244
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Azulejaria da Colecção Berardo Estudo, Criação de um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, e Proposta de Museu Virtual Carina Fabiana Henriques Bento MESTRADO EM MUSEOLOGIA E MUSEOGRAFIA VOLUME I 2009

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Azulejaria da Colecção Berardo

Estudo, Criação de um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, e

Proposta de Museu Virtual

Carina Fabiana Henriques Bento

MESTRADO EM MUSEOLOGIA E MUSEOGRAFIA

VOLUME I

2009

Page 2: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Azulejaria da Colecção Berardo

Estudo, Criação de um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, e

Proposta de Museu Virtual

Carina Fabiana Henriques Bento

MESTRADO EM MUSEOLOGIA E MUSEOGRAFIA

Dissertação orientada pela

Professora Doutora Luísa D’Orey Capucho Arruda

2009

Page 3: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

I

Resumo

Tem sido através da arte do azulejo que mais se tem expressado a criatividade e

o génio artístico português no plano das artes ornamentais, cujos artistas e artífices têm

sabido tirar partido das características de flexibilidade, utilidade e durabilidade deste

material, jogando sempre com os seus valores cromáticos e o efeito de luz, em

articulação com os locais onde é aplicado.

Utilizada de forma exuberante e sem par em qualquer país da Europa, a

azulejaria, que proliferou durante mais de cinco séculos em Portugal, acabou por se

transformar numa autêntica contribuição do nosso país para o património cultural e

artístico mundial.

Constituindo o conhecimento do nosso património artístico uma etapa

fundamental para assegurar a sua preservação, o presente trabalho, tem como principal

propósito estudar a Azulejaria da Colecção Berardo, portadora de um eminente

interesse histórico, artístico e cultural. Promovendo o seu conhecimento,

sistematizando-o e criando condições para a sua fruição e conservação, este projecto

museológico, visa a criação de um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção de

Azulejos e a proposta de Museu Virtual.

Associado ao avanço das novas tecnologias da informação e comunicação e no

sentido de satisfazer as novas correntes da Museologia, que se inclinam cada vez mais

sobre o papel do museu na sociedade actual, o Museu Virtual do Azulejo da Colecção

Berardo apresenta-se como um facilitador da recepção informativa, pedagógica e

estética dos objectos museológicos.

Palavras-chave

Considerámos palavras-chaves para esta dissertação:

- Azulejo

- Colecção Berardo

- Quinta da Bacalhôa

- Inventário

- Museologia

- Museu Virtual

Page 4: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

II

Abstract

Portuguese artistic creativity and genius in the field of the decorative arts has

been mainly expressed through the art of the azulejo (glazed ceramic tile). Artists and

artifices have benefited from the flexibility, usefulness and durability of this material.

There is always an interplay between its chromatic values and the effect of light, in

conjunction with the sites where it is applied.

Used exuberantly in a manner unmatched anywhere else in Europe, the

proliferation of azulejo art in Portugal, which dates back more than five centuries, has

become one of the country’s authentic contributions to the world’s cultural and artistic

heritage.

Knowledge of our artistic heritage is an essential stepping-stone to ensuring its

preservation, and the main aim of this dissertation is to study the azulejos in the Berardo

Collection, which are of significant historical, artistic and cultural interest. The purpose

of this museological project is to create an Azulejo Inventory and Collection

Management System and a Virtual Museum by promoting knowledge, systematising it

and creating the right conditions for azulejos to be enjoyed and conserved.

As a result of the advances in new information technologies, and in order to

accompany the new trends in museology which increasingly lean towards the role of the

museum in contemporary society, the Berardo Collection’s Azulejo Virtual Museum

sets out to provide information and education and to promote the aesthetic appreciation

of the museum pieces.

Keywords

The keywords for this dissertation are:

- Azulejo

- Berardo Collection

- Quinta da Bacalhôa

- Inventory

- Museology

- Virtual Museum

Page 5: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

III

Agradecimentos

Na realização de um trabalho desta dimensão, múltiplos foram os factores que

convergiram para o seu bom termo. De entre todos, saliento o apoio de várias pessoas e

Instituições a quem desejo expressar os meus agradecimentos.

Começo com um agradecimento particularmente especial à minha orientadora,

Professora Doutora Luísa D’Orey Capucho Arruda, pelo privilégio de a ter como guia

neste caminho. Toda a compreensão e disponibilidade, que dedicou à minha (e nossa)

investigação, devotando-lhe o seu interesse e apoio, contribuiu de forma indelével, para a

realização da presente dissertação que careceu de tempo, dedicação e discussão, visando

alcançar propósitos científicos e rigorosos, que o contexto académico assim obriga.

A todos os Professores do Curso de Mestrado de Museologia e Museografia, da

Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando

António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís Jorge Gonçalves, à Mestre Elsa

Pinho e à Mestre Ana Duarte, pelo contributo que prestaram à realização do presente

trabalho, ao longo do ano curricular.

À Fundação Berardo, nas pessoas do Comendador José Berardo, Fundador e

Presidente desta Instituição, e ao seu Administrador, Sr. Jorge Berardo, pela concessão do

auxílio financeiro, bem como, pelo total apoio demonstrado e pelo acesso a documentos

patentes na sua biblioteca particular, importantes para a acreditação de informações

relativas à Colecção de Azulejos. Um agradecimento especial ao Mestre Álvaro Silva e à

Dra. Teresa Gomes, pela análise cuidadosa na revisão dos textos integrantes.

À equipa de informática da Colecção Berardo, principalmente, ao técnico Hugo

Martins, developer da Colecção e responsável pelo desenvolvimento informático do

Sistema de Inventário e Gestão agora apresentado, e ao Dr. Zaid Abdali. Ao fotógrafo

da Colecção, Paulo Raimundo pelo primoroso trabalho na sua área de actuação.

Aos que me apoiaram e que estão ligados às diversas Instituições,

nomeadamente: Museu Nacional do Azulejo; Arquivo de Arte e Serviço de Belas-Artes

da Fundação Calouste Gulbenkian; Instituto dos Museus e da Conservação; Instituto da

Habitação e Reabilitação Urbana; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e

Arqueológico; Câmara Municipal de Torres Vedras; Solar Tiles; Museo de Bellas Artes;

Museo de Cerámica de Alorca; British Museum; Victoria and Albert Museum; The

Potteries Museum and Art Gallery; Tiles & Architectural Ceramics Society;

Page 6: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

IV

Rijksmuseum Amsterdam e Getty Research Institute, a todos sem excepção, o meu

muito obrigada.

Aos investigadores, Doutor João Pedro Monteiro; Mestre Alice Lázaro;

Professora Doutora Ana Paula Correia e Professor José Meco, pelas pistas

bibliográficas e esclarecimento de conceitos, numa primeira fase deste trabalho.

A todos os colegas de mestrado, pela troca de ideias e cedência de informações,

e aos amigos pelas sugestões apontadas.

À minha família, pela constante preocupação, pelo apoio demonstrado e pelo

esforço de suprirem as ausências, a que a prossecução deste projecto obrigou durante

momentos importantes das nossas vidas, o meu sentido reconhecimento.

Por último, e em jeito de homenagem, gostaria de agradecer ao Mestre Lagoa

Henriques, não só pelo grande privilégio de o ter como professor deste mestrado, mas

essencialmente, pelo ardor e entusiasmo com que nos fazia encarar a vida e a arte. Era

um homem da cultura e do ensino artístico, um caçador de beleza e um admirável

contador de histórias, que deixou escrito: “Aprender a ver a nossa cultura com a sua

legítima grandeza, é também saber mais do mundo, porque, afinal, em todo ele a

representação da terra que é mãe, alimento e mortalha, tem o mesmo valor sagrado,

expresso na mais rica linguagem universal: o trabalho.”. Obrigada Mestre, e fazendo

uso das suas palavras, “Até sempre que é o tempo certo!”.

Page 7: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

V

Índice – Volume I

Resumo e palavras-chave ………………………………………………………. I

Abstract and keywords …………………………………………………………. II

Agradecimentos …………………………………………………………………. III

Índice – Volume I ……………………………………………………………….. V

Lista de Siglas e Abreviaturas ………………………………………………….. VII

Introdução ……………………………………………………………………….. 1

PARTE I – A Colecção

Capítulo I – Origem e Formação da Colecção ………………………………... 11

Capítulo II – Apresentação da Colecção ………………………………………. 16

1. Azulejaria Arcaica ……………………………………………………………... 16

2. Padronagem Maneirista e Protobarroca, Registos Religiosos ………………… 21

3. Composições Ornamentais e Figurativas ……………………………………… 31

4. Primeira Metade do século XVIII ……………………………………………... 37

5. Segunda Metade do século XVIII ……………………………………………... 47

6. Azulejaria Romântica e Industrial ……………………………………………... 56

7. O Século XX …………………………………………………………………... 66

Capítulo III – Quinta e Palácio da Bacalhôa ………………………………….. 74

PARTE II – Inventário e Gestão da Colecção

Capítulo I – O Inventário ………………………………………………………. 95

1. O Inventário na Museologia …………………………………………………… 95

2. Antecedentes: Inventário Anterior …………………………………………….. 99

3. Novo Modelo de Ficha de Inventário …………………………………………. 101

3.1. Normalização ………………………………………………………... 103

3.2. Terminologia ………………………………………………………… 109

Page 8: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

VI

3.3. Apresentação da Nova Ficha ………………………………………… 114

4. Azulejaria in situ: Quinta e Palácio da Bacalhôa ……………………………… 126

Capítulo II – Sistema de Inventário e Gestão da Colecção …………………... 130

1. Modelo ………………………………………………………………………… 131

2. Suporte Técnico ……………………………………………………………….. 133

3. Funcionalidades ……………………………………………………………….. 135

4. Segurança ……………………………………………………………………… 137

5. Pesquisa e Exportação …………………………………………………………. 138

6. Actualização e Históricos ……………………………………………………… 139

7. Ambiente de Trabalho do Sistema OCP – Online Control Panel ……………... 140

PARTE III – Museus Virtuais. Uma proposta para a Colecção de Azulejos

Capítulo I – Internet e Museus ………………………………………………… 164

1. Categorias de museus na Internet ……………………………………………… 166

1.1. Conceito de Museu Virtual ………………………………………….. 169

1.2. Vantagens e Desvantagens dos Museus Virtuais ……………………. 173

Capítulo II – Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo ………………. 179

1. Fundamentos para a sua criação ……………………………………………….. 179

2. Vocação, Missão, Metas e Objectivos ………………………………………… 180

3. Funções Museológicas ………………………………………………………… 185

4. Público-alvo …………………………………………………………………… 187

5. Reflexões para o seu Desenvolvimento Conceptual …………………………... 189

Conclusão ………………………………………………………………………... 202

Referências Bibliográficas ……………………………………………………… 213

Page 9: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

VII

Lista de Siglas e Abreviaturas

API – Application Programming Interface

ASCER – Asociación Española de Fabricantes de Azulejos y Pavimentos Cerámicos

ASP – Active Server Pages

AVICOM – International Committee for Audiovisual and New Image and Sound

Technologies

CD-ROM – Compact Disc Read-Only Memory

CDWA – Categories for the Description of Works of Art

CHIN – Canadian Heritage Information Network

CIDOC – International Committe for Documentation

CRM – Conceptual Reference Model

CSV – Comma-separated values

DBMS – Data Base Management System

DGEMN – Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

FF Caldas – Fábrica Faianças das Caldas da Rainha

HTML – Hyper Text Markup Language

ICOM – International Council of Museums

IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado

IGESPAR – Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico

IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana

IIS – Internet Information Service

IMC – Instituto dos Museus e da Conservação

INH – Instituto Nacional de Habitação

IPM – Instituto Português de Museus

ISO – International Organization for Standardization

MDA – Museum Documentation Association

MMLT – Museu Municipal Leonel Trindade

MNAz – Museu Nacional do Azulejo

MUVA – Museo Virtual de Artes

OBDC – Open Data Base Connectivity

OCP – Online Control Panel

PDA – Personal Digital Assistant

PDF – Portable Document Format

Page 10: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

VIII

PWS – Personal Web Server

SGBD – Sistema Gestor de Base de Dados

SIG – Special Interest Group

SPN – Secretariado de Propaganda Nacional

SQL – Structured Query Language

TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

VRML – Virtual Reality Modeling Language

W3C – World Wide Web Consortium

Web – World Wide Web

WWW – World Wide Web

AA.VV. – Obras de referência que têm, normalmente, vários autores (Autores Vários)

fig. – figura

in – em [incluído na publicação citada]

inv. – inventário

n.º – número

p. – página

pp. – páginas

vol. – volume

(…) – citação de texto

[ ] – palavra ou palavras acrescentadas a texto citado

Page 11: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

1

Introdução

Sob o título Azulejaria da Colecção Berardo. Estudo, Criação de um Sistema de

Inventário e Gestão da Colecção, e Proposta de Museu Virtual, a presente dissertação

apresenta-se como um projecto museológico de valorização, preservação e difusão de um

extenso património, detentor de um elevado valor histórico, artístico e cultural.

Composta por conjuntos azulejares in situ, património integrado na Quinta e

Palácio da Bacalhôa, e por mais de seiscentos exemplares móveis, bens retirados do seu

contexto original, datados dos século XV ao século XX, quase todos de origem

portuguesa, com excepção do núcleo de azulejos hispano-mouriscos e algumas obras

contemporâneas, a Colecção Berardo permite percorrer a secular História do Azulejo

em Portugal, através de qualificados exemplares, que a constituem. Dividida entre três

espaços expositivos distintos, nomeadamente, a Quinta e Palácio da Bacalhôa, a Quinta

da Bassaqueira, sede da empresa vinícola Bacalhôa Vinhos de Portugal, ambos em Vila

Fresca de Azeitão e o Jardim Tropical Monte Palace, na Região Autónoma da Madeira,

a Colecção carece de um enquadramento museológico, que viabilize o seu

conhecimento e salvaguarda, usufruindo dos benefícios inerentes à prática museal.

Estes objectos, associados a qualidades estéticas, tornam-se dignos de

contemplação, ultrapassando, a sua mera funcionalidade. São elevados, por este motivo, a

peças artísticas, integradas no domínio da História da Arte, como revela o seu

coleccionismo e a sua, posterior, integração em museus. Adquirindo o objecto, na

sociedade contemporânea, um significado de relíquia, de bem precioso que é obrigatório

salvaguardar, facultando às gerações futuras a obtenção de um conhecimento mais vasto

da própria história e identidade da Humanidade, é absolutamente fundamental, e

prioritário, estudá-lo de forma aprofundada.

Com base na premissa, de que um Museu só poderá exercer a sua função basilar

com êxito, conhecendo previamente, o seu património artístico que, em última análise, é o

próprio significado da sua existência, consubstanciamos para este trabalho, e em primeira

estância, a criação de um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção e alvitramos,

seguidamente, a proposta de Museu Virtual.

A especificidade e importância do azulejo português fundam um dos motivos

intrínsecos à realização do estudo em causa. Considerado como uma das mais fortes

manifestações culturais portuguesas, o azulejo, reflecte as transformações culturais, sociais

e económicas vividas em Portugal, transpondo a sua dupla função utilitária e decorativa.

Page 12: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

2

Não sendo originariamente português, e tendo sido utilizado em diferentes países da

Europa, foi em Portugal que o azulejo teve uma utilização mais prorrogada, assumindo

uma expressão muito peculiar desde o século XVI e atingindo uma proporção única no

contexto europeu, tornando-se deste modo, numa contribuição genuína do nosso país

para o património cultural e artístico mundial. Proliferando durante séculos, a azulejaria

portuguesa não é apenas uma expressão artística, é também um testemunho, que

contribui para o enriquecimento da nossa memória e da nossa identidade.

Outro dos motivos que precederam a escolha do tema deve-se ao facto, da

mestranda se encontrar a trabalhar na Fundação Berardo, desde 2003, e ter contactado com

a actual realidade da Colecção de Azulejos, que embora, de qualidade inquestionável,

necessitava de ser inventariada, estudada, investigada, preservada e divulgada.

O terceiro motivo prende-se com a possibilidade de agrupar virtualmente uma

Colecção, que geograficamente se encontra dispersa, imprimindo um discurso

museológico, que vise o seu conhecimento histórico/cronológico, científico e estético,

de uma forma integral.

O enquadramento museológico que aqui se afigura irá garantir: a concepção de

um Sistema de Inventário e Gestão, facultando a inventariação, documentação e estudo da

Colecção; fomentar o desenvolvimento de estudos científicos sobre este património

azulejar; optimizar e consolidar a salvaguarda dos objectos; e promover a sua divulgação,

privilegiando, deste modo, a difusão do património cultural nos canais de comunicação da

nova Sociedade de Informação.

Fazem parte da fortuna crítica deste espólio, enquanto Colecção Berardo, apenas

dois catálogos: Monte Palace Um Jardim Tropical1, que num dos seus capítulos aborda a

Colecção de Azulejos; e um outro, correspondente à exposição Colecção Berardo,

Cerâmica Caldense e Azulejo Núcleo Azeitão2, realizada no Centro de Artes e

Espectáculos da Figueira da Foz, em 2003, que conta com um texto de Luísa Arruda.

Importa salientar, que ambas as publicações consideram, unicamente, parte da Colecção,

sendo de extrema conveniência a publicação de estudos monográficos ou analíticos sobre

o espólio, primeiramente, no seu conjunto, e depois, sob variadas temáticas.

1 CARVALHO, Marta – “A descoberta do Jardim Tropical. Roteiro dos painéis de Azulejos” in Monte Palace Um Jardim Tropical. Fundação José Berardo, Funchal, 1999, pp. 60-77. 2 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Azulejo Núcleo Azeitão. Azulejos Portugueses (séc. XV-XVIII)” in Colecção Berardo, Cerâmica Caldense e Azulejo Núcleo Azeitão, Catálogo da Exposição, Centro das Artes e Espectáculos, Câmara Municipal da Figueira da Foz, Figueira da Foz, 2003, pp. 52-79.

Page 13: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

3

Para a elaboração da história da Azulejaria pertencente à Colecção Berardo

tivemos que recorrer a uma vasta bibliografia que nos legaram alguns estudiosos. É o

caso de Joaquim Rasteiro3, que ainda no século XIX, publicou uma modelar monografia

histórica-artística sobre a Quinta e Palácio da Bacalhôa, dando a conhecer a história

daquele monumento nacional e aprofundando o estudo dos conjuntos azulejares aí

existentes. Assume particular importância no processo de inventário e estudo dos

painéis, um suplemento ao livro de Joaquim Rasteiro, publicado em 1898, contendo um

conjunto de desenhos da cerâmica da Bacalhôa, concebidos por A. Blanc.

A investigação no campo da azulejaria tem, nas últimas décadas, assistido a

mudanças significativas. Ao fazer um balanço do que foi realizado nesta área de estudo,

a figura de João Miguel dos Santos Simões4 impõe-se, sem dúvida, de forma destacada

neste contexto. Embora, seja pertinente realçar as contribuições de vários investigadores

que o antecederam, Santos Simões lançou os fundamentos para um estudo sistemático e

rigoroso do azulejo português, sendo considerado um dos investigadores fundamentais

nesta matéria. Ao longo da sua vasta produção historiográfica, encontramos referências,

inevitáveis, à Quinta da Bacalhôa, bem como, a diversas colecções privadas que

estiveram na génese da Colecção Berardo, designadamente, a Colecção Comandante

Ernesto Vilhena e a Colecção Coelho da Cunha.

Excepção feita a vários estudos fragmentados e à obra de Reynaldo dos Santos,

O Azulejo em Portugal, de 19575, é, apenas na década de 1980, que surgem as

primeiras grandes obras de síntese sobre a azulejaria. Concedendo precedência aos

inventários e a investigações particulares, Santos Simões nunca pretendeu abarcar

uma obra congénere. A visão global do Azulejo, o estudo dos pintores, as técnicas e

3 RASTEIRO, Joaquim; Monographia Histórico-Artística, Quinta e Palácio da Bacalhôa, Lisboa, 1895. [A edição por nós consultada foi: Quinta e Palácio da Bacalhôa em Azeitão, Monographia Histórico-Artística: Inícios da Renascença em Portugal. ASA Editores S.A. Porto, 2003. Facsimile da edição de Lisboa, Imprensa Nacional, 1895-1898.]. 4 De entre, o vasto legado que Santos Simões deixou aos investigadores nesta área, saliente-se as seguintes obras de referência geral: SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria em Portugal nos séculos XV e XVI. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1969. [A edição por nós consultada foi: Azulejaria em Portugal nos séculos XV e XVI. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Edição, Lisboa, 1990.] Azulejaria em Portugal no século XVII. Tomo I – Tipologia. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971. Azulejaria em Portugal no século XVII. Tomo II – Elenco. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971. Azulejaria em Portugal no século XVIII. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: 1979. 5 SANTOS, Reynaldo dos – O Azulejo em Portugal. Editorial Sul Lda., Lisboa, 1957. Importa referir que o texto do Reynaldo dos Santos, ainda que, apresente a história da azulejaria portuguesa, termina com o Neoclassicismo.

Page 14: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

4

outros aspectos inerentes a esta temática, foram numa primeira fase, abordados por

Rafael Salinas Calado6 e José Meco7.

Com carácter mais abrangente, outros textos conferiram uma especial atenção ao

Azulejo, nomeadamente, alguns dos volumes do Inventário Artístico de Portugal, da

Academia Nacional de Belas Artes8, privilegiando, no entanto, a sua relação com o

suporte arquitectónico.

Ao nível regional, há a destacar os vários roteiros, que abordaram o Azulejo,

bem como, catálogos de exposição, dos quais destacamos os do Museu Nacional do

Azulejo, pela importância no seio das obras de síntese da azulejaria portuguesa.

No âmbito da História da Arte, encontramos algumas obras que enquadram o

Azulejo, englobando vários capítulos dedicados a esta temática, designadamente a

História da Arte Portuguesa, dirigida por Paulo Pereira e as várias entradas no

Dicionário da Arte Barroca em Portugal9.

A crescente produção historiográfica contempla obras de divulgação geral, que

constituem um género de inventário visual, patente, por exemplo, nos trabalhos de

Teresa Saporiti, Hellmut e Alice Wohl. Nesta perspectiva, destacam-se, ainda, autores

que abordam o Azulejo como parte integrante da arquitectura, tratando de solares, de

casas nobres, de jardins, etc.10.

Além fronteiras é, também, sintomático a atenção, que a azulejaria portuguesa

desperta nos vários investigadores, dos quais se salientam Robert Chester Smith, Guy

Weelen, Catherine Pasquier, entre outros.

Os estudos de cariz monográfico têm sido, nestes últimos anos, a grande

conquista no respeitante a esta matéria, visto corresponderem a uma maior precisão de

investigação. Focando conjuntos que permanecem in situ, aprofundando os azulejos de

6 CALADO, Rafael Salinas – “O Azulejo em Portugal”. Agenda do Crédito Predial Português, Lisboa, 1982. CALADO, Rafael Salinas – Cinco Séculos do Azulejo em Portugal. Correios e Telecomunicações de Portugal, Lisboa, 1986. 7 MECO, José – Azulejaria Portuguesa. Bertrand, Lisboa, 1985. MECO, José – O Azulejo em Portugal. Publicações Alfa, Lisboa, 1993. 8 ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Concelho de Évora. Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1966. ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora zona Norte. Academia Nacional de Belas Artes, Évora, 1975. ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora zona Sul. Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978. 9 PEREIRA, Paulo (coord.) – Dicionário de Arte Barroca em Portugal. Editorial Presença, Lisboa, 1989. PEREIRA, Paulo (dir.) – História da Arte em Portugal. Círculo de Leitores, Lisboa, 1996. 10 A este respeito saliente-se: CARITA, Hélder; CARDOSO, Homem – Oriente e Ocidente nos Interiores de Portugal. Civilização, Porto, 1983. STOOP, Anne de – Quintas e palácios nos arredores de Lisboa. Porto, 1986. BINNEY, Marcus; CARVALHO, Manuel Rio de – Casas Nobres de Portugal. Difel, Lisboa, 1987. SABO, Rioletta; FALCATO, Jorge Nuno – Azulejos: arte e história. Azulejaria de palácios, jardins e igrejas em Lisboa e arredores. Inapa, Lisboa, 1998.

Page 15: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

5

determinada instituição ou abordando um artista, estes trabalhos consubstanciam uma

importante fonte de informação, fundamental para a historiografia desta forma de arte.

Neste contexto, afiguram-se, entre outros, os trabalhos de Luísa Arruda11; Celso

Mangucci12 e Flávio Gonçalves13.

Estudos pertinentes para a documentação de alguns exemplares da Colecção

Berardo são, ainda, os trabalhos de Anne Berendsen, José Meco e Jay Levenson. A

estes juntam-se artigos de relevante interesse, produzidos por Ana Paula Correia,

Manuel Frango de Sousa e João Pedro Monteiro. Importa, também, referir que o

catálogo da exposição de azulejaria, integrada na Europália em 1991, aborda, alguns

dos proeminentes painéis da Colecção em análise.

Ambicionando, no decorrer desta dissertação, elaborar a contextualização

histórica e proveniência da Colecção, saliente-se o papel fundamental da Biblioteca de

Arte da Gulbenkian, que ao longo de vários anos procedeu às digitalizações de

documentos fotográficos (preto/branco e cor), da autoria de Santos Simões14, aquando

do seu levantamento e inventário do património azulejar em Portugal continental, Ilhas

e Brasil.

Com o intuito de criar um novo modelo de ficha de inventário, que serviu de

suporte ao Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, recorremos, a um elenco

bibliográfico na área da normalização da documentação, da terminologia e da gestão de

colecções. Neste âmbito, assumiu particular importância o trabalho desenvolvido pelo

International Committe for Documentation (CIDOC), organismo do International

Council of Museums (ICOM), particularmente, o documento de referência sobre esta

temática a nível internacional, o International Guidelines for Museum Object

Information, e o Relational Data Model, importante instrumento para a construção dos

11 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho; COELHO, Teresa Campos – Convento de S. Paulo de Serra de Ossa. Edições Inapa, Lisboa, 2004. 12 MANGUCCI, Celso – “Olarias de Louça e Azulejo da Freguesia de Santos-o-Velho – dos meados do século XVI aos meados do século XVIII”. in AL-Madan – Arqueologia, Património e História Local. IIª série, nº5, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, Outubro de 1996, pp. 155-168. 13 GONÇALVES, Flávio – “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche e o seu enquadramento na Arte Portuguesa da primeira metade do século XVIII”. in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa. Lisboa, 1982, pp. 5-270. GONÇALVES, Flávio – “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche e o seu enquadramento na Arte Portuguesa da primeira metade do século XVIII – conclusão”. in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa. Lisboa, 1983, pp. 245-270. 14 A Colecção de Azulejaria Portuguesa da biblioteca de arte da Gulbenkian é composta pelo levantamento de 4977 fotografias (p&b e cor) realizado por João Miguel dos Santos Simões entre 1960-1968 e de que resultou a elaboração de Corpus de azulejaria portuguesa, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian entre 1963-1970. Os correspondentes ficheiros digitais estão acessíveis na rede local da Biblioteca e a partir da Internet, desde 2004.

Page 16: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

6

sistemas de informação de museus. A experiência espanhola nesta matéria teve,

também, um papel orientador, destacando-se o documento produzido pela Comisión de

Normalización Documental de Museos, intitulado Normalización Documental de

Museos: Elementos para una aplicación informática de gestión museográfica.

No circuito internacional, além do caso inglês e espanhol, foram igualmente

importantes para a realização do presente trabalho as Categories for the Description of

Works of Art (CDWA) da Art Information Task Force fundada dentro do J. Paul Getty

Trust (Getty Research Institute) e o Méthode d'inventaire informatique des objets

beaux-arts et arts décoratifs da Direction des Musées de France.

A nível nacional, contraíram um interesse específico, o conjunto de documentos,

denominados Normas de Inventário, inicialmente publicados pelo antigo Instituto

Português de Museus (IPM), e continuados pelo actual Instituto dos Museus e da

Conservação (IMC). Principiando, em 1999, com a edição das Normas Gerais. Artes

Plásticas e Artes Decorativas, seguiram-se outras categorias e subcategorias, nas quais

se enquadram a Cerâmica e a Cerâmica de Revestimento.

Se, como referimos, a investigação no campo da azulejaria tem assistido, em

termos bibliográficos, a mudanças significativas, a relação da museologia com a

virtualidade e/ou Internet é um fenómeno recente. É, somente, em meados da década

de 1990 que esta área do saber passa a ter uma nova realidade, a virtual. A produção

documental relativa a esta matéria é ainda muito escassa. No entanto, evocaremos

algumas obras já publicadas por André Malraux15, Deloche16 e Marília Cury17.

No ICOM não existe um comité específico que trate das questões inerentes à

Internet e interactividade nos museus. Por essa razão, foi criado em 1992, durante um

encontro do ICOM no Quebec, um grupo de trabalho específico sobre o uso da

Internet, estando, o mesmo, adstrito ao International Committee for Documentation

(CIDOC). Os estudos realizados, neste contexto, têm contribuído, e muito, para a

reflexão da temática, com especial destaque para Werner Schweibenz18, que tem

colaborado, de forma acérrima, para o esclarecimento e desenvolvimento do conceito

de “museu virtual”.

15 MALRAUX, André – O Museu Imaginário. Edições 70, Lisboa, 2000. 16 DELOCHE, Bernard – El Museo Virtual. Ediciones Trea. S.L., Gijón, 2003. 17 CURY, Marília Xavier – Museologia, Museus e Globalização. São Paulo, 2003. 18 SCHWEIBENZ, Werner; The Development of Virtual Museums, disponível em: http://icom.museum/pdf/E_news2004/p3_2004-3.pdf.

Page 17: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

7

Reflexo da importância da relação entre a museologia e a virtualidade e/ou

Internet, como área de estudo para um crescente número de investigadores, são as

dissertações produzidas e defendidas nos últimos anos. É certo que estamos perante um

cômputo relativamente reduzido, mas as teses já elaboradas e as que se encontram em

preparação, testemunham uma vitalidade crescente19.

A estrutura subjacente à criação e programação de um museu, virtual ou não, no

âmbito de um Mestrado em Museologia e Museografia, consubstanciar-se-á, também,

num repositório de literatura museológica. Sem pretensão de fazer uma resenha exaustiva,

da bibliografia a que recorreremos, associam-se a esta temática, trabalhos fundamentais

de Georges Henri Rivière, Henrique Coutinho Gouveia, Francisca Hernández Hernández,

Luís Alonso Fernández, entre outros. Prevendo a elaboração dos conteúdos programáticos

do Museu, resultantes das suas funções museológicas, será indispensável a consulta da

documentação produzida por Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo e Henri Campagnolo

relativa à linguagem museal.

Dever-se-á assinalar que a metodologia de investigação para esta dissertação se

baseou, inicialmente, nas estratégias da pesquisa histórica, que preside à primeira parte

do trabalho. Procedeu-se à análise e recolha bibliográfica existente, quer ao nível da

Azulejaria da Colecção Berardo em particular, quer ao nível da azulejaria em geral.

Tendo a recolha documental sido efectuada em diversas instituições, merecem especial

destaque as bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian e do Museu Nacional do

Azulejo. A primeira, enquanto grande impulsionadora do estudo do azulejo e promotora

da Brigada de Estudos da Azulejaria, possuindo várias obras de referência, e um banco

de imagens do património azulejar português, de importância capital. A segunda, por ser

detentora de uma vasta bibliografia dentro do seu campo temático, recentemente

enriquecida, pela doação do valioso espólio de Santos Simões, figura incontornável da

historiografia da azulejaria portuguesa.

Enquanto metodologia de trabalho foi elaborado um inventário, com base na

pesquisa e análise de diferentes sistemas de inventários existentes, dentro e fora da

mesma temática. Funcionando como um instrumento de investigação de cada exemplar 19 Refira-se, a título de exemplo, as seguintes teses: CLARO, Graciete Maria dos Prazeres – Idade Electrónica: Arte e Tecnologia. Dissertação de Mestrado em Teorias da Arte apresentada à Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Lisboa, 2000. HENRIQUES, Rosali – Memória, museologia e virtualidade: um estudo sobre o Museu da Pessoa. Dissertação de mestrado em Museologia apresentada à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia de Lisboa, Lisboa, 2004. SABBATINI, Marcelo – Museos y Centros de Ciência Virtuales. Complementación y Potenciación del Aprendizaje de ciências a través de Experimentos Virtuales. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto Universitario de Ciências de la Educaión da Universidade de Salamanca, Salamanca, 2004.

Page 18: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

8

da Colecção, o seu preenchimento visou um extenso trabalho de campo, tendo por

objectivo a recolha sistemática da informação de um espólio, que se encontra disperso.

Posteriormente, procedeu-se à análise exaustiva do tema, à leitura individual dos

painéis e à sua ligação com os espaços. A análise iconográfica e a leitura dos espaços,

principalmente na azulejaria do século XVIII, proporcionou um manancial de

informação fundamental para o estudo da Colecção. Na perspectiva das fontes

iconográficas, foi importante o recurso a fontes gráficas e literárias, que estiveram na

origem de algumas produções.

Dado que alguns dos exemplares da Azulejaria da Colecção Berardo foram já

estudados por investigadores contemporâneos, ainda no activo, e atendendo ao facto de

alguns deles se encontrarem, directa ou indirectamente, ligados à génese da própria

Colecção, foi essencial, e extremamente profícuo, o contacto com os mesmos.

Visando a concepção teórica do Museu Virtual foi necessário proceder à recolha

documental na área da Museologia e, mais especificamente, na relação desta disciplina

com virtualidade e/ou com a Internet. Neste contexto, foi ainda importante, a análise de

algumas unidades museológicas congéneres e o estabelecimento de contactos com

especialistas, na área da programação informática e do webdesign, clarificando deste

modo, alguns conceitos implícitos na realização do presente trabalho.

No que concerne à estrutura da dissertação, entendemos como essencial uma

organização tripartida: Parte I – A Colecção; Parte II – Inventário e Gestão; Parte III –

Museus Virtuais. Uma proposta para a Colecção de Azulejos.

Na primeira parte começou-se por abordar a origem e formação da Colecção,

focando as modalidades e política de incorporação; a tutela; o Coleccionador e as

iniciativas museológicas anteriores. Seguidamente, apresenta-se a Colecção, por ordem

cronológica, recorrendo a alguns dos exemplares mais relevantes, e que ilustram a

história da azulejaria desde o século XV até ao século XX. Constituindo esta fase da

dissertação, um reflexo teórico do trabalho prático - a inventariação -, a mesma é

complementada num volume autónomo (Volume III), onde apresentamos as fichas de

inventário dos exemplares abordados no decorrer do texto. Em relação, ao património

azulejar da Quinta e Palácio da Bacalhôa, por se tratar de azulejos in situ, é abordado

num capítulo distinto, onde se faz uma contextualização histórica, atendendo à

importância deste património para o entendimento da azulejaria em Portugal.

A segunda parte deste trabalho é dedicada ao inventário e gestão da Colecção.

Dividida em dois grandes capítulos, começa-se por abordar a importância do inventário

Page 19: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

9

na Museologia, traçando-se, em seguida, um panorama da realidade actual do espólio,

quanto ao frugal inventário e à escassa documentação existentes, que nos serve de

suporte para, no capítulo imediato, apresentar e fundamentar o Novo Modelo de Ficha

de Inventário, fazendo referência à normalização, e terminologia, utilizada. Quanto ao

inventário da azulejaria in situ, integrada na Quinta e Palácio da Bacalhôa, aduzimos

uma nova ficha, diferente da restante Colecção, visto que, os exemplares são

contemplados na ficha do imóvel, obedecendo a normas de inventariação específicas. O

segundo capítulo versa sobre a construção do Sistema de Inventário e Gestão da

Colecção, que apelidamos de OCP – Online Control Panel. Começando por expor o seu

modelo; suporte técnico; funcionalidades; segurança; pesquisa e exportação;

actualizações e históricos, apresenta-se o Ambiente de Trabalho do Sistema, sendo a

descrição do mesmo acompanhada pela explanação gráfica.

Sob o título Museus Virtuais. Uma proposta para a Colecção de Azulejos, a

terceira parte da dissertação, tem início com uma breve resenha histórico/cronológica

sobre os museus e a Internet, abordando as diferentes categorias de museus online,

consagradas por alguns autores. Definindo o conceito de “Museu Virtual”, com base

em alguns estudos, e em confronto com a nossa opinião, terminamos o primeiro

capítulo, com a enumeração de algumas vantagens e desvantagens desta tipologia de

entidades museológicas.

No capítulo respeitante ao Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo,

começamos por expor os fundamentos inerentes à sua criação, definindo, em seguida, a

sua vocação, missão, metas e objectivos. Quanto às funções museológicas, as quais

darão corpo às diferentes fases de programação do Museu, foram descritas, embora

tivéssemos em consideração a sua natureza (virtual), endereçando desta forma, a

incorporação e conservação dos objectos, para a Coordenação física da Colecção. Com

base na vocação e missão do Museu enunciamos e definimos o seu público-alvo.

Em jeito de conclusão, finalizamos a parte de desenvolvimento da presente

dissertação, tecendo algumas considerações relativas ao futuro do Museu Virtual, sob o

título Reflexões para o seu Desenvolvimento Conceptual. Ainda que, não tivéssemos a

intenção de desenvolver, neste trabalho, os diferentes programas intrínsecos a uma

programação museológica, cogitamos algumas apreciações, que em nosso entender, são

fundamentais para a sua prossecução e sustentabilidade.

Com este trabalho, ambicionámos estudar uma Colecção representativa de uma

expressão artística que adquiriu características genuinamente portuguesas,

Page 20: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

10

constituindo um factor de identidade, e conceder-lhe um enquadramento museológico,

promovendo o seu conhecimento, sistematizando-o e criando condições de fruição no

presente e no futuro.

No que respeita aos aspectos formais dos textos que se seguem, convém referir

que todas as citações são apresentadas em itálico, optando-se, também, por utilizar

aspas duplas para as demarcar do restante texto. As notas de rodapé seguem uma ordem

sequencial por capítulo dentro de cada parte.

Dada a diversidade de bibliografia consultada, optou-se por uma divisão

temática das Referências Bibliográficas, visando uma melhor sistematização das

mesmas: I – Azulejaria; II – Museologia e Virtualidade; III – Legislação e IV – Websites.

Como suporte de alguns aspectos de investigação agregamos dois volumes

autónomos a este trabalho. O Volume II é constituído por um elenco documental e

gráfico, o Volume III apresenta as fichas de inventário, mencionadas no decorrer da

presente dissertação. À excepção das fichas de inventário, que estão organizadas

sequencialmente por número de inventário, de forma a facilitar a consulta, os restantes

anexos estão organizados de acordo com a sua entrada no presente volume, sendo que,

todos os documentos apresentados estão referenciados ao longo do texto.

Page 21: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

11

PARTE I – A Colecção

Capítulo I – Origem e Formação da Colecção

“Al abordar el proceso de formación del Museo en un intento de encontrar sus

raíces, observamos que es su colección o colecciones lo que le infiere su singularidad y,

en definitiva, su razón ontológica.”20 Partindo deste pressuposto, consideramos

oportuno iniciar o presente estudo, delineando uma visão geral e sintetizada da origem e

formação da Colecção de Azulejos. Contudo, antes ainda de traçar o historial da

Colecção, parece-nos essencial esclarecer este conceito, segundo Francisca Hernández

Hernandéz, “colecção” é “(…) aquel conjunto de objetos que, mantenido temporal o

permanentemente fuera de la actividad económica, se encuentra sujeito a una

protección especial con la finalidad de ser expuesto a la mirada de los hombres.”21.

Esta era, também, a opinião de Pomian22, com a qual corroboramos, ou seja, um

conjunto de objectos, naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente

fora do circuito das actividades económicas, sujeitos a uma protecção especial, com o

objectivo de serem expostos publicamente.

Iniciada nos finais da década de oitenta, a Colecção de Azulejos, nasce do

manifesto desejo de um coleccionador privado, o Comendador José Berardo. Movido pela

memória escolástica de um paladino, o Coleccionador conta, na primeira pessoa, a razão

impulsionadora deste espólio: “A minha paixão pelos azulejos começou nos bancos da

escola. Havia, junto à janela da sala de aula, um azulejo com a imagem de um cavaleiro

(…). Cresci, “percorri as sete partilhas do mundo” e às vezes, vinha-me à memória a

figura do cavaleiro, como um sonho… Ao regressar a Portugal, vindo da África do Sul,

descobri e, naturalmente, interessei-me e apaixonei-me pela azulejaria portuguesa.”23.

Prosseguindo, o objectivo de fazer uma Colecção, representativa da História do

Azulejo em Portugal, a aquisição dos exemplares foi sendo feita de modo sistemático,

embora não existisse uma política de incorporação definida por escrito. Aconselhado

por colaboradores, consultores e historiadores de arte, o Comendador José Berardo foi

constituindo uma Colecção, que não deixando de espelhar um gosto pessoal, com a

20 HERNÁNDEZ, Francisca Hernández – Manual de Museología, Editorial Síntesis, S.A., Madrid, 1998, p. 12. 21 Francisca Hernández Hernández (1998), p. 12. 22 POMIAN, K. – “A Colecção”. in Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1984, p. 53. 23 Luísa Arruda (2003), p. 9.

Page 22: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

12

presença mais reforçada de determinadas tipologias, traduz simultaneamente,

importantes obras de síntese da azulejaria portuguesa.

Ao tentar compreender as motivações e as escolhas que levaram à constituição

da Colecção, o documento primeiro a considerar é a própria Colecção, enquanto objecto

privilegiado de observação da personalidade do Coleccionador.

A Colecção de Azulejos é, particularmente, expressiva desta situação, retrato e

prova remanescente e categórica do indivíduo que, embora valendo-se de especialistas

que o aconselharam, patenteou, em muitos exemplares, erudição e decisão própria,

convertendo-se em última estância o seu efectivo criador.

As aquisições do Comendador Berardo, podendo, em alguns momentos, sugerir

um movimento errático, parecem enunciar uma lógica profunda de coleccionismo,

gerida por ecletismo e intuição, estratégia que se torna mais evidente no núcleo de

Azulejaria Arcaica e Barroca.

Excepção feita a seis exemplares, que foram doados à Colecção Berardo por um

coleccionador privado24, a única modalidade de integração formal dos bens foi a

compra, modalidade de incorporação prevista no Artigo 13º da Lei-Quadro dos Museus

Portugueses25. Proveniente de aquisições feitas através de intermediários, directamente

aos proprietários privados, ou em hasta pública (leilões), a Colecção Berardo procede,

em parte, de algumas colecções bem conhecidas, nomeadamente, a colecção Avilez,

associada à produção vinícola da J.P. Vinhos de Azeitão, a colecção do Comandante

Ernesto Vilhena e a colecção Coelho da Cunha.

Foi no final da década de oitenta, para enriquecer o Jardim Tropical Monte

Palace26, propriedade pertencente à Fundação José Berardo, que fez as primeiras

aquisições, tentando cobrir alguns dos blocos cronológicos, mais significativos, da

24 Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto, Artigo 13º, ponto 2, alínea b) Doação. 25 Lei nº 47/2004, Artigo 13º, ponto 2, alínea a) Compra. 26 Situado no anfiteatro do Funchal, o Jardim Tropical Monte Palace, fica a cerca de cinco quilómetros do centro da cidade, ocupando uma área de 70.000m2. A sua história remonta ao século XVIII com a “Quinta do Prazer”, na altura, propriedade do cônsul inglês Charles Murray. Posteriormente, em 1897, Alfredo Guilherme Rodrigues, um comerciante madeirense, decide comprar a propriedade, construindo uma casa apalaçada inspirada em mansões e palácios que tinha visto nas margens do Rio Reno. Ladeada por jardins românticos e belas vistas, é no princípio do século XX, que o seu proprietário decide abrir ao público o hotel, então denominado “Monte Palace Hotel”. Esta unidade hoteleira funcionou até 1942, ano em que Alfredo Rodrigues faleceu, sem deixar descendentes directos. Por litígios familiares foi vendida em hasta pública, acabando por ser, adquirida, por uma companhia de seguros e, mais tarde, pela companhia de caminhos-de-ferro do Monte. Após 40 anos de abandono, é em 1987, que o Comendador José Berardo adquire este património, que doou à Instituição Particular de Solidariedade Social, por ele criada, a Fundação José Berardo. Passando por um longo processo de recuperação e reflorestação, o Jardim Tropical Monte Palace abre ao público em 1991, exibindo o núcleo principal da Colecção de Azulejos, entre outras colecções, também, patenteadas neste espaço.

Page 23: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

13

historiografia desta forma de arte. Deste modo, os primeiros painéis incorporados foram

apresentados ao público, em 1991, aquando da abertura do Jardim.

No mesmo ano, e embora a Colecção tivesse, ainda, uma dimensão reduzida,

alguns dos painéis estiveram presentes na exposição de azulejaria, integrada na

Europália27. Na sequência dessa importante mostra internacional e a convite da

National Gallery of Art, alguns dos exemplares28, anteriormente exibidos em

Bruxelas, viriam a integrar a exposição The age of the Baroque in Portugal29, que teve

lugar em Washington, dois anos mais tarde.

Ao longo da primeira metade da década de noventa prosseguiram-se as

aquisições, embora de forma tímida, representando cerca de um terço do actual espólio.

Os painéis incorporados continuavam a ser apresentados, apenas, no Jardim Tropical

Monte Palace, local onde, ainda hoje, se encontra o núcleo central.

Construindo a sua Colecção, sempre obstinado na sua vontade de conseguir o

que parecia impossível, antecipando as oportunidades do mercado e aproveitando as

suas vicissitudes, o Coleccionador viria, no ano de 1995, a retomar, activamente, as

aquisições. Refira-se, que um dos factores que influenciou, a entrada de um grande

número de obras na Colecção, foi a realização de dois leilões da casa Leiria e

Nascimento, Lda., que fizeram história no mercado leiloeiro português. Destes leilões,

realizados a 8 de Março e 8 de Novembro, respectivamente, estavam incluídos inúmeros

exemplares da grande colecção do Comandante Ernesto Vilhena. A título de exemplo

aluda-se, que na tipologia de Registos foram arrematados vinte e quatro exemplares,

todos de grande qualidade, publicamente reconhecida pelo investigador Santos Simões.

Ainda, no mesmo ano, em 1995, o Comendador José Berardo torna-se sócio da

empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal, então designada J.P. Vinhos, que dois anos mais

tarde, viria a ser transferida para a propriedade, denominada Quinta da Bassaqueira30.

Convertendo-se, em 1998, accionista maioritário da empresa, estabelecida na zona

27 PEREIRA, João Castel-Branco (org.) – Azulejos. Europália 91, Bruxelas, 1991. 28 Nomeadamente, os painéis: Eleita como Sol (inv. 101-205) e Formosa como a Lua (inv. 101-206). 29 LEVENSON, Jay A. – The Age of the Baroque in Portugal. Edited by Jay A. Levenson, National Gallery of Art, Washington DC, 1993. 30 “Bassaqueira” é um termo medieval e tem, segundo alguns historiadores, a mesma interpretação que “buçaqueira” (derivado de Buçaco) que significa “alusivo à pastorícia”. Verdade é, que a maioria dos terrenos conhecidos no limite de Azeitão são designados por Bassaqueira. Reza a história, que estas propriedades pertenceram aos Marqueses de Vila Real e mais tarde a Brás de Albuquerque. Sem certeza histórica que se trataria da mesma área geográfica, da Quinta da Bassaqueira aqui abordada, não será seguramente muito longe. Ainda hoje assim denominada, acolhe desde 1997 a empresa Bacalhôa Vinhos de Portugal, à época J.P. Vinhos. Transferida para a zona vitivinícola de Azeitão, a empresa encontra-se sedeada num edifício emblemático, projectado e, ali construído, por António d’Avillez.

Page 24: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

14

vitivinícola de Azeitão, decide expor nas respectivas Caves, parte da sua Colecção de

Azulejos. A partir de então, a Azulejaria da Colecção Berardo, estava disponível ao

público em dois locais distintos.

Durante os anos seguintes verifica-se um natural abrandamento do ritmo de

aquisições do Coleccionador, embora persista nas suas escolhas o gosto pela variedade e

a qualidade superior dos painéis.

Com uma lógica de compêndio que, através dos vários estilos artísticos e

períodos cronológicos, pretende representar a História do Azulejo em Portugal, a

Colecção assume um carácter didáctico, reforçado pela sua própria estrutura. Seguindo

a preocupação de cobrir os vários estilos históricos, as várias tendências e os vários

nomes, é possível desenhar linhas desta forma de arte, através das múltiplas montagens

da Colecção, sendo perceptível o cuidado de não haver falhas, criando uma diacronia e

um discurso histórico da arte azulejar, no nosso país.

A aquisição da Quinta e Palácio da Bacalhôa, no ano de 2000, viria acrescentar

um importante contributo. Tornando-se um relevante ponto de partida cronológico, para

uma viagem, em torno, da almejada História do Azulejo em Portugal através da

Colecção, este Monumento Nacional, marca a entrada dos primeiros conjuntos

azulejares in situ, no espólio.

O intento de alargar o horizonte temporal até aos primórdios do modernismo, foi

desde sempre um desígnio latente da Colecção Berardo, tentando cobrir os principais

protagonistas e facultando uma leitura articulada das diversas correntes, ao abranger

artistas que marcaram o início do século passado até aos desenvolvimentos mais recentes

da criação artística contemporânea. Perseguindo esse propósito foram sendo incorporadas,

ainda que timidamente, obras de autores como Jorge Barradas, Júlio Pomar, entre outros.

A partir de 2007, juntaram-se a estes nomes, outros criadores do século XX como Fred

Kradolfer, Manuela Madureira, Cecília Sousa e Abel dos Santos. Em 2008, a amplitude

da Colecção volta a estender-se com a inclusão de um monumental exemplar modernista

de proveniência francesa, adquirido à leiloeira Artcurial, em Paris, denunciando o desejo

de estender o espólio à criação internacional contemporânea.

Sendo certo que foram os anos noventa, os momentos áureos, ao nível das

aquisições, a Colecção de Azulejos caracteriza-se por ser uma Colecção aberta, na medida

em que, quando se justifica, poderão fazer-se aquisições, permitindo colmatar eventuais

lacunas. No entanto, dada a sua dimensão e abrangência histórico/cronológica, as actuais

Page 25: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

15

incorporações são cuidadosamente ponderadas, visando, na sua grande maioria, a

produção moderna e contemporânea.

Exposta nos três locais, anteriormente referidos, esta Colecção é tutelada pela

Fundação José Berardo, Instituição Particular de Solidariedade Social, sedeada no

Funchal e presidida pelo seu fundador, o Comendador José Berardo.

Page 26: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

16

Capítulo II – Apresentação da Colecção

1. Azulejaria Arcaica

A prática de revestir paredes com azulejos data da antiguidade e chegou à

Europa através das trocas culturais que, ao longo dos séculos, se foram realizando entre

os povos do médio oriente e os povos europeus. Na Península Ibérica, foram os árabes

os responsáveis pela introdução do azulejo na decoração. A sua utilização começou a

vulgarizar-se na Andaluzia a partir do século XIII.

Os azulejos, classificáveis por arcaicos, situam-se assim, entre a Baixa Idade

Média e meados do século XVI. Amplamente estudados por Santos Simões, com

trabalho precursor intitulado Azulejaria em Portugal nos Séculos XV e XVI, insere-se

dentro desta denominação os pavimentos cristãos; a azulejaria levantina; as

composições alicatadas e a diversa azulejaria sevilhana, sendo esta última, de grande

uso no nosso país.

Vestígios da decoração medieval, presumivelmente datados do século XIII,

podem ser encontrados em Portugal, no Mosteiro de Alcobaça e no Castelo de Leiria,

onde se empregaram pavimentos de mosaico vidrado, encadeados de formas

geométricas em cores lisas. Na segunda metade do século XV, esse tipo de produção,

daria lugar às placas cerâmicas para pavimentos levantinos, importadas de Manises, de

que são exemplo os de forma hexagonal, alfardons, com losetas, as mais pequenas

placas, e tijolos com rajolas, guarnecidos com engobe, que adornaram o Palácio dos

Infantes, em Beja, lastimosamente assolado em 1895, ou o Convento de Jesus, em

Setúbal, as únicas preservadas no local original.

Os alicatados, característicos de Granada, mas também muito usuais em Sevilha,

entre os séculos XIII e XV, são mosaicos cerâmicos compostos por partes irregulares de

cores constantes, ordenadas geometricamente, arquitectando elementos de um desenho

pré-estabelecido de tradição islâmica, dos quais resultam composições estreladas,

laçarias e estrelas de laço31. Testemunho desta antiga técnica é o Painel de Azulejos de

Padrão (inv. 101-396), proveniente da Colecção Comandante Ernesto Vilhena. Com um

31 Na técnica arcaica denominada Alicatado, as chacotas – placas de barro seco e cozido – são cobertas com vidrados de cores uniformes e cozidas em fornos cerâmicos entre 960º e 1100ºC, obtendo-se azulejos de uma só cor. Sobre estes azulejos de cor lisa desenham-se formas geométricas, que depois são cortadas por uma picadeira ou um alicate. Estas peças geométricas preenchem o desenho de composição de alicatado.

Page 27: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

17

padrão ornamental constituído por placas cobertas de vidrado estanífero uniforme,

branco, e outras coradas de verde e azul, dispostas alternadamente, deduz-se que as

peças, fossem, previamente cortadas, na forma pretendida, do barro cru e depois

vidradas, dada a diferenciação entre as cores, com concentração de vidrado nos bordos.

Datável do século XV e de provável produção sevilhana, este exemplar teria como

função inicial o revestimento parietal, sendo precisamente essa, uma característica que

distingue os alicatados dos pavimentos medievais europeus, tendo os primeiros, uma

aplicação, essencialmente, parietal.

Na segunda metade do século ocorrem tentativas de simplificação do trabalho do

alicatado, pretendendo centralizar num ladrilho quadrado de molde levantino os

delineamentos de repetição das laçarias geométricas. A técnica usada consistia na

colocação de um filete de manganês, normalmente embebido em óleo de linhaça,

colocado sobre um motivo cerâmico gravado, visando impedir a mistura dos óxidos

aquando da cozedura. Conforme Santos Simões32 era, aliás, uma técnica já bem familiar

da Europa Medieval e praticada nos esmaltes sobre cobre – cujo centro foi Limoges –,

técnica essa conhecida por cloisoné: processo técnico, que na gíria espanhola, foi

comummente designado por cuerda seca. O surgimento da corda seca permitiu uma

composição a várias cores no mesmo azulejo; um excepcional aumento da produção; e

uma diminuição do preço de custo, dado que, a técnica antecedente por incluir o corte e

a aplicação simultânea das peças exigia ladrilhadores especializados, tornando a

utilização dos revestimentos alicatados morosa, dispendiosa e de exportação quase

impossível. Dos poucos exemplares de corda seca representados na Colecção Berardo

destacam-se os Painéis de Azulejos de Padrão Hispano-mourisco (inv.101-2 e inv. 101-

3), ambos policromos, datados da primeira metade do século XVI e de produção

sevilhana. Constituídos pela repetição de um mesmo módulo de padrão de 2x2,

respectivamente, apresentam uma decoração geométrica de laçarias, formando

composições radiais.

Se o método da corda seca desempenhava já uma facilitação artesanal,

implicava, ainda, o emprego de mão-de-obra relativamente conhecedora. A partir de

finais do século XV surge um novo procedimento, que permite obter a separação dos

esmaltes. Nesta nova técnica apelidada de aresta ou cuenca, como é conhecida em

Espanha, os azulejos eram decorados com o auxílio de moldes de madeira que, uma vez

32 Santos Simões (1990), p. 56.

Page 28: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

18

pressionados sobre o barro fresco, permitiam, após uma primeira cozedura da peça, a

colocação dos pigmentos nos espaços aveolares formados, possibilitando, após uma

segunda cozedura, um produto de maior perfeição que o anterior.

Embora os revestimentos cerâmicos tenham sido usados em Portugal desde

finais da Idade Média, decorando-se pavimentos de igrejas e palácios com placas

cerâmicas, pode afirmar-se que a azulejaria portuguesa começa no final do século XV,

época que marca o início de encomendas a oficinas peninsulares de tradição mourisca.

O documento mais antigo que se conhece referente à importação de azulejos

data de 147933. Trata-se de abastecimentos da oficina sevilhana de Fernán Martinez

Guijarro a Portugal, desconhecendo-se o seu destino.

Entre finais do século XV e a primeira metade do século XVI, o azulejo passa a

ser usado em Portugal com grandiosa singularidade, guarnecendo inteiramente paredes

monumentais, afirmando-se o gosto por espaços ornamentais envolventes, cuja génese

pode ser encontrada na presença da apurada cultura árabe na Península Ibérica.

As composições cerâmicas parietais, empregues na Andaluzia, devem ter

impressionado fortemente o poder régio, pois, como se sabe, a primeira grande

encomenda de azulejos sevilhanos para aplicação parietal em Portugal foi, entre 1508 e

1509, para o Paço Real de Sintra, por iniciativa do Rei D. Manuel I (1469-1521). Tendo-

se interessado pela azulejaria hispano-mourisca quando, em 1498, esteve com sua mulher

D. Isabel, filha dos Reis Católicos, em Toledo e Saragoça, para ser jurado herdeiro das

coroas de Castela, Leão e Aragão, visitou a Andaluzia, e por sua iniciativa, fez chegar ao

porto de Belém, em Lisboa, no ano de 1508, uma enorme encomenda de 10 146 azulejos

destinados à decoração do seu palácio, em Sintra. Certo era, que o gosto pela utilização de

revestimentos cerâmicos, embora de pavimento, estava já enraizado na família real

portuguesa e, significativamente, na casa dos Duques de Beja, pais deste monarca.

Também a Igreja procedeu à encomenda de azulejos hispano-mouriscos para o

revestimento das superfícies parietais de muitos dos seus templos, de que é possível

destacar a Sé Velha de Coimbra, a igreja de São Paulo de Frades, perto da mesma

cidade, a cripta da igreja de Jesus, em Setúbal, ou ainda, a sala do capítulo do convento

da Conceição de Beja.

A azulejaria mudéjar não se irá confinar à repetição de formas e ornatos

islâmicos, inteirando na sua linguagem plástica outros elementos como prodígio

33 PEREZ, José Gestoso y – História de los barros vidrados sevilhanos. Sevilha, 1904, p. 149.

Page 29: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

19

artístico de interpenetração de culturas, que descreve o mudéjarismo peninsular. De

acordo com Luísa Arruda na azulejaria mudéjar “(…) reconhece-se a presença de um

formulário gótico adaptado à padronagem decorativa, em formas vegetalistas, motivos

heráldicos, desenhos de tecidos ricos ou utilização ornamental e simbólica de textos em

letra gótica. Este carácter dever-se-ia, tanto a uma opção dos encomendadores, como à

sua absorção pelos artífices.”34.

Acrescenta, ainda, a investigadora, que outro aspecto não menos determinante

diz respeito à articulação da cerâmica com o espaço arquitectónico e que também

anuncia um gosto estabelecido na Península Ibérica a partir da ocupação árabe. O

guarnecimento de superfícies murais para a decoração de fachadas, interiores e jardins

funcionaria como memória e adaptação a situações mais permanentes da decoração

efémera que utilizava tapeçarias, tecidos e guademecins.

Efectivamente, a linguagem estrutural da tapeçaria e do tecido mural está

presente na organização dos painéis de azulejaria mudéjar, sobretudo na utilização

compositiva da padronagem, através de barras e cercaduras, que demarcam os diferentes

panos. Representam este tipo de cercadura os Painéis de Azulejos de Padrão Hispano-

mourisco (inv. 101-6 e inv. 101-7). Constituídos por barras de padrão, em módulo

único, aplicado geralmente em cercadura, ostentam dois pares de folhas entrelaçadas,

verticalmente, cujos ramos definem um motivo em corrente. As barras idênticas, que

compõem os dois painéis foram, muito provavelmente, montadas após a desintegração

da estrutura arquitectónica a que estariam adstritas, pois encontramos na obra de Santos

Simões uma imagem da igreja de São Paulo de Frades, em Coimbra, onde se podem

observar exemplares iguais, exercendo a sua função de cercadura35.

Se os exemplares mais antigos, fabricados segundo a técnica da corda seca,

reproduzem esquemas geométricos de inspiração mudéjar, já outros, de produção

posterior, em técnica de aresta, reflectem um gosto goticizante. É o caso do Painel

de Azulejos de Padrão Hispano-mourisco (inv. 101-176) - de 10x16 azulejos,

constituído pela repetição de um mesmo módulo de padrão de 2x2 - em que

elementos decorativos góticos foram usados segundo esquemas mudéjares, dando

origem a uma composição híbrida, exemplar da interpenetração cultural que

caracteriza muita da produção azulejar hispano-mourisca. O friso, onde figuram dois

34 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Formas Hispânicas. Azulejaria Portuguesa dos Séculos XV e XVI”. in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo Pereira, Vol. III, Edição Círculo dos Leitores, Lisboa, 1995, p. 366. 35 Santos Simões (1990), estampa XXVIII.

Page 30: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

20

ramos de folhagem ondeada, em cujas reservas interiores se encontram flores-de-lis,

ritmando o conjunto e simulando uma corrente cujas reservas circunscrevem pares

de formas florais estilizadas, é segundo João Pedro Monteiro36, de um tipo muito

comum em Manises, Valência, no último quartel do século XV. Também

goticizantes são os exemplares de Painéis de Azulejos de Padrão Hispano-mourisco

(inv. 101-178 e inv. 101-179), sendo este último evocativo da tradição mudéjar dos

tectos em madeira.

Conforme nos lembra o investigador José Meco37, dos conjuntos portugueses de

azulejaria hispano-mourisca, somente um pode ser considerado representativo da

maneira de aplicação andaluza (como a da Casa de Pilatos, em Sevilha), trata-se pois,

do patenteado na sala do capítulo do Convento da Conceição, em Beja. Este notável

revestimento do primeiro quartel do século XVI, com diferentes modelos renascentistas

de aresta, compreende as superfícies parietais da sala numa integração cuidada, com

variados padrões associados a delinear painéis dispostos lado a lado, cingidos por uma

cercadura e ultimados por friso com palmetas.

