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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL SHAIANE CRISTINA GIUSTI A MANIPULAÇÃO DIGITAL NA PÓS-PRODUÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS BASEADAS NAS MENSAGENS DOS CONTOS DE FADAS DOS IRMÃOS GRIMM Caxias do Sul 2018

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL SHAIANE CRISTINA GIUSTI · que teve comigo durante todo este processo de conclusão do trabalho acadêmico. Ao professor e coordenador do curso de fotografia,

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Page 1: UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL SHAIANE CRISTINA GIUSTI · que teve comigo durante todo este processo de conclusão do trabalho acadêmico. Ao professor e coordenador do curso de fotografia,

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

SHAIANE CRISTINA GIUSTI

A MANIPULAÇÃO DIGITAL NA PÓS-PRODUÇÃO:

A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS BASEADAS NAS

MENSAGENS DOS CONTOS DE FADAS DOS IRMÃOS GRIMM

Caxias do Sul

2018

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ÁREA DE CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

TECNOLÓGICO EM FOTOGRAFIA

SHAIANE CRISTINA GIUSTI

A MANIPULAÇÃO DIGITAL NA PÓS-PRODUÇÃO:

A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS BASEADAS NAS

MENSAGENS DOS CONTOS DE FADAS DOS IRMÃOS GRIMM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito parcial para a obtenção do grau

de Tecnólogo em Fotografia do curso de

Tecnologia em Fotografia da Universidade de

Caxias do Sul.

Orientador(a): Prof.ª. Ma. Flóra Simon da

Silva

Caxias do Sul

2018

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SHAIANE CRISTINA GIUSTI

A MANIPULAÇÃO DIGITAL NA PÓS-PRODUÇÃO:

A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS BASEADAS NAS

MENSAGENS DOS CONTOS DE FADAS DOS IRMÃOS GRIMM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como requisito parcial para a obtenção do grau

de Tecnólogo em Fotografia do curso de

Tecnologia em Fotografia da Universidade de

Caxias do Sul.

Aprovado em: ___/___/_____

Banca Examinadora:

_________________________________

Prof.ª. Ma. Flóra Simon da Silva

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_________________________________

Prof. Dr. Ronei Teodoro da Silva

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_________________________________

Prof.ª. Dra. Silvana Boone

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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AGRADECIMENTOS

Começo agradecendo à minha família, que esteve presente ao meu lado, não somente

durante o processo deste trabalho de conclusão de curso, mas em todo o processo acadêmico.

À minha mãe Cristiane de Boni, por nunca desistir de me ajudar e do sonho de me ver

formada e graduada, sempre me apoiando e me dando suporte em qualquer situação.

Ao meu noivo Bruno Barea, por estar ao meu lado em todas as situações, difíceis e

fáceis, durante toda esta etapa de planos e conquistas.

Aos meus sogros, que considero como pais, Ana e Luiz Barea, pelo suporte e auxílio

que quando precisei nunca foi negado.

Aos meus padrinhos, que considero como pais, Cátia e Éverton Soares, pela força e

suporte em toda esta etapa de planos e conquistas.

Ao meu melhor amigo, Symon Mendes, por estar sempre ao meu lado me auxiliando e

dividindo a história de vida acadêmica e que hoje, posso chamar de companheiro de profissão.

À tia Suely, que tornou o meu sonho de ingressar na vida acadêmica possível.

À professora e orientadora Flóra Simon, por todo o auxílio, paciência e determinação

que teve comigo durante todo este processo de conclusão do trabalho acadêmico.

Ao professor e coordenador do curso de fotografia, Édson Corrêa, por sempre me

auxiliar, empréstimos de materiais de trabalho e pelo suporte em geral.

Aos meus convidados da banca examinadora: professores Ronei Teodoro e Silvana

Boone, disponibilizando seu tempo e conhecimento para avaliação do mesmo.

Ao meu amigo, chefe e ídolo, Lucas Lermen, por sua enorme paciência e toda a ajuda

que disponibilizou para tornar esse trabalho possível.

À Universidade de Caxias do Sul no geral, por proporcionar a graduação tecnológica no

curso de Fotografia com todo seu suporte administrativo, físico e educacional.

Às protagonistas de uma das imagens deste trabalho, e minhas amigas Bruna Sperb e

Danielle Corrêa, que sem a sua disposição e auxílio não conseguiria realizar uma das etapas

deste trabalho.

Aos pequenos protagonistas Elena e Edurado e seus pais, pela disposição de tempo e

auxílio para que o trabalho fotográfico fosse realizado.

À minha amiga e colega de trabalho Bruna Rother, por sua amizade, paciência e auxílio

neste trabalho.

Por fim, agradeço aos meus amigos em geral que estão comigo por longos anos,

obrigada pelo auxílio, empréstimos de materiais, paciência e amizade.

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma pesquisa teórico-prática, e seu processo técnico, a manipulação

digital de fotografias na pós-produção, assim como o planejamento de sua composição na pré-

produção da imagem. O seu tema volta-se as mensagens esquecidas da primeira edição dos

contos de fadas de A Gata Borralheira (1812-1815) e João e Maria (1812-815) dos irmãos

Grimm, e o seu processo na manipulação digital para representar narrativas fotográficas. A

pesquisa explora a questão de padrões de beleza e o abandono de crianças por seus próprios

pais, que, atualmente, são abordados como problemas sociais.

Palavras-chave: Narrativa Fotográfica. Manipulação Digital. Contos de Fadas. João e Maria. A

Gata Borralheira.

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ABSTRACT

This work presents a research theoretical and practical about the process of the digital photo

manipulation into the image prior the production. This report concerns about the forgotten

messages of the first edition of the Aschenputtel (Cinderella) fairy tales (1812-1815) and Hänsel

uns Gretel (Hansel and Grethel) (1812-1815) from Grimm’s brothers and his digital

manipulation process to represent photo narratives. The research explores the standard of

beauty and the child resignation of their own parents that actually are addressed as social

problems.

Key words: Photo Narrative. Digital Manipulation. Fairy Tales. Hansel and Gretel. Cinderella.

Pos production.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Birth .................................................................................................................... 16

Figura 2 – The Mother .......................................................................................................... 16

Figura 3 – Pets Health .......................................................................................................... 20

Figura 4 – O Grande Gonzales ............................................................................................. 23

Figura 5 – Roda Cromática das Cores .................................................................................. 26

Figura 6 – Ink Art ................................................................................................................. 27

Figura 7 – Cara Comida – Face Food .................................................................................. 29

Figura 8 – Páscoa do Norte .................................................................................................. 32

Figura 9 – Two Ways of Life ............................................................................................... 32

Figura 10 – Counting Lesson in Purgatory .......................................................................... 33

Figura 11 – Woman Once a Bird .......................................................................................... 34

Figura 12 – Sugar Hit ........................................................................................................... 36

Figura 13 – The Hunger White, o desenho ........................................................................... 37

Figura 14 – The Hunger White, imagem final ..................................................................... 37

Figura 15 – The Verve .......................................................................................................... 38

Figura 16 – Where you’re the fairest of them all, 1 ............................................................. 38

Figura 17 – Where you’re the fairest of them all, 2 ............................................................. 39

Figura 18 – Etapas do Desenvolvimento .............................................................................. 51

Figura 19 – Esboço 1 Realidade Subjetiva ........................................................................... 53

Figura 20 – Esboço 2 O Abandono ...................................................................................... 54

Figura 21 – Cenário para Realidade Subjetiva Personagem 1 e 2 ........................................ 56

Figura 22 – Cenário para O Abandono ................................................................................. 57

Figura 23 – Montagem Realidade Submissa Parte 1 ............................................................ 58

Figura 24 – Montagem Realidade Submissa Parte 2 ............................................................ 59

Figura 25 – Montagem Realidade Submissa Parte 3 ............................................................ 60

Figura 26 – Montagem Realidade Submissa Parte Finalizada .............................................. 61

Figura 27 – Montagem Realidade Submissa Razão Áurea ................................................... 62

Figura 28 – Montagem O Abandono Parte 1 ........................................................................ 63

Figura 29 – Montagem O Abandono Parte 2 ........................................................................ 64

Figura 30 – Montagem O Abandono Parte 3 ........................................................................ 65

Figura 31 – Montagem O Abandono Finalizada .................................................................. 66

Figura 32 – Montagem O Abandono Razão Áurea .............................................................. 67

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09

2 SOBRE A FOTOGRAFIA ............................................................................... 12

2.1 NARRATIVA FOTOGRÁFICA ........................................................................ 14

2.1.1 Construindo uma narrativa fotográfica ......................................................... 17

2.1.1.1 A composição de uma narrativa fotográfica ....................................................... 17

2.1.1.2 A iluminação de uma narrativa fotográfica ........................................................ 20

2.1.1.3 As cores de uma narrativa fotográfica ................................................................ 23

2.1.1.4 Criatividade x técnica ........................................................................................ 27

2.2 MANIPULAÇÃO NA FOTOGRAFIA .............................................................. 30

2.2.1 Manipulação na fotografia analógica .............................................................. 31

2.2.2 Manipulação na fotografia digital ................................................................... 34

2.2.3 A recriação de uma imagem na pós-produção ............................................... 36

2.2.4 Software de manipulação ................................................................................. 39

3 OS CONTOS DE FADAS ................................................................................ 41

3.1 OS IRMÃOS GRIMM ........................................................................................ 42

3.2 A GATA BORRALHEIRA – PRIMEIRA EDIÇÃO ......................................... 43

3.2.1 O que mudou nas edições seguintes do conto de A Gata Borralheira ......... 44

3.2.2 A mensagem transmitida no conto de A Gata Borralheira de 1812-1815 ... 45

3.3 JOÃO E MARIA – PRIMEIRA EDIÇÃO ......................................................... 46

3.3.1 O que mudou nas edições seguintes do conto de João e Maria .................... 47

3.3.2 A mensagem transmitida no conto de João e Maria de 1812-1815 .............. 48

4 4 METODOLOGIA DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS IMAGENS 50

4.1 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS ... 50

4.1.1 O estudo dos contos escolhidos para compor as narrativas fotográficas ....... 52

4.1.2 A captura dos cenários, seus personagens e seu conteúdo ............................ 55

4.1.3 A pós-produção na manipulação da imagem: montagem das narrativas

fotográficas .......................................................................................................

58

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 68

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 70

APÊNDICE .......................................................................................................

73

ANEXO A – A GATA BORRALHEIRA (1812-1815) DOS IRMÃOS

GRIMM ..............................................................................................................

ANEXO B – JOÃO E MARIA (1812-1815) DOS IRMÃOS GRIMM ..........

74

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1 INTRODUÇÃO

Descreve-se a fotografia como um registro de algo que foi vivenciado, algo que o

homem criou para reproduzir, compartilhar e registrar o mundo e suas vivências. Anterior à

fotografia, surgiu a pintura e as artes no geral, onde coube aos artistas essa função de deixar

registros como documentos narrativos da história. Segundo Hacking (2012), a primeira

fotografia surgiu entre 1826 e 1827, passando despercebida na época, e foi somente em 1839

que o mundo a conheceu. A fotografia então surgiu como a técnica de criar imagens por meio

de exposição luminosa, um novo meio de expressão, uma nova forma de arte.

Naquela época o processo de criação de uma fotografia era demorado e complexo, onde

apenas químicos, físicos ou especialistas destes meios conseguiam dominar a técnica de usar

um aparelho fotográfico. Como todas as coisas, a tecnologia da fotografia evoluiu, fazendo com

que, atualmente muitas pessoas tenham acesso a ela. A facilidade de manuseio dos aparelhos

digitais, como um celular ou uma câmera, levou o mundo a entrar em uma era digital onde

milhões de imagens são capturadas por dia.

Os mecanismos digitais promovem novas perspectivas de realidade, permitindo um

livre acesso à fuga dos padrões de normalidade, o que se chama de fotografia recriada na pós-

produção digital. Com o processo de manipulação digital, o fotógrafo treina sua criatividade e

tenta ir além, criando imagens que fogem da realidade que consideramos verídica.

Apesar da manipulação de imagens ser vista como algo moderno e novo, ela já existia

muito antes da era digital. Pintores e escultores, mesclavam sua imaginação com a realidade e

criavam suas obras com formas, cores e imagens. Dos diversos movimentos realizados por estes

artistas, destaca-se o surrealista. A fotografia não ficou para trás e seus autores usaram esta base

surrealista para criarem suas imagens fotográficas. Alterações de cenários e a mescla da

realidade com o imaginário, critérios que faziam a fotografia analógica transformar-se em algo

diferente, excêntrico, assustador e novo.

Para tanto, este trabalho questiona: Como narrativas fotográficas, a partir da

manipulação digital de elementos na imagem em sua pós-produção, podem representar as

mensagens que as primeiras edições dos contos de fadas de João e Maria e A Gata Borralheira

dos Irmãos Grimm transmitem?

Com este questionamento, analisa-se as mensagens descritas nos contos para então

transformá-las em narrativas fotográficas e estuda-se os elementos e técnicas apropriados para

a sua criação. Com o conhecimento aprofundado sobre tratamento de imagem, criação e

alteração de realidade, estuda-se como a fotografia, assim como nos contos de fadas, podem

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criar algo fantasioso para transmitir a mensagem desejada.

Nos objetivos específicos separam-se algumas etapas: analisar os contos de fadas

citados anteriormente, verificar qual a parte da história que foi modificada ao longo de suas

edições e entender qual a suas mensagens não fantasiosas; capturar fotograficamente o cenário

e seus personagens e na pós-produção manipular as imagens conforme o resultado desejado.

Quando a manipulação for realizada, dois vídeos irão demonstrar o processo digital; será

confeccionada uma revista ilustrativa para demonstração de algumas etapas do processo de

manipulação, e por fim, a construção de duas narrativas fotográficas.

Neste contexto da imagem, manipulações, fuga do real e invenções fora do registro

tradicional da fotografia, determina-se como tema de pesquisa deste trabalho, a criação de

narrativas fotográficas por meio da manipulação digital na pós-produção, a partir de dois contos

de fadas: João e Maria (1812-1815) e A Gata Borralheira (1812-1815), em suas primeiras

edições coletadas pelos irmãos Grimm. A partir da captura do cenário e seu conteúdo propõe-

se demonstrar o processo de construção destas narrativas por meio do planejamento da

produção e da manipulação digital dos elementos da imagem na pós-produção.

Pesquisadores supõem que os contos de fadas se desenvolveram após séculos de

mitologias e folclores que contribuíram para criar este mundo de fantasia, cujos elementos são

idealizados através da imaginação. Uma das teorias sobre sua origem é que os contos eram

escritos a partir de acontecimentos reais, pois muitos dos fatos que os homens não conseguiam

explicar eram considerados bruxarias e crimes.

Atualmente, os contos de fadas narram aventuras com um protagonista específico. Em

sua maioria, os personagens principais possuem uma boa índole, em meio a um mundo mágico,

encantado, rumo a um final feliz. Sendo assim, reconhecemos um conto já em suas primeiras

palavras, como por exemplo “era uma vez”, e o seu final “e viveram felizes para sempre”. Ao

se analisar as primeiras edições destes contos, percebe-se que suas histórias não são totalmente

narradas para o público infantil, pois as suas mensagens continham conteúdos destinados à

adultos.

O mundo de fantasia abre espaço para que a imaginação humana ganhe força e vida

própria, tal como a criação de uma fotografia. Pode-se criar o que não existe em aspectos

agradáveis, mas também desagradáveis, como crimes ou selvagerias. Desta forma, encontra-se

o fascínio por estes contos, descobrir a mensagem sombria que não se vê.

Os contos escolhidos, foram sendo modificadas nas edições seguintes, trechos que com

o passar dos anos, não eram mais vistos como uma leitura agradável e infantil. Na história de

A Gata Borralheira (1812-1815), as irmãs adotivas da personagem principal tentam entrar em

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padrões de beleza que não lhes pertenciam cortando partes dos seus próprios pés para que

pudessem calçar o sapatinho dourado e se casarem com o príncipe. No conto de João e Maria

(1812-1815), a própria mãe pede ao marido, então pai de João e Maria, para abandoná-los na

floresta.

No conto de A Gata Borralheira, a mensagem passa quase despercebida: os padrões de

beleza impostos pela sociedade e percebe-se que eles surgem desde o momento em que somos

crianças. Nas primeiras relações familiares, nomeia-se, descreve-se, se interpreta, gera

significados e cria-se vínculos sociais posteriores que influenciam a maneira de relacionar-se.

A exigência imposta socialmente ocasiona um desequilíbrio psicológico, principalmente nas

mulheres, no que diz respeito a sua beleza e auto aceitação, conforme a classificação do que

vem a ser aceito como belo. O belo foi construído socialmente e com isso o dever moral de

apresentar esta beleza imposta para ser aceita e legitimada.

No caso de João e Maria, a mensagem é o abandono dos filhos pelos próprios pais.

Percebe-se que desde a época que o conto foi escrito, o abandono de crianças já existia, tanto

por falta de condições de criá-los, alimentá-los e até mesmo se nascia com alguma deficiência.

Pouco mudou desde então, no Brasil existem em torno de 46 mil crianças e adolescentes em

situação de acolhimento, que vivem atualmente nas quase 4 mil entidades acolhedoras

credenciadas junto ao judiciário em todo o País, conforme dados do Cadastro Nacional de

Crianças Acolhidas (CNCA)1. No entanto, é incontável o número de crianças que são

negligenciadas e abandonadas nas ruas.

A ideia de construir uma narrativa fotográfica neste trabalho veio através da disciplina

de Composição Gráfica para Fotografia com o professor Ronei Teodoro da Silva, onde aprende-

se sobre o processo de pós-produção e manipulação de imagens.

O que torna mais forte o fato de apresentar a construção de uma imagem produzida pela

manipulação digital de seus elementos ao público, é que este tipo de trabalho é visualizado em

muitas mídias digitais ou impressas, mas seu processo de montagem e criação é pouco

conhecido.

1 Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude/20545-cadastro-nacional-de-criancas-

acolhidas-cnca>. Acesso em: junho de 2018.

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2 SOBRE A FOTOGRAFIA

Antes de qualquer criação digital, manipulação ou uma pós-produção fotográfica, é

necessário o entendimento sobre a fotografia; como e o porquê ela surgiu e quais são os seus

reais usos. Hacking (2012), explica que desde a invenção da fotografia em 1839, sua identidade

é debatida com base em sua relação com as artes e não com suas origens tecnológicas, pois uma

máquina que produzia imagens era uma ameaça aos valores tradicionais associados às belas

artes e à ordem social da época.

Antigamente seu acesso era apenas para pessoas da alta burguesia. Atualmente a

fotografia tomou uma amplitude inesperada, retratada em segundos e aos bilhões pelo mundo.

