Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO TECNOLÓGICO EM FOTOGRAFIA
FRANCIELE GIACOMETTI DE BRITO
VINTE
Caxias do Sul 2017
2
FRANCIELE GIACOMETTI DE BRITO
VINTE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Tecnológico em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Tecnólogo em Fotografia.
Orientador(a): Profa Dra. Silvana Boone
Caxias do Sul
2017
3
Para Antenor, Rose e Jéssica.
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, meu agradecimento a Deus. Onde em muitos momentos,
onde eu teria que ter força, onde ninguém poderia me ajudar a continuar que, com
fé, pedi a Deus ajuda e Ele me capacitou, então tudo é para Ele.
Agradeço em especial, a todas as 19 mulheres que participaram desse TCC:
Amanda, Alessandra, Alice, Bibiane, Bruna, Caroline, Daniela, Esther, Ianan,
Isabella, Janaine, Júlia, Larissa, Michele, Mikaela, Nicole, Roberta, Shaiane e
Tauana. Fiz questão de citar seus nomes, porque a maioria nem sequer me
conhecia, mas me deixou realizar e concluir essa etapa tão importante, abriram as
portas de suas casas e muitas até de suas vidas. Minha sincera gratidão.
A minha família que sempre está presente comigo, me incentivando em
prosseguir e alcançar os meus objetivos, sempre dispostos a me ajudar, me
apoiando cada um de sua maneira.
Aos meus amigos que me apoiaram, me ajudaram e tirando um tempo para
procurar por essas mulheres. Que entenderam, que por muitas vezes estava
ausente por um motivo muito maior.
Aos meus queridos colegas de curso, que não deixaram de dar assistência
também contribuindo para a busca por essas mulheres, partilhando do mesmo
momento pude conversar, conversas que trouxeram grande resultado no
desenvolvimento deste projeto.
Aos meus professores, que compartilharam conhecimento, me ensinando em
especial ao professor Clovis Dariano, que pude dar início a este projeto e a Profa.
Dra. Silvana Boone, que auxiliou todo esse percurso decisivo, deixando sua
contribuição para o mesmo.
5
RESUMO Este trabalho de TCC tem por objetivo a identificação dos contextos pessoais de 20 mulheres, aos 20 anos que nasceram em setembro de 1996, representadas através de retratos e fotografias de objetos que atribuam características para cada mulher. Os conceitos aqui abordados, buscam encontrar nessas 20 mulheres as possíveis relações existentes entre elas, devido ao fato de terem a mesma idade e terem nascido no mesmo mês e no mesmo ano. A fotografia atua como agente fundamental de representação e significado de identidade individual e coletiva.
Palavras-chave: Fotografia contemporânea; Vinte anos; Identidade;
6
ABSTRACT
This final paper has as objective identifying personal contexts of 20 different women at the age of 20, born in September of 1996, represented through portraits and photography of objects that attribute characteristics to each one of them. The concepts covered at this work aim to perceive possible relations between them due to the fact of the 20 women were born in the same month of the same year. Photography acts as fundamental element of representation and signification of individual and collective identity. Keywords: Contemporary photography; Twenty years old; Identity;
7
LISTA DE FIGURAS Figura 1 - O Hotel, quarto 28, Sophie Calle (1981) .....…………………………...….. 18 Figura 2 - Quartos, 09, Rochelle Costi (1981) ……………………………………….... 20 Figura 3 - Quartos, 13, Rochelle Costi (1981) ……………………………………….... 21 Figura 4 - Doze caixas-d’água, Bernard e Hilla Becher (1978-85) ........................... 24 Figura 5 - Caroline, Franciele Giacometti (2017) ..................................................... 33 Figura 6 - Isabella, Franciele Giacometti (2017) ...................................................... 35 Figura 7 - Ianan, Franciele Giacometti (2017) .......................................................... 36 Figura 8 - Mikaela, Franciele Giacometti (2017) ..................................................... 37 Figura 9 - Júlia, Franciele Giacometti (2017) .......................................................... 38 Figura 10 - Alessandra, Franciele Giacometti (2017) .............................................. 39
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………..... 09
2 FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA ………………………………………………... 14
2.1 ARTISTAS/FOTÓGRAFO .……….…………………………………………….…... 15
2.1.1 Sophie Calle ...………….…....……………………………………………...…..... 16
2.1.2 Rochelle Costi ...…………....………………………………………………......... 19
2.1.3 Kiko Goifman .…....……………....……………………………………………….. 21
2.1.4 Bernd e Hilla Becher ……......…………………………………………………… 22
3 CONSTRUÇÃO DO OLHAR …………………………………………………………. 25
3.1 IDENTIDADE PESSOAL ......……………………………………………………...... 26
3.2 IDENTIFICAÇÃO DE SIGNOS ……………………………………………………... 28
4 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: VINTE ..…………………………………………….. 32
4.1 AS VINTE MULHERES E O PROCESSO DE SELEÇÃO.………………………. 33
4.2 PROCESSO FOTOGRÁFICO.……………………………………………………… 34
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………...... 40
REFERÊNCIAS ………………………………………………………………………….. 43
APÊNDICE .....………………………………………………………………………......... 44
ANEXOS ………………………………………………………………………………….. 50
9
1 INTRODUÇÃO
Ao finalizar o Curso de Tecnologia em Fotografia pode-se fazer um balanço
conceitual sobre as diferentes instâncias do universo complexo que é a fotografia.
Todas as disciplinas estudadas contribuíram para ampliar o olhar sobre questões
que permeiam a imagem fotográfica e o seu processo criativo e técnico.
A construção desse projeto originou-se a partir da ampliação de um trabalho
iniciado na disciplina de Fotografia Autoral, ministrada por Clóvis Dariano – fotógrafo
e professor do curso. Esse projeto inicial intitulado “Pertences”, constituía-se em
fotografar mulheres aleatórias, de diferentes faixas etárias e profissões, com suas
bolsas e o que havia dentro das mesmas, com o intuito conhecer um pouco sobre a
personalidade e as diferenças entre essas mulheres.
O projeto deste Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “Vinte”, apresenta
20 mulheres com 20 anos de idade, que nasceram no mês de setembro do ano de
1996, mesmo mês e ano de nascimento da autora deste TCC e, obrigatoriamente
escolhidas sob esse critério, em função do discurso pessoal que a autora pretende,
considerando as características psicológicas e físicas que se manifestam na figura
feminina de 20 anos de idade. A autora deste projeto é uma das 20 mulheres
retratadas.
Assim, o presente trabalho de conclusão de curso, consiste em três principais
pontos: a contextualização teórica sobre a fotografia contemporânea, baseado em
pesquisas bibliográficas; a construção de um ensaio fotográfico explorando o uso da
fotografia para a construção de um olhar sobre as mulheres participantes; e a parte
final, que consiste na exposição do ensaio feito durante o processo de criação do
mesmo.
Buscando referências em artistas e também fotógrafos contemporâneos, esse
projeto busca trazer os contextos pessoais entre essas 20 mulheres aos 20 anos de
idade, registradas através da fotografia, onde as peculiaridades serão demonstradas
a partir dela.
Sabendo que existem mais de 7 bilhões de pessoas no mundo e cada uma
10
delas têm suas próprias características e mesmo assim muitas delas podem ser
parecidas ou muito semelhantes, há algumas questões para serem indagadas: o que
pode haver em comum com mulheres que têm a mesma idade? O que pode haver
em comum com mulheres que nasceram no mesmo mês, no mesmo ano? É
possível perceber tais questões através da fotografia?
Vinte (20) não é apenas um número, mas, no enfoque dado a este TCC, é
uma fase de vida onde muitas coisas começam a se transformar, trazendo para si as
responsabilidades de estar chegando cada vez mais perto da fase adulta. Com esta
característica principal em comum (a idade), o particular será apresentado pelas
pequenas coisas, onde, no olhar cotidiano parece corriqueiro, porém são nesses
detalhes, quase despercebidos, que é possível encontrar as diferenças em questão.
Por outro lado, ter vinte anos é o último estágio antes da maioridade dos vinte e um
anos, o que pode significar, de uma certa forma, um divisor de águas de duas
diferentes fases da vida.
