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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Entre-tanto. A imagem em movimento como organismo quase. Teresa Judite Ferreira Cortez Mestrado em Arte Multimédia Audiovisuais 2013

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTESrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8408/2/ULFBA_TES 562.pdf · À Mariana Gomes e ao João Jacinto. À professora Maria João Gamito

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Entre-tanto.

A imagem em movimento como organismo quase.

Teresa Judite Ferreira Cortez

Mestrado em Arte Multimédia

Audiovisuais

2013

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ii

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Entre-tanto.

A imagem em movimento como organismo quase.

Teresa Judite Ferreira Cortez

Mestrado em Arte Multimédia

Audiovisuais

Dissertação orientada pela Professora Doutora Maria João Gamito

2013

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iii

Resumo

A presente dissertação é de natureza teórico-prática. Na parte teórica exploro o

conceito ‘entre-tanto’ relacionando-o com o rizoma e o intervalo. Defino ‘entre-tanto’ e

procuro encontrar situações onde este conceito possa existir no espaço e no tempo, de forma a

encontrar soluções para a criação de uma imagem.

Relaciono o rizoma da botânica com o conceito de rizoma de Gilles Deleuze (1925-

1995) e Felix Guattari (1930-1992), explico características como multiplicidade, sistema

acentrado sem princípio nem fim, organismo.

Defino o intervalo como ‘espaço-entre’ e possibilidade de movimento e matéria.

Relaciono-o com a imagem animada e instalada, a partir de obras de vários artistas como Len

Lye (1901-1980), Jodie Mack (1935-), Marcel Duchamp (1882-1968), Carl Andre (1935-),

Kurt Schwitters (1887-1948) e Tomoko Takahashi (1966-).

Por fim apresento Quase, instalação por mim realizada com imagem em movimento

instalada, na tentativa de transformar um espaço em ‘para-sempre-entre’.

Palavras-chave: rizoma, intervalo, movimento, animação, organismo.

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Abstract

This dissertation has a theoretical and a practical part. In the theoretical part I explore

the concept ‘entre-tanto’ (between-many) related to the rhizome and the interval. I define

‘entre-tanto’ (between-many) and I find situations where this concept can exist in space and

time, in order to enable the creation of an image.

I relate the botany rhizome with the concept of rhizome from Gilles Deleuze (1925-

1995) and Felix Guattari (1930-1992) and I show some characteristics as multiplicity, un-

centred system, organism without beginning or end.

I define interval as ‘space-in-between’ and possibility of motion and matter. Relating

it with animated and installed image, with works from artists like Len Lye (1901-1980), Jodie

Mack (1935-), Marcel Duchamp (1882-1968), Carl Andre (1935-), Kurt Schwitters (1887-

1948) and Tomoko Takahashi (1966-).

Finally I present Quase (Almost), is an installed moving image made by me, with the

attempt of transforming one space in ‘forever-in-between’.

Keywords: rhizome, interval, movement, animation, organism.

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v

Agradecimentos

À bióloga Cristina Antunes, por me ter facultado informação sobre o rizoma e ter partilhado

uma mesa de trabalho comigo.

Às minhas amigas e colegas Filipa Cordeiro e Sandra Henriques, parceiras de dissertação.

À Mariana Gomes e ao João Jacinto.

À professora Maria João Gamito.

À minha família e amigos, ao Wolf e ao Muy.

A todos muito obrigada!

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vi

Índice Geral

Resumo ..................................................................................................................................... iii

Abstract ...................................................................................................................................... iv

Agradecimentos .......................................................................................................................... v

Índice Geral ............................................................................................................................... vi

Índice de Figuras ...................................................................................................................... vii

Introdução ................................................................................................................................... 1

1. Rizoma .................................................................................................................................... 3

1.1 Sistema acentrado ............................................................................................................. 4

1.2 Espaços em extensão ........................................................................................................ 7

2. Intervalo ................................................................................................................................ 11

2.1 Imagem como espaço entre ............................................................................................ 11

2.2 Imagem animada e imagem instalada ............................................................................. 14

3. Quase .................................................................................................................................... 24

3.1 Em movimento ............................................................................................................... 29

3.2 Dimensões Variáveis ...................................................................................................... 31

Conclusão ................................................................................................................................. 34

Bibliografia ............................................................................................................................... 36

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vii

Índice de Figuras

Fig. 1 - Henry Holiday, A Caça ao Snark, ilustração, 1874, fonte: CARROL, Lewis,

A Caça ao Snark, Lisboa: Assírio e Alvim, 2003. ......................................................................... 6 Fig. 2 - Aleksandra Mir, Atlantic Ocean, 2003, fonte:

http://www.aleksandramir.info/projects/worldfromabove/worldfromabove.html, acedido em 16-

05-2012. .......................................................................................................................................... 6 Fig. 3 - Robert Rauschenberg, Automobile Tire Print, 41.91 cm x 671.83 cm, 1953, San Francisco

Museum of Modern Art, fonte: http://www.sfmoma.org/explore/collection/artwork/25845,

acedido em 13-11-2012. ............................................................................................................... 10 Fig. 4 - Len Lye, A Colour Cry (stills), animação, 16 mm, cor, 3’,1952, fonte: FABER, Liz;

WALTERS, Helen, Animation Unlimited: Innovative Short Films Since 1940, London: Laurence

King Publishing Ltd., 2004. ......................................................................................................... 18 Fig. 5 - Norman MacLaren, Synchromy (stills), animação, 16 mm, cor, 7’27’’, 1971, fonte: FABER,

Liz; WALTERS, Helen, Animation Unlimited: Innovative Short Films Since 1940, London:

Laurence King Publishing Ltd., 2004. .......................................................................................... 18 Fig. 6 - Jodie Mack, Unsubscribe #3: Glitch Envy (stills), animação, 16 mm, cor, som, 5’45’’, 2010,

fonte: http://www.jodiemack.com/filmsvideos/unsubscribe-3-glitch-envy/, acedido em 14-08-

2012. ............................................................................................................................................. 18 Fig. 7 - Carl Andre, 8 cuts, 1967, fonte: http://nantes.tumblr.com/post/6821674895/crudevessels-carl-

andre-8-cuts-1967, acedido em 16-10-2012. ................................................................................ 21 Fig. 8 - Tomoko Takahashi, Play Station, 2005, fonte: STEINER, Rochelle,

Tomoko Takahashi, London, Serpentine Gallery, 2005. .............................................................. 23 Fig. 9 - Kurt Schwitters, Merzbau, 1923-37, fonte: GAMARD, Elizabeth Burns, Kurt Schwitters’

Merzbau: The Cathedral of Erotic Misery (Building Studies), New York, Princeton Architectural

Press, 2000. . ................................................................................................................................. 23 Fig. 10 - Teresa Cortez, Rue Simon Crubellier 11, 2005, fonte: própria. ............................................ 25 Fig. 11 - Enzo Mari, The Fable Game, 1965, fonte:

http://www.corraini.com/scheda_libro.php?id=182&lang=eng, acedido em 15-09-2012. .......... 25 Fig. 12 - Bruno Munari, Plus and Minus, 1970, fonte: http://www.artshopmaterials.co.uk/plus-and-

minus-giovanni-belgrano-bruno-munari.html, acedido em 15-09-2012. ..................................... 25 Fig. 13 - Teresa Cortez, Inside the reverse, 2009, fonte: própria. ......................................................... 26 Fig. 14 - Teresa Cortez, Interstícios II (stills), animação, cor, loop, 2011, fonte: própria. .................. 28 Fig. 15 - Teresa Cortez, Interstícios II (stills), animação, cor, loop, 2011, fonte: própria. .................. 28 Fig. 16 - Teresa Cortez, Quase (maquete), 2012, fonte: própria.. ......................................................... 30 Fig. 17 – Teresa Cortez, Quase (stills), animação, p&b, loop, 2012, fonte: própria. ............................ 30

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Contradigo-me?

Muito bem, então contradigo-me,

(Sou imenso, contenho multidões).

Walt Whitman, Folhas de Erva, 1855

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1

Introdução

A presente dissertação é de natureza teórico-prática. É o resultado de uma investigação

em que ‘entre-tanto’ é o conceito central, um espaço/intervalo que existe no meio de uma

multiplicidade. O texto que se segue tem como objectivo definir o conceito ‘entre-tanto’,

relacionando-o com o rizoma de Gilles Deleuze e Felix Guattari e o intervalo, de forma a

encontrar soluções para a criação de uma imagem que se mantenha ‘entre-tanto’.

O rizoma é movimento, um movimento constante. Cresce e transborda, não tem

qualquer centro, expande-se e o princípio deixa de existir. Como em tudo existe um princípio,

mas o que define o rizoma é o durante, o entre-tanto, a expansão e não o começo. Está em

permanente renovação e é sempre ‘entre’. É precisamente o momento de renovação que é

importante para a minha questão: Quais as possibilidades que uma imagem tem em ser

permanente ‘entre-tanto’?

Para cumprir os objectivos recorro à seguinte estrutura:

No primeiro capítulo defino rizoma explorando o conceito de Deleuze e Guattari.

Explico em que situações o rizoma existe, como sistema acentrado em oposição ao sistema

centrado da raiz. Explico conceitos de Deleuze e Guattari como reterritorialização,

desterritorialização, mapa e multiplicidade de forma a definir o rizoma como ‘entre-tanto’. A

partir de obras de Walt Whitman (1819-1889), Raymond Roussel (1877-1933), Jorge Luis

Borges (1899-1986), e Jack Kerouac (1922-1969), demonstro várias formas de representar um

espaço e um tempo ‘entre-tanto’.

No segundo capítulo pretendo identificar o intervalo como o espaço ‘entre’ pelo qual

se entra no rizoma. Apresento o intervalo como sendo o ‘entre-tanto’ e o potenciador da

imagem em movimento a partir de ideias de Deleuze em Imagem-Movimento: Cinema 1

(1983). Exploro o intervalo como possibilidade de matéria através da teoria dos intervalos de

Dziga Vertov (1896-1954), em que a utilização da montagem foi primordial.

