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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ALANA ELISABETH RODRIGUES MACIEL ESPETACULARIZAÇÃO DA MENTIRA: A RELAÇÃO ENTRE O SUCESSO DAS FAKE NEWS CONTEMPORÂNEAS E A DITA SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE CAXIAS DO SUL 2018

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ALANA ELISABETH RODRIGUES MACIEL

ESPETACULARIZAÇÃO DA MENTIRA: A RELAÇÃO ENTRE O SUCESSO DAS FAKE NEWS CONTEMPORÂNEAS E A DITA SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE

CAXIAS DO SUL 2018

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ALANA ELISABETH RODRIGUES MACIEL

ESPETACULARIZAÇÃO DA MENTIRA: A RELAÇÃO ENTRE O SUCESSO DAS FAKE NEWS CONTEMPORÂNEAS E A DITA SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Profa. Dra. Marlene Branca Sólio

CAXIAS DO SUL

2018

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ALANA ELISABETH RODRIGUES MACIEL

ESPETACULARIZAÇÃO DA MENTIRA: A RELAÇÃO ENTRE O SUCESSO DAS FAKE NEWS CONTEMPORÂNEAS E A DITA SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Profa. Dra. Marlene Branca Sólio Aprovada em___/___/___.

Banca Examinadora ________________________________ Profa. Dra. Marlene Branca Sólio Universidade de Caxias do Sul – UCS ________________________________ Profa. Ma. Adriana dos Santos Schleder Universidade de Caxias do Sul – UCS ________________________________ Profa. Ma. Ana Laura Paraginski Universidade de Caxias do Sul – UCS

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Dedico este trabalho a minha família, em especial a minha mãe e a meus avós, aos meus amigos e a todos que acreditam que o jornalismo ainda é um dos maiores artifícios da verdade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, Tânia. Sem ela, nada disto teria sido possível.

Aos meus avós, Libera e Santo, que juntamente com minha mãe, me

proporcionaram a melhor família que eu poderia ter, repleta de amor, carinho, puxões

de orelha e, principalmente, incentivo para que esse sonho se tornasse, enfim,

realidade. Agradeço, também, ao restante da minha família, que de uma forma ou

outra, me fortaleceu neste caminho da vida acadêmica.

Ao meu namorado, Gabriel, que esteve presente na etapa mais importante e

árdua da minha vida acadêmica, e que, mesmo com todas as complicações e

ausências, me incentivou e motivou, sendo o apoio necessário quando desistir se

mostrava tão tentador.

Aos professores que contribuíram tanto profissionalmente quando

pessoalmente durante os anos de faculdade.

À professora Marlene Branca Sólio, que de diferentes formas contribuiu para

meu crescimento durante o ano que estive envolvida com a monografia. O

conhecimento, a didática e, sobretudo, a paciência foram essenciais para o resultado

desta pesquisa.

Aos ambientes de trabalho por onde tive a oportunidade de trabalhar durante

a graduação – AEC UCS e Laymark Propaganda. Essas experiências não somente

contribuíram para a formação de uma futura jornalista, mas também para a formação

de um ser humano.

A todos os meus amigos, que de uma forma ou outra, se fizeram presentes

na minha vida e que foram a força, e também a distração de que precisei em diversos

momentos. Foram presentes até mesmo em momentos em que eu própria estava

ausente e me mostraram que as dificuldades são mais fáceis de serem enfrentadas

quando temos apoio de nossos amigos.

O meu mais sincero muito obrigada!

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“Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.”

George Orwell

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RESUMO

O presente trabalho acadêmico estuda a propagação das fake news neste ambiente de pós-verdade em que a sociedade está inserida. Para poder guiar esse estudo foi proposto o seguinte problema de pesquisa: qual a relação entre o sucesso das fake news contemporâneas e a dita sociedade da pós-verdade? Dessa forma, o objetivo geral do trabalho é tentar entender de que forma o conceito sociedade da pós-verdade interfere na propagação de notícias falsas. Para poder chegar a uma conclusão, foram elencados os seguintes objetivos específicos: estudar e analisar o cenário (no espaço e no tempo) da sociedade centrada na informação e na tecnologia; compreender as influências exercidas pelos processos de virtualização sobre o comportamento social; estudar o conceito de jornalismo e sua evolução; estudar a origem e as características das formas de jornalismo classificadas como: jornalismo amarelo, jornalismo marrom, sensacionalismo, fait divers, até chegar ao conceito de fake news; e estudar e analisar o conceito de sociedade da pós-verdade e buscar uma possível relação entre ela e o dito jornalismo fake news. Por sua vez, esses objetivos estão estreitamente ligados às quatros hipóteses levantadas: as transformações da sociedade contemporânea estão profundamente relacionadas à evolução dos processos tecnológicos, o que impacta diretamente no jornalismo; os cenários social, político e econômico estabelecidos a partir da dita sociedade tecnológica ou da Informação resultaram na transformação dos processos de produção, distribuição/entrega da informação, o que significa dizer nova forma de comunicar-se e de fazer jornalismo; a virtualização, conceito central da sociedade contemporânea, pode ser um dos fatores responsáveis pela nova forma de ver o mundo, a verdade, a moral e a ética, o que coincide com as premissas da sociedade da pós-verdade e com os preceitos do fake news; e as características do jornalismo fake news levam a crer na sua possível interdependência em relação à sociedade da pós-verdade. Para validar ou não essas hipóteses, foi usado como método de pesquisa a netnografia, apoiada nas técnicas metodológicas da pesquisa bibliográfica dos conceitos relevantes ao tema e da análise de conteúdo de boatos virtuais levantados sobre a ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, após seu assassinato.

Palavras-chave: Jornalismo. Virtualização. Pós-verdade. Fake news. Fact-checking.

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ABSTRACT

The present academic work studies the propagation of fake news in this post-truth environment in which society is inserted.To guide this study, the following research problem was proposed: what is the relationship between the success of contemporary fake news and the so-called post-truth society? In this way, the overall objective of the paper is to try to understand how the concept of post-truth society interferes with the propagation of false news.To reach a conclusion, the following specific objectives were listed: studying and analyzing the scenario (in space and time) of the society centered on information and technology; understand the influences exerted by virtualization processes on social behavior; to study the concept of journalism and your evolution;to study the origin and characteristics of forms of journalism classified as: yellow journalism, brown journalism, sensationalism, fait divers, until come the on concept of fake news;and to study and analyze the concept of post-truth society and seek a possible relationship between it and said journalism fake news. In turn, these objectives are closely linked to the four hypotheses raised: the transformations of contemporary society are deeply related to the evolution of technological processes,which has a direct impact on journalism; the social, political and economic scenarios established by this technological or information society have resulted in the transformation of the processes of production, distribution / delivery of information, which means to say a new way of communicating and doing journalism; virtualization, the central concept of contemporary society, can be one of the factors responsible for the new way of seeing the world, truth, morality and ethics, which coincides with the premises of post-truth society and the precepts of fake news; and the characteristics of fake news journalism lead one to believe in their possible interdependence with the post-truth society. To validate or not these hypotheses, netnography was used as method of research, supported by the methodological techniques of bibliographical research of the concepts relevant to the topic and of the analysis of content of virtual rumors raised about the former councilor of Rio de Janeiro, Marielle Franco, after his murder.

Keywords: Journalism. Virtualization. Post truth. Fake news. Fact-checking.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Formas potenciais de participação netnografica em uma comunidade

online ........................................................................................................................ 27

Figura 2 – Diferenças entre o Fordismo e o Toyotismo ............................................. 34

Figura 3 – Capa da revista “The Economist” em setembro de 2016 ......................... 46

Figura 4 – Procura pelo termo post-truth no Google .................................................. 47

Figura 5 – Procura pelo termo pós-verdade no Google ............................................. 47

Figura 6 – Capa do jornal “The Sun” anunciando a renúncia de Nixon ..................... 57

Figura 7 – Procura pelo termo fake news no Google ................................................. 59

Figura 8 – Manchete de matéria com cunho fait divers ............................................. 65

Figura 9 – Quadrinhos do “Yellow Kid” ...................................................................... 66

Figura 10 – Print do material disponibilizado pela Agência Lupa para checagem de

notícias ..................................................................................................................... 74

Figura 11 – Print do material disponibilizado pela Agência Lupa referente à

classificação de checagens ...................................................................................... 75

Figura 12 – Infográfico traduzido da IFLA de como identificar fake news ................. 77

Figura 13 – Ex-vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco .................. 83

Figura 14 – Printscreen de um comentário na matéria do site CM7 .......................... 86

Figura 15 – Printscreen do Facebook ........................................................................ 88

Figura 16 – Printscreen da seção de comentários ..................................................... 89

Figura 17 – Printscreen do post da página Quebrando a Esquerda – Politizando Você

2.0 ............................................................................................................................. 90

Figura 18 – Printscreen do comentário de Marilia ...................................................... 90

Figura 19 – Printscreen do título da matéria do CM7 ................................................ 93

Figura 20 – Prestação de contas da candidatura de Marielle .................................... 96

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Figura 21 – Printscreen do vídeo da página Direita Política .................................... 98

Figura 22 – Imagem utilizada como prova de um boato referente a Marielle .......... 99

Figura 23 – Foto difamando Marielle na matéria do Direita Política ....................... 100

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Elementos de categorização da análise ................................................ 80

Quadro 2 – Filtragem de conteúdo ........................................................................... 81

Quadro 3 – Conteúdos analisados ........................................................................... 82

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LISTA DE ABREVIATURAS

ampl. ampliado

ed. edição

n. número

rev. revisado

v. volume

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LISTA DE SIGLAS

AC Análise de Conteúdo

ARPA Agência de Projetos de Pesquisa Avançada

ARPANET Advanced Research Projects Agency Network

CV Comando Vermelho

IFCN International Fact-Checking Network

IRE Internet Research Etichs

PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

TI Tecnologias da Informação

TQC Total Quality Control

TRE-RJ Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro

UFF Universidade Federal Fluminense

UPP Unidade de Polícia Pacificadora

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 17

2 METODOLOGIA .................................................................................. 20

2.1 MÉTODO ............................................................................................. 23

2.1.1 Netnografia ......................................................................................... 24

2.1.1.1 Planejamento e entrada ....................................................................... 24

2.1.1.2 Coleta de dados ................................................................................... 27

2.1.1.3 Interpretação ........................................................................................ 29

2.1.1.4 Adesão a padrões éticos ...................................................................... 29

2.2 TÉCNICAS ........................................................................................... 29

2.2.1 Pesquisa bibliográfica ....................................................................... 30

2.2.2 Análise de conteúdo .......................................................................... 30

2.2.2.1 Pré-análise ........................................................................................... 31

2.2.2.2 Exploração de material ........................................................................ 31

2.2.2.3 Tratamento dos resultados obtidos e interpretação .............................. 32

3 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ........................................................ 33

3.1 TERCEIRA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA ........................................ 34

3.1.1 Toyotismo ........................................................................................... 35

3.1.2 Controle de qualidade ........................................................................ 36

3.2 O NOVO PARADIGMA TÉCNICO-ECONÔMICO ................................ 37

3.3 RELAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E O

CAPITALISMO ..................................................................................... 39

3.3.1 As tecnologias da informação .......................................................... 40

3.3.1.1 A criação da Internet ............................................................................ 41

3.3.2 Desenvolvimento desigual ................................................................ 42

3.4 O BRASIL NA ERA DA INFORMAÇÃO ................................................ 43

3.5 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO ..................................................... 44

4 SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE E SUAS RELAÇÕES COM A

VIRTUALIZAÇÃO ............................................................................... 46

4.1 ENUNCIADO FOUCAULTIANO .......................................................... 49

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4.2 VIRTUALIZAÇÃO ................................................................................ 51

4.2.1 Pós-modernidade .............................................................................. 51

4.2.2 O que é o virtual? ............................................................................... 53

4.2.2.1 A sociedade e seu espetáculo .............................................................. 54

4.2.2.2 Simulacros e simulações ...................................................................... 56

4.3 A PÓS-VERDADE NA SOCIEDADE .................................................... 57

5 O JORNALISMO E AS FAKE NEWS .................................................. 60

5.1 JORNALISMO ..................................................................................... 61

5.1.1 Evolução do jornalismo ..................................................................... 63

5.1.2 Falsos gêneros jornalísticos ............................................................. 64

5.1.2.1 Sensacionalismo .................................................................................. 65

5.1.2.2 Fait Divers ............................................................................................ 66

5.1.2.3 Imprensa amarela ................................................................................ 67

5.1.2.4 Imprensa marrom ................................................................................. 68

5.1.3 Webjornalismo ................................................................................... 69

5.2 DISSEMINAÇÃO DAS FAKE NEWS ................................................... 72

5.2.1 Fact-checking ..................................................................................... 73

5.2.2 Os tipos de fake News ........................................................................ 78

6 ANÁLISE: A VERDADE E SUAS FACETAS ....................................... 80

6.1 A PESSOA MARIELLE FRANCO ........................................................ 83

6.2 PÓS-VERDADE ................................................................................... 85

6.2.1 A pós-verdade nos conteúdos analisados ....................................... 86

6.3 JORNALISMO E AS FAKE NEWS ....................................................... 92

6.3.1 O jornalismo a as fake news nos conteúdos analisados ................ 93

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 102

REFERÊNCIAS ................................................................................. 107

APÊNDICE A – PROJETO DE MONOGRAFIA I ............................... 112

ANEXO A – ÁUDIOS PRESENTES NA MATÉRIA COM CM7 .......... 113

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ANEXO B – RELAÇÃO DE VOTOS DE MARIELLE FRANCO À

CÂMARA DE VEREADORES DO RJ ................................................ 113

ANEXO C – VÍDEO PRESENTE NA MATÉRIA COM CM7 ............... 113

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1 INTRODUÇÃO

O mundo muda constantemente. Muitos elementos presentes na rotina da

humanidade na década passada, atualmente, tornaram-se obsoletos e

desnecessários. Da mesma forma, novas tecnologias e componentes surgiram e

tornaram-se indispensáveis para a vivência em sociedade. Esse fenômeno não foi

diferente na comunicação, sobretudo, no jornalismo. Novas maneiras de informar ao

mundo o que acontece surgiram, e outras foram deixadas de lado. O imediatismo

tornou-se fundamental. A interatividade é real. A convergência de mídias é uma praxe.

Os jornais impressos perderam seu lugar no café da manhã para os smartphones,

que, aliados à internet, tornaram-se os porta-vozes da notícia.

Entretanto, com todas essas — e outras — transformações, até que ponto o

jornalismo perseverou em sua essência e sua credibilidade? Deve-se acreditar em

tudo que é publicado e compartilhado na internet? Com o advento das redes sociais

e aplicativos de mensagens instantâneas como Facebook, Twitter e Whatsapp, e com

a facilidade com que informações são repassadas por meio desses recursos, o

jornalismo foi beneficiado ou prejudicado? Os meios de comunicação mudaram. O

meio digital também, apesar de sua “curta idade”. Agora, ambos relacionam-se

estreitamente, e essa modificação impacta tanto comunicadores, assim como toda a

sociedade.

Claramente, o modo como é exercida a profissão de jornalista, é o que mais

passou por mudanças, mesmo que isso não seja um fenômeno novo na área. Em uma

linha do tempo, temos primeiro o impresso, em 1447 — inaugurando a era do

jornalismo moderno —, depois o rádio, em 1891 e, em seguida, a televisão, em 1925.

Entretanto, nenhuma modificação afetou tanto o jornalismo como a apresentada

atualmente. Isso acontece, pois, com o advento da internet nos anos 1990, e o boom

das redes sociais na década passada, não se alterou apenas o meio de propagação

das informações, mas também a maneira como o jornalismo em si é praticado. E da

mesma forma, o público também busca informar-se e interpretar essa informação de

maneiras diferentes, muitas vezes não alinhadas com o jornalismo sério e verdadeiro.

Sendo assim, novos desafios apresentam-se dia a dia no modo como ocorre a

comunicação entre jornalista e sociedade.

Por isso, tendo em vista esses pontos levantados, esta pesquisa traz como

tema principal o jornalismo, abrangendo, principalmente, o jornalismo contemporâneo

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e o fenômeno de propagação e disseminação das fake news. Desse modo, se propõe

responder à questão norteadora: Qual a relação entre o sucesso das fake news

contemporâneas e a dita sociedade da pós-verdade?

Na tentativa de responder essa questão, foram levantadas quatro hipóteses:

as transformações da sociedade contemporânea estão profundamente relacionadas

à evolução dos processos tecnológicos o que impacta diretamente no jornalismo; os

cenários social, político e econômico estabelecidos a partir da dita sociedade

Tecnológica ou da Informação resultaram na transformação dos processos de

produção, distribuição/entrega da informação, o que significa dizer nova forma de

comunicar-se e de fazer jornalismo; a virtualização, conceito central da sociedade

contemporânea, pode ser um dos fatores responsáveis pela nova forma de ver o

mundo, a verdade, a moral e a ética, o que coincide com as premissas da sociedade

da pós-verdade e com os preceitos das fake news; as características do jornalismo

fake news levam a crer na sua possível interdependência em relação à sociedade da

pós-verdade.

O objetivo geral da pesquisa é estudar uma possível relação entre o sucesso

das fake news e a dita sociedade da pós-verdade. Por sua vez, os objetivos

específicos são estudar e analisar o cenário (no espaço e no tempo) da sociedade

centrada na informação e na tecnologia; compreender as influências exercidas pelos

processos de virtualização sobre o comportamento social; estudar o conceito de

jornalismo e sua evolução; estudar a origem e as características das formas de

jornalismo classificadas como: jornalismo amarelo, jornalismo marrom,

sensacionalismo, fait divers, até chegar ao conceito de fake news; estudar e analisar

o conceito de sociedade da pós-verdade e buscar uma possível relação entre ela e o

dito jornalismo fake news.

A busca do cumprimento dos objetivos traçados exige que se proceda a uma

análise adequada, alinhando o objeto de estudo e uma metodologia que lhe seja

apropriada. Sendo assim, são estudados e analisados os supostos boatos virtuais que

surgiram após o assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco. O

método-base empregado na pesquisa é a Netnografia, apoiada pelas técnicas

metodológicas da Análise de Conteúdo e pela Pesquisa Bibliográfica, com a qual

sustentamos a fundamentação teórica.

Essa pesquisa está dividida em capítulos, que buscam elucidar e explorar

conceitos importantes para o entendimento e o resultado final. No capítulo Sociedade

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da Informação, o objetivo é explicar essa expressão relativamente nova e que dita a

maneira como a humanidade convive. Fundamentado em Manuel Castells (2005),

Adalberto Simão Filho (2007), Christiano German (2000), Nikolai Dimitri Kondratieff

(1925), Frederico Lima (2000), Davi Lyon (1992), Antonio Miranda e Elmira Simeão

(2003), Jorge Werthein (2000), entre outros, o estudo mostra características e rupturas

entre os modelos de sociedade digital e analógico.

A Sociedade da Pós-Verdade e suas relações com a virtualização é o tema

do capítulo seguinte. Nele, busca-se esclarecer este conceito relativamente novo,

amplamente difundido nos últimos anos. Fundamentado em Guy Debord (1997),

Michel Foucault (2004), Ralph Keyes (2004), Pierre Lévy (1996), Jean-François

Lyotard (2009), Marshall McLuhan (2000), entre outros, é nesse capítulo que se dá

início ao tensionamento entre o jornalismo e a propagação de notícias falsas (fake

news). Entretanto, para chegar a esse ponto, o capítulo também aborda a concepção

de virtualização. Desta maneira, estabelece-se a relação entre o virtual e a sociedade

da informação, mostrando como ele é parte fundamental da era digital em que todos

estão inseridos. Aqui, também se caracteriza como a implantação desse conceito no

mundo moderno escreveu o futuro de sistemas políticos e econômicos, além da rotina

do ser humano.

O próximo capítulo, O jornalismo e as Fake News, contempla significado,

origem e características dessa expressão. Aborda, também, a maneira como as

notícias falsas se tornaram comuns e facilmente aceitas pela sociedade, além das

consequências de sua propagação. Entretanto, para que ele elucide tudo que é

necessário, o conceito do Jornalismo, como profissão e meio de informação também

foi abordado. Assim, nesse capítulo, busca-se contar a história e a evolução desse

conceito, além de tratar de termos específicos como sensacionalismo, jornalismo

marrom, jornalismo amarelo, fait divers, precursores das fake news. Para fundamentá-

lo, autores como Danilo Angrimani Sobrinho (1995), Roland Barthes (1971), Zygmunt

Bauman (2001), Rosa Níva Pedroso (1983), Muniz Sodré (2009), Nelson Werneck

Sodré (1999), Nelson Traquina (2005), João Canavilhas (2007 e 2014) entre outros,

tiveram suas obras consultadas.

Além deles, outros dois capítulos completam o estudo: Metodologia, que

descreve processo de Netnografia, apoiada pelas técnicas metodológicas da Análise

de Conteúdo e Pesquisa Bibliográfica, e Análise, capítulo no qual são analisados os

objetos de estudos anteriormente apresentados.

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2 METODOLOGIA

A escolha de uma metodologia adequada é parte fundamental na realização

da pesquisa. É por meio dela que a organização das etapas de trabalho e das

informações obtidas se torna possível, e, dessa forma, chega-se ao resultado final do

trabalho. Entretanto, para isso, é necessário que haja conhecimento sobre conceitos

básicos que cercam o processo metodológico.

O primeiro deles é Ciência. Ela compreende o conhecimento racional,

metódico e sistemático, capaz de ser submetido à verificação. Além de ser um produto

técnico, também é um produto do espírito humano (BARROS, LEHFELD, 1986).

Entretanto, é importante ressaltar que diversos autores a tratam de formas diferentes,

alguns abordando referências metodológicas, outros filosóficas, além de diversas

técnicas, sendo assim, quase impossível definir de maneira exata o que é a ciência

propriamente dita.

É necessário ressaltar que é por meio da ciência que o homem não somente

descobre o mundo, como também agrega novos significados ao que já é conhecido

(BARROS, LEHFELD, 1986).