Neste trabalho, buscou-se aprofundar questões que envolvem o olhar sobre
as participantes, tentar conhecer quem está à sua frente, romper divisas da
individualidade e ir para além do que a comodidade pode oferecer; estabelecer
conexões entre a fotógrafa e as mulheres fotografadas, estando elas em seu mundo,
no conforto e buscar o que as tornam tão únicas e diferentes que pode-se ao mesmo
tempo ser semelhante entre elas.
Objetiva-se usar da linguagem fotográfica, conforme conhecimentos e
técnicas adquiridas ao decorrer do curso, juntamente com referências de artistas e
fotógrafos que também possuem trabalhos na área da fotografia contemporânea,
para perceber alguns vestígios que caracterizam sinais sobre as identidades dessas
mulheres através de objetos cenográficos do meio onde vivem. O banal deixa de ser
banal e se torna peça fundamental na construção do olhar sobre cada mulher, o que
por muitas vezes foi considerado insignificante passa a contribuir para relação
estabelecida entre: fotógrafa e participante.
Neste TCC, a fotografia é usada como ferramenta de indagação. Transcrever
a realidade que está frente às lentes da câmera é apenas a intermediação desta
proposta. O ponto principal é esforçar-se para perceber as particularidades entre as
11
vinte mulheres e a possibilidade de distinguir as diferenças de suas identidades,
através da fotografia. Dizem que os olhos são espelho da alma, mas não é apenas
com um simples olhar que a essência dessas mulheres se torna nítida e sim, na
construção desse olhar.
A fotografia, em si, tem o poder de identificar características particulares de
alguém ou um grupo de pessoas, pelos elementos que ela contém? Um retrato, por
exemplo, pode não ter o poder necessário para atribuir características, mas em
conjunto com os pertences de cada mulher retratada, pode contribuir para a
descoberta de vestígios da sua identidade.
O ensaio fotográfico se concretizou após o encontro com estas 19 mulheres, a
primeira parte do processo fotográfico foi fazer um retrato, evidenciando as
características físicas de cada uma delas. Nesses retratos, a ferramenta essencial
para representá-las foi a tentativa de anular qualquer aspecto artificial, através de
um olhar neutro. Sem enfeites, sem adornos, elas como elas são. Um retrato por si
só pode não conseguir expressar com clareza sobre as diferenças entre essas 20
mulheres. Por esse motivo os elementos pessoais de cada uma delas serão
fotografados, fazendo parte dessa construção do olhar.
O segundo passo do processo fotográfico é registrar o contexto de
identificação pessoal de cada uma delas: suas bolsas; o que elas carregam nas
bolsas; seu quarto; objetos que tenham um significado; e os ornamentos e marcas
em seus corpos. Cada um desses elementos fotografados será fundamental, pois
agregam informações importantes sobre cada participante.
A fim de desenvolver um trabalho significativo de construção de um projeto
fotográfico, alguns conceitos e trabalhos de artistas e fotógrafos devem ser
observados, bem como trabalhos que ajudaram a compor e a conceituar a ideia
inicial deste projeto. As referências encontradas dentro da fotografia contemporânea
visam construir, através da interação entre fotógrafa e fotografada, um olhar
diferente sobre elas, despertando interesse e debate sobre as características e
costumes delas de um modo geral. Uma das produções relevantes desta pesquisa é
o trabalho da artista e também fotógrafa Sophie Calle. A obra “L’ Hotel” (1981), traz
em seu conceito o querer da artista que busca construir a identidade das pessoas
12
através de seus pertences. Outro artista que tem projetos associados aos conceitos
objetivados neste TCC é o brasileiro Kiko Goifman, que em seu trabalho “33” utiliza
informações da sua própria vida para buscar respostas sobre sua existência.
Num outro viés, o projeto “Quartos”, da fotógrafa brasileira Rochelle Costi,
busca através da fotografia antropológica identificar as escolhas que as pessoas
fazem para suas vidas, o que há de peculiar em cada pessoa e porquê tais objetos
em cena as compõem.
Como uma das fontes mais importantes para o debate da fotografia no
contexto da arte contemporânea, Charlotte Cotton (2010) traz em seu livro diferentes
artistas da atualidade que fazem uso da fotografia para criação de suas obras. Seu
objetivo é mostrar como a fotografia vem se comportando no mundo das artes. A
fotografia enquanto arte não é percebida como algo acabado, nem a limitar em um
espaço de tempo, pois a fotografia é um elemento em constante transformação.
Uma das referências, citadas por Cotton, é a produção do casal alemão Bernd
e Hilla Becher, que enquanto produtores da fotografia contemporânea, em um de
seus trabalhos utiliza a forma de coleção para apresentação, uma grade com
imagens em repetição, que constrói uma sequência imagética.
Cotton aponta como uma imagem, ou uma sequência de imagens
semelhantes, têm a força de fazer com que o expectador se prenda e atente mais ao
que lhe é mostrado. Neste TCC, a repetição é proposta como forma de comparação
entre pessoas, coisas e objetos, ter a atenção voltada para as sequências de
imagens é fundamental. “A repetição transforma a especulação em proposta, pois o
ato repetitivo parece oferecer a prova de alguma coisa. Geralmente somos
solicitados a comparar semelhanças e diferenças” (COTTON, 2010, p. 42). Assim, a
fotografia contemporânea foge dos padrões comerciais, ela é uma das diversas
linguagens que existem para produzir arte.
Apresentadas as principais ideias deste TCC, ele subdivide-se da seguinte
forma:
No capítulo dois (2), a abordagem será para elucidar acerca da fotografia
enredada no âmbito das criações em arte contemporânea e abordar sobre os
artistas e fotógrafos que contribuíram para este projeto. No capítulo três (3)
13
apresenta a construção do olhar, seus sub capítulos estão divididos em: identidade
pessoal: associações das características percebidas através das fotografias bem
como os momentos vividos aos vinte anos de idade; e identificação de signos: como
os pertences fotografados auxiliaram a percepção das características pessoais das
participantes. E no capítulo quatro (4) apresenta-se então, a produção fotográfica,
resultados finais obtidos por cada encontro, sendo dispostas em quadros de
fotografias que contam com 6 a 20 imagens.
E por fim, o capítulo cinco (5) e último que apresentam as considerações
finais da autora a respeito dos objetivos propostos durante a construção deste
trabalho de conclusão de curso.
14
2 FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA
Este capítulo faz um recorte sobre a fotografia no universo da arte
contemporânea, bem como a contextualização enquanto produção artística. A
fotografia passou a receber novos atributos conceituais a partir da segunda metade
do século XX, uma vez que, originalmente, era utilizada principalmente para
registros de situações importantes, como por exemplo, eventos políticos,
casamentos, eventos sociais, manifestações públicas, guerras, como documento
investigativo, etc. No cenário contemporâneo, principalmente da arte, a fotografia
possibilitou que o sutil, o simples, o cotidiano recebessem um olhar poético,
elevando o valor do trivial.
Considerando a importância da fotografia no campo da ciência e
comunicação, devido à sua qualidade de representar o real, alguns obstáculos se
apresentaram para que ela fosse aceita como uma manifestação artística,
dificultando o seu uso para produções conceituais, onde novas ideias e percepções
são adotadas sobre um determinado objeto. Sabemos que "pode existir uma
distância infinita entre a realidade palpável à frente da objetiva e a realidade criada
ou evocada na fotografia" (KUBRUSLY, 1983, p. 68). A cultura do imediatismo é um
dos fatores contribuintes que afasta cada vez mais a ideia de realidade. Ao
questionar sobre um fato que aconteceu neste exato momento, esse
questionamento acontece tarde, o presente já se transformou e permanece em
constante mutação.
Esforçando-se para ter a sua aceitação enquanto linguagem artística, no
século XX a fotografia recebeu novas significações, atentando para seu caráter
conceitual, possibilitando a construção e compreensão de um novo olhar para
objetos e situações comuns. Ela passa a representar novos conceitos sobre a
"realidade" existente, para expressar suas mensagens na forma de construções
visuais. Não há mais regras ou limites para o uso da fotografia, agora ela não é só
vista como registro de uma cena, ela pode e é vista também como arte. Entramos
então no universo da fotografia contemporânea.
A fotografia contemporânea não está só associada com a arte
15
contemporânea, como ela se tornou um próprio meio de se fazer arte. Nesse
processo artístico ela relaciona-se com a realidade de uma forma distinta, possui a
liberdade de representar o real e formas, de criar seu próprio conteúdo e conceito,
"não é uma performance sendo fotografada, mas um ato criado com o expresso
propósito de ser fotografado" (COTTON, 2010 p 26). Apresenta possibilidades de
transformação e reconstrução da realidade, permitindo também conexão com ideias
imaginativas de seu autor.