Demonstro como a imagem animada se relaciona com o intervalo. Abordo o

movimento incorporado em peças de arte como um campo de possibilidades, de renovação de

imagem e exploro a noção de ‘espaço entre’ imagens. Refiro peças de alguns artistas, como

Len Lye (1901-1980); Norman MacLaren (1914-1987); Jodie Mack (1976-) e Marcel

Duchamp (1882-1968), em que o desenho ou a pintura foram pensados como contendo

movimento, transportando o tempo e o ritmo da música para as imagens.

Apresento a imagem instalada, associada à instalação, como um organismo que se

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expande no espaço, renovando-o. Dou o exemplo de diferentes peças como: 8 cuts (1967) de

Carl Andre (1935-); 1200 sacs à charbon suspendus au plafond au dessus d'un brasero

(1938), de Marcel Duchamp; Play Station (2005) de Tomoko Takahashi e Merzbau (1923-37)

de Kurt Schwitters (1887-1948).

O último capítulo é dedicado à instalação site-specific Quase, como resposta plástica

às questões desenvolvidas nos capítulos anteriores. Explico o surgimento da imagem em

movimento no meu trabalho e apresento trabalhos que fizeram parte do percurso e do processo

até chegar a Quase como: Rue Simon Crubellier 11 (2005); Inside de Reverse (2009) e as

animações Interstícios I e II (2011). Associo Quase ao crescimento rizomático que se estende

perpetuamente, numa contaminação entre espaço e desenho em movimento, em que o

intervalo e montagem são explorados.

Ao longo do texto desta dissertação são utilizados os seguintes critérios

metodológicos: o sistema de citação utilizado é o sistema autor-data: (nome, data: página); no

corpo do texto foram inseridas traduções de citações para a língua portuguesa, realizadas por

mim, colocando as citações originais em notas de rodapé; não sigo o novo acordo ortográfico.

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1. Rizoma

Em botânica, denomina-se rizoma um tipo de caule que algumas plantas possuem. Este

caule, geralmente subterrâneo mas podendo também ter porções aéreas, cresce

horizontalmente. Os brotos podem ramificar-se em qualquer ponto. É um organismo de

aparência quase abstracta quando está desenvolvido. Possui uma arquitectura densa, de

múltiplas entradas e saídas. Normalmente, este caule dá origem a plantas que surgem no

exterior, mas a sua estrutura rizomática, debaixo de terra, mantém um complexo desenho, de

difícil leitura, numa trama sem princípio nem fim, conectando todas as formas que surgem no

exterior.

Gilles Deleuze e Felix Guattari apropriaram-se do conceito botânico de rizoma para

criar um novo conceito que descreve um sistema que não tem pontos definidos nem estrutura.

Nada está fechado, mas em permanente relação, com múltiplas possibilidades. Os autores

explicam as principais características do rizoma a partir de vários princípios1, e relacionam

este conceito com os fluxos de interligações de diferentes áreas como a política, a arte e a vida

animal.

Deleuze e Guattari dão o exemplo da árvore como um sistema não rizomático, pois

contém uma lógica binária. Funciona por decalques e as folhas são disso exemplo, ao

repetirem-se de forma organizada. De facto, num rizoma a extensão do caule que une os

brotos, torna o território muito amplo. Através de uma multiplicação vegetativa2, existe uma

permanente regeneração e ramificação. O rizoma tem a particularidade de se colonizar a ele

mesmo, numa multiplicação contínua sem que sejam necessárias sementes. As partes perdidas

podem ser compensadas por um crescimento mais vigoroso, e mais ou menos descentralizado

das outras. «Algumas espécies arbustivas e as plantas herbáceas com intensa propagação

vegetativa (e.g. por rizomas ou bolbos) são virtualmente imortais porque as partes que, por

qualquer razão, colapsam são continuamente substituídas por outras novas.» (Aguiar, 2012:

18).

O rizoma difere da raiz principalmente pela sua estrutura. «Distingue-se da raiz por

apresentar, além das folhas, gemas ou botões vegetativos, os quais, ao se desenvolverem,

1 “1º e 2º Princípios de conexão e de heterogeneidade”; “3º Princípio de multiplicidade”; 4º Princípio de ruptura

assignificante; 5º e 6º “Princípio de cartografia e de decalcomania”. 2 Tipo de reprodução na qual se produz uma nova planta (indivíduo) a partir de um órgão vegetativo (ex: rizoma,

bolbo, tubérculo, etc...), sem envolver células ou órgãos sexuais. A nova planta, resultante deste tipo de

reprodução (multiplicação), é um individuo completo e idêntico (clone) à planta que o originou. A multiplicação

vegetativa pode ser considerada uma forma de perenidade (imortalidade), visto que a planta pode propagar-se

continuamente.

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darão origem a ramos e a novas folhas.» (Ferri, 1981: 28).

A raiz estabelece uma ligação directa com a planta, de um para um, mas o rizoma

expande-se e cresce continuamente estabelecendo relações múltiplas entre as diversas

ramificações. Os bambus, as orquídeas, algumas das gramíneas e a flor-de-lis são exemplos de

plantas rizomáticas. Embora com ramificações diferentes, o conceito de multiplicação é o

mesmo.

O princípio de multiplicidade de Deleuze e Guattari é relativo ao crescimento do

rizoma, quanto mais relações e conexões mais o rizoma cresce:

Todas as multiplicidades são rasas enquanto preenchem, ocupam todas as dimensões: falar-se-

à, pois, de um plano de consistência das multiplicidades, se bem que esse «plano» seja de

dimensões crescentes segundo o número de conexões que se estabeleçam sobre ele. (Deleuze;

Guattari, 1976: 15)

1.1 Sistema acentrado

Um rizoma não começa e não acaba,

está sempre no meio, entre as coisas,

inter-ser, intermezzo...

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Rizoma, 1976

Os rizomas são sistemas acentrados, são as ervas-daninhas, as gramíneas que crescem

livremente entre as plantações organizadas.

Ao contrário da estrutura da árvore ou da raiz, o rizoma não se fecha sobre si mesmo,

tem múltiplas direcções e está sempre no meio. Numa permanente relação com o interior e o

exterior, o rizoma constrói-se a partir de transformações constantes. Deleuze e Guattari falam

do rizoma como uma ramificação que cresce de forma não hierarquizada e continuada em que

qualquer ponto conecta com qualquer outro. É a expressão máxima da multiplicidade, ao

contrário da raiz ou da radícula; «[...] qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado com

qualquer outro, e tem de sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto de

ordem.» (Deleuze; Guattari, 1976: 15).

O rizoma é um sistema complexo, não existe decalque ou cópia como na árvore, mas

sim múltiplas conexões que são estabelecidas a todo o momento, a que Deleuze e Guattari

chamam desterritorialização e reterritorialização. Estas aumentam o território pela

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contaminação e pelo acaso do encontro. No princípio de ruptura assignificante, os autores dão

o seguinte exemplo:

A orquídea desterritorializa-se ao formar uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa

reterritorializa-se sobre esta imagem. A vespa desterritorializa-se, no entanto, tornando-se ela

própria uma peça do aparelho de reprodução da orquídea; mas reterritorializa a orquídea ao

transportar-lhe o pólen. (Deleuze; Guattari, 1976: 22).

O resultado é uma contaminação sem regra nem genealogia. Para Deleuze e Guattari o

rizoma é como um mapa. No princípio de cartografia e de decalcomania, os autores dizem que

o rizoma faz «[...] mapa e não o decalque.» (Deleuze; Guattari, 1976: 29). O decalque repete e

o mapa tem entradas e saídas múltiplas. A orquídea não reproduz o decalque da vespa, mas faz

mapa com a vespa. O mapa não copia mas constrói, pela multiplicação dos diversos campos

que conecta, pode ser lido de várias maneiras, e em todas as direcções, o conjunto de

possibilidades é infindável. É aberto, sem regra e apresenta-se sempre novo.

Alguns mapas são criados de forma subjectiva por artistas plásticos ou por escritores,

«Estes são mapas que encontram a sua essência num objectivo diferente daquele que nos leva

apenas do ponto A ao ponto B. Eles são um veículo para a imaginação [...]»3 (Harmon, 2004:

10). Alguns autores desenharam mapas de mundos imaginários como Jonathan Swift (1667-

1745) em As Viagens de Gulliver (1726) e Robert Louis Stevenson (1850-1894) em A Ilha do

Tesouro (1883). Lewis Carrol em Caça ao Snark (1874) apresentou um mapa, ilustrado por

Henry Holiday, que representava o mar sem quaisquer vestígios de terra (fig.1) e onde as

coordenadas eram «[...] meros sinais convencionais!» (Carrol, 1874: 16), este mapa abria-se

em branco, num vazio que qualquer um poderia interpretar. A percepção que temos de um

lugar pode ser interpretada de múltiplas formas. A artista Aleksandra Mir (1967-), em The

World From Above, 2004, apresentou diversos mapas desenhados a marcador, como é

exemplo Atlantic Ocean 2003 (fig.2).

Os mapas criados são interpretações da artista sobre diferentes espaços e lugares,

mapas que se abrem ao espectador para novas leituras, com «[...] a ideia de que o observador

que tem um relação próxima com um lugar em particular e que sabe realmente de onde e para

onde as estradas vão, ou como as fronteiras se tornaram naquilo que são, pode completar o

3 «These are maps that find their essence in some other goal than just taking us from point A to point B. They

are a vehicle for the imagination [...]».

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desenho de acordo com as suas referências históricas e geográficas.»4 (Mir, 2004).

Fig. 1 - Henry Holiday, A Caça ao Snark, ilustração, 1874.

Fig. 2 - Aleksandra Mir, Atlantic Ocean, 2003.

Os mapas criados são interpretações da artista sobre diferentes espaços e lugares,

mapas que se abrem ao espectador para novas leituras, «[...] a ideia de que o observador que

tem um relação próxima com um lugar em particular e que sabe realmente de onde e para onde

as estradas vão, ou como as fronteiras se tornaram naquilo que são, pode completar o desenho

de acordo com as suas referências históricas e geográficas.»5 (Mir, 2004).

