parkatêjê, revela em seu depoimento à autora Leopoldina Maria Souza de Araújo, o seu

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grande pesar em relação ao seu povo que não demonstra mais interesse pela prática e

exercício da música. Como podemos observar no relato que segue

―Pois é, Katy, eu concordo com isso. Eu sei que o único é eu mesmo, eu não

tenho uma pessoa no meu lado, certo. (.,.) Como você está vendo, eu quero

fazer junto, mas ninguém quer trabalhar comigo. Só eu tenho as cantigas e

estou muito com vontade de fazer.‖ (ARAÚJO, 2005,p.3).

Fica evidente que o chefe da comunidade deseja garantir a continuidade da tradição e

a cultura do seu povo. Assim, registra por meio de sua memória ―Os cantos de caçador‖. As

cantigas elucidadas no livro apresentam uma introdução, constituída de um ou dois versos,

repetidos, que define o tema; um ipirã da aldeia Parkatêjê, geralmente constituído por três ou

quatro versos, que indica a expansão do tema; uma conclusão, que repete a introdução. As

referidas músicas estão escritas nas seguintes línguas: Parkatêjê, Português, Inglês, Espanhol

e Francês. Como podemos ver a seguir:

Quadro 2 Trecho do Livro ―Os cantos de caçador‖ em Parkatêjê e outras

línguas

O canto ―1 - Pàtàre-Tamanduá 1‖:

Parkatêjê Apàt, apàt, hapàt, hapàt

Apàt, apàt te he tem tên

Ror japa NE, apàt

Apàt, apàt, hapàt, te tên

Rô japa NE, apàt

Apàt apàt.

Português Tamanduá bandeira, Tamanduá bandeira

Eu sei que bandeira corre na tua frente

Ele passou do rôr, Tamanduá

Tamanduá passou do rôr Tamanduá

Tamanduá , Tamanduá.

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Inglês Anteater, anteater

I know that the anteater runs ahead of you

It passed by the rôr , anteater.

Anteater passed by the rôr

Anteater, anteater.

Espanhol Oso hormiguero, oso hormigueiro

Yo sé que el ―hormigueiro‖ corre delante de ti

El pasó por El rôr, El oso hormigueiro

El oso hormigueiro pasó por el rôr

Oso hormigueiro, oso hormigueiro

Francês Tamannoir porte drapeau,

Tamannoir porte drapeau

Je sais qu`Il est aux avant poste

Il a passe devant lês térmites, Tamannoir

Tamannoir a passé devant lês térmites

Tamannoir, Tamannoir.

Os cantos como um todo revelam o espaço biossocial em que vivem os Parkatêjê: há

descrições de pessoas, animais, paisagens, acontecimentos, as músicas são entoadas com tom

lírico e satírico. No livro temos a reunião de 24 notas de conteúdo, distribuídas da seguinte

forma: 1 - Pàtàre-Tamanduá; 2 - Pàtáre-Tamanduá 2; 3 - Kapràn-Jabuti 1; 4 - Kapràn-Jabuti;

5 - Tônti-Tatu 15Kg 1; 6 - Tônti-Tatu 15Kg 2; 7 - Caçador sem caça 1; 8 - Caçador sem caça

2; 9 - Kukryt-Anta 1; 10 - Kukruyt-Anta 2; 11- Kra- Paca 1; 12- Kra- Paca 2; 13- prînti-

piquiá; 14- Kypyt- Guariba 1; 15- - Kypyt- Guariba 2; 16- Mîre- jacaré 1; 17- Mîre- jacaré 2;

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18- Krýire- Curica; 19- Jaxy- veado 1; 20- Jaxy- veado 2; 21- Kaputi- Azulão 1; 22- Kaputi-

Azulão 2; 23-kukênêre- cutia 1; 24- kukênêre- cutia 2.

A visão graciosa, realista e completamente criativa dos cantos é apresentada a partir

da página sete e termina na página cinquenta e cinco. Grande parte dos cantos trata de animais

que são utilizados como caça. Eles ganham descrições geniais, no canto ―Kapràn-Jabuti 1‖,

por exemplo, o casco do jabuti é descrito como ―cama redonda‖; no canto ―Kukryt-Anta 1‖, a

anta é descrita como‖ pés pesados, mas corre‖, onde o termo, mas funciona como operador

disjuntivo, acentuando desta forma uma característica marcante deste animal – a velocidade.

Os cantos desencadeiam uma história impossível de largar e prazerosa de se ouvir. O

narrador conta a história e, em certos momentos, você tem certeza de que ele está sentado à

sua frente conversando, gesticulando e explicando cada detalhe deste acontecimento- o que

transforma o canto em um deleite a parte. A obra descrita aqui revela apenas uma mostra de

grandes outros trabalhos que desenvolveu nesta comunidade desde a década de 70.

2.2.2 Os estudos da Profa. Dra. Marília de Nazaré de Olivieira Ferreira

As pesquisas mais recentes sobre a língua Gavião Parkatejê foram disponibilizados a

partir de 2003, com a tese de doutorado de Ferreira (2003), intitulada ‗Estudo Morfossintático

Parkatêjê‖ em que a autora dá continuidade ao trabalho de Araújo, apresentando uma nova

descrição da gramática Parkatêjê‖, trabalho este beneficiado pelo trabalho pioneiro de Araújo

(1989).

Em sua tese, Ferreira (2003) descreve a história de contato do povo Parkatêjê e as

características gerais da língua e cultura Gavião, relacionando-as à outras línguas do Tronco

Macro- Jê. Com relação ao corpus utilizado, a autora observa que, além dos seus dados

próprios, baseia-se nos estudos de Araújo (1977,1989).

Ferreira (2003, p.36) faz um resumo dos traços fonológicos da língua Gavião-Jê

Parakatêjê, apresenta um estudo sobre as classes de palavras, descrevenda-as como classes

abertas – nomes, verbos e advérbios ( FERREIRA 2003, p.37). Adota a análise de Rodrigues

(1990) que identifica um conjunto de prefixos flexionais em línguass da família Jê, também

encontrado em outras línguas dos troncos Tupi, Carib e Macro- Jê. Com relação ao sistema

pronominal dessa língua, afirma que ―são constituídos de duas séries de elementos: pronomes

livres e dependentes.

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A cerca dos verbos, Ferreira (op.cit.) identifica a existência de formas longas e curtas

de alguns verbos ativos na língua Gavião- Jê; as construções sintáticas são formadas por

sujeito e predicado, sendo possível topicalizar o objeto de uma sentença, alterando a forma

canônica da sentença, ficando na seguinte disposição: sujeito (S), objeto (O) e verbo (V).

No capítulo I de sua tese revê alguns aspectos sobre as classes de palavras que foram

descritas por Araújo (1977 e 1989), e ressalta que ―fornece um estudo inédito de descrição das

classes de palavras em Parkatêjê, como os verbos e posposições.‖ Analisa ainda os prefixos

relacionais e as classes de nomes e verbos na língua Gavião-Jê.

Quanto aos nomes, descreve-os como possuidores de características de posse e

―codificam uma larga variedade de noções de entidades concretas e abstratas‖. Seriam noções

―estáveis no tempo, podendo expressar elementos e fenômenos naturais – animais, plantas,

nomes de pessoas (nomes não-possuíveis), instrumentos tradicionais que fazem parte da

cultura material do povo (nomes alienavelmente possuídos), e relações pessoais (nomes

inalienavelmente possuíveis). (op.cit., p. 49- 52).

Fundamentada em Seky (2000, p.55), Ferreira, (op. cit.,p.53 ) ―(...) explicita o

fenômeno com base no fato de a referência do possuidor ser específica ou indefinida,

considerando sua função na construção, o tipo de referência expressa, assim como o tipo de

construção.‖

Na visão desta pesquisadora, os prefixos relacionais do Parkatejê integram um

sistema bem desenvolvido, que marca obrigatoriamente a relação entre o possuidor e nome

possuído e entre os verbos e seus respectivos argumentos.

Ferreira (op. cit., p.61- 84) apresenta os quadro dos pronomes na língua Parkatêjê, a

saber: pronomes livres e dependentes, o reflexivo e o recíproco, os demonstrativos, os

indefinidos e os interrogativos, de acordo com a ocorrência paralela à dos nomes.

A autora considera, assim como o faz Araújo (1989), que os verbos na Língua Gavião-

jê possuem uma divisão binária (ativos e estativos). Os Ativos constituem todos os verbos

transitivos (verbos de ação), possuindo argumentos A e O; e, os estativos constituem todos os

verbos intransitivos (ativos – verbos de ação) e descritivos (verbos estativos ou não – ativos)

com argumentos em Sa (verbos ativos), So (verbos estativos) e Sio (verbos do tipo ―gostar‖,

―ter sede‖. ( DIXON apud FERREIRA, op.cit., p. 88).

Ferreira (op.cit., p.100) faz ainda a descrição sumária dos verbos intransitivos

existentes nos Parkatêjê, levando em consideração a predicação verbal, formas verbais,

ocorrência do sujeito pronominal, a semântica do verbo e os prefixos relacionais. A autora

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classifica ainda os verbos transitivos em simples e estendidos - o primeiro tem como núcleo o

sujeito e o segundo apresenta, além de seus argumentos, um componente oblíquo obrigatório,

marcado por posposição. Alguns verbos transitivos estendidos são Ku- Hô ―dar‖ e Kupe

―mostrar‖.

A autora (op. cit, p.116) classifica as partículas, considerando a função que estas

podem exercer no contexto: tempo, aspecto, intensidade e modo. Ainda de acordo com a

autora ―as partículas têm, em geral, uma posição fixa na oração, precedendo ou seguindo

palavras de diferentes categorias morfossintáticas.‖ Trata das partículas de tempo, de aspecto,

de intensidade, modo, negação e do imperativo.

Apresenta, ainda, um estudo sobre as posposições, sobre as quais argumenta que ―(...)

constituem uma classe fechada de elementos, que ocorrem de um modo geral, precedido de

seu objeto, o qual pode ser um elemento pronominal ou nominal.‖ (op. cit, p.138). Trata ainda

dos advérbios, das conjunções e interjeições.

Quanto à sintaxe, Ferreira (op.cit.) trata dos seguintes aspectos: das locuções nominal,

verbal e preposicional. Em seguida trata das orações independentes, onde afirma que nos

Parkatêjê há dois tipos sentenciais , a saber: oração com predicado verbal e oração com

predicado não verbal (op.cit., p.158) . A autora apresenta descreve também aspectos das

orações complexas (op.cit., p.181) que são vistas como as que envolvem ―dois ou mais

predicados‖ – descreve de forma preliminar, as formas pelas quais duas ou mais orações

podem combinar-se para formar período coordenado em Parkatêjê , onde a ligação se dá pelo

usos dos termos conjuntivos n e m, que sinalizam a marcação switch- reference na língua.

(Ferreira, op.cit.,p.181). A primeira conjunção marca sujeito idêntico e o segundo marca

sujeito diferente.

No capítulo III , Ferreira (op.cit.,185-200) apresenta o sistema de marcação de caso

nas sentenças independentes dos Parkatêjê, pondo em evidência as sentenças que possuem

marcas sintático-semânticas formadas por S, A, O e que apresentam as seguintes

características: a) cisão condicionada pela natureza semântica do verbo ; b) cisão

condicionada pelas categorias TAM; c) cisão condicionada pela categoria de pessoa dos

elementos pronominais.

A autora trata também dos mecanismos de derivação verbal e descreve o fenômeno da

incorporação nominal. De acordo com Ferreira (op.cit., p. 213) fundamentada em Mithun (

1984 e 1986) a incorporação ocorre quando um núcleo de um sintagma incorporar-se ao

núcleo de outro sintagma. No caso dos nomes Parkatêjê, a autora afirma que ― é possível

alguns nomes serem incorporados à esquerda dos verbos intransitivos ativos e transitivos .‖

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Em se tratando de verbos transitivos, havendo incorporação, se intransitivizam. É o caso dos

verbos ativos Kre men ‗cortar. todo.o. cabelo‘. ( Ferreira,op.cit., p.2013 - 2015). Apresenta

ainda os casos de incorporação resultantes de verbos não ativos como kra katɔ [ kra ―filho‖

katɔ sair‖] . Ferreira afirma que os nomes de partes do corpo são os que mais admitem a

incorporação - tais termos consituem-se de locuções nominais que funcionam como objeto

direto do verbo transitivo ou como sujeito do verbo intransitivo, marcado pelo caso

absolutivo. (op.cit.,p.217).

Finalmente, no capítulo VI, Ferreira (op.cit., p. 243) trata das construções verbais

seriais ―as quais podem ser constituídas de até três verbos – com predicações simples e

diferentes nuances aspectuais, a transitividade ou intransitividade dessas construções é

determinada, em geral, pelo último membro da construção.

A tese de doutorado de Ferreira (2013) consiste em importante fonte sobre a

morfossintáxe da Língua Gavião-jê.

Outros trabalhos de Ferreira sobre o Parkatejê são:‖ Descrição fonético-fonológica do

Kyikatêjê.‖ Letras de Hoje (Impresso), v. 49, p. 46-55, 2014;. Pê, Kãm, Mã e outras

posposições da língua Parkatêjê. Revista do Gelne, v. 14, p. 285-294, 2013; ―Incorporação

nominal em Parkatêjê: processo lexical ou sintático? Mundo Amazónico.‖ v. 2, p. 271-282,

2011; ―Como são apresentados sons e imagens em Parkatêjê‖. Signotica (UFG), v. 23, p. 403-

414, 2011; ―Aspectos do sistema de marcação de caso na língua Parkatêjê”. MOARA, v. 32,

p. 143-158, 2011; ―Descrição da incorporação nominal em Parkatêjê”. Raído (UFGD), v. 1,

p. 82-90, 2011; ―Cultura e Oralidade: uma viagem aos textos poéticos cantados da língua

Parkatêjê”. Desenredo (PPGL/UPF), v. 7, p. 9-18, 2011; ―(In-) Certezas no dizer: um estudo

sobre as partículas evidenciais em Parkatêjê”. Alfa: Revista de Linguística (UNESP. São José

do Rio Preto. Impresso), v. 54, p. 223-236, 2010, dentre outros.

Ferreira publicou vários capítulos de livros, dentre os quais citamos: ―Descrição de

textos orais Parkatêjê‖ . In: LIMA, Ma. A.F; Alves; F.F. e COSTA, C.S.M. (Org.).

Linguística e literatura: percorrendo caminhos.. 1ed. Piauí: EDUFPI, 2012, v. 1, p. 125-135;

―Tempo em Parkatêjê.‖ In: Sílvio Holanda; Fátima Pessoa; Marília Ferreira; Tânia Sarmento-

Pantoja. (Org.). ―Amazônia, culturas, linguagens‖. 1ed. Curitiba: CRV, 2011, v. 1, p. 200-

210; ―Aspectos das classes de palavras em Parkatêjê : uma abordagem tipológico-funcional‖.

In: Ana Suelly Arruda Câmara Cabral; Aryon Dall'igna Rodrigues. (Org.). ―Estudos sobre

Línguas Indígenas.‖ 1ed. Belém: Gráfica da Universidade Federal do Pará, 2001, v. Um, p.

147-166, dentre outras publicações.

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E até o momento a pesquisadora vem desenvolvendo várias pesquisas junto à

comunidade Parkatêjê e Kyikatêjê no âmbito da descrição da língua indígena.

2.2.3 A pesquisa da Dra. Profa. Eliane Machado Soares

A Profa. Eliane Machado Soares é da Universidade Federal do Sul e Sudeste Pará

(UNIFESSPA). Possui alguns trabalhos desenvolvidos junto aos Kyikatêjê, dentre eles

podemos citar um em co-autoria com Farias , intitulado ―Notas sobre a situação

sociolinguística da comunidade indígena Kyikatêjê Amtàtí‖ (2011 ), onde apresenta algumas

notas sobre a situação linguistica da comunidade. Trata-se de um estudo que revela que os

usos da língua Kyikatêjê são restritos aos adultos que entendem a língua, mas não a falam, e

aos ―velhos‖, os quais são monolingues na língua nativa e que entendem pouco a língua

portuguesa (SOARES E FARIAS 2011, p: 311).

No capítulo seguinte, apresenta-se uma discussão sobre alguns trabalhos de

importância sobre línguas minoritárias e contato linguístico, no contexto atual, em que

inúmeras línguas correm o risco de serem extintas. Esta bibliografia foi fundamental para o

presente estudo, que focaliza a situação social da língua falada pela comunidade Kyikatêjê.

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CAPÍTULO III

3 CONTATO LINGUÍSTICO, OBSOLESCÊNCIA, POLÍTICA E PLANEJAMENTO

PARA FORTALECIMENTO DE LÍNGUAS INDÍGENAS

O Brasil é considerado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – a UNESCO (2009) o 3º país com maior número de línguas ameaçadas

de extinção, atrás da Índia e dos EUA, mas alertas já foram dados de que corre o risco de se

tornar o primeiro.

A extinção das línguas é um fato cada vez mais presente no mundo atual. Segundo

cálculos feitos pelos especialistas, grande parte dos idiomas hoje correntemente em uso

deixará de o ser dentro de uma a quatro gerações. Perante esta situação, é imperioso

salvaguardar o maior conhecimento possível destas línguas, para que a posteridade não perca

por completo a riqueza deste aspecto da diversidade humana e da sua herança cultural.

Para fomentar essas discussões nos pautamos em Rodrigues (2000, 2005), Maher

(2010), Monserrat (2006), Seky (1984), Fishman (1991), Dorian (1989), Crystal (2000)

Thomason (2001), Thomason e Kaufman (1988), Hinton (2001) dentre outros, que estudam as

línguas em contato e teorizam sobre os processos de obsolescência e morte de línguas,

buscando os indícios que possam desvelar causas linguísticas e extralinguísticas que estão

levando as línguas minoritárias a passarem por um processo de obsolescência e serem

deslocadas pelas línguas de maior prestígio, geralmente as línguas oficiais, no caso do Brasil,

o Português.

Com relação ao elemento Língua, é importante elucidar aqui o comentário de Geraldi

(1991) sobre a importância que a língua exerce na ação e interação pela linguagem na

interlocução dos sujeitos. Geraldi defende que a dimensão de língua como dialógica é

interlocutiva e que:

a) a língua (no sentido sociolingüístico do termo) não está de antemão

pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la

segundo suas necessidades específicas do momento da interação, mas que o

próprio processo interlocutivo, na atividade da linguagem a cada vez a (re)

constrói; b) os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com

os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como

―produto‖ deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a

linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico

seu e dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui; c) as

interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo. Geraldi (1991, p. 6)

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Analisando os argumentos de Geraldi, queremos reforçar quão importante é a

harmonia destas instâncias no processo de aquisição/utilização da linguagem. Se comunicar é

uma função da linguagem, é somente na atuação conjunta destes três fatores que ela

conseguirá atingir seu mais alto grau de realização plena.

É absolutamente impensável conceber uma língua sem que seja lavada em

consideração a sua grande importância, enquanto entidade que deve ser construída com sua

utilização cotidiana, por meio de sujeitos e nas interações destes. Vale ressaltar que, essa

dependência da linguagem a estes fatores se deve ao fato de que, somente no acontecimento

linguístico é possível constatar as fontes que produzem linguagem, sujeitos e o próprio

universo discursivo (GERALDI, op.cit.).

Pensando no universo discursivo de grande parte das comunidades indígenas,

inclusive aquela onde estamos desenvolvendo nossa pesquisa, observamos que com o

processo de globalização, avanços tecnológicos, e as diferentes formas de comunicação em

redes sociais, os indígenas vêm utilizando com mais frequência a língua portuguesa nas suas

interações intergrupos e intragrupos.

E se recorrermos a própria história de colonização linguística brasileira11

·, vamos

observar que o domínio da cultura dos não indígenas sobre a cultura indígena, foi fundada em

uma economia ―desenvolvimentista‖ que subestimou a intelectualidade indígena e os fizeram

―abandonar suas línguas‖, enfraquecendo o uso desta e aos poucos foram desaparecendo.

Deste modo, a língua indígena tão logo foi substituída pela língua do colonizador.

3.1- COMO OCORRE E COMO SE CARACTERIZA A MORTE DE UMA LÍNGUA? POR

QUE DEVEMOS NOS PREOCUPAR? O QUE PODE SER FEITO?

Maher (2010, p.34), fundamentada em Hornberger (2004), afirma que a perda

de uma língua indígena não pode ser atribuída a um único fator, já que ela é sempre

consequência de um conjunto de circunstâncias sócio-históricas e culturais. Essa perda é

resultado das relações de poder e as intenções políticas colaboram para a morte dessas línguas

a qual deixam de ser transmitidas de uma geração a outra dentro das comunidades indígenas.

Essas relações de poder e a política em vigor estão imbricadas no capitalismo exacerbado, na

relação de subordinação dos grupos menos favorecidos que tem suas culturas tratadas de

11

Por meio do ato político- jurídico ―o Diretório dos Índios‖( 1755) , sob o comando de Marquês de Pombal ,

tivemos o apagamento das línguas indígenas e da língua geral, onde estas línguas foram ficando cada vez mais

ausentes da construção discursiva que oficializa uma história da colonização e, também, da história da própria

língua portuguesa no Brasil.( Cf. MARIANI, 2004, p.80)

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maneira secundaria o que contribui para que os falantes nativos deixem de utilizar sua língua

natural. Em nossa pesquisa vimos que a situação dos Kyikatêjê não foi diferente, a língua

tradicional está sendo substituída pela Língua portuguesa, conforme perfil sociolingüístico

apresentado da comunidade em nossa análise e discussão dos dados.

Gonçalves também concorda com Maher ao afirmar que

As razões que levam a desprender-se do que foi sua própria língua não são

de modo algum desenvolvimentos naturais. Trata-se de desenvolvimentos

que tem a ver com relações de poder, de desenvolvimentos provocados,

ainda que nem sempre sejam os efeitos dos desenvolvimentos planejados

concretamente. (GONÇALVES, 2009, p.207)

Sobre o processo de obsolescência de uma língua, Fishman (1991) considera

que uma língua corre perigo de extinção quando ela não esta mais sendo ensinadas às crianças

e quando ocorre a morte dos últimos falantes idosos, nesses casos, leva ao desaparecimento

das línguas que se encontram nessas situações. Entretanto, como já dissemos isso não

acontece aleatoriamente; ha por de trás disso, pressões para que a língua deixe de ser

transmitida de uma geração a outra.

Cristófaro Silva (2002, p. 57) referindo-se também à morte de uma língua afirma ―que

esta pode se dar de maneira tão abrupta que não é possível identificar os estágios de

desaparecimento de uma determinada língua‖. A autora ainda ressalva que com o processo

avançado de morte de uma língua, como pode o pesquisador estudá-la com poucos falantes ou

às vezes apenas um falante? Deste modo surge o primeiro caso de morte, as dificuldades do

sujeito ―real‖ na pesquisa. O segundo caso, segundo a autora, ocorre quando os falantes

sofrem repressão política pelo uso de sua língua materna e deixam de falar para não serem

identificados como membros daqueles grupos étnicos. E o terceiro caso de morte de uma língua

surge quando esta deixa de ser falada no dia a dia da comunidade e passa a ser usada somente

nos rituais, festas e danças. (op.cit).

De acordo com a UNESCO e afirmado pelo Governo brasileiro, no "Atlas das Línguas

do Mundo em Perigo de Desaparecer‖, há três situações que caracterizam a extinção de uma

língua:

Extinção repentina: que se dá unicamente pela perda de todo um grupo por

aniquilação total e muito rápida; Extinção radical: se assemelha à primeira;

porém, deixa poucos sobreviventes que terminam por abandonar sua língua,

já sem grupo para legitimar seu uso; Extinção gradual: é a mais comum e

pode demorar gerações para chegar à inexistência. Devido ao seu caráter

gradual, muitos trabalhos são realizados com o fim de revitalizar o uso da

língua em seu grupo de origem ou, nos casos irreversíveis, registrá-la para

que não desapareça sem rastro escrito ou fonético. (UNESCO, 2009, p: 4)

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Cristófaro Silva (op.cit., p. 58) nos mostra que os primeiros trabalhos sobre a extinção

das línguas foram de Vendryes (1934), Swadesh (1948), Terracini (1951) e Cotenau (1957),

que comprovam a longevidade de um tema que hoje se mostra mais atual, tendo em vista o

aumento gradativo do número de línguas ameaçadas de acordo com as edições anteriores do

atlas.

Ainda segundo, a autora:

A ameaça ou extinção às línguas foi observada em inúmeras partes do

planeta: o bretão na Europa (Cf.DRESSLER (1977), o barbaram na Austrália

(cf. CAPELL (1971)), o limbu no sul da Ásia (cf. MILLER (1969)) ou o

batsibi na antiga União Soviética (cf. LEWIS (1972)... A meu ver, a

descrição mais abrangente e detalhada sobre os processos relacionados à

extinção de uma língua é apresentada nos resultados de pesquisa de Nancy

Dorian sobre o gaélico escocês falado no norte da Escócia (DORIAN (1973)

e trabalhos subsequentes). Esta autora, além de oferecer dados linguísticos

preciosos, apresenta uma proposta metodológica de análise de dados em

comunidades cujas línguas estavam ameaçadas de extinção. O livro

intitulado ''Language-death – The lifecycleof a Scottish Gaelicdialect''

(1981) e suas análises de pontos específicos sobre aspectos

morfofonológicos (1977), morfologia (1978), sintaxe (1973) e

sociolinguística (1980, 1983) oferecem uma visão detalhada de aspectos

relacionados a morte de língua. Em seus trabalhos, Dorian observou um

contínuo de proficiência entre os falantes do gaélico escocês. Assim, esta

autora sugeriu a classificação de falantes como fluentes e semi-falantes. (...)

(CRISTÓFARO SILVA, op.cit. ´p. 58-59)

Essas pesquisas mostraram que muitas línguas poderiam estar em uso, ou muitas delas

poderiam ter tido outro viés, além do da morte, claro, pois apesar de termos uma catalogação

de um número significativo de línguas, é importante estudá-las, codificá-las e praticá-las nas

relações intragrupo para que as mesmas não entrem em processo de desuso. Os povos

indígenas necessitam da língua como marca cultural de sua identidade e afirmação, portanto,

políticas públicas devem ser voltadas para esse campo de pesquisa, dando total apoio

financeiro e estrutural aos pesquisadores linguístas.

Segundo Seki (1984) as línguas obsolescentes – redução gradativa e

consequentemente desaparecimento, tem sido objeto de estudos e pesquisas pelos linguístas e

outros, porém, ainda é muito pouco o que se tem realizado de fato para evitar a morte de uma

ou mais línguas indígenas. Esses estudos podem contribuir bastante para as universidades,

bem como para a teoria linguística e, sobretudo para a inclusão das comunidades indígenas na

sociedade. O foco está na relação da estrutura e a função da linguagem, ou seja, será por meio

das políticas públicas que as línguas minoritárias passarão a ser estudadas antes que elas

deixem de existir, pois afinal, ―uma língua morre quando ela deixa de ser falada ou devido ao

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desapareceimento de falantes, ou porque estes deixam de usá-la, substituindo-a por outra.‖

(SEKI, op.cit., p.110), neste caso se o falante decide e /ou tem a atitude de não mais transmitir

sua língua para as outras gerações e ainda há o desinteresse da comunidade pela língua, pode-

se falar em‖ suicídio linguístico‖ de acordo com Seky (op.cit) fundamentada em Denilson

(1977).

Com relação a substituição de uma língua pela outra, Seky (op.cit, p.111) afirma que

isso ocorre em virtude das desigualdades de condições em que se encontram os falantes das

minorias étnicas – número reduzido de falantes e língua estigmatizada pela classe dominante.

Com o desprestígio de sua cultura e língua, esse grupo minoritário abandona sua língua e

passa a internalizar estereótipos da classe dominante. Tudo isso vai gerar o conflito de

identidade e negação de sua própria língua.

Ainda de acordo com a autora há muitas dificuldades para se desenvolver um trabalho

de vitalização de uma língua em extinção. Dentre as dificuldades, Seky (op.cit, p.114) cita

como exemplo: a rivalidade entre os grupos e subgrupos étnicos dentro das comunidades

indígenas; o nível de saberes dos falantes, pois ao passo que as línguas estão se tornando

obsoletas, como ter certeza de que a fala do indígena realmente está carregada de essência no

uso semântico, léxico, sintático e gramatical. E ainda, temos o número limitado de

informantes potenciais e o grau de conhecimento deles devido à interferência da língua

portuguesa em suas respectivas comunidades.

Cristófaro Silva (2002, p. 59) afirma que ―a descrição mais abrangente e detalhada sobre

os processos relacionados à extinção de uma língua é apresentada nos resultados de pesquisa de

Nancy Dorian (1973) sobre o gaélico escocês falado no norte da Escócia‖, onde a referida autora

oferece uma proposta metodológica para se avaliar o grau de proficiência entre os falantes do

gaélico escocês, sugerindo a classificação de falantes como fluentes e semi-falantes. Cristófaro-

Silva acrescenta outra categoria adicional de falantes: inseridores. As características destas três

categorias de falantes são apresentadas abaixo:

Falantes fluentes são aqueles indivíduos proficientes na língua em questão e

são reconhecidos pela comunidade como falantes plenos da língua. Semi-

falantes são aqueles indivíduos que têm algum grau de proficiência na língua

em questão, mas tendem a fazer uso de uma variedade simplificada da

língua. Estes falantes são geralmente mais jovens que os falantes fluentes.

Inseridores são aqueles indivíduos que fazem uso da estrutura gramatical de

uma outra língua – geralmente a língua dominante - mas inserem itens

lexicais da língua em questão. Neste caso, os falantes da língua dominante

não conseguem interagir com os falantes da língua ameaçada. Os falantes

fluentes e semi-falantes, contudo, interagem com os inseridores.

(CRISTÓFARO SILVA, op.cit: 59)

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Viegas (2010, p.36), fundamentada em Campbell e Muntzel (1989), apresenta os

―níveis de falantes‖ de acordo com sua proficiência e, estão assim classificados:

―S para strong (forte/pleno) ou (quase totalmente competente); I para

imperfect (imperfeito), i.e. para razoavelmente fluente semi-speakers (semi-

falantes); W weak semi-speakers (semi-falante fraco) com competência de

fala mais restrita; e R para rememberers (lembradores), os quais conhecem

somente algumas palavras ou frases isoladas.‖

Em nossas análises sobre o perfil linguístico da comunidade Kyikatêjê vamos utilizar

as definições supracitadas com algumas adaptações realizadas pela autora Viegas, de acordo

com o perfil sociolinguistico da comunidade Kokama. (VIEGAS, 2014a) e Pesquisa

sociométrica (VIEGAS, 2014b), a saber:

Falantes-pessoas que são fluentes na língua Kokama, mesmo não a usando

no dia a dia, pois guardaram a língua na memória. (Strong, forte, pleno);

lembrantes - pessoas que falam somente algumas palavras ou frases isoladas

(weaksemi-speakers- pessoas com competência de fala restrita; entendentes

(lembrantes passivos)- pessoas que compreendem aquilo que ouvem na

língua, mas que não falam na língua Kokama; aprendizes- os adultos, jovens

ou crianças que estão aprendendo a língua Kokama.

Essas categorias contribuem para a análise dos dados coletados nas comunidades cujas

línguas estão diminuindo o seu uso frequente. Assim, o pesquisador pode identificar os níveis

de falantes na comunidade, separando-os para que a pesquisa tenha uma relevância maior no

campo científico e contribua para a sobrevivência das línguas em extinção.

Conforme a UNESCO, há três classificações de falantes- fluentes, semifalantes e

recordantes (rememberers).

Os primeiros utilizam a língua para comunicação cotidiana e são capazes de

expressar qualquer pensamento de acordo com a lógica sistemática da

língua. Esses falantes são os mais importantes na reconstrução de um

sistema de comunicação, dado o destaque de fontes e estruturas de primeira

mão para o registro e a sistematização. (...). Os semifalantes se caracterizam

pelo domínio limitado em termos de estruturações complexas e por certa

dificuldade em expressar-se pela língua em questão, dado o vocabulário

restrito que conhecem. São fornecedores de registro de línguas já fadadas à

extinção e das quais unicamente é possível extrair arquivos de usos básicos,

pois não lembram da linguagem em si, mas unicamente de algumas palavras

que geralmente lhes foram ensinadas quando pequenos jovens. Os

recordantes são indivíduos que tiveram contato com a língua semifalantes

como segunda língua. Também podem ser inclusos nessa categoria falantes

fluentes que sofreram preconceitos e repressões e acabaram abandonando o

uso da língua por um longo período de tempo. Fornecem registros de línguas

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já fadadas à extinção e das quais unicamente é possível extrair arquivos de

usos básicos. A peculiaridade desse grupo está no fato de se lembrarem de

poucas palavras ou de estruturas simples de comunicação. (...). Assim, é

possível presumir a dificuldade de se registrar fielmente uma língua que

possua esse tipo de legado. (UNESCO, 2009, p: 4-5).

Em relação às caracterizações dos falantes, é importante aqui registrar a situação dos

Kyikatêjê em relação à língua. Nossa pesquisa demonstrou que nesta comunidade a língua

corre o risco de se extinguir. Nesta comunidade, as crianças e jovens só falam a língua

portuguesa e todos, com exceção dos ―velhos‖, comunicam-se nessa língua. Desta feita, temos

um espaço invadido pela língua portuguesa.

Acerca da perda linguística dos falantes, Braggio afirma que

[...] Os fatores extralinguísticos estão cada vez mais operantes: maior contato

com a sociedade envolvente, mais dispersão na área e escolarização que,

com a maioria dos materiais em língua portuguesa, infla o ambiente com

novos termos e construções dessa língua, em uma velocidade que já não

possibilita ao grupo, disperso, tempo para refletir sobre eles. Os empréstimos

aportuguesados ganham espaço e afastam cada vez mais as gerações em uma

sociedade em que os +jovens são numericamente a maioria. (BRAGGIO,

2012, p.172)

Ainda de acordo com a autora ―quando isso ocorre são pouquíssimos os falantes que

manterão a sua língua ao longo do tempo. Esse é um fato que vem sendo constatado pelas

pesquisas com línguas indígenas onde quer que elas ocorram.‖ (BRAGGIO, op.cit, p.173).

Sobre a interrupção do aprendizado de uma língua o RCNEI explica que:

[...] Quando isto acontece, por exemplo, no interior do ambiente familiar, a

língua indígena enfraquece, porque perde forças e falantes: as crianças vão

crescer falando o português. Práticas religiosas com cantos e rezas

"importados" são uma das inúmeras outras portas de entrada através das

quais a língua oficial vai expulsando a língua indígena de seus territórios

tradicionais e vai ganhando cada vez mais força dentro da própria

comunidade. Essas "invasões linguísticas", depois de algum tempo, podem

fazer com que uma língua indígena acabe desaparecendo. Ela desaparece

porque deixa de ter razão de existir. Desaparece porque já não serve para

quase nada, porque já não tem mais funções importantes dentro da aldeia. É

importante ressaltar que, de um modo geral, a perda de uma língua indígena

se dá tão rapidamente que seus falantes quase nunca percebem o que está

acontecendo. É bastante comum que num espaço de apenas três gerações

uma comunidade, antes monolíngue em língua indígena, se torne bilíngue

(português/língua indígena) e depois volte a ser monolíngue novamente: só

que desta vez, monolíngüe em língua portuguesa. (BRASIL 1998:109).

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A situação apresentada acima já é uma realidade em grande parte das comunidades

indígenas, e no caso da comunidade Kyikatêjê a língua já se encontra em obsolescência, em

virtude da globalização e da própria situação histórica dessa comunidade, que corresponde a

daquelas línguas que sofreram forte pressão de uma língua dominante, nesse caso agravada

pelas tentativas de submeter o povo aos interesses da sociedade envolvente, como já foi dito

anteriormente.

Diante desse quadro, há duas questões relevantes: por que se deve evitar a morte

dessas línguas? O que pode ser feito? Os estudiosos da área têm mostrado razões de diversas

ordens para justificar a preocupação com as línguas ameaçadas de morte (CRYSTAL, 2000).

Para Crystal, a primeira questão pode ser respondida da seguinte forma: deve-se evitar

a morte de uma língua por que cada língua representa um conjunto de saberes acumulados,

únicos, insubstituíveis; cada língua traz conhecimentos que dizem respeito à experiência e à

sobrevivência humana. Ela nomeia seres, objetos, modos de fazer, modos de viver, de se

relacionar com outros e com o meio ambiente essenciais à vida humana, que permitem a cada

povo em particular e de modo particular se adaptar e sobreviver ao longo de sua trajetória no

planeta e que tem muito a ensinar a outros povos. Uma língua, portanto, reflete um

conhecimento milenar que se perde para sempre com a sua extinção.

Ainda segundo Chrystal, outro motivo para se evitar a morte de uma língua é que é

todas elas são sistemas altamente complexos que, ao serem estudados de forma particular,

podem ajudar a compreender o funcionamento cognitivo humano em geral, pois demonstram

como o ser humano codifica a compreensão do mundo nas estruturas linguísticas.

Um terceiro motivo que o autor ressalta se relaciona à própria existência dos povos.

Garantir a conservação de uma língua significa lutar pela sobrevivência física e espiritual de

um povo. Uma língua é um importante fator de coesão dentro de uma comunidade,

conferindo-lhe uma identidade, além de ser um veículo para a transmissão da cultura.