A arte contemporânea não quer opor conceito e realidade, ela visa fazer com
que ambos trabalhem em parcerias. Bernd e Hilla Becher são exemplos disso, eles
fotografaram durante anos construções industriais, ou seja, fotografando a realidade,
mas em cada fotografia eles buscavam um novo olhar, captar de cada objeto um
outro ângulo que o tornasse singular. Sophie Calle, em um de seus trabalhos
denominado “Dieta cromática”, realizado em 1998 (figura 1), fotografou alimentos;
alimentos são reais, mas ela interviu designando uma cor para cada seis da
semana, de segunda a sábado, construindo pratos monocromáticos e sendo assim
introduzindo conceitos em seu trabalho.
As técnicas fotográficas, as preocupações com enquadramento, ângulos e luz
deixam de ser o principal ponto em questão e passa a ser exteriorização das ideias
do fotógrafo/artista. Os conceitos manifestados pela fotografia contemporânea
minimizam a importância da competência técnica e prática e enfatiza a essência
artística residente no objeto retratado pela fotografia. Ela reconhece o cotidiano, o
casual, o que passa despercebido por muitas pessoas e utiliza como construção de
um novo olhar, trazendo novas percepções sobre o todo. Pois “o objeto escolhido é
apresentado como a própria arte e não meramente como um documento, vestígio ou
subproduto de uma ação que já passou” (COTTON, 2010 p.8)
2.1 ARTISTAS E FOTÓGRAFOS
A acessibilidade das tecnologias na fotografia ampliou o número de
fotógrafos. Com maior facilidade, as pessoas têm aproximação com câmeras
fotográficas e com a própria fotografia, podendo, portanto, tudo se tornar imagens.
16
Fotografias feitas de forma excessiva, tal como se manifestam os registros via
aparelhos celulares e outros dispositivos computacionais, evidenciam cada vez mais
o fácil acesso das pessoas. A tecnologia tem estado cada vez mais presente na vida
das pessoas devido à expansão dos meios de comunicação.
Na contemporaneidade, a fotografia está cada vez mais presente no mundo
das artes. Artistas vêm se apropriando da fotografia para criar suas obras e
fotógrafos vêm inserindo-se com mais frequência no campo artístico. Fotografias do
cotidiano, de pessoas em situações adversas ao que se é costume, retrato que
“permite que os modelos controlem a maneira como são representados, e o
fotógrafo apenas testemunha sua existência" (COTTON, 2010 p.172). Sem fazer
interferências no cenário do cotidiano, fotografando o que está à sua frente, o
fotógrafo torna-se um espectador, observador da realidade perante seus olhos.
Pode ser através de retratos, fotografias de fotografias, apropriação de
fotografias já existentes, inúmeras maneiras permitem que a fotografia seja vista
como arte e com isso muitos nomes vêm se destacando nesse meio, alguns deles
trouxeram uma contribuição significativa para a elaboração e construção deste TCC.
2.1.1 Sophie Calle
A artista francesa Sophie Calle (1953) utiliza estratégias artísticas no
cotidiano, alcançando feitos de grande impacto da fotografia conceitual, seguindo
uma mesma linha teórica em suas criações desde os anos 1980. Com um caráter
investigativo e de cunho documental, suas obras indagam o contraponto entre a vida
pública e privada das pessoas, articulando uma determinada mídia (vídeo ou
fotografia) e texto.
Os personagens retratados em suas obras são propensos ao anonimato. A
escolha por esses personagens, por vezes é feita a distância, em meio às multidões,
só depois de feito o registro que ela passa a observá-los de uma forma que se
atenta aos detalhes de cada um. Esse indivíduo que se torna personagem, passeia
entre os dois extremos: ao mesmo tempo que pode ser apenas elemento da
composição, ele pode ser também um representante de um vasto grupo social.
17
Essa distância, entre fotógrafo e personagem, ocasionada pelos seus
registros incita os espectadores a tentar entender o que está sendo mostrado,
fazendo que os mesmos se atentem aos detalhes capturados e expostos por sua
fotografia. Fomenta o interesse particular pela realidade do outro, possibilita uma
abertura para que a imaginação dê sentido e complete lacunas que a realidade
deixa para ser questionada. Suas criações “fundem fato e ficção, exibicionismo e
voyeurismo, performance e audiência” (COTTON, 2010 p. 23).
Em meio a tantos trabalhos que construíram e renomearam a carreira de
Calle, o projeto que foi referência para a elaboração deste TCC foi “L’Hotel (Figura
1), Chambre 25”, realizado em 1981. Neste projeto ela vai à Veneza onde começa a
trabalhar como camareira em um hotel. Doze quartos ficaram a seus cuidados, todos
no quarto andar deste estabelecimento. Ela trabalhou no hotel por 18 dias e nesse
período enquanto ela fazia a limpeza diária dos quartos, fotografava os pertences e
objetos deixados pelos hóspedes em seus quartos durante suas ausências.
Fotografava mais de uma vez cada quarto dependendo de quantas pessoas e
famílias diferentes ali se hospedavam. Objetivava recompor e traçar os hábitos, as
personalidades e os perfis de cada pessoa. Pra isso “abriu malas, leu diários e
papéis variados, examinou a roupa suja e os cestos de lixo, fotografando
sistematicamente cada invasão que cometia e tomando notas” (COTTON, 2010
p.23).
18
Figura 1: O Hotel, quarto 28, de Sophie Calle (1981)
Fonte: Tate Disponível em http://www.tate.org.uk/art/artworks/calle-the-hotel-room-28-p78301
Este trabalho de Calle contribuiu para o desenvolvimento deste TCC, pois
assim como Calle conseguia perceber as características e sinais sobre a
particularidade de cada pessoa, que se hospedava no quarto andar daquele hotel,
19
através dos pertences deixados pelos hóspedes e com esse mesmo intuito, cada
pertence fotografado neste TCC representará fragmentos sobre a identidade de
cada mulher enquanto as mesmas se encontram no período dos vinte anos.
2.1.2 Rochelle Costi
A fotógrafa e artista multimídia caxiense, Rochelle Costi (1961), deu início à
sua carreira como fotógrafa trabalhando no âmbito teatral e musical. Tem formação
acadêmica em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica do estado
do Rio Grande do Sul (PUCRS). A partir daí começa estudar sobre os processos
fotográficos do século XIX, fazer pesquisas sobre espaços privados resultando em
séries onde fotografou fachadas de residências e interiores de casas.
Em muitos de seus trabalhos pessoais, a artista apresenta fotografias
utilizando objetos e instalações, apropriando-se de imagens já impressas, materiais
banais do cotidiano realizando intervenções diretamente nelas. Em alguns trabalhos
apresentando colagens de imagens fragmentadas, construindo composições
abstratas, como por exemplo, na série “Bandejas” (1995/1996).
Com uma linha ampla para a realização de seus trabalhos, observando os
costumes e hábitos das pessoas, Costi passeia entre composições imagéticas com
fotografias abstratas; fotografias com viés documental sobre o contexto urbano;
utiliza da própria identidade corporal; apropria-se de fotografias já existentes e sem
fazer nenhuma intervenção cria seus conceitos.
Entre tantos trabalhos e séries publicados por Rochelle Costi, o mais
importante para a elaboração deste TCC, foi a séries “Quartos”, realizado em 1998
(Figura 2 e 3). Neste trabalho ela busca conhecer a intimidade do ser urbano,
investigando o ambiente doméstico, o lugar de refúgio onde se escondem os
maiores segredos da vida de uma pessoa, para estar mais próximo da realidade de
cada um.
Fotografando o leito que as personagens moradoras da cidade de São Paulo
dormem, as paredes que protegem o sono ou a falta dele. Buscar extrair dos
elementos e objetos que monitoram seu sono e os quais ele se relaciona
20
diretamente, informações sobre o personagem. Como a artista escreve em seu
próprio site, ela objetiva “através deste apanhado, cobrindo bairros habitados por
diferentes classes sociais, terei uma amostragem significativa dos tipos humanos
que preenchem a intimidade dos espaços urbanos.” (COSTI, 1998).