Na realidade, as restantes aplicações caracterizam-se pelo agrupamento livre

dos azulejos, combinando os mais distintos padrões e cercaduras de modo a

montarem combinações dinâmicas e contrastadas, integralmente divergentes das

disposições de padrões comuns na Andaluzia e denunciando já, numa época em que

ainda não existia produção portuguesa de azulejos, uma agudeza decorativa própria,

bem definida.

Exemplo paradigmático do gosto e grande autonomia de colocação

portuguesa é o Painel de Azulejos de Padrão Hispano-mourisco (inv. 101-177), em

técnica de aresta. A utilização na composição de seis módulos de padrões diferentes,

um dos quais contido em cercadura e colocado como centro de uma composição

mais vasta, permite evocar a tal liberdade com que, frequentemente, os ladrilhadores

portugueses fizeram uso dos azulejos hipano-mouriscos, e de que é exemplo os

revestimentos da Sé Velha de Coimbra. Aí, contrariamente ao trabalho realizado no

convento da Conceição em Beja, provavelmente por artífices idos de Sevilha, foram

aplicadas uma multiplicidade de soluções, cobrindo pilares e paredes, pois os

ladrilhadores nacionais, desconhecendo certamente o modo de aplicação habitual

36 MONTEIRO, João Pedro – “A Colecção de Azulejos da Fundação José Berardo”. in Islenha, Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlânticas, nº38 – Janeiro – Junho 2006, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Madeira, 2006, p. 39. 37 José Meco (1993), p. 187.

Page 31: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

21

destes azulejos, socorreram-se da sua imaginação, dando a este templo a “(…) mais

versátil decoração da época (…)”38.

É na técnica de aresta, que se produz a maior quantidade de azulejos de lavores,

tanto para decoração parietal como pavimentar, sendo das técnicas azulejares arcaicas, a

mais representada na Colecção Berardo. Segundo Santos Simões a época de maior

expansão dos padrões de aresta, dataria de 1520 a 1540.

No decorrer do século XVI a azulejaria múdejar continua a afirmar-se como

gosto, embora os desenhos comecem a modernizar-se através da aceitação de temas

ornamentais renascentistas – fitomórficos – acabando por desaparecer as laçarias

geométricas. Se o Painel de Azulejos de Padrão Hispano-mourisco (inv. 101-180),

constituído pela repetição de um mesmo azulejo, assinala uma nova evolução estética da

produção, fazendo, ainda, a transição para o novo gosto, o Painel de Azulejos de Padrão

Hispano-mourisco com motivos vegetalistas (inv. 101-181) assume já plenamente no

anel duplo, que emoldura o losango com apontamentos vegetalistas, circunscrevendo o

quadrifólio cruciforme, uma gramática caracteristicamente renascentista.

O trabalho de artesãos árabes é uma expressão da cultura mudéjar, podendo nele

coexistir temáticas de origem muçulmana, naturalmente predominantes, com elementos

próprios da cultura cristã. Diga-se, ainda, que nestes protótipos sevilhanos está já

definida o que será uma das mais importantes vocações do azulejo que, futuramente,

virá a ser fabricado em Portugal: a concepção de padrões destinados ao revestimento de

superfícies arquitectónicas por vezes de grandes dimensões. Como referimos, datam das

primeiras encomendas de azulejaria sevilhana, feitas por portugueses, os ensaios de

soluções originais, nomeadamente, no modo como assume a articulação da decoração

com o suporte arquitectónico.

2. Padronagem Maneirista e Protobarroca, Registos Religiosos

Em meados do século XVI, os azulejos hispano-mouriscos, expressos pelas

técnicas de corda seca e aresta, caem em desuso em Portugal e são substituídos por

azulejos com decoração directamente pintada sobre o vidro, em técnica de majólica ou

faiança. Introduzida na Península Ibérica por Francisco Niculoso, o Pisano, desde a sua

38 PEREIRA, João Castel-Branco – As colecções do Museu Nacional do Azulejo. Instituto Português de Museus, Lisboa, Zwemmer, Londres, 1995, p.41.

Page 32: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

22

chegada a Sevilha em 1488, e difundida por ceramistas flamengos vindos de Antuérpia,

esta nova técnica possibilitava a pintura rápida, tendo-se começado a usar nas oficinas

de Lisboa, por volta de 1560. Aí se produziram os azulejos para a Quinta da Bacalhôa,

em Azeitão, núcleo onde os primeiros espécimes portugueses coexistem com a

padronagem sevilhana.

As novidades técnicas incitaram uma singular renovação da cerâmica em

Portugal e em Espanha, articuladas a um extenso e revolucionário movimento artístico,

copiosamente sustentado pelas cartelas, ornatos e composições geradas pelo maneirismo

flamengo, que no nosso país foram uma fonte capital para a criação de várias artes

ornamentais, como a talha dourada, a escultura decorativa e a pintura ornamental

aplicada à arquitectura.

Perante estes factos, torna-se então clara a génese Lisboeta do Mascarão (inv.

101-395), de gosto maneirista datável de cerca de 1570, semelhante (senão igual) aos

que revestem um alegrete de jardim, na Quinta da Bacalhôa, aplicados em repetição

linear. Proveniente da antiga Igreja das Mercês, em Lisboa, Santos Simões refere-se a

este painel, aquando da descrição da Colecção do Dr. José Coelho da Cunha, cuja foi

herdada de seu pai, Alfredo da Cunha. “No belo palácio do Largo de S. Vicente –

outrora Casa Nobre dos Noronhas [actualmente designado por Palácio Teles de

Menezes, Largo de São Vicente, 5, Freguesia de São Vicente de Fora, Lisboa] em

Lisboa, juntaram-se e expõem-se com requintes de bom gosto e critério didáctico,

algumas centenas de exemplares de todas as épocas e das melhores qualidades. Os

azulejos foram adquiridos por Alfredo da Cunha quando da demolição [da Antiga

Igreja das Mercês, em Lisboa] e carinhosamente transferidos para a sua residência.

Quando os vi – em 1950 – logo me chamaram a atenção não só pela sua beleza como

pelas semelhanças com alguns dos azulejos da Bacalhôa. Trata-se de um silhar com

sete azulejos de altura, incluindo os de rodapé. Repetem-se grandes máscaras entre

«cartouches» de ferronerie, em tudo iguais às do canteiro ou alegrete do Rapto da

Europa da Bacalhôa. Neste caso, porém o conjunto parece mais cuidado, enriquecido

com o molduramento de gregas.”39.

A igreja das Mercês datava, na sua última forma, dos meados de seiscentos, mas

como relembra Santos Simões, já o Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia

Portuguesa alvitrara, que esta assentava no local onde outrora existia uma casa nobre,

39 Santos Simões (1990), p. 108.

Page 33: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

23

que servia também de recolhimento. Segundo o investigador, não há dúvidas que os

azulejos são certamente de época próxima de 1570 e provenientes da mesma oficina que

forneceu os últimos azulejos a Afonso de Albuquerque (filho), então proprietário da

Quinta da Bacalhôa.

O painel apresenta, actualmente, uma cercadura monocromática, sendo que a

moldura em grega e o respectivo rodapé devem ter sido substituídos, aquando da transição

da Colecção do Dr. José Coelho da Cunha para a Colecção do Manuel Leitão40.

O motivo maneirista central deste exemplar surge, também, embora usado de

forma diferente, na igreja de São Roque, em Lisboa, obra capital da primeira azulejaria

portuguesa, assinada por Francisco de Matos e datado de 158441.

A apurada produção maneirista foi um reflexo do curto período de fulgor e

magnificência vivido por Portugal, em resultado do comércio das especiarias e da

abundância de outros bens provenientes da expansão marítima, conjuntura que

ingressou em espontâneo declínio e degradação a partir de meados do século XVI,

alcançando séria crise perto do final da centúria, à qual veio juntar-se a perda da

Independência Nacional, repercutindo-se essa situação na economia e na sociedade

portuguesa ao longo do domínio espanhol, sentindo-se, ainda, após a Restauração.

Segundo José Meco “A carência de meios e a dispersão da nobreza, bem como a

ausência da corte, trouxeram profundas alterações à produção artística nacional,

implicando uma fase maneirista pobre, de arquitectura singela, preponderantemente

religiosa, na qual trabalharam artífices decoradores de formação não erudita, porque os

mestres emigravam e as suas obras, mais dispendiosas, só muito esporadicamente podiam

ser pagas.”42. Em contrapartida, neste encadeamento, o azulejo português desenvolveu

novas potencialidades decorativas, passando a ser criado particularmente em função da

arquitectura que reveste, na qual cumpre um papel dinamizador e modificador do espaço.

Num espírito radicalmente antagónico ao da azulejaria ornamental maneirista,

surgem soluções originais numa manifestação paralela extraordinariamente importante,

40 Refira-se que o painel em questão incorporou a Colecção Berardo por compra directa à Colecção do Manuel Leitão, em 2003. 41 Esta obra, sobejamente divulgada, mereceu especial destaque desde Haupt (1890), que a desenhou em HAUPT, Albrecht – A Arquitectura do Renascimento em Portugal. Do tempo de D. Manuel, o Venturoso, até ao fim do domínio espanhol. Tradução de Margarida Morgado, Editorial Presença, Lisboa, 1986. Introdução crítica e revisão de texto de M.C. Mendes Atanázio. (Edição original em dois volumes, em alemão, sob o título Die Baukunst der Renaissance in Portugal, Ester Band A. M. Heinrich Keller, 1890) e José Queirós (1907), que exaltou a sua perfeição técnica e sentido decorativo, em QUEIRÓS, José – Cerâmica Portugueza. Typographia do Annuario Commercial. Lisboa, 1907. 42 José Meco (1993), p. 198.

Page 34: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

24

desenvolvida através das composições de “caixilho”. Após um aprofundado estudo dos

princípios teóricos a que obedeceram as composições “enxaquetadas” (ou

“xadrezadas”), e a génese das organizações decorativas da azulejaria, designadas de

“caixilho”, Santos Simões revela que os ritmos lineares, destas tipologias, se

orientavam, na maioria das vezes, diagonalmente. Reconhecendo, que o efeito

decorativo acarretava uma mudança de direcção contrariando premeditadamente as

linhas horizontais e verticais da própria arquitectura43.

“Pouco a pouco observamos que estes simples esquemas se ampliam para

escalas cada vez maiores, procurando como que uma multiplicação espacial. Assim, o

primeiro caixilho cujo o módulo é constituído por 1 azulejo, 2 tarjas e o elemento de

ligação, pode ampliar-se para uma composição em que há 2 tarjas de lado a lado,

alternando nas respectivas cores, e 4 elementos de ligação nos respectivos ângulos com

as cores igualmente alternadas.”44. Na verdade, são muitas as combinações de

“caixilhos” que se encontram nos edifícios religiosos, nas igrejas, sacristias, corredores,

salas de capítulo, claustros e noutros espaços, sobretudo a Sul do nosso país.

Os esquemas de composição dos “caixilhos”, provenientes dos “enxaquetados”,

conservam insistentemente as suas linhas rítmicas, alterando apenas o elemento colorido

– azul ou verde –, sendo o outro sempre branco. Ainda que, com raízes firmadas no

século XVI, é apenas nas primeiras décadas do século seguinte, que esta utilização

adquire a verdadeira monumentalidade. Apresentando esquemas mais complexos, em

que os quadrados brancos são substituídos por azulejos de padrão, dando origem às

composições de “caixilho compósito”.

Na Colecção Berardo existe apenas um Painel de Azulejos “Enxaquetado” (inv.

101-9), representativo dos primeiros esquemas utilizados. Feito à base de uma

composição de alternância simples – azuis e brancos –, onde prevalecem como linhas de

força as diagonais, produzidas pelo efeito cromático das tarjas de cor azul. Fazendo de

cercadura, possui uma barra, de cor e espessura, igual às tarjas diagonais. Produzido,

certamente, em Lisboa, deverá datar de finais do século XVI, princípios do século XVII.

Embora, os azulejos “enxaquetados” se prestassem a uma grande variedade de

composições decorativas, os casos mais simples, aplicavam-se apenas na parte inferior

43 Segundo Santos Simões, estes esquemas são de criação especificamente portuguesa, sendo ignorados em outros países. Santos Simões (1971), Tomo I, p. 15. 44 Santos Simões (1990) p. 96.

Page 35: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

25

das paredes – silhares –, tendo sido, muito provavelmente, essa, a função inicial do

referido exemplar formado por módulo singelo.

Também, com raízes no século XVI, mas de origem talaverana e sevilhana, são

os azulejos de padrão ponta de diamante. Conhecidos em Espanha por padrão dos

Clavos ou padron del Arzobispo, por ter sido criado para satisfazer uma encomenda do

Arcebispo de Toledo, este tipo de produção policroma, cujo desenho é geralmente

constituído por quatro azulejos, tendo como motivo central uma figura de “diamante”,

tornou-se extremamente popular.

Azulejos de ponta de diamante, ainda de produção sevilhana, foram aplicados

em parte do revestimento da igreja de São Roque em Lisboa, em 1596, e na sacristia da

igreja do Espírito Santo, em Évora, formando em ambos os casos, tapetes limitados por

cercaduras próprias, denominadas de dente de lobo.

Durante o primeiro quartel do século XVII este desenho vulgarizou-se em

Portugal, desenvolvendo-se uma produção nacional, cujos exemplares mais antigos são

os tapetes da Capela da Lavegada, em Tomar, datáveis de 1602. Conhecem-se muitas

variedades deste padrão, tendo a sua utilização prolongado no tempo até cerca de 1630.

O Painel de Azulejos de Padrão Ponta de Diamante (inv. 101-8) testemunha

este tipo de decoração de influência ítalo-flamenga. Considerado um dos melhores

exemplos da azulejaria maneirista com motivos de clara referência clássica – óvulos e

dardos, ondas e palmetas, cartelas e pontas de diamante, ilusão de volume dado pela

marcação das zonas de luz e sombra orientadas a 45º –, está guarnecido com a

respectiva cercadura, na base e no topo, faltando aos lados.

De acordo com a identificação e catalogação de padrões elaborada por Santos

Simões este exemplar é do tipo P-75 com cercadura C-3445. O módulo é composto por

nove azulejos, um prisma saliente ou reentrante conforme a posição, quatro pirâmides

quadrangulares e quatro motivos em cartela. As pirâmides quadrangulares e as cartelas

constituem-se como elementos comuns aos módulos adjacentes, construindo um

esquema de composição, que se desenvolve em alternância rica de cheios e vazios. A

cercadura, designada por dente de lobo, cria uma ilusão de volume, pelo uso de

tonalidades azuis sobre fundo amarelo. De cada dente, com terminação em forma de

voluta, sai um ramo com flor estilizada, que preenche o espaço livre entre cada dente. A

cercadura é rematada, exteriormente, por várias linhas paralelas e uma cana.

45 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 26 e 145.

Page 36: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

26

Recuando, novamente, até às produções de transição do século XVI para o

século XVII, as experiências com composições de “caixilho” começam a adquirir um

ritmo decorativo, já definido por grandes diagonais e animado cromaticamente pela

inserção harmónica de azulejos de ornatos policromos, que se iria repercutir como

“constante” na azulejaria portuguesa de seiscentos. Pois, como refere Santos Simões

“(…) é essa organização de efeitos diagonais que continuará a presidir às composições

dos “tapetes” quando, abandonados os esquemas de “caixilho”, se vão resolver os

problemas decorativos apenas com elementos de padronagem policroma.”46.

O gradual abandono das composições de “caixilho” pode-se ter ficado a dever a

vicissitudes várias de ordem económica, relacionadas essencialmente com o custo de

aplicação. Porque, se é verdade que inicialmente, os azulejos monocromáticos eram de

preço inferior, visto não obrigar mão-de-obra experimentada em pintura ornamental,

certo era, que a sua colocação seria morosa e dispendiosa em execução do ladrilhador,

desempenhando um papel preponderante neste tipo de revestimento. A introdução de

azulejos de modelo quadrado e uniforme, viriam a abreviar consideravelmente o tempo

de ladrilhamento, diminuindo consequentemente a incidência dessa parte do trabalho no

valor global da obra.

Não tendo conseguido conquistar uma grande clientela, os esquemas de

“caixilho”, acabariam por terminar no princípio do segundo quartel do século XVII,

cedendo lugar às composições de “tapetes” de padronagem policroma. As composições

de padronagem resumem-se a esquemas de grandes tapetes, obtidas através da repetição

ritmada de “padrões”, que irá descrever a azulejaria portuguesa do século XVII,

absorvendo a quase totalidade da produção47.

Neste seguimento, criou-se então, uma enorme variedade de azulejos de padrão

destinados ao revestimento de superfícies parietais, que depararam na Igreja o seu

principal cliente. Trabalho oficinal, a riqueza dos azulejos portugueses de padrão do

século XVII ficou-se a dever ao modo como a imaginação dos nossos artífices soube

executar a partir de uma pluralidade de influências, maioritariamente italo-flamengas,

46 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 17. 47 Conforme Santos Simões denomina-se “tapete”, em azulejaria, “(…) a composição para revestimentos parietais cujo efeito decorativo resulta da repetição regular de “padrões”. O “padrão” é, portanto, a unidade de repetição, ou seja: constituído pelo menor número de “elementos” (azulejos tomados individualmente) que definem essa repetição. Ao passo que o “tapete” é teoricamente infinito – daí o seu valor decorativo –, o “padrão” pode isolar-se e definir-se pelo número de “elementos” que o completam e pelo “módulo de repetição”. Esta era, na quase totalidade dos casos, quadrado, isto é, completava-se um único azulejo (quadrado por definição), em quatro azulejos (2X2), dezasseis (4X4), trinta e seis (6X6), etc., aquilo a que se passava a chamar “quadra”.” Santos Simões (1971), Tomo I, p. 20.

Page 37: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

27

mas também extra europeias, como se pode reconhecer pelo padrão que Santos Simões

designou de “Camélia”. Os interiores desadornados dos nossos templos seiscentistas

foram, assim, preenchidos por uma multiplicidade de padronagens, compostas por

módulos que variavam entre 2x2 e 12x12 azulejos.

Ao coexistirem no mesmo espaço módulos de diferentes dimensões, os mais

pequenos, eram, geralmente, aplicados nos planos inferiores das paredes. É o caso do

Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-182), de evidente influência flamenga,

constituído por módulos de 2x2 azulejos, que, de acordo com Santos Simões, é de

grande raridade, localizando-se o único exemplar de que tinha conhecimento num

edifício da Rua da Atalaia em Lisboa. Este estudioso catalogou-o como P-24 e a

cercadura como C-63, mencionando, ainda, que esta última podia também ser vista na

ante-sacristia do Mosteiro de Alcobaça, embora emoldurando um outro padrão48.

Também o Painel de Azulejos de Padrão Monocromático (inv. 101-185) é

constituído por módulos de 2x2 azulejos. Santos Simões, que o classificou como P-

398, realça a sua estranheza no programa seiscentista, datando-o já da primeira década

do século XVIII, porventura pelo facto de ser de pintura a azul. No entanto, será mais

prudente, pela sua temática, ainda maneirista, de motivos que parecem evocar

cornucópias colocadas cruciformemente e unidas por elementos polilobados, colocá-lo

no último quartel de seiscentos. O mesmo investigador refere, ainda, o facto de o ter

visto repetidamente aplicado no Brasil, no Palácio Saldanha e na Rua Inácio Accioly,

em Salvador, bem como, em Lisboa, no Palácio Alcáçovas e na Quinta do Travaz, do

Sebal49. A cercadura que neste painel surge a emoldurar o padrão, classificada como

C-90, está-lhe também associada, pelo que se depreende das palavras de Santos

Simões, em Salvador50.

O Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-183), constituído por módulos de 6x6

azulejos, era geralmente usado nos planos superiores das paredes. Definido por dois

centros de rotação e um elemento de ligação – neste caso o eixo principal do painel –

constituído por uma palmeta cruciforme, vazada losangularmente no centro, de cujos

ângulos partem folhas de acanto. Os centros de rotação são compostos por ferroneries,

apresentando-se um deles quadrilobado com um dos eixos abertos e rematado por

palmetas vegetalizantes. Este elemento circunscreve quadrifólio de acanto. No outro

48 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 36 e p. 150. 49 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 58-59. 50 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 150 e p. 156.

Page 38: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

28

centro de rotação, a ferronerie dispõe-se em quadrilobo, rematado por pequenos

quadrifólios de acanto, entrelaçando-se com o centro de rotação anteriormente descrito.

Santos Simões51, inventariou cerca de oitenta núcleos deste padrão (P-604), em locais

com uma dispersão geográfica assinalável, que vai desde a igreja de São Cristóvão, em

Caminha, passando pelo antigo convento de Nossa Senhora dos Anjos no Cabo Frio,

Rio de Janeiro, até à capela-mor da igreja de São João Evangelista, no Funchal. A

extraordinária expansão deste esquema processou-se não só no espaço como no tempo,

prolongando-se desde de 1630 até final do século. A sua recorrência ficou-se,

certamente, a dever ao grande dinamismo e consequente eficácia decorativa.

Paradigma da criatividade dos nossos azulejadores de seiscentos é o Painel de

Azulejos de Padrão de “Marvila” (inv. 101-184), formado por módulos losangulares de

12x12 azulejos, o de maior dimensão concebido no Mundo, e que pela sua grandeza

destinava-se, apenas, ao revestimento parietal de superfícies colossais. Tendo a sua

aplicação mais eficaz e espectacular na igreja de Marvila em Santarém, é correntemente

designado como “padrão de Marvila”. Constituído por catorze tipos de azulejos

diferentes (num total de 144) era, naturalmente, dispendioso, pelo que, por norma,

figura em “(…) grandes templos com preocupação de ostentar riqueza.”52.

Este padrão é inspirado na azulejaria de “caixilho”, onde é manifesta a

preocupação de diagonalidade. Constituídos por azulejos lisos de colocação oblíqua,

separados entre si por estreitas tarjas e pequenos quadrados cerâmicos, que se

desenvolveram através da incorporação de azulejos chamados de lavores em substituição

dos lisos, que se colocavam nos centros da malha axadrezada. Não sendo possível

determinar com precisão a época em que surgiu, nem o local para onde primeiramente foi

concebido, Santos Simões julga tratar-se de uma criação de cerca de 1620-3053.

“Os esquemas de 4x4 mais simples, porventura também os mais económicos,

eram engenhosamente obtidos apenas com dois elementos (4x4/2). É verdadeiramente

para admirar o poder de imaginação desses anónimos artistas que saibam tirar partido

do azulejo para, com um mínimo de peças elementares, obterem composições

relativamente vastas e, sobretudo, de extraordinário efeito decorativo.”54 Um dos

padrões que mais se popularizou, sendo também um dos mais estéticos, foi o P-401, o

qual, somente com dois elementos, muito diferentes entre si, origina uma composição

51 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 111. 52 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 124. 53 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 124. 54 Santos Simões (1971), Tomo I, p. 64.

Page 39: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

29

de dezasseis azulejos, cuja reprodução permite a ornamentação de grandiosas

superfícies, conjugando ritmos cromáticos e lineares, aparentemente, complexos.

A reputação que este padrão lucrou é reconhecida pelas variantes a que deu

procedência, chegando ao final do século XVII, e até mesmo aos princípios do século

XVIII, já com pintura circunscrita aos tons de azul. Santos Simões toma como exemplos

protótipos do P-401 os azulejos retirados da Capela designada de “Simão Preto”, da

igreja de Santa Maria do Olival, em Tomar, cuja azulejaria, de acordo com o

investigador, está relacionada com um documento datado de 1632. Representativo deste

modelo, o P-401, é o Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-45), com o centro do

módulo composto por florão cruciforme, formando quatro pontas de flor-de-lis e quatro

folhas de parra, que se entrelaçam em circunferências de fina ferronerie, num total de

quatro, circunscritas, dentro de cada módulo. A circundar o florão central, existem

folhas de acanto pendentes para o interior que, aos pares, saem de pequeno elemento de

ferronerie, que une as circunferências, quando estas se tocam.

Na ampla produção dos modelos 4x4, foram muito comuns os padrões da

“família” dos quadrílobos, tendo-se iniciado a sua criação ainda antes de 1460, a qual se

mantém para além do princípio do século XVIII, já em colorações azuis. Entre vários

exemplares da Colecção Berardo, pertencentes a esta “família”, destaque-se o Painel de

Azulejos de Padrão “Quadrílobos” (inv. 101-48). Classificado por Santos Simões como

P-431, é considerado, pelo mesmo, como um dos “(…) mais antigos e aparece por

vezes com um quinto elemento, que não é mais do que rebatimento da matriz – por

exemplo na Igreja da Várzea (Santarém).”55. Este tipo de padrão pode, também, ser

encontrado no revestimento da nave da igreja matriz de Aldeia Gavinha, em Alenquer,

datável de meados do século XVII.

No interior das igrejas a padronagem surge, com frequência, circundando

pequenos painéis com figuras de santos, simbólicas e cenas narrativas religiosas,

realizados por artífices sem formação académica que transpunham, em interpretação

ingénua, gravuras que então circulavam internacionalmente servindo como modelos a

artistas e a artesãos de diferentes artes decorativas.

Um dos temas mais recorrentes é o representado na Alegoria Eucarística (inv.

101-186): um ostensório sustentado (como é o caso) ou ladeado por anjos. Este tipo de

painel costuma apresentar em baixo uma reserva com legenda alusiva ao “Santíssimo

55 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 72-73.

Page 40: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

30

Sacramento”, e este não é excepção. Todavia, tem o interesse acrescido, de por debaixo

da legenda, exibir o cronograma 1630, pois a coexistência entre o contorno do desenho

a azul, próprio da primeira metade do século e o contorno a manganês, característica da

segunda metade, poderia fazer-nos pensar que estaríamos em presença de uma peça

datável de meados de seiscentos.

De facto, a azulejaria figurativa da primeira metade do século XVII é dominada

por temas religiosos, como as narrativas seriadas da vida da Virgem e de Cristo ou

registos de Santos, sendo um dos temas mais recorrentes, a representação da Eucaristia.

Segundo Santos Simões, estes painéis, “Aparecem com relativa frequência, já sobre os

arcos triunfais, já nas paredes de capelas privativas das Irmandades do Santíssimo

Sacramento, já, isoladamente, em outros locais de igrejas ou de claustros. Há os que

apenas mostram a Custódia, sempre pintada a amarelo, sugerindo ouro, destacando-se

de um fundo radiado. São igualmente frequentes os que se enriquecem com querubins

entre nuvens que se transformam em anjos nos painéis maiores. Mais ambiciosos são

aqueles em que a Custódia, colocada sobre um altar, é adorada por anjos turibulários.

Em muitos destes painéis se inscreveram dísticos, dos quais o mais comum é:

«LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO», por vezes ainda acompanhados dos nomes dos

doadores.”56. Neste contexto, a Alegoria Eucarística (inv. 101-186), é uma versão mais

elaborada do tema, com a imagem de uma custódia maneirista em templete, contendo no

seu interior a Hóstia Sagrada com a figuração sombreada do Calvário, sendo suportado o

ostensório por um par de anjos ajoelhados, em posição orante, numa atmosfera de nuvens.

Na cercadura, surgem querubins, intercalados com elementos de ferronerie.

Testemunho destas composições figurativas autónomas, simulando quadros de

pintura, normalmente integrados nas padronagens de capelas e igrejas, é o Registo

Hagiográfico (inv. 101-441). Para a execução deste painel figurativo o pintor serviu-se,

muito provavelmente, de uma gravura erudita como modelo, como era já frequente à época,

realizando, contudo, uma imagem ingénua de grande força expressiva. A forma da figura e

a paisagem que lhe serve de fundo tiram partido dos efeitos claro-escuro, aqui utilizados,

para organizar visualmente a imagem, e não como técnica mimética de representação. A

título comparativo, veja-se o painel do Museu Nacional do Azulejo, Registo de São Diogo

(MNAz inv. n.º 140) ou os painéis identificados por Santos Simões57 representando os

apóstolos, presentes na igreja matriz de São Pedro, na Sertã, em Castelo Branco, cujos

56 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 202-203. 57 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 124-125 e Estampa XVII.

Page 41: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

31

apresentam uma cercadura e desenho similares ao que figura neste painel. Também obra de

artesão, encantadora pela ingenuidade, é o Registo de Santo António (inv. 101-438).

Já o pequeno painel losangular Heráldica Franciscana (inv. 101-187), poderá ter

sido pintado sem o recurso a uma fonte gravada, trabalhando o pintor de memória, visto

serem as “armas” desta ordem religiosa sobejamente conhecidas e de fácil execução58. É

de realçar a invulgar forma losangular do painel, bem como, a moldura maneirista, cujo

bordo interior é constituído pela corda, um dos atributos de São Francisco.

Também os altares podiam ter aplicações cerâmicas, destacando-se os

normalmente designados “de aves e ramagens”, inspirados em tecidos estampados

indianos, as chitas, e que constituem um dos mais interessantes testemunhos de

transculturação nas artes decorativas portuguesas.

Como vimos, na imensidade de padrões criados ao longo século XVII

empregam-se motivos ornamentais ainda maneiristas – as ferroneries e as folhas de

acanto – mas em grandiosa elaboração e escala do desenho, em organizações

cenográficas monumentais, já de sensibilidade barroca.

“A metamorfose dos espaços conseguia-se pela aplicação de frisos e grandes

cercaduras que reforçavam os contornos das paredes, portas e janelas e separam

composições de diferentes padrões, que, por lembrarem tecidos e tapeçarias suspensas,

são designados de tapete, ocupando os padrões com módulos mais pequenos os níveis

inferiores das paredes e os maiores os superiores.”59

Marca, também, a produção da primeira metade de seiscentos os vários painéis

emblemáticos, hagiográficos e narrativos, que parecendo substituir as pinturas sobre

tela, integravam os grandes tapetes de padronagem.

3. Composições Ornamentais e Figurativas

Segundo Reynaldo dos Santos, na segunda metade do século XVII, sempre a par

das grandes decorações policromas, e ainda em plena efervescência criadora, “(…) surgem

nos temas e nos próprios tons dominantes, outras influências, em parte holandesas, que 58 Contrariamente, ao que tinha acontecido no século XVI, estas composições figuradas deixaram de ser executadas por pintores cultos, e passaram a ser obra de artesãos, que copiavam com ingenuidade, gravuras de artistas eruditos, divulgados por toda a Europa central e ocidental, revelando contudo grande sensibilidade e imaginação visual. 59 AA.VV. – Museu Nacional do Azulejo. Roteiro. Instituto Português de Museus, 2ª Edição, Lisboa, 2005, pp. 56-57.

Page 42: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

32

geram na evolução do azulejo nacional uma nova fonte renovadora. Assim se inicia a

decoração dos painéis historiados, com evocações da vida profana, livros sagrados, ou

simplesmente anedóticas; e a cor azul e branca, modelando as formas, entra no gosto das

composições murais.”60. De facto, ao longo da centúria de seiscentos, o gosto por

guarnecimentos cerâmicos colossais, para a arquitectura religiosa e civil, descobriu a

expressão máxima em composições ornamentais particularmente delineadas para cada

espaço, com uma súmula de “grotescos”, ornamentos profanos, desenhados por Rafael

Sanzio sobre os achados arqueológicos do Domus Aurea em Roma.

Seguindo, contudo, os cânones do maneirismo internacional, os motivos

ornamentais como sejam as ferroneries, cartelas, putti, grinaldas e quimeras, foram

explanados pela sensibilidade portuguesa adaptando-os ao azulejo, através de uma

surpreendente riqueza de imaginário e liberdade interpretativa das fontes iconográficas,

registadas com muita imaginação, embora, por vezes, algo ingénuas. Aplicando-os em

revestimentos decorativos de escala monumental, com perfeita integração no espaço

arquitectónico, introduziram outros motivos, heráldicos, civis e religiosos; animais exóticos

e fantásticos, arrogando-se como imaginário viçoso potencialmente expansivo, provido por

uma pintura, de azuis e amarelos sobre branco, deveras instintiva e voluptuosa.

Se por um lado a Igreja, empenhada em difundir os valores contra-reformistas

saídos do Concílio de Trento, fez uso do azulejo como meio privilegiado de veicular

mensagens, também a Nobreza, de regresso à Corte de Lisboa após a Restauração de

1640, procede à encomenda de azulejos para os seus palácios de veraneio ou habitação.

Aí, para além de reflectirem o seu gosto e interesses, figurando cenas de caça ou

mitológicas, renovando a temática da azulejaria figurativa portuguesa, que na primeira

metade de seiscentos respondera maioritariamente a encomendas da Igreja, os azulejos

podem assumir uma dimensão política. Relatam, então, os feitos militares do

proprietário, como é o caso exemplar da “Sala das Batalhas” no palácio dos Marqueses

de Fronteira em Lisboa, ou, mais subtilmente, materializam-se em cenas satíricas, como

é o caso das macacarias, assim designadas por serem maioritariamente protagonizadas

por macacos, também presentes nos jardins desse palácio.

Este género de figuração, a macacaria, remete-nos para a inversão simbólica da

realidade, que encontrou múltiplas expressões em diversas regiões da Europa ocidental,

após a descoberta e denúncia de le monde à l’envers ou renversé, sendo intitulada como

60 Reynaldo dos Santos (1957), p. 68.

Page 43: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

33

Die verkehrte Welt, il mondo alla riversa, el mundo al revés e the world upside down61.

O tema do mundo ao inverso, ou o mundo ao contrário, surge na produção literária do

século XVI. Terá sido o escritor, e padre francês, do Renascimento, Alcofribas Nasier

pseudónimo de François Rabelais (1483-1553), que se serviu da imaginação popular

herdada do espírito medieval, da estrutura narrativa das histórias, do estilo burlesco e da

riqueza vocabular para tratar alguns dos problemas mais decadentes do seu tempo,

como sejam, a administração da justiça, a vivência religiosa ou a guerra justa,

publicando uma edição dos Aforismos de Hipócrates, Pantagruel, em 1532, seguido,

em 1534, por Gargântua. Le monde à l’envers, que aparece nas gravuras quinhentistas,

ostenta a inversão física, ou qualitativa, e de status entre o homem, o animal, os

elementos e os objectos, traduzindo-se na humanização dos animais, como a presa

perseguindo o caçador; o céu no lugar da terra; entre diversas outras possibilidades de

troca, que elucidam o absurdo das situações, mas também o perigo de se consentir

insubordinações. Progressivamente, a evolução da irreverência, as quebras de códigos

morais e as duras críticas ao poder instituído, além de divertir, começaram a satirizar as

inversões correntes, que se assemelhavam à perversão e formulação de ideais relativas a

uma nova ordem social.

Ainda, no âmbito das produções do século XVI, cremos que a temática da

macacaria, poderá ficar a dever-se às versões satíricas da poesia épica de Iohannes

Placentius, que sob o pseudónimo de Publius Porcius editou, em Liége, Pugna

Porcorum, em 1530, recorrendo à ideia de transferência para o reino animal. Neste caso

específico, dos macacos, é particularmente interessante, por tudo o que invocam

associado à imitação e arremedo.

Embora a intenção deste género de representação nos seja ainda desconhecida, é

muito provável que o painel “Macacaria” – Acampamento de um exército junto a uma

cidade fortificada (inv. 101-189) tenha sido produzido no contexto da guerra da

Restauração (1640-1668), possivelmente já depois da vitória das armas portuguesas,

pelo que pretenderia satirizar o exército espanhol. Assim sendo, não estamos aqui em

presença de uma crítica social, como à primeira vista poderíamos pensar, pela

61 A este propósito ver: BERGSON, Henri – Le rire. Essai sur la signification du comique. Paris, 1950; TRISTAN, F.; LEVER, M. – Le monde à l’enver. Hachette, Paris, 1980; LEVINE, Lawrence – Black Culture and Black Consciousness. Oxford University Press, New York, 1993; COSTA, Emília Viotti da – Crowns of Glory, Tears of Blood: The Demerara Slave Rebellion of 1823. Oxford University, New York, 1994; MACEDO, José Rivair – Riso, Cultura e Sociedade na Idade Média. Edição Universidade UFRGS, São Paulo, 2000.

Page 44: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

34

representação hierarquizada que inclui a figuração de elementos do Clero, da Nobreza e

do próprio Rei, mas antes uma sátira mordaz ao inimigo.

Trata-se de uma representação de um exército junto a uma cidade fortificada. A

cena é protagonizada por macacos e felinos, dividindo-se a composição em “quadros”

que permitem ter uma ampla visão de um acampamento militar. No canto inferior

esquerdo destaca-se, no centro de figuras ocupadas nas mais variadas tarefas, um

macaco de chapéu. Em segundo plano e tendo a cidade por fundo, outro símio em trajo

militar e armado de escudo, urina. Um outro, despido e ornado com um tocado de plumas,

encontra-se sentado em escada apoiada na torre da muralha, tocando flauta. Ao centro, um

macaco de trajo guerreiro e capacete emplumado, parece querer estrangular um felino que

segura uma lança. No canto inferior direito, junto a uma bateria de canhões, um grupo de

símios de que se destaca um que parece ser um dignitário militar e que aponta a cidade a

um outro de trajo eclesiástico. Superiormente, sentado defronte a uma tenda, está um

macaco parecendo representar o Rei. A seus pés, ajoelha-se um outro. A cena é

completada por outros dois macacos que acompanham um felino. O painel é limitado por

cercadura de óvulos alongados e cantos com rosetas de folhas de acanto.

Proveniente da Quinta de Santo António da Cradiceira, Turcifal, Torres Vedras,

fazia parte de um conjunto que se dispersou por venda. Segundo Santos Simões, estes

azulejos foram arrancados em 1873 da Quinta de Santo António da Cradiceira pelo

Exmo. Sr. Jaime Batalha Reis, que os recolheu, em caixotes, com o fim de os mandar

restaurar e colocar na Quinta da Viscondessa, no Turcifal, o que não chegou a

acontecer62. Refere ainda, que a colecção era constituída, principalmente, por dois

painéis de macacarias, respectivamente de 26x11 “Macacaria” – Casamento da

Galinha (MNAz inv. nº 400) e 18x11 “Macacaria” – Acampamento de um exército

junto a uma cidade fortificada (inv. nº 101-189), incluindo a cercadura. Além destes

dois painéis maiores, havia outras composições que eram de silhares baixos (4 azulejos

de alto) com cenas de pássaros e gatos, cenas mitológicas, de caçadas e também

guarnições murais estreitas, com fábulas, etc. O investigador relata, que estes azulejos

acabaram por ser vendidos ao antiquário Engenheiro José Manuel Leitão, sendo porém,

um painel oferecido pelas proprietárias ao Museu Nacional de Arte Antiga,

62 Santos Simões (1971), Tomo I, pp. 150-121.

Page 45: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

35

encontrando-se, presentemente, no Museu do Azulejo (MNAz inv. nº 400). Cinco destes

painéis estão, actualmente, no Museu Municipal de Torres Vedras63.

Procedente da Quinta de Santo António da Cradiceira, Turcifal, Torres

Vedras, e parecendo ter um sentido crítico, ainda que na forma de fábula, o painel

Felinos e Par de Caldeiras (inv. 101-188), em que dois felinos tentam alcançar um

par de caldeiras preso nos ramos de uma árvore, apresenta também a densidade

cromática e o contorno a manganês do desenho, características da azulejaria

portuguesa da segunda metade do século XVII. Com a mesma proveniência, o painel

intitulado Sereia e Tritão (inv. 101-567), recentemente incorporado na Colecção

Berardo, poderá ter sido um dos painéis que fazia parte, do referido conjunto, que se

dispersou por venda. Este último, parecendo, também, ter um sentido crítico, ainda

que na forma de seres mitológicos, apresenta, igualmente, uma densidade cromática e

o contorno a manganês do desenho, sendo que a policromia exacerbada poderá,

decerto, anunciar o esgotamento desta solução pictórica.

Sendo os azulejos figurativos concebidos em sintonia com o espaço, sagrado ou

civil, a que se destinavam, alguns deles, os que exibiam os chamados “grotescos”,

tinham uma utilização um tanto ambígua, constituindo uma temática muito ao gosto do

Maneirismo europeu. Ornamentos inequivocamente profanos eram, sobretudo, usados

no revestimento de igrejas, em geral depurados dos seus elementos mais sensuais e

sempre como envolvimento decorativo de temática religiosa. São exemplares os painéis

da capela-mor da igreja do Espírito Santo de Évora, de 1631, e os do nartex da ermida

de Santo Amaro em Lisboa, de cerca de 1670.

Em grande voga na Europa desde a descoberta da Domus Aurea e divulgados

por gravuras internacionais, como atrás referimos, estes motivos ornamentais ítalo-

flamengos, também conhecidos em Portugal como “brutescos”, foram, assim,

transformados pela sensibilidade dos nossos pintores de azulejos, que lhes conferiram

características próprias, expressas, sobretudo, na transposição para grandes escalas,

tantas vezes requisito essencial a uma perfeita integração no espaço arquitectónico64. Na

Colecção Berardo, este tipo de produção marca presença em dois painéis heráldicos

“Grotescos” e Brasão (inv. 101-385 e inv. 101-386), forro interior de nichos em que 63 Designadamente os exemplares com os seguintes números de inventário: MMLT. 001176; MMLT. 001177; MMLT. 001178; MMLT. 001179 e MMLT. 001180. 64 A este propósito ver: DACOS, Nicole – La découverte de la Domus Aurea et la formation des grotesques à la Renaissance. The Warburg Institute, Londres, 1969, pp. 78-99 e SERRÃO, Vítor; DACOS, Nicole – “Des grotesques à la peinture de “brutesques”. in Portugal et Flandre, Catálogo da Exposição, Bruxelas, 1991, pp. 41-53.

Page 46: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

36

um brasão, encimado por paquife e ladeado por dois anjos tenentes, ocupa a parte

superior da composição, preenchendo os “grotescos” a secção inferior. Segundo João

Pedro Monteiro são provenientes de um palácio da Palhavã, em Lisboa, e estavam

aplicados no jardim sobre o mesmo brasão de “armas”, ao que se julga saber, do fidalgo

Diogo Botelho Chacão, que se encontrava pintado na parede65.

Desenvolvendo-se a partir de uma genealogia de motivos decorativos com

pontos de contacto com os “grotescos”, ou pelo menos com a maneira como estes

foram, a maior parte das vezes, entendidos no nosso país – veja-se os exemplos

referidos em cima, ou ainda da igreja paroquial de Nossa Senhora da Purificação, em

Bucelas, e da igreja paroquial de S. Mamede em Évora – surgem na nossa azulejaria

composições como o Silhar com Heráldica da Ordem Beneditina (inv. 101-390).

Trata-se de uma peça de grande interesse com enrolamentos de folhagem de

acanto sustidos por serafins, agindo como tenentes. Estes ladeiam cartelas circulares de

ferronerie em cujas reservas se encontram símbolos do poder temporal (coroa imperial),

religioso (tiara papal e mitra, ambas associadas a báculos), e a heráldica da Ordem de

São Bento (leão rompante afrontando báculo e, em segundo plano, torre cilíndrica

coberta por cúpula sob a qual se encontra uma estrela). Pelos enrolamentos de acanto é

próxima do conjunto conhecido como da “Sala da Caça”, do Museu Nacional do

Azulejo, proveniente do Palácio da Praia em Lisboa, e dos invulgares frontais de altar

da igreja matriz do Salvador, Aljustrel, com que tem ainda em comum o mesmo tipo de

serafins. Exibem todos, o verde malaquite próprio desta fase de produção, em que, na

década de setenta do século XVII, se tentou renovar pela exuberância da cor, as

soluções policromas até então usadas, e denotam um mesmo entendimento da

composição que podem apontar para um fabrico comum.

É provável que o par de painéis Atlante (inv. 101-190 e inv. 101-191), que sustêm

vasos floridos, possam ter estado colocados no mesmo local do Silhar com Heráldica da

Ordem Beneditina (inv. 101-390), que desconhecemos qual tenha sido, preenchendo

entreportas e dispostos simetricamente. A ser assim, e dado ter sido, seguramente, um

espaço religioso, é de considerar que estes vasos não sejam meramente decorativos e

possam ter um sentido simbólico, à semelhança de outros coevos que representavam a

virtude da Esperança66. Santos Simões, na sua obra dedicada ao século XVII, refere os

65 João Pedro Monteiro (2006), p. 42. 66 Ver a este respeito: MONTEIRO, João Pedro – “Os vasos floridos do convento de Nossa Senhora da Esperança em Lisboa”. in Azulejo, nº 1, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 1991, pp. 33-43.

Page 47: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

37

painéis patentes na Igreja do antigo convento de Santo António, em Viseu, mostrando, na

estampa X, uma fotografia com um par de atlantes idênticos a estes67.

Com um novo fôlego na segunda metade de seiscentos, os “grotescos”

continuam a acompanhar o processo de alteração do gosto, desta vez assinalado pela

pintura a azul com contorno a manganês, cujo exemplo paradigmático é, logo na década

de setenta, o já referido conjunto do palácio Fronteira. Entroncando na mesma matriz

decorativa do anterior, o Silhar de “Grotescos” (inv. 101-192), emoldurado por

cercadura de finos enrolamentos de acanto com perfil de corações invertidos, assinala

na Colecção Berardo esta transição.

No presente exemplar, a composição dispõe-se simetricamente a partir de um

centro constituído por vaso de flores e frutos assente em suporte onde se apoiam,

ladeando-o, duas aves. Estas afrontam par de serafins segurando fio com duas

contas, unido, junto ao remate inferior do vaso, por um rosto de fauno. Os serafins

estão sentados sobre exuberante composição de enrolamentos de acanto os quais

circunscrevem três pares destas figuras. As mais próximas do eixo central tocam

trombetas com pendão; os seguintes procuram agarrá-los e os últimos tocam um

instrumento musical idiofone de percussão, conhecido por “triângulo”. Sobre o

suporte onde estes se encontram, um cão brinca com um pendão. Este silhar datado

do último quartel do século XVII marca, também, aqui a passagem da policromia

para a exclusividade do azul e branco, que caracterizou a produção portuguesa da

primeira metade de setecentos.

4. Primeira Metade do século XVIII

A encomenda de diversos painéis holandeses com temas mitológicos, feita pelo

Marquês de Fronteira, para o seu palácio em São Domingos de Benfica, por volta de

1670, promove um autêntico fenómeno de “moda”, que irá persistir até meados do

século seguinte. Tentando competir com uma concorrência de alta qualidade, as oficinas

portuguesas vão responder com uma produção de artistas qualificados, e de formação

segura na pintura a óleo. Recomeçando a assinar as suas obras serão, estes, responsáveis

pela afirmação do gosto barroco na azulejaria nacional. No decorrer do período, a que

67 Santos Simões (1971), Tomo II, pp. 56-57.

Page 48: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

38

hoje, os historiadores designam por “Ciclo dos Mestres”, avultam os nomes do espanhol

Gabriel del Barco, na última década do século XVII; Manuel dos Santos, António

Pereira, o monogramista P.M.P. e António de Oliveira Bernardes, no primeiro quartel

do século XVIII; e o filho Policarpo de Oliveira Bernardes até 1740.

Esgotadas que estavam as incessantemente repetidas soluções policromas do

século XVII, este novo ciclo evolutivo da azulejaria portuguesa caracteriza-se, antes de

mais, pela pintura puramente a azul, solução que se afirma a partir da última década de

seiscentos. Simplificando os processos de produção, é incontestável que esta inovação

se relaciona com o prestígio de que a cor azul gozava, pela sua associação com a cotada

e prestigiada porcelana chinesa – a qual os portugueses foram os primeiros a transportar

para a Europa em grandiosas quantidades – e, ainda, pelo facto de ser dominante na

produção holandesa com que se pretendia pleitear.

Ocorrendo numa época de grande renovação decorativa das igrejas e palácios, o

azulejo nacional vai conhecer uma demanda crescente, retorquindo com sucesso às

encomendas de uma sociedade com renovadas necessidades de representação.

Impondo a sua presença em composições monumentais, de exemplar integração

arquitectónica, de tal forma impositivas que estão na origem da falsa teoria que o termo

azulejo deriva de azul, o trabalho dos nossos “mestres” deixou de lado os painéis

holandeses, cuja pintura demasiado fiel à fonte gravada, era para a nossa sensibilidade,

considerada “fria”, conduzindo a um desinteresse gradual, da mais exigente e requintada

clientela nacional, por essa produção.

Felizmente, uma parte considerável das composições concebidas pelos mestres

do primeiro quartel do século, programas iconográficos alargados que, nos espaços

religiosos, narram a vida de Cristo, da Virgem Maria ou dos Santos, subsistem nos

edifícios para os quais foram concebidos, em revestimentos por vezes totais, que

chegam a cobrir as paredes e se prolongam por abóbadas e cúpulas.

Um dos motivos utilizado ao longo do primeiro quartel do século XVIII, foi a

“albarrada”, usado sobretudo no revestimento de espaços conventuais, tendo a sua

produção coexistido com a dos painéis narrativos pintados pelos artistas mais

qualificados. Este motivo chegou ao nosso azulejo no decorrer de seiscentos, onde foi,

como referimos a propósito do par de painéis Atlante (inv. 101-190 e inv. 101-191),

algumas vezes utilizado, com uma intenção simbólica.

No século XVIII a “albarrada” vulgarizou-se, perdendo o valor de símbolo,

passando a ser usada em série, aplicada em alternância com outros motivos. É o caso

Page 49: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

39

dos golfinhos afrontados, um dos elementos mais frequentes, mas também um dos mais

eficazes do ponto de vista decorativo. Os que surgem ladeando o vaso florido da

Albarrada (inv. 101-194), com as caudas entrelaçadas com os festões pendentes do

bojo, conferem à composição ritmos sinuosos – reforçados pela densidade dos

enrolamentos de acanto da barra – próprios à exuberância da nossa azulejaria barroca. A

julgar pelo par deste painel, presente na Colecção Berardo – Albarrada (inv. 101-91),

idêntico ao do Museu Nacional do Azulejo (MNAz inv. n.º 7204, estando contudo

desprovido de cercadura), os quais apresentam, ladeando os golfinhos e os enrolamentos

de acanto, outros dois vasos floridos assentes em socos, esta Albarrada deveria ter sido

parte de um silhar de “albarradas”, tanto que apresenta elementos de ligação

interrompidos, nomeadamente, no festão, na base onde assentam os golfinhos.

Na vastidão de exemplares que, na presente Colecção, patenteiam este motivo,

destacamos o painel de azulejos Albarrada com cercadura policroma (inv. 101-193),

por se tratar de uma composição híbrida resultante do emolduramento de um painel de

“albarrada” do século XVIII, por uma barra de azulejos do primeiro quartel da centúria

anterior. Sem qualquer elemento decorativo a ladeá-lo, o vaso tem, no entanto, a

particularidade de exibir o motivo de “escamas”, veiculado pela porcelana da China,

sendo idêntico ao vaso que figura noutra Albarrada (inv. 101-96), também presente

neste espólio, e possivelmente com a mesma proveniência. Originário da Quinta de São

José em Sacavém, Concelho de Loures, Lisboa, esta Quinta, de origem seiscentista foi

foreira dos Duques de Bragança. O palacete, que data dos finais do século XVII ou

inícios do século XVIII, foi comprado, já no século XIX, pelo primeiro Barão de

Pomarinho (Estevão da Costa Pimenta de Sousa Menezes), tendo sido adquirido, em

1940, pelo Engenheiro José Manuel Leitão.

A produção que se destinava a revestir e ornamentar palácios, embora possa

surgir também em igrejas e conventos, recorre maioritariamente a estereótipos,

autênticas “(…) histórias sem História.”68, galantes, bucólicas e marítimas,

representando gestos quotidianos, ou cenas de caça, mitológicas e guerreiras, tipo de

composição inteiramente devedora de fontes gravadas, as quais os pintores dispunham

em abundância, usando-as de acordo com as exigências da encomenda e do espaço a

preencher. Assim, como acontece no silhar Cena Bucólica (inv. 101-204), não poucas

vezes, surgia no meio da composição uma árvore, podendo demarcar as cenas

68 João Castel-Branco Pereira (1995), p.49.

Page 50: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

40

representadas que, por vezes, exibiam temáticas diferentes – veja-se, a título de

exemplo, a Cena Marítima e Campestre (MNAz inv. nº. 709) do Museu Nacional do

Azulejo – ou, tão somente, com o intuito de alongar o comprimento do painel, de modo

a ajustá-lo ao espaço arquitectónico a que se designava.

De facto, como refere Luísa Arruda, os pintores de grande qualidade vindos de

uma formação cuidada e academizante, que trabalharam nas oficinas lisboetas no início

de setecentos, “(…) transformam totalmente a azulejaria portuguesa, emprestando-lhe

uma dignidade artística e ao mesmo tempo um carácter experimental que lhe permite

integrar nas imagens dos painéis de azulejos, os estilos artísticos do barroco e rococó,

ideias e influências diversas, mantendo-se sempre o sentido de unidade e capacidade de

integração na arquitectura que caracterizam a azulejaria portuguesa.”69.

Os três painéis das Alegorias aos Sentidos, Visão (inv. 101-99), Paladar (inv.

101-100) e Audição (inv. 101-101), datáveis do início do século XVIII e atribuídas ao

monogramista P.M.P., demonstram a influência dos mestres de pintura na azulejaria,

pela qualidade das paisagens e figuração das alegorias. Estamos em crer que estes

exemplares, de temática cara ao Barroco, e muito utilizada pelos holandeses – os

cinco sentidos –, decoravam provavelmente um salão, ou até mesmo um átrio, de um

palácio ou casa nobre, em Lisboa. Recorrendo às palavras de Santos Simões,

encontramos referência à presença, no Quarto de Cama da Casa dos Viscondes de

Ribamar, Rua do Poço dos Negros, n. 134, de “(…) cinco magníficas figuras de

damas, ricamente vestidas, representando os Cinco Sentidos. Um dos painéis (A

Vista) está alterado.”70, que acreditamos tratar-se destes exemplares. O mesmo

investigador relata, ainda, em nota de rodapé, que “Segundo informação fornecida em

Março de 1976 pela Viscondessa de Ribamar, parte dos azulejos foram retirados

pelos proprietários e encontram-se encaixotados.”71. Assim como refere Santos

Simões, o painel que representa a Visão é de dimensões inferiores aos restantes

presentes na Colecção Berardo, apresentando-se a cena central cortada aos lados,

sendo esta evidência notada pelo corte existente, numa das extremidades do

telescópico, no lado esquerdo do observador, e pelo surgimento de uma mão

segurando uma lança, no lado direito do observador.

69 Luísa Arruda (2003), pp. 57-58. 70 Santos Simões (1979), p. 284. 71 Santos Simões (1979), p. 284.

Page 51: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

41

Numa análise mais cuidada aos painéis relativos aos sentidos do Paladar e da

Audição, apuramos que os mesmos se encontram truncados, sendo que a cercadura de

ambos, patenteando anjos nos cantos com cartela dividida, se interligariam,

apresentando, por sua vez, uma cartela idêntica à que encima o painel alusivo à Visão.

Constata-se, ainda, que no Paladar, a paisagem que surge por detrás da mesa, no lado

direito do observador, se interligaria com a que surge à esquerda do observador, no

exemplar alusivo à Audição, formando um painel, deveras, monumental72.

A Cena Galante e Bucólica (inv. 101-196), produzida, ainda, no primeiro quartel

de setecentos, lembra, também, pelo tipo de personagem representado e pela moldura de

barra de enrolamentos divergentes de folhas de acanto, o trabalho do monogramista

P.M.P.. Embora, autor de menor erudição se comparado com os outros pintores do

primeiro quartel do século, cuja identidade é até hoje desconhecida, fez, de algum

modo, a transição entre o “Ciclo dos Mestres” e o período seguinte, o da chamada

“Grande Produção”, que se estende pelo segundo quartel, com um trabalho,

particularmente, baseado no recurso a imagens estereotipadas.

Nessa época, o azulejo deixa de possuir, na sua grande maioria, as características

individualizadas que nos permitem, no período anterior, fazer corresponder uma obra a

um autor. A “Grande Produção” fica, assim, marcada pela procura crescente de

revestimentos cerâmicos como elemento privilegiado de decoração – num mercado que

progressivamente se alarga ao Brasil –, acarretando a um crescimento do fabrico e à

proliferação de artistas, em geral anónimos, que, não obstante, tinham absorvido boa

parte dos ensinamentos dos mestres. Todavia, é possível, referir o nome de alguns

pintores de melhor formação como Nicolau de Freitas e Valentim de Almeida.

Ao longo do período dos “mestres”, e da “Grande Produção”, a figuração segue

duas vias temáticas bem distintas, correspondentes a dois grandes encomendadores: a

Igreja e a Nobreza. A primeira, adoptando o desenvolvimento lógico das composições,

que encomendara na centúria anterior, vai requerer a produção de programas

iconográficos prorrogados, narrando a vida de Cristo, da Virgem Maria ou dos Santos.

Assim, nos revestimentos interiores de igrejas e conventos continuaremos a encontrar

figuração religiosa em azulejos, associada, maioritariamente, a pintura a óleo, escultura

e talha dourada, em conjuntos de grande impacto visual, que actuavam sobre os

sentidos, cativando os fiéis a quem se destinavam as mensagens veiculadas. A muitos

72 Anexo I – Reconstituição do painel com alegoria aos sentidos Paladar e Audição.

Page 52: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

42

templos, pertencentes a períodos anteriores ou construídos ainda segundo austeros

cânones maneiristas, foi, deste modo, conferida uma dimensão barroca, sintonizada com

o novo gosto europeu.

O conjunto de painéis proveniente da Capela da Quinta do Relógio, Arrentela,

Seixal, constitui um programa iconográfico coerente. Representando, respectivamente, a

Celebração da Primeira Páscoa (inv. 101-198), o Milagre da multiplicação do pão

(inv. 101-199), as Bodas de Canaã (inv. 101-200), e a Última Ceia (inv. 101-201), o

sentido unitário dos painéis parece ser eucarístico. Aparentemente incongruente, em

relação ao conjunto, o painel que patenteia a Celebração da Primeira Páscoa – o único

relativo a uma cena do Antigo Testamento – pode, pelo contrário, ser a “chave” para um

entendimento iconológico global. Trata-se, como referimos, da Celebração da Primeira

Páscoa, a qual teve lugar por ocasião das “Dez pragas do Egipto”. Deus ordena que os

israelitas se preparem para partir, sacrificando o cordeiro pascal, comendo-o sem lhe

quebrar os ossos, de pé e com um bastão na mão como se fossem de viagem. Será com

o sangue sagrado deste cordeiro, prefiguração de Cristo, que se desenhará, em cada

casa, o símbolo protector contra a décima praga, a morte de todos os primogénitos

egípcios. Assim, todo o conjunto remete para a ideia da Missa enquanto alimento

espiritual, redentor dos pecados, traduzido simbolicamente pelo sacrifício de Cristo, e

materialmente nos alimentos ofertados (pão-carne, vinho-sangue). Nos plintos em que

assentam dois dos painéis figuram cartelas contendo, respectivamente, um feixe de trigo

na Celebração da Primeira Páscoa e uma jarra no Milagre da multiplicação do pão,

elementos que reforçam o simbolismo eucarístico do conjunto, visto evocarem os

“alimentos” litúrgicos, o pão e o vinho.

Ao mesmo núcleo de origem pertencia a Porta, com Crucificação e Ermita (inv.

101-202), que sabemos, pela descrição de Santos Simões, ter estado colocada “(…)

espelhando a da pequena sacristia (…)”73. Se ao longo da primeira metade do século

XVIII, várias foram as igrejas que receberam revestimentos azulejares em trompe l’oeil,

que tinham como principal função animar as arquitecturas, simulando portas ou nichos

inexistentes, estamos em crer, que no caso presente, a função simbólica sobrepõe-se à

preocupação de simular a realidade. Assim, esta “porta” apresenta duas cenas diferentes,

uma Crucificação com Maria Madalena no plano superior, e um eremita em oração no

plano inferior, que podem também indiciar a função da porta que se pretendia

73 Santos Simões (1979), p. 375.

Page 53: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

43

representar. Apesar de sabermos pelas palavras de Santos Simões, que se encontrava

defronte da sacristia, facto é, que a reserva pintada entre as duas cenas delimita uma

retícula simulando um gradeamento vazado, com pintura a manganês, procurando imitar

o de madeira, próprio dos confessionários. Se a morte de Cristo na Cruz consentiu a

Redenção dos Pecados, é através do arrependimento – que a presença de Maria

Madalena vem lembrar – manifesto na confissão e oração, que esta pode ser alcançada.

É essa a porta que é necessário transpor para alcançar a Eternidade, e é, muito

provavelmente, essa passagem que neste painel se pretendia representar. Segundo

Santos Simões, a figuração deste conjunto foi inspirada em gravuras, denunciando, o

tipo de pintura azul, tratar-se de um trabalho oficinal74.

O sangue derramado por Cristo é também Redentor das almas do purgatório, e é

essa concepção que se afigura no painel Crucificação e Alminha (inv. 101-203). Aqui se

apresenta um calvário, estando na base da cruz uma figura orante envolta em chamas.

Da boca desta figura, típica dos pequenos painéis de azulejos conhecidos como

“alminhas”75, sai uma filactera com a legenda “Laivaime Srº. Com este persiozo

sangue”, a qual, se dúvidas houvesse, é modelarmente elucidativa do sentido da cena.

Uma figuração de eremitas pode, ainda, ser encontrada no painel Eremita e

Paisagem (inv. 101-214), destacando-se a figura de um deles, barbado e descalço, de

uma paisagem de um lago ou de um rio, onde outros, capuchos, pescam. Painéis deste

tipo eram, muitas vezes, aplicados em espaços de clausura de conventos, masculinos e

femininos, com a função de relembrar a abdicação à vida profana. Este desígnio torna-

se mais perceptível quando despontam associados a representações terrenas, como

sejam, caçadas e cenas galantes, situação que podemos ver exemplificada no claustro do

antigo convento da Madre de Deus, em Lisboa. Quando irrompe em espaços religiosos

de livre acesso, esta associação de representações, tende chamar a atenção do comum

dos fiéis para a possibilidade de dois modos de vida antagónicos.