Para Eberhard (2013, p.4-5) ―todos perdemos com a morte de uma língua‖, dentre

algumas perdas destaca:

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1) A perda de um vocabulário rico em domínios de conhecimento

cultural, incluindo conhecimentos medicinais e biológicos, de flora e

fauna. O nosso conhecimento do mundo (a ciência) perde. 2) A perda de

uma cosmovisão única, com perspectivas sobre o mundo que também

são únicas. O nosso conhecimento das culturas humanas (antropologia)

perde. 3) A perda de um sistema linguístico único, que nunca mais será

repetido (sem ele a tarefa de descrever as línguas humanas fica

empobrecida pela falta de diversidade). Nosso conhecimento da

linguagem humana perde. 4) A perda de identidade histórica, deixando

um povo sem o seu passado, sem as suas raízes (o resultado disso pode

ser visto nas etnias onde os jovens estão sofrendo uma crise de suicídios,

vivendo numa sociedade desligada com seu passado e sem esperança

para o futuro). O povo perde. 5) A perda de oportunidades para o povo

ser multilíngue. O povo perde de novo. Esta última perda implica perdas

sofridas pelas crianças e jovens dessas comunidades: i. perda de

oportunidades para as crianças dessas comunidades terem um

desenvolvimento intelectual melhor (sendo o multilinguismo um dos

mais fortes alicerces acadêmicos). ii. perda de oportunidades para as

crianças dessas comunidades terem a vantagem no desenvolvimento da

cidadania e caráter civil e moral – pois o multilinguismo ajuda a

promover uma perspectiva de inclusão e de tolerância a outros, evitando

uma sociedade etnocêntrica e língua-cêntrica.

Em função de todos esses pontos que fundamentam os esforços de salvar línguas

ameaçadas, some-se a eles, em particular, as lutas dos povos indígenas nas últimas décadas no

sentido não só de preservar seus territórios, mas também de garantir a manutenção de suas

línguas. Para tanto, a pesquisa linguística tem uma importante contribuição a dar, por meio do

registro dessas línguas, o que se tem feito pela elaboração de gramáticas, dicionários, coleta

de textos orais de diferentes gêneros e pela elaboração de ortografias. Essas ações, aliadas à

educação diferenciada, intercultural e bilíngue e a projetos econômicos de desenvolvimento

sustentável, podem dar melhores condições de vida aos indígenas e contribuir para o

fortalecimento da identidade étnica que lhes é própria.

Sabe-se que as línguas indígenas brasileiras hoje ainda são pouco estudadas. Faltam

mais investimentos no âmbito da pesquisa e mais investimentos que possam dar conta da

grande demanda e dos custos bastante altos que envolvem esse tipo de pesquisa.

De acordo com Rodrigues (2005 ), nessa época, se somássemos professores e alunos

envolvidos nesse processo de pesquisa indígena hoje temos

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uma centena de pessoas envolvidas em pesquisa de línguas indígenas, a

maioria ainda estudantes, mas cerca de quarenta doutores. Com o apoio da

Associação Nacional de Programas de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras

e Linguística (Anpoll), veio consolidando-se, desde 1985, um Grupo de

Trabalho sobre Línguas Indígenas (GTLI), o qual promoveu, em 2001, o

primeiro encontro internacional, ao qual compareceram 90 pesquisadores,

dos quais 12 estrangeiros (Cabral e Rodrigues, 2002). Dos brasileiros, 23

eram doutores e os demais, estudantes de graduação e pós-graduação. Destes

últimos, alguns já concluíram o doutorado nos últimos dois anos, no Brasil

ou no exterior, alguns destes ainda como reflexos do PPCLIB. (RODRIGUES, 2005, p.38)

Para Rodrigues (op. cit.), há um longo trabalho a ser realizado, que passa pelas lutas

indígenas, pelo desenvolvimento de políticas públicas e pelo comprometimento de

pesquisadores da academia com as múltiplas faces desse tipo de pesquisa, que é mais do que

um projeto cientifico, mas uma forma de comprometimento com os ideais humanos mais

nobres, tais como a solidariedade, a justiça e a ética.

Em suma, a luta pela preservação de uma língua indígena deve ser um projeto de vida

não só do povo indígena, mas também daqueles que se propõem a contribuir no processo de

fortalecimento das línguas e culturas indígenas. Mesmo que para os não indígenas, o apoio à

causa possa representar problemas, visto que num contexto de desenvolvimento econômico

baseado na exploração dos recursos naturais e dos seres humanos, defender os interesses das

minorias étnicas envolve certos riscos, especialmente se essa defesa contrariar os interesses de

determinadas elites e grupos econômicos. Entretanto, o apoio de linguístas, antropólogos,

sociólogos e pedagogos são fundamentalmente necessários, assim como o envolvimento das

instituições que promovem o desenvolvimento humano como um todo, principalmente as

universidades.

Rodrigues (2000) ressalva que o reconhecimento do valor do bilinguismo como uma

metodologia a ser usada em prol da preservação, manutenção e vitalização das línguas

indígenas, sobretudo na escola, lugar onde o falante indígena deve perceber que todo e

qualquer conhecimento, seja ele produzido pela cultura indígena, seja produzido pela cultura

não indígena, pode ser transmitido por meio de sua língua. Para Rodrigues, ao obter essa

percepção o indígena valorizará sua língua, pois saberá que ela, assim como a língua

portuguesa, cumpre os fins comunicativos que nela se queira realizar. Concordamos com

Rodrigues (2000) quando enfatiza que o ensino de língua pautado em perspectiva bilíngue é

uma forma de estimular o uso das línguas indígenas pelos próprios falantes para, assim,

preservá-las.

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Braggio (2004) defende que, para que isso aconteça de forma concreta é necessário

que o linguísta assessore as comunidades indígenas no que concerne às áreas de bastante

complexidade, como: bilinguismo, aquisição de segunda língua, aquisição da língua escrita na

língua nativa e português – assim, seria possível detectar os impactos sociais, culturais e

ideológicos que a instauração da escrita causa em uma comunidade indígena. Para tanto,

segundo a autora, são necessárias parcerias

[...] de linguísta com linguístas e destes com antropólogos, historiadores,

geógrafos, matemáticos, etnólogos, arqueólogos, e, claro, com as

comunidades indígenas, os principais atores desse cenário, se se pretende

partir da sistematização do conhecimento indígena, para com base nele,

introduzir-se o conhecimento ocidental, de maneira a minimizar os conflitos

entre visões de mundo diversificadas, em um real processo de

interculturalidade em que há trocas de conhecimento, sem desprestigiar o

conhecimento indígena, mas, ao contrário, sistematizá-lo e trazê-lo à luz,

valorizá-lo, uma adição desse conhecimento à educação escolar, seu

princípio e não sua substituição.‖ (BRAGGIO, 2004, p 37)

De acordo com Fernandes (2010, p.75), parcerias firmadas entre o movimento

indígena e diferentes setores que debatem e defendem questões indígenas, tais como

universidades, ONGs [...] têm se constituído estratégias de re-significação e apropriação da

escola, transformando a instituição historicamente conhecida pelo caráter colonizador em

instrumento de luta em favor da afirmação identitária, no desenvolvimento de processos de

produção, transmissão, sistematização e registro dos conhecimentos dos povos indígenas.

Entretanto, isso não tem sido suficiente. Falta o principal. Vontade política que

viabilize novos projetos e o andamento dos projetos atuais. Na prática, isso significa fomento

à pesquisa indígena, em diferentes aspectos de sua existência. No Brasíl, de acordo com a

UNESCO,

(...) as políticas oficiais são voltadas exclusivamente ao ensino do português,

a língua oficial, dando apoio inclusive fora do país (Angola, Timor Leste).

Poucos países demonstram oficialmente tanto descaso com a preservação de

línguas em risco – apenas alguns grupos de defesa dos direitos indígenas e

universidades (destacando-se a UnB) têm tal preocupação, em projetos

esparsos com pouco suporte estatal. No Brasil, a proteção às línguas em

risco está intimamente ligada à questão indígena, que ainda é alvo de

controvérsias. O governo atual se mostra aberto ao reconhecimento de

direitos indígenas, mas o problema principal do país é a implementação de

políticas eficazes nesses campos. É um alvo constante de crítica dos

linguístas e interessados na proteção de línguas em risco. (UNESCO, 2009,

s/p)

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80

3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICA LINGUÍSTICA E

PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO

Aqui, fazemos uma reflexão sobre alguns dos fatores envolvidos na elaboração e na

condução de políticas e planejamentos linguísticos necessários para o fortalecimento de

línguas indígenas. Vamos dar ênfase a importância de se fazer planejamentos linguísticos

locais.

Todas as políticas públicas que se arvoraram em defesa dos interesses indígenas até

1970 tinham como objetivo central a sua assimilação pelo extermínio cultural, noutras

palavras a intenção era torná-los ―civilizados‖, integrá-los, moldá-los aos padrões culturais da

sociedade não indígena, de tal modo que em poucos anos não existiriam mais. Foi sob esse

conceito que foi criado Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910 e depois a Fundação

Nacional do Índio (FUNAI), na década de 1960. Somente a partir da Constituição de 1988,

com o avanço e lutas dos movimentos indígenas, é que se garantiu o direito dos indígenas de

se manterem de modo permanente nas terras que historicamente ocupam e de preservarem sua

cultura e língua, não mais sob a tutela do Estado, mas a partir de suas reivindicações e de suas

organizações.

Nesse novo contexto, cabe ao Estado somente salvaguardar tais direitos garantindo a

demarcação das terras e desenvolvendo políticas públicas de saúde e de educação

diferenciada, que, como a realidade bem demonstra, estão longe de serem efetivados.

A ideia de educação diferenciada, garantida na Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), na Constituição (artigos 231 e 232) e na LDB (Lei 9.394/96,

artigo 78), está no cerne da educação escolar indígena, entendida pela mesma LDB como

processo de aprendizado dos povos indígenas via instituição escolar de suas próprias línguas e

da língua portuguesa (bilinguismo), valorizando-se a identidade étnica pela promoção de

conhecimentos tradicionais desses povos, mas ao mesmo promovendo conhecimentos

técnicos e científicos das demais sociedades, especialmente não indígenas, que visam

qualificar os indígenas para atuar nos quadros técnicos e nos movimentos em defesa de seus

direitos. É a chamada educação específica, diferenciada e crítica, na qual os sujeitos são

considerados ativos e não meros receptores de conteúdos, assim a educação bilíngue é parte

fundamental dessa educação, pois dá aos sujeitos o direito de adquirir conhecimentos não só

de sua língua, mas em sua própria língua. Como todas as demais conquistas dos povos

indígenas, o direito a uma educação bilíngue é algo também bastante recente.

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3.2.1 Política Linguística e Planejamento Linguístico. Que medidas tomar para se

arquitetar uma política linguística pró-língua minoritária?

As breves reflexões sobre políticas linguísticas que fazemos aqui têm como referências

Crystal (2000); Hinton (2001); Oliveira (2003), Calvet (200) e Maher (2008, 2010).

Maher (2010, p.45) em grande parte de suas pesquisas dedica-se às questões sobre

políticas linguísticas e povos indígenas, e apresenta a diferença entre política linguística

(language policy) e planejamento linguístico (language planning), e considera que está

havendo o mau uso de uma pela outra ao longo das discussões sobre línguas indígenas nas

últimas décadas. De acordo, com a autora, a primeira é geralmente entendida como um

conjunto de metas, de objetivos (governamentais ou locais) referentes à(s) língua(s)

existente(s) em um dado contexto específico, enquanto que planejamento linguístico refere-se

aos modos de operacionalização, de implementação de uma dada política linguística. Aqui, a

autora usa o termo política linguística para referir, tanto ao estabelecimento de objetivos

(sócio) linguísticos, quanto aos modos de concretização dos mesmos.

Ainda de acordo com Maher (2010, p.35) a eficácia de tais políticas depende da

realização de diagnósticos, tão acurados quanto possível, do grau de vitalidade dessas línguas

nos ambientes e domínios em que elas são usadas, bem como das atitudes dos falantes em

relação às mesmas.

Sabemos que o planejamento e a condução de políticas linguísticas variam muito e

que dependem, por um lado, da situação em que a língua se encontra e por outro lado, do

desejo da comunidade de fala de querer ou não vitalizá-la. Deste modo, cabe a cada

comunidade de fala diante do diagnóstico realizado sobre ―a saúde de sua língua‖ elaborar um

Projeto Educacional12

que contemple os usos, espaços e funções de sua língua. Ou seja, a

comunidade deve pensar como é que a língua indígena deve ser ensinada como primeira

língua ou como segunda língua. E, por conseguinte, deve estabelecer estratégias

metodológicas para resolver questões como ‗O que?‘, ‗Para quê?‘ e ‗Como ensinar?‘, assim

como pensar as estratégias de fortalecimento da língua que serão desenvolvidas na e pela

comunidade. É fundamentalmente necessário, também, que a comunidade traçe os papéis da

escola e da família no seu planejamento linguístico.

12

Neste trabalho, estamos considerando que a partir do que foi mensurado sobre o perfil sociolinguistico dos

Kyikatêjê (ver Capítulo VI) , estes possam construir um Projeto Educacional local com a intervenção dos

membros da comunidade em função de políticas linguísticas eficazes que possam garantir a salvaguarda de sua

língua.

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Maher (2008) pautada em Crawford (1996), Hornberger (1996), Krauss (1998)

Wilkins, 2000; Hinton, 2001, ressalta que é importante não perder de vista que a orquestração

de políticas pró- línguas indígenas, quando sob a responsabilidade exclusiva de especialistas

externos, tende a fracassar, já que esses detêm um conhecimento apenas parcial das culturas e

dinâmicas sociais locais. Assim sendo, um forte envolvimento de atores, instituições e

organizações das próprias comunidades de fala na elaboração e implementação de políticas de

fortalecimento linguístico é condição fundamental para que essas possam ser bem sucedidas.

Aos especialistas caberiam, além de encorajar o desenvolvimento de tais políticas, fornecerem

recursos e capacitação para torná-las viáveis. Maher (2008, p.412) salienta que a garantia de

vitalidade de qualquer língua está na sua transmissão intergeracional.

Maher (op. cit., p.412) fundamentada em Krauss (1998) afirma que os programas de

educação bilíngue para as comunidades indígenas norte-americanas estão, na verdade, tendo

um efeito perverso por permitirem que essas comunidades se eximam da responsabilidade de

transmitir suas línguas tradicionais às crianças e a deleguem à escola. As instituições

escolares, na perspectiva desse autor, podem, na melhor das hipóteses, apenas retardar um

pouco os processos de perda linguística.

Na opinião da pesquisadora norte- americana McCarthy (1998) apud Maher (2008,

p.412) que atua junto ao povo Navajo da reserva de Rough Rock, Arizona, nada pode

substituir a família no processo de transmissão de uma língua minoritária.

Contudo, Maher (2008) salienta que a gravidade do deslocamento cultural e

linguístico em muitas comunidades indígenas é tamanha que a única solução para essa crise

está na construção de uma agenda, de um projeto coletivo para aumentar a consciência dos

riscos de a língua indígena desaparecer e para organizar estratégias individuais, familiares e

comunitárias de enfrentamento do problema. E, nesse processo, as escolas indígenas, explica

a autora, passaram a exercer um papel fundamental, tornando-se o centro da arena nas quais

as políticas linguísticas são negociadas. Os professores indígenas, também possuem grande

papel, pois além de reforçarem a importância da língua indígena no currículo escolar, porque

são formadores de opinião, vêm angariando importante apoio, no interior de suas

comunidades, para o projeto de fortalecimento linguístico e orientando os esforços familiares

nessa direção.

Vários outros autores abraçam esses argumentos. Para Maher ( op.cit. p. 413),

fundamentada em Hornberger (1996) e López (2005), a instituição escolar é peça fundamental

para o estabelecimento de políticas linguísticas locais (bottom up) pró-línguas indígenas.

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83

Hinton (2001 a) também corrobora no sentido de que a escola é um espaço de manutenção da

língua de determinado povo.

Diante do que foi discutido, acreditamos que as decisões políticas governamentais

precisam considerar as questões sociais envolvidas com e nas comunidades de fala, para se

colocar em prática as ações de um planejamento linguístico que proporcione a comunidade

local decidir de forma coletiva as metas a serem desenvolvidas em prol da vitalização de suas

línguas, pois só a própria comunidade é capaz de traçar ações para avaliar o nível em que se

encontra sua língua em termos de ameaça ou perigo de extinção, para em seguida pensar

sobre ações locais capazes de reverter tal situação.

Assim, as comunidades indígenas que se encontram com suas línguas em

obsolescência precisam pensar na necessidade de fortalecimento político e organização dos

povos indígenas no Brasil para defesa de seus direitos, dentre eles, se assim o quiserem, na

defesa da manutenção ou vitalização de suas línguas, como afirma Monserrat:

para que isso aconteça, a língua precisa ser respeitada e prestigiada, ter status

mais elevado, e isso têm de ocorrer também de fora para dentro, da

sociedade maior para a sociedade minoritária. Só que... para que isso

aconteça, as sociedades indígenas como um todo, não apenas suas línguas

têm de ser respeitadas e prestigiadas, dispor de status mais elevado dentro

da sociedade maior. Só que… para que isso aconteça, é preciso haver, mais

que uma política pública (da) de reconhecimento e respeito pelos direitos das

sociedades indígenas – entre eles o de manter e desenvolver suas línguas

próprias –, a criação de instrumentos políticos e materiais que lhes permitam

exercer plenamente esses direitos. Só que… para que isso aconteça, é

imprescindível a pressão organizada, a reivindicação dos principais

interessados, juntamente com os segmentos mais conscientes da sociedade

maior. (MONSERRAT, 2006 p. 128)

Assim, é necessário que as entidades, organizações dialoguem com as

comunidades acerca das políticas de vitalização de língua que almejam para sua comunidade,

pois como sabemos ―só o Estado tem Poder para implementá-la, colocá-la em prática, através

de um planejamento lingüístico.‖ (MONSERRAT, op.cit., p.129).

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Faulstich (2000) também corrobora com a referida opinião quando afirma que

... nenhuma ação de política linguística caminha sozinha e cabe ao Estado

dar respostas ao problemas linguísticos, quando cria, por exemplo,

legislações linguísticas de longo alcance social. Cabe também ao Estado dar

suporte a políticas educacionais que garantam o uso das línguas oficial ou

oficiais, nacionais e línguas minoritárias no espaço geográfico, a saber,

território e país, e no espaço étnico, a saber, pátria e nação. ( FALSTICH,

2000 )13

Contudo, essas ações não podem ser ―sem consulta democrática das populações

envolvidas, ou sem controle democrático dos diversos estágios de aplicação de uma política.

(MONSERRAT, op.cit, p.131).

Mas como fazer valer o cumprimento de certas diretrizes federais da educação nas

instâncias estaduais e principalmente municipais? Eis um grande problema encontrado em

grande parte das comunidades indígenas – pois ainda não encontraram a verdadeira

funcionalidade social da sua língua no seio de sua comunidade, e a escola como já dissemos

anteriormente tem sido um instrumento a serviço da ―assimilação‖ das sociedades indígenas à

sociedade dita nacional. D‘Angelis afirma que há muitas limitações nos projetos étnicos que

vem impedindo que

... eles sejam o caminho da conquista de verdadeira autonomia dos povos

indígenas. Isso talvez explique porque no Brasil ainda não existe um

movimento indígena autônomo (essa é a minha avaliação, ainda que um

tanto provocadora). Por outro lado, como já se discutiu, projetos políticos

conservadores subordinam qualquer movimento ou organização indígena aos

interesses da classe dominante (que se beneficia das desigualdades sociais e

do controle do Estado brasileiro).‖ (D‘ANGELIS, 2001, p.53, 54)

Maher em sua pesquisa sobre Políticas Linguísticas, Políticas de Identidade revelou

que o próprio professor indígena e outros líderes indígenas têm colocado em perigo as suas

línguas tradicionais - ―aprendem português em seus cursos de formação e em suas estadias

nas cidades e depois ―levam‖ essa língua para suas aldeias.‖ (MAHER, 2010, p.40),

reforçando assim a soberania da cultura dominante.

Diante de tal problema, Maher coloca em discussão o seguinte:

13

FAULSTICH, Enilde. O papel político-linguístico do Brasil no contexto de um novo mapa de interação

social . Conferência. Seminário Idioma e Soberania - Nossa Língua, Nossa Pátria. Câmara dos Deputados,

Auditório Nereu Ramos, em 14 de março de 2000, Brasilia-DF

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... como então conciliar uma língua de (re) afirmação identitária (língua

indígena) com a necessidade de outra que traz vantagens econômicas,

políticas e sociais no interior das próprias aldeias, que viabiliza a

comunicação inter-étnica e que pode contribuir para garantir que terão seus

direitos assegurados junto à sociedade envolvente (língua

portuguesa)?‖(MAHER, op.cit., p.40)

Maher (2010) fundamentada em (FISHMAN, 1996; ZIMMERMANN, 1997;

WILKINS, 2000; HINTON, 2001) afirma que é preciso pensar em políticas linguísticas em

contextos multilíngues a partir da ecologia do ambiente linguístico. Em outras palavras:

... da necessidade de se entender como podemos maximizar as inter-relações

funcionais entre línguas que coexistem em uma mesma comunidade de fala.

Se, por um lado, é preciso pensar em estratégias que assegurem que a língua

nacional não irá substituir as línguas indígenas no domínio familiar, por

outro, elos de cooperação e complementaridade entre essas línguas, do ponto

de vista de uma ecologia linguística produtiva, precisam ser identificados e

fortalecidos. (MAHER, op.cit, p. 41)

Thomason (2001) também acredita na concepção de que existe uma ecologia da

interação linguística, haja vista que os grupos de status procuram preservar a sua língua nativa

e ao mesmo tempo aprende a língua do colonizador para estabelecer relações de interesses

comerciais. Deste modo, as situações multilíngues coexistem nessas relações e são necessárias

para o estabelecimento da comunicação em vários contextos situacionais.

Sabemos, no entanto, que o bilinguismo é muito mais difundido do que o

monolingualismo. Cidadãos monolingues de países tradicionalmente

dominados pelo Inglês (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e

Nova Zelândia) tendem a acreditar. A ideia de que monolingualismo é a

norma humana é um mito. (THOMASON, 2001, p.30) 14

14

Ver original ― We do know, however, that bilingualism is much more widespread than

monolingual citizens of countries traditionally dominated by English (the United States, the United

Kingdom, Canada, Australia, and New Zealand) tend to believe. The idea that monolingualism is the

human norm is a myth‖THOMASON, 2001, p.30)

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86

3.2.2 Planejamentos Linguísticos

Gonçalves, (2009, p.213, 214) fundamentada em Cooper (1989), identifica três tipos

de planejamento: 1) planejamento de status; 2) planejamento de aquisição e 3) planejamento

de corpus. O primeiro valoriza a língua em qualquer aspecto oral e escrito; o segundo se

preocupa com a forma como a língua será ensinada em programas específicos e o último diz

respeito a própria materialidade linguística de uma dada língua, como: criação de alfabetos,

projetos de reforma de sistemas de escrita. Ou, ainda, esforços para a ―modernização da

língua‖ de modo a atender novas demandas da comunidade, como o desenvolvimento de

neologismo ou de gêneros de comunicação.

Entretanto, segundo Hinton (2001a: 51), para que os planejamentos linguísticos

tenham sucesso, é importante considerar as seguintes orientações:

1. o estabelecimento de processos e pesquisas para o planejamento

linguístico ajuda a comunidade a criar metas mais realistas e estratégias mais

efetivas para atingir seus objetivos;

2. o planejamento linguístico ajuda a comunidade a ver os objetivos

estabelecidos em longo prazo e os vários projetos que podem ser realizados;

3. o envolvimento da comunidade no estabelecimento de suas próprias

políticas linguísticas tanto quanto dos agentes externos que participam do

processo, como por exemplo, linguístas, pedagogos, agentes do governo e de

organizações não-governamentais;

4. o planejamento linguístico pode ajudar a coordenar o que poderiam ser

esforços desiguais ou conflitantes de diferentes pessoas ou grupos;

5. um bom planejamento pode ajudar a prevenir ou reduzir faccionismos e

rivalidades que possam surgir em torno da língua sendo que tais fatores são

causas de redução da efetividade desses esforços de revitalização.

As referidas orientações em torno da condução de um planejamento linguístico local

são relevantes, haja vista que estas darão suporte para as comunidades indígenas traçarem

estratégias que vão direcionar o planejamento linguístico do uso e aquisição das línguas

indígenas nas suas comunidades. É importante ainda reiterar que o processo de vitalização das

línguas indígenas depende da atitude do grupo local em querer ou não vitalizar a língua de seu

povo.

Acreditamos que se a comunidade conseguir cumprir as metas de seu programa de

vitalização de forma ética e coletiva, muitas línguas serão faladas novamente e, a própria

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comunidade poderá elaborar projetos de adequação de algumas formas de escrita para que sua

língua possa atender novas formas de se comunicar com a sociedade envolvente; pensar ainda

em investimento governamental em material didático específico para a educação indígena no

intuito de fortalecer o ensino-aprendizagem da língua indígena na escola. Essa consciência

política e mudança de atitude comprovam ainda que os indígenas são os principais atores

políticos das ações envolvendo o seu povo, seja em relação à língua, ao ensino ou a qualquer

outro direito coletivo.

Feitos esses esclarecimentos sobre política linguística e planejamentos linguísticos,

vamos tratar a seguir de atitudes linguísticas e processos de identidades, a fim de observar a

relação entre língua e identidade e as atitudes linguísticas dos falantes em relação à sua

língua.

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CAPÍTULO IV

4 LINGUA, ATITUDES LINGUÍSTICAS E PROCESSOS IDENTITÁRIOS DOS

SUJEITOS

De acordo com Mello (1999) uma língua reflete o comportamento social do

indivíduo, pois está diretamente ligada à vida, a história de vida de uma determinada

sociedade. Assim, ―são os falares, os modos de ser, os valores, as crenças que fazem com que

os povos sejam diferentes ou semelhantes, porém singulares. Não há sequer dois grupos

sociais idênticos em todos os seus aspectos, inclusive o linguístico.‖ (MELLO, op.cit., p.23).

Como exemplo, temos o português no Brasil, que embora seja um único sistema linguístico,

possui diferenças geográficas (de Norte a Sul) manifestadas em todos os níveis – lexical,

mórfico, sintático, fonológico e fonético; podemos ainda destacar as ―línguas minoritárias,

entre elas as indígenas e as de imigração, cujos falantes sofrem diversos impactos do contexto

sociolinguístico em que se inserem (MASSAROLLO, 2012, p. 2).

Deste modo, o que fazer diante dessa diversidade que no caso especificamente das

línguas minoritárias indígenas, sofrem em decorrência ―da divisão política e econômica entre

os povos do mundo‖, pela própria tendência de se considerar que algumas línguas ou

variedades são superiores, e outras desprivilegiadas, sendo que ―Algumas variedades recebem

o status de língua, enquanto outras recebem o de dialeto (MELLO, op.cit., p.25). Ainda,

segundo esta autora,‖ Não há razões linguísticas propriamente ditas para tal estratificação. As

razões são de ordem ideológica, política, econômica, social, cultural etc. É pura e

simplesmente uma questão de hegemonia linguística, mas é desta forma que a variedade

falada pelos grupos que se posicionam no ápice da pirâmide social adquire status de padrão‖

(op. cit.).

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Para Mello, vários estudos têm mostrado que

A língua nativa praticamente limita-se à comunicação interna na

comunidade. Geralmente é a língua "do branco" que prevalece em todas as

outras situações. A assimilação da e pela língua-cultura dominante é vista

como a única forma de ascensão econômica e social (se é que ainda lhes é

dado esse direito). (MELLO, op.cit., p.36)

Diante dessa realidade, constata-se que a língua de maior prestígio social tem ditado

até hoje a pauta de atitudes linguísticas 15

de uma dada comunidade de fala, que no caso das

línguas minoritárias são em geral, variedades socialmente estigmatizadas. Pereira (2013, p.39)

afirma que as atitudes linguísticas, ―são motivadas pelas pressões externas, fruto do contato e

da interação social entre os povos‖- assim, o contato entre línguas ou formas diferentes de

falar estabelece relações que vão muito além do plano psicológico, mas são da ordem do

político, das relações de força e de poder.

Acerca de atitudes linguísticas, Pereira (2013, p. 37), pautado em Lambert e Lambert

(1975) destaca que:

... uma atitude é uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir

em relação a pessoas, grupos, questões sociais ou, mais genericamente, a

qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante. Seus

componentes essenciais são os pensamentos e as crenças, os sentimentos (ou

emoções) e as tendências para reagir. Dizemos que uma atitude está formada

quando esses componentes se encontram de tal modo inter-relacionados que

os sentimentos e tendências reativas específicas ficam coerentemente

associados com uma maneira particular de pensar em certas pessoas ou

acontecimentos.

Diante do exposto fica claro que a idéia de atitude linguística é compreendida como

um processo, que segue algumas etapas, a saber: a percepção do objeto, a demonstração ativa

de um indivíduo, o enquadramento do objeto no sistema de crenças e valores do indivíduo e

sua eventual reação emotiva. A tendência a certo tipo de ação torna-se assim o produto, o

resultado final desse confronto.

15

As primeiras investigações sobre atitudes linguísticas remontam à década de 60, quando Lambert, Hodgson,

Gardner e Fillenbaum (1960) investigaram a avaliação de jovens canadenses falantes de francês e de inglês, em

relação às suas próprias línguas. (Cf.. CYRANKA& RONCARATI, 2009,p.2)

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90

Se pensarmos sobre a situação de grande parte das comunidades indígenas que se

encontram com suas línguas nativas quase extintas, é necessário que estas comunidades

reajam para salvaguardar sua língua. No caso específico da comunidade em estudo, a língua

indígena Kyikatêjê foi fortemente influenciada pelas pressões externas (de natureza histórica,

econômica, política, cultural).

Tendo em vista essas considerações, o que faz um falante decidir em falar uma ou

outra língua, vai depender das necessidades mediatas e imediatas deste falante e, como sugere

Scaramucci (s/d, p.97), das suas necessidades ―até mesmo pessoais, nesse caso, o aprendiz

não só associa a uma competência na língua alvo certas vantagens, tais como um bom

emprego e uma educação melhor, como também vê nela um instrumento de prestígio e

sucesso social.‖

Na pesquisa que conduzimos para esta tese, pudemos comprovar pelos questionários

aplicados aos membros da comunidade e pelas entrevistas feitas, que os Kyikatêjê sentem a

necessidade de conviver com as duas línguas – Português e Kyikatêjê, pois a primeira de

caráter social e utilitarista propicia maior interação do grupo com a sociedade envolvente, já a

segunda representa ―a língua do seu coração‖ (PIMENTEL DA SILVA, 2009, p. 146),

marcando as identidades e raízes desse povo. Mas infelizmente, essa maior expressão da

cultura do povo Kyikatêjê corre risco de se extinguir e os conhecimentos tradicionais, suas

formas de organização social e cultural, a sua história milenar pode mudar a direção de suas

vidas, com a obsolescência da língua, pois se não ocorrer mais a interação e uso da língua,

poderá haver igualmente o afastamento da comunidade local das manifestações culturais que

praticavam, talvez até sem consciência dos próprios indígenas.

Sabemos que o extermínio físico dos povos indígenas tem sido o maior impedimento

à manutenção e ao aprendizado de suas próprias línguas, mas também à assimilação cultural

tem sido um instrumento poderoso de extinção das línguas, em que o Português, língua de

prestígio, desloca a língua indígena do seu uso como primeira língua, como língua de cultura,

marcando assim uma imposição linguística. E é isso que ocorre com os Kyikatêjê, na

atualidade. É, portanto, necessário que os falantes assumam atitudes mais positivas sobre o

uso de sua própria língua na comunidade e que apóiem o grupo que deseja o fortalecimento,

restabelecimento ou manutenção da língua materna.

Sendo assim, o projeto de fortalecimento de línguas nas comunidades deve

considerar os indígenas como sujeitos desse processo identitário e respeitar a diversidade

cultural e histórica das comunidades étnicas.

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Estamos considerando as questões de identidade, língua e cultura a partir de um olhar

descentrado e transversal, buscando pensar uma identidade fundamentada a partir de uma

visão contemporânea de um outro lugar de enunciação16

, lugar este que vem questionar as

identidades fixas, embasado nos estudos culturais e perspectivas teóricas da diferença e do

hibridismo17

cultural de Bhabha (1998), Hall (1997), Canclini (1998) e de Silva (2000).

Assim, defendemos que a identidade sob essa abordagem transforma-se em algo móvel, que

se define historicamente e não biologicamente.

Deste modo, acreditamos numa identidade que está em processo de construção e

desconstrução contínua, que dialoga e que ao mesmo tempo nega a ideia de perda, que pode

ser encontrada em um tempo descontínuo. (BHABHA, 1998).

A partir dessa concepção de identidade percebemos que o sujeito vai se construindo

pelas e nas diversas formações discursivas com as quais se identifica e encontra seu

significado, colocando em funcionamento complexos processos identitários e culturais, ao

mesmo tempo produzindo ―evidências‖ de alteridade18

, bem como a relevância de tudo aquilo

que é diverso, múltiplo e heterogêneo. É neste descontínuo que a cultura se desenvolve, em

meio a uma identidade deslocada. Hall nos diz que ―Uma estrutura deslocada é aquela cujo

centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por uma pluralidade de centros de

poder‖ (HALL, 1997, p.17).

Assim, entendemos Cultura(s) e Identidade(s) justapondo-se umas as outras num

processo hibridizante19

, descentrado, fragmentado, típico dos tempos globalizados20

. Para

Bhabha (1998) as identidades no presente momento teriam como características a

fluidez e a transitoriedade.

16

Lugar dialogado, contaminado, miscigenado, misturado; inerte em um espaço que não é o seu, nem o do outro,

tampouco um novo, mas um espaço de justaposição entre as vozes do discurso, ambiente que propicia as

mesclagens culturais; espaço intermediário que se assemelha à intersecção entre dois conjuntos. 17

Híbrido é um termo que surgiu com o advento da pós-modernidade que significa a mistura, miscigenação,

valorização do múltiplo; do diverso, valoriza a impureza dos discursos, costumes, línguas, raças, etnias, culturas. 18

Formas de mobilizar /perceber o outro – no contexto: o respeito ao discurso do outro. 19

É o respeito à alteridade e a valorização do diverso. O conceito de híbrido estaria subvertendo os paradigmas

homogêneos da modernidade e inserindo-se na movência da pós-modernidade, associando-se ao múltiplo e ao

heterogêneo (cf.. BERND, 1998). 20

A globalização foi um fator essencial para este deslocamento da ideia de identidade do sujeito; Canclini (1998,

p.17) reforça o peso da globalização na construção do pós-moderno: ― (...) a globalização nos coloca ante o

desafio de configurar uma‖ segunda modernidade‖, mais reflexiva, que não imponha sua racionalidade

secularizante e, sim, que aceite pluralmente tradições diversas.

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A partir desse entendimento, a questão da cultura estaria deslocada para um espaço

projetivo do ―além‖, próprio de uma época em que populações estariam em constante

movimento de migração e imigração, hibridismo.

Qaunto à comunidade Kyikatêjê constatou-se que o contato interétnico com a

sociedade envolvente lhe trouxe grandes sequelas, tendo em vista uma história de ocupação

marcada por violência, impactos ambientais causados pelas Centrais Elétricas do Norte do

Brasil S/A (ELETRONORTE) e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), dentre outros. Essa

relação dos indígenas com os não indígenas foi decisiva para que o processo de hibridização

emergisse no seio da comunidade, pois sentiam e ainda sentem a necessidade de se relacionar

com os não indígenas quer para solucionar algum tipo de problema interno na comunidade,

quer para buscar ascensão social- cursando uma Universidade, participando de cursos

específicos interculturais indígenas que possam levá-los a uma qualificação profissional e

consequentemente melhorar a educação escolar de sua comunidade. Isso tudo revela a

autonomia e protagonismo desse povo que esteve há décadas subordinado às decisões de

órgãos governamentais, como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Assim, para entender a relação entre os indígenas e os não indígenas, é necessário

que se compreenda que essas trocas sociais e econômicas foram decisivas para a

ressignificação das atitudes e crenças dos Kyikatêjê, pois refletiram na vida biossocial dessa

comunidade, quer de forma direta ou indireta, onde cada um faz uso de estratégias próprias

com vistas ao seu crescimento profissional, ascensão política e econômica.

Nesse sentido, Silva (2000, p.81-82) afirma que os processos de identidade e

diferença possuem uma relação de dependência. Ou seja, são criações sociais e culturais, que

não existem em si mesmos, precisam ser estabelecidos nas relações biossociais, onde entram

em cena as relações de poder ―incluir / excluir‖; ―estes pertencem/ aqueles não‖; demarcar

fronteiras –―nós‖ e ―eles‖, ―puros‖ e ―impuros‖, ―desenvolvidos‖ e ―primitivos‖). Essas

oposições levam o grupo ou indivíduo a refletir sobre qual posicionamento deve tomar diante

das relações assimétricas simbólicas e discursivas na sociedade, pois ―ser isto‖ significa ―não

ser isto‖ e ―não ser aquilo‖ e ―não ser mais aquilo‖ e assim por diante.‖ (SILVA, 2000, p.77).