Figura 2: “Quartos”, 09, Rochelle Costi (1998)
Fonte:http://rochellecosti.com/Quartos-Sao-Paulo-Rooms-Sao-Paulo-XXIV-Bienal-de-Sao-Paulo-1999
21
Figura 3: “Quartos”, 13, Rochelle Costi (1998)
Fonte:http://rochellecosti.com/Quartos-Sao-Paulo-Rooms-Sao-Paulo-XXIV-Bienal-de-Sao-Paulo-1999
Assim como o trabalho de Calle, Costi também busca perceber vestígios
sobre algumas pessoas, moradoras de São Paulo através dos objetos e do próprio
quarto delas. O quarto é um lugar de intimidade e ele contém muitas informações
importantes para construir e traçar os perfis de cada pessoa. Neste TCC, buscou-se
encontrar essas particularidades em cada quarto fotografado, desde a forma de
organização, aos móveis, as cores que exprimem o particular de cada mulher.
2.1.3 Kiko Goifman
José Henrique Goifman, mais conhecido como Kiko Goifman, é um diretor,
roteirista, artista multimídia, web artista, produtor cultural e ator mineiro, nascido em
22
1968 e graduado em Antropologia Visual pela Universidade Federal de Minas
Gerais. No meio artístico, ele trabalha na área audiovisual.
Os vídeos e filmes de Goifman, frequentemente abordam temáticas da
realidade urbana capitalista pontuando os personagens que estão à margem disso
tudo, ignorados no próprio meio onde vivem. Mendigos, transexuais, presidiários,
usuários de drogas e outros indivíduos que são rejeitados e menosprezados diante a
sociedade e das relações de cidadania do país contemporâneo.
Vários trabalhos trouxeram para Goifman reconhecimento e prestígio, e
dentre seus trabalhos o longa “33” foi que o contribuiu para a construção conceitual
deste TCC. Neste longa Goifman se encontra com 33 anos de idade e traz o tema
com enfoque em sua própria história pessoal, nesse caso é o fato dele ser filho
adotivo. Durante 33 dias ele sai por Belo Horizonte em busca do paradeiro de sua
mãe biológica, como detetive investiga, procura por vestígios, entrevista pessoas
para então saber essência da sua existência.
Construir um trabalho baseando-se em seus contextos pessoais, mais
precisamente em um momento exato em sua vida, seus 33 anos de idade, foi a
principal questão escolhida para conceituar este projeto. Inspirando-se nesse
conceito, este TCC buscou de uma maneira utilizar-se de contextos pessoais da
autora, principalmente sua idade atual, 20 anos de idade. Fazendo que a mesma
fosse em busca de 20 mulheres que também possuíam essa característica.
2.1.4 Bernd e Hilla Becher
Bernd e Hilla Becher (1931-2007/1934-2015), casal de artistas alemães que
se tornaram conhecidos através de suas fotografias de paisagens industriais
abandonadas, com formas duras, obsoletas e intrigantes. O trabalho da dupla
começou em 1958, casaram-se em 1961 e por mais de cinco décadas criaram em
imagens registros da era pós-industrial.
Bernd Becher deu a partida para o que o casal desenvolveria um pouco mais
tarde. Começou fotografando instalações industriais próximas a sua cidade natal,
Siegen, entre 1953 e 1956 na Alemanha Ocidental, que desapareciam em um
23
período de tempo bem acelerado. Sua real intenção não era fazer registros
históricos, fotos para venda, ele queria apenas registrar o que estava diante dos
seus olhos e criar intervenções nessas fotografias, porém suas fotografias guardam
muitas informações sobre esse período histórico.
Depois que começaram a trabalhar juntos, era notório que ambos não seriam
fotógrafos industriais clássicos, como todos estavam acostumados a ver. Eles
trouxeram para a fotografia industrial um olhar poético e através de suas fotografias,
transformaram imagens de simples construções em arte contemporânea. O primeiro
projeto do casal durou quase duas décadas. Viajaram também outros países da
Europa para fotografar, tais como Inglaterra, Alemanha, Bélgica e Holanda.
Conhecidos por suas “tipologias”, que são várias imagens de objetos
semelhantes agrupadas lado a lado (Figura 4), formando uma grade, o casal
desenvolvia um trabalho criando esquemas de repetição de imagens em preto e
branco com numerosos exemplos e formas de construções industriais. O uso dessa
forma de apresentação das imagens não é gratuito, o objetivo é compará-las,
perceber as diferenças que há em objetos que despercebidamente podem parecer
iguais. Quanto mais parecidas as imagens, mas convincentes se tornam as
tipologias. Bernd Becher, afirmou isso em uma entrevista que deu para a revista
Zum, um pouco antes de seu falecimento:
Vimos que, postas uma ao lado da outra, as coisas adquirem uma correspondência. Quando dispostas em grupo, coisas que mal se distinguem umas das outras ganham individualidade. As casas dos operários, por exemplo, ou as torres de extração, se parecem muito, mas só quando se está passeando por elas.(...) Eram muito parecidas, como se saídas de uma linha de produção, como é o caso dos automóveis. Apenas quando postas lado a lado é que se vê a individualidade. (ZIEGLER, 2014)
Suas fotografias conseguiam fazer com que cada construção recebesse uma
nova percepção, deixando de ser simples construções para se tornarem novos
objetos, introduzindo então o trabalho do casal na arte contemporânea. Com uma
arte fria e documental, o casal trouxe uma nova concepção sobre a fotografia
contemporânea.
O motivo principal que este casal de artistas se tornasse referência para este
24
TCC, foi a forma de apresentação de seus trabalhos: o uso das tipologias.
Aproximando os elementos semelhantes e criando uma sequência de fotos, eles
apresentam um conceito de repetição, comparando indiretamente cada objeto.
Figura 4: Doze caixas-d’água, Bernd e Hilla Becher (1978-85)
Fonte: COTTON, 2010, p. 15
O conceito da forma de apresentação de Bernd e Hilla Becher, a aproximação
das figuras para mostrar suas particularidades e semelhanças, ao mesmo tempo
muito parecidas independente das suas diferenças, trouxe para este TCC a
contribuição para a apresentação das imagens produzidas. Todas as mulheres têm
suas fotografias em quadros semelhantes, numa mesma ordem que será
especificada mais adiante.
25
3 CONSTRUÇÃO DO OLHAR
Na contemporaneidade tudo parece ser produzido para ser consumido. A
rapidez e a instantaneidade com que as coisas surgem no mundo, proporciona que
as pessoas venham consumir mais e mais informações sobre tudo. As notícias, por
exemplo, tomam proporção tão grande em um curto período de tempo. Se tornou
comum as pessoas possuírem um smartphone, estarem conectadas na rede e a
todo momento absorver informações que chegam muito rapidamente, quase que de
forma instantânea. Centenas de fotos publicadas em rede sociais, vídeos sendo
postados simultaneamente, o universo multimídia cada vez mais presente no dia a
dia das pessoas.
Mas em meio a tanta informação, como o olhar toma seu espaço para agir? O
que acontece é que as pessoas aprenderam a ver apenas o que praticamente
precisam ver (ANDRADE, 2002). As pessoas consomem muita informação a todo o
momento, mas em qual momento elas deixam de apenas ver essas coisas e passam
a olhar, notar os detalhes e perceber de fato o que elas estão consumindo numa era
onde a comunicação nunca para?
A fotografia utiliza o olhar como ferramenta indispensável para que ela possa
comunicar-se com seu espectador. A fotografia contemporânea não é gratuita, ela é
construída com base em um conceito e tem a necessidade de que seu espectador
desenvolva o olhar para compreender o que ela tem a dizer, “as imagens são
superfícies que pretendem representar algo” (FLUSSER, 1998 p. 27).
Nesta pesquisa, o olhar é fundamental para identificar o que a fotografia
manifesta. No retrato e nos detalhes surgem elementos que identificam as
características e diferenças pessoais entre as vinte mulheres, e conforme Andrade
diz em seu livro “é pelo olhar que chegamos ao outro, esteja ele próximo ou distante”
(2002 p. 115).
A combinação entre os retratos das mulheres e as fotografias de seus
pertences, incluindo seus quartos, suas bolsas, objetos apresentam um valor
significativo e a fotografia dos ornamentos e marcas de seus corpos e a sua
exposição podem construir uma abordagem ampla sobre o contexto feminino,
26
específico da idade (vinte anos) que as mulheres têm.