Constituindo um programa iconográfico mariano, em que, para além de uma

representação de uma Imaculada Conceição (inv. 101-207), se narram episódios da vida

da Virgem: Apresentação da Virgem no Templo (inv. 101-208), Casamento de José e

Maria (inv. 101-209), Anunciação (inv. 101-210), Visitação (inv. 101-211) e Adoração

74 Santos Simões (1979), p. 375. 75 As “alminhas” são, geralmente, pequenos nichos colocados junto às estradas, comummente nos cruzamentos, para protecção dos caminhantes. Incorporando decorações, que rapidamente recorreram ao azulejo, são frequentes as representações sobre o purgatório, bem como, as de santos.

Page 54: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

44

dos Pastores (inv. 101-212), são os painéis provenientes do oratório de uma casa no

Largo do Gadanha, em Estremoz.

Ao elaborar o Inventário Artístico do Distrito de Évora, Túlio Espanca

contactou com os painéis, ainda, in situ, “(…) no oratório, iluminado por gelosias e de

tecto fortemente pintado a óleo, com festonadas, vieiras e volutas com enrolamento. Os

cartões cerâmicos são figurados por cenas marianas, a N.ª S.ª DA CONCEIÇÃO,

CASAMENTO DA VIRGEM, ANUNCIAÇÃO, VISITAÇÃO DE SANTA ISABEL,

APRESENTAÇÃO NO TEMPLO e outras de difícil leituras momentânea, pelo facto da

capela se encontrar desafectada e cheia de móveis utilitários.”76.

As dimensões que ostentam permitem entender a sua relação espacial em termos

de colocação, no revestimento de uma capela ou igreja. Assim, com a excepção da

representação de Nossa Senhora da Ascensão e da Adoração dos Pastores, apresentam

todos, medidas idênticas, sugerindo uma colocação frontal entre si. O painel final, que

de algum modo constitui a síntese narrativa – a Adoração dos Pastores – estaria

colocado frontalmente para o espectador e daí o facto de ser o de maior dimensão. Neste

contexto, e observando os aspectos formais do conjunto, estamos em crer, que este

último painel, como elemento final do programa iconográfico mariano, devesse assentar

sobre um silhar. Analisando, o espólio da Colecção Berardo, encontramos um Silhar

representando um plinto, em trompe l’oeil (inv. 101-213) e um par de Enxalços (inv.

101-365 e inv. 101-366), todos provenientes do mesmo local, mas entretanto separados,

que acreditamos fazer parte do painel em questão, acentuando deste modo o sentido de

monumentalidade e destaque que a própria obra merece77.

Uma das mais originais produções do azulejo português do século XVIII são as

chamadas “figuras de convite”, as quais se colocavam nas entradas dos palácios, nos

patamares das escadas e também em jardins, confrontando o espectador, recebendo-o e

fazendo-lhe guarda de honra, indicando-lhe o percurso com um gesto de mão ou

interpelando-o através de uma legenda. Em geral representavam criados, assim como

guerreiros, tanto coevos como uniformizados “à antiga”, armados com alabardas,

espadas, lanças ou armas de fogo.

Segundo Luísa Arruda o carácter do gosto nacional afirmar-se-ia com esta

tipologia: “(…) na originalidade do tema e no material que suporta a sua realização

76 Túlio Espanca (1975), p. 211. 77 Anexo II – Reconstituição do painel Adoração dos Pastores, com os Enxalços e Silhar representando um plinto, em trompe l’oeil.

Page 55: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

45

pictórica, o azulejo. No entanto, estas figuras e a sua articulação com o espaço

arquitectónico, integram temas caros ao barroco: as figuras recortadas, em escala

natural, colocadas preferencialmente nas entradas dos palácios criam efeitos de

surpresa, trompe l’oeil e teatralidade, enquanto que o brilho e a textura dos azulejos

jogam com valores de superfície apelando para os sentidos.”78.

A Figura de Convite “Alabardeiro” (inv. 101-110), delineada sobre um fundo

arquitectónico em trompe l’oeil, embora, trajando à soldado romano, apresenta já, uma

certa graciosidade. Conforme relembra Luísa Arruda, “(…) os drapeados, as

ondulações, a decoração das indumentárias militares acompanham atitudes de

«salão», gestualidades que sugerem formules de politesse, afastando a rudeza e as

atitudes agressivas para os campos de manobra (apesar de aí mesmo, (…) a

teatralidade das manobras militares depender tanto dos efeitos dos trajes como das

«divertidíssimas marchas»).”. Referindo, ainda, que “Esta iconografia reporta-se, (…)

a indumentárias militares mais ou menos fantasiadas, que derivam de colecções de

gravuras, de guarda-roupa para bals masqués, para teatro e ópera.”79. Proveniente da

Quinta da Granja, em Benfica, este painel, assim como, a generalidade das “figuras de

convite”80, eram “(…) presenças notáveis nos espaços de entrada e recepção dos

Palácios e Casas nobres portuguesas, representando os rituais de etiqueta da época, a

necessidade de animação teatral dos espaços das habitações pela presença de um

actor pintado que dialoga com os visitantes. Este, (…) lembra outras figuras ainda in

situ, como as da Escadaria da Fundação Ricardo Espírito Santo em Lisboa.”81.

Inspirada na Gravura de Clemente Bilingue, ilustração de Lei e Pragmática de

D. Pedro II (Lisboa, 1689), a Figura de Convite “Porteiro” (inv. 101-197), apresenta o

traje que se aproxima da Pragmática, nomeadamente: a casaca (vestea), os calções

enrolados, meias compridas e sapatos de tacão e fivela, e a cabeleira comprida.

Esboçando uma vénia e segurando, na mão esquerda, um chapéu, podemo-la comparar

à pose da figura de convite do Corpo Santo de Setúbal e às quatro da Universidade de

Évora, sobre a qual Luísa Arruda esclarece “(…) foram desenhadas de modo a

78 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Figuras de Convite”. in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Direcção de José Paulo Fernandes Pereira e Coordenação de Paulo Pereira, Editorial Presença, Lisboa, 1989, p. 192. 79 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – Azulejaria Barroca portuguesa: Figuras de convite. Edições Inapa, Lisboa, 1993, pp. 65-66. 80 Refira-se que a Colecção Berardo possui cinco exemplares de “figuras de convite”, uma quantidade significativa quando comparada, por exemplo, ao Museu Nacional do Azulejo, que detém apenas dois exemplares. 81 Luísa Arruda (2003), p. 58.

Page 56: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

46

representarem uma atitude de discreta e elegante subserviência. A indumentária com

que se apresentam revela algum aparato mas não tem características militares. A

atitude com que estas figuras foram representadas, olhando o espectador e recebendo

os visitantes de chapéu na mão – a do Corpo Santo nitidamente fazendo uma “vénia”,

(…) – não parece ser a apropriada à grande nobreza que, aliás, nunca aparecia em

público sem arma, símbolo da sua condição de suporte militar da Monarquia.”82.

Quanto às “figuras de convite” femininas são bastante raras, destacando-se,

entre as poucas conhecidas, a presente na Colecção do Museu Nacional do Azulejo

(MNAz inv. n.º 6114), certamente contemporânea à que figura na Colecção Berardo83.

Durante a segunda metade de setecentos continuaram a produzir-se

exemplares desta tipologia, adquirindo, contudo, a forma de figuras exóticas com

indumentárias extra europeias.

É, precisamente, em “figuras de convite”, colocadas no Paço dos Arcebispos em

Santo Antão do Tojal, Loures, cerca de 1730, que surge na pintura de parte dos seus

uniformes, simulando bordados a ouro, a cor amarela, dando assim início a um regresso

a soluções policromas. É o chamado "Regresso à cor", fase de transição entre o azulejo

azul da primeira metade do século XVIII e o policromo que se imporá na segunda.

Pertencentes ao intitulado “Regresso à cor”, na Colecção Berardo, são os painéis

Eleita como Sol (inv. 101-205) e Formosa como a Lua (inv. 101-206), ambos

recortados, destacam-se pela sua monumentalidade e sentido cenográfico. Fazendo parte

de um conjunto, que se conhece mais um exemplar, neles figuram, dentro de cartela

ladeada por dois anjos, emblemas marianos alusivos às litanias ou ladainhas da Virgem.

Cada um dos emblemas é constituído por legenda em latim Electa ut Sol (Eleita como

Sol) e Pulcra ut Luna (Formosa como a Lua), encimando respectivamente um sol e uma

lua – onde simultaneamente com as flores aplicadas nos cruzamentos de uma grelha,

encerrada na base arquitectónica, que ambiciona reproduzir gradeamentos em bronze,

assoma a pintura a amarelo – sendo o restante espaço preenchido por paisagens.

O tema aqui expresso é, como referimos, o das litanias da Virgem, orações

colectivas baseadas no Cântico dos Cânticos, compostas por uma parte mutável, que pode

ser rezada por quem preside a uma cerimónia religiosa, e uma parte fixa, repetida em coro

pelo conjunto de fiéis. Nestas ladainhas a parte variável é sempre um dos atributos

simbólicos de Nossa Senhora, como Eleita como Sol, Formosa como a Lua, ou Estrela do

82 Luísa Arruda (1993), p. 35 e 38. 83 Anexo III – Figura de Convite Feminina (inv. 101-388).

Page 57: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

47

Mar (inscrição em versão latina presente no painel que originalmente fez conjunto com

estes dois), a que se seguia uma súplica como ora pro nobis (rogai por nós).

Se a simplicidade dos emblemas e paisagens compreendidos nas cartelas

destoam com a monumentalidade das cercaduras e bases arquitectónicas, todos

convergem para sublinhar a teatralidade do conjunto. Efectivamente, se estas últimas

agiam como poderosos dinamizadores da arquitectura em que se inseriam, dando a

noção de volumetrias inexistentes, também a paisagem que complementa o emblema

funcionava como mero suporte cenográfico, visto que a dimensão da moldura requeria

uma cartela contendo um espaço, que lhe fosse proporcional, e que o emblema, só por

si, dificilmente preencheria sem afectar a harmonia do conjunto.

Jay Levenson referindo-se a este conjunto, integralmente apresentado, na

exposição intitulada The Age of the Baroque in Portugal, na National Gallery of Art,

Washington, em 1993, aponta como possível autoria, a oficina de Nicolau Freitas:

“These three silhoutted tile panells decipt the theme of the Litany of the Virgin. The

same subject was rendered in tile panels in the Ermida de Porto Salvo (Oeiras),

Portugal, by the tile painter Bartolomeu Antunes (1685-1753). In the early 1730s, the

first signs of a reappearance of polychrome in tile manufacturing became apparent with

the use of yellow. These panels may possibly be attributed to the workshop of Nicolau

de Freitas (1703-1765). This artist was a disciple of António de Oliveira Bernardes

between 1720 and 1724. In 1726, Nicolau reappeared as painter attached to the

Irmandade de São Lucas in Lisbon.”84.

5. Segunda Metade do século XVIII

Em meados do século XVIII o gosto da sociedade portuguesa altera-se com a

adopção de uma gramática decorativa influenciada pelo estilo Regência francês, mas

sobretudo pelo Rocócó, através de gravuras provenientes da Europa central. Insinuam-

se formas, orgânicas e assimétricas, com concheados irregulares, exemplo típico, e

folhagens desenhando molduras de recortes complexos nos painéis de azulejos. Os

efeitos decorativos são alcançados pelo emprego de tons contrastantes de azul, e depois

pelo uso de exuberante policromia.

84 Jay A. Levenson (1993), p. 214.

Page 58: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

48

A afirmação deste novo estilo internacional, o Rococó, cujo vocabulário

decorativo está estabelecido, no azulejo português, por volta de 1745-1755, vai manter-

se até cerca de 1780-1790. Paralelamente ao prolongamento do painel joanino

tradicional, que apenas adoptou elementos deste estilo, sem assimilação dos mesmos,

produzem-se grandes silhares com composições de ornatos, para serviço de uma

sociedade de Corte. Por outro lado, tal como em finais do século XVII se assistiu a um

“esgotamento” da policromia que conduziu a que o azulejo fosse exclusivamente de

pintura a azul, também em meados do século XVIII, se processou, como se fez

referência, uma nova alteração, mas agora de sentido inverso: após a introdução de

pequenos apontamentos a amarelo, a cor regressa definitivamente, passando as cenas

centrais dos painéis a ser pintadas a azul (o mais frequente), ou manganês, e as

molduras a serem policromas – em verde, manganês, amarelo e azul. Constituídas por

concheados de diferentes volumetrias e folhas sinuosas, é sobretudo neste elemento que

se denota a presença das novas soluções estéticas.

A temática permanece, contudo, inalterável. A título de exemplo, as cenas

ribeirinhas dos silhares, Cenas Marítimas (inv. 101-232 e inv. 101-233) e do painel

Paisagem Portuária (inv. 101-234), são do mesmo tipo de outras, que ao longo da

primeira metade do século figuraram, assiduamente, nos palácios da Nobreza, e tão

devedoras quanto elas de fontes gravadas. Estas, são aliás recorrentes, sendo frequente

encontrar uma mesma gravura na origem de painéis pintados com várias décadas de

intervalo, havendo uma enorme liberdade na composição dessas cenas85.

O silhar representando a Cena Marítima (inv. 101-233), de temática idêntica à

do anterior, apresenta, tal como o painel de azulejos Paisagem Portuária (inv. 101-

234), a particularidade da cena central ser pintada a manganês, solução muito menos

frequente que a pintura a azul e, talvez por isso, considerada de maior requinte. Não por

acaso, são deste tipo, os painéis que constituem o revestimento parietal do canal

existente nos jardins do Palácio Nacional de Queluz.

85 Conforme: CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da – “A Arte de Bem Viver”, A Encenação do Quotidiano na Azulejaria Portuguesa da Segunda Metade de Setecentos. Edição Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Porto, 2005, p. 297, “Os gravadores mais representativos foram: Adam Perelle, Jean Baptiste Huet, Joannes Visscher (e a reconstituição da pintura de paisagem holandesa, também a influência dos água-fortistas venezianos setecentistas), Sebastian Le Clec, Jacques Callot, Jean-Baptiste Pater, Jean Baptiste, Nicolas e Robert Bonnard, Edmé Bouchardon respectivamente sobre música, dança e traje. Na linha de Jean Pillement, com mais incidência no aspecto decorativo, vejam-se os trabalhos de: Claude III Audran, Bruno Pons, e as gravuras de Jean Le Pautre, Jacques Androuet Ducerceau, Rosso, Zoan Andréa, Cornelis Bos, Richard de la Londe, Cornelis Floris, Jacques de la Joüe, Pierre Edmé Babel, Jacques François Blondel, François de Cuvilliés, Huet (Jean-Baptiste e Christophe) e Nicolas Pineau.”.

Page 59: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

49

Já a Cena de Caça (inv. 101-392), de meados do século, é ainda de pintura

integralmente a azul, podendo ser um dos primeiros exemplares do novo estilo, e exibe,

por sua vez, uma das temáticas com maior número de representações na primeira

metade da centúria. As caçadas persistem como modelo nas mais variadas áreas

decorativas: tecidos, estuques, tapeçarias, cerâmica e azulejos. Entre as fontes mais

importantes, aparecem as gravuras de António Tempesta (1555-1630), em circulação até

cerca de 1750 e utilizadas durante aproximadamente duzentos anos.

No trio de silhares Heráldica da Família Sá (inv. 101-118; inv. 101-223 e inv. 101-

224) é ainda mais evidente a transição do gosto, patente não só na coexistência de

elementos decorativos barrocos e Rococó, como no contraste dos dois tons de azul

empregues – fundamental no evidenciar do motivo heráldico representado – que aqui como

que prenuncia a policromia. Definidos por moldura simétrica de concheados, da qual pende

superiormente uma cartela, em cuja reserva se encontra definido o brasão enxadrezado da

família Sá. Esta moldura circunscreve composições contrastantes de aguadas ténues, de

ferroneries envoltas em folhagens de acanto, criando uma reserva ovalada onde figura uma

cena campestre, tendo em primeiro plano um camponês acompanhado de um cão e nos

planos secundários um barco com pescadores num rio, casas e uma torre86. Tudo indica que

estes painéis sejam provenientes do Palácio dos Marqueses de Abrantes, em Marvila,

havendo uma referência do vendedor sobre a sua proveniência.

Também o painel Visitação (inv. 101-228), – silhar de remate superior

recortado, figurando um plinto de feição arquitectónica em trompe l’oeil sobre o qual

assenta uma moldura simétrica de concheados, tendencialmente triangular, criando duas

reservas, na inferior a representação da Visitação inserida numa paisagem tendo, da

esquerda para a direita, o burro, S. José sobre as escadas de um edifício, e a Virgem

com auréola radiante, grávida, abraçando Isabel –, é de pintura integralmente a azul,

embora a sua moldura indicie que foi já produzido no terceiro quartel da centúria, de

gosto Rococó.

Os painéis de azulejo, intitulados, Alexandre combatendo os Persas junto ao Rio

Granico (inv. 101-230) e A família de Dario cativa perante Alexandre (inv. 101-231),

representando episódios das conquistas de Alexandre na Ásia Menor, são do tipo de

86 A Heráldica da família Sá é composta por axadrezado de prata e azul, aqui representada pelo branco do azulejo e o azul da pintura. A mesma composição figura nas armas dos Marqueses e Duques de Abrantes, devido ao título nobiliárquico criado por D. José V de Portugal, por decreto de 24 de Junho de 1718, a favor de D. Rodrigo de Sá Almeida e Meneses (1676 – 1733), filho de D. Francisco de Sá e Meneses, 1º Marquês de Fontes e 4º Conde de Penaguião.

Page 60: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

50

composições que, recorrentemente, eram encomendadas pela Nobreza para os seus

palácios. Estes dois painéis pertenciam a um conjunto de que se conhece pelo menos

mais um exemplar (Museu Nacional do Azulejo, MNAz inv. nº. 6392), concebidos a

partir de uma série de gravuras de I. Audran, por sua vez, inspiradas em quadros de

Charles Le Brun, as quais foram usadas em diferentes épocas e de modo diferente pelos

nossos pintores de azulejos. A prová-lo está um painel do segundo quartel do século,

representando, tal como o painel Alexandre combatendo os Persas junto ao Rio

Granico, a batalha do rio Granico (MNAz inv. nº. 680).

Quanto ao exemplar A família de Dario cativa perante Alexandre (inv. 101-

231), nele se representa a família de Dario aprisionada por Alexandre após a derrota do

rei dos persas na batalha de Isso. As cenas gloriosas protagonizadas por Alexandre da

Macedónia, poderoso governante da Antiguidade Clássica, que podia constituir modelo

imperial ou par do magnífico rei de Portugal, D. João V, alcançaram grande sucesso

neste período. Conhecem-se várias representações em painéis de azulejo que tomam

como matriz as gravuras reproduzindo os quadros da colecção do rei de França, Luís

XIV, da autoria de Charles Le Brun. Contudo, a obra de pintura, da qual

desconhecemos uma possível reprodução em gravura, que originou esta composição,

não é de Charles Le Brun, mas sim de um dos seus distintos discípulos, Charles La

Fosse, intitulada La Famille de Darius aux pieds D’Alexandre87. Comparando com a

obra de pintura, destaca-se a liberdade engenhosa com que o pintor de azulejos se serviu

da fonte, dela retirando o essencial para dar o ambiente à cena central, modificando

algumas personagens, evidenciando-se o acrescento de elementos da natureza, árvore e

arbusto de folhas frondosas, à direita do observador, de modo a preencher o painel de

azulejos que, por imposições da dimensão da parede, poderia ter uma proporção muito

diferente da gravura em que se inspirava.

Uma das mais interessantes manifestações da azulejaria Rococó, com

continuidade no período seguinte, o Neoclássico, são os “registos”, “(…) pequenos

painéis devocionais que tanto se popularizaram no século XVIII e que, por semelhança

com as estampas (…)”88 passaram assim a ser denominados em Portugal. Segundo

Santos Simões “O «registo» aparece isolado da decoração e é, na maioria dos casos,

um tipo especial de ex-voto, encomendado com intenções piedosas. Ainda que estes

87 Anexo IV – La Famille de Darius aux pieds D’Alexandre. 88 Santos Simões (1979), p. 77.

Page 61: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

51

quadros provenham dos pequenos painéis do século XVII, eles individualizaram-se no

século XVIII com características específicas (…)”89.

Sendo esta, uma das tipologias, mais representadas na Colecção Berardo,

encontramos vários exemplares, monocromáticos e ainda datáveis, do segundo quartel

de setecentos, é o caso da Nossa Senhora da Natividade (inv. 101-215); o Santo

António (inv. 101-391); o São Marçal (inv. 101-221); o São Miguel Arcanjo (inv. 101-

222); o Santo António e Alminhas (inv. 101-225); a Santa Bárbara (inv. 101-226) e o

São Jerónimo (inv. 101-227). Conforme refere Santos Simões, os registos

enumerados, enquadram-se tipologicamente na própria evolução estilística do azulejo

da sua época, “(…) passando dos formatos rectangulares para os quadros recortados

nos quais os enquadramentos tomam grande valor ornamental. De pintura azul até

cerca de 1760 eles vêm a enriquecer-se depois, com amarelos, verdes, manganês, tal

como a restante azulejaria.”90.

O grande terramoto, que destruiu Lisboa em 1755, fez multiplicar o uso destes

painéis devocionais, em geral recortados, surgindo então isolados em fachadas, por vezes

ocupando nichos, colocando os edifícios sob a protecção dos Santos representados, em

geral os de maior devoção popular, como Santo António de Lisboa, ou protectores contra

calamidades, como São Marçal (incêndios) e São Francisco de Borja (terramotos). Outros

têm composições mais complexas, com Nossa Senhora e Santos.

O Santo António (inv. 101-391), apenas com representação do Santo, tem, no

entanto, uma composição que reflecte a definição de um altar, cujo fundo fosse

constituído por uma pintura, e que tivesse em primeiro plano uma imagem escultórica.

O registo Nossa Senhora da Ascensão, São Marçal e Santo António (inv. 101-

235), recortado em concheados e elementos acentuadamente vegetalistas, simétricos,

encimado por cruz radiante, apresenta quatro reservas. Na central surge a imagem de

Nossa Senhora da Ascensão coroada de estrelas, a qual é ladeada por outras duas, de

menor dimensão, representando São Marçal e Santo António. Na base do registo, uma

pequena reserva, ostenta o cronograma 1760. Ainda que, o seu local de origem seja

desconhecido, este painel integrou a Colecção Comandante Ernesto Vilhena, sendo

referido, como tal, nas obras de Reynaldo dos Santos91 e de Santos Simões92.

89 Santos Simões (1979), p. 77. 90 Santos Simões (1979), p. 77. 91 Reynaldo dos Santos (1957), p. 151. 92 Santos Simões (1979), p. 79.

Page 62: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

52

Se os “registos” com três imagens são menos comuns, este destaca-se ainda,

pelo facto das figuras dos dois santos estarem contidas em pequenas molduras cujo

contorno exterior é assegurado pela moldura principal. Os contornos sinuosos, próprios

à estética Rococó, são aqui acentuados pelo rebuscado recorte do painel.

As semelhanças, entre algumas representações, são expressivas de como este

tipo de produção azulejar se multiplicou após o terramoto, tornando-se em verdadeiros

estereótipos, o que não obsta a que alguns exemplares sejam de assinalável qualidade.

As mesmas gravuras foram incessantemente utilizadas como base das

composições, e, na maior parte dos casos, apresentavam variações mínimas, traduzíveis

quer na escala em que cada figura era transposta, quer no lugar que ocupavam. A fuga

ao estereótipo era, no entanto, alcançada, quer pela multiplicação de reservas – é o caso,

como vimos, do Nossa Senhora da Ascensão, São Marçal e Santo António (inv. 101-

235), datado de 1760, – quer pelas diferentes colocações que estas podem ter, de que é

exemplo um outro registo, também com a mesma designação, Nossa Senhora da

Ascensão, São Marçal e Santo António (inv. 101-236), mas datado de 1786. Outros

painéis, embora recorrendo às mesmas gravuras, ostentavam também variações, desta

feita resultantes de forma natural, pela concepção proveniente de outro centro produtor,

como a Nossa Senhora Mãe dos Homens (inv. 101-239), de Coimbra.

Se a reconstrução da cidade de Lisboa após o terramoto foi decisiva para a

multiplicação de “registos” hagiográficos, também a tradição da padronagem, eficaz e

de baixo custo, praticamente esquecida durante a primeira metade do século XVIII, vai

ser recuperada, tendo agora como possível fonte de inspiração tecidos e papéis de

parede. Para o revestimento dos novos edifícios vão ser concebidos múltiplos padrões,

de grande valor decorativo, que hoje designamos como “pombalinos”, boa parte dos

quais podem ainda ser vistos nos locais para que foram concebidos. No seu carácter

utilitário, este tipo de azulejo dá continuidade aos que, no século XVII, decoraram as

paredes de inúmeras igrejas, e antecipa os que a partir do segundo quartel de oitocentos

vão forrar as fachadas de milhares de prédios de arrendamento. Anunciando a estética

neoclássica, os ornatos reduziram-se a coloridas e leves sugestões gráficas e

superficiais, espontaneamente realizadas através de pinceladas leves e sensíveis, com

sombras discretamente sugeridas por traços mais carregados ou por apontamentos

roxos, cujo efeito ornamental se apresenta altamente dinâmico.

Conforme relembra Luísa Arruda “A maioria dos padrões resulta de um florão

central que se articula com um desenho nas diagonais do quadrado, criando uma

Page 63: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

53

quadrícula oblíqua que ocupa o painel e lhe dá um forte sentido de movimento. O azul-

cobalto está sempre presente em contraste com tonalidades de roxo-vinoso ou verde

com pontuações de amarelo-junquilo. Reconhecem-se padrões muito usados nas

escadarias de prédios da Baixa pombalina.”93, como é o caso do Painel de Azulejos de

Padrão Pombalino (inv. 101-242), proveniente da Rua da Prata, Lisboa, formado por

florões lanceolados angulares intercalados com quadrifólios, circunscrevendo, em

reservas, girassóis, constituindo-se estes como elementos de ligação, de que resulta um

dinâmico efeito de uma rede disposta em diagonal.

Por sua vez, o Painel de Azulejos de Padrão Pombalino (inv. 101-243) é um dos

mais invulgares padrões “pombalinos”. Tendo na sua base um só azulejo, contém

apenas metade do motivo, uma estilização de uma margarida. Nos cantos contrários, ao

lado preenchido com a flor, figuram duas folhas que se constituem como elemento de

continuidade, formando uma linha ondeada que percorre verticalmente o painel.

Da mesma época são os silhares com “almofadas” de pintura marmoreada,

exibindo em geral florões no centro, de que encontramos exemplo no Silhar com Florão

(inv. 101-241), e que recordam as esculturas relevadas, que decoram as cantarias de

fachadas de numerosos palácios e igrejas coevas. De facto as espécimes ornamentais

“(…) são das mais belas e criativas manifestações da azulejaria da época, pela dinâmica

movimentação e delicadeza dos ornatos, predominando os concheados autonomizados no

espaço interno dos painéis, associados a vasos floridos, faixas, grinaldas, florões, aves,

apainelados marmoreados, bustos, pintados em “grisalha” ou fortemente cromáticos. A

cor desempenha um papel preponderante nestas obras, adensando-as ou rarefazendo-se

em função da dinâmica de contrastes a atingir, através das colorações fortes ou da

subtileza impressionista de pinceladas delicadas, que intervêm de maneira decisiva na

dinamização dos interiores e dos jardins que ornamentam.”94.

Ao longo da segunda metade do século XVIII, especificamente, no período pós-

terramoto, com a intensificação dos trabalhos de reconstrução da capital, tornou-se

necessária um rápida produção de grandes quantidades de azulejo, elemento

considerado como um material de acabamento, funcional, nobilitador e social. “A

criação e fundação das diversas fábricas de louça em Lisboa e no resto do país,

inseriu-se dentro de um plano ambicioso e alargado de renovação industrial, com o

93 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – Caminho do Oriente. Guia do Azulejo. Edição Livros Horizonte, Lisboa, 1998, pp. 87-88. 94 MECO, José – Azulejos de Lisboa. Catálogo da Exposição (Estufa Fria do Parque Eduardo VII), Museu da Cidade e Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1984, p. 64.

Page 64: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

54

objectivo de promover uma produção de qualidade que não esquecesse as inovações

tecnológicas, a qualidade artística e o circuito de comercialização do produto.”95 Sob a

tutela de Marquês de Pombal foi sendo impulsionada a reestruturação das produções de

faiança, o que determinou o surgimento de novas fábricas no país96, concedendo

prerrogativas e contratando técnicos estrangeiros97. A multiplicação de fábricas e

centros cerâmicos, nas últimas três décadas de setecentos, irá coincidir paulatinamente

com a afirmação gradual de uma nova estética e de um novo gosto.

A partir de 1790 o estilo Neoclássico começa a entrar, lentamente, na azulejaria

portuguesa, orientando-se, então, a produção de modo a responder a encomendas que se

alargam a uma nova clientela. Efectivamente, se tanto a Igreja como a Nobreza

continuam a fazer largo uso do azulejo, prolongando as temáticas tradicionais, palacetes

e casas de campo de uma nova classe social, a Burguesia, em ascensão desde o tempo

do Marquês de Pombal, recebem pela primeira vez revestimentos cerâmicos.

À excepção dos programas iconográficos religiosos, destinados a igrejas e

conventos, preferem-se temas como exóticas chinoiseries, ou paisagens bucólicas, por

vezes associados, como é o caso do Silhar Ornamental com Chinês e Paisagens

(inv.101-268), transcritos de gravuras rococó de autores como Jean Pillement e François

Boucher, e que pela sua utilização tardia atestam a especificidade do Neoclássico

português. Estes temas figuram, normalmente, em cartelas ou reservas – é o caso das

paisagens dos Espaldares de Banco (inv. 101-254 e inv. 101-255), já do início do século

XIX – sendo a restante superfície do painel preenchida por ornatos que,

progressivamente, as vão secundarizar, afirmando uma nova gramática decorativa em

que pontificam grinaldas, urnas, vasos, águias segurando coroas de louros, penas,

molduras suspensas e cestos com flores e frutos.

95 Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara (2005), pp. 241-242. Na verdade, como salienta a autora, e de acordo com José Viriato Capela, a produção e comércio da louça apresentou-se, nos finais do Antigo Regime, como uma das principais fontes de recursos para algumas comunidades locais, grupos sociais específicos ligados à sua produção e comércio, e como um dos mais importantes elementos para a definição de um quadro, bem mais vasto, de uma região. Ver a este propósito CAPELA, José Viriato – Exportação de Louça de Prado para a Galiza 1750-1830. Cadernos de Olaria 2, Barcelos, 1992. 96 A propósito das fábricas de louça existentes em Portugal durante o século XVIII, veja-se: “Lista de Fábricas instaladas, com participação da Junta do Comércio, durante a sua existência até à reforma de D. Maria”, in MACEDO, Jorge Borges de – A Situação no Tempo de Pombal. 3ª Edição, Lisboa, 1989, pp. 209-217; DIAS, Luís Fernando de Carvalho – A Relação das Fábricas de 1788. Coimbra, 1955, e QUEIRÓS, José – Cerâmica Portuguesa e outros estudos. Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica à edição de 1907 por de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, Lisboa, 1987. 1ª Edição (do autor), Lisboa, 1907. 97 Entre outros, destaque-se a presença dos italianos Tomaz Brunetto e José Veroli, que se ocuparam da fundação e direcção da Real Fábrica de Louça, ao Rato, de 1767 a 1771.

Page 65: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

55

O azulejo de padrão da época, comummente designado como “D. Maria” e

representado nesta Colecção pelo Painel de Azulejos de Padrão dito D. Maria (inv.

101-244), é um prolongamento natural do “pombalino”, pois tendo a reconstrução de

Lisboa continuado durante largos anos, entrando pelo reinado de D. Maria I, os edifícios

que entretanto ficavam concluídos, recebiam novos revestimentos, cuja concepção

acompanhou a evolução do gosto.

Nos “registos” produzidos no último quartel do século, a transição entre estilos

decorativos, faz-se sentir nos enquadramentos em que se inserem molduras de definição

essencialmente rectilínea, interior como na Nossa Senhora do Carmo (inv. 101-246), ou

exterior como no São Marçal e Santo António (inv. 101-248), articulando-se, por vezes,

motivos plásticos do classicismo com um gosto enraizadamente barroco pela encenação.

No registo Nossa Senhora do Carmo e São Marçal (inv. 101-249), simulando um

retábulo, a presença classicizante é assegurada pelas colunas sobrepujadas por

entablamento interrompido de frontão triangular, que constituem, lateralmente, a

moldura. Por outro lado, procurou-se sublinhar um certo carácter de aparição milagrosa

através do contraste entre o centro monocromático e fantástico da composição e o

enquadramento realista policromo.

Noutros como Nossa Senhora da Conceição, São Marçal e Santo António (inv.

101-251), produção que o cronograma 1790 permite situar, com precisão, no tempo, as

molduras laterais (São Marçal e Santo António) são já, francamente, neoclássicas,

enquanto que as centrais (Nossa Senhora e a cartela com a data), aquelas que envolvem

as figuras de maior importância, filiam-se, ainda, no gosto anterior. Segundo José

Queirós este painel, cujo par faz agora parte do espólio do Museu Nacional do Azulejo

(MNAz inv. n.º 6105), encontrava-se originalmente colocado na Rua de São Marçal,

traseiras da casa nº51 que dá para a Praça das Flores em Lisboa, figurando o seu par na

outra extremidade do edifício98.

Também as personagens representadas são, na sua maioria, recorrentes, seguindo

as concepções estéticas do Rococó. No entanto, os dois “registos” alusivos a Nossa

Senhora do Carmo (inv. 101-246 e inv. 101-247), demarcam-se do tipo de imagem mais

comum, sobretudo no primeiro caso, devido à posição da Virgem, que surge representada,

com o Menino sentado no seu joelho esquerdo e segurando na mão direita o globo.

98 José Queirós (1987), p. 218.

Page 66: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

56

Por sua vez, num outro painel de azulejos, Figuras Alegóricas e Símbolos

Marianos (inv. 101-250), raro exemplar cerâmico de moldura de cantaria de porta, o

estilo Neoclássico insinua-se, quer nas figuras representadas, quer na concepção

arquitectónica, de linhas rectas, da base e pela representação em trompe l’oeil de um

silhar. As duas figuras femininas, simulando estátuas, trajam à maneira clássica. A da

esquerda do observador segura as Tábuas da Lei e a da direita uma espada. “Na base

dos pedestais, em medalhões ovais suspensos de laços, os símbolos marianos,

respectivamente, a porta fechada e a torre.”99 A decoração que enquadra estes

elementos representa, igualmente em trompe l’oeil, almofadas rectangulares

circunscritas por finos elementos vegetalistas. Nas almofadas superiores medalhões,

idênticos aos do silhar, circunscrevem o Sol e a Lua, que como vimos surgem, também,

em dois painéis barrocos deste espólio. A rematar a cantaria, numa reserva de moldura

vegetalista encimada por um festão pendente, um quinto medalhão, delimita uma coroa

sobre o monograma AM, “Avé Maria”. Este painel surge na Colecção Berardo

encenando-se a sua utilização original através da colocação em torno de uma moldura

em cantaria, que envolve um painel do segundo quartel do século XVIII – Porta (inv.

101-261) –, em trompe l’oeil, figurando com verosimilhança, uma porta de batentes

duplos, com “trabalho em madeira”100.

A gramática decorativa neoclássica é tardiamente assimilada pelo azulejo

português, e irá permanecer até cerca de 1830, com expressão já eclética.

6. Azulejaria Romântica e Industrial

Os primeiros anos do século XIX são para as fábricas de cerâmica portuguesas

um período de prosperidade, só posto em causa, em finais de 1807, com as invasões

napoleónicas. O país mergulha então num período de instabilidade, que se prolongou

99 João Pedro Monteiro (2006), p. 51. 100 Demonstrando a íntima relação entre o azulejo e a arquitectura, neste caso, pela simulação evidente de uma abertura num muro, esta porta constitui uma solução para a composição de interiores, sobretudo capelas, simulando espaços simétricos, pela colocação deste tipo de painel, frente a portas verdadeiras. Além da função de corrigir erros de arquitectura, apresentava-se, também, como uma solução para romper com a monotonia das grandes paredes lisas de espaços interiores. Seguindo um gosto Maneirista, este tipo de representação em trompe l’oeil prolongou-se até ao século XVIII, em cenas magníficas que cobriam os espaços austeros, evidenciados pela arquitectura, abrindo-os, por sua vez, a novos espaços. Refira-se, ainda, que este painel esteve patente na exposição Europália 91, figurando no respectivo catálogo. João Castel-Branco Pereira (1991), pp. 136-137.

Page 67: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

57

pela Revolução Liberal e a Independência do Brasil, culminando numa desgastante

Guerra Civil, acontecimentos que, inevitavelmente, debilitaram as actividades

industriais e mercantis.

A azulejaria neoclássica continua a ser utilizada ao longo das três primeiras

décadas de oitocentos, sem alterações significativas, consubstanciada, pela agitação

política e social, e posteriormente pelas lutas liberais, que fizeram diminuir o seu

consumo. Esta evolução pode ser acompanhada nos numerosos registos datados da

Colecção Berardo. De 1808 é o registo hagiográfico do Senhor dos Passos e Nossa

Senhora da Nazaré (inv. 101-264), onde figuram, em dois grandes medalhões ovais,

uma representação do Senhor dos Passos, e o milagre de Nossa Senhora da Nazaré

aparecendo ao cavaleiro, Dom Fuas Roupinho. Também, o registo de Nossa Senhora da

Conceição, São José com o Menino e São Marçal (inv. 101-253) datado de 1802, é uma

peça com grande presença, de afirmação do estilo Neoclássico, na forma híbrida que

conheceu na nossa azulejaria, embora as figuras representadas obedeçam aos

estereótipos, que vinham a ser concebidos desde os últimos anos do século XVIII,

repetindo o habitual elenco de gravuras. Já o registo rectangular, de moldura em meia

cana e remate superior em frontão quebrado, sobre o qual assenta um vaso florido,

intitulado Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora da Ascensão (inv. 101-260) foge,

em parte, às representações mais recorrentes. Mostrando-se no interior de um medalhão

circular, uma Pietá com a definição de uma das dores da Virgem, que como menciona

José Pedro Monteiro reflecte “(…) uma intencionalidade próxima da pintura a óleo.”,

sendo “(…) também de assinalar a invulgar presença, num painel de temática

religiosa, de sombrinhas chinesas, ladeando o medalhão inferior, preenchido por

imagem de Nossa Senhora da Ascensão.”101 Pouco comum é, também, o registo de

Santo António (inv. 101-263), em que a legenda MOMPOSTEIRO / PREVELEGIADO

/ DA REAL CAZA / DE S.TO ANTONIO, enquadrada numa cartela cruciforme, em

trompe l’oeil, assinala a sua proveniência. Já o painel com a representarão de São Pedro

(inv. 101-266), ostentando o cronograma, um tanto tardio, de 1816, é exemplar do tipo

de registo hagiográfico, que prolongando as temáticas e gostos estabelecidos, continuar-

se-á, ainda, a produzir por mais alguns anos.

“Se, como se fez referência, as personagens representadas nos registos são

recorrentes, em contrapartida encontramos como que uma preocupação em diversificar

101 João Pedro Monteiro (2006), p. 49.

Page 68: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

58

a sua apresentação, dispondo de modo diferente os medalhões que as contêm, aos quais

se conferem também formas diferentes.”102 Assim, temos no aludido Nossa Senhora das

Dores e Nossa Senhora da Ascensão (inv. 101-260), um grande medalhão circular tendo

em baixo uma moldura de volutas de forma, aproximadamente, trapezoidal. No Sagrada

Família, São Marçal e Santo António (inv. 101-258) datado de 1807, um medalhão oval

de grandes dimensões, contendo a Sagrada Família, acompanhada de São João Baptista,

um par de anjos e por uma figura feminina, eventualmente Santa Isabel, e na sua base,

colocadas de cada um dos lados, pequenas molduras também ovais. Igualmente datado

de 1807 é o Nossa Senhora da Conceição, São Marçal e Santo António (inv. 101-262),

que apresenta três medalhões ovais, um de maiores dimensões, com a figura da Virgem,

de pé, com capa e coroa do Império do Espírito Santo, que encima dois outros mais

pequenos colocados lado a lado, um com S. Marçal e o outro com Santo António e o

Menino. O cronograma, que no registo Sagrada Família, São Marçal e Santo António

(inv. 101-258) surge em cartela ovalada entre os dois medalhões, figura agora em

cartela rectangular, por debaixo das figuras dos santos. A estrutura compositiva de um

outro registo com Nossa Senhora da Conceição, São Marçal e Santo António (inv. 101-

265) é semelhante, embora os dois medalhões, que surgem no plano inferior,

envolvendo as mesmas figuras, mas colocadas na posição inversa, sejam polilobados.

Como podemos comprovar, os registos da Colecção, em análise, são

representativos das diferentes tipologias produzidas, medalhões circulares e ovais,

molduras trapezoidais e rectangulares. O tratamento exterior dos painéis, com o uso de

recortes mais ou menos pronunciados, é também decisivo na afirmação da diversidade

desta produção, aspecto igualmente corroborado pelos exemplares enunciados.

O silhar Emblemática Cristológica (inv. 101-252), também de tema religioso,

pertencente a um conjunto de que se sabe existir outros exemplares, todos eles com

emblemática. O símbolo aqui presente, contido numa reserva oval encimada por três

querubins sob baldaquino, constitui-se por uma estrela radiante sobre a Lua, representada

de forma antropomórfica, que obscurece a luz que, sem a sua presença, chegaria à Terra.

A filactera com a legenda Noli me tangere, que remata esta cena, alusiva ao episódio do

Novo Testamento no qual Jesus Ressuscitado expõe a Madalena a sua intangibilidade,

remete-nos para o sentido cristológico do painel, que só o conhecimento de todo o

programa iconográfico original permitiria descodificar com segurança.

102 João Pedro Monteiro (2006), p. 49.

Page 69: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

59

A par dos painéis de temática religiosa, surgem agora na azulejaria portuguesa

outros narrando histórias de ascensões sociais, de que é paradigma, no início do século,

a História do Chapeleiro António Joaquim Carneiro (Museu Nacional do Azulejo, inv.

227) em que se conta a vida do encomendador desde a infância, quando trabalhava no

campo como pastor, até à idade adulta, em que se tornou num próspero industrial e

comerciante. Provenientes da casa do protagonista da História, “(…) estes painéis

documentam uma novidade no elenco iconográfico da azulejaria portuguesa, relato

agora imediato de factos recentes, neste caso, a consagração de uma narrativa de

ascensão económica e social de um camponês que se transforma em burguês rico,

elemento da classe emergente cuja ideologia será dominante no século XIX.”103.

Embora inserindo-se no tipo de ciclo narrativo tradicional, alusivo a episódios

hagiográficos ou de triunfos guerreiros, os painéis historiados Doação da Igreja e

Mosteiro de Santa Maria ao Prior e Cónegos de Refóios (inv. 101-256) e Doação do

Condado de Refóios a Menedo Afonso (inv. 101-257) – outrora pertencentes a um

conjunto, disperso em 1934, colocado na sala De Profundis do Convento dos Cónegos

Regrantes de Santo Agostinho, Refóios do Lima, Ponte de Lima – têm em comum com

a série do Chapeleiro o facto de não ter sido concebido através do recurso a uma fonte

gravada104. Na verdade, quer a história de António Joaquim Carneiro, quer a da criação

e desenvolvimento do Convento de Refóios, são episódios particulares ou regionais,

cuja representação tinha de ser criada pelo pintor, que desta forma gozava de uma maior

liberdade de trabalho, mormente ao nível compositivo.

Ao mesmo convento, mas ao refeitório, pertenciam os Espaldares de Banco com

paisagens emolduradas (inv. 101-254 e inv. 101-255), painéis ornamentais atrás

referidos, que no espaço original correspondiam a um conjunto, cujos silhares inferiores

corriam acima do nível dos bancos105. A decoração, de ambos, inscreve-se num fundo

amarelo-luminoso e centra-se numa moldura com uma paisagem de campo, à maneira

de Jean Pillement. Sob as molduras, a partir de um mascarão, desenvolve-se uma

sequência simétrica de espirais adornados com acantos e rosetas, elevando-se

lateralmente em dois bustos, onde a moldura é rematada por um vaso florido, ao centro.

103 AA.VV. – Museu Nacional do Azulejo. Roteiro (2005), p. 140. 104 A propósito destes painéis consulte-se: AA.VV. – Real Fábrica de Louça ao Rato. Catálogo da Exposição, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa e Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, 2003, p. 530. 105 AA.VV. – Cerâmica Neoclássica em Portugal. Catálogo da Exposição, Museu Nacional do Azulejo, Instituto Português de Museus, Lisboa, 1997, p. 138.

Page 70: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

60

Os painéis integram-se na tradição da metamorfose da arquitectura pelo azulejo,

elaborada aqui numa visualidade neoclássica, um fundo de cor clara, de onde se

destacam finos elementos gráficos regrados, enquadrando uma paisagem. Equívoca

simulação de uma abertura para o exterior que procura, de algum modo, evocar a

envolvência bucólica do complexo conventual.

O Museu Nacional do Azulejo possui, também, um painel (MNAz inv. nº 6370),

que fazia parte deste elenco, decorando os espaldares de bancos corridos entre pilastras

de pedra, e conforme, consta no seu historial, elaborado por José Pedro Monteiro, o

conjunto que guarnecia o refeitório de Refóios do Lima foi disperso depois de 1934.

Segundo Santos Simões106, a maioria dos azulejos descritos por Mendes Norton, na obra

Études sur les oeuvres d'art de Raphael Sanzio d'Urbino du Monastère de Refojos do

Lima107 foi arrancada e vendida, a particulares e antiquários, encontrando-se

disseminada. Feliciano Guimarães, no Arquivo de Viana do Castelo108 ao criticar o livro

de Mendes Norton descreve os azulejos que ainda viu em Refóios do Lima, em 1934,

sendo provável, que nesta desta, ou imediatamente a seguir, os exemplares tenham sido

retirados do local de origem109.

Nas composições neoclássicas, policromas e radiosas, com grandiosa

predominância de fundos amarelos e brancos sobre os quais se distinguem laçarias,

urnas, cestos floridos, festões e grinaldas pendentes, mascarões, aves e plumas, assiste-

se a uma reinterpretação imaginosa dos ornamentos de Robert e James Adam,

inscrevendo-se em medalhões cenas bucólicas, como as que atrás mencionamos, ou

atributos vários caracterizando os espaços para que os painéis foram concebidos. No

caso da Alegoria à Astronomia (inv. 101-150), trata-se de um silhar ornamental,

proveniente de uma casa particular no Cartaxo. Ao centro da composição, contra

almofada saliente, está suspenso um medalhão oval com moldura de fita espiralada onde

se representa uma figura feminina de pé, vestida de túnica e manto clássicos, segurando

um compasso na mão direita e um globo na esquerda. Deste conjunto são conhecidos

outros painéis representando as artes liberais, e um outro que poderá caracterizar a

106 Santos Simões (1979), p. 90. 107 NORTON, Thomaz Mendes – Études sur les oeuvres d'art de Raphael Sanzio d'Urbino du Monastère de Refojos do Lima / par Thomaz Mendes Norton; traduit du portugais par Louis Carloman Capdeville. Impremerie Nationale, Lisbonne, 1888. 108 GUIMARÃES, Feliciano – Arquivo de Viana do Castelo. Vol. I, 1934. 109 Na obra Études sur les oeuvres d'art de Raphael Sanzio d'Urbino du Monastère de Refojos do Lima, surgem fotografias dos restantes painéis que constituíam esta série, num total de 14 exemplares, bem como, outras duas fotografias, uma panorâmica e outra de pormenor, do Refeitório, podendo-se ver a disposição dos painéis in situ. Thomaz Mendes Norton (1888), pp. 54-55 e 65-72.

Page 71: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

61

Retórica (MNAz inv. nº 6399), pertencente ao Museu Nacional do Azulejo. Igualmente,

produzidos na Real Fábrica de Louça, ao Rato, são outros dois Silhares de Composição

Ornamental (inv. 101-153 e inv. 101-154), datáveis entre 1820 e 1830110.

Terminada a Guerra Civil em 1834, uma dinâmica Burguesia adepta do novo

ideário liberal toma em mãos o reactivar do comércio e indústria. À semelhança de

muitos outros ramos da actividade industrial, também as fábricas de cerâmica irão ver o

seu número aumentado, fundando-se novas unidades, que, de algum modo, substituem

as que tendo produzido, desde os anos sessenta do século XVIII e ainda de modo semi-

industrial, quantidades enormes de azulejos e faianças, tinham fechado as suas portas,

na sequência das sucessivas crises políticas e económicas. Outras subsistem, juntando-

se ao número das que em Lisboa, Porto e Gaia, vão produzir um azulejo, essencialmente

utilitário, destinado ao revestimento de fachadas de prédios de arrendamento.

Oscilando na utilização de técnicas semi-industriais e industriais, como a

estampilhagem e a estampagem, as novas fábricas vão conferir ao azulejo um protagonismo

crescente, impondo-o como um elemento caracterizador das identidades urbanas.

Se a maioria da produção terá sido de padronagem, dos mesmos centros

produtores saíram, também, painéis figurativos, criação que ainda se encontra pouco

estudada. Do painel de azulejos Paisagem com vegetação e construções (inv. 101-271),

por exemplo, podemos dizer, pelas suas características que passam pelo traço do

desenho, uso da pintura a azul e recurso à estampilha, que poderá ter sido produzido na

fábrica portuense de Miragaia, visto ter semelhanças com a faiança, à imitação da louça

inglesa de Davenport, que aí se concebeu entre 1827 e 1840111.

Relativamente ao azulejo de padrão, no Porto e Gaia, a produção vai ao encontro

dos gostos mais enraizados, podendo ver-se um prolongamento da estética barroca,

tipicamente nortenha, nos relevos característicos dos azulejos, mais pronunciados, como

é o caso do fabrico de Massarelos ou das Devezas. A este propósito vejamos o caso do

Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-274). Composto por elementos relevados

figurando, angularmente, concheados de acanto unidos entre si, criando reservas

losangulares onde se inscrevem, margaridas e quadrifólios vegetalistas, dispostas

alternadamente, tem como cercadura um outro padrão, em que as flores centrais a

branco são substituídas por azuis. Numa primeira observação, afirmaríamos que se trata

110 A propósito destes painéis consulte-se: AA.VV. – Real Fábrica de Louça ao Rato (2003), pp. 537 e 539. 111 A este propósito consulte-se: SANDÃO, Arthur de – Faiança Portuguesa, Séculos XVIII/XIX. Vol. II, Livraria Civilização, 1985, pp. 97-98, 144-145.

Page 72: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

62

de dois padrões provenientes do mesmo centro de fabrico. No entanto, analisando

cuidadosamente os tardozes, constatamos que os azulejos que compõem a cercadura

foram moldados manualmente, verificando-se as marcas deixadas pela pressão dos

dedos dos ceramistas, sendo o azulejo, também, mais grosso, ao passo que, aqueles que

compõem o centro do painel, patenteiam a quadrícula deixada pela prensagem

mecânica, específica da Fábrica das Devezas112. Concluímos, assim, que o presente

exemplar é composto por azulejos realizados nas fábricas de Massarelos e de Devezas,

correspondendo à primeira a cercadura, e à segunda o centro do painel113.

As fábricas de Lisboa, como sejam Sacavém, Constância, ou Viúva Lamego,

vão, por sua vez, produzir milhares de azulejos de padrão que recuperam a tradição

seiscentista de revestimento de grandes espaços, trocando então as paredes interiores de

igrejas e palácios pelas fachadas de edifícios comuns.

Expressão um tanto tardia do estilo Arte Nova, e tendo também como destino a

aplicação exterior, separando os andares ou figurando como remate superior,

produziram-se entre finais do século XIX e inícios do séc. XX inúmeras barras e faixas

ornamentais. De grande valor decorativo, exibiam em geral motivos vegetalistas e

florais de viva policromia, documentados nesta Colecção por vários exemplares, dos

quais destacamos o Friso com Girassóis e Malvas (inv. 101-277) produzido na Fábrica

de Sacavém, no último quartel de oitocentos, e no qual, a simetria da composição é

acentuada pela presença de uma filactera entrelaçada com as ramagens.

Conforme alude Luísa Arruda, quanto à pintura e temas da azulejaria Arte Nova de

produção corrente, apesar de casos particulares, não se produzem grandes criações

emblemáticas: “(…) reduz-se o formulário ornamental a declinações florais e animais, onde

pontuam, por vezes, cabeças femininas de cabelos esvoaçantes enquadradas por cercaduras

desenhadas com os enrolamentos e ondulações típicas dos modelos importados. O acentuado

sentido decorativo do desenho é sublinhado por um cromatismo muito desenvolvido, em tons

pastéis ou nos acordos e contrastes que as novas tecnologias facilitam. Trata-se, na maioria

dos casos, de uma produção de pintores-artífices, muitas vezes empregados das fábricas, que

reproduzem, engenhosamente, modelos importados.”114.

112 Anexo V – Fotografias dos tardozes (centro e cercadura) do Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-274). 113 Em relação aos processos de produção das fábricas de Massarelos e Devezas, veja-se José Meco (1993), pp. 77-79. 114 ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX”. in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo Pereira, Vol. III, Edição Círculo dos Leitores, Lisboa, 1995, p. 411.

Page 73: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

63

A orientação preferencial da produção de azulejos repetitivos ou seriados para o

revestimento de fachadas, não obstou, como se disse, que se continuassem a fabricar

azulejos figurativos, ainda que, na sua maioria, anónimos. É o caso do painel

Camponesa alimentando Perus (inv. 101-269), tipo de representação que, na sequência

de uma tradição setecentista de representações do quotidiano, se aproxima de outras

características da época, de que é exemplo o conjunto de uma cozinha de fumeiro,

actualmente, exposta no restaurante/cafetaria do Museu Nacional do Azulejo.

Em alguns trabalhos é possível descortinar os traços que permitem individualizar

um “autor”, como é o caso de Luís Ferreira, conhecido pelo Ferreira das Tabuletas,

director artístico da Fábrica Viúva Lamego, activo na segunda metade do século, época

em que foi o grande responsável pela afirmação da azulejaria narrativa no exterior, em

especial fachadas e jardins. Da sua autoria, e em resposta a uma encomenda que se julga

de 1863115, são os painéis Nossa Senhora, Protectora dos Fiéis (inv. 101-272)116 e Todos

têm a sua Cruz (inv. 101-273), parte de um conjunto mais vasto, actualmente disperso,

concebido para o jardim da antiga residência de Manuel Moreira Garcia, na Rua Nova da

Trindade, em Lisboa, onde funcionou durante anos a Casa Bruxelas, hoje conhecida por

Palácio Trindade (antigo Convento da Trindade). No característico estilo ingénuo deste

pintor, contam-se episódios da vida do proprietário, o galego Moreira Garcia, fabricante

de cerveja, veiculando-se, em simultâneo, a ideologia maçónica de que este era adepto,

num registo por vezes de sincretismo com o imaginário cristão, que mais tarde terá um

testemunho eloquente na Quinta da Regaleira, em Sintra. Embora, o significado dos

painéis da presente Colecção permaneçam, ainda, por decifrar, pode-se dizer com

segurança, que se trata de um tipo de representação, que radica num movimento de uma

certa religiosidade sentimentalista, muito em voga a partir de meados do século XIX.

Acreditamos também, ser possível, que os episódios representados na parte inferior

esquerda do painel Nossa Senhora, Protectora dos Fiéis, sejam alusivos à vida do

115 SAPORITI, Teresa – Azulejaria de Luís Ferreira, o “Ferreira das Tabuletas”, um pintor de Lisboa. Edição de Autor, Lisboa, 1993, p. 65. 116 Nos finais da década de 1980, ou princípios da 90, José Manuel Leitão (Solar – Albuquerque & Sousa Lda.) vende quatro painéis de Luís António Ferreira ao Museu Nacional do Azulejo (MNAz Inv. nos 1789-1792) e dois à Colecção Berardo, em 1991 (inv. 101-272 e 101-273), todos da mesma proveniência. Segundo Teresa Saporiti (1993), p. 81, integrou a Colecção Berardo, apenas a parte superior do painel Nossa Senhora, Protectora dos Fiéis, sendo que a parte inferior, representando um mocho, ficou na posse de José Manuel Leitão. Estas afirmações são atestadas, pelas fotografias patentes na página 75 (painel in situ, com a parte superior e inferior) e página 81 (pormenor de um painel pertencente ao Manuel Leitão). Convém salientar, que atendendo, ainda, às fotografias de Teresa Saporiti, constatamos que os 70 azulejos, que compõem hoje a cercadura não pertenciam, originalmente, a este painel.

Page 74: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

64

encomendador, e que seja o próprio, uma das figuras, de diferentes estratos sociais,

representada no painel Todos têm a sua Cruz, transportando “a sua cruz”117.

Tendo o azulejo figurativo conhecido utilizações diversas ao longo do tempo,

conforme a intenção do encomendador, foi com naturalidade que, nas últimas décadas

do século XIX, passou a ser utilizado como veículo de mensagens publicitárias que, tal

como as religiosas e políticas, se pretendiam persuasoras. Desde cartelas contendo

legendas e letreiros, até ao revestimento integral de fachadas, passando por painéis de

dimensão variável, os azulejos publicitários ocupam na História desta forma de arte um

lugar de destaque, espelhando muitas vezes a evolução de gramáticas decorativas e

contribuindo, decisivamente, para afirmar a presença da figuração numa época de

produção massiva de padronagens.

O painel A Japoneza (inv. 101-275), publicita a fábrica de goma crua com a

mesma designação, exibindo a imagem de uma figura feminina oriental, trajando

quimono, e segurando um leque e uma sombrinha, que remete de imediato quer para o

nome da fábrica quer para a sua actividade. Produzido na Fábrica Roseira, em Lisboa,

fundada em 1832 por Victor Rosembaum (naturalizado Roseira), sendo a origem do seu

fabrico indicada pela inscrição “Roseira” colocada inferiormente, do lado direito. Sabe-

se hoje que esta fábrica não teve a sua origem na da Bica do Sapato, tendo-se instalado

noutro local, o Palácio Cova na Calçada dos Cesteiros. Realizado por volta de 1880-

1890, este painel figurou na fachada da Fábrica Japoneza, cumprindo a sua função

original, a publicitária.

Num outro painel propagandista Grandes Armazéns das Ilhas (inv. 101-291)

produzido, mais tarde, entre os anos 30 e 40 do século XX, na Fábrica Lusitânia, em

Lisboa, optou-se pela figuração de objectos, representativos dos que se propunham ao

público, a par com legendas que reforçam as imagens ou remetem para produtos

ausentes. Representando dois modelos de cadeiras de verga, que ladeiam um armário

decorado, frontalmente, com apontamentos florais estilizados, este painel encontrava-se

exposto na Rua de São Bento, fazendo publicidade aos Grandes Armazéns das Ilhas.

117 Acrescente-se, ainda, que a azulejaria de Luís Ferreira, continuando a tradição da figuração a azul e branco, radicada no azulejo da primeira metade do século XVIII, demonstra nos vários trabalhos a antiga sabedoria portuguesa na sua articulação com a arquitectura. Conforme refere Luísa Arruda – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX” (1995), p. 412 “(…) utiliza nas decorações temas alegóricos e neoclássicos revisitados de forma ingénua, porventura segundo indicações dos encomendadores [sendo o caso dos exemplares da Colecção Berardo, disso exemplo] e modelos (gravuras) (…)”.

Page 75: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

65

No último quartel do século XIX desenvolve-se em Portugal um importante

centro de produção cerâmica que será responsável pela divulgação de estéticas

modernas – a Fábrica de Faianças, fundada em 1884 nas Caldas da Rainha, onde o

fabrico industrial para uso corrente obedeceu a preocupações artísticas, aproximando-se

da cerâmica a que podemos chamar de “autor”. Efectivamente, o seu mentor, Rafael

Bordalo Pinheiro (1846-1905), artista de personalidade multifacetada, concebeu mais de

duzentos modelos, filiáveis, em boa parte, num movimento internacional de revivalismo

da cerâmica do francês Bernard Palissy (1510-1589), mas também numa produção, que

se vinha desenvolvendo nas Caldas desde o trabalho da quase lendária figura da

ceramista Maria dos Cacos.

Denotando-se em parte da produção de faiança preocupações de índole política e

social, comuns ao seu trabalho como desenhador e caricaturista, também no padrão de

Azulejos Relevados (inv. 101-276), que idealizou para decoração do bar do pavilhão

português da Exposição Universal de Paris, em 1889, em cuja composição, retirada de

um túmulo da primeira dinastia da capela tumular do mosteiro de Alcobaça, constam

escudos com as quinas de Portugal, encontramos uma afirmação dos valores nacionais,

cara a vários artistas e intelectuais da sua geração.

O sucesso das faianças da Fábrica das Caldas da Rainha, em diferentes

exposições, valera a Bordalo Pinheiro ceramista, extensas consagrações e referências

elogiosas, na sua época, de eminentes intelectuais como Ramalho Ortigão118, Joaquim

Vasconcelos119, Sousa Viterbo120 e Fialho de Almeida121.

Provenientes de uma encomenda para o Chalet Bister, em Sintra, mas que nunca

chegaram a ser aplicados, são dois dos exemplares desta Colecção, Painel de Azulejos –

“Padrão Bacalhôa” (inv. 101-584) e Painel de Azulejos Relevados – “Padrão Árabe”

(inv. 101-588), que testemunham o início da obra azulejar de Bordalo, partindo de

inspiração em modelos mouriscos, árabes e renascença, patenteados em diversos locais,

como sejam, o Palácio de Sintra, a Quinta e Palácio da Bacalhôa, entre outros122.