Ela é considerada, por uma parte dos que a estudam, como um conjunto de

conhecimentos, que, com rigorosos meios, resulta em formas de controlar os

fenômenos e fatos estudados. Sendo assim, seriam consideradas “ciências reais”

apenas áreas como Física, Matemática, Química e Biologia, excluindo-se do termo

ciência, áreas como as de Humanas e as Sociais, nas quais não se aplicam regras

fixas e pré-determinadas. Por outro lado, outro grupo de estudiosos acredita que a

Ciência é uma forma de conhecimento puro e aplicado. Barros e Lehfeld (1986)

defendem que

No primeiro caso ter-se-ia a ciência pela ciência - desinteressada: é o conhecer pelo e para o conhecer. É a construção da ciência teórica. No segundo caso seria o conhecimento para agir - é o plano da intervenção envolvendo a técnica. (p. 61).

Anteriormente, ela era vista como um conjunto de resultados; entretanto,

atualmente, é vista como o processo que leva ao resultado. (PAVIANI, 2009). Dessa

maneira, pode-se “descartar” o conceito que exclui as areas de humanas e sociais

como ciência, pois ambas, apesar de não apresentarem resultado preciso em seus

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paradigmas, ainda assim possuem um processo em sua base. Assim, é fundamental,

aqui, refletirmos sobre o conceito de paradigma.

Paradigma é um modelo ou padrão a seguir. Para Thomas Kuhn (1991),

paradigma é a maneira como a ciência evolui. Segundo ele, os “paradigmas são as

realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,

fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de

uma ciência” (p.13).

Embasados em determinados paradigmas, os cientistas buscam respostas

para os problemas colocados pelas ciências. Os paradigmas são, portanto, os

pressupostos das ciências. Estabelecido o que seja ciência e o que seja paradigma é

importante que se faça uma reflexão sobre o conceito de pesquisa científica.

Muitas vezes confundida com a intervenção do profissional, é necessário

ressaltar que a pesquisa científica se destaca do exercício da profissão. Os resultados

teóricos (pesquisa científica) tendem a uma certa generalização; já as intervenções

profissionais tendem a buscar soluções para os casos específicos (PAVIANI, 2009).

Para Ander-Egg1 (1978 apud LAKATOS; MARCONI, 2010), a pesquisa é um

“procedimento reflexivo sistematico, controlado e praticado e crítico, que permite

descobrir novos fatos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo de

conhecimento”. (p. 139).

Geralmente, conforme Lakatos e Marconi (2010), a pesquisa científica

compreende seis passos:

a) escolha do problema;

b) delimitação do problema;

c) levantamento de hipóteses;

d) coleta de dados;

e) análise e interpretação de dados;

f) relatório de resultado de pesquisa.

É importante ressaltar que nessas seis fases, há, ainda, outros passos a

serem dados, como seleção de métodos de pesquisa, levantamento de recursos e

cronograma. Isso posto, pode-se avaliar a importância da escolha e aplicação de um

1 ANDER-EGG, Ezequiel. Introdución a las técnicas de investigación social: para trabajadores sociales. 7 ed. Buenos Aires: Humanitas, 1978.

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método de trabalho quando se fala em pesquisa científica, conceito sobre o qual

discorreremos na sequência.

Métodos são os procedimentos ou técnicas para fazer algo ou chegar a um

resultado. Lakatos e Marconi (2010) definem método como

[...] o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros - traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. (p. 65).

Todas as ciências precisam de um método científico, porém é válido ressaltar

que nem tudo que se vale de um método é ciência. Logo, métodos não são exclusivos

da ciência, mas sem eles a ciência não existe (LAKATOS, MARCONI, 2010).

Muitas definições de método já foram consideradas, entre elas a de Galileu

Galilei, a de Francis Bacon e a de Descartes. Embora similares, essas definições têm

pontos que as distinguem. Com o passar do tempo, outros métodos vão surgindo,

entretanto, o conceito moderno de método, segundo Lakatos e Marconi (2010), busca

cumprir as seguintes etapas:

a) descobrimento do problema;

b) colocação precisa do problema;

c) procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema;

d) tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados

claramente definidos;

e) invenção de novas ideias;

f) obtenção de uma solução;

g) investigação das consequências da solução obtida;

h) comprovação da solução;

i) correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados.

Uma pesquisa científica não precisa, obrigatoriamente, recorrer a um único

método (comportamento purista). A investigação pode ser multimetódica, desde que

os métodos aplicados sejam efetivamente complementares e permitam aos

pesquisadores uma “caminhada” mais longa e completa na direção da resposta que

buscam. Assim, uma pesquisa poderá usar um método-base, cercando-se de outros

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métodos e/ou técnicas metodológicas. Esse passo irá configurar o que chamamos de

metodologia.

É a partir da escolha de uma metodologia que a pesquisa começa a tomar

forma. Lakatos e Marconi (2010) falam que a “especificação da metodologia da

pesquisa é a que abrange maior número de itens, pois responde, a um só tempo, às

questões como?, com quê?, onde? e quanto?” (p. 204). Portanto, é essencial que a

escolha da metodologia adequada para a pesquisa em questão seja estudada e

avaliada.

A fim de investigar a relação entre o sucesso das fakes news contemporâneas

e a dita sociedade da pós-verdade, essa pesquisa utiliza como método-base a

Netnografia, apoiada nas técnicas metodológicas da pesquisa bibliográfica e da

análise de conteúdo.

2.1 MÉTODO

O método escolhido para nortear essa pesquisa é a netnografia. Entretanto,

para isso, é importante, antes, uma abordagem sobre o método etnográfico, do qual

ela é derivada.

Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, raça,

religião, hábitos etc., como também das manifestações materiais de suas atividades.

Porém, é necessário ressaltar que esse método trata de “gente” como um todo e não

como indivíduos (ANGROSINO, 2009). O modo como um povo vive é tido como sua

cultura, e estudar a cultura de uma sociedade envolve exames detalhados de

comportamento, costumes e crenças.

O método etnográfico, conforme sua evolução, associou-se a diversas teorias,

como o funcionalismo, o interacionismo simbólico, o feminismo, o marxismo, a

etnometodologia, a teoria crítica, os estudos culturais e o pós-modernismo.

A Etnografia, como método, é baseada na pesquisa de campo, de maneira

personalizada, onde são coletados dados de ao menos duas maneiras diferentes.

Além disso, é uma técnica indutiva, em que o diálogo é essencial e a escuta

fundamental. E é a partir dela que se origina outro método de pesquisa, a netnografia.

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2.1.1 Netnografia

Assim como a etnografia, a netnografia busca conhecer as características de

um determinado grupo, mas, diferentemente da primeira, essa busca se dá no

ambiente digital, por meio da internet. Embora podendo serem trabalhadas

separadamente, quando aliadas podem trazer um resultado ainda mais completo para

o pesquisador. Kozinets (2014, p. 60) diz que “a netnografia adapta os procedimentos

etnográficos comuns de observação participante às contingências peculiares da

interação social mediada por computador: alteração, acessibilidade, anonimato e

arquivamento”.

Para chegar à compreensão e conclusão, a Netnografia usa comunicações

mediadas por computador, como fonte de dados, por exemplo. Dessa forma, Kozinets

(2014) desdobra o método em quatro etapas: planejamento e entrada, coleta de

dados, interpretação e a adesão a padrões éticos, que, conforme ele, são essenciais

para aplicação correta do método.

2.1.1.1 Planejamento e entrada

Os dois primeiros passos essenciais no método da netnografia são o

planejamento e a entrada. É por meio deles que se dá a preparação da pesquisa.

Etapa em que se planeja o foco e onde se traçam os primeiros passos para a

execução.

Como já mencionado por Kozinets (2014), o espectro participativo e

observatório nesse método é essencial, a exemplo do que ocorre na etnografia.

Portanto, planejar a participação do pesquisador na pesquisa deve ser o primeiro

passo a ser tomado. Dessa forma, a Netnografia aproxima-se da completude e não

apenas de uma codificação de dados. O autor ainda complementa que

[...] retirar o papel participativo do etnógrafo da netnografia também significa retirar a oportunidade de experimentar uma compreensão cultural embutida. Sem esse profundo conhecimento e experiência do contexto cultural, a interpretação fica enfraquecida. O netnógrafo é obrigado a fazer suposições sobre os significados culturais que não compreende plenamente. (p. 75).

Levar em consideração a participação da comunidade interessada ou que

tenha algo a oferecer à pesquisa é fundamental. Além disso, a maneira como essa

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comunidade é abordada é outro ponto que merece ser levado em consideração.

Nesse ponto, familiarização é a palavra-chave. Buscar entender o público a quem o

pesquisador está se dirigindo é um dos principais passos, e, somente após esse

entendimento, de fato, iniciar o contato. Isso evita que haja frustrações tanto para a

comunidade quanto para o investigador.

A fim de estabelecer como planejar sua pesquisa por meio da netnografia,

Kozinets (2014) aborda onze tópicos que devem ser seguidos. São eles:

a) conhecer o foco e a questão de pesquisa: sendo assim, para essa pesquisa,

foi necessária uma busca e aprofundamento de questões relacionadas ao

jornalismo contemporâneo, à internet como meio difusor de notícias e à onda

recente de fake news, sobretudo as intrinsecamentes relacionadas ao meio

político;

b) encontrar e ler estudos relacionados, de preferência mantendo contato

com os pesquisadores: para esse estudo, a etapa foi executada durante a

pesquisa bibliográfica, técnica metodológica que apoiou a netnografia e que

será abordada um pouco mais à frente;

c) encontrar lugares online apropriados para a pesquisa: de acordo com essa

instrução, é necessário para essa pesquisa especificamente, um ambiente

digital que tenha como uma de suas características a propagação de notícias

que não possuam veracidade comprovada, ou que ao menos seja um campo

em que elas são livremente propagadas sem grandes interferências. Portanto,

para que o resultado se aproxime o máximo possível da realidade, foram

escolhidos, inicialmente, os sites Jornalivre e Ceticismo Político. Essa escolha

foi motivada a partir de características presentes em ambos os sites, que estão

de acordo com alguns medidores de notícia e de sites na internet, como o

Monitor de Debate Político no Meio Digital2 e o Alexa Ranking3. Entretanto, foi

necessária a substituição desses sites, devido a sua indisponibilidade durante

o período do estudo. Para continuar atendendo o objetivo da pesquisa, decidiu-

2 Projeto idealizado pela Universidade de São Paulo (USP), que busca mapear, mensurar e analisar o ecossistema de debate político no meio digital. Disponível em: <https://www.monitordigital.org/>. Acesso em 16 de abril de 2018. 3 Companhia de Internet que fornece dados de tráfego na internet e análise de dados, pertencente à Amazon. Seu principal serviço é medir quantos usuários de Internet visitam um determinado site/sítio da Internet. Disponível em: <https://www.alexa.com/topsites/countries/BR>. Acesso em 16 de abril de 2018.

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se mudar o foco e avaliar a maneira como surgiram inúmeras informações,

muitas sem veracidade comprovada, referente à ex-vereadora do Rio de

Janeiro Marielle Franco, após seu assassinato, no dia 14 de março de 2018.

Essas informações surgiram em diversos portais de notícias e, sobretudo, em

redes sociais como Facebook e Twitter. Devido a isso, esses foram os campos

de estudo;

d) ter noção da importância do uso de programas de análise de dados

qualitativos assistida por computador: embora seja uma instrução

recomendada por Kozinets (2014), ela não é de fato obrigatória, sendo assim,

para essa pesquisa, a análise de dados é realizada de forma manual, sem o

auxílio de programas especializados;

e) familiarizar-se com as diversas comunidades online que serão estudadas:

para isso, além de analisar os sites dos portais de notícias em que surgiram os

boatos, também é necessário que se faça uma investigação em suas redes

sociais, a fim de conhecer e familiarizar-se com seu público, amplamente

presente nas redes sociais;

f) obter aprovação ética para projetos de pesquisa: isso garante que o

pesquisador está atendendo todas as normas éticas, profissionais e legais que

aplicam-se ao projeto de pesquisa. Como neste estudo em específico não será

feito um contato direto com pessoas, a fim de estuda-las, não foi necessário

passar por uma comissão de ética;

g) aprimorar e reaprimorar o modo como as comunidades online são

abordadas: a fim de cumprir este passo, inicialmente são abordados de modo

observatório os ambientes digitais escolhidos;

h) elaborar, analisar e refinar as questões a serem realizadas: para que uma

pesquisa que usa o método da netnografia como metodologia, seja bem

executada, é necessário que haja um desapego das questões estabelecidas,

pois nem sempre, de acordo com o decorrer da pesquisa, serão válidas, sendo

assim necessário refiná-las;

i) cogitar o uso de várias estratégias diferentes de abordagem e coleta de

dados: assim como o refinamento das pesquisas, no momento de aplicação

da netnografia é importante que o pesquisador esteja sempre aberto a novas

estratégias, a fim de otimizar e beneficiar a sua empreitada;

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j) possuir um conjunto de diretrizes claras que representem as decisões

tomadas: sendo assim, nessa pesquisa estabeleceu-se que a principal diretriz,

a fim de buscar o resultado mais verossimilhante e satisfatório, é o respeito

pelo cronograma estabelecido previamente, que contempla cada estágio da

pesquisa. Isso faz com que cada parte do trabalho possua a atenção devida,

visando um aproveitamento maior.

k) guardar notas de campo e estar preparado para adicioná-las toda vez que

necessário: dessa forma, foram guardadas e arquivadas todas as informações

colhidas durante o período de análise, para, se necessário, serem adicionadas

na pesquisa posteriormente.

Ainda segundo o autor, somente considerando esses passos é possível

começar uma pesquisa netnográfica de modo correto, visando um estudo ético e

consistente.

2.1.1.2 Coleta de dados

Embora denominado “coleta de dados” este passo envolve muito mais do que

reunir informações. Na netnografia, essa etapa significa comunicar-se e criar uma

familiarização com os dados, colhidos nas comunidades virtuais. Para que ela seja

bem feita, Kozinets (2014) afirma que, independentemente da forma que a

comunicação assuma, “implica envolvimento, engajamento, contato, interação,

comunhão, relação, colaboração e conexão com membros da comunidade – não com

um website da rede, servidor ou teclado, mas com as pessoas no outro extremo” (p.

93). E essa característica é o que mais diferencia a netnografia de outras metodologias

de análise, já que ela não se relaciona apenas com a mensagem, mas também com

o interlocutor.

Mesmo sendo passos distintos nesse método, a coleta e a análise de dados

andam lado a lado. Isso ocorre, pois, diferentemente da análise de conteúdo, por

exemplo, as informações coletadas precisam ser interpretadas não somente como

dados, mas também como representações das pessoas entrevistadas, assim como já

mencionado anteriormente.

Além das informações colhidas, quando utilizado o método netnográfico, é

importante analisar outros pontos, como comportamento e rotina dos usuários no meio

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virtual, para se ter uma perspectiva mais ampla. Estar próximo da comunidade

estudada de diferentes formas é outro diferencial importante.

Para um bom netnógrafo, tempo e comprometimento são fundamentais, já

que antes de pôr em prática, é necessário estudar e aprender. Assim, Kozintes (2014)

nos dá um passo-a-passo, como demonstrado na Figura 1.

Figura 1 – Formas potenciais de participação netnografica em uma comunidade online

Fonte: Kozinets (2014, p. 94).

Outro ponto importante durante a coleta de dados é saber como será feita a

análise — mais uma vez nota-se como as duas etapas estão entrelaçadas. Quando a

opção é pela análise manual, como é o caso desta pesquisa, o volume de informações

colhidas deverá ser menor, a fim de não comprometer o resultado da pesquisa.

Kozinets (2014) sugere algumas instruções gerais que podem ser úteis:

a) áreas de dados significativos devem ser examinadas primeiramente em busca

de áreas de interesse relevantes;

b) áreas com volumes podem ser automaticamente arquivadas de forma integral;

c) definições de websites devem ser revistas nas etapas iniciais e relacionadas à

estratégia de coleta de dados;

d) separar os dados em categorias preliminares à medida que são coletados;

e) pesquisadores que utilizam a hermenêutica ou papel e caneta devem fazer

descarregamentos de maneira criteriosa, concentrando-se na coleta de

conjunto de dados menores;

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f) pesquisadores que são auxiliados por programas de computador podem optar

por descarregamentos maiores;

g) programas de mineração de dados devem ser usados com prudência.

2.1.1.3 Interpretação

A análise ou interpretação significa o exame detalhado de um todo, assim, ela

abrange todo o processo de transformar as informações colhidas em um produto, seja

ele um artigo, apresentação, relatório, etc. Na netnografia essa análise se dá,

geralmente, pela análise dos dados qualitativos e pela indução.

2.1.1.4 Adesão a padrões éticos

Como em todos os outros métodos de pesquisa, a ética é essencial. Porém

na netnografia ela assume um papel ainda maior. Por ser um método “invasivo”, no

qual o pesquisador adentra em uma comunidade, é seu papel ser ético e responsável,

a fim de retratar de forma verídica os dados coletados.

A IRE, vinda do inglês internet research etichs, é um campo de pesquisa no

qual as questões tratadas são dinâmicas e complexas, já que tocam em questões

filosóficas, interesses comerciais, tradições acadêmicas, métodos de pesquisa e

organizações institucionais (Kozinets, 2014). Ela é importante porque trata de

questões legais e até mesmo da reputação dos envolvidos. Sendo assim, para fazer

uma pesquisa netnográfica de responsabilidade é necessário responder a vários

órgãos reguladores e institucionais. Embora varie de país para país, geralmente, cada

pesquisador é regido por, pelo menos, duas instituições de ética.

2.2 TÉCNICAS

Como já mencionado anteriormente, uma pesquisa pode ser multimetódica,

ou seja, usar mais de um método ou se apoiar em outras diversas técnicas

metodológicas. Sendo assim, nesta pesquisa são utilizadas as técnicas de pesquisa

bibliográfica e análise de conteúdo.

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2.2.1 Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica é um método-auxiliar muito importante. Ela consiste

na etapa inicial de todo o trabalho científico ou acadêmico. É com ela que se reúnem

as informações e dados que vão servir como base para a construção da investigação.

Conforme Lakatos e Marconi (2010, p. 44), a pesquisa bibliográfica tem oito fases

distintas:

a) escolha do tema;

b) elaboração do plano de trabalho;

c) identificação;

d) localização;

e) compilação;

f) fichamento;

g) análise e interpretação;

h) redação.

Para uma pesquisa bibliográfica cumprir seu papel de forma satisfatória, cada

fase sua deve ser cumprida de modo planejado e cuidadoso.

É por meio desse método que os três capítulos teóricos dessa pesquisa foram

escritos: Sociedade da informação, Sociedade da pós-verdade e suas relações com

a virtualização, O jornalismo e as fake news.

2.2.2 Análise de conteúdo

Conforme Bardin (2011), a analise de conteúdo é “um conjunto de

instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que

se aplicam a “discurso” (conteúdo e continentes) extremamente diversificados” (p. 15).

Além disso, ela envolve técnicas de análises de comunicação subjetiva e objetiva,

podendo basear-se na indução e resultando em inferências.

Ainda, de acordo com Bardin (2011), o método é composto por três etapas

cronológicas, essenciais para o funcionamento da análise. São elas: a pré-análise, a

exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

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2.2.2.1 Pré-análise

Esta é a primeira fase da pesquisa, é o momento de organização dela. Embora

seja um período de intuições, ela tem como propósito tornar operacionais e possíveis

as ideias iniciais (Bardin, 2011). Ela é marcada por outras cinco etapas:

a) leitura flutuante: onde se estabelece contato com os documentos que serão

analisados. Nesse momento que surgem as primeiras impressões e

familiaridade com o tema;

b) escolha dos documentos: nessa etapa se dá a escolha de material a ser

utilizado, que necessita ir de encontro com o objetivo da pesquisa, assim, mais

uma vez auxiliando o método de netnografia. Bardin (2011) explica que aqui

surge o corpus, um “conjunto de documentos tidos em conta para serem

submetidos aos procedimentos analíticos” (p. 126);

c) formulação das hipóteses e dos objetivos: momento em que surgem as

hipóteses, ou seja, suposições que serão postas à prova durante o

desenvolvimento da pesquisa. Para Bardin (2011), a finalidade desta etapa é o

objetivo;

d) referenciação dos índices e a elaboração dos indicadores: etapa em que

se considera os textos como manifestações que possuem índice para análise;

e) preparação do material: última etapa da pré-análise, onde o material é reunido

e preparado.

2.2.2.2 Exploração do material

Passo seguinte à pré-análise. Importante ressaltar que essa etapa somente é

bem-sucedida, quando a anterior também é feita de modo adequado. É durante essa

etapa que se aplica tudo o que foi planejado anteriormente. Conforme Bardin (2011,

p. 131) “quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de operações

efetuadas por computador, o decorrer do programa completa-se mecanicamente”.

Por se tratar da fase mais longa e, naturalmente, mais trabalhosa ela é dividida

em outras duas operações:

a) codificação: essa é a fase em que se compreende o motivo pelo qual está

sendo realizada a análise e como ela será feita. Segundo Bardin (2011), em

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uma pesquisa quantitativa e categorial, codificação compreende a escolha

do recorte, no qual escolhe-se as unidades; a escolha da enumeração, na

qual se decide as regras da contagem; e a classificação e agregação, na

qual se escolhe como categorizar;

b) categorização: para Bardin (2011), a categorização “é uma operação de

classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação

e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os

critérios previamente definidos” (p. 147). Segundo ela uma categorização

bem realizada precisa ter qualidades, tais como exclusão mútua,

homogeneidade, pertinência, objetividade e produtividade.

2.2.2.3 Tratamento dos resultados obtidos e interpretação

Última fase da análise de conteúdo. É durante esse momento que os

resultados brutos colhidos são “lapidados” e passam a ser significativos e validos.

Portanto, eles precisam passar por provas estatísticas e testes de validação. Bardin

(2011) afirma que após o pesquisador ter esses dados em mãos, ele pode interpretá-

los a fim de responder ao objetivo inicial da pesquisa.

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3 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

A Sociedade da Informação é um termo surgido no século XX. Designa o

momento em que a tecnologia teve grandes avanços e, devido a sua importância,

começou a determinar os sistemas econômico e social. Conforme Miranda (2003),

embora seja um conceito bastante antigo, desde o tempo daqueles que pretenderam

fazer a súmula dos conhecimentos na coleção da Biblioteca de Alexandria, ele foi se

renovando durante o desenvolvimento da humanidade, até chegar a este ponto que

se conhece e no qual a sociedade está inserida atualmente.