Diante de uma pessoa e assim de seu retrato, é possível fazer pré-
julgamentos e tentar, com as experiências e vivências de vida do espectador, tirar
suas conclusões sobre determinadas coisas, como por exemplo, uma mulher
tatuada normalmente não é associada à delicadeza. As tatuagens lhe atribuem um
valor de uma personalidade forte, mas essa mulher tatuada pode ter como um objeto
de muito valor algo muito delicado herdado de uma avó e isso com certeza irá
agregar na construção do seu perfil e na sua identidade.
O papel da fotografia aqui é direcionar o olhar para o objeto a ser fotografado:
cada mulher, suas vidas, o particular de cada uma delas, o que pode haver em
comum entre elas; questionando qual a possível semelhança e aproximação entre
essas vinte mulheres que nasceram no mesmo mês e no mesmo ano.
A partir do momento que uma fotografia é publicada, não cabe mais ao
artista/fotógrafo como ela será recebida pelos seus espectadores. Pois a recepção
está ligada a um contexto mais amplo e complexo. Antes de ser o criador da obra, o
artista/fotógrafo também é um espectador e um observador da vida. É através da
percepção e sensibilidade de seu olhar que a imagem irá surgir, pois atentando para
um objeto, uma cena, com um determinado cuidado e atenção, ele irá delimitar ali o
detalhe que desencadeará a construção do olhar.
3.1 IDENTIDADE PESSOAL
Cada indivíduo carrega dentro si os frutos de toda a soma das vivências e
experiências de cada fase de sua vida. O convívio com família, amigos cooperam
para a formação de cada identidade e também de suas personalidades, “tudo isso
contribui para a nossa identidade individual; somos produtos de nossas próprias
histórias” (SALKELD 2014 p.96). No perfil do indivíduo, a identidade é algo mutável
ao longo de sua vida, as condições externas e as mudanças internas implicam na
sua formação.
A fotografia proporciona maior percepção da identidade de uma pessoa. Ao
olhar para um rosto, acredita-se que é capaz de ver a verdadeira realidade dela, os
27
olhos se tornam o elemento mais significativo e expressivo “e é para eles que
olhamos em busca da pessoa real que há por trás deles” (SALKELD 2014 p.96).
Falar de fotografia ou qualquer coisa relacionada a ela, é necessariamente,
falar do olhar. Pode-se fazer uma analogia entres os olhos e a objetiva de uma
câmera, as lentes. A mesma sensação que se tem quando alguém olha para outra
pessoa, pode ser comparada a sensação do fotografado em frente à câmera.
Geralmente tende-se buscar o melhor ângulo, se comportar de uma maneira que
deixe “bem na foto”, como esse dizer popular e, por conta disso, a percepção da
identidade de uma pessoa pode ser diferente de como ela realmente é.
Cada fotógrafo utiliza seus meios para conseguir representar a identidade do
fotografado. O fotógrafo Seydou Keïta em seu estúdio no Mali adotou uma didática
diferente para realizar os retratos das pessoas em seu estúdio. Quando a maioria
dos fotógrafos retratistas tinha em seus estúdios figurinos, ornamentos para as
pessoas usarem, Keïta fazia com que cada pessoa trouxesse seus próprios
ornamentos como rádios, bicicletas, motocicletas, “declarando, assim, na imagem, o
juízo que elas mesmas fazem de sua própria pessoa” (SALKELD 2014 p.102).
Através da fotografia a realidade pode ser vista, mas a identidade de alguém
vai muito além do que uma objetiva pode representar. Delimitar, através de uma
fotografia, a identidade de uma pessoa é algo extremamente difícil, “se pensarmos a
identidade como um estado em constante evolução com faces diferentes em
contextos diferentes uma única fotografia dificilmente poderá transmitir tal
complexidade” (SALKELD 2014 p.100).
Os elementos representados nas fotografias é peça chave para atribuir as
características e cada mulher. Encontrar 20 mulheres que nasceram no mesmo mês
e no mesmo ano põe em questionamento quais são as diferenças e como pode ser
o perfil de cada uma. A grande questão não é definir, classificar ou até mesmo
catalogar cada uma delas encaixando seus perfis em tópicos específicos e sim,
atentar ao momento em que todas estão vivendo, os seus vinte anos.
Chegar aos vinte anos é chegar na década da decisão. Estar chegando na
maioridade aumenta ainda mais as responsabilidades, a vida adulta que está
beirando a chegada. A filósofa francesa Simone de Beauvoir afirma que “ninguém
28
nasce mulher, torna-se mulher” (SALKELD, 2014 p. 108), é essa transição onde
deixa para trás as concepções da adolescência e prepara-se para as
responsabilidades da vida adulta.
3.2 IDENTIFICAÇÃO DE SIGNO
O retrato é a representação de uma figura individual ou de um grupo, não é
uma ação exclusiva da fotografia. Ele não é uma ação atual, desde o princípio do
desenvolvimento artístico na humanidade, os egípcios, por exemplo, já pintavam em
suas gravuras retratos de seres vivos. A cultura do retrato manteve-se em
desenvolvimento, estando presente em todos os períodos artísticos. E após o
surgimento da fotografia, e principalmente na atualidade, usar a fotografia para
retratar-se, retratar os outros se tornou algo muito comum e até banal.
As características físicas de cada mulher é representada através do retrato, a
partir dele pode-se notar os traços de seus rostos, a forma e a cor de seus cabelos,
informações que compõem a aparência delas. Para conhecer mais sobre suas
particularidades, os elementos significativos serão fotografados atribuindo
informações aos retratos, construindo a representação de suas identidades.
A fotografia, assim como as palavras, é uma forma de comunicação. Deste
modo ela também é uma linguagem, uma linguagem não verbal. Assim como todas
as formas de linguagem, a fotografia também precisa ser interpretada e essa
interpretação se dá, através dos signos. Os signos são nada mais que “uma coisa
que representa uma outra coisa: seu objeto.” (SANTAELLA, 1990 p. 12). O signo
não é o objeto, ele é usado para dar significado e representar esses objetos.
No livro “A câmara clara”, Roland Barthes (1980), traz experiências de seu
olhar. Ele define a fotografia como um objeto de três práticas, ou três emoções: o
fazer, suportar e olhar. Com essa definição e identificação, Barthes permitiu uma
melhor análise da fotografia e segundo ele assim como existem três práticas,
existem também o fotógrafo, “operator”, o espectador, definido como “spectador” e o
“spectrum” o referente da imagem fotográfica.
Segundo Barthes, a emoção do Operator, é conseguir captar o que ele tanto
29
deseja, para isso através do orifício da câmera fotográfica ele olha, limita, enquadra
e coloca em perspectiva o para ele é significativo. Assim como existem inúmeros
motivos para que uma pessoa se interesse pela fotografia, antes de chegar ao
espectador (spectador), o olhar do fotógrafo teve motivos para se interessar pelo
elemento registrado. Conforme Barthes escreveu em seu livro, as razões podem ser
as seguintes: “seja o desejar o objeto, a paisagem, o corpo que ela representa; seja
amar ou ter amado o ser que ela nos dá a reconhecer; seja espantarmo-nos com o
que vemos; seja admirar ou discutir etc” (BARTHES, 1980). São razões como estas
que implicam no olhar do fotógrafo, fazendo-o com que ele o empenhe nos
elementos que são significativos.
Ainda em “A câmara clara”, Barthes fala sobre dois pontos muito importantes
para o entendimento sobre fotografia e a relação com os signos. Esses dois termos
usados por Barthes é o studium e o punctum. O studium, “que não dizer, pelo menos
de imediato, “estudo”, mas a aplicação a uma coisa… uma espécie de investimento
geral… é verdade, mas sem acuidade particular.” (BARTHES, 1980. p. 31). E o outro
termo é o punctum, “é também picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno
corte” (BARTHES 1980, p. 31), ou seja, um detalhe. Não tem como fazer uma norma
dessa ligação, pois nem sempre ambos estarão presentes na mesma fotografia.
Assim como muitas fotografias podem ser inertes ao olhar, provocando
apenas um interesse geral. Muitos elementos que compõem a vida e o particular de
cada mulher pode ser apenas um interesse social, sem que algo desperte um
interesse mais profundo. Mas o desenvolvimento deste TCC buscou encontrar os
detalhes que compõem a vida das vinte mulheres.