118 ORTIGÃO, Ramalho – A Fábrica das Caldas da Rainha. Porto, 1891. 119 VASCONCELOS, Joaquim de – “Arte Decorativa Portuguesa”. in Notas Sobre Portugal, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908. 120 VITERBO, Francisco Marques de Sousa – Artes e artistas em Portugal: contribuições para a história das artes e industrias portuguezas. Lisboa, 1892. 121 ALMEIDA, Fialho de – “A Glória dos Vencidos”. in Jornal Os Pontos nos iis, 1891. 122 O Museu de Rafael Bordalo Pinheiro possui no seu espólio padrões de “esfera-armilar”, “pé-de-galo” e “Bacalhôa”. Muitos outros padrões estão, ainda, representados nas colecções do Museu de Rafael Bordalo Pinheiro, em Lisboa e nos museus das Caldas da Rainha, nomeadamente, no Museu de Cerâmica, no Museu de José Malhoa e na Fábrica Bordalo Pinheiro. Em Espanha, no Museu de San Rafael.

Page 76: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

66

Segundo Luísa Arruda “Na azulejaria concebida por Bordalo destacam-se ainda

os azulejos de inspiração arte nova, classificados como «os tardios» por Julieta Ferrão,

reveladores da influência desta nova linguagem ornamental, sobretudo a partir da estada

em Paris por ocasião da Exposição Internacional.”123. Exemplos desta inspiração

naturalista são os painéis de azulejos relevados Borboletas e Espigas (inv. 101-585) e Rãs

e Nenúfares (inv. 101-587). Embora se desconheça a origem de ambos, o primeiro,

podendo apresentar ou não “espigas”, destinava-se à decoração de padarias, tendo sido

utilizado em tempos, um padrão do mesmo tipo, no balcão da Panificadora de Campo de

Ourique. Datados de 1905 e 1904, respectivamente, e assinalados no tardoz com a marca

“FF Caldas”, apenas o exemplar com padrão de Borboletas e Espigas, apresenta o

monograma do artista, colocado no canto inferior direito de cada azulejo.

7. O Século XX

Nas primeiras quatro décadas do século XX a azulejaria portuguesa fica marcada

por um gosto nacionalista e historicista, bem patente nos revestimentos cerâmicos de

mercados e estações de caminhos de ferro, locais onde podemos encontrar

representações de cenas alusivas às principais actividades laborais ou de lazer de cada

região, e aos seus monumentos mais significativos – tendo, muitas vezes, como

referência iconográfica, imagens fotográficas veiculadas por postais ilustrados – ou

ainda acontecimentos maiores da História de Portugal.

Na esteira de Ferreira das Tabuletas e do seu discípulo Pereira “Cão”, surgem

agora outros artistas que conservam ligações às fábricas de produção mais corrente. É o

caso de Leopoldo Battistini, pintor e ceramista italiano que de 1921 a 1936 dirigiu a Fábrica

de Cerâmica Constância, então sócio maioritário, e que, com Viriato Silva, assinou, em

1924 o painel D. Isabel de Aragão separando os exércitos desavindos de D. Dinis e do

Infante D. Afonso (inv. 101-288). De proveniência desconhecida, o painel rectangular

representa a Rainha Santa Isabel, afastando os exércitos discordantes de seu marido e seu

filho. Toda a composição é emoldurada por concheados, folhas de palma, flores e

quadrícula assinalada nos pontos de intersecção por quadrifólios, numa organização

simétrica, estando a moldura assente sobre cantaria falseada, num jogo de côncavos e

123 Luísa Arruda – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX” (1995), p. 415.

Page 77: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

67

convexos, desaparecendo aos lados sob o desenho da cercadura, e reaparecendo nos cantos

superiores. A encimar o conjunto circunscreve uma cartela, ao centro, em concheado, com

legenda realizada em letras capitulares azuis – DONA ISABEL DE / ARAGÃO.

Curiosamente, surge nesta Colecção um painel de azulejos Lareira em

tromp’oeil (inv. 101-364), que faz conjunto com um candeeiro cerâmico de oito lumes,

ostentando a inscrição “Criação do Mestre Battistini em 1935” e a referência “Pintou

em 1937”. Contudo, embora o exemplar patenteie esta inscrição, estamos em crer, que

esta obra não terá sido criada pelo próprio Battistini, que em 1935 contava com 71 anos,

quanto muito, teve a colaboração dos artesãos que trabalhavam na Fábrica Constância.

Atestam as nossas afirmações, relativas à não autoria desta obra por Battistini, o facto

de o mesmo ter falecido em Lisboa, a 4 de Janeiro de 1936. Segundo Alice Lázaro “(…)

devido à louvável mas mal sucedida intenção de Maria de Portugal [124] em

homenagear, provavelmente, o artista italiano, em mudar o nome da Cerâmica

Constância para Faiança Battistini em 1936, deu origem a que se instalasse a confusão

entre a assinatura do ceramista e o novo nome da fábrica, julgando os menos

informados que têm em seu poder peças originais de Battistini.”125. Interessante é ainda

o facto de abaixo da indicação da criação e da sua posterior pintura, na lareira, surgir

uma filactera com inscrição alusiva ao primeiro centenário da Fábrica Constância “1836

– 1936”, situando-se esta data, no período intermédio, entre a criação desta obra (1935)

e a da sua posterior decoração (1937).

Na mesma corrente estética insere-se Jorge Colaço com oficina na Fábrica de

Sacavém, e, posteriormente, na Fábrica Lusitânia, ambas em Lisboa, porventura o pintor

cerâmico mais prestigiado da sua geração, e que fez uso, em suporte cerâmico, das

técnicas próprias da pintura a óleo que também cultivava. Eminentemente romântica, a

sua obra punha em destaque quer os valores pátrios, quer concepções idílicas da

natureza e do mundo rural. Embora não assinado, é possivelmente de sua autoria, o

painel Ninfas (inv. 101-287), figurando beldades num jardim, e cuja cercadura, em

trompe l’ oeil, evoca o trabalho de talha. Conforme refere Luísa Arruda a obra de Jorge

Colaço, quando comparada com as decorações de outros pintores, “(…) parece

124 Maria de Portugal, nascida Albertina Santos, segundo Alice Lázaro, in: LÁZARO, Alice – Leopoldo Battistini: Realidade e Utopia. Influência de Coimbra no percurso estético e artístico do pintor italiano em Portugal (1889-1936). Edição da Câmara Municipal de Coimbra, Coimbra, 2002, p. 184, foi uma dos aprendizes do pintor-decorador Leopoldo Battistini, que se especializou em “registos” e painéis de figura avulsa, destacando-se dos restantes, e tornando-se posteriormente sua mulher. Maria de Portugal foi, também, autora de azulejaria e de peças de cerâmica de vulto. 125 Alice Lázaro (2002), pp. 264-265.

Page 78: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

68

claramente melhor tanto na construção rigorosamente académica das paisagens e

figuras, nos enquadramentos que propõe, utilização de gradações e transparências de

“azuis-cobalto”, como na tipologia de cercaduras que utiliza”. A autora acrescenta

ainda, que “Uma característica que distingue o seu trabalho é a qualidade e

transparência de azuis quase de aguarela e a construção académica do desenho. Estes

aspectos prendem-se com a formação e círculo cultural do pintor e, do ponto de vista

técnico, com o facto de Colaço encarar a matéria cerâmica apenas como suporte

bidimensional de pintura ao contrário de Bordalo, de formação escultórica, que encara

a azulejaria como pertencente ao mundo matérico da faiança, dotada de um

determinado carácter e de uma “verdade” própria.”126.

A par da azulejaria figurativa, continuam a produzir-se composições seriadas de

repetição. Como vimos, para a difusão das novas estéticas da Arte Nova e,

posteriormente, da Art Deco foram de grande importância as produções massivas de

unidades industriais como a Fábrica de Louça de Sacavém e a Fábrica Lusitânia em

Lisboa, sobretudo entre as décadas de 1910 e 1930, com azulejos em pó de pedra e

técnicas decorativas modernas de estampagem e aerografia.

Seguindo o gosto Art Deco, executam-se então painéis para aplicação interior,

principalmente em átrios e lojas, produção que surge aqui documentada pelo Painel de

Azulejos Aerografados (inv. 101-289), cuja sanefa está duplicada, no que é uma

montagem pouco habitual. Também para revestimento interior, e possivelmente da

mesma fábrica (Sacavém), o Painel de Azulejos de Padrão (inv. 101-290),

representando uma malha fina de ferronerie, de cor amarela, interligada a intervalos

regulares, a octógonos vazados de cor castanha, prenuncia um modernismo que na

Colecção Berardo encontra expressão no painel Colheita do Cacau (inv. 101-336) de

Jorge Barradas, assinado e datado de 1954.

Trabalhando, a partir de 1945, na Fábrica Viúva Lamego, Jorge Barradas (1894-

1971) pintor e ilustrador modernista, do 1º Modernismo, contribuiu de forma incessante

para um revigorar da cerâmica artística em Portugal, conferindo-lhe um carácter moderno,

tornando-se assim, um autor de referência para toda uma geração revelada no pós-guerra.

A Colheita do Cacau representa um tema “(…) directamente relacionado com o

seu local de aplicação original, o paquete Santa Maria – que efectuava a carreira para

as possessões africanas –, e sequência natural de uma obra cerâmica que se iniciara

126 Luísa Arruda – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX” (1995), p. 418.

Page 79: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

69

com um convite para a execução de um painel relevado, destinado à Sala dos

Descobrimentos do Pavilhão de Portugal na World’s Fair, a Exposição Universal de

Nova Iorque, em 1939.”127. Em sintonia com a temática mais recorrente da azulejaria

portuguesa da primeira metade do século XX, numa “(…) conciliação entre a tradição

e modernidade.”128, este painel versa, objectivamente, uma alegoria ao Infante D.

Henrique e à Escola de Sagres.

Os azulejos de Jorge Barradas tiveram sucesso imediato junto do público, o que

afastou para segundo plano as cópias de modelos joaninos e pombalinos, em voga nos

anos 20 e 30 ou a azulejaria de temática naturalista. “Como Bordalo, Jorge Colaço e

Raul Lino, Barradas contribui com um novo olhar para a capacidade expressiva da

azulejaria, fruto da formação independente e autoridade pessoal granjeadas noutros

géneros artísticos. (…) A transfiguração da presença humana tocada pelas

experiências abstractizantes e surrealista vai marcar a subsequente obra azulejar de

Barradas. No entanto, outras vias de inspiração marcam trabalhos em que a minúcia

de detalhes, a cor e o grafismo depurado lembram a iluminura e a pintura florentinas.

Os fundos ornamentais, as plantas e outros elementos da Natureza, o sol, as águas, as

rochas surgem essencialmente como elementos ornamentais e compositivos, como

cenários onde se movem as personagens.”129, sendo o exemplar da presente Colecção,

bem ilustrativo do exotismo e hiperdecoração dos fundos vegetais, provavelmente, fruto

das viagens tropicais que o autor fizera ao Brasil e São Tomé e Príncipe.

Incidindo na mesma temática, a colheita, desta feita do amendoim, encontramos

na presente Colecção, um trabalho francês de 1948, intitulado La récolte de l’arachide

(inv. 101-609). Trata-se de um monumental painel de cerâmica esmaltada composto por

128 azulejos, acrescidos de cercadura e quatro medalhões aos cantos com sol como

motivo. Encomendado para a Fábrica UNILEVER de Asnières, em França, este

exemplar está assinado com um monograma PP, cruzado e datado.

Em Portugal, a exploração do azulejo moderno pela sua especificidade matérica,

atitude que encontra origem na produção de Jorge Barradas, irá contagiar diversos

autores, dando lugar a uma cerâmica, fortemente marcada por valores escultóricos, reais

ou simulados, e pela pesquisa de valores cromáticos. 127 João Pedro Monteiro (2006), p. 53. 128 RODRIGUES, António – “1933-1949. Ausência e nobilitação do Azulejo. A Política do Espírito”. in O Azulejo em Portugal no século XX, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Inapa, Lisboa, 2000, p. 53. 129 Luísa Arruda – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX” (1995), pp. 422-423.

Page 80: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

70

Integrando esta poética dos materiais, está a obra da ceramista Cecília de Sousa

(n. 1937), que, tendo por base uma abstracção sígnica e espacial desenvolvida na década

de 1950, tem vindo a explorar a visualidade cerâmica como memória residual da

existência. Participante assídua das Bienais de Cerâmica internacionais e cooperadora

do movimento de renovação da Cerâmica portuguesa do pós-guerra, entre 1954 e 1968,

junta-se a uma nova geração de artistas plásticos, como os pintores Querubim Lapa,

Júlio Resende e Júlio Pomar, e a ceramista Manuela Madureira, que colaboram com

arquitectos empenhados na experimentação de novas linguagens plásticas. Explora neste

período as expressividades próprias do fazer cerâmico, numa produção moderna de

objectos de tipologias convencionais e revestimentos arquitectónicos em faiança, com

estéticas abstractas. Em 1964 realiza uma peça, intitulada Sol (inv. 101-582),

composição com placas cerâmicas formando um sol estilizado, com raios em duas cores

alternadas, para o antigo Hotel Estoril Sol, tendo estado aplicada no Salão Vitória.

Da mesma proveniência é o conjunto de vinte frisos, que actualmente fazem

parte da Colecção Berardo130. Patenteando várias formas geométricas, nas quais se

inserem representações antropomórficas e alguns animais fantásticos, estes frisos

cerâmicos da autoria de Manuela Madureira, revestiam as sobreportas do restaurante

principal do Hotel. Renovando a sua linguagem artística e partindo à descoberta e

assimilação contínua de novas técnicas e materiais, a autora confere um sentido de

experimentação inovador e autêntico à sua obra. Ao nível temático explora o reino

animal e vegetal, o universo e a fantasia, conjugando, no seu trabalho, os vários

fragmentos do recorte figurativo numa estrutura aparentemente complexa, de onde

emerge a sua grandeza simbólica.

“Um modernismo moderado apoiado por António Ferro, ideólogo da Cultura

em Portugal aquando das grandes exposições internacionais, encontrava a inspiração

em motivos de “arte popular” e para a exposição de Paris de 1937 foram criadas

lambrilhas por diversos artistas plásticos, como Paulo Ferreira, Fred Kradolfer e

Emmérico Nunes, dentro deste espírito (…) ”131. O Museu Nacional do Azulejo fez uma

réplica do primeiro painel modernista com vista aérea e fantasiada de Lisboa, projectado

por Paulo Ferreira para a mesma exposição, e posteriormente desaparecido, trata-se do

Painel de Lambrilhas (MNAz invº 1934).

130 Embora, a Colecção Berardo tenha incorporado os vinte frisos da Manuela Madureira, que em tempo decoraram o restaurante principal do Hotel Estoril Sol, remetemos para anexo, apenas, um exemplar ilustrativo do conjunto – Friso de azulejos com representações antropomórficas (inv. 101-589). 131 João Castel-Branco Pereira (1995), p.52.

Page 81: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

71

Fred Kradolfer (1903-1968), co-autor da obra citada, desenvolveu vários

trabalhos com artistas consagrados, como sejam, Bernardo Marques, Carlos Botelho,

Emmérico Nunes, José Rocha, Paulo Ferreira e Thomaz de Mello, grupo conhecido

como a “equipa de António Ferro” ou a “equipa do SPN” (Secretariado de Propaganda

Nacional). Artista multifacetado, deu um grande contributo no progresso das artes

gráficas em Portugal, tendo utilizado a sua criatividade e apurado gosto estético em

distintas actividades artísticas, do cartaz ao vitral, passando pela cerâmica e pelos

anúncios luminosos. Evidenciando uma enorme aptidão de expressão ao representar

elementos do folclore em objectos de uso quotidiano (bilha, pote, espiga, flores, etc.) e

da vida campestre (porcos, touros, cavalos, burros, etc.), típicos do país à época,

conferiu uma certa modernidade no posicionamento das figuras. Entre variados

trabalhos da sua autoria, destacam-se os cincos painéis cerâmicos executados para o

antigo Hotel Estoril Sol, dispostos à entrada, a decorar os grossos pilares, e que hoje

fazem parte da presente Colecção. Realizados por volta de 1960-1965, três dos

exemplares, idênticos entre si, são relevados, figurando um sol antropomórfico no topo

e uma sereia no centro da composição, formando uma barra vertical em ambos os lados

do painel, onde surgem finos elementos ondeantes132. Os outros dois painéis são

policromos e ostentam, também, um sol antropomórfico no topo, tendo na base um

vaso, que apresenta como arranjo, três penas de pavão e dois cachos de uvas, dispostos

simetricamente. A delimitar estes elementos, no topo e aos lados, desponta uma barra

com duas cores e linhas oblíquas paralelas133.

No período pós-guerra, surge um espírito moderno de franca ruptura com as

tradições artísticas. Na década de 1950, constroem-se então novos edifícios e estruturas

urbanas com projectos de jovens arquitectos formados num funcionalismo internacional

e que integram obras de jovens artistas plásticos. Neste contexto, tenham-se como

exemplos, o maior conjunto de azulejaria de linguagem figurativa moderna jamais vista

em Lisboa, na Avenida Infante Santo; as estações do metropolitano de Lisboa,

decoradas com azulejos de Maria Keil, a partir de 1957; o muro de suporte da Avenida

Calouste Gulbenkian, de João Abel Manta, entre muitos outros.

A moderna cultura do azulejo deve-se sobretudo ao notável trabalho do

engenheiro Santos Simões, que em 1971 realiza o Congresso Internacional de

132 A título de exemplo, remetemos para anexo, o Painel de Azulejos com Sol antropomórfico e sereia (inv. 101-577). 133 A título de exemplo, remetemos para anexo, o Painel de Azulejos com Sol antropomórfico (inv. 101-580).

Page 82: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

72

Azulejaria, em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, seguido de uma eminente

exposição de azulejaria contemporânea. De entre os artistas com produção de azulejo

desde a década de 1950, destacam-se Querubim Lapa, Manuel Cargaleiro, Cecília de

Sousa e Rogério Ribeiro, essencialmente, pela actualização da linguagem desta

disciplina, determinando a continuidade da criação até à contemporaneidade.

No terceiro quartel do século XX, a encomenda para edifícios públicos não deixa

de crescer, assim como, o interesse da encomenda privada manter-se-ia sempre

constante, com acesso a produções de escala menor ou em casos especiais a decorações

comissionadas. Em 1987, aparece a Ratton Cerâmicas em Lisboa, galeria cujo projecto

era propiciar e difundir a criação do azulejo contemporâneo convocando para o efeito

artistas nacionais e estrangeiros. Fruto desta dinâmica, muitos foram os autores que se

interessaram pelas tipologias e técnicas específicas deste suporte, como veículo para as

diferentes poéticas particulares.

Por seu turno, as grandes realizações públicas como Lisboa, Capital da Cultura,

em 1994 ou Exposição Mundial de 1998 têm proporcionado a criação do Azulejo

contemporâneo. Entendida, também, como arte urbana, surgem diversas encomendas

pelo país fora, vindas sobretudo das autarquias, sociedades públicas ou comissões.

Júlio Pomar decora o generoso espaço da estação de metropolitano do Alto dos

Moinhos, em 1989, sob o tema de quatro poetas portugueses: Camões, Bocage,

Fernando Pessoa e Almada Negreiros, sendo que neste caso, conforme relembra Luísa

Arruda134, a quadrícula modular do azulejo pouco interessa, salientando-se antes, o

branco e o desenho. Imbuído do mesmo espírito, Pomar desenhou com caligrafia

enérgica o painel de azulejos Palhaço (inv. 101-372). O painel monocromático, de

desenho grafitado e rápido, representa um palhaço a tocar flauta transversal, surgindo

em pé, com os seus característicos e enormes sapatos, nariz de batata e roupa larga.

Assinado no canto inferior direito este trabalho deverá datar da década de 1990.

Sá Nogueira, oriundo da terceira geração de pintura do século XX em Portugal,

dedica-se também à azulejaria contemporânea, numa manifestação do gáudio pela via

da cor, do contraste, da ironia e da surpresa.

À semelhança de outras expressões artísticas contemporâneas a azulejaria

pretende, também, colocar questões da estética moderna da obra de arte. A estação de

metropolitano das Laranjeiras, de 1988, é um desses exemplos paradigmáticos, uma

134 Luísa Arruda – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade. Azulejaria nos Séculos XIX e XX” (1995), p. 431.

Page 83: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

73

comemoração de laranjas retratadas e dispostas em proporção despropositada, pela gare e

acessos, acabam por se tornarem inquietantes e divertidas, incitando o passageiro a

interrogar-se sobre a contemporaneidade, sendo esta uma das funções primordiais da arte.

O vigor da criação em azulejo, compreendido como suporte de pensamento

artístico contemporâneo é evidente na obra de Bela Silva, a quem se junta, os nomes de

Lourdes Castro, Jorge Martins, Pedro Proença, Eduardo Nery, Luís Camacho, Fernanda

Fragateiro, Júlio Pomar, Bartolomeu Cid dos Santos e António Costa Pinheiro. Pelo

impacto de obras recentes merecem, ainda, especial destaque Menez, Paula Rego, Graça

Morais e Leonel Moura.

Page 84: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

74

Capítulo III – Quinta e Palácio da Bacalhôa

“O palácio e quinta da Bacalhôa, em Azeitão, formam só por si um monumento

artístico da mais alta significação (…) que pode lançar luz sobre um período

escuríssimo das artes em Portugal, e em que se produzia a grande revolução artística

chamada a Renascença.”135 É com esta afirmação, que Joaquim Rasteiro principia a sua

modelar monografia136 atinente à história, da notável mansão quinhentista, conhecida

por Quinta da Bacalhôa137, e considerada como o mais importante repositório de

azulejaria primitiva no nosso país.

Como atrás ficou referido, não é nossa intenção, no âmbito da presente

dissertação, proceder a um estudo exaustivo da Bacalhôa, mas apresentar o

levantamento de algumas peças arquitectónicas sintomáticas e caracterizadoras da

história e génesis da azulejaria em Portugal138.

135Joaquim Rasteiro (2003), p. 5. 136 Na obra de Joaquim Rasteiro, publicada em 1895, assume particular importância, um suplemento editado em 1898, reproduzindo em litografia, um conjunto de aguarelas da cerâmica da Bacalhôa, feitas por A. Blanc, bem como, um capítulo separado contendo o ensaio publicado por Theodor Rogge nas Blätter für Kunstgewerbe (caderno 3º e 4º, Leipzig, 1895), intitulado Keramik und Decoration in Portugal, com tradução portuguesa de Hugo Mastbaum. 137 Embora, inicialmente, a Quinta da Bacalhôa não tivesse esta denominação, conforme testemunham os diversos legados escritos, tendo sido apelidada pelo nome do sítio, ou dos seus proprietários, (por exemplo: Quinta de Azeitão em Ribatejo; Quinta de São Simão; Quinta da Condestablessa; Quinta de Affonso de Albuquerque; Quinta do Bacalhau, entre outras), optaremos pela designação actual, de forma a facilitar a leitura. 138 Relativamente à arquitectura e jardins da Quinta e Palácio da Bacalhôa, destacamos as seguintes publicações: RIBEIRO, Carlos; DELGADO, J. Filipe Nery da Encarnação – Arborização Geral do País. Typographia da Academia das Sciencias, Lisboa, 1868. PORTELA, Manuel Maria – Notícia dos monumentos nacionaes e edificios e logares notaveis do concelho de Setúbal. 1882. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Palácios e solares portuguezes. (col. Encyclopedia pela imagem), Porto, 1900. BRÜT, F.; CUNHA, Moraes – A Arte e a Natureza em Portugal. Emílio Biel & Cª, Porto, 1906. VASCONCELOS, Joaquim de – A arte e a natureza em Portugal. 1908. CORREIA, Virgílio – Um túmulo da Renascença – A sepultura de D. Luís da Silveira em Góis. Imprensa da Universidade, Coimbra, 1921. VITERBO, Francisco Marques de Sousa – Dicionário Histórico e documental dos Architectos, engenheiros e construtores portugueses a serviço de Portugal, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1922. Reprodução em facsimile do exemplar com data de 1899 da Biblioteca da INCM. AA.VV. – Enciclopédia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti.Vol. V, Instituto Giovanni Trecanni, Rizzoli & Cª, Milano, 1931-39. PEVSNER, Nikolaus – An outline of European Architecture. Pelican books, 1943. TEIXEIRA, Carlos – “L´ évolution du Territoire Portugais pendant les temps anté-mésozoiques”. in Suplemento do Boletim da Sociedade de Geografia de Portugal, Vol. II, pp. 229-255, Porto, 1959. ARAÚJO, Ilídio de – Arte paisagista e arte dos Jardins em Portugal. 1962. G., Zbyszewsky; ASSUNÇÃO, Torre da – Carta Geológica de Portugal. Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos; “Notícia explicativa da folha de Setúbal”, Lisboa, 1965. AZEVEDO, Carlos – Solares Portugueses. Livros Horizonte, Lisboa, 2ª Ed., 1988, (1ª edição de 1969). CRUZ, Maria Alfreda – A margem Sul do estuário do Tejo – Factores e formas de organização do espaço. Oficinas Gráficas da Gazeta do Sul, Montijo, 1973. ALMEIDA, António Ferreira de – Tesouros Artísticos de Portugal. Lisboa, 1976. MARKL, Dagoberto – “O Renascimento”. in História da Arte em Portugal, Vol. VI, Lisboa, 1986. Anne de Stoop (1986). Marcus Binney (1987). SEPIEHA, Nicolas – Casas Nobres de Portugal. Ed. Difel, Difusão Editorial, Lda., Lisboa 1987. CASTEL-BRANCO, M. Cristina F, Ataíde – “O Lugar e o Significado – Os Jardins dos Vice-reis”. Dissertação de Doutoramento em Arquitectura Paisagista

Page 85: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

75

Para se estabelecer a base de um breve ensaio, convém, evocar, em linhas gerais,

a história da propriedade e dos seus distintos possessores, que ao longo dos séculos,

imprimiram um cunho pessoal.

No reinado de D. João I era monteiro mor das matas de Azeitão no Ribatejo,

João Vicente, que segundo Joaquim Rasteiro “(…) trazia emprazada em vida de três

pessoas uma quinta em Azeitão que partia de um cabo com Affonso Annes das Leix e do

outro com Nuno Martins.”139. Metade desta quinta pagava foro à coroa, e o restante era

foreiro Diogo Fêo. Encontrando-se, João Vicente, velho, cego e pobre, sem condições

de cultivar a propriedade e custear os foros, D. João I decide comprar o domínio directo

a Diogo Fêo, em 1421, tomando para si toda a quinta, que viria a passar para Álvaro

Annes, seu barbeiro.

Seis anos passados o Infante D. João, mestre da Ordem de Santiago, filho de D.

João I, compra a grande propriedade em Vila Fresca de Azeitão, e manda erguer um

refúgio de caça, fruindo deste espaço durante quinze anos, de 1427 até 1442, ano da sua

morte. Sucedeu-lhe na posse a filha, D. Brites140, que cinco anos depois, casara com o

Infante D. Fernando, filho do Rei D. Duarte e irmão de D. Afonso V.

Ainda que, conforme conta Joaquim Rasteiro, quem observar, atentamente, a Quinta

e Palácio da Bacalhôa e os vir minuciosamente encontrará nas edificações diferentes idades

e influências das épocas, entre as quais, duas casas com abóbadas ogivais, de cunho gótico,

vestígios da habitação do monteiro mor João Vicente, ou do próprio Infante D. João, a

primeira edificação, de certo vulto, é decerto obra dos Infantes de Beja.

Vivendo na corte de um rei artista, frequentando um meio onde se divulgava as

novidades provenientes de Itália, a idoneidade e perícia dos mestres, o gosto requintado

e a sumptuosidade dos príncipes Mecenas das artes; não poderia D. Brites, faustosa,

princesa e mãe de uma rainha, prescindir de querer imitar, aqueles que eram laureados e

aprisionavam as atenções da mais alta e erudita sociedade.

apresentada ao Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, 1992. CALADO, Margarida – Cidades e Vilas de Portugal – Azeitão. Ed. Presença, Lisboa, 1993. DIAS, Pedro – Arquitectura Mudéjar Portuguesa: Tentativa de sistematização. Maré Liberum, nº 8, Dezembro de 1994. STOOP, Anne de – A Arte de viver em Portugal. Ed. Civilização, Lisboa, 1994. CARITA, Hélder; CARDOSO, Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal. Ed. de autores, Bertrand Editora, 2ª Ed., 1998. SERRÃO, Vítor – História da Arte em Portugal – o Renascimento e o Maneirismo. Editorial Presença, Lisboa, 2002. 139 Joaquim Rasteiro (2003), p. 12. 140 Foi D. Brites quem fundou o Convento da Conceição em Beja, em 1459, facto, que nos leva a concordar com Reynaldo dos Santos (1957), p. 49, quando na sua obra levanta a hipótese de ter existido uma ligação no gosto decorativo das duas casas, de Azeitão e Beja.

Page 86: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

76

A filha do Infante D. João, mestre da Ordem de Santiago, tinha ainda, a seu

favor, o facto de ter herdado a quinta de Azeitão, próxima da residência da corte, num

local abundante em águas e passível de se construir uma habitação apalaçada,

acrescido à conjuntura, de D. João II ter uma predilecção por Setúbal, local onde

possuía extensas propriedades141.

Segundo Joaquim Rasteiro, D. Brites “(…) encomendaria os planos de um

palácio de campo a architecto hábil e, não o havendo no paiz, vir-lhe-ía o traçado, ou

um artista da Itália, a este delineou uma villa, que, em uma epocha de transição, saíu

n’um género medieval, amodernado por um florentino.”142. Desta época data a

construção do palácio, assente no sítio da antiga casa da quinta; a cerca torreada, e

alguns revestimentos azulejares quatrocentistas de modelo levantino, testemunhando a

preferência que os Infantes de Beja atribuíam à decoração cerâmica.

Façamos aqui uma pequena nota relativamente aos exemplares do tipo

quatrocentista. Vestígios destes azulejos foram encontrados nos restos de um velho

pavimento sob o torreão sul do Palácio, aquando das obras de reconstrução iniciadas, pela

Mrs. Orlena Scoville, em 1937. Conforme escreve Santos Simões143 as poucas peças

recolhidas foram guardadas no Palácio e pertencem aos tipos de rajolas que se produziam

em Valência na segunda metade do século XV. Todavia, no decorrer do nosso trabalho de

campo, não encontramos qualquer tipo de azulejo semelhante ao descrito e ilustrado por

Santos Simões, na estampa VI, modelo e. Em contrapartida, descobrimos parte de um

azulejo, que aparece representado na mesma estampa – modelo b – também, identificado

pelo autor como valenciano144. Ladeado por azulejos sevilhanos de aresta, este exemplar

de azulejaria arcaica – levantina – reveste a parte superior do quinto alegrete do muro a

Oeste, no caminho para a Casa da Índia145. Esta descoberta vem, efectivamente, confirmar

a tese, que já haveria algum azulejamento nas construções da quinta antes da compra por

Afonso de Albuquerque (filho), que adiante desenvolveremos.

Viúva desde 1470, D. Brites oferece ao seu neto D. Afonso, filho natural do

Duque de Viseu, D. Diogo, a Quinta e Palácio da Bacalhôa por ocasião do seu

141 Os Infantes de Beja, particularmente D. Brites, eram considerados os “(…) maiores senhores que nunca houve, em Hespanha, que não fossem reis.” in História Geneal, Livro III, p. 283, citado por Santos Simões (1990) p. 55. Eram proprietários de grande parte da Península de Setúbal. 142 Joaquim Rasteiro (2003), p. 19. 143 Santos Simões (1990), p. 55 144 Anexo VI – Exemplos de rajolas valencianas. Santos Simões (1969), Estampa VI. 145 Anexo VII – Exemplo de rajola valenciana. Santos Simões (1969), Estampa VI, b. e exemplo de rajola valenciana, idêntica à identificada por Santos Simões (1969), Estampa VI, b., colocada no alegrete nº 5 do Caminho da Índia, na Quinta da Bacalhôa.

Page 87: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

77

casamento, em 1501, com D. Joana de Noronha, filha do primeiro Marquês de Vila

Real. Da união de D. Afonso, que D. Manuel fizera Condestável de Portugal, com D.

Joana de Noronha nasce D. Brites de Lara.

Em 1504, morre o Condestável, ainda em vida da Infanta sua avó, que viria a

falecer dois anos depois, passando todos os bens, incluindo a Quinta da Bacalhôa e

dependências, para D. Brites de Lara, que em 1519, casou com D. Pedro Menezes,

Conde Alcoutim e terceiro Marquês de Vila Real.

A propriedade, que como vimos, era do dote da Marquesa, foi por esta vendida a

Afonso de Albuquerque (filho), a 1 de Dezembro de 1528, pela quantia de quatro mil

cruzados de ouro. Iniciando, desde então, uma extensa campanha de obras, introduzindo

alterações italianizantes significativas, o novo proprietário irá inovar a edificação de D.

Brites, assinalando na velha Quinta da Condestablessa a sua terceira idade, conforme

alvitrara Joaquim Rasteiro. Contudo, para que se perceba o gosto que inspirou a

reconstrução e ampliação do Palácio da Bacalhôa, cujo estilo reflecte o gosto da

Renascença italiana, é importante relembrar alguns factos da biografia de D. Afonso de

Albuquerque, filho.

Nascido em 1501 era filho, natural e único, do Grande Afonso de Albuquerque

conquistador das partes da Índia. Com cinco anos de idade foi perfilhado por seu pai,

com o nome de Brás, legitimado a 26 de Fevereiro de 1506. No mesmo ano, Afonso de

Albuquerque, o Grande, partiu para a Índia, deixando o filho aos cuidados da sua tia

paterna, D. Isabel de Albuquerque, casada com D. Pedro da Silva, o Reles (de alcunha).

A 15 de Dezembro de 1515 Afonso de Albuquerque a caminho de Goa, a bordo

da nau Flor da Rosa, escreve ao Rei D. Manuel I, uma carta em que lhe dizia: “Senhor,

quando esta escrevo a Vossa Alteza, estou com um soluço, que é signal de morte.

N’esses reinos tenho um filho, peço a Vossa Alteza, que m’o faça grande como meus

serviços merecem que lhe tenho feito como minha serviçal condição, porque a elle

mando, sob pena de minha bençam, que vol-os requeira (…).”146. D. Manuel, quando

teve conhecimento da morte de Afonso Albuquerque e dos seus últimos anseios,

ordenou, que Brás de Albuquerque entrasse no mosteiro de Santo Elói, a cujos cónegos

confiou a sua instrução, fazendo-o trocar o nome pelo de seu pai Afonso de

Albuquerque. Pouco tempo depois, casa com Dona Maria de Noronha, filha do primeiro

Conde de Linhares, escrivão de puridade do Venturoso, D. António de Noronha.

146 ALBUQUERQUE, Afonso de – Comentários do Grande Afonso de Albuquerque. Parte IV, capítulo XLV, citado por Joaquim Rasteiro (2003), p. 50.

Page 88: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

78

Senhor de uma grande fortuna, Afonso de Albuquerque, filho, dá início a uma

brilhante carreira como cortesão, político e escritor. Ainda antes de adquirir a Quinta e

Palácio da Bacalhôa, foi escolhido, conjuntamente, com fidalgos de boa estirpe para

acompanhar a Sabóia, a Infanta D. Brites, comandando um dos galeões. A frota

ancorou, em Nisa, porto do seu destino, a 29 de Setembro de 1521, embora a entrada na

corte só se tivesse realizado em Maio de 1522. Durante sete meses os fidalgos, que

acompanhavam a Infanta, visitaram várias cidades da Itália da Renascença, facto que

viria a explicar o gosto das edificações de Albuquerque, em Portugal147.

Após a aquisição da Quinta da Bacalhôa, em 1528 como atrás foi mencionado,

Afonso de Albuquerque ordena grandes obras de remodelação, adaptando ao novo gosto

artístico e conservando, apenas, as partes da construção antiga com algum interesse

estético, designadamente, as torres circulares, de cobertura lobulada, que tal como

sugere Santos Simões, lhe conferem um certo sabor Manuelino148.

“Foi durante a longa vida de Afonso de Albuquerque que o Palácio de Azeitão

adquiriu a sua feição mais característica, sendo, sem dúvida, a primeira edificação

civil portuguesa, mandada fazer por um particular, onde se patenteiam as formas

arquitectónicas renascentistas e, diríamos, modernas.”149

A ampla campanha de obras, entretanto levada a cabo, teria findado por volta de

1554, como atesta o friso do portão principal, que dá acesso ao pátio do Palácio, onde

consta a seguinte inscrição: Anno 1554 – Alfonsus Albuquercus Alfonsi Magni indorum

debellatoris – sub Joanne III Portugaliae rege condidit – Anno MDLIIII (Afonso de

Albuquerque, filho do grande vencedor dos índios, edificou em 1554, reinado de João

III). Por esta altura, a Bacalhôa estaria já em condições de receber ornamentação, e

segundo escreve Santos Simões “(…) foi em Sevilha que se forneceu de azulejos

[Afonso de Albuquerque], escolhendo os desenhos mais recentes e originais,

produzidos nas melhores oficinas de Triana, alguns dos quais encomendados

propositadamente.”150. Na verdade, já Reynaldo dos Santos151 havia comparado os

147 A Casa dos Bicos em Lisboa, a qual Afonso de Albuquerque era, também, proprietário é um reflexo da cidade de Ferrara, Itália. 148 Santos Simões (1990), p. 70, evoca que estas torres “(…) semelhantes na forma da cobertura aos cubelos da torre de Belém, teriam ainda feito parte do Palácio de D. Brites ou, talvez, de alguma obra do tempo da Marquesa Condestablessa.” Afirmando, ainda, que “De facto, correspondem à parte mais antiga do palácio e foi precisamente em uma destas torres – hoje adaptada a oratório – que se encontraram os azulejos de tipo levantino (…)”, atrás mencionados. Assim sendo, seria natural, que Afonso de Albuquerque na sua ânsia modernizadora tenha desaproveitado os tais azulejos pavimentares, provavelmente, muito antiquados para o seu gosto humanista. 149 Santos Simões (1990), p. 70 150 Santos Simões (1990), p. 70.

Page 89: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

79

padrões da Bacalhôa com os da Casa de Pilatos (Sevilha), demonstrando que uma

grande quantidade de exemplares idênticos, assim como os de Beja, atestariam uma

origem comum, proveniente das olarias de Triana.

Das distintas inovações introduzidas por Albuquerque, fazendo da Bacalhôa um

marco da arquitectura civil residencial portuguesa da Renascença, não só ao nível do

Palácio, como dos jardins, – construção singular pela coerência entre o espaço interior e

exterior, estabelecendo um todo no qual se conjugam princípios estéticos da expressão

mudéjar e renascentista –, os ornatos de barro esmaltado, os medalhões e os azulejos,

iriam acrescentar, também, uma importância angular. Atendendo, ao propósito do

presente estudo, analisaremos agora, o extenso património azulejar, que engrandece e

singulariza a Quinta e Palácio da Bacalhôa.

Do vasto conjunto, que testemunha a azulejaria hispano-mourisca de aresta,

merecem especial atenção os diferentes revestimentos da escadaria de entrada152 e duas

das divisões da apelidada Casa do Lago ou Casa do Prazer153, por se distanciarem dos

modelos convencionais produzidos em Sevilha. De acordo com Santos Simões

“Independentemente dos desenhos ou padrões, o que imediatamente fere a atenção é a

sua organização decorativa a qual vive da disposição diagonal dos azulejos,

contrastando com a colocação normal, única conhecida em Sevilha. Não só a

qualidade técnica é excelente como as composições dos desenhos revelam

preocupações e requintes estéticos do mais puro renascimento.”154 Colocando-nos do

lado deste investigador, concordamos que estes azulejos só poderão ter sido elaborados

em Sevilha, aludindo à qualidade produzida por esse centro de fabrico. Todavia, não nos

abstraímos, do cuidado decorativo da colocação evidenciar uma nova visão de

monumentalidade, muito ao gosto português. Esta organização, inédita na Andaluzia,

poderá ter sido encomendada por Afonso de Albuquerque (filho), detentor de um

excepcional sentido de equilíbrio e bom gosto.

O revestimento mais decorativo e raro é, verdadeiramente, aquele que se

encontra patenteado, em duas das referidas divisões da Casa do Lago155. Os da terceira

divisão são azuis, verdes e melados, ainda que, os mais notáveis, sejam os da quinta

divisão, aberta por cinco arcadas, como uma loggia, sobre o tanque e toda coberta por

151 Reynaldo dos Santos (1957), p. 51. 152 Anexo VIII – Escadaria principal do Palácio da Bacalhôa. 153 Este espaço arquitectónico é, também, conhecido por Casa do Fresco ou Casa do Tanque. 154 Santos Simões (1990), pp. 70-71. 155 Anexo IX – Planta esquemática da Quinta da Bacalhôa. Santos Simões (1969), Estampa XXII. (adaptada)

Page 90: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

80

grandiosas estrelas verdes, de oito folhas que quase se justapõem, prescindindo somente

de pequenos intervalos com quadrifólios acastanhados e estrias azuis156. Este, invulgar

padrão, colocado diagonalmente à maneira da azulejaria coeva, exibe um dos desenhos

naturalistas mais sublimes e com coloração mais eficaz de toda a padronagem da época.

Menos raras, são as placas que envolvem a porta deste compartimento, servindo de

rodapé, e apresentando uma excelente composição de ornatos renascentistas realizada

com azulejaria de aresta.

O conjunto de azulejaria sevilhana, que teve um especial destaque nas

remodelações entre 1528 e 1554, é representativo da padronagem com motivos

renascentistas dos mais tardios na azulejaria de aresta, datados do segundo quartel do

século XVI. “Totalmente distintos dos revestimentos mudéjares de Sintra ou das

combinações de motivos usadas em Coimbra, os forros da Quinta da Bacalhôa

apresentam uma monumentalidade e modernidade resultantes da utilização de um

único modelo em cada parede e da inovadora colocação diagonal dos azulejos.”157

Efectivamente, ao analisarmos os vários padrões de azulejos mudéjares da Bacalhôa

verifica-se, que domina a aresta, e já em padrões do Renascimento. Embora, tenhamos

mencionado aqueles que se destacam pela sua peculiaridade e magnificência, actualmente, é

ainda possível, observar outros exemplares distribuídos pela Quinta, sobretudo, no tanque

do pátio de entrada; nas molduras de algumas portas e janelas; nos alegretes; nas faixas

sobre o tanque (junto à Casa do Lago), e em alguns bancos do jardim.

As diversas estruturas arquitectónicas descerradas pelo jardim foram,

minuciosamente, relatadas por Joaquim Rasteiro, descrevendo-as do seguinte modo:

“Do lado do muro estes alegretes são a espaço interrompidos por cadeiras de alvenaria

revestidas de azulejo; do lado opposto, também a distâncias certas, há uns cubos mais

elevados para plantas de maior porte. O azulejo d’estes cubos é sempre de quantidade

superior ao dos alegretes, variando no desenho e todo de relevo. Entre cubo e cubo e

entre cadeira e cadeira, nos pannos de cada alegrete encontram-se quatro formosos

azulejos de relevo, assentes em diagonal: são dos mais apurados no gosto, no desenho,

nas tintas e no esmalte. O fundo d’estes azulejos é branco, os desenhos folhas e flores

de phantasia, e nuns aparecem uns fructos, que na forma se aproximam da romã. Os

desenhos são combinados para quatro azulejos”158. Os padrões enumerados, com

156 Anexo X – Revestimento decorativo da terceira divisão da Casa do Lago. 157 José Meco (1993), p. 191. 158 Joaquim Rasteiro (2003), pp. 31-32.

Page 91: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

81

ramalhetes de romãs dentro de um medalhão de tons azuis e acastanhados, reproduzidos

em diferentes alegretes159, foram identificados, também, por Reynaldo dos Santos,

como idênticos aos da Casa de Pilatos160.

Outros padrões, inconfundivelmente renascentistas, integram os canteiros

corridos, que ladeiam o muro limítrofe da quinta, a poente, em direcção à Casa da Índia.

Este caminho, designado “caminho da Índia”, é ornado por alegretes revestidos a azulejos

de aresta, e canteiros corridos de composições de xadrez, dispostos na diagonal,

englobando pequenos apontamentos renascentistas, normalmente constituídos por quatro

azulejos sevilhanos de aresta. Intercalando, os canteiros, encontramos bancos, igualmente,

guarnecidos de azulejos de padrão enxadrezado, enquadrados por bordaduras rectilíneas,

obtidas por tarjas da mesma natureza e coloração dos azulejos161. As composições de

xadrez, obtidas através da alternância regular de ladrilhos de duas cores, orientadas em

diagonais, são visíveis noutras zonas do jardim, principalmente, na alameda a sul.

Um aspecto curioso da azulejaria da Bacalhôa, em tempos lembrado por Santos

Simões162, é o guarnecimento da parede que limita o tanque a poente. Sendo perceptível que

se iniciou por eleger azulejos de aresta, muito presumivelmente uma última encomenda de

Sevilha, o padrão foge da gramática habitual. Talvez porque não fossem suficientes para

perfazer a ornamentação ou porque se tenha resolvido repetir o mesmo desenho em azulejo

pisano, são desta última técnica alguns “remendos”, indiciadores de insipiências técnicas

manifestas na imperfeita fixação das cores163. Sobre este assunto, Santos Simões questiona

se teriam sido verdadeiros ensaios e daí resultarem as primeiras tentativas de pintar com

cores de Pisa. Não sugerindo porém uma resposta à sua interpelação, a realidade é que

encontramos, no primeiro compartimento da Casa do Lago, um esquema ornamental

praticamente idêntico, embora irrepreensível nos contornos e na fixação das cores.

Perante os factos, anteriormente expostos, podemos afirmar, que estes tipos de

azulejos sevilhanos foram os últimos, que se instituíram em Portugal, rematando o ciclo

do azulejo mudéjar164.

159 Anexo XI – Padrão com ramalhete de romãs. 160 Ver a este propósito Reynaldo dos Santos (1957), p. 50. 161 Anexo XII – Revestimento do Caminho da Índia. 162 Santos Simões (1990), p. 104. 163 Anexo XIII – Revestimento da parede Oeste do tanque. 164 Santos Simões (1990), p. 71, afirma, ainda, que “ (…) mesmo sob o ponto de vista técnico, notamos em alguns azulejos, certas discrepâncias dos sistemas ortodoxos da “aresta”. As cristas parece já não terem a função de separar os esmaltes mas apenas o de conferir o “relevo” e valor plástico da decoração. Na verdade nota-se que os esmaltes cobrem essas “arestas” como se tratasse de pintura. A percentagem de estanho é cada vez maior, o que leva a crer que a técnica dos esmaltes plumbíferos – que

Page 92: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

82

No anseio de dotar a sua casa com um carácter moderno, muito próprio do

Renascimento, Afonso de Albuquerque decide colocar azulejos de superfície plana,

antepondo-os aos de aresta, sendo na Bacalhôa, que iremos encontrar os primeiros

exemplares de azulejos pisanos, muito provavelmente, produzidos em Lisboa.

Sendo o “novo” azulejo um ladrilho plano, mais simples e de coloração mais

suave, adaptava-se melhor à arquitectura das “villas”. Como testemunha Santos Simões

“Os mensageiros desse novo gosto decorativo para Espanha e para Portugal haveriam

de dar o golpe de misericórdia na azulejaria da tradição mourisca. Poderia Afonso de

Albuquerque ter importado esses novos azulejos directamente da Flandres ou mesmo de

Sevilha, onde já se fabricavam, mas julgamos que preferiu tentar o recurso aos

“malegueiros flamengos” de Lisboa. De facto, a análise dos azulejos “pisanos” da

Bacalhôa revela características técnicas e artesanais que os afastam dos tipos

conhecidos daqueles centros cerâmicos, espanhóis ou flamengos, dando mostra de

originalidade bem deferenciada”165.

O mesmo investigador acrescenta, ainda, que na complexidade da azulejaria

presente na Bacalhôa, dever-se-á fazer uma distinção entre os exemplares destinados à

decoração abstracta – tapetes de padronagem de repetição – e aqueles que formam

“quadros” ou painéis historiados.

No conjunto de azulejaria de padronagem (“tapetes”), podemos considerar: os de

modelo pisano, que equivalem a tipos comuns de produção flamenga (Antuérpia), tendo

sido levados para a Holanda e Sevilha, comportando algumas variações fruto dos

tempos, e que neste caso específico, teriam sido produzidos pelos tais ceramistas

flamengos entretanto estabelecidos em Lisboa; o revestimento parietal das três divisões

de menor dimensão da Casa do Lago e da Casa da Índia, constituindo quatro padrões

diferentes, ainda que, todos de esquemas radiais e apresentando as mesmas cores: azul,

amarelo-claro, verde de cobre, roxo e/ou ocres de manganês; e os dois padrões de

desenhos vegetalistas estilizados, patenteados na loggia do palácio, a poente, numa

pequena sala utilizada como biblioteca e num banco de jardim.

No compartimento central da Casa do Lago, a disposição dos azulejos na

diagonal salienta o resultado caleidoscópio das formas cristalinas, levemente aligeirado

por elementos fitomórficos, em que os tons claros de amarelo, verde e azul, combinam

justificava a necessidade das separações da corda seca e da aresta – começava a ceder o passo à pintura cerâmica dta “pisana”, ou seja, sobre o azulejo plano.” 165 Santos Simões (1990), pp. 102-103.

Page 93: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

83

harmoniosamente com o fundo branco. Os rodapés constituídos por dois azulejos,

também de fundo branco, são de traço fino, à maneira ítalo-flamenga.

Perante esta diversidade no conjunto de azulejos de padronagem, Santos Simões

afirma que se pode separar em duas encomendas, cronologicamente distintas: “(…) uma

primeira, cerca de 1560-1565, para a azulejaria da “Casa do Lago” e da “Casa da

Índia” e outra um pouco mais tardia (1570?) para os padrões da loggia e biblioteca.

Tal diferenciação é acusada pelo tipo de pintura e espírito decorativo, mais livre no

segundo grupo, ainda que tecnicamente menos perfeito.”166.

Faz parte dos azulejos de padrão, que o investigador atribui a uma primeira

encomenda, um painel policromo (branco, azul, amarelo, verde e manganês), patenteado

num dos cubelos cilíndricos com cúpula gomada, localizado na zona Nascente da vinha167.

Exemplo de um dos primeiros fabricados em Lisboa, em técnica de majólica, revela um

compromisso do gosto entre a nova técnica e os ritmos radiais geometrizantes de motivos

entrelaçados de persistência mudéjar, produzidos em Sevilha. O padrão é formado a partir

de um módulo de 2x2 azulejos, permitindo uma alternância de dois centros de rotação,

estabelecendo um eficaz diálogo entre a rigidez dos motivos geométricos e a organicidade

dos fitomórficos e uma alternância entre centros claros e escuros168.

Integrando a decoração “atapetada”, Albuquerque encomendou painéis

historiados, que ostentam figurações mitológicas ou bíblicas. Os mais admiráveis

encontram-se na divisão central da Casa do Lago, nomeadamente: a cena do Rapto da

Hipodémia169, a alegoria ao Rio Tejo170 e a cena de Susana Surpreendida pelos

Velhos171. Com frisos clássicos, de cor azul, e dimensões idênticas, de 8x14, apenas o

último painel se encontra completo.

O Rapto da Hipodémia, apesar de muito truncado, trata-se de um notável

exemplar, quer pela qualidade do desenho, quer pela qualidade da pintura. Realizado

sobre uma gravura de Enea Vico, datada de 1542172, é representativo da primeira fase de

166 Santos Simões (1990), p. 104. 167 Alguns destes cubelos cilíndricos de cúpula gomada, que delimitam a vinha, possuem, no interior, um pequeno altar de pedra, o que poderá significar terem pertencido a uma via-sacra. 168 Anexo XIV – Imagem esquemática de localização das capelas da Quinta da Bacalhôa. 169 Anexo XV – Painel de azulejos com representação do Rapto da Hipodémia. 170 Anexo XVI – Painel de azulejos com representação da Alegoria ao Rio Tejo. 171 Anexo XVII – Painel de azulejos com representação da cena Susana Surpreendida pelos Velhos. 172 De acordo com as informações do Art Institute of Chicago, que tem a seu cuidado uma estampa, o título original desta obra de Enea Vico é Battle of the Lapiths and Centaurs, sendo esta, uma designação, que ainda, presentemente, surge como alternativa ao The Rape of Hippodamia. Anexo XVIII – Gravura da autoria de Enea Vico, intitulada Battle of Lapiths and Centaurs, ou The Rape of Hippodamia.

Page 94: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

84

produção portuguesa de azulejaria erudita, fortemente influenciada pela hispano-

flamenga. Este painel, conjuntamente, com a cena de Susana Surpreendida pelos

Velhos, apresenta de forma didáctica os apreciados temas do desejo proíbido e do

contraste entre a juventude e velhice, o primeiro sob o ponto de vista bíblico e o

segundo através da mitologia grega, conforme o decorum do estilo tardo-renascentista.

Estabelecendo a relação com o programa pictórico da grande loggia do palácio,

como adiante veremos, surge a alegoria ao Rio Tejo, inspirado, também, em gravuras

flamengas majestosamente utilizadas como ornatos em mapas ou panorâmicas de cidade.

Dos três, este é aquele, que se encontra em condições de conservação mais preocupantes,

permanecendo, apenas, uma pequena parte do painel e muito fragmentada.

Relativamente à cena de Susana Surpreendida pelos Velhos, Santos Simões afirma

que o painel “(…) é feito segundo uma estampa de Aeneas Vico, reproduzindo o célebre

quadro de Ian Metzijs que se guarda no Museu de Bruxelas.”173. Todavia, como constata

Ana Paula Correia “(…) não existe similitude alguma entre o quadro de Bruxelas (nº de

inventário 2548, nº de negativo 117367 B) e os azulejos da Bacalhôa a não ser o tema em

comum.”174, salientando a autora, que o referido quadro está datado de 1567, ou seja, dois

anos mais tardio que os azulejos em questão, e ano de morte de Enea Vico. Porém, o

presente painel, inspirado numa das passagens do Antigo Testamento é, indubitavelmente,

fruto de uma gravura. Atendendo à sua datação, alvitramos como possíveis fontes de

inspiração as obras do conhecido Bernaert van Orley ou de Georg Penez, o primeiro com

um desenho de cerca de 1530 e o segundo com uma gravura de cerca de 1532, ambos os

trabalhos intitulados Susanna and the Elders175.

Os compartimentos da Casa do Lago, que ladeiam a divisão central, encontram-

se revestidos de azulejos de aresta, pese embora, no passado tivessem, também,

incorporado painéis cerâmicos de majólica. Os do segundo compartimento,

desapareceram na totalidade, resistindo apenas o alvéolo; o do quarto compartimento,

na parede do fundo, apresenta hoje uma cópia produzida no século XIX, do painel

original, que ostentava uma composição heráldica com as armas dos Albuquerques176,

em tons azuis, verdes, amarelos e brancos, descrita por Joaquim Rasteiro como “(…)

Montagem das partes existentes do painel alusivo ao Rapto da Hipodémia, sobre a gravura da autoria de Enea Vico. 173 Santos Simões (1990), p. 105. 174 CORREIA, Ana Paula – “Contribuição para o estudo das fontes de inspiração dos azulejos figurativos da Quinta da Bacalhôa”. in Azulejo nº2, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 1992, p.11. 175 Anexo XIX – Obras alusivas ao tema Susana Surpreendida pelos Velhos. 176 Anexo XX – Composição heráldica com as armas dos Albuquerques.

Page 95: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

85

n’um escudo de forma muita caprichosa, envolvido em ornatos de enrolados, género de

cartoccio typico do auctor, decorado com duas cabeças de satyros. O escudo é

esquartelado, como o do portão meridional do pateo. No primeiro e quarto quartéis as

armas do reino com oito castellos na orla, esta roxa, certamente porque o fogo alterou

o vermelho, aquelles amarellos, as quinas azues em campo branco, no segundo e

terceiro quartéis cinco lizes amarellos em aspa sobre campo azul.”177.

No conjunto da azulejaria figurativa, mas ainda, na Casa do Prazer são notáveis

as guarnições dos rodapés. De facto, inicialmente, todas as salas possuíam azulejamento

nas paredes, sendo limitado em baixo por um rodapé e em cima por um friso, ambos de

azulejos. Hoje restam as barras inferiores, em dois dos compartimentos, sendo que, dos

frisos superiores subsiste, apenas, o testemunho de Joaquim Rasteiro que, aludindo ao

primeiro compartimento relata: “N’este pavilhão distinguem-se pela belleza as duas

tarjas, que no rodapé e junto ao tecto limitam o azulejamento das paredes; são pintadas

em quandrangulos de 0,27X0,135m. A tarja superior representava um ininterrupto

panorama de montes, castellos, habitações, riachos, a que dão vida creanças que

jogam, brincam, banham-se, que se occupam em variados misteres, ou em infantis

folgares. A tarja inferior é uma delicadissíma composição de flores de phantasia,

rematada nos ângulos da casa e nos cunhaes das portas e janelas por meios corpos

phantasticos de homens ou mulheres, que num capricho do desenho fez sair da

extremidade de um ramo, ou da corolla de uma flor.”178.

Formado por placas rectangulares, este rodapé patenteia uma série de groteschi,

ostentando ramagens cujas flores originam esfinges, crianças a tocar flauta e

personagens femininos alados, certamente, provenientes das gravuras de Cornelis Bos,

que evoca elementos congéneres179. Ana Paula Correia180 atesta, que apesar de não se

conhecerem gravuras de Cornelis Bos conservadas no nosso país, a sua influência nas

artes plásticas portuguesas começa a ser um facto bem conhecido. Acrescentando, que a

partir de 1551, o grotesco neerlandês e sobretudo as estampas de Bos surgem na

iluminura, na escultura, na ourivesaria, mas sempre em obras de qualidade excepcional,

encomendas de reis ou de bispos cujo nível cultural exige este novo tipo de imagens,

que simultaneamente recordam a erudição do passado e uma interpretação gráfica

moderna, quase de avant-garde.

177 Joaquim Rasteiro (2003), p. 34. 178 Joaquim Rasteiro (2003), p. 34. 179 Anexo XXI – Azulejos de rodapé com decoração de grotescos. 180 Ana Paula Correia (1992), p. 13.

Page 96: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

86

Na obra de Sune Schèle181 são dadas a conhecer algumas gravuras de Cornelis

Bos, entre as quais, algumas pertencentes às séries de grotescos gravados em Roma, no

ano de 1548182. Nas estampas patenteadas surgem personagens femininos cuja parte

inferior do corpo é vegetal e crianças que saem da corola de uma flor, muito

semelhantes aos pintados nos rodapés. Contudo, admitimos a hipótese, do autor dos

azulejos não ter tido acesso à estampa original, tendo trabalhado com base numa cópia,

que ao longo do tempo foi sofrendo alterações. Tal consideração advém do facto dos

personagens assumirem características mais humanas, evidenciando os seres femininos

mais realismo, apresentando-se torneados e com cintura definida, enquanto, os meninos

patenteiam cabelos loiros e encaracolados.

Relativamente às esfinges, estamos em crer, que o pintor ceramista tenha,

também, recorrido a uma estampa atribuída a Cornelis Bos, datável entre 1516 e

1556183. Todavia, embora existam analogias formais, especialmente, na configuração do

peito e no realismo meticuloso da face, o entendimento das esfinges da Bacalhôa é

desigual, pois como cauciona Ana Paula Correia, as figuras “(…) dispostas aos pares

como um casal, parecem conversar, sorridentes, e de um modo tão natural que quase

nos esquecemos do aspecto monstruoso dos personagens. O carácter fantástico e quase

diabólico das gravuras neerlandesas desapareceu praticamente, anunciando as

composições de grutescos do século XVII, em que todos os elementos se libertam da

estrutura e do espírito primitivos (…)”184. Quanto, a este aspecto, tenhamos em

consideração, que a identificação rigorosa das fontes usadas em muitos conjuntos

azulejares é dificultada pelo número elevado de reproduções gravadas de obras dos

principais mestres europeus e frequentemente feitas por outros artistas, bem como, as

diferentes reedições, contrafacções e variantes. Multiplicaram-se cópias, quer

reproduzindo fielmente originais gravados, quer já com pequenas alterações,

amputações ou aditamentos. Não esquecendo, ainda, que se aproveitaram de muitas

gravuras, apenas, trechos ou pormenores de figurações. A par destas questões, é

importante relembrar, que os pintores portugueses, divergindo dos holandeses, que

reproduziam as gravuras com grande fidelidade, apostaram numa vertente de cópia

criativa, fazendo adaptações admiráveis dos modelos e das fontes de inspiração às

181 SCHÈLE, Sune – Cornelis Bos, a study of the origins of Netherland grotesque. Estocolomo, 1965. 182 Anexo XXII – Gravuras de Cornelis Bos com decoração de grotescos. 183 Datação atribuída pelo Rijksmuseum, Amesterdão. Anexo XXIII – Ficha de inventário do Rijksmuseum, relativa à gravura de Cornelis Bos. 184 Ana Paula Correia (1992), pp. 15-16.

Page 97: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

87

necessidades decorativas do azulejo e aos mais variados espaços arquitectónicos,

criando obras que podemos considerar originais185.

Em relação a estes azulejos, patenteados no rodapé da primeira sala da Casa do

Lago mantém-se, ainda, uma incerteza: quem terá sido seu autor? De que se tratava de

um exímio mestre na arte do desenho e do cromatismo não temos dúvidas. A qualidade

do traço delicado; o contorno fino e sem hesitações; a selecção e mistura subtil das

cores, obtida através do revezamento de pinceladas mais ou menos líquidas, auferindo

diversos tons; e a diversificação cromática dos elementos que compõem o conjunto,

denunciam a mão de um experiente artista.

Em 1895, Joaquim Rasteiro refere que se trataria de um MATOS, salientando

que esse apelido estava inscrito numa cartela, a qual descreve minuciosamente. “É no

centro d’esta cercadura, na parede do fundo, que n’um cartoccio está o nome do auctor

da composição, e que se para evitar repetições lançou aqui um traço de união para

reconhecimento dos seus trabalhos, que no azulejamento abundam. Repare-se na forma

do pequeno cartoccio que contém a palavra MATOS, e ver-se-hão reproduzidos os seus

traços no emmoldurado escudo de armas da loggia occidental, o mesmo se dá nos dois

rios da loggia do palácio da que olha o jardim.”186. Pormenorizou mesmo que, quer

antes, quer depois desse nome, figurava um pequeno ornato semelhante aos que

procedem as designações dos rios. Passados três anos sobre o trabalho de Joaquim

Rasteiro foi publicado o suplemento, feito por A. Blanc, embora, o elenco de desenhos

exiba, somente, metade da cartela e as últimas três letras do apelido do autor (TOS)187.