Entretanto, para haver um entendimento mais completo referente à Sociedade

da Informação é necessário que antes haja uma breve contextualização referente à

Sociedade Pós-Industrial, termo do qual originou-se a sociedade informacional.

Embora não tenha uma data precisa, a sociedade Pós-Industrial nasceu ao

fim da Segunda Guerra Mundial, momento em que houve um grande aumento das

comunicações entre os povos e o boom das novas tecnologias, alavancadas pela

nova base econômica (LUCCI, 2000). Diferentemente das suas antecessoras, as

sociedades Pré-Industrial e Industrial, essa não era baseada na produção agrícola e

nem mesmo na produção de bens industriais, mas, sobretudo, na produção de

informação, complementa Lucci (2000). Ela originou-se por meio do surgimento e

evolução da indústria, que resultou em um novo estilo de vida familiar, um grande e

rápido desenvolvimento tecnológico e na popularização da mídia, estabelecendo,

assim, um novo modelo social.

Voltando à Sociedade da Informação, as mudanças causadas por ela também

foram decisivas na ruptura da vida tradicional da sociedade, primeiramente na

europeia e, em seguida, em todo o planeta, conforme o século XX encaminhava-se

para seu fim.

Entretanto, é necessário um comentário sobre a maneira como esse termo

surgiu e, sobretudo, o seu significado na época. Conforme Lyon (1992), a Sociedade

da Informação faz parte da “terceira onda”, expressão pregada por Alvin Toffler,

segundo quem a agrícola foi a primeira e a industrial a segunda. Para ele, o momento

de transição do Pós-Industrialismo para a terceira onda foi marcado por diversos

fatores que levaram o conceito ao que é hoje, como tramas políticas governamentais,

especulação futurista e desenvolvimento da indústria. Entretanto, o autor considera

como marco inicial o relatório governamental canadense, publicado em 1982,

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intitulado “Planning Now for The Information Society”. Nele havia orientações claras

sobre como identificar estratégias tecnológicas no campo da microeletrônica.

Apenas 12 anos mais tarde, em março de 1994, um evento chamou atenção

para o fenômeno. O então vice-presidente dos Estados Unidos, Albert Arnold Al Gore,

discursou na International Telecommunications Union4, sobre a necessidade de

construir uma infraestrutura global de informação. Isso fez com que os grandes blocos

econômicos concordassem e, a partir daí, surgisse um movimento global de ações

com investimento em novas tecnologias.

3.1 TERCEIRA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

O termo Sociedade da Informação somente foi adotado, a fim de substituir a

Sociedade Pós-Industrial no fim do século XX. Além de ir ao encontro dos eventos

mencionados, outro ponto também contribuiu para essa adoção justamente nessa

época. Ele ocorreu no momento em que a tecnologia passava por outros grandes

avanços, que levaram à Terceira Revolução Tecnológica, que por sua vez surgiu do

resultado da integração entre ciência, tecnologia e informação, e foi fundamental nas

mudanças que a sociedade enfrentou.

Entre os principais avanços, pode-se destacar o uso de novas

tecnologias na fabricação de produtos a serem consumidos pela sociedade, seja na

indústria, na agricultura ou no comércio, para serem usados no dia a dia. Por sua vez,

essas tecnologias são desenvolvidas em polos tecnológicos, um novo conceito

surgido na época, que designava as áreas industriais onde desenvolveram-se centros

de pesquisas, tanto ligados às empresas quanto aos governos. Os países ricos são

os que mais investem nesses polos, tanto que os mais desenvolvidos estão

localizados em nações como Estados Unidos, como o Vale do Silício, Japão, com o

Tsukuba, Alemanha, com o Vale do Ruhr e a França, com Toulouse.

A Terceira Revolução Tecnológica também foi a responsável pelo

fenômeno de substituição de mão de obra humana pela computadorizada, já que

grande parte das tecnologias desenvolvidas buscava substituir o trabalho do homem.

4 Agência da ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação. Seu principal objetivo é padronizar e regular as ondas de rádio e telecomunicações internacionais. Além de ser composta pelos 193 países membros da ONU, ela também agrega mais 700 entidades do setor acadêmico e privado. Disponível em: <https://www.itu.int/en/Pages/default.aspx>. Acesso em 14 de maio de 2018.

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É importante destacar que uma das principais consequências disso foi o desemprego.

Além de ter o trabalho sucedido pelas máquinas, o homem precisou melhorar sua

qualificação profissional e tornar-se multitarefas, o que significa ter conhecimento

sobre vários assuntos.

As áreas que mais destacaram-se foram a biotecnologia, a genética, a

bioquímica, a eletrônica e a de telecomunicações.

3.1.1 Toyotismo

A Terceira Revolução Tecnológica também foi a responsável pelo surgimento

de um novo termo, que mudou a forma de produção e os métodos de gerenciamento.

O toyotismo, termo derivado do nome da empresa japonesa Toyota, é um modelo no

qual produz-se conforme a demanda, com o objetivo de não acumular o produto e

nem a matéria-prima, diferentemente do fordismo, como explica Castells (2005, p.

214):

O enorme sucesso em produtividade e competitividade atribuído a essa revolução administrativa, de forma que na literatura empresarial “toyotismo” opõe-se a “fordismo”, como a nova fórmula de sucesso, adaptada à economia global e ao sistema produtivo flexível.

Na figura 2, pode-se notar claramente os principais pontos que diferem nos

dois modelos de produção.

Figura 2 – Diferenças entre o Fordismo e o Toyotismo

Fonte: Geoninho (2018).

Esse modelo de produção foi criado no Japão, pelo funcionário da Toyota

Taiichi Ohno. O principal motivo que levou a indústria japonesa a criar esse método

foi a questão territorial, já que o país possui uma área pequena, impossibilitando

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armazenamento grande de produtos e é muito dependente da exportação de matéria-

prima.

Vários de seus elementos são bem conhecidos, como o sistema de

fornecimento just in time, no qual a importação de matéria-prima e a fabricação do

produto ocorrem de forma planejada com o pedido dos consumidores respeitando o

prazo de entrega, o que diminui estoques e risco de queda de lucros. Além disso, o

controle de qualidade total, visando um nível igual a zero de defeitos, e o envolvimento

de equipes de trabalhadores durante o processo de trabalho são outras de suas

importantes características.

Desde sua implantação nas décadas de 1960 e 1970, ele vem sendo muito

imitado por outras empresas, tanto no Japão como em outros países do mundo,

inclusive sendo transplantado das empresas japonesas para suas filiais em outros

locais (Castells, 2005). O modelo faz tanto sucesso que vários de seus elementos

foram adotados até mesmo por “rivais” da Toyota, como a norte-americana GM e a

alemã Volkswagen.

3.1.2 Controle de qualidade

Assim como o toyotismo, o Controle de Qualidade Total, ou TQC (do inglês

Total Quality Control) também foi um método criado pelos japoneses, a fim de

aperfeiçoar o processo de produção durante a Era da Informação. Ele teve seu

desenvolvimento a partir da década de 1950, com a ida do estatístico norte-americano

William Eduards Deming ao Japão. Conforme Deming, a qualidade faz com que haja

uma melhora na produtividade.

Embora seus primeiros vestígios tenham surgido com Deming, graça a sua

tese, o termo “controle de qualidade total” foi utilizado pela primeira vez somente em

1956, por Armand Feigenbaum, quando ele propôs a ideia de que a qualidade

somente poderia resultar de um trabalho em conjunto de todos os que estão

envolvidos no desempenho da organização.

Segundo Oliveira et al. (2012, p. 2), o conceito envolve alguns itens, tais como

Qualidade em primeiro lugar, ações orientadas por prioridades, controle de processos, mais o principal é o processo do seu cliente onde seu funcionário passa a ter consciência que a qualidade do seu produto interfere na qualidade do próximo processo e seu objetivo tem que ser atender as necessidades do cliente e evitar erros que comprometa a organização.

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Estudiosos afirmam que o TQC é dividido em duas áreas principais: a área

técnica e a área de gerenciamento. A estatística é a base da técnica, tendo vários de

seus instrumentos frequentemente utilizados. Já a gerencial é relacionada à área de

humanas.

3.2 O NOVO PARADIGMA TÉCNICO-ECONÔMICO

Na Sociedade da Informação, a preocupação não é mais com a produção

agrícola ou industrial, mas, sim, com os avanços tecnológicos que contribuem para a

informação, o maior bem dessa época. Segundo Werthein (2000), a adoção dessa

expressão serviu como forma para transmitir o conteúdo específico do “novo

paradigma técnico-econômico”. Mas o que seria esse paradigma?

Conforme Christopher Freeman5 (1988 apud Castells, 2005),

Um paradigma econômico e tecnológico é um agrupamento de inovações técnicas, organizacionais e administrativas inter-relacionadas cujas vantagens devem ser descobertas não apenas em uma nova gama de produtos e sistemas, mas também e sobretudo na dinâmica da estrutura dos custos relativos de todos os possíveis insumos para a produção. Em cada novo paradigma, um insumo específico ou conjunto de insumos pode ser descrito como o “fator-chave”, desse paradigma caracterizado pela queda dos custos relativos e pela disponibilidade universal. (p. 107) [grifos do autor].

Assim, esses paradigmas são tidos como todo o processo que envolve a

descoberta de novas tecnologias e, por consequência, a criação e desenvolvimento

de novos produtos ou processos.

Quintella e Dias mencionam que, segundo Perez e Freeman6 (1988), o

período de quebra de paradigmas, e todas as alterações decorrentes, envolvem

mudanças em toda a sociedade. Válido ressaltar a relação desse conceito com as

ondas de Kondratieff (1925). O autor russo percebeu que as taxas de crescimento

econômico obedeciam, aparentemente, a uma onda de periodicidade de 40 a 60 anos,

sempre acontecendo durante épocas de grandes evoluções tecnológicas. Segundo

5 DOSI, Giovanni; FREEMAN, Christopher; NELSON, Richard; SILVERBERG, Gerald; LUC, Soete (orgs.) Technical Change and Economic Theory. Londres: Pinter. 1988. 6 Freeman, Christopher; Perez, Carlotta. Structural crisis of adjustment: business cycles and investment behaviour. In: Dosi, G. et al. Technical change and economic theory. London: Pinter. 1988.

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Dias e Quintella (2002), essa relação dos paradigmas com as ondas tem grande efeito

na sociedade como um todo:

Assim, a interpretação das considerações de Perez e Freeman, de que mudanças de paradigmas tecnológicos têm conseqüências tão diversas e amplas para todos os setores da economia, permite imaginar que as ondas de Kondratieff e a difusão de inovações que as acompanha levam não apenas às grandes crises estruturais de ajustamento, mas também a mudanças sociais e institucionais que permitem a adaptação entre estas estruturas e cada tecnologia emergente. (p. 910).

Voltando ao paradigma apresentado na Sociedade da Informação, ele possui

características distintas e únicas (CASTELLS, 2005). A primeira delas, e

possivelmente a mais emblemática, é a maneira como a informação é sua matéria-

prima. Diferentemente de outras eras, agora a informação ocupa o papel principal e

não apenas o de coadjuvante para chegar a um produto principal.

A segunda característica se refere à penetrabilidade dos efeitos das novas

tecnologias. De acordo com Castells (2005), “a informação é uma parte integral de

toda atividade humana, todos os processos de comunicação de nossa existência

individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza, não

determinados), pelo novo meio tecnológico” (p. 108).

A lógica de redes é a terceira característica desse novo paradigma. A estrutura

das redes consegue facilmente se adaptar aos complexos modelos de interação e

desenvolvimento do poder criativo que vem dessa interação. Com a lógica de redes,

consegue-se estruturar até mesmo o que não é estruturado.

Além dessas três características, a flexibilidade é outro ponto importante no

qual esse paradigma se baseia. A sociedade está em constante mudança, e todo dia

surgem coisas novas e outras se tornam obsoletas. Portanto, os processos precisam

ser flexíveis e reversíveis. Para Castells (2005), “o que distingue a configuração do

novo paradigma tecnológico é sua capacidade de reconfiguração, um aspecto

decisivo em uma sociedade caracterizada por constante mudança e fluidez

organizacional” (p. 109).

E por último, mas não menos importante, a crescente convergência de

tecnologias específicas para um sistema altamente integrado é a outra característica.

Ou seja, a integração de tecnologias é um processo inevitável. Por mais que haja

distinções entre uma coisa e outra, em algum momento elas irão se tornar parte

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integrante de um sistema. Isso ocorre devido a fatores como integrações de empresa,

união de estratégias e projetos de cooperação.

Dessa forma, o paradigma da tecnologia da informação não evolui para um

fechamento como sistema, mas, sim, caminha para a abertura como uma rede de

acessos múltiplos (Castells, 2005). A maneira como tornou-se abrangente e adaptável

à rede talvez seja seu maior atributo.

3.3 RELAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E O CAPITALISMO

Como se pode presumir, o sistema capitalista foi, em grande parte, o

responsável pelas mudanças que levaram o mundo à Sociedade da Informação.

Entretanto, não foi apenas ele que interferiu na sociedade informacional. Ela também

teve um papel fundamental na reestruturação do regime capitalista a partir da década

de 1980. Durante todo o processo da revolução tecnológica, as transformações

ocorridas claramente foram moldadas aos princípios capitalistas, que ditaram as

regras dessa nova concepção. Embora, o estatismo também tenha tentado interferir

nesse processo, ele não alcançou o mesmo nível de sucesso que o capitalismo.

Castells (2003) menciona a tentativa falha do estatismo soviético que, de uma maneira

ou outra, levou ao seu declínio:

Contudo, a tentativa do estatismo soviético fracassou a ponto de haver o colapso de todo o sistema, em grande parte, da incapacidade do estatismo para assimilar e usar os princípios do informacionalismo embutidos nas novas tecnologias da informação, como discutirei neste livro (volume III) com base na análise empírica. (p. 50).

O autor também destaca que, diferentemente da União Soviética, a China

soube muito bem aproveitar as novas tecnologias da informação para transformar seu

estatismo em um capitalismo liderado pelo Estado. Assim, integrou-se às grandes

redes econômicas, aproximando-se mais de seus vizinhos do Leste Asiático.

Desde seu surgimento, as tecnologias da informação foram as responsáveis

por ditar a maneira como o mundo anda. Dessa forma, a fonte de produtividade

encontrou na tecnologia de geração de conhecimentos, processamento de informação

e de comunicação de símbolos, uma nova fonte de investimento e de lucro. Conforme

Castells, “a inovação tecnológica e a transformação organizacional com enfoque na

flexibilidade e na adaptabilidade foram absolutamente cruciais para garantir a

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velocidade e a eficiência da reestruturação” (p. 55). Assim, a era informacional tem

papel essencial na expansão e na “cara” nova do capitalismo.

Outra importante consequência surgida a partir da revolução tecnológica para

o capitalismo foi a automatização de processos. Destaca-se aqui a substituição do

processo produtivo feito pelo homem para o processo mecânico, feito por máquinas e

computadores. Esse fenômeno, embora já tivesse se iniciado ainda na Segunda

Revolução Industrial, teve, nesse momento, um grande salto, que possibilitou e ainda

continua possibilitando cada vez mais mudanças nesse sentido.

3.3.1 As tecnologias da informação

Tendo como base a automação de processos, autores como Lyon e Adalberto

Simão Filho, especulam que essa “mudança total” esta mais próxima do que se

imagina. Levando em conta essa perspectiva dos autores, fica claro que as

Tecnologias da Informação (TIs) são características essenciais dessa fase que

vivemos.

Embora não sejam uma novidade, já que em 1876 Graham Bell inventou o

telefone, em 1898 Guglielmo Marconi criou o rádio e em 1906 Lee De Forest criou as

válvulas a vácuo, as tecnologias da informação tiveram suas principais descobertas

durante a Segunda Guerra Mundial e no período que se sucedeu, sobretudo a partir

da década de 1970. De acordo com Castells (2005), existem três principais campos

de tecnologia: microeletrônica, computadores e telecomunicações. Entre as que mais

se destacam, devido à sua importância, pode-se citar o computador, de 1946, o

transitor, inventado em 1947; o circuito integrado em 1957; o microprocessador em

1971; o telefone móvel em 1973; e a Internet em 1990.

São, também, as tecnologias da informação as responsáveis por abranger

diversos produtos de hardware e software, que auxiliam em diversas tarefas, muitas

delas surgidas a partir do final do século XX, como o armazenamento e controle de

dados, para controle de equipamentos e processos de trabalho.

Outra consequência das tecnologias da informação na sociedade

informacional em que a humanidade está inserida é o poder de vislumbrar o

surgimento de um novo homem, ao mesmo tempo independente, devido aos avanços

tecnológicos, mas também extremamente dependente desses avanços. Adalberto

Simão Filho (2007) dialoga sobre isso:

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O que se percebe no aprofundamento das nuances da sociedade da informação é exatamente a possibilidade intrínseca de se formar, a partir de então, uma “nova história” e, por via de consequência, um novo homem informacional, como substrato direto da revolução tecnológica. (p. 10).

3.3.1.1 A criação da Internet

A internet teve origem no trabalho da Agência de Projetos de Pesquisa

Avançada (ARPA), integrante do departamento de Defesa dos Estados Unidos. Sua

criação foi um resultado da fusão entre estratégia militar, cooperação científica,

iniciativa tecnológica e inovação contracultural. O estopim para sua criação foi o

lançamento do foguete Sputinik7. A iniciativa russa assustou os norte-americanos, que

por meio da ARPA empreenderam diversas iniciativas na era da tecnologia. Iniciativas

essas que, segundo Castells (2005), mudaram a história da tecnologia e foram as

precursoras da Era da Informação.

Uma delas foi o desenvolvimento de um sistema de comunicação invulnerável

a ataques nucleares, criado por Paul Baran, na Rand Corporation, no início da década

de 1960. Esse sistema tornava a rede independente de centros de controle, fazendo

com que as mensagens, armazenadas em pacotes, procurassem suas próprias rotas

ao longo da rede, sendo remontadas para voltarem a ter sentido em qualquer outro

ponto da rede.

Com a possibilidade de empacotamento de todos os tipos de mensagem,

inclusive sons, um pouco mais tarde, foi criada uma rede capaz de conectar seus “nós”

sem usar centros de controles. Essa evolução permitiu a criação da primeira rede de

computadores, denominada ARPANET (Advanced Research Projects Agency

Network), em 1969. Seus primeiros nós estavam localizados na Universidade da

Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research Institute, na Universidade da

Califórnia em Santa Bárbara e na Universidade de Utah. Inicialmente seu intuito era

colaborar com o Departamento de Defesa dos EUA, porém os cientistas começaram

a usá-la para sua própria comunicação. Então, a partir disso, com seu

desenvolvimento, ficou difícil separar o intuito principal.

7 Nome do programa que produziu a primeira série de satélites artificiais soviéticos, concebida para estudar as capacidades de lançamento de cargas úteis para o espaço e para estudar os efeitos da ausência de peso e da radiação sobre os organismos vivos. Serviu, também, para estudar as propriedades da superfície terrestre com vista à preparação do primeiro voo espacial tripulado.

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Conforme Lima (2000), “a NET, por si só, causou uma revolução na maneira

pela qual nos comunicamos e nas relações interpessoais, independentemente da

qualidade da informação transmitida por este meio” (p. 15). Lima ainda acrescenta

que a teoria da Aldeia Global8, do filósofo e teórico da comunicação Marshall

McLuhan, provou-se verdadeira, quase 40 anos após ele mencioná-la pela primeira

vez. Ele (2000) ainda acrescenta que

Em outras palavras, vivemos agora não mais em um grande planeta e sim em uma pequena aldeia que nos abre as portas para nossa participação, já que as distâncias geográficas foram abolidas e onde nossa maior preocupação passa a ser a administração física do tempo, coordenando nossas ações de tal forma que possamos respeitar o fuso horários dos diferentes países e as diferenças culturais para não criar embaraços ao nos comunicarmos com nossos “vizinhos”. (p. 15).

3.3.2 Desenvolvimento desigual

A chegada da Era da Informação para o sistema econômico dos países foi um

ponto muito importante e que possibilitou grandes melhorias e crescimento para

diversas nações. Porém, é necessário ressaltar que todo esse processo de mudança

se deu de maneira muito mais fácil para alguns países do que para outros.

Para os países em desenvolvimento, a informatização recebeu contornos

dramáticos, já que precisaram passar por uma renovação acelerada. Dessa forma,

tiveram que pular etapas, passando de estágios pré-industriais para o progresso direto

da pós-modernidade (MIRANDA, 2003). Isso fez com que o “resultado final” não fosse

completo, ou seja, muitas vezes deficiente, sem atender às reais necessidades e

trazer os verdadeiros benefícios propostos. Além, é claro, de muitas vezes causar o

endividamento de nações. Para Nora e Minc (1980), todo esse processo de

informatização é a causa da crise, mas também o meio de sair dela.

8 Termo criado por Marshall McLuhan, que tinha como objetivo indicar que as novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias e o progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados.

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3.4 O BRASIL NA ERA DA INFORMAÇÃO

O Brasil é o país latino-americano que, no final do século XX, demonstrou ter

a maior capacidade de inovações tecnológicas. Pode-se notar isso a partir dos

investimentos na área da indústria automobilística e da aeronáutica. Iniciado ainda na

década de 1960, o programa aeroespacial brasileiro cresceu muito nos anos 90,

tendo, em 1999, ganhado bilhões de dólares com uma encomenda feita pela empresa

suíça Crossair.

Mesmo com investimentos sendo feitos há quase 40 anos, apenas em 1997

o primeiro vestígio, pelo menos declaradamente aberto, surgiu no País. O chamado

Livro Verde da Sociedade da Informação é produto de um programa criado pelo

Governo Federal, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia – o Programa para

a Sociedade da Informação. O livro é nada mais nada menos, que a formulação de

uma estratégia governamental para inserir o povo brasileiro nesse novo modelo de

sociedade, fazendo, assim, com que os brasileiros vivenciem a revolução tecnológica.

Isso, claro, deu-se pelo desejo do governo em demonstrar que estava inserido na nova

realidade mundial, e para atender as demandas básicas que surgiram com as

mudanças na sociedade.

Conforme German (2000), no início do milênio, as realizações do Brasil no

campo da ciência aumentaram continuamente se comparadas a décadas passadas.

Ele chegou a essa conclusão levando em conta a frequência das publicações

brasileiras citadas em revistas especializadas internacionais. O percentual equiparou

o Brasil a países como a Coréia do Sul. Na América Latina, o Brasil liderava nesse

quesito, sendo seguido pelo México, pela Argentina e pelo Chile.