Desse modo, vimos que a tomada dessa escolha é uma questão de atitude do

indivíduo em relação ao que pensa, crê, sente, bem como reações. No caso da comunidade em

estudo observamos que os Kyikatêjê foram se adaptando e se ajustando neste ambiente já

modificado, móvel, hibridizado por novas experiências.

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No que concerne a decisão dos Kyikatêjê de vitalizar sua língua, trata-se de uma

escolha do povo que é dono de sua língua. Mas é necessário que essas ações não sejam

demoradas, pois estudos de Fishman (2001) têm mostrado que Projetos de Vitalização

começados tarde demais em línguas que se encontram nos níveis mais avançados da perda

linguística têm pouquíssimas chances de sucesso. O autor ainda alerta de que existe uma

porcentagem significativa dos projetos de vitalização em andamento no mundo todo que não

têm alcançado os seus objetivos iniciais, e não têm conseguido frear o processo da extinção. A

maioria desses projetos foi iniciada já nas últimas fases de vitalidade. Por isso, sugere que se

pense em projetos de fortalecimento graduais elaborados com a comunidade local, em vez de

tentar uma vitalização completa de línguas sem possibilidades futuras.

Hinton (2001, p.5), considerando o que diz Ladefoged (1992), ressalta que, se a

comunidade não se prontificar pela salvaguarda de sua língua, não haverá programas e nem

forças externas que ajudarão nessa vitalização. Porquanto sem a decisão e participação dos

falantes nativos de quererem usar a sua língua em certo contexto, nenhum esforço externo terá

efeito.

Ainda sobre o processo de vitalização linguística Cabral21

, numa de suas entrevistas22

afirma que o ―Linguísta não salva línguas. Antropólogo não salva línguas. Quem salva as

línguas são os índios. Que estejam fortes na sua cultura‖ - explica Cabral sobre a

sobrevivência de uma língua. Rodrigues acredita que ―é alta a necessidade de pesquisas

científicas que documentem, analisem, classifiquem e interpretem idiomas cuja maioria só

existe no Brasil, e que se assegurem condições às aldeias de transmitir suas línguas a outras

gerações.‖

Assim, concordamos com Eberbard (2013) que quando falamos da ―perda‖ ou da

―morte‖ de uma língua, é de fato uma metáfora. Na verdade, as línguas não se perdem e

nem morrem, mas são os povos que tomam a decisão de não usá-las. (grifo nosso)

Hinton (2001a, p.4) alerta que com a perda linguística as comunidades também

perderão suas identidades e tradições culturais, como: a literatura oral, a música, os

conhecimentos medicinais e suas habilidades artísticas.

21

CABRAL, A. S. A. C.; RODRIGUES, A. D. Patrimônio da Humanidade ameaçado de extinção. Disponível

em: endereço <http:// www.stellabortoni.com.br/index.php/artigos/1057>. Acesso em: 10 set. 2014.

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No capítulo seguinte discorremos sobre algumas ações que já estão sendo

desenvolvidas no Brasil e outras que estão sendo feitas em outros países, com vistas ao

fortalecimento das línguas em algumas comunidades indígenas.

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CAPÍTULO V

5 EXPERIÊNCIAS DE VITALIZAÇÃO DE LÍNGUAS INDÍGENAS: ALGUNS

CAMINHOS PARA O FORTALECIMENTO

O presente capítulo objetiva destacar algumas experiências de vitalização linguística

existentes no país e em outras partes do mundo, buscando reunir elementos que mostrem

caminhos a serem experimentados e que possa servir de referência para a comunidade

Kyikatêjê, no processo de vitalização lingüística de sua língua nativa.

Aqui, focalizamos as contribuições de Hinton e Hale (2001a) que descreveram

experiências de outros países sobre o processo de vitalização linguística e relatos ainda de

outros estudiosos que têm buscado meios para manter as línguas tradicionais de volta para o

uso e sugerem como podemos incluir programas e métodos para se vitalizar uma língua em

estágio de estado de obsolescência.

Com relação à extinção de uma língua, as autoras mencionadas apontam fatores que

são característicos para as dificuldades no processo de vitalização linguística, como a falta de

valorização do poder público no investimento de políticas e programas de reestruturação da

língua e valorização da identidade linguística da população indígena, fazendo com que

algumas políticas se sobressaiam nas línguas majoritárias sobre as línguas minoritárias; a

discriminação do grupo por não se adequar aos padrões linguísticos impostos no contexto

social vigente e a falta de incentivo das famílias no ensino-aprendizagem da língua tradicional

para gerações futuras, o que os permite perder suas origens (identidade).

Ainda de acordo com Hinton (2001a, p.4) mesmo que família mantenha a língua

tradicional no ambiente familiar, essa língua vai ter influência do ambiente externo, e esta não

perdurará, pois a língua majoritária utilizada na escola e em outros ambientes do dia a dia fará

com que a língua dessa minoria étnica seja substituída. E com os Kyikatêjê não ocorreu

diferente, houve o predomínio da língua portuguesa sobre a língua indígena, como dissemos

anteriormente. Deste modo, as crianças, jovens e adultos são monolíngües em português,

somente os poucos velhos (com mais de 60 anos são monolíngues na língua tradicional. ( ver

quadro 4, abaixo)

Nessa relação do predomínio da língua majoritária sobre a língua minoritária, nota-se

que na aldeia Kyikatêjê hoje praticamente nenhum membro da geração mais jovem são

falantes da língua (8-12; 13-30), mas reconhecem a importância de se aprender a língua para

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manter a cultura do povo. A geração dos pais (31-45; 46-60) são lembrantes e/ou entendentes

da língua. No primeiro caso, são pessoas que falam somente algumas palavras ou frases

isoladas; no segundo caso são pessoas que compreendem aquilo que ouvem na língua, mas

que não conseguem sustentar uma conversação na língua Kyikatêjê. Deste modo a língua

Kyikatêjê, já não é mais transmitida para as suas crianças, ou porque a geração dos pais não se

sente preparada para ensinar, devido ao seu pouco domínio sobre a língua ou porque alguns

vêm priorizando a língua portuguesa.

Gráfico 3: Sobre a língua que aprendeu a falar primeiro?

Nesse contexto, o predomínio de uma língua sobre a outra passa por uma hierarquia

(relações de prestígio e dominação, em que um grupo mais forte se subjugará sobre o mais

fraco). Como já foi dito essa relação assimétrica provoca o apagamento das tradições

culturais e linguísticas da comunidade, e como conseqüência perda da identidade, pois estes

vão deixando de falar suas línguas, assim a língua deixa de ser praticada e entra na

obsolescência. Com isso ocorre a sobreposição da língua majoritária para com a minoritária,

como bem afirma Thomason

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Desde que o Homo sapiens não é uma espécie pacífica, não é de estranhar

que os efeitos sociais de contato linguagem são, por vezes, doloroso ou até

mesmo letal. Em muitos desses casos a língua de uma cultura minoritária é

utilizado por uma cultura dominante como um marcador de alteridade

cultural: não só fornecer um meio de identificar as pessoas para serem

discriminados, mas também oferece um alvo de discriminação. Duas ou três

gerações atrás, como parte da política de assimilação cultural ditado pelo

governo federal, as crianças de língua Salish em Montana foram espancados

por falar sua língua materna, em vez de Inglês nas escolas de embarque; e

durante a era do apartheid na África do Sul, o uso de várias línguas africanas

indígenas como meio de instrução nas escolas elementares para negros

foram incentivadas a fim de prevenir a maioria dos negros africanos de

adquirir uma única língua comum e, assim, diminuir o risco de revolução

organizada23. (THOMASON, 2001, p. 05).

Hinton (2001a) distingue entre a língua do imigrante e a língua indígena, a primeira

não cai em desuso, pois o imigrante não a deixa de falar nas interações com seus pares e

utiliza a língua majoritária apenas como forma de comunicação, enquanto a língua indígena

passa a cair no desuso e a língua majoritária torna-se a língua do cotidiano na comunidade que

o indígena está inserido. Hinton (2001a, p.3) reitera que ―quando um grupo indígena para de

falar sua língua, ela desaparece da face da terra‖.24

Outro fator que influencia na perda da língua no ambiente indígena é mencionado

por Romaine (2000) citado por Hinton (2001a, p. 4), onde afirma que a perda da língua

indígena se deve à apropriação de terras indígenas, à morte destes habitantes e a

involuntariável incorporação de pessoas indígenas em uma sociedade em larga escala

(geralmente em uma baixa classe marginalizada da sociedade), aonde a ―revitalização‖ destas

línguas vem se tornando parte de uma luta por direitos linguísticos.

Hinton afirma que o declínio da diversidade linguística está ligado ao mundo

político e econômico, o qual invade e toma além dos territórios indígenas ameaçando o

ecossistema no qual eles erradicam seu principal meio de subsistência e os transforma em

uma ―casta‖ trabalhadora em uma grande sociedade que vive, atualmente, às margens.

(HINTON apud HINTON 2001a, p.4).

23

Do original: Since homo sapiens is not a peaceable species, it is not surprising that the social effects of

language contact are sometimes painful or even lethal. In many such cases the language of a minority culture is

used by a dominant culture as a marker of cultural differentness: not only does it provide a means of identifying

the people to be discriminated against, but it also offers a target for discrimination. Two or three generations ago,

as part of the federal government's policy dictating cultural assimilation, Salish-speaking children in Montana

were beaten for speaking their home language instead of English in the boarding schools; and during the

apartheid era in South Africa, the use of various indigenous African languages as the medium of instruction in

elementary schools for blacks was encouraged in order to prevent most black Africans from acquiring a single

shared language and thus to diminish the risk of organized revolution. (cf: THOMASON, 2001,p. 5)

24 Ver original: when an indigenous group stops speaking its language, the language disappears from the face of

the earth. (HINTON, 2001a, p.3)

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Para que haja a discussão, de tópicos pertinentes no que consiste a revitalização

linguística, Hinton (2001) classifica as línguas em grupos, de acordo com o grau de uso e

transmissão numa dada comunidade de fala, saber:

a) a língua ainda falada por todas as faixas etárias, porém com declínio proporcional

ao ensino desta às crianças em casa; e declínio no domínio em que a língua é usada para a

comunicação;

b) a língua que as crianças não estão mais aprendendo em casa, isso poderia

significar que a geração dos pais sabe a linguagem, mas pararam de usá-la ou talvez as

gerações dos avôs seja a última geração que conheçam;

c) a língua materna falada somente pelos mais velhos;

d) a língua que perdeu todos os seus falantes e que tem apenas registros e anotações

feitas por linguístas, estas vai além do termo ―ameaçadas de extinção‖ e são geralmente

chamadas de‖ línguas mortas‖, embora Frank Manriquez, de quem a língua ancestral, Tongva,

não tem falantes, ―prefere pensar que essas estão adormecidas‖.

Por isso, entendemos que é urgente o desenvolvimento de programas com o intuito

de restabelecer o uso da língua materna das comunidades indígenas em um âmbito não

somente linguístico, mas também de cunho identitário.

Uma dessas construções destes programas de revitalização linguística se dá a partir

da organização feita por Hinton (2001a), baseando-se nas ações e técnicas desenvolvidas e

apresentadas por Fishman (1991) intitulado Reversão de Mudança de Língua (RLS) no intuito

de corroborar para o restabelecimento da língua em extinção. Entretanto, a autora afirma que

mesmo sendo um modelo teórico aplicável, considera-se que, dependendo da comunidade em

que ela for aplicada, os passos podem ser reduzidos ou até mesmo algumas etapas mais

avançadas podem não ser viáveis para esse grupo social.

Portanto, Hinton (2001 a) ressalta que toda técnica ou ação que pretende ser aplicada

em uma comunidade precisa de uma participação ativa desta no direcionamento da pesquisa e

relevância da língua para vitalização, do envolvimento de especialistas para apontar situações

e condições que a língua pode ser usada juntamente com a população e mostrar a sua

importância não somente como um meio de comunicação, mas de interação entre os membros

da comunidade, sobretudo pela reestruturação identitária desta comunidade de fala. Por isso,

Ladefoged (1992), citado por Hinton (2001a, p.5) afirma que se a comunidade não se

prontificar pela salvaguarda de sua língua não haverá programas e nem forças externas

capazes de ajudar neste processo de ―revitalização.‖

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Em relação às metas para a construção de programas de revitalização linguística,

Hinton (2001a, p. 5 e 6 ) elabora algumas indagações, a saber:

Qual a dimensão da fala da comunidade? Os falantes ou potenciais

aprendizes da língua estão juntos ou dispersos? Qual o nível de poder

político que possuem? Eles possuem uma nação que poderia ver a língua

como nacional, ou eles são uma minoria em uma nação multilingual? Quais

os tipos de recursos que existem na comunidade? Há ainda falantes nativos?

Qual a idade dos falantes mais novos? A língua está bem documentada? Há

uma longa história de escrita? Existem faculdades ou universidades onde a

língua pode ser aprendida? Há professores de linguagem treinados para

ensinar a língua? Quais os tipos de recursos financeiros que há na

comunidade? Qual o nível de interesse por parte da comunidade para a

revitalização da língua?25

5.1 ETAPAS DE ―REVITALIZAÇÃO‖

Hinton (2001a, p. 6- 7) cita algumas etapas que podem ser aplicáveis em dada

comunidade para agilizar a revitalização da língua, a saber:

Etapa 1- aprovação da comunidade local e planejamento- diagnóstico sobre a

situação linguística da comunidade; quem são os falantes? Quantos falantes há? Qual faixa

etária? Que outros recursos estão disponíveis na língua? Quais as atitudes dos falantes? Qual a

relação biossocial da comunidade?

Etapa 2- Se a língua não tem mais falantes – construir materiais pedagógicos para o

desenvolvimento da linguagem;

Etapa 3- Se a língua tem somente falantes mais velhos, documentar a linguagem de

falantes mais velhos;

Etapa 4- Desenvolver um programa de segunda língua para adultos. Estes adultos de

uma segunda língua podem ser importantes líderes no processo tardio de aprendizado;

Etapa 5- Desenvolver práticas culturais que encorajam o uso das línguas ameaçadas

não só em casa, mas com a sociedade envolvente por falantes da primeira e segunda língua;

25

Ver original: how large is the speech community? Are the speakers or potential learners geographically

together or scattered? What the level of political power to they have? Do they have a nation that could come to

see this as the national language, or are they a tiny minority in a multilingual nation? What kinds of resources are

there? Are there still native speakers? Is the languages well documented? Does it have a long history of writing?

Are there colleges or universities where the language can teach the language? What kind of monetary resources

are there? What level of desire on the part of the community for language revitalization? (HINTON, 2001a, p. 5

e 6)

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Etapa 6 - Desenvolver um programa intensivo de segunda língua para as crianças,

preferencialmente como um componente nas escolas, quando possível usar a língua ameaçada

como linguagem de instrução;

Etapa 7 - Usar a língua em casa como primeira língua de comunicação, que então se

tornaria a primeira língua para as crianças mais novas; desenvolver grupos de auxílio para os

pais para assistenciá-los na transição.

Etapa 8 - Expandir o uso da Língua indígena nos domínios locais, incluindo

comunidades governamentais, mídia e comércio local, dentre outros;

Etapa 9 - Expandir os domínios da língua fora da comunidade local e nos arredores

da população para promover a linguagem de abrangência local, regional e governamental.

Hinton (2001 a, p.6) parece ser muito otimista em relação ao processo de

revitalização linguística, pois afirma que se numa dada comunidade de fala houver pelo

menos um falante da língua, esta poderá ser vitalizada. Mas é necessário que este falante

dedique-se a fazer o estudo necessário da língua ameaçada em extinção, bem como: fazer a

captação de recursos necessários, desenvolver materiais que possam ser utilizados por

membros da comunidade, tentar fazer encontros ou reuniões linguísticas para essa abordagem

e, por fim, incorporar a assistência de linguístas para que esta língua seja documentada ou que

auxilie na interpretação de documentos já existentes.

5.2 DIFERENTES ABORDAGENS DA PRÁTICA DE ―REVITALIZAÇÃO‖

Hinton (2001a, p.7) apresenta a diferentes abordagens da prática de ―revitalização‖

linguística que são: o estudo da língua ameaçada como componente curricular nas escolas, a

educação bilíngue, programa de imersão total, estudo de linguagem e cultura, este último

sendo subdividido em programas para crianças fora da escola (contra-turno), programa de

língua para adultos, documentação e desenvolvimento de materiais e programas de âmbito

familiar doméstico.

Nas práticas mais direcionadas no âmbito escolar, vê-se o ―Programa de ensino de

línguas ameaçadas como disciplina‖, como uma das práticas que vem sendo mais utilizada.

De acordo com Hinton (2001 a, p. 7), não é a melhor maneira de formar novos falantes,

porém é geralmente a mais possível em dada situação, já que cada escola possui uma estrutura

e uma programação que permite o ensino da língua apenas comparando quanto às disciplinas

mais favorecidas como matemática, leitura, dentre outros. Um exemplo deste programa é

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encontrado na Califórnia, na Humboldt County, onde a política de ensino de línguas

ameaçadas possui um número considerável de pessoas nativas para o ensino destas nas

escolas públicas.

Mas como já foi mencionado, Hinton considera essa prática pouco satisfatória e

apresenta algumas desvantagens, a saber: a primeira diz que não há a exposição suficiente

destes aprendentes para que haja fluência na língua; e o programa também não utiliza de reais

situações de comunicação. Deste modo, ―as línguas estrangeiras são ensinadas com a

expectativa de que os alunos algum dia colocarão a língua em prática por meio da interação

real com outros falantes, idealmente em outros países onde a língua é falada‖ (HINTON,

2001a, p. 7).26

Outro programa desenvolvido é a ―Educação bilíngue‖, esta que se desencadeou na

década de 70 e que vem fomentando o ensino da língua não somente no aspecto linguístico,

mas também na sua construção sócio-cultural do indivíduo na comunidade, ou seja, o aluno

deve ter a habilidade no ensino da língua majoritária e minoritária. Tomando como base os

Estados Unidos, Hinton (2001a) menciona que apesar da falta de interesse dos políticos, da

falta de qualificação de professores, e da baixa expectativa por não haver um melhor suporte,

ainda sim existem programas considerados excelentes que diminuem estes problemas e faz

destas técnicas como sendo bem executadas no âmbito da língua nativa americana.

Vale ressaltar que os modos característicos de falar e escrever dos bilíngues sejam

entendidos e também considerados nos processos de avaliação, já que o bilinguismo tem

muitas implicações sobre os modos como usamos a linguagem.

Muitas pessoas acreditam que o sujeito bilíngue deve ter o mesmo controle das duas

línguas em todos os domínios. Mas isso é uma idealização: Não existem ―bilíngues

equilibrados‖, ou seja, falantes com idêntica competência comunicativa em ambas as línguas

do seu repertório. Dependendo da situação, o bilíngue é capaz de ter melhor desempenho

numa língua do que na outra. Ele pode, por exemplo, saber escrever relatórios numa língua –

porque nela houve necessidade de que ele aprendesse a fazer isso – e pode não saber fazê-lo

em outra – simplesmente porque não há necessidade.

26

Ver original: Foreing languages are generally taugh with the expectation that the students will someday put the

language to practical use through interaction with other speakers, ideally in the country where the languages is

spoken. (HINTON, 2001 a, p. 7)

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Sabemos que pelo processo de ensino da ―Língua por imersão total‖ 27

os aprendizes

são colocados de forma intensiva com a língua materna em vários contextos de interação real

com os membros de sua comunidade. Essa prática vem se difundido e tendo uma

aceitabilidade por grande parte das comunidades que se encontram com suas línguas quase

extintas. Hinton (2001a, p. 8) afirma que este programa tornou-se um grande impulsionador

de uma nova geração de falantes fluentes da língua ameaçada. Esta prática se aprimora desde

a educação infantil até a faculdade. A autora cita como exemplo o Hawaiann e o Mãori, que

estão sendo faladas por uma nova geração de falantes por meio deste tipo de programa.

Porém, assim como outros programas, a educação por imersão pode possuir obstáculos como

as leis educacionais e regulamentações.

Albanian Tsitsipis (1992, p.118-137) in Dorian (1992) aborda a questão do

bilinguismo ocorrido entre os falantes albaneses:

Os falantes albaneses da Grécia são bilíngues em grego moderno e a variedade local

de albanês conhecido como Arvanitika; estes falantes são os descendentes dos

colonos de ascendência albanesa que migrou para o que é agora a Grécia durante o

último período do Império Bizantino, e viviam em comunidades, mas não

completamente fora de contato com as populações de língua grega‖. (TSITSIPIS,

1992, p. 118).28

Aqui, os falantes usam o idioma somente quando são forçados a fazê-lo, a fim de

esclarecimento de alguma informação para algumas pessoas mais velhas, naquelas ocasiões

restritas quando a interação é necessária, ou ainda quando desejam testar ou impressionar um

estrangeiro, e de forma consciente transformam a linguagem em um ―objeto de jogo e de

instrução‖. (TSITSIPIS, 1992, p.120) in Dorian (1992) tem-se aqui, o ―uso da língua

minoritária‖, porém de aquisição parcial, mencionado por Hinton (2001a).

Tsitsipis (1992) recomenda o uso da língua ameaçada e a relaciona com o estudo da

língua estrangeira.

27

Ressaltamos que esse Programa é pensado a partir da realidade biossocial de cada comunidade, não há,

portanto metodologias e estratégias fixas, prontas e acabadas, mas são construídas com a comunidade, em que

mesma definirá os papéis da comunidade (família, escola, lideranças) no sentido de ampliar os contextos de

interação na língua materna (mapeando os espaços de aprendizagens) , com vistas a vitalização da língua.

28 Ver original: The Albanian speakers of Greece are bilingual in Modern Greek and the local variety of

Albanist known as Arvanítika; the latter belongs to the southern or Tosk dialect of the language. Arvanítika

speakers are descendants of settlers of Albanist ancestry who migrated to what is now Greece during the later

period of the Byzantine empire, and lived in enclaved communities but not completely ou t of contact with

Greek-speaking populations .

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―Eu particularmente sugiro que os falantes, enquanto capazes de utilizar

algumas expressões e fórmulas mínimas do discurso contínuo, desviem-se de

algumas das regras do discurso apropriado. Estou disposta a dar mais uma

prova no sentido de que para os falantes da língua Arvanitika torna-se uma

linguagem objeto, atraindo sua atenção maior na forma como ocorre com os

alunos de língua estrangeira‖. (TSITSIPIS, 1992, p. 120-121 in DORIAN,

1992).

A autora explica o porquê do uso da língua minoritária não como língua principal,

mas sim como língua de instrução. Portanto, podemos inferir que a técnica de classes por

imersão total compõe-se necessariamente no ensino da língua majoritária no âmbito da sala de

aula, sobressaindo o ensino da língua minoritária, estabelecendo a relação sócio-cultural

tradicional daquela comunidade, buscando o que podemos chamar de ―transformações

linguísticas‖, uma vez que, mesmo que sejam resgatados valores tradicionalistas dessa

população, vale ressaltar que há uma imersão em um ambiente já pré-estabelecido para a

sociedade em questão, ou seja, a junção não somente das duas línguas no mesmo ambiente,

mas também a harmonização dos aspectos identitários da comunidade.

A seguir Hinton (2001a) esclarece de que forma os falantes nativos podem incentivar

uma língua ameaçada de extinção e como encorajar os seus falantes trazerem suas línguas de

volta.

5.3 MODOS DE INCENTIVAR E DESENVOLVER UMA LÍNGUA EM

EXTINÇÃO

Para Hinton (2001a, p.13) o processo de manutenção de uma língua dependerá do

uso desta pelos falantes, a língua é, portanto ―o coração do falante nativo.‖ E se deixarem de

praticá-la, logo se tornará uma língua morta.

―para uma pessoa em perigo de morte, o primeiro trabalho dos médicos seria

manter o coração pulsando novamente. Para uma língua ameaçada o

primeiro trabalho seria que o falante nativo voltasse usar a língua

novamente‖ (HINTON, 2001a, p.13)

Ainda de acordo com a autora há inúmeras razões que podem fazer o falante a se

distanciar de sua língua – uma delas é a ausência de contextos comunicativos significativos na

língua e quanto mais tempo ficarem sem falar a língua, menos aptos estarão para falá-la e

responder; temos ainda o caso de falantes que se sentem constrangidos diante daqueles que

possuem maior conhecimento sobre a língua, assim deixam de falar por medo de cometer

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erros. Deste modo, os últimos falantes podem não aprender a língua fluentemente e podem ter

parado de falar por causa de críticas ou ridicularidade de outros falantes.

Hinton (2001a, p.14) relata um exemplo, ocorrido em um Comitê que participou com

os nativos americanos, onde estes revindicavam a volta do uso da língua, e os participantes

eram formados por ―velhos‖, e durante as falas destes foi observado que nenhuma palavra da

língua foi pronunciada. Os velhos se sentiam envergonhados ao falar na língua, pois já fazia

tempo que não praticavam e já tinham esquecido grande parte do vocabulário da língua.

5.3.1 Como então encorajar os falantes a trazer sua língua de volta?

Hinton (2001 a) sugere que o falante que tiver mais conhecimento sobre a língua

poderá ensiná-la para seus aprendentes. Pode ainda criar situações de comunicação real entre

o falante nativo e o aprendente, como: saudações, diálogos conversacionais em pequeno

espaço, onde a língua pode ser falada e praticada. Deste modo, é importante que os

aprendentes pratiquem a língua com o falante, de forma que possam encorajar outros falantes

a usar a língua, contribuindo assim para o processo de ―revitalização‖ da língua em dada

comunidade.

A relação entre falante nativo e aprendente não gera desconforto ou medo de errar,

haja vista que se encontram numa posição de aprendizado linguístico em que o aprendente

pode elaborar várias perguntas para o falante nativo como, por exemplo: contar uma história

na sua língua, falar algumas palavras e/ou frases na sua língua, estimular encontros com a

comunidade de forma que possam falar na língua em cerimônias tradicionais, refeições,

dentre outras possibilidades. De acordo com Hinton (2001 a) essas estratégias de uso real de

interação na e pela linguagem contribuem de forma significativa para o andamento de ações

de vitalização numa dada comunidade local.

5.4 AS MUDANÇAS LINGUÍSTICAS

A língua hoje em dia pode ser considerada um instrumento de mudanças constantes,

uma vez que o meio onde vivemos influencia para que isso aconteça. Hinton (2001 a) mostra

que mesmo as línguas mais conservadoras, que acreditam ter suas raízes linguísticas intactas,

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apresentam modificações não somente no acréscimo de léxicos, mas também na modificação

de sentido de algumas destas palavras ou até mesmo o desuso e substituição por outros termos

adicionados com o tempo pela sociedade, como a criação de neologismo. Esta mudança acaba

não sendo vista de forma negativa por ser uma construção repassada de geração a geração e se

torna usual nos contextos de interação da língua na comunidade.

Outro ponto mencionado pela autora é a proximidade da língua com os falantes mais

novos, porém está diretamente ligada a aquisição parcial, pois não há um alcance suficiente, o

que os permite fazer modificações na língua. Apesar dessa recepção da língua, sabe-se que os

próprios falantes mais novos se sentem desencorajados em falar por medo ou vergonha de

errar na frente dos falantes mais velhos.

5.5 AS VARIEDADES DE LÍNGUAS

Falar sobre a variedade linguística é pensar na sua origem. E as gerações mais velhas

podem deter o conhecimento da língua mais conservadora, sem grandes interferências da

língua que provocou o deslocamento da língua original.

Outro fator também mencionado pela Hinton é que as línguas ameaçadas são as mais

passíveis de apresentarem essas variações. Hinton observa que um aprendente da língua

Hupa, do norte da Califórnia, dissera a ela assim: ―todo velho com quem eu falo tem uma

forma diferente de falar algo e alguns diziam que as outras formas eram erradas – não há

aceitação do novo‖ 29

(Hinton, 2001a, p.15)

A autora menciona um fenômeno que ocorre a partir da fusão de dialetos construída

pela população, chamada de ―fusão dialetal‖. Como exemplo, a autora mostra o que aconteceu

com o inglês americano, em que diferentes pessoas passaram a viver em conjunto para a

formação de novas comunidades, apesar das diferenças dialetais presentes no seu cotidiano.

Essa fusão nos permitem perceber a identidade heterogênea da língua no ambiente social, mas

que ainda sim não permite que haja exclusão por parte deles. Há programas de imersão que

mostram a prática da fusão dialetal.

29

Original: ―Every elder I speak to has a different way of saying some things, and they all tell me the other ways

are wrong. I‘ve just learned to try the same way as whomever I‘m speaking to.‖

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Haugens (1992, p.61) investiga a situação dos falantes de uma comunidade

Norueguesa, a fim de investigar a influência do Inglês americano no dialeto norueguês,

objetiva também identificar como se estabeleceu a retenção dos dialetos noruegueses locais e

até que ponto os Inglês tinha penetrado nas falas da comunidade.

Haugens (1992, p. 61) fundamentado em Bothne (1898) afirma que:

"Agora, a questão já não é: como devemos aprender Inglês, para que

possamos compartilhar a vida social da América e participar de seus

benefícios, a grande questão é: como podemos preservar a língua dos nossos

antepassados aqui em um ambiente estranho e transmitir aos nossos

descendentes os tesouros que ele contém? 30

A comunidade norueguesa fazia parte de assentamentos rurais e constitui o coração

do que era conhecido como "America norueguês" (Det Norske Amerika). Desde o início

estas eram culturalmente ambivalentes. Ou seja, viviam tanto na zona rural quanto na zona

urbana- socialmente, religiosamente, e linguisticamente essa comunidade se apegou às

tradições trazidas de uma Noruega tradicionalmente rural. Deste modo, o grau de coesão

social e religiosa foi importante para a manutenção da linguagem para além de muitas outras

línguas do norte da Europa. Essa ambivalência só se tornou evidente como o tempo e eles

foram gradualmente aculturados na vida americana por meio das escolas públicas, o idioma

Inglês-prima, e o crescimento das comunicações.

Mesmo com o contato do Inglês americano, os noruegueses procuraram preservar a

tradição de sua língua e, para tanto, desenvolveram sua própria rede de comunicação interna:

uma igreja luterana em língua norueguesa (dividido em sínodos rivais), uma revista em língua

norueguesa (totalizando centenas de revistas menores, dominado por dois ou três grandes

jornais), organizações seculares Norueguês-Americanos (da temperança para o socialismo,

música coral para revivalismo), e escolas de línguas Norueguês-Americana (do básico ao

nível universitário). Na virada do século, essas atividades ainda estavam florescendo, e para

alguns, pareciam prometer um futuro brilhante para a língua norueguesa na América.

Haugens (1992) fez o registro da análise com alguns de sujeitos de sua pesquisa, que

aqui são representados pelas iniciais de seus nomes, quando perguntados sobre a variação

linguística, empréstimos linguísticos, o autor registrou as seguintes falas, a saber:

30

Original: Now the question no longer is: howu shall we can learn English so that we may share in the social

life of America and partake of her benefits; the great question is: how we can preserve the language of our

ancestors here in a strange environment and pass on to our descendants the treasure contains?

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HOS (12Q4), um pastor , disse, a interposição de palavras em inglês é

praticamente automático; Mrs JLR (4P1) observaram que aqueles que (como

ela) nasceram na América levaram mais cuidado para evitar empréstimos

ingleses do que aqueles que vieram da Noruega; (Sra SN, 11R1) que fazia

parte de uma primeira geração de imigrantes relatou com alguma aspereza

em seu desânimo que após a chegada de seus compatriotas - descobriu que

ela simplesmente não conseguia entendê-los: eles lhe pediu para sair Pastre \

nio 'pasto' e remover hdltradn 'os cabrestos' dos cavalos, deixando-a

desconcertada. Haugens (1992, p.65- 67)

Haugens (1992) revela que a adoção de empréstimos do Inglês foi o primeiro grande

passo de seus sujeitos de pesquisa para o aprendizado; o segundo passo veio com as novas

gerações que começou a aprender Inglês a partir do zero e se tornou efetivamente bilíngue.

Vários sujeitos ainda relataram que tinham aprendido primeiro Inglês na escola e praticavam

o norueguês em casa. Como vemos a seguir:

JHL (4F1) me disse que o distrito escolar que não foram autorizados a falar

norueguês; OGB (7H3) não sabia uma palavra de Inglês, até que eu comecei

a escola; SWA (9G2) falou norueguês até que eu fui para a escola. Haugens

(1992, p.68)

Temos ainda registros que demonstram que o norueguês estava sendo colocado em

segundo plano pelos falantes, como demonstra as falas abaixo:

Sra AH (2C1) falou norueguês apenas enquanto seu marido viveu; Sra ST

(4F2) falou que até as crianças começou a escola; Sra IA (4F3) constatou

que Norwegian está recuando; Mrs EE (4K1) falou ele até se casar; Sra SR

(4P1) enquanto o meu pai viveu; Sra MG (4N1) enquanto a mãe e o pai

viveram; AG (5L1) todos nós falou-lo, mas ultimamente tem sido

principalmente Inglês. Haugens (1992, p.68)

Alguns sujeitos ainda disseram que falam o Norueguês regularmente, especialmente

em lugares como Westby, Wisconsin (Coon Prairie) e Coon Vale do vizinho, ou seja, os

assentamentos noruegueses mais isolados:

HA (8C2) o tempo todo; AH (8G1) com os pais e pessoas idosas; ETL (8L2)

com o pai, mas não com minha esposa; MF (8L4) com esposa e filhos, mas

principalmente Inglês desde que veio para a cidade; WL (10C6) em casa

toda a minha vida; RS (11C4) em casa e na vizinhança, até mesmo as

crianças se eles não vão embora para a escola; HOS (12Q4) apenas quando

eu me encontro com um dos velhos. Haugens (1992, p.68- 69)

Entre os sujeitos da pesquisa de Haugens houve aqueles que lamentaram a mudança

na língua, como a seguir:

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MH (2C2) era um orador geração terceiro-quarta (pai e mãe de gerações

diferentes) que estava orgulhoso aos 19 anos a ser conhecido como o mais

jovem orador restante do norueguês em sua comunidade sul Wisconsin; Sra

GM (4H1) lamentou que eles ficaram tão americanizado (jenkisprengt) que

não podem pregar em norueguês mais, acrescentando: Eu suponho que é a

forma como o mundo vai; JRL (4F1) considerou que deveria manter o

idioma que recebemos dos nossos pais ; JT (4Q2) observou que após a

Guerra norueguês foi bastante lavados ", observando que sua esposa" era

mais norueguesa do que ele – ela não gostava Inglês em tudo ; AG (5L1)

entendido um sermão norueguês melhor do que um Inglês ; TH (8F1) teria

gostado se tivéssemos mantido norueguês. Eu acho que o pastor deve pregar

Norwegian um pouco mais vezes do que ele faz; AQ (8M1) sentiu que eles

estão se movendo muito rápido. Haugens (1992, p.69)

Como mostra Alguns, uma mesma língua pode não ser falada exatamente do mesmo

modo por todos os que a usam, podendo sofrer algumas alterações linguísticas (empréstimos,

criação de novas palavras), devido a coexistência das duas línguas em contato. O fato é que se

deve reconhecer e respeitar o conhecimento que cada falante tem de sua língua nativa, pois

são eles que determinam a manutenção e/ou desuso de certas expressões do léxico e/ou

construções sintáticas de uma dada língua.

5.6 O DESENVOLVIMENTO DE VOCABULÁRIO

Hinton (2001 a) afirma que para uma língua em extinção voltar a ser falada

novamente no seio de uma dada comunidade é necessário também que se construa um

vocabulário de alguns termos ou expressões que possam ser aplicados no contexto biossocial

desta comunidade em várias situações, sejam elas gerais ou específicas. A autora aponta que

há situações em sala de aula em que surgem questões como, por exemplo, ―como aplicar uma

língua ameaçada em disciplinas como matemática, química e física, se na língua em questão,

não há vocabulário que possa expressar tais noções? E isso pode tornar o entendimento do

aprendente comprometido. Ela menciona também que a prática de desenvolvimento do

vocabulário já está ocorrendo em países desenvolvidos, como a África, a Ásia e também no

Oceano Pacífico, e que pode ser considerada uma das maiores conquistas da vitalização

linguística, pois o falante vai ampliando o seu vocabulário de acordo com suas reais

necessidades. (grifo nosso)

Hinton (2001a) cita o processo de revitalização da ―língua hebraica‖ em que os

próprios falantes foram percebendo que havia muitas controvérsias nas adaptações do

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vocabulário, pois algumas palavras e expressões foram perdendo os significados e /ou

sentidos tradicionais que possuía. A autora cita também, como exemplo, o caso dos falantes

da ―língua Hawiian‖ que perceberam no ―dicionário de novas palavras‖ que havia muitos

itens lexicais que não constavam na língua. Cita também o ensino da ―língua Mãori‖, por

meio do programa de educação por imersão total, em que os falantes mais velhos dizem que

os falantes mais novos estão aprendendo a língua minoritária, porém com concepções da

língua majoritária, ou seja, apesar de haver a revitalização linguística de uma língua

ameaçada, pode-se notar que não há recuperação total dos aspectos linguísticos e

socioculturais da comunidade que se deseja revitalizar a língua, mas o desenvolvimento

de uma identidade linguística com características mistas que abrangem o contexto

cultural da realidade da comunidade. (grifo nosso)

5.7 SOBRE AS METODOLOGIAS APLICADAS AO ENSINO DE LÍNGUAS

Hinton (2001b, p.179) aponta algumas metodologias para o ensino de línguas

baseadas em autores consagrados como: Asher (1977), Brewster and Brewster (1977),

Richards and Rodgers (1986), dentre outros. A autora diferencia o estudo de uma língua

estrangeira do estudo de uma língua ameaçada, considerando que o aprendizado da língua

ameaçada requer uma adaptação para mostrar as diferenças no âmbito da leitura e fazer os

ajustes e /ou adaptações para algumas situações específicas- que podem ser informações

usuais ou não.