É a partir do desenho da meia cartela, que Santos Simões se interroga sobre o nome a

que diriam respeito estas três letras. Após pesquisa, concluiu que apelidos portugueses

terminados em TOS apenas ocorrem em BASTOS, MATOS e SANTOS.

Um fragmento encontrado por Manuel Frango de Sousa188, em 1992, e que

fora recolhido e guardado devotamente por Mrs. Orlena Scoville, veio acrescentar a

185 No processo de cópia e da utilização da gravura na pintura do azulejo convém salientar a distinção dos diferentes modos utilizados e analisar qual a atitude que está na origem da cópia. Temos assim, a cópia fiel (fidelidade), onde a personalidade do sujeito produtor está ausente, dispondo-se transportar e decalcar o seu modelo na íntegra e a cópia-transformação, ultrapassando uma tradução servil, alterando o modelo segundo uma operação de discernimento e gosto, com maior ou menor criatividade. A este propósito, ver: BEGEMANN, Haverkamp – Creative Copies. New York, 1988. 186 Joaquim Rasteiro (2003), p. 34. 187 Anexo XXIV – Desenho da autoria de A. Blanc, com metade de cartela. Joaquim Rasteiro (2003), Estampa XXXVII. 188 Manuel Frango de Sousa nasceu em 1929, em Torres Novas. Pároco de Azeitão desde 1963, dedicou-se à Arqueologia, tendo organizado um museu de peças arqueológicas, recolhidas naquela zona. Fez pesquisa histórica sobre Azeitão e dedicou particular atenção à Quinta da Bacalhôa, completando, e por vezes rectificando, alguns estudos, através de uma criteriosa e persistente investigação.

Page 98: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

88

esta contenda algumas certezas, no que ao apelido do autor dos azulejos, diz

respeito. Exibindo algumas letras de cor azul, um traço horizontal largo, igualmente

azul, abaixo das letras, e um pedaço de cor amarela sob este traço, o fragmento tem,

ainda, uns pontos pequenos pintados à direita das letras189. Analisando,

escrupulosamente, Manuel Frango de Sousa descobriu que “(…) as letras pareciam

ser um I, um V, um I, e metade de um A, o que dava IVIA. Estudando melhor o

fragmento de azulejo, vimos que IVI é, afinal, a parte debaixo de um M, e a restante

letra é mesmo metade de um A. Tínhamos, pois, encontrado um pedaço de azulejo

com as letras MA. Fomos comparar o fragmento com o desenho de A. Blanc,

recompusemos a totalidade do azulejo e verificamos que o pedaço encontrado

pertencia à metade que faltava. Comprovamos ainda que as letras são do tamanho

das que se encontram nos painéis dos rios, identificando-os. O nome MATOS era

desenhado em azul, encontrava-se dentro de uma moldura oval, de traços grossos e

simples, também azul, que se prolongava lateralmente por dois espigões. (…) Antes

e depois do nome estava um pequeno ornato semelhante ao que se segue aos nomes

dos rios, nos painéis das alegorias.”190.

Tendo Francisco de Matos assinado os painéis da Igreja de São Roque, em 1584,

é instintivo, que se associe ao Matos da Bacalhôa. Contudo, a diferença cronológica de

19 anos (visto os azulejos da Quinta da Bacalhôa estarem aliados ao cronograma de

1565), bem como, a disparidade morfológica e técnica, detectada por Santos Simões,

parecem contrapor uma identificação entre os criadores das duas obras.

Teixeira de Carvalho, Virgílio Correia e Reynaldo dos Santos foram alguns dos

investigadores, que expuseram argumentos para explicar a relação entre Francisco de

Matos e os azulejos da Bacalhôa e de São Roque, ainda que, nunca tenha passado de

possíveis hipóteses. Conforme explica Santos Simões191 será a descoberta de um pintor

com o mesmo apelido – Marçal de Matos, provavelmente avô de Francisco – dado

como “pintor”, e ainda, com relações próximas aos ceramistas flamengos, justamente

em 1575, que trarão mais uma achega para a elucidação da azulejaria da Bacalhôa e aos

primórdios do fabrico de azulejos em Portugal.

189 Anexo XXV – Fragmento de azulejo contendo parte da assinatura – MA. SOUSA, Manuel Frango de – “Os azulejos da Bacalhôa e o seu autor”. in Azulejo nº2, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 1992, p. 20, fig.2. 190 Manuel Frango de Sousa (1992), p.21. Anexo XXVI – Reconstituição da cartela com assinatura do autor, in Manuel Frango de Sousa (1992), p. 21, fig.3. 191 Santos Simões (1990), pp. 106-107.

Page 99: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

89

Apesar das várias conjecturas, sobre o autor que assinou MATOS, no rodapé da

sala de entrada da Casa do Lago, permaneceremos sem saber se seria Marçal, Francisco,

ou até, um outro pintor de azulejos, com o mesmo apelido.

O último compartimento da Casa do Lago está, também, ladeado por um rodapé

com os “grostechi”, ostentando libélulas e macacos192. Devido à sua magnificência

cromática, neste friso tudo parece distinto e original, quando na realidade os mesmos

motivos surgem invariavelmente e na mesma sequência. À semelhança dos exemplares

do primeiro compartimento, o verdadeiro valor destes azulejos está na qualidade do

traço e da pintura, na criatividade cromática e na unidade dinâmica do conjunto.

Testemunhando, ainda, este tipo de gramática ornamental, representada nos rodapés da

Bacalhôa, a introdução dos motivos grotescos na azulejaria.

Inteirando os azulejos ornamentais, composições formadas por aglomerações

livres e variadas de ornatos, encontramos na Quinta da Bacalhôa vários figurinos. No

acanhado pátio de acesso à Casa do Lago estão pequenos grupos de azulejos deste tipo

com diversa figuração de grotescos193. Esta excepcional e requintada composição

maneirista de inspiração flamenga, produzida em Lisboa no terceiro quartel do século

XVI, exibe painéis centrados, ora por um vaso florido, ora por uma cartela marmoreada,

com figuras de faunos nos cantos, presos ao remate dos painéis, numa ambígua criação

acentuadamente maneirista. Santos Simões194 assegura, que pertencem forçosamente ao

mesmo autor dos rodapés, atrás mencionados, tendo feito parte da mesma encomenda.

Ao inverso da tendência preponderantemente pictural dos painéis figurativos, o

cunho mais decorativista destas composições tornou-as particularmente habilitadas a

cumprirem papéis menos particularizados, mas equitativamente eminentes nos

encadeamentos arquitectónicos, facultando aos pintores uma colossal diversidade de

expressões e flexibilidade nas composições. Por outro lado, o seu interesse foi

engrandecido, pelo facto, de composições deste tipo servirem muitas vezes de rodapé a

diversos guarnecimentos e de suplemento, ou enquadramento a painéis figurativos,

numa grandiosa variedade de meios e de resultados.

José Meco, a par de outros investigadores, alude para o facto da génese das

composições ornamentais ter-se processado “(…) paralela e simultaneamente à dos

painéis figurativos, como consequência igualmente das possibilidades criativas

192 Anexo XXVII – Rodapé com decoração de grotescos, ostentando libélulas e macacos. 193 Anexo XXVIII – Rodapé com decoração de grotescos. 194 Santos Simões (1990), p. 106.

Page 100: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

90

permitidas pela pintura sobre o esmalte estanífero branco. São exemplos iniciais notáveis

os frisos e outras partes ornamentais, com elaborados motivos renascentistas

italianizantes, usados por Francesco Niculoso nas obras criadas em Sevilha no primeiro

quartel do século XVI (…)”. Sendo que, “(…) este tipo de decoração desenvolveu-se em

meados do século, como consequência do ascendente decorativo flamengo. Os ceramistas

da Flandres, que implantaram definitivamente as técnicas da pintura sobre esmalte

estanífero nos centros de produção peninsulares, introduziram também a nova linguagem

maneirista flamenga, nomeadamente os grottesche e as composições de ferronerie, que

renovaram a gramática ornamental do Renascimento italiano.” 195.

Na verdade, o recurso a modelos maneiristas na azulejaria possibilitou

excepcionais e eruditas composições, durante a segunda metade do século XVI, como

atestam os exemplares do pequeno átrio, que dá entrada para a Casa do Lago.

A loggia do lado ocidental do palácio, voltada para o labiríntico jardim de buxo,

tem um revestimento de azulejos até 1,72m de altura. Incluídos neste tapete cerâmico,

de desenho em azul, amarelo, verde e castanho, sobre fundo branco, vêem-se cinco

painéis, de 7X13 azulejos, cada, com alegorias de rios196. Ostentando os nomes:

DOVRO, MONDEGVO, WILO, EVPHRATES e TANVBIO, são representados com

ânforas, que brotam água em posições “miguelangelescas”, enquadrados por cartelas

maneiristas de inspiração flamenga. Conforme José Queirós a cartouche,

correspondente a cada uma das recostadas figuras, é “(…) de desenho muito parecido

com o de alguns trechos dos alizares da Capela de S. Roque.” 197.

Contrariamente, ao que diz Theodor Rogge no ensaio intitulado Keramik und

Decoration in Portugal, e publicado como suplemento na monografia de Joaquim

Rasteiro, não cremos, que estas alegorias sejam “(…) tudo obra de mão de verdadeiro

artista e de inexcedível brilho e magnifico effeito.” 198. Colocamo-nos, antes, do lado de

Santos Simões199 ao afirmar, que nem todos estes painéis terão sido pintados pelo

mesmo artista. A constatação de uma nítida diferença de qualidade entre eles, acusando

o trabalho de dois artífices, um melhor e mais seguro, e outro de menores recursos

artísticos, leva este investigador a concluir, que se trataria de uma oficina empregando

um “mestre” e, pelo menos, um “ajudante” ou “aprendiz”. Na realidade, observando,

195 José Meco (1993), pp. 113-114. 196 Anexo XXIX – Painéis figurando alegorias aos rios. 197 José Queirós (1987), p. 206. 198 Joaquim Rasteiro (2003), p. 93. 199 Santos Simões (1990), p. 106.

Page 101: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

91

atentamente, as alegorias verificam-se algumas diferenças, nomeadamente, ao nível do

desenho, de que é exemplo notório, o painel com personificação do rio Eufrates. Aqui, o

traço fino e delicado, bem como, o trabalho de sombreado, marcam a diferença em

relação aos restantes.

Quanto aos rios seleccionados, dois portugueses e três simbolizando a Europa, a

África e a Ásia, julgamos tratar-se de uma alusão ao êxito dos navegadores portugueses,

que nessa época levaram o país a um lugar cimeiro na Europa. Contribuindo para esta

teoria, o facto da família do encomendador ter cooperado decisivamente nesse sucesso,

visto que o proprietário, à data, era filho de Afonso de Albuquerque, o Grande,

conquistador das partes da Índia.

Ao grupo de azulejos com inferiores recursos artísticos pertence a ornamentação

de um alegrete cujo espaldar representa um Rapto de Europa e, na parte inferior, uma

composição ornamental composta por máscaras e adereços arquitectónicos de

inspiração flamenga, repetidos linearmente200. Segundo Ana Paula Correia, para a

realização do painel superior, “(…) o artista inspirou-se directamente numa gravura

sobre madeira de Virgil Solis, realizada para ilustrar a edição das “Metamorfoses” de

Ovídio publicada em 1563 por Johan Spreng e utilizada novamente em 1581 como

ilustração da “Emblemata” de Nicolas Reusner. Esta gravura de Virgil Solis não é uma

gravura original. Solis limita-se a interpretar uma gravura sobre madeira de Bernard

Salomon, destinada a ilustrar as “Metamorfoses” impressas em Lyon por Jean de

Tournes em 1557. As “Metamorfoses” de Ovídio ilustradas por Bernard Salomon e

editadas por J. de Tournes em várias de línguas tornaram-se uma das principais fontes

de inspiração da majólica italiana na segunda metade do século XVI. (…) Nos azulejos

da Bacalhôa são pequenos pormenores que nos levam a pensar que o seu autor teve

como modelo a versão de Virgil Solis. O véu de Europa e a cauda do touro são iguais à

versão de Solis e nos azulejos.” 201. É muito provável, que as estampas de Solis tivessem

chegado a Portugal através de Christophe Plantin202.

200 Anexo XXX – Painel de azulejos com a cena alusiva ao Rapto da Europa. 201 Ana Paula Correia (1992), pp. 10-12. Anexo XXXI – O Rapto da Europa. Gravura sobre Madeira de Virgil Solis. 202 A partir de 1550, Christophe Plantin afirma-se como impressor e negociante de estampas, colaborando para a difusão dos grotescos de Jacques Androuet du Cerceau e de séries ornamentais de Floris, Cornelis Bos e Vredeman de Vries. Prosperando, por essa altura, um comércio extraordinariamente fecundo entre Plantin e J. Cock, sobretudo de livros de sepulturas, perspectivas, ornamentos e cartelas, colecções de gravuras de cunho histórico ou mitológico. Muitas destas estampas tinham como destino a exportação e propagação na Península Ibérica, particularmente, através de Benedictus Arias Montanus (ver a este propósito: DELEN, A. J. J. – Histoire de la gravure dans les anciens Pays-Bas et dans les provinces belges. (Deuxième partie) Les graveurs d’estampes. Paris, 1935, pp. 150-159 e VOET, L. – “Christophe

Page 102: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

92

O Rapto de Europa, como todas as representações promovidas pelo texto das

Metamorfoses, foi extraordinariamente prezado no século XVI, levando-nos a

considerar, que o autor da Bacalhôa estaria, completamente, inteirado do entendimento

cultural da sua época ao fazer uso das gravuras, suas contemporâneas.

Sendo este um tema de figuração profana mitológica, fusão de fábula moralista e

conto imaginário, concede ao artista variadas faculdades de criação. Como atesta, Ana

Paula Correia203, no caso particular da Quinta da Bacalhôa, o pintor “foge” ao carácter

moralista de Ovídio e adequa a imagem ao local a que esta se destinava, ou seja, o

jardim de um palácio, sítio de repouso e deleite. A Europa abandona a sua feição

cândida e reservada das gravuras de Salomon e de Solis e desponta como um ser

voluptuoso, iconograficamente mais próximo de Vénus.

Com o espaço organizado em diagonal vemos, no triângulo inferior direito, as

companheiras de Europa, que ficaram em terra, sendo a outra parte do painel ocupada

pelo mar, no qual Europa inicia a sua travessia, segurando com a mão direita um dos

chifres do touro.

Depois de analisarmos a azulejaria figurativa da Bacalhôa, podemos concluir

que, tal como sucedeu nos azulejos de padrão, também para estes, houve um

escalonamento em tempo. Assim, os painéis e rodapés da Casa do Lago, marcados pelo

cronograma 1565 e as ornamentações dos alegretes do pátio, fizeram parte de uma

primeira encomenda, ostentando produções de qualidade, acentuadamente, superior. No

caso das alegorias dos rios, afiguradas na loggia, e os painéis do alegrete do Rapto de

Europa, parecem pertencer a um segundo pedido, provavelmente, posterior e com um

artista de segunda água204.

Como vimos, o singular revestimento azulejar da Quinta e Palácio da Bacalhôa,

quer ao nível da azulejaria mudéjar, quer ao nível dos primeiros exemplares de azulejos

pisanos, feitos em Lisboa, datam da época de Afonso de Albuquerque. Todavia,

continuaremos, agora, com uma breve elucidação, dos subsequentes proprietários desta

Quinta-Museu.

Apesar da união de Afonso de Albuquerque (filho) com D. Maria de Noronha

terem nascido dois filhos – António, que morreu jovem, e D. Joana de Albuquerque,

primeira mulher de D. Fernando de Castro, primeiro Conde de Basto, capitão-mor de

Plantin et la Péninsule Ibérique”. in Christophe Plantin et le Monde Ibérique, Catálogo da Exposição, Musée Plantin Moretus, Antuérpia, 1993, pp. 55-77). 203 Ana Paula Correia (1992), p. 12. 204 São, igualmente, desta opinião os investigadores José Queirós e Santos Simões.

Page 103: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

93

Évora e que faleceu sem geração – o filho do Grande, Afonso de Albuquerque, morre

em 1581 sem deixar descendência.

Após prolongadas demandas judiciais a propriedade foi atribuída, em 1609, a D.

Maria de Mendonça e Albuquerque cujo marido, D. Jerónimo Manuel, tinha por

alcunha “o Bacalhau”, ao qual se relaciona a designação de “Bacalhôa”, que passaria a

fazer mais sentido, a partir da administração de D. Francisca de Noronha, em 1730.

Foi durante a permanência D. Jerónimo Manuel, detentor do morgado durante

vários anos, que ocorreram reparações na Quinta e Palácio, muito provavelmente,

continuadas pelo seu filho D. Jorge, que também habitou o palácio, onde viria a falecer

em 1651. Estamos em crer, que o revestimento de um dos alegretes do “caminho da

Índia”, datável da primeira metade de seiscentos, será fruto dessas reformas. Trata-se de

um exemplar dos primeiros azulejos de padrão de fabrico português, com um módulo de

quatro azulejos, identificado por Santos Simões como P-32. Ostentando um fundo azul

e amarelo, em alternância, com base no esquema da estrela e cruz, transporta um

sentido decorativo oriundo das laçarias, de atavismo mudéjar205. Reforça a nossa

hipótese, deste revestimento ter resultado das obras D. Jorge, filho do “Bacalhau”, a

seguinte afirmação de Joaquim Rasteiro: “Em 1623 ainda encontro residindo na quinta

um João Real, ladrilhador, que aqui poderia estar na reparação do azulejamento.”206.

De proprietário em proprietário, a Quinta chega ao século XIX num péssimo

estado de abandono. Herdada, em 1853, por D. João Afonso da Costa e Sousa Macedo e

Albuquerque, segundo Conde de Mesquitela – filho de D. Luiz da Costa e Sousa

Macedo e Albuquerque, primeiro Conde de Mesquitela, e D. Maria Ignácia de Saldanha

– o qual não dedica muita atenção à propriedade, deixando-a perto da ruína, como nos

faz saber Joaquim Rasteiro “Da sua casa foi um mau administrador; as suas

propriedades rústicas ou urbanas distinguiam-se pelo desleixo total, e por se verem

cair a pedaços.”207. A 24 de Setembro de 1890, morre com 75 anos e sem descendência,

sucedendo-lhe na quinta, palácio e mais propriedades de Azeitão o seu irmão D. Luiz

António da Costa e Sousa Macedo e Albuquerque. Contrariamente, ao seu antecedente,

o então proprietário, procede a uma reconstrução meticulosa. Exemplo do seu cuidado é

a série de aguarelas pintadas por A. Blanc, em 1898.

205 Anexo XXXII – Primeiro alegrete do Caminho da Índia. Padrão composto por um esquema de estrela e cruz, inspirado em laçarias. 206 Joaquim Rasteiro (2003), p. 31. 207 Joaquim Rasteiro (2003), p. 83.

Page 104: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

94

No ano de 1903, D. Carlos compra o Palácio à família Mesquitela. Novamente

vendido, pouco depois da proclamação da República, a propriedade volta a um estado

deplorável de negligência208.

Em 1937, uma senhora de nacionalidade norte-americana Mrs. Orlena Scoville

compra a Quinta e Palácio da Bacalhôa. Detentora de um gosto e sensibilidade

invulgares inicia uma obra de salvamento e reconstrução, sem a qual esta propriedade

não se encontraria nas condições actuais. Estas importantes obras de restauro ficaram a

cargo do arquitecto Norte Júnior e do engenheiro hidráulico Santos Simões. Assim,

após um percurso acidentado, e por vezes degradante, a Bacalhôa, volta pelas mãos da

benemérita Mrs. Scoville ao seu verdadeiro esplendor.

Thomas Scoville, neto de Mrs. Orlena Scoville e possuidor da Quinta e Palácio,

põe o conjunto à venda em 1997. Três anos mais tarde, a propriedade é adquirida pelo

Comendador José Berardo, actual proprietário.

208 Relativamente, ao péssimo estado de conservação da Quinta e Palácio da Bacalhôa, ver a descrição de Raul Proença, feita no início da década de 20. PROENÇA, Raul – Guia de Portugal. Vol. 1. Lisboa, 1924.

Page 105: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

95

PARTE II – Inventário e Gestão da Colecção

Capítulo I – O Inventário

1. O Inventário na Museologia

Desde o advento dos primeiros museus que o Homem procura armazenar e

coleccionar os testemunhos materiais da sua presença na Terra, aos quais atribui um

sentido distinto, consentindo assim uma continuidade temporal que continuará para

além da sua, relativamente, lacónica existência.

O objecto museal atinge desta forma, na sociedade contemporânea, um

significado de preciosidade, que é necessário salvaguardar e cujo estudo aprofundado

facultará, às gerações futuras, e mesmo à nossa, alcançar um saber mais vasto da própria

história da Humanidade. Os museus, enquanto repositórios por excelência destes

testemunhos, têm então a enorme responsabilidade de adquirir, conservar, estudar e

divulgar a cultura material209, que têm ao seu cuidado, para que o conhecimento seja

compreendido por um maior número possível de pessoas. Contudo, para que o Museu

possa exercer a sua missão basilar com êxito, é condição fundamental que conheça

previamente o seu património artístico que, em última análise, é o próprio significado da

sua existência. Cumprindo os seus propósitos, o Museu teve que se munir de sistemas

de classificação e registo dos bens culturais que têm vindo a ser alvo de constante

desenvolvimento, acompanhando, de resto, as mudanças verificadas no campo dos

estudos da Museologia, bem como, e ainda com maior dependência, a evolução

tecnológica do último século.

Na verdade, desde que irromperam os primeiros museus criaram-se sistemas de

registo e classificação dos objectos relativamente simples, que teriam como objectivo o

conhecimento dos bens existentes, compreendendo este procedimento uma forma

elementar de os salvaguardar210. Todavia, com o desenvolvimento e democratização dos

Museus e com o progresso das ciências que se reúnem em torno destas instituições,

percebeu-se a indispensabilidade da criação de sistemas de classificação e registo de 209 Conforme a definição de Museu do International Council of Museums, disponível em: http://icom.museum/statutes.html#2. 210 Embora não se trate, especificamente, de um museu, recorde-se a título de exemplo, o que sucedeu após a extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834, onde foram feitos, por cada convento extinto, arrolamentos dos bens existentes, dando especial destaque aos bens de carácter artístico, que hoje compõem, na sua maioria, as colecções dos museus tutelados pelo Estado.

Page 106: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

96

informação sobre as colecções que fossem para além do simples registo. A necessidade

de registar para salvaguardar ainda se mantinha, como é axiomático, mas foram sendo

criadas outras às quais foi, e é necessário, dar resposta.

As experiências passadas, na área do registo e da documentação do património

cultural, vem conferir aos objectos museais, o que atrás mencionámos, ou seja, uma

importância capital, enquanto fonte de conhecimento, devendo ser tidos, cada vez

mais, em consideração na construção e análise da história e compreensão do mundo,

dado que contêm em si informação inestimável. Importa saber procurar, registar e

sistematizar os dados adquiridos nos diversos estudos efectuados, de forma a facultar

a utilização desta informação para auferir uma melhor percepção do passado. Neste

ponto os museus assumem uma importância extrema, dado que é destes a

responsabilidade de os estudar e divulgar e perceber o(s) seu(s) significado(s) dentro

do tempo no qual foram utilizados e/ou criados.

A importância do inventário, enquanto instrumento de preservação e segurança

das colecções é reconhecida pelo ICOM como “(…) indispensable, for purposes of

identification, protection, interpretation, and physical preservation of movable objects,

(…)”211. Recorde-se, ainda, a proficuidade da inventariação, prevista na Lei de Bases do

Património Cultural Português “(…) o levantamento sistemático, actualizado e

tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes a nível nacional, com vista à

respectiva identificação”, salientando, o legislador, que o inventário abrange os bens

independentemente da sua propriedade pública ou privada212.

A Lei-quadro dos Museus Portugueses refere que todos os bens incorporados no

Museu são, obrigatoriamente, objecto de elaboração do correspondente inventário

museológico213. Segundo, a mesma Lei, entenda-se por inventário museológico “(…) a

relação exaustiva dos bens culturais que constituem o acervo próprio de cada museu,

independentemente da modalidade de incorporação.”214, acrescentando ainda, que “O

inventário museológico visa a identificação e individualização de cada bem cultural e

integra a respectiva documentação de acordo com as normas técnicas mais adequadas

à sua natureza e características.”215.

211 ICOM, The Importance of Documentation in http://www.object-id.com/heritage/intro.html. 212 Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, artigo 19º, nº1 e 2. 213 Lei nº47/2004, artigo 15º, nº1. 214 Lei nº47/2004, artigo 16º, nº1. 215 Lei nº47/2004, artigo 16º, nº2.

Page 107: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

97

Considerando que o inventário tem por objectivo primeiro a identificação

individualizada de cada uma das peças, a sua realização deverá ter em conta os

princípios básicos de normalização internacionalmente adoptados no âmbito da

Museologia, embora, salvaguardando, as particularidades dos acervos e a vocação

específica das diferentes instituições que os abrigam.

Assim, o inventário poderá ser mais ou menos desenvolvido consoante a

natureza e características dos acervos, no entanto, existem campos obrigatórios,

nomeadamente, número de inventário; nome da instituição; denominação ou título;

autoria; datação; material; dimensões; descrição; localização; historial; modalidade e

data de incorporação. Associadas a estas informações, deverão constar todas as outras,

que as complementam, quer sejam de carácter formal; histórico; artístico; iconográfico;

simbólico ou contextual. A cada objecto museológico, deverá corresponder, pelo menos

uma fotografia, essencial, ao reconhecimento dos mesmos.

Salienta-se, que sendo o inventário museológico um instrumento transversal de

aprofundamento das práticas museológicas, enquanto ferramenta de gestão do acervo e

documento de trabalho, deverá ser periodicamente revisto e actualizado, permanecendo

constantemente em aberto, para o qual contribuirão, a investigação científica, o avanço

tecnológico e a prática museológica.

Aos inventários manuais que proliferaram por diversos museus216, associaram-se

as vantagens da democratização da tecnologia, através da criação de hardware e

software, a custos cada vez mais baixos e significativamente mais acessíveis, no que diz

respeito à sua utilização por utilizadores não especializados.

Sendo a informatização dos inventários museológicos uma matéria

relativamente recente, ela inscreve-se, como anteriormente foi mencionado, em

práticas tão antigas como a existência dos museus que, desde de sempre,

inventariaram, mais ou menos profundamente, as suas colecções. “Por isso, há um

legado adquirido que tem de ser utilizado, determinando, muitas vezes,

particularidades de opções a considerar e, eventualmente, a valorizar.”217 Todavia, as

imposições próprias da informatização – que devem ser equacionadas paralelamente

às da Museologia contemporânea e às dos saberes técnicos e científicos das distintas

216 Conhecem-se várias fichas de inventário, ou inventários parcelares, elaborados pelas mais diversas instituições, desde tempos remotos, geralmente simples elencos de peças ou, se mais preciosas, com alguns dados técnicos. 217 AA.VV. – Normas de Inventário. Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas. Instituto Português de Museus, 2ª edição, Lisboa, 2000, p. 7.

Page 108: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

98

áreas das colecções – obrigam, hoje, a uma postura de supremo rigor conceptual,

apontando a premência do estabelecimento de terminologias, glossários e thesauri de

referência indubitável. Como afirma Hernández “Cada museo, antes de iniciar el

proceso de informatización de sus colecciones, tiene que realizar un estudio detallado

del volumen de las mismas y de su naturaleza para pasar, posteriormente, a elaborar

el programa de acuerdo com sus necesidades y objetivos.”218.

Pensamos, ser do conhecimento geral, que os inventários dos museus e a sua

informatização têm tido um desenvolvimento relevante na última década, potenciados

pelo rápido crescimento e implementação tecnológica que coloca ao dispor, desta e de

outras áreas do trabalho museal, um maior número de recursos e ferramentas219.

A modernização dos museus em todas as suas áreas potencia, também, um

melhor cumprimento das suas funções, nomeadamente, as de protecção, salvaguarda,

valorização e divulgação das suas colecções. Neste contexto, a informatização dos

inventários, a par da implementação de programas específicos para esse fim, estabelece

um eixo estrutural da Lei-quadro dos Museus Portugueses220, que constitui uma

referência no plano nacional.

A aplicação informática, que aqui defendemos possibilitará às entidades

museológicas, não só a facilitação e normalização do inventário, bem como, a inclusão

de um conjunto de ferramentas visando a gestão integrada das colecções em contextos

de actividades diversas, como a circulação de peças, organização de exposições

temporárias, gestão de depósitos, entre outros. Com a disponibilização de tais

ferramentas e com a implementação de programas próprios, os museus irão dispor de

instrumentos nodais de gestão da informação produzida e partilhada pelos seus vários

sectores de actividade, e, como tal, em factor de rentabilização de trabalho e

capitalização de conhecimentos e procedimentos em torno do património cultural.

Actualmente, o processo de inventariação é uma acção sistemática de carácter

científico, englobando a totalidade de cada peça, em diferentes níveis de abordagem,

de modo a permitir o seu conhecimento exaustivo. É um processo activo que não se

fica na formação duma base de dados, mas que inclui e exige a sua gestão continuada

e a sua dinamização.

218 Francisca Hernández Hernández (1998), p. 157. 219 A utilização das tecnologias acarreta, normalmente, um melhor aproveitamento dos recursos humanos e do tempo utilizado nas suas tarefas diárias. 220 Ver a este propósito o Artigo 20º (Informatização do inventário museológico) da Lei nº47/2004.

Page 109: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

99

2. Antecedentes: Inventário Anterior

Num total de 609 exemplares, a Colecção Berardo encontra-se parcialmente

inventariada em suporte digital. Tendo dado início ao trabalho de inventário

informatizado, em finais da década de noventa, a equipa adstrita a esta matéria,

constituída por informáticos e por um técnico superior da área do Património Cultural,

começou por analisar as várias aplicações informáticas, disponíveis no mercado. No

entanto, após a análise de diversos programas, consideraram que a oferta, à época, era

desajustada da realidade da Colecção. Para o efeito, foi desenvolvido pelo departamento

de informática, um programa interno, terminado em 2002. O resultado foi uma

aplicação informática adaptada à colecção, e flexível, na medida que permitia eliminar

ou acrescentar campos, a qualquer altura.

Com o passar dos anos, o crescimento da Colecção; a detecção de lacunas da

ficha de inventário, então desenvolvida; a escassez de preenchimento de novas fichas; a

evolução do conceito de “inventário” e “gestão de colecções”; e o desenvolvimento das

tecnologias, ditaram uma revisão, visando o desenvolvimento do mesmo, quer ao nível

do inventário propriamente dito, quer ao nível da gestão integrada da colecção em

contextos de acções diversas, como a organização de exposições temporárias, a gestão

de depósitos, circulação de peças (dentro e fora da Colecção Berardo) e intervenções de

conservação e restauro.

Pese embora, a equipa de informática da Colecção Berardo tenha uma larga

experiência nesta área, dada a diversidade de colecções pertencentes à sua tutela,

nomeadamente, a arte moderna, minerais, estanhos, porcelanas, entre outras, tornou-se

primordial uma actualização dos programas de inventário, no qual decidimos incluir a

Colecção de Azulejos, concedendo-lhe um especial destaque, enquanto objecto de

estudo da presente dissertação.

O novo modelo de ficha, bem como, o Sistema de Inventário e Gestão da

Colecção, foram desenvolvidos de acordo com os novos modelos nacionais e

internacionais, dos quais falaremos mais adiante, e com as necessidades actuais.

Relativamente, ao anterior inventário da Colecção de Azulejos, aludimos para o

facto, da estrutura utilizada na sua construção, ter sido as folhas de cálculo (Excel),

utilizadas para um propósito diferente daquele para o qual este tipo de tecnologias são

desenvolvidas, nas quais são vertidos em colunas (campos) e em linhas (diferentes

registos de informação) os dados relativos ao objecto. Na verdade, embora fosse intitulada

Page 110: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

100

de base de dados, não a consideramos como tal, sendo que, numa efectiva base de dados,

a informação da colecção é guardada num computador sistematicamente, de forma a que

seja possível, com a utilização de um software (DBMS – Data Base Management System)

apropriado, utilizá-la para obter determinadas respostas221.

O processo de construção deste tipo de “base de dados”, à semelhança do que

aconteceu, um pouco, por todas as instituições a nível nacional que tinham à sua guarda

acervos culturais222, ligou-se directamente às necessidades sentidas na altura, sendo que

raramente eram entendidas como uma resposta global aos problemas de documentação das

colecções. À informação de base que era incluída na “estrutura” inicialmente considerada,

juntavam-se, sem qualquer cuidado que não fosse a necessidade imediata de registar um

determinado tipo de informação, outros campos (no Excel em colunas) que possibilitavam o

registo da informação em falta. Muito facilmente este tipo de processo não estruturado, ao

gosto das carências imediatas, originava uma amálgama de informação, dificilmente

pesquisável e utilizável, nos diferentes contextos do trabalho museal.

Para complicar esta confusão, a ausência de uma terminologia pensada

antecipadamente e controlada por Thesauri ou listas de terminologia adoptadas e

previstas pela instituição, fazia com que a informação relativa a determinado assunto se

aparentasse completamente impossível de encontrar.

Tecnologicamente, este tipo de soluções, utilizado no primitivo inventário da

Colecção de Azulejos é, também, muito limitado. Não permite a utilização de

determinados campos de uma forma estruturada ou interligada com relações a outros

campos, impossibilitando o cruzamento de dados; não tem controlo da informação

registada e consente erros básicos, sem hipótese de correcção, ou com correcção

dificultada. Outra das desvantagens do antigo sistema de inventário empregue pela

Colecção Berardo era a não permissão da partilha de informação com base numa rede

centralizada onde exista controlo de acesso por utilizador ou perfis de utilizador223.

221 Importa referir que embora o Microsoft Excel, enquanto folha de cálculo, permite fazer algum tratamento de dados, nunca deverá ser considerado uma base de dados. 222 Saliente-se, que segundo o inquérito realizado por Alexandre Matos, em 2006, num universo de 143 museus portugueses, a mais antiga referência à aquisição de uma base de dados para registo de informação sobre os objectos é relativa ao ano de 1989, sendo que, a maior percentagem de museus que adquiriram uma base de dados reporta-se ao ano de 2005 (14,47% do total da amostra). Inquérito realizado no âmbito da Dissertação do Mestrado em Museologia, sob a égide Os sistemas de informação na gestão de colecções museológicas. Contribuições para a certificação dos museus, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no ano de 2007, disponível em: http://www.museusportugal.org/alexandre/Multimedia/File/Tese_AlexandreMatos.pdf. 223 A título de exemplo, refira-se que não é possível partilhar um ficheiro de Excel, de forma a que este possa ser acedido por duas, ou mais, pessoas ao mesmo tempo.

Page 111: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

101

A falta de estudo e documentação sobre a Colecção de Azulejos, fruto do

deficiente e incompleto inventário preexistente, impedia que a mesma fosse dada a

conhecer de forma coesa e pudesse realmente ter uma utilidade pedagógica e científica.

Conjugando alguns campos de informação, que em nosso entender, satisfazem, apenas,

e de forma incompleta, dois critérios fundamentais do inventário museológico, o

registo/cadastro224 e o inventário sumário225, a “base de dados”, então utilizada, revelou-

se obsoleta e desadequada às necessidades actuais da Colecção.

Atendendo ao estudo a que nos propusemos na presente dissertação e à importância

deste património cultural, decidimos fazer uma nova proposta de ficha de inventário, que

deu origem a uma nova base de dados, acrescentando aos critérios iniciais (o

registo/cadastro e o inventário sumário), o inventário desenvolvido226 e a gestão227. Na

verdade o projecto desenvolvido, que adiante apresentaremos, extrapola o conceito de “base

de dados”, indo mais além do inventário, e constituindo-se, por isso, num sistema completo

de documentação da Colecção, aliando o inventário à gestão da própria Colecção.

Saliente-se, ainda, que do anterior inventário utilizámos, apenas, os números de

inventário, embora, tivéssemos necessidade de acrescentar novos números, uma vez que

a Colecção não estava toda inventariada e dado que, ao longo deste processo, foram

sendo adquiridos novos exemplares.

3. Novo Modelo de Ficha de Inventário

Com o objectivo de elaborar um novo modelo de ficha de inventário para a

Colecção de Azulejos, começamos por perceber qual o ponto de situação, a nível

internacional e nacional, nesta matéria.

224 Entenda-se por “registo/cadastro” a base do inventário, ou seja, o registo mínimo de informação sobre os objectos, considerando neste grupo todos os campos obrigatórios (número de inventário; designação e/ou título; autoria; data; medidas e proprietário). 225 Por “inventário sumário” entendemos o registo de informação básica sobre o objecto, devendo ser considerados neste critério todos os campos de informação, que não sendo essenciais para a imediata identificação e registo/cadastro inicial, constituem informação muito relevante sobre os objectos, nomeadamente: descrição; técnica; materiais; medidas; localização. 226 Entenda-se por “inventário desenvolvido” o registo de toda a informação produzida com o continuado estudo da Colecção, devendo ser considerados neste critério todos os grupos de informação em que se possam registar dados obtidos com o estudo dos exemplares a longo prazo, designadamente, estilo; função inicial/alterações; marcas; inscrições; iconografia; bibliografia, entre outros. 227 Por “gestão” entendemos o registo de todos os dados relativos a processos de gestão da Colecção, nomeadamente, movimentação das obras; exposições; conservação; restauro, seguro, entre outros.

Page 112: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

102

No âmbito nacional, a carência de uma reflexão sobre a metodologia, a

normalização e a escassez de perseverança na sua aplicação, são factores que

conjuntamente convergem para resultados individuais e que, regra geral, não cooperam

para os propósitos do inventário. Em nossa opinião, a normalização da metodologia, as

normas de registo da informação e o aperfeiçoamento progressivo das linguagens

documentais empregues nas diferentes áreas temáticas, são condições fundamentais à

eficácia operante das entradas e, naturalmente, a uma nomenclatura semelhante,

conjuntura imprescindível no processo de partilha e recuperação da informação.

A inventariação da cerâmica de revestimento exige o conhecimento de um

vocabulário e de uma terminologia específica que facultem uma utilização precisa. No

entanto, e tal como refere o caderno de Normas de Inventário, relativas à cerâmica de

revestimento, “Se para algumas áreas existem já, a nível nacional e internacional,

terminologias e procedimentos estabelecidos, esta é uma área onde os instrumentos são

inadequados e/ou inexistentes.”. O mesmo manual acrescenta, ainda, que o “(…)

vocabulário da cerâmica em geral e os termos técnicos apresentam vários problemas,

como por exemplo, o facto de um mesmo vocábulo na linguagem corrente, nas obras de

divulgação e na gíria profissional, ter frequentemente significados múltiplos e, algumas

vezes, discrepantes.”228.

No decorrer do processo de criação de um novo modelo de ficha, e com base na

normalização, nacional e internacional, bem como, na terminologia existente na área do

objecto de estudo, formulámos diversas questões, que desde do primeiro momento,

nortearam a proposta, que adiante apresentaremos. Do elenco interrogativo destacamos

algumas questões, que em nosso entender não se ajustam, apenas, à realidade desta

Colecção, sendo transversais a outras colecções e entidades museológicas, e que

ambicionamos ver respondidas através da elaboração do novo modelo de inventariação,

nomeadamente: que informação se deve registar sobre os objectos? Qual o

procedimento de registo? Que campos são necessários para contemplar toda a

informação disponível? Qual a linguagem mais apropriada para utilizar neste processo?

Que ferramentas utilizar? Que regras e boas práticas podemos utilizar como referência

na documentação das colecções? O que pretendemos obter do registo dessa informação?

De que forma poderemos usufruir dessa informação no futuro? De que forma podemos

legitimar a qualidade do trabalho realizado?

228AA.VV. – Normas de Inventário: Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas. Instituto Português de Museus, 1ª edição, Lisboa, 1999, p. 18.

Page 113: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

103

A estas perguntas tentamos responder ao longo deste capítulo, apresentando um

novo modelo de ficha de inventário, que serviu de base a um instrumento, ainda mais

amplo, o Sistema de Inventário e Gestão da Colecção229, o qual apelidamos OCP –

Online Control Panel.

3.1. Normalização

“A normalização da metodologia de inventariação com regras estabelecidas de

observação do objecto e de registo da informação, bem como o aprofundamento

gradual das linguagens documentais para cada área temática, são factores

imprescindíveis para a consulta eficaz das fichas e, consequentemente a uma

classificação com critérios comuns e rigorosos, condição indispensável no processo de

partilha e recuperação da informação em ambiente informático.”230

Ao concebermos um novo modelo de ficha de inventário, que servirá de suporte

a uma base de dados, integrando um sistema de documentação de gestão da Colecção,

temos que pensar, previamente, de forma meticulosa na sua construção. É de

fundamental importância a criação e existência da normalização para que a tarefa de

documentação do património cultural resulte com sucesso, conferindo as bases

necessárias à informatização.

Em nosso entender, a normalização deverá ser uma base sólida, um modelo com

regras de estruturação de informação precisas que faculte que os dados inseridos sejam

depois lidos, indexados, cruzados entre si e, não menos importante, pesquisados e

reavidos de forma satisfatória, e de acordo com os interesses do utilizador comum.

No presente trabalho, a abordagem à normalização de documentação e gestão de

colecções, teve como principal fonte a experiência de trabalho do International

Committe for Documentation (CIDOC231), organismo do International Council of

229 O Sistema de Inventário e Gestão da Colecção elaborado no âmbito do presente trabalho, dá corpo ao Capítulo II, da Parte II. 230 AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica. Artes Plásticas e Artes Decorativas. Instituto dos Museus e da Conservação, 1ª edição, Lisboa, 2007, p. 13.�231 Desde 1978, altura em que foi estabelecido um conjunto mínimo de categorias de informação para registo dos objectos museológicos com base numa proposta feita por Robert G. Chendall e Peter Homulos, existe no âmbito do CIDOC um documento de referência que viria a ser colocado à consideração dos seus membros e recomendada a sua utilização às comissões nacionais dos diversos países que integram o ICOM. À época, a necessidade de implementar regras para a identificação e registo da história da evidência humana, era imperativa. Existiam, efectivamente, alguns projectos pontuais em diversos museus e países, mas nunca se tinha discutido esta questão de uma perspectiva mais alargada. O CIDOC é o local por excelência para discutir esta temática, não apenas por razões de ordem formal, mas

Page 114: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

104

Museums (ICOM) que tem a seu cargo a investigação deste tema e a produção e

divulgação das boas práticas neste assunto. O trabalho então desenvolvido por este

comité possibilitou que em 1992, na conferência do ICOM no Quebéc, se reavaliasse a

situação da altura e principiasse a criação de um documento de boas práticas na matéria

que pudesse ser disseminado e utilizado pelos diversos membros da instituição. Esse foi

o começo do que actualmente conhecemos como International Guidelines for Museum

Object Information, o documento de referência sobre esta temática a nível internacional,

apresentado na Conferência Trienal do ICOM de 1995, em Stavanger, Noruega232.

Importa aqui salientar que este documento do CIDOC incorpora, como atrás foi

dito, a experiência de diversos especialistas de documentação, bem como, a experiência

de diferentes projectos de documentação em museus, tendo em consideração as normas

existentes em alguns países como os Estados Unidos, o Canadá e o Reino Unido, as quais

abordaremos. Um outro aspecto, não menos importante, e que vem referido na introdução

do documento, intitulado, International Guidelines for Museum Object Information: The

CIDOC Information Categories, é relativo ao facto destas linhas orientadoras não

constituírem um produto final, devendo por isso, ser tidas em conta como um elemento

em construção com todas as vicissitudes daí decorrentes. O documento mencionado,

refere ainda que: “The Guidelines can be adopted by an individual museum, national

documentation organization, or system developer, as the basis for a working museum

documentation system.”233, sendo de evitar que sejam negligenciadas por todas as

entidades que tenham a intenção de criar uma norma própria234.

No entanto, como atrás fizemos alusão, este não foi o único caminho seguido pelo

CIDOC, também, o Relational Data Model viria a se tornar um importante instrumento

para a construção dos sistemas de informação de museus. Este modelo estabelece

definições e uma estrutura formal para descrever os conceitos implícitos e explícitos e as

relações usadas na documentação do património. O objectivo principal do CIDOC

Conceptual Reference Model (CRM) é “(…) to promote a shared understanding of

principalmente por contar com algumas centenas de especialistas de mais de 60 países que trabalham diariamente na implementação de sistemas de informação para essa finalidade. 232 Também nesta conferência foi apresentado o CIDOC Relational Data Model resultante do trabalho do Data Model Working Group e que se torna o documento fundamental na construção de sistemas de informação capazes de registar e documentar de forma eficiente o património cultural. 233 Introduction to the International Guidelines for Museum Object Information: The CIDOC Information Categories. International Committee for Documentation, disponível em: http://cidoc.ics.forth.gr/docs/guidelines/guideint.htm#int2. 234 A Espanha e o Reino Unido são exemplo de alguns dos países que criaram normas próprias, tendo em consideração a adequação das guidelines do CIDOC às leis e procedimentos, que as mesmas obrigam no âmbito nacional.

Page 115: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

105

cultural heritage information by providing a common and extensible semantic framework

that any cultural heritage information can be mapped to. It is intended to be a common

language for domain experts and implementers to formulate requirements for information

systems and to serve as a guide for good practice of conceptual modelling. In this way, it

can provide the "semantic glue" needed to mediate between different sources of cultural

heritage information, such as that published by museums, libraries and archives.”235.

Actualmente, o CRM conta já com treze anos de experiência, divididos entre o CIDOC

Documentation Standards Working Group e o, mais recentemente o CIDOC CRM

Special Interest Group (SIG), tendo sido admitido, em 2006, como documento de

trabalho à norma ISO236 com a designação ISO 21127:2006237.

A análise ao CRM foi fundamental, enquanto regra de criação do modelo, que

adiante iremos apresentar, possibilitando-nos perceber de que forma poderíamos

estabelecer normas, enquadradas nos princípios internacionais, mas adaptadas às

necessidades e especificidades da Colecção em estudo. Embora, muito exaustivo, o

documento produzido pelo CIDOC, não foi elaborado com a intenção de ser seguido à

risca por todas as instituições. No presente caso, o documento serviu de base de

trabalho, visando a construção do esquema de dados a ser utilizado pela Colecção

Berardo segundo as necessidades próprias da Colecção de Azulejaria.

Para a construção da nossa ficha de inventário e posterior base de dados foram

respeitadas as normas do ICOM, particularmente, do International Committe for

Documentation (Comité Internacional para a Documentação em Museus), anteriormente

expostas, mas foram também considerados um conjunto de iniciativas nas distintas áreas da

normalização de documentação que trabalham em parceria com o CIDOC, bem como, outras

normas internacionais e nacionais de referência, que agora abordaremos de forma sintética.

A norma proposta e gerida pela Museum Documentation Association (MDA), o

Specturm, é uma referência para a documentação nos museus do Reino Unido,

reconhecido internacionalmente como um dos documentos mais importantes nesta área.

Publicado pela primeira vez em 1994, o Specturm tornou-se um standard em 2005

depois de ter sido alvo de uma intensa reflexão por mais de 100 instituições, num

235 The CIDOC Conceptual Reference Model. What is the CIDOC CRM, disponível em http://cidoc.ics.forth.gr/. 236 ISO - International Organization for Standardization. 237 “ISO 21127:2006 establishes guidelines for the exchange of information between cultural heritage institutions. In simple terms this can be defined as the curated knowledge of museums.” In Information and documentation - A reference ontology for the interchange of cultural heritage information. Disponível em http://www.iso.org/iso/iso_catalogue/catalogue_tc/catalogue_detail.htm?csnumber=34424.

Page 116: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

106

processo que se iniciou em 2003. Hoje, esta norma é aberta a todos os que a pretendam

utilizar e é feita de acordo com os requisitos de documentação exigidos para os museus

que pretendem ser acreditados oficialmente no Reino Unido pelo The Museums,

Libraries and Archives Council238.

O Specturm é dividido em dois módulos principais: os procedimentos e os

requisitos de informação. O primeiro define os procedimentos que devem ser utilizados

nos museus, em termos de documentação, ou seja, sempre que um objecto é incorporado,

emprestado, transportado, sujeito a uma acção de conservação ou restauro. O segundo

módulo consiste nos requisitos de informação imprescindíveis para a documentação das

colecções, nomeadamente, a propriedade do objecto, a sua história, as acções de restauro

a que já foi sujeito, qual a sua proveniência, entre muitos outros exemplos239.

No nosso entender, o Specturm é um caso exemplar em todos os aspectos. Não

sendo apenas um standard de dados que possibilita a construção de uma base de dados,

é sobretudo uma norma de procedimentos que permite aos técnicos nos museus, mesmo

sem um sistema de informação, ter acesso aos passos fundamentais para documentar

uma qualquer acção comum, no âmbito da gestão das colecções.

Um outro exemplo relevante, e que na presente dissertação teve um “papel”

orientador, é o espanhol. Em 1998 foi publicada, pela Dirección General de Bellas

Artes y Bienes Culturales, órgão do Ministério da Cultura Espanhol, a Normalización

Documental de Museos: Elementos para una aplicación informática de gestión

museográfica, que é fruto do trabalho da Comisión de Normalización Documental de

Museus240 presidida por Andrés Carretero Pérez e coordenada por Marina Chinchilla

Goméz. O objectivo deste trabalho foi facultar aos museus uma inestimável ajuda no

tratamento e gestão da documentação associada ao património cultural, de forma a

facilitar o seu trabalho diário e a permitir um melhor serviço para investigadores e

público em geral. Resultado deste documento foi a criação, pelo próprio Ministério, de

uma aplicação informática (designada por DOMUS), que seria utilizada numa primeira

fase pelos museus estatais (tutelados directamente pelo Ministério da Cultura Espanhol),

mas cujo objectivo é abranger o máximo de museus possível, independentemente da sua 238 Entidade oficial no Reino Unido para a acreditação dos museus. Define e desenvolve a estratégia nacional no âmbito dos três tipos de instituições que tutela. Informação disponível em http://www.mla.gov.uk/. 239 Estes são alguns dos tipos de informação que o Specturm trata, de uma forma estruturada e normalizada, permitindo às instituições museais a sua utilização para a obtenção de um conhecimento aprofundado das suas colecções. 240 CARRETERO, Andréz – Normalización documental de museos: elementos para una aplicación informática de gestión museográfica. Dirección General de Bellas Artes y Bienes Culturales, Madrid, 1998.

Page 117: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

107

tutela administrativa. Para o efeito o Ministério tem vindo a desenvolver um conjunto

de convénios com as comunidades autónomas e com outras entidades no sentido de

criar uma rede que permitirá aceder à informação de uma forma coerente e

uniformizada241. Salientamos, ainda, que este mesmo standard permite a todas as

empresas que desenvolvem software, a possibilidade de se harmonizarem com a norma

vigorante para que os seus sistemas de informação possam ser utilizados por um

qualquer museu de Espanha, sem prejuízo de virem a inteirar a rede de comunicação,

um dos objectivos principais do Ministério. A existência da norma possibilita, como

atrás referimos, esta situação.

No âmbito internacional, além do caso inglês e espanhol, foram também

importantes para o presente trabalho as Categories for the Description of Works of Art

(CDWA242) da Art Information Task Force fundada dentro do J. Paul Getty Trust (Getty

Research Institute) e o Méthode d'inventaire informatique des objets beaux-arts et arts

décoratifs da Direction des Musées de France243.

Ao nível nacional não consideramos que actualmente exista, ainda, o que se

pode apelidar, à semelhança do caso espanhol, uma “normalização documental dos

museus portugueses”, ou seja, um documento técnico que contenha em si definições de

estruturas de bases de dados e procedimentos a adoptar pelos museus na gestão das suas

colecções, nem tão pouco, algumas linhas orientadoras nesta matéria. Embora, em

meados da década de 1990, tenha sido criado um projecto dentro do então designado

Instituto Português de Museus (IPM), hoje Instituto dos Museus e da Conservação

(IMC), que tinha como desígnio prover aos museus tutelados pela Administração

Central um programa que pudesse alcançar os objectivos de uma melhor inventariação e

gestão das colecções das referidas instituições, o Matriz244, alguns aspectos da

normalização foram deixados ao descuido. Efectivamente, hoje, o Matriz é uma

ferramenta utilizada pelos museus tutelados pelo IMC, bem como, por um conjunto de

outras instituições no país, e é já uma plataforma desenvolvida e comercializada por

uma empresa privada. Na verdade, o que faltou, neste processo de criação de uma

ferramenta informática que pudesse, a curto prazo, resolver um dos principais 241 Disponível em: http://www.mda.org.uk/memp.htm. 242 Disponível em: http://www.getty.edu/research/conducting_research/standards/cdwa/. 243 Disponível em: http://www.culture.gouv.fr/documentation/joconde/fr/partenaires/AIDEMUSEES/intro-methode.htm. 244 O Matriz - Inventário e Gestão de Colecções Museológicas é um programa concebido e desenvolvido pelo então Instituto Português dos Museus (IPM), em parceria com a Softlimits, de forma a possibilitar a informatização do inventário dos museus, a digitalização dos respectivos acervos e colecções, assim como a gestão dos processos de circulação das peças museológicas.

Page 118: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

108

problemas da documentação nas instituições museológicas, a sua informatização, foram

algumas etapas e considerações de basilar importância sobre esta temática.

No entanto, apercebendo-se o antigo IPM, da necessidade de criar algumas

normas para os utilizadores deste sistema de informação, produziram-se posteriormente

um conjunto de documentos, intitulados Normas de Inventário245, que reúnem alguns

dos procedimentos a seguir na inventariação das colecções, baseadas ainda, na aplicação

Matriz, utilizada pelo referido instituto. Estas normas de inventário são, em todo o caso,

limitadas. São-no porque se reportam, especificamente, a determinadas categorias de

objectos, incluídas em três grandes super-categorias criadas na definição do programa

Matriz: Artes e Artes Decorativas, Arqueologia e Etnologia, negligenciando áreas como

a ciência, os transportes, a história natural, entre outros, com alguma representatividade

no tecido museal nacional.

Sem prejuízo, do que anteriormente afirmamos, entendemos, contudo, que estas

normas são uma boa ferramenta de trabalho para os colaboradores de todos os museus,

devendo servir de base para uma análise e discussão mais aprofundada na definição de

procedimentos a eleger pela generalidade dos museus.

Ainda, no âmbito nacional, parece-nos pertinente referir um outro sistema de

informação, com alguma relevância no processo de inventário e gestão do património à

abrigo dos museus, que foi criado em parceria pela Sistemas do Futuro e pela Polícia

Judiciária do Porto (Núcleo de Furtos de Obras de Arte), mais comummente conhecido

como In arte. Esta aplicação, actualmente com uma versão mais complexa, conta desde

1996 com um crescente número de museus como utilizadores e tem sido, a par do

Matriz nos museus tutelados pelo IMC, a principal ferramenta utilizada para a

documentação do património em Portugal. Tendo-se afirmado como um sistema de

informação eficaz nos museus que o utilizam, refira-se que para tal contribuiu o facto da

empresa Sistemas do Futuro organizar, periodicamente, encontros científicos em que o

principal objecto de discussão são os assuntos relacionados com a documentação das

colecções e a sua normalização.

Com esta breve análise às normas nacionais e internacionais na área da

normalização da informação no campo museológico, e a alguns sistemas de informação

existentes no mercado, não foi nossa pretensão apresentar um novo modelo, até porque,

245 Refira-se, que as primeiras Normas de Inventário a ser publicadas foram as Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas, no ano de 1999. Depois, seguiram-se as de Pintura; Escultura; Mobiliário; Cerâmica de Revestimento; Alfaias Agrícolas; Tecnologia Têxtil; Cerâmica Utilitária; Arqueologia e Cerâmica.

Page 119: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

109

esse deverá ser um trabalho moroso de discussão e análise de uma equipa

pluridisciplinar, que envolva diferentes instituições. Contudo, ao propor um Sistema de

Inventário e Gestão para a Colecção de Azulejos, consideramos fundamental, a

compatibilização da informação com as normas, para já, instituídas, sendo para isso

necessário traçar o panorama nacional e internacional. Foi, na certeza que a estrutura

utilizada na construção da nossa base de dados era determinante para que o processo de

documentação fosse bem sucedido, que analisamos, o maior número possível de

soluções existentes no nosso país e além fronteiras.

3.2. Terminologia

Como atrás ficou referido, a inventariação da cerâmica de revestimento demanda

o conhecimento de um vocabulário e de uma terminologia especializada que permitam a

sua correcta utilização. Contudo, embora os instrumentos existentes nesta área sejam

inadequados, conforme relata o próprio organismo governamental que tem a

responsabilidade de definir políticas e estratégias de actuação para os museus, o

Instituto dos Museus e da Conservação, não existindo terminologias e procedimentos

estabelecidos, temos que reconhecer o esforço, que nos últimos anos tem vindo a ser

feito por parte dos profissionais desse mesmo Instituto e do Museu Nacional do

Azulejo, com a publicação no âmbito das normas de inventário e de catálogos nos quais

são definidos os termos mais apropriados para utilizar no registo da informação,

conducente ao tratamento normativo dos revestimentos cerâmicos246. Ainda, neste

contexto, e de acordo com Paulo Henriques, antigo Director do Museu Nacional do

Azulejo e actual Director do Museu Nacional de Arte Antiga, é de toda a justiça referir

a figura do grande estudioso e sistematizador do Azulejo em Portugal, João Miguel dos

Santos Simões, que estabeleceu uma terminologia, que pela sua pertinência actual, é

246 A par destas iniciativas meritórias, embora pontuais, encontramos alguns projectos, que ainda fora do âmbito da Colecção em estudo, merecem um especial destaque no contexto museológico nacional. Em 2004, foi publicado o Thesaurus – Vocabulário de Objectos de Culto Católico, pela Fundação Casa de Bragança, no seguimento de um projecto internacional, e que constitui um exemplo a seguir para a criação de thesauri multilingues, designado Thesaurus multilingue del corredo eclesiastico, que teve início na década de 1990, sob a responsabilidade do Ministero per i Beni e la Attivitá Culturali. No âmbito regional, é também de salutar, a criação de um conjunto de thesauri, a par da implementação do sistemas de gestão de informação por parte dos museus da Direcção Regional de Cultura dos Açores, com o objectivo de normalizar e aferir a terminologia utilizada. Saliente-se, ainda, alguns museus nacionais que utilizam thesauri internacionais como matriz para a construção dos seus próprios, quer fazendo simples traduções dos termos adoptados, quer utilizando a estrutura dos thesauri já publicados e utilizados com sucesso, para a construção das estruturas terminológicas que pretendem utilizar para organizar os conteúdos inseridos nos seus sistemas de gestão.

Page 120: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

110

considerada possível de ser documentalmente fixada no caderno de Normas de

Inventário da Cerâmica de Revestimento247.

A normalização de conteúdos deverá ser uma base sólida, um modelo com

regras de estruturação de informação precisas, autorizando que os dados inseridos sejam

depois lidos, indexados, cruzados entre si e, essencialmente, pesquisados e recuperados

de forma satisfatória por parte do especialista, ou do utilizador comum, e de acordo com

os seus interesses. Ou seja, permitir que os dados se transformem em informação,

contribuindo assim para que o conhecimento do património cultural possa ser estendido

ao maior número de pessoas possível.

Existem, também, outros factores importantes, que resultam da aplicação da norma,

e embora não sejam perceptíveis num primeiro momento, são determinantes em diversos

momentos de um projecto de documentação da colecção. A partilha de informação; a

importância do valor da informação a longo termo, e a especialização dos recursos humanos

são três aspectos fundamentais, que a uso de standards consente harmonizar.

“Na actualidade são cada vez mais os exemplos de instituições que necessitam

de trocar informações sobre o património que têm à sua guarda. Uma exposição sobre

um dado autor, por exemplo, mesmo que seja coordenada por determinada instituição,

necessita da colaboração de diversas instituições que detêm objectos realizados por

ele. A criação de vocabulários estruturados para a catalogação e registo dos objectos,

bem como para a procura de certos termos numa pesquisa é outro dos factores que

implica troca de informação. Num e noutro exemplo é mais do que relevante a

utilização da norma, para permitir uma comunicação sem ruído, na qual emissor e

receptor percebam fidedignamente a mensagem.”248

A elaboração de aplicações de gestão de thesauri (em casos mais complexos) ou

de listas terminológicas hierárquicas (estruturadas ciclicamente com nível principal e

dependentes, como é o caso do presente estudo) dentro dos sistemas de gestão,

possibilita listar os termos mais utilizados na documentação da colecção, de tal modo

que seja permissível auferir um controlo e eficácia na linguagem da base de dados.

Com o objectivo de conceber um Sistema de Inventário e Gestão da Colecção de

Azulejos, desenvolvemos uma terminologia inerente, com base no trabalho até à data

247 Conforme Paulo Henriques in AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas (1999), p. 12. 248MATOS, Alexandre – Os sistemas de informação na gestão de colecções museológicas. Contribuições para a certificação dos museus. Dissertação do Mestrado em Museologia, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2007, p. 12.

Page 121: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

111

produzido pelos organismos e equipamentos culturais, a nível nacional e internacional,

nesta matéria249, de forma a facultar, futuramente, a troca de informação normalizada.

Todavia, parece-nos aqui importante, realçar que a nossa proposta é uma estrutura aberta,

fruto de uma abordagem tão exaustiva quanto possível dentro dos limites estipulados para

uma dissertação de Mestrado, não devendo ser considerada como um modelo inflexível.

Pretendemos com o presente trabalho dar um pequeno contributo a um processo que deverá,

imperiosamente, envolver uma grande parte da comunidade museológica nacional.