4 «[...] the idea that a viewer who has a close relationship to a particular site and who knows where the roads

actually lead to and from, or how the borders became the way they are, can complete the drawing according to

his own historical and geographical references. This way, the maps are never finished and appear different to

everyone.». 5 «[...] the idea that a viewer who has a close relationship to a particular site and who knows where the roads

actually lead to and from, or how the borders became the way they are, can complete the drawing according to

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O mapa é movimento. O mapa é livre, como o vemos, construímos, interpretamos,

abrimos e consultamos. Um movimento que não é delimitado por um percurso é um

«movimento transversal» (Deleuze; Guattari, 1976: 62), sem princípio nem fim, sempre em

construção. Não é necessário definir qual a direcção do movimento. O importante são as

transformações causadas pelo movimento e pela contaminação dos vários elementos, uns nos

outros, onde o meio é o «[….] lugar onde as coisas tomam velocidade.» (Deleuze; Guattari,

1976: 62). É este movimento que interliga e faz ponte entre vários planaltos, transformando

pontos em linhas. Deleuze e Guattari, utilizam o conceito de planalto para determinar uma

área que não tem princípio nem fim e por isso é sempre meio, é uma multiplicidade que se

conecta com outras. Os planaltos podem ser lidos de diversas formas e postos em relação com

quaisquer outros. O rizoma, como o mapa, é composto por planaltos. Os autores citam

Gregory Bateson (1904-1956), biólogo e antropólogo que fala do planalto como «[...] uma

região contínua de intensidades, vibrando sobre si própria, e que se desenvolve ao evitar

qualquer orientação sobre um ponto culminante ou na direcção de um fim exterior.» (Deleuze;

Guattari, 1976: 54).

1.2 Espaços em extensão

Walt Whitman no poema “Song of Myself”, integrado em Leaves of Grass (1855),

apresenta-se como ser pertencente a tudo o que existe, desde a mais pequena erva a todo o

universo. Não fala do princípio nem do fim, mas do ser e do estar. Estar em tudo e em

movimento, como se fosse ele próprio a ligação entre todas as coisas. Um mundo em extensão

que cresce e que se liga por entre espaços, «[...] Ouvi do que falavam aqueles que falavam,

ouvi o que diziam acerca do princípio e do fim, Mas eu não falo do princípio nem do fim [...]»

(Whitman, 1881: 13).

Diria que este poema oferece-nos uma viagem, num movimento contínuo por entre

tudo o que existe. A erva surge como a chave de todas as relações entre as coisas. Como outras

gramíneas, a erva cresce de forma rizomática, sem hierarquia, sem ordem, cresce por entre

coisas, pelo meio, num sítio qualquer, colocando a questão «[….] De quem é?» (Whitman,

1881: 19). A erva expande-se e multiplica-se, entra por onde há espaço vazio, é durante, é

movimento, é espaço.

his own historical and geographical references. This way, the maps are never finished and appear different to

everyone.».

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Ser ‘entre’ pressupõe a existência de um conjunto de ‘coisas’ que envolvem algo que

fica ‘entre’. Para designar a condição de ser entre, bastariam três elementos. O elemento

‘entre’ seria o do meio. ‘Entre-tanto’ refere-se a uma multiplicidade de elementos, não apenas

dois mas muitos. Deleuze e Guattari no “Princípio de multiplicidade”, dizem que o rizoma é

constituído por multiplicidades, estas formam e desenvolvem o rizoma. Uma multiplicidade é

sempre ‘entre-tanto’, é sempre meio, sem princípio nem fim. As combinações, conexões e

velocidades variáveis de uma multiplicidade fazem «[...] proliferar o conjunto.» (Deleuze;

Guattari, 1976: 19). O conjunto, a composição do rizoma tornar-se-á cada vez mais espessa,

pela inter-ligação e sobreposição de multiplicidades. Estas estabelecem uma diversidade de

ligações, muitas vezes sem relação aparente, apresentando-se sempre novas, «As

multiplicidades definem-se pelo fora: linha abstracta, linha de fuga ou de desterritorialização

segundo a qual mudam de natureza ao conectar-se com outras.» (Deleuze; Guattari, 1976: 20).

Whitman constrói um texto composto por frases curtas, que estabelecem entre si

múltiplas relações frásicas. Em qualquer citação que resolver escolher do texto de Whitman,

nunca poderei começar pelas aspas, mas sempre pelas reticências, pois cada frase está sempre

em relação com a anterior, em permanente movimento. As reticências revelam algo que se

estende para além do texto e tudo o que estiver escrito entre estas, terá um espaço indefinido.

Estará entre algo, num espaço qualquer.

Raymond Roussel6 escreveu um livro fruto de várias viagens por si realizadas, Novas

Impressões de África (1910). O autor nunca saía do barco que o transportava, sem por isso,

poder conhecer os diferentes continentes por onde passava. As impressões e histórias que

escreveu sobre os lugares, pelos quais passava tangencialmente, surgiam apenas da sua

imaginação. Roussel ligava frases muitas vezes desconexas e utilizava os parênteses ao longo

do texto para abrir novos textos. Funcionavam como a erva que cresce entre as coisas. Os

cortes e aberturas constantes que fazia no texto, passavam a conter muitos outros.

A escrita de Roussel vai crescendo por relacionamento entre palavras ou ideias que se

desdobram, não têm um início certo, pois já nascem da palavra ou ideia anterior. A narrativa

começa sem um princípio definido e acaba sem um fim definido, como num eterno “era uma

vez”, não só pela forte componente imaginativa do autor ao escrever, mas pela dimensão

espacial que esta expressão comporta. O “era uma vez” existe indefinidamente no tempo e no

6 Roussel recorria a paronomásias, explorando a sonoridade das palavras e as suas relações interpretativas. A sua

poesia ganhava um lado lúdico e retórico a partir deste jogo de palavras, que veio a influenciar mais tarde o

surrealismo e o grupo literário “OuLiPo”. No texto existe uma permanente ressonância, pela utilização das

palavras parónimas, salta-se de um significado para o outro, num movimento permanente.

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espaço, «“Era uma vez” revela o presente e o coração inacessível das coisas [...]»7 (Foucault,

1963: 78). A escrita de Roussel é algo que se perpetua não finalizando em nada de concreto. O

próprio autor sugeriu aos leitores de Novas Impressões de África, que lessem primeiro a

segunda parte do livro e depois então a primeira. Este facto apenas reflecte que a ordem pode

ser uma qualquer, a entrada neste livro poderia ser considerada ‘entre-tanto’.

‘Entre-tanto’ que cresce permanentemente em várias direcções, num meio qualquer,

que não simboliza um centro. Ser centro implica dois pontos concretos, um início e um fim, e

este meio ao qual me refiro não se refere a nenhuma limitação de espaço, é um meio em

aberto. Um meio em movimento que se perpetua no espaço, «Se o espaço é infinito, estamos

em qualquer parte do espaço. Se o tempo é infinito estamos em qualquer parte do tempo»

(Borges, 1975: 136). No conto “Livro de Areia” (1975), Jorge Luis Borges apresenta um livro

sem princípio nem fim, em que as páginas têm uma sequência arbitrária e infinita. Como o

rizoma, as páginas deste livro, multiplicam-se sem se ter a noção do seu fim, como numa praia

onde a areia se expande por todo o espaço. Este livro infinito, «[...] entre a capa e a mão iam-

se interpondo sempre várias folhas. Era como se nascessem do livro.» (Borges, 1975: 135),

não havia nenhum centro e ao abri-lo, a página que surgia era sempre uma qualquer. Todas se

ligavam entre si, sem se perceber qual a relação, «Onde é que vão? Donde partem? Onde é que

querem chegar? São questões bem inúteis. Fazer tábua rasa, partir ou voltar a partir do zero,

procurar um fundamento, implicam uma falsa concepção da viagem e do movimento [...]».

(Deleuze, Guatari, 1976: 61).

O rizoma move-se não tendo um fim, multiplica-se, sai e volta a entrar, o propósito é o

durante e «[...] instaurar uma lógica du E [...]» (Deleuze, Guatari, 1976: 62). Como uma

viagem que não acaba, que se renova e é contínua como a viagem de Pela Estrada Fora: O

Rolo Original (1957), de Jack Kerouac. Esta obra formou-se a partir de um texto que cresceu

continuadamente num rolo de papel, onde se foram desencadeando histórias, em forma de

relato, sobre várias viagens que o autor fez, por diferentes estradas da América do Norte. As

histórias reflectem a forma de estar e de pensar da geração beat americana, da qual para além

de Jack Kerouac, autores como William Burroughs (1914-1997), Allen Ginsberg (1926-1997)

e Neal Cassady (1926-1968) fizeram parte. Todo o texto de Pela Estrada Fora: O Rolo

Original, foi desenvolvido compulsivamente durante três semanas, a partir de textos e notas

prévias. A narrativa toma velocidade na repetição de algumas palavras, pela forma compulsiva

da escrita, e pelo encadeamento de todos os acontecimentos e ideias. É uma multiplicidade de

7 «”Once upon a time” reveals the present and inaccessible heart of things […]».

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acontecimentos e experiências, em que o espaço e o tempo têm uma ordem ritmada pelo autor

e que se torna cada vez mais densa. A densidade e o ritmo na obra está directamente

relacionada com a personagem Neal Cassady, que é o motor de toda a viagem. Ele próprio é

um rizoma que ninguém consegue parar e se quer mover sempre sem parar. As viagens

relatadas ao longo do livro não têm um fim objectivo, o interesse seria a viagem em si e o que

acontece no ‘entre-tanto’, «Entre as coisas não designa uma relação localizável que vá de uma

à outra e reciprocamente, mas uma direcção perpendicular, um movimento transversal que as

arrasta uma e outra, ribeiro sem princípio nem fim, que rói as duas margens e toma velocidade

no meio» (Deleuze; Guattari, 1976: 62). Toda a narrativa de Pela Estrada Fora: O Rolo

Original, é acompanhada pelo deslocamento constante no espaço, com entrada e saída

constante de personagens. O rasto do carro(s) em que as personagens se deslocam, daria um

desenho de linhas, complexo, que iria provar todo o movimento que esta obra de Kerouac

comporta. O acto de mover é o fio condutor de toda a narrativa:

Estávamos todos encantados, todos com a sensação de que deixávamos para trás toda a

confusão e o absurdo e desempenhávamos a nossa única e nobre função daquele tempo,

movermo-nos. E como nos movemos! (Kerouac, 1957: 138).