Neste TCC, cada mulher tem sua particularidade representada pelas
fotografias de seus pertences, pelas marcas e ornamentos de seus corpos, pelos
objetos que para elas são significativos. São esses signos, esses detalhes, esse
punctum, que trazem as características dessas mulheres e quando os 20 quadros de
fotografias forem colocadas lado a lado, ficará notório as prováveis diferenças.
O conhecimento desses signos só é possível, pois a percepção do olhar foi
construindo-se ao longo do processo fotográfico, sendo enriquecida com o contato e
as conversas com cada participante. É através de informações sobre elas, que o
30
olhar se aplica sobre os detalhes que constroem seus perfis.
“pois a fotografia transformou, antes de tudo, os nossos modos de ver. (...)
Ela acabou por revelar que nosso próprio olhar é também fruto de uma
construção com potenciais e limites definidos, uma construção dependente
de pontos de vista física e culturalmente instituídos, dependente da
proximidade ou distância físicas e ideológicas que estabelecemos com os
objetos percebidos. Em suma, foi a fotografia que acabou com o mito de que
nosso olhar é algo natural e inocente.” (SANTAELLA, 2005 p. 22)
O olhar têm tendência em buscar por um ponto, para elementos preferenciais,
que lhe desperte atenção, curiosidade, ou o remeta a algo em sua memória, o olhar
tem tendência a buscar pelo punctum. E sendo assim, os objetos fotografados
“passam a ser centrais, portadores preferenciais do significado. Deste modo, o olhar
vai estabelecendo relações significativas.” (FLUSSER, 1998. p. 28). Relações com
os objetos fotografados, bem como com a mulher fotografada.
Os elementos significativos são os responsáveis por atribuir características
para cada mulher. Há razões para que cada mulher identifique tais elementos,
classificando-os como significações pessoais. Rochelle Costi, fala a respeito de seu
trabalho “Quartos”, onde ela busca “do personagem informações fornecidas apenas
pelos elementos que vigiam seu sono, com os quais ele relaciona-se todos os dias e
todas as noites de suas semanas”, além de elementos que vigiam o sono dessas
mulheres, elementos que as acompanham todos os dias, que compõem suas vidas
são de interesse. A fotografia, por muitas vezes atua “como o depoimento de uma
testemunha” (SALKELD, 2014 p. 47), trazendo informações a respeito da
personagem.
Como exemplo, uma das fotografadas, uma mulher desprendida de bens
materiais, apresenta o livro “O Diário Secreto” (STOCKLER, 2016), que para ela tem
muito valor, devido exclusivamente a uma frase que nele contém que veio a se
encaixar com um momento de sua vida. Ao pensar que uma mulher de vinte anos
tem como elemento significativo um livro com o nome “O Diário Secreto”, pode por
um momento lhe atribuir características infantis. Mas ao descobrir o que de fato
chama sua atenção, no caso uma frase, percebemos que ela é uma mulher cheias
de sonhos, que tomou a decisão de ir em busca de sua realização pessoal.
31
Uma terceira pessoa fica impossibilitada de definir alguém por alguns objetos,
e por isso não é o olhar da fotógrafa que vai definir identidade de cada uma, mas a
particularidade delas ficará refém de como o olhar do operator irá apresentar cada
elemento significativo para cada mulher. O olhar vai se construindo mediante a troca
de conhecimento e dos elementos que representam cada mulher.
32
4 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA: VINTE
A produção fotográfica deste trabalho tem como principal objetivo expor as
diferenças de um grupo de mulheres, aos vinte anos de idade, representadas por
cada fotografia, utilizando conceitos e linguagem da fotografia contemporânea,
associadas a características pessoais da autora. A exposição que tem como nome
“VINTE”, se deu por dois fatores: a quantidade de participantes e a idade de vida em
que todas elas se encontram. Vinte anos é a idade atual da autora, que também está
representada pelas fotografias e, por esse motivo, as demais participantes possuem
a mesma idade, indo mais além todas a vinte participantes além de terem a mesma
idade, nasceram no mês e no mesmo ano, todas em setembro de 1996. Nos anexos
deste TCC, encontram-se mais informações sobre as participantes, bem como as
relações percebidas pela autora deste TCC através dos encontros e contato com as
mulheres registradas.
Desenvolvido de um projeto anterior de uma disciplina do curso e sobre
outros trabalhos que influenciaram e despertaram o interesse em conhecer o outro,
este projeto busca mostrar as diferenças e conhecer mais sobre a vida de cada
participante, principalmente sobre quem elas são e estão se tornando aos passar
dos vinte anos. Ter vinte anos de idade implica sobre muitas coisas na vida de uma
pessoa, é uma fase de mudanças onde as responsabilidades vem chegando e
transformando a mente, os planos, e a forma de ver e encarar a vida. Para a autora
os vinte anos chegou e se tornou libertador, modificando muitas coisas e abrindo
novas oportunidades para que houvesse crescimento pessoal.
Os artistas que contribuíram para o desenvolvimento da prática fotográfica
deste projeto foram: Sophie Calle, com seu trabalho “L’Hotel”, onde ela fotografou os
pertences de hóspedes que ocuparam alguns quartos do hotel; Rochelle Costi, com
seu trabalho “Quartos”, onde ela fotografou vários quartos de diferentes pessoas da
cidade de São Paulo; Bernd e Hilla Becher pelo uso de tipologias em seus trabalhos,
aproximando as representações semelhantes dando ideia de repetição.
Para cada mulher foi feito uma montagem com suas fotografias (Figura 5):
retrato, fotografia do quarto, as fotografias dos pertences, dos ornamentos e da
33
bolsa. Cada quadro, montagem, tem entre 6 a 20 fotografias, a quantidade de fotos
em cada quadro depende de quantos objetos cada mulher denomina como sendo
importante.
Figura 5: Caroline (2017)
Fonte: Autoria própria
4.1 AS VINTE MULHERES E O PROCESSO DE SELEÇÃO
Com tema definido e com o início do projeto já iniciado, debateu-se uma
questão de suma importância: como encontrar essas mulheres. Primordialmente
tentou-se buscar mulheres que nasceram no mesmo dia da autora, 11 de setembro
de 1996, procurou-se contato com um dos cartórios da cidade, e hospitais para obter
informações sobre nascimentos neste mesmo dia, porém essas tentativas não
alcançaram o êxito. Mudou-se então os critérios para a seleção, ampliando a data de
nascimento, estabelecendo como principal característica ter nascido no mês de
setembro do ano de 1996.
34
Estando com o principal ponto definido começou então a busca por essas 19
mulheres (19, pois a autora será uma das participantes). A principal fonte de
pesquisa para encontrar essas mulheres e conseguir contato com as mesmas foi
através da rede social Facebook, desde julho de 2016 foram mais de 30 mulheres
convidadas para participar deste TCC, muitas sem devolver nenhum feedback,
outras aceitando ajudar com muito prazer, percalços já esperamos no começo deste
trabalho. Muitas das envolvidas foram por indicação de amigos que também
procuram em suas redes sociais, poucas delas a autora já havia tido contato.
De início cada mulher recebeu um e-mail explicativo sobre a proposta do
projeto, especificando quão importante seria que elas fossem elas mesmas, para
poder ser percebido a particularidade de cada uma. Para conhecer cada participante
elas também responderam a um questionários sobre suas vidas. Mediante as
respostas deste questionário alguns pontos se destacam: como fato de ter duas
mulheres que já são casadas, uma há 4 anos e outra a alguns meses; uma por ser
noiva; outra por já estar iniciando seu próprio negócio; outra por morar sozinha em
uma cidade diferente da qual nasceu; algumas pela presença marcante da cor rosa
em seus quartos e seus objetos; outras por terem muito apego a lembranças da
infância; particularidades como estas que as unem e as diferem aos mesmo tempo.
A maioria das mulheres fotografadas, mais precisamente 17 delas, são da
cidade de Caxias do Sul, nem todas de naturalidade caxiense, mas a maioria
residente na cidade, sendo elas de diferentes bairros da cidade. Dentre as 20
participantes existem que não residem na cidade, tendo uma que mora na cidade de
Porto Alegre, uma em Nova Petrópolis e uma em Pinto Bandeira. Não houve um
critério para que todas fossem da cidade de Caxias do Sul, pelo fato de nem todas
aceitaram participar e se este critério tivesse sido estabelecido dificultaria a
realização deste TCC.