Entretanto, nessa época, outro problema atrapalhava a evolução do Brasil na

era informacional: a questão financeira. Embora houvesse investimentos anuais em

Pesquisa e Desenvolvimento, a situação dos institutos de pesquisa das universidades

era desoladora, já que a aplicação de valores não era suficiente. Dessa forma, muitas

pesquisas eram prejudicadas ou até mesmo nem saíam do papel.

O setor de telecomunicações é outro ponto que, no início do século XXI, não

demonstrava resultados satisfatórios. Com a telefonia fixa apresentando resultados

inferiores a países como Chile e Argentina, e a telefonia móvel em desenvolvimento,

o Brasil não apresentava inovação ou melhoria na área. Entretanto, o uso de celulares

pela sociedade brasileira começou a crescer nesse período. De acordo com German

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(2000), em 1998 a cidade de São Paulo possuía mais telefones móveis do que a

cidade de Paris. Três em cada 100 brasileiros tinham um celular.

3.5 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Desde o início da Era da Informação, a sociedade, em geral, teve acesso a

uma grande quantidade de avanços tecnológicos. Muito maior, por exemplo, do que

já havia tido acesso anteriormente. E o mais incrível, e possivelmente complexo disso

tudo, é o fato de a mesma tecnologia estar disponível praticamente a todos. Rodrigues

(1999), ainda no final na década de 1990, comentou que esse processo é visto como

uma maneira de união, aproximação e desenvolvimento, mas com desconfiança até

certo ponto:

O mesmo software circula hoje, tanto nos países ricos como nos países pobres, em países com regimes ditatoriais ou com regimes democráticos. Os mesmos programas de televisivos, difundidos por satélite de difusão directa, chegam às mais distantes aldeias, independentemente da sua cultura e das suas concepções do mundo. É por isso que alguns atores, com um optismo talvez exagerado, vêem, neste acesso generalizado às novas tecnologias, uma oportunidade acrescida para o desenvolvimento, para o avanço da participação das populações nas decisões políticas, para o desabrochar da economia e a promoção de seus valores culturais, enquanto outros autores, mais reservados, consideram as mutações tecnológicas do nosso tempo como a morte das culturas tradicionais, da diversidade do modo de vida, e a perca [sic] da especificidade das diversas experiências do mundo que fizeram a riqueza das civilizações. (p. 196).

Conforme Lima (2000) afirma, o acesso à cultura via democratização da

informação, por meio dos avanços tecnológicos, não teve apenas um impacto

quantitativo, mas qualitativo, também. Desse modo, surgiu uma sinergia cultural na

sociedade nunca anteriormente vista.

Um dos pontos que mais sofreram mudanças por meio do advento da era

informacional é a comunicação de massa. Com o auxílio dos avanços digitais, a

facilidade em levar conteúdo, informacional ou de entretenimento, ao público

aumentou. Cada invenção surgida no âmbito da comunicação teve um papel

fundamental nesse processo, o telégrafo em meados do século XIX, passando pelo

cinema nas primeiras décadas do século passado, pela invenção do rádio doméstico

nos anos 20 e pela invenção da televisão nos anos 50, até a internet como

conhecemos hoje. Conforme de DeFleur e Ball- Rokeach (1993, p. 42)

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Cada um desses veículos aumentou a disponibilidade diária total de oportunidades de empregar a linguagem para a pessoa comum. Assim, a acumulação desses recursos na história recente implicou em outro acréscimo espetacular do ritmo de comportamento comunicativo da maioria das pessoas da sociedade. O impacto da nova era ainda estar por ser amplamente avaliado.

Portanto, se em 1993, início do auge da era digital, já se analisava o impacto

da comunicação de massa pelos meios tradicionais, como rádio e televisão,

atualmente, com o advento dos smartphones e da internet e de suas ferramentas,

como as redes sociais, a comunicação de massa sofreu um impacto ainda maior. A

circulação de informação no meio digital, proporcionada pela virtualização da

sociedade, atingiu proporções que antigamente eram impensáveis, dado aos diversos

meios em que circula esse conteúdo e à maneira como ele circula. Todo esse

fenômeno, que envolve a era informacional, a virtualização, a democratização da

informação encaminhou o homem para a era da pós-verdade, um conceito novo e

responsável, em grande parte, pela maneira como a sociedade está se desenvolvendo

e que será abordado no capítulo seguinte.

Com todos esses fatos referentes à Sociedade da Informação, é importante

ressaltar que, possivelmente, seu aspecto mais singular e significativo é que ela está

sempre evoluindo. Diferentemente de outros períodos que tiveram seus picos de

progresso, a sociedade da informação está sempre avançando. Toda vez que ela

chega ao seu auge, outro acontecimento surge e mostra que ela não está estagnada.

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4 SOCIEDADE DA PÓS-VERDADE E SUAS RELAÇÕES COM A VIRTUALIZAÇÃO

Amplamente difundido na última década, o conceito de pós-verdade busca

representar a ideia de que as emoções, ideologias ou crenças pessoais de cada um

possuem maior apelo ao formar a opinião pública do que a verdade de fato ou dos

fatos. Conforme o professor americano, Ralph Keys (2004), autoridade no tema e um

dos primeiros a pesquisar de fato sobre isso, por meio da pós-verdade conseguimos

dissimular a verdade sem perder nossa capacidade de honestidade. Sendo assim,

mesmo que algo não condiz, de fato, com a realidade, se for comum aos nossos

interesses, iremos ignorar a falta de veracidade e tomar esse algo como verdadeiro.

Válido ressaltar que, embora acompanhado do uso do prefixo “pós”, o termo

não representa algo do futuro, mas sim, uma referência ao fato da expressão seguinte,

“verdade”, ter perdido seu sentido e sua relevância na sociedade em que vivemos

(BARBOSA, 2017).

Relativamente recente, sociedade da pós-verdade foi escolhida como a

palavra do ano em inglês (post-truth) em 2016 pelo Oxford Dictionaries9, uma divisão

da Oxford University Press10. Conforme a publicação britânica (2016), a palavra é um

adjetivo empregado pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano

Steve Tesich, em um ensaio para a revista The Nation. Após isso, ela só foi receber

destaque novamente mais de 20 anos depois, quando Keyes lançou seu livro The

Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life. Entretanto, de acordo

com o Oxford Dictionaries, a palavra somente recebeu popularidade que tem hoje,

após a publicação do artigo “Arte da Mentira”11, em setembro de 2016, pela revista

The Economist.

9 Disponível em: <https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016>. Acesso em 12 de maio de 2018. 10 Casa editorial da Universidade de Oxford. Fundada em 1478, é a maior casa editorial universitária do mundo. 11 Disponível em: <https://www.economist.com/news/leaders/21706525-politicians-have-always-lied-does-it-matter-if-they-leave-truth-behind-entirely-art>. Acesso em 12 maio de 2018.

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Figura 3 – Capa da revista “The Economist” em setembro de 2016

Fonte: The Economist (2018).

Ao longo do texto, a publicação aponta que o mundo teria entrado em uma

era política de pós-verdade. Para justificar essa afirmação, são citados dois fatos

políticos que mudaram os rumos do mundo: o “Brexit”, saída do Reino Unido da União

Europeia; e a chance de vitória da candidatura do norte-americano Donald Trump à

presidência dos Estados Unidos, que na época ainda não havia sido eleito. Ambos os

exemplos, segundo a revista, ocorrem pelo motivo de a população acreditar em

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boatos, ao invés de levar em conta os fatos objetivos. O artigo tomou proporções

globais, afetando nações do mundo todo e sendo incorporado ao vocabulário popular.

Segundo Priolli (2017), do periódico Carta Capital, o Google registrou mais de

20,2 milhões de citações do termo em inglês, 11 milhões em espanhol e 9 milhões em

português. Ao pesquisar no Google Trends, ferramenta do Google que mostra e

compara os termos mais populares buscados recentemente, o termo post-truth

demonstra um pico altíssimo no final de 2016, coincidentemente, logo após a

publicação do texto pela The Economist. Até o final do mês de abril de 2018, a

expressão continuava presente nas pesquisas do mecanismo de busca, pelo menos

até o final do mês de abril de 2018 (Figura 4). Já o termo em português vem tendo,

desde 2016, ampla procura, mantendo-se entre altos e baixos, mas sempre com um

número considerável de buscas (Figura 5).

Figura 4 – Procura pelo termo post-truth no Google

Fonte: Google Trends (2018).

Figura 5 - Procura pelo termo pós-verdade no Google

Fonte: Google Trends (2018).

O período selecionado de pesquisa foi do dia 01 de setembro de 2016 ao dia

30 de abril de 2018. Importante ressaltar, também, que os números representam o

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interesse de pesquisa relativo ao ponto mais alto no gráfico de uma determinada

região em um dado período. Um valor de 100 representa o pico mais alto de

popularidade de um termo, conforme a própria ferramenta.

4.1 ENUNCIADO FOUCAULTIANO

O conceito de pós-verdade pode remeter-se ao enunciado foucaultiano. Mas

para que se possa ter uma compreensão mais ampla referente a isso e entender de

que maneira uma coisa pode estar ligada à outra, primeiramente é necessário que se

entenda o que é, propriamente, um enunciado segundo Foucault.

À primeira vista, pode-se acreditar que o enunciado é a parte que, unida,

forma o discurso, entretanto, a explicação do termo é muito mais abrangente e

complexa. O próprio Foucault (2004) se questiona:

[...] se o enunciado é a unidade elementar do discurso, em que consiste? Quais são os seus traços distintivos? Que limites devemos nele reconhecer? Essa unidade é ou não idêntica à que os lógicos designaram pelo termo proposição, à que os gramáticos caracterizam como frase, ou, ainda, à que os "analistas" tentam demarcar sob o título speech act? Que lugar ocupa entre todas as unidades já descobertas pela investigação da linguagem, mas cuja teoria, muito frequentemente, está longe de ser acabada, tão difíceis os problemas que colocam, tão penoso, em muitos casos, delimitá-las de forma rigorosa? (p. 90) [grifos do autor].

Por isso, o primeiro passo para poder compreender o enunciado é entender o

que ele não é. Como dito anteriormente, o enunciado não se encaixa na definição de

proposição, já que pode haver dois enunciados diferentes em uma mesma proposição;

também não se encaixa no conceito de frase, pois a frase possui uma inflexibilidade

que limita o enunciado; e por último, ele também não se encaixa na definição de

speech act, já que, além dos atos de fala geralmente serem compostos por mais do

que um enunciado, eles nada além da própria enunciação.

Logo, para Foucault, o enunciado não é uma forma fixa ou imutável, mas sim,

um limiar dos signos, necessitando da presença do signo para haver um enunciado.

Foucault (2004), define mais precisamente que

[...] o enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que

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regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). (p. 98).

Mesmo que não haja uma definição completa referente ao enunciado e sua

estrutura, é por meio dele que se pode dizer se há ou não frases, proposições ou atos

de fala, esses sim, estruturas bem definidas. É ele que permite que essas estruturas

façam sentido no espaço e tempo.

Mas então, de que maneira a sociedade da pós-verdade se relaciona com

ele? Neste ponto, surge mais um conceito necessário de entender para, somente

assim, compreender essa relação: a enunciação. A grosso modo, ela representa a

maneira como se interpreta o enunciado. Ela traduz o que quer ser passado por meio

dele. Um enunciado, por exemplo, pode ter várias enunciações, dependendo do

sujeito que o enuncia, assim como Foucault (2004) explica:

[...] há enunciação cada vez que um conjunto de signos for emitido. Cada uma dessas articulações têm sua individualidade espaço-temporal. Duas pessoas podem dizer ao mesmo tempo a mesma coisa; já que são duas, haverá duas enunciações distintas. (p. 114).

É importante acrescentar que uma enunciação é única, dessa forma mesmo

que um sujeito repita várias vezes a mesma frase, por exemplo, cada vez haverá

enunciações distintas, representando significados distintos. Sendo assim, qualquer

discurso enunciado, depende da perspectiva do sujeito.

Segundo Carvalho e Belda (2017), a “descrição de um enunciado não se da,

portanto, de maneira isolada, mas como uma função num campo de coexistência” (p.

237). Ou seja, o enunciado foucaultiano se relaciona com a pós-verdade pois, sua

enunciação depende da interpretação do sujeito, levando em conta o espaço e o

tempo em que está inserido.

Sendo assim, dessa forma, os discursos enunciados pela sociedade, embora

muitas vezes não condigam com a realidade, condizem com o ambiente em que as

pessoas estão inseridas. Dessa forma, a ideologia ou vivência de um indivíduo

orientam sua percepção do mundo e a maneira como ele se comunica e as

informações que repassa. Embora exista um enunciado, existem “n” formas de

enunciação, tudo dependerá da perspectiva do sujeito.

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4.2 VIRTUALIZAÇÃO

Resultado direto do novo paradigma que se conformaria na sociedade da

informação, a virtualização é parte fundamental da sociedade digital e transformadora

em que o mundo está inserido. É, em grande parte, por meio da virtualização que se

vive esse momento de ruptura com o antigo modelo sociocultural, a partir do que

organizações e indivíduos estão mudando sua forma de pensar e agir. O passado

deixou de ditar ao futuro a forma como uma sociedade caminha, e aos poucos vem

sendo deixado para trás. A sociedade da pós-verdade tem relação estreita com esse

fato, já que é um dos resultados indiretos da virtualização.

Como já mencionado no capítulo anterior, segundo Werthein (2000), o novo

paradigma que a sociedade vive é responsável por todas as mudanças presenciadas

no dia a dia, sejam elas na forma de trabalho, na maneira de se relacionar ou até

mesmo em escalas maiores, como as ambientais e tecnológicas. É nesse ponto que

se faz necessário abordar brevemente o conceito da pós-modernidade e, como

durante a era informacional, ela foi a responsável pela perda da crença em visões

totalizantes da história, que ditavam a ética, a política e a forma de convívio e,

principalmente, colocou a comunicação como peça central da civilização.

4.2.1 Pós-modernidade

Esse é um conceito que representa a sociedade e a estrutura sociocultural em

que ela está inserida, desde o final da década de 1980 até os dias atuais, segundo

autores como Lyotard e Baudrillard. Sua principal influência causadora é a era

informacional, que resultou na globalização e na sofisticação do sistema capitalista. A

pós-modernidade se reflete em diversas áreas, como a arte, a filosofia, a sociologia e

a psicologia. Embora em cada área específica ela tenha seu próprio significado, de

modo geral busca exprimir a realidade do mundo atual.

A sua principal característica é a oposição ao moderno e a quebra de

narrativas anteriormente aceitas pelo homem. Entende-se por moderno aqui, todo o

período vivido desde o começo do Iluminismo12, no século XVII, até o fim do século

12 Movimento intelectual europeu surgido na França no século XVII. Sua principal característica era a defesa do uso da razão sobre o uso da fé para entender e solucionar os problemas da sociedade. Disponível em: <https://www.infoescola.com/historia/iluminismo/>. Acesso em 22 de maio de 2018.

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XX. Conforme Jean François Lyotard (2000), um dos mais importantes filósofos a falar

sobre o tema, “pós-moderna, [é] a incredulidade em relação aos metarrelatos. É, sem

dúvida, um efeito do progresso das ciências” (p. xvi).

Diferentemente da modernidade, que tinha como base a ciência e a razão, a

época pós-moderna traz o desencanto com a realidade como principal

característica. A política, a religião e a ciência perderam parte de seu valor e

passaram a serem questionadas. Por outro lado, a comunicação começou a ganhar

um destaque que nunca antes lhe fora dada. Juntamente com o consumo, ela tornou-

se fator essencial para entender a sociedade. Lyotard (2009) destaca a importância e

as mudanças causadas por ela:

Por outro lado, numa sociedade em que a componente comunicacional torna-se cada dia mais evidente, simultaneamente como realidade e como problema, é certo que o aspecto de linguagem (langagier) adquire uma nova importância, que seria superficial reduzir à alternativa tradicional da palavra manipuladora ou da transmissão unilateral de mensagem, por um lado, ou da livre expressão ou do diálogo, por outro lado. (p. 29) [grifo do autor].

Como já mencionado anteriormente, os processos de evolução que a

sociedade vive se deram em diversos episódios que resultaram nas mudanças

presentes hoje em dia, sobretudo na comunicação. Estamos presenciando um

momento de ruptura entre o velho e o novo, e não mais apenas desdobramentos do

passado. Lima (2000) define esse fenômeno como re-evolução. Para ele

[...] a história contemporânea se dá agora por saltos qualitativos que são resultantes de milhares de eventos simultâneos, não necessariamente interligados. A nova sociedade se redesenha diariamente, tendo como base inputs que recebem de dezenas de fontes, fazendo com que não possamos mais definir, a priori, as tendências de nossa evolução. (p. 11).

Entre as diversas re-evoluções presenciadas neste período de virtualização,

a evolução da internet talvez tenha sido um dos mais importantes e que trouxeram

mais mudanças para a sociedade.

Como já mencionado, McLuhan (2000), ainda na década de 1960, defendia a

teoria de que a mensagem não estava em seu conteúdo, mas sim no meio utilizado

para sua transmissão. Para ele, o meio de comunicação já era um processo

transformador, independentemente do conteúdo transmitido. Sendo assim, cada

invenção relacionada à comunicação como o rádio, o telefone, a televisão, etc.,

representava um salto para a humanidade. Ele acreditava que estávamos nos

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encaminhando para uma aldeia global, onde iríamos transportar o mundo para dentro

de nossa casa, fazendo com que todos se relacionassem entre si, participando de

tudo, formando uma aldeia global. Quando ele sugeriu isso, quase 60 anos atrás,

muitos acreditavam que era loucura, mas com os processos tecnológicos surgidos

durante a era informacional, as opiniões mudaram.

Nesse ponto, surge outra questão importante: a rotina atribulada que a

sociedade começou a ter a partir da era pós-moderna. Lima (2000) destaca que

tempo, disponibilidade e informação se transformaram em elementos essenciais para

poder sobreviver em sociedade e no meio ambiente: entretanto, a fórmula não fecha,

já que o tempo disponível é curto e a disponibilidade de informações é cada vez maior.

Como absorver todas as informações que estão disponíveis é humanamente

impossível, é necessário que se filtre o mais importante. Para isso, desenvolveram-se

meios para divulgar, o mais democrática e personalizadamente possível, a maior

quantidade de informações, e a virtualização é essencial ao exercer este papel.

4.2.2 O que é o virtual?

São notáveis a importância e a relação que a virtualização tem com a

sociedade pós-moderna. É por meio dela que o homem consegue estar inserido na

sociedade digital. Porém, o que é a virtualização? Antes de entender esse conceito é

necessário que se responda outra pergunta: o que é o virtual?

A palavra vem do latim medieval virtualis, derivado da palavra virtus que

significa força e potência; por sua vez, na filosofia escolástica, virtual é o que existe

em potência e não em ato. Para Lévy (1996), o real e o virtual não são opostos. Ele

acredita que

[...] o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. (p.16).

Por sua vez, a atualização é a solução de um problema que estava ali, antes

mesmo de percebermos. Lévy (1996) acrescenta que ela é a “invenção de uma forma

a partir de uma configuração dinâmica de forças e finalidades” (p. 16). Sendo assim,

para ele, o real assemelha-se ao possível, mas com a diferença de ja “existir”. Logo,

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o real e o possível são semelhantes, e por sua vez o atual não se iguala ao virtual,

mas sim o responde.

Tendo-se deixado claro que o real, ou a realização, é a ocorrência de um

estado estabelecido, e o atual, ou a atualização, é a solução de um problema – mesmo

que não percebido – a virtualização pode ser considerada a inversão da atualização

(Lévy, 1996). O autor ainda acrescenta que a

[...] virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático. (p. 17).

Em termos práticos, a virtualização possui uma significação ainda maior.

Desde o advento da sociedade da informação, inúmeras invenções foram criadas e

inseridas em nossa rotina. E é válido ressaltar que a maior parte dessas invenções

vieram a partir da invenção e evolução do computador. Ou seja, todas, de alguma

maneira ou de outra, são derivadas do processo de virtualização atual.

4.2.2.1 A sociedade e seu espetáculo

Embora tenha sido desenvolvida décadas antes do fenômeno da pós-

verdade, a teoria da sociedade do espetáculo, de Guy Debord, ajuda a entender como,

atualmente, a verdade vem perdendo valor. Para entendê-la, é necessário

contextualizar o ambiente da época de seu surgimento, o final da década de 1960.

Embora lançada em 1967, foi no ano seguinte, 1968, que a teoria se mostrou

ainda mais real. Nesse ano, mais precisamente no mês de maio, uma grande onda de

protestos tomou a França. Manifestações estudantis, com intuito de melhorias no setor

educacional, e greves de trabalhadores estremeceram o governo do então presidente

francês, Charles de Gaulle. O movimento que se iniciou no dia 03 de maio – após o

fechamento das portas da Universidade de Paris no dia anterior, quando estudantes

de várias instituições se reuniram para protestar – só teve fim no dia 30 do mesmo

mês, quando o presidente francês anunciou novas eleições para o mês seguinte, que

acabaram elegendo, da mesma forma, aliados de seu governo. Entretanto, é

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importante ressaltar que nesse intervalo de dias, as ruas da capital francesa tornaram-

se palco de batalhas campais entre os manifestantes e as autoridades.

Debord esteve muito envolvido com os grevistas nesse período, inclusive com

a fundação do grupo Internacional Situacionista, que se dedicava a criticar aquilo que

eles chamavam de sociedade do espetáculo. Essa sociedade era mediada por

imagens, influenciada pela lógica do intercâmbio mercantil e de como ele influenciou

toda a vida cotidiana.

O autor critica de forma contundente a maneira como a sociedade se rendeu

ao culto da imagem, ao consumo e, sobretudo, à invasão da economia em todas as

esferas da vida. Debord (1997) diz que “Toda a vida das sociedades nas quais reinam

as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de

espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (p. 13)

[grifos do autor].

Essas representações eram fruto do imediatismo da sociedade que

adquiriram autonomia e faziam das pessoas meros espectadores. Dessa forma,

conforme Debord (1997), o espetáculo se firma não apenas como o resultado, mas

também como modo de produção existente, impossibilitando a separação abstrata

entre espetáculo e atividade social. Ele explica que

O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. (DEBORD, 1997, p. 15).