Fig. 3 - Robert Rauschenberg, Automobile Tire Print, 1953.

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11

2. Intervalo

2.1 Imagem como espaço entre

O intervalo, como o interstício, é a área que sobra, aquela que fica ‘entre’ algo, não

visível. O espaço intersticial funciona como um pequeno intervalo pertencente a uma

estrutura, é o espaço que a erva vai abrindo.

Nas ciências naturais, o espaço intersticial é o espaço que se situa entre células, um

espaço intercelular. Na arquitectura é um conceito que pode ser utilizado para definir um

espaço intermédio entre os soalhos de edifícios, geralmente hospitais ou laboratórios, que

facilita a colocação de sistemas mecânicos. Na música, os intervalos são a distância entre dois

sons, fazem com que as frequências entre as notas existam, criando ou não harmonia. Estes

exemplos, colocados de uma forma simples, revelam o intervalo como parte pertencente a

uma estrutura, que vive dependendo deste peculiar espaço que fica ‘entre’.

O ‘entre’ contém uma definição especial. Posso dizer que é o presente, o durante. O

intervalo é o secreto lugar que faz com que exista movimento; não existiria movimento sem o

intervalo «A essência de uma coisa nunca aparece no princípio, mas no meio, na correnteza

do desenvolvimento, quando as suas forças se afirmam.» (Deleuze, 1983: 13). O intervalo é

como o presente, «O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro;

seria nulo. O presente contém sempre uma partícula de passado e uma partícula de futuro, e

parece que isso é necessário ao tempo.» (Borges, 1975-1988: 215).

Borges no ensaio “O Tempo” (1978), diz que o presente não é um dado imediato da

consciência, é abstracto e não existe se o imaginarmos em extensão. O presente em si é como

o ponto finito da geometria. «Imagine-se um ponto. Admite-se que o ponto não ocupa

qualquer extensão. Se considerarmos uma sucessão infinita de pontos, teremos a linha.»

(Borges, 1975-1988: 211). Para Borges o presente está em constante transformação, entre

passado e presente. Deleuze (1983) diz que «O espaço percorrido é passado, o movimento é

presente, é o acto de percorrer. O espaço percorrido é divisível, e até infinitamente divisível,

enquanto que o movimento é indivisível, ou não se divide sem mudar de natureza a cada

divisão.» (Deleuze, 1983: 11).

Para Borges o movimento acontece no tempo mas não o explica. O tempo é uma

sucessão e, dos três tempos que o dividem, o presente é o mais difícil de apreender, como é o

ponto. Também para Borges o tempo é o problema essencial da metafísica, sendo este

infinito. Preciso do infinito para o atravessar, para entrar pelo meio, como entrar numa das

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infinitas páginas do “Livro de Areia”, e ficar no entre, no intervalo dessas páginas, «já que

não tem meio aquilo que carece de princípio e de fim.» (Borges, 1952: 217).

Entrar numa imagem pelo intervalo, será entrar num never ending da imagem. Será

entrar no meio de uma imagem que se prolonga e se modifica ao longo do tempo. O intervalo

será apenas um ‘entre-tanto’ da imagem. Automobile Tire Print (1953) (fig.3), de Robert

Rauschenberg, é a imagem de uma impressão de um pneu. A impressão do pneu foi realizada

a partir do movimento de uma roda de um “carro” que John Cage conduziu ao longo de vinte

folhas de papel ligadas com fita, e que formavam uma longa tira. A peça em exposição é

apresentada apenas com parte do desenho que o pneu imprimiu, a longa folha é enrolada em

ambas as extremidades, em dois rolos, não se vendo o princípio nem o fim. Sabe-se que o

desenho prolonga-se para trás e para a frente, mas o que se apresenta é um ‘entre-tanto’ da

imagem.

O rizoma é movimento, é ‘entre-tanto’ que se estende sem fim, não numa só direcção,

mas em várias direcções. O ‘entre-tanto’ da imagem em movimento é o intervalo. Gilles

Deleuze fala do intervalo associado ao movimento da imagem, «Nós vimos o hiato, o

intervalo entre dois movimentos desenha um lugar vazio que prefigura o sujeito humano

enquanto se apropria a percepção.» (Deleuze, 1983: 118). Deleuze menciona a “Teoria dos

Intervalos” de Dziga Vertov (1896-1954), como uma teoria que possibilita passar os

intervalos a matéria a partir da montagem. O “Cine-olho” de Vertov, considera as imagens

dos fotogramas, como potenciadoras de novas imagens.

A montagem para Vertov seria a mais importante operação no cinema, por poder

através dela transformar a percepção e os intervalos em matéria. O “Cine-olho”, como

Deleuze descreve é «[…] o olho da matéria, que não está submetido ao tempo, que «venceu»

o tempo, que acede ao negativo do tempo, que não conhece outro todo senão o universo

material e a sua extensão […]» (Deleuze, 1983: 117). No filme Man with a Movie Camera

(1929), realizado por Vertov, pode-se verificar, a utilização da montagem e o modo como o

realizador tira partido da relação entre imagens, através de sobreposições de imagens,

extensões de planos, animações e de toda a multiplicidade de imagens novas que a nossa

percepção consegue criar.

Vertov pensou o fotograma como uma imagem possível de ser alterada, estendida e

sobreposta, entrou pelo ‘entre-tanto’ da imagem em movimento e criou a possibilidade de

estender o intervalo no tempo, alterando a sequência narrativa do filme. Colocou em relação

duas imagens/fotogramas sequencialmente distantes através da montagem e jogou com as

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possibilidades perceptivas, apresentando o movimento de uma forma original. Vertov no

Manisfesto We (1919), diz que os intervalos são a arte do movimento, «São eles (os

intervalos) que desenham o movimento numa resolução cinética.»8 (Vertov, 1896-1954 :8).

Deleuze fala de uma ‘montagem pestanejante’ (Deleuze, 1983: 122), utilizada por

Vertov. Este tipo de montagem refere-se à utilização do fotograma na vibração das imagens

para além do movimento, «O segredo é o novo sentido ainda da noção de intervalo: esta

designa agora o ponto onde o movimento pára, e parando vai poder inverter-se, acelerar,

retardar…» (Deleuze, 1983: 119). Para Deleuze, a «essência e a novidade do cinema»

(1983:14), é a montagem. Esta viria a dar um contributo decisivo ao cinema, tornando-o algo

mais do que a projecção de imagens sequenciais.

Ken Jacobs (1933-) também utiliza uma ‘montagem pestanejante’, como em

Capitalism: Child Labor (2007), ou The Surging Sea of Humanity (2007). Nestas peças,

Jacobs não trabalha com sequências de imagens captadas de forma linear por uma máquina.

Trabalha a partir de uma, e apenas uma imagem que se repete numa montagem. A partir de

uma fotografia, ‘mergulha’ na imagem e para além das questões sociopolíticas que a imagem

coloca, transforma uma imagem fixa em movimento contínuo. Num processo de animação, a

imagem ganha movimento pelas várias camadas sobrepostas de si mesma, provocando um

vibrar intermitente. Jacobs consegue passar a imagem 2D para 3D, através dos jogos de

percepção provocados pelos efeitos estroboscópicos9, resultado que pode causar desconforto

ao espectador. O artista consegue trabalhar dois espaços ao mesmo tempo, o espaço

bidimensional do ecrã e o espaço tridimensional, criado a partir da montagem e respectivo

efeito óptico. Cria um ‘entre imagens’, que se estende continuadamente.

8 «It is they (the intervals) which draw the movement to a kinetic resolution.».

9 De estroboscopia, palavra proveniente do grego stróbos, que significa volta e skopeĩn, que significa observar.

É um processo de observação e decomposição de movimentos muito rápidos, baseado no efeito de phi (ver nota

9 neste trabalho).

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2.2 Imagem animada e imagem instalada

O texto que se segue visa explorar a animação como meio de criação de imagem em

movimento e como a instalação poderá ser um organismo que renova o espaço.

O pré-cinema desenvolveu inúmeros exercícios experimentais nos quais a busca da

imagem em movimento teve como base a animação. A imagem animada é ilusão de

movimento, uma ilusão dada pela nossa percepção, através de um fenómeno, “efeito phi”10

.

São necessárias várias imagens/fotogramas em sequência (de doze a vinte e quatro por

segundo), para dar efeito de movimento; os fotogramas são separados por vários intervalos,

«o movimento far-se-á sempre no intervalo entre os dois, logo, nas nossas costas.» (Deleuze,

1983: 11).

Foi através de aparelhos ópticos11

que pela primeira vez se produziu a ilusão de

movimento e, por conseguinte, a imagem animada. A relação que estes objectos tinham com o

intervalo, com um espaço entre imagens, foi determinante para gerar ilusão de movimento.

Um dos exemplos é o zootrópio, composto por um cilindro oco giratório, que contém várias

ranhuras rectangulares equidistantes. Dentro deste cilindro é colocada uma tira com uma

pequena sequência de imagens desenhadas. Pela rotação do cilindro, a sequência de imagens

transforma-se em imagem animada, através da observação pelas ranhuras do aparelho. Se

olharmos directamente para a tira que contém a sequência de imagens, não teremos a

percepção de movimento. As ranhuras rectangulares são os intervalos que propiciam a ilusão

do movimento através do “efeito phi”.