“Se a fotografia foi inventada em 1839, ela foi descoberta somente nas décadas de 1960 e 1970

– refiro-me à fotografia como essência, à fotografia em si” (CRIMP apud HACKING, 2012, p.

14). Segundo o mesmo autor, a fotografia só ganhou legitimidade cultural no fim do século

XIX. O movimento que se destaca desta época chama-se pictorialista2.

Desde seus primórdios, a fotografia oscilou entre a singularidade e a multiplicidade.

Atualmente, uma impressão fotográfica única ou de tiragem limitada de uma

celebridade pode ser vendida por mais de 1 milhão de dólares, ao mesmo tempo que

a fotografia digital – com seu potencial de reprodução aparentemente infinito –

desempenhe um papel fundamental na comunicação global. (HACKING, 2012, p. 9)

Sontag (2004), não explica o que é a fotografia e sim o porquê de sua existência e

criação. A fotografia fornece um testemunho de vivência e do mundo, legitimando o que até

então se ouve falar, mas que se duvida até visualizar com os próprios olhos.

Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em

determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao

poder. [...] Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo,

mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou

adquirir. (SONTAG, 2004, p. 14 e 15)

A fotografia surgiu como meio de congelar o tempo, memórias e momentos, registrar

os acontecimentos e testemunhar os fatos. Tornou-se um rito de família, reafirmando

simbolicamente uma celebração de instantes. Com ela ganha-se a posse de um passado, de um

2 O pictorialismo foi o movimento de vanguarda que aplicou os princípios das belas-artes à fotografia de meados

da década de 1880 até 1910, embora a fotografia pictórica já existisse antes desse período. Disponível em

HACKING, 2012 p.160.

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espaço, cria-se uma fotografia que apresenta o mundo a quem não sai do seu espaço, incentiva

o turismo, visualiza-se lugares e imagina-se o seu real antes mesmo de conhecê-lo.

Sontag (2004) ainda descreve que estamos caminhando em uma direção aonde tudo

baseia-se em imagens, para onde se caminha, o que se sente e o que se vê, tudo.

A necessidade de confirmar a realidade e de realçar a experiência por meio de fotos é

um consumismo estético em que, todos, hoje, estão viciados. [...]. Por fim, ter uma

experiência se torna idêntico a tirar dela uma foto. [...]. Hoje, tudo existe para terminar

em uma foto. (SONTAG, 2004, p. 34 e 35)

As câmeras começaram a duplicar-se no mundo, assim a autora afirma que no momento

em que elas foram reajustadas ao fácil manuseio e entendimento, laboratórios de revelação de

imagens começaram a ser criados separadamente das câmeras. O desejo de possuir um aparelho

que congela momentos e que guarda memórias no tempo, tornou-se algo de grande escala e não

apenas de uso profissional.

Através das redes digitais, percebe-se o início de uma nova era que gera maior

disponibilidade e acesso a todos os tipos de imagens, assim como avanço tecnológico dos

equipamentos fotográficos. A visualização de imagens é constante, e com toda a tecnologia que

se tem, questiona-se diversas vezes se o que se visualiza realmente existe.

Este questionamento é debatido através da autora Sontag (2004), onde define um pré

entendimento do que é a fotografia quando se analisa a imagem pela primeira vez. Pensa-se que

se conhece o mundo ao aceitar o registro da câmera fotográfica, porém, toda a capacidade de

compreensão parte da imposição de dizer não. Ou seja, nega-se tal crença de representação da

realidade através de fotografias.

Kossoy (1999), afirma que quaisquer que sejam os conteúdos das imagens, deve-se

sempre as considerar como fontes históricas de pesquisa e abrangência multidisciplinar.

Fotografias são o ponto de partida, a pista para tentar desvendar o passado, mas sempre levando

em consideração que não se pode aceitá-la imediatamente como espelho fiel aos fatos, elas são

ambiguidades, aguardando sua decifração.

A fotografia tem uma realidade própria que não corresponde necessariamente à

realidade que envolveu o assunto, o objeto do registro, no contexto da vida passada.

Trata-se da realidade do documento, da representação: uma segunda realidade,

construída, codificada, sedutora em sua montagem, em sua estética, de forma alguma

ingênua, inocente, mas que é, todavia, o elo material do tempo e espaço representado,

pista decisiva para desvendarmos o passado. (KOSSOY, 1999, p. 22)

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Tudo que envolve a fotografia tem o objetivo de representar algo, guardar um momento,

comprovar um instante, repassar um acontecimento, representar um fato, porém ela jamais

representará a verdade tal como se vê, e sim uma manipulação imagética do que se gostaria de

transmitir, seja através do enquadramento do fotógrafo, de seu significado histórico ou na

manipulação de seus elementos.

Busca-se entender e dar sentido as coisas, e na fotografia não é diferente. Ao ler uma

imagem, observa-se os componentes subjetivos da percepção do autor, procura-se entendê-la e

representá-la conceitualmente, ao invés de lhe dar sentido real. A busca por compreensão do

seu conteúdo destaca os elementos que compõem a imagem e a importância do seu tema.

2.1 NARRATIVA FOTOGRÁFICA

Quando se deseja contar uma história, um acontecimento ou transparecer alguma

mensagem em imagens, chama-se estes frames de narrativas fotográficas.

Descreve uma narrativa fotográfica como sequências de imagens que podem narrar a

passagem do tempo e permitir esta utilização para comparar e refletir sobre as etapas do avanço

da história, seja ela qual for, conforme descreve Präkel (2010).

O autor ainda separa alguns tópicos sobre narrativas, como; sequência linear, de caráter

individual, partes ramificadas, uma narrativa sem final, circular; ou até carecer de um final

propriamente dito. A narrativa fotográfica então, é uma das diversas formas de interpretação de

uma imagem, seja pelo fotógrafo, sujeito, editor ou espectador. Desta forma, a narrativa usada

para este trabalho é de caráter individual, ou seja, apenas um frame para cada tema escolhido,

tendo uma interpretação fictícia de uma determinada ideia.

A narrativa fotográfica fundamenta-se em ler uma imagem como uma história sem o

uso de palavras ou textos. Para Short (2013), mesmo que a fotografia não seja uma

representação objetiva da realidade, ela pode ser considerada um meio de transmitir o que o

fotógrafo acredita ser o espírito ou essência daquela ideia. Assim, para um resultado bem-

sucedido, o entendimento do tema proposto deve considerar um estudo constante e detalhado.

Busca-se o resultado da comunicação narrativa, que, segundo Demo (2012), parte da

possibilidade de questionar-se sobre o que se faz em cima do resultado. Uma informação

qualitativa, da qual a narração em fotografia é trabalhada e retrabalhada, para que tanto os

pontos de vista do autor quanto do interpretador sejam satisfeitos.

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Segundo Short (2013), o propósito de usar a técnica de uma narrativa fotográfica é dar

sentido, coerência e, quando apropriado, um senso de ritmo à imagem. Essas técnicas são ou

podem ser vistas como uma espécie de pontuação visual.

A abordagem conceitual é a essência do processo e da fotografia. Pelo fato de permear

certas escolhas sutis concernentes a objeto, materiais, composição e apresentação

final, a relação entre conceito e objeto escora tudo o que o fotógrafo faz. (SHORT,

2013, p. 46)

Entender seu tema nada mais é que usar suas habilidades, estudar e conhecer melhor o

assunto, utilizando suas técnicas e experiências. Neste caso é preciso organizar os elementos

que irão compor a cena, a iluminação, os tons, a composição e deixar a criatividade livre.

É importante estar alerta e seguro da própria intenção ao realizar qualquer projeto

fotográfico. É fundamental estar ciente dos dispositivos narrativos e suas implicações,

mas ao mesmo tempo estar aberto a elementos inesperados que possam contribuir para

a foto. Em última análise, o objetivo da técnica narrativa é proporcionar sentido e

coesão, ou ancora-los, em favor da imagem e de seu público. (SHORT, 2013, p. 109).

Segundo o autor, a narrativa pode ser traçada por todos os componentes da imagem,

pela ligação e dinâmica dos mesmos. A fotografia pode transmitir a confusão do momento ou

mesmo a serenidade do acontecimento. Independentemente de suas sensações, a narrativa será

traçada a partir de como os elementos básicos aparecem no momento de fotografar. Como, o

que, e por quê, denominando assim a narração dentro de uma imagem individual.

Como exemplo de narrativas individuais, o fotógrafo Gregory Crewdson cria imagens

narrativas que possuem um mistério e um tom surrealista. O que se vê nas imagens é algo irreal,

cada detalhe foi meticulosamente pensado e posicionado para depois ser capturado. O fotógrafo

trabalha com uma câmera de grande formato e as imagens passam por uma pós-produção para

um resultado desejado.

A iluminação de Crewdson, nas imagens das figuras 1 e 2, são mais intensas nos objetos,

denominados por ele, de maior importância. Ele direciona o olhar ao assunto principal para

depois analisar o restante da imagem. Seus tons são frios, remetendo à tristeza e solidão.

As fotografias se tornam narrativas por seus componentes e as formas como os mesmos

são posicionados no cenário. Na figura 1, percebemos a neve, que passa a sensação de frio e

inverno; a mãe sentada na cama de pijamas olhando para seu bebê, transmite a sensação de

cansaço, o que nos narra a vida de uma mulher, mãe, com uma rotina cansativa.

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Na figura 2 percebemos uma mulher, com uma expressão de tristeza e desânimo,

tomando banho, um momento que pode servir para relaxar e se desconectar um pouco do mundo

exterior. As sensações transmitidas pela narrativa fotográfica devem-se ao seu tom de azul e a

posição e aparência da personagem. Sua criação através dos elementos em cena faz com que se

imagine o porquê de sua expressão e o que ela está sentindo.

Figura 1 – Birth

Fonte: Gregory Crewdson

Figura 2 – The Mother

Fonte: Gregory Crewdson

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O planejamento de cada imagem aparenta ser preciso: sua iluminação, seu cenário, sua

composição, seus tons, o pós-processamento, para que ela transmita ao público a mesma

sensação de solidão, tristeza, mágoa, desânimo, infelicidade e sentimentos sinônimos a estes a

todo o público alcançado por ela. Observa-se que o planejamento da imagem antes da captura

se torna algo essencial para a construção da cena.

2.1.1 Construindo uma narrativa fotográfica

Para construir uma narrativa fotográfica primeiro se entende sobre seu significado e sua

função. Após estuda-se o contexto, se escolhe o tema e o público desejado.

Uma narrativa bem-sucedida, precisa que seu criador tenha um bom envolvimento em

seu processo de criação, tanto em nível prático quanto conceitual. Segundo Short (2013),

devemos fazer esboços ou briefing3, contendo um conjunto de critérios relacionados ao

contexto da imagem, mencionando a função e a finalidade da mesma. Desta forma, a mensagem

descrita nas narrativas pode ser utilizada e ter relevância para o presente ou até mesmo para o

futuro, mesmo que os acontecimentos fotográficos, sua criação e sua história pertencem ao

passado.

Para Kossoy (1999), o processo de criação de um fotógrafo não somente engloba uma

aventura estética, mas também uma base na cultura e na técnica, onde assim, poderá tornar a

fotografia um registro de algo.

Assim, definida a intenção do fotógrafo, deve-se planejar passo a passo como ela será

representada na imagem. Deve se escolher os conceitos, os equipamentos, os fatores externos

e as intenções. Une-se a mensagem desejada com a base teórica, que fundamenta o assunto

escolhido e assim encaminha-se para a fase estrutural. Nesta fase nota-se três pilares para uma

boa estrutura em narrativas fotográficas: a composição, a iluminação e a criatividade.

2.1.1.1 A composição de uma narrativa fotográfica

Nota-se, atualmente, que a fotografia está em todas as partes, democratizada e de fácil

acesso, onde qualquer pessoa pode criá-la. Um fotógrafo profissional se destaca no momento

em que suas técnicas são colocadas em prática, como por exemplo, as regras de composições.

3 Parte do processo de desenvolvimento de um produto ou serviço, em busca de melhorias das organizações.

(PHILLIPS, 2015).

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Para que imagens narrativas sejam bem-sucedidas e entendidas, o fundamento de uma

boa composição deve ser planejado. “As melhores imagens combinam excelência técnica e

composição forte. Embora não haja consenso a respeito do processo da composição, todos

concordam que uma imagem ganha força com o seu uso.”. (PRÄKEL, 2013, p.6). Porém, as

regras de composição podem se tornar um problema para o potencial artístico de criação.

Então, por que compor? Qual a finalidade de uma composição fotográfica?

A composição é um processo de identificação e organização de elementos visuais para

produzir uma imagem coerente. Tudo o que está em uma imagem forma a sua

“composição”. Aprender a fazer composição é como aprender uma língua: uma vez

que você assimila, não pensa conscientemente sobre ela enquanto fala. Assim, os

fotógrafos devem ter como objetivo tornarem-se fluentes na linguagem da

composição. (PRÄKEL, 2013, p. 11)

Planejar uma composição é o que destaca um bom profissional fotográfico. Um esboço

da imagem desejada é o primeiro passo para organizar-se, compondo os elementos de forma

coerente e artística.

Para compreender os princípios da composição, precisamos separar formalmente as

partes constituintes de uma imagem em linha, formato, tom e forma, textura, espaço

e cor. [...]. Ao abordar qualquer assunto, o fotógrafo deve primeiro descobrir quais

são os elementos constituintes da cena que se apresenta à câmera e só então dar início

ao processo de decidir como equilibrar e mesclar os elementos da composição.

(PRÄKEL, 2013, p. 11)

Após a seleção do assunto, cria-se um esboço mental ou em rascunho, desenhando ou

escrevendo o resultado pretendido. Präkel (2013), explica a necessidade de uma boa

organização do espaço e qual a melhor posição para o enquadramento do assunto. Desta forma

equilibra-se todos os elementos formais, de primeiro plano até o plano de fundo, além é claro

das noções de simetria e beleza.

Os fotógrafos não necessariamente buscam o esmo nível de harmonia clássica e, com

a troca de alguns elementos na imagem, podem gerar tensão por meio do desequilíbrio

por elementos fracos e estática, já uma imagem com equilíbrio entre elementos fortes

é muito mais dinâmica. [...]. O equilíbrio não precisa ser sempre julgado em torno de

um “eixo” central. Um elemento composicional forte deslocado do centro divide a

imagem em duas partes desiguais e muda o eixo visual. Detalhes “mais pesados”,

como tons escuros ou áreas com concentração de detalhes, provocam um efeito muito

mais forte quando mais próximos do eixo. (PRÄKEL, 2013 p. 109)

Uma boa composição também deve conter os elementos formais como pontos, linhas,

formas, texturas, padrões, tons e cores, mas não necessariamente todos. Por isso existe o estudo

da organização dos espaços, para que a imagem não confunda o espectador.

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Segundo Dondis (2007), as técnicas são os agentes no processo de comunicação visual,

é através deles que a solução visual adquire forma. Deve-se buscar o alfabetismo visual em

muitos lugares e de diversas maneiras, seja na teoria psicológica, na natureza ou até mesmo no

próprio funcionamento do organismo humano. Percebe-se que o conhecimento e estudo destas

diversas técnicas soluciona problemas visuais, cria e torna seu público perspicaz para qualquer

manifestação visual.

A mesma autora descreve que a criação das mensagens visuais não tem significado

apenas no efeito da disposição dos elementos básicos, mas também no mecanismo perceptivo

universalmente compartilhado. Todo padrão visual tem uma qualidade dinâmica que não

podem ser definidas intelectualmente e sim com acontecimentos visuais, ocorrências totais,

ações que incorporam a reação ao todo.

Conforme Tarnoczy Jr. (2010), de uma forma completa, a composição fundamenta-se

em diversos pilares: movimento, equilíbrio, diálogo, diversidade, planos, razão áurea, luz,

perspectiva e leis baseadas na natureza. Estes conceitos quando combinados, geram uma boa

composição na imagem fotográfica.

Dentre os estudos de composição, a razão áurea4 é o fator que gera equilíbrio e harmonia

nas imagens. A razão áurea é a divisão baseada na proporção do número de ouro, ela pode ser

usada como método de posicionamento do assunto na imagem, realizando uma composição

agradável e equilibrada.

Segundo Präkel (2013), uma imagem equilibrada por elementos fracos é estática, já uma

imagem que apresenta equilíbrio entre elementos fortes é muito mais dinâmica. A sensação

mais forte de equilíbrio vem da distribuição de tons (claros para escuro) na imagem; uma

fotografia com grande concentração de tons claros ou escuros apenas de um lado do quadro cria

uma certa tensão visual. Portanto, o equilíbrio não precisa ser sempre julgado em torno de um

“eixo” central. Elementos mais próximos das bordas são mais agradáveis à visualização da

composição.

No exemplo da figura 3, identifica-se uma boa composição de elementos, geometria,

equilíbrio, razão áurea e uma ótima estética de cenário que se enquadra aos objetos em cena.

4 A razão ou proporção áurea consiste na divisão de uma reta em dois segmentos, sendo sua soma dividida pela

parte mais longa, resultando em um valor chamado de número de ouro. Por ser um número irracional, nunca

existirá algo que tenha o mesmo valor do mesmo. Um quadrado em proporções áureas, obtemos outro quadrado

interior a este nas mesmas proporções, e, assim, de maneira infinita, construímos infinitos retângulos seguidos da

proporção áurea. Sendo o único com a propriedade de que, ao cortar um quadrado, forma-se outro retângulo

similar. Aplicando os princípios desta razão, a criação de uma Espiral Áurea acontece dentro do retângulo, devido

ao traçado de uma linha seguindo a direção dos quadrados formados no retângulo áureo. Tais formas são

consideradas perfeitas, harmoniosas e agradáveis de se visualizar. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/148903>. Acesso em: maio, 2018.

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Figura 3 – Pets Healt

Fonte: Lightfarm

Na figura 3, criada pela empresa Lightfarm, em uma campanha anti-fumo em favor dos

animais de estimação, nota-se como os objetos e a composição foram posicionados e

enquadrados com excelência. A leitura que se faz da imagem da esquerda para a direita permite

a observação de todos os elementos, porém é a descentralização do personagem principal e o

equilíbrio da divisão áurea que cria movimento.

Então, para criar uma boa composição, precisa-se selecionar e organizar o esboço mental

da imagem pretendida, se ater às regras técnicas, mas não deixar que isto se torne uma barreira

para a criação, e simplificar, quando possível. O equilíbrio dos elementos é realizado através

de uma dinâmica sobre o objeto/protagonista principal, entre os tons fortes e fracos, e entre o

espaço e fundamento.