E de que forma isso se encaixa na sociedade pós-moderna do novo milênio

e, principalmente, na época de pós-verdade atual? Hoje em dia as aparências estão

sendo mais levadas em conta do que a realidade. E elas estão sendo tão validadas,

confirmadas e reproduzidas que estão se tornando reais.

A sofisticação do capitalismo mudou o modo como o homem vive, convive e

se comunica. Agora, a produção da informação se tornou tão habitual, que muitas

vezes se tornou até banal. O processo do “fazer jornalismo”, que sera melhor

abordado no próximo capítulo, perdeu etapas e qualidade, sendo assim, o resultado

não poderia ser outro: muitas vezes o real se ausenta, as aparências tomam conta e

a verdade perde seu valor, dando espaço a inverdades e opiniões pessoais.

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4.2.2.2 Simulacros e simulações

Até que ponto vivemos a realidade e não uma simulação? E se essa possível

simulação vivida, na verdade, for um produto criado pela mídia? É esse

questionamento que o professor e sociólogo Jean Baudrillard faz à sociedade, ainda

no início da década de 1980. E talvez, nos dias atuais, esse questionamento se faça

ainda mais presente e relevante. Afinal, é necessário que se entenda se toda essa era

de pós-verdade em que a sociedade está inserida é parte da realidade ou uma

simulação coletiva.

Para Baudrillard (1991),

O real é produzido a partir de células miniaturizadas, de matrizes e de memórias, de modelos de comando – e pode ser reproduzido por um número indefinido de vezes a partir daí. Já não tem de ser racional, pois já não se compara com nenhuma instância, ideal ou negativa. É apenas operacional. Na verdade, já não é o real pois já não está envolto em nenhum imaginário. É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem atmosfera. (p. 8).

O autor acredita que a sociedade, desde o final do século passado, está

vivendo apenas uma representação do real, sendo que “verdadeira” realidade já não

existe mais. E a principal responsável por esse fenômeno é a influência da mídia. De

maneira geral, o autor defende que os símbolos têm mais relevância que a realidade,

influenciando de maneira muito mais ativa a vida e a rotina do homem. Mas até que

ponto essas representações do real, criadas por símbolos, se aproximam de fato da

realidade? É a partir dessas simulações malfeitas que surge o conceito de simulacro,

que é nada mais nada menos que a realidade distorcida. Baudrillard (1991) afirma que

os tais simulacros acabam por agradar e atrair mais o espectador do que o próprio

objeto reproduzido de forma alterada.

Nesse ponto, pode-se fazer uma relação da sociedade do espetáculo de

Debord (1997) com os simulacros. O culto à imagem, que a sociedade tanto prega e

vive tão profundamente, tomou proporções tão grandes que, de fato, para o homem,

ela tornou-se real, já que agrada e distrai muito mais do que a verdade.

E como dito anteriormente, para Baudrillard (1991), esse simulacro surge a

partir das informações que chegam até a população, afinal, ela precisa de um ponto

de partida. E, obviamente, quem repassa as informações é a mídia:

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Em toda parte é suposto que a informação produz uma circulação acelerada do sentido, uma mais-valia de sentido homólogo à mais-valia económica que provém da rotação acelerada do capital. A informação é dada como criadora de comunicação, e apesar do desperdício ser enorme, um consenso geral pretende que existe, contudo, no total, um excesso de sentido, que se redistribui em todos os interstícios do social — assim como um consenso pretende que a produção material, apesar dos seus disfuncionamentos e das suas irracionalidades, resulta ainda assim num aumento de riqueza e de finalidade social. Somos todos cúmplices deste mito. É o alfa e o ômega da nossa modernidade, sem o qual a credibilidade da nossa organização social se afundaria. Ora o facto é que ela se afunda, e por este mesmo motivo. Pois onde pensamos que a informação produz sentido, é o oposto que se verifica. (p. 104) [grifos do autor].

E ainda complementa (1991),

Assim a informação dissolve o sentido e dissolve o social numa espécie de nebulosa votada, não de todo a um aumento de inovação mas, muito pelo contrário, à entropia total. Assim, os media são produtores não da socialização mas do seu contrário, da implosão do social nas massas. (p. 106).

E agora em pleno século XXI, com todas as novas tecnologias surgidas e com

a democratização da informação, que será abordada brevemente no próximo capítulo,

a teoria das simulações e dos simulacros se torna mais presente e verdadeira. Quando

Baudrillard a desenvolveu, o mundo recentemente havia entrado na era pós-moderna

para alguns autores — e para outros, a pós-modernidade ainda nem havia chegado

—, logo, o acesso à informação era muito mais limitado. O pensamento do mundo

como um todo evoluiu, entretanto ainda nota-se, e talvez até mais do que há três

décadas, a necessidade do ser humano em aceitar uma “realidade” paralela, que não

vai ao encontro com a verdade, para assim, ter uma vivência mais prazerosa, de

acordo com seus ideais.

Dessa forma, o conceito de pós-verdade torna-se cada vez mais difícil de ser

refutado. Mesmo sendo um fenômeno recente, sua base é encontrada em teorias do

passado, que, por sua vez, se estabeleceram ainda mais tornam-se cada vez mais

relevantes, levando em conta os acontecimentos recentes.

4.3 A PÓS-VERDADE NA SOCIEDADE

Agora, com todas as teorias que levaram a sociedade ao momento da pós-

verdade explicadas, fica mais fácil compreender sua presença e a incapacidade do

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homem de desprender-se dela. E talvez, seja esse o ponto mais preocupante: por que

o homem se recusa a aceitar a verdade e prefere, muitas vezes, viver em uma

mentira?

Em uma reportagem publicada em abril de 2017, no Jornal Opção, intitulada

“A crise do jornalismo na era da pós-verdade”, o jornalista Marco Nunes Carreiro,

aborda o texto de Steve Tesich, mencionado anteriormente, e explica como a mentira,

ou a verdade mal contada, é um conforto para a sociedade, que, dessa forma não

precisa encarar a verdade nua e crua. No texto, Tesich comenta como os norte-

americanos reagiram à grande quantidade de informações verdadeiras que vieram à

tona com a revelação do caso Watergate13 (Figura 6). Os estadunidenses passaram

a associar a verdade a notícias ruins (Carreiro, 2017). Logo, conhecer a verdade

inteira passou a causar desconforto ao invés de alívio.

Figura 6 – Capa do jornal “The Sun” anunciando a renúncia de Nixon

Fonte: El Economista (2018).

13 Espionagem a mando de Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos na época, ao Partido Democrata durante a campanha eleitoral de 1972, ao qual ele tentava a reeleição. Mesmo com as suspeitas, Nixon foi reeleito com ampla margem de votos. Entretanto, precisou renunciar dois anos depois, após a comprovação e revelação do caso. Ele leva esse nome, pois os escritórios dos Democratas estavam localizados no conjunto de edifícios Watergate. Disponível em: <http://educacao.globo.com/artigo/watergate-e-o-impeachment-de-nixon.html>. Acesso em 30 de maio de 2018.

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E foi dessa necessidade em não encarar a verdade que nasceu o conceito de

fake news, como será abordado no capítulo seguinte. Os boatos, sejam eles virtuais

ou não, foram uma maneira que a sociedade encontrou de se precaver dos choques

causados pela verdade estampada nas capas de jornais. Isso ajuda a explicar o que

Keyes (2004) afirma: que o ato de enganar a si próprio tornou-se um hábito com o

passar do tempo. Hoje, independentemente do motivo, valores como a ética e a

verdade perderam seu espaço para a sensação de bem-estar social, mesmo que essa

sensação esteja ligada a inverdades, calúnias e mentiras.

Isso expõe o mundo a outro fato. Na mesma medida em que a mentira tem

seu valor acrescido, na contramão, a verdade é desdenhada (KEYES, 2004). Logo, a

“disputa” torna-se injusta, levando em conta que, além da mentira ser mais atrativa, a

verdade já não ocupa o lugar de destaque que costumava ocupar na sociedade. E

isso causa consequências significativas para a área da comunicação, que precisa ser

reinventada, na era das fake news, mas sem perder seus princípios e, sobretudo, a

ética no exercício da profissão.

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5 O JORNALISMO E AS FAKE NEWS

Assim como a sociedade da pós-verdade, a expressão fake news é um

conceito relativamente novo. Entretanto, principalmente a partir do último semestre de

2017, ela vem tendo um amplo destaque na mídia e no convívio da sociedade. Mas o

que significa esse termo? Fake news é um neologismo usado para referir notícias

fabricadas, ou seja, notícias que não são verdadeiras. O termo originou-se nos meios

tradicionais de comunicação, mas, atualmente, seu maior meio de divulgação se dá

pela mídia online, sobretudo nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e aplicativos

de comunicação, como o Whatsapp. Este tipo de notícia, encontrada em meios

tradicionais, mídias sociais ou sites “especializados” em notícias falsas, tem pouca ou

nenhuma base na realidade, mas é apresentado como factualmente verdadeiras.

Segundo Gomes e Mazzeti (2015, p. 4),

As falsas notícias pertencem a um fenômeno denominado em inglês “fake news”, que agregam situações conhecidas ou compartilhadas na esfera pública à confecção de conteúdos que compõem narrativas de eventos que não ocorreram, mas “com a presença de dados reais tais como data, locais, pessoas...”.

Ela vem sendo tão amplamente discutida e ganhando tanta relevância, que

nos últimos doze meses, a procura pela expressão em mecanismos de busca da

internet quadriplicou. Conforme a ferramenta Google Trends, responsável por medir a

frequência de pesquisa de termos na web, o seu crescimento é significativo e vem

mantendo-se em alta, sem mostrar grandes quedas, desde fevereiro de 2018 (Figura

7). O período selecionado de pesquisa, foi do dia 04 de junho de 2017 ao dia 27 de

maio de 2018.

Figura 7 - Procura pelo termo fake news no Google

Fonte: Google Trends (2018).

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E obviamente, com tanta relevância na mídia online, os boatos virtuais

surgidos por meio das fake news, também passaram a ter importância na vida fora da

rede, muitas vezes tendo consequências grandes na vida da sociedade. Existem

diversos exemplos de rumores propagados por meio da internet que tiveram grandes

consequências fora dela. Em maio de 2014, por exemplo, um boato levou à morte da

dona de casa Fabiane Maria de Jesus. Ela foi morta devido a um rumor surgido, que

associava Fabiane ao sequestro de crianças com o intuito de praticar rituais de magia

negra14. A fake news foi gerada em uma página do Facebook. E, é neste ponto, que

“jornalismo”, ou seja, sua pratica malfeita, passa a ser uma artificio de quem cria

notícias falsas.

5.1 JORNALISMO

Resultado direto da sociedade da pós-verdade - momento em que as

emoções e convicções do indivíduo passaram a ter mais valor que os fatos reais - as

fake news deixaram de ser parte do entretenimento do público, mesmo que sendo um

entretenimento de gosto duvidoso, e passaram a serem métricas da verdade. Os

fatores que as levaram a se tornarem um “sucesso”, em muito tem a ver com a vontade

da sociedade em ler o que lhe agrada, mesmo que não condiga com o real. O

jornalismo, sendo o responsável por informar a verdade, independentemente de

gostos ou ideologias, acaba sendo afetado por isso. Então, destaca-se o

questionamento: qual a responsabilidade do jornalismo e do profissional que o exerce

nesse mundo de fake news?

É necessário que se faça uma reflexão sobre o jornalismo e o papel que ele

assumiu desde o início da sua história. Ele, em seu conceito popular, é a atividade

profissional que consiste em lidar com notícias, dados factuais e sua divulgação para

a sociedade. Isso envolve diferentes práticas, como a coleta, a redação, a edição e a

publicação de informações sobre os mais variados assuntos. Ele é um dos pilares da

área de comunicação.

Mesmo que na prática, a profissão contemple o que foi mencionado acima,

ainda é muito discutido a base epistemológica do jornalismo na comunicação. Essa

14 Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html>. Acesso em 09 de junho de 2018.

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discussão ocorre em função de que, dependendo da perspectiva, ele desempenha

papéis diferentes. Machado (2004) defende que são três essas funções:

a) jornalismo como prática profissional: é a mais popular entre as três. Se

encaixa na visão geral que a sociedade tem do jornalismo e tem como base as práticas

utilizadas em seu exercício, como a coleta, a redação, a edição e a publicação de

informações;

b) jornalismo como objeto: permite que o jornalismo “tendo na pratica

jornalística um objeto legítimo necessita para a sua plena compreensão o

desenvolvimento de metodologias próprias, adaptadas às suas demandas

particulares” (MACHADO, 2004, p. 2). Ou seja, tem o jornalismo como um objeto de

estudo;

c) jornalismo como campo especializado de ensino: estabelece que a

aprendizagem do jornalismo, por técnicas de ensino, depende do desenvolvimento de

metodologias que permitam o repasse de suas teorias por meio de seus docentes aos

futuros profissionais. Nota-se como a segunda função exerce um importante papel

para isso.

Entretanto, uma confusão epistemológica, que durou até metade do século XX,

impediu que o jornalismo desempenhasse todas essas funções. Para grande parte da

sociedade, inclusive para algumas instituições de ensino, o jornalismo era visto

apenas como prática, relegando os outros dois campos.

Mas, independentemente da função como o jornalismo é apresentado, seja

como prática, objeto de estudo ou campo de ensino, todas elas possuem o mesmo

objetivo. Ele trata de transmitir diferentes discursos, construindo narrativas e criando

relações entre as pessoas. Porém, para que isso seja possível e feito de maneira fiel

e ética, é necessário que haja um processo estruturado por trás da criação de notícias.

A análise e apuração dos fatos é essencial para que a prática jornalística seja

realizada de modo correto, como afirma Sodré (2009):

E esta forma de captação e comunicação do fato é uma dessas estratégias cuja mitologia liberal-mercadológica costuma fazer esquecer os procedimentos retóricos e imaginosos que presidem à construção do acontecimento. Não se trata de manipulações deliberadas, nem de mentiras, mas de interpretações que podem muitas vezes lançar mão de recursos típicos da ficção literária, com vistas à criação de uma atmosfera semântica mais compreensiva. Apesar de sua aposta histórica no esclarecimento neutro, a notícia não prescinde, em termos absolutos, do apelo à carga

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emocional contida nos estereótipos que derivam das ficcionalizações ou dos resíduos míticos. (p. 16).

Portanto, pode-se notar como as fake news falham no momento de transmitir

a notícia. Logo, elas não possuem relevância como prática jornalística, já que os fatos

não são apurados e quando muito são, normalmente de maneira falha, ignorando a

realidade e prezando por atender a carga emocional de quem escreve e de quem lê.

5.1.1 Evolução do jornalismo

Para entender como o jornalismo se desenvolveu, foi reconhecido em outros

campos e, principalmente, chegou ao que é hoje – incluindo pontos como a

democratização de informações e presença de fake news – primeiramente é

necessário entender a sua história e evolução até hoje. O primeiro vestígio de

jornalismo de que se tem conhecimento data de 59 a.C. na Roma Antiga. O Acta

Diurna, como era denominado, era um desejo do imperador Júlio César de levar a

população informações sobre os fatos sociais e políticos que ocorriam no império. As

notícias eram colocadas em grandes placas brancas expostas em locais públicos e

cumpriam a função de informar à sociedade romana os principais acontecimentos e

notícias.

Entretanto o jornalismo como conhecemos começou a ser desenvolvido

apenas em meados do século XV, com a invenção de Johannes Gutenberg. O inventor

alemão foi o responsável pelo desenvolvimento do sistema mecânico de tipos móveis.

A imprensa, ou máquina de impressão tipográfica, como também é conhecida, foi a

responsável por dar início à Revolução da Imprensa. O dispositivo técnico era capaz

de reproduzir palavras, frases, textos e até mesmo livros inteiros por meio de

caracteres ou tipos móveis (FERNANDES, 2017). Foi a sua invenção que permitiu a

circulação dos primeiros periódicos, surgidos na Europa Ocidental, como o Avisa

Relation oder Zeitung15, surgido na Alemanha em 1609 e o London Gazette16, lançado

em 1665. Esse último está em circulação até hoje, com notícias do Judiciário inglês.

15 Publicado na cidade de Wolfenbüttel, na Alemanha. O autor das primeiras impressões foi Lucas Schulte, e os jornais continham notícias coletadas em vários países e datavam o dia 15 de janeiro de 1609. 16 Jornal mais antigo do Reino Unido que ainda está em circulação. Sua primeira publicação data de 7 de novembro de 1665.

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Já no século XIX, mais precisamente em 1844, o jornalismo sofreu mais uma

“revolução”. Com a invenção do telégrafo, a maneira como as notícias passaram a

circular se tornou muito mais facilitada. Desse modo, o jornal tornou-se o principal

veículo de informação da época. O que só veio a mudar no século XX com a invenção

do rádio na década de 20 e da televisão na década de 40. Traquina (2005) atribui a

diversos fatores sociais a expansão que o jornalismo passou, entre elas, a principal é

a escolarização da sociedade e o processo de urbanização, intensificando o

crescimento de futuras metrópoles.

A partir da década de 90, com o advento da internet na Era da Informação, o

jornalismo precisou reinventar-se novamente, como explica Silva (2012, p. 2),

Atualmente, no século XXI, vivemos uma nova revolução no jornalismo devido a Era da Informação e do Conhecimento, que exige uma série de novas transformações e adaptações dos antigos meios de comunicação ao mesmo tempo em que abre novas perspectivas como o jornalismo on-line.

Entretanto, é válido ressaltar, também, que a expansão da imprensa, como

um todo, se deu muito pela conquista de direitos que a sociedade veio conquistando

com o passar do tempo. Portanto, os jornais passaram a ser fundamentais como meio

de denunciar e tornar público o que a sociedade enfrenta, em diversos âmbitos

(SILVA, 2012). O jornalismo, e a mídia em si, ocupam um papel tão importante que,

atualmente, são chamados de o Quarto Poder (SODRÉ, 1999), ideia surgida a partir

da metade do século XIX como um recurso que a sociedade criou para fiscalizar os

abusos cometidos pelos três poderes originais – Executivo, Legislativo e Judiciário.

5.1.2 Falsos gêneros jornalísticos

Com a expansão do jornalismo, ele também tornou-se popular. E com sua

popularização, grande alcance e, sobretudo, busca por ganhos financeiros por meio

da divulgação de informações, o jornalismo perdeu grande parte da sua qualidade em

alguns veículos. A partir disso, surgiram termos que designam essa espécie de

jornalismo que, antes de procurar entregar a verdade à sociedade, busca se promover

e impressionar o público por meio do apelo emocional, da barbárie e de informações

fora de contexto.

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5.1.2.1 Sensacionalismo

Sensacionalismo geralmente é a primeira palavra que a maior parte da

população utiliza para descrever uma notícia ou veículo de informação de caráter

duvidoso. Mas o que é, de fato, o sensacionalismo? Segundo o dicionário online

Michaelis17, sensacionalismo é “uso, efeito e divulgação de notícias exageradas ou

que causem sensação, que choquem o público, sem nenhuma preocupação com a

verdade”. Entretanto, é necessário melhor caracterizar o termo quando aplicado ao

jornalismo.

Segundo Pedroso (1983), o discurso sensacionalista é uma maneira de se

produzir conteúdo com fatos atuais de maneira intensificada, apelativa, acrescentando

ou subtraindo informações ou retirando-as do contexto. De forma prática, uma notícia

sensacionalista busca tornar sensacional um fato que não merece importância ou um

tratamento tão elaborado, e é assim noticiado apenas para que gere engajamento e

comoção do público.

Para Angrimani (1994, p.16)

[...] sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com qualquer fato e a “notícia” é elaborada como mero exercício ficcional. O termo “sensacionalista” é pejorativo e convoca uma visão negativa do meio que o tenha adotado.

Embora, de modo geral, um veículo que tenha o sensacionalismo como sua

bandeira, mesmo que de forma velada, perca sua credibilidade, ou pelo menos a tenha

abalada, ainda assim ele é a preferência de uma parcela da sociedade. Em tempos

de pós-verdade, a espetacularização da informação, muitas vezes em conformidade

com a preferência do público, faz com que ele seja a audiência que o veículo

sensacionalista necessita.

17 Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/sensacionalismo/>. Acesso em 05 de dezembro de 2017.

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5.1.2.2 Fait Divers

De origem francesa, a expressão fait divers é utilizada para identificar fatos

que somente se tornam notícias de “relevância” para os veículos de comunicação por

serem curiosas e/ou inusitadas.

Embora sejam sucesso na era digital, sobretudo nas redes sociais, onde são

compartilhadas e repassadas inúmeras vezes, os fait divers não são um fenômeno

recente. Presentes nos jornais impressos desde o século passado, de mão dadas com

o sensacionalismo, serviam como chamariz para o público. Um dos pontos que

chamavam a atenção dos leitores era o fato de os personagens da notícia não serem

celebridades, mas sim pessoas comuns, como os próprios leitores, passando por

situações inusitadas (Figura 8).

Figura 8 – Manchete de matéria com cunho fait divers.

Fonte: Portal G1 (2014).

Entretanto, assim como se tornam sucesso, os fait divers são logo

esquecidos. Segundo Barthes (1971), definidor do termo,

[...] não é preciso conhecer nada do mundo para consumir um Fait Divers; ele não remete formalmente a nada além dele próprio; seu conteúdo não é estranho ao mundo: “desastres, assassínios, raptos, agressões, acidentes, roubos, esquisitices, tudo isso remete ao homem, a sua história, a sua alienação, a seus fantasmas, a seus sonhos, a seus medos” (p. 189).

Sem trazer um ganho real ao público, as informações contidas nos fait divers,

impactam apenas por impactar. Diferente das notícias sensacionalistas, esse tipo de

informação não busca comover ou emocionar quem as lê, mas é apenas uma maneira

de chamar a atenção do público, levando-o a um momento de choque ou diversão.

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5.1.2.3 Imprensa amarela

A origem do termo “imprensa amarela” data do final do século XIX. Ela surgiu

durante a disputa entre os jornais New York World, editado por Joseph Pulitzer e The

New York Journal, editado por William Randolph Hearst.

O jornal de Pulitzer, publicado aos domingos e apelidado de “World”, era o

soberano de Nova York. Nele, eram publicados quadrinhos criados por Richard Felton

Outcault sobre o personagem de um menino orelhudo, careca e sorridente. Uma das

principais características deste menino, era uma camisola de dormir amarela que ele

vestia. Inclusive, a peça de roupa servia como balões de fala do personagem. O

“Yellow Kid”, como ficou conhecido, era um sucesso na época.