O intervalo faz parte integrante da imagem em movimento, mas ganha um maior

relevo na criação da imagem animada. Georges Méliès (1861-1938), foi o primeiro realizador

a usar a técnica da animação. Realizou vários filmes como Le Voyage dans la Lune (1902) em

10

«Foi muitas vezes dito que esse fenómeno era decorrente de uma propriedade das zonas mais exteriores do

nosso aparelho perceptivo (no caso, a “persistência retiniana”). Não é o que acontece, evidentemente – a

persistência momentânea das imagens sobre a retina não poderia dotá-las de movimento, mas somente misturar

umas nas outras. É uma propriedade inata da nossa percepção que está em jogo, mas em estágios cerebrais. Os

leves deslocamentos de uma imagem à imagem seguinte, dos estímulos visuais, excitam as células do córtex

visual, que “interpretam” essas diferenças como movimento, e o efeito produzido em tais células por elas não é

passível de ser distinguido por elas do efeito que um movimento objetal real produz. Os psicólogos getaltistas

identificaram, desde a década de 1910, diversas variantes desse efeito de percepção de um movimento aparente e

batizaram-no com letras gregas. Admite-se, geralmente, que o cinema tem relação com o efeito (phi).»

(Aumont, 2001: 94). 11

O fenaquistiscópio (1832) inventado por Joseph Antoine Plateau (1801-1883); o zootrópio (1834) inventado

por William George Horner (1786-1837); o praxisnoscópio (1877) inventado por Émile Reynaud (1844-1918);

(que mais tarde inventou o teatro óptico (1892); a partir do qual surgiu o primeiro desenho animado, com trinta

minutos de duração); e o zoopraxiscópio (1879) inventado por Eadweard Muybridge (1830-1904).

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15

que recorreu à animação com a técnica de stop-motion12

. Esta técnica de animação possibilita

a criação de efeitos especiais, que não eram possíveis pela captação directa de imagens

sequenciais do real. É necessária a intervenção de um animador que dará vida aos objectos e a

captação das imagens terá de ser feita de fotograma em fotograma. No intervalo entre

fotogramas, poderá também uma personagem sair do cenário rapidamente, dando a impressão

que desapareceu subitamente no ar, por magia.

O cinema de animação é possível pelo jogo entre o intervalo e as imagens, e a

animação experimental é um grande exemplo da utilização do intervalo para a criação de

movimento. Ao desenhar para animação, o enquadramento é criado de raiz, pensado para o

espaço que está entre os limites do fotograma. A imagem existe enquanto todo e não como

parte do todo.

A animação experimental manteve-se sempre relativamente isolada e pouco

documentada, não tendo um lugar definido nas artes. Este tipo de animação não tem como fim

uma narrativa; o princípio, meio e fim, são de importância menor. O importante é o

comportamento da imagem em movimento, e como a imagem se pode estender, transformar,

crescer, ao longo do espaço e do tempo.

Artistas do movimento Dada e do Surrealismo, logo no início do séc. XX começaram

a incluir movimento nas suas obras, dando assim os primeiros passos da animação

experimental, explorarando o desenho, a pintura e os recortes.

Leópold Survage (1879-1968), nunca foi um animador mas «[...] estabeleceu a ponte

entre pintura e filme [...]»13

(Starr; Russet, 1976: 35). Entre 1912 e 1914, pintou duzentas

pinturas abstractas em aguarela intituladas Colored Rhythm Series. Ambicionava colocá-las

em movimento através da técnica de animação, mas não conseguiu nenhum animador que o

fizesse. Survage descreveu o seu projecto, Colored Rhythm, como não sendo «[...] em

nenhuma medida uma ilustração ou interpretação da música, mas sim uma arte autónoma,

contudo baseada nas mesmas premissas psicológicas da música.»14

. (Starr; Russet, 1976: 36).

Ao projecto de Survage, Guillaume Apollinaire (1880-1918) respondeu dizendo que Survage

«”inventou uma nova arte de pintura em movimento”, que se manifesta de forma

12

É uma técnica de animação onde objectos são movimentados e fotografados, fotograma a fotograma. Os

fotogramas em sequência criam a impressão de movimento. A animação de recortes, pintura, areia, volumes e

pixilação recorre à técnica de stop-motion. 13

«[...] conceived the bridge between painting and film [...]». 14

«[...] is in no way an illustration ora n interpretation of musical work. It is an autonomous art, although based

on the same psychological premisses as music.».

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16

cinematográfica.»15

(Starr; Russet, 1976: 35). De facto, Survage nunca chegou a animar os

seus desenhos, mas conceptualmente fê-lo. Pensou a pintura como sucessão no tempo, através

do ritmo e intervalos, como na música. Survage fala da abstracção e do ritmo na animação

experimental,

por se transformar no tempo, vagueia pelo espaço, encontra outras formas no processo de

transformação; combinam-se, por vezes viajam lado a lado, por vezes lutam entre eles ou

dançam […]16

(Russet; Starr, 1976: 37).

Artistas como Viking Eggeling (1880-1925), com Diagonal Symphony (1924), ou

Hans Richter (1888-1976), com Rhythm 21 (1921), 23 (1923) e 25 (1925), transformaram, de

facto, formas abstractas desenhadas em organismos vivos através do movimento. Richter

colaborou com Eggeling várias vezes. Pensaram a imagem em movimento como uma

orquestração das cores e das formas, tirando partido do tempo e do ritmo da música para

pensar no tempo da animação. Richter diz que «Não era apenas a orquestração da forma mas

também a relação-tempo que víamos no filme. A imagem única desaparece no fluxo de

imagens, que fazia sentido apenas se ajudasse a articular um novo elemento — tempo.»17

(Starr; Russet, 1976: 53). Eggeling e Richter animavam formas geométricas simples nas suas

composições, estabelendo relações entre as suas formas que se transformavam num

movimento ‘entre-tanto’. Estes artistas, consideravam a utilização do contraponto18

, não

limitada apenas à música, pensavam-na como uma «[...] forma filosófica de lidar com a

experiência de crescimento.»19

(Starr; Russet, 1976: 51).

As possibilidades perceptivas do movimento, através da animação de formas

abstractas, continuaram a ser desenvolvidas nos anos trinta, por vários artistas que tiraram

partido da plasticidade do próprio ecrã, do rectângulo e dos seus limites. A cor e a forma

relacionam-se com o espaço do ecrã e com o som, como é o caso das animações de Len Lye e

Norman MacLaren. Em alguns dos filmes destes artistas não existe um princípio, meio e fim

concreto, o mais importante é a interacção entre cores e formas durante o movimento. Apesar

15

«”invented a new art of painting in motion”, which was about to manifest itself by means of cinema.». 16

«in transforming itself in time, it sweeps through space, it encounters other forms in the process of

transformation; they combine together, sometimes traveling side by side, sometimes battling among themselves

or dancing to the rhythm […]». 17

«It was not only the orchestration of form but also of time-relationship that we were facing in film. The single

image disappeared in a flow of images, which made sense only if it helped to articulate a new element — time.». 18

Denomina-se contraponto, do latim punctus, ou ponto (nota) contra ponto (nota), ou música polifónica, à

combinação de diversas linhas melódicas independentes, embora desenvolvendo-se com coerência harmónica e

formando uma unidade. 19

«[...] philosophic way of dealing with the experience of growth.».

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17

de terem um tempo definido, poderiam estender-se em duração, num filme contínuo, sem fim,

como imagem ‘entre-tanto’, sempre em transformação. Len Lye realizou, entre 1935 e 1952,

Swinging the Lambeth Walk e A Colour Cry (fig.4). Estes filmes são de curta duração e

criados a partir de desenhos e pintura na própria película. Apresentam diferentes

comportamentos de formas e texturas, no espaço reservado aos fotogramas, em que as

imagens de formas abstractas animadas, num crescimento rizomático transformam-se

continuamente no espaço da película, com ritmos acompanhados por música tribal, da Nova

Zelândia, terra do realizador, «O movimento que ele ama é continuidade vigorosa. Está lá nos

seus filmes, com as suas ideias maravilhosas e imagens que crescem umas das outras como

doodles20

vivos.»21

(Cumming, (s.d.)).

A animação directa e improvisada sobre a película foi continuada por Norman

MacLaren. Muito do seu trabalho foi desenvolvido na National Film Board of Canada.

Vertical Lines (1960) e Synchromy (1971) (fig.5), são animações que recorrem a linhas

verticais e às suas diferentes intersecções e modificações, compostas por contrastes entre

cores e som, que o próprio artista desenhava na película. As relações entre cor, forma e som

sugeriam conjugações infinitas, que se poderiam estender no tempo.

Jodie Mack é uma artista contemporânea que trabalha em animação. Como em Lye e

MacLaren, os seus filmes poderiam ter outra extensão, contínua, como são exemplo

Unsubscribe #3: Glitch Envy (2010) (fig.6) e Rad Plaid (2010). Apesar destes filmes terem

uma duração limitada, a imagem ‘entre-tanto’ manifesta-se com relevância.

Em Unsubscribe #3: Glitch Envy, as texturas e recortes que a artista utiliza, de

fragmentos de imagens de papéis que retirou do lixo, funcionam apenas como formas que se

movimentam, num ‘entre-tanto’ de imagens. Começar a visualizar o filme no início ou no

meio é praticamente igual, o importante é o movimento e relações entre os fragmentos. Estes

marcam ritmos no espaço do ecrã, acompanhados por uma sonoridade criada pela artista a

partir de vozes. Os fragmentos recortados são também ‘entres’ de outras imagens que a artista

se apropriou, são pequenas partes de imagem que ela recontextualiza, numa nova imagem em

movimento.

20

Palavra inglesa que significa desenho espontâneo, realizado enquanto se pensa noutra coisa, composto por

linhas ou figuras que crescem e se transformam umas das outras. 21

«The motion he loves is spry continuity. It is there in his films, with their marvellous ideas and images

growing out of each other like live doodles.».

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18

Fig. 4 - Len Lye, A Colour Cry (stills), animação, 16 mm, cor, 3’,1952.

Fig. 5 - Norman MacLaren, Synchromy (stills), animação, 16 mm, cor, 7’27’’, 1971.