2.1.1.2 A iluminação de uma narrativa fotográfica

Para todos os estilos de fotografia, após o estudo e aplicação da composição, é essencial

entender o que é e como utilizar a iluminação. Präkel (2010, p.8), explica que se pode utilizar

a luz natural ou artificial, aprendendo a controlá-las, “para ser bem-sucedido no trabalho com a

luz, o fotógrafo deve compreender sua composição e suas regras básicas.”

Segundo Dondis (2007), o ato de ver envolve uma resposta à luz, ou seja, o elemento

tonal da luz é o mais importante e necessário para a experiência visual.

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Todos os outros elementos visuais nos são revelados através da luz, mas são

secundários em relação ao elemento tonal, que é, de fato, a luz ou a ausência dela. O

que a luz revela e oferece é a substância através da qual o homem configura e imagina

aquilo que reconhece e identifica no meio ambiente, isto é, todos os outros elementos

visuais: linhas, cor, forma, direção, textura, escala, dimensão, movimento. (DONDIS,

2007, p. 30 e 31)

Na fotografia, a luz é denominada com três princípios importantes: brilho, cor e

contraste.

Segundo Hunter, Biver e Fuqua (2014), o brilho é a maior qualidade da luz, ou seja, a

luz mais clara é quase sempre uma luz melhor, além disso, a boa iluminação permite que se

evite o uso do aumento de ISO5 na câmera, produzindo imagens mais nítidas. O segundo

princípio, a cor, a partir dos mesmos autores, é de livre uso, porém quase sempre se utiliza a

luz branca para produzir fotos.

Desta forma, os autores definem que a luz apresenta escalas de temperaturas, e a

medimos em escala Kelvin6, com a abreviação K. A luz considerada com temperaturas altas é

composta por uma quantidade desproporcional de cores chamadas de frias. Inversamente, uma

fonte com baixas temperaturas tem muitas cores chamadas de quentes. Como exemplo, uma luz

em 10.000ºK tem uma grande quantidade de azul e uma luz com temperatura em 2000°K possui

uma grande quantidade de vermelho e amarelo.

Os mesmos autores ainda descrevem que a maioria dos fotógrafos costuma usar três

temperaturas de cor padrão: 5500ºK, chamada de luz do dia e 3200/3400°K, chamada de

tungstênio. No entanto, as câmeras fotográficas oferecem balanços além desses três padrões,

muito mais baixas e altas.

Seguindo com os três pilares da luz, o último é o contraste, caracterizado como luz

acentuada ou luz baixa. Quando acentuado, a sombra que se forma no objeto iluminado é nítida,

com seus limites bem definidos, consequentemente chama-se de sombras duras.

5 Representa a sensibilidade à luz, conforme definida pela International Organization for Standartization, do sensor

de imagem da câmera fotográfica. (Vertchenko, 2015). Disponível em:

<http://periodicos.pucminas.br/index.php/abakos/article/view/8052/7917>. Acesso em: junho 2018. 6 Físico britânico Willian Thomson, (Sir Willian Thomson, 1° Barão de Kelvin of Largs) ou simplesmente Lord

Kelvin, desenvolveu a tabela de definição das cores na luz. Ao estudar a expansão dos gases, elaborou uma escala

(escala Kelvin) que, mais tarde, seria usada para medir a cor das fontes luminosas. Para “medir” a cor foi feita a

seguinte experiência: uma barra de ferro foi aquecida até atingir a cor vermelha e a temperatura foi medida não na

escala Celsius ou Fahrenheit, mas na graduação criada por Thomson, ou seja, graus Kelvin ( ou Kº ). Nesta escala,

a barra de ferro aquecida até o vermelho atingiu 1200 Kº e a partir daí, através de cálculos, as outras cores foram

obtidas. Na escala Kelvin, 0º equivale a -273º Celsius, portanto, basta subtrair 273 de qualquer medição em Kelvin

para se obter o equivalente em graus Celsius, pois as duas escalas seguem o sistema métrico-decimal. Disponível

em: <http://www.belasartes.br/revistabelasartes/downloads/artigos/3/cor-luz-cor-pigmento-e-os-sistemas-rgb-e-

cmy.pdf>. Acesso em: junho de 2018.

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Uma luz baixa produz uma sombra no objeto iluminado mais difusa, com formas mais

suaves, tornando seu contorno menos nítido, consequentemente chamadas de sombras suaves.

Estes termos não são usados para definir a quantidade de claridade ou escuridão e sim a

intensidade da luz.

Manipula-se a luz através do nosso cenário, estudando em qual direção ela entra no

ambiente, se ela é dura ou suave; a sua temperatura para determinar seus tons e cores e, portanto,

conseguir encaixar a iluminação mais próxima possível do objeto ou modelo da cena.

A luz do dia fotográfica é baseada na medida da luz média do sol ao meio-dia

(5400°K), que por sua vez é uma média das medições da luz do sol ao meio dia feitas

em Washington, DC (EUA). [...] Luz do dia não é o mesmo que luz do sol, já que

aquela é uma combinação de luz direta do sol, da luz do céu e da luz refletida pelas

nuvens. [...] A qualidade da luz do dia pode depender das condições do clima

predominante. (PRÄKEL, 2010, p. 58)

As condições climáticas e os horários do dia no local determinado são de suma

importância. Questões que são diretamente influenciáveis no trabalho de criação e utilizadas no

estudo da pesquisa de análise de conteúdo do conto de João e Maria. Analisa-se um determinado

horário do dia para a criação da imagem do cenário que foi escolhido, para então a compor

utilizando sua iluminação natural de forma coerente, conforme descrito anteriormente.

Hurter (2011), descreve que as iluminações artificiais permitem que o fotógrafo consiga

visualizar instantaneamente o resultado e o efeito que terão sobre o objeto ou a cena, uma vez

que essa fonte de luz é modelada conforme nossa necessidade.

Define-se uma iluminação específica para o projeto fotográfico: a luz artificial que o

próprio local disponibiliza, para o conto de A Gata Borralheira (1812-1815), contando também

com uma fonte artificial de iluminação contínua, caso haja necessidade, como luz de LED7

portátil. Para a narrativa fotográfica do conto de João e Maria (1812-1815), será utilizado uma

iluminação natural de final de tarde com o céu nublado, deixando a luz mais suave e com tons

mais frios.

No exemplo da figura 4 observa-se como a modelagem da luz na captura faz toda a

diferença no momento de montagem de diversos objetos e protagonistas em uma única

imagem8, pois cada elemento foi capturado separadamente:

7 Sigla para Light Emitting Diode, que significa “diodo emissor de luz”. Consiste numa tecnologia de condução

de luz, a partir energia elétrica. 8 Para conhecimento completo da pós-produção desta imagem acesse: < https://vimeo.com/142292188>. Acesso

em: março, 2018.

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Figura 4 – O Grande Gonzalez

Fonte: Lightfarm

A iluminação de cada elemento encaixado na cena foi esboçada e capturada de maneira

semelhante, para que a manipulação e enquadramento fossem possíveis. Sombras, tanto suaves

quanto duras, demonstram que a direção da luz é a mesma em todos os personagens. Nota-se a

temperatura da cor levemente fria com seus contrastes e brilhos mais quentes, mesclando ambos

para que a imagem não se torne nem dramática nem alegre e sim uma fusão de mistério e

divertimento.

A realização das narrativas fotográficas deste trabalho, na parte de sua iluminação, foi

trabalhada com luz natural e artificial e com sua temperatura quente e fria, levando em

consideração suas técnicas abordadas até então para que a manipulação na pós-produção seja

realizada com exatidão.

2.1.1.3 As cores de uma narrativa fotográfica

As cores são uma das mais importantes construções simbólicas visuais do ser humano,

mesmo que aconteça de maneira diferente.

Um espectador de televisão tem na cor um reforço para o canal de comunicação de

informação que ele precisa perceber e entender nos acontecimentos; uma criança

ainda não tem toda a paleta de cores por onde a sua cultura transita; mas um idoso não

só a tem como a manipula para se comunicar. (SILVEIRA, 2015, p. 17)

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Conforme o mesmo autor, a cor torna-se uma teoria a ser estudada. Sua compreensão

inicia-se sob três aspectos: o que acontece fora do ser humano, isto é, independente de sua

vontade, a construção física da cor; e os outros dois aspectos possuem interferência do ser

humano para elaboração simbólica da cor, o aspecto fisiológico e cultural simbólico.

A cor não tem existência material para os aspectos físicos e fisiológicos da percepção.

Esta afirmação parece ser bem estranha, posto que, para nós, os objetos estão tão

grudados em suas cores que parecem ser “donos” delas. É justamente por isso que se

deve considerar a interdependência entre os três aspectos da cor. (SILVEIRA, 2015,

p. 17)

O importante é perceber que a cor não existe se não houver estímulos de iluminação e

objetos receptores para decifrá-la. Adicionando estes estímulos citados pela autora, chamando-

os de percepção visual cromática.

Para trabalhar com a cor em projetos, um profissional precisa ter em mente a

percepção da cor, isto é, o processo como um todo. Isto significa que deve considerar

a aplicação da cor em seus aspectos físicos (pois se não houver luz não terá início o

processo da percepção cromática), os aspectos fisiológicos (pois se não houver a

capacidade de codificação fisiológica do fluxo luminoso, também não se dará a

percepção cromática) e seus aspectos culturais simbólicos (pois se não se considerar

a inserção da interpretação da cor na cultura, não se entenderá o processo de

construção simbólica e utilização da cor). (SILVEIRA, 2015, p. 17)

Conclui-se que a cor é o resultado combinado com a luz e sua qualidade perante os

objetos iluminados. Sem luz não se tem cor, sendo assim, a cor torna-se uma recepção motora.

Guimarães (2002, p.12), descreve que “A cor é uma informação visual, causada por um

estímulo físico, percebida pelos olhos e decodificada pelo cérebro.” Assim, para o ser humano,

a cor é uma informação visual onde todos os espaços que possuem feixes luminosos são

perceptíveis, carregando suas informações visuais. Cada olho visualiza uma imagem em um

ponto de vista diferente do outro, o campo visual é ligeiramente diferente e é esta visão

binocular que nos possibilita a visão tridimensional de volume.

Tal volume então é aplicado as cores, Kandinsky9 (1866-1944) afirmava que um círculo

amarelo ostentava um movimento de expansão, resultava em algo mais volumoso e concreto,

enquanto o círculo azul é mais plano e fluídico, desenvolvendo um movimento concêntrico.

As cores possuem aspectos de estudo e composição: a matiz, onde entendemos a própria

coloração definida pelo comprimento de onda – azul, verde, vermelho...; o valor, onde defini-

9 Pintor Russo com nome renomado na arte abstrata, acreditava que o verdadeiro artista buscava expressar seus

sentimentos íntimos essenciais em suas artes, sendo as cores reproduzidas, o grande destaque nesta pesquisa.

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se a luminosidade da cor ou o quanto ela se aproxima do preto e branco; e o croma, definindo

a saturação ou o grau de pureza desta cor. Segundo Guimarães (2002), estes três conceitos são

considerados universais.

Segundo Rocha (2010), Isaac Newton (1643-1727), fez experiências com a ajuda de um

prisma10, onde decompondo a luz do sol, obteve sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde,

azul claro, azul escuro e violeta. Após ele tentou recombinar as sete cores para obter a luz

branca. Inicialmente, pintou as sete cores em um disco (como fatias de uma pizza) que girou

por meio de uma manivela, porém, obteve somente as cores vermelha, verde e azul.

Assim dois sistemas de cores surgiram: um para cores oriundas de corpos que emitiam

luz e outro para corpos opacos que refletiam a luz.

Nos corpos que emitem luz denominou-se o sistema de RGB11, e para os corpos opacos

é o CMY12. O RGB é também conhecido como sistema de Cor Luz, e trabalha por adição, ou

seja, somando-se as três cores, nas proporções corretas determinadas, se obtêm branco. Já o

CMY denomina-se como sistema de Cor Pigmento, e trabalha por subtração, ou seja, soma-se

as três cores nas proporções corretas se obtêm preto. Rocha (2010), ainda explica que a

modalidade industrial do CMY é o CMYK, no qual o Preto é adicionado e não obtido por meio

de mistura. Tornando o CMYK com quatro cores, criado como uma opção mais barata, pois não

necessita de pigmentos puros e mais caros. A letra K, do CMYK, tanto significa preto, como

chave (Key), pois o preto é utilizado para interferir nos detalhes na impressão. O RGB é usado

em Fotografia (digital ou analógica), Cinema, Vídeo, Televisão e na tela dos computadores; já

o CMY é utilizado em impressão domésticas e nas artes plásticas.

Desta forma, surge a composição da roda cromática, e segundo Guimarães (2002), ela

se torna uma experiência visual e dinâmica, apresentando características de peso, distância e

movimento, que quando combinadas constroem informações que provocam reações diversas

ao espectador. Chama-se de harmonia cromática.

Na figura 5 observa-se a roda cromática e sua harmonia:

10 Triângulo sólido de vidro. 11 Sigla em inglês para Red (vermelho), Green (verde) e Blue (azul). 12 Sigla em inglês para Cyan (ciano), Magenta (magenta) e Yellow (amarelo).

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Figura 5 – Roda Cromática das Cores

Fonte: Teoria da Cor

Criada por Goethe (1749-1832), a roda cromática aplica-se suas cores em vivências,

culturas e trabalhos. Silveira (2015, p. 28) descreve que “nela o azul e o amarelo, o verde e o

púrpura estabelecem entre si uma relação de complementaridade e indicam as possibilidades de

combinação entre as cores básicas, formando as cores intermediárias”.

Seguir o conceito de tonalidade na roda cromática, ajuda, não só visualmente, mas

tecnicamente a construir uma boa fotografia, pois suas cores combinadas de forma correta

resultam em uma imagem fisicamente e teoricamente poderosa. Desta forma, uma combinação

de coloração agradável aos olhos do observador, influencia os componentes físicos, mentais e

emocionais do ser humano.

Segundo Farina (1986) as cores definem estímulos psicológicos para a sensibilidade

humana, gera-se significados às cores. Relaciona-se determinado tom, inconscientemente, ao

simbolismo, associações, costumes e em âmbito pessoal. Com estas definições, as cores

utilizadas neste trabalho, para as narrativas fotográficas, são azuis e rosas, tons quentes e frios.

Segundo o mesmo autor, o azul é a cor do divino, sua utilização como fundo remete ao maior

destaque à suas principais figuras em primeiro plano. É a cor mais utilizada para expressar a

sensação de frio, onde suas relações afetivas podem transmitir advertência, precauções e

sentimentos profundos. Já a cor rosa é atribuída ao feminino, simbolizando o encanto, à

inocência, frivolidade e seu tema associa-se à ternura.

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Na imagem da figura 6, do fotógrafo brasileiro Junior Luz, utiliza a combinação das

cores amarelo e azul, com contraste preto, que conforme a roda cromática, tornam-se fortes

quando combinadas. Assim como se observa na natureza a união do amarelo do sol com o azul

do céu ou o amarelo e preto de uma abelha.

Figura 6 – Ink Art

Fonte: Junior Luz

Analisando a psicologia das cores, segundo Farina (1986), o amarelo remete a ação, a

alegria, ao poder e ao ouro. Desta forma a imagem da figura 6, representa elegância, poder e

espontaneidade.

Neste trabalho, as cores em simultaneidade com a temperatura da cor emitida pela luz,

em seu tom quente e frio, combinarão seus matizes conforme a roda cromática para que haja

um bom equilíbrio visual.

2.1.1.4 Criatividade x Técnica

Após o estudo e aperfeiçoamento da técnica de iluminação, cor e composição, a

criatividade torna-se o complemento final, para que se consiga conversar com o espectador e

destacar-se em seu objetivo.

A criatividade é como um organismo que precisa ser alimentado para poder crescer e

florescer. Precisa se exercitar e se alimentar com ideias e imagens, sem isso morrerá.

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As imagens fortes e bem-sucedidas são resultadas de um processo de cofertilização

constante com ideias apoiadas em novas referências culturais e processos técnicos

alternativos (PRÄKEL, 2010, p. 34)

Conhecer as regras para a criação de uma boa fotografia é importante, mas o que

acontece quando se libera a criatividade e desafia-se as regras?

Sabe-se que a criatividade, segundo Navega (2000) é a obtenção de novos arranjos de

ideias e conceitos já existentes. Estes proporcionam novas táticas que resolvam um problema

de forma incomum, ou até mesmo criações com características fortes e convencionais. Portanto,

a criatividade serve para exploração do desconhecido, e para isso é preciso ter em mente que se

pode cometer erros até chegar no resultado desejado.

Passamos boa parte de nossa vida aprendendo como melhorar nossa simulação do

mundo exterior. Modelamos o mundo físico, modelamos as emoções das pessoas com

as quais convivemos, [...] Podemos dizer que essa sequência de inferências são

representantes das "regras" que usamos no dia- a- dia, [...] Tudo isto é muito, muito

útil, pois poupa- nos tempo, automatiza procedimentos rotineiros, aumenta nossas

margens de acerto e evita erros fatais. [...] Mas há um lado ruim dessa tática: essas

regras também nos fazem ficar acomodados e por isso evitamos procurar novas

possibilidades. Para sermos criativos, temos que estar dispostos a quebrar (mesmo que

apenas mentalmente) várias dessas sequências pré-programadas e dessa forma rodar

nossa simulação do mundo c om um conjunto alterado de regras. (NEVAGA, 2000,

p. 4)

O fotógrafo precisa estar sempre buscando referências e alimentando suas ideias com

pesquisas e práticas. Como o mesmo autor descreve, precisa-se deixar a imaginação

constantemente ativa para que o processo criativo e alternativo se desenvolva e evolua.

Descobre-se então, uma visão própria e desenvolve-se um estilo pessoal de capturar imagens.

A criatividade deve estar em perfeita união com as técnicas abordadas anteriormente,

iluminação, composição e cores, mas também deve-se incluir técnicas como a linguagem visual,

equilíbrio visual, domínio do equipamento, transmissão correta da mensagem e

desenvolvimento do olhar.

É preciso olhar para trás, onde começa a fotografia. Ela começa na intenção do

fotógrafo. Uma imagem fotográfica forte começa na seleção de um tema por um

motivo. Depois vêm o ponto de vista e as considerações técnicas, seguidos pelas

considerações “linguísticas” da imagem, que transmitem seu significado ao

espectador como uma linguagem clara e precisa. (PRÄKEL, 2010, p. 33)

Desafiar algumas regras é possível, contanto que sua imagem desafie os espectadores a

acreditar que isto foi intencional para o contexto utilizado, como um desequilíbrio ou cortes

fora do padrão utilizado.

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29

Os limites da criatividade devem ser colocados em prática conforme o público desejado.

Präkel (2010), mostra que se trata de um bom juízo de valor subjetivo que deve se apoiar em

uma boa comunicação entre todas as partes e, uma boa sensibilidade pessoal por parte do

fotógrafo.