Assim que Hearst passou a dirigir o “Journal”, ele contratou diversos

profissionais do concorrente, entre eles Outcault, que passou a desenhar o “Yellow

Kid” no concorrente. Contrariado, Pulitzer não abandonou os quadrinhos em seu

jornal. Agora as tirinhas sobre o “Garoto Amarelo” eram publicadas pelo desenhista

George Luks.

Figura 9 – Quadrinhos do “Yellow Kid”

Fonte: Universo Jornalístico (2014).

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Foi então que a disputa pelo “Yellow Kid” e pela liderança de vendas, entre os

dois jornais, começou. Além de usarem e abusarem da imagem do personagem, os

periódicos exageravam nas manchetes e matérias sensacionalistas que visavam

despertar o interesse do público. Aí que surgiu o termo “imprensa amarela”.

Ambos os jornais usavam técnicas que caracterizaram o conceito. Para Frank

Mott (1941) as principais eram:

a) uso de manchetes escandalosas em letras garrafais, geralmente nas cores

preto ou vermelho e quase sempre distorcendo notícias sem relevância;

b) uso abusivo de ilustrações, na maior parte das vezes inadequadas;

c) fraudes, que incluíam fontes e histórias falsas

d) quadrinhos coloridos;

e) campanhas contra abusos sofridos pela sociedade, fazendo do jornalista

um herói a serviço da população.

De acordo com Angrimani (1994), o sucesso da disputa e do interesse por

parte do público se deu devido ao fato de haver tão pouco entretenimento na época,

que uma “batalha” entre dois grandes jornais era um acontecimento. Além disso, os

jornais impressos eram a principal fonte de informação e alcançavam tiragens

gigantescas:

Era um mundo ainda sem TV e com poucas alternativas de lazer. Os jornais tinham circulações espantosas para a época. Antes da virada do século, os jornais de Pulitzer e Hearst alcançavam tiragens de até um milhão de exemplares/dia. (p. 21).

Embora tenha tido pouca duração, por volta de 10 anos, a imprensa amarela

tornou-se referência quando se busca fazer um jornalismo sensacionalista.

5.1.2.4 Imprensa marrom

O termo “marrom” surgiu na França, ainda no início do século XIX. Ele significa

algo ilegal, sujo, clandestino e, conforme o Dictionnaire des Expressions et Locution

Roberts, deriva do adjetivo cimarron, que se aplicava aos escravos fugidos ou em

situação ilegal (ANGRIMANI, 1994). Assim, a expressão “imprensa marrom” é

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utilizada quando suspeita-se que não haja credibilidade em uma publicação ou

veículo.

No Brasil, a primeira insinuação à imprensa marrom surgiu em 1959, em uma

reportagem do jornal Diário da Noite. Escrita pelo jornalista Alberto Dines, a manchete

dizia “Imprensa amarela leva cineasta ao suicídio”. Porém o chefe de reportagem do

periódico, Calazans Fernandes, achou o amarelo uma cor muito amena, e sugeriu que

a trocasse por marrom. Assim, surgiu a primeira denúncia contra a imprensa marrom

no país.

5.1.3 Webjornalismo

O jornalismo passou por diferentes etapas durante sua história. Teve

momentos de auge no impresso, no rádio e na televisão. Atualmente, sua evolução o

levou até o meio digital, fazendo do webjornalismo, ou jornalismo online, um dos

maiores meios de expressão da prática jornalística e, também, um dos mais

acessíveis.

Apesar de hoje ser uma das bases de informação para qualquer indivíduo, o

webjornalismo também passou diferentes fases até chegar ao produto de hoje. A sua

primeira fase engloba a época em que o conteúdo produzido pelos meios digitais era

apenas cópia do que já havia sido divulgado anteriormente em outros meios.

Nenhuma potencialidade era incluída e tudo era “mais do mesmo”. De acordo com

Canavilhas (2007), a mídia impressa fora a primeira a aderir a esse modelo, seguida

pelo rádio e pela TV.

A segunda fase ainda é bem semelhante com a primeira. Entretanto, aqui

surgem, surgem as primeiras tentativas de produzir um conteúdo diferenciado. Links,

fotos e vídeos começaram a ser incorporados nas matérias, porém ainda de maneira

limitada e sem grandes diferenciais (CANAVILHAS, 2007).

A primeira grande evolução do webjornalismo surgiu na terceira fase,

momento em que os veículos perceberam que o digital era um meio independente e

começaram a produzir matérias exclusivamente para internet. A criação de uma

linguagem própria para o meio online e a incorporação de características como

multimidialidade, interatividade, personalização de conteúdo, hipertextualidade e

interatividade mudaram a forma como o jornalismo online era visto, e passaram a

traçar o futuro desse meio, segundo Canavilhas (2007).

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A quarta fase representa a incorporação da base de dados no jornalismo

digital. Dessa forma, os usuários têm acesso a conteúdos referentes e relevantes com

sua pesquisa, auxiliando no consumo da informação. Essa funcionalidade passou a

servir como um depósito de dados. Barbosa (2007) destaca que a base de dados é

“[...] um complexo de armazenagem de formas culturais que pode servir, inclusive,

para criar novos gêneros e narrativas nas mais distintas areas” (BARBOSA, 2007, p.

131).

O avanço da tecnologia nos últimos anos permitiu ao ser humano uma forma

de conectar-se com o outro, de maneira nunca vista antes. E, claramente, essas

mudanças também surtiram efeito no webjornalismo, que, nos dias de hoje, passa por

sua quinta fase. A partir da ascensão dos dispositivos móveis, o jornalismo digital

encontrou a sua disposição outra forma de fazer-se presente na sociedade, por meio

do uso de aplicativos. Essa funcionalidade além de permitir o consumo da informação

de maneira muito mais fácil e ampla, também possibilita uma nova forma de produzir

conteúdo, totalmente personalizada e focada neste tipo de uso (CANAVILHAS;

SATUF, 2014). O usuário tem à sua mão a informação que lhe interessa, do modo

como ele deseja. Importante ressaltar que, embora inicialmente as notícias dos

aplicativos fossem apenas reproduções do meio online – assim como a primeira fase,

que também só reproduzia conteúdos – agora, ele passou a ser visto como um meio

diferenciado e com potencial.

Como visto, cada fase do webjornalismo acrescentou diferentes e importantes

características ao meio. Desde a hipertextualidade, surgida na segunda fase, até o

princípio da ubiquidade, nesse momento que a sociedade vive, cada uma delas

permite ao webjornalismo diferenciar-se das outras práticas, além de permitir uma

experiência única para o usuário. De acordo com Canavilhas, (2014) são sete as

principais características que distinguem o jornalismo online:

a) hipertextualidade: é um texto não-linear e interativo, que, claramente, tem

como suporte um computador. Dessa forma, é possível disponibilizar

diversos conteúdos complementares ao texto principal, que irão dar suporte

ao leitor no entendimento da matéria, além de explanar diversos outros

pontos referentes. Isso também dá ao leitor o poder de decidir de que forma

o material será consumido. Segundo Canavilhas (2014), o texto na web

permite uma estrutura informativa ligada através de hiperligações,

transformando-se assim, em um hipertexto;

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b) multimidialidade: maneira de apresentar diferentes formatos de

informações. Segundo Salaverría (2014), os elementos que compõem a

multimidialidade são o texto, a fotografia, os gráficos, iconografia e

ilustrações estáticas, vídeo, animação digital, discurso oral, música e a

vibração;

c) interatividade: assim como o hipertexto, a interatividade dá poder ao leitor

para decidir como ele quer ler e se sentir parte do processo de produção do

conteúdo. De acordo com Rost (2014), a interatividade permite não apenas

esse poder quanto ao conteúdo, mas também uma maneira de se relacionar

com os outros indivíduos.

d) memória: assim como a memória humano, quando se fala sobre memória

no webjornalismo, é o local em que é possível resgatar os materiais

anteriormente publicados. São os históricos dos blogs e portais de notícias;

e) instantaneidade: essa característica se refere à rapidez com a qual as

informações são divulgadas. Entretanto, nem sempre isso contribui de

forma benéfica para o jornalismo em si. Bradshaw (2014) ressalta que

muitas vezes essa velocidade com a qual as notícias são propagadas por

seus leitores dificulta a questão editorial em decidir o que de fato tem grande

apelo;

f) personalização: é a forma como um conteúdo pode ser apresentado de

diferentes maneiras, de acordo com as características de seus leitores. É

um modo de alcançar e cativar o público;

g) ubiquidade: o princípio da ubiquidade é ser encontrado em qualquer lugar.

Para Pavlik (2014, p. 160) “no contexto da mídia, ubiquidade implica que

qualquer um, em qualquer lugar, tem acesso potencial a uma rede de

comunicação interativa em tempo real”. Dessa forma, além de todos

poderem ter acesso à informação independentemente de hora e local, é

também possível que todos participem e contribuam para informação.

A ubiquidade pode ser considerada uma das responsáveis por essa onda de

propagação de fake news que a sociedade está enfrentando no momento. Com a

facilidade de acesso ao conteúdo web, e, principalmente, a produção de conteúdo

para esse meio, não é mais necessário o jornalista como intermediário da profissão.

As informações estão presentes em todos os lugares, independentemente desse

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intermédio. Entretanto, é importante ressaltar que, embora em grande volume, essas

informações não possuem a checagem necessária e muito menos a imparcialidade

de um jornalista, o que pode comprometê-las e muitas vezes transformá-las em fake

news.

5.2 DISSEMINAÇÃO DAS FAKE NEWS

Mas o que leva os veículos a publicarem notícias falsas? Dentre os diversos

motivos, que incluem o mau exercício do jornalismo e profissionais desqualificados,

por exemplo, o lucro e o partidarismo são os que mais se destacam. Kiuchi, Pereira e

Moreira (2017) abordam isso:

Alguns veículos optam por faltar com a verdade em troca de mais audiência, propagando nas redes sociais digitais notícias mentirosas, que logo, geram discursos de ódio em diversas plataformas e em fração de segundos atingem uma quantidade imensurável de pessoas. (p. 3).

Isso mostra que muitos desses atos são cometidos pelos próprios

profissionais da área de comunicação, de forma intencional. Entretanto, muitas vezes

a prática das fake news por jornalistas, também se dá pelo exercício desqualificado

da profissão. Vive-se, atualmente, em um mundo onde tudo é instantâneo, onde as

relações tornaram-se líquidas (BAUMAN, 2001) e se tudo não for noticiado

imediatamente perde seu valor como notícia. A urgência na divulgação da informação

acaba deixando de lado um pressuposto básico e extremamente necessário: a

apuração dos fatos. “A falta de apuração de uma matéria, devido à pressão para ser

o primeiro a dar a notícia, pode levar à perda de informação, à distorção dos fatos, e

muitas vezes à publicação de mentiras [...]”, comentam Silva, Luce e Silva Filho (2017,

p. 5).

Outro grande fenômeno que facilita a disseminação de informações falsas é

a expansão das redes sociais e dos aplicativos de telecomunicação, principalmente

Facebook, Twitter e o WhatsApp, como dito anteriormente. Todas essas ferramentas

possuem enorme alcance e penetração entre os usuários ativos na rede,

principalmente, entre indivíduos que estão tendo seu primeiro contato com esse tipo

de tecnologia. Logo, a busca por informação também evoluiu. Segundo a Pesquisa

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Brasileira de Mídia de 201618, a internet é o segundo maior meio pelo qual as pessoas

costumam se informar.

Com todas essas mudanças ocorridas na maneira de divulgar informações,

os veículos precisaram adaptar-se aos meios de publicação e compartilhamento de

notícias. Até mesmo a linguagem com que se comunicavam com o público precisou

sofrer alterações, além de necessitar desenvolver novas técnicas para chamar a

atenção. Foi dessa maneira que muitos veículos se desvirtuaram e começaram a usar

do artifício das fakes news para alcançar notoriedade. Ainda há veículos que surgiram

exatamente neste momento apenas com a intenção de propagar notícias falsas, seja

por lucro ou para espalhar boatos conforme suas ideologias. Kiuchi, Pereira e Moreira

(2017) analisam que a “aposta” de quem faz um título mais sensacionalista é que a

sociedade inseriu-se nesse contexto de pós-verdade:

Nesse pensamento de ‘que título podemos fazer para que este receba mais destaque que os demais’ iniciou-se uma guerra entre os veículos de comunicação para garantir a sobrevivência e garantir o clique o navegador da internet. (p. 5)

Voltando ao ponto em que a população também tornou-se responsável pela

divulgação de informações, esse processo teve início com a chamada democratização

da mídia. É possível inferir, de modo simplificado nesse momento, que a mídia tornou-

se mais democrática, ou seja, alcançou mais pessoas e também foi mais alcançada.

Efeito disso, é a maior discussão e proposta de pautas, bem como a própria produção

de conteúdo, além da entrega muito mais rápida e facilitada, mas, também, mais

econômica. Assim, o custo da informação, se dilui. Isso, claro, devido ao grande

potencial que a internet nos oferece, por meio de redes sociais, fóruns e outros meios

(LIMA, 2014).

5.2.1 Fact-checking

Na contramão da onda de propagação das fake news, outro fenômeno vem

tomando forma: o fact-checking, ou seja, a checagem dos fatos. Projetos compostos

18 A Pesquisa Brasileira de Mídia – PBM – é um levantamento que busca conhecer os hábitos de consumo de mídia da população brasileira, a fim de subsidiar a elaboração da política de comunicação e divulgação social do Executivo Federal. Disponível em: <http://pesquisademidia.gov.br/#/Geral/details-917>. Acesso em 31 de maio de 2018.

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por grandes plataformas do meio digital e por agências de checagem são

responsáveis por averiguar se as informações noticiadas nos meios de comunicação

são de fato verdadeiras.

Como surgiu essa prática? De acordo com a Agência Lupa19 – agência

brasileira de checagem de fatos –, em 1991, durante as eleições norte-americanas, o

jornalista Brook Jackson, da CNN dos Estados Unidos, ficou responsável por checar

se as informações ditas pelos candidatos à presidência eram verdadeiras. Com esse

propósito, Jackson criou a “Ad Police”, primeira equipe especializada em checar

propaganda eleitoral. Anos mais tarde, em 2003, o jornalista, estimulado pelo sucesso

de seu primeiro projeto, criou o primeiro site de checagem de fatos, o FactCheck.org20,

que está em funcionamento até hoje. Desde então, a iniciativa de testar a veracidade

de notícias, sobretudo na internet, vem crescendo.

Atualmente, a International Fact-Checking Network (IFCN) é uma das

referências em checagem mundial de notícias. Ela é composta por plataformas de

checagem de todo o planeta que se reúnem em torno do Poynter Institute, um instituto

norte-americano sem fins lucrativos com ênfase no jornalismo. É ela que monitora as

novidades da checagem de fatos e a grande responsável por publicar os mais diversos

artigos sobre o assunto. Ela possui um código de condutas e princípios éticos e

submete seus integrantes a auditorias anuais, disponibilizando um selo verde de

agência verificada. Em 2014, a IFCN tinha cerca de 72 membros, já, em maio de 2018,

o número chegou a 149 membros21. Entre seus membros destaca-se a brasileira

agência Lupa.

A Lupa foi a primeira agência brasileira a inserir-se neste meio e é uma das

mais conceituadas e respeitadas no País. Desde 2015 ela pratica esse trabalho de

checagem, inclusive vendendo a outros sites de notícias. Ela é um modelo de startup,

incubada no site da Revista Piauí, e recebe investimentos da Editora Alvinegra,

responsável por publicar a revista. Além do site e de perfis nas principais redes sociais,

a Lupa também desenvolve o LupaEducação, um programa de treinamento no campo

da checagem de fatos.

19 Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2015/10/15/de-onde-vem-o-fact-checking/>. Acesso em 10 de junho de 2018. 20 Disponível em: <http://www.factcheck.org/>. Acesso em 10 de junho de 2018. 21 Informação colhida do site da Agência Lupa. Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2015/10/15/onde-nos-inspiramos/>. Acesso em 10 de junho de 2018.

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De acordo com o que consta em seu site e nos materiais divulgados pela

agência, existem oito passos essenciais na checagem de fatos, conforme sua

metodologia (Figura 10):

a) leitura de tudo que já foi falado sobre o assunto;

b) busca em banco de dados oficiais;

c) na ausência de informações ou necessidade de informações

complementares ela recorre à Lei de Acesso à Informação22 – lei que

regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas;

d) procura assessorias de imprensa;

e) vai a campo recolher mais informações;

f) fala com especialistas;

g) solicita posição oficial de quem foi checado;

h) publica a checagem dos fatos.

Figura 10 – Print do material disponibilizado pela Agência Lupa para checagem de

notícias

Fonte: Agência Lupa (2017).

Ao publicar o material checado, a Lupa adota etiquetas, que buscam

identificar de forma clara o grau de veracidade das declarações (Figura 11). Elas

22 Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/a-lei-de-acesso-a-informacao>. Acesso em 10 de junho de 2018.

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aparecem nos posts, logo abaixo das frases publicadas, como se fossem carimbos.

Embora sejam escolhidas pelo repórter responsável pelo fact-checking, elas passam

pelo crivo de mais dois editores. As etiquetas são23:

a) FALSO: informação comprovadamente incorreta;

b) CONTRADITÓRIO: contradiz informação dita anteriormente pela mesma

fonte;

c) VERDADEIRA: informação comprovadamente verdadeira;

d) AINDA É CEDO PARA DIZER: a informação pode vir a ser verdadeira;

e) EXAGERADO: houve exagero por parte da fonte;

f) INSUSTENTÁVEL: não há dados públicos que comprovem a informação;

g) VERDADEIRO, MAS: informação correta, porém carece de detalhamento;

h) DE OLHO: etiqueta de monitoramento.

Figura 11 – Print do material disponibilizado pela Agência Lupa referente à

classificação de checagens

Fonte: Agência Lupa (2017).

Embora o trabalho de agências de checagem seja muito importante, outro

ponto necessário para tentar suprimir essa onda de fake news é que o cidadão comum

e principal consumidor de informações na web também saiba identificar, ou ao menos

desconfiar, de notícias duvidosas. Dessa forma, um artigo publicado pela

23 Disponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2015/10/15/entenda-nossos-pinguins/>. Acesso em 10 de junho de 2018.

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FactCheck.org24, em novembro de 2016, busca auxiliar o cidadão comum a desconfiar

de possíveis fake news. Com a intenção de reforçar essa prática, a Federação

Internacional de Associações Bibliotecárias (IFLA da sigla em inglês), criou um

infográfico, em fevereiro de 2018, baseado nesse artigo, para identificar boatos

virtuais. Ele é composto por oito dicas:

a) considerar a fonte: analisar outras postagens do site para entender a

missão e propósito dele;

b) ler além do título: ler a matéria inteira ao invés de levar em conta apenas

o título;

c) checar os autores: verificar se eles realmente existem e desconfiar de

matérias escritas por “Autores desconhecidos”;

d) buscar fontes de apoio: buscar outras matérias relacionadas que possam

ajudar a compreender e dar respaldo;

e) conferir data de publicação: conferir se a história é relevante e atual;

f) desconfiar se é uma piada: caso a notícia pareça muito absurda é válido

pesquisar sobre o site e o autor;

g) rever seus preconceitos: avaliar seus valores para que eles não interfiram

em seu julgamento;

h) consultar especialistas: perguntar a profissionais ou consultar site de

verificações gratuitos.

24 Disponível em: <https://www.factcheck.org/2016/11/how-to-spot-fake-news/>. Acesso em: 10 jun. 2018.

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Figura 12 – Infográfico traduzido da IFLA de como identificar fake news

Fonte: IFLA (2018).

Dessa forma, além do trabalho feito pelas agências de checagem, o próprio

leitor pode realizar sua própria checagem e evitar compartilhar notícias falsas,

diminuindo, assim, seu impacto.

5.2.2 Os tipos de fake news

Embora tenham o mesmo propósito, as fake news não são todas iguais, e

nem produzidas da mesma forma. O First Draft News25, é um projeto que foi criado

com a intenção de checar e averiguar notícias publicadas no meio online. Fazem parte

25 Disponível em: <https://firstdraftnews.org/>. Acesso em 10 de junho de 2018.

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dele grandes empresas do meio online, como o Twitter, o Facebook, o Youtube, o

Google e mais de 40 plataformas digitais de jornalismo e checagem. De acordo com

sua criadora, Claire Wardle (2017), existem sete tipos de notícias falsas. São elas:

a) sátira ou paródia: sem intenção de causar mal, mas com potencial de

enganar;

b) falsa conexão: quando as manchetes, legendas e imagens não

correspondem ao conteúdo da notícia;

c) falso contexto: quando há elementos verdadeiros na notícia, porém

noticiados de forma descontextualizadas;

d) conteúdo enganoso: uso enganoso de um conteúdo usado contra um

indivíduo ou grupo;

e) conteúdo de impostor: quando fontes verdadeiras são forjadas a fim de

produzir conteúdo falso;

f) manipulação de conteúdo: quando informações ou imagens são

manipuladas com o intuito de enganar o público.

g) conteúdo fabricado: notícias 100% falsas, criadas do zero.

Assim como os clickbaits26, seu maior meio de propagação são as redes

sociais digitais. Também são muito disseminadas por meio de portais de notícias e

grupos em aplicativos de comunicação, destacando-se o Whatsapp como um dos

maiores meios de reprodução de notícias falsas. Evento recente no contexto político

nacional deixou claro o quadro a que nos referimos. A chamada “Greve dos

caminhoneiros”, estampou a importância e o protagonismo do Whatsapp como fonte

de disseminação de fake news, evidenciando outro aspecto até recentemente

desprezado: a impunibilidade de seus autores, na medida em que a circulação se dá

em ambientes (grupos) fechados.

26 Conteúdo, de natureza sensacionalista ou provocativa. Seu principal objetivo é atrair atenção e fazer com que o usuário clique no link. Disponível em: <https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/clickbait/21435/>. Acesso em 31 de maio de 2018.