No desenvolvimento da supracitada terminologia efectuou-se por um lado a

identificação e definição dos termos, e por outro a relação entre os mesmos e as suas

hierarquias. Assim, aludiremos agora, aos seguintes campos de informação: Categoria;

Subcategoria; Denominação; Outras Denominações; Técnica; Estilo; Estado de

Conservação e Modalidade de Incorporação.

Dentro da Super-categoria Artes Plásticas e Artes Decorativas temos, então, a

Categoria: Cerâmica. A Categoria estabelece o primeiro nível de classificação das

colecções museológicas. No caso da Colecção em estudo, este nível, reúne objectos que

têm como matéria de base substâncias inorgânicas, usualmente terras, com

características de plasticidade, que adquirem resistência mecânica quando sujeitas a

cozedura, e sobre as quais se pode assentar, igualmente por cozedura, a decoração.

Segundo, as Normas de Inventário “Existe, porém, outra classificação, que corresponde

à funcionalidade dos objectos e que com maior eficácia permite a sua gestão no que diz

respeito às colecções dos museus. Trata-se da criação de subcategorias que, muito

embora sejam dependentes da Categoria, contemplam objectos que apresentam

analogias funcionais e formais é o caso da Cerâmica de Revestimento.”250.

249 Dos vários trabalhos consultados, salientámos, a nível nacional, a especial importância do Instituto dos Museus e da Conservação, especificamente, do Departamento de Património Móvel (secções de Inventário e Digitalização e Classificação e Inventariação) e a experiência do Museu Nacional do Azulejo. Ao nível internacional, destacamos o International Committe for Documentation (CIDOC), organismo do International Council of Museums (ICOM), e mais concretamente, o documento, anteriormente mencionado, International Guidelines for Museum Object Information: The CIDOC Information Categories; o trabalho desenvolvido pelo Collections Department, especialmente o Ceramics and Glass Collection, do Victoria and Albert Museum; as referências mundiais criadas pelo British Museum, particularmente o Materials Thesaurus (Thesaurus para a descrição e classificação dos materiais encontrados nos objectos museológicos) e o Object Name Thesaurus (Thesaurus para a classificação e descrição das designações dos objectos museológicos), e a publicação do Getty Institute, intitulada Art & Architecture Thesaurus (Thesaurus para a classificação da terminologia utilizada nos campos das artes visuais e arquitectura), que contribuiu largamente para o desenvolvimento da normalização de conteúdos. 250 AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas (1999), p. 20.

Page 122: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

112

A Subcategoria não sendo um tipo de informação fundamental à classificação

dos objectos, é um desenvolvimento da Categoria, que corresponde, deste modo, a uma

especificação de ordem funcional.

A terminologia Cerâmica de Revestimento possibilita o agrupamento de

qualquer corpo cerâmico designado a ser aplicado na arquitectura, individual ou

conjuntamente, exterior ou interior, numa ampla sucessão de formas, funções,

decorações e técnicas de fabrico, pavimentos, tectos, entre outros.

A característica comum a estes objectos, de base argilosa, decorada, e

vitrificada, ou não, numa das faces, atende a um amplo universo de tipologias. Produtos

cerâmicos, como sejam, a telha, o mosaico, o tijolo, ou até mesmo, a produção artística

contemporânea, inserem-se por definição, nesta Subcategoria.

Relativamente à identificação do objecto, elaboramos listas terminológicas para

a Denominação e Outras Denominações. Quanto ao primeiro campo de informação251,

identidade rigorosa e inequívoca do objecto, tivemos em consideração as designações

patenteadas nas Normas de Inventário, anteriormente citadas, estando as mesmas

normalizadas e apoiadas em conceitos internacionalmente aceites e adoptados. Ora

vejamos: “Desde que a Cerâmica de Revestimento constitui objecto de inventariação

que se adoptaram critérios de classificação nesta área nos quais se incluíam

frequentemente designações que associavam indiferentemente caracterizações técnicas,

funcionais e decorativas. Por exemplo Azulejo de aresta; Azulejo de figura avulsa.

Analisando a Cerâmica de Revestimento relativamente à sua funcionalidade e

utilização, registamos os seguintes termos: Azulejo; Painel de azulejos; Placa; Painel

de Placas; Mosaico Cerâmico; Telha Decorativa e Tijolo Decorativo.”252.

Como atrás ficou referido, no desenvolvimento da terminologia, realizou-se a

relação entre os termos e as suas hierarquias. Assim sendo, para o campo Outras

Denominações correspondem apenas duas Denominações, o Azulejo e o Painel de

Azulejos253. Ou seja, para Azulejo temos as seguintes identificações: Azulejo de barra;

Azulejo de cercadura; Azulejo de figura avulsa; Azulejo de friso; Azulejo de padrão;

Azulejo de pavimento; Azulejo de rodapé e Azulejo hispano-mourisco. Para Painel de

Azulejos, consideramos como Outras Denominações, os seguintes termos: Albarrada;

251 Por questões de organização da presente dissertação, optámos, por colocar as listagens terminológicas, em anexo. Quanto à Denominação, consulte-se o Anexo XXXIII – Listagem relativa à Denominação. 252 AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas (1999), p. 23. 253 Anexo XXXIV – Listagem relativa a Outras Denominações.

Page 123: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

113

Alegrete; Alminha; Figura de convite; Frontal de altar; Painel de azulejos alicatados;

Painel de azulejos de composição figurativa; Painel de azulejos de figura avulsa;

Painel de azulejos de padrão; Painel de azulejos enxaquetados; Painel de azulejos

enxaquetado compósito; Painel de azulejos hispano-mouriscos; Registo e Silhar.

Em relação a este campo, os termos utilizados possibilitam a identificação do

objecto, tendo por base, a sua forma, função e técnica de aplicação como revestimento.

As Outras Denominações aqui patenteadas remetem para um vocabulário, usualmente,

empregue por alguns especialistas na área, que de modo diferente, designam o mesmo

objecto, ou seja, o nome pelo qual a peça é vulgarmente conhecida, mas que extravasa o

conceito estrito da Denominação. Contudo, importa realçar, que nem todos os objectos

poderão preencher este campo, sendo o mesmo de carácter facultativo, contrariamente à

Denominação, que é de carácter obrigatório.

No que diz respeito à Técnica, embora as Normas de Inventário, Gerais254 e as

de Cerâmica de Revestimento255, aconselhem a enunciar, as técnicas de fabrico e as de

decoração, neste caso, optou-se por referir, apenas, as técnicas de decoração. Pois, por

questões de ordem científica, não nos era possível, no curto espaço de tempo deste

estudo, proceder a análises pormenorizadas. No entanto, sendo o Inventário, um

instrumento de trabalho, sempre em aberto, e dado, que estamos perante uma estrutura,

desenvolvida pelos informáticos da própria Colecção Berardo, no futuro, poderão ser

incluídos novos campos, sendo que, a informação adicional, só irá enriquecer o espólio

em análise. Por enquanto, e no âmbito das técnicas de decoração, definimos as

seguintes: Aerografia; Alicatado; Aresta; Corda Seca; Cromolito; Enxaquetado;

Enxaquetado Compósito; Esgrafitado; Esmaltagem; Esponjado; Estampagem;

Estampilhagem; Fotoimpressão (ou Fotocerâmica); Incrustação; Lustre; Majólica;

Relevo; Tubagem e Serigrafia256.

O campo de informação intitulado por Estilo foi, também, alvo de uma

terminologia específica257. Entendendo-se por Estilo uma definição generalista, que

agrupa concepções artísticas e técnicas, definimos os seguintes: Azulejaria Arcaica;

Renascentista; Maneirista; Tardo-Maneirista e Protobarroca; Barroco; Rococó;

Pombalino; Neoclássico; Romântica e Industrial; Arte Nova; Art Deco; Modernista

(1900-1950); Moderno (1950-1980) e Contemporâneo (1980 até à actualidade).

254 AA.VV. – Normas de Inventário. Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas (2000). 255 AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas (1999). 256 Anexo XXXV – Listagem relativa às Técnicas. 257 Anexo XXXVI – Listagem relativa aos Estilos.

Page 124: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

114

Em nosso entender, o Estado de Conservação é um dos campos que deverá

conter uma terminologia precisa de forma a facilitar e optimizar a troca de informação,

quer dentro da própria instituição que tutela a Colecção, quer com instituições

exteriores, sendo certo que necessitará de um sub-campo para especificações do estado

seleccionado em função do objecto em presença. A avaliação do estado de conservação

de um objecto vai além do seu aspecto físico mais imediato, estando também

relacionado com a integridade dos materiais que o constituem, ou seja, com o processo

degenerativo a que todos os materiais estão submetidos258.

No artigo 13º da Lei-quadro dos Museus Portugueses259 são enumeradas onze

Modalidades de Incorporação. No entanto, dado o carácter da Colecção em estudo, não

nos fazia sentido, contemplar determinados tipos de modalidades, nomeadamente, o

Depósito, o Achado, entre outros. Assim, o presente campo será indexado, considerando,

unicamente, os seguintes modos de incorporação260: Compra, Doação e Legado261.

Salientamos, que os termos patenteados nas listas terminológicas apresentadas,

deverão ser utilizados sempre que a informação a carregar na base de dados seja

passível de ser organizada de forma estruturada (indexada). Não se aplicará este caso a

campos de descrição, ou outros de “texto livre”, que o sistema poderá conter.

3.3. Apresentação da Nova Ficha

O novo modelo de ficha de inventário, por nós proposto, foi especificamente

idealizado para a Colecção de Azulejos e comporta várias categorias de informação,

pressupondo um conceito de inventário desenvolvido, na medida em que a identificação

do objecto deve ser complementada com diversos dados caracterizadores,

particularmente a sua proveniência precisa, o conhecimento do percurso realizado desde

a sua criação até à condição de objecto museal, bem como, a sua divulgação através de

exposições e publicações várias.

A estruturação dos capítulos e a ordenação dos campos de informação

acompanha de perto a estrutura da ficha de inventário, que serviu, posteriormente, à

base de dados inerente ao Sistema de Inventário e Gestão da Colecção.

258 Anexo XXXVII – Listagem relativa aos Estados de Conservação. 259 Lei nº47/2004. 260 Embora, sejam apenas indexadas algumas modalidades de incorporação de acordo com a natureza da Colecção de Azulejos, a Base de Dados tem capacidade, para integrar, no futuro, outras modalidades. 261 Anexo XXXVIII – Listagem relativa às Modalidades de Incorporação.

Page 125: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

115

A primeira informação patenteada na ficha é relativa à Propriedade do objecto a

inventariar. Todavia, não foi criado um campo para a identificação da instituição

proprietária, dado que no caso do presente inventário seria redundante, conduzindo a

uma repetição da informação. Todas as peças da Colecção Berardo são propriedade da

mesma instituição e pertencem a um único proprietário. De qualquer forma, essa

situação está salvaguardada, uma vez que há sempre a presença do logótipo e

designação da Colecção Berardo.

A Classificação é, então, o primeiro macro-campo desta ficha, encontrando-se

subdividida em Super-Categoria, Categoria e Subcategoria. Embora, estes três campos

estejam estáticos ao longo de todo o processo de inventário, visto estarmos a tratar de

uma Colecção de Azulejos, logo inserida na Subcategoria de Cerâmica de

Revestimento, consideramos pertinente a sua inclusão, sendo esta, uma forma

normalizada de Classificação reconhecida nacional e internacionalmente.

O segundo macro-campo é relativo à Identificação do objecto. Os campos que

compõem esta categoria de informação principal são: Número de Inventário; Outros

Números de Inventário; Denominação; Outra Denominação; Título Descritivo; Título

de Autor; Descrição; Referências Externas; Representação Iconográfica;

Heráldica/Insígnias e Conjunto.

Apesar das normas de inventário, nacionais e internacionais, aconselharem a que

o Número de Inventário seja um campo alfanumérico de forma a permitir a introdução

de acrónimos utilizados comummente pelas entidades museológicas, neste trabalho e

por uma questão de organização e estruturação da base de dados, utilizamos um código

numérico que identifica a Colecção, sendo este, o procedimento adoptado pela sua

Tutela262. O campo intitulado Outros Números de Inventários contempla, quer os

números de inventário anteriores, intrínsecos à Colecção Berardo (inventários antigos),

quer aqueles que estiveram associados aos objectos antes de incorporarem a Colecção,

como é o caso, dos painéis pertencentes à antiga empresa vitivinícola J.P. Vinhos, actual

Bacalhôa Vinhos de Portugal, ou os números associados aos diversos leilões,

nomeadamente, os da Leiria e Nascimento, Lda., na sua maioria provenientes da

Colecção Comandante Ernesto Vilhena. O registo desta informação detém especial

importância, no âmbito das investigações e estudos efectuados, permitindo resgatar

novos dados, de capital interesse, para a documentação dos objectos.

262 O código que identifica a Colecção de Azulejos é o 101, sendo este número seguido, por um hífen e pelo número de inventário, atribuído de forma sequencial.

Page 126: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

116

A informação relativa aos campos da Denominação (identidade rigorosa e

inequívoca do objecto) e Outra Denominação (outras denominações pelas quais possa

ser conhecido o objecto, nomeadamente, por tradição ou publicação anterior) é

registada, recorrendo às listagens de terminologia, anteriormente abordadas.

Quanto aos Títulos, ainda que as Normas de Inventário263 definam, somente, a

designação de Título, incluindo, neste campo, os títulos de autor, os iconográficos, ou

os populares (vulgarizados), no nosso entender, e após a consulta de outros sistemas de

inventário, nacionais e internacionais, faz mais sentido, separar o título que é

originalmente atribuído pelo autor, ao qual designamos de Título de Autor, do título

sugerido pela sua representação, ao qual apelidamos de Título Descritivo. Assim sendo,

por Título de Autor entende-se, unicamente, a denominação original atribuída pelo

próprio autor, razão pela qual, este campo será mais utilizado na produção

contemporânea. Quanto ao Título Descritivo é usual, na Categoria da Cerâmica de

Revestimento, que o mesmo seja sugerido pela representação, tenhamos por exemplo, o

caso dos títulos iconográficos. Partindo deste pressuposto, entenda-se, que o Título

Descritivo poderá ser ditado pela sua representação, bem como, pelo nome que o

objecto tem sido identificado ao longo dos tempos (título popular/comum).

A Descrição é um campo de texto alargado para a introdução livre de

informação relativa à descrição do bem patrimonial em presença. Dever-se-á descrever

concisa, objectiva e imparcialmente, aquilo que se vê no objecto e não o conhecimento

que dele se detém. A descrição de inventário deverá reger-se pelos critérios definidos

pela História da Arte, distinguindo a descrição conceptual da descrição estrutural.

Dever-se-á começar por descrever do geral para o particular, identificando o tema ou

motivo principal e o(s) secundário(s), seguidos da descrição da forma e/ou da

composição, figurativa ou abstracta.

O campo Referências Externas264 deverá considerar informações atinentes aos

objectos museológicos pertencentes a outras colecções, públicas ou privadas, que

estejam relacionados com o objecto inventariado e outras que, por qualquer

circunstância ou a diferentes níveis, lhe estão ou estiveram remotamente associados. O 263 AA.VV. – Normas de Inventário. Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas (2000), p. 21. 264 As diversas fichas de inventário, que tivemos acesso, têm diferentes designações para este campo. As Normas Gerais do Instituto dos Museus e da Conservação, por exemplo, intitulam de Objecto Relacionado. A introdução deste campo, no presente modelo, prende-se com o tipo de Colecção em estudo, pois tratando-se de Azulejaria, consideramos, que faria todo o sentido a sua inclusão, na medida em que, a grande maioria, dos objectos foi retirada do seu local original, causando a dispersão de alguns conjuntos. Assim, a possível associação destes exemplares tornar-se-á, deste modo, indispensável ao historial dos mesmos, bem como, à historiografia desta forma de arte.

Page 127: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

117

objecto relacionado deverá, sempre que possível, ser identificado com o maior rigor,

através do registo da sua Denominação, Proprietário, Localização, Número de

Inventário e fotografia.

Quanto à Representação Iconográfica poderá, ou não, estar contida na própria

descrição geral do objecto. Porém, sendo a Iconografia um campo da representação por

primazia, e porque a complexidade de determinadas peças assim o obrigam, as imagens,

símbolos e motivos que compõem o(s) tema(s) mencionados na Descrição, deverão ser

reconhecidos e analisados neste campo. A linguagem natural empregue na Descrição,

deverá neste campo ser substituída pela linguagem documental, através da escolha de

descritores temáticos, genéricos e específicos ordenados num processo hierárquico.

Entenda-se por Representação Iconográfica as cenas históricas, mitológicas,

bíblicas, alegóricas, bem como, as de costumes e paisagens. Dever-se-á ter em conta, nos

símbolos de representações de ideias ou conceitos, de ordem moral ou intelectual, as suas

formas, cores, posicionamento relativo na obra e significado intrínseco (por exemplo: os

símbolos eucarísticos; os símbolos marianos, etc.). Relativamente, aos atributos específicos

de cada imagem, como no caso dos Santos, e as características que contribuem para a sua

identificação, deverão também, ser enumeradas. Neste campo dever-se-á fazer referência ao

elenco decorativo da guarnição, por exemplo: ornamentação (cartelas, ferroneries);

ornamentação antropomórfica (putti, atlantes); ornamentação vegetalista (festões,

enrolamentos); ornamentação geométrica (laçarias), entre outras.

Relativamente à Heráldica/Insígnias dever-se-á iniciar com a descrição do

campo e só, posteriormente, descrever as peças heráldicas, ou insígnias, que guarnecem

ou definem zonas específicas265. Após a localização exacta da heráldica, ou insígnia,

dever-se-á, sempre que possível, precisar a identificação do seu detentor266.

O último campo respeitante à Identificação é o Conjunto, permitindo registar os

dados de objectos, que dentro da Colecção Berardo, pertencem ao mesmo conjunto de

origem. Entenda-se como Elementos do Conjunto, os objectos que provenientes do

mesmo local estabelecem, por exemplo, uma relação tipológica ou um programa

iconográfico, entre outros267.

265 Conscientes de que na descrição heráldica dever-se-á usar com rigor a terminologia própria desta disciplina, pretendemos, futuramente elaborar listas terminológicas, fundamentadas em bibliografia específica. 266 Sendo uma representação muito frequente na Cerâmica, a Heráldica poderá revelar dados inequívocos para a identificação do proprietário, do encomendador, ou ainda, da proveniência da peça. 267 Sendo este, um campo indexado, e de gestão da Colecção, será abordado, mais aprofundadamente, aquando da apresentação do Sistema de Inventário e Gestão.

Page 128: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

118

O terceiro macro-campo é referente à identificação e registo da

Autoria/Produção do objecto. Designamos esta categoria de informação como

Autoria/Produção, porque entendemos que os dados sobre a produção e a autoria podem

ser complementares em determinadas situações e porque em determinadas ocasiões

sucede uma delas, sendo que a informação a guardar, num e noutro caso, é muito

similar. Os campos que compõem esta categoria são: Autor; Atribuído; Justificação da

Autoria; Assinatura; Localização da Assinatura; Oficina/Fabricante; Cidade de

Fabrico; País de Fabrico; Marca; Localização da Marca e Inscrição/Legenda.

No campo Autor deverá constar o nome do criador do objecto, recorrendo à base de

dados de autores, na qual ficarão registadas todas as informações complementares268.

Quando não for conhecida a identidade do autor da peça, dever-se-á indicar Desconhecido.

Ainda, no contexto da autoria, sempre que se estiver em presença de um pseudónimo,

vulgarizado pela historiografia, o mesmo será registado no campo de Notas Públicas269.

A atribuição de uma peça a determinado autor deverá ser registada no campo

Atribuído, sendo para isso necessário, marcar um “visto”, dado que o nome deverá estar

contemplado na listagem de autores, anteriormente mencionada. As atribuições deverão

ser feitas através de uma aproximação tipológica/formal ou técnica, com outras

devidamente assinaladas; por prova documental, sendo necessário a sua referência; por

tradição ou atribuição feita por algum investigador, devendo a mesma ser referenciada,

em campo próprio – Justificação da Autoria. No caso das obras assinadas, a autoria

deverá ser justificada inscrevendo obra assinada. Para as obras atribuídas a

determinado autor a mesma deverá ser referenciada neste campo.

As Normas Gerais do IMC, associam o campo da Justificação da Autoria, à

Assinatura e à sua Localização, no entanto, em nossa opinião, e de acordo com outras

normas consultadas no decorrer do trabalho de investigação, consideramos, que estes 268 Embora, as Normas Gerais do IMC recomendem a inscrição, dos locais e datas de nascimento e morte, entre parêntesis e sempre que conhecidos, à frente do nome do autor, no presente Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, optámos por fazer a biografia do autor, em campo próprio, proporcionando o acesso a um tipo informação mais alargada, facto pelo qual, neste ponto, não colocamos os dados, acima indicados. 269 Uma das regras estabelecidas, aquando da criação do novo sistema de inventário, foi a seguinte: quando o campo definido não “servir”, no mínimo 10% da Colecção, não deverá ser criado, sendo essa informação salvaguardada num campo complementar. O caso do pseudónimo é um desses exemplos. Até à presente data registámos no universo da Colecção, apenas, o Luís António Ferreira, dito Ferreira das Tabuletas, pelo que não se justifica a inclusão do campo. O mesmo acontece, com as co-autorias, possuindo a Colecção Berardo, somente, um painel de azulejos produzido por Leopoldo Battistini e Viriato Silva, sendo o único caso de co-autoria, esta informação ficará salvaguardada no Historial da peça. Se pensarmos que esta é uma Colecção aberta, poderá surgir a questão das novas incorporações, no entanto, não acreditamos que os novos exemplares possam representar 10% destas situações. Mas, ainda assim, caso suceda, o Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, poderá, nessa altura, ser ajustado à realidade da Colecção, sendo uma estrutura flexível e desenvolvida internamente.

Page 129: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

119

campos deverão estar relacionados entre si, mas deverão ter entradas autónomas. Assim,

no campo Assinatura deverá ser feita a transcrição e/ou descrição e/ou descodificação da

assinatura. Na Localização da Assinatura deverá ser registada a informação textual acerca

da localização precisa da assinatura na obra, acompanhada de fotografia de pormenor.

Relativamente ao campo Oficina/Fabricante entender-se-á, por oficina o local

onde diferentes intervenientes trabalham sob a orientação de um mestre que,

usualmente, lhe atribui a designação. Podendo, ainda, ser identificada pelo nome da

localidade onde se situava ou situa. Por fabricante entender-se-á um local específico

onde são realizados trabalhos manuais ou mecânicos e fabricados objectos

tipologicamente idênticos ou afins. A Cidade de Fabrico é um campo de abrangência

geográfica restrita, designadamente, uma cidade, referente ao local de produção de uma

determinada obra, enquanto que, o País de Execução é um campo para designação de

unidade geográfica mais vasta, particularmente, o país, onde a obra foi produzida.

Outros campos de informação que dizem respeito à informação intrínseca dos

objectos é a Marca e Inscrição/Legenda. As marcas patentes nos objectos estão, na sua

maioria, directa ou indirectamente associadas ao processo de produção dos mesmos. No

caso da Cerâmica de Revestimento, deverão ser consideradas, entre outras: marcas de

oficina, de fabricante ou centro de fabrico. A marca existente deverá ser descrita e

fotografada. No caso de existir, mais do que uma marca, deverão ser fotografadas

individualmente. Associado a esta informação está o campo intitulado Localização da

Marca, onde deverá ser registada a informação textual relativa à sua localização exacta.

Quanto à Inscrição/Legenda deverá entender-se toda e qualquer referência textual

incisa, gravada, pintada, impressa ou estampada na obra. Sempre que possível, deverá

ser referida a técnica, idioma, e localização da Inscrição. Esta deverá ser transcrita e/ou

descodificada, conforme as recentes normas de transcrição paleográfica. Para inscrições

com mais de uma linha, utilizar-se-á uma barra (/), indicando o final de cada uma. No

caso de inscrições com caracteres especiais, ou cuja interpretação seja dúbia, a mesma

dever-se-á fazer acompanhar de uma fotografia com boa definição.

O quarto macro-campo é relativo à Datação do objecto, sendo que, a esta

categoria de informação associamos o Estilo, pelo facto de estar, intimamente ligado à

época de produção da obra. Assim, os campos que compõem esta categoria são:

Período; Século; Ano; Justificação da Data e Estilo.

O primeiro campo, o Período, embora deva ser preenchido, para todos os

objectos inventariados, permitindo mais possibilidades de pesquisa, será de especial

Page 130: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

120

utilidade para peças, em que a datação não é precisa. Sendo um campo indexado, dará a

possibilidade de referenciar um determinado intervalo no século (por exemplo: primeiro

quartel; primeira metade, etc.), fazendo uma correspondência imediata em anos e

tentando, sempre que possível, restringir a datação a um intervalo mínimo. No Século

deverá ser registado, única e somente, o século de produção do objecto, sendo, também,

um campo indexado. No campo do Ano deverá ser inscrito o ano de produção do

objecto270. Quando não existirem certezas, relativamente, à datação deverá ser colocado

um ponto de interrogação, dentro de parêntesis (?), quando a data for aproximada dever-

se-á colocar a abreviação de cerca (c.), antes dos algarismos. Quanto à Justificação da

Data, no caso das obras com datação expressa, a justificação faz-se localizando-a na

obra, por exemplo: obra datada no canto inferior esquerdo, azulejo B2. Em situações,

que a data não esteja muito legível, dever-se-á associar uma fotografia de pormenor.

Para as obras não datadas, fundamentar-se-á a datação proposta por aproximação formal

e técnica com obras do mesmo autor, ou semelhantes. Desconhecendo ao autor, datar-

se-á: com base documental, mencionando as fontes; pela identificação de determinados

elementos; por tradição ou atribuição feita, referindo os fundamentos da tradição, ou o

nome do investigador. Neste campo, poder-se-á, ainda, incluir datações sugeridas por

investigadores ou estudiosos da obra, sempre que estas sejam discrepantes da inscrita

nos campos anteriores, e estejam devidamente fundamentadas.

O Estilo é um campo indexado, devendo entender-se por esta designação uma

definição generalista, que agrupa concepções artísticas e técnicas. Sempre que o objecto

patenteie elementos de mais de um estilo artístico, deverá ser registado o predominante,

estando a restante informação salvaguardada num campo adicional.

O macro-campo, que se segue no modelo de ficha de inventário, aqui proposto,

é relativo à Informação Técnica do objecto. Os campos que compõem esta categoria

são: Matéria; Técnica; Notas da Técnica; Cor; Descrição das Cores; Número de

Azulejos; Especificações do Número de Azulejos; Dimensões dos Azulejos; Azulejos

em Falta; Tipo de Módulo; Número de Módulos; Número de Módulos Incompletos e

Azulejos em Falta nos Módulos.

270 Embora, os campos de data devam ser, tanto quanto possível, formatados para conterem datas, nas bases de dados de gestão de colecções essa situação é, muitas vezes, desaconselhável, pelo facto de muitas vezes ser impossível de determinar, dia, mês e ano da datação atribuída aos objectos. Existindo esta limitação tecnológica, o melhor é optar por um campo de texto nestes casos e normalizar, internamente, a forma como se introduz este tipo de informação.

Page 131: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

121

No campo intitulado Matéria identificar-se-á os materiais componentes do

objecto. No caso desta Colecção, o campo será indexado, sendo que o suporte cerâmico

poderá ser em: barro; grês; pó de pedra ou porcelana, e o seu tratamento final,

engobado, vidrado ou esmaltado. Na Técnica, pelas razões anteriormente expostas,

identificar-se-á, apenas, as técnicas de decoração. Sempre que se tratar de uma técnica

mista, dever-se-á referir a técnica respeitante ao material de maior relevância na

concepção do objecto, sendo a outra informação complementada no campo Notas da

Técnica. Neste último campo, serão, também, inscritas as especificações sobre a técnica

registada no campo anterior.

Relativamente aos campos da Cor e Descrição das Cores, o primeiro será

indexado e deverá conter, somente, as opções: monocromático e policromático; o segundo

é de texto livre e deverá compreender a enumeração das cores representadas no objecto.

Os quatro campos que se seguem nesta categoria de informação estão,

intimamente, relacionados entre si, ora vejamos. No Número de Azulejos dever-se-á

enumerar o número total de azulejos, que compõem o objecto inventariado,

nomeadamente, os azulejos recortados, caso existam. No campo designado

Especificações do Número de Azulejos, dever-se-á enumerar o número de azulejos

recortados, assim como, a quantidade de azulejos que constituem as cercaduras. No

campo Dimensões dos Azulejos deve-se registar a medida individual do azulejo, e no

caso de existir mais do que uma medida standard, a mesma deverá, também, ser

inscrita. Quanto ao campo Azulejos em Falta, é específico para as obras incompletas,

devendo ser feito o registo do número de azulejos em falta, mediante o seguinte

procedimento: identificação dos elementos da obra com uma letra correspondente a

cada fiada horizontal associada a um número para cada fiada vertical.

Os campos que se seguem são, única e exclusivamente, destinados aos

exemplares denominados por: Azulejo de Padrão ou Painel de Azulejos de Padrão. Ao

registar a informação relativa ao Tipo de Módulo, dever-se-á entender por módulo, a

unidade de repetição composta por um ou vários azulejos, cuja justaposição cria o

revestimento de padrão. Os motivos decorativos são concebidos tendo em vista o uso

em repetição, existindo para tal elementos de ligação e alternância dos centros que

garantem a continuidade da trama ornamental do padrão. A este campo deverá estar

associada uma imagem do módulo completo. No Número de Módulos dever-se-á

registar a quantidade de módulos, que compõem a unidade museológica. No caso dos

azulejos de padrão de módulo único, o número de módulos será coincidente com o

Page 132: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

122

número de azulejos. Para os restantes tipos de módulos, registar-se-á o número de

módulos completos existentes. Visando contemplar os exemplares compostos por mais

do que um tipo de módulo, foram adicionados mais dois campos: Tipo de Módulo B e

Tipo de Módulo C, sendo que, a cada um deles deverá corresponder uma fotografia do

respectivo módulo. Assim, o primeiro a ser registado na ficha de inventário (o Tipo de

Módulo A) será o mais representado no objecto, seguindo-se a mesma regra para os

subsequentes. No caso do objecto possuir mais do que três tipos de módulos, a

informação deverá ser registada em Notas Públicas.

Como o próprio nome indica, no campo Número de Módulos Incompletos

inscrever-se-á o número de módulos incompletos, e no caso do objecto possuir mais do

que um módulo incompleto, a indicação dos mesmos, deverá ser separada por ponto e

vírgula (;). Associado a esta informação está o campo Azulejos em Falta nos Módulos

onde dever-se-á registar o número de azulejos em falta, dentro de cada módulo,

respectivamente, e conforme a seguinte norma: identificação dos elementos do módulo

com uma letra correspondente a cada fiada horizontal associada a um número para cada

fiada vertical. Caso o objecto tenha mais do que um módulo incompleto, o número de

módulos e a indicação dos elementos em falta, deverá ser separada dos restantes por

ponto e vírgula (;).

A sétima categoria de informação é relativa à Origem do objecto, tendo como

campos: a Proveniência; o Historial e a Função Inicial/Alterações. No primeiro campo

deverá ser feita referência à origem remota da peça. No Historial compreender-se-á o

percurso efectuado pela mesma, desde que foi executada (contexto de criação e

utilização) até ao seu novo estatuto de objecto museológico. Este campo poderá

comportar informações respeitantes ao seu encomendador; local a que se destinava;

antigos proprietários; entre outros dados, que possam contribuir para o seu melhor

conhecimento. Poder-se-á, ainda, acrescentar uma segunda fase da vida do objecto,

abarcando o percurso realizado após a incorporação na Colecção até à actualidade271.

No campo Função Inicial/Alterações deverá ser inserida informação sobre a função

inicial da peça, e/ou alterações que esta tenha sofrido ao longo da sua existência,

relativamente à sua forma ou função.

As Dimensões encabeçam a categoria que se segue, constituindo uma informação

intrínseca a todos os objectos. Os campos que compõem esta categoria são: as Dimensões

271 Saliente-se, que em algumas fichas de inventário, dada a escassez de informação e os prazos do presente trabalho, não permitiram recuperar os dados relativos às diferentes fases percorridas pelo objecto.

Page 133: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

123

sem Suporte; o Tipo de Suporte e as Dimensões com Suporte272. Segundo os processos

normalizados para o tratamento documental de objectos museológicos, a Cerâmica de

Revestimento usa, como unidade de medição o centímetro, sendo a internacionalmente

adoptada. Embora, tenhamos optado por colocar as diferentes dimensões em campos

individuais, facilitando deste modo a pesquisa, a ordenação das mesmas deverá ser:

Altura, Largura e Espessura. No caso das peças com contorno irregular, como alguns dos

Registos, considerar-se-á as dimensões máximas da figura geométrica em que se

inscrevem. Esta regra é, também, válida para os fragmentos de peças regulares e

irregulares. Quanto ao Diâmetro, foi aqui equacionando, tendo em conta, as produções

contemporâneas. O Peso, ainda que, actualmente permaneça sem preenchimento273,

deverá ser considerado em quilogramas, mas com duas casas decimais.

Por razões de museografia, de extrema importância para o acondicionamento,

embalagem e transporte, as Dimensões sem Suporte e com Suporte, exigem

especificação, em campo próprio. No primeiro caso, registar-se-ão as dimensões

máximas da peça, livre de suportes ou molduras, sendo que, no segundo deverá

inscrever-se, igualmente, as medidas máximas, mas contemplando o suporte e/ou

moldura. Quanto ao Tipo de Suporte é um campo indexado, permitindo seleccionar da

listagem preestabelecida a opção do objecto a inventariar.

O macro-campo seguinte é relativo à Incorporação, ou seja, à entrada formal do

objecto na Colecção. Embora, na ficha de inventário, que estará disponível ao público

em geral, contemple, apenas, a Data de Incorporação e Modalidade de Incorporação,

existem outros campos de consulta interna que compõem esta categoria, nomeadamente:

a Descrição; as Notas de Incorporação e os Documentos associados à Incorporação,

campos fundamentais na gestão da Colecção. Em relação à Modalidade de

Incorporação dever-se-á recorrer à lista fechada com os termos legalmente previstos e,

272 Segundo a normalização do CIDOC, os campos necessários para esta categoria de informação são: o Tipo de medida – campo que recorre a lista de termos previamente construída pela instituição onde constarão os tipos de medida adequados ao registo desta informação para as colecções existentes. Altura, Largura, Comprimento, Profundidade, Peso, Densidade, Diâmetro, Área, entre outros, são alguns dos tipos mais comuns; Valor – campo numérico, com o mínimo de duas casas decimais, onde será registado o valor encontrado na medição dos objectos (a indicação das casas decimais é importante, dado que muitas medidas resultam em números inteiros, todavia, cada instituição poderá optar por incluir, se tal for conveniente, mais casas decimais, nestes campos); Unidade de medida – este campo, que deverá recorrer também a uma listagem auxiliar de termos, servirá para registar a unidade de medida que é utilizada na medição de objectos. As unidades de medida (centímetro, milímetro, metro cúbico, quilograma, grama, etc.), que o museu utilizará são determinadas pelo próprio e poderão ser diferentes consoante o tipo de objecto. 273 Visto que a Colecção Berardo está, na sua grande maioria, em exposição, no decorrer deste trabalho, foi impossível preencher este campo, dada a morosidade da acção, bem como, os recursos humanos e logísticos, que estariam inerentes.

Page 134: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

124

anteriormente mencionados, indicando o modo como a peça foi incorporada. Na

Descrição, campo de texto, dever-se-á adicionar informação complementar sobre a

modalidade de incorporação, indicada no campo anterior. No caso da Compra, por

exemplo, deverá ser mencionado o último proprietário, a entidade que procedeu à

venda, o custo da peça e qual a modalidade de pagamento (cheque, transferência,

dinheiro, etc.). Nas Notas dever-se-á registar os contactos do vendedor, no caso de se

tratar de uma aquisição, bem como outras informações pertinentes, relativas à

incorporação. Relativamente aos Documentos Associados colocar-se-á o número de

inventário da documentação associada à modalidade de incorporação. No caso da

Compra, por exemplo, cópia da factura, cheque, comprovativo de transferência, entre

outros. Tratando-se de uma Doação deverá ter associado o contrato entre as partes, e de

um Legado referência ao testamento.

A Conservação perfaz o décimo macro-campo englobando as seguintes categorias

de informação: Condição; Notas; Responsável e Data. Conforme foi explicado no sub-

capítulo da Terminologia, o estado de conservação da peça deverá ser registado numa

lista predefinida, sendo que cada entrada nessa lista contém os dados relativos à Condição

do bem patrimonial. Nas Notas, campo de consulta interna, justificar-se-á a opção tomada

no campo anterior, fundamentando as razões que estiveram na base da escolha. A

linguagem deverá ser resumida e lacónica, e as deficiências constatadas no objecto

deverão ser registadas por ordem de importância. Nos campos Responsável e Data deverá

constar o nome do técnico que procedeu à análise do estado de conservação e a respectiva

data de observação. Este último campo deve utilizar as datas do sistema operativo em

utilização, de forma a evitar erros de digitação.

O macro-campo que sucede a Conservação é a Localização. Os campos que

compõem esta categoria de informação são: Local; Local Específico; Cidade; Região;

País e Data. No Local registar-se-á o sítio onde a peça se encontra localizada, quer seja

em exposição, reservas, depósito ou outros. No caso da presente Colecção, as

alternativas são as seguintes: Jardim Tropical Monte Palace; Quinta e Palácio da

Bacalhôa274; Quinta da Bassaqueira; Quinta dos Loridos e Quinta da Cancela. O campo

Local Específico reportar-se-á à cota, ou seja, a localização específica da peça em cada

um dos locais referidos no campo anterior (por exemplo: alameda; sala; andar; etc.). A

274 Relativamente às peças da Quinta e Palácio da Bacalhôa, reportamo-nos, neste sistema de inventário, apenas aos exemplares deslocados, ou seja, aos que não são originários desse espaço, mas que de momento, se encontram em exposição. Quanto aos exemplares in situ deverão fazer parte, da ficha de inventário do próprio edifício, que adiante abordaremos.

Page 135: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

125

Cidade, Região e País, que deverá ser registada, respeitará a localização indicada nos

campos precedentes, sendo o campo intitulado por Data, relativo à data em que peça foi

instalada no local acima mencionado275.

À categoria de informação designada por Exposições correspondem vários

campos de informação, nomeadamente: Título da Exposição; Data de Início; Data de

Fim; Descrição da Exposição; Nome da Instituição; Morada; Código Postal; Estado;

País, Telefone; Fax; E-mail; Website; Contacto; Link da Exposição e Notas. Embora,

este macro-campo contenha todas estas informações, só serão disponibilizadas ao

público em geral as seguintes: Título da Exposição; Data de Início; Data de Fim;

Descrição; Nome da Instituição e País, sendo as restantes para uso interno da gestão da

Colecção. Neste seguimento, deverão ser mencionadas, nesta categoria, todas as

exposições em que a peça esteve presente.

Os vários campos mencionados poderão ser desmultiplicados, quantas vezes

forem necessários, em função do objecto que se estiver a inventariar, criando deste modo,

um histórico, relativamente a esta chancela. Ou seja, o mesmo objecto poderá ter várias

entradas de exposições, repetindo os campos, apesar de conter informações distintas.

Convém, ainda, salientar que este é um campo indexado, ou seja, no caso de determinada

exposição ter tido mais de um objecto da Colecção patente, o evento será lançado uma

única vez, sendo-lhe associado as obras que figuraram na respectiva mostra.

O décimo quarto macro-campo é relativo à Bibliografia do objecto, sendo que,

para esta categoria de informação seguimos o que ditam as Normas Gerais: “Na

bibliografia de inventário (…) serão apenas referenciadas: obras gerais ou específicas

em que a obra aparece citada; obras gerais ou específicas indispensáveis ao estudo e

referenciação da peça (paralelismos estético-formais, analogias que permitam a

datação ou a atribuição de autor, de fabrico, etc.). Genericamente, não serão incluídas

obras de contextualização.”276. À semelhança de outras categorias, os campos que

compõem a Bibliografia serão inseridos, uma única vez, numa tabela anexa,

constituindo um elenco bibliográfico, a partir do qual se poderá relacionar uma

referência com o objecto a inventariar. Ao seleccionar no campo da Bibliografia uma 275 Saliente-se, que devido à inexistência deste campo no inventário anterior, é-nos completamente impossível, precisar as datas em que as peças foram instaladas nos locais de exposição permanente, acima mencionados. Sendo essa uma informação relativa à gestão da Colecção, mas que não foi salvaguardada, ao longo dos tempos, assumimos que a Data agora registada corresponde à data de preenchimento da ficha, de forma a não incorremos em imprecisões temporais. Contudo, com a criação desta nova ficha de inventário, e do subsequente Sistema de Inventário e Gestão, essa informação, passará a ser introduzida, bem como, todas as suas movimentações, internas ou externas, possibilitando criar “históricos” de localização das peças. 276 AA.VV. – Normas de Inventário. Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas (2000), p. 65.

Page 136: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

126

entrada de tabela já existente, dever-se-á, apenas, especificar a(s) página(s) onde se faz

referência à peça em causa, fazendo uma distinção entre a informação textual e a

imagem gráfica e/ou visual.

A categoria de informação intitulada Notas comporta dois tipos de campos:

Notas Públicas e Notas Privadas. Sendo ambos de texto, no primeiro dever-se-á registar

informações de carácter adicional, que por qualquer motivo não ficaram contempladas

nos campos precedentes, ou observações suplementares que o inventariante considere

relevantes e que possam estar ao dispor do público em geral; no segundo poderão ser

incluídas informações de carácter privado, que dizem respeito, apenas, à entidade que

tutela e coordena a Colecção.

Quanto às últimas categorias, designadamente, a Informação do Registo e a

Actualização, já não são relativas ao objecto a inventariar, mas sim à validação da

informação registada. Contemplando os campos: Responsável e Data, são de

preenchimento obrigatório, identificando quem preenche ou actualiza a ficha da peça.

Tal como acontece, noutras categorias, a data na qual é criado o registo do objecto no

sistema de inventário emprega as datas do sistema operativo em utilização, de forma a

evitar enganos de digitação.

4. Azulejaria in situ: Quinta e Palácio da Bacalhôa

A inventariação de peças musealizadas, retiradas da sua integração

arquitectónica originária, cerâmicas de revestimento ou de aplicação arquitectónica, foi

sistematizada nas Normas de Inventário, editadas em 1999, pelo antigo Instituto

Português de Museus, tentando dar uma solução estruturada e completa à multiplicidade

dos objectos que revestem os edifícios e monumentos, desde o padrão às composições

narrativas, passando pelas placas cerâmicas, telhas ou outros elementos cerâmicos da

arquitectura. Todavia, o património integrado, isto é, aqueles bens culturais que ainda

fazem parte dos imóveis, ou lhes estão fisicamente adstritos, designadamente as pinturas

murais, os revestimentos azulejares, os cadeirais e arcazes das igrejas, os altares, os

tectos em caixotões e respectivas pinturas, os elementos decorativos sobre estuque e em

pedra, os órgãos e os vitrais, entre outros, continuam até hoje, dez anos passados, sem

uma estrutura formal de inventariação e classificação.

Page 137: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

127

Também em 1999 foram editadas, pelo mesmo Instituto, as Normas de

Inventário dirigidas especificamente para a categoria de Cerâmica de Revestimento,

documento onde ficou registado, pelo Paulo Henriques, então Director do Museu

Nacional do Azulejo, a importância da existência de um instrumento normalizado,

afirmando que “(…) deverá o Museu Nacional do Azulejo ponderar um sistema de

inventariação de revestimentos cerâmicos in situ antigos e contemporâneos que, com

excessiva frequência, são alvo de destruição e roubo.”277. Quatro anos depois, o mesmo

responsável, volta a frisar publicamente, que o Museu Nacional do Azulejo continua a

considerar a elaboração de uma ficha de inventariação para a Azulejaria in situ,

persistindo na “(…) procura de uma solução eficaz para colocar à disposição de

autarquias e instituições que possuam pessoal técnico capaz de preencher estas fichas

de inventário de Azulejo in situ, garantindo-se deste modo o seu melhor estudo e

conhecimento, com a sua consequente valorização e salvaguarda.”278.

Na verdade o património integrado, e particularmente o revestimento azulejar,

urge ser registado e documentado, permitindo tal procedimento construir um quadro

geral do estado de conservação dos conjuntos de azulejo aplicados nas arquitecturas,

evitando a sua grande delapidação por destruição, vandalismo e furto, muito usual neste

tipo de património. Podemos mesmo afirmar que a primeira medida de conservação do

um bem patrimonial é dar-lhe uma existência através de um documento, seja uma

simples ficha de levantamento, ou uma ficha sistemática de inventariação. Possuindo,

actualmente, os bens móveis uma estrutura formal de identificação, nos quais se inclui

as peças de azulejaria musealizadas, é urgente a inventariação do Azulejo em Portugal

entendido, em sentido lato, como Bem Imóvel, ou Património Integrado, assim

classificado por estar fixo numa superfície parietal e ser parte indispensável das

funcionalidades prática, estética e simbólica do edifício que integra, com frequência

compondo o próprio espaço e transportando-o de sentidos.

Como refere Paulo Henriques, esta preocupação não é nova, pois “(…) quando

no final da década de 1950, o Engenheiro João Miguel dos Santos Simões organiza

com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian as Brigadas de Azulejaria, designação

que por si só revela a consciência que aquele investigador tinha da extensão e

complexidade de meios humanos e materiais necessários a esta inventariação, ensaia

277 AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes Decorativas (1999), p. 12. 278 HENRIQUES, Paulo – “A Inventariação e Classificação do Património em Azulejo”. in Azulejo 8/11, Instituto Português dos Museus, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 2003, p. 57.

Page 138: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

128

uma metodologia de inventariação que se revelou eficaz na sua planificação de

levantamento e registo.”279. Contudo, persistem em escassear os instrumentos de

inventário para este tipo de património in situ, com excepção feita ao programa in

patrimonium – Gestão Integrada do Património, e à possibilidade de extensão do

programa Matriz.

O primeiro foi desenvolvido pela empresa Sistemas do Futuro, que tem vindo a

incrementar vários programas com base nas normas nacionais e internacionais,

vocacionados para a área da gestão do património, nomeadamente, o in arte (Património

Móvel); o in doc (Património Documental); o in domus (Património Imóvel); o in

memoria (Património Imaterial) e o in natura (Património Natural). O in patrimonium –

Gestão Integrada do Património, permite uma gestão global do património cultural e

vem dar continuidade à linha de produtos, com as mesmas características técnicas,

mesmo tipo de interface e qualidade. Num conceito de gestão global este instrumento

integra numa única aplicação toda a informação existente nos diferentes módulos (in

arte; in doc; in domus; in memoria e in natura), permitindo uma melhor gestão e

integração do património, sendo o único no mercado nacional, que contempla o

património integrado.

Quanto ao programa Matriz – Inventário e Gestão de Colecções Museológicas

desenvolvido pela empresa Softlimits em parceria com o Instituto dos Museus e da

Conservação, e utilizado por mais de uma centena de instituições de referência na protecção

e salvaguarda do património cultural, embora privilegie a abordagem aos objectos de

Cerâmica entendidos como unidades museológicas, poderá segundo os seus autores,

estender-se naturalmente às peças cerâmicas ainda hoje integradas na arquitectura.

Certamente que uma ficha de inventário, para conjuntos conservados nas

arquitecturas, deveria ser sustida de registos gráficos com plantas de localização dos

objectos nos espaços e historiais de propriedade e intervenções realizadas nos edifícios,

elementos primordiais que conjecturam a articulação funcional com as instituições que

tutelam e trabalham com o património edificado como, por exemplo, o IGESPAR –

Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico e o IHRU – Instituto

da Habitação e Reabilitação Urbana, não se esquecendo, pelo passivo histórico que é o

Arquivo Santos Simões, da Fundação Calouste Gulbenkian que, pioneiramente,

apadrinhou a construção do Corpus de referência da nossa Azulejaria.

279 Paulo Henriques (2003), p. 54.

Page 139: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

129

Perante este panorama nacional decidimos, no presente trabalho e relativamente

ao revestimento azulejar da Quinta e Palácio da Bacalhôa, ainda, in situ fazer uma

actualização à ficha de inventário do imóvel com apoio no estudo e investigação

apresentado na primeira parte da dissertação, sendo que, estes exemplares, pertencentes

à mesma tutela são parte integrante da Colecção Berardo.

Tendo por base a ficha da antiga DGEMN – Direcção Geral dos Edifícios e

Monumentos Nacionais280, agora parcialmente integrada no IHRU – Instituto da

Habitação e Reabilitação Urbana, resultante da reestruturação e redenominação do

antigo INH – Instituto Nacional de Habitação, tendo nele sido integrados o IGAPHE –

Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado e parte da própria

DGEMN, acrescentamos e actualizamos a informação patenteada no campo intitulado:

Descrição Complementar relativa à Azulejaria, e adicionamos, no campo das

Observações, o estado de conservação deste património azulejar281.

A actualização destes dois campos permitiu inserir novos parâmetros, tendo em

conta a reunião da seguinte informação: identificação dos conjuntos exemplares mais

significativos do Palácio, jardim e vinha, englobando as diferentes estruturas

arquitectónicas existentes, como sejam, os pátios, alegretes, a Casa da Água, a Casa do

Lago, entre outros; descrição; algumas características técnicas; dimensões, em alguns

casos; registo dos elementos em falta; registo do estado de conservação do revestimento

e do suporte arquitectónico.

No futuro, e de acordo com os possíveis desenvolvimentos referentes à

normalização desta matéria, ambicionamos associar ao Sistema de Inventário e Gestão

da Colecção de Azulejos por nós desenvolvido, uma nova aplicação com fichas

específicas e unitárias para o património integrado, indexando, como é lógico, o

revestimento azulejar ao edifício. Pois, em nossa opinião, estes conjuntos deverão estar

relacionados com a restante Colecção, embora devam ser autonomamente inventariados

porque, in extremis entenda-se que poderão vir a ser retirados do seu contexto, quer por

questões de conservação; furto ou troca de proprietário.

280 Palácio da Quinta da Bacalhôa em Vila Fresca de Azeitão, ficha nº PT031512060005, disponível em: http://extranet.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_B1.aspx. 281 Anexo XXXIX – Ficha de inventário da Quinta e Palácio da Bacalhôa (adaptada).

Page 140: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

130

Capítulo II – Sistema de Inventário e Gestão da Colecção

“Na museologia contemporânea, os sistemas de inventário e os sistemas de gestão

de colecções têm vindo a tornar-se mais complexos e mais exigentes em concordância

com as tarefas cada vez mais especializadas dos museus. A utilização de sistemas

informáticos tem vindo a permitir que tal complexização seja fundamentalmente ónus dos

que concebem os sistemas, desejando-se que o utilizador final tenha um acesso

simplificado, funcional e eficiente. Assim, na concepção de um sistema de inventário

museológico e de gestão de colecções de museu, torna-se necessário um trabalho de

equipe, onde as exigências de uma museologia contemporânea sejam apresentadas por

alguém com formação específica na área e as potencialidades de um sistema informático

sejam desenvolvidas, também, por especialistas.”282

Na verdade, o trabalho de recolha e sistematização dos dados que deverão compor

a informação sobre as colecções tem, obrigatoriamente, de ser feito pelos colaboradores

dos equipamentos museológicos/culturais, e em estreita relação com os informáticos, quer

sejam internos ou externos à instituição. Possuindo a Colecção Berardo, colaboradores

que reúnem valências nas áreas da informática e da museologia, optou-se, no presente

caso, por uma solução desenvolvida internamente, criando um sistema construído de raiz

e capaz de responder com eficácia a todas as exigências colocadas.

Interessou-nos sobremodo a definição do que seria o sistema informático, que

viria a possibilitar o inventário e a gestão continuada da Colecção de Azulejos.

Analisando a oferta de mercado nesta área, constatámos que os produtos existentes,

embora muito desenvolvidos, não respondiam às necessidades específicas da Colecção,

limitando o prosseguimento de algumas tarefas, por nós estabelecidas, e

impossibilitando o cruzamento de alguns campos. O facto de construir um programa

novo, que pudesse alcançar os objectivos de uma melhor investigação e gestão da

Colecção, protege-nos, também, de alguns dos riscos inerentes à aquisição de produtos,

deste tipo, comercializados por terceiros, como seja, a sua sustentabilidade económica e

durabilidade no mercado. Salientando-se, ainda, que por se tratar de uma aplicação

interna tem outro tipo de flexibilidade, sendo possível, a qualquer altura, criar e

282 GOUVEIA, Feliz; LIRA, Sérgio – “Sistema de Inventário e de Gestão de Colecções para o Ecomuseu de Barroso”. in Actas das XVI Jornadas sobre a função social do Museu, Câmara Municipal de Montalegre e Ecomuseu de Barroso, Montalegre, 2006, pp. 95 a 101. Disponível em: http://www2.ufp.pt/~slira/artigos/minom.pdf

Page 141: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

131

modificar as especificações e funcionalidades da mesma, face às necessidades da

Colecção, ou mesmo, face a futuras alterações e actualizações da normalização.

A análise das normas nacionais definidas pelo IMC e utilizadas pelos museus

portugueses, bem como, das internacionais, produzidas pelos diversos organismos mais

referenciados em relação a standards documentais, como o CIDOC, a MDA, ou o

CHIN283, possibilitou a sua posterior utilização, de forma a concebermos uma solução

que as conjugasse e, finalmente, reunir os recursos técnicos para a construção de uma

base de dados e um sistema de gestão da informação, destinados ao registo e

documentação deste património azulejar. Como atrás ficou referido, na criação do

sistema de gestão, tivemos também, em especial consideração, as outras duas vertentes

da normalização documental, a dos conteúdos e a dos procedimentos.

A constituição de um eficaz processo de documentação da Colecção obrigou-nos

a que se pensasse a longo prazo e não nos resultados imediatos.

1. Modelo

O modelo de dados que propomos foi construído tendo em consideração uma

base de dados relacional. A sua organização, assente no modelo relacional, foi

concebida, no pressuposto essencial de que a informação deverá ser estruturada e que

nunca será introduzido, mais do que uma vez, o registo relativo a um objecto,

exposição, documento, ou outros, nas diferentes tabelas, que inevitavelmente serão

criadas para cada um desses aspectos.

Este método de estruturação de dados, em diversas tabelas, que são associadas

logicamente entre si mediante atributos comuns, permite que qualquer registo possa ser

encontrado no Sistema de Inventário e Gestão da Colecção através das relações

existentes entre as diferentes tabelas, tendo como vantagem principal evitar a duplicação

de informação numa só tabela, como acontece no modelo documental284. Nas

tradicionais bases de dados documentais a informação concentra-se, somente, numa

ficha de identificação, não existindo qualquer diferenciação entre as diversas matérias

tratadas. Informação como as referências bibliográficas, os processos de restauro, as

283 Canadian Heritage Information Network, disponível em: www.chin.gc.ca. 284 O modelo documental consiste em bases de dados em que toda a informação é carregada numa só tabela, sem outra estruturação de dados que não a simples definição de campos.

Page 142: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

132

fotografias da colecção, ou as exposições, citando apenas alguns exemplos, são tratados

em campos existentes na própria ficha de inventário dos objectos. Ora, como é de

conhecimento comum, este tipo de situação não é o mais correcto em termos de registo

informático, na medida em que, permite e facilita o erro de introdução, dificulta visões

parciais de informação e impossibilita a pesquisa em muitas situações.

Para responder a este tipo de problemas o OCP – Online Control Panel,

designação por nós atribuída ao Sistema de Inventário e Gestão da Colecção de

Azulejos, foi desenvolvido numa base de dados relacional, ou seja, é uma única base de

dados com diferentes tabelas interligadas entre si, que atenuam a ocorrência de erros na

introdução de dados, minimizam a repetição da informação e facultam o

estabelecimento de relações entre as diversas tabelas (ou se quisermos, as pequenas

bases de dados presentes neste tipo de estrutura) existentes no Sistema.

Arriscando traçar uma “imagem visual” do Sistema, trata-se, basicamente, de uma

estrutura de forma circular onde existe uma parte central relativa aos exemplares azulejares

(objectos museológicos) e à informação directamente relacionada com estes, intrínseca ou

extrinsecamente, e radialmente um sistema de tabelas que por sua vez constituem, em

alguns casos, diferentes bases de dados, ligadas directamente à tabela central (ou base de

dados central), que como mencionámos é referente ao inventário dos objectos.

A ligação destas tabelas processa-se de dois métodos distintos. Um directo, no

qual alguns dos campos existentes no inventário recorrem à informação, previamente,

registada nas tabelas exteriores285, nomeadamente, no caso dos autores, denominação,

estilo, entre outros. Para estes campos é possível um controlo efectivo da informação

através de tabelas auxiliares, carregadas e geridas pela instituição, reunindo informação

que será recuperada a partir do inventário. Como referimos previamente, minimiza-se,

deste modo, o risco de duplicação da informação e, por outro lado, optimizam-se os

níveis de carregamento dos dados. O outro método é indirecto, sendo indispensável a

intervenção do inventariante, para estabelecer, de que forma se deverá efectuar a relação

entre a informação e objecto em presença, tome-se como exemplo a bibliografia de um

painel de azulejos, embora a referência bibliográfica de determinada obra possa já

constar no Sistema associada a outro exemplar, deverá ser feita uma ligação à(s)

página(s) relativa(s) ao bem patrimonial em questão.

285 Ao registo prévio, em tabelas exteriores, apelidamos de indexação.

Page 143: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

133

Todavia, o elemento principal do Sistema de Inventário e Gestão da Colecção é

o registo da informação dos objectos. A sua centralidade e destaque na “imagem

visual”, anteriormente referida, é intencional, remetendo para a importância que foi

dada a esta matéria na construção da estrutura de dados, pois sem o registo da

informação correcta sobre os objectos, dificilmente se poderá gerir uma colecção em

toda a sua amplitude e especificidade.

Concluindo, temos várias bases de dados dentro de uma só, ou melhor, uma base

de dados relacional estruturada de acordo com a normalização nacional e internacional

existente, e criamos uma ferramenta transversal a todo o sistema, que autoriza os

utilizadores a criar e classificar todas as relações e interdependências que entenda

necessárias à boa documentação da Colecção, de forma a obter, através da pesquisa,

toda a informação relativa a um objecto, ou mesmo a qualquer outro aspecto existente

no OCP, como sejam, as exposições, referências bibliográficas, conjuntos, etc.

2. Suporte Técnico

A construção do Sistema de Inventário e Gestão da Colecção de Azulejos, o

OCP, utiliza uma solução online de gestão, sendo que, a plataforma de desenvolvimento

escolhida foi baseada numa estrutura de programação em Script286, a ASP – Active

Server Pages287, criada pela Microsoft.

A estrutura de programação utilizada foi seleccionada, na medida em que possui

diversas vantagens, fundamentais, ao projecto que ambicionávamos, sobretudo, a

independência do utilizador, sendo possível a qualquer utilizador de Internet,

independentemente, do sistema operativo utilizado, aceder a sites ou páginas em ASP, visto

que todo o processamento de informações é feito no servidor; código de programação

protegido, ou seja, os visitantes de sites ou páginas em ASP visualizam, unicamente, os

286 Linguagem de script é uma linguagem de programação realizada do interior de programas e/ou de outras linguagens de programação, não se limitando a esses ambientes. As linguagens de script servem para estender a funcionalidade de um programa e/ou controlá-lo, através da API – Application Programming Interface (ou Interface de Programação de Aplicativos). 287 A ASP – Active Server Pages (ou Páginas Activas de Servidor) é uma estrutura de programação em script que se serve da VBScript, JScript, PerlScript ou Python processadas pelo servidor para a criação de conteúdos dinâmicos na web (World Wide Web). Com o objectivo de facultar a produção de páginas e aplicações web activas, proporciona uma maior interacção com o utilizador. Esta estrutura de programação funciona, naturalmente, em servidores Windows, através do serviço IIS (Internet Information Service) – o servidor web da Microsoft, ou do PWS (Personal Web Server) em ambientes com Windows NT/2000, possuindo, ainda, a vantagem de correr noutras plataformas, como o Linux.

Page 144: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

134

resultados do processamento em páginas HTML288, o que impede que o código de

programação seja visualizado; e o bom funcionamento na visualização e manipulação de

informações em bases de dados que suportam OBDC – Open Data Base Connectivity.

A solução informática da OCP, realizada por um técnico interno da Colecção

Berardo289, funciona online com a base de dados assente, temporariamente, em

Microsoft Office Access290. Assim que o seu desenvolvimento atinja uma maturação

razoável, a mesma será então migrada para MySQL, que é um sistema de gestão de

bases de dados (SGBD - Sistema Gestor de Base de Dados), que utiliza a linguagem

SQL – Structured Query Language (ou Linguagem de Consulta Estruturada) como

interface291. Todavia, actualmente, a aplicação obtida, oferece já um interface de

trabalho bastante amigável, coerente e eficaz, caracterizando-se, ainda, pela facilidade

de utilização, que será mantida, aquando da futura migração.