A técnica não pode ser deixada de lado, porém pode ser desafiada, se o assunto escolhido

permitir que o mesmo aconteça. Elas devem trabalhar juntas, sempre com um bom senso e

sensibilidade.

O fotógrafo brasileiro Júnior Luz, palestrante sobre criatividade na fotografia em

diversos congressos renomados no Brasil, criou um ensaio no estilo retratos, onde mescla

comida e pessoas. Na imagem da figura 7, a junção de pinhão, um pouco de maquiagem e um

protagonista, demonstra a força da criatividade com elementos simples:

Figura 7 – Cara Comida – Face Food

Fonte: Júnior Luz

Nota-se como ele foge dos pontos de ouros, falados anteriormente, junto com a razão

áurea, tornando o objeto principal da figura 7, totalmente centralizado, e a fotografia sendo feita

totalmente de um ângulo plongée13. A criatividade de mesclar comida com um rosto humano

vai além do que se considera normal ou padrão para fotografia de retrato.

13 Termo utilizado na fotografia para definir um enquadramento feito pela câmera de cima para baixo.

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A criatividade não é uma forma de inovação, e sim algo que é trabalhado em nosso

consciente conforme as experiencias ao longo da vida. Assim as narrativas fotográficas criadas

neste trabalho buscam seu elemento criativo na manipulação digital. A transformação dos

elementos das cenas fotografadas, tornam a imagem irreal e surpreendente, mesmo diante de

todos os limites impostos.

2.2 MANIPULAÇÃO NA FOTOGRAFIA

A manipulação na fotografia inicia-se no momento em que se interfere em qualquer

detalhe da cena. Quando realizamos estas modificações a imagem que será ou foi criada se torna

manipulada.

Kossoy (1999), descreve que a fotografia é um processo de construção e criação de um

fotógrafo, tecnicamente, culturalmente ou esteticamente elaborada. A imagem de qualquer

objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a ênfase

pretendida por seu criador em função da finalidade aplicada.

Observa-se um exemplo na fotografia de moda, onde o mundo ficcional irreal se torna

inconscientemente, um mundo ficcional real. Segundo o mesmo autor, a fotografia de moda é

destinada ao consumismo, tanto de estilo – envolvendo roupas e acessórios; como uma estética

de vida, codificada no conteúdo de representação do tema. A criação desse mundo ficcional,

estudando e manipulando os objetos, modelos e iluminação, não se esgota em si mesma, mas

também visa propagar um conceito.

A ideia de objetividade, apresentada pelos primeiros fotógrafos da história, era

sustentada pelo argumento que os próprios objetos deixavam vestígios nas chapas fotográficas

quando expostas a luz. Segundo o autor Burke (2004), a imagem era formada pela natureza e

não pela mão humana.

Além da manipulação na produção, existe a manipulação na pós-produção, executada

no momento em que seus autores descobriram que a revelação fotográfica em laboratório

poderia ser realizada com processos alternativos, modificando sua real essência: dando-lhes

mais ou menos contraste e exposição, trocando seus tons, aplicando novas cores, ampliando a

imagem com um recorte diferente do que foi fotografado, entre outras possibilidades.

Com o avanço da tecnologia, onde as câmeras evoluíram de analógicas para digitais, os

softwares de manipulação foram criados. Uma imagem digital, hoje, é facilmente manipulada,

e por mais básico que seja, a maioria dos fotógrafos a modificam de alguma forma.

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2.2.1 Manipulação na fotografia analógica

A manipulação de elementos na fotografia analógica surge com o nome de

fotomontagem. Os primeiros processos foram acidentais, onde negativos distintos mesclavam-

se na mesma fotografia. Estes acidentes foram explorados com mais frequência e novas técnicas

começaram a serem utilizadas: recortes, superexposições até sobre-exposições, repetições do

mesmo negativo, duplas impressões, entre diversas outras combinações experimentadas.

Segundo a pesquisa de Manuel Fernandes para a revista Rhêtorikê14 (2012), no início

estas técnicas surgiram com um contexto popular e até mesmo humorístico, exploradas em

cartazes, panfletos ou postais. Porém, foi pela mão de Oscar Gustave Rejlander15 (1813-1875)

e de Henry Peach Robinson 16(1830-1901) que a fotomontagem ficou conhecida, em termo

técnicos, artísticos e teóricos.

Com efeito, o autor de uma fotomontagem trabalhava como se de um pintor fosse.

Pegando nos vários negativos ao seu dispor, compunha-os na base fotográfica com

total liberdade, determinando à vontade o tamanho da “tela” e construindo novas

configurações do real. Nestes moldes, a fotografia (composta) equipara-se à pintura e

as perspectivas subjetividades de produção ou de representação do real, à partida

diferentes, deixam de fazer sentido (FERNANDES, 2012, p. 41 e 42)

Para Robinson, o dever da fotomontagem, no âmbito da arte seria “evitar a

mediocridade, a pobreza e a feiura, alvejar matérias elevadas, evitar as formas incomodas e

corrigir o ruído pictórico” (FERNANDES, 2012, p.45). Na imagem da figura 8, criada por

Robinson, as condições do espaço são reconstruídas, ele demonstra este processo como uma

resposta aos limites impostos pelo equipamento fotográfico, permitindo maior possibilidade na

criação e criatividade.

14

Revista de comunicação e conteúdo online da Universidade da Beira Interior, disponível em:

<http://www.rhetorike.ubi.pt/05/index.html>. Acesso em: novembro, 2017. 15 Pintor sueco nascido em 1813. Estudou pintura na Itália tornando-se pintor retratista. Em Londres, ao conhecer

a fotografia, estudou-a e criou maneiras diferentes de cria-las. 16 Pintor inglês nascido em 1830. Chamado de pictorialista dos pictorialistas, expôs grandes obras na Royal

Academy of Art de Londres. Após conhecer a fotografia, encantou-se e a estudou na parte de conhecimento de sua

revelação e seus produtos químicos.

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Figura 8 – Páscoa do Norte, 1890

Fonte: Henry Peach Robinson

Rejlander, vindo de um cenário onde sua arte era ser pintor retratista, a fotografia e a

técnica de fotomontagem lhe permitiu diversas outras possibilidades de recriações de ambientes

em volta de seus retratos, o que muitas vezes não conseguia com a pintura. Em sua obra mais

conhecida, Two Ways of Life, demonstrada na figura 9, produziu uma montagem com mais de

trinta negativos diferentes e seu tamanho final, resultou uma fotografia de 78,7 x 40,6 cm. Esta

imagem é apenas um dos seus trabalhos, muitos outros foram construídos ao longo de sua

carreira.

Figura 9 – Two Ways of Life, 1875

Fonte: Oscar Gustave Rejlander

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Joel Peter Witkin (1939), é um artista americano que, ainda atualmente, produz

fotografias com câmera analógica. Suas imagens retratam temas e cenários mais sombrios e

muitas vezes grotescos ao olhar do público, porém este fator envolve toda as experiências que

o autor vivenciou ao longo de sua vida: “Eu consagrei minha vida para transformar o assunto

em espírito com a esperança de um dia ver tudo. Vendo na sua forma total, ao usar a máscara

da distância da morte.”, refletiu o artista. “E lá, no destino eterno, procurar o rosto que eu tinha

antes que o mundo fosse feito.”17

O artista usa suas imagens como um objeto narrativo através da ruptura da coerência

universal, apresentando cenas que fogem do real, e que para muitas pessoas não são agradáveis,

pois nos obrigam a olhar profundamente o seu conteúdo para entendê-la.

Witkin (1839), modifica o código fotográfico e o transforma em arte surrealista ou

pictórica. Sua fotografia não é mais um instantâneo e sim um projeto. Ele inicia sua ideia com

um esboço, planeja a montagem da cena, desde a composição dos objetos até o processo de

revelação, onde realiza alterações em contraste e até danificações no filme.

Nas imagens das figuras 10 e 11, seu objetivo em suas fotografias é mudar totalmente a

realidade, demonstrando que isto é possível utilizando uma câmera analógica sem nenhum uso

de software digital.

Figura 10 – Counting Lesson in Purgatory, 1982

Fonte: Artnet Galeria

17

Entrevista com o artista Joel Peter Witkin para o site Artnet. Disponível em: <http://www.artnet.com/artists/joel-

peter-witkin/>. Acesso em: fevereiro, 2018.

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Figura 11 – Woman Once a Bird, 1990

Fonte: Artnet Galeria

Portanto a manipulação na fotografia é realizada desde o momento onde se modifica ou

cria-se determinada cena. O planejamento da iluminação para determinado objeto ou cena, sua

composição e seu produto finalizado, demonstram que a imagem já está sendo manipulada.

Ainda há possibilidade de modifica-la na revelação, onde diversos processos alternativos foram

descobertos para quebrar as limitações do momento da captura, assim como acontece na

fotografia digital.

2.2.2 Manipulação na fotografia digital

A modificação de imagens no passado, era mais simples que atualmente. Seja em alterar

os objetos da cena para ter uma melhor composição ou modificar as suas impressões.

Kossoy (1999), afirma que o processo de construção de representação, não se finaliza

com a materialização da imagem através do processo de criação do fotógrafo. Ela tem

continuidade na editoração, a pós-produção. A imagem se torna um objeto de diversas

adaptações conforme o tema final escolhido.

Com a digitalização e os softwares específicos para tais funções, as imagens tornam-se

representações de realidades e sendo assim, mais sedutoras e comercializáveis.

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E tal manipulação tem sido possível justamente em função da mencionada

credibilidade que as imagens têm junto à massa, para quem, seus conteúdos são

aceitos e assimilados como expressão da verdade. Comprova isso a larga utilização

da fotografia para a veiculação da propaganda política, dos preconceitos raciais e

religiosos, entre outros usos dirigidos. (KOSSOY, 1999, p. 20)

O tratamento digital da imagem confere aos fotógrafos a oportunidade ideal de

experimentar e recriar conteúdo. A experimentação gira em torno da definição prévia de uma

ideia, segundo o mesmo autor, explora-se mais possibilidades em relação a ideia original.

Präkel (2013), confirma o impacto da imagem digital na composição, criatividade e

técnica de uma imagem. Na própria câmera pode-se apagar e recriar novamente, como também,

pode-se fotografar diversas vezes até chegar no resultado desejado. Confiando na abordagem

de soluções rápidas ao fotografar, os detalhes são deixados para depois e a falta de

aperfeiçoamento entre o fotógrafo e a câmera começa a crescer.

Pode-se criar uma imagem capturando objetos e cenas separadamente e unindo-os nos

softwares de manipulação digital, determinando então, uma nova imagem.

Portanto, tanto na fotografia analógica quanto na digital, a composição, a iluminação e

a produção devem ser manipuladas antes da captura da imagem e pensadas com cuidado e

técnica. O que diferencia os processos, no entanto, são as maneiras de manipulação pós-

produção: no laboratório pode-se alterar os negativos em recortes, iluminação, contrastes, tons

e fotomontagens; já no processo digital pode-se usar softwares que possuem uma amplitude de

manipulação maior, além das mesmas possibilidades citadas no processo analógico, pode-se

recriar novas imagens do zero.

Na figura 12 percebe-se a junção de duas imagens e sua manipulação dos cenários em

elementos, cores, tons e tema. A fotografia foi criada entre os programas Blender18, Cycles19,

Substance Painter 20e Photoshop21, com fotografia de Milton Menezes e Anderson Santos e a

pós-produção de Ramon Saroldi, para a empresa LightFarm22:

18 O Blender é um software livre (gratuito), o mais completo para a criação de modelos 3D. Com ele é possível

cria modelagem 3D, rigging, animação, simulação, renderização, composição e rastreamento de movimento

(motion tracking), edição de vídeo e criação de jogos usando as tecnologias computacionais atuais. 19 Programa para renderizar imagens, baseado em física real (ray-trace), permitindo resultados bem próximos à

realidade. 20 Programa para texturização 3D e 2D, com recursos para desenvolver aplicações interativas. 21 Software de edição completa de imagens. 22 Multinacional especializada em imagem e vídeo publicitário, com sede em Singapura e estúdios no Brasil,

Austrália e Nova Zelândia.

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Figura 12 – Sugar Hit

Fonte: LightFarm

Desta forma, este trabalho acadêmico visa a criação de narrativas fotográficas digitais,

sendo aplicadas à pós-produção e manipulação com o uso dos softwares como Photoshop e

Lightroom23.

2.2.3 A recriação de uma imagem na pós-produção

O processo de manipulação das imagens na pós-produção mistura o que já foi capturado

com o processo de criação de uma nova imagem. Kossoy (1999), descreve que quando uma

imagem é ou será aplicada em algum veículo de informação, ela é sempre sujeita a algum tipo

de modificação ou tratamento específico.

A manipulação na pós-produção é utilizada, geralmente, para criar algo que não pode

ser capturado, ou quando se deseja remover, modificar e recriar elementos.

A empresa de publicidade e propaganda LightFarm é um exemplo de como a indústria

de manipulação digital cresceu nos últimos tempos e tem se destacado em quase todo o mercado

visual, trazendo novos conceitos e maneiras de recriar uma imagem adequando-se aos conceitos

e ao tema proposto.

No projeto representado nas figuras 13 e 14, Milton Menezes convidou o fotógrafo

Fernando Filho para fazer a versão fotográfica da ilustração de Renan Porto. A pós-produção,

feita por Milton, integrou todos os elementos em uma só imagem.

23 Software de edição básica de imagens.

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Figura 13 – The Hunger White, o desenho

Fonte: LightFarm

Figura 14 – The Hunger White, imagem final

Fonte: LightFarm

Na imagem da figura 15, outro projeto da empresa Lightfarm chamado The Verve24

inspirado pelo livro “Encontro com Rama” de Arthur C. Clarke, pode ser visualizado um longo

processo de manipulação digital. Seus autores trabalharam muito para trazer esta ideia surreal

24

Para visualização completa deste processo de montagem, acesse: < https://vimeo.com/78855338>. Acesso em:

março, 2018.

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à vida. Integrando mais de 100 fotos aéreas de proporções gigantescas, usando tecnologia 3D e

uma simulação de tecido para então, fazer a roupa do astronauta e toda a imagem possível.

Figura 15 – The Verve

Fonte: LightFarm

Annie Leibovitz (1949), fotógrafa e artista, cria para o mundo da moda e publicidade,

fotografias únicas e com um toque em referências cinematográficas. Nas imagens das figuras 16 e

17, ela demonstra o trabalho que realizou para a empresa Walt Disney, totalmente voltado para a

magia e a grande gama de possibilidades que a manipulação digital pode criar.

Figura 16 – Where you’re the fairest of them all, 1

Fonte: Portfólio Online Annie Leibovitz

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Figura 17 - Where you’re the fairest of them all, 2

Fonte: Portfólio Online Annie Leibovitz

Conclui-se que a manipulação de imagens na pós-produção pode recriar uma nova

fotografia, tanto do zero quanto de uma existente. O processo é trabalhoso e envolve técnica,

prática e criatividade. Estes itens devem ser trabalhados diariamente, utilizando diversos

softwares de manipulação para que se possa ganhar experiência e resultados com excelência.

2.2.4 Softwares de manipulação

Com o surgimento da fotografia digital na década de 1980, conforme Oliveira (2005),

iniciou-se um declínio da fotografia analógica e uma ruptura entre as classes de fotógrafos: os

veteranos, os que assistem a morte da fotografia analógica e os iniciantes que deslumbram o

nascimento da fotografia digital.

Com esta transformação o homem viu necessidade em continuar sua evolução na

fotografia, não somente com as câmeras fotográficas ou em sua criação, mas de uma maneira

posterior a isso, na pós-produção, como também era realizado com as fotografias analógicas.

Conforme pesquisadores apontam no site da empresa Adobe25, o Photoshop foi criado

no ano de 1987 e revolucionou o mercado de fotografia. Segundo a empresa, o Photoshop,

caracterizado como editor de imagens bidimensionais, é considerado o líder no mercado de

editores de imagens profissional. Porém sua história começa bem antes da Adobe o comprar.

25 A Adobe Systems Incorporated é uma companhia americana que desenvolve programas de computador.

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Seus criadores, os irmãos Thomas e John Knoll, estudantes de engenharia,

desenvolveram uma tese a qual descrevia um programa informático que lhes permitissem

transformar imagens de um monitor preto e branco em escalas de cinza. Através disso,

desenvolveram o programa com edição completa de imagens digitais, lançando em 1988, o

“Image Pro”, que em 1990, foi comprado pela empresa Adobe e o lançou no mercado alterando

seu nome para Photoshop.

Esta primeira versão do Photoshop possuía uma interface simples, mas muito

semelhante ao programa atual. Hoje o Photoshop está disponível em mais de 20 idiomas

diferentes em todo o mundo, possuindo uma infinita gama de manipulação de imagens, desde

pequenos ajustes até os mais complexos e profissionais.

Após algum tempo, a empresa Adobe criou o programa Lightroom, com funcionalidade

mais rápida e prática para edição, tratamento e processamento de imagens. Este programa

possui um fluxo de trabalho mais dinâmico, diversas possibilidades de edição de imagens, uma

linha organizacional física e lógica, o processamento de imagens em raw26 e a possibilidade de

exportação destes arquivos em diversos formatos. Com a praticidade de tratamento de diversas

imagens ao mesmo tempo, este software permite que os profissionais da área agilizem seu fluxo

de trabalho. Um programa mais básico e simples que o Photoshop, porém, com infinitas opções

de tratamento de imagens.

Portanto, por demonstrarem facilidade e direcionamento à profissionais de fotografia,

estes programas foram selecionados para manipular as narrativas fotografias criadas neste

trabalho.

26 É um formato de fotografia que permite mais qualidade e controle sobre sua foto e a liberdade de processamento.

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3 OS CONTOS DE FADAS

Os contos de fadas infantis possuem uma literatura quase sempre interligada a fantasia

e à magia, características que normalmente facilitam sua identificação. Nos contos mais antigos,

identifica-se fatos desagradáveis e muitas vezes irreais, como lobos que comem crianças, bruxas

que lançam maldições, animais falantes, alguns dos quais são contados nos contos atuais.

Desta maneira procura-se entender melhor o que são os contos de fadas; porque eles

foram criados; porque foram modificados ao longo dos anos e qual a mensagem que eles podem

transmitir.

Geralmente, são histórias que narram as aventuras de um protagonista de bom coração

em meio a um mundo mágico rumo a um final feliz. Ainda assim, há tantas exceções

à regra – príncipes cruéis, ausência da magia, finais desoladores – que quase nenhuma

definição para em pé. De modo geral, vale a mesma regra para o que faz uma música

boa: você pode não saber defini-la, mas vai saber reconhecer quando ouvir uma.