A autora aponta algumas metodologias de ensino de língua indígena que foi aplicado

nos Estados Unidos. Hinton (2001b) relata que a língua ameaçada da comunidade étnica de

Diegueño nos Estados Unidos tem sido revigorada a partir da participação do grupo de

falantes e não falantes que se encontram em reuniões informais para interagirem na língua

numa situação comunicativa real, com vistas ao aprendizado da língua. A autora relata ainda

uma situação vivenciada em pequenas reuniões com a comunidade Diegueño em que os

participantes eram os jovens nativos e outras pessoas locais com o interesse na língua. Para a

realização do estudo, utilizou-se um falante fluente na língua Diegueño que se chamava ―Ted

Couro‖ e a assessoria de Margaret Langdon, linguísta que conhecia a referida língua. As

sessões consistiam principalmente da pronúncia de palavras e frases pelo falante nativo, em

seguida a linguísta escrevia as mesmas em uma prancha e os participantes copiando-as.

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110

5.7.1 Outros métodos de ensino

Hinton (2001b, p.183) cita ainda a presença de outros métodos básicos de ensino que

podem ainda ser aplicados no âmbito do ensino-aprendizagem de língua nativa. A existência

dessas teorias e métodos de ensino aplicados ao estudo de uma segunda língua vem sendo

desenvolvidos em décadas recentes e muitas delas relatam estratégias de imersão de língua.

Há ainda outras estratégias, mas muitos delas possuem algumas similaridades e em todas são

encontradas situações chaves no sucesso do ensino-aprendizagem de língua, algumas das

quais, são citadas, a saber:

1. Se a meta é desenvolver a competência oral, o método principal de ensino poderia ser

oral (um tanto quanto escrito).

2. Lições de língua deveriam ser estilo ―imersão‖, onde a língua alvo é usada unicamente

sem a tradução da língua nativa- onde o aprendente deverá entender a língua alvo somente a

partir de pistas contextuais. Cabe ao professor nessa fase usar gestos, mímicas, ações,

figuras e tudo que estiver disponível no contexto situacional para que os aprendentes possam

entender a língua de forma dedutiva.

3. Aprendizes precisam estar engajados num esforço contínuo de reais comunicações

(como por exemplo: ouvir, declamar a língua); elaboração de listas de palavras não ajuda o

aprendiz a se comunicar na língua. Mas deve-se não só ensinar o vocabulário como também

ensiná-los a relacionar estes com situações reais de comunicação com seus interlocutores.

Portanto, ―o ensino- aprendizagem de base comunicacional vai além da interiorização do

vocabulário e gramática.‖ (HINTON, 2001 b,.p. 183).

4. Repetição sem repetitividade: a fórmula é a seguinte: ―regra vinte por vinte‖, ou seja, o

aprendiz tem que escutar ou usar uma palavra vinte (20) vezes, em vinte (20) situações

contextuais diferentes, anteriormente a ele ou ela ensinado; aulas deveriam ter um

componente de revisão, um velho vocabulário que deve ser incluído em atividades que

também pratica novo vocabulário para que o aprendente perceba os diferentes contextos de

uso de dado vocabulário.

5. Atividades físicas, jogos, relatando vocabulário ou frases que possibilitem o

aprendente associar palavras com ações. Assim, o ensino proporcionará ao aprendente mais

aproveitamento no âmbito da aprendizagem. (HINTON, 2001 b, p. 184)

6. Compreensão precede produção, ou seja, o aprendente primeiro entende uma palavra

para depois tornar-se apto a pronunciá-la. Para a compreensão há dois estágios:

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―entendimento da fala‖ do professor por meio de pistas não verbais; ―reconhecimento de

palavras e sentenças‖ sem pistas verbais presentes. Por exemplo, o professor pode dizer

―fique de pé‖, fazer gestos com seus braços para fazer os estudantes entenderem o que o

professor espera deles. Depois de um tempo, os estudantes irão reconhecer a palavra sem

uma pista não verbal. A produção também tem dois estágios, a saber: inicialmente o

professor faz a mímica num contexto real produção- em seguida o estudante deverá revelar

se estiver apto ou não para dizer o que entendeu sobre a referida mímica e depois o professor

revela se o que foi falado corresponde ao gesto.

7. O ensino da gramática pode ser implícito e/ ou explícito. Existe mais debate entre a

Literatura e sobre o ato do ensino da análise gramatical - os estudantes deveriam saber as

terminologias gramaticais? Como formas do passado simples e como um prefixo? Ou

deveriam está substituindo um ensino sem terminologia gramatical por um estudo implícito?

Ou então eles adquiririam um padrão indutivo, e geralmente inconcisamente por meio de

mera exposição a eles? O último é o modo mais indicado para as crianças aprenderem a sua

primeira língua afirma Hinton (2001b, p. 184), e existe uma ótima transação de boa evidência

que uma segunda língua pode ser aprendida do mesmo modo. Mas alguns adultos preferem a

explícita análise gramatical e tem se frustrado inconformavelmente sem a mesma. É também

importante para o processo de aprendizagem que o professor crie situações em que possa

despertar o interesse do aprendente. A explanação explícita (Gramática prescritiva) é

importante, desde que esta esteja associada a exposição e uso de comunicação real (

Gramática funcional), e não de forma sistemática (memorização de regras estabelecidas); A

autora cita, por exemplo, que muitas línguas ameaçadas não têm uma Gramática da língua

escrita, mas há o uso da língua oral. Deste modo, o falante não se apropriará de terminologias

como- substantivo, verbo ou orações relativas, ou o que é um prefixo ou sufixo, mas vai se

apropriando de uma Gramática nativa internalizada e construída de acordo com as

necessidades comunicativas do falante- nota-se aqui, que eles não possuem o embasamento

teórico linguístico explícitos, mas têm conhecimento empírico e implícito sobre sua língua

nativa.

8. A crítica desencoraja os aprendizes de falar e praticar sua língua nativa e assim, os

amedronta de querer aprender a língua. Elogios e formas positivas de correção realçam o

processo de aprendizagem. (HINTON, 2001 b, p. 184).

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Hinton (2001 b, p. 187) revela ainda uma situação de aprendizado de uma língua

ameaçada quando o professor mediador não é fluente. Ela afirma que essa situação tem sido

constante em grande parte das comunidades, mas alerta que o ideal é que professor seja

fluente para que seja possível aplicar o estilo por imersão, do contrário isso não será possível,

haja vista que é necessário que o professor tenha domínio da língua para criar condições

favoráveis de aprendizado desta.

Contudo, a autora afirma que nem tudo fica prejudicado, pois se professor mediador

não tiver fluência na Língua nativa, poderá fazer uso de algumas estratégias, a saber:

1. Ter ajuda de um falante fluente como um tutor e planejar a aula com a ajuda deste

tutor a fim de participarem ativamente usando a total riqueza da língua do falante nativo. Por

exemplo: o professor não fluente e o falante nativo poderiam preparar lições de histórias com

imagens ou suporte para essa lição. Ou o falante nativo poderia ensinar canções para as

crianças (se ela for culturalmente apropriada para fazê-la) ou fazer sessões baseada no

artesanato tradicional. O professor não fluente deve primeiramente ser treinado para ser

compreendido sem recorrer a Língua portuguesa.

2. Contratar um falante como consultor para o professor não fluente, a fim de ajudá-lo no

preparo com as lições. Um falante não fluente poderia não estar apto tanto quanto um falante

fluente para ensinar a língua de um modo efetivo (sabendo que o falante fluente conhece os

princípios de ensino). Mas com o contato próximo do professor não fluente com o falante

fluente haverá possibilidade de existir materiais novos para cada sessão de aula, e o professor

não fluente pode permanecer um passo a frente dos estudantes.

3. O professor não fluente vai adquirindo um nível sempre que possível à frente. Assim,

o professor conseguirá ter maior desempenho diante da língua. E juntamente com o professor

fluente, elaborar materiais pedagógicos que possam facilitar o processo ensino-aprendizagem

em desenvolvimento. Um programa de aprendizado como o mestre aprendiz31

é um meio que

o adulto pode aprender a língua alvo de um falante nativo. O professor poderia aprender a

partir do contato com os falantes nativos, realizando sessões intensivas de aulas.

Hinton (op.cit) recomenda ainda que usemos para o ensino de línguas ―as práticas

comunicativas‖, por apresentarem contextos de espaços reais de interação linguística, sendo

assim na visão da autora ―uma forte estratégia‖ para o desenvolvimento de sessões de ensino

31

Programa Mestre Aprendiz de língua da Califórnia é um programa que ensina falantes nativos jovens e

adultos a trabalhar juntos intensivamente no qual o jovem membro pode desenvolver proficiência conversacional

na língua. É designado para ser uma relação um a um entre ― o mestre‖ ( falante ) e o ―aprendiz‖( aprendente da

língua, no qual juntos consttuirão uma equipe. (Cf. HINTON, 2001C, P.217).

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113

de línguas. A autora ainda apresenta as seguintes sugestões de atividades: o professor pode

aprender e ensinar pequenos comandos, adequando algumas atividades mostradas

anteriormente para lições de vestimenta, por exemplo, ―dê-me x‖,‖ pegue x‖ e‖ coloque x‖.

Também o professor pode aprender e ensinar com questões relevantes para um vocabulário

particular ajustado, como ―o que é isto?‖ ou ― o que estás vestindo hoje?‖. Conhecendo um

pouco dos comandos e questões elaboradas dará a interação básica necessária para exercícios

interessantes e rotinas práticas para sala de aula, e os alunos aprenderão como pronunciar

esses comandos e questões por eles mesmos, eles terão o potencial para usar sua língua em

situação comunicativa funcional (grifo nosso). Ou seja, em situação real de interação

linguística com seus interlocutores, quer na linguagem oral, quer na linguagem escrita.

Na sessão seguinte trataremos de um projeto de fortalecimento de uma língua nativa

no Brasil que estava quase sendo extinta - o Karajá. O referido projeto foi desenvolvido por

Maria do Socorro Pimentel da Silva (2009)

5.7.2 Uma experiência de projeto de fortalecimento da língua com os Karajá

Pimentel da Silva (2009), em seu trabalho intitulado ―Reflexões sociolinguísticas

sobre línguas indígenas ameaçadas‖ (2009), retrata sua experiência de fortalecimento da

língua Karajá a partir do desenvolvimento e aplicação do ―Projeto de Educação e Cultura

Indígena Maurehi‖ 32

, que visa o fortalecimento da língua e cultura deste povo. O referido

projeto vem sendo desenvolvido junto aos Karajá desde 1994. Pimentel da Silva (op.cit)

desenvolveu as seguintes etapas para dá andamento as metas iniciais do seu projeto: contato

com a comunidade local, que na época estava desmotivada e desconhecia a importância de

valorização da língua e cultura, como afirma a autora ―Muitos deles, praticamente a maioria,

nunca tinham participado de um ritual, nem mesmo tinham-no visto‖ (op. cit., p.120); depois

passou a observar os contextos de uso da língua Karajá entre os membros da comunidade no

dia a dia; e por último a pesquisadora elabora ações com vistas à formação de professores

Karajá e elaboração de programas que dariam suporte ao fortalecimento da língua na

comunidade (adultos jovens e crianças).

Em síntese, a obra apresenta cinco capítulos, a saber: o capítulo I faz um resumo

histórico da comunidade Karajá; O capítulo II traça o perfil sociolinguistico das comunidades

32

Homenagem ao Cacique da comunidade Karajá já falecido.

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de Santa Isabel do Morro e de Buridina, além de discutir sobre a política de vitalização,

cultural e linguística; o capítulo III traz algumas contribuições no âmbito do bilinguismo e

empréstimos linguísticos e discute sobre as consequências destes empréstimos na língua

Karajá; o capítulo IV fala de educação bilíngue e crítica e o ensino de línguas nas escolas

brasileiras; o capítulo V discorre sobre o processo de aquisição da língua Karajá pelas

crianças indígenas Karajá em Santa Isabel e Buridina e cita como referencial o ―Projeto de

Educação e Cultura‖ que fora desenvolvido junto à essas comunidades e, que ―inaugura uma

Política linguístico- pedagógica de revitalização de línguas‖ (PIMENTEL DA SILVA, 2009,

p.109) e aponta algumas atividades para o ensino da língua Karajá com as crianças.

―Aqui, destacamos os temas ―Perfil sociolinguístico de comunidades indígenas‖,

―Um ensino pautado no bilinguismo e interculturalidade‖ e O ensino de língua indígena

aplicado inicialmente para as crianças Karajá‖, todos de importância fundamental para a

presente Tese de doutorado.

5.7.2.1 Perfil sociolinguístico das comunidades

Pimentel da Silva (2009) apresenta as bases do seu levantamento sociolinguístico da

comunidade Karajá de Santa Izabel do Morro( Ilha do Bananal, localizada no Estado de

Tocantins) e de Buridina ( Aruanã, localizada no estado de Goiás), os quais integram o

Projeto de Educação e Cultura com vistas a manutenção da língua original.

De acordo com Pimentel da Silva (op.cit., p.60 e 67) ―Em Santa Isabel do Morro, os

indígenas dirigem-se sempre uns aos outros em Karajá. As crianças, até cinco ou seis anos são

monolíngues‖, dado compreensivo de acordo com a autora, já que nessa faixa etária convivem

mais com seus pais e avós. O que também vem sofrendo mudanças ao longo do tempo, pois

―antigamente, crianças de até 10 anos eram monolíngues em Karajá.‖

As mulheres nessa comunidade são monolíngues em Karajá e entendem pouco o

português. 90% das mulheres adultas e adolescentes são bilíngues ativos e falam o Karajá e o

português (PIMENTEL DA SILVA, op.cit., p.66), sendo que 10% das mulheres são bilíngues

receptivos- responsivas, falam o Karaja e entendem o português. (PIMENTEL DA SILVA,

op.cit., p.67). E por entenderem o português, demonstram dificuldades de falar na linguagem

Karajá. As mulheres na faixa de 40 anos são as responsáveis pelo serviço doméstico e pela

educação dos filhos, assim permanecem por mais tempo dentro da aldeia, o que favorece o

uso quase que exclusivo da língua materna.

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Como a maior parte das transações comerciais é atividade dos homens na

comunidade, praticamente 100% deles falam a língua portuguesa. Deste modo 100% dos

homens adultos e adolescentes são bilíngues ativos – falam o Karajá e o português.

(PIMENTEL DA SILVA, op.cit., p.66)

5.7.2.2 Espaços de usos da língua Karajá33

É a língua que predomina nos espaços da aldeia; é usada no dia a dia da comunidade-

na educação dos filhos, no trabalho, nos rituais, nas brincadeiras, no lazer, nas brigas. É

também a língua do mito, das canções, ou seja, é a língua utilizada em quaisquer contextos de

comunicação pela comunidade.

O uso da língua escrita dentro das comunidades apresenta contexto variável. A língua

portuguesa escrita, como afirma Pimentel da Silva (2009, p.68 e 69), tem mais prestígio, ―pois

os contatos com o mundo da escrita se dão com o mundo do não índio, entre os indígenas

poucos usam a língua Karaja escrita‖ – não costumam usar a língua para escrever, preferem

mandar recado. Contudo, há situações nas quais usam a escrita, como, por exemplo, quando

mandam cartas para outro Karajá, por meio de um não indígena e deseja manter sigilo do que

está escrito, escrevem na língua, pois raras exceções, não sabe ler na língua.

De acordo com Pimentel da Silva (2009, p.70 e 71) na aldeia de Buridina, que se

situa na cidade de Aruanã, Estado de Goiás há ―doze famílias, umas constituídas somente por

Karajá e outras por Karajá e não Karajá. Grande parte das pessoas que vivem nessa aldeia

tem, como primeira língua, o português, outras o Karajá, mas para todos os Karajá é a língua

ancestral.‖ As crianças, desde pequenas têm contato com as duas línguas, mas as crianças

chegam à escola apenas entendendo um pouco da língua Karajá, mesmo quando pai e mãe são

indígenas. Outras sabem menos ainda dessa língua, pois um dos pais é não índio, o que

favorece o uso exclusivo da língua portuguesa em casa e nas interações do dia a dia.

A autora observa que a língua portuguesa tem predomínio nos contextos de uso dessa

comunidade. Segundo Pimentel da Silva, essa realidade, no entanto, vem gradativamente

mudando desde 1994 com a implantação do Projeto de Educação e Cultura indígena Maurehi.

Este projeto teve por objetivo o fortalecimento língua Karajá e os professores ―especialistas‖

33

Os espaços, aqui devem ser entendidos como contextos em que a língua Karajá é falada tanto por homens

como mulheres. E são nesses espaços que a sociedade Karaja pratica várias atividades tradicionais, bem

como: pescam, caçam, dançam confecccionam peças de artesanato... (Cf., PIMENTEL DA SILVA, p 62 e

63)

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da língua Karajá que passaram a aprender sobre sua própria língua e a ensinar na língua a

partir de suas próprias experiências e habilidades (2009, p.71). Como se pode observar, o

exemplo da professora artesã Karajá Kartxama que com sua grande habilidade na arte do

grafismo e traçados começou a ensinar sua língua a partir deste contexto. Deste modo, o

ensino de língua ganhou um contexto funcional real de aprendizado e, sobretudo no

fortalecimento étnico de sua identidade como professora indígena.

De acordo com Pimentel da Silva (2009) o projeto Maurehi é referência para o

planejamento das ações linguísticas do ensino da língua Karajá como segunda língua na

Escola da aldeia de Buridina.

Nessa perspectiva, a autora ressalta que

―o ensino de língua toma as práticas socioculturais como um eixo

organizador do trabalho pedagógico. As atividades criadas para incentivarem

as crianças e adquirir culturalmente o Karajá levam em conta os contextos de

produção cultural e intercultural.‖ (Pimentel da Silva, 2009, p.110).

Ou seja, as atividades são realizadas levando em consideração a cultura, a identidade

e o espaço biossocial da comunidade Karajá, de forma que preparem de modo ativo e

verdadeiro os alunos para o diálogo cultural e intercultural na comunidade alvo, estratégia

metodológica positiva, pois o verdadeiro aprendizado de uma língua se dá em de forma

contextualizada e em situações reais de interação, conforme vimos anteriormente com Hinton

(2001b)

Com a intervenção do projeto de fortalecimento e as ações de qualificação do

professor de língua, houve significativas mudanças entre os Karajá de Buridina, como afirma

a autora ―hoje 40% de indivíduos que falam a língua Karajá e 60% a entendem. Deste modo,

―todas as crianças e jovens já aprenderam um pouco Karajá.‖ (PIMENTEL DA SILVA, ibid,

P.71)

De acordo com Pimentel da Silva (2009, p.145)

O Karajá não é para muitos indígenas de Buridina a primeira língua

adquirida, mas é para todos, ―a língua do coração‖, como eles mesmos

afirmam. Mesmo aqueles que têm pouco domínio dessa língua a têm como

língua originária34

. Para muitos deles, o português ainda é a língua mais

usada na comunicação, mas o karajá é a língua da sustentabilidade étnica.

34

A língua originária tem a ver com as raízes de um povo, com sua cosmologia. Não é a primeira língua da

criança, mas é da família da comunidade, do povo, como é o caso de Buridina. (cf. PIMENTEL DA SILVA,

ibid, p.146)

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Deste modo, entende-se que a comunidade alvo tem consciência de que a língua

Karajá hoje é ―a língua do tom, do tato, da alma e do amor. Da sustentabilidade étnica.‖

(Idem), assim os motivos que levam um Karajá a querer aprender sua língua ―tem a ver com a

afirmação de identidade‖.

Assim, é necessário, segundo Pimentel da Silva, que se pensem metodologias de

ensino-aprendizagem apropriadas à realidade biossocial de cada povo indígena. No caso

específico da comunidade alvo, constatou-se que já existem atividades criadas para incentivar

as crianças adquirir culturalmente a língua Karajá como segunda Língua e estas atividades

levam em conta os contextos de produção cultural e intercultural em que a língua é usada com

sua gama de significados a serem explorados e criados – os aprendizes vão descobrindo

também que suas línguas, ao contrário do que lhes fora dito, são importantes, tem gramática,

função, conhecimento, expressa saber, visão de mundo. Pela proposta da autora, obsevou-se

que tanto as atividades de escrita quanto as de uso oral podem contribuir com o

fortalecimento de língua em estágio de obsolescência. O importante é diversificar as

motivações de uso da língua pelos indígenas em diferentes situações comunicativas.

D‘Angelis também comunga dessa opinião de que ―o desenvolvimento de uma

tradição escrita em sociedades de tradição oral, é um dos recursos mais poderosos para a

vitalização, o fortalecimento e a modernização de línguas minoritárias‖. (D‘Angelis, 2007

apud D‘Angelis (2008 p.s.p).

Afirma também que

A formação de professores indígenas e a própria educação escolar indígena

seriam espaços bastante privilegiados para favorecer processos nesse

sentido. Poderiam ser mesmo, a oportunidade de ‗redenção‘ da escola, por

seus papéis até aqui tão nocivos na formação das novas gerações indígenas.

Basta que os educadores indígenas compreendam que não basta alfabetizar

na língua indígena: é preciso formar leitores, e leitores precisam de

escritores. (D‘ANGELIS, 2008, s.p)35

Pimentel da Silva (2009, p.110-111) constatou também que o ensino do português

tem auxiliado o ensino da língua Karajá, num contexto em que ela se desvincula do seu status

35

( Cf.D‗ANGELIS. Educação Escolar e ameaças à sobrevivência das Línguas Indígenas no Brasil

Meridional . BRASA IX - New Orleans/LO, USA, 27-29 mar 2008 ). Contribuição à mesa-redonda coordenada

por Leopoldina Araújo (UFPA) e Simoni M.B. Valadares (Univ. of New Mexico). Disponível:

http://www.brasa.org/wordpress/Documents/BRASA_IX/Wilmar-DAngelis.pdf

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de prestígio e ocupa, nessa interação, uma função de mediação de sua cultura e da

intercultura, o que vem aumentando o número de pessoas que já falam a língua nessa

comunidade.

5.8 SOBRE OS PROJETOS DE FORTALECIMENTO DA ALDEIA KYIKATÊJÊ DE

ACORDO COM O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA ESTADUAL

INDÍGENA KYIKATÊJÊ

Como já dissemos, não acompanhamos a criação e desenvolvimento dos projetos

ativos quando de nosso primeiro contato com os Kyikatêjê. Descrevemos esses projetos, em

seguida, conforme Projeto Político Pedagógico da Escola (2011) Kyikatêjê, com intuito de

mostrar que na Escola da aldeia já existem algumas ações de vitalização das tradições

culturais do Povo Kyikatêjê.

5.8.1 Cultura e ensino da Língua Kyikatêjê

5.8.1.1 Alguns projetos elaborados e concluídos no período de (2004-2005)36

Projeto Kuputi: desenvolvido por professores e alunos da 2ª série, consistiu

na realização de práticas do processo de preparo de kuputi, também chamado

berarubu, que é um alimento tradicional dos Kyikatêjê, consumido

diariamente e nas brincadeiras da comunidade. Depois de realizadas todas

essas etapas na prática, as crianças sistematizaram com desenhos e textos

todas as etapas que foram registradas também com fotos.

Projeto Pinturas Corporais: desenvolvido por alunos da 1ª série, tinha por

objetivo principal registrar, por meio de textos, desenhos e fotos, as pinturas

do povo Kyikatêjê, seus significados e materiais utilizados. A parte

pedagógica consistiu no preparo da matéria-prima utilizada e na prática da

pintura das crianças pelos professores e alunos.

Projeto krowa-pej – desenvolvido por professores e alunos do EJA,

consistiu em fazer o registro escrito e fotográfico do processo de preparo da

tora, dos momentos culturais da brincadeira e do registro de todos os valores

culturais agregados. A corrida de toras é uma das mais fortes expressões

culturais do povo Kyikatêjê.

Projeto Artesanatos – realizado por professores e alunos da 3ª e 4ª série,

através da observação do processo de confecção dos utensílios, os alunos

registraram o processo de preparo de cada um dos materiais produzidos pelo

seu povo, bem como os momentos em que são utilizados. O desenho das

36

Conforme Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Indígena Kyikatêjê (2011, p.57)

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peças e escrita dos textos foram elaborados pelos alunos e as fotos das peças

serviram para enriquecer ainda mais o trabalho.

Outras atividades executadas no período de (2009-2014), conforme Projeto Político

Pedagógico da Escola Kyikatêjê ( 2011, p.58 ), considerando os níveis de ensino – educação

infantil, ensino fundamental I, ensino fundamental II e ensino médio:

1- Pesquisa do significado cultural dos nomes de cada integrante da

comunidade (2ª e 3ª séries - adultos);

2- Brincadeiras (Ensino Fundamental - 1ª série); mitos e lendas do povo

Kyikatêjê (Ensino Fundamental - 2ª série);

3- Quem sou eu? (Educação Infantil); educação ambiental e criação de

agentes comunitários (Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e Ensino

Médio);

4- Marcadores de tempo Kyikatêjê (Ensino Médio);

5- Aa trajetória histórica do povo Kyikatêjê (Ensino Fundamental de 5ª a 8ª

série e Ensino Médio);

6- Plantas medicinais do povo Kyikatêjê (Ensino Fundamental - 4ª série);

7- Cantando e dançando se aprende a cultura do povo Kyikatêjê (Ensino

Médio); atividades do cotidiano do povo Kyikatêjê (Ensino Fundamental

de 1ª a 8ª série);

8- Caça e pesca (Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série); a geometria na

pintura corporal Kyikatêjê (Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série); os

meios de comunicação Kyikatêjê;

9- Arco e flecha na cultura Kyikatêjê; meu nome tem história; o casamento

Kyikatêjê; a pintura corporal Kyikatêjê; a brincadeira do Pemp (ensino

médio);

10- Os fenômenos físicos da natureza na Cultura Kyikatêjê (ensino médio); o

papel da liderança Kyikatêjê (ensino médio);

11- A morte e o luto Kyikatêjê (ensino médio); narrativas e memórias

(ensino médio); preparação do jovem Kyikatêjê para a prática das

atividades físicas tradicionais (ensino médio).

12- Pesquisa de campo- promovendo um momento cultural, como visitar os

velhos no acampamento, para que possam gravar, entrevistar e escrever

as palavras na língua nativa , fazendo atividades relacionadas ao seu uso

cotidiano. (ensino médio).

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Uma disciplina que contribui significativamente para a divulgação e manutenção da

cultura Kyiktêjê é o ensino de Arte, pois ajuda os alunos a valorizarem suas expressões

artísticas como a pintura, o artesanato, dentre outros. Proporcionando assim a ―articulação de

significados do povo kyikatêjê, e sabendo identificar como um fato histórico contextualizado

nas diversas culturas, conhecendo, respeitando e podendo observar as produções presentes

feitas por eles.‖ (Cf. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2011, p.52).

A dinâmica das atividades envolve assuntos relacionados aos

―costumes e tradições da comunidade, interagindo com outras disciplinas a

partir de estratégias de aulas vivenciais no acampamento para diversas

aprendizagens, entre elas o fazer artesanatos e artefatos Kyikatêjê, como:

brincos, colares, esteiras etc. e artefatos, como: arco, flecha, peteca, paneiros

e outros.‖ (cf. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2011, p.52)

Atualmente, é desejo da comunidade Kyikatêjê elaborar um livro sobre as ―Tradições

e Cultura dos Kyikatêjê‖. Para tanto, estão documentando todas as atividades desenvolvidas

ao longo dos anos para a composição do livro, que ainda está em fase embrionária, pois estão

no aguardo de recursos da Secretaria de Educação (SEDUC).

5.8.1.2 Sobre a ―coexistência das duas línguas‖ - Língua portuguesa e língua Kyikatêjê

O projeto o ensino de língua na comunidade Kyikatêjê objetiva uma educação

infantil Kyikatêjê, em que cabe ao professor organizar trabalhos envolvendo a criança em

situações do cotidiano na aldeia, nas quais ouvem música na língua materna, e também

histórias contadas pelos mais velhos, para que a partir daí possa criar interpretações

relacionadas à aprendizagem. O projeto visa também apresentar nas turmas de 5ª a 8ª séries

do Ensino Fundamental uma compreensão do ensino da língua portuguesa como uma língua

de maior poder linguístico, visto que é ―a língua do governo, das leis, da imprensa e por isso

ela é chamada de língua dominante‖.37

Sabe-se que a realidade sociolinguística vivida pelos povos indígenas no Brasil com

relação à língua portuguesa difere muito de aldeia a aldeia, devido à localização e à história de

cada uma. Na comunidade Kyikatêjê , como já dissemos , temos um espaço invadido pela

37

Cf. Projeto Político Pedagógico da Escola Kyikatêjê, 2001, p. 44

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língua portuguesa, como será ratificado em nossa pesquisa pelos gráficos estatísticos. Deste

modo, temos uma segunda e terceira gerações monolíngues em português. O que tem

provocado a perda da língua Kyikatêjê na comunidade , haja vista que não vemos mais esta

ser passada entre as gerações .

De acordo com Hinton e Hale( 2001 ), quando isso ocorre, são pouquíssimos os

falantes que manterão a sua língua ao longo do tempo. Esse é um fato que vem sendo

constatado pelas pesquisas com línguas indígenas onde quer que elas ocorram.

Contudo, nota-se que pelo Projeto Político Pedagógico a comunidade parece ter

consciência de que a língua Kyikatêjê não é mais a primeira língua, mas há o desejo e/ou

compromisso de não deixar essa língua acabar. Neste projeto, concebe-se que ―É importante

saber que é possível trabalhar a língua indígena como ferramenta principal, para que aos

poucos ela não venha desaparecer.‖ e ―Para isso é preciso que seus falantes percebam sua

importância, através da sobrevivência e que assumam o compromisso de saber tanto a língua

materna como a língua portuguesa.‖ 38

E de acordo com o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

(RCNEI) ―(...) É importantíssimo entender que mesmo tendo perdido sua língua de origem,

um povo pode continuar mantendo uma forte identidade étnica, uma forte identidade

indígena.‖ (MEC, 1998, p. 123).

Veremos mais adiante em nossos gráficos estatísticos e depoimentos dos professores

de língua e cultura que há o desejo da comunidade de manter sua língua viva, mas é

necessário comprometimento da parte dela, sobretudo da família, para que se fortaleça a

língua em vários contextos de interação. Cabe também à escola indígena Kyikatêjê ampliar as

formas de expressão e compreensão da língua nativa, em suas modalidades orais e escritas.

Assim, é necessário que o ensino seja em contexto de imersão, como bem orienta

Hinton (2001), onde os aprendizes falam somente na língua indígena; o que vai aumentar sua

competência oral e escrita em língua indígena, e ainda pode contribuir para a criação e para o

desenvolvimento de funções sociais da escrita nessa língua. Mas isso só poderá ocorrer se

houver uso interno e externo da língua escrita, em todos os espaços biossociais da

comunidade – e a Escola39

é, sem dúvida, o local ideal para se desencadear e reforçar tal

processo.

38

Cf. Projeto Político Pedagógico da Escola Kyikatêjê, 2001, p. 44

39

A Escola que fazemos referência aqui, não é aquela ―plantada‖ pela matriz da Secretaria da Educação

(SEDUC), pois em nada contribuirá para a salvaguarda da língua materna dos indígenas. O que é fundamental é

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Nesse processo, de acordo com Pimentel da Silva (2009) é importante o apoio dos

professores, da comunidade e dos pais e o incentivo da própria comunidade como um todo

para que as crianças, jovens se sintam ―animadas‖ em querer aprender a língua e usá-la.

Contudo, vale ressaltar que os esforços escolares de manutenção e fortalecimento da

língua têm suas limitações, porque nenhuma instituição, sozinha, pode definir os destinos de

uma língua. Assim como a escola não foi a única responsável pelo enfraquecimento ou pela

perda das línguas indígenas, ela também não tem o poder de sozinha, mantê-las fortes e vivas.

Para que isso aconteça, todos precisam ―arregaçar as mãos‖ para que voltem a sua língua

tradicional – e não só a família, o professor. Entendemos que a escola é um instrumento

importante, mas limitado: ela pode apenas contribuir para que essas línguas sobrevivam ou

desapareçam.

Além da aplicação do programa por imersão na comunidade, entendemos que é

necessário que a política de Estado não se volte para políticas de resultados

desenvolvimentistas ligadas aos interesses particulares da classe dominante, as quais ao longo

de muitos anos e até hoje vem só reforçando a dominação sobre os povos indígenas com

estratégias assimilacionistas de aculturação que os fizeram silenciarem suas vozes e suas

tradições culturais substituindo-as por práticas globalizadas da sociedade majoritária.

Deste modo, é dever de todos, mas principalmente do Estado, criar condições e

estratégias junto à comunidade local, com o intuito de revigorar essas línguas, evitando que as

mesmas se extingam. Estamos considerando as ações de vitalização linguística no contexto

das comunidades indígenas como reflexos das políticas de construção que são elaboradas a

partir do diálogo com essas comunidades cujas línguas estão se extinguindo ou correndo o

risco de se extinguirem. Deste modo, o Estado deverá respeitar este direito de fato e colaborar

com a vitalização linguística dessas comunidades.

a existência de uma escola pensada no quadro de concepções interculturais críticas, que atue em prol de uma

política linguística local insersora da língua indígena no currículo. As ações dessa escola deverão estimular e

defender o bilinguísmo e promoverem a aprendizagem pelos alunos das duas línguas a partir da ―ecologia da

linguagem‖, ou seja , ―pense global e aja local‖, conforme salienta Haugens (1992), Thomason (2001 ) e Maher

(2010 ).

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123

CAPÍTULO VI

6 - O PERFIL SOCIOLINGUISTICO DA COMUNIDADE KYIKATÊJÊ:

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo, discutem-se os resultados da pesquisa sociolinguística a partir dos

dados coletados por meio de questionários e entrevistas já descritos na metodologia. Os

resultados põem em evidência os anseios da comunidade Kyikatêjê, tamto no que diz respeito

à sua língua nativa quanto às propostas para sua salvaguarda .

6.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Nossa pesquisa tem o intuito de fazer diagnósticos das situações de uso linguístico da

comunidade Kyikatêjê em sua aldeia e das atitudes dos membros desta comunidade, de modo

a terem subsídios para definir e planejar uma política linguística local capaz de assegurar a

sobrevivência de sua língua na comunidade.

6.2 ETAPAS DA PESQUISA

A pesquisa sociolinguística considerou duas etapas: aplicação dos questionários e

aplicação das entrevistas.

6.2.1 Etapa I

Todos os questionários aplicados visavam obter informações sobre o perfil

sociolinguísticas dos Kyikatêjê ( suas relações de uso entre o português e o Kyikatêjê e o que

revelam as atitudes dos falantes face às duas línguas e sobre a manuntenção ou deslocamento

dessas línguas na comunidade).

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124

Aplicação do questionário 1 (Q1): foi aplicado em 36 casas da comunidade, e o o

representante de cada família respondeu ao questionário;

Aplicação do questionário 2 (Q2): que objetivou o mapeamento das atitudes

linguísticas dos falantes;

Aplicação do questionário 3 (Q3), que objetivou o registro das atitudes dos Kyikatêjê

sobre as ações políticas de vitalização da Língua indígena;

-Aplicação do questionário 4 (Q4), que objetivou identificar os costumes do

cotidiano (práticas culturais) dos Kyikatêjê , bem como algumas reuniões internas na

comunidade, reuniões na comunidade com pessoas de fora também presentes, festas

tradicionais, culinária (ingredientes usados e receitas), confecção de artesanato;

Ao final da análise de cada questionário, foi realizada a tabulação geral dos dados e,

para tanto, construímos planilhas de dados no Microsoft Oficce Excel, obtendo os resultados

de todas as perguntas e justificativas dadas aos questionários pela comunidade Kyikatêjê. Em

seguida, se quantificou os dados por meio de gráficos e tabelas com estatística descritiva e,

por último, procedeu-se à análise e interpretação dos dados, buscando fornecer uma visão

geral do perfil sociolinguístico da comunidade alvo.

6.2.2 Etapa II

Nesta etapa houve a aplicação das entrevistas junto aos professores de cultura e junto

ao diretor da escola. Ao final da gravação de cada entrevista, foram realizadas as transcrições

das mesmas (transcrições fidedignas das falas de cada entrevistado), que serão aqui todos

nomeados pelo nome indígena, pois tivemos a autorização para colocá-los. As transcrições

completas estão como apêndice e por fim fizemos alguns recortes das falas dos entrevistados

que estão no corpo desse trabalho para análise de dados.