Relativamente, à escolha de uma solução de gestão online prende-se com vários

aspectos. Em nosso entender, consegue ser a mais eficaz, podendo assim ser acedida por

qualquer um dos colaboradores da Colecção, em qualquer lugar com acesso à Internet e

em simultâneo, servindo igualmente de fonte para o site geral da Colecção Berardo292 e

para o futuro Museu Virtual (ao nível do inventário), não existindo deste modo, a

necessidade de duplicação da informação. Ao optar por uma solução online

dispensamos de igual forma da instalação de software específico nas máquinas, uma vez

que o acesso faz-se usando apenas um browser de Internet293 (Internet Explorer ou

Mozilla Firefox), e todas as actualizações são realizadas a nível de servidor, estando de

288 HTML – Hyper Text Markup Language, é um conjunto de códigos ou descrições usados na construção de páginas de Internet. 289 O informático responsável por este projecto é o Hugo Martins, actualmente, developer na Colecção Berardo, e detentor de uma larga experiência na área da programação. 290 O Microsoft Office Access é um sistema relacional de administração de bases de dados da Microsoft, que combina o Microsoft Jet Database Engine com um interface gráfico do utilizador (graphical user interface). Permite o desenvolvimento rápido de aplicações que envolvam a modelação e estrutura de dados. 291 O MySQL é actualmente uma das bases de dados mais utilizadas internacionalmente, com mais de 10 milhões de instalações pelo mundo. Entre os utilizadores do MySQL estão instituições como: NASA, U.S. Army, US. Federal Reserve Bank, Friendster, Banco Bradesco, Lufthansa, Associated Press, entre outros. 292 Independentemente, da criação do futuro Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo, existe e continuará a existir o site geral do “universo” da Colecção Berardo, incluindo todas as colecções integrantes, disponível em www.berardocollection.com. De momento, apenas, a de Arte Moderna e Contemporânea possui um inventário, relativamente desenvolvido, embora não tão completo, como o que aqui propomos. No entanto, faz parte dos objectivos da tutela, com base no presente trabalho, criar sistemas de inventário e gestão para as restantes colecções, respeitando como é claro, as especificidades de cada uma delas, para que essa informação possa integrar o referido site, sendo que por agora, o que existe é, somente, uma breve apresentação das colecções, associado a um número de inventário e à fotografia dos objectos. 293 O browser de Internet é um programa de computador que habilita os seus utilizadores a interagirem com documentos virtuais da Internet, também conhecidos como páginas HTML, que estão hospedadas num servidor web.

Page 145: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

135

imediato disponíveis para os utilizadores. Assim, os utilizadores serão tantos quantos se

desejar, sem necessidade de nenhuma instalação específica, e podendo aceder ao

sistema de onde estiverem. Deste modo, a coordenação da Colecção pode multiplicar

livremente os pontos de acesso internos e externos294, transformando o sistema num

efectivo portador de informação cultural e científica a todo o universo da rede.

Falta, finalmente, referir que do ponto de vista formal, apesar de se estruturarem

categorias de informação distintas e separadas entre si, existem aspectos comuns que

importa reter sobre esta estrutura de dados. Em primeiro lugar, todas as categorias de

informação têm os formatos dos campos utilizados normalizados, ou seja, ao campo de

texto utilizado na descrição, por exemplo, correspondem as mesmas características (em

termos de tamanho e formatação) dos campos semelhantes encontrados nas restantes

categorias de informação propostas. Esta normalização foi, também, tida em conta na

criação da base de dados, sendo extensível aos campos de texto das tabelas auxiliares.

Dentro deste âmbito, importa ainda mencionar que os campos de informação

podem assumir uma de quatro tipologias principais: campo de texto livre, campo de

conteúdo seleccionado de uma lista pré-definida, campo alfanumérico (datas, dimensões,

identificador de módulos, valores, entre outros) ou, campo de inserção de um ficheiro

autónomo (imagens fixas, imagens em movimento, documentos, gráficos, entre outros).

3. Funcionalidades

Constituído por bases de dados intercomunicantes, visando o Inventário e a Gestão,

este Sistema é um instrumento global de Gestão e Documentação da Colecção de Azulejos,

que tanto permite o carregamento de fichas de inventário, como o proveito dos dados

inseridos, para auxílio à realização de outras actividades museológicas, que envolvem o

manuseamento e a movimentação dos exemplares dentro e fora da Colecção Berardo.

Quanto à tarefa de inventário foi já explicada no capítulo anterior, sendo que no

Ambiente de Trabalho do Sistema OCP – Online Control Panel, iremos complementar a

informação em falta, relativa à sua apresentação gráfica, aludindo para algumas normas

de preenchimento. Agora, neste ponto, reportar-nos-emos à função de gestão e

documentação do espólio, embora de forma sucinta, visto estar directamente aliançado

294 Em relação aos utilizadores externos, falaremos mais adiante.

Page 146: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

136

ao modelo relacional, seleccionado para o desenvolvimento da presente aplicação e,

anteriormente, exposto.

Este módulo, se assim o quisermos apelidar, permite o registo e gestão de todas

as circunstâncias associadas aos processos de circulação dos objectos, designadamente

exposições temporárias, rotação de exemplares nas exposições permanentes,

organização de reservas, acções de conservação preventiva e restauro, entre outros.

Dentro desta tarefa, e associados às movimentações dos objectos, serão, também,

registadas as informações relativas aos contratos de seguro.

O grupo de tarefas referente à documentação permite, sempre com base na estrutura

relacional, o registo de toda a documentação relacionada com os bens patrimoniais

inventariados, bem como, com outras tarefas presentes na aplicação, como por exemplo,

uma ficha de exposição. Neste caso, para além do Sistema autorizar o registo da referência

de um determinado objecto presente num catálogo de uma dada exposição, permite,

também, associar a ficha bibliográfica desse catálogo com a ficha da exposição a que ele se

refere. Assim teremos a exposição relacionada com o catálogo que a acompanha, e com

todos os objectos, que se encontram representados nesse catálogo.

Importa referir que as conexões, acima descritas, só poderão ser estabelecidas,

após a inventariação no Sistema, quer do objecto, quer do documento que lhe está

associado. Ainda, no âmbito das relações, estas poderão ser de dois tipos, por um lado

as relações pré-existentes que o inventariante deve registar, visando a conservação da

memória; por outro, as relações resultantes da interpretação realizada pela própria tutela

ou fruto de investigações e estudos realizados por especialistas. Na primeira tipologia de

relação, temos o exemplo, da documentação associada à incorporação, designadamente,

facturas, cópias de cheques, comprovativos de transferência, recibos, entre outros. Neste

caso, aquando da entrada formal do objecto na Colecção, a documentação associada era

já existente, tratando-se pois, de uma relação pré-existente. Assim, cada documento é

inventariado por si próprio, estabelecendo, posteriormente, relações entre eles e com o

objecto em questão. Na segunda tipologia, podemos apontar como exemplo, a

descoberta, por via da investigação, de uma gravura, que inspirou determinado painel de

azulejos pertencente à Colecção Berardo. Este tipo de informação gráfica deverá ser

associado ao painel, como documentação histórica, sendo resultado de uma

interpretação posterior à sua incorporação.

É, também, no domínio da gestão, que o Sistema permite registar a circunstância e

criar uma lista de objectos associados cujos dados do inventário podem ser transferidos

Page 147: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

137

automaticamente. Esta situação verifica-se, por exemplo, no caso dos Conjuntos.

Primeiramente, o inventariante cria o conjunto, intitula-o e descreve-o, associando, à

posteriori, os objectos relacionados, designados por elementos do conjunto.

As funcionalidades do Sistema de Inventário e Gestão possibilitam, deste modo, reter,

ordenar e fornecer informação, facultando o cruzamento dos dados introduzidos, ou seja,

características fundamentais para uma gestão completa e eficaz da Colecção de Azulejos.

4. Segurança

A segurança do Sistema estabelece-se a dois níveis: a segurança da informação,

propriamente dita, e a segurança dos utilizadores.

Relativamente à segurança da aplicação e da informação introduzida está

contemplada pela existência de dois servidores, em locais distintos do território

nacional. Contudo, tratando-se de uma solução web, a segurança é redobrada, sendo o

seu alojamento fornecido pela madbug.com, uma empresa especializada na área, e que

mantém o seu normal funcionamento num servidor fixo, no Reino Unido. A escolha

desta localização geográfica deve-se à optimização da disponibilidade para utilizadores

europeus, evitando deste modo, transferências transatlânticas.

Quanto aos utilizadores e às diferentes utilizações que um Sistema desta natureza

deve responder, definimos vários privilégios para dar solução a diversas necessidades

nomeadamente, e por razões de segurança, impedir a corrupção de dados vitais para o

seu correcto funcionamento. Deste modo distinguimos, inicialmente, dois tipos de

utilizadores: os internos à Colecção Berardo e os externos.

Dentro dos internos identificamos três perfis-tipo de utilizadores com privilégios

distintos, a saber: a administração do sistema, que tem acesso a funções de

administração, podendo para além de ler e alterar as fichas existentes, apagar registos e

alterar as permissões dos outros utilizadores; a gestão que tem autorização para fazer

tudo sem restrições, podendo inserir, ler, alterar e eliminar as fichas sem limitação, e

pode também, gerir as tabelas auxiliares, fazendo uso da introdução, alteração e

eliminação de elementos dessas tabelas; e o inventário, que permite inserir e ler sem

restrição, mas só pode alterar e eliminar as fichas que tenha criado com o seu login

pessoal, podendo ainda, introduzir dados nas tabelas auxiliares. Importa referir que o

Sistema reconhece estes três níveis, mediante um acesso realizado, em qualquer dos

Page 148: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

138

casos, com o nome do utilizador e uma palavra-chave. Para os utilizadores internos não

há informações restritas, sendo que, as limitações só se verificam ao nível da alteração

ou inserção de dados, eliminação e criação de fichas.

Para os utilizadores externos identificamos dois tipos: o investigador e o público em

geral. Para o primeiro foram consagrados privilégios especiais no que respeita à precisão da

informação histórica e científica, podendo aceder às informações disponíveis, com as

limitações que o administrador do Sistema considerar necessário impor e através do nome

de utilizador e palavra-chave que lhe seja atribuído. Neste sentido, informações

confidenciais, como por exemplo, valores de aquisição, seguro ou notas privadas, não

estarão disponíveis. Dispondo, apenas, do modo de pesquisa, contrariamente ao que

acontece aos utilizadores internos, este tipo de utilizador terá critérios limitados, estando

impedido de pesquisar determinados campos, ainda que, tratando-se de um utilizador que

acede ao Sistema com intenções de investigação, este tipo de restrição será unicamente

reduzido ao essencial. Quanto ao segundo tipo de utilizador externo, o público em geral,

foram reconhecidos menos privilégios do que ao investigador. Sem necessidade de login,

tem à sua disposição um modo simplificado de pesquisa de informação, onde os campos

disponíveis e os valores introduzidos nos próprios campos estarão muito limitados.

5. Pesquisa e Exportação

A consulta da informação reunida no Sistema é assegurada através da Pesquisa,

que dirige o utilizador, interno, para a estrutura da ficha de inventário, onde todos os

campos são pesquisáveis. Actualmente, dentro desta função, está apenas disponível uma

pesquisa simples, por uma só palavra ou frase. Todavia, no futuro, serão implementadas

novas funcionalidades como pesquisas avançadas, multi-campo e múltiplas palavras-

chave, assim, esta função, permitirá determinar cruzamentos mais complexos dos

campos existentes, combinando diversos critérios de Pesquisa com total fiabilidade e

sucesso de resultados. Associada a esta função, existirá, também, a possibilidade de

observar, simultaneamente, diferentes imagens de um ou mais objectos, mediante o

Álbuns de Imagens. Fazemos aqui, uma chamada de atenção, relativa à integração de

dados e fotografias no Sistema, sendo a mesma feita através da Digital Lightbox (banco

de imagens da Colecção Berardo), que é mantida e constantemente actualizada pelo

fotógrafo interno da Colecção.

Page 149: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

139

No modo de pesquisa, o Sistema cede listagens de campos que correspondem ao

requerido, podendo o utilizador pesquisar por qualquer campo, indicando ou não,

valores de pesquisa para os campos seleccionados. Os resultados obtidos, em forma de

texto ou listagem, poderão ser exportados para diversos formatos, nomeadamente,

CSV295, Word, Excel e PDF.

A opção Exportar além de servir para fazer exportações dos dados obtidos em

determinada pesquisa efectuada, serve, também, para exportar fichas completas de

inventário296, listagens de referências bibliográficas, localizações, exposições, autores,

entre outros, para as aplicações, anteriormente referidas, de modo a que a informação

possa ser tratada de outra forma.

6. Actualização e Históricos

Após o inventário dos objectos e registo das suas relações, o processo não se

encontra concluído, pois a qualquer momento é possível enriquecer este tipo de

informação, salientando que o mesmo poderá acontecer na sequência de novos dados

e/ou relações fruto de investigações realizadas posteriormente, ou fruto dos próprios

objectos. Não sendo, estes últimos, entidades absolutamente duráveis, sofrem

deterioração natural ou humana, intervenções de conservação ou restauro, são utilizados

em exposições temporárias ou emprestados a outras instituições, são alvo de actuações

administrativas ou contratuais (preenchimento de uma ficha de empréstimo ou a

realização de uma apólice de seguro, por exemplo), ou em última estância, podem até

ser abatidos ao inventário por razões fundamentadas.

Assim, a presente estrutura da base de dados contém tabelas e campos

necessários para o registo do maior número de informação possível, considerando

alguns princípios fundamentais, como o histórico da informação ou a necessidade de

criação de mais do que um registo em determinadas categorias de informação. Um dos

casos mais elucidativos da importância dos históricos é o estado de conservação, este

tipo de informação relativa à condição do objecto, nunca deverá ser perdida, quer seja

295 O CSV (Comma-separated values) é um formato de arquivo que armazena dados tabelados, separados por um delimitador, que usa a vírgula e a quebra de linha para separar os valores. O formato usa, também, as aspas em campos nos quais são usados os caracteres reservados (vírgula e quebra de linha). Essa força no formato torna o CSV mais amplo, que outros formatos digitais do mesmo segmento. 296 Idênticas às que dão corpo ao Volume III da presente dissertação.

Page 150: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

140

em detrimento da introdução de um novo estado de conservação, quer seja ocasionado

por um restauro. À semelhança do que acontece com a categoria de informação estado

de conservação, a importância da possibilidade de registar distintas localizações para

um só objecto é determinante nesta categoria. O historial dos locais pelos quais passam

os objectos fica registado neste grupo de informação devido a essa capacidade, através

da qual podemos inserir um novo registo de localização, sem perder qualquer

informação dos registos anteriores. O Sistema, ao encontro desta necessidade, não

conhece apenas os objectos inventariados, mas permite, também, registar e actualizar as

acções de que foram alvo, conservando a memória de todos esses registos.

O princípio, que aqui alvitramos, é neste tipo de bases de dados, de gestão de

colecções, imprescindível, sendo esta uma das razões apontadas na impossibilidade de

utilizar bases de dados documentais, ou que recorrem apenas a uma tabela, visto que os

exemplos acima referidos, o estado de conservação e a localização, a par de muitos

outros, implicam uma prática assente neste pressuposto.

A presença de diferentes registos respeitantes ao mesmo objecto, em cada

categoria de informação, perfazendo um “histórico de registos” só é possível, no

Sistema desenvolvido, devido à utilização de tabelas independentes, interligadas aos

objectos, que permitem a existência das relações de um número infinito de registos em

qualquer categoria, para apenas um registo de inventário, ou seja, várias localizações,

vários estados de conservação (com datas diferenciadas), para o mesmo objecto.

Assegurado este princípio, importa referir, que este esquema de organização consente

uma evolução da estrutura de dados sem os condicionalismos existentes noutros

sistemas. Se a um dado momento, houver alteração das normas em vigor, podem ser

acrescentadas, ou eliminadas, categorias de informação sem prejuízo para o

funcionamento da restante base de dados, melhorando assim a execução do Sistema no

inventário e registo de objectos, bem como, a gestão da Colecção.

7. Ambiente de Trabalho do Sistema OCP – Online Control Panel

Para iniciar a sessão de trabalho com o OCP, o utilizador tem quer ter acesso,

obrigatório, à Internet, independentemente, do sistema operativo utilizado. Como atrás

ficou referido, a opção por uma solução em ambiente online dispensa a instalação de

software específico, sendo o acesso feito através de um browser de Internet, no seguinte

Page 151: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

141

endereço: www.berardocollection.com/ocp/dev101. Por motivos axiomáticos, a

primeira página do OCP é relativa ao login, assim, mediante o registo do utilizador e da

sua palavra-chave, dá-se entrada no sistema (Fig. 1).

Apresentaremos agora o ambiente de trabalho do OCP, onde estão disponíveis,

todas as opções desta aplicação informática, que serão ilustradas, e brevemente

descritas, dado que os seus conteúdos foram já abordados anteriormente.

Ao entrar no sistema, deparámo-nos com uma tabela, que ocupa cerca de 75% do

ecrã (Fig. 2). Distribuída por sete páginas, esta tabela contém os 609 objectos que

compõem, actualmente, a Colecção de Azulejos, sendo que por cada página são

apresentados 100 exemplares, os quais podemos visualizar recorrendo ao scroll. Nesta

primeira tabela surgem alguns elementos identificativos dos objectos de forma a tornar mais

fácil a sua pesquisa, embora, seja também possível, fazê-la na área superior do ecrã, estando

designada em inglês, por search. Os elementos identificativos, organizados

horizontalmente, são: a Imagem do Objecto; Número de Inventário (designado por work

ID); Título Descritivo; Título de Autor; Período e Século de fabrico. No seguimento da

mesma linha, apresentam-se quatro ícones, informaticamente normalizados, que

possibilitam, visualizar, editar, copiar e eliminar a ficha de inventário. Ainda, no

prolongamento horizontal da tabela, é possível aceder a tabelas auxiliares de gestão da

Colecção, nomeadamente: Localização; Restauro; Conservação e Documentos Associados.

Fig. 1

Page 152: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

142

Na primeira página, do lado superior esquerdo, surge uma listagem constante, ao

longo de toda a aplicação, com outras tabelas auxiliares à gestão e inventário da

Colecção, estando, também, incluído o elenco de índices.

Ao clicar no ícone “editar”, no ecrã principal, surgirá a ficha de inventário, onde

poderão ser inseridos os dados de um novo objecto, ou actualizadas as informações de um

outro, já inventariado. O ecrã de ficha de inventário é constituído por sete separadores, que

agrupam os dados em grandes áreas temáticas: Identificação da Peça (Fig. 3); Autoria e

Fabrico (Fig. 4); Historial (Fig. 5); Dimensões (Fig. 6); Incorporação (Fig. 7); Notas (Fig. 8)

e Registo (Fig. 9). Ao activar qualquer um dos separadores surgirá uma lista de campos,

sendo que, os de preenchimento obrigatório estão assinalados com um asterisco encarnado.

Os restantes campos são facultativos e visam o registo de informação destinada a uma

melhor caracterização do objecto e posterior consulta. Como ficou referido, alguns dos

campos patenteados na ficha de inventário encontram-se indexados, assim, ao clicar na seta

de sentido descendente, abrir-se-á uma janela, com uma listagem terminológica predefinida,

da qual o inventariante deverá seleccionar, mediante as características do objecto em

presença, a opção ajustada. Depois de preenchidos os campos que integram os sete

separadores, o utilizador deverá clicar no “edit”, para guardar a informação processada. No

caso, dos campos assinalados como obrigatórios, não se encontrarem preenchidos, surgirá

uma mensagem de erro, indicando qual o campo cujo preenchimento está em falta, sendo o

inventariante remetido para esse mesmo campo.

Fig. 2 – Tabela de entrada no Sistema

Page 153: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

143

Fig. 3 – Separador: Identificação da Peça

Page 154: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

144

Fig. 4 – Separador: Autoria e Fabrico

Page 155: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

145

Fig. 6 – Separador: Dimensões

Fig. 5 – Separador: Historial

Page 156: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

146

Fig. 7 – Separador: Incorporação

Fig. 8 – Separador: Notas

Page 157: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

147

Terminada a inserção dos dados nos primeiros separadores, voltamos ao ecrã

inicial, onde serão preenchidos outros campos de inventário, que se dividem em sub-

campos, possibilitando, igualmente, a gestão do próprio espólio. Seguindo, pela ordem

de apresentação, temos: a Localização, área que nos permite construir uma lista com as

diferentes localizações do objecto ao longo do tempo, correspondendo a entrada mais

recente da lista, à sua localização actual (Fig. 10 e 11); o Restauro, área que faculta,

também, a formação de um histórico com as intervenções de conservação e restauro,

que o objecto vai sofrendo (Fig. 12 e 13); a Conservação, que analogamente, aos

campos anteriores possibilita a criação de históricos, contemplando sub-campos como a

“condição”, estado de conservação em que o objecto se encontra, devendo ser

preenchido a partir de uma lista predefinida e que auxilia o utilizador a atribuir o estado

actual, embora tenha sido considerado um campo para notas mais específicas (Fig. 14 e

15); e finalmente, os Documentos Associados, área onde pode ser registado qualquer

tipo de documentação relacionada com a peça, desde relatórios de conservação e

restauro, a facturas de incorporação, pedidos de empréstimos, entre outros, listando uma

série de documentos de diferentes tipologias, nomeadamente, administrativos, históricos

e/ou financeiros (Fig. 16 e 17). Importa, salientar, que esta documentação fica associada

ao objecto através do preenchimento dos sub-campos identificativos do documento

Fig. 9 – Separador: Registo

Page 158: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

148

(controle intelectual), bem como, pela cópia que constará na aplicação (controle físico),

sendo este último, um requisito obrigatório deste campo.

Fig. 10 – Localização (página inicial)

Fig. 11 – Localização (campo por preencher)

Page 159: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

149

Fig. 13 – Restauro (campo por preencher)

Fig. 12 – Restauro (página inicial)

Page 160: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

150

Fig. 14 – Conservação (página inicial)

Fig. 15 – Conservação (campo por preencher)

Page 161: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

151

Fig. 16 – Documentos Associados (página inicial)

Fig. 17 – Documentos Associados (campo por preencher)

Page 162: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

152

Fazem, ainda, parte do inventário quatro categorias de informação, patenteadas no

lado superior esquerdo do ecrã, designadamente: Exposições (Fig. 18 a 22) Bibliografia

(Fig. 23 a 26); Seguros (Fig. 27 e 28) e Conjuntos (Fig. 29 a 33). Na primeira categoria

deverão ser mencionadas todas as exposições em que a peça esteve presente, onde o

inventariante poderá identificar, mediante uma lista, a exposição, ou exposições,

relacionadas com a peça referenciada. No caso de determinada exposição não se encontrar

listada, o utilizador, terá de criar uma ficha de exposição, preenchendo o conjunto de

campos correspondentes. As categorias de informação intituladas de Bibliografia e

Seguros têm um funcionamento idêntico à categoria anterior. A primeira deve conter

referências bibliográficas de obras relacionadas com o objecto a inventariar, e a segunda

as diferentes apólices estabelecidas para a Colecção. Relativamente aos Conjuntos, o

procedimento é semelhante; são criados vários conjuntos, aos quais são atribuídas

designações e descrições, constituindo deste modo uma listagem, à qual o utilizador

deverá recorrer, quando necessitar de associar um novo Elemento do Conjunto.

Fig. 18 – Exposições (página inicial)

Page 163: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

153

Fig. 19 – Exposições (campo por preencher)

Fig. 20 – Exposições (campo preenchido)

Page 164: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

154

Fig. 21 – Exposições (listagem de objectos associados a uma exposição)

Fig. 22 – Exposições (associação de um objecto a uma exposição)

Page 165: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

155

Fig. 23 – Bibliografia (página inicial)

Fig. 24 – Bibliografia (campo por preencher)

Page 166: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

156

Fig. 26 – Bibliografia (associação de um objecto a uma referência bibliográfica)

Fig. 25 – Bibliografia (listagem de objectos associados a uma referência bibliográfica)

Page 167: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

157

Fig. 28 – Seguros (campo por preencher)

Fig. 27 – Seguros (página inicial)

Page 168: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

158

Fig. 30 – Conjuntos (campo por preencher)

Fig. 29 – Conjuntos (página inicial)

Page 169: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

159

Fig. 32 – Conjuntos (listagem de objectos pertencentes a um conjunto)

Fig. 31 – Conjuntos (campo preenchido)

Page 170: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

160

Ao clicar na opção “Indexes” (Fig. 34), patenteada na lista do lado esquerdo do

ecrã, o utilizador tem acesso a todos os campos indexados, ou seja, aos ecrãs de gestão

de tabelas auxiliares da aplicação (tabelas de: Tipos de Imagem; Tipos de Suporte;

Tipos de Documentos; Tipos de Módulo; Cor; Técnicas; Estilo (Fig. 35 e 36);

Denominações; Outras Denominações; Condições de Conservação; Modalidades de

Incorporação; Propriedade; Períodos; Século; Super-Categorias; Categorias; Sub-

Categorias; Países e Nacionalidades). A única categoria de informação, também,

indexada, mas que não está nesta listagem, é os Autores (Fig. 37 a 39), tendo-se

considerado que a localização mais apropriada era no ecrã principal, dada a sua

pertinência na consulta interna. Esta última categoria é constituída pelos seguintes

campos: Apelido; Nome; Nacionalidade; Biografia (texto livre); Ano de Nascimento e

Ano de Morte, sendo o Apelido e a Nacionalidade de preenchimento obrigatório. No

caso dos autores desconhecidos, no primeiro campo obrigatório deverá constar

“Desconhecido”, e no segundo “n/a” (não atribuído).

Importa, ainda, salientar que todos os campos do OCP são bilingues, razão pela

qual, à designação dos mesmos, sucede entre parêntesis curvo, a indicação do idioma,

português (pt) e inglês (en).

Fig. 33 – Conjuntos (associação de um objecto a um conjunto)

Page 171: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

161

Por razões de segurança, ao sair da aplicação, o inventariante deverá utilizar,

sempre, a opção de logout, localizada no ecrã principal.

Fig. 34 – Tabela de entrada no Sistema com listagem de Indexes

Fig. 35 – Listagem com a indexação de Estilos

Page 172: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

162

Fig. 36 – Estilos (campo por preencher)

Fig. 37 – Listagem com a indexação de Autores

Page 173: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

163

Fig. 38 – Autores (campo por preencher)

Fig. 39 – Autores (campo preenchido)

Page 174: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

164

PARTE III – Museus Virtuais. Uma proposta para a Colecção de Azulejos

Capítulo I – Internet e Museus

A adaptação às novas formas de divulgação da informação e do conhecimento é

fundamental para os museus, como forma de responder satisfatoriamente às sociedades de

informação actuais, entre as quais se distinguem os produtos multimédia e mais

concretamente a Internet, indo ao encontro de soluções viáveis que atenuem a distância

entre as instituições e o exterior, sobretudo junto do público mais jovem. As ferramentas

originárias dos avanços tecnológicos têm extensíssimos potenciais ao nível pedagógico297.

A Internet é o meio de divulgação e comunicação que liga computadores em

todo o mundo através de uma rede telefónica global, entre dígitos electrónicos. No

início dos anos noventa do século XX foi concebida a primeira página ilustrada na

Internet, que já permitia a ligação a outras páginas através de hiperligações entre

códigos simples e editáveis.

A tecnologia digital desenvolveu-se de tal forma, que hoje está presente em

muitos actos do nosso quotidiano. Transversal a todas as áreas, esta evolução, alterou

também a imagem das instituições museológicas, que se tornaram mais ambiciosas. É

em meados da década de noventa, que a Museologia passa a ter uma nova realidade, a

virtual. Os museus, como qualquer instituição, passaram a estar presentes na Internet.

O impacto da Internet nas nossas vidas é inquestionável. O crescimento

constante de websites é notável e cada vez mais exigente, conjugando a utilização de

imagens gráficas, fotografias, sons, vídeos e animações. Impulsionando o acesso ao

museu de um público distinto, que habitualmente não era seu, o espaço virtual ganha

cada vez mais importância no nosso quotidiano. Na web, não há limitação de espaço

expositivo, a informação encontra-se presente sob diversas formas e compete ao usuário

manuseá-la, endereçá-la consoante os seus interesses, a partir de qualquer lugar, durante

24 horas por dia, escolhendo o tipo de informação que lhe interessa receber.

297 Como refere Maria de Lourdes Lima dos Santos, antiga investigadora coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Presidente do Observatório das Actividades Culturais, jubilada desde Novembro de 2007, assistimos à “(…) emergência de transformações que envolvem novas estratégias por parte dos agentes implicados (…) trata-se da passagem de uma cultura em que o analógico e o impresso eram dominantes para uma cultura predominantemente digital, o que, noutros termos significa passar de uma filosofia centrada no produto para uma filosofia de serviço (…)” in SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos (Editorial) – Publicação quadrimestral do Observatório das Actividades Culturais, nº 3. Março, 1998, p. 3.

Page 175: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

165

A primeira conferência relativa ao uso da hipermédia298 e da interactividade nos

museus teve lugar em Pittsburgh, na Pensilvânia, em 1991. A partir dessa altura a

International Conference on Hypermedia and Interactivity in Museums299 tem realizado

conferências bianuais, nos Estados Unidos e na Europa, visando a discussão das novas

tecnologias nos museus. Também, no sentido de promover o potencial multimédia

interactiva nos programas do Museu, tem sido, fundamental, o papel do MDA –

Museum Documentation Association300, tendo organizado em Cambridge um congresso

sobre Museus e Interactividade, em 1993.

Relativamente ao ICOM – International Council of Museums, não existe

nenhum comité específico, que trate das questões inerentes à Internet e interactividade

nos museus. Embora o AVICOM – International Committee for Audiovisual and New

Image and Sound Technologies, criado em Junho de 1991, compreenda dois grupos de

trabalho, dedicando-se um deles ao multimédia (cinema, vídeo, multimédia e Internet),

criado em 1992, durante um encontro do ICOM no Quebec, um grupo de trabalho

específico sobre o uso da Internet, estando, o mesmo, adstrito ao CIDOC –

International Committee for Documentation.

Em 1996, o grupo de trabalho finalizou um documento sobre o uso da

multimédia nos museus, que havia começado um ano antes, durante um encontro na

Noruega. No entanto, o documento elaborado aborda, muito mais, as questões relativas

à multimédia e a preservação do património através das novas tecnologias nos museus,

do que propriamente o uso da Internet nos mesmos301.

Um ano mais tarde, em 1997, a Internet é, novamente, chamada a debates na

área da museologia. Intituladas de Museums and Web302, estas conferências são

organizadas anualmente, tendo lugar nos Estados Unidos ou no Canadá. O objectivo é

reunir os profissionais dos museus, principalmente aqueles ligados às áreas das novas

Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), apontando questões pertinentes.

298 A hipermédia engloba recursos de hipertexto e multimédia. 299 No endereço: http://www.achimuse.com/conferences/ichim.html, site da instituição Archives & Museums Informatics, pode-se encontrar informações sobre todas as conferências realizadas. 300 O MDA - Museum Documentation Association é uma organização sem fins lucrativos, criada na Inglaterra, em 1977 e, que tem como objectivo desenvolver actividades de discussão, publicação e formação na área da documentação museológica. Todas as informações relativas às actividades desenvolvidas estão disponíveis no site do MDA: http://www.mda.org.uk. 301 O documento final produzido pelo grupo de trabalho pode ser encontrado no site do CIDOC, através do endereço: http://www.willpowerinfo.myby.co.uk/cidoc/multi1.htm. 302 Os programas das conferências, bem como, as publicações das discussões estão acessíveis no site: http://www.archimuse.com/conference/mw.html.

Page 176: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

166

Apesar de tudo, não obstante de alguma falta de acção efectiva, tem-se nos últimos

anos, assistido ao desenvolver de alguns estudos, trabalhos e debates nesta matéria.

Como defende Castells303 o uso dos novos media e as consequências da sua

massificação na sociedade actual são cada vez mais ponto de análise e reflexão. Em

poucos anos a “rede” deixou de lado a aura de alta tecnologia, para se tornar um

movimento cultural importante, envolvendo milhões de pessoas304. Actualmente,

vivemos a transição do paradigma do ontem, da sociedade nacional, e do hoje, da

sociedade global. O potencial social das TIC e os efeitos que produzem na forma de

pensar e agir de cada indivíduo são indiscutíveis. A par destas mudanças, também, a

instituição museológica sofreu grandes alterações e foi alvo de uma benéfica discussão,

que produziu novas formas de pensar o museu, consciencializando-se de que necessita

de se libertar do seu espaço tradicional e limitado, para se tornar acessível ao grande

público. É premente, e fundamental, a adaptação do museu às necessidades da

sociedade actual que se encontra em constante mutação. Como disse Mário Moutinho

“Não foi a museologia tradicional que evoluiu para uma Nova Museologia mas sim a

transformação da sociedade que levou à mudança dos parâmetros da Museologia.”305.

Ao longo da década de noventa, a proliferação do uso da Internet, possibilitou

que unidades museológicas pudessem interagir de forma globalizada, alterando a noção

de tempo e espaço. Hoje, o museu do espaço virtual nunca fecha.

1. Categorias de museus na Internet

Ao consultarmos a Internet deparamo-nos com vários museus, sob as mais variadas

formas. Para Werner Schweibenz306 podem ser identificadas quatro categorias: o museu

brochura, o museu conteúdo, o museu aprendizagem e, finalmente, o museu virtual 307.

303 CASTELLS, Manuel – A era da informação: economia, sociedade e cultura. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. 304 Esta ideia é, também, defendida por Michel Dertouzos, na obra What will be - how the new world of information will change our lives, publicada em São Francisco, no ano de 1997. 305 MOUTINHO, Mário C. – Museus e Sociedade: reflexões sobre a função social do Museu. Museu Etnológico Monte Redondo: Cadernos de Património 5, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1989, p. 36. 306 SCHWEIBENZ, Werner – The Development of Virtual Museums. ICOM News nº3, France, 2004, também disponível online em: http://icom.museum/pdf/E_news2004/p3_2004-3.pdf, consultado a 21 de Maio de 2008. 307 “The following categories of museum, developing into the virtual museum, can be identified on the Internet: The brochure museum, The content museum, The learning museum, The virtual museum” tradução livre, in Werner Schweibenz (2004), consultado online.

Page 177: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

167

Segundo o autor, da Universidade de Saarland, Alemanha, o museu brochura é,

basicamente, um site que contém a informação básica sobre o museu, como sejam, os

tipos de colecções, os contactos, entre outros. O seu objectivo é apenas informar os

potenciais visitantes da sua existência. Na segunda categoria, surge o museu conteúdo

que, embora, constituído por um site, apresenta as suas colecções, convidando o

visitante a explorá-las online. O conteúdo apresentado é orientado ao objecto, em tudo

semelhante à base de dados da colecção. É mais útil para profissionais do que para o

público em geral, visto o conteúdo não se encontrar didacticamente orientado. A sua

finalidade é fornecer um retrato detalhado das colecções do museu. O museu

aprendizagem continua a ser um site mas que oferece diferentes pontos de acesso aos

visitantes, de acordo com a sua idade e nível de conhecimento. A informação

apresentada é orientada ao contexto, e não ao objecto. Este tipo de site tem uma

preocupação pedagógica subjacente, estabelecendo links para informações adicionais, o

que motiva o visitante a aprender mais sobre o tema e a revisitar o site. O objectivo do

museu aprendizagem é fazer com que o visitante volte ao site e estabeleça uma relação

pessoal com a colecção e, idealmente, vá ao museu ver os objectos reais. A última

categoria apontada por Werner Schweibenz é o museu virtual que, paralelamente ao

museu aprendizagem, pretende não só fornecer informação sobre as colecções do

próprio museu, mas também estabelecer ligações (links) com outras colecções

digitais308. Neste sentido, os museus virtuais são criações que não encontram paralelo

no mundo real. Este aspecto é, basicamente, a implementação da visão do André

Malraux do “museu sem paredes” 309.

308 “The brochure museum: this is a Web site which contains the basic information about the museum, such as types of collections, contact details, etc. Its goal is to inform potential visitors about the museum. The content museum: this is a Web site which presents the museum’s collections and invites the virtual visitor to explore them online. The content is presented in an object-oriented way and is basically identical with the collection database. It is more useful for experts than for laymen because the content is not didactically enhanced. The goal of this type of museum is to provide a detailed portrayal of the collections of the museum. The learning museum: this is a Web site which offers different points of access to its virtual visitors, according to their age, background and knowledge. The information is presented in a context-oriented way instead of being object-oriented. Moreover, the site is didactically enhanced and linked to additional information that motivates the virtual visitor to learn more about a subject they are interested in and to revisit the site. The goal of the learning museum is to make the virtual visitor come back and establish a personal relationship with the online-collection. Ideally, the virtual visitor will come to the museum to see the real objects. The virtual museum: the next step on from the learning museum is to provide not only information about the institution’s collection but to link to digital collections of others. In this way, digital collections are created which have no counterparts in the real world. This is the implementation of André Malraux’s vision of the “museum without walls”. Tradução livre, in Werner Schweibenz (2004), consultado online. 309 Conforme André Malraux (2000).

Page 178: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

168

Segundo uma tipologia criada por Maria Piacente310, no ano de 1996 e citada por

Teather e Willhem311, em 1998, existem três tipos de sites de museus, que podem

também corresponder às diferentes fases de evolução de um determinado site ao longo

do tempo. A primeira categoria é o folheto electrónico, sendo, basicamente o

correspondente ao museu brochura, reconhecido por Werner Schweibenz. Contendo

informações sobre a história do museu, horários, localização, contactos, serviços e

actividades, tem como objectivo a apresentação da instituição. Nestes casos, a Internet

funciona como uma forma de tornar o museu mais conhecido, possibilitando também,

um acesso facilitado pelos utilizadores da rede mundial.

A segunda categoria apontada é o museu virtual ou espaço informativo.

Reproduzindo uma cópia virtual idêntica ao museu real, apresenta informações mais

detalhadas sobre as colecções, muitas vezes recorrendo a bases de dados; os conteúdos das

exposições e, por vezes, possibilitam uma visita virtual com base na realidade. Conforme

relembra Rosali Henriques na sua dissertação de mestrado em Museologia, nesta categoria,

“ (…) a instituição apresenta informações mais detalhadas sobre o seu acervo e, muitas

vezes, através de visitas virtuais. O site acaba por projectar o museu físico na virtualidade

e muitas vezes apresenta exposições temporárias que já não se encontram mais montadas

em seu espaço físico, fazendo da Internet uma espécie de reserva técnica de exposições.

Além disso, muitos deles disponibilizam bases de dados do seu acervo, mostrando objectos

que não se encontram em exposição naquele momento (…)312”.

A terceira, e última categoria, é o museu interactivo ou espaço interactivo.

Disponibilizando recursos hipertextuais/interactivos que são complementares e

prolongamentos dos conteúdos presenciais oferecidos no museu, pretendem facilitar a visita

presencial ao museu mostrando parte dos seus conteúdos e ampliando a documentação que

o visitante não poderá encontrar na instituição. Nestes casos poderá existir uma relação

entre o museu virtual e o museu físico, mas são adicionados elementos de interactividade

que envolvem o visitante. Dependendo da instituição museológica, o museu virtual poderá

reproduzir os conteúdos expositivos do museu físico ou, noutros casos, ser completamente

diferente. Na opinião de Maria Piacente o que torna estes museus interactivos é a forma

como comunicam e trabalham com o público, promovendo e facilitando a interacção. 310 PIACENTE, Maria – Surfs Up: Museums and the World Wide Web. Master of Museum Studies Program, University of Toronto Research Paper, 1996. Infelizmente não tivemos acesso às informações originais. 311 TEATHER, Lynne; WILLHEM, K. – “Web musing: evaluating museums on the web from learning theory to methodology”. in Museums and the Web, New Orleans, 1999, disponível em: http://www.archimuse/mw69/papers/teather/teather.html, consultado a 23 de Maio de 2008. 312 Rosali Henriques (2004), pp.5-6.

Page 179: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

169

A proposta de criação do Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo

patenteada nesta dissertação insere-se na terceira categoria apresentada por Piacente.

Embora, em nossa opinião, esta deveria ser denominada por “museu virtual”, onde o site

deixa de ser simplesmente um meio representativo de um espaço físico, para passar a ser

sujeito, tornando-se num produto autónomo, com valor por si mesmo.

Ao fazermos menção às categorias de museus existentes na Internet, importa

salientar, que as duas primeiras, são as mais representadas na realidade portuguesa, sendo

que, a maioria dos sites dos museus nacionais são de carácter informativo e não

disponibilizam outros recursos para além de informação. Tal facto, poderá acontecer por

falta de interesse e de sensibilidade dos gestores para uma necessidade actual e/ou por

carência financeira313.

1.1. Conceito de Museu Virtual

O conceito de museu virtual é algo ainda muito novo na Museologia. Só na

década de 90, com a proliferação da Internet comercial a partir de 1994, é que os

museus se começaram a apresentar de forma virtual, sendo que, a discussão teórica

sobre os museus virtuais é, ainda, muito incipiente, sem existir um consenso, acerca do

que distingue um site de um museu virtual. Muitos autores apontam a diferença ligada à

virtualização dos objectos e a sua representação online. Neste sentido, a maioria dos

museus tem optado por criar sites que representam o seu espaço físico, não tirando

assim partido das potencialidades de interacção da Internet.

Pierre Lévy, um dos mais conhecidos teóricos contemporâneos entusiastas das

tecnologias informatizadas afirma que os pretensos museus virtuais actuais “ (…) não

são muitas vezes senão maus catálogos na Internet, enquanto que o se “conserva” é a 313 Ainda que muitas instituições utilizem a Internet como um painel para afixar as suas informações institucionais, e não, como uma ferramenta interactiva, alguns museus possuem já interessantes sites institucionais, disponibilizando informações sobre os seus objectos e sobre as actividades culturais desenvolvidas, tendo a Internet como um aliado de divulgação e comunicação, que possibilita a interacção com os seus utilizadores/visitantes. Estes, não restringem a sua presença na web a apresentações de boletins, folhetos, catálogos, na medida em que permitem uma maior interacção e troca de conhecimentos com o público, com outras instituições e com outros especialistas. No panorama nacional destaque-se o site do Museu Nacional de Arqueologia premiado pela UNESCO, no ano de 2002, com o galardão de “Web Art d’Or”, o melhor site de museus do mundo. A par desta instituição museológica, outras tuteladas pelo Instituto dos Museus e da Conservação tem vindo a alterar a sua presença na Internet, salientando-se o Museu Nacional de Arte Antiga e o Museu Nacional do Azulejo, que mais recentemente reestruturou o seu site, encontrando-se disponível ao público desde Dezembro de 2008. Saliente-se, ainda, que nesta matéria, as instituições privadas muito têm contribuído para este desenvolvimento, nomeadamente, o Museu Calouste Gulbenkian e o Museu de Serralves, que através das suas acções sensibilizaram e incentivaram o progresso de equipamentos nacionais congéneres.

Page 180: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

170

própria noção de museu enquanto “valor” que é posta em causa pelo desenvolvimento

de um ciberespaço onde tudo circula com fluidez crescente e onde as distinções entre

original e cópia já não têm evidentemente razão de ser.”314.

Segundo Werner Schweibenz este conceito está em constante construção e, é

fácil confundi-lo com outras denominações, tais como: museu electrónico, museu

digital, museu online, museu hipermédia, meta-museu, museu cibernético, cibermuseu,

ou, ainda, museu no ciberespaço315. Tratando-se de uma temática recente nesta área, não

há consenso, em relação ao que deverá ser considerado museu virtual ou, simplesmente,

um site de um museu. Assim como referimos, a maioria dos autores, que tem trabalho

sobre esta questão, tende para uma definição ligada à virtualização dos objectos e à sua

apresentação online. No entanto, parece-nos redutora esta visão, atendendo ao facto que

um museu virtual poderá ter duas configurações: uma, será realmente, como defendem

alguns autores, um museu essencialmente virtual, ou seja, sem correspondência no

mundo físico; mas, poderá também, ser um museu virtual que tem correspondência no

mundo físico, quer trate-se de um “museu/edifício”, quer trate-se de uma colecção

existente fisicamente, como no caso do Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo.

Assim, um museu virtual será uma vertente complementar, dado que a Colecção se

encontra exposta e acessível ao público. A vertente virtual contribuirá, desta forma, para

uma nova perspectiva de interacção com o património.

Antonio Battro defende que o museu virtual é muito mais do que colocar

fotografias das reservas, colecções e exposições temporárias na Internet. Trata-se, pois,

de construir um museu totalmente novo316. Nesse sentido, o museu virtual não é a

reprodução do museu físico, mas um museu completamente novo, criado para traduzir

algumas das funções museológicas no espaço virtual.

Entre outros autores que se debruçaram sobre a problemática dos museus

virtuais, destacamos ainda Bernard Deloche, que na obra intitulada “Le musée virtuel”,

publicada em 2001, estuda a questão da virtualidade no processo museológico,

314 LÉVY, Pierre – Cibercultura. Instituto Piaget, Lisboa, 2000, p. 281. 315 “It is called an on-line museum, electronic museum, hypermuseum, digital museum, cybermuseum or a Web museum depending on the backgrounds of the practitioners and researchers working in this field.” Tradução livre, in Werner Schweibenz (2004), consultado online. 316 “El museo virtual es mucho más que poner fotos en Internet de las reservas, colecciones permanentes y muestras temporarias. Se trata de concebir un museo totalmente nuevo.” Tradução livre, in BATTRO, António – Museos imaginarios y museos virtuales. FADAM, Agosto de 1999, disponível em: http://www.byd.com.ar/bfadam99.htm consultado a 14 de Maio de 2008.

Page 181: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

171

baseando-se nos museus de arte317. Afirmando que o museu é um templo da imagem,

utiliza o conceito de museu paralelo, ou seja, defende que o museu virtual é aquele que

existe na virtualidade, quase como um substituto, um museu sem lugar e sem paredes.

Na nossa opinião, o museu virtual não é um museu substituto. Discordamos da

posição de Deloche, pois entendemos que o museu virtual, sendo uma vertente virtual

de um museu físico, é um museu complementar. Neste sentido, o museu virtual poderá

ser tão ou mais eficaz do que o museu físico, mas nunca o substituirá, será antes uma

nova perspectiva de interacção com o património cultural. Conforme refere Rosali

Henriques “(…) muitos autores ainda vêem o museu virtual como um simulacro de um

museu físico, ou seja, estão arraigados no conceito de museu como um espaço de

exposição de determinada colecção. E isso, infelizmente, restringe o uso da Internet

pelos museus, tornando os seus sites, mesmo aqueles mais interessantes e atractivos,

apenas em sites de museus e não museus virtuais.”318.

A visão de alguns destes autores reporta-nos para uma outra questão, de todo

pertinente, quando reflectimos sobre o conceito de museu virtual, trata-se pois de

entender a concepção utilizada por alguns sites de museus, inclusive alguns museus

virtuais, que veiculam a ideia de museu enquanto edifício que preserva uma, ou mais

colecções, para deleite do seu público. Esta é uma noção de museu implantada no século

XIX e que a Nova Museologia interrogou, refutando-a com uma nova concepção de

museu, que tem por base, o património cultural de uma determinada comunidade,

estabelecida num determinado território. Ao reproduzir a configuração de um edifício,

com todas as suas características e especificidades, o museu virtual estará a reforçar o

conceito de museu presente na mentalidade da grande maioria das pessoas. Até os

projectos de museus, essencialmente, virtuais, como é o caso do Museo Virtual de Artes

(MUVA), pensado já com este intuito, continuam a fortalecer essa ideia319.

Desenhado em VRML – Virtual Reality Modeling Language, uma linguagem

vectorial utilizada em desenhos 3D e multimédia, este museu reproduz as divisões

físicas de um museu dito tradicional. Ao aceder à morada electrónica do MUVA, o

visitante depara-se com uma zona ajardinada, que circunda o edifício virtual. Seguindo

as indicações entra na área de acolhimento onde encontra um balcão informativo e os 317 DELOCHE, Bernard – Le musée virtuel: vers un éthique des nouvelles images. Presses Universitaires de France, Paris, 2001. 318 Rosali Henriques (2004), p. 16. 319 O Museo Virtual de Artes (MUVA) é um museu virtual com reproduções de obras de arte uruguaia, mantido pelo jornal El País. Disponível em: http://muva.elpais.com.uy/ . Este espaço conta já com dois edifícios de exposições virtuais que podem ser visitados separadamente, o MUVA I e o MUVA II.

Page 182: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

172

acessos às diferentes galerias de exposições, individuais e colectivas, todas visitáveis. O

visitante escolhe o percurso movimentando o rato e selecciona as salas onde quer entrar

e as obras a ver com detalhe, podendo obter mais informação. Através das escadas, ou

dos elevadores, acede aos vários pisos, encontrando no decorrer do circuito expositivo

coffe-shops, entre outros serviços, que embora representados visualmente, não têm

utilidade, servindo meramente de “cenário”. Para Maria Luísa Bellido Gant o MUVA

enquadra-se na mais avançada tipologia de museus virtuais, defendendo que “(…) se

esctructura como um auténtico museo, con seis plantas, todas ellas navegables,

vestíbulo, passilos, escaleras, ascensores, (…)”320. Opinião que discordamos por duas

razões distintas, primeiramente porque um museu virtual é já um autêntico museu,

sendo que, na nossa perspectiva, não necessita de reproduzir fisicamente um museu para

ser considerado um autêntico museu virtual, e em segundo lugar, porque a existência de

uma visita virtual não é sinónimo da existência de um museu virtual. O que está aqui em

causa não é debater a utilização do MUVA, socorrendo-se ao edifício para mostrar que

é um museu virtual, mas sim a percepção de que para ser considerado um verdadeiro

museu virtual não é necessário reproduzir um museu físico.

Como museus verdadeiramente virtuais, Scheiner distingue o Indigenous Tribal

Culture Virtual Museum, apoiado pela UNESCO, relativo às tribos da Tailândia, e na

América Latina o Museu Virtual da Estética, sedeado na Universidade do Norte

Colombiano. Para esta autora os museus físicos consideram o conceito de museu virtual

“(…) apropriado para caracterizar a metamorfose aplicada à imagem e ao texto,

matérias de que se compõem a realidade à realidade comunicacional da maioria dos

museus. Esta metamorfose garantiria aos museus acessibilidade e disponibilidade

jamais antes experimentadas – proposta altamente sedutora, pelo menos para os

museus “tradicionais”, cujo objectivo maior é relacionar-se com o “público”. Aqui,

todos os recursos de documentação, interpretação e conservação são transformados em

representação icónica, sinalética, dos acervos preservados. O meio virtual garante um

potencial infinito de acessibilidade.”321.

No nosso entender, o museu virtual é aquele que desenvolve as suas funções

museológicas, ou parte delas, num espaço virtual, podendo, ou não, apresentar-se como

interface de instituições museológicas construídas no espaço físico. Consideramos que o

320 GANT, Maria Luísa Bellido – Artes, museos y nuevas tecnologias. Gijón, Trea, 2001, p. 342. 321 SCHEINER, Teresa Cristina Moletta – Imagens do “Não-Lugar”: Comunicação e novos patrimónios. Tese de Doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004, pp.262-263.

Page 183: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

173

autêntico museu virtual não pode, apenas, apresentar reproduções das suas colecções,

mesmo que devidamente catalogadas, deverá também, fazer uso da Internet enquanto

espaço de interacção e mediação, através das suas funções museológicas,

desenvolvendo actividades onde o público possa interagir com as referências

patrimoniais por si conservadas, mesmo que virtualmente.

1.2. Vantagens e Desvantagens dos Museus Virtuais

Analisando de forma crítica as possibilidades e limitações únicas deste meio e

atendendo ao forte peso que as TIC têm na sociedade contemporânea, é necessário que

as instituições culturais procurem optimizar as suas vantagens e atenuar as suas

desvantagens, sendo estas uma realidade que não podemos subestimar. Embora,

paralelamente, deva-se valorizar o insubstituível de uma visita presencial ao museu ou

espaço cultural, pois a experiência estética do contacto directo com o objecto cultural

não se pode reproduzir, num ambiente digital, acreditamos que quando falamos em

museus virtuais online322, afiguram-se mais benefícios do que prejuízos.

Relativamente às vantagens salientamos: a democratização do acesso à

informação e ao espólio; facilidade de comunicação entre pessoas e instituições; a

universalização das oportunidades, eliminando barreiras espaciais, geográficas e

temporais; a possibilidade de estruturar a informação, recorrendo ao hipertexto,

nomeadamente, em diferentes níveis articulados em função do utilizador a que se dirige,

dos seus interesses e necessidades e de organização dos conteúdos de acordo com as

estratégias divulgativas ou educativas da instituição; bem como, a utilização e

conjugação de diversos tipos de suporte, designadamente texto, áudio, vídeo e imagem,

muito úteis às necessidades desencadeadas pelos conteúdos que se pretendem

disponibilizar em sites de museus.

A presença de um museu na Internet além de permitir uma maior interacção com

o público, facilita o usufruto de uma importante ferramenta de marketing cultural, como

defende Alison Griffiths “(…) such technologies have changed the physical character

of the museum, frequently creating striking juxtapositions between nineteen century 322 A chamada de atenção para museus virtuais “online”, deve-se ao facto de muitos dos estudiosos, nesta matéria, defenderem que a virtualidade não está necessariamente ligada à Internet. Afirmam, os mesmos, que os museus podem ser virtuais, sem que para isso tenham de estar online, podendo fazê-lo, nomeadamente, através de CD-ROM’s, quiosques, etc. Relativamente a esta posição, apresentamos algumas ressalvas, no entanto, para que não existam dúvidas, quando doravante fizermos menção ao Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo, referimo-nos a um museu online.

Page 184: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

174

monumental architecture and the electronic glow of the twentyfirst century computer

screen. Via the World Wide Web, the museum now transcends the fixities of time and

place, allowing virtual visitors to wander through its perpetually deserted galleries and

interact with objects in ways previously unimaged.”323.

A Internet tornou-se para as instituições museológicas um veículo eficaz para a

divulgação de catálogos, boletins informativos, e-mails, troca de informações entre

especialistas, etc., de forma a difundir o trabalho desenvolvido. Assim como ficou

referido, possibilitando uma maior interacção com o público e com especialistas, a

Internet veio facultar uma rede de troca de experiências e conhecimentos entre

instituições com objectivos semelhantes ou convergentes.

O museu virtual permite a efectivação de uma nova visita, abrangendo

determinados objectos e percursos expositivos, que não são possíveis de realizar no

espaço museológico tradicional, criando novas perspectivas de apresentação do acervo.

“Quando se passa para o campo virtual, o campo de acção alarga-se dando origem a

múltiplos percursos interactivos. Outra forma de utilização da Internet são as parcerias

institucionais, em que determinado museu convida outras instituições a participar com

conteúdos específicos, criando exposições virtuais, com conteúdos culturais e

patrimoniais de vários museus.”324 Ou seja, mais do que um veículo de divulgação e

comunicação, bem como, ferramenta de marketing, a Internet possibilita a montagem de

uma rede de ligações entre várias instituições afins e com objectivos similares. Este uso

pode ser feito através de listas de discussão; blogues; fóruns; rede de comunicação, etc.,

pois a Internet permite uma troca de experiências entre profissionais da museologia de

uma forma mais rápida e consistente. Tal como refere Rute Machado, na citação atrás

enumerada, este meio faculta colaborações multi-institucionais, criando laços virtuais

com outras instituições de forma globalizada, alterando a noção de tempo e de espaço.

Como defende Cruz o visitante assiste à “(…) imposição de um espaço

tecnológico, ou melhor, do tecnológico como espaço, como palco por excelência, da

abertura dos possíveis da experiência – o ciberespaço.”325. Ou seja, o objecto

museológico abre-se, deste modo, à experiência estética através do virtual, através de

um artifício: a imagem virtual. A expressão “imagem virtual” abrange as imagens 323 GRIFFITHS, Alison – “Media Technology and Museum Display: a Century of Accommodation and Conflict”. in Rethinking Media Changes, MIT Press, London, 2003, pp. 375-389. 324 MACHADO, Rute – “Museus virtuais: A importância da usabilidade na mediação entre o público e o objecto musueológico”. in Livro de Actas – 4º SOPCOM, Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2005, p. 1542. 325 CRUZ, M. – “Media Art ou Mediacracia”. in Catálogo de Cyber 98, Lisboa, 1998, p. 12.

Page 185: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

175

numéricas e a ideia de simulação do real. A mais valia desta realidade é o facto de ditar

um novo meio de contemplação. O testemunho museal é representado pelo artifício e as

TIC utilizam-no de forma a possibilitar a experiência estética. Pois, como relembra José

Bragança de Miranda “(…) a articulação da técnica e da estética são duas faces do

mesmo processo de linearização do real pelo código digital.”326. Assim sendo, o

sujeito, enquanto fruidor de toda a experiência estética, é, simultaneamente produtor da

realidade. No contexto dos museus virtuais, a progressão faz-se de página em página,

como se deambulássemos de sala em sala, interagindo com os objectos e redescobrindo,

e reinventando, o percurso expositivo. O recurso às TIC para a produção desta nova

realidade integra o conceito de interactividade no percurso museológico e faculta ao

visitante diversas alternativas de fruição. Com possibilidade de escolher e interagir com

o espaço museológico cada visitante terá a sua própria experiência.

“Rapidamente as instituições museológicas se aperceberam das vantagens e

potencialidades da Internet, massiva, rápida, imediata, económica, monopolizadora do

quotidiano do trabalho e do ócio, sendo que cada vez mais gente tem possibilidades de

aceder às novas tecnologias ou tem à disposição recursos facilitadores para tal.”327 A

Internet patenteia um incomensurável potencial informativo e comunicativo, quer em

questões de celeridade de circulação, quer em número de pessoas e áreas geográficas

que abrange. Devido às suas características de imaterialidade, instantaneidade e

multimédia, democratiza o acesso à informação e conhecimento de determinados tipos

de bens; facilita a comunicação entre pessoas e instituições e universaliza

oportunidades, eliminado barreiras espaciais, geográficas e temporais.

No que diz respeito às desvantagens do museu virtual, consideramos,

essencialmente dois aspectos. O primeiro é respeitante ao design e manutenção do

museu online, diga-se, tão importante como no caso de um museu físico. No entanto,

tratando-se de um museu virtual, não será “visitado” com tanta frequência, como se de

um museu físico se tratasse, assim sendo, corre o risco de se negligenciar a imagem da

instituição. A não actualização da informação, ao invés de potencializar novos

visitantes, poderá afastá-los, expondo a unidade museológica a uma “má publicidade”.

326 MIRANDA, José Bragança de – “O Design como Problema”. in Autoria e Produção em Televisão Interactiva, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2003, p. 300. 327 PINHO, Joana Maria Balsa Carvalho de – “Museus e Internet. Recursos online nos sítios web dos museus nacionais portugueses”. Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 8. Temática Variada, 2007. Disponível em: http://www.cibersociedad.net, consultado a 14 de Maio de 2008.

Page 186: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

176

O segundo aspecto, que poderá ser apontado pelos defensores acérrimos do

museu dito tradicional, é a privação por parte dos visitantes a uma experiência estética

plena dos cinco sentidos, aquilo a que muitos autores consideram a “aura do objecto

museológico”. Embora, no caso em estudo não se coloque essa questão, pois ainda que

a Colecção Berardo não possua um Museu do Azulejo no universo físico, a Colecção

existe e continuará a existir e a ser visitável, apesar de geograficamente dispersa, sendo

este um aspecto que merece a nossa consideração. Os bens culturais encerram em si

mesmos, uma materialidade, que ainda não é possível ser plenamente compreendida no

universo virtual. Apesar de defendermos as inúmeras vantagens das tecnologias,

reconhecemos as limitações que as mesmas ainda têm, para já, no que respeita a uma

adequada interpretação da realidade e do universo sensorial. Referimo-nos por exemplo

à dimensão real dos painéis, ou seja, teremos exemplares monumentais e outros de

dimensão reduzida, todavia, a sua apresentação virtual não irá permitir, ao visitante, ter

a mesma percepção, que teria no universo real, pese embora as dimensões estejam

mencionadas na respectiva legenda. Relativamente aos exemplares relevados,

colocamos a mesma questão, ainda que, a alta qualidade e definição da imagem permita

fazer aproximações, a percepção do relevo, será sempre diferente, da experiência real.

Contudo, questionámos se a utilização destas novas ferramentas tecnológicas constitui,

no presente, uma interpretação significativamente deficiente da realidade que se tem

quando temos oportunidade de ver o objecto no museu. Não consideramos que as

limitações sejam assim tão grandes, pelo que enunciamos algumas apreciações que

pensamos poder elucidar esta problemática.

Ao visitarmos um museu físico encontramos os objectos dispostos, na grande

maioria das vezes, em vitrinas. Estes objectos, muitas das vezes tridimensionais,

demandam uma leitura integral da sua forma, da qual o visitante é privado pela

existência das estruturas expositivas, a que nos referimos. De igual forma, um quadro

ou um painel de azulejos, objectos bidimensionais, são somente contemplados e fruídos

pelo público na dimensão que o conseguimos ver, à semelhança do que acontece num

monitor. Queremos com isto dizer que na sala de um museu físico, com vitrinas,

perdemos a profundidade do campo visual da mesma forma que num museu virtual.

Conforme refere Nuno Moreira “Muitos poderão argumentar que a definição

das imagens virtuais não é adequada. Mas não nos parece justa tal afirmação, na

medida em que o investimento que é feito, muitas das vezes, na concepção destas

plataformas é muito inferior ao que é feito para produzir um espaço físico expositivo.

Page 187: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

177

Além do mais, a distância a que, muitas vezes, somos condicionados a ver os objectos

num museu devido às baias de segurança, aos alarmes, às marcas dissuasoras no

pavimento ou à sempre atenta guardaria dificulta significativamente uma percepção de

todos os seus pormenores, na sua verdadeira essência – se nos é permitido o

romantismo do termo.”328. Ainda neste contexto, salientamos que a utilização de

plataformas informáticas possibilita-nos, por exemplo, com recurso a softwares

relativamente acessíveis, conceber imagens “tridimensionais” que nos facilitam a

observação do objecto rodando-o em todas as direcções, ou através de aproximações

sucessivas (zoom), observar a pincelada que o autor usou, bem como, a quantidade de

pigmento. Em nosso entender, esta faculdade, vem configurar uma relação com os

objectos mais próxima e exploratória caucionando um aumento de interactividade que,

pelos motivos acima expostos, se tornam muitas vezes vedados num museu tradicional.

Relativamente ao acesso do público, quanto ao uso das tecnologias, Nuno Moreira

diz que “Se é verdade que hoje ouvimos muitas vezes falar nos infoexcluídos, também é

verdade que essa franja da população é composta por pessoas na sua maioria de idade

mais avançada que não tiveram a oportunidade de gestar já com um teclado e um rato

apensos ao cordão umbilical. Sabemos também que os jovens – para seu próprio mal –

são cada vez mais sedentários, dependendo do computador – ou pelo menos do acesso à

Internet, quer seja pelo ordenador referido, pelo telemóvel, televisão ou quaisquer outros

equipamentos que garantam esse acesso privilegiado ao mundo - para a maioria das

suas actividades diárias que não estritamente fisiológicas. Ora, estes são a futura

população adulta mundial, a mesma que usufruirá, como nós hoje fazemos, do legado

histórico e cultural que foi sendo preservado. Assim, parece de extrema vantagem que,

cada vez mais, se garanta a virtualidade das colecções museológicas.”329.