Assim, dá para reconhecer um conto de fada já nas primeiras palavras. (HUECK,

2016, pág. 15)

A autora descreve como é simples reconhecer um conto de fada e como sua mensagem

pode ser diferente para cada pessoa. Cria-se paradigmas de finais felizes, príncipes e princesas,

até acredita-se em magia. Porém, algumas pessoas não necessitam dessas representações para

confirmar que tal história é um conto de fadas.

Então, o que são os contos de fadas? A resposta para tal pergunta varia do ponto de vista

de cada pessoa, de suas crenças, de como e quais os contos que conhecem. Porém tanto para

Hueck (2016) como para Battelheim (2016), os contos foram criados para serem infantis, mas

podem transmitir mensagens destinadas ao público adulto.

No momento que se inicia a leitura de contos, imagina-se, na maioria das vezes, que ele

terá um final feliz, mas nos contos mais antigos, nem sempre isso acontecia:

Engana-se quem acha que as histórias são sobre fadas, bruxas, príncipes encantados

ou meninas perdidas na floresta. Por trás dos enredos simples estão narrativas sobre a

vida e a morte, alegria e tristeza, conquista e derrota – que falam diretamente com o

mundo interior dos leitores. Quem lê as histórias acredita que metamorfoses sejam

possíveis e que mesmo os mais desajustados dos protagonistas possam encontrar a

redenção. Escondido nos contos de fadas estão as inquietações que todos nós já

sentimos e soluções para problemas que parecem enormes. (HUECK, 2016, pág. 12)

São nestas inquietações que este trabalho pretende basear-se. Os contos mais antigos

estão repletos delas e os que foram escolhidos remetem a problemas que eram vividos no século

XVII e que ainda são realidade no século XXI.

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Os contos de fadas, diferentemente de qualquer outra forma de literatura, direcionam

a criança para a descoberta de sua identidade e vocação, e também sugerem as

experiências que são necessárias para desenvolver ainda mais o seu caráter. Os contos

de fadas dão a entender que uma vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa

apesar da adversidade – mas apenas se ela não se intimidar com as lutas arriscadas

sem as quais nunca se adquire a verdadeira identidade. (BATTELHEIM, 2016, p. 34)

O autor descreve com outras palavras, através da psicanálise, o que Hueck (2016)

também descreve. Os contos são feitos para criar um direcionamento de vida, uma meta, uma

luta, e isso só é alcançado se a atitude e ações forem de boa conduta.

Conclui-se com isto que os contos de fadas foram criados para serem contados ao

público infantil, porém, suas mensagens poderiam possuir algo além de um simples final feliz,

um fato de maior importância, que deveria ter mais destaque; estas são as mesmas inquietações

mencionadas anteriormente.

3.1 OS IRMÃOS GRIMM

Jacob e Wilhelm Grimm nasceram, respectivamente, em 4 de janeiro de 1785 e em 24

de fevereiro de 1786, na cidade de Hanau, na Alemanha. Os mais velhos de uma família de seis

irmãos, tiveram apoio financeiro de uma tia, após a morte do pai e a consequente derrocada à

pobreza. Estudaram no Liceu Fridericianum e na Universidade de Marburg. Lá, conheceram

um professor que despertou neles o interesse pela filologia, história germânica e literatura

medieval alemã.

Em 1805, Jacob viajou com uma assistente para Paris, onde estudou manuscritos

medievais e passou a colecionar textos etnográficos.

De volta a Alemanha ele conseguiu trabalho como bibliotecário particular do rei Jérôme

Bonaparte. Sendo neste período que os irmãos começaram a coletar contos, enviando boa parte

deles ao escritor Clemens Brentano. Porém, o material foi rejeitado, surgindo então a ideia de

uma coletânea de contos, cujo primeiro tomo foi publicado em 1812 e o segundo em 1815.

Em 1816 Jacob foi nomeado bibliotecário da cidade de Kassel. Embora a posição não

fosse bem remunerada, lhe permitiu tempo para se dedicar ao trabalho acadêmico.

Apesar de muito criticados pela comunidade cientifica, os irmãos Grimm conseguiram

uma grande exposição com essas publicações e muitos dos contos por eles coletados são

incluídos em livros e periódicos.

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Em 1819, publicam a edição revisada, na qual vários contos da primeira edição são

excluídos e muitos novos são adicionados. Deixando aos cuidados de Wilhelm, a coletânea é

constantemente modificada, recebendo acréscimos até chegar a duzentos contos.

Tornam-se docentes na Universidade de Göttingen, onde criam a respeitada disciplina

de estudos germânicos, mas saem abruptamente quando eles e outros cinco professores

protestam abertamente conta a dissolução da constituição pelo rei Ernst August II, que os

demite e exila três dos professores, entre eles Jacob Grimm. É nesse período que trabalham

naquela que seria sua maior obra: um dicionário definitivo da língua alemã, finalizado apenas

em 1961, com 32 volumes.

Em 1840, o rei Friedrich Wilhem IV da Prússia os nomeia integrantes da Academia de

Ciências em Berlim, Jacob publica uma história da língua alemã e encerra sua carreira como

professor para dedicar-se exclusivamente ao trabalho científico. Wilhelm segue seus passos,

não muito depois, e se aposenta.

Em 1857, “Contos maravilhosos infantis e domésticos” chega a sua sétima edição.

Wilhelm Grimm morre no dia 16 de dezembro do ano de 1859 e Jacob falece dia 20 de setembro

do ano de 1963.

É neste livro que foram retirados os dois contos que criaram o tema deste projeto: A

Gata Borralheira e João e Maria, ambos selecionados na sua primeira edição do livro, não

sofrendo então nenhuma modificação, como aconteceu nas edições seguintes.

3.2 A GATA BORRALHEIRA – PRIMEIRA EDIÇÃO

“[...]27

O príncipe, por sua vez, pensou: “Já que nada deu certo, agora o sapato é que vai nos

ajudar a encontrar a noiva”. Então, mandou seus mensageiros difundirem por todo o reino que

se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato. Muitas tentaram calçá-lo,

mas para todas o sapato era apertado de mais. Até que chegou a vez de as irmãs calçarem.

Elas estavam felizes porque tinham pés bonitos e pequenos e acreditavam que o sapato serviria

e nada poderia dar errado. Quando o príncipe chegou na casa delas, a mãe disse secretamente:

“Ouçam, tomem aqui essa faca e, se o sapato não servir, cortem um pedaço do pé. Vai doer

um pouquinho, mas não faz mal porque passa logo e uma de vocês irá se tornar rainha”. Assim,

27 Este trecho foi retirado do livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, 1812, dos irmãos Jacob e Wilhelm

Grimm, traduzido por Christine Röhrig, apresentado por Marcus Mazzari e ilustrado por J. Borges. Este conto é a

primeira edição de A Gata Borralheira, sem nenhuma alteração ou censura.

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a mais velha foi para o quarto e experimentou o sapato. A ponta do pé entrava, mas o calcanhar

era grande demais. Então ela cortou um pedaço do calcanhar até conseguir enfiar o pé no

sapato. Quando o príncipe viu que o sapato servia, declarou que ela era a noiva dele e a levou

até a carruagem. Mas, ao chegar no portão, as duas pombinhas brancas estavam sentadas

sobre ele dizendo: “Olhe bem, rapaz! A verdadeira ficou para trás, o sapato ficou apertado,

está todo ensanguentado!” O príncipe olhou para baixo, viu que do sapato brotava sangue e

percebendo que tinha sido enganado, levou a falsa noiva de volta para casa. A mãe então disse

para a segunda filha: “Pegue o sapato, e se ele for apertado, melhor cortar a parte dos dedos”.

A filha levou o sapato para o quarto e, ao ver que seu pé era grande demais, cerrou os dentes

e cortou fora um pedaço bem grande do dedão. Depois calçou o sapato rapidamente. Pensando

ser ela a verdadeira noiva, o príncipe a levou até a carruagem. Mas, ao passarem pelo portão,

as duas pombas disseram: “Olhe bem, rapaz! A verdadeira ficou para trás, o sapato ficou

apertado, está todo ensanguentado!”.

[...]28

A parte descrita do conto é o ponto principal do tema da primeira narrativa fotográfica

deste trabalho, baseando-se no fato em que as irmãs da personagem principal mutilam seu

próprio corpo para conseguir alcançar o objetivo de se encaixarem nos padrões de beleza

impostos.

3.2.1 O que mudou nas edições seguintes do conto de A Gata Borralheira

A Gata Borralheira é um dos contos mais conhecidos em todo o mundo, passou por

diversas transformações ao longo dos anos e famosos escritores a modificaram dando-lhe até

um novo título, conhecido como Cinderela.

Os irmãos Grimm reescreveram o conto de A Gata Borralheira com uma característica

mais sombria, algo que com o passar dos anos, definindo-se o que poderia ou não ser dito ao

público infantil, alguns trechos da história foram modificados, alterados e reescritos. A marca

Disney29, quando comprou a história, modificou-a ao ponto de torná-la mais romantizada e

infantil.

No conto da Disney a maioria dos elementos considerados mais cruéis e imorais foram

retirados e a parte educativa foi mantida. Por mais que Cinderela não possuísse uma associação

28

Para ler em história completa, ver anexo A, página 74. 29 The Walt Disney Company, é uma companhia multinacional estadunidense de mídia de massa. Disponível em:

< http://disney.com.br/>. Acesso em: maio, 2018.

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tão clara com a nossa realidade, o conto carregava um tom moralizante, onde abordava a

importância em ser uma boa pessoa e quem pratica a maldade é castigado.

A Disney se preocupou em deixar o conto totalmente infantil, desta forma não há partes

consideradas sombrias, apenas uma bela história de amor envolta em elementos mágicos. A

fada madrinha, ausente no conto dos irmãos Grimm, já existisse na versão de Charles Perrault30,

(1628-1703), datado do ano de 1697, aparece novamente na versão da Disney. As irmãs não

cortam os pés para que o sapatinho sirva. O sapato é transformado em cristal e não mais de ouro

como descrito no conto dos irmãos Grimm, gerando assim um tom mais fantasioso. O que se

mantém é o enredo principal e uma grande quantidade de magia, sendo que a mensagem

moralizante não aparece de maneira tão clara e cruel, como no caso dos Grimm, mas apenas de

boas ações dos personagens.

3.2.2 A mensagem transmitida no conto de A Gata Borralheira de 1812-1815

O conto de A Gata Borralheira repassa uma mensagem escrita em coadjuvante em torno

do tema principal. O fato desse acontecimento ser protagonizado pelas irmãs e não pela

personagem principal, o torna ainda menos importante aos olhos interpretativos a quem não

analise com cuidado seu conteúdo.

A mensagem mostra a mutilação que as irmãs realizam, tentando se encaixar em um

padrão de beleza, para serem aceitas na sociedade e principalmente pelo príncipe, sem pensarem

nas consequências posteriores dos seus atos.

Entende-se que naquela época as mulheres já realizavam sacrifícios para se encaixarem

nos padrões que a sociedade determinava. Pés pequenos eram vistos como pés de verdadeiras

donzelas, descrição da personagem principal.

Atualmente, este tipo de mutilação acontece de diferentes maneiras: as mulheres que se

sentem acima do peso ideal, o peso proposto pela sociedade, fazem inúmeras dietas e sacrifícios

para entrarem nestes padrões, muitas vezes trazendo consequências drásticas, como doenças e

efeitos colaterais que podem levar à morte.

Manifestamente, o comportamento das meias-irmãs as põe em nítido contraste com

Cinderela, que não deseja obter felicidade por outro meio que não o próprio eu. [...].

As meias-irmãs baseiam-se no logro e sua falsidade as leva à automutilação. [...].

Trata-se de um detalhe de tão extraordinária crueza e crueldade que deve ter sido

30 Escritor francês, autor de grandes contos infantis entre os anos de 1640-1700. Disponível em:

<https://www.biography.com/people/charles-perrault-9438047>. Acesso em: junho, 2018.

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inventado por alguma razão específica, embora provavelmente inconsciente.

(BATTELHEIM, 2016, p. 368)

Para Battelheim (2016), o fato foi criado por alguma razão específica, sem saber

explicar o porquê. Acredita-se que este trecho descrito acima demonstra que desde aquele

século até o presente, as mulheres tentam se encaixar nos padrões de beleza que a sociedade as

impõe, de maneiras exageradas, cruéis e que podem acarretar em fins drásticos.

Conforme Pinheiro e Figueredo (2012), a identidade de beleza é identificada como algo

que agrada o indivíduo e à sociedade em que vive. Este conceito é construído através das

influências dos valores e das legitimações sociais que a cultura impõe e divulga.

Conforme as mesmas autoras, a classificação do belo depende da época e da cultura. Na

estética da forma, a preocupação é com as medidas apropriadas, no aspecto funcional justifica-

se pelas qualidades, tais como bondade. Percebe-se a grande cobrança social para que as

mulheres se sintam belas e se auto valorizem.

Desta forma, uma das narrativas fotográficas deste projeto, será criada transmitindo o

tema abordado dos padrões de beleza em um frame e adaptada através da manipulação digital

na pós-produção.

3.3 JOÃO E MARIA – PRIMEIRA EDIÇÃO

“[...]31

Não passou muito tempo para que voltasse a faltar o pão na casa e uma noite João e

Maria ouviram a mãe dizer ao pai: “As crianças conseguiram encontrar o caminho de volta

uma vez e eu aceitei, mas agora não temos nada para comer, além da metade de um pãozinho.

Amanhã você deve levá-las mais fundo na floresta para que não encontrem o caminho de volta,

senão não poderemos nos salvar”. O marido sentiu o coração apertar e pensou que seria

melhor dividir o último bocado com os filhos, mas, como da primeira vez, acabou cedendo.

[...]

A mãe levou-os ainda mais fundo na floresta, num lugar em que jamais tinham estado

antes em suas vidas. Ali novamente deveriam dormir junto ao fogo e os pais iriam busca-los

ao anoitecer. Ao meio-dia, Maria dividiu seu pão com João, porque ele jogara o dele pelo

caminho.

31 Este trecho foi retirado do livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, 1812, dos irmãos Jacob e Wilhelm

Grimm, traduzido por Christine Röhrig, apresentado por Marcus Mazzari e ilustrado por J. Borges. Este conto é a

primeira edição de João e Maria, sem nenhuma alteração ou censura.

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Passou meio-dia, passou a tarde e ninguém apareceu para buscar as crianças. João

consolou Maria, dizendo: “Espere a lua aparecer no céu, aí eu vou conseguir ver as migalhas

que espalhei pelo chão, que vão apontar o caminho de volta até a nossa casa”. A lua surgiu,

mas quando eles procuraram pelas migalhas elas tinham desaparecido, porque tinham sido

comidas pelos milhares de pássaros que habitavam a floresta.”

[...]32

A parte descrita é o ponto principal para o tema abordado na segunda narrativa

fotográfica deste trabalho, baseando-se no abandono dos personagens principais pelos próprios

pais.

Este trecho do conto remete ao fato, hoje considerado crime, de abandonar seus próprios

filhos, seja por qualquer motivo ou situação que levem os pais a realizarem tal ato. Esta

mensagem aparece como coadjuvante à principal da história, mostrando que naquela época este

ato já acontecia e acontece até hoje.

3.3.1 O que mudou nas edições seguintes do conto de João e Maria

João e Maria é um dos contos que também é conhecido em grande escala no mundo, pois

após a compra da história pela Disney, sua fama se propagou com o público infantil.

Como o conto, orginalmente, surgiu na Alemanha, ele também é conhecido como Hänsel

und Gretel, e sofreu algumas modificações conforme foi reescrito por diversos escritores pelo

mundo.

O conto foi coletado pelos irmãos Grimm e readaptado por eles no livro Contos

Marailhosos Infantis e Domésticos (1812-1815), onde a história narrada conta que a própria

mãe é a autora do abandono dos filhos. Na quarta edição deste mesmo livro, a história sofreu

algumas modificações, onde a mãe foi trocada por uma madrasta, por não ser considerado algo

politicamente correto os pais abandonarem seus próprios filhos.

Na adaptação da Disney, assim como em A Gata Borralheira, os momentos considerados

mais cruéis e, de certa maneira, não educativos, foram sendo descartados ou modificados.

Transformando assim o conto em uma história direcionada ao público infantil.

A Disney, por considerar o conto muito curto, adaptou a história em um episódio da série

de curta metragem chamada de Babes in the Woods (Crianças na Floresta), onde mostrava João

32

Para ler a história completa, ver anexo B, página 84.

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e Maria passeando em uma floresta, sem pré definição em estarem perdido ou terem sido

abandonado, e visitando a casa de uma bruxa. Nesta versão a bruxa transforma as crianças em

animais e João e Maria conseguem liberta-las e petrificam a bruxa usando uma de suas poções.

O ponto principal é a falta do porque e como os irmãos estavam na floresta, não há uma

introdução a isto. O fato de passarem necessidades sociais é retirado, como contado pelos

irmãos Grimm. Sendo assim, percebe-se a exclusão que a empresa fez ao conto para não dar

incentivo ou narrar ao público infantil o abandono de crianças pelos próprios pais.

3.3.2 A mensagem transmitida no conto de João e Maria de 1812-815

Quando se fala sobre João e Maria, uma história que é conhecida em grande escala, o

primeiro pensamento é lembrar da casa feita de doces, de uma bruxa malvada e das migalhas

de pão deixadas no chão para relembrar o caminho de volta para casa.

A primeira edição do conto de João e Maria dos Irmãos Grimm (1812-1815), não é uma

história com muita magia, com príncipes ou princesas, castelos e fadas. Este conto mostra uma

cruel realidade que era vivenciada naquele século e que ainda vivenciamos, em um número

absurdamente alto, o abandono de crianças no mundo.

Os contos de fadas – e, na verdade, todo o folclore e a mitologia – estão repletos de

histórias de filicídio. [...]. Nos contos de fadas, o que impressiona é o número de pais

que enxergam nos filhos uma fonte de alimento. Há diversos pais e mães que matam

sua prole para ter o que comer. Este foi, claro, o caso de João e Maria: como a comida

andava escassa para a família, os pais resolvem se ver livres dos filhos para não passar

fome. (HUECK, 2016, p. 164 e 165)

A história que é contada atualmente, baseada no conto dos irmãos Grimm de João e

Maria, sofreu algumas alterações para que alguns padrões da sociedade fossem mantidos.

A mensagem que os irmãos Grimm desejaram passar com esta história vai além de dois

personagens:

Os acontecimentos reais que os especialistas buscam são mais genéricos. Quando

historiadores e folcloristas analisam os textos e suas versões mais antigas, observam

o que foi mudado ao longo do tempo e daí tiram pequenos rastros da história real.