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125

6.3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA ETAPA I

6.3.1 Situação do contexto atual da língua Kyjkatêjê: atitudes, usos,

comportamento linguístico e as ações políticas de vitalização entre os Kyikatêjê

A pesquisa sociolinguística foi feita a partir de quatro (4) questionários aplicados

junto a 47 pessoas, 55% homens e 45% mulheres. O desenho buscou, na medida do possível,

ser igualitário entre os sexos para uma maior representatividade de ambas as opiniões (Tabela

1).

Tabela 1- Número de entrevistados por sexo na aldeia Kyikatêjê

Sexo Número de entrevistados %

Feminino 21 45%

Masculino 26 55%

Total geral 47 100%

Assim, também buscamos dividir igualitariamente o número de entrevistados por

faixa etária (Tabela 2), com exceção da classe que envolve os sujeitos com mais de 60 anos,

por essa amostra ter sido menor, devido ao fato de grande parte das pessoas maiores de 60

anos ter saído da comunidade em abril de 2012.

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Tabela 2 - Número de entrevistados por faixa etária

Faixa etária Feminino Masculino Total

8-12 24% 27% 26%

13-30 24% 19% 21%

31-45 24% 23% 23%

46-60 19% 27% 23%

Mais de 60 10% 4% 6%

Total geral 100% 100% 100%

Da mesma forma buscou-se, dentro do possível, manter esta equitatividade por faixa

etária e por sexo (Tabela 3).

Tabela 3 - Número de entrevistados por faixa etária na aldeia Kyikatêjê

Faixa etária Feminino Masculino Total

8_12 42% 58% 100%

13_30 50% 50% 100%

31_45 45% 55% 100%

46_60 36% 64% 100%

Mais de 60 67% 33% 100%

Total % 45% 55% 100%

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6.3.2 Atitudes dos falantes Kyikatêjê sobre o uso e funções da língua indígena e do

Português

Grafico 4 Que tipo de língua é mais fácil? Respostas por faixa etária e por sexo (entrevistados na

aldeia Kyikatêjê ).

No gráfico 4, observamos que o grupo com faixa etária de 46-60 do sexo masculino e

feminino e o grupo dos indivíduos com mais de 60 anos, também de ambos os sexos,

considera a Língua Indígena (LI) fácil. Este dado é compreensível, pois esse grupo

intermediário de 46-60 anos cresceu em uma comunidade que ainda tinha a língua nativa em

pleno vigor de uso, além do que era os que tinham mais contato com os ―velhos‖( mais de 60

naos ). Consideramos essa faixa etária como lembradores da língua, pois entendem algumas

palavras e frases na LI, mas não falam na língua, e assim como os ―velhos‖ , têm papel de

grande importância no processo de vitalização linguística da comunidade.

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Observamos também que as demais faixas etárias consideram a Língua Portuguesa

(LP) ―fácil‖, dado compreensivo, haja vista que foi essa língua que eles adquiriram em

primeiro lugar. Resultado do processo de colonização linguística brasileira que obrigou

todos os povos indígenas a usarem a língua do colonizador.

Além disso, no caso específico da comunidade Kyikatêjê, a Língua portuguesa (LP) é

a primeira língua ensinada na escola, e é também a mais é falada no cotidiano da aldeia, na

família e por todos de modo geral, com execeção da primeira geração (com mais de 60 anos)

que fala na língua. Ademais, se compararmos a mesma faixa etária 46-60 anos de ambos os

sexos, vemos que, no caso dos homens, há uma pequena porcentagem que considera a língua

portuguesa fácil de aprender. Isso certamente se explica pelo fato de os homens terem de

interagir com os não indígenas, sobretudo em negociações, transações comerciais.

Gráfico 5 Com quem conversa em LP? Respostas por faixa etária e por sexo por entrevistados na

aldeia Kyikatêjê .

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No gráfico 5, a Língua Portuguesa (LP) se apresenta como a língua mais falada por

todos na comunidade, o que se confirma também em alguns relatos dos entrevistados

(Anexo A, questionário 2 ).:

... meus pais em casa falam mais em português, e aí eu e meus irmãos

também falamos mais português, acho mais fácil português, gosto que o

professores ensinam o português pra gente, para que a gente fale bem (...)

se prepare para o vestibular (...) acho um pouco difícil falar na linguagem, eu

não entendo muito, só algumas palavras, é muito difícil a língua ( Joxanti

Jõtumre Kokaproti,12 anos )

Assim, a Língua Portuguesa, como já ressaltamos é a mais utilizada no dia a dia da

comunidade . Além de ser a língua de comunicação com os não-indígenas dentro e fora da

aldeia. Além disso, o gráfico mostra que os mais velhos não se comunicam na língua

indígena com as crianças. Isso se dá por muitos fatores, como a distância cultural de uma

geração para outra. Novamente temos aqui, uma entrevista (Anexo A, questionário 2 ) que

confirma o que já apresentamos acima, que a aquisição pelas crianças estar sendo determinada

pelo português brasileiro.

(...) falo mais o português, foi a primeira língua que aprendi aqui, e as

minhas colegas que têm minha idade falam mais Português. Já aprendi

algumas palavras, já sei até cantar música da igreja, o hino nacional também

aprendi a cantar na linguagem Kyikatêjê... eu gosto de cantar, vejo meu pai

cantando e gosto... (Jokrepoire Goreth Rikpàrti, 11 anos)

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Gráfico 6 Fala e/ ou escreve em LI? Respostas por faixa etária e por sexo por entrevistados na aldeia

Kyikatêjê .

No gráfico 6, constatamos que a faixa etária de 8 a 30 anos, de ambos os sexos, os

indivíduos articulam no máximo palavras. O que comprova que o conhecimento sobre a

língua indígena (LI) se restringe ao nível de algumas palavras de campos semânticos restritos

(nomes próprios, animais, algumas plantas, tipos de comida e alguns objetos indígenas).

Observamos ainda que na faixa de 31-45 anos, do sexo feminino, 80% também articula no

máximo palavras, o que comprova que não está havendo o incentivo do uso da língua na

família. Não queremos dizer com isso que a família é a principal responsável pelo desuso da

língua na comunidade, mas enfatizar o seu papel de forte aliada neste processo de vitalização

da língua, pois acreditamos que se a família voltar a transmitir a língua às novas gerações,

teremos crianças e jovens bem mais animados em querer aprender a língua.Comparando os

dados femininos com os do sexo masculino, nessa mesma faixa etária observamos que 60%

dos homens articulam no máximo frases e com as faixas etárias de 46-60, em ambos os sexos

temos uma situação equilibrada (articulam também no máximo frases), com exceção de 40%

dos homens que entendem o que é falado pelos mais velhos40

e ―escrevem‖ na língua, mas

não conseguem sustentar uma conversação na LI ( considerados lembrantes e/ou entendentes

por terem tido contato com sua língua ainda em uso por seus pais e avós).

40

Errata- (Cf. GRÁFICO 6 - Fala e ―escreve‖ na língua‖- leia-se ―Entendem o que é falado‖)

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Conforme demonstrativo acima, vimos que grande parte da comunidade possui

apenas um conhecimento parcial da língua indígena, e isso pode ser comprovado também

pelas falas de alguns entrevistados (Anexo A, questionário 2 ) que reiteram que o

conhecimento da língua indígena se restringe a itens lexicais e não à língua como um todo, o

que impede a interação direta deles com os ―velhos‖, que são proficientes na língua indígena.

Assim, podemos afirmar que a língua Kyikatêjê se encontra em estágio de obsolescência, pois

com o desuso da língua indígena, principalmente pelas segunda e terceira gerações, o

português tem predominado na aldeia. E em síntese temos o seguinte:

Quadro 3- Nível de falantes, lembrantes e aprendizes por geração

Vê-se, ainda, como ilustra o extrato de relato seguinte, o medo de errar a pronúncia de

certas palavras de uma jovem aprendiz que considera a Língua indígena ―difícil de aprender‖

e que não gostaria de ser advertida pelos ―velhos‖:

(...) falo só algumas palavras na língua, aprendi desde pequena o português e

às vezes tenho medo de falar, tenho medo de falar errado e os velhos

brigarem, dizer que está errado, nós não procura a ajuda deles se a gente

ouvisse mais, se a gente gravasse a fala deles assim como você tá fazendo

podia colocar aqui no celular e aprendia mais, mas falta interesse da gente.

Falar na linguagem é difícil, é só aprendemos na escola com o professor Li

Guido. (Aikrepeipramre Roserly Xankrare, 12 anos)

Nível de fala Por geração

Falantes Somente a primeira geração (com mais de 60 anos)

Lembrantes e/ou

entendentes Segunda geração (31-60) anos

Aprendizes Terceira geração (8-30 anos)

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Pelo relato notamos que não há o uso efetivo do ensino da língua indígena, a não ser

na escola e de forma bem restrita. Sem contar que na comunidade as interações linguísticas

são poucas, o que dificulta o aprendizado na língua nativa. Deste modo, as crianças e jovens e

grande parte dos adultos aprendem pouco e quando interagem com os mais velhos acham

falar na língua estranho, difícil, pois não se vêem ali representados. Ressaltamos que isto não

é uma característica apenas dos Kyikatêjê, mas de grande parte das comunidades indígenas,

hoje, em que a língua é rotulada como língua de ―velhos‖, e onde ser velho é não ter valor,

representando apenas o passado. E se olharmos o processo de aculturação a que foram

submetidos esses povos, vamos observar o quanto de valores dos não indígenas lhes foram

impostos.

Gráfico 7 Com quem você conversa em Língua indígena na sua aldeia?

No gráfico 7, constatamos que somente o grupo com mais 60 anos fala a língua

indígena como primeira língua e conversa na língua entre eles; o grupo de 46-60 de ambos os

sexos interage com mais frequência com os velhos; e o grupo de 31-45 do sexo feminino,

conversa com os pais, o que comprova que grande parte destes que mantém contato com a

primeira geração são lembrantes e/ou entendentes da língua, conforme quadro demonstrativo

feito anteriormente. Já a faixa etária de 8-30 anos de ambos os sexos conversa em língua

indígena somente na escola, confirmando o que já dissemos acima que os pais já não falam

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mais na língua com seus filhos, o que pode ser pela insegurança sobre sua condição de não ser

mais falante na língua. Ou, ainda, podemos inferir que desejam que seus filhos aprendam a

língua portuguesa para que possam se expressar bem e competir em ―pé‖ de igualdade com a

comunidade não- indígena.

Sobre essas questões , observamos que no Projeto Político Pedagógico da Escola

Kyikatêjê (PPP) há uma informação de que a comunidade fez uma consulta aos alunos por

meio de um questionário para saber a opinião sobre ―o que pensam do ensino de língua

portuguesa na aldeia e suas expectativas‖. O resultado demonstra que

(...) todos expressam suas ideias e anseios para aprender o português. E

baseando em suas respostas eles relataram que não devem deixar de

trabalhar nas aulas de português: leituras diversas, gramática

contextualizada, interpretações de textos, o uso da ortografia correta,

seminários (...) Mas foi lembrado por eles que o ensino do português não

venha prejudicá-los quanto ao falar e escrever a língua materna. Assim a

língua portuguesa vem sendo trabalhada de forma interdisciplinar com a

língua Jê Timbira na medida do possível. Através do conhecimento da

Língua portuguesa, permite que os alunos desenvolvam no sentido de serem

preparados para a vida, vestibulares e concursos, tanto para a vida em

comunidade quanto para a sociedade não-indígena. Aprender e saber usar a

língua portuguesa na escola é um dos meios de que as sociedades indígenas

dispõem para interpretar e compreender as bases legais que orientam a vida

no país, sobretudo aquelas que dizem respeito aos direitos dos povos

indígenas. Aonde a linguagem vem como atividades discursivas e cognitivas,

e os domínios da língua, como sistema simbólico utilizado por uma

comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação

social. (Cf. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2001, p. 44 -45)

Assim, de acordo com Maher (2010, p.40), como ―conciliar a necessidade de uma

língua de (re) afirmação identitária (língua indígena) com a necessidade de uma outra que traz

vantagens econômicas, políticas e sociais no interior da própria aldeia. ( língua portuguesa)?‖.

Esta é, sem dúvida, a realidade de grande parte das comunidades indígenas do Brasil.

Assim, entendemos que além de políticas públicas afirmativas que possam garantir a

vitalização dessas línguas minoritárias é necessário também que a comunidade Kyikatêjê

(falantes, lembrantes e aprendentes) e a Escola41

assumam seus papéis no planejamento de

ações de vitalização de sua língua, de modo que esta não se extinga.

41

(cf. nota 36) .

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Cabe, portanto, à comunidade Kyikatêjê criar seus espaços42

de ensino-

aprendizagem, de fato, valorizando o aprendizado da língua em seu ambiente natural,

considerando os vários contextos de interação linguística, de modo que a LP não substitua a

LI , mas que sejam consideradas ― elos de cooperação e complementaridade entre essas

línguas, do ponto de vista de uma ecologia linguística produtiva‖. (MAHER, op.cit, p. 41).

Acreditamos, pois, que a harmonização das duas línguas no mesmo ambiente propiciará a

recuperação dos valores tradicionais da população Kyikatêjê e ajudará também esta

reconhecer as influências sofridas por essa língua ao longo do tempo, marcando

significativamente os aspectos identitários da comunidade.

É evidente que não temos receitas prontas para oferecer aos Kyikatêjê, mas os

próprios membros desta comunidade poderão construir formas alternativas de uso da língua.

E pelo que constatamos, os Kykatêjê já vêm reagindo de forma gradativa em prol da

vitalizaçãoa de sua língua, mas como já dissemos, essas iniciativas não têm sido suficiente.

Gráfico 8 Qual língua é mais bonita ? Respostas por faixa etária e por sexo por entrevistados na

aldeia Kyikatêjê .

42

Os espaços, aqui são entendidos como lugares de manifestações das tradições culturais ( culinária, danças,

brincadeiras, produção do artesanato, a memória dos ―velhos‖,dentre outras.

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No gráfico 8, observa-se que somente os grupos com faixa etária de 46-60 anos e os

velhos do sexo masculino e feminino afirmam que a língua indígena é mais bonita. Enquanto

os demais ficam divididos entre a língua indígena e a língua portuguesa, situação que também

pode ser compreendida, se levarmos em conta o contexto histórico da comunidade Kyikatêjê,

que como já dissemos foi marcada pela constante presença das relações externas, que vêm

contribuindo para o fortalecimento do domínio da língua portuguesa, considerada por grande

parte dos entrevistados como a língua de comunicação com a sociedade envolvente. Sendo

assim, a LP predomina nas interações familiares e nas interações sociais com os não

indígenas. Ela assume, assim, um papel preponderante na vida dessa comunidade, uma vez

que a maioria se sente falante da língua portuguesa e não da língua indígena.

Gráfico 9 Porque acha que a LI pode acabar? Respostas por faixa etária e por sexo por entrevistados

na aldeia Kyikatêjê.

Os resultados dos gráficos apresentados e no gráfico 9 preocupam, pois somente

poucos velhos falam a língua, deste modo é preciso lembrar que essa língua tão cheia de

diversidade e de riqueza está se acabando. É também altamente preocupante o fato de que a

situação linguística dessa comunidade não seja questionada pela própria comunidade. Assim,

o português vem se instalando como língua de prestígio, sendo considerada por grande parte

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deste grupo como a melhor e mais importante. Pelos depoimentos, notamos a preocupação da

educadora Jõprara com a realidade biossocial apresentada, onde os jovens na opinião da dela

―não têm interesse de aprender a língua indígena‖ e Prekrôti , professor de cultura, revela

também que grande parte dos jovens ―têm vergonha de sua língua‖, conforme depoimentos a

seguir:

As crianças menores vêm pras aulas no acampamento, as maiores não vêm,

têm vergonha de falar na linguagem, não querem aprender, só querem falar

português. Lá além do ensino da língua ensino a produzir flecha, tirar coco,

ensina também a tirar palha de coco. Tem também uns que querem aprender

na linguagem, mas outros não querem aprender. (Ta mexendo com o outro)

Não estão nem prestando atenção. Eu até brigo também, presta atenção

quando (...) eu estou contando a história. Mais tarde (aí o exercício) para

aprender da história que eu estou contando para vocês. Então os pequenos, a

mãe deles gosta e conta a história. Tem gente que é interessada e tem gente

que não, também. Mas não são todos. Não vou dizer que são todos que

sabem. Só querem ser da cidade. Só quer ser, não quer aprender. Ainda

dizem assim: temos que aprender a LP para falar com os brancos, aprender

português pra ir pra faculdade, lá não vai ter LI. Tem gente que fala assim

pra nós. ―Mas eu fico triste e a comunidade também.‖ (Jõprara)

Não são todos que querem aprender a língua. Alguns aceitam. Alguns não

querem, fico triste com isso. Ele não tem o pensamento igual ao nosso. Não

tem cuidado. (...) Eles não sabem ainda. Eles não têm esse pensamento, não

é igual a nós. (...) explicando e ensinando. (...) só nós e os mais velhos que

ficam no acampamento que sabe e a família deles também não ensina. Tem

gente que quer e tem gente que não quer a cultura, a brincadeira. Quando nós

jogamos, eu vou já amarrar, vou começar a jogar também. (Se não eles me

deixam assim). Acho importante também ensinar a cantar a dança, a música

também. A gente ensinar a cantar. Eu canto muito na língua. Vou cantar pra

ti. (...) a voz do peixe. (Prekrôti):

Pelos depoimentos, inferimos que as crianças e jovens da comunidade Kyikatêjê, em

virtude de não interagirem mais na língua nativa e de usarem as novas tecnologias, as redes

sociais, isso tudo têm tirado o foco, o interesse pelo aprendizado. Em decorrência disso, têm

buscado novas identificações, como bem afirma Hall.

(...) as nossas identificações vão se deslocando ao longo da vida, de acordo

com os contextos sociais em que est inseridos. Nesse processo, nossas

identificações também sofrem transformações, por isso não se pode pensar

na identidade ―como uma coisa acabada, deverí falar de identificação, e vê-

la como um processo em andamento.‖ (HALL, 2003, p. 38).

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Pela fala da educadora Jõprara ―Só querem ser da cidade. Só quer ser, não quer

aprender‖, afirma que, grande parte dos jovens não se vêem mais tão representados e/ou

identificados com sua língua e cultura. Situações compreensivas, pelo fato de serem jovens,

possuem outros interesses (morar na cidade, estudar fora da aldeia, fazer universidade).

Contudo, queremos ressaltar que essa realidade, não faz parte só dos Kyikatêjê, mas de uma

grande parte das comunidades indígenas, hoje.

A partir disso, entendemos assim, como Hall (2000, p.111) In Silva (2000) que ―as

identidades só podem ser lidas a contrapelo, isto é, não como aquilo que fixa o jogo da

diferença em um ponto de origem e estabilidade, mas como aquilo que é construído na

différance ou por meio dela‖, pois ao longo da vida, podemos transitar entre uma e outra

identidade.

Gráfico 10- Que língua deve ser ensinada na escola? Respostas por faixa etária e por sexo por

entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

No gráfico 10, observamos que os grupos com faixa etária de 46-60 anos e mais de

60 anos, tanto do sexo masculino como feminino são favoráveis ao ensino de LI na escola ,

o que nos faz inferir que desejam que a língua seja falada outra vez. Contudo, há ainda

alguns grupos de diferentes faixas etárias de ambos os sexos que defendem que o português

deve ser ensinado na escola, e esse pensamento é mais frequente nos grupos de 8-12 e 13-30

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anos. Esse resultado é compreensivo porque estes grupos estão mais suscetíveis às

influências externas (televisão, internet). Além de terem necessidade e vontade de

interagirem com os não indígenas (de estudar fora, de trabalhar fora). Além de ser a língua

que realmente falam no dia a dia. É importante ainda observarmos que o grupo de 13-30

anos do sexo masculino e o grupo de 8-12 anos do sexo feminino preferem a língua

portuguesa à sua própria língua. A argumentação deles tem qualificações positivas para

―falar, entender, pensar melhor e mais rápido: ―é melhor para pensar‖; - ―entendo tudo‖;

―penso mais rápido‖; ―é melhor para discutir e opinar em algum assunto que minha

comunidade quer decidir algo que seja do interesse de nossa comunidade‖. Deste modo, as

atitudes desses grupos vêm colocando em risco a política de preservação da língua indígena.

Gráfico 11 - Em que língua o professor deveria usar com os alunos em sala ? Respostas por faixa

etária e por sexo por entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

No gráfico 11, observa-se que os grupos com faixa etária de 46-60 anos e os mais de

60 anos do sexo masculino e feminino afirmam que a LI deveria ser a língua usada em sala

de aula pelo professor. Enquanto os grupos das demais faixas etárias de ambos os sexos ficam

divididos em relação a qual língua o professor deveria usar em sala de aula. Em algumas falas

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dos entrevistados notamos que as duas línguas (língua indígena e língua portuguesa) são

relevantes, como podemos observar nos depoimentos de Amjijakaprãmti e Kwyjarkrati

(...) em casa meu pai fala com a gente em português e na linguagem; ele

ensina a gente música e canta pra gente na linguagem, ensina a escrita da

língua aqui e na escola; falta mais interesse dos jovens de procurar mais pra

aprender, eu agora que estou tendo interesse mais pela língua; quando tenho

algumas dúvidas pergunto pra ele e quero aprender igual ele, sinto orgulho

do meu pai (...). (Amjijakaprãmti Goreth Rikpàrti)

(...) quero aprender a ler e escrever também na linguagem para escrever a

história do nosso povo. Isso é importante, meu pai sabe muitas cantigas na

linguagem, ele me ensina em casa e na escola. Ele quer fazer um dicionário

na linguagem. Ele guarda muita coisa já. (...) falar português também é

importante quero escrever bem, quero fazer faculdade, minha irmã passou

esse ano no vestibular, eu quero também passar, me formar. Em casa todo

mundo estuda, até minha mãe, ela estuda comigo. Meu pai terminou agora o

magistério e quer fazer também faculdade. (Kwyjarkrati Goreth Rikpàrti)

Vale ressaltar aqui, o depoimento de Kwyjarkrati que afirma que o aprendizado do

português é importante para se escrever bem, para se tornar um leitor e escritor em língua

portuguesa e para conseguir chegar ao nível superior, como bem destaca em sua fala ―eu

quero também passar, me formar‖. Deste modo, observamos que, apesar da língua indígena

não ser mais a primeira língua da comunidade, as jovens relatam o desejo de quererem

aprender, pois ela é ―a língua do coração que marca a identidade étnica do povo‖, como

afirma Pimentel da Silva (2009).

Assim, já podemos observar que começa a emergir na comunidade alguns ―jovens‖

com atitudes distintas e que reconhecem a importância de se ensinar a LI para a presevação da

cultura. Esses jovens já demonstram um pouco de motivação e/ou animação para o

aprendizado de sua língua. Cabe, pois, à comunidade local pensar algumas estratégias de

ensino, priorizando o que será ensinado de língua indígena e de língua portuguesa na escola.

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Figura 12- Justificativa do uso da língua pelo professor- Respostas por faixa etária e por sexo por

entrevistados na aldeia Kyikatêjê.

No gráfico12, notamos que 70% tanto de homens como de mulheres têm a

consciência da importância de se apropriar da língua portuguesa ensinada e falada pelos

docentes não- indígenas e de usá-la corretamente, não só como instrumento de defesa e de

interação com os não- indígenas, mas também como via de acesso a outro saber e busca de

igualdade. Por outro lado, os resultados também mostram que esse mesmo grupo também

acha importante que a Língua Indígena seja falada por estes professores, como forma de

incentivo da cultura e preservação de sua língua..

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6.3.3- Sobre a obsolescência da língua na comunidade

Gráfico 13 – Você acha que a LI pode se acabar? Respostas por faixa etária e por sexo por

entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

No gráfico 13, temos um resultado nada otimista em relação à extinção da língua

indígena Kyikatêjê, pois a grande maioria de crianças, jovens e adultos acredita que a língua

corre o risco de se extinguir. Já o grupo com mais 60 anos de ambos os sexos acredita que a

língua indígena não corre risco de desaparecer, e se mostra otimista em relação à salvaguarda

de sua língua. Em entrevista junto aos professores de cultura observamos que eles destacam a

participação da família para que se dê continuidade ao que está sendo ensinado na escola e

solicita ainda que os jovens os respeitem.

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É eles tem que falar também. É isso que eu falo também, quando nós só

ensina dentro da escola, quando sai com o pai e com a mãe sai falando em

português, aí que nunca vai aprender, eu mesma estou (...) que pai e mãe tem

que ajudar a falar para aprender, senão (vão dizer) a senhora não ensina lá e

eles saem falando português nunca aprendem. É isso aí mesmo. Algumas

entendem, escrever não (...) Alguns gostam e outros (...) está muito difícil

para nós. Por isso a gente pede, faz reuniões, pede para os pais que converse

com seus filhos para respeitar, então a gente vai lá, (...) pede para prestar

atenção porque nós estamos ensinando vocês, que quero que vocês

aprendam a falar na língua, quero que vocês ensinem os filhos de vocês

assim, como eu estou falando alguns respeitam mas outros não nem prestam

atenção (...) mas é assim mesmo, a gente vai devagar. (Jõprara)

Gráfico 14 – Por que acha que a LI pode se acabar? Respostas por faixa etária e por sexo por

entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

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Em relação ao gráfico 14, é importante ressaltar que, de acordo com Hinton (2001a,

p. 4-6) existem várias causas que podem levar uma língua a se extinguir: a) quando é utilizada

somente no convívio entre seus familiares; b) quando a família não mais utiliza a língua com

seus descendentes em casa; isso pode significar que as gerações dos pais entendem a lingua

mas não têm usado no ambiente familiar, ou que a geração dos avós era a última que sabia a

língua. Dependendo das características da perda da língua em uma dada comunidade, pode

ser uma geração de semi-falante; c) a língua materna está sendo falada somente pelos mais

velhos; d) quando a língua perde todos os seus falantes.

No caso específico da comunidade Kyikatêjê constatamos que a grande maioria

acredita que a língua corre risco de se extinguir , haja vista que somente o grupo com mais

de 60 anos fala a Língua, principalmente em ocasiões cerimoniais na aldeia . Temos um

estado aqui, de extrema vulnerabilidade, já que não há mais nenhum falante da língua

Indígena entre crianças, jovens e adultos.E se essa situação não for revertida, a língua

Kyikatêjê poderá desaparecer. Situação que demanda o estabelecimento de estratégias

preventivas urgentes , seja no sentido de aumentar a comunicação de crianças, jovens e

adultos com os velhos, seja no sentido de expandir o uso da língua junto à comunidade nos

vários contexros de aprendizado.

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6.3.4- Sobre as atitudes de vitalização da língua indígena

Gráfico 15- Quais as ações de vitalização que a comunidade já está realizando para que a cultura e a

língua não se extinga? Respostas por faixa etária e por sexo por entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

No gráfico 15, podemos observar que o grupo com mais de 60 anos de ambos os

sexos e as mulheres dos grupo de 8-12, 13-30 e 46-60 anos acreditam que a a família deve ser

a principal colaboradora no processo de vitalização da língua indígena, o que confirma o que

já dissemos anteriormente de que a família tem papel preponderante no fortalecimento da

língua indígena nessa comunidade; somente 40% do grupo de 46-60 anos, do sexo feminino

atribui as ações de preservação da língua indígena à escola, família e comunidade, o que nos

faz inferir de que esse grupo não se acha obrigado a assumir esse compromisso e/ou não

sabe a língua o suficiente pra ensinar . Diferentemente do grupo de 31-45 anos, do sexo

feminino que considera o lugar do aprendizado da língua indígena é a escola. Dado que

demonstra que as mulheres desse grupo já não falam e nem ensinam mais a língua em casa. O

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grupo de 8-12 anos , do sexo masculino considera também que o lugar do aprendizado da

língua indígena é a escola .

Em síntese, grande parte da comunidade Kyikatêjê admite que a língua indígena

não se aprende no contexto escolar, mas no convívio com seus familiares, comunidade, em

ambientes naturais (relação de conversação intragrupo e intergrupo).

Gráfico 16- O que pode ser feito para proteger a LI? Respostas por faixa etária e por sexo por

entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

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No gráfico 16, notamos que é imprescindivel a participação dos jovens, interessse de

todos, sobretudo da família no processo de fortalecimento da língua indígena. Como se pode

observar no depoimento seguinte:

É eles tem que falar também. É isso que eu falo também, quando nós só

ensinamos dentro da escola, quando sai com o pai e com a mãe sai falando

em português, aí que nunca vai aprender, eu mesma já falei que pai e mãe

têm que ajudar a falar para aprender, senão (vão dizer) a senhora não ensina

lá e eles saem falando português nunca aprendem. É isso aí mesmo.

(Jõprara)

Algumas, falam algumas, escrever não. Alguns gostam e outros (...) está

muito difícil para nós. Por isso nós falamos, pedimos, fazemos reuniões,

pedimos para os pais que conversem com seus filhos para nos respeitar,

então nós vamos lá, (...) pedimos para prestar atenção porque nós estamos

ensinando vocês, que quero que vocês aprendam a falar na língua, quero que

vocês ensinem os filhos de vocês assim, como eu estou falando alguns

respeitam mas outros não nem prestam atenção (...) mas é assim mesmo, a

gente vai devagar. (Jõprara)

Observa-se ainda que os mais velhos valorizam a família porque o seu processo de

aquisição da língua ocorreu com a família em ambientes informais e foi uma aprendizagem

natural. Já os demais como não têm a familia falante atribui à comunidade e a todos .

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Gráfico 17 - Como a comunidade pode ajudar na preservação da Língua Indígena ? Respostas por

faixa etária e por sexo por entrevistados na aldeia Kyikatêjê .

No gráfico 17, observamos que grande parte da comunidade tem consciência de que

a vitalidade da língua depende principalmente do compromisso das famílias em utilizar a

língua com as crianças e jovens e de buscar o contato com os mais velhos, pois estes são os

principais falantes da língua e, grande parte deles já está morrendo. Neste sentido, a atividade

de gravação da língua falada pelos velhos, seria uma forma de se ter a língua registrada para

uso desse material nos processos de ensino-aprendizagem da língua. Com essa documentação

escrita da língua Kyikatêjê, há possibilidade de se trabalhar a ortografia, ampliar os estudos

lexicográficos da língua e elaborar uma Gramática de referência da mesma.

Em janeiro de 2012, antes da cisão, passamos quase um mês com a comunidade e

tive a oportunidade de acompanhar o dia a dia da aldeia Kyikatêjê. Neste período foi possível

fazer uma entrevista ( ver anexo, roteiro da entrevista ) com os quatro professores Kyikatêjê

- Jõprara Kwykre Tahoti, Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco), Prekrôti Amjererê Jokahinti e

Rikpàrti Kôkaprôti (professores de cultura da Estadual Indígena de Ensino Fundamental

e Médio Tatakti Kyikatêjê -EEIEFM (Cf. anexo D). Os professores supracitados foram

indicados pelas lideranças para trabalhar no âmbito do ensino por serem falantes da língua.

Os professores Prekrôti Amjererê Jokahinti e Jõprara Kwykre Tahoti não fazem mais parte do

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quadro de professores da Escola, pois em virtude da cisão saíram da aldeia. Contudo,

resolvemos mantê-los em nossa pesquisa por consideração ao seu trabalho de exímio

educadores que contribuíram com a educação dos Kyikatêjê ao longo de muitos anos. Parte de

suas ações ficam aqui documentadas para que os Kyikatêjê se recordem dos momentos de

aprendizagem nos quais eles foram atores e para que as crianças e jovens Kyikatêjê os

identifiquem na história de vida de seus parentes educadores.

Informamos, ainda, que apresentamos um quadro de educadores da Educação Infantil

ao Ensino Médio, correspondente ao ano de 2013 (Cf. anexo C), para ilustrar a nova lotação

de professores de 2013, período em que tivemos contato direto com outros professores

indígenas, e que foram entrevistados para esta tese na qualidade de chefes de famílias e

membros da comunidade: Conserlene Iguaraci Piguara Sompré e Claudio Xankraré

Poprereajanare.

A entrevista feita com os professores tinha por objetivo saber sobre as experiências

na docência, com vistas a conhecer a história de vida dos professores e as práticas de suas

aulas no que concerne ao ensino das duas línguas - Língua Indígena e Português. As

perguntas que orientaram as entrevistas foram: a) que saberes e fazeres norteiam o trabalho do

professor indígena? b) Qual o tratamento dispensado ao ensino- aprendizagem do português e

da língua indígena, de acordo com o Projeto Político Pedagógico da EEIEFM? c) Como são

as práticas dos professores indígenas na escola e fora da escola?

Em meados de 2014, retornamos à comunidade para dar continuidade à entrevista

com o diretor Rikpàrti Kôkaprôti, que em 2013 foi indicado pelas lideranças para assumir o

cargo de diretor da referida escola . Na ocasião, conversamos sobre o que ele pensa sobre a

escola diferenciada e quais as suas perspectivas sobre a escola de sua comunidade e sobre as

atitudes dos falantes quanto às duas linguas , o que nos permitiu comparar e interpretar as

respostas dadas em diferentes momentos e situações. Informamos também que Rikpàrti

Kôkaprôti também fez parte de nossa pesquisa como chefe de família.

Apresentamos alguns trechos das entrevistas para ilustrar a fala dos sujeitos43

pesquisados de modo que eles pudessem mostrar aos seus leitores o que pensam sobre sua

docência na escola indígena, sobre o ensino-aprendizado da língua indígena na aldeia, sobre o

seu trabalho pedagógico desenvolvido no âmbito escolar e as maiores dificuldades no

processo ensino-aprendizagem que estes educadores enfrentam. Ressaltamos que a identidade

43

Nas transcrições foram mantidas as falas fidedignas de cada entrevistado.

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dos entrevistados não será preservada, pois obtivemos plena concordância deles para

apresentarmos em nossa pesquisa.

Desta forma, defendemos aqui, que não é possível separar a prática profissional da

subjetividade do professor, pois há um imbricamento entre o conhecimento pessoal e

profissional. Como afirma Goodson (1995, p. 74), ―(...) o local onde exercemos a profissão e

a direção que damos a nossa carreira profissional só podem ser entendidas por meio de uma

compreensão detalhada da vida das pessoas‖.

Assim, a partir das entrevistas, queremos investigar qual é o papel dos professores

Kyikatêjê como agentes político-culturais (monolíngues, bilíngues com ou sem formação

superior), que vem contribuindo de forma positiva para a construção de uma escola indígena

conscientizadora; que vem trabalhando na defesa e na preservação da língua indígena sem

negar, portanto o conhecimento de outros saberes voltados aos elementos das próprias

culturas.

6.4.1.1 Sobre a história de vida dos entrevistados e como se tornaram educadores:

Jõprara Kwykre Tahoti

Por que lá na aldeia dos Parakatêjê era... o nome do (...) foi primeiro, aí

depois foi professor, aí quando meu marido morreu, aí fomos nós que tom

conta também (...) aí depois fiquei procurando assim no que eu vou

trabalhar, assim, eu queria trabalhar, eu fui procurando para mim, por que eu

estou sem meu marido, eu fiquei sozinha eu tinha que trabalhar para eu

ganhar alguma coisinha para criar meu filho. Aí ele foi procurando veio

aqui, ele foi lá tá, sei que procurou e depois conversou comigo. A primeira

merendeira fui eu, (...) aí eu fui fazendo merenda lá para os meninos (...) aí

(eu fui fazendo) merenda para eles merendar até não sei quando nós saímos

de lá dos Parakatêjê... saímos de lá, mudaram para cá, aí eu mudei e pediu

pra nós ensinar na língua, porque nós mud para cá, aí pediram para nós.

Vocês vão ser professores de linguagem vão ensinar esses meninos falar e

escrever alguma coisinha na língua, eles vão aprender a língua, vocês vão

ensinar.

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Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco)

Eu trabalho aqui como professor de língua desde que viemos pra cá. Eu

tenho uns oito anos por aí assim. Fui convidado pela comunidade indígena

para ser professor de cultura. Só falo na língua e entende pouco português,

gosto de ensinar na linguagem, a língua do meu povo.

Rikpàrti Kôkaprôti

(...) eu comecei a dar/ entrar na escola de 1992 pra cá, lá na aldeia Parkatêjê.

Eu tive esse interesse porque eu via que as coisas não eram assim como as

pessoas queriam, eu me dediquei mais foi, não pra eu falar, mas para

aprender a escrita, como eu me dedico até hoje. Então essa é a minha história

que quando eu comecei, eu era solteiro ainda, tinha uns vinte e poucos anos.

Então eu estive observando os Parkatêjê lá demonstrando a sua cultura,

observei que lá só queriam resgatar a cultura deles... assim eu sempre tive

essa ideia de sair dos Parkatêjê e fazer minha própria aldeia. Então hoje eu

tive esse privilégio e aconteceu. Então, a gente veio para cá em 2001, pra

casa pra nossa aldeia, mas pensando no futuro no meu objetivo que é

conhecer como se escrever a escrita dos Kykatêjê. Então eu fiz essa

preparação de entrar na educação, eu sempre tive essa vocação desde quando

eu comecei a entrar nas aulas dos Parkatêjê, não tive apoio de ninguém, eu

(andei) por minha conta mesmo na minha área da educação e até hoje eu

estou na educação. Quando eu comecei a conhecer, primeiro eu comecei a

conhecer pela saúde, mas ninguém me apoiou, aí eu tive que ir para o outro

lado, caminhar, então, nessa minha historia que eu tenho quando eu comecei

a entrar na escola, na educação, como diz o (...) na escola do kupê. Então

hoje nós temos a nossa escola diferenciada aonde eu atuei como coordenador

indígena pela liderança com o apoio do Cacique (...) todo tempo me

apoiaram quando a gente começou aqui na aldeia Kykatêjê. A gente

começou na escola lá em baixo, onde era um galinheiro. Já entrou e saiu

muitos diretores nessa escola, mas não conseguiram é, segurar desenvolver

esse trabalho. Então desde 2000 até hoje, eu estou segurando essa educação

como coordenador estou terminando meu curso intercultural indígena e

quero chegar à universidade, quero cursar Letras... fui indicado como

coordenador, fui indicado como professor até para mostrar meu trabalho, fui

mostrando e hoje sou coordenador indígena da educação interna. Então hoje

(est estudando) vou tomar posse de diretor agora, então hoje é um motivo de

alegria, de agradecer muito a Deus. Porque Deus tem me segurado até hoje.