Ao reflectir sobre estas questões não temos a pretensão de fazer uma apologia às

TIC e aos museus virtuais, nem tão pouco, desacreditar a importância dos museus

físicos, queremos apenas demonstrar que as diferenças entre ambos, não são tão

significativas, quanto alguns autores pretendem atestar. A existência de um museu

virtual na Internet com correspondência no mundo físico, além de funcionar como

“cartão de visitas”, possibilita o acesso ao património cultural de forma mais ampla,

328 MOREIRA, Nuno – “A Conservação das evidências materiais – A “Segunda Vida”. in Revista Museu, 2008. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=16513, consultado a 20 de Setembro de 2008. 329 Nuno Moreira (2008).

Page 188: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

178

facultando a disseminação da cultura e destacando a interactividade como factor

primordial para aproximar as visitas virtuais das experiências reais.

Se pensarmos em termos comparativos, e no caso específico do Museu Virtual

do Azulejo da Colecção Berardo, as vantagens são inúmeras: a maioria dos internautas

que, do mundo inteiro, vierem aceder ao museu, corresponde à mesma quantidade de

pessoas que, de outro modo, jamais viriam a Portugal para conhecer a Colecção. Como

explica Ruth Perlin “(…) works of art, their contexts, and their display arrangements

are being electronically transported out of the exhibit spaces to be examined and visited

in homes and other settings by individual who may never enter the art museum.”330.

Acreditamos vivamente, que a virtualidade das colecções museológicas, é uma

enorme vantagem para o desenvolvimento humano e enriquecimento das sociedades.

330 PERLIN, Ruth – “Media, Art Museums and Distant Audiences”. in The Virtual and the Real, 2000, p. 84.

Page 189: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

179

Capítulo II – Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo

1. Fundamentos para a sua criação

Actualmente, embora sejam cumpridas algumas das funções museológicas, a

Colecção de Azulejos é, apenas, uma “Colecção Visitável”, enquadrando-se, no ponto 1,

do artigo 4º da Lei-quadro dos Museus Portugueses331, ou seja, um “(…) conjunto de bens

culturais conservados por uma pessoa colectiva, pública ou privada, exposto

publicamente em instalações afectas a esse fim, mas que não reúna os meios que

permitam o pleno desempenho das restantes funções museológicas (…)”. Uma colecção

não é um museu. Um museu vive da colecção, mas também do trabalho de exposições,

permanentes, e/ou temporárias, dos serviços educativos, das publicações, do facto de se

inscrever como agente no tecido cultural do País. A Colecção Berardo é o núcleo

principal a partir do qual se desenvolve um projecto museológico, propondo a criação do

Museu Virtual do Azulejo, enquanto, modelo de divulgação e gestão da própria Colecção.

São muitos os fundamentos para a criação desta unidade museológica, quer pela

importância desta arte em Portugal, quer pela importância da Colecção em particular.

Todavia, estas premissas poderão ser agrupadas em três vectores fundamentais, que de

uma forma ou outra, integram todos os outros, e que aliados, constituem uma irrefutável

base de fundamentação para a necessidade da criação de um Museu Virtual do Azulejo

da Colecção Berardo:

i) A importância fundamental do fabrico do azulejo. Considerado como forma de

arte e uma das mais fortes manifestações culturais portuguesas, o azulejo, reflecte as

transformações culturais, sociais e económicas vividas em Portugal (ultrapassando a mera

função utilitária e elemento de intervenção e de cultura das cidades, do país e do mundo);

ii) A necessidade urgente de inventariar, estudar, investigar, preservar e divulgar

uma colecção privada, de elevada qualidade e que permite percorrer seis séculos da

História do Azulejo em Portugal332;

331 Lei nº47/2004. 332 Saliente-se, que as primeiras funções, designadamente, o inventário, o estudo e a investigação, ainda que por definição, se mantenham constantemente em aberto, possibilitando o aprofundamento da informação, fizeram parte dos objectivos da presente dissertação, dando inclusive corpo à primeira e segunda parte do trabalho em presença.

Page 190: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

180

iii) A possibilidade de juntar virtualmente uma colecção que fisicamente está

dispersa, imprimindo um discurso museológico que visa o conhecimento

histórico/cronológico, científico e estético deste património cultural.

A Lei de Bases do Património Cultural Português333 estabelece a política e o

regime de protecção e valorização do património cultural, visando deste modo a

democratização da cultura através da compreensão, permanência e construção da

identidade nacional.

Segundo o artigo 2º, nº1: “Para os efeitos da lei integram o património cultural

todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores

de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização”.

Entenda-se como interesse cultural relevante “(…) designadamente histórico,

paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico,

etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património

cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade,

raridade, singularidade ou exemplaridade.”, conforme o ponto nº3, do mesmo artigo.

Com base nestes pressupostos e, tendo em conta, que o Azulejo é uma das

expressões referenciais da cultura artística portuguesa, torna-se fundamental a criação

de um museu, neste caso virtual, que contribua para o acréscimo de conhecimento e de

informação histórica e artística deste património.

Pese embora, exista no nosso país, o Museu Nacional do Azulejo, que

meritoriamente tem estudado, investigado e divulgado a arte azulejar, a unidade

museológica, aqui proposta, visa alargar o conhecimento através de diferentes

exemplares, complementando e interligando a informação, de forma a contribuir para o

maior saber da nossa História e, abranger, cada vez mais, um público nacional e

internacional heterogéneo.

2. Vocação, Missão, Metas e Objectivos

O Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo assume-se como uma unidade

museológica privada, permanente, sem fins lucrativos, que tem como missão divulgar e

estudar o património azulejar, com especial incidência na arte azulejar portuguesa,

333 Lei nº107/2001.

Page 191: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

181

através da apresentação de obras da Colecção e, simultaneamente, sensibilizar, captar e

fidelizar públicos desenvolvendo o seu interesse pelo Azulejo, através de acções nas

áreas da educação e divulgação.

Sem personalidade jurídica própria o Museu Virtual do Azulejo da Colecção

Berardo é equacionado integrando a estrutura da sua tutela, a Fundação José Berardo,

constituindo uma unidade orgânica própria, directamente dependente de um Director-Geral.

Quer pela sua implementação territorial e virtual, quer pelo interesse e

expressividade do seu tema – o Azulejo, uma das manifestações referenciais da cultura

artística portuguesa – será assumidamente de dimensão internacional, quer ainda pela

proveniência da colecção334, o Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo assume-

se como um museu de âmbito internacional. De natureza uni-disciplinar, este museu

insere-se no campo temático dos museus de arte.

Relativamente às relações estabelecidas com outras instituições e entidades, o

Museu terá, obrigatoriamente, uma ligação administrativa à sua tutela, a Fundação José

Berardo, Instituição Particular de Solidariedade Social.

As relações temáticas serão estabelecidas com instituições museológicas, “para-

museológicas”, espaços expositivos, galerias, especialistas, investigadores, bem como,

outros equipamentos culturais congéneres, de nível nacional e internacional. No

panorama nacional, o Museu Nacional do Azulejo e o Museu Calouste Gulbenkian,

ocuparão um lugar de destaque, todavia, instituições como: o Museu Nacional Machado

de Castro; o Museu de Cerâmica; o Museu de Alberto Sampaio; o Museu Frederico de

Freitas; o Museu de Lamego; o Museu-Escola de Artes Decorativas Portuguesas/

Fundação Ricardo Espírito Santo Silva; o Museu Nacional de Arte Antiga; a Casa-

Museu dos Patudos; o Museu da Cidade; o Museu da Guarda; o Museu de Évora; o

Museu de Francisco Tavares Proença; o Museu dos Condes Castro de Guimarães, e o

Museu Nacional Soares dos Reis, que preservam nos seus acervos exemplares de

azulejaria, inventariando, catalogando e estudando esta forma de arte, serão instituições

com as quais o Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo estabelecerá relações de

proximidade335. A nível internacional o Museu criará ligações com diversas instituições,

334 Como já foi referido, a Colecção de azulejos é composta por painéis de origem portuguesa, bem como, um núcleo de azulejos hispano-mouriscos e alguns exemplares contemporâneos de produção internacional. 335 Ainda, ao nível das relações temáticas, refira-se a importância do Projecto “SOS Azulejo” de iniciativa e coordenação do Museu de Polícia Judiciária, órgão do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, que nasceu da necessidade imperiosa de combater a grave delapidação do património azulejar português, que se verifica actualmente, de modo crescente e alarmante, sobretudo por furto, mas também por vandalismo e incúria. De facto, o património histórico e artístico português não se perde apenas por

Page 192: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

182

das quais destacamos: o Rijksmuseum e o Stedelijk Museum, na Holanda; o Musée

d’Ansembourg, na Bélgica; o Museo de Cerâmica de Onda; o Museo de Bellas Artes; o

Museo Arqueologico y Etnologico de Granada; o Museo Arqueologico Nacional; o

Museo de Cerámica de Manises; o Museo Nacional de Artes Decorativas e o Museo de

Bellas Artes de Castellón, em Espanha; o Musée de la Céramique e o Musée National

de la Céramique, em França; o British Museum, o Victoria and Albert Museum, e o

Gladstone Pottery Museum, no Reino Unido. Ainda, no âmbito das relações temáticas,

o Museu estabelecerá ligações a associações e outras entidades, designadamente, o

Metropolitano de Lisboa; o Palácio da Fronteira; a Associación de Ceramistes de

Catalunya; a Associazione Amici del Museo Internazionale delle Ceramiche; a British

Ceramic Confederation; a British Ceramic Research; o European Ceramics Work

Centre; o Centre de Recherche de l’Industrie Belge de la Ceramique; a International

Academy of Ceramics; a Tiles and Architectural Ceramics Society, entre outras.

Quanto às relações geográficas, podemos considerar que se desenvolvem a dois

níveis, no plano físico e no virtual. Ao nível físico estabelecerá relações com as

autarquias locais, nomeadamente, com a Câmara Municipal de Setúbal e com a Câmara

Municipal do Funchal, bem como, com as escolas da área envolvente, através do serviço

educativo. Ao nível virtual estabelecerá ligações com outras instituições culturais de

actuação no universo físico e na Internet, como sejam, a European Ceramic Tiles Circle;

a Tile Heritage Foundation; a Society of America Mosaic Artists; a Foundation of

Friends of the Dutch Tile Museum, ou a ASCER – Asociación Española de Fabricantes

de Azulejos y Pavimentos Cerámicos.

Tendo em conta a missão do Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo

podemos distinguir as seguintes metas336:

- Garantir a conservação e salvaguarda dos bens patrimoniais;

motivos criminais, mas também por ausência de cuidados de conservação: relações de causalidade tornam a prevenção criminal e a conservação preventiva deste património indissociáveis. “Assim o Projecto SOS Azulejo, a par de pretender implementar na comunidade uma estratégia assertiva, pragmática e eficaz de Prevenção Criminal, opta por alargamento multidisciplinar de abordagem a esta problemática que engloba a vertente da conservação preventiva, consciente de que só um investimento de salvaguarda global do património cultural poderá ter garantias mínimas de eficácia.” Disponível em: www.sosazulejo.com, (Programa). Desta abordagem global e multidisciplinar nasceu a necessidade de obtenção de parcerias, nomeadamente, com o Instituto Politécnico de Tomar; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; Associação Nacional de Municípios Portugueses; Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, cuja junção permitirá uma optimização dos recursos e a cobertura do leque de vertentes necessárias à protecção abrangente do património azulejar português. Refira-se que a assinatura deste protocolo data de 15 de Março de 2007 e a apresentação ao público do Projecto “SOS Azulejo” foi a 28 de Fevereiro de 2008. 336 Entenda-se como “metas” alvos de natureza qualitativa que a instituição pretende alcançar a longo prazo.

Page 193: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

183

- Promover a investigação científica e produção de conhecimento da Colecção,

sobre os diferentes contextos de produção artística, através de recursos internos e em

parceria com entidades terceiras, nacionais ou estrangeiras;

- Desenvolver o interesse do público pelo património azulejar e dar a conhecer

a evolução da História do Azulejo em Portugal através de projectos didácticos,

dinâmicos e flexíveis;

- Possibilitar o desenvolvimento de um vasto e plural programa de extensão

cultural em articulação próxima com criadores, investigadores, críticos, historiadores e

docentes dos vários níveis de ensino;

- Contribuir para o desenvolvimento de novas audiências e novas relações com

os públicos;

- Contribuir para que o Museu se torne um campo para o debate de ideias, a

construção de significados e de múltiplas representações, um espaço de plurivocalidade

e acessibilidade;

- Promover o desenvolvimento de uma programação diversificada e transversal,

assente numa perspectiva, educativa construtivista crítica, capaz de fomentar o

cruzamento de olhares e leituras e de contribuir para o alargamento das acessibilidades;

- Manter critérios de qualidade na divulgação da arte azulejar, com especial enfoque

para a produção de contexto nacional, e simultaneamente promover o fácil acesso, por

diferentes públicos, à informação produzida, diversificando os níveis e formas;

- Estreitar o diálogo com outras colecções e espólios, alargando o âmbito da

Colecção;

- Possibilitar o intercâmbio de obras e exposições com outras instituições

nacionais e internacionais, no universo físico e virtual;

- Consolidar o exercício dum conjunto de boas práticas, inerentes a uma

museologia actual e actuante;

- Desenvolver novos espaços de cultura, em diferentes suportes, alargando e

diversificando públicos, e concebendo e implementando projectos educativos

especificamente destinados a públicos com necessidades especiais.

O Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo, embora tenha o dever de

conservar e recuperar o património azulejar e as memórias inerentes à sua história, tem

igualmente o dever de criar condições para o surgir de novas memórias, investindo

numa política cultural que responda às expectativas da comunidade “virtual” e que,

Page 194: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

184

simultaneamente, constitua uma proposta de modernidade face à heterogeneidade de

interesses do público que o visita.

De um modo específico e sistemático, o Museu propõe-se dar consecução aos

seguintes objectivos:

- Salvaguarda do património azulejar da Colecção Berardo, através das funções

museológicas nas áreas de inventário, estudo e conservação;

- Promover o apoio à investigação na sua área de actuação, através da

disponibilização de meios e da constituição de bases de apoio à investigação;

- Desenvolvimento e concepção de uma Base de Dados, que viabilize o

inventário integral e pormenorizado da Colecção, bem como, a sua gestão337;

- Promover a edição de trabalhos científicos sobre a História do Azulejo em

Portugal e de temas ligados ao património azulejar;

- Assegurar a preservação e conservação dos bens, promovendo programas de

acção e intervenção nesta área;

- Desenvolvimento de uma programação temporária qualificada que incentive a

permanente actualização do conhecimento sobre a Colecção e que estabeleça o

confronto com a produção artística em contexto nacional e internacional;

- Promover a produção ou co-produção de obras contemporâneas;

- Servir de plataforma/interface para a apresentação da Colecção, fomentando

visitas reais aos diferentes núcleos expositivos;

- Disponibilização de informações relativas à Colecção passíveis de serem

descarregadas num formato digital ou impresso, servindo de complemento a uma

visita real338;

- Desenvolvimento de parcerias institucionais e de relações com diversos agentes

sociais, designadamente através da participação de Mecenas e dos Amigos do Museu;

- Construção de espaços de reflexão, diálogo e debate sobre o património azulejar e

seus campos de estudo associados, através da criação de blogues e fóruns de discussão.

337 Com base neste objectivo foi concebido e desenvolvido o Sistema de Inventário e Gestão da Colecção, por nós designado por OCP, apresentado no Capítulo II, da Parte II. 338 Tendo em conta a escassez de informação relativa à azulejaria, nos locais físicos onde a Colecção Berardo se encontra exposta ao público, nomeadamente, na Quinta e Palácio da Bacalhôa, na Quinta da Bassaqueira – Bacalhôa Vinhos de Portugal e no Jardim Tropical Monte Palace, o Museu Virtual, possibilitaria descarregar a informação, quer em formato digital, para um telemóvel ou para um personal digital assistant, vulgo PDA ou Handhelds, quer fazer impressão de um ficheiro PDF (portable document format), de forma a complementar o percurso expositivo “tradicional”, com informação mais desenvolvida e aprofundada sobre os exemplares.

Page 195: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

185

3. Funções Museológicas339

O novo conceito de museu e as novas práticas museológicas estão materializadas

na definição do ICOM: “O museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao

serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberto ao público, e que adquire,

conserva, estuda, comunica e expõe testemunhos materiais do homem e do seu meio

ambiente, tendo em vista o estudo, a educação e a fruição.”340 E na Lei-quadro dos

Museus Portugueses: “Museu é uma instituição de carácter permanente, com ou sem

personalidade jurídica, sem fins lucrativos, dotada de uma estrutura organizacional que

lhe permite: (…) c) garantir um destino unitário a um conjunto de bens culturais e

valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação,

conservação, interpretação, exposição e divulgação, com objectivos científicos,

educativos e lúdicos; d) facultar acesso regular ao público e fomentar a democratização

da cultura, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.”341.

O Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo será um espaço virtual de

mediação e de relação do património azulejar com os utilizadores. Complementando

uma colecção visitável, dispersa geograficamente, e desenvolvendo as seguintes funções

museológicas342: estudo e investigação; inventário e documentação; interpretação e

exposição; e educação.

O estudo (trabalho de aprofundamento, sobre um, ou vários temas, objectos ou

colecção, visando o alargamento do saber e permanecendo sempre em aberto, sendo

completado com várias investigações) e a investigação (recolha de informação

documental, fotográfica, gráfica, e/ou audiovisual, que ajudam a contextualizar um

objecto, circunscrevendo-o num determinado espaço-tempo museal) alicerçam as

acções desenvolvidas no âmbito das restantes funções do museu, designadamente “(…)

para estabelecer a política de incorporações, identificar e caracterizar os bens

culturais incorporados ou incorporáveis e para fins de documentação, de conservação,

de interpretação e exposição e de educação.”343.

339 No âmbito das Funções Museológicas, remetemos o estudo e investigação, e o inventário e documentação, para a primeira e segunda parte da presente dissertação (Parte I – A Colecção e Parte II – Inventário e Gestão da Colecção), onde abordamos pormenorizadamente estes aspectos. 340 Extraído dos Estatutos do ICOM, adoptados na 16ª Assembleia-geral do ICOM (Haia, Holanda, 5 de Setembro de 1989) e alterados pela 18ª Assembleia-geral do ICOM (Stavanger, Noruega, 7 de Julho de 1995) e pela 20ª Assembleia-geral do ICOM (Barcelona, Espanha, 6 de Julho de 2001) Artigo 2º: Definições. 341 Lei nº47/2004, artigo 3º. 342 Conforme Lei nº 47/2004, Artigo 7. 343 Lei nº 47/2004, Artigo 8.

Page 196: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

186

O inventário museológico, enquanto, relação exaustiva de todos os objectos que

constituem o acervo do Museu, tem como objectivo inicial identificar individualmente

cada uma das peças. Como atrás ficou referido, no presente caso, a sua realização

contemplou, e continuará a contemplar, os princípios básicos de normalização

internacionalmente adaptados, no âmbito da Museologia, embora, salvaguardando, as

particularidades da Colecção e a vocação específica da instituição, que a tutela.

Associada ao inventário, a documentação possibilitou o complemento de registos

subsequentes, que permitiram aprofundar e disponibilizar informação sobre os

exemplares, assim como, acompanhar e historiar o respectivo processamento, sendo esta

uma acção, fundamental, na actividade do Museu, que aqui propomos.

No contexto das funções museológicas, o Museu Virtual, dado o seu cariz

incorpóreo não poderá cumprir a incorporação, assim como, não poderá, também,

assegurar a conservação dos objectos. Todavia, atendendo à sua correspondência no

universo físico, esta será uma actividade que ficará adstrita à coordenação (física) da

Colecção Berardo, pertencente à Fundação sua homónima. Quanto à conservação,

embora, virtualmente não possa ter uma intervenção activa nesta área, poderá angariar

meios e fundos; promover a salvaguarda através da divulgação e de acções específicas

que venha a desenvolver, ou mesmo contribuir para um melhor conhecimento das

técnicas e método de conservação/restauro do património azulejar.

Dar um enquadramento museológico a este imenso património cultural irá

permitir que, o mesmo usufrua dos benefícios inerentes à actividade museal. Embora, a

Colecção de Azulejos estivesse parcialmente inventariada, este enquadramento, vem

garantir a finalização e aprofundamento do processo de inventariação e documentação,

através da criação de raiz de um Sistema de Inventário e Gestão, específico para a

Colecção, bem como, fomentar o desenvolvimento de estudos científicos sobre o mesmo

património, optimizando e consolidando a salvaguarda e a conservação dos exemplares.

No seguimento do inventário, aprofundamento do estudo e documentação da

Colecção, sucede-se a divulgação, apresentando e dando a conhecer o espólio ao

público. Fruto da interpretação museológica, ou seja, da capacidade de transformar as

mensagens e/ou dados situacionais (inerentes a cada objecto, ambiente ou situação) em

mensagens contextuais (inserindo o objecto num determinado contexto cultural, social

e/ou histórico, dentro do mesmo campo de pertinência), sendo o seu resultado a

linguagem museal, produtora, num espaço-tempo específico, de uma rede diversificada

de mensagens dirigidas, de acordo com a natureza dos seus constituintes e do seu

Page 197: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

187

ordenamento, a várias categorias de utilizadores internos e externos do museu, resulta a

exposição. Constituindo uma das funções essenciais do museu, sendo o seu meio por

excelência, é o instrumento da sua linguagem particular. É através da exposição que o

museu comunica com o público, apresentando e divulgando o seu património

museológico; transmitindo conhecimentos; promovendo a investigação científica e

desenvolvendo a sua função didáctica e lúdica.

Inerente às funções museológicas mencionadas depara-se o enquadramento

cultural e educativo, que no caso em estudo, irá imprimir uma dinâmica cultural através

da actividade museal não só ao nível virtual, assim como, ao nível presencial344. O Museu

irá desenvolver de forma sistemática programas de mediação cultural e actividades

educativas, que contribuam para o acesso ao património azulejar, com o objectivo

fundamental de criar relações entre a Colecção e os visitantes (público real e público

potencial). Este relacionamento dever-se-á concretizar de forma dinâmica e flexível,

adequada aos interesses e expectativas dos visitantes. Através do Serviço Educativo, o

Museu Virtual elaborará estratégias pedagógicas, que permitam desenvolver uma

comunicação eficaz, resultando numa interacção efectiva e continuada.

Fora de um sistema formal de aprendizagem, a educação neste contexto, define-

se como experiência museal, um conjunto total de conhecimentos, emoções, sensações e

vivências experimentadas como resultado da interacção com os objectos, com os

discursos e espaços do museu, mesmo que virtuais.

4. Público-alvo

Actualmente, os museus estão a defrontar um desafio fundamental: a

comunicação com o seu público. O espaço fechado em si próprio, criado com o

propósito primordial de preservar e salvaguardar o património cultural, está a indignar-

se, tendo como desígnio a transmissão de um conceito e a facilitação aos diferentes

públicos, de experiências sensíveis mediante a interligação com o objecto museal.

344 O Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo irá estabelecer uma ligação aos espaços expositivos (Quinta e Palácio da Bacalhôa, Quinta da Bassaqueira e Jardim Tropical Monte Palace), de forma, a criar condições adequadas ao acolhimento do público. No Museu Virtual será contemplado um “espaço”, onde, serão sugeridos percursos históricos, temáticos ou cronológicos em torno da Colecção, visando o conhecimento físico do espólio.

Page 198: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

188

Como defende Hugues de Varine “ (…) é no contacto sensorial entre o homem e o

objecto que o museu encontra a sua justificação e por vezes a sua necessidade.”345.

Atendendo à nossa proposta, desenvolvida no universo virtual, o museu, como

importante meio de comunicação, tem de usufruir de todo este desenvolvimento

comunicacional e tecnológico, no sentido de satisfazer as novas correntes da Museologia

que se inclinam, cada vez mais, sobre o papel do museu na sociedade contemporânea.

Esta nova existência arvora uma questão relevante. “(…) the tension between the

museum as a site of uplift and rational learning as opposed to one of amusement and

spectacle.”346. Os museus podem ser mais aprazíveis para o público se disponibilizarem

mais informação e entretenimento, ou a combinação dos dois – edutainment 347 –

estabelecendo um espaço atractivo com idoneidade para aumentar e multiplicar as

experiências sensoriais e cognitivas, que cada visitante pode usufruir.

Como consequência desses enormes desafios e transformações, que nas últimas

décadas, a sociedade da informação e do conhecimento, tem vindo a colocar às instituições

dedicadas à “(…) troca de informação e à formação do conhecimento.”348, nas quais os

museus se encontram claramente incluídos, estes têm vindo a ser confrontados com a

necessidade de repensarem o seu papel e, em última análise, a própria identidade e

relevância “(…) enquanto espaços de construção do conhecimento, o que lhes tem

colocado desafios e aberto oportunidades para o desenvolvimento com os públicos e com

as colecções, repensando e reequacionando os espaços e as formas para este encontro.”349.

Dada a especificidade institucional do Museu Virtual do Azulejo da Colecção

Berardo, são variados os tipos de público-alvo, desde o investigador ao professor,

passando pelos estudantes, técnicos, turistas, instituições similares, galeristas,

antiquários, coleccionadores privados e o público em geral. A existência na Internet,

deste espaço museológico, expande as possibilidades de disseminação da informação

345 VARINE, Hugues de – “Le musée au service de l’homme et du developpement” (1969). in Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, Éditions W/MNES, Paris, 1992, p. 52. 346 Alison Griffiths (2003), p. 376. 347 O conceito de edutainment é defendido por Mintz (MINTZ, A. – “Thats’s Edutainment!”. in Museum News, November/December, 1994, pp. 32-35.) As visitas aos museus, físicas ou virtuais, são momentos privilegiados de aprendizagem, proporcionando uma combinação de lazer e educação – edutainment – que se entretece com as experiências e vivências dos indivíduos, perdurando na memória muito para além do momento em que acontecem. 348 SILVERMAN, L. – “Visitor Meaning-Making in Museums for a New Age”. in Curator 38/3, 1995, pp. 161-169. 349 SILVA, Susana Gomes da – “Museus e públicos: estabelecer relações, construir saberes”. in Revista Turismo & Desenvolvimento nº 5, 2006, pp. 161-167.

Page 199: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

189

e/ou visita para inúmeros usuários, ou seja, os visitantes virtuais, que podem, também,

vir a ser visitantes presenciais.

À semelhança do que acontece nos museus ditos tradicionais, também nos

museus virtuais, se fala, cada vez mais, da educação museal, exaltando o espaço

museológico como um espaço para o debate e a construção de ideias numa lógica de

aprendizagem ao longo da vida – long life learning – o que pressupõe um alargamento

da noção de público tradicional350. Neste sentido, o museu que neste estudo propomos,

através da sua programação, procurará investir, progressivamente, na conquista,

diversificação, integração e fidelização de múltiplas audiências (a partir do universo de

públicos reais e potenciais), designadamente, dos públicos adulto e sénior, que têm

vindo a adquirir um crescente relevo nos programas de actividades educativas e

culturais, desenvolvidas por instituições congéneres.

Assente na sua vocação, missão e objectivos, o Museu Virtual do Azulejo da

Colecção Berardo, procurará desenvolver uma programação variada dirigida quer à

comunidade escolar (professores, educadores, alunos de todos os níveis de ensino), quer

aos restantes públicos especialistas e não especialistas (crianças, jovens, adultos,

famílias, pessoas com necessidades educativas especiais, seniores, profissionais da

educação, dos museus e da cultura), erigindo-se como um espaço vivificante de

comunicação, construção, criatividade e relacionamento.

5. Reflexões para o seu Desenvolvimento Conceptual

Para organizar um museu é necessário, antes de mais, conhecer bem o

património museológico e a sua principal área de influência: públicos e “território”351.

Neste sentido, e cientes que só o conhecimento profundo da Colecção de Azulejos nos

autorizaria a obter um programa que a organizasse cientificamente, sendo essa a base

para todo e qualquer projecto museológico que daí pudesse advir, iniciamos o presente

trabalho com o estudo e investigação da Colecção, recorrendo à inventariação

sistemática da mesma. No decurso desse longo processo reunimos um conjunto de 350 Esta afirmação é feita no contexto do público escolar e o público infanto-juvenil serem os mais representados nas estatísticas dos visitantes de museus e aqueles que mobilizam a maior parte dos recursos educativos destas instituições e, embora seja crucial reforçar que não se pode (nem de deve!) de forma alguma reduzir a função educativa dos museus ao trabalho realizado com grupos escolares e crianças, é importante reconhecer a importância e peso destes segmentos de público na programação destas instituições. 351 Entenda-se por “território”, o espaço virtual, onde será implementado o Museu.

Page 200: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

190

documentação que nos conduziu à fundamentação da instituição museológica proposta.

Absolutamente necessária para elaborar os diferentes programas, nomeadamente, o

expositivo e o educativo, a documentação é, também, fundamental para o desempenho

das actividades do museu: desde a investigação, a gestão da Colecção até à exposição,

às edições e ao serviço educativo, constituindo-se como uma fonte básica de informação

sobre o espólio e orgânica do museu.

Concluída a primeira fase para a criação do Museu Virtual do Azulejo da

Colecção Berardo definiu-se a sua missão, que de forma explícita, responde à essência e

à razão da sua existência. Tendo em especial consideração a Colecção em causa, e as

perspectivas de futuro (em função do que ela é e pode vir a ser), estabeleceu-se a

vocação do Museu, mediante a delineação da sua abrangência territorial; a

caracterização do seu campo temático; e a definição do seu âmbito disciplinar; da sua

dependência administrativa (tutela) e dos seus espaços de actuação (relação estabelecida

com outras instituições e entidades). Assim, com base na sua fundamentação teórica,

enumeramos as metas e objectivos, sendo que aos primeiros correspondem alvos de

natureza qualitativa que a instituição museológica pretende alcançar a longo prazo, e

aos segundos a realização quantitativa de cada uma das metas, a curto prazo.

Após a definição da missão, vocação, metas e objectivos, etapas fundamentais

para a constituição de qualquer equipamento cultural congénere, estipulamos as funções

museológicas, as quais darão corpo às diferentes fases de programação do Museu. No

entanto, tendo em atenção o objectivo e os prazos inerentes a uma tese de mestrado,

pareceu-nos despropositado desenvolver, no presente trabalho, os vários programas

intrínsecos à programação museológica. A sua prossecução resultaria num universo

maior do que poderíamos analisar no espaço temporal disponível, e que no nosso

entender, extrapolava os propósitos de um estudo elaborado neste âmbito. Todavia, em

jeito de conclusão, desta terceira parte da dissertação, julgamos pertinente, incluir

algumas considerações relativas ao futuro do Museu Virtual, sob o título Reflexões para

o seu Desenvolvimento Conceptual.

Na elaboração de um projecto museológico torna-se obrigatório realizar

previamente uma programação. O primeiro trabalho a efectuar consiste em definir com

clareza o que se pretende fazer, o objecto ou campo de trabalho. Como salientava João

Couto, já na década de 1960, “Um museu tem sempre de obedecer a um programa

Page 201: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

191

(…)”352, opinião que corroboramos, embora acreditemos que a programação não deve

ser inflexível, na medida em que os resultados da pesquisa poderão levar a uma

reformulação da mesma, quer no sentido da sua ampliação, por surgirem dados

imprevistos, quer no da sua contracção, por não permitirem a abordagem de alguns

conteúdos. Durante o período de investigação e de desenvolvimento do projecto

museológico, a programação deverá ser revista periodicamente, ajustando-se à realidade

em presença e às necessidades sentidas.

De certo modo, ao estabelecermos os pressupostos teóricos da unidade

museológica que aqui alvitramos, estamos já a programar, pois como refere Francisca

Hernández Hernández “La experiencia ha demostrado que la definición de un programa,

antes de realizar cualquier intervención museológica, es de gran eficacia tanto cuando se

aplica a proyectos importantes, como a otros sencillos y de menor complejidad, puesto

que permite assegurar una asistencia técnica y prática que comienza desde la definición

de los objetivos hasta la puesta en funcionamento del museo.”353. Entendemos assim, que

a programação é o estudo ou o conjunto de estudos que tem por fim precisar os objectivos

do Museu, ou seja, desenvolvê-los, completá-los e verificar a sua coerência. Importa,

ainda, salientar que a programação museológica, enquanto proposto de concretização

espacial (topológico) das funções museológicas, irá dar origem a diferentes tipos de

programa, que por sua vez, se multiplicarão em sub-programas.

Como atrás ficou referido, embora, não tenhamos intenção de desenvolver aqui

os diversos programas inerentes à criação do Museu Virtual do Azulejo da Colecção

Berardo, consideramos fundamental que na sua continuação, seja tido em conta, os

seguintes programas: o científico; o museológico/expositivo; o “arquitectónico/

museográfico/virtual”; o educativo; o de divulgação, e o de organização-gestão.

O programa científico, que deverá ser da responsabilidade da equipa de investigação

com apoio no estudo e pesquisa realizado, deverá estabelecer os conteúdos que serão

tratados a curto, médio e longo prazo, tratando-se, basicamente, da materialização da

vocação do Museu em temas. Os conteúdos programáticos que serão produzidos no âmbito

do programa científico deverão ter em consideração a natureza e especificidade da

Colecção; os objectivos e a missão designados, e as características do próprio Museu.

Dos vários grupos temáticos que deverão ser elaborados, um dos temas base para

a estruturação deste programa deverá versar a “História do Azulejo”, ou seja, a

352 COUTO, João – “Conversas sobre Museologia”, in Ocidente, nº 30, Fevereiro 1964, p. 99. 353 Francisca Hernández Hernández (1998), p. 119.

Page 202: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

192

apresentação desta forma de arte, desde os primeiros exemplares artesanais até à produção

contemporânea. Iniciando o assunto desde a antiguidade com prática de revestir paredes

com azulejos, que chega à Europa através das trocas culturais estabelecidas ao longo dos

séculos, entre os povos do médio oriente e os povos europeus, até à introdução na

Península Ibérica, onde se vulgarizou a sua utilização, a partir do século XIII. Assim,

dever-se-ia principiar a história dando especial destaque, ao azulejo, como hoje o

conhecemos, que surge em Espanha, e passa a ser usado em Portugal, entre finais do

século XV e a primeira metade do século XVI, com grandiosa singularidade, e que se

mantém até à actualidade, constituindo uma das referências patrimoniais incontornáveis

do nosso país. Percorrendo, deste modo, os cinco séculos da narrativa azulejar em

Portugal, este deveria ser um grupo temático basilar, na criação do Museu.

O programa museológico deverá ser desenvolvido, aplicando os diferentes

conteúdos programáticos, elaborados no programa científico, a um circuito expositivo,

que em nosso entender, deverá abranger duas áreas distintas: a área de exposição

permanente e a área de exposições temporárias.

No caso da exposição permanente, consideramos que o ponto de partida deveria

ser a “História do Azulejo”, contada de forma cronológica e com o objectivo de mostrar

a evolução da azulejaria através dos objectos da Colecção Berardo, que permitem

ilustrar e cobrir, o arco secular desta forma de arte, oferecendo uma sequência lógica e

facultando ao visitante uma leitura exacta do espólio. Contextualizando-o na história da

cultura portuguesa, a temática deveria ser desenvolvida nos seus múltiplos aspectos,

nomeadamente, artísticos, sociais, históricos e científicos. Assim, a exposição

permanente, deveria abordar todas as fases, que o Azulejo assumiu em Portugal, ao

longo dos tempos, desde os esquemas de soluções geometrizantes dos artífices hispano-

mouriscos, dos séculos XV e XVI, à copiosa e variada padronagem de tapete, policroma

e azul e branca, dos séculos XVII e XVIII, passando pelas criações da azulejaria

maneirista de influência itálo-flamenga, e logrando a sua expressão máxima nos grandes

painéis historiados da época de magnificência do rei D. João V, a que se seguiu a

produção prática e repetitiva da fase pós terramoto, legitimada pela urgência de

produção em grande número. Além destas épocas mais marcantes, a exposição deveria,

também, versar criações de outro tipo, igualmente significativas pela habilidade criativa,

pela expressão pictórica, pelo brilho dos esmaltes, pelas razões decorativas e

conjugações de enorme harmonia e unidade, como sejam, os azulejos de figura avulsa,

os frontais de altar, os painéis da apurada pintura do “Ciclo dos Mestres”, os painéis

Page 203: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

193

neoclássicos, numa duradoura produção em que o recurso à policromia foi alterando

com o recurso ao azul e branco, predominante.

Quanto às exposições temporárias julgamos que deverão ter a duração de seis

meses, de forma a compreender um número de visitantes significativo e heterogéneo;

desenvolver a sua função educativa; imprimir uma dinâmica semestral, mantendo o

Museu sempre actualizado, e possibilitar a sua rentabilização. Enquanto, que a

exposição permanente não poderá, dentro de certos limites, “fugir” a um critério

cronológico, as exposições temporárias poderão recorrer a critérios temáticos, técnicos,

estilísticos, ou outros, combinando inclusive mais do que um critério de organização.

Após o estudo da Colecção, sugerimos, a título de exemplo, uma exposição de

Registos, atendendo à representatividade e diversidade das tipologias incorporadas,

desde medalhões circulares e ovais, passando por molduras trapezoidais e rectangulares,

até ao tratamento exterior dos próprios painéis, com uso de recortes mais ou menos

pronunciados, todos representados no presente espólio. O número significativo destes

testemunhos e o facto de muitos deles se acharem datados, faz deste núcleo um

valorizado documento para o estudo a azulejaria em geral, especialmente, do período

que vai do século XVIII até 1834, com a extinção das ordens religiosas em Portugal, por

decreto do governo liberal. A exposição deveria englobar o estudo de diversas vertentes

dos registos hagiográficos incorrendo, numa primeira parte, em questões estilísticas e de

gramática decorativa; em aspectos comparativos quanto a outras manifestações

artísticas contemporâneas, tais como, a talha e a arquitectura; inclinando-se também

sobre as oficinas e fábricas, os casos exímios e seus autores; e ainda, sobre os novos

caminhos e tendências. Numa segunda parte, dever-se-ia incidir sobre os aspectos

iconográficos, antropológicos e sociológicos.

Pelo facto das representações, mais frequentes, desta tipologia de azulejos ter

sido condicionada, não só, pelos acontecimentos naturais (terramotos e incêndios), cuja

representação em termos das mentalidades foi marcante, mas variando também,

conforme a conjuntura histórica, religiosa, social, económica, política e ideológica, do

momento, entendemos que esta exposição temporária poderia chegar a um universo de

visitantes relativamente heterogéneo e com interesses distintos.

No âmbito do programa museológico, importa ainda salientar, que quer se trate de

uma exposição permanente ou temporária, o Museu terá de elaborar um projecto expositivo

descrevendo: o tema; o plano director dos conteúdos (análise e síntese da investigação, que

Page 204: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

194

deram origem ao programa científico); os objectivos; a descrição da exposição; o discurso

expositivo; a selecção dos objectos354 e a sua relação com o discurso expositivo.

O programa que intitulamos de “arquitectónico/museográfico/virtual” deverá

prever a descrição teórica da organização formal e funcional do Museu Virtual, ou seja,

delinear os diferentes espaços virtuais que o irão constituir e a forma que se organizam,

definindo, ainda, o tipo de informação e a forma como a mesma deverá ser patenteada ao

visitante355. O desenvolvimento deste programa deverá contemplar o mapa do Museu

Virtual, que será obrigatoriamente desenvolvido em diálogo aberto com museólogos,

programadores informáticos e webdesigners. No entanto, sendo essa uma parte mais

prática e funcional, parece-nos de extremo interesse, referir aqui, a circunspecção dos

conceitos inerentes a um desenho e imagem, que se pretende cuidada, garantindo critérios

de acessibilidade, navegação fácil e intuitiva; navegabilidade, organização lógica, e

usabilidade, linguagem correcta e simples, à semelhança do discurso museológico.

A usabilidade terá uma importância fundamental na criação do Museu Virtual,

pois como relembram Day e Evers, ela preocupar-se-á de forma especial com o

utilizador/visitante final, atendendo às suas características e necessidades específicas356.

Podemos considerar, que a navegação num museu virtual é, em certa medida, uma

experiência análoga à visita de um museu físico, pois existem mapas, esquemas, panfletos

ou sinalética, que ajudam o visitante a tirar um melhor proveito da sua visita. Visto que na

Internet o acervo que poderá ser colocado online é muito amplo é essencial ter em atenção

os diferentes públicos e os seus distintos interesses. Neste aspecto, a importância do

design de interface e da usabilidade é crucial, tendo em consideração a multiplicidade de

audiências, as várias expectativas e a mensagem que se deseja comunicar. Assim, será um

grande desafio para o webdesigner devido à pressão gerada entre a necessidade de

transmitir conteúdos de forma rápida e eficiente e a necessidade de um design apelativo.

Como refere Steve Krug, especialista em usabilidade na Internet, quanto mais

354 Quanto à selecção de objectos, o Museu, por ser de natureza virtual, tem a grande vantagem, de poder utilizar objectos, que estejam na exposição permanente, caso os mesmo sejam necessários para o discurso expositivo temporário. Esta situação, é também válida, para os empréstimos de instituições terceiras, ou seja, caso se necessita de um testemunho para complementar o projecto expositivo, podemos recorrer ao empréstimo a outros equipamentos museológicos nacionais ou internacionais, e mesmo que o objecto em questão esteja exposto fisicamente não será impedimento, sendo para isso necessário, solicitar apenas à instituição tutelar os direitos de cedência temporária da imagem. 355 Tratar-se-á, de uma espécie de guião que será entregue a um programador e webdesigner visando a construção do Museu Virtual. 356 DAY, Donald; EVERS, Vanessa – “The role of culture in interface acceptance”. In S. Howard; J. Hammond; G. Lindegaard (Ed) – Human Computer Interaction INTERACT'97. Chapman and Hall, London, 1997, disponível em: http://staff.science.uva.nl/~evers/pubs/INTERACT.pdf .

Page 205: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

195

heterogénea é a audiência mais difícil se torna criar um museu que vá de encontro às

necessidades e expectativas dos seus visitantes357. Ao longo dos anos, o processo de

comunicação foi sofrendo alterações, sendo que, hoje, já não pode ser compreendido

como um processo para massas, nos termos de um procedimento de um-para-muitos.

Presentemente, os mesmos processos de comunicação consistem num modelo de um-

para-um ou de muitos-para-muitos358. O Museu Virtual do Azulejo da Colecção Berardo

deverá fazer todos os esforços para conseguir ir ao encontro das necessidades de várias

audiências, apresentando nesse sentido, o mesmo conteúdo de várias formas.

Em 2004, Paul Marty e Michael Twidale realizaram um estudo sobre a

usabilidade dos museus virtuais, cobrindo vários tipos de museu, nomeadamente, de

arte, ciência, história e cultura, com colecções distintas, e cujos públicos principais eram

estudantes, escolas, crianças e adultos. Concluíndo, os autores referem que: “The

designers of museum Web sites often invest huge amounts of time and money in

developing extensive Web sites with fabulous content. Not analyzing these Web sites for

usability can mean users of the site will fail to discover and appreciate this rich content

— a frustrating experience for both museum professionals and museum visitors.”359.

Aludindo às afirmações, podemos destrinçar alguns aspectos, fornecidos por este

estudo, e que deverão ser tidos em consideração na criação do Museu Virtual. Assim

sendo, temos: multiplicidade de conteúdos disponíveis, gerando uma grande quantidade

de informação e uma aplicação muito extensa e complexa, que poderá confundir o

visitante, levando mesmo à desistência; designs muito elaborados, dando demasiada

importância ao lado artístico em detrimento da usabilidade, podendo, por vezes, distrair

o visitante desviando-o do objectivo que o levou a visitar o museu; interfaces demasiado

exploratórias, ou seja, que tal como no museu físico estimulam o visitante a explorarem

o espaço expositivo virtual, forçando-o a percorrer um determinado percurso imposto

pelo espaço museológico virtual; linguagem muito hermética utilizando directrizes de

acordo com termos específicos do processo museológico; entre outros.

357 KRUG, Steve – Don't Make Me Think: A Common Sense Approach to Web Usability. New Riders Press, 2nd edition, Berkeley, 2005. 358 O novo encaminhamento dos processos de comunicação vai ao encontro do conceito P2P (Peer-to-Peer), defendido por Ross e Nightingale, na publicação intitulada Media and Audiences: New perspectives, editada em Londres, pela Open University Press, em 2003. 359 MARTY, Paul F.; TWIDALE, Michael – “Lost in gallery space: A conceptual framework for analyzing the usability flaws of museum Web sites.” in First Monday, Volume 9, Number 9, September 2004. Disponível em: http://firstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/view/1171/1091.

Page 206: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

196

A navegação e a usabilidade do Museu Virtual, podem assim ser comprometidas,

se não existir um programa consciente sobre os elementos do design e da ergonomia de

interfaces, que proporcionam uma maior navegabilidade nestes ambientes.

É fundamental, que um projecto desta natureza, siga e respeite integralmente os

padrões do W3C – World Wide Web Consortium, que é um consórcio de empresas de

tecnologia, actualmente com cerca de 500 membros, que tem por objectivo elevar a

Internet ao seu potencial máximo, desenvolvendo protocolos comuns e fóruns abertos

que promovem a sua evolução. O W3C desenvolve tecnologias denominadas padrões

da Internet, para a criação e interpretação de conteúdos para a Internet. Assim qualquer

projecto desta natureza, desenvolvido segundo estes padrões, será acessível e

visualizado por qualquer pessoa (incluindo os utilizadores com dificuldades acrescidas)

ou tecnologia, independentemente do hardware ou software utilizados. As directivas

deste consórcio destinam-se a todos os autores de conteúdos web e aos programadores

de ferramentas para criação de conteúdos, tendo como principal objectivo promover a

acessibilidade, eliminando barreiras tecnológicas360.

Ainda dentro do programa “arquitectónico/museográfico/virtual”, importa referir

algumas regras do grafismo a ser aplicadas ao museu virtual. A tipografia deverá ser

clara e objectiva, devendo ser utilizadas fontes sem serifa, ao contrário do que

normalmente é aconselhado nos museus físicos, pois nestes ambientes facilitam a

legibilidade e o reconhecimento das letras no ecrã do computador. As cores podem

funcionar como ajuda na orientação dos campos temáticos, auxiliando a visita, mas

devem ser usadas com cuidado e de forma bem explícita, visto que poderão, também,

indicar links de hipertexto. Quanto ao alinhamento dos textos não existe uma regra

específica, fazendo apenas a ressalva, que os mesmos deverão estar alinhados com

coerência, ao longo de toda a aplicação. Finalmente, dever-se-á ter atenção ao uso de

grids361, facilitando a usabilidade do visitante, pois sempre que o mesmo procurar

alguma informação no interface estará no lugar esperado362. Sendo uma estrutura bem

360 Fundado por Tim Berners-Lee, em 1994, o W3C produz várias directrizes nesta matéria, sendo um dos documentos base o Web Content Accessibility Guidelines 1.0, constituindo-se uma referência para os princípios de acessibilidade e concepção. No site do consórcio, http://www.w3.org/, estão disponíveis todos os documentos produzidos. 361 O grid, ou malha gráfica, funciona como uma espécie de modelo bidimensional para organização dos elementos gráficos no ecrã. O objectivo do grid é ajudar o designer gráfico a criar o diagrama do conteúdo de uma página de forma harmoniosa para o visitante, através da valorização da estrutura e coesão do layout. 362 Salientamos, ser de extrema importância, o acesso, por parte do visitante a todos os ícones (botões), em qualquer área do Museu. Estes ícones deverão, também, estar sempre no mesmo local do interface, facilitando a visita.

Page 207: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

197

feita, o uso dos grids irá garantir uma melhor legibilidade, reconhecimento,

alinhamento, compreensão da mensagem e composição.

Em relação, à museografia, que incluímos neste programa com uma designação

pouco usual, prende-se com o facto de se tratar de um Museu Virtual, assim referimo-

nos, essencialmente, à componente semântica, ou seja, à história do percurso que acaba

por ser transversal ao programa científico e museológico, e à componente plástica,

incidindo sobre o arranjo gráfico, anteriormente, abordado.

No programa educativo deverão ser planeadas algumas actividades de extensão

cultural, que poderão ser desenvolvidas no contexto “virtual” do Museu, como sejam as

acções de serviço educativo, e/ou fora deste, nomeadamente, visitas guiadas aos espaços

expositivos físicos e a realização de roteiros complementares ao espólio em questão. O

programa educativo deverá apostar em criar relações estreitas com a comunidade de

forma a: estimular o interesse do público pela azulejaria, através de acções nas áreas de

educação, da divulgação e da animação; contribuir para a captação, formação e

fidelização de novos públicos, “virtuais” ou físicos, através de uma acção, que incentive

a integração e a participação de diferentes nichos da comunidade; e dinamizar as

exposições virtuais, e os espaços físicos, através do desenvolvimento de programas

lúdicos e criativos.

Numa sociedade cada vez mais rica em tecnologia e informação, o Museu

Virtual poderá servir como fonte de experiência e aprendizagem acessível a todos

quantos estejam interessados. A novidade desta experiência é a assunção que esta se

possa realizar quer transpondo a entrada de um edifício (espaço físico), quer usando um

computador, tratando-se em ambos os casos de uma experiência museal363.

Uma das características da Internet que favorece a sua utilização, sobretudo para

fins didácticos e educativos, em meios formais, incluindo os museus, é precisamente o

seu potencial interactivo. A interactividade permite ou facilita uma relação activa entre

o utilizador e a instituição/objectos museológicos, o visitante deixa de se um espectador

363 Autores como John H. Falk e Lynn D. Dierking têm optado por conceber aprendizagens susceptíveis de serem desenvolvidas no espaço museológico como um todo, englobando-as num processo mais vasto, o da “experiência museal” (da expressão inglesa – museum exprience). Pela expressão experiência devemos entender aqui, o conjunto total de aprendizagens, emoções, sensações e vivências experimentadas como consequência desta interacção com os objectos, com os discursos e espaços dos museus, ou seja, o resultado de uma visita ao museu que persistirá muito para além do momento específico em que decorreu. A este respeito ver: FALK, John H.; DIERKING, Lynn D. – Learning From Museums: Visitor Experiences and the Making of Meaning. Lanham, Oxford, Walnut Creek, Altmaira Press, New York, 2000.

Page 208: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

198

passivo e converte-se num sujeito activo, podendo tomar decisões e ser o protagonista

do processo de aprendizagem, interagindo com a informação disponibilizada364.

Sem substituir outros meios, mas em complementaridade com eles, a utilização

da Internet, em meio museal, poderá ser um complemento importante para alcançar os

fins propostos, neste processo de implementação e consolidação das experiências para e

pelo património cultural. Num ambiente virtual com possibilidades de interacção, o

visitante torna-se um participante activo da sua própria aprendizagem, aliando as

potencialidades da apresentação digital aos processos de construção do conhecimento e

da aprendizagem. A utilização de produtos multimédia como ferramenta desses

processos desperta um grande interesse na sociedade actual, principalmente junto aos

mais jovens, atendendo aos benefícios que poderá trazer, nomeadamente,

proporcionando aos utilizadores o desenvolvimento das suas capacidades críticas e de

auto-aprendizagem, preparando-os para enfrentarem os desafios deste novo século.

Numa perspectiva mais prática, o programa educativo do Museu Virtual do

Azulejo da Colecção Berardo, deverá contemplar uma diversidade de actividades para

diferentes públicos, tais como: actividades lúdicas a serem desenvolvidas online ou

apresentando a possibilidade de download; promoção de actividades incentivando o

público infanto-juvenil, por exemplo, à criação de um espaço dentro do Serviço

Educativo, onde os alunos elaborem as sua próprias exposições virtuais, configurando-se

deste modo, um novo modelo de relacionamento com a sociedade, no qual se destaca o

sentido de colaboração e participação; fichas educativas referentes aos espaços

expositivos físicos, incluindo os painéis in situ da Quinta da Bacalhôa, que funcionem

como fichas de observação para acompanhamento das visitas de modo a adequar os

conteúdos da exposição às necessidades pedagógicas dos diversos públicos;

disponibilização de vários canais permanentes de divulgação histórica e artística destinada

a alunos e professores do ensino formal, não-formal e informal e ao público em geral,

364 A interacção dos vários factores é aquilo a que os especialistas chamam de “Modelo de Experiência Interactiva”. Este modelo foi concebido para criar uma imagem coerente e total da experiência museal, orientando aqueles educadores que pretendem proporcionar vivências qualitativas. Identifica uma conceptualização da visita ao museu considerando a interacção de três factores: o contexto pessoal, social e físico. Para compreendermos o modelo é imprescindível assumir que cada um destes contextos é construído pelo visitante ao longo da visita e informado pela experiência que está a viver. Esta experiência é singular porque tudo aquilo que o visitante faz ou sente é filtrado pelo contexto pessoal, mediado pelo contexto social e integrado no contexto físico. O modelo define-se como um conjunto tridimensional, constituído por três esferas interactivas que representam cada um dos contextos. A qualquer momento, um ou mais contextos, podem assumir maior relevância na experiência e influenciar a perspectiva do visitante.

Page 209: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

199

divulgando as artes plásticas e decorativas, e em particular a azulejaria; publicações

periódicas desenvolvidas especialmente para a visita virtual, mas com possibilidade de

impressão ou download (para diferentes equipamentos, como os PDA’s); criação de uma

rede de comunicação entre especialistas e públicos interessados na temática do Museu,

promovendo a interacção e aprendizagem por meio web, construindo, colectivamente,

conhecimentos e veiculando, socialmente, a valorização do Azulejo como elemento

caracterizador da identidade nacional; entre muitos outros eventos, que poderão fazer

parte de um programa dinâmico de actividades capaz de responder aos interesses de um

conjunto diversificado de públicos, visando por um lado a captação de novos visitantes e,

por outro, a formação de públicos cada vez mais vastos, conhecedores e rigorosos,

estabelecendo com eles relações estreitas e duradouras.

Entendemos, que um movimento dinâmico entre o real e o virtual, o passado e o

presente, poderá suscitar uma experiência capaz de promover uma aprendizagem

marcante e reflexiva sobre a temática do Museu.

O programa de divulgação deverá contemplar duas áreas de actuação distintas,

uma relativa ao projecto editorial e outra ao projecto de difusão e marketing. No

primeiro caso deverá ser elaborado um plano de publicações em diferentes suportes,

sendo que as de formato digital, deverão ter possibilidade de download. As edições

terão como objectivo a divulgação e valorização da Colecção.

No âmbito do projecto de difusão deverá assumir especial importância a

comunicação institucional, a relação com a imprensa e o marketing, áreas em que cada

vez mais os museus vão apostando de forma a projectar e melhorar a sua imagem como

instituição, facultando a relação com outras instituições, a divulgação das suas

actividades e difusão das suas funções, acções e colecções. Esta área deverá abranger

outras instituições, público em geral, técnicos e profissionais de diversos sectores. Em

função dos objectivos e recursos do Museu Virtual deverão ser criados diferentes

materiais de divulgação, devendo ser consideradas as seguintes questões: quais as

estratégias a desenvolver; quais os circuitos de distribuição; qual a forma de assegurar a

divulgação permanente; que continuidade e periodicidade será possível; qual a

sustentabilidade; a verificação da eficácia/sucesso das estratégias, entre outros. O

estudo, e selecção dos canais de comunicação é também, de extrema importância,

seleccionando os mais adequados ao público que o Museu pretende atrair, tentando

seguir sempre estratégias viáveis, e optimizando os recursos existentes.

Page 210: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

200

A título de exemplo, neste campo deverão distinguir-se acções de explicação e

uso do logótipo e normas de utilização, bem como, a disponibilização da agenda com

eventos relacionados com o Museu ou com áreas de interesse congénere. E

complementarmente, a criação de mailing lists, newsletter ou alertas relacionados com

os eventos a realizar.

Ainda, na área de divulgação, deverá ser pensada a criação de uma loja virtual

com venda online, onde sejam disponibilizados os catálogos, as publicações internas ou

externas, dentro da mesma temática, e merchandising diversificado.

O programa de organização-gestão é basicamente um programa de operações,

que dará resposta à necessidade de fasear devidamente o projecto do Museu, em que o

grau de especialização é muito elevado, e de clarificar as responsabilidades, tendo,

simultaneamente, um papel pedagógico e financeiro muito importante: pedagógico,

porque adverte os responsáveis, dos diferentes departamentos, a tomar decisões técnicas

no momento oportuno; financeiro, dado que permite o controle incessante dos custos.

Neste programa deverá ser feito um planeamento das responsabilidades de cada

departamento do Museu, para assegurar a concretização dos conceitos e dos objectivos

predefinidos. Instrumentos de gestão como mapas de trabalho ou cronogramas são

indispensáveis neste âmbito, evitando deste modo qualquer derrapagem de conteúdos,

custos ou prazos de execução.

A par dos programas anteriormente esboçados, na criação do Museu Virtual do

Azulejo da Colecção Berardo dever-se-á ter em consideração: os recursos humanos

adstritos, definindo um quadro de pessoal, interno e externo, inferindo quais as suas

competências e responsabilidades; os recursos logísticos, nomeadamente, as infra-

estruturas necessárias ao seu funcionamento, mencionando quer os locais de trabalho

destinados ao quadro de pessoal interno, quer os espaços designados ao armazenamento

da informação, que dará corpo à unidade museológica; e os recursos financeiros,

fazendo uma explanação dos custos de implementação e manutenção.

A manutenção do Museu Virtual e a actualização permanente de conteúdos e

actividades associadas será, de facto, o grande desafio, pois implicará um estrutura

orgânica e financeira subjacente e em permanência.

Perspectivando uma estratégia de sustentabilidade para o futuro, o Museu poderá,

por exemplo, angariar meios e fundos, promovendo a salvaguarda através da divulgação e

de acções específicas que venha a desenvolver, ou mesmo contribuir para um melhor

conhecimento das técnicas e métodos de conservação/restauro do património azulejar.

Page 211: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

201

No delineamento das estratégias futuras entendemos como fundamental o

estabelecimento de parcerias, pois como afirma Raquel Henriques da Silva “Nestas

áreas [parcerias], a reflexão a fazer passa por ter coragem de alterar sistemas de

relacionamento social herdados do passado e criar um novo relacionamento orientado

por valores de partilha corresponsabilizada, delinear um conjunto de objectivos e

estratégias que não pretendam apenas suprir as insuficiências ou as linhas

programáticas da equipa do museu mas pô-la ao serviço dos objectivos mais amplos

que não podem ser estreitamente os seus. (…) Os parceiros encontrados são

estrategicamente veículos fundamentais que em função dos seus próprios, possam

contribuir para finalidades conjuntas.”365. As parcerias abrem as portas da instituição

para a realidade exterior, desenvolvendo o relacionamento entre profissionais de várias

áreas. Assim, as redes de contactos externos irão reforçar a extensão do trabalho

desenvolvido pelo Museu e, simultaneamente, fomentar e fortalecer o contacto com

parceiros, que partilhem interesses e perspectivas comuns.

Em nossa opinião, este tipo de trabalho apresenta várias vantagens, sobretudo, o

engrandecimento de projectos; o aconselhamento específico; a diminuição de custos;

uma maior facilidade de obtenção de financiamentos; a simplificação na concepção e

produção de recursos; e a permuta ou empréstimo de equipamentos e outros recursos

físicos e/ou humanos. Ou seja, o propósito fundamental é criar sinergias entre

instituições, que têm como missão, a preservação e divulgação, do património cultural.

365 SILVA, Raquel Henriques da – “Política Educativa: objectivos.” in Actas Encontro Museus e Educação, Lisboa, 10 e 11 de Setembro 2001, p.19.

Page 212: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

202

Conclusão

Se é verdade que cada coleccionador é singular, não é menos verdade, que toda a

colecção é uma forma de auto-retrato. O coleccionador José Berardo, detentor de

diversas colecções, é sobretudo conhecido pela Colecção de Arte Moderna e

Contemporânea que, além de acolher autênticos núcleos de excelência, é uma referência

no panorama internacional, permitindo acompanhar os principais movimentos artísticos

do século XX. Com mais de 500 artistas representados, o espectro temporal da Colecção

Berardo inicia-se em 1909, com uma pintura cubista de Pablo Picasso, Tête de Femme,

e vai até aos mais recentes desenvolvimentos da produção artística coeva. Fonte

inesgotável de criatividade e de possibilidades de inovação, não só pela riqueza dos seus

conteúdos, mas também pela constante aquisição de obras, a Colecção possibilita

diversas e actualizadas leituras da arte contemporânea.

Em Abril de 2006, fruto da vontade conjunta do Estado Português e do

coleccionador privado, é criado o Museu Colecção Berardo nos espaços expositivos

do Centro Cultural de Belém, um amplo edifício projectado pelos arquitectos Vittorio

Gregotti e Manuel Salgado. Representando um marco indelével no cenário cultural do

nosso país, esta nova instituição consagrada à arte moderna e contemporânea

apresenta, desde de Junho de 2007, os núcleos primordiais da Colecção, assim como,

exposições temporárias.

No entanto, sendo a Colecção de Arte Moderna e Contemporânea, no âmbito do

“universo Berardo”, a mais conhecida do público nacional e internacional, a sua génese

é posterior ao objecto de estudo da presente dissertação. Iniciada na década de 80, época

em que o Coleccionador regressa à sua terra natal, a Colecção de Azulejaria funda, de

certo modo, uma fase inicial das colecções, organizadas de forma sistemática, revelando

o gosto pela arte portuguesa. Podemos mesmo certificar que se trata de uma afirmação

das suas raízes, imbuído de um sentimento de amor e devoção à pátria, evocando uma

portugalidade que pulsa para além da metrópole. Num acto de afecto ao país onde

nasceu e ao qual pertence, o Coleccionador procura através desta arte secular, recuperar

a memória de Portugal que, indubitavelmente, se faz das memórias das suas gentes, das

suas terras e das suas regiões. Embora a portugalidade não