Geralmente, o que se conclui a partir dessa análise são hábitos e costumes; no máximo,

algumas tradições e a mentalidade de seus tempos. É como se tentassem enxergar o

pano de fundo das histórias e as regras gerais que ditavam a sociedade – não os atos

individuais ou personagens específicos. (HUECK, 2016, pág. 167)

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O abandono de crianças foi permitido e tolerado por muitos séculos. Segundo Weber

(2000), antigamente a criança não era reconhecida como um ser com particularidade próprias e

sim como um adulto imperfeito, não possuindo direitos.

Na Grécia antiga era conhecido o ato de ektithenai quando um pai ou uma mãe,

querendo livrar-se de um filho, colocavam o recém-nascido em um lugar selvagem,

desejando-lhe a morte, mas sem mata-lo com as próprias mãos. (WEBER, 2000, p. 1)

Conclui-se que este fenômeno de abandono é reproduzido ao longo dos anos por

inúmeros fatores e em sua maioria associados à miséria. Uma política social que diminui

salários, aumenta os impostos e cria mais abrigos para crianças do que escolas, é o reflexo do

grande número de crianças negligenciadas por seus pais, também vítimas da sociedade,

tornando o abandono uma saída de sobrevivência.

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4 METODOLOGIA DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DAS IMAGENS

Este trabalho acadêmico visa a construção de duas narrativas fotográficas, capturando

fotograficamente o cenário e seus componentes, cujo tema foi retirado dos contos de fadas

selecionados. Este cenário irá fazer parte da composição final, em um único frame, através da

manipulação digital na pós-produção. Em caráter criterioso, baseando-se na pesquisa

bibliográfica e qualitativa, estudando a mensagem transmitida nas primeiras edições dos contos

dos irmãos Grimm.

A pesquisa bibliográfica, segundo Fonseca (2002), é o levantamento de referências

teóricas que já foram analisadas e publicadas, como livros ou artigos, sobre o tema a ser

executado. O pesquisador deve selecionar e analisar os dados coletados para que não leve seu

resultado com dados falsos e equivocados. Nesse sentido, utilizou-se artigos e livros cujas

informações foram essenciais para o desenvolvimento teórico da pesquisa.

A história de João e Maria e A Gata Borralheira dos irmãos Grimm e a narrativa

fotográfica foram cuidadosamente analisados e estudados. Buscou-se esse conhecimento em

diversos materiais para que resultado pretendido tivesse êxito.

Segundo Demo (2012), a pesquisa qualitativa é o resultado da comunicação discutida,

onde podemos questionar o que está sendo dito, sendo esta informação trabalhada e

retrabalhada, para que tanto os pontos de vista do autor quanto do interpretador sejam

satisfeitos.

Nesta análise, o pesquisador deve ter contato fluente com a situação estudada,

observando e compreendendo seu contexto. No caso deste trabalho, a manipulação digital e a

construção de narrativas fotográficas são fundamentas nos contos de fadas. Também precisa-se

analisar e selecionar os dados estudados, preocupando-se com o processo e não apenas com o

resultado pretendido.

O conteúdo do tema da manipulação na pós-produção é analisado e estudado

criteriosamente, buscando todas as ferramentas e as preocupações com o seu processo de

montagem. Do qual deve ser repetido diversas vezes, praticado e retrabalhados para que sua

interpretação final fique dentro do esperado.

4.1 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS

O processo de construção das imagens foi divido em etapas:

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Figura 18 – Etapas do Desenvolvimento

Fonte: Shaiane Giusti

Os vídeos que apresentam os processos de manipulação digital na pós-produção foram

gravados diretamente da tela do computador. Ressalta-se que estes processos são apenas para

demonstração do processo e não à título de tutorial de ensino do mesmo.

Estudo criterioso dos contosselecionados: qual suas mensagens ecomo elas poderão ser representadasem narrativas fotográficas; comorepresentar estes problemas emnarrativas fotográficas, os trazendo paraà atualidade; como será realizada suailuminação, suas cores, sua composiçãoe o que será escolhido para o seu cenárioe seus componentes.

Criação de dois esboços emdesenho, um para cada narrativafotográfica, demonstrando aideia desejada.

Fotografar os cenários com seuscomponentes: uma menina e ummenino, crianças, para o temado conto de João e Maria. Duasmeninas, adultas, para o tema doconto de A Gata Borralheira.

Manipulação das imagens na pós-produção. Processo que adiciona ouremove itens da imagem, modificaseus tons, luzes e até mesmo opróprio ambiente. Separando framesque demonstrem algumas etapas dosprocessos.

Montagem de uma revistailustrativa com os frames dealgumas etapas do processode manipulação na pós-produção e suas narrativasfinais.

Gravação comodemonstração doprocesso demanipulação digital.

Produção de dois quadros em tamanho 60x40cm, horizontais, para avisualização ampliada dos resultados das manipulações nas narrativasfotográficas.

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A divulgação do trabalho é realizada via internet no próprio website33 da autora das

imagens. Sua forma de apresentação será no dia de sua banca de avaliação, onde será possível

a análise das narrativas fotográficas em quadros impressos em material canvas34 de grande

formato.

Seu público alvo destina-se a pessoa que tenham o interesse em conhecer o processo de

manipulação digital na pós-produção, tanto como para profissionais da área. Também procura

atingir o máximo de grupos e culturas possíveis, para melhor compreensão de todo o tema

proposto.

No meio acadêmico, o público alvo é destinado aos grupos que desejam estudar e

compreender melhor os temas descritos, a fotografia, as manipulações em imagens e os contos

de fadas. Também disponibilizar este material para a instituição como fonte de pesquisa.

Por estas questões, este trabalho desde seu início foi pensando com o objetivo de

repassar os cidadãos interessados, a mensagem dos contos de fadas, que transmitem problemas

sociais do cotidiano; como também, o processo de manipulação digital em narrativas

fotográficas.

4.1.1 O estudo dos contos escolhidos para compor as narrativas fotográficas

O estudo das mensagens transmitidas pelos contos escolhidos para realizar as narrativas

fotográficas, foram analisados e planejados conforme o tema que cada um apresenta.

No conto de A Gata Borralheira (1812-1815), utilizando como protagonistas principais

duas mulheres que mutilam seu próprio corpo para se adequarem ao padrão de beleza exigido,

estudou-se que a fotografia deve ser bem iluminada, com pequenos detalhes mais escuros, que

tornassem a imagem levemente sombria e direcionassem o olhar aos elementos principais.

Os tons escolhidos são quentes, por apresentarem uma semelhança ao conto de fada de

A Gata Borralheira, repleto de magia e fantasia, bondade e esperança.

Para que a mensagem descrita no conto fosse demonstrada como um problema que ainda

acontece em nossa sociedade, a criação da narrativa fotográfica foi introduzida em ação

temporal atual.

Os padrões de beleza têm oscilado, ao longo das décadas, entre a valorização de ossos,

curvas, costelas saltadas e carnes generosas. [...] Os ideais de beleza, que são

propagados na mídia em geral, baseiam-se em uma forma específica de beleza,

33 Disponível em: <maramafotografia.com.br/galeria/autoral/manipulacao-digital/>. Acesso em: junho, 2018. 34 Tecido sintético fosco de aparência rústica, com similaridade em algodão ou uma tela de pintura.

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mulheres altas e magras que apresentam estar abaixo do peso ideal. [...] Muitas

mulheres, que se apresentam de forma atraente, mas estão fora dos padrões de beleza

apresentados na contemporaneidade carregam consigo uma sensação de auto-estima

e auto-imagem rebaixadas, que faz com que se sintam rejeitadas, desvalorizadas e

feias. (DUTRA, 2016, p. 1)

Conforme este estudo feito pela estudante de psicologia Márcia Inácia Dutra, ela

demonstra como o padrão de beleza é consumido pelas mulheres ao longo dos anos,

propagando-se através da mídia.

Através deste estudo o esboço, em desenho, foi produzido para transpor a intenção

desejada nas imagens, demonstradas nas figuras 19 e 20.

Figura 19 – Esboço 1 Realidade Subjetiva

Fonte: Shaiane Giusti

Assim, o cenário escolhido para compor a narrativa é um quarto, ambiente onde nos

sentimos em nosso íntimo e é o nosso conforto. A protagonista deste cenário é uma mulher,

cujos padrões de beleza não são auto aceitáveis e seu desejo é tornar-se como o belo é descrito

pela sociedade atualmente, transformando-se em outra pessoa.

Neste contexto foi escolhido dois estereótipos de mulheres, uma com estética de forma

que se encaixa perfeitamente nos padrões de beleza e outra com sua estética e medidas

desproporcionais ao belo. Estas protagonistas representam a realidade e a subjetividade, onde

a modelo, que foge aos padrões de beleza estabelecidos atualmente, tem o desejo de tornar-se

alguém que se encaixe nos padrões então impostos.

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Os objetos que irão compor este cenário foram escolhidos como partes do desejo que

entrelaça estes padrões: vestidos de luxo em tamanho pequeno, acessórios femininos e um

sapato dourado, os quais fazem ligação direta com os objetos descritos no conto de A Gata

Borralheira.

No conto de João e Maria, os protagonistas principais são duas crianças, um menino e

uma menina, para representarem o abandono e a similaridade com os irmãos da história. Sua

iluminação foi definida para ser mais suave, em um ambiente noturno, com detalhes mais

escuros e frios, tornando a narrativa mais sombria e dramática. Desta forma, conforme

demonstra a figura 20, o esboço em desenho foi realizado:

Figura 20 – Esboço 2 O Abandono

Fonte: Shaiane Giusti

Para que os tons fossem mais dramáticos, foi escolhido o período de final da tarde em

um cenário externo, especificamente na Avenida Julho de Castilhos da cidade de Caxias do Sul,

o qual se encaixou com a proposta da narrativa.

Elementos de fenômenos naturais de tempo, como a neve, foram introduzidos no cenário

na pós-produção, além de outros detalhes que a enriquecem, para que transmitissem a ideia de

solidão, tristeza e a crueldade que uma criança pode passar ao ser abandonada e forçada a morar

em um ambiente remoto.

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Para trazer o tema para o tempo presente, uma pesquisa foi feita sobre o abandono de

crianças no Brasil, para fazer uma ligação com o conto dos irmãos Grimm:

No Brasil, desde a colônia até a crise do império, no final do século XIX, a criança

abandonada era tratada pelos termos “expostos” e “enjeitados”. Esses termos

correspondiam ao tipo de abandono mais comum para o período, qual seja, o de

recém-nascidos, e se consubstanciavam nas práticas de enjeitar as crianças expondo-

as em locais onde seriam, muito provavelmente, recolhidas. Os locais mais comuns

eram as igrejas e conventos e, mais tarde, as “rodas dos expostos”. [...] As práticas de

abandono de crianças circunscreviam-se ao espaço urbano das vilas. Na zona rural,

onde residia a maioria da população, é de se supor que o abandono também existisse,

mas não dispondo de informações sistemáticas sobre suas formas, podemos apenas

inferir a ocorrência de migração do abandono rural para as vilas e cidades

(TRINDADE, 1999)

Conforme este estudo feito por Trindade (1999), as crianças abandonadas viviam nas

ruas, a não ser que fossem recolhidas por igrejas, conventos ou orfanatos. Nas ruas, sozinhas,

as crianças tornam-se vulneráveis e indefesas, sem ter abrigo e moradia.

Com seus cenários pré-definidos em esboços, a próxima etapa é fotografa-los.

4.1.2 A captura dos cenário, seus personagens e seu conteúdo

A captura das narrativas fotográficas, sendo o cenário e seus personagens, baseia-se nos

esboços, no estudo dos contos escolhidos como tema dessas narrativas e no processo a ser

desenvolvido na manipulação digital.

Para o conto de A Gata Borralheira, um espelho determinou-se como o objeto principal

para que a manipulação na pós-produção ocorresse. Com os objetos adequadamente encaixados

para equilibrar a imagem e sua luz artificial para melhor iluminação das protagonistas

principais.

As imagens da figura 21, foram capturadas do mesmo ângulo com a mesma iluminação

para não ocorrer problemas na pós-produção. Ambas descrevem duas personagens, sendo a

personagem real, que não se encaixa nos padrões de beleza exigidos, na imagem de cima da

figura 21, e a personagem na qual ela gostaria de se transformar, onde este estereótipo de beleza

se encaixa nos padrões exigidos, a imagem de baixo na figura 21.

A iluminação usada em ambas as imagens da figura 21, foram artificiais: a luz presente

no quarto e uma iluminação extra de um LED para iluminar melhor ambas personagens.

Além destes itens, sua composição segue a razão áurea para um bom equilíbrio da

imagem e nos seus pontos de ouro foram adicionados os objetos, deixando a criatividade ser

colocada em prática na pós-produção.

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A narrativa final oriundas destes frames nomeou-se de “Realidade Subjetiva”.

Figura 21 – Cenário de Realidade Subjetiva Personagem 1 e 2

Fonte: Shaiane Giusti

Os objetos que compõem a cena fazem com que uma narrativa seja contada: Uma

mulher que não se encaixa dos padrões de beleza impostos pela sociedade, pois suas medidas

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estéticas não são proporcionais ao considerado agradável. Seu desejo é tornar-se outra pessoa,

realizar mutilações em seu próprio corpo, método conhecido como cirurgia plástica. A imagem

que é refletida é o seu real subjetivo, ele não existe, mas é desejado. Isto também pode ser

observado tanto na modificação dos cabelos escuros e cacheados em loiros e lisos, como em

poder vestir-se com luxo e beleza, e assim, ser aceita na sociedade.

Para o conto de João e Maria, foi escolhido um cenário externo com uma iluminação

natural, de final de tarde e nublada, para uma luz mais suave e fria. Duas crianças são as

protagonistas, um menino e uma menina, que fazem similaridade ao conto dos irmãos Grimm.

Para a narrativa final deste frame, demonstrado na figura 22, nomeou-se “O Abandono”.

Figura 22 – Cenário para O Abandono

Fonte: Shaiane Giusti

Para que os tons ficassem mais frios, configurações de balanço de branco35 foram

ajustados na câmera fotográfica e por consequência reforçados na pós-produção.

Para deixar as crianças em situação de vulnerabilidade, características de pessoas

negligenciadas foram estudadas ao longo do processo para análise de seus perfis.

35 White Balance é um dos aspectos técnicos da fotografia. Visa criar uma correspondência correta, harmoniosa e

mais próxima do real ambiente e cor que irá aparecer na imagem.

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Como os objetos que fazem parte do cenário dependem de fatores externos, como a neve,

eles foram adicionados posteriormente na pós-produção.

Em sua composição a razão áurea e os pontos de ouro foram seguidos para tornar a

imagem equilibrada, e sua criatividade é inserida na manipulação digital na pós-produção.

4.1.3 A pós-produção na manipulação da imagem: montagem das narrativas fotográficas

Na manipulação das imagens foram utilizados dois softwares de edição: Lightroom e o

Photoshop.

O Lightroom foi utilizado para revelar os arquivos, então fotografados em raw, e editar

alguns tons e iluminações, enquanto o Photoshop foi utilizado para a montagem de toda a

narrativa até o seu frame final.

Na primeira narrativa fotográfica, demonstrada na figura 23, com o tema do conto de A

Gata Borralheira, foram abertas as duas imagens da figura 21, no Lightroom, para

processamento em raw. Também foram realizados ajustes de iluminação e recortes para que as

tornasse mais equilibrada e harmoniosas, e após, exportadas em tamanho 40x60cm. No

Photoshop, as imagens foram abertas e unidas, tornando o reflexo do espelho a realidade

subjetiva.

Figura 23 – Montagem Realidade Subjetiva Parte 1

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Fonte: Shaiane Giusti

Após este processo, as cores vermelhas foram transformadas para rosa/magenta, tornando

o ambiente com aspecto mais feminino, suave e menos vulgar, segundo Farina (1986), sobre a

psicologia das cores. Conforme a figura 24 demonstra, o sapato, que antes era prateado, por não

ter a opção de um objeto desta cor, foi modificado para amarelo/dourado, similarmente ao

sapato do conto de A Gata Borralheira.

Figura 24 – Montagem Realidade Subjetiva Parte 2

Fonte: Shaiane Giusti

Na figura 25, a iluminação foi reajustada ao centro, tornando as bordas da narrativa

fotográfica em um degrade escuro, dando ênfase ao assunto principal.

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Figura 25 – Montagem Realidade Subjetiva Parte 3

Fonte: Shaiane Giusti

Finalizando a imagem, conforme a imagem da figura 26, as marcações feitas no corpo de

uma das personagens foram realçadas, alguns detalhes que a poluíam, foram removidos e

reajustados. Os tons e cores foram modificados até chegar a algo mais quente e suave, com um

toque dramático ao contexto da narrativa fotográfica apresentada.

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Figura 26 – Montagem Realidade Subjetiva Finalizada

Fonte: Shaiane Giusti

A imagem final conclui uma narrativa fotográfica, que responde ao questionamento

descrito no início deste trabalho: Como narrativas fotográficas, a partir da manipulação digital

de elementos na imagem em sua pós-produção, podem representar as mensagens que as

primeiras edições dos contos de fadas de João e Maria e A Gata Borralheira dos Irmãos Grimm

transmitem?

Da mesma forma que as irmãs se auto mutilam no conto para conseguirem o que

aspiram, a fotografia mostra o desejo de mutilação, a cirurgia plástica. Rejeitada por si mesma,

seu desejo é tornar-se outra pessoa para então, enquadrar-se nos padrões de beleza impostos na

sociedade.

Na narrativa fotográfica aplicou-se os conceitos e técnicas descritas em todo o trabalho.

A composição da imagem possui a razão áurea, conforme figura 28, envolvendo o assunto

principal em harmonia. A iluminação foi utilizada de forma artificial do próprio ambiente,

simultaneamente a uma fonte extra de iluminação LED em temperatura quente, deixando as

protagonistas principais mais iluminadas que o resto do cenário. Seu contraste é tanto acentuado

em algumas áreas quanto baixo em outras para deixar a narrativa fotográfica dramática e suave

ao mesmo tempo. Conforme Farina (1986) sobre a psicologia das cores, o tom em rosa/magenta

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traduz ternura e ingenuidade no ambiente, enquanto o mero detalhe do sapato em amarelo

demonstra posse, riqueza, desejo e valor. O vídeo36 que apresenta todo o processo da construção

da narrativa fotográfica está disponível em link no rodapé. Sua ilustração auditiva foi retirada

do desenho original de Cinderela da Disney.