Então essa é a minha historia. Com os Parkatêjê não tive apoio porque eles

só queriam que só se aprofundasse em cima deles principalmente (o meu)

povo, então eu não tive esse privilégio desse apoio. E hoje eles me

reconhecem porque eu tenho buscado até hoje e continuo como professor.

Sou professor de língua, sou bilíngue. Isso eu deixo bem claro para todo

mundo que eu não estou em sala para ensinar a falar, eu estou aqui para

ensinar a escrever como se escreve as letras para que nossa língua não possa

se perder.

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O relato de Jõprara Kwykre Tahoti revela que ela nem pensava na possibilidade de

se tornar professora de linguagem e cultura, mas pelo seu conhecimento da língua foi

legitimada pelas lideranças como professora indígena pesquisadora. Atuou na escola de 2001

a 2012, pois como explicamos anteriormente com a cisão ela saiu da aldeia; Prekrôre (com

mais de 60 anos) até hoje é professor indígena pesquisador na comunidade e, assim como

ocorreu com Jõprara, nem cogitava ser professor, mas foi também indicado pelas lideranças

pela sua proficiência na língua. Essa atitude das lideranças de valorização de seu próprio povo

para ensinar na língua demonstra que os Kyikatêjê vêm ao longo do tempo fortalecendo o

conjunto de saberes e fazeres já automatizados pelos professores indígenas a partir de seu

conhecimento biossocial, no intuito de torná-los uma grande força de articulação entre os

indígenas e não- indígenas.

Como já dissemos, a primeira língua adquirida pela comunidade Kyikatêjê (2ª e 3ª

gerações) foi a língua portuguesa, contudo, é importante ressaltar que o ensino da língua

indígena Kyikatêjê, mesmo como segunda língua, na escola, também é uma forma de

vitalização da língua. De acordo com Pimentel da Silva (2009, p.124), o aprendizado da

língua indígena como segunda língua pode contribuir com a manutenção das línguas desde

que a proposta pedagógica de aprendizado desta leve em consideração o contexto de usos da

língua em diferentes situações e realidades 44

e o perfil sociolinguístico da comunidade, pois

somente assim se pode avaliar e/ou medir ―a saúde da língua‖, ou seja, a situação de uso da

língua indígena nessa comunidade como a vitalidade ou não da língua, como e em qual

situação ocorrem os empréstimos linguísticos, tipos de bilinguismo, entre outras dimensões.

Essas informações são básicas na construção do planejamento linguístico de línguas em

situações de risco de desaparecimento.

No caso da comunidade em pauta, o ensino desta língua ocorre durante as aulas de

cultura, onde são dispensadas duas horas por semana, mas é necessário que os Kyikatêjê

amplie os usos desta em todos os contextos (oral e escrito) para que as crianças, jovens e

adultos voltem a praticar a língua. E a escola não deve ser o único lugar para esse

fortalecimento e a família também não deve ser a única responsável por essa vitalização, mas

todos os membros da comunidade envolvidos em um planejamento linguístico local, como já

ressaltamos. Além dessa integração, é importante sobretudo que a comunidade tenha interesse

44

Criar situações em que as crianças, jovens e adultos vivenciam o uso da língua acompanhando os eventos

especializados, cotidianos, brincando com formação e segmentação das palavras, ou seja, com atividades que

contribuem para a aquisição do conhecimento da diversidade linguística... (PIMENTEL DA SILVA, Ibid,

p.124)

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de aprender sua língua como forma de respeito à história e a cultura de seu povo. E ainda

como afirmação de sua identidade étnica.

Acreditamos ainda que se houver a ampliação desses contextos em que a língua é

usada nas interações na comunidade pode-se criar um Programa de imersão de fato, onde se

fala somente a língua materna nos contextos de interação, tal como é orientado por Hinton

(2001a), que observa que esse programa tem ajudado imigrantes e comunidades indígenas a

fortalecerem suas línguas.

No depoimento de Rikpàrti Kôkaprôti (com mais de 40 anos) temos uma situação

diferenciada, atuou como educador nos Parkatêjê desde 1992 e em 2001, com a cisão ocorrida

decide ficar junto com os Kyikatêjê como consta em seu depoimento. Retoma suas atividades

de educador na escola da aldeia Kyikatêjê . Assim, são 23 anos de vivência e experiência45

, e

pelo seu depoimento constatamos a construção gradual de sua identidade profissional

(professor bilíngue, coordenador de ensino, diretor da escola). Ainda revela o seu desejo de

terminar o seu curso de magistério46

e de chegar à universidade47

. Também se podemos notar

seu interesse em ensinar para comunidade Kyikatêjê a língua escrita, o que mostra seu

desejo de ampliar a identidade e a memória de seu povo, agora também pela utilização da

língua escrita. Atitude que revela sua autonomia política e cultural de fortalecimento

linguístico de sua língua, como pode ser visto no seu relato:

(...) Sou professor de língua, sou bilíngue. Isso eu deixo bem claro para todo

mundo que eu não estou em sala para ensinar a falar, eu estou aqui para

ensinar a escrever como se escreve as letras para que nossa língua não possa

se perder.

Por meio desse depoimento podemos notar que o professor deseja documentar a

língua de seu povo, antes que esta desapareça. E tal como afirma Rodrigues (2005, p.36) ―[...]

As línguas são objetos fugidios, cujas manifestações faladas são momentâneas e se sucedem

em alta velocidade, de modo que sua observação e sua análise científica dependem

normalmente de uma fixação. Esta é obtida mediante a escrita (...)

45

As experiências ao longo das quais se formam identidades e subjetividades tratam da aprendizagem a partir

dos conhecimentos adquiridos no percurso da vida, ou seja, é o voltar para si mesmo. Por meio de narrativas da

própria formação o indivíduo é levado a fazer uma reflexão das vivências pelas quais passou em sua jornada

existencial, operacionalizando-as em um processo por meio do qual elas serão tornadas em experiências que

possibilitarão uma melhor compreensão do seu ―eu‖. (cf JOSSO,2004, p.44). 46

No período em que fizemos a entrevista com Rikpàrti Kôkaprôti ainda cursava o Magistério intercultural. 47

Em 2015, ficamos sabendo da aprovação do referido professor no Curso de Letras da Universidade Federal do

Sul e Sudeste do Estado do Pará ( UNIFESSPA).

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Deste modo, para o desenvolvimento dessa atividade de escrita é necessário que haja

a assessoria de linguístas que auxiliem o professor indígena a documentar seu próprio sistema

de escrita no que concerne aos aspectos fonético-fonológicos, tal como afirma Rodrigues

(2005). Nessa entrevista Rikpàrti Kôkaprôti comentou que tem um grande desejo de construir

a Gramática Escrita de sua língua e construir materiais pedagógicos escritos.

6.4.1.2 Sobre a metodologia de ensino da língua Kyikatêjê48

·

Aqui, nosso interesse era saber sobre as concepções metodológicas que são

desenvolvidas pelos professores no âmbito de suas tarefas cotidianas na escola e fora dela,

pois como será visto nos depoimentos abaixo, todos os professores entrevistados trabalham

na perspectiva da ―vitalização‖ da língua indígena Kyikatêjê , elaborando atividades de acordo

com seu conhecimento de mundo e procurando explorar contextos concretos de

aprendizagem. Revelam ainda uma grande preocupação com o desaparecimento da língua e

cobram da família e comunidade ― atitudes‖ com vistas ao fortalecimento da língua .

É importante ressalvar ainda que a Escola Kyikatêjê possui um Laboratório

Vivencial, onde o processo de ensino- aprendizagem se dá

...a partir das observações e experimentações – LABORATÓRIO VIVENCIAL do

professor e do aluno índio. Essas experiências e aprendizados são levados para a sala

de aula e sistematizados em forma de conteúdos programáticos, nesse momento

aprendem na prática; esses materiais didáticos produzidos por professores e alunos

servem de referencial do trabalho em sala de aula, inclusive para outras séries e

demais membros da comunidade. O conhecimento cultural é sempre o ponto de

partida para a introdução de outros conhecimentos, de outras culturas, os chamados

conhecimentos universais, constituindo-se dessa forma em uma estratégia

interdisciplinar que respeita e valoriza o conhecimento tradicional de maneira

equilibrada com os demais conhecimentos. (CF. PROJETO POLÍTICO

PEDAGÓGICO, 2011, p.42)

48

Aqui, estamos considerando a postura social, identitária e política das atitudes dos lideres Kyikatêjê diante de

sua Língua, pois se auto-denominam Gavião Kyikatêjê falante da língua Timbira Kyikatêjê.

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Assim, as atividades estão distribuídas de acordo com o Projeto Político Pedagógico

da Escola Indígena Kyikatêjê :

Quadro 4: distribuição das atividade de sala de aula e campo (Cf. PROJETO POLÍTICO

PEDAGÓGICO, 2011, p. 42)

Atividades em sala Atividades de campo

- aulas das matérias do currículo

- estudos interculturais

- sistematização das atividades de campo

- produção de materiais didáticos

- planejamento conjunto para estudos, trabalhos e

avaliações

- aulas na língua indígena

- atividades extraclasses: reuniões pedagógicas...

- participação nas atividades culturais da

comunidade

- interação com o meio ambiente da aldeia,

participação nas caçadas, atividades produtivas,

etc.

- reunião com demais instituições de ensino

Deste modo, os professores da comunidade Kyikatêjê vão ensinando a prática de

língua oral . As aulas ocorrem tanto dentro quanto fora da escola, para as atividades de campo

se reserva um espaço chamado por eles de acampamento ( Cf. anexo D), onde os professores

ensinam na língua e levam seus alunos para participarem das brincadeiras de tradição cultural

Gavião- Jê, conforme o depoimentos de Prekrôti Amjererê Jokahinti:

(...) quando ensino falo só na linguagem. A língua é importante não pode

deixar morrer. Importante para mim que estude um pouco da comunidade. É

isso que eu estou querendo. (...) Aí, depois quando termina toda a minha

aula, aí depois se quiser falar em português com outros pode falar. Mas lá

dentro da minha aula não pode falar português. Seu eu tiver dando aula da

atividade de flecha falo assim... faço assim:

(...) Bora jogar a flecha, no português (...)

(...) Vamos jogar , falo no português, na nossa linguagem (...)

(...) Bora jogar. (...) Tá falando para mim.

Prekrôti: Assim como você tá falando para mim. Aí, eu vou levantar, e tu

levantas também. Aí você levanta. Vamos jogar. Essa linguagem(...) Então é

importante para mim (...) falando para mim em português. Eu quero ensinar

na linguagem também, para você aprender. (...) É importante para mim e é

importante para você também.

(...) Quando ela fica dormindo assim. Vamos correr tora.

(...) Estou chamando todo mundo para correr. Correr de tora.

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Da corrida de tora. É como você ta falando. Ao vencedor, né? Na corrida de

tora. Ao que é bom de carreira. Só você mesmo (...) a gente combina assim,

para vencer a corrida tem que ser bom de carreira. Então ele ganha também.

(...) costumo fazer minha aula fora da sala dou aula no acampamento aqui.

Faço muitas atividades de cultura com a moçada ensino a fazer flecha, jogar

flecha, correr com a tora. Desde muito tempo. Nós e os mais velhos est

ensinando os jovens (...) para eu ensinar como é que se faz (berarubu). Então

é isso que eu to ensinando aqui, to só começando. (...) Eu não vou falar que

eu já sou um professor... estou começando, ainda. Eu estou te (adiantando)

explicando para você. Como é que se faz na minha aula (...) Como eu peguei

e aprendi desde criança com meus pais... minha aula é aqui no

acampamento, vem alguns moçada, nem todos quer.

Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco)

(...) canta, a gente canta aqui também. Só falo na linguagem. O professor

bilíngue Líguido49

escreve pra moçada na LI e na LP, enquanto eu fico

contando as histórias na linguagem. Aqui a gente não tem um horário certo

para entrar naquela turma, na sala de aula. As aulas começam dez horas e vai

mais ou menos onze horas.

A escrita da Língua ainda é pouco explorada, haja vista que na comunidade temos

apenas Rikpàrti Kôkaprôti que fala e escreve na língua nativa, conforme o depoimento dado

por Prekrôre acima, assim como pelo depoimento do próprio professor, quando se perguntou

sobre sua metodologia.

Eu trabalho com os meus alunos, eu tenho esse trabalho com (nosso povo),

eu trabalho mais na prática escrita, ainda não tenho material pronto ainda,

mas eu estou trabalhando em cima disso já pra produzir os livros, o

dicionário pra que eles possam saber a história do povo Kikatêjê, então já

tenho analisado duas condições que é o povo Kikatêjê que é a parte do meu

pai. E é isso que eu estou trabalhando para poder resgatar esse, para eles

colocarem no caderno. Trabalho, por exemplo, com nome de animais, para

dar nome, aí outro dia eu trabalho a fala como se pronuncia, falar, que é a

frase, o outro dia eu faço trabalho de campo, levo os alunos para o

acampamento, lá eles têm contato com os velhos que falam na língua e assim

interage com os mais velhos, eu fico lá junto explicando para eles, falando a

linguagem com eles, e eles falando para eu traduzir e escrever na linguagem.

Eu trabalho dessa forma. (Rikpàrti)

49

Apelido de Rikpàrti Kôkaprôti .

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156

Na declaração do professor indígena, percebemos que há uma busca pela ampliação

do domínio da língua escrita indígena na escola, como forma de garantir que essa língua não

desapareça. Para tanto usa suas atitudes positivas em relação à lingua de seu povo, com o

propósito de incentivar a comunidade local. Ainda pode-se observar o desejo do professor de

tornar o ensino na escola bilíngue, como forma de valorização étnica e simbólica da língua

minorizada em relação à língua dominante. Em outras palavras ―visualizar as línguas,

independentemente do status que elas têm na sociedade, como potenciais recursos para a

aprendizagem, implementando programas de ensino que tenham uma orientação adititiva de

línguas ao invés de subtrativa‖. ( MELLO, 2011, P. 148 In: Silva, 2011).

6.4.1.3 Sobre o ensino-aprendizagem da língua indígena e os instrumentos usados na

aplicação das atividades.

Como já relatamos a língua Kyikatêjê já vem sendo ensinada como segunda língua na

aldeia, assim o interesse aqui, foi o de conhecer os saberes e fazeres50

que norteiam o trabalho

do professor indígena e qual o tratamento que vem sendo dado pelos professores ao ensino-

aprendizagem de sua língua nativa.

Pelos depoimentos coletados, percebemos que, de forma geral, os professores de

língua e cultura Kyikatêjê, usam seus saberes internalizados por suas experiências. Deste

modo, ensinam a língua indígena Kyikatêjê considerando: a) o contexto e as condições de

produção, b) o local da cultura, e c) as atividades da comunidade desenvolvidas nesse

processo. Contudo, falta os Kyikatêjê definirem os papéis da comunidade ( escola, família,

professores indígenas e não indígenas , lideranças ) neste processo de vitalização, de modo

que a Escola tenha ações pedagógicas congruentes como concepções pedagógicas

interculturais , como bem podemos observar na fala do futuro diretor da Escola Rikpàrti

Kôkaprôti, quando perguntamos sobre ― Que escola os Kyikatêjê desejam para sua

comunidade? O que você pensa sobre isso?‖

Eu penso que a nossa escola hoje (...) eu observo que a nossa escola hoje

não esta sendo reconhecida como uma escola indígena diferenciada. Ela está

sendo reconhecida pelo Estado como uma escola do Estado. Como qualquer

outra escola. Eu não quero isso. A nossa escola indígena precisa (...) eu vejo

é assim, separar de dois a três dias integral só para ensinar na língua, incluir

o estudo da língua não só na oralidade, mas também ensinar a escrita, porque

50

Aqui, estou considerando a prática pedagógica do professor indígena a partir de seus conhecimentos que são

mobilizados , utilizados e produzidos a partir de suas próprias vivências e experiências, considerando suas

relações com o dia a dia da comunidade Kikatêjê e como pensam e querem a Escola indígena Tatakti Kyikatêjê .

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precisamos registrar nossa cultura e língua (...) queremos também que nossa

língua seja colocada no currículo da escola de educação básica e ensino

médio, assim como ocorre o inglês, na escola do branco. Eu quero fazer isso

ainda. Quero também que os professores não-indígenas participem mais das

atividades de tradição da comunidade, por exemplo, assim: hoje nós vamos

ter brincadeira de cultura ( preparo da roça, festa do milho)(...) entendeu aí

vou conseguir incluir essas aulas, mas que seja dia letivo para os professores

não índio para eles poderem acompanhar. Muitos não têm interesse, vem dá

sua aula e vai embora. Quero mudar isso para continuar aqui terá que ter

produção com a gente. Outro exemplo é o nosso pessoal vai trabalhar na

roça para plantar milho, aí eu vou ter que parar as aulas para todos os

professores acompanharem os alunos nas atividades da roça, plantar milho,

macaxeira. E escola diferenciada é assim os brancos vão precisar trabalhar

dessa forma aqui.

Pelo relato do futuro gestor podemos perceber que ele sinaliza possíveis mudanças

na política interna da escola e ainda fica evidente que não deseja que a escola de sua

comunidade se trasnforme em uma ―Escola do Estado‖, pois sabe que esta em nada

contribuirá para o processo de vitalização de sua língua. O professor reconhece ainda que há

grandes caminhos a serem percorridos, mas que com o apoio de todos da comunidade

conseguirá fazer as mudanças necessárias na escola, para o que pede mais engajamento dos

professores não indígenas na comunidade .

Apresentamos a seguir, alguns depoimentos dos professores de língua e cultura que

mostram como vem sendo ensinando a língua indígena para as crianças e jovens, de modo a

propiciar a retomada de tradições culturais e valores, bem como o uso da língua como

elemento étnico e tradicional do povo, como podemos observar nos trechos das falas dos

professores de língua.

Jõprara Kwykre Tahoti

Ensinando a cantar, ensinando como falar os nomes dos bichos, ensinando e

fazendo o berarubu51

, ensinando isso para elas, aí só nós as mulheres, só as

mulheres estão ensinando as meninas assim, separadas né? Porque a cultura

para nós, as mulheres, se parece e a dos homens se parece, porque os homens

estão ensinando a cultura assim (...) só na cultura do berarubu (...) ensinando

os nomes dos animais, ensinando como chamar mãe e pai, ensinando na

pintura, ensinando a contar mais.Esse ano [2012] eu nem vou continuar

ensinar. Estou com três meses que não estou ensinando mais (...) aí eu parei,

tô doente. Tem três meses que não ensino mais não.

51

O berarubu é uma comida típica, preparada com a massa da macaxeira . A massa é misturada com qualquer

tipo de caça, e em seguida é envolvida na folha da bananeira. E colocar pra assar por algumas horas,

dependendo do tipo de caça.

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Estão falando palavrinhas, depois que alguns pais começou a falar com as

crianças , estão falando alguma coisinha fácil para eles, estão aprendendo

sim a falar, estão aprendendo a cantar. Hum!, estão aprendendo sim, como

eu estou falando, porque só eu que estou ensinando mais no idioma.

Também porque as mais novas não sabem também, não sabem assim na

cultura (quer dizer como eu expliquei também), elas são muito novas e não

sabem ainda não, então ela falou que só eu ensino quase assim; eles estão

aprendendo falando só pai, mãe, aprendendo a cantar pouquinho, é pouco,

mas estão aprendendo.

... Uso folhas com desenhos de animais, desenhando o berarubu, e outros

nomes de plantas.

Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco)

Bom, eu ensino lá na sala e no acampamento (...) eu ensino criança a querer

aprender a língua... ensino canções também sabe que eu falo também mais,

só para a comunidade Kyikatêjê mesmo, mas que eu tô sempre falando para

a comunidade que kupen precisam aprender a língua para ensinar, mas eles

não querem aprender não. Eu ensino sim, qualquer um assim, os próprios

índios daqui, eu vou ensinar, se é isso que eles querem tudo misturado com

kupen ou para gente mesmo, eu falo assim, ensinando aqui e nós mesmo, eu

ensina lá na sala crianças, eu estou até esperando aqueles grandes, aqueles

rapazes, aqueles moços também, pra ensinar aqui, eles não aparecem aqui.

Isso que eu estava esperando.

Eu ensino língua, música, história. A História do gavião, a história do urubu

que levou uma pessoa assim. Não são todos que vêm, os menores vêm

algumas vezes. Os jovens têm vergonha de falar a língua, não querem.

Ensino a tirar coco, ensina também a tirar palha de coco. (...) Eu to

trabalhando como professor eu trabalho em outras coisas. Conto histórias,

Eu conto da caçada, eu conto da historia do sol da lua, eu contei esses dias...

eu contei a história do urubu que levou uma pessoa eu quero contar pra ti

ouvir. Vou contar na linguagem depois falo em português.

Prekrôti Amjererê Jokahinti

Ensino a moçada fazer berarubu, ensinar para que levem para frente. Para

ensinar (...), para ensinar a cantar, para ensinar assim a corrida de tora, para

contar para eles como nós est (cantando). Viu. Nosso trabalho vai começar

com a meninada, depois para as mais velhas, ensinar todas as coisas que eu

estou querendo levar, meu/ assim mesmo como você (fala) de aluno, meu

aluno vou explicar, ensinar, vou fazer assim e assim. Para eu ensinar, para

(eles) aprenderem (assim) como eu estou falando contigo e aí tu vai

aprender. Eu quero ensinar, para eu ensinar as pessoas a aprender o que eu

estou levando, entendeu. Igual o aluno para eu ensinar, para aprender

comigo. Aí. Então mais tarde. Quem te ensinou? Foi o professor (...) Prekrôti

que me ensinou, eu aprendi com ele.

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Rikpàrti Kôkaprôti

(...) Eu vejo que tá melhorando, aos poucos. Eles têm buscado bastante, mas

não são todos... Alguns ficam conversando, brincando... uso mais o caderno

para fazer as atividades escritas com eles. Mas esse ano eu vou trabalhar é

diferente, eu vou trabalhar com prova com eles, fazer essas provas para ver

se realmente eles estão pegando ou se esqueceram da aula anterior e começar

a levantar de novo. Alguns já vieram aqui em casa me procurar (saber) como

é que se escreve como se pronúncia então eu vejo esse avanço muito grande

principalmente na cultura quando a gente está em sala de aula à gente leva a

cultura, aula de cultura a gente vai e ensina (...) principalmente meu filho

(...) ele já está pegando alguma coisa e eu continuo ensinando, então essa é a

minha forma como cantor e professor. E também eu quero assim que os

professores brancos participem mais da atividade de cultura.

Notamos, que como professor Rikpàrti Kôkaprôti também mostra seu seu pesar

diante do pouco engajamanto do não-indígena nas atividades de cultura da comunidade.

Outros professores de língua e cultura da comunidade também manifestaram sua insatisfação

com os professores não-indígenas, como pode ser observado nos relatos seguintes:

Os kupê mesmo não se interessam por escrever na língua. Aqui na aldeia só

Líguido (professor e diretos da escola). Os kupê não querem aprender, não

tem um esforço de aprender a língua e nem sabem escrever só o Liguido

mesmo. Só o Líguido que fala e escreve na língua. Só ele que coloca tudo

no papel, escreve tudinho na língua, aí ele entrega, que ele copia, porque os

professores mesmos não sabem escrever na língua. Só ele que escreve

tudinho num papel e entrega para os brancos aí ele está ensinando os

meninos também copiando para eles. (Jõprara)

Tem professor branco que é interessado em aprender, mas têm outros que só

vêm dá aula mesmo. Mas não são todos. Não vou dizer que são todos que

sabem. Só alguns, parece! Tu pareces interessada, você quer aprender. (...)

Tem uns que não querem. Só querem ser. Como vocês falam. Só quer ser,

não quer aprender. Dizem: - Ah! Mas eu não sou índio!. Tem gente que fala

assim pra nós. Mas eu fico triste a comunidade também (...) (Prekrôti)

O gráfico 18 resume estatisticamente a opinião dos membros da comunidade a cerca

do pouco interesse dos não-indígenas pelas atividades desenvolvidas na comunidade.

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160

Gráfico 18: Sobre o engajamento do branco com a comunidade?

6.4.1.4 Com relação à cultura tradicional oral (mitos, história) dos Kyikatêjê

Conforme gráfico demonstrativo abaixo, constatamos que grande parte dos jovens de

13-130 de ambos os sexos e 80% dos homens da faixa etária de 31- 45 anos não soube narrar

um mito tradicional Kyikatêjê, o que confirma que é necessária a ação de todos, no sentido de

reavivar essa prática na comunidade, sobretudo com novas gerações, conforme já explicitado

anteriormente. Situação preocupante, já que são essas gerações que darão continuidade à

história dos Kyikatêjês.

Grafico 19- Sobre o conhecimento dos mitos tradicionais dos Kyikatêjê .

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O relato abaixo do professor Prekrôti ratifica que a comunidade precisa construir

estratégias metodológicas para que as crianças e jovens fiquem ―animados‖ para o

aprendizado da língua, e pelo que vimos em nossas entrevisatas anteriores e por este

depoimento já existem jovens com algumas mudanças de atitudes.

Elas me procuram assim (...) elas pedem para repetir, eu repito. (não) sei se

eles estão pegando porque ta escrevendo. Mas tem também uns que querem

aprender na linguagem, mas outros não querem aprender. (Tá mexendo com

o outro) Não estão nem prestando atenção. Eu até brigo também, presta

atenção quando (...) eu estou contando a historia. Mais tarde (aí o exercício)

para aprender da história que eu estou contando para vocês. Então os

pequenos, a mãe deles gosta e conta a historia. Porque eu pensei que no meio

de vocês contasse a história, por isso (correndo assim) que eu para um

pouquinho, escuto um pouco. Aí, eles saem às crianças não querem também.

Agora se está assim como eu estou sentado assim, contando como nós dois, e

me fala TUdinho as coisas da historia. (...) O interessado! Nem todos

prestam atenção, não tem interesse. Não têm interesse de ouvir as historias.

A maioria muitas vezes sai da sala. É isso.

Considerando os relatos seguintes e observando o quadro acima vemos uma outra

realidade biossocial, na qual observamos que a geração ―dos velhos‖ tinha a prática de ouvir

as histórias de sua comunidade . Como demonstra a fala de Prekrôre, no trecho de um dos

discursos feitos no âmbito da presente epsquisa:

A minha mãe tá contando na linguagem (Kyikatêjê) e nós estava pegando.

(...) Ela tá contando a historia e nós estava pegando. Nunca esquecer. Nunca

deixar. Porque você conta Historia você segura (...) porque antigamente

como a gente conta a historia de meu povo. Bonita!!!!!.

Orgulham-se dos mitos de seu povo e dos relatos históricos que lhe foram contados e

com muito entusiasmo pelos seus parentes. Na ocaisão da entrevista que fiz com o professor

Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco), solicitei-o que contasse alguma história dos antigos

para nós, e assim tive o privilégio de ouvi-lo na língua. Depois solicitei a ajuda do parente

Parkatêjê Boêmio (bilíngue na língua ) para traduzir a narrativa para o português e assim o

fez ( Cf. Apêndice 1).

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CONCLUSÃO

Nesta tese de doutorado, procuramos analisar a situação de uso e atitudes linguísticas

no contexto da comunidade indígena Kyikatêjê. Para tanto colocamos em evidência o modo

como os Kiykatêjê se posicionam em relação às duas línguas - o Português e o Kyikatêjê, com

o objetivo de identificar como, quando, onde, e por quem essas línguas são usadas, bem como

apresentar os resultados do estudo à comunidade, de forma que esta possa vir a fazer uma

leitura de fora para dentro de sua própria realidade linguística, com foco especial no grau e/ou

estágio de obsolescência de sua língua. A meta a atingir seria a plena consciência da

comunidade sobre a situação de sua língua nativa que a estimulasse a reagir positivamente em

favor do seu fortalecimento linguístico, pois sabemos em grande parte das comunidades

indígenas as línguas estão se perdendo, e isso vem ocorrendo por causa da falta de utilização e

prática dessa língua no dia a dia, e a comunidade Kyikatêjê representa mais um dos casos em

que o enfraquecimento do uso da língua nativa se dá devido ao desuso de sua língua.

Os resultados de nossa pesquisa revelaram que a língua indígena Kyikatêjê está

enormemente ameaçada. Há uma primeira geração constituida de poucos ―velhos‖ com mais

de 60 anos que é falante da língua Indígena Kyikatêjê, uma segunda geração com idade entre

31-60 que é monolíngue em português, mas lembrante da língua Kyikatêjê, e uma terceira

geração de faixa etária entre 8-30 que conhece algumas palavras e frases da língua, e que é

monolíngue em português, pois só nessa língua conseguem se comunicar plenamente.

Restando, entretanto, verificar o grau de passividade dessa faixa etária, pois em várias

sociedades indígenas, jovens que aparentemente não sabem a língua nativa, na realidade

sabem, apenas são conhecedores passivos, os quais necessitam de motivações externas para

que passem a falar a língua dos pais e avós (Cabral, comunicação pessoal).

Em síntese, os resultados da pequisa Sociolinguistica com os Kyikatêjê demontram

que a comunidade tem uma situação de extrema vulnerabilidade, já que não há, mais

nenhum falante da língua minoritária entre crianças, jovens e adultos. E se essa situação não

for revertida, a língua Kyikatêjê poderá se extinguir. Tal situação demonstra que é

importante estabelecermos junto à comunidade intervenções preventivas, seja no sentido de

aumentar a comunicação de crianças, jovens e adultos com os velhos, no sentido de expandir

o uso da língua junto à comunidade; incentivando o uso da língua no seio familiar ou o seu

ensinamento na escola, como segunda língua, pois como bem afirma Pimentel da Silva

(2009), essa prática também é uma forma de fortalecimento linguístico da língua. O fato de os

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Kyikatêjê quererem admitir, como professores, indígenas conhecedores da língua para que

esta seja ensinada na Escola Kyikatêjê é a maior prova do interesse das lideranças em verem

sua língua viva. Assim, já há um interesse da comunidade Kyikatêjê quanto ao ensino da

língua materna como segunda língua. Constatamos também o esforço da comunidade no

sentido de avivar as suas tradições culturais. Contudo, esses esforços ainda não têm sido

suficientes para motivar a comunidade como um todo a salvaguardar sua língua e cultura. E ,

conforme os dados de nossas pesquisas, grande parte das crianças, jovens e adultos

desconhecem ainda as tradições culturais de seu povo. Esta situação é muito preocupante, pois

entendemos que são essas gerações que darão continuidade a tradição linguística e cultural do

seu povo.

Com relação ao ensino-aprendizagem da língua Kyikatêjê, nosso estudo mostrou que

a comunidade precisa construir metodologias de ensino que favoreçam uma educação bilíngue

de fato, como forma de garantir o ensino de língua indígena na escola, estimulando tanto o

ensino da língua nativa como o do português, de forma que as duas línguas sejam igualmente

valorizadas, mas com foco especial na língua e cultura nativa. Ou, ainda, outra possibilidade é

a de que a língua nativa seja aprendida de modo mais eficaz em um contexto de imersão, de

forma que aprimore as funções da língua, expondo as crianças a formas naturais da mesma.

É importante ainda que a comunidade Kyikatêjê elabore uma política linguística

local, que defina a forma como será concebido o ensino bilíngue na escola, o programa de

imersão, os papéis da comunidade sobretudo ―o que será ensinado de Língua indígena?‖ e ―o

que será ensinado de Língua Portuguesa?‖ na escola. Acreditamos que essas práticas seriam

eficazes para o processo de vitalização linguística da comunidade indígena Kyikatêjê.

Esperamos que os resultados da presente tese de doutorado venham a contribuir para

futuros planejamentos linguísticos voltados para a escola Kyikatêjê, para um ensino que

caminhe passo a passo com os ideais do povo Kyikatêjê de fortalecer o que é de tão

importante para a sua identidade linguística e cultural. Os resultados que obtivemos deverão,

assim, servir como uma das referências norteadoras para a comunidade Kyikatêjê analisar os

usos e funções de sua língua materna nos diferentes espaços da aldeia ( família, comunidade ,

escola) e pensar em formas alternativas de ampliar essas interações , de forma que a língua

volte a ser transmitida, e a identidade étnica e cultural do povo Kyikatêjê fortalecidas.

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172

ANEXOS

ANEXO A – QUESTIONÁRIOS

Questionário 1 Observação e levantamento dos usos linguísticos no âmbito

familiar

Objetivo: observar as famílias da comunidade, prestando atenção na(s) língua(s) que os integrantes

usam no dia a dia nas relações de interação com os integrantes da família.

Observação por Família

NOME PARENTESCO IDADE

Chefe da família

LI

LP

LI =

LP

Mais

LI

Mais

LP

Língua de interação entre marido e mulher

Língua de interação entre mãe e filhos

Língua de interação entre pai e filhos

Língua de interação entre avô e netos

Língua de interação entre avó e netos

Língua utilizada durante as refeições

Língua utilizada nas brincadeiras infantis

Língua utilizada nas brincadeiras tradicionais

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173

Questionário 2 Mapeamento das atitudes linguísticas

Objetivo: Mapear as atitudes linguísticas dos falantes com uma representatividade de 5

membros da comunidade considerando as faixas etárias: 8-12, 13-30, 31-45; 46-60 e mais de

60, com vistas em apreender a situação sociolinguística de homens e mulheres de diversas

idades.

Entrevista com Membro da Comunidade52

Nome da pessoa entrevistada: ______________________

Idade: ____________Data: ____

1. Em que língua você aprendeu a falar primeiro? Por quê? Que língua você acha mais

fácil? Língua Indígena ou Língua Portuguesa? Por quê?

3. Que língua você acha mais bonita? Por quê?

4. Que língua você usa mais? Por quê?

5. Com quem você conversa em Língua Indígena na sua aldeia? Quando isso acontece?

6. Com quem você conversa em Língua Portuguesa na sua aldeia? Quando isso acontece?

7. Você sabe ler e escrever em Língua Indígena? O que você lê e escreve em Língua Indígena?

8. Que língua você acha que deve ser ensinada na escola primeiro? Por quê?

9. Em que língua você acha que o professor deve conversar com você e seus colegas na sala de aula?

Por quê?

10. Você acha que a sua língua indígena pode se acabar? Por que sim ou por que não?

52

Considerando todas as faixas etárias já referidas.

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174

Questionário 3 Planejamento linguístico e ações de vitalização da língua

Objetivos: registrar o que pensam os Kyikatêjê (lideranças, professores, falantes, lembrantes,

entendentes, aprendizes e famílias da comunidade) as ações políticas de vitalização da Língua

indígena.

1-Qual papel vocês gostariam que a língua Kyikatêjê assumisse na comunidade?

2-Por que é importante, para vocês, usarem novamente a língua Kyikatêjê na comunidade?

3- Quais as ações de vitalização que a comunidade Kyikatêjê já está realizando para que a cultura e a

língua não se extinga?

4- O que vocês gostariam que a comunidade fizesse para fortalecer o uso da língua Kyikatêjê na

comunidade?

4- Quais os aspectos mais importantes dos seus modos de vida que gostariam que continuasse?

5-Quais aspectos dos seus modos de vida vocês gostariam de mudar?

6- A comunidade gostaria de ter um Centro de Documentação da língua e da cultura Kyikatêjê (Museu

Casa de Tradição Kyikatêjê), com livros, CDs, DVDs, fotos, entre outros?

() Sim () Não

7- Marque qual (ou quais) a atitude linguística da comunidade em direção à vitalização linguística da

língua Kyikatêjê ?

( ) Produzir programas e materiais de aprendizagem de língua sem visar uma fluência completa ou

restabelecimento da língua como principal língua de comunicação.

( ) Serem fluentes na língua usando-a no dia a dia.

( ) Querem se tornar bilíngues (falar português e Kyikatêjê )

( ) Querem aprender a língua por curiosidade

( )Têm medo de errar quando querem falar a língua.

(8) Explique por que escolheram as alternativas:

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175

Questionários 4 Mapeamento no âmbito dos aspectos culturais

Objetivos: observar o dia a dia da comunidade, como vistas a identificar os costumes do cotidiano

(práticas culturais) dos Kyikatêjê abaixo listadas:

_____ 1. Reuniões internas na comunidade

_____ 2. Reuniões na comunidade com pessoas de fora também presentes

_____ 3. Festas tradicionais na comunidade

_____ 4. Cerimônias religiosas tradicionais

_____ 5. Culinária (ingredientes usados e receitas)

______6 Confecção de Artesanato

______7 Roçado

______8 Caçada

_____ 9. Brincadeiras infantis

_____ 10. Jogo de futebol na aldeia

_____ 11. Namoro e casamento

_____ 12. Danças

_____ 13. Pinturas

_____ 14. Arte

_____ 15. Músicas

_____ 16. Remédios (plantas medicinais)

_____ 17. Outras práticas culturais da comunidade que julgar relevante

1- Os Kyikatêjê costumam contar os mitos (histórias) Kyikatêjê?