4.2 PROCESSO FOTOGRÁFICO
A fotografia é uma representação e cada mulher é representada pelos
objetos que para ela são significativos (já explicado anteriormente no capítulo 3). As
35
fotos aconteceram em meio a conversas, pois pode-se conhecer melhor alguém
ouvindo sobre essa pessoa e a partir dessas conversas que os elementos
importantes para cada uma delas foram estipulados. Algumas tiveram uma facilidade
grande em eleger esses elementos outras conseguiram com um pouco mais de
dificuldade. As fotografias podem ser classificadas em cinco categorias: retrato;
quarto; bolsa - a bolsa e o que há nelas; ornamentos e marcas; objetos. Os quadros
(Figura 6) com as fotografias contêm cinco categorias, as três primeiras (com quatro
fotos) seguem a mesma organização e disposição de fotos para todas as
participantes, que são elas: o retrato, o quarto, a bolsa e o que há dentro delas.
Essas três categorias requerem a mesma organização e execução, pois é tido como
padrão, o comum entre elas.
Figura 6: Isabella (2017)
Fonte: Autoria própria
Estabelecendo um padrão para as categorias acima citadas, o retrato de cada
mulher foi feito dentro do quarto, buscando sempre uma parede clara dentro do
36
cômodo, alternando entre paredes, porta, cortinas e até os móveis do quarto. A
fotografia do quarto teve preferência para serem feitas da porta para dentro, pois é
dessa maneira que o olhar tem o primeiro contato com o cômodo, é dessa maneira
que o vê quando chega à porta, exceto se o cômodo for muito pequeno e os móveis
impossibilite a melhor visão do ambiente como na figura 7, utilizando também a
técnica para fazer uma foto panorâmica com ajuda do Photoshop, programa de
edição de imagens. A fotografia das bolsas e o que elas carregam dentro delas são
todas feitas necessariamente no chão do quarto delas, o principal motivo para essa
especificação é devido ao ângulo escolhido para cada foto: plongée absoluto; além
de conseguir maior espaço para a disposição dos objetos.
Figura 7: Ianan (2017)
Fonte: Autoria própria
As duas outras categorias, os ornamentos e os objetos, ficam dependentes
da personalidade e da particularidade de cada uma. Conforme os momentos que ela
37
vivenciou em suas vidas, as pessoas que estão presentes e importantes para cada
uma delas, representadas por fotografias. Mulheres que guardam objetos de sua
infância com carinho e saudades. Há também aquelas que não são apegadas aos
bens materiais, mas momentos de sua vida que foi marcado com uma frase que
impulsionou os seus sonhos, como na figura 8: “Reconhecer seus próprios talentos é
de suma importância para o desenvolvimento pessoal. Ter a alma cheia de orgulho
de si mesmo te faz sentir mais vivo e ter sede de querer mais, melhorar, evoluir,
aprender. Ter o reconhecimento de terceiros é gratificante, alimenta o ego,
transforma essas pequenas coisas em coisas extraordinárias.”, livro Diário Secreto
(STOCKLER, 2016). Seus corpos carregam marcas e ornamentos, alguns com
significados, outros por gostos e/ou por um simples querer, mas eles agregam valor
na identificação de cada uma delas.
Figura 8: Mikaela (2017)
Fonte: Autoria própria
38
Na figura 9, a mulher em questão possui duas tatuagens e vários piercings,
uma de suas tatuagens está escrito “better together”, essa tatuagem foi feita em
conjunto com sua mãe, uma amiga de infância e a mãe dessa amiga, as quatro com
a mesma tatuagem, “melhor juntas” poderia ser essa a melhor tradução. Porém, os
piercings que ela carregam em seu corpo estão ali pois ela gosta de usar, não há
uma significado maior, mas todos que a conhecem podem a associar a estes
ornamentos, pois isso faz parte dela.
Figura 9: Júlia (2017)
Fonte: Autoria própria
Apesar da forte influência das referências de Calle e do casal Becher através
das imagens em preto e branco, a cor nas fotografias deste trabalho foram mantidas
assim como no trabalho de Costi. Cada elemento perderia sua contribuição
significativa se fosse retirada a cor, já que cada elemento possui características
visuais próprias e significativas. Por exemplo: na figura 10, devido ao seu gosto
pessoal, a cor rosa é bem presente na vida da retratada, assim como a cor vermelha
representando seu clube de futebol favorito. Se as cores fossem removidas dessas
fotografias perderia-se o valor de cada elemento representado.
39
Figura 10: Alessandra (2017)
Fonte: Autoria própria
Todas as fotografias passaram por processo de edição no programa
Lightroom1, mas sofreram apenas pequenos ajustes como exposição, correção de
sombras e realces, brancos e pretos e todas as montagens dos quadros foram feitas
no Photoshop2. A luz utilizada foi ambiente, sem utilização de outros equipamentos.
A exposição aconteceu do dia 03 a 15 de julho no Campus 8 da Universidade
de Caxias do Sul e apresentando os vinte quadros das vintes mulheres, organizados
por ordem crescente de acordo com o dia de nascimento, as que nasceram no
mesmo dia terão como critério a ordem alfabética. O registro fotográfico da
exposição estará nos apêndices.
1 Adobe Lightroom 5.4 64-bt 2015
2 Adobe Photoshop CC 2015
40
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este TCC, evidencia-se a importância da fotografia como
representação de uma determinada realidade. Hoje ela está cada vez mais presente
no âmbito artístico e sendo muito utilizada por artistas, inserindo também muitos
fotógrafos na arte. No contexto artístico contemporâneo, a fotografia recebeu novos
atributos, novos conceitos que possibilitaram que o sutil, o simples, o cotidiano
recebessem um olhar poético, elevando o valor do trivial. Alguns artistas, citados no
decorrer deste debate sobre a fotografia contemporânea, construíram uma
linguagem própria e muito significativa.
As referências mencionadas neste trabalho de TCC foram fundamentais para
compor os conceitos aqui abordados. Cada artista pesquisado contribuiu para criar a
representação visual deste seleto grupo de mulheres, desde a composição das
fotografias de Bernd e Hilla Becher, à sutileza com que Sophie Calle buscava
registrar os vestígios de cada hóspede do hotel a qual trabalhou, trazendo para este
trabalho a busca pelos pequenos detalhes de cada mulher para representar um
pouco sobre quem elas são ou aparentam ser. Se no mundo há mais de 7 bilhões de
pessoas percebeu-se que muitas coisas podem haver em comum, mas não é uma
regra e sim casualidades que a vida proporciona para cada pessoa, de acordo com
sua cultura e suas individualidades.
A fotografia é uma linguagem que se constrói através dos signos, e por sua
vez os signos são coisas que representam outra coisa. São as fotografias dos
objetos, ornamentos, marcas de cada mulher que as representam e é através
dessas representações que a visão sobre elas começam a construir-se. O interesse
sobre uma determinada imagem acontece pois há nela um detalhe que desperta a
atenção do seu espectador. Nas composições realizadas com as fotografias de cada
mulher, os detalhes estão presentes em cada representação delas ali expostas, a
partir deles o interesse sobre a vida de cada mulher pode ser despertado.
Sabe-se que não se pode falar de fotografia sem falar do olhar. É por meio
dele que detecta-se os pontos fundamentais de uma obra artística, através dele que
chega-se ao outro. Através do olhar a fotografia conecta-se com seu espectador. As
41
experiências vividas de todas as partes, espectador, fotógrafo, fotografado,
contribuem para a maneira de como ela será construída e interpretada. Diante disso,
entende-se que para o fotógrafo também implica o que ele fotografa e a sua
subjetividade.
A partir de um retrato fica o questionamento sobre se realmente ele expressa
a identidade de uma pessoa. Tendenciosas, as pessoas escolhem seu melhor
ângulo, na busca de mostrarem o seu melhor para a câmera. Tais ações permitem a
indagação sobre quem elas realmente são, sobre suas verdadeiras identidades.
Partindo desse ponto, a investigação desenvolvida neste TCC foi em busca de
encontrar vestígios da identidade de cada mulher por outros meios além do retrato.
Ainda utilizando a fotografia, os objetos que fazem parte do dia a dia de cada
mulher foram fotografados, objetos que foram eleitos pelas mesmas por grau de
significância e importância para cada uma delas, trazendo para o conjunto de
imagens informações sobre suas características pessoais. Cada elemento
fotografado, cada ornamento e marcas em seus corpos dizem muito sobre quem
elas realmente são, de como vêm comportando-se na passagem dos seus vinte
anos.