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6 ANÁLISE: A VERDADE E SUAS FACETAS

A análise desta pesquisa é construída em cima de dois tipos de metodologia:

a netnografia e a análise de conteúdo. A primeira se fez presente no período de

seleção de campo de estudo e na escolha dos materiais a serem utilizados. Já a

análise dos conteúdos, de fato, é realizada por meio da AC, amparada em Bardin

(2011). Tendo como princípio base a categorização, foram estabelecidos três

conceitos para análise, a fim de responder à questão norteadora que trata da relação

entre o sucesso das fake news contemporâneas e a dita sociedade da pós-verdade.

Desse modo, a pesquisa está dividida nas seguintes categorias de análise: jornalismo,

pós-verdade e fake news.

Quadro 1 – Elementos de categorização da análise

(continua)

CATEGORIAS ELEMENTOS ANALISADOS

PÓS-VERDADE

A partir da definição de pós-verdade,

buscaram-se termos representativos

que buscaram criar a identidade da ex-

vereadora do RJ Marielle Franco:

Na seleção considerou-se que a pós-

verdade não exige provas: bastam

impressões e sentimentos.

- discriminação social;

- machismo;

- extremismo político.

JORNALISMO

A partir do conceito de jornalismo

buscamos encontrar no corpus

analisado características de:

- sensacionalismo;

- fait divers;

- imprensa marrom;

- imprensa amarela.

FAKE NEWS

A partir do conceito de fake news,

buscamos confirmar características

atribuída à ex-vereadora, confirmando a

aplicação do conceito e ratificando as

- associação ao Comando Vermelho;

- relacionamento com o traficante

Marcinho VP;

- defesa de “bandidos”;

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(conclusão)

subcategorias discriminação social,

extremismo político e machismo:

- oposição a policiais;

- gravidez aos 16 anos.

Ao pesquisar pelo termo “Marielle Franco” no Google, são apresentadas 51

páginas, o que equivale em média à 510 resultados. Isso evidencia como o nome da

ex-vereadora é popular na internet. Ao realizar uma busca mais detalhada, filtrando

por conteúdos em português, postados no último ano, a busca se restringe a 33

páginas, equivalendo em média a 330 resultados.

Para essa pesquisa poder aproximar-se de um resultado o mais fiel possível,

são analisados dois tipos de conteúdo: matérias de portais e blogs de notícias e posts

do Facebook. Os critérios de escolha do material foram: data de publicação, sendo

selecionados materiais publicados no período do dia 14 de março de 2018 a 31 de

março de 2018; relevância, sendo selecionados conteúdos que se referem, ao menos,

a um dos boatos criados a fim de denegrir a imagem de Marielle; e, por último,

disponibilidade, pois, devido à imensa onda de fake news surgidas no período, muitos

sites e páginas em redes sociais foram excluídos, tendo todo seu conteúdo

indisponibilizado. Sendo assim, a filtragem de conteúdo e os materiais escolhidos

estão explanados nos quadros a seguir.

Quadro 2 – Filtragem de conteúdo

(continua) Busca pelo termo

“Marielle Franco”

Filtros Resultados

Primeira busca - Sem filtros. Aproximadamente 510

resultados.

Segunda busca - Postagens datadas de

junho de 2017 a junho de

2018.

- Postagens em

português.

Aproximadamente 330

resultados.

Terceira busca - Postagens datadas de

14 de março de 2018 a 31

de março de 2018.

5 resultados satisfatórios.

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(conclusão)

- Postagens em

português.

- Disponíveis na data de

20 de junho de 2018.

- Postagens relacionadas,

ao menos, a um dos

boatos referentes a

Marielle Franco.

Quadro 3 – Conteúdos analisados

Título / Legenda

Link

Matérias de portais e blogs de notícias

“Vereadora Marielle Franco podia estar envolvida com

Comando Vermelho – Ouça audio”

Disponível em:

<https://portalcm7.com/noticias/brasil/vereadora-

marielle-franco-podia-estar-envolvida-com-

comando-vermelho-ouca-audio/>. Acesso em:

20 jun. 2018.

“Os bandidos devem ser tratados tal como são… como

bandidos! Nada mais!”

Disponível em:

<http://www.direitapolitica.com/os-bandidos-

devem-ser-tratados-tal-como-sao-como-

bandidos-nada-mais/>. Acesso em: 20 jun.

2018.

“Esquerda defende os criminosos... até eles próprios

serem as vítimas”

Disponível em: <http://www.direitapolitica.com/a-

esquerda-defende-os-criminosos-ate-eles-

proprios-serem-as-vitimas/ >. Acesso em: 20

jun. 2018.

Posts do Facebook

Publicação sem título Disponível em: <https://bit.ly/2lmWCAf>. Acesso

em: 20 jun. 2018.

“Só pra lembrar...” Disponível em: < https://bit.ly/2MNsTNl>.

Acesso em: 20 jun. 2018.

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Uma ação movida pelas advogadas Evelyn Melo Silva, Juliana Durães de Oliveira

Lintz e Samara Mariana de Castro, a pedido da irmã da família de Marielle, solicitou a

retirada de conteúdos que tinham como objetivo difamar a ex-vereadora. Sendo assim, no

dia 23 de março de 2018, a juíza Marcia Correia Hollanda, da 47ª Vara Cível do Tribunal

de Justiça do Rio, determinou a retirada de vídeos referentes a isso do Youtube. Outra

ação movida pela irmã e pela noiva de Marielle, Monica Tereza Benício, e acatada pelo

juiz Jorge Jansen Counago Novelle, da 15ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) também decidiu que o Facebook deveria retirar os

conteúdos que denegriam a imagem de Marielle. Devido a essas ordens, muitos

conteúdos foram tirados de circulação, diminuindo o número de material disponível.

Importante ressaltar que essa pesquisa não tem o intuito de fazer a checagem

de fatos das notícias, mas, sim, buscar responder à questão norteadora do estudo,

verificando se a onda de fake news recente tem relação com a sociedade da pós-

verdade, a partir de elementos que caracterizem ambos os termos, assim como

explicado no Quadro 1.

6.1 A PESSOA MARIELLE FRANCO

Retomando ao processo netnográfico de Kozinetes (2014), antes de iniciar a

análise, de fato, é necessário entender e conhecer o foco do estudo. Sendo assim,

estabelecer o perfil de Marielle Franco, desde antes de sua carreira política, é

essencial e o primeiro passo a ser tomado.

Segundo seu site oficial27, Mariele Francisco da Silva nasceu no dia 27 de

julho de 1979, na cidade do Rio de Janeiro, filha de Marinete e Antônio Francisco da

Silva Neto. Durante sua infância e maior parte da vida adulta, a ex-vereadora morou

no Complexo da Maré, um conjunto de favelas localizados na Zona Norte do Rio de

Janeiro. Em 1998, então com 19 anos, teve sua primeira e única filha, Luyara Santos.

Marielle era noiva da arquiteta Monica Tereza Benício. As duas moravam, com

Luyara, em uma vila na Tijuca. Marielle (Figura 13) referia-se a si como “mulher,

negra, mãe e cria da favela da Maré”.

27 Disponível em: <https://www.mariellefranco.com.br/quem-e-marielle-franco-vereadora>. Acesso em 18 de junho de 2018.

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Figura 13 – Ex-vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco

Fonte: Mídia Ninja (2018).

Sua trajetória política iniciou-se no mesmo ano do nascimento de sua filha, a

partir de uma tragédia pessoal que havia vivido. Segundo seu site oficial, Marielle,

então com 18 anos, perdeu uma amiga devido a uma bala perdida, durante um

confronto entre policiais e traficantes ocorrido no Complexo da Maré. Isso a motivou

a iniciar sua militância pelos direitos humanos.

Ainda em 1998, a ex-vereadora ingressou no Pré-Vestibular Comunitário da

Maré, onde permaneceu até 2002, quando conseguiu uma vaga na PUC-RJ (Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro), para o curso de Ciências Sociais, no qual

graduou-se. Enquanto trabalhava como professora e pesquisadora, Marielle também

realizou um mestrado em Administração pela UFF (Universidade Federal

Fluminense), tendo as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) como tema de

dissertação.

Segundo Saraiva (2018), “Marielle Franco integrou, em 2006, a equipe de

campanha que elegeu Marcelo Freixo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de

Janeiro”. Com a posse de Freixo, Marielle foi nomeada sua assessora parlamentar, e

mais tarde coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da

Assembleia.

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No ano de 2016, Marielle foi eleita, pelo PSol, a quinta vereadora mais votada

da Cidade do Rio de Janeiro, com 46.502 votos. Segundo Silva (2018), graças à sua

trajetória acadêmica e política, mais de 250 professores e acadêmicos demonstraram

abertamente seu apoio a Marielle durante as eleições municipais. Durante seu curto

mandato, a ex-vereadora teve 13 projetos aprovados, segundo consta em seu site28.

Na noite do dia 14 de março de 2018, por volta das 21h30, Marielle foi

assassinada, após o carro em que estava, ter sido alvo de 13 tiros, na Rua Joaquim

Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio. Na ocasião, o motorista que

dirigia o carro em que Marielle estava, Anderson Pedro Gomes, também morreu.

Ambos recém haviam saído do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na

Lapa, junto da assessora da ex-vereadora. Embora haja muitas linhas de investigação

e suspeitos, ainda não há uma resposta concreta sobre quem são o executor e

mandante da ação.

Entretanto, um dos pontos que mais destacaram-se após sua morte, além da

busca de seu assassino, foi a grande onda de boatos virtuais surgida, tendo Marielle

como protagonista. Nascidas em grupos de Whatsapp e perfis de redes sociais, como

Facebook e Twitter, as fake news, possuem, sobretudo, um viés político. A ex-

vereadora defendia causas sociais e era ligada à esquerda política, logo, a maior parte

dos boatos tratam de menosprezar esse perfil defendido por ela, além, é claro, de

terem surgido, em grande parte, em perfis assumidos de direita política.

6.2 PÓS-VERDADE

Como mencionado no capítulo 4 dessa pesquisa, a sociedade está

enfrentando um momento de pós-verdade, em que as emoções, ideologias e crenças

do sujeito são mais válidas do que a realidade ao formar a opinião pública, segundo

Keyes (2004). A sociedade consegue dissimular de forma natural as informações, sem

que haja qualquer preocupação com as consequências que isso acarreta. O bem-

estar social (ou próprio do indivíduo) têm peso maior e mais valioso que a verdade.

Nos dias subsequentes à morte de Marielle, diversos portais de notícias e,

sobretudo, as redes sociais, foram inundadas de notícias sobre a ex-vereadora.

Entretanto, parte significativa dessas informações representam boatos criados com a

28 Disponível em: <https://www.mariellefranco.com.br/o-que-ja-fizemos>. Acesso em 18 de junho de 2018.

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intenção de denegrir a imagem de Marielle. Entre as fake news criadas destacam-se

três comportamentos comuns: extremismo político, preconceito racial e machismo. A

seguir, tendo parte dos materiais selecionados como base, analisa-se de que forma o

conceito de pós-verdade se faz presente e a partir de qual comportamento,

relacionando, assim, pós-verdade e fake news.

6.2.1 A pós-verdade nos conteúdos analisados

Segundo Foucault (2004), um enunciado não representa um estado fixo ou

imutavel, mas sim, um limiar dos signos. Para ele, o enunciado “é uma função de

existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode

decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles ‘fazem sentido’ ou não”

(2004, p. 98). Nesse ponto, a enunciação assume um papel importante, pois é por

meio dela, que o enunciado, enfim, toma forma e passa a fazer sentido. Ela é única e

depende do espaço-tempo em que o indivíduo está inserido (FOUCAULT, 2004).

Sendo assim, o enunciado foucaultiano e a pós-verdade se relacionam no momento

em que o locutor expressa “sua verdade”, de acordo com sua coexistência, e o

receptor a interpreta conforme a sua, orientando seu entendimento.

Dessa forma, os conteúdos analisados buscaram repassar ao leitor ou

telespectador, a vivência de quem a produziu tentando ir ao encontro de quem a

consome. Na matéria intitulada “Vereadora Marielle Franco podia estar envolvida com

Comando Vermelho – Ouça audio”, publicada no dia 16 de março de 2018, no portal

CM7, a autora Débora Larissa tenta conectar-se com dois públicos distintos: quem

estava comovido com a morte de Marielle e quem acreditava que a própria ex-

vereadora possuía ligações com seus assassinos.

A matéria, composta por quatro parágrafos, trata em seus três primeiros, dos

fatos que cercaram a noite de 14 de março de 2018, trazendo os testemunhos do

chefe da Polícia Civil – entretanto sem mencionar seu nome – e de Marcelo Freixo,

deputado e amigo de Marielle. Porém, no último parágrafo, o foco da notícia inverte-

se, voltando-se totalmente contra a vítima. Nas três linhas seguintes, além de associar

Marielle ao Comando Vermelho (CV), organização criminosa nascida no estado do

Rio de Janeiro, é relatado, também, que sua morte foi devida a um acerto de contas

entre ela e o CV. A fim de “comprovar” essa teoria estão inclusos na matéria cinco

áudios e um vídeo. Os áudios não possuem fonte ou veracidade comprovada e o

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vídeo, que traz imagens de ataque a um carro, não é de fato o ataque sofrido por

Marielle e Anderson. Logo, pela ânsia de repassar a informação e, principalmente, de

causar alguma ligação com o público, indo ao encontro de suas crenças, a verdade

foi deixada de lado, sendo substituída por inverdades e dissimulações, comprovando

a teoria de Keyes (2004).

Outro ponto que se destaca nessa notícia é o que Baudrillard (1991) já havia

falado sobre os simulacros e, sobretudo, a influência da mídia na vida social:

[...] informação dissolve o sentido e dissolve o social numa espécie de nebulosa votada, não de todo a um aumento de inovação, mas muito pelo contrário, à entropia total. Assim, os media são produtores não da socialização, mas do seu contrário, da implosão do social nas massas. (p. 106).

Na seção de comentários da matéria, das 70 opiniões presentes, ao menos

metade delas basearam-se nas informações contidas acima para formar ou corroborar

seu ponto de vista (Figura 14).

Figura 14 – Printscreen de um comentário na matéria do site CM7

Fonte: CM7 (2018).

Embora de maneira velada, a matéria escrita por Débora Larissa aborda a

questão política que rodeou a morte de Marielle. Sendo integrante de um partido de

esquerda, reconhecidamente a favor das causas sociais, a ex-vereadora era, muitas

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vezes, chamada de “defensora de bandidos”. Dessa maneira, virar o jogo e colocar os

“bandidos” que ela defendia como seus assassinos, cria uma conexão com quem

possui uma ideologia mais voltada à direita. É nesse ponto que se comprova a

presença de elementos que estão ligados à pós-verdade, como o extremismo político.

O mesmo pode-se notar no post da página Quebrando a Esquerda –

Politizando Você 2.0. A postagem é um meme29, em que uma foto de Marielle traz a

seguinte frase estampada: “Trate bandidos como vítimas e um dia a vítima sera você”.

Ela, assim como a reportagem do CM7, leva ao leitor o comportamento de extremismo

político, colocando novamente os conceitos políticos de esquerda contra os princípios

políticos de direita, além de denotar preconceito social nítido (Figura 15).

29 Termo utilizado na internet que se refere ao fenômeno de viralização de um conteúdo, seja ele imagem, vídeo, música. A popularidade é uma de suas maiores características. Disponível em: <https://www.significados.com.br/meme/>. Acesso em 20 de junho de 2018.

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Figura 15 – Printscreen do Facebook

Fonte: Quebrando a Esquerda – Politizando Você 2.0 (2018).

Inclusive, esse embate, que claramente é uma forma de popularização da

postagem, teve no próprio post um grande espaço. A seção de comentários serviu

como um meio de campo para que cada indivíduo pudesse expor suas crenças e

ideologias (Figura 16).

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Figura 16 – Printscreen da seção de comentários

Fonte: Página Quebrando a Esquerda – Politizando Você 2.0 (2018).

Semelhante a esse exemplo, outro meme que buscava ridicularizar a morte

de Marielle e seu partido, o PSOL, também teve nos comentários um espaço para que

os seus seguidores pudessem discutir e abordar teorias, principalmente, amparados

pelo conteúdo divulgado pela página. O post, da mesma página, traz a figura de

Marcelo Freixo, amigo de Marielle e um dos rostos mais conhecidos do partido, em

uma montagem, onde é criticada sua posição como socialista. Mais uma vez notou-

se o extremismo político, quando apoiadores da direita tentaram de alguma forma

desmerecer o lado oposto. A presença do conceito de pós-verdade é notada quando

várias afirmações são levantas sobre o personagem do meme, mas em nenhum

momento se apresentam provas que possam comprová-las. Além disso, a influência

da mídia se fez tão presente que grande parte do público não buscou, ao menos,

pesquisar quem é responsável pela investigação do crime, já que em casos como

esse, não é a Polícia Militar a responsável por investigar, mas, sim, a Polícia Civil.

Esse pequeno detalhe, acaba, também, diminuindo ainda mais o valor do conteúdo

(Figura 17).

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Figura 17 – Printscreen do post da página Quebrando a Esquerda – Politizando Você 2.0

Fonte: Quebrando a Esquerda – Politizando Você 2.0 (2018).

Outra postagem que se destacou muito devido aos comentários, é uma

manifestação do magistrado carioca Paulo Nader, publicada no dia 16 de março. Nela,

Nader levanta questões que poderiam ter levado Marielle à morte, como sua luta por

questões sociais, inclusive enfrentando autoridades. Porém, o comentário de Marilia

Castro Neves (Figura 18), desembargadora do Rio de Janeiro, teve uma repercussão

maior do que a postagem em si.

Figura 18 – Printscreen do comentário de Marilia

Fonte: Facebook (2018)

O comentário, além de influenciar parte dos usuários que acompanhavam a

postagem, contém inúmeras inverdades relacionadas à vida de Marielle. Entretanto,

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o que mais preocupa é o fato dessas calúnias terem sido compartilhadas por meio de

uma pessoa pública, que, em teoria, teria o dever de averiguar as informações. Isso

mostra como o conceito de pós-verdade, em que o simples fato de checar o que está

sendo dito, criou raízes de forma rápida e profunda na sociedade.

Mesmo sem interação do público, como nos quatro exemplos anteriores, a

matéria do site Direita Política, intitulada “A esquerda defende os criminosos... até eles

próprios serem as vítimas”, publicada no dia 18 de março de 2018, também evoca

preceitos básicos da pós-verdade. Nessa, diferentemente das outras duas anteriores,

é abordada a questão do machismo, além do extremismo político. Ela, além de aguçar

novamente o conflito entre as duas vertentes políticas, traz, nas poucas linhas de

conteúdo, informações declaradamente falsas (como veremos nas seções a seguir).

A insinuação da gravidez de Marielle aos 16 anos e do seu suposto relacionamento

com um traficante, colocam sobre ela, não somente o peso de suas decisões políticas,

mas também pessoais. Isso ocorre, sobretudo, devido ao fato de ser mulher, já que

situações como gravidez, por exemplo, são possíveis apenas para o sexo feminino,

escancarando o machismo presente.

Ambos os conteúdos analisados evidenciam a presença de conceitos-bases

da pós-verdade, sobretudo, a tentativa de dissimular a realidade a fim de ir ao encontro

das suas ideologias e crenças. Como afirma Keyes (2004), esse processo impregnou-

se de tal forma na sociedade, que mesmo com todas as inverdades e dissimulações,

não se perde a falsa sensação de honestidade. Isso mostra o porquê de os autores

de fake news tentarem provar com tanto afinco que as mentiras que eles contam são

verdades: eles realmente acreditam que sejam (KEYES, 2004).

6.3 JORNALISMO E AS FAKE NEWS

Determinar o que é ou não jornalismo é uma tarefa complicada e que nem

sempre leva a um resultado objetivo. Refletir sobre o que ele trata e seu papel na

sociedade é um dos caminhos que auxiliam na resposta dessa pergunta. Entretanto,

nem mesmo esses passos são capazes de determinar o jornalismo em si. Como visto

no capítulo 5 desse estudo, segundo Machado (2004), o jornalismo pode

desempenhar três funções diferentes: prática profissional, objeto de estudo e campo

especializado de ensino. Para o objetivo dessa pesquisa, foram selecionados

conteúdos que tratam o jornalismo como prática profissional.

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Ao exercer a prática jornalística, um dos pontos que mais destaca-se é a

apuração de fatos, afinal, como Sodré (2009) afirma, somente dessa maneira é

realizado um bom jornalismo. Em contrapartida, o surgimento das fake news coloca a

apuração de notícias apenas como um acessório e, na maior parte das vezes,

descartável. Embora não haja uma data exata de quando as fakes news surgiram,

especula-se que elas são inspiradas no falso noticiário que, segundo Gerson e

Dorneles (2012), é constituído pela:

[...] narração de um evento que não ocorreu, mas com a presença de dados reais, tais como datas, locais, pessoas, declarações ou, até mesmo, dados científicos divulgados por outros veículos de comunicação de massa. Trata-se de um produto de comunicação humorístico com linguagem, técnicas, forma de produção e princípios do jornalismo. (p. 6).

É necessário ressaltar que, diferentemente do falso noticiário, as fake news

não têm intuito humorístico, mas, sim, de denegrir, seja uma pessoa, uma instituição,

um fato, etc. E o mais agravante é que assume esse papel, passando-se por um

jornalismo sério. E é por esse motivo que se torna muito difícil analisar se um conteúdo

é de fato fake news. Isso exige que se analise o contexto e que se tenha clareza sobre

o que é, efetivamente, a prática jornalística. Portanto, nessa etapa de análise, os

selecionados serão analisados conforme o seu “falso gênero” jornalístico e conforme

o boato que geraram.

6.3.1 O jornalismo e as fake news nos conteúdos analisado

O jornalismo pode ser dividido em diversos gêneros. Nessa pesquisa

abordamos os chamados falsos gêneros jornalísticos que se caracterizam por sua

ânsia de promoverem-se e impressionar o público, não tendo a verdade como

elemento obrigatório. Entre eles, os quatro que mais se destacam são: o

sensacionalismo, o fait divers, a imprensa amarela e a imprensa marrom.

Para Angrimani (1994, p. 16) o “sensacionalismo é a produção de noticiário

que extrapola o real, que superdimensiona o fato. [...] O termo “sensacionalista” é

pejorativo e convoca uma visão negativa do meio que o tenha adotado”. Geralmente,

quando se fala em um jornalismo mal-feito, o primeiro termo a que se remete é

“sensacionalismo”. Mas como visto no capítulo 5 desse estudo, o sensacionalismo

tem na imprensa amarela sua principal referência. O falso gênero surgido em Nova

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York, ainda no início do século XX, também deu origem ao termo brasileiro “imprensa

marrom”. Uma das principais características desses gêneros é a utilização de

inverdades para a produção de notícias.