Figura 27 – Montagem Realidade Subjetiva Razão Áurea

Fonte: Shaiane Giusti

Na segunda narrativa fotográfica, com o tema de João e Maria, a figura 29, foi processada

no Lightroom para revelação e ajustes de iluminação, contraste e recorte, e em seguida aberta

no Photoshop. Para esta imagem, foi necessária uma pesquisa em busca de elementos que iriam

compor a cena: neve e as árvores, que trazem similaridade com o conto, pois este acontece na

floresta, e um poste de luz, para gerar uma fonte única de iluminação e tornar o resto do

ambiente mais escuro. Estes elementos foram apropriados via internet, de sites37 regularizados

que os disponibilizam, pois não havia possibilidade de introduzi-los diretamente no cenário

fotografado. Da mesma forma que a iluminação foi planejada para o cenário, os objetos

36 Disponível em <https://vimeo.com/275546099>. Acesso em: junho, 2018. 37 Fonte dos elementos apropriados para a manipulação digital: <https://pt.pngtree.com>. Acesso em: junho de

2018.

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pesquisados também precisaram de uma iluminação e cor coerentes que não destoassem quando

inseridos na manipulação digital.

Em um primeiro momento, conforme demonstrado na figura 28, removeu-se elementos

que não somariam na composição final e em seguida a neve no chão foi adicionada

cuidadosamente, parte por parte para que se tornasse integrada com o cenário:

Figura 28 – Montagem O Abandono Parte 1

Fonte: Shaiane Giusti

Em seguida, na figura 29, foi adicionado um objeto de iluminação dos protagonistas,

tornando a imagem com um ponto de luz central e uma árvore. Adicionou-se alguns detalhes,

como o reflexo do objeto na janela, e a neve por cima do poste de luz.

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Figura 29 – Montagem O Abandono Parte 2

Fonte: Shaiane Giusti

Com seus objetos principais definidos e adicionados, pequenos detalhes de neve foram

inseridos nas bordas das janelas, no degrau e por cima dos protagonistas, assim como demonstra

na figura 30. Alguns galhos na parte esquerda superior foram acrescentados para equilibrar a

imagem e uma chuva de neve, tornando o ambiente mais frio e dramático.

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Figura 30 – Montagem O Abandono Parte 3

Fonte: Shaiane Giusti

Na etapa final, figura 31, ajustes de texturas, sombras, contrastes, cores e tons foram

modificados, tornando a imagem com o tom frio desejado. Assim, conclui-se uma narrativa

fotográfica, que responde ao questionamento descrito no início deste trabalho: Como narrativas

fotográficas, a partir da manipulação digital de elementos na imagem em sua pós-produção,

podem representar as mensagens que as primeiras edições dos contos de fadas de João e Maria

e A Gata Borralheira dos Irmãos Grimm transmitem?

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Figura 31 – Montagem O Abandono Finalizada

Fonte: Shaiane Giusti

A representação da mensagem do conto dos irmãos Grimm de João e Maria foi a partir

do abandono de crianças pelos próprios pais, que atualmente, por inúmeros fatores, persiste em

acontecer. Da mesma forma que os irmãos são deixados na floresta, negligenciados e forçados

a cuidarem de si mesmos, a fotografia demonstra como as crianças, atualmente, sobrevivem nas

ruas, sozinhas, sem aparo, sem proteção e vulneráveis a qualquer perigo que exista neste

ambiente.

Na fotografia foi aplicada aos conceitos e técnicas estudados em todo o trabalho. Na

composição da imagem aplica-se a razão áurea, conforme figura 32. Percebe-se em suas linhas

divisões em relação à introdução dos elementos da composição. Utilizou-se iluminação natural,

em um ambiente externo, no final da tarde de um dia nublado, que possibilitou uma luz suave

e difusa em tons e temperatura mais frios. Seu contraste foi acentuado para que a narrativa

fotográfica ficasse dramática. Suas cores em azul deixam o ambiente mais frio e uma relação

afetiva há um sentimento profundo, segundo a psicologia das cores. O vídeo38 que demonstra

todo o processo da construção narrativa fotográfica está disponível em link no rodapé.

38 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nhnJkumMvZk>. Acesso em: junho de 2018.

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Figura 32 – Montagem O Abandono Razão Áurea

Fonte: Shaiane Giusti

Ambas as narrativas fotográficas criadas conseguiram transmitir as mensagens dos contos

de fadas selecionados dos irmãos Grimm. Sendo a manipulação digital o principal instrumento

capaz de gerar nelas as características que fogem do real, tornando-as fantasiosas. Elas

descrevem problemas sociais sérios e que precisam ganhar maior audiência e preocupação em

nossa sociedade. Desta forma, este trabalho, através da fotografia e da manipulação digital, dá

ênfase a estes assuntos, demonstrando que a arte pode e deve contribuir para avisar e ajudar o

público destes perigos que acontecem desde séculos passados até o presente.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, o objetivo deste trabalho consistia no estudo criterioso sobre a construção

de uma narrativa fotográfica, analisando suas técnicas de iluminação, composição e cor. Desta

forma, o processo criativo fundamentou-se nessas técnicas, para que houvesse uma coesão e

resultado satisfatórios na criação das imagens. Esta pesquisa se desenvolveu voltada à criação

de imagens através manipulação digital, com base nas mensagens nas primeiras edições dos

contos de fadas A Gata Borralheira e João e Maria (1812-1815) dos irmãos Grimm.

Em um segundo momento, foi necessário um estudo aprofundado sobre as

manipulações fotográficas, o que fortaleceu a teoria que os mesmos surgiram antes da era

moderna, unindo a fotografia analógica à digital. Os conceitos desenvolvidos por profissionais

que não chegaram a conhecer os softwares de manipulação serviram de base teórica e prática

para a criação e desenvolvimento destes métodos fotográficos alternativos.

Pensando a construção de uma narrativa com foco no imaginário e no fantasia, uma vez

que a pós-produção auxilia neste objetivo, encontrou-se fascínio sobre as primeiras edições de

dois contos de fadas dos irmãos Grimm. Entretanto, notou-se uma grande diferença entres eles

e os contos atuais de mesmo título e, assim, buscou-se recriar as mensagens que foram

modificadas durante suas edições seguintes.

Estas mensagens, ainda hoje presentes na nossa sociedade, ressaltavam problemas

sociais como os padrões de beleza impostos às mulheres e o grande número de crianças

negligenciadas por seus familiares. Desta forma, o projeto se fortaleceu com base nos

significados destas mensagens e na busca da melhor forma de retratá-las.

As narrativas fotográficas desenvolvidas visaram unir a possibilidade de demonstrar,

em manipulação digital na produção e na pós-produção, os problemas sociais descritos de forma

subliminar nestes contos conhecidos mundialmente. Assim, os softwares de edição de imagens

possibilitaram que estas fotografias fossem recriadas adequadamente em cima de suas

propostas.

Analisando o objetivo traçado no início deste trabalho conclui-se que suas etapas foram

executadas de acordo com o planejado. O processo de criação das fotografias moldando seus

protagonistas e objetos na cena, comprovou o quão necessário é o estudo das técnicas de

composição e iluminação. As diversas tentativas, até se encontrar o enquadramento desejado,

demonstrou a necessidade de se praticar a fotografia diariamente, não somente na câmera, mas

também no treinamento do alfabetismo visual.

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A escolha planejada da iluminação das cenas e suas cores reforçaram a percepção visual

harmoniosa, assim como o enquadramento dentro da razão áurea, tornando as imagens

equilibradas. Desta forma, as fotografias produzidas possibilitaram que a autora demonstrasse

a importância do estudo e prática das técnicas na produção, necessárias para que as narrativas

fotográficas fossem manipuladas na etapa seguinte.

A manipulação digital não deve ser vista como um processo de salvamento de uma

imagem tecnicamente ruim e sim como uma continuidade de melhorá-la e finalizá-la. Com as

imagens criadas de acordo com o planejado, a pós-produção foi realizada conforme a

necessidade de cada narrativa, e mesmo a autora já possuindo intimidade com estes processos,

suas execuções reforçaram a complexidade deste procedimento, onde cada detalhe é de suma

importância.

Ao final do processo, as mensagens contextualizadas nas narrativas fotográficas

cumpriram seus objetivos, demonstrando a influência que a sociedade possui ao delimitar

padrões certos e errados sobre o belo, como também, a necessidade de atenção social a crianças

que são negligenciadas por suas próprias famílias.

Conclui-se desta forma, a importância do planejamento, das técnicas de produção e pós-

produção, a prática antes e depois de fotografar e o desenvolvimento do olhar e da criatividade

ao longo da vida profissional. Percebe-se que a fotografia analógica não foi deixada no passado,

ela sempre influenciará e servirá como base para a fotografia digital, tanto na sua produção

quanto em seu pós-processamento. Assim, acredita-se na força da fotografia com um

documento de arte como um meio de representar, criticar e alertar aos problemas sociais

vivenciados na sociedade.

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CREWDSON, Gregory. Fotógrafo americano, considerado um dos melhores na área de

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DISNEY, Walt. Companhia multinacional estadunidense de mídia de massa. Disponível

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publicitário. Apresentação virtual do trabalho. Sedes em Austrália, Brasil e Nova Zelândia.

Disponível em: <http://www.lightfarmbrasil.com/>. Acesso em: dezembro 2017.

LUZ, Junior. Fotógrafo brasileiro com oito anos de profissão, destaca-se por seu estilo

inovador e criativo. Disponível em: <http://www.jrluz.com>. Acesso em: maio de 2018.

MARAMA, fotografia. Site oficial da autora deste trabalho para apresentação em mídia

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<http://maramafotografia.com.br/galeria/autoral/manipulacao-digital/>. Acesso em: junho de

2018.

PORTFOLIO ONLINE, plataforma virtual para apresentação de portfólios de diversos

artistas, disponível em diversos países. Apresentação virtual das obras e biografia da artista

Annie Leibovitz. Disponível em: <http://portfolioone.com/gallery/annie-leibovitz>. Acesso

em: dezembro 2017.

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APÊNDICE

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ANEXO A – A GATA BORRALHEIRA (1812-1815) DOS IRMÃOS GRIMM

Era uma vez um home rico que viveu feliz com sua mulher por muito tempo e juntos

tiveram uma única filha. Um dia a mulher adoeceu e, quando sentiu o fim se aproximar, chamou

a filha e disse: “Querida criança, vou ter de deixá-la, mas quando eu estiver no céu, sempre

olharei por você. Plante uma árvore sobre meu túmulo e, toda vez que desejar alguma coisa,

balance a árvore que seu desejo será atendido, e quando estiver em perigo mandarei ajuda do

céu. Continue boa e piedosa.” Dito isto, fechou os olhos e morreu. A menina chorou e plantou

a árvore sobre o túmulo, mas não precisou regá-la porque suas lágrimas já bastavam.

A neve cobriu o túmulo com um manto branco e, quando o sol voltou a brilhar e a árvore

ficou verde pela segunda vez, seu pai se casou novamente. Mas a madrasta já tinha duas filhas

de seu primeiro marido, bonitas de aparência, mas orgulhosas, pretenciosas e más de coração.

Depois do casamento, as três foram morar na mesma casa e a vida se tornou dura para a pobre

criança. “O que é que esta menina inútil e desagradável está fazendo aqui? Vá para a cozinha,

que lá é seu lugar!”, disse a madrasta, e acrescentou: “Ela será nossa criada e terá de ganhar o

pão com seu trabalho diário”. Então, suas irmãs postiças lhe tiraram os lindos vestidos e

vestiram nela um vestido muito velho e cinzento, dizendo: “Este está ótimo para você!”. E

assim, debochando, mandaram-na para a cozinha. E, a partir desse dia, a menina passou a

trabalhar arduamente, desde o nascer do sol: ia buscar água, acendia o fogão, cozinhava, lavava

a roupa. As irmãs ainda faziam de tudo para atormentá-la, sempre zombando dela, jogavam

ervilhas e lentilhas no meio das cinzas, obrigando-a a passar o dia separando os grãos. À noite,

extenuada pelo trabalho, não tinha uma cama para descansar. Deitava-se perto da chaminé,

junto as cinzas do borralho. E, como estava sempre suja por ficar dormindo nas cinzas e na

poeira deram a ela o nome de Gata Borralheira.

Passado algum tempo o rei mandou anunciar que daria um baile, que deveria durar três

dias, com toda a pompa, e seu filho, o príncipe herdeiro, deveria escolher sua futura esposa. As

duas irmãs orgulhosas foram convidadas para o baile, e imediatamente chamaram a Gata

Borralheira e disseram: “Penteie nossos cabelos, lustre e afivele nossos sapatos, pois nós vamos

ao baile do príncipe”. A Gata Borralheira se esforçou muito e as arrumou o melhor que podia,

enquanto as irmãs não paravam de debochar. “Você também não que ir ao baile?”,

perguntavam. “Quero, sim, mas como poderei ir se não tenho roupa para sair?” “Não”, disse a

mais velha, “eu não quero que você vá e seja vista por todos, aí nós teríamos de sentir vergonha

quando as pessoas descobrissem que você é nossa irmã. Seu lugar é na cozinha, tome aí uma

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bacia de lentilhas, quando voltar quero estejam selecionadas, e ai de você se restar uma

estragada no meio, o castigo virá a galope.”

Com isso partiram e a menina ficou parada junto à porta até perdê-las de vista. Depois

voltou triste para a cozinha e espalhou as lentilhas no fogão. Ao ver a enorme quantidade de

grão, ela disse suspirando: “Preciso escolhê-las até a meia noite e não posso pregar o olho, ainda

que meus olhos ardam. Ai, se minha mãe soubesse!”. Depois se ajoelhou nas cinzas para

começar a trabalhar, quando duas pombas brancas entraram pela janela voando e se sentaram

ao lado do monte de lentilhas. Elas acenaram com a cabeça, dizendo: “Gata Borralheira, você

quer nossa ajuda para escolher as lentilhas?”. “Quero, sim”, respondeu ela,

“As ruins no lixinho,

As boas no potinho.”

E bica, bica! Bica, bica!, e logo as pombas se puseram a comer as lentilhas ruins, deixando

apenas as boas. Passados quinze minutos, todas estavam selecionadas, não restando nenhum

estragada, e ela as colocou todas no pote. Depois, as pombas perguntaram: “Se quiseres ver

suas irmãs dançando com o príncipe, suba no pombal”. A menina seguiu as pombas, escalou

até o último degrau e conseguiu avistar o salão e as irmãs dançando com o príncipe. Tudo

brilhava e reluzia diante de seus olhos. Depois de ter se fartado de olhar, desceu e, sentido o

coração apertado, deitou-se junto as cinzas e pegou no sono.

Na manhã seguinte, as duas irmãs entraram na cozinha e ficaram enraivecidas ao ver

que ela havia conseguido selecionar todas as lentilhas, pois bem que queriam brigar com ela e,

já que não podiam, começaram as provocações, dizendo: “ Sabe, o baile foi maravilhoso, o

príncipe mais belo do mundo nos conduziu na dança pelo salão e uma de nós irá se tornar sua

esposa”. “Sim” , disse Gata Borralheira, “eu vi as luzes cintilando, deve ter sido lindo.” “Como?

Como você viu?”, perguntou a mais velha. “Do alto do pombal.” Ao ouvir isso, a irmã sentiu

tamanha inveja que mandou derrubar o pombal no mesmo instante.

A Gata Borralheira precisou pentear e arrumar as duas irmãs novamente. Quando estava

escovando o cabelo da irmã mais nova, que ainda tinha um pouco de compaixão no coração,

ela disse: “Quando escurecer você pode ir até o alto do pombal para olhar o baile”. “Não, disse

a mais velha, “isso só vai deixá-la preguiçosa. Tome aqui um saco cheio de favas. Separe as

boas das ruins e não tenha preguiça. Se amanhã não estiver bem separado, vou jogá-las no meio

das cinzas e você terá de passar fome até tirar todas de lá.”

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Triste, a Gata Borralheira sentou-se diante das favas e pôs-se a trabalhar. Não demorou

muito para que as pombas voassem cozinha adentro oferecendo ajuda. “Gata Borralheira, você

aceita nossa ajuda para separar as favas?” “Sim,

As ruins no lixinho,

As boas no potinho.”

E bica, bica! Bica, bica!, e fizeram o trabalho tão rapidamente que pareciam haver doze mãos

trabalhando. E, quando terminaram, perguntaram a ela: “Gata Borralheira, você também que ir

ao baile dançar?”. “Meu Deus, como eu poderia ir com a minha roupa puída?”, disse ela, “Vá

até a arvorezinha no túmulo de sua mãe e deseje ara si roupas novas. Mas você tende voltar

antes da meia noite.” A menina então foi até o túmulo e, sacundindo a árvore, pediu:

“Árvore querida, por favor, balance

E roupas belas me lance.”

Mal acabara de falar e um lindo vestido prateado, pérolas, meias de seda com presilhas

prateadas, sapatos prateados e demais acessórios surgiram à sua frente. Ela levou tudo para casa

e, depois de tomar banho e se vestir, parecia uma rosa que o orvalho lavara. E diante da porta

uma carruagem já a aguardava, com seus cavalos negros encilhados e cocheiros em trajes azuis

e prateados, que a colocaram dentro da carruagem e a levaram a galope ao castelo do rei.

Ao ver a carruagem parar diante da porta, o príncipe ficou fascinado e pensou que

tivesse chegado uma princesa desconhecida. Então ele desceu pessoalmente a escadaria, tomou-

a pela mão e conduziu-a até o salão. E, quando as milhares de luzes incidiram sobre ela, estava

tão linda que todos a admiravam, e as irmãs, que também lá estavam, ficaram muito aborrecidas

por haver alguém mais bela que elas, mas não lhes passou pela cabeça tratar-se da Gata

Borralheira, que deveria estar em casa deitada nas cinzas. Durante toda a noite o príncipe ficou

ao seu lado e não permitiu que mais ninguém dançasse com ela. Ele pensou “Tenho de escolher

uma esposa, e não quero ninguém além dela”. Tanto tempo vivendo na tristeza e em meio às

cinzas, agora ela estava vivendo em esplendor e felicidade. Mas, quando chegou próximo da

meia noite, ela fez uma reverência para se despedir e, por mais que o príncipe implorasse e

implorasse, não cedeu aos seus pedidos para que ficasse. O príncipe a conduziu até a carruagem,

que já esperava do lado de fora, e assim como viera, cheia de esplendor, ela partiu.

Ao chegar em casa, foi até a árvore no túmulo de sua mãe e disse:

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“Árvore querida, por favor balance

E meus trajes aqui em baixo alcance.”

A árvore então recolheu as roupas e ela vestiu seus trapos e voltou para casa. Depois de

empoeirar o rosto de cinzas, deitou-se junto à chaminé e foi dormir.

Quando as irmãs acordaram, estavam mal-humoradas e caladas. A Gata Borralheira

perguntou: “Vocês se divertiram muito ontem?”. “Não, o príncipe dançou a noite toda com uma

princesa que ninguém conhecia ou sabia de onde veio.” “Será que era a que foi numa carruagem

puxada por seis cavalos pretos?”, perguntou a Gata Borralheira. “Como é que você sabe disso?”,

indagaram as irmãs. “Eu estava na porta de casa e vi quando ela passou.” “Estava caçando o

que na porta? De agora em diante, atenha-se ao seu trabalho”, disse a mais velha, olhando feio

para a Gata Borralheira.