( ) Sim ( ) Não

Em quais momentos?______________

Descrição do mito: __________________

2-Os Kyikatêjê costumam celebrar as festas tradicionais na aldeia?

( ) Sim ( ) Não

Nome da festa: ______________________

Descrição da festa: __________________

Período que ocorre?______________________

3- Os Kyikatêjê costumam fazer as comidas tradicionais da comunidade?

( ) Sim ( ) Não

Nome da comida: ______________________

Descrição da comida: __________________

4- Os Kyikatêjê costumam fazer caçada?

( ) Sim ( ) Não

Quais instrumentos são utilizados?____________________________

O que caçam mais? __________________

5-Os Kyikatêjê costumam cantar músicas tradicionais?

() Sim () Não

Quais instrumentos são usados?____________________________

Descrição da canção: __________________

6- Os Kyikatêjê costumam participar de brincadeiras?

( ) Sim ( ) Não

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176

Nome da brincadeira: ______________________

Descrição da brincadeira: __________________

Quais instrumentos são usados?____________________________

7- Os Kyikatêjê jogam futebol?

( ) Sim ( ) Não

Nome do time de futebol: ______________________

8- Os Kyikatêjê costumam se pintar?

( ) Sim ( ) Não

Nome da pintura: ______________________

Descrição da pintura: __________________

Quando costumam pintar o corpo?________________________

9-A comunidade possui algum projeto de extração da matéria prima?Quais? Caso não tenha gostaria

de ter um projeto de qual natureza?

( ) Sim ( ) Não

10- Quais alternativas de manejo existem na região?

_______________________________________________________________

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177

ANEXO B – ENTREVISTAS

COM OS PROFESSORES

1. Fale sobre a sua formação e trabalhos desenvolvidos. Conte-nos com quem aprendeu

a língua Kyikatêjê ?

2. Ano que se tornou professor da língua na aldeia?

3. Como você foi escolhido professor de língua Kyikatêjê na comunidade?

4. Descreva sua metodologia nas aulas de língua Kyikatêjê ? (fale um pouco como é a

escola indígena da aldeia, o que ensina e que considera importante ensinar sobre sua

língua? Fale de seus saberes e fazeres como professor . Você poderia ceder alguns

materiais utilizados em suas aulas? Autoriza publicação?

5. Como avalia de modo geral o desempenho dos alunos no aprendizado de língua

indígena na escola?

6. Como são desenvolvidas suas aulas de língua e cultura na comunidade Kyikatêjê ?

7. Qual o tempo destinado para o ensino – aprendizagem de língua na escola?

8. Conte-nos como são suas aulas. Descreva alguma atividade que possa ilustrar suas

aulas.

9. Que materiais pedagógicos você costuma usar?

10. Suas aulas acontecem dentro ou fora da escola?

11. E a família participa juntamente com a escola, no sentido de ensinar a língua Kyikatêjê

em casa?

12. Você acha que a língua Kyikatêjê corre o risco de morrer?

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178

COM O DIRETOR DA ESCOLA

1- Baseado nas nossas visitas e pesquisas já realizadas aqui, desde 2009, observamos

os diretores aqui mudavam constantemente, gostaria de ouvir sua opinião sobre

essa constante mudança na direção da escola, e porque foste indicado pelas

lideranças para ser o novo diretor?

2- Conte-nos quais são suas metas para a escola indígena Kyikatêjê, já que ano que

vem (2013) será o novo diretor da escola.

3- A escola já tem disponível material pedagógico da língua Kyikatêjê?

4- Como pensas esse material e qual deseja confeccionar de caráter emergencial?

5- Considerando que a língua Kyikatêjê é ensinada como segunda língua, como esta é

ensinada aqui na escola? ( de forma oral, só de forma escrita, escrita e oral).

6- Sabendo que a comunidade Kyikatêjê vem utilizando a Língua Portuguesa com

mais frequência no dia a dia da comunidade, como você acha que deve ser o

ensino na escola, considerando as duas línguas - Português e Kyikatêjê?

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179

ANEXO C – DOCUMENTOS DA ESCOLA

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180

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181

*MATRIZ CURRICULAR*

Matriz Curricular Básica MODELO CURRICULAR

MODELO CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO INFANTIL CRECHE – MANHÃ

ANO LETIVO: 2012 AMPARO LEGAL: LEI Nº 9.394/96 – LDB – ART. 26 RESOLUÇÃO Nº 03/98 - CNE

DISCIPLINAS OU COMPONENTES CURRICULARES C Créditos CH

Total

BASE NACIONAL COMUM 1008 – EDUCAÇÃO FÍSICA 3 3 120

1001 – EDUCAÇÃO GERAL 20 20 800

CARGA HORÁRIA SEMANAL TOTAL 23 23 920

CARGA HORÁRIA ANUAL 920 - 920

Matriz Curricular Básica MODELO CURRICULAR

MODELO CURRICULAR PARA PRÉ-ESCOLAR – MANHÃ

ANO LETIVO: 2012 AMPARO LEGAL: LEI Nº 9.394/96 – LDB – ART. 26 RESOLUÇÃO Nº 03/98 - CNE

DISCIPLINAS OU COMPONENTES CURRICULARES C Créditos CH

Total

BASE NACIONAL COMUM 1008 – EDUCAÇÃO FÍSICA 3 3 120

1001 – EDUCAÇÃO GERAL 20 20 800

CARGA HORÁRIA SEMANAL TOTAL 23 23 920

CARGA HORÁRIA ANUAL 920 - 920

*MATRIZ CURRICULAR*

Matriz Curricular Básica MODELO CURRICULAR

MODELO CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (3ª E 4ª ETAPA) –

NOITE

ANO LETIVO: 2012 AMPARO LEGAL: LEI Nº 9.394/96 – LDB – ART. 26 RESOLUÇÃO Nº 03/98 - CNE

DISCIPLINAS OU COMPONENTES

CURRICULARES

3 4 Créditos CH

Total

BASE NACIONAL COMUM 2005 – CIÊNCIAS FÍSICAS E BIOLÓGICAS 3 3 6 240

2007 – EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2 2 4 160

1008 – EDUCAÇÃO FÍSICA 2 2 4 160

2003 – GEOGRAFIA 3 3 6 240

2002 – HISTÓRIA 3 3 6 240

2001 – LÍNGUA PORTUGUESA 5 5 10 400

2006 – MATEMÁTICA 5 5 10 400

PARTE DIVERSIFICADA 2135 – ESPANHOL 2 2 4 160

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182

2013 – FRANCÊS 2 2 4 160

2012 – INGLÊS 2 2 4 160

CARGA HORÁRIA SEMANAL TOTAL 25 25 50 2000

CARGA HORÁRIA ANUAL 1000 1000 - 2000 OBSERVAÇÃO:

Disciplinas da Parte Diversificada: - Uma Língua Estrangeira Moderna: Inglês, Francês ou Espanhol

Matriz Curricular Básica MODELO CURRICULAR

MODELO CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (1ª E 2ª ETAPA) –

NOITE

ANO LETIVO: 2012 AMPARO LEGAL: LEI Nº 9.394/96 – LDB – ART. 26 RESOLUÇÃO Nº 03/98 - CNE

DISCIPLINAS OU COMPONENTES

CURRICULARES

1 2 Créditos CH

Total

BASE NACIONAL COMUM 2007 – EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2 2 4 160

1008 – EDUCAÇÃO FÍSICA 2 2 4 160

1001 – EDUCAÇÃO GERAL 20 20 4 1600

CARGA HORÁRIA SEMANAL TOTAL 24 24 48 1920

CARGA HORÁRIA ANUAL 960 960 - 1920

Obs.: Modelo original da SEDUC

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183

ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA DE ENSINO FUNDAMENTAL E

MÉDIO TATAKTI KYIKATÊJÊ

QUADRO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL AO ENSINO MÉDIO

LOTAÇÃO (Organização Interna inicial) - 2013

Diretor:Rikpàrti Kôkaprôti Coordenadoras:Conserlene Iguaraci Piguara Sompré

Conserlei Aracipiguara Sompré Secretária:Arlete Sousa Peixoto Silva

EDUCAÇÃO INFANTIL

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

ICTH01 (Creche) Elaine de Souza Leite

Sampaio

Educação Geral L. P. Pedagogia

I1MP01 (Pré-escolar –

Jardim I)

Maria José Soares Barbosa Educação Geral L. P. Pedagogia

I1TP01 (Pré-escolar –

Jardim II)

Letícia de Paula Paixão

Cunha

Educação Geral L. P. Pedagogia

ENSINO FUNDAMENTAL DE 09 ANOS

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

F1M901 (1º ano -

manhã)

Maria do Socorro de Sousa

Vale

Educação

Geral

L. P. Pedagogia

F1M901 (1º ano -

manhã)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F1M901 (1º ano -

manhã)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F2M901 (2º ano -

manhã)

Paula Andreia Santana dos

Santos / Cleonice Monteiro dos

Santos Dias

Educação

Geral

L. P. Pedagogia /

L. P. Pedagogia

F2M901 (2º ano -

manhã)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F2M901 (2º ano -

manhã)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F2T901 (2º ano -

tarde)

Conserlene Iguaraci Piguara

Sompré

Educação

Geral

L. P. Pedagogia

F2T901 (2º ano -

tarde)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F2T901 (2º ano -

tarde)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F3M901 (3º ano - Helena do Nascimento Educação L. P. Pedagogia

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manhã) Meneses Geral

F3M901 (3º ano -

manhã)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F3M901 (3º ano -

manhã)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F3T901 (3º ano -

tarde)

Lúcia dos Santos Educação

Geral

L. P. Pedagogia

F3T901 (3º ano -

tarde)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F3T901 (3º ano -

tarde)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F4M901 (4º ano -

manhã)

Maura Alves Ribeiro Educação

Geral

L. P. Pedagogia

F4M901 (4º ano -

manhã)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

F4M901 (4º ano -

manhã)

Prekrore Amjikinire

Jokahyntikupytyre

Língua

Indígena

Cursando

Magistério

Indígena

F5M901 (5º ano -

manhã)

Valdireny Rodrigues Abreu Educação

Geral

L. P. Pedagogia

F5M901 (5º ano -

manhã)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação

Física

ENSINO FUNDAMENTAL DE 5ª A 8ª SÉRIES

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Clebson de Sousa Peixoto Língua

Portuguesa

L. P. Letras

com

Habilitação em

L. Inglesa

F8TI01 (8ª série) Ana Paula da Cunha Carvalho Matemática L. P.

Matemática

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

Leidiane Pereira Silva Matemática L. P.

Matemática

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Taísa Rabelo Bezerra da Silva Ciências L. P. Ciências

Biológicas

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Adelaide Severino do

Nascimento

História /

Estudos

Amazônicos

L. E. História

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

Julio Alves de Oliveira Geografia L. P. Geografia

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185

F8TI01 (8ª série)

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Claudio

XankrarePoprereajanare

Educação Física

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Ivonete Maria Rangel da Fraga Educação

Artística

L. P. Letras

F5TI01 (5ª série)

F6TI01 (6ª série)

F7TI01 (7ª série)

F8TI01 (8ª série)

Língua Indígena

ENSINO DE JOVENS E ADULTOS (1ª E 2º ETAPAS)

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

F1NJ01 (1ª etapa) Valdireny Rodrigues Abreu Educação Geral L. P. Pedagogia

F2NJ01 (2ª etapa)

ENSINO DE JOVENS E ADULTOS (3ª E 4º ETAPAS)

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Simone Pereira Lima Língua

Portuguesa

L. P. Letras

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Leidiane Pereira Silva Matemática L. P.

Matemática

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Taísa Rabelo Bezerra da

Silva

Ciências L. P. Ciências

Biológicas

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Adelaide Severino do

nascimento

História /

Estudos

Amazônicos

L. E. História

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Julio Alves de Oliveira Geografia L. P. Geografia

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Helena do nascimento

Meneses

Educação

Artística

L. P. Pedagogia

F3NJ01 (4ª etapa)

F4NJ01 (4ª etapa)

Rikpàrti Kôkaprôti Língua Indígena Cursando

magistério

Indígena

ENSINO MÉDIO

TURMAS PROFESSOR (A) DISCIPLINA FORMAÇÃO

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Simone Pereira Lima Língua

Portuguesa /

Educação

Artística

L. P. Letras

M1NR01 (1º ano – Ana Paula da Cunha Matemática L. P. Matemática

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noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Carvalho

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Taísa Rabelo Bezerra da

Silva

Biologia /

Química

L. P. Ciências

Biológicas

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Adelaide Severino do

nascimento

História L. E. História

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Conserlei Aracipiguara

Sompré

Geografia L. P. Pedagogia

e cursando

Geografia

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Leidiane Pereira Silva Física L. P. Matemática

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Karin Fabiane Follmann Filosofia /

Sociologia

L. P. Psicologia

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Ivonete Maria Rangel da

Fraga

Literatura

Brasileira

L. P. Letras

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Clebson de Sousa Peixoto Língua Inglesa L. P. Letras com

Habilitação em

L. Inglesa

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

SEM PROFESSOR

LOTADO

Educação Física

M1NR01 (1º ano –

noite)

M2NR01 (2º ano –

noite)

Rikpàrti Kôkaprôti Língua Indígena Cursando

Magistério

Indígena

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ANEXO D – FIGURAS

Figura 14 - Corrida da tora. Fonte: Estadão http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/esporte-

guerreiro-tribo-kyikateje/. Foto de Ernesto Rodrigues /AE

Figura 15 - Berarubu pronto para ser assado. Fonte: acervo da Escola Indígena Kyikatêjê.

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188

Figura 16 - Berarubu assando. Foto de Áustria Rodrigues Brito, janeiro de 2012.

Figura 17 – Acampamento construído pela própria comunidade para realização de várias atividades na

aldeia. Foto de Áustria Brito janeiro de 2012.

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189

Figura 18 –Momento de aprendizado com os ―velhos‖. Foto de Riane Riane Souza Araújo/

novembro de 2009

Figura 19 –Abertura da conferência de Educação Escolar Indígena.Regional Marabá. Foto de Riane

Souza Araújo/ julho de 2009

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190

Figura 20 – Cacique Kykyiré com a pesquisadora Àustria Rodrigues Brito.Foto de Maria Gorethe/

Jan de 2012.

Figura 21 – Cacique Kykyiré da comunidade indígena Gavião-Kyikatâjê até abril de 2012. Foto de

Áustria Rodrigues Brito/ Jan de 2012.

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191

Figura 22 – Família de Rikpàrti Kôkaprôti com a pesquisadora Austria Rodrigues Brito. Foto de

Karina Kõkaprõnti/ Jan de 2012.

Figura 23 – Filhos de Rikpàrti Kôkaprôti com a pesquisadora Áustria Rodrigues Brito. Foto de

Rikpàrti / Jan de 2012.

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192

Figura 24 – Filhos de Rikpàrti Kôkaprôti com a pesquisadora Aústria Rodrigues Brito.Foto de

Rikpàrti/ Jan de 2012.

Figura 25 – Membros da comunidade Kyikatêjê participando da brincadeira da peteca, no centro da

aldeia .Fonte: foto de Àustria Rodrigues Brito/ Jan de 2012.

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193

Figura 26 – Rompré confeccionando a peteca com a palha de milho para a brincadeira com os

membros da comunidade. Foto de Áustria Rodrigues Brito/ Jan de 2012.

Figura 27- Mulheres da comunidade Kyikatêjê participando da brincadeira da peteca, no centro da

aldeia .Foto de Áustria Rodrigues Brito/Jan de 2012.

Figura 28 –Mulheres da comunidade Kyikatêjê participando do jogo de flecha no acampamento. Foto

de Áustria Rodrigues Brito/ Jan de 2012.

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194

Figura 29 – Mulheres da comunidade Kyikatêjê participando da brincadeira da flecha no

acampamento. .Foto de Áustria Rodrigues Brito. Maio de 2014.

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195

Figura 30 – Homens da comunidade Kyikatêjê participando da brincadeira da flecha no

acampamento. .Foto de Àustria Rodrigues Brito; maio de 2014.

Figura 31 – Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com os artesãos da comunidade Kyikatêjê. Foto de

Rompré /jan de 2012.

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196

Figura 32 – Jõprara se preparando para degustar o jabuti na casca. Foto de Áustria Rodrigues Brito;

Jan de 2012.

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197

Figura 33 - Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com a professora de Cultura e Língua Jõprara. Foto

de Rikpàrti / Jan de 2012.

Figura 34 – Professora Jõprara em nosso terceiro dia de entrevista . .Foto de Áustria Rodrigues Brito/

Jan de 2012.

Figura 35 - Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com Jõprara. .Foto de Rikpàrti/ Jan de 2012.

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198

Figura 36 - Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com o professor de cultura Alacide. Foto de

Rikpàrti/ Jan de 2012.

Figura 37 - Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com os professores de cultura Prekrõre e Jose

Aianaré Kaktiti Popramre .Foto de Marcus Paulo./ Jan de 2014.

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Figura 38 - Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito com Jose Aianaré Kaktiti Popramre em momento

de aprendizado.Foto de Marcus Paulo/ Jan de 2012.

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200

Figura 39- ―Cacique Zeca Gavião da comunidade Kyikatêjê reunido com os parentes Koyakati,

Kriamretijê e a Kyikatêje (anfitriã) para ouvir a sentença positiva da justiça referente ao contrato com

a Vale. Depois de meses o imbróglio finalmente caminha para uma solução favorável aos Índios

Gavião dessas três comunidades.‖ (Ascom). Fontes: Magno Barros .

Figura 40 – Diretor da Escola Kyikatêjê Rikpàrti Kôkaprôti ( Líguido), abrindo as atividades de

cultura da comunidade kyikatêjê ( rememorando atividades de sua comunidade , como a festa do tép

krã (cabeça de peixe). Fonte: acervo da Escola indígena Kyikatêjê

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201

Figura 41 - Diretor da escola Kyikatêjê Rikpàrti Kôkaprôti ( Líguido), discursando para professores ,

jovens, crianças e para os outros membros da comunidade e registra a importância de se preservar a

cultura e a língua de seu povo. Fonte: acervo da Escola indígena Kyikatêjê

Figura 42 - Diretor e professor bilíngue da Escola Kyikatêjê Rikpàrti Kôkaprôti ( Líguido), em

atividade de cultura com as crianças , jovens ,professores e membros da comunidade para a

celebração do tép krã (cabeça de peixe). Fonte: acervo da Escola indígena Kyikatêjê

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202

Figura 43- Membros da comunidade celebrando a festa tradicional d o tép krã (cabeça de peixe ) que

faz parte de sua cultura desde muitas décadas. Fonte: acervo da Escola indígena Kyikatêjê

Figura 44 : Imagem de Horâkrajare em 1976, celebrando a festa tradicional o tép krã (cabeça de

peixe , na Ladeira Vermelha , antiga morada dos Kyikatêjê . Fonte: acervo da Escola indígena

Kyikatêjê

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Figura 45– Meninas Kyikatêjê em atividade de campo e celebração da festa tradicional da

comunidade . Fonte: acervo da Escola indígena Kyikatêjê

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204

Figura 46– Pesquisadora Áustria Rodrigues Brito reunida com as jovens Kyikatêjê . Foto de Marcus

Paulo/ jul/ 2013

Figura 47 : Associação Indígena Kyikatêjê . Foto de Áustria Rodrigues Brito/ julho 2013

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Figura 48- Prédio da EEIEFM Tatakti Kyikatêjê, construída em 2001. Foto de Áustria Brito, jul/2013

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Figura 49 –Planta do Prédio da EEIEFM Tatakti Kyikatêjê·, construída em 2001. Fonte: acervo da

Escola Indígena .

Planta Baixa da Escola Indígena de E.F.M. “Tatakti Kyikatêjê”

Sala de aula 1Sala de aula 2 Refeitório Sala de aula 3Sala de aula 4

Coz

inha

Despensa

Sala

de

aula

5A

lmox

arifa

do

Ban

heir

o F.

Áre

a de

ser

v.

Ban

heir

o M

.

Área aberta

Área aberta

Áre

a ab

erta

Áre

a ab

erta

Pátio Escolar

Pátio Escolar

Pátio

Esc

olar

Pátio

esc

olar

4 m

4 m

8 m

8 m

8 m

8 m

2 m

6 m

3 m

3 m

4 m4 m

4 m

4 m

8 m 8 m

8 m

8 m

8 m 8 m 8 m

8 m

5 m

6 m

6 m

1,5

m1,

5 m

1,5 m1,5 m

11 m

11 m

60 m

60 m

80 m

80 m

21 m

21 m

Figura 50– Refeitório EEIEFM Tatakti Kyikatêjê.Foto de Áustria Brito/ jul/2013

Figura 51 –sala de aula da educação infantil da EEIEFM Tatakti Kyikatêjê. Foto de Riane /out de

2009

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207

Figura 52– sala de aula da educação infantil da Escola Tatakti Kyikatêjê·. Foto de Áustria

Rodrigues Brito / Janeiro de 2013.

Figura 53 – Sala de aula da educação infantil da Escola Kyikatêjê. Foto de Áustria Rodrigues Brito /

Janeiro de 2013.

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208

Figura 54 – Sala de aula da educação infantil da Escola i Kyikatêjê. Foto de Áustria Rodrigues Brito /

Janeiro de 2013.

Figura 55 – EEIEFM Tatakti Kyikatêjê ( 2º prédio , visto de frente) , construído em 2011. Foto de

Áustria Brito, jul/2013

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209

Figura 56 – EEIEFM Tatakti Kyikatêjê ( 2º prédio , visto internamante ). Fonte: Foto de Áustria Brito,

jul/2013

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210

APÊNDICE 1- TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Com a professora de língua e cultura Jóprara Kwykre Tahoti

P: Então nós est aqui com a professora Jõprara, da aldeia Kykatêjê que vai contar sobre suas atividades como

professora da escola, mas é bom lembrar como ela mesma disse para nós, que ela já atua como educadora desde

a aldeia Parkatêjê.

Jõprara: (... ) eu não sei como é que eu vou falar. (... ) eu não estou nem lembrando mais. (... ) contando errado,

mentira, não sei. (risos) é rapaz (... ) como é que tu falou para mim também.

P: Assim, você vai falar um pouco da sua história como professora, desde quando você vem desenvolvendo essas

atividades na escola, desde lá dos Parkatêjê até chegar aqui no Kykatêjê, como é que os jovens recebem os teus

ensinamentos? Os alunos?

Jõprara: Por que lá na aldeia dos Parakatêjê era... o nome do (... ) foi primeiro, aí depois foi professor, aí quando

meu marido morreu, aí fomos nós que tom conta também ( ) aí depois fiquei procurando assim no que eu vou

trabalhar, assim, eu queria trabalhar, eu fui procurando para mim, por que eu estou sem meu marido, eu fiquei

sozinha eu tinha que trabalhar para eu ganhar alguma coisinha para criar meu filho. Aí ele foi procurando veio

aqui, ele foi lá tá, sei que procurou e depois conversou comigo. A primeira merendeira fui eu, (... ) aí eu fui

fazendo merenda lá para os meninos (... ) aí (eu fui fazendo) merenda para eles merendar até não sei quando nós

saímos de lá dos Parakatêjê... saímos de lá, mudaram para cá, aí eu mudei e pediu pra nós ensinar na língua,

porque nós mud para cá, aí pediram para nós. Vocês vão ser professor de linguagem vão ensinar esses meninos

falar e escrever alguma coisinha na língua, eles vão aprender a língua, vocês vão ensinar. .

P: Como é que está sendo o seu trabalho lá na escola ensinando na língua?

Jõprara: Ensinando a cantar, ensinando como falar os nomes dos bichos, ensinando e fazendo o berarubu,

ensinando isso para elas, aí só nós as mulheres, só as mulheres estão ensinando as meninas assim, separadas né

porque a cultura para nós, as mulheres, se parece e a dos homens se parece, porque os homens estão ensinando a

cultura assim (... ) mais depressa, mas nos mulheres (... ) nós duas est ensinando, só na cultura do berarubu ( )

ensinando os nomes dos animais, ensinando como chamar mãe e pai, ensinando na pintura, ensinando a

acontecer, a contar mais, esse ano eu nem, parece que estou com três meses que não estou ensinando mais (... )

aí eu parei.

P: Está doente.

Jõprara: Aí estive tratando também do coisa assim, tiraram um câncer, eu fiz um tratamento de dois meses e que

eu não sei nesses meses não. Têm uns três meses que eu não ensino.

P: Três meses.

Jõprara: Que eu não venho ensinando mais não.

P: Tá. E o que você vem ensinando?

Jõprara: Três meses não, três anos né?

P: E o que você vem ensinando? Você acha que as crianças estão aprendendo na Lingua?

Jõprara: Estão falando, depois que alguns pais começam a falar com pai, estão falando alguma coisinha fácil

para eles, estão aprendendo alguma coisinha a falar, estão aprendendo a cantar, hum, estão aprendendo sim,

como eu estou falando, porque só eu que estou ensinando mais do idioma também, porque as mais novas não

sabem também não sabem assim na cultura, (quer dizer como eu expliquei também) elas são muito novas e não

sabem ainda não, então ela falou que só eu ensino quase assim, eles estão aprendendo poquinho só pai, mãe,

aprendendo a cantar pouquinho, é pouco, mas estão aprendendo, eu mesma estava falando com a professora que

eu nem penso em sair assim, desisti da escola não, eu quero continuar (... ) eu tive que sair assim, como eu estou

falando, eu fui fazer o meu tratamento, aí eu fiquei triste, chorei, aí eu reclamei assim com professora, não fique

triste não, não chore não, a senhora vai voltar sim, até que Deus vai curar a senhora, a senhora vai estar junto

com a gente, nós v trabalhar junto de novo sim, não fique triste não (... ) ela falava assim para mim aí, pois é, é

isso mesmo que eu quero, eu nunca vou sair assim mesmo eu vou trabalhar, eu vou continuar até os meninos

aprender.

P: Você se recorda de alguma aula que você deu que você tenha feito algum material com eles, produção de

material na língua. Você faz? Como é fala pra gente um pouquinho.

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211

Jõprara: Não sei como é que eu vou falar.

P: Por exemplo, você disse que trabalha os animais, as plantas, nome de animais, nome de plantas.

P: Qual é o material que você usa para dar essa aula? Você gosta de dar aula dentro da sala de aula ou fora da

sala de aula?

Jõprara: Dentro.

P: Dentro. Como é que é, lembra?

Jõprara: uso folhas com desenhos de animais, desenhando o berarubu, e outros nomes de plantas.

P: Como avalia seus alunos? Eles sabem falar e escrever na língua?

Jõprara: Algumas, falam algumas, escrever não.

P: E a família ta falando com os filhos na Língua ?

Jõprara: É eles tem que falar também. É isso que eu falo também, quando nós só ensina dentro da escola, quando

sai com o pai e com a mãe sai falando em português, aí que nunca vai aprender, eu mesma estou (...) que pai e

mãe tem que ajudar a falar para aprender, senão (vão dizer) a senhora não ensina lá e eles saem falando

português nunca aprendem. É isso aí mesmo. Algumas entendem , escrever não (...) Alguns gostam e outros

(...) está muito difícil para nós. Por isso a gente pede, faz reuniões, pede para os pais que converse com seus

filhos para respeitar, então a gente vai lá, (...) pede para prestar atenção porque nós estamos ensinando vocês,

que quero que vocês aprendam a falar na língua, quero que vocês ensinem os filhos de vocês assim, como eu

estou falando alguns respeitam mas outros não nem prestam atenção (...) mas é assim mesmo, a gente vai

devagar. (Jõprara)

Jõprara: Foi eu mesma, tenho muito contato mesmo, tem muita cultura aqui comigo, no livro mesmo eu peço

tANto mesmo para Líguido, ele nunca vem aqui para sentar comigo assim, (... ) que tem uma vontade de fazer

muito livro na língua tem que fazer.

P: E quando você dá aula na língua para os alunos daqui eles gostam?Como é ?

Jõprara: Alguns eu gosto e outros (... ) está muito difícil para nós. Por isso nós fal pedimos, fazemos reuniões,

pedimos para os pais que conversem com seus filhos para nos respeitar, então nós v lá, (... ) pedimos para

prestar atenção porque nós est ensinando vocês, que quero que vocês aprendam a falar na língua, quero que

vocês ensinem os filhos de vocês assim, como eu estou falando alguns respeitam, mas outros não nem prestam

atenção (... ) mas é assim mesmo, a gente vai devagar.

P: Como é que os professores indígenas e não indígenas trabalham aqui?

P: O Professor índio com o branco. Eles participam das atividades da comunidade?Falam na língua?

Jõprara: Os kupê mesmo não escrevem não. Só o Liguido mesmo. O professor branco não tem um esforço de

aprender a língua. Não, não. Porque eles não sabem escrever só o Liguido mesmo. Só ele que coloca tudo no

papel, escreve tudinho na língua, aí ele entrega, que ele copia, porque os professores mesmos não sabem escrever

na língua. Só ele que escreve tudinho num papel e entrega para os brancos aí ele está ensinando os meninos

também copiando para eles.

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212

Com o professor de língua e cultura Prekrôre Kutampre Jokahinti (Tóco)

P: Nós est aqui com professor Prekrôre , professor de cultura de cultura da escola indígena Tatakti

Kyikatêjê . Ele vai falar como se tornou professor, da sua história de vida como educador, o que ele

tem feito na sala de aula, em suas atividades práticas no ensino fundamental e médio na escola. Você

tem quantos anos? Você nasceu em que ano?

Prekrôre : 50 anos

P: 50 anos.

Prekrôre: Porque aqui no meio do branco tá, mas para quem nasceu no mato eu calculei que são 50

anos, mas eu tenho 62.

P: 60 anos.

Prekrôre: No mato to falando são 50 anos

P: Você já atua como professor faz quanto tempo?

Prekrôre: Eu trabalho aqui como professor uns cinco ou seis anos por aí assim.

P: como se tornou professor na comunidade? Conta um pouquinho pra gente sua história.

Prekrôre: É eu fui convidado pela comunidade. Eu fui então professor.

P: Como são suas aulas? Elas ocorrem dentro ou fora da sala de aula? E o que você ensina?

Prekrôre: Bom, eu ensino lá na sala e eu ensino criança a querer aprender a língua... ensino canções

também sabe que eu falo também mais, só para a comunidade Kikatêjê mesmo, mas que eu to sempre

falando para a comunidade que kupen precisam aprender a língua para ensinar, mas eles não querem

aprender não. Eu ensino sim, qualquer um assim, os próprios índios daqui, eu vou ensinar, se é isso

que eles querem, misturado com kupen ou para gente mesmo, eu falo assim, ensinando aqui e nós

mesmo, eu ensina lá na sala criança, eu estou até esperando aqueles grandes, aqueles rapazes, aqueles

moços também, pra ensinar aqui, eles não aprecem aqui. Isso que eu estava esperando.

P: E eles não comparecem ao acampamento?

Prekrôre: Não, acho triste fico triste com isso...

P: Você ensina o que lá na sala de aula e aqui, no acampamento? Qual é a atividade?

Prekrôre: Eu ensino língua, musica, historia. Contando historias para o aluno.

P: Quais são essas historias?

Prekrôre: Historia do gavião, a historia do (... ) que nós somos gêmeos, mas tem também a historia do

urubu que levou uma pessoa assim.

P: Conta para nós.

Prekrôre: Essa aqui eu contei também... fico aqui esperando os rapazes (... ) jovem não presta

atenção.

P: As crianças vêm? E os jovens?

Prekrôre: Vem algumas vezes. Tem vergonha de falar a língua, não querem aprender.

P: Vocês produzem algum material na escola ou aqui no acampamento?

Prekrôre: Sim, ensina a tirar coco, ensina também a tirar palha de coco. (... ) Eu to trabalhando como

professor (... ) eu trabalho na cultura naquilo que sei ensinar.

P: Como é que você trabalha na língua com eles?

Prekrôre: Kikatêjê nós fal igual. Fala igual parkatêjê. Nós cant, (... ) canta, a gente canta aqui também.

Katuparana... eles ficam escrevendo quando eu canto. Ele escreve depois em português no quadro

para o aluno. Eu falo primeiro na nossa língua depois passo para professor em português.

Aí o outro professor fala assim. Ah ensina meu aluno na língua, conto história, aí eu que to falando

com o professor aqui, olha como é professor, eu sou professor... O outro tá ensinando a noite. Aí (... )

ensinando lá embaixo os pequenininhos, aí fala assim com o professor. Se marcar a cada dia assim,

amanhã tu vais ensinar. Meu aluno. Aí eu ensino. Aí outro fala, amanhã vão entrar na minha sala e

ensinar meu aluno. Aí ensina. Porque ele é professor, tá trabalhando com isso e é (regra) aí o outro

vem e me chama aí eu ensino isso aqui, aí eu vou lá fico ensinando. Aí outro chega e diz que vai

ensinar meu aluno.

P: Então deixa eu entender, você não tem um horário certo para entrar naquela turma, na sala de aula.

Prekrôre: Tem horário de 10 horas.

P: De 10 horas até que horas?

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Prekrôre: Até 11 horas.

P: De 10 às 11 horas. Então é dispensado 1 hora pra você trabalhar na língua. É isso? E quando você tá

na sala de aula, um professor Kupê te ajuda.

Prekrore: É

P: Tá. Você disse que conta histórias para os alunos? Faz de conta que sou aluna, conta uma história?

Prekrôre: Eu conto da caçada, eu conto da historia do céu, eu contei esses dias... eu contei a história

do urubu que levou uma pessoa.

P: Tá. Então v lá. Então v contar.

Prekrôre: Eu contei aquele do urubu. Esse ai eu também contei só. Aí contou para os alunos. Porque

tem que trabalhar no (... ) . Tá bom. Aí até eu também pedi para o professor aquela... que eu contei

assim... porque, professor sempre fica até parece meio dia, porque ele entra oito (8), dá primeira meia

(hora de) aula, aí ele sai e depois, aí o professor kupe ensina, ele diz (... ) , ele primeiro ensina e

quando dá 10 horas, aí me chama e eu ensino.

P: Aí você tem ensinado histórias na língua para eles, histórias do sol, da lua, mitos do urubu que você

acabou de dizer. Conta para nós duas histórias. Conta para nós na língua.

Boêmio (estava conosco na entrevista- grande conhecedor da língua, bilíngüe e pertence a aldeia

Parkatêjê- visitava os parentes naquele dia - quando eu falava em português e Prekrôre não entendia

ele falava na língua com ele): Ela quer que conte história na língua Kikatêjê (... )

Prekrôre: sei... vou contar na linguagem depois falo em português.

P: Pode começar

(ele começa a contar a história na língua Kyikatêjê)

.................................................................................

P: Muito bem. Prekrore? Daria para você falar pra gente resumidamente essa historia em português

agora. Da sua maneira, da sua forma, pra eu entender o que você falou na língua.

Prekrôre:

Eu falei assim que antigamente uma pessoa, eu não sei se foi um carrapato ou uma saúva, entrou no

ouvido da pessoa, um dos dois, e o ouvido estava descamando, ficou cheio de pus, fedendo, fedorento,

aí deixaram no outro acampamento, aí ficou o que aconteceu primeiro com ele, foi o beija-flor que

chegou. A pessoa conta que uma saúva entrou no seu ouvido e pede para o beija-flor tirar para ele. (... )

pequeno, aí tiraram, aí quando o beija-flor foi embora, os urubus começaram a descer para o

acampamento. Desceu, quando ele viu o urubu perguntou- o que foi que aconteceu com vocês, o

carrapato que entrou no meio ouvido e acontece que o ouvido está fedorento, disse a pessoa. Então o

urubu disse, fica no acampamento, fica aqui mesmo. E então o urubu sumiu. Fora daqui, urubu junto

com gavião, o (maguari), ai ele vinha (... ) , o gavião, (salgaboi), disseram tem cupim, então v levar.