Nos materiais analisados é perceptível a presença de elementos que

caracterizam essas categorias. Na matéria publicada pelo site CM7, o primeiro indício

de sensacionalismo é o título, que se destaca pelas informações contidas (Figura 19).

Figura 19 – Printscreen do título da matéria do CM7

Fonte: CM7 (2018).

A manchete, além de não afirmar, mas, sim, supor um envolvimento de

Marielle com o Comando Vermelho, ainda traz a expressão “Ouça audio”. O uso dessa

artimanha faz com que o público, curioso por saber do que trata o áudio, clique na

matéria, gerando, assim, maior visualização para a página. O número de visualizações

de um site pode gerar, entre outras coisas, lucro para seus proprietários. Logo, usar

desse artifício para gerar cliques, torna-se um serviço antiético.

Porém, esse é somente um dos elementos que configura a matéria como

sensacionalista. Como já mencionado, um dos fatores que caracteriza a imprensa

amarela e seus subgêneros é o uso de elementos falsos para criar uma notícia. Assim

como dito na seção anterior, a matéria do CM7 aborda o boato virtual que associa a

morte de Marielle ao CV, ao qual seria associada e inclusive seria o responsável por

sua eleição. Para comprovação do fato, traz a presença de áudios e vídeos.

Entretanto, os materiais audiovisuais presentes na notícia são falsos. O

primeiro indício disso é que eles não trazem fonte que comprove sua veracidade. Eles

apenas estão presentes e nem ao menos é dito de onde eles foram retirados, seja de

um outro site ou de uma conversa no Whatsapp. Conforme o FactCheck.org (2016),

dois dos principais indicativos de que uma notícia é falsa, são não ter fontes

averiguadas e não possuir fontes de apoio, elementos ausentes no conteúdo do CM7.

O último dos áudios contidos na matéria traz o seguinte conteúdo transcrito:

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Homem não identificado: Irmão... beeem-feito. Bem-feito... Nas câmera (sic) vê uma

porrada de moleque de bermuda e chapéu. Isso é obra do Comando Vermelho. Você

sabe por quê? Quem elegeu ela, quem botou ela lá dentro foi o Comando Vermelho.

Pra ela brigar pelas coisa (sic) do Comando Vermelho, pelas comunidades do

Comando Vermelho. Só que ela foi brigar pela comunidade do... do Terceiro Comando

Acari. Assinou a sentença. Aguarda isso aí que daqui a pouco vocês vão ver.

As informações explanadas no áudio não condizem com a realidade. Segundo

dados do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro30 (TRE-RJ), a maior parte dos

votos de Marielle vieram de bairros nobres como Leblon, Copacabana e Ipanema. Nas

comunidades dominadas pelo Comando Vermelho, Marielle não teve votações

expressivas, logo, a lógica aponta que o CV não teve influência sobre a eleição da ex-

vereadora. Ainda, segundo o Tribunal Superior Eleitoral31 (TSE), nem mesmo

financeiramente o CV teria ajudado Marielle em sua campanha eleitoral. Nos dados

que constam no TSE, a campanha da ex-vereadora arrecadou em torno de R$

90.000,00, sendo que 23% veio da Direção Municipal e Estadual do PSOL, 8% de

doação da campanha eleitoral à prefeitura de Marcelo Freixo, 3% de recursos de

Marielle e o restante de doações de pessoas físicas, sendo em sua maioria

professores e pesquisadores do Rio (Figura 20).

30 Disponível em: <http://www.tre-rj.jus.br/>. Acesso em 24 de junho de 2018. 31 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/>. Acesso em 25 de junho de 2018.

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Figura 20 – Prestação de contas da candidatura de Marielle

Fonte: DivulgaCandContas/TSE (2016).

Sendo assim, fica comprovado que a matéria publicada pelo portal CM7, além

de ser sensacionalista, é falsa, com propósito exclusivo de denegrir a imagem de

Marielle Franco, por meio da associação dela à organização criminosa Comando

Vermelho.

Trazendo o mesmo tema – o envolvimento da ex-vereadora com bandidos –

a publicação do site Direita Política, “Os bandidos devem ser tratados como são...

como bandidos! Nada mais!”, do dia 17 de março de 2018, também foi considerada

uma fake news. Levando em conta as características de Mott (1941) para identificar a

imprensa amarela, pode-se notar como esse conteúdo trata-se também desse gênero:

títulos chamativos e apelativos, uso abusivo de ilustrações (nesse caso, além de

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imagens, nota-se a presença de vídeo), fraudes e a presença do jornalista como um

herói, escancarando a “verdade” para a sociedade.

Segundo Angrimani (1994), o sucesso desse tipo de notícia dava-se, na

época, principalmente pelo fato de haver pouco entretenimento:

Era um mundo ainda sem TV e com poucas alternativas de lazer. Os jornais tinham circulações espantosas para a época. Antes da virada do século, os jornais de Pulitzer e Hearst alcançavam tiragens de até um milhão de exemplares/dia. (p. 21).

Entretanto, atualmente a realidade é bem diferente: opções de entretenimento

não faltam. Então, por que esse tipo de jornalismo ainda se destaca? Sendo

substituída pelo jornalismo sensacionalista, a imprensa amarela tem seu público

naqueles que não buscam necessariamente a verdade, mas, sim, conteúdo que lhe

agrade e que vá ao encontro de seus ideais (KEYES, 2004).

Exatamente por isso, a matéria do Direita Política caracteriza-se como fake

news. Nas poucas linhas escritas por Regina Cunha, novamente declarações sem

veracidade comprovada são ditas a fim de difamar Marielle. O texto que se encaixa

no “falso gênero” sensacionalista, também poderia fazer parte do gênero opinativo, ja

que contém mais opiniões da autora do que informações de fato. Além disso, nota-se

a presença de palavras de baixo calão a fim de julgar Marielle e sua propensão a

ideias socialistas. Entretanto, o mais agravante nessa notícia é a presença de um

vídeo que supostamente refere-se a Marielle. Porém, na película de pouco mais de

três minutos, Marielle não aparece em momento algum. A personagem do vídeo é a

vereadora de Niterói Taliria Petrone, também do PSOL. Resumidamente, o vídeo

retrata a fala de Taliria em uma sessão na Câmara de Vereadores de Niterói, na qual

pede um minuto de silêncio em respeito aos mortos em uma chacina na Favela do

Salgueiro, em São Gonçalo-RJ (Figura 21).

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Figura 21 – Printscreen do vídeo da página Direita Política

Fonte: Direita Política (2018)

Mesmo não tendo sido escrito de forma clara que a protagonista do vídeo é

Marielle, no conteúdo da matéria não há nenhuma indicação de que não se trata da

ex-vereadora assassinada. Isso leva o público leitor do conteúdo a acreditar que, de

fato, Marielle é a personagem central do vídeo.

O mesmo site, na matéria mencionada na sessão anterior – “A esquerda

defende os criminosos... até eles próprios serem as vítimas” –, também utiliza do

recurso de mídia para espalhar boatos sobre Marielle. Nele, constam três imagens:

uma delas com a intenção de associar a ex-vereadora ao consumo de drogas; outra

é utilizada como prova de que Marielle era casada com Marcinho VP; e a última é uma

montagem com várias informações sobre Marielle, todas comprovadamente falsas.

Além do fato de as imagens aparecem descontextualizadas da informação

contida no texto, evidenciando a “falsa conexão”, um dos tipos de fake news

abordados no capítulo 5 dessa pesquisa, conforme Wardle (2017), uma, nem ao

menos, se refere a Marielle (Figura 22).

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Figura 22 – Imagem utilizada como prova de um boato referente a Marielle

Fonte: Direita Política (2018).

Essa imagem foi utilizada para amplificar a repercussão do boato que qual diz

ter sido Marielle Franco fora casada com o traficante Marcinho VP. Entretanto, essa

informação não procede e, inclusive, já foi desmentida por inúmeros meios de

comunicação. Conforme informações do portal de notícias G1 (2018), existem dois

traficantes conhecidos por essa alcunha, porém a ex-vereadora assassinada nunca

foi casa com nenhum. Um deles, Márcio Amaro de Oliveira, foi morto no ano de 2003.

Antes disso, estava foragido fora do Rio de Janeiro – o que impossibilitava o

relacionamento –, além de ter sido preso no ano 2000. O outro, Márcio Santos

Nepomuceno, está preso desde 1997. Dessa forma, é praticamente impossível que

Marielle fosse casada com algum deles sem que a informação tivesse sido noticiada

anteriormente. Para desmentir de vez esse boato e a “prova” que o acompanha, foi

encontrada a mesma imagem em uma conta do Fotolog, denominado Ktaputas_32. O

local em questão, apresentado na foto, refere-se a um bordel, localizado no estado de

32 Disponível em: <https://fotolog.com/ktaputas_/9735459/>. Acesso em 25 de junho de 2018.

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Rio Grande do Norte, não havendo ligação com Marielle ou com algum dos Marcinhos

VP.

Com a intenção de desmoralizar ainda mais Marielle, a última foto contida na

matéria abusa de elementos característicos na imprensa amarela e que servem de

base para a produção de um conteúdo sensacionalista. A foto traz um retrato de

Marielle ao lado de diversos itens que, supostamente, estão relacionados à sua vida.

Em letras grandes e chamativas, a imagem promete mostrar quem Marielle era de

verdade. Nelas constam todos os boatos já abordados anteriormente nessa pesquisa,

além de mais duas constatações: Marielle era usuária de drogas e havia exonerado

seis funcionários recentemente. Após os itens listados, a imagem era encerrada com

uma provocação: “Mas quem a matou foi a Policia (sic), né?”. (Figura 23).

Figura 23 – Foto difamando Marielle na matéria do Direita Política

Fonte: Direita Política (2018).

Assim como os outros conteúdos analisados, esse também mostra uma alta

dependência do escritor em convencer o leitor da informação que está sendo

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repassada, além, é claro, de ir ao encontro das ideias daqueles que já acreditavam no

que estava escrito. Essas são as duas maiores características de todas as categorias

analisadas. Trazer o leitor, telespectador ou ouvinte para o “lado” do jornalista, é o

principal objetivo das fake news, isso tudo baseado no conceito de pós-verdade, que

passa tão longe do real – e verdadeiro – significado de jornalismo.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Possivelmente, nunca antes fora tão fácil e livre poder expressar-se.

Diferentemente dos tempos mais antigos, quando havia, praticamente, uma verdade

universal para toda e qualquer coisa, nos dias de hoje, o indivíduo em meio à

sociedade, pode crer e ter como verídico um fato diferente daquele dos demais

sujeitos. A evolução da individualidade do homem – e da sociedade – permitiu isso.

E, embora, pareça um conceito tão pequeno se comparado a outras coisas, possui

um significado mais amplo do que imagina. Mas, mesmo que possamos ter uma

verdade diferente da do outro, é necessário concordar que ainda existem fatos que

são acompanhados exclusivamente de uma única verdade.

Com essa nova concepção, a prática do jornalismo, por exemplo, é algo que

precisou se adaptar. As fake news são uma realidade presente e não há mais como

ignorar a sua influência. Então, em tempos de pós-verdade, em que a tecnologia

assumiu um papel fundamental no cotidiano e a informação tornou-se muito mais

acessível, até que ponto a credibilidade do jornalismo permanece intacta?

Levando em conta o que foi apresentado, a questão norteadora que se

apresenta nessa pesquisa foi: qual é a relação entre o sucesso das fake news

contemporâneas e a dita sociedade da pós-verdade? Dessa forma, o objetivo

proposto, foi estabelecer a conexão entre o conceito de pós-verdade e a

popularização das notícias falsas. Para auxiliar no processo, e poder chegar a uma

conclusão o mais próxima possível da realidade, foram elaborados, também, objetivos

específicos. São eles: estudar e analisar o cenário (no espaço e no tempo) da

sociedade centrada na informação e na tecnologia; compreender as influências

exercidas pelos processos de virtualização sobre o comportamento social; estudar o

conceito de jornalismo e sua evolução; estudar a origem e as características das

formas de jornalismo classificadas como: jornalismo amarelo, jornalismo marrom,

sensacionalismo, fait divers, até chegar ao conceito de fake news; estudar e analisar

o conceito de sociedade da pós-verdade e buscar uma possível relação entre ela e o

dito jornalismo fake news.

Os principais autores consultados para realização dessa pesquisa foram:

Angrimani Sobrinho (1995), Barthes (1971), Baudrillard (1991), Bauman (2001),

Canavilhas (2007; 2014), Castells (2005), Debord (1997), Foucault (2004), Keyes

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(2004), Lévy (1996), Lyotard (2009) e Sodré (2009). Porém diversos outros autores

contribuíram para a realização desse estudo.

Os objetivos, mencionados anteriormente, estiveram estreitamente ligados a

quatro hipóteses que foram postas à prova. Todas elas foram analisadas e tiveram

sua comprovação durante o estudo.

A primeira hipótese levantada foi que as transformações da sociedade

contemporânea estão profundamente relacionadas à evolução dos processos

tecnológicos, o que impacta diretamente no jornalismo. Essa hipótese provou-se

verdadeira, pois, conforme estudado, por meio da pesquisa bibliográfica, a evolução

da sociedade e do indivíduo é parte do processo tecnológico que o mundo vem

passando. O ser humano sempre esteve em constante evolução, desde os primórdios

do tempo. Entretanto, desde o início do século XX, a humanidade teve um grande

salto na maneira como vive e como se relaciona. E é impossível não ligar isso

diretamente ao grande boom tecnológico, que começou ainda no século passado e

atualmente encontra-se em seu auge.

A criação de novos processos de produção, a invenção e aprimoramento de

diferentes meios de comunicação etc., possibilitaram ao homem uma nova forma de

viver. A aldeia global de McLuhan (2000), que parecia tão irreal (e inclusive tornou-se

motivo de piada) na década de 60, hoje é parte do cotidiano do homem. Estamos tão

próximos de alguém do outro lado do mundo quanto estamos de quem senta ao nosso

lado no ambiente de trabalho. E isso tudo é permitido graças à imensa evolução

tecnológica dos últimos 100 anos.

E, obviamente, a forma de fazer jornalismo também foi modificada. Há 40 anos

atrás, era impensável a ideia de acompanhar qualquer evento, acontecendo em

qualquer lugar do mundo, ao vivo e na palma de nossas mãos. Hoje, isso tornou-se

parte da rotina. Assim, com as novas tecnologias surgidas, o jornalista precisou se

adaptar, seja largando ferramentas obsoletas, seja agregando diferentes técnicas ao

seu exercício profissional. O webjornalismo, atualmente, como visto nos capítulos

anteriores, é uma das formas mais lembradas de jornalismo. Por meio da análise,

pôde-se mostrar o quanto ele está presente no cotidiano e, inclusive, a influência que

ele exerce sobre a sociedade.

A segunda hipótese defende que os cenários social, político e econômico

estabelecidos a partir da dita Sociedade Tecnológica ou da Informação resultaram na

transformação dos processos de produção, distribuição/entrega da informação, o que

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significa dizer uma nova forma de comunicar-se e de fazer jornalismo. Indo ao

encontro da primeira hipótese, essa também se prova verdadeira. O jornalismo evoluiu

junto com a sociedade. Diferentemente de 100 anos atrás, hoje os jornais impressos

não ocupam mais lugar de destaque na vida do homem, em alguns casos tampouco

ocupam. As redações de mídia impressa estão diminuindo cada vez mais seu

tamanho, enquanto o “cantinho” reservado ao online está em uma expansão nunca

antes vista, ou quiçá, imaginada. Os meios tidos como tradicionais, como o rádio e

TV, por exemplo, precisaram ceder lugar ao digital. Ou melhor que ceder, precisaram

adaptar-se e inclusive aliar-se. Hoje, a cobertura de um fato é impensável sem a

presença do online.

E não foi somente a forma de distribuição e entrega de jornalismo que mudou.

A maneira de produção, sobretudo, é a que mais alterou-se com as evoluções da

Sociedade da Informação, conforme visto anteriormente. O jornalista, atualmente, não

é mais o único a transmitir a informação. Por meio do celular e de uma conexão Wi-Fi

ou do uso de dados disponibilizados por uma operadora de telefonia, qualquer

indivíduo presente no local de um fato, pode transmitir a todos o acontecimento, de

maneira imediata, que nem sempre é possível para o jornalista. A democratização da

mídia é um dos efeitos dessa transformação.

A terceira afirmação hipotética levantada é que a virtualização, conceito

central da sociedade contemporânea, pode ser um dos fatores responsáveis pela

nova forma de ver o mundo, a verdade, a moral e a ética, o que coincide com as

premissas da sociedade da pós-verdade e com os preceitos do fake news. Essa

hipótese também se provou verdadeira. A virtualização é parte fundamental do

processo de evolução que a sociedade se encontra. Como visto nos capítulos

anteriores, o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual, onde a atualização é um

problema que estava ali, mesmo antes de o homem se dar conta. Dessa forma, a

virtualização é o “encontrar-se” em um campo problematico.

Fica clara toda a influência que as novas tecnologias exerceram na sociedade,

porém, com sua chegada, vieram – ou foram percebidos – problemas que passavam

ao largo pelo homem. Isso possibilitou tanto uma retração da sociedade para os

problemas quanto uma sede para solucioná-los. Com essas novas soluções, que

levaram a outras novas soluções e assim por diante, é inegável dizer que a visão que

se tinha anteriormente do mundo foi mudada. Além disso, os preceitos de verdade e

ética também foram se alterando, pouco a pouco. Afinal, ainda permanece a dúvida

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sobre estarmos vivendo a realidade ou uma simulação imposta pela mídia, como

Baudrillard (1991), justificou. E, se isso acontece, é porque alguns conceitos básicos

de ética foram deixados de lado.

Já a quarta e última hipótese apresentada, que defende que as características

do jornalismo fake news levam a crer na sua possível interdependência em relação à

sociedade da pós-verdade também, provou-se verdadeira. Como apresentado na

análise, o principal objetivo das notícias falsas é irem ao encontro da ideologia de

quem as consome. E para que esse objetivo seja alcançado, não faz diferença se é

uma mentira que está sendo contada. O que importa para o cidadão hoje é o seu bem-

estar social, e esse bem-estar é causado com a sensação de estar certo, de ter a

razão sobre o outro.

Conforme os dados obtidos na análise, a pós-verdade é um conceito

amplamente aceito e difundido, mesmo por quem não tem conhecimento do que ela

seja. Ela é um conceito que é compartilhado mesmo sem que se saiba. A sua

disseminação é quase tão viral quanto a das fake news, evidenciando o quanto elas

andam lado a lado, e quanto um conceito encontra sua base no outro.

Poder chegar à resposta dessas hipóteses só foi possível a partir da

metodologia escolhida para guiar essa pesquisa. O uso da Netnografia como método

e o auxílio das técnicas metodológicas da pesquisa bibliográfica e da análise de

conteúdo foram fatores determinantes para chegar a um resultado e, sobretudo, a um

aprendizado.

Estudar de forma mais ampla conceitos como a sociedade da informação e as

mudanças ocorridas por meio dela auxiliou a pesquisadora a adquirir uma noção maior

do papel exercido pelo jornalista como parte integrante de uma comunidade

tecnológica e em constante avanço. Da mesma forma, pesquisar sobre o conceito da

pós-verdade auxiliou no entendimento das mudanças que o homem vem enfrentando

no decorrer de sua vida e na maneira como se posta em frente ao mundo, aos fatos,

aos seus gostos e desgostos. É algo que muitas vezes não se percebe, mas ao

entender isso, fica mais fácil compreender o comportamento da sociedade como um

todo. Estudar, também, o conceito de jornalismo e tudo que é desenvolvido por meio

dele, seus gêneros e subgêneros, suas formas de produção e distribuição foi essencial

para a formação de uma futura profissional de jornalismo.

Realizar a análise, colocando em prática os conhecimentos adquiridos foi um

processo enriquecedor. Pesquisar e avaliar materiais que tinham como tema um

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assunto tão polêmico e válido foi essencial para poder chegar a uma conclusão. A

morte de Marielle foi um, entre tantos outros crimes que não foram solucionados (pelo

menos até o encerramento dessa pesquisa). Mesmo que seu assassinato tenha

gerado tantos boatos, que serviram como corpus dessa pesquisa, o maior

ensinamento que Marielle deixou para a pesquisadora, foi a força e o empenho para

lutar pelo que se acredita. E um jornalismo limpo, isento e bem feito, é uma das

maiores crenças da pesquisadora.

Combinar o uso de uma metodologia adequada a uma fundamentação baseada

em grandes e renomados autores e a presença de uma orientação qualificada, foi o

passo essencial para que essa pesquisa pudesse ter força e credibilidade. Além de

proporcionar descobertas, a pesquisa também permitiu o desenvolvimento de um

senso mais crítico, que carrega, sobretudo, a ética.

O maior aprendizado que fica para a pesquisadora, esperando também que

fique para o meio acadêmico é a necessidade em entender o ambiente e a sociedade

atuais. Entender que a verdade pode ser tanto relativa quanto única e exclusiva é

essencial para o jornalista, e, também, para quem consome a informação: basta

identificar a que ocasião se adequa qual conceito. É entender que sim, as fake news

estão relacionadas com a dita sociedade da pós-verdade, mas não por mera

coincidência, mas, sim, devido à evolução gigantesca e acelerada pela qual a

sociedade passou e ainda está passando. É entender que nem sempre a verdade vai

ser acolhedora e que muitos indícios vão mostrar que a mentira é o caminho mais fácil

e mais agradável. Mas, também, é entender que o jornalismo, como precursor dos

fatos, tem compromisso com a verdade, e como já disse o escritor Renato Kehl, dizê-

la é a maior qualidade do homem, logo haveria de ser de um jornalista também.

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APÊNDICE A – PROJETO DE MONOGRAFIA I

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ANEXO A – ÁUDIOS PRESENTES NA MATÉRIA DO CM7

ANEXO B – RELAÇÃO DE VOTOS DE MARIELLE FRANCO À CÂMARA DE

VEREADORES DO RJ

ANEXO C – VÍDEO PRESENTE NA MATÉRIA DO CM7