Ela teve de ajudar as irmãs a se vestirem pela terceira vez e, como recompensa, elas lhe

deixaram ervilhas para selecionar. “E não ouse fugir ao trabalho, entendeu?”, ainda gritou a

mais velha ao sair. Com o coração batendo forte, a menina pensou: “Tomara que minhas

pombas não me deixem na mão”. Mas as pombas apareceram como no dia anterior e disseram:

“Gata Borralheira, você quer nossa ajuda para escolher as ervilhas?”. “Sim”, ela respondeu.

“As ruins no lixinho,

As boas no potinho.”

As pombas então tiraram as ervilhas estragadas do monte e logo terminaram o serviço. Então

disseram: “Gata Borralheira, balance a arvorezinha, que ela lhe dará roupas ainda mais belas, e

vá para o baile, mas cuide para voltar antes da meia-noite”.

Gata Borralheira correu para junto da árvore:

“Árvore querida, por favor, balance

E roupas belas me lance.”

Da árvore caiu um vestido ainda mais lindo que o anterior, todo de ouro e pedras preciosas e

meias com bordados em dourado e sapatos dourados. E, quando ela o vestiu, brilhava tanto que

parecia o sol do meio-dia. Diante da porta, a carruagem a aguardava com seis cavalos brancos

que tinham longos penachos brancos na cabeça e os cocheiros vestiam trajes vermelhos e

dourados. O príncipe já a aguardava na escadaria quando ela chegou, e conduziu-a até o salão.

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E, se na noite anterior todos haviam se encantado com sua beleza, nesta mais ainda, e as irmãs

ficaram num canto, pálidas de inveja, e se soubessem que aquela era a Gata Borralheira, que

dormia nas cinzas, teriam morrido de inveja.

Mas o príncipe queria saber quem era a estranha princesa, de onde vinha e para onde

iria, e colocou pessoas de vigia na rua para não a perderem de vista quando fosse embora. E,

para que ela não pudesse descer as escadas correndo tão rápido, ele mandou passar piche nos

degraus. A Gata Borralheira dançou e dançou com o príncipe e estava se divertindo tanto que

acabou se esquecendo da meia noite. De repente, quando estava no meio da dança, ouviu o

badalar dos sinos e lembrou-se das palavras das pombas. Apressada, tratou de ir e desceu a

escadaria correndo. Mas, por estar pintada de piche, um dos seus sapatos dourado ficou preso,

e a Gata Borralheira estava com tanto medo que nem pensou em recolhê-lo. Ao chegar no último

degrau, bateu meia noite e a carruagem desapareceu, e lá estava ela com seus trapos manchados

de cinza no meio da rua escura. O príncipe correu atrás dela tentando alcançá-la e encontrou o

sapato preso na escadaria. Ele desgrudou o sapato do chão, guardou-o e quando chegou lá

embaixo tudo havia desaparecido. Os vigias que ficaram pelas ruas retornaram, alegando não

terem visto nada.

Aliviada por não ter acontecido o pior, Gata Borralheira voltou para casa, acendeu sua

lamparina opaca, pendurou-a na chaminé e deitou-se no carvão para dormir. Não demorou

muito para que as duas irmãs aparecessem, gritando: “Levante e acenda a luz para nós.” Gata

Borralheira bocejou, fingindo estar dormindo há tempo. Enquanto ela acendia a luz, ouviu uma

irmã falando para a outra: “Sabe Deus quem é essa desejada princesa. Que esteja morta e

enterrada! O príncipe só dançou com ela, e quando ela foi embora, ele não quis mais ficar e a

festa acabou”. “Era como se todas as luzes tivessem se apagado de uma vez”, disse a outra.

Gata Borralheira sabia bem quem era a princesa, mas não disse uma palavrinha sequer.

O príncipe, por sua vez, pensou: “Já que nada deu certo, agora o sapato é que vai nos

ajudar a encontrar a noiva”. Então, mandou seus mensageiros difundirem por todo o reino que

se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato. Muitas tentaram calçá-lo, mas

para todas o sapato era apertado de mais. Até que chegou a vez de as irmãs calçarem. Elas

estavam felizes porque tinham pés bonitos e pequenos e acreditavam que o sapato serviria e

nada poderia dar errado. Quando o príncipe chegou na casa delas, a mãe disse secretamente:

“Ouçam, tomem aqui essa faca e, se o sapato não servir, cortem um pedaço do pé. Vai doer um

pouquinho, mas não faz mal porque passa logo e uma de vocês irá se tornar rainha”. Assim, a

mais velha foi para o quarto e experimentou o sapato. A ponta do pé entrava, mas o calcanhar

era grande demais. Então ela cortou um pedaço do calcanhar até conseguir enfiar o pé no sapato.

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Quando o príncipe viu que o sapato servia, declarou que ela era a noiva dele e a levou até a

carruagem. Mas, ao chegar no portão, as duas pombinhas brancas estavam sentadas sobre ele

dizendo:

“Olhe bem, rapaz!

A verdadeira ficou para trás,

O sapato ficou apertado,

Está todo ensanguentado!”

O príncipe olhou para baixo, viu que do sapato brotava sangue e percebendo que tinha

sido enganado, levou a falsa noiva de volta para casa. A mãe então disse para a segunda filha:

“Pegue o sapato, e se ele for apertado, melhor cortar a parte dos dedos”. A filha levou o sapato

para o quarto e, ao ver que seu pé era grande demais, cerrou os dentes e cortou fora um pedaço

bem grande do dedão. Depois calçou o sapato rapidamente. Pensando ser ela a verdadeira noiva,

o príncipe a levou até a carruagem. Mas, ao passarem pelo portão, as duas pombas disseram:

“Olhe bem, rapaz!

A verdadeira ficou para trás,

O sapato ficou apertado,

Está todo ensanguentado!”

O príncipe olhou para baixo e viu que as meias brancas estavam se tingindo de vermelho

e o sangue estava subindo. Ele então a levou de volta e disse para a mãe: “Esta não é a noiva

certa. Não há mais uma filha na casa?”. “Não”, respondeu a mãe, “apenas uma Gata Borralheira

esfarrapada que está lá em baixo sentada sobre as cinzas, esse sapato não pode lhe servir.” Ela

não queria mandar chamar Borralheira, mas o príncipe fez questão. Então ela foi chamada e, ao

ficar sabendo que era o príncipe, lavou rapidamente as mãos e o rosto que ficaram limpos e

frescos. Ao entrar na sala, fez um reverencia e o príncipe lhe entregou o sapato, dizendo:

“Experimente. Se ele servir, você será a minha mulher”. Ela tirou do pesado tamanco que

calçava o pé esquerdo e enfiou-o no sapato dourado, serviu tão bem que parecia ser feito sob

medida. E, quando ela se ergue, o príncipe olhou para o seu rosto e, reconheceu a bela princesa,

exclamou: “Esta é a verdadeira noiva”. A madrasta e as duas irmãs vaidosas se assustaram e

empalideceram, mas o príncipe levou Gata Borralheira até sua carruagem, e quando passaram

pelo portão os dois pombos disseram:

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“Olhe bem, rapaza!

A verdadeira não ficou para trás.

O sapato não ficou apertado

E não está ensanguentado!”

Fim.

Este conto foi retirado do livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, 1812-1815,

dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, traduzido por Christine Röhrig, apresentado por Marcus

Mazzari e ilustrado por J. Borges. Este conto é conhecido como a primeira edição de A Gata

Borralheira. Sua pontuação e linguagem foi respeitada.

ANEXO B – JOÃO E MARIA (1812-1815) DOS IRMÃOS GRIMM

Diante de uma grande floresta vivia um lenhador que não tinha nada para mastigar nem para

lascar e mal conseguia o pão diário para alimentar a esposa e os dois filhos, João e Maria. Certo

dia, ele não conseguia arranjar nem isso e não sabia o que fazer para sair daquele apuro. À noite,

ao se revirar preocupado de um lado para o outro na cama, a mulher disse: “Ouça, marido,

amanhã bem cedinho dê um pão às duas crianças e leve-as para o meio da floresta, onde a mata

for mais espessa. Faça uma fogueira e vá embora deixando-as ali, porque não podemos mais

alimentá-las”. “Não mulher”, disse ele, “não posso entregar meus próprios filhos queridos para

serem devorados pelos animais selvagens da floresta.” “Se você não o fizer, morreremos todos

de fome”, disse a mulher, e não o deixou em paz até que ele acabou dizendo sim.

Por sentirem fome, as duas crianças também estavam acordadas e ouviram tudo que a

mãe disse ao pai. Maria logo começou a chorar, pensando no que iria acontecer com ela, mas

João disse: “Calma, fique quieta que eu vou dar um jeito”. Então ele levantou-se da cama, vestiu

o casaco, abriu a porta e saiu de mansinho. A lua brilhava clara e as pedras brancas no chão

luziam como lamparinas. João encheu o casaco com tantas pedras quanto couberam em seus

bolsos e voltou para dentro de casa. “Acalme-se, Maria, e durma sossegada”, disse à irmã,

voltou a se deitar na cama e adormeceu.

De manhã cedo, antes do sol nascer, a mãe acordou os dois: “Acordem, crianças, nós

vamos à floresta, tomem aqui um pedaço de pão, mas aconselho guardá-lo até a hora do

almoço”. Maria colocou o pão no avental, porque o casaco de João estava cheio de pedras, e os

dois se puseram a caminhar pela floresta. Depois de terem caminhado um pouco, João parou e

olhou para trás, em direção a sua casa, e pouco adiante o fez novamente. O pai perguntou:

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“João, por que você está olhando para trás e parando? Preste atenção e nos acompanhe”. “Ah,

pai, estou olhando para o meu gatinho branco, que está sentado no telhado e quer se despedir

de mim.” “Que tolo você é, não é seu gatinho, é o sol da manhã que está batendo na chaminé”,

retrucou a mãe. Mas João não estava para olhar nenhum gatinho e sim para jogar uma das pedras

que levava em seu bolso no caminho atrás de si.

Ao chegarem ao meio da floresta, o pai disse: “Crianças, agora juntem madeira porque

eu vou acender uma fogueira para espantar o frio”. João e Maria recolheram gravetos até

formarem um pequeno monte, então atearam fogo e, assim que a chama levantou, a mãe disse:

“Agora deitem perto do fogo e durmam enquanto nós vamos cortar a lenha da floresta. Esperem

até voltarmos para busca-los”.

João e Maria ficaram sentados junto ao fogo até a hora do almoço, quando então

comeram seu pedacinho de pão. Depois esperaram até anoitecer, mas ninguém apareceu para

busca-los. Quando a noite caiu, Maria começou a chorar, mas João disse: “Espere mais um

pouco até a lua aparecer”. E, quando a lua surgiu no céu, João pegou Maria pela mão e juntos

seguiram o rastro luminoso das pedras, que pareciam moedas recém forjadas, indicando o

caminho. Andaram a noite inteira e, quando amanheceu, chegaram à casa paterna. O pai ficou

muito contente ao rever os filhos porque ele não tinha gostado nem um pouco de abandoná-los

sozinhos, e a mãe fingiu alegria, mas no fundo estava brava.

Não passou muito tempo para que voltasse a faltar o pão na casa e uma noite João e

Maria ouviram a mãe dizer ao pai: “As crianças conseguiram encontrar o caminho de volta uma

vez e eu aceitei, mas agora não temos nada para comer, além da metade de um pãozinho.

Amanhã você deve levá-las mais fundo na floresta para que não encontrem o caminho de volta,

senão não poderemos nos salvar”. O marido sentiu o coração apertar e pensou que seria melhor

dividir o último bocado com os filhos, mas, como da primeira vez, acabou cedendo. João e

Maria ouviram a conversa dos pais. João levantou da cama pensando em recolher as pedrinhas,

mas ao chegar à porta, viu que a mãe havia trancado. Mesmo assim ele consolou Maria, dizendo:

“Durma bem, Maria, o bom Deus vais nos ajudar”.

De manhãzinha eles receberam um pedacinho de pão menor que o de antes. No caminho,

João tratou de despedaçar o pão no bolso do casaco e, de quando em quando, parava para jogar

uma migalha no chão. “Mas, João, por que você sempre para e fica olhando para trás? Ande

logo.” “Ah, eu estava olhando a minha pombinha sentada no telhado querendo se despedir.”

“Mas que tolo, não é sua pombinha, é o sol da manhã batendo na chaminé”, retrucou a mãe. E

João despedaçou seu pão e saiu jogando as migalhas pelo caminho.

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A mãe levou-os ainda mais fundo na floresta, num lugar em que jamais tinham estado

antes em suas vidas. Ali novamente deveriam dormir junto ao fogo e os pais iriam busca-los ao

anoitecer. Ao meio-dia, Maria dividiu seu pão com João, porque ele jogara o dele pelo caminho.

Passou meio-dia, passou a tarde e ninguém apareceu para buscar as crianças. João

consolou Maria, dizendo: “Espere a lua aparecer no céu, aí eu vou conseguir ver as migalhas

que espalhei pelo chão, que vão apontar o caminho de volta até a nossa casa”. A lua surgiu, mas

quando eles procuraram pelas migalhas elas tinham desaparecido, porque tinham sido comidas

pelos milhares de pássaros que habitavam a floresta. João pensou que conseguiria encontrar o

caminho para casa e saiu levando Maria pela mão, mas eles logo se perderam mais ainda na

selva e, depois de terem andado a noite inteira e um dia inteiro, acabaram adormecendo,

exaustos. Andaram um dia mais, mas não conseguiam sair da floresta e estavam muito famintos

por não terem nada para comer além de umas poucas amoras silvestres que estavam pelo chão.

No terceiro dia, eles andaram ate o meio-dia e aí chegaram a uma casinha toda feita de

pão, coberta com bolo e cujas janelas eram de açúcar bem branco. “Vamos parar aqui e comer”,

disse João. “Eu vou comer do telhado. Você come das janelas, Maria, são bem docinhas, você

vai gostar.” Joao tinha se servido de um bom pedaço do telhado e Maria, depois de ter comido

algumas vidraças redondas, estavam justamente quebrando mais um pedaço quando ouviram

uma voz fina vindo de dentro:

“Crec crec, isca isca!

Quem minha casa petisca?”

João e Maria levaram tamanho susto que deixaram cair o que tinham nas mãos e logo em

seguida viram uma velhinha bem franzina saindo pela porta. Ela Balançou a cabeça e disse:

“Oi, crianças, como vieram parar aqui? entre em comigo que irão passar bem”. então ela pegou

os dois pelas mãos e levou-os para dentro de casa. Lá serviu-lhe boa comida. Leite e panquecas

doces, maçãs e nozes e depois preparou duas belas caminhas, em que João e Maria se deitaram

pensando estarem no céu.

Mas a velha era uma bruxa má que armava emboscada para crianças e havia construído

aquela casinha de pão apenas para atraí-las. Quando capturava uma, matava-a, cozinhava e a

comia como se fosse em dia de festa. Ela ficou muito feliz quando João e Maria apareceram.

De manhã bem cedo, levantou, foi até a caminha dele e, ao ver os dois dormindo um sono

tranquilo, ficou feliz e pensou que seria um belo banquete. Então prendeu João em um pequeno

engradado e quando ele acordou se viu cercado por uma grade, como se fosse um frango, e só

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podia dar alguns passos. Depois a bruxa sacudiu Maria, dizendo: “Levante, preguiçosa. Vá

apanhar água e cozinhar alguma coisa boa para o seu irmão, que está preso no galinheiro, porque

quero engorda-lo e, quando estiver bem gordo, vou devorá-lo. Até lá, você deve alimentá-lo”.

Assustada, Maria chorou, mas teve de fazer o que a bruxa estava mandando. Todos os dias a

melhor comida era preparada para João para que ele engordasse e Maria não recebia nada além

de cascas. Todos os dias, a velha vinha e dizia: “João, explique o dedo para que eu possa sentir

se você está engordando bem”. Mas João estendia um ossinho e ela ficava admirada de que ele

não engordava.

Passada quatro semanas, ela disse, certa noite: “Corra e traga a água porque amanhã vou

matar e cozinhar o seu irmão, esteja ele gordo ou não, nesse meio tempo vou fazer a massa e

depois também podemos colocá-la para assar”. Com o coração apertado, Maria trouxe a água

em que João deveria ser cozido. De manhã cedinho ela teve de levantar, acender o fogo e

pendurar o caldeirão com a água. “Preste atenção para quando a água ferver, enquanto isso vou

acender o forno e colocar o pão para assar”, disse a bruxa. Parada no meio da cozinha, Maria

chorava lágrimas sangrentas e pensava que teria sido melhor se eles tivessem sido devorados

pelos animais da floresta. Ao menos teríamos morrido juntos e não teríamos sofrido tanto, e eu

não precisaria ferver a água para cozinhar o meu querido irmão. Meu bom Deus, salvai a nós,

pobres crianças.

Então a velha chamou Maria: “Maria, venha cá junto ao forno”. quando Maria se

aproximou, ela disse: “Olhe lá dentro e veja se o pão já está moreninho e assado, meus olhos

são fracos, não consigo enxergar tão longe, e se você também não conseguir, sente-se na tábua

que eu empurro você para ver lá dentro de perto”. Mas, na verdade, quando Maria estivesse

dentro do forno, a bruxa queria fechar a porta e assá-la para comê-la também. Era essa a sua

verdadeira intenção e foi para isso que ela chamou Maria. Mas Deus inspirou Maria, que disse:

“Eu não sei bem como fazer, me mostre primeiro, sente-se na tábua que eu empurro”. E a velha

sentou-se na tábua, e, por ser bem levinha, Maria empurrou o mais longe que podia e em seguida

fechou a porta rapidamente e colocou a trava de ferro. A velha começou a gritar e a se lamentar

dentro do forno quente, mas Maria fugiu correndo dali e a bruxa acabou morrendo queimada.

Maria correu até onde estava João, abriu a porta, ele saltou para fora e eles se beijaram

e pularam de alegria. A casa estava repleta de pedras preciosas e de pérolas e as Crianças

encheram os bolsos e encontraram o caminho de volta para casa. O pai ficou muito feliz ao

revê-las, não tinha tido nenhum dia de alegria desde que as crianças partiram e agora era um

homem rico. A mãe, porém, havia morrido.

Fim.

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Este conto foi retirado do livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, 1812-1815,

dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, traduzido por Christine Röhrig, apresentado por Marcus

Mazzari e ilustrado por J. Borges. Este conto é conhecido como a primeira edição de João e

Maria. Sua pontuação e linguagem foi respeitada.