Fig. 6 - Jodie Mack, Unsubscribe #3: Glitch Envy (stills), animação, 16 mm, cor, som, 5’45’’, 2010.

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Os exemplos de animação experimental apresentados revelam a possibilidade de uma

renovação permanente da imagem que se apresenta sempre nova.

Umberto Eco (1932-) em Obra Aberta : Forma e indeterminação nas poéticas

contemporâneas (1962), refere-se ao fenómeno da obra em movimento, não direccionado

apenas ao cinema mas a outro tipo de arte,

O fenómeno da obra em movimento, na presente situação cultural, não está absolutamente

limitado ao âmbito musical, mas oferece interessantes manifestações no campo das artes

plásticas, onde encontramos hoje objetos artísticos que trazem em si mesmos como que uma

mobilidade, uma capacidade de reproduzir-se caleidoscòpicamente aos olhos do fruidor como

eternamente novos. (Eco, 1962:51).

O movimento proporciona a novidade e a renovação. Lye não via separação entre

filme e escultura cinética, via as duas formas de arte como “art of motion”. Além de se

dedicar à animação, construía imagens em movimento que se moviam fisicamente. Realizou

várias esculturas cinéticas como por exemplo Roundhead (1961). Os efeitos ópticos na arte

cinética são baseados na percepção do movimento real, podem ser provocados pelo vento,

máquinas ou pelo espectador. Não recorre a fotogramas nem a qualquer montagem; não existe

o espaço do ecrã de projecção, mas a peça em si, tridimensional ou bidimensional.

Marcel Duchamp (1882-1968), sob o alter ego Rrose Sélavi, criou um filme

experimental denominado Anémic Cinéma (1924-26). Duchamp considerou este trabalho

como sendo spinning work. Pintou vários discos em cartão que, ao serem sobrepostos e

colocados numa turntable, giravam, gerando uma sequência de imagens de nove espirais

hipnóticas (Rotoreliefs), que eram alternadas com trocadilhos e aliterações, escritas. A peça

tornava-se tridimensional, pela ilusão óptica, fazendo o espectador ‘mergulhar’ na imagem.

Anémic Cinéma, é uma peça de arte cinética e não incorpora a técnica

cinematográfica, embora tenha sido filmada para posterior projecção, «Em vez de funcionar

como um material transparente reflectindo alguma realidade externa, o referente do filme é o

carácter visual da percepção estética.»22

(Kuenzli, 1987: 50). A forma da peça modifica-se

consoante a posição do espectador.

Nestas peças, o movimento não está incorporado de forma sugestiva, pela repetição

das formas em desenhos sucessivos, composições e decomposições dinâmicas como fizeram

os Futuristas e os Cubistas, ou «pela tentativa de dar uma impressão de animação interior.»

(Eco, 1962: 51), como fizeram os impressionistas, «A obra torna-se “obra em movimento”»

22

«Rather than functioning as a transparent medium reflecting some external reality, the referent of the film is

the visual character of esthetic perception.».

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20

(Eco, 1962: 153), e renova-se fisicamente perante os olhos do espectador.

A imagem na animação ou na arte cinética renova-se e, esse facto é dado pelo

movimento, composto pela junção de vários intervalos.

A imagem instalada será a imagem no espaço transformando-o. O espaço prévio à

instalação é transformado pelo espaço que a imagem instalada constrói. É a construção de um

espaço dentro de outro. A instalação é um conceito alargado que envolve múltiplas áreas

dentro das artes, incorpora a ideia de que algo será instalado e que o espaço é nela essencial. É

um meio de renovação do espaço. Uma renovação que não precisa directamente do

movimento para existir.

Nos anos sessenta com a Arte Minimal, o espaço da galeria começou a ser cada vez

mais questionado. A arte ganhou um lado lúdico e de participação, bem como de provocação.

Uma provocação que é dirigida àquele que a observa, exigindo uma resposta activa, podendo

tocar, percorrer e sentir a peça, num contexto espacial de lugar. Jacques Rancière (1940-), em

O Espectador Emancipado (2008), fala da emancipação por parte do espectador, que passa a

agir e não apenas a observar «Mesmo que o dramaturgo ou o realizador não saibam o que

querem que o espectador faça, há pelo menos uma coisa que sabem: sabem que o espectador

deve fazer uma coisa, transpor o abismo que separa a actividade da passividade.» (Rancière,

2008: 21).

A teatralidade surge pela performatividade do espectador na leitura da obra,

fisicamente e mentalmente «Liga o que vê com muitas outras coisas que viu noutros espaços

cénicos e noutro género de lugares.» (Rancière, 2008: 22) e «questiona a própria estrutura do

dispositivo de visibilidade do chamado cubo branco.» (Blistène; Chateigné, 2007: 21).

As peças de Carl Andre, Donald Judd (1928-1994) ou Robert Morris (1931-), tornam-

se um acontecimento, como uma performance, onde a relação do espaço com o espectador é

determinante e a essência é cénica. Em 8 cuts (1967), (fig.7), de Carl Andre, observa-se um

preenchimento total do chão, de uma galeria, por placas que compõem um segundo “soalho”.

Abrindo oito “caminhos – aberturas” na sua estrutura, a peça faz com que se torne perceptível

a duplicidade do espaço/lugar chão.

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21

Fig. 7 - Carl Andre, 8 cuts, 1967.

Brian O’Doherty (1928-), em No Interior do Cubo Branco: A ideologia do espaço da

arte (1976), diz que Duchamp repensou o tecto como espaço de intervenção artística. Até

1938 o tecto era um espaço neutro, independente do espaço considerado expositivo. Em 1938

na Exposição Internacional do Surrealismo na Galerie de Beux Arts, Duchamp apresenta

1200 sacs à charbon suspendus au plafond au dessus d'un brasero (1938). A peça era

constituída por mil e duzentos sacos de carvão, colocados no tecto e um fogareiro com uma

lâmpada no interior, que se encontrava no chão. Duchamp reverteu a função tecto e chão. O

fogareiro com uma lâmpada interior, funcionava como lustre, transformando o chão em tecto.

Os sacos de carvão colocados no tecto, transformavam-no em chão e os visitantes teriam que

passar a olhar o tecto como chão, reposicionando-se igualmente no espaço.

Duchamp inverteu a forma de observar o espaço e Andre questiona o lugar pela

construção de um segundo ‘soalho’; ambos renovaram o espaço arquitectónico. Em 8 cuts, o

espectador será “convidado” a entrar na peça e caminhar entre o objecto físico criado, e os

interstícios do chão da galeria. Aquando da abertura de 8 cuts, as pessoas não entraram no

espaço criado por Andre, por terem sido surpreendidas por algo inesperado, limitando-se a

observar. A razão principal da peça, seria precisamente o oposto, o acto de percorrê-la e assim

de uma forma lúdica, questionar a dimensão espacial do chão limitado pelo espaço da galeria.

As peças de Duchamp e Andre, transformam a percepção da arquitectura do espaço, o tecto

passa a ser chão em Duchamp, e o chão passa a ser um novo chão em Andre. O início e o fim

da acção do espectador delimitam a percepção e a intenção da obra, o espaço e o tempo

ganham uma nova importância.

Uma instalação pode incluir todo o espaço arquitectónico, como um organismo que se

sobrepõe a todo o espaço. Play Station (2005) (fig.8), de Tomoko Takahashi (1966-) e

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22

Merzbau23

(1923-37) (fig.9) de Kurt Schwitters (1887-1948), mesmo sendo peças

temporalmente distantes, desdobram-se por todo o espaço, num organismo tridimensional,

caótico e ao mesmo tempo organizado; são ocupações de espaço, imagens instaladas

espacialmente.

Play Station foi uma instalação site-specifc realizada na Serpentine Gallery em

Londres. A artista dividiu o espaço da galeria em diferentes quartos, onde trabalhou temas

como o escritório, o jardim, a cozinha e sala de estar. Os quartos foram cobertos por objectos

ready-made que encontrou, comprou e que foram doados. Construiu com todos eles uma nova

paisagem que questiona os limites do espaço da galeria, transformando-a. Merzbau, invadiu

também um espaço, não da galeria mas da própria casa de Schwitters. Foi uma construção

sobre as estruturas das várias divisões da casa, composta por diversos objectos encontrados,

que funcionam como layers tridimensionais.

Existe um movimento implícito nas peças de Takahashi e Schwitters: as peças são um

organismo que ‘cresceu’ em diálogo com as estruturas do espaço. Apesar de não se presenciar

o movimento do seu crescimento, este ficou reflectido pela forma como os artistas colocaram

os elementos que compuseram Play Station e Merzbau.

A imagem instalada é uma possibilidade para a renovação da imagem, da imagem de

um espaço arquitectónico inicial numa imagem nova. A particularidade da instalação é a

possibilidade do observador de facto coexistir com a obra, estando ‘entre’ a peça, renovando-

a através do seu movimento.

A imagem animada é imagem em renovação. O movimento composto por intervalos

entre imagens, potencia a novidade e a transformação. Manter uma imagem em permanente

renovação, fazendo-a existir como espaço e tempo ‘entre-tanto’, poderá decorrer da união da

imagem animada com a imagem instalada. Numa renovação múltipla, entre imagem e espaço.

Se todo o espaço for imagem animada, o espectador estará no meio desta, ‘entre’ imagem.

23

«Schwitters’s three-dimensional collage environment, Merzbau, 1923,37, combined painting assemblage,

sculpture and architecture, as well as integrated non-artistic materials that had previously been used in collage.

Schwitters approached art making through playful experimention, and unabashedly considered all found objects

and forms of daily refuse as viable artistic materials.».

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23

Fig. 8 - Tomoko Takahashi, Play Station, 2005.

Fig. 9 - Kurt Schwitters, Merzbau, 1923-37.

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24

3. Quase

[...] Quasi o princípio e o fim — quasi a expansão...

Mas na minh’alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!