Aí levaram. Então disseram para pessoa dorme até (a hora da caça) cinco e meia, a gente passa aqui

com você e leva você. A pessoa dormiu e levantou, e perguntaram: você tá sozinho? Então rodaram e

a pessoa foi ajudando, no meio da viagem, lá pra cima aquele urubu, aquele pequeninho, como aquele

um que estava sentado aqui. A pessoa vira para os outros e diz, eu queria ajudar vocês a caçar um

pouco, ele sabia que ele era fraco. Não, deixa com a gente, nós mesmos lev disseram os outros. Senão

(... ) se a gente deixar, ele (... ) cair e morre. Eu falo a verdade. A pessoa disse, não eu quero ajudar

vocês a caçar um pouco. Teimoso. Aí eles dizem tá bom. Aí ele, urubu, entrou. Aí ele (...) uma vez, aí

vem o caboco e dá um abraço, (... ) Urubu, urubu rei, outro urubu, aí vem levantou (... ) pra cima (a

pessoa). (... ) Aí foi subindo até chegar na casa, botaram um presente. Quando ele (a pessoa) acordou,

estava diferente, estava li:::: mpo, com o kupem com (a cara assim) limpa, ele (viu) que estava

diferente sim. Aí ele ficou assim. Aí todos os urubus se espalharam, caçando, alimentando ele, (sogó,

matapuraqué), peixe, jacaré traziam, aí (ele ia comendo). Aí o outro urubu também trazia coisas, trazia

macaco guariba, (coco), aí (ele ia comendo) até (que ele engordou). Até que o urubu trouxe só bucho

aí ele (a pessoa) disse que não queria bucho e pediu desculpa. Aí ele foi engordando, engordando. Até

que perguntaram para ele (a pessoa) se estava com saudade do povo dele. Então ele respondeu que

sim, que estava com saudade. Na ultima caçada amanhã nós v levar você. Tá bom. No último dia ele

foi caçar, ele foi trazendo as coisas (... ) , quando foi de manhã, eles já sabem, fizeram um coco, aí

amarraram o coco, aí disseram você leva o coco, agora ele engordou, agora tá pesado, agora (... ) senão

(cai por aí) e morre. Aí fizeram a mesma coisa, vieram desce:::: ndo desce, quando ele pousa aqui no

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acampamento, aí DESCEU no acampamento. Aonde ele acampou aonde ele levou, ele (mesmo)

desceu, e até que ele se lembrou dos parentes, que o filho e sua mulher procuram por ele e pensaram

que ele tinha ido embora enquanto ele estava lá em cima. Aí ele acordou e foi embora chorando. É ele

não morreu não, estava lá em cima. Aí ele desceu. Alguém queria descer com ele. Aí o urubu mais o

sogó, (casal). Agora você vai primeiro (eu vou atrás do meu... ), você vai mesmo também? Perguntou.

Não você é que vai, respondeu, eu vou primeiro, (eu vou contar) e nós

(... ) se não quer não. Aí ele falou assim, eu quero. (Se eu chegar primeiro) aí eu levo. Mas era muito

bicho, era muito urubu. (Tirando só dois) se cada um (... ) e o meu pedacinho você não quer não?

Respondeu, não quero não. Aí ele pegou um pedacinho do coco, levou e chegaram. Aí (... ) achavam

que ele tinha morrido quando ele sumiu. (de repente) Ele apareceu e todo mundo dizendo Oooo. Lá

vem o papai, veio para (colo), agarrou e chorou. (... ) Aí pegaram o couro, abriram e viram que estava

cheio de coisas e perguntaram como é que ele tinha matado aquelas coisas se ele estava doente. Aí

depois mulher dele veio e olharam no céu. (... )

P: Então essa é a historia da lenda do urubu? E quando você conta essa historia na sala de aula. O que

os alunos perguntam? Como foi que você aprendeu? Quem contou essa historia pra ti?

Prekrôre: (... ) Eu falo assim, só que eu peguei a história um pouco que eu contei para vocês. Eu

peguei uma ideia de contar a historia. Eu peguei que a mãe contou pra mim. Eu peguei e agora estou

contando.

[na hora em que contava a história apareceu um parente da aldeia parkatêjê ]

P: Como é seu nome? Seu nome?

Boêmio

P: Tu também conhece essa história ?

Boemio: A minha mãe tá contando na linguagem (Kikatêjê) e nós est pegando. (... ) Ela tá contando a

historia e nós est pegando. Nunca esquecer. Nunca deixar morrer a historia. Porque você conta historia

você segura (... ) porque antigamente quando a gente conta a historia. Bonita. (... ) escrita no papel.

[continuidade da entrevista com Prekrôre ]

P: Prekrôre na sala de aula as crianças fazem perguntas? Elas gostam?

Prekrôre: Elas me procuram assim (... ) elas pedem para repetir, eu repito. (não) sei se eles estão

pegando porque ta escrevendo. Eles não lêem também, tem alguns que querem aprender na

linguagem, mas outros não querem aprender. (Ta mexendo com o outro) Não estão nem prestando

atenção. Eu até brigo também, presta atenção quando (... ) eu estou contando a história. Mais tarde (aí

o exercício) para aprender da historia que eu estou contando para vocês. Então os pequenos, a mãe

deles gosta e conta a história. Porque eu pensei que no meio de vocês contasse a história, por isso

(correndo assim) que eu para um pouquinho, escuto um pouco. Aí, eles saem as crianças não querem

também. Agora se está assim como eu estou sentado assim, contando como nós dois, e me fala

TUdinho as coisas da história. (... ) O interessado!

P: Os alunos gostam das suas aulas e te respeitam?

Prekrôre: Uma parte me respeita e outra não me respeita. Fala um com outro. Não presta atenção. Aí

o professor fala assim, quando sou eu, que eles têm que me ouvir quando eu estudo falando para o

aluno, preste atenção, senão não vão aprender.

Com o professor de cultura Prekrôti Amjererê Jokahinti

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P: Hoje dia 24/01

P: Nós est aqui com o Precruti, ele tem 43 anos, é professor de cultura da escola Kykatêjê. Ele está

aqui com agente para falar um pouco sobre os seus trabalhos desenvolvidos na escola. E como

setornou professsor de língua e cultura?

Precrôti: Eu vou te explicar assim. Eu vou COmeçar. Eu não vou dizer assim. Ah! Eu to trabalhando,

não. Eu vou começar. AINda. (... ) meu trabalho de língua, de cultura. Pra eu ensinar os jovens,

ensinar o moçado, os mais velhos, pra ensinar (berarubu), ensinar para que levem para frente. Para

ensinar (... ), para ensinar a cantar, para ensinar assim a corrida, para contar para eles como nós est

(contando). Viu. Nosso trabalho já tá começando -ensinando a língua para a meninada, depois para as

mais velhas, ensinar todas as coisas que eu estou querendo levar, meu/ assim mesmo como você (fala)

de aluno, meu aluno vou explicar, ensinar, vou fazer assim assim. Para eu ensinar, para (eles)

aprenderem (assim) como eu estou falando contigo e aí vai aprender. Eu quero ensinar, para eu ensinar

as pessoas a aprender o que eu estou levando, entendeu. Igual o aluno para eu ensinar, para aprender

comigo. Aí. Então mais tarde. Quem te ensinou? Foi o professor (... ) Precruti que me ensinou, eu

aprendi com ele. (... )

P: Como são suas aulas? Dentro da sala de aula e fora da sala de aula?

Precrôti i: Fora.

P: Como é que são? Como é que elas são organizadas?

Precrôti i: São fora no acampamento aqui. Aqui que se faz. Agora (dou) aula lá dentro da sala, da

escola. Aqui fora (... )

P: Fala um pouquinho de cada atividade que você desenvolve com flecha, com a tora. Como é que elas

ocorrem?

Precrôti : Ah, tá! Então de flecha, aí depois (... )

P: Desde quando a comunidade Kykatêjê já trabalha com essas atividades? Que são tradições.

Precruti: Desde de muito anos eu venho levando a corrida. Nós est ensinando os jovens e os as

crianças (... ) Do mesmo jeito que você esta procurando) para mim, do jeito que você tá fazendo. (...)

professor de línguas para eu ensinar as coisas de tora e cantar e para eu ensinar como é que se

faz(bararubu) (... ) eu explico para as pessoas.

P: O que os alunos acham dessas atividades?

Precrôti : Os alunos acham importantes para nós. (... ) mas não são todos que querem aprender . Mas

isso é importante para mim também. É bom para mim porque eu ensino a cultura, a música, a corrida

de tora. Para mim mesmo e para a comunidade. É importante para mim que estude um pouco da

comunidade. É isso que eu estou querendo. (... )

P: Quando você faz essas atividades no acampamento você fala na língua ?

Precrôti : na língua. Na linguagem.

P: E eles entendem?

Precrôti i: Entende. Aí, depois é só jogar no português, explicar. Na hora (... ) quando eu dou aula, lá

dentro, não pode ninguém falar português. Só na linguagem.

Precrôti : Aí, depois quando termina toda a minha aula, aí depois se quiser falar em português com

outros pode falar. Mas lá dentro da minha aula não pode falar português.

P: V imaginar que você tá dando essa aula para mim. Aí, você vai me ensinar como é que faz a

atividade com flecha, como é que você ensina?

Precrôti: Primeiro, eu vou começar com a flecha.

Precrôti : Para o aluno.

Precrôti : (... ) Bora jogar a flecha, no português (... )

Precrôti : (... ) V jogar, no português, na nossa linguagem (... )

Precrôti : (... ) Bora jogar. ( ) Tá falando para mim.

Precrôti : Aí você fala para mim v.

P: V.

Precrôti : Bora

P: Bora

Precrôti : Assim como você ta falando para mim. Aí, eu vou levantar, e tu levantas também. É assim (

) Aí você levanta. V jogar. Essa linguagem (... ) Então é importante para mim (... ) falando para mim

em português. Eu quero ensinar na linguagem também, para você aprender. (... ) É importante para

mim e é importante para você também.

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Precrôti : (... ) Quando ela fica dormindo assim. V correr tora.

P: V correr tora.

Precrôti i: (... ) Estou chamando todo mundo para correr tora. Na nossa linguagem é assim. /v correr

tora. /V correr tora no acampamento.

P: V imaginar que já tem um vencedor. Como é que vocês fazem a homenagem ao vencedor.

Precrôti i: Ao vencedor da corrida de tora.

Precrôti i: Da corrida de tora. É como você ta falando. Ao vencedor, né? Na corrida de tora. Ao que é

bom de carreira. Só você mesmo (... ) a gente combina assim, para vencer a corrida e /erê/ também, (...

) que é bom de carrera.

P: os alunos gostam de suas atividades ?

Precrôti : Não são todos. Alguns aceitam. Alguns não querem. (... ) só nós os mais velhos que ficam

no acampamento. Tem gente que quer e tem gente que não quer a cultura, a brincadeira. Quando nós

jog, eu vou já amarrar, vou começar a jogar também. (Se não eles me deixam assim)

P: Vocês produzem materiais aqui no acampamento com os jovens? Ensinam a fazer a flecha, o arco.

Precrôti : Eu ensino a fazer flecha e arco. Por isso que eu estou falando para você. Eu vou começar a

entrar. É isso que eu quero ensinar. Um jovem e as meninas (berarubu) por causa disso que eu estou

falando para você, por isso que eu quero ensinar. Para ensinar a fazer flecha, tudo da cultura. Então é

para isso. Estou ensinando. Os jovens, as mulheres e a meninada também.

P: suas aulas acontecem aqui?

Precrôti : Só aqui.

P: Só aqui. No acampamento

Precrôti : no acampamento

P: Na sala de aula.

Precrôti : Na sala de aula só os brancos.

P: Os alunos vêm para cá.

Precrôti : Os alunos vêm para cá.

P: Vem para cá fazer atividade cultural?

Precrôti : Isso.Mas não são todos que participam. Poucos participam.

Precrôti : gosto de ensinar flecha , arco, a corrida, a dança também. A gente ensinar a cantar. Só isso.

P: Você canta na língua?

Precrôti : Canto

P: Canta uma música para nós aí também?

Precrôti : A gente vai cantar pra ti. (... ) Canta aí. Depois.

P: Canta uma música pra nós? Canta.

P: Você sabe na língua Kykatêjê? Canta uma frase, duas, três versos? Pode cantar a vontade.

Precrôti : Eu to começando...

{ aqui ele começa a cantar na língua}

[................................................................].

P: Em português esse canto, essas palavras que você acabou de cantar significam o quê?

Precrôti : Significa assim

P: /arê/ é na língua. O que significa cada palavrinha dessas?

Precrôti : (... ) kupem

P: Tipo, eu vou dizer aqui, eu vou imaginar aqui. Precruti pegou o peixe. É isso?

Precrôti : na voz do peixe.

P: Precrôti , é:::: fez a voz do peixe.

Precrôti : Isso

P: Então como é? Precruti fez a voz do peixe.

Precrôti : Precruti faz a voz do / tép/ (... )

Precrôti i: No português eu cantei na voz do peixe. Na nossa linguagem / tra ran nu cre poi/ Eu cantei

na língua / tép/ Eu cantei no português. /nu cre poi/ Eu cantei.

Precrôti : / tép /

P: Você então também ensina música na escola?

Precrôti : Ensino. É isso que eu estou falando pra ti.

P: Por que você acha, que poucos têm interesse pela cultura e a língua?

Precruti: Jovens?

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Precrôti : Eu não vou dizer (... ) contra eles. (... ) Os jovens não tem o pensamento igual ao nosso. Não

tem cuidado. (... ) Eles não sabem ainda. Eles não têm esse pensamento, não é igual a nós. (... )

explicando e ensinando. (... ) Tem gente que é interessada e tem gente que não, também. Mas não são

todos. Não vou dizer que são todos que sabem. Só alguns, parecem/ Tu pareces interessada, você quer

aprender. (... ) Tem uns que não querem. Só querem ser. Como vocês falam. Só quer ser, não quer

aprender.

Com o professor de língua e diretor Rikpàrti Kôkaprôti ( Líguido)

P: Hoje é dia 26/01/2012. Eu estou aqui reunida com Rik, 41 anos, professor bilíngue e agora atual

diretor da escola Kyikatêjê. Então Rik, eu gostaria que você falasse pra mim, fizesse uma

apresentação breve da sua formação como professor, rememore um pouco essa história. Como é que

você se tornou professor da aldeia? Como despertou esse interesse para ser professor?

Liguido: Bom primeiramente bom dia. Eu vou contar um historia de quando eu comecei a dar/ entrar

na escola de 1992 pra cá, lá na aldeia Parkatêjê. Eu tive esse interesse porque eu via que as coisas não

eram assim como as pessoas queriam, eu me dediquei mais foi, não pra eu falar, mas para aprender a

escrita, como eu me dedico até hoje. Então essa é a minha história que quando eu comecei, eu era

solteiro ainda, tinha uns vinte e poucos anos. Então eu estive observando os Parkatêjê lá

demonstrando a sua cultura, observei que lá só queriam resgatar a cultura deles(... ) assim eu sempre

tive essa ideia de sair dos Parkatêjê e fazer minha própria aldeia. Então hoje eu tive esse privilégio e

aconteceu. Então, a gente veio para cá em 2001, pra casa pra nossa aldeia, mas pensando no futuro no

meu objetivo que é conhecer como se escrever a escrita dos Kykatêjê. Então eu fiz essa preparação de

entrar na educação, eu sempre tive essa vocação desde quando eu comecei a entrar nas aulas dos

Parkatêjê, não tive apoio de ninguém, eu (andei) por minha conta mesmo na minha área da educação e

até hoje eu estou na educação. Quando eu comecei a conhecer, primeiro eu comecei a conhecer pela

saúde, mas ninguém me apoiou, aí eu tive que ir para o outro lado, caminhar, então, nessa minha

historia que eu tenho quando eu comecei a entrar na escola, na educação, como diz o (... ) na escola do

kupem. Então hoje nós temos a nossa escola diferenciada aonde eu atuei como coordenador indígena

pela liderança com o apoio do Cacique(... ) todo tempo me apoiaram quando a gente começou aqui na

aldeia Kykatêjê. A gente começou na escola lá em baixo, onde era um galinheiro. Já entrou e saiu

muitos diretores nessa escola, mas não conseguiram é, segurar desenvolver esse trabalho. Então desde

2000 até hoje, eu estou segurando essa educação como coordenador não/ fui indicado como

coordenador, fui indicado como professor até para mostrar meu trabalho, fui mostrando e hoje sou

coordenador indígena da educação interna. Então hoje (est estudando) vou tomar posse de diretor

agora, então hoje é um motivo de alegria, de agradecer muito a Deus. Porque Deus tem me segurado

até hoje. Então essa é a minha historia.

P: No Parkatêjê você atuou como professor ou como aluno?

Rik: Como professor e aluno.

P: Tá. Quando você diz que não teve um apoio. Você podia esclarecer melhor?

Rik: eu não tive apoio nos Parkatêjê porque eles só queriam que só se aprofundasse em cima deles

principalmente (o meu) povo, então eu não tive esse privilégio desse apoio. E hoje eles me

reconhecem porque eu tenho buscado até hoje e continuo como professor.

P: Tá. Você é professor de quê na escola Kykatêjê?

Rik: sou professor de língua, sou Bilíngue. Isso eu deixo bem claro para todo mundo que eu não estou

em sala para ensinar a falar, eu estou aqui para ensinar a escrever como se escreve as letras.

P: E como é que tem sido esse aprendizado com os alunos? A recepção. Como é que eles... O que é

que você percebe? Eles tem esforço de querer aprender a escrita da língua? Tem interesse? Conta pra

gente.

Rik: Eu vejo uma evolução muito grande pra eles. Eles têm buscado bastante. Alguns já vieram aqui

em casa me procurar (saber) como é que se escreve como se pronuncia então eu vejo esse avanço

muito grande principalmente na cultura quando a gente está em sala de aula a gente leva a cultura, aula

de cultura a gente vai e ensina (... ) principalmente meu filho (... ) ele já está pegando alguma coisa e

eu continuo ensinando, então essa é a minha forma como cantor e professor.

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P: Na escrita como é que você vem mostrando para eles a escrita da língua Kykatêjê. O que você acha

existem diferenças da escrita Parkatêjê para a escrita Kyikatêjê?

Rik: Tem uma diferença na pronúncia de algumas palavras, até na cantiga também, tem algumas

músicas que diferenciam de lá para cá. Então eu tenho diferenciado com os alunos dessa forma. Eu

dou uma parte porque tem os alunos Parkatêjê e tem alunos Kykatêjê. Aí eu separo os alunos Parkatêjê

dos Kyikatêjê e mostro essas diferenças na língua de cada um só na pronúncia, o significado é o

mesmo.

Rik faz um comentário

.......................................

Aí eles estão acompanhando como o cacique falava e como o Boêmio sempre me falou que eu não

posso abandonar meu pai, em tudo que eu for eu (conto) com meu pai .

P: Você já tem algum material didático na língua? Você chega a produzir com eles materiais?

Rik: Eu trabalho com os meus alunos, eu tenho esse trabalho com (nosso povo), eu trabalho só em

prática ainda não tenho material pronto ainda, mas eu estou trabalhando em cima disso já pra produzir

os livros pra que eles possam saber a história do povo Kyikatêjê, então já tenho analisado duas

condições que é o povo Kyikatêjê que é a parte do meu pai. E é isso que eu estou trabalhando para

poder resgatar esse, para eles colocarem no caderno. A minha atividade é trabalho, por exemplo, com

nome de animais, para dar nome, aí outro dia eu trabalho a fala como se pronuncia, falar, que é a frase,

o outro dia eu trabalho de campo com os alunos como canta como toca maracá. Então/

P: Como é esse trabalho de campo?

Rik: O trabalho de campo é sair de sala e ir lá com os velhos, aí os velhos vão lá e contam a história

para eles, eu vou estar lá junto explicando para os mais velhos, eu falando a linguagem com eles, e

eles falando para eu traduzir o que eu estou falando. Eu trabalho dessa forma.

P: Quer dizer que você leva as crianças para o acampamento, lá os alunos, os velhos falam na língua e

você fala em português para eles, interpretando, fazendo a interpretação. E os alunos interagem com os

mais velhos? Perguntam, têm curiosidade?

Líguido: Eles têm evoluído muito, mas não são todos. Alguns ficam conversando, brincando... uso

mais o caderno para fazer as atividades com eles . Mas esse ano eu vou trabalhar é diferente, eu vou

trabalhar com prova com eles, fazer essas provas para ver se realmente eles estão pegando ou se

esqueceram da aula anterior e começar a levantar de novo.

P: como são essas atividades no caderno?

Rik: Então são para escrever os nomes das plantas, bichos, objetos na língua.

P: Eles produzem textos na língua?

Líguido: Já produzem já.

P: Produzem. Você tem esse material que você possa disponibilizar para nós?

Líguido: Por enquanto eu não tenho não. Esse ano vou trabalhar diferente- agora eu vou recolher

tudinho para poder fazer o livro. E também eu quero assim que os professores brancos participem mais

da atividade de cultura.

P: É qual é o teu planejamento? Qual é a visão de escola para os Kyikatêjê ?

Rik: Esse ano eu quero trabalhar diferente (principalmente).

P: Quando você diz trabalhar diferente. Como é que era antes? E como é que você pensa agora?

Rik: Antes a gente trabalhava mais em sala de aula, era, por exemplo, professor pegava de 8:00 às

12:00, aí não dava espaço para os professores de cultura , aí eu quero dividir esse horário de 8:00 às

10:00 será o horário dos professores brancos e 10:30 às 12:00 vai ser só os indígenas. Aí a gente vai

trabalhar dessa forma diferenciada que na anterior não teve. Vai ser nesse horário... então é dessa

forma que eu quero trabalhar diferente esse ano. Então é disso que eu estou falando.

Rik: A liderança deu a ideia era para ter acontecido ano passado no final do ano, mas nós convers e

ach melhor deixar eu tomar posse como diretor aí a gente vai mudar isso (... ) .

P: Este ano você ainda propõe produzir material pedagógico, mudar os horários, fazer a coleta dos

registros de atividades escritas dos alunos...

Rik: Coletar todos os materiais para fazer um livro e publicar...

Rik: Essa é a minha preocupação, mas não só minha é do Cacique mesmo, eu ando observando

bastante que muitos me procuram e querem que fique algum registro da língua para não morrer. Já

temos alguns resultados ontem eu estive ali embaixo no (... ) ali na oração e eu estive observando

alguns jovens falando na linguagem algumas palavras, fazendo oração na língua também . Isso

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significa que ele está avançando.Principalmente o meu filho fala alguma coisa e a (... ) que você

conhece então ela desenvolve bastante fala, em casa costumo falar com ele na língua. Alguns jovens

também já falam

(... ) meu primo (Jiré) alguns primos, sobrinhos, filhos meus. Hoje já me sinto muito honrado por isso

porque eu vejo que o nosso povo está avançando aos poucos. Então nossa preocupação porque nós

temos poucos velhos... e ainda não colet os registros das histórias que elas guardam na memória. Então

a gente já tá perdendo assim praticamente (o apoio) dos lideres os sabedores de historias.

P: E quantos professores atuam hoje na aldeia, indígenas e não indígenas?

Rik: Hoje nós somos trinta e dois professores.

P: Fala um pouquinho da estrutura física da escola. Quantas salas? O que tem na escola hoje? Quantos

alunos nós temos hoje na escola?

Rik: Hoje nós temos 124 alunos incluindo os Parkatêjê. Então esse ano vai mudar, parece que os

Parkatêjê estão vindos pra cá porque lá parece que eles cortaram a etapa e eles só vão ficar de primeira

a quarta série, de quinta a oitava série não vai existir, acabou. Eles estão tudo vindo pra cá. A estrutura

da nossa escola hoje nós temos três salas, secretaria e a outra que ainda vai ser entregue pra

comunidade, ta sendo construída (... )

Rik: A escola daqui está mais avançada do que lá nos Parkatêjê. Quando a gente começou escola aqui

nós começ com uma escola pequeninha, então hoje eu estou muito feliz porque a gente cresceu e na

época os Parkatêjê faziam muita ameaça.

P: Ameaçados em que sentido?

Rik: Ameaçavam tocar fogo aqui nas nossas casas falar que nós í ter nem o que comer... Então eu me

sinto feliz porque eles agora estão vindo de la praestudar aqui e hoje tem gente falando que a nossa

escola está de parabéns de todas as escolas não existe isso em nenhum lugar (... ) então me sinto

honrado por isso porque até quando eu comecei (... ) a educação como coordenador eu estou segurando

e eu consegui chegar aonde a gente queria chegar. Mas ainda falta melhorar ainda ...

P: Como os Kyikatêjê se relaciona como os Parkatêjê?

Rik: O nosso relacionamento sempre esteve separado (como) os mais velhos falavam, nós os Kykatêjê

não é um povo que gosta de briga, nós gost de amizade, então hoje os Parkatejê ficam sempre

cutucando para poder brigar, cutucando para poder brigar. Antigamente o nosso pessoal aqui o povo

Kykatejê pelas histórias que meu pai contava (eles tinham um gênio forte) (acabava em) confusão.

Nós temos respeito pelos nossos companheiros, mas ele não tem respeito pela gente, agora no

momento (tem) uma nova historia com o povo Kykatêjê, eles estiveram sem briga, estiveram sempre

em paz, não teve essa história (... ) pela liderança pelo meu pai, eu acredito que eles fizeram paz (... )

falar nada, então o povo Parkatêjê e o povo Kykatêjê, então por eles não existe aquela rivalidade

quando o meu pai mudou para cá eles queriam matar o povo Kykatêjê, (... ) então eles tentaram pegar

o meu pai quem impediram eles de fazer isso foi o finado pai do Boêmio, que falava não deixa ele

quieto, não toca nele então naquela época quem assumiu a chefia foi o pai do Boêmio, aí ele então

passou todo cargo de cacique para meu pai, então foi ele que assumiu (... ) aí quando o Zeca veio para

cá com mãe dele os Parkatêjê não aceitou, então é uma historia muito comprida que eles não

aceitaram, aí quando meu pai soube que eles estavam aí parece que, não sei se o (... ) ou o marido dela

que falou lá para a outra aldeia que tinha uma pessoa lá da família dela (... ) aí eles tiveram que mudar

pra lá (... ) a gente mandou construir uma casa para eles (... ) e até hoje (... ) .

P: Então a separação das aldeias a seu ver foi positiva?

Líguido: Eu entendo assim que os Parkatêjê na verdade não queriam que a gente crescesse só eles. Até

hoje como às vezes eu falo com a minha esposa se eu estivesse naquela época eu se eu fosse (... ) assim

mais entendido, assim igual cacique, por exemplo, (entendia) não teria ficado na aldeia deles até hoje,

eu não entendia, então eu vejo que (... ) então foi uma situação muito triste (... ) com meu pai com

meu avô.

P: Como foi a saída de vocês da ladeira vermelha? Vocês aceitaram?

Rik: Pela historia que a pessoal conta, o meu pai não queria mudar (... ) eu entendi assim, eu era

menorzinho, menor que o meu filho, então aí a Jõprara chegou e falou para mim. Meu pai estava no

castanhal quando chegou aqui não encontrou mais ninguém, só a mulher dele, então eu acho que a

Vale já tinha negociado para tirar e povo Kyikatêjê daqui. Aí quando carro chegou já foi carregando a

mudança, não esperou o cacique meu pai chegar.

Rik: Já estava tudo negociado.

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P: Quem negociava?

Rik: A FUNAI

P: FUNAI

Rik: Só que o meu pai não sabia como é que eles iriam fazer então eles já estavam negociando. Meu

pai foi enganado (...) pela história que o Zeca contou, estavam negociando já para fazerem um valor

só para todas as comunidades.

P: com as aldeias separadas, qual o recurso quem vem para cá? É o mesmo valor que vai para os

Parkatêjê?

Rik: É um valor diferenciado, quando a gente mudou para cá a gente ficou de negociar com a Vale.

Eles cortaram o nosso meio por cento que nós ganháv todo mês.

P: Quanto é o valor assim?

Rik: Eu não sei... Aí eles cortaram esse dinheiro, cortaram o rancho e cortaram o dinheiro da Vale. Aí

a gente ficou um ano sem receber, sem um tostão no bolso.

P: Quando vocês fizeram a própria aldeia em dois mil e um a Vale cortou o orçamento.

Rik: Não o Parkatêjê que cortou o orçamento do Kyikatêjê porque nós mud para cá. Aí eles cortaram

tudo. Aí nós fic na mão. Ficou um ano sem dinheiro. Aí então nos tivemos que sentar com a Vale para

negociar.

P: E hoje como é administrado isso? Como é que os Kyikatêjê administra?

Líguido: Hoje a Vale reconhece que o nosso povo existe esse povo Gavião que é do Maranhão, então

foi a maior luta, foi essa confusão que nós tent e que nós conseguimos que a gente briga lá com os

Parkatêjê.

P: Vocês se reconhecem como Gavião. Vocês gostam de serem identificados como Gavião.

Rik: Como Gavião KYIKATÊJÊ... GAVIÃO gente vê que é valente. Então nós temos parte disso.

P: Então vocês gostam de ser chamados e reconhecidos como gavião.

Rik: Isso. Só que se diferencia Gavião Parkatêjê, Gavião Kyikatêjê.

P: Ah. Entendi,

P: Então você diz que a companhia Vale reestruturou uma organização política e econômica com

vocês.

Rik: Então hoje nós est com um recurso próprio, mas nós não mexemos com os do Parkatêjê. Agora

está separado o recurso.

P: E este recurso como é administrado?

Rik: Para educação, saúde, projetos.

[..............................................]

P: agora v falar sobre a direção da escola (...) em 2009, quando estivemos aqui pela primeira vez o

diretor era o Isac, em 2010 era a Conserlene, depois volt no segundo semestre deste mesmo ano e

vimos a Bia na direção até 2011, salvo engano e agora em 2012 você será o novo diretor. Você podia

explicar as mudanças constantes no cargo de diretor?

Rik: Olha eu penso o seguinte assim, que hoje eu estive conversando com o cacique nós temos muita

polêmica(...) então hoje o cacique quer que um indígena mesmo tome conta de escola quer que

assuma para não ter essa confusão.

P: Mas a Conserlene é uma indígena.

Rik: É mais só que, a Conserlene teve que sair por questões pessoais teve que acompanhar o marido

que é de Santa Catarina e foi embora. Então ela, a gente não fechou porta para ela. Ela voltou e

continuou trabalhando.

P: Ela está atuando agora?

Rik: Como professora.

Rik: O Isac era muito rigoroso no horário dos professores , tinham que fazer tudo de acordo com o

que ele mandava ... e aqui não é assim ...tem que só do nosso jeito ele dizia- que para entrar em sala

de aula no horário certo .

P: E a Bia ?

Rik: (...) a diretora, a Bia tinha que entrar de licença (...) foi fazer uma cirurgia ela pediu seis meses

afastamento para poder se recuperar então aqui muitas coisas ficaram pra gente tomar providências ,

precisava ver os contratos que estavam parados em Belém . Então a gente foi lá brigar aí de lá a gente

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veio com resultado positivo conseguimos tudo que agente queria. Aí quando foi uma semana depois

chegou os contratos e todo mundo assinou aí (o pessoal) se sentiu feliz, alegre porque a gente

conseguiu aí quando ela voltou da cirurgia, ela não se sentiu bem, em vez dela agradecer assim e dizer

obrigada pelo esforço que fizemos, não agradeceu (...) ela chegou com toda autoridade e disse que era

pra gente ter esperado ela voltar para tomar as decisões (...) atingida por isso e ela não gostou. Então a

liderança entendeu que ela não tinha que responder como Estado, ela tinha que responder como

funcionária dos indígenas. Entendeu, então é dessa forma que eu entendo (...).

P: E como avalia hoje a escola da sua comunidade ?

Rik: Nossa escola foi a primeira escola a ser reconhecida assim pelo trabalho pelo desempenho da

escola, ela ganhou um programa pelo MEC no estado do Pará. Foi muito elogiada pelo secretario... lá

na SEDUC. Como é o nome dele, Paulo Ferraz ele veio aqui fazer diagnostico da escola (...) .

P: Paulo Ferraz é quem?

Líguido: É o secretario do Conselho escolar.

Rik: de Belém. Então ele nos elogiou ele foi lá ver o que estava acontecendo (...) e disse vocês estão

de parabéns (...) Nossa escola é regularizada hoje e v agora mudar A SIGLA o nome queremos que

seja reconhecida como Escola Indígena, v conseguir essa é uma etapa que quero fazer quando for

diretor.

P: A escola tem o Projeto Político Pedagógico?

Rik: sim temos

P: Será que eu posso ter acesso a esse material Rik?

Rik: sim claro.

Rik: (...) precisa melhorar ainda ,mas já estamos colocando em pratica muita coisa de lá.

P: Que escola os Kyikatêjê desejam pra sua comunidade? O que vc pensa sobre isso?

Rik: Eu penso que a nossa escola hoje (...) eu observo que a nossa escola hoje não esta sendo

reconhecida como uma escola indígena diferenciada. Ela está sendo reconhecida pelo Estado como

uma escola do Estado. Como qualquer outra escola. Eu não quero isso.

P: Então como é essa escola indígena que a comunidade quer ? Que vocês querem.

Rik: A nossa escola indígena precisa (...) eu vejo é assim, separar de dois a três dias integral só pra

ensinar na língua, incluir o estudo da língua não só na oralidade, mas também ensinar a escrita, porque

precisamos registrar nossa cultura e língua (...) queremos também que seja colocada a língua no

currículo da escola de educação básica e ensino médio, assim como ocorre o inglês, na escola do

branco. Eu quero fazer isso ainda. Quero também que os professores não-indígenas participem mais

das atividades de tradição da comunidade, por exemplo, assim: hoje nós vamos ter brincadeira de

cultura ( preparo da roça, festa do milho)(...) entendeu aí vou conseguir incluir essas aulas, mas que

seja dia letivo para os professores não índio para eles possam acompanhar. Muitos não têm interesse,

vem dá sua aula e vai embora . Quero mudar isso, para continuar aqui terá que ter produção com a

gente . Outro exemplo é o nosso pessoal vai trabalhar na roça para plantar milho, aí eu vou ter que

parar as aulas para todos os professores acompanharem os alunos nas atividades da roça, plantar

milho, macaxeira. E escola diferenciada é assim os brancos vão precisar trabalhar dessa forma aqui.

P: Sabendo que a comunidade Kyikatêjê usa mais a Língua Portuguesa no dia a dia . O que você acha

que a comunidade pode fazer para garantir que a língua Kyikatêjê não desapareça?

Rik: bem, temos que ensinar a língua não só aqui na escola, mas temos que ensinar em casa as

crianças, jovens a usar as duas línguas ser bilíngue nas duas línguas, usar as duas para (...) fico triste

que essa geração não tem interesse de aprender , mas não são todos (...) alguns têm interesse como já

disse e tem alguns também que estão me procurando como já te falei, principalmente meu filho (...) eu

em casa com a minha família incentivo meus filhos a usar as duas , mas todos daqui precisam ajudar ,

saber que essa decisão deve partir da gente , não quero que a nossa escola seja escola de branco , como

já falei pra ti ... primeiro passo que vejo é a família falar na linguagem com os filhos e, os jovens

terem mais interesse de aprender com os velhos, isso eu peço . Como te falei lá desde cedo sempre

tive vontade de aprender e estou aprendendo até hoje , sou bilíngue, quando tenho alguma dúvida

pergunto para os mais velhos, pra minha mãe que tá lá nos Parkatêjê ela só fala na línguagem, nem

tudo que ela fala eu compreendo mais me esforço pra aprender (...) e ontem vi na entrevista que o

nosso cacique Zeca te deu ontem à noite (...) ele estava falando pra ti que ele me reconhece aqui, isso

me deixa cheio de orgulho, por exemplo sou professor e sou cantor, e se eu ensinar isso pra meus

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filhos eles vão guardar e vão passar também para os filhos deles também, essa é a nosso história e

não podemos deixar acabar, é a história de meu pai e quero lutar por essa história.

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APÊNDICE 2 – TRANSCRIÇÃO DE ALGUMAS RESPOSTAS DADAS PELOS

JOVENS POR O CASIÃO DA APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO 2

... meus pais em casa fala mais em português, e aí eu e meus irmãos

também fala mais português, acho mais fácil português, gosto que os

professores ensinam o português pra gente, para que a gente fale bem faça

(...) a se prepare para o vestibular (...) acho um pouco difícil falar na

linguagem, eu não entendo muito, só algumas palavras, é muito difícil a

língua ( Joxanti Jõtumre Kokaproti, 12 anos )

... Falo só algumas palavras na língua, aprendi desde pequena o português e

às vezes tenho medo de falar, tenho medo de falar errado e os velhos brigar,

dizer que está errado, nós não procura a ajuda deles se a gente ouvisse mais,

se a gente gravasse a fala deles assim como você tá fazendo podia colocar

aqui no celular e aprendia mais, mas falta interesse da gente.

(Aikrepeipramre Roserly Xankrare, 12 anos)

(...) quero aprender a ler e escrever na linguagem para escrever a história do

nosso povo. Isso é importante, meu pai sabe muitas cantigas na linguagem,

ele me ensina em casa e na escola. Ele quer fazer um dicionário na

linguagem. Ele guarda muita coisa já. (...) falar português também é

importante quero escrever bem, quero fazer faculdade, minha irmã passou

esse ano no vestibular, eu quero também passar, me formar. Em casa todo

mundo estuda, até minha mãe, ela estuda comigo. ―Meu pai terminou agora

o magistério e quer fazer também faculdade. (Kwyjarkrati Goreth Rikpàrti )

(...) em casa meu pai com a gente em português e na linguagem, ele ensina a

gente música e canta pra gente na linguagem, ensina a escrita da língua aqui

e na escola, falta mais interesse dos jovens de procurar mais pra aprender, eu

agora que estou tendo interesse mais pela língua, quando tenho algumas

dúvidas pergunto pra ele e quero aprender igual ele, sinto orgulho do meu

pai (...). (Amjijakaprãmti Goreth Rikpàrtii)

(...) fal aqui mais o português, foi a primeira que aprendi aqui, e as minhas

colegas que tem minha idade falam mais português. Já aprendi algumas

palavras, já sei até cantar música da igreja, o hino nacional também

aprendemos a cantar na linguagem Kyikatêjê... eu gosto de cantar, vejo meu

pai cantando e gosto... ( Jokrepoire Goreth Rikpàrti ,11 anos)