Deparar-se com vinte anos é encontrar-se em transição, pois essa é a melhor
definição para expressar esse período da vida. Mesmo tendo em comum o mês e
ano de nascimento, cada mulher encara esta fase e comporta-se de maneiras
distintas, porém para todas é o período que antecede e as prepara para a
maioridade. Nos quadros com as fotografias fica visível em qual momento cada uma
se encontra, umas apegadas à lembranças da infância, outras buscando a ascensão
de suas vidas, outras já com responsabilidades de uma vida adulta. As implicações
sobre suas identidade está totalmente ligada às vivências familiares, às pessoas
com quem elas se relacionam e convivem, ao ambiente que nasceram e foram
criadas, independentemente das circunstâncias que as envolve, a fase de mudança
e de preparo é o que as une de fato.
Assim, entre essas vinte mulheres, há em comum preocupações e
expectativas que os vinte anos de idade trazem consigo, como as responsabilidades
e as cobranças externas e internas que as afetam. Essa fase, para algumas, foi o
42
marco de decisões importantes como terminar um relacionamento longo, morar
sozinha, abrir seu próprio negócio, fazer viagens, dar um passo mais importante no
relacionamento como noivar e até casar. O que motivou cada uma a tomar essas
decisões não aconteceu por influência do ano e mês de nascimento, mas dos
resultados que obtiveram em suas vidas até o presente momento.
A construção da percepção sobre elas só foi possível através das conversas
que resultaram nas fotografias, onde o olhar foi aplicado sobre cada elemento
significativo. Sendo assim, pode-se concluir que uma fotografia só não tem apenas a
capacidade de expressar tamanha complexidade sobre a identidade de alguém, mas
aliando o retrato com fotografias de elementos que permitem o conhecimento maior
sobre suas personalidades, pode-se conhecer mais sobre quem esteve à frente das
câmeras.
Sendo assim, este trabalho pretende deixar sua contribuição autoral para
questões que permeiam o olhar sobre o outro, situados os conceitos da fotografia
como arte, a construção do olhar e as significações da imagem.
43
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Rosane de. Fotografia e Antropologia: olhares fora-dentro. 2002. São Paulo - Brasil. BARTHES, Roland. A câmara clara. 2012. Rio de Janeiro - Brasil CALLE, Sophie. The Hotel, Room 47. 2017 Disponível em: http://www.tate.org.uk/art/artworks/calle-the-hotel-room-47-p78300. Acesso em 15/04/2017 COSTI, Rochele. Quartos - São Paulo / Rooms - São Paulo, XXIV Bienal de São Paulo, 1998. Disponível em: http://rochellecosti.com/Quartos-Sao-Paulo-Rooms-Sao-Paulo-XXIV-Bienal-de-Sao-Paulo-1998. Acesso em: 09/04/2017 COSTI, Rochelle. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22077/rochelle-costi. Acesso em: 09/04/2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7 COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. 2010. São Paulo – Brasil. FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia - para uma filosofia da técnica. 1983. GOIFMAN, Kiko. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa14248/kiko-goifman. Acesso em: 29/04/2017. KUBRUSLY, Cláudio A. O que é fotografia. 1991. São Paulo - Brasil. SALKELD, Richard. Como ler uma fotografia. 2014. São Paulo - Brasil. SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. 1990. São Paulo - Brasil. SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações estão divergindo? 2005. São Paulo - Brasil ZIEGLER, Ulf Erdmann. O léxico industrial de Bernd e Hilla Becher. 2014. Disponível em: http://revistazum.com.br/revista-zum-1/hilla-becher/. Acesso em: 15/04/17.
44
APÊNDICES
45
PERCEPÇÕES SOBRE AS MULHERES RETRATADAS
O presente anexo é destinado para descrever um pouco como foi o encontro
com as participantes. A partir destes encontros tive a oportunidade de conversar
com cada uma e conhecer um pouco sobre as histórias de vida.
Mesmo visitando elas, falar sobre cada uma não tão simples. Criamos em nós
percepções sobre o outro. Pude ver muitas diferenças, conheci muitas histórias e
existem sim muitos pensamentos iguais, mas que não são por causa do ano e do
mês de nascimento, mas sim dos valores, da forma de criação e de como cada uma
enxerga a vida.
Todas têm suas histórias, mas dentre elas posso citar duas que me marcaram
por serem semelhantes e ao mesmo tempo muito diferentes. A Bruna e a Shaiane,
elas sofreram muito por suas escolhas, não tiveram o apoio de suas famílias,
sofreram com o desprezo e a rejeição: a Bruna por ser homossexual e a Shaiane por
querer seguir a fé cristã. São diferenças assim que as aproximam sem nem mesmo
elas saberem, e o mais curioso é como cada uma reagiu a todos esses momentos
difíceis. A Bruna entrou em depressão, não perdoou os pais tendo isso como
impulso também para estudar Design de Produto na UFRGS, em Porto Alegre, a
Shaiane por sua vez, mesmo sendo internada como “louca” conseguiu perdoar os
pais e convive com eles, mas ambas carregando suas cicatrizes.
Achei muito interessante como eu também me identifiquei com a Roberta, nós
duas, aos 20 anos terminamos relacionamentos longos e, por mais banal que seja,
cortamos nossos cabelos cacheados. Pode parecer um detalhe sem importância,
mas fizemos isso em épocas próximas sem nem sequer imaginar que outra pessoa
também estava vivendo uma situação semelhante.
Umas têm muito, outras pouco. Enquanto a Tauana sonha em conseguir
comprar a sua casa, a Mikaela em seu negócio crescer e conseguir fazer sua
faculdade de Medicina Veterinária, outras já estão vivendo esses sonhos.
São mulheres diferentes que vivenciam o mesmo momento, as cobranças que
a vida adulta já traz por si só, assim como qualquer outra pessoa, seja mulher ou
homem, enfrenta ao chegar e encontrar-se com 20 anos. Para conhecer um pouco
46
sobre cada uma, abaixo estão o nome, data de nascimento, local de nascimento e
onde cada uma reside e há quanto tempo mora naquela cidade.
Nome completo: Alessandra Vieira de Deus
Data de nascimento: 03/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Ianan Della Preia Ribeiro
Data de nascimento: 05/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Janaine Cristina Bagatini
Data de nascimento: 07/09/1996
Local de nascimento: Parobé, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 3 anos
Nome completo: Shaiane Ballardim
Data de nascimento: 07/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Amanda Parisenti
Data de nascimento: 08/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Bibiane Sá Echabe
Data de nascimento: 08/09/1996
Local de nascimento: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 12 anos
47
Nome completo: Júlia Zanotti
Data de nascimento: 10/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Tauana Paula Giacomoni Mila
Data de nascimento: 10/09/1996
Local de nascimento: Farroupilha, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Pinto Bandeira, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 20 anos
Nome completo: Franciele Giacometti de Brito
Data de nascimento: 11/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Bruna Zanotto da Silva
Data de nascimento: 14/09/1996
Local de nascimento: Antônio Prado, Rio Grande do Sul, Brasil - Por 18 anos
Local onde mora: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 2 anos
Nome completo: Caroline Matos Pires
Data de nascimento: 15/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Isabella Silocchi de Amorim
Data de nascimento: 23/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
48
Nome completo: Larissa Conte Panozzo
Data de nascimento: 24/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Mikaela Fernanda Sarafim Nunes
Data de nascimento: 24/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Michele Corso de Barros
Data de nascimento: 25/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Roberta Regina Saldanha
Data de nascimento: 25/09/1996
Local de nascimento: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 13 anos
Nome completo: Nicole Silveira Fagundes
Data de nascimento: 26/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Nome completo: Esther Flôres Lorenz
Data de nascimento: 27/09/1996
Local de nascimento: Farroupilha, Rio Grande do Sul, Brasil - Por 5 anos
Local onde mora: Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 15 anos
49
Nome completo: Alice Ribeiro Twardowsli
Data de nascimento: 28/09/1996
Local de nascimento: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil - Há 10 anos
Nome completo: Daniela Teles dos Santos
Data de nascimento: 30/09/1996
Local de nascimento: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Local onde mora: Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
50
ANEXOS
51
ANEXO 1 - TERMOS DE USO DE IMAGEM