Mário de Sá-Carneiro, Quasi, 1913

Quase, para além de ser imagem em movimento é também instalação. O espaço

arquitectónico serve de ponto de partida para a instalação, que funciona como uma estrutura

que se expande pelo espaço, duplicando-o. Está sempre em renovação, num movimento sem

princípio nem fim. Como no poema Quasi de Mário de Sá-Carneiro, a minha peça é quase

princípio e é quase fim, vive no entre-tanto de ambos os limites. Ser quase não chega a ser

algo concreto, é ser permanente entre-tanto.

No meu trabalho, o conceito de peça em constante renovação, tem-se manifestado por

diversas vezes, até chegar à imagem em movimento. Em 2005 realizei várias peças/desenhos

desdobráveis em papel (fig.10). Estes desdobravam-se e apresentavam-se com várias

soluções, através de sobreposições, dobragens e deslocação de alguns dos elementos que

compunham a peça/desenho. Quem manuseava estas peças encontrava várias possibilidades

de escolha. Era uma peça em movimento pelo seu carácter mutável, uma obra em aberto.

Umberto Eco em Obra Aberta : Forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas

(1976), fala da obra aberta

[…] como proposta de um “campo” de possibilidades interpretativas, como configuração de

estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o fruidor a uma

série de “leituras” sempre variáveis; estrutura, enfim, como “constelação” de elementos que se

prestam a diversas relações recíprocas. (Eco, 1976: 150).

Como The Fable Game (1965) (fig.11), de Enzo Mari (1932-), e Plus and Minus

(1970) (fig.12) de Bruno Munari (1907-1998) e Giovanni Belgrano (s.d.), eram ‘livros’ para

construir, desconstruir e construir de novo. Considerados mais jogos do que livros, estes

objectos eram fonte constante de diferentes conjugações e interligações. O desenho nunca

estava fechado, tal como nos meus desenhos desdobráveis. Funcionavam como um todo de

relações múltiplas, num movimento manual. No edifício de Georges Perec (1936-1982), em A

vida modo de usar (1978), passa-se o mesmo, estamos dentro, fora, na gaveta, na sala ou nas

escadas. Várias ligações e conjugações são possíveis.

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25

Fig. 10 - Teresa Cortez, Rue Simon Crubellier 11, 2005.

Fig. 11 - Enzo Mari, The Fable Game, 1965.

Fig. 12 - Bruno Munari, Plus and Minus, 1970.

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26

As peças/desenhos desdobráveis criados por mim, definiam diferentes espaços que

não incluíam o espectador no seu interior. Passar a escala das peças para a escala humana

permitiu definir uma nova relação com o espectador. Em Inside the Reverse (2009) (fig.13),

instalação realizada para o Pavilhão 28 em Lisboa, todas as paredes, janela, tecto e chão

foram preenchidos com lona e todas as arestas foram cosidas. Esta peça permitia ao

espectador encontrar-se dentro de um quarto, no avesso deste quarto. Ao coser todo o espaço,

estou a interpretá-lo. Todo o tempo passado, toda a linha gasta, completam e fazem parte da

obra. Como uma forma de escrita sobre a percepção de um espaço. O espaço arquitectónico

deixa de existir para passar a ser um novo espaço.

Fig. 13 - Teresa Cortez, Inside the Reverse, 2009.

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27

A imagem em movimento surgiu no meu trabalho de animação, e esta do meu trabalho

plástico. A minha relação com a imagem em movimento é de frame a frame. De imagem a

imagem. Trabalho a imagem/desenho como imagem em movimento. O desenho estende-se no

tempo, e num segundo de imagem em movimento, tenho doze ou vinte e quatro

imagens/desenhos para realizar.

Quase reflecte vários estudos realizados anteriormente, como são exemplo Interstícios

I (fig.14) e Interstícios II (fig.15) de 2011. São animações realizadas a partir de recortes,

desenho e carimbos. Os elementos que compõem a animação e toda a estrutura são muito

simples, o movimento criado na deslocação dos elementos é muito ténue, provocando tensão

entre todas as formas, em loop.

O espaço em branco, que se abre em luz, surge como o espaço intersticial de todo o

organismo criado. Nas animações que realizei, os recortes e os carimbos funcionam como

desenhos delimitados pela luz, como um organismo que se difunde pelo espaço do ecrã de

uma forma não hierárquica. Em Interstícios I existe a imagem de um papel ‘partido’, uma

estrutura que defini e desenhei. As ligeiras movimentações dos diferentes pedaços partidos

originam diferentes ritmos entre eles, numa relação entre o todo e as partes. Interstícios II

apresenta um desenho composto por carimbos. As intermitências criadas pela animação de

cada um dos traços carimbados criam movimento, gerando tensão na percepção, entre o cheio

e o vazio, onde o todo é permanentemente questionado. Estes exercícios prévios foram

pensados para o espaço do ecrã.

A peça que realizei na presente dissertação é um reflexo do meu percurso, conciliando

a animação e a instalação. Não é limitada ao espaço do ecrã, uma vez que, por ser instalação,

engloba o espaço arquitectónico.

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28

Fig. 14 - Teresa Cortez, Interstícios II (stills), animação, cor, loop, 2011.

Fig. 15 - Teresa Cortez, Interstícios II (stills), animação, cor, loop, 2011.

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29

3.1 Em movimento

Quase é uma instalação que poderá ser adaptada a qualquer espaço/arquitectura

interior. É composta por projecções simultâneas de imagens animadas a partir de desenhos.

As animações são projectadas nas superfícies de um espaço vazio (paredes, chão e tecto),

preenchendo-o, num desenho intermitente e permanente (fig. 16).

Foram realizados cinco desenhos a grafite sobre papel, formato A5. Estes desenhos

foram compostos por traços, feitos com gestos repetidos e intercalados por pequenos espaços

‘entre’. (fig.17). Risquei o papel livremente de forma simples, como um doodle ocupando

todo o suporte. Estabeleci uma relação com os cinco desenhos para que estes se pudessem

ligar em loop. A sequência dos desenhos interliga várias composições, direcções,

sobreposições e espessuras dos diferentes traços. Os desenhos são descontínuos

materialmente, existe um corte/intervalo entre eles e, através da animação, tornam-se num só

desenho, um desenho em movimento.

A animação foi trabalhada digitalmente através do programa Flash, com doze frames

por segundo. Pretendo que a animação (desenho em movimento) seja projectada nas

superfícies de um espaço, através de vários projectores, um por cada superfície. A

multiplicidade de todos os pequenos traços projectada em vibração intermitente, permite criar

uma trama densa que se transforma em ruído no espaço. O desenho assume-se assim como

ruído que cresce em várias direcções, prolongando-se no tempo e no espaço tridimensional.

A sonoridade é resultante de vários fragmentos de sons, gravados a partir do lápis de

grafite a riscar diferentes texturas de ‘parede’. Numa soma de multiplicidades de sons como

‘ruídos das paredes’. Idealmente o som da instalação, será gravado no próprio espaço a ser

instalado, a partir das várias superfícies, compostas por paredes, chão e tecto, tornando a peça

site-specific. Será o som do próprio espaço que, como a projecção do desenho, se redefine

conforme as qualidades do espaço que servirá a instalação. Será sempre necessário fazer

novos ajustes de imagem e som, conforme o espaço a ser instalado.

Quase existe da relação entre espaço, desenho e movimento, é quase espaço, quase

desenho e quase movimento.

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30

Fig. 16 - Teresa Cortez, Quase (maquete), 2012.

Fig. 17 – Teresa Cortez, Quase (stills), animação, p&b, loop, 2012.

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31

3.2 Dimensões Variáveis

Quase existe no espaço, numa intermitência permanente. O intervalo existe nesse

lugar num interstício pertencente a uma estrutura. Como o espaço que a erva vai abrindo. Um

espaço ‘quase’.

Entra-se em Quase pelo ‘meio’. Pretendo que o espectador entre na imagem e que aí

‘permaneça’. O desenho ramifica-se em qualquer ponto, como um rizoma. Um organismo em

extensão que unifica todas as partes do espaço e que não tem um tempo definido. Não tem

princípio nem fim, existe rizomaticamente. Como entrar nas páginas infinitas do “Livro de

Areia” de Jorge Luis Borges, que se interligam entre si de forma aleatória. Não existe um

passado nem um futuro, Quase é sempre ‘presente’, tendo em conta o ‘presente’ que Borges

define em “O Tempo” (1978). Como já foi exposto no Capítulo 2, o autor diz que o presente

não se detém, contendo sempre um pouco de passado e um pouco de futuro, o presente está

entre ambos. Em qualquer altura que se entre em Quase é sempre ‘presente’. Ao não incluir

na peça um ponto de partida e de chegada, fica-se no ‘entre-tanto’ da imagem. Não existem

limites e a peça mantém-se em movimento, em contínuos ‘presentes’, onde «Tudo cresce e

avança, nada se detém […]» (Whitman, 1855: 21), numa soma de ‘entres’ sucessivos: entre +

entre + entre + entre + entre (…).

Em Quase a animação dos desenhos foi realizada em loop. Contudo a sobreposição e

as relações e intersecções dos traços da animação transformam a imagem, tornando-a sempre

nova. Na prática, o loop regressa sempre à mesma imagem, mas com a variável da percepção

esse pressuposto é quebrado em Quase. O observador não reconhece o ponto onde o início e o

fim se juntam. Assim, a animação constituída pelos traços, renova-se continuamente. Voltar

ao ponto de onde se partiu, seria a negação do conceito de rizoma, este não se repete, não

volta a si mesmo. Poderá acontecer mas por coincidência, no cruzamento aleatório de alguma

linha. O rizoma mantém o presente, o ‘entre-tanto’, não tem um fim objectivo, é renovação. O

tempo e o movimento da imagem em Quase, está permanentemente a passar no ‘entre’.

Estender o tempo de uma peça, a um ‘tempo rizomático’, é estendê-la a um tempo de

duração infinita. Um tempo que se define pela renovação e não pelo retorno. A renovação

implica sempre uma mudança,

[…] se falamos de mudança de alguma coisa, não dizemos que essa coisa seja substituída por

outra. Dizemos: «A planta cresce.» Não pretendemos com isso dizer que uma planta pequena

seja substituída por uma maior. Queremos dizer que tal planta se converte noutra coisa […].

(Borges, 1975-1988: 215-16).

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O movimento potencia essa mudança e torna Quase uma ‘obra em movimento’. Eco

refere-se à obra em movimento como «[…] criando continuamente seu próprio espaço e suas

próprias dimensões.» (Eco, 1983: 51). Como acontece com o rizoma, não existe qualquer

centro na instalação que apresento. Quase é multiplicidade, de direcções e sobreposições em

movimento, um organismo vivo de aparência abstracta. A imagem dos traços em movimento

reterritorializa-se no espaço e o espaço desterritorializa-se pela inclusão dos traços em

movimento. Os traços movimentam-se por toda a área do espaço e a relação entre imagem

projectada em movimento e imagem do espaço em si, misturam-se. Na minha peça, o espaço

e a animação são planaltos. As sobreposições de imagens e ligações entre eles são múltiplas,

não havendo qualquer início e fim, tudo é meio.

A instalação que apresento pode ser vista como um mapa, o desenho em movimento

constrói o espaço. Quase como o mapa, não é fixo nem delimitado mas sim movimento, pode

ser colocado em qualquer direcção ou posição.

O rizoma procede por variação, expansão, conquista, injecção. Ao oposto do grafismo, do

desenho, ou da fotografia, ao oposto dos decalques, o rizoma relaciona-se com um mapa que

tem de ser produzido, construído, sempre demonstrável, conectável, invertível, modificável,

com entradas e saídas múltiplas, com as suas linhas de fuga. (Deleuze; Guattari, 1976: 52).

Os desenhos que fiz manualmente, existem como movimento no espaço. O processo

de animação revela a existência de outros espaços ‘entre’, para além daquele que se refere à

duração da peça. São os intervalos entre os desenhos. São estes intervalos que dão origem ao

movimento. Existe uma transformação do quarto/espaço em algo vivo. Len Lye em Figures of

Motion: Len Lye, Selected Writings (1984) associa o movimento a algo que transmite vida,

«[…] Agarra a mente temporariamente numa consciência absoluta de vida, e nada mais do

que vida […]»24

(Lye; Horrocks; Curnow, 1984: 41).

O ruído gráfico em Quase é abstracto, e o mais importante é o movimento marcado

pelo ritmo das imagens. Len Lye, Norman MacLaren e Jodie Mack tiraram partido da

abstracção das formas e das suas possibilidades perceptivas, facto que influenciou a forma de

trabalhar a minha peça. Estes artistas trabalharam a plasticidade no espaço do ecrã ou de

projecção, numa relação idêntica que o desenho tem com a folha de papel ou tela, compondo

ritmos, não de som mas de imagem. É a isso que Hans Richter alude quando refere a forma

de trabalhar no espaço do ecrã em relação à tela: «Eu fiz de novo com o ecrã, o que tinha feito

24

«[…] It holds the mind temporarily in an absolute consciousness of life, and nothing else but life […]».

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anos antes com a tela. Por fazê-lo, descobri uma nova sensação: ritmo — que é, ainda acho, a

sensação suprema de qualquer expressão de movimento.»25

. O ritmo marca

preponderantemente as imagens em movimento, tornando animado um espaço à partida

estático. Todos os pequenos traços que desenhei para Quase e que preencheram todas as

superfícies do espaço, foram pensados como ritmo no espaço, e não como elementos estáticos

no espaço.

Em 8 cuts (1967), de Carl Andre e 1200 sacs à charbon suspendus au plafond au

dessus d'un brasero (1938) de Marcel Duchamp, mencionados no Capítulo 2 da presente

dissertação, verifica-se a utilização do espaço arquitectónico na concepção da própria obra. O

espectador foi ‘forçado’ a reposicionar-se no espaço. As superfícies dos espaços, de ambas as

peças, foram trabalhadas de forma a fazerem uma transformação do espaço fisicamente e

conceptualmente. O espaço em Quase faz parte integrante da peça, não criei uma estrutura

escultórica na superfície do espaço, para sugerir novos percursos, mas instalei movimento no

espaço, alterando-o. A peça renova-se pela percepção do espectador, não só pela imagem-

movimento estar intimamente ligada à percepção, mas pelo facto do espectador acrescentar a

sua interpretação e vivência, «Quando o fruidor circunavega a forma, ela lhe aparece como

várias formas» (Eco, 1976: 152).

O desenho a tracejado e animado que realizei, juntamente com o som, decorre de

camadas que se sobrepõem às superfícies do espaço, um organismo em movimento que faz o

espaço vibrar. O som que incorporei em Quase, é uma multiplicidade que se conecta ao

espaço e à animação. Funciona como ressonância e ruído no espaço, estabelecendo uma

dialéctica com a imagem, que por si já é um ruído gráfico. Todas estas multiplicidades

formam a peça, uma peça que se mantém ‘para-sempre-entre’.

25

«I did again with the screen what I had done years before with the canvas. In doing so I found a new

sensation: rhythm—which is, I still think, the chief sensation of any expression of movement.».

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Conclusão

Escrevemos este livro como um rizoma.

Compusemo-lo de planaltos.

Demos-lhe uma forma circular, mas foi para rir.

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Rizoma 1976

No trabalho desenvolvido procurei enquadrar o conceito ‘entre-tanto’ na criação de

imagens, com o intuito de encontrar possibilidades para uma imagem conter um tempo e um

espaço ‘entre-tanto’. Relacionar o rizoma e o intervalo com o conceito ‘entre-tanto’ permitiu

traçar um caminho que culminou na realização de uma peça, em que a imagem contém um

tempo contínuo, permanecendo ‘entre’.

Defini rizoma, explorando o conceito de Deleuze e Guattari, e concluí que a

composição do rizoma é patchwork infinito, é um organismo que cresce em várias direcções,

sem qualquer centro, multiplicando-se pelos diversos planaltos que conecta no caminho.

Move-se. Nunca morre. Tem a capacidade de se renovar eternamente, como é o exemplo das

ervas daninhas, que crescem entre tudo livremente. Como o mapa, é aberto, pode ser ‘lido’

em qualquer posição, pode ser dobrado e interpretado de qualquer maneira.

Ser ‘entre-tanto’, é uma característica do rizoma e refere-se a uma multiplicidade de

elementos que se relacionam e se estendem infinitamente. A multiplicidade de elementos

forma um organismo complexo, como o “Livro de Areia” de Borges e a concepção de livro

infinito, em que as páginas se misturam, não existe ordem, nem princípio nem fim.

Concluí que o rizoma é movimento contínuo, como a viagem de Kerouac em que o

importante é o acto de mover; não existe um objectivo final, o que acontece no ‘entre-tanto’

da viagem é o propósito do movimento e não a chegada.

Apresentei o intervalo como o espaço ‘entre’ da imagem em movimento. Numa

sequência de imagens, são os intervalos que possibilitam o movimento. Como o presente, que

se encontra entre o passado e o futuro, fazendo a passagem de um para o outro. Entrar na

imagem em movimento pelo intervalo é entrar num sem fim de imagem, que se transforma

continuamente.

Demonstrei, a partir da teoria de intervalos de Vertov, como a montagem dá a

possibilidade de matéria ao intervalo, entre os fotogramas. Este espaço entre da imagem em

movimento pode ser trabalhado na montagem, de forma a alterar toda a sequência,

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sobrepondo imagens não sequenciais, alterando os ritmos e os tempos.

A imagem em movimento é fulcral para a compreensão do tempo e da transformação,

como potenciadores e geradores de ‘peça mutável’. Estabelecer esta relação é importante para

conceber o movimento como imagem, numa peça que se renova constantemente, seja a partir

da técnica cinematográfica, seja a partir de outras formas, geradoras de movimento. Estas

peças nunca se apresentam da mesma forma ao observador, contendo múltiplas possibilidades

de imagem, como as animações de Lye, Maclaren, Mack ou os Spinning works de Duchamp.

O intervalo é a essência da animação. É dissociável da animação, por ser sempre pensado e

trabalhado em cada um dos espaços entre imagens, para compor, dar ritmo, e tempo às formas

animadas. As possibilidades de renovação de imagem são múltiplas.

Na presente dissertação, a imagem instalada surge associada à instalação ocupando um

espaço entre o espectador e a arquitectura. Tem o poder de renovação de um espaço e o

espectador tem a oportunidade de coexistir com a peça, ao colocar-se ‘entre’ esta. Concluí que

a junção de imagem animada e instalada pode ser um meio para criar uma peça de tempo e

espaço ‘entre-tanto’. Apesar de não ter encontrado artistas que trabalham a união entre

animação e instalação (que servissem de referências para o meu conceito), desenvolvi esta

correlação na parte prática do trabalho.

Conciliando animação e instalação transformei desenho em movimento no espaço.

Quase é como um doodle de traços animados que, através de sobreposições, materializa os

intervalos que separam os desenhos, ganhando uma espessura densa e complexa. Organismo

animado que unifica toda a superfície de um espaço. Estende-se no tempo de forma

rizomática, apresentando-se sempre como novidade aos olhos do espectador.

No universo do audiovisual penso que animação experimental ainda tem muito para

explorar, como meio de criação dentro das artes plásticas, conciliando técnicas de pintura ou

desenho ao processo cinematográfico no espaço. Poderão ser exploradas construções de novas

dialécticas entre espaço e movimento, como meio de inter-relação com outras áreas. Criar

imagem em movimento é também «[...] a arte de inventar movimentos de coisas no espaço

[...]»26

(Vertov, 1896-1954: 9).

Whitman revela uma escrita que se estende entre relações de frases, frases que não

começam num princípio nem acabam num fim. As reticências são a forma de representar o

que fica para trás e para a frente de cada uma das frases. As reticências são o ‘tanto’ do ‘entre-

-tanto’. É a partir desse conceito que eu tenciono continuar a desenvolver o meu trabalho.

26

«[...] the art of inventing movements of things in space [...]» (Vertov, 1896-1954: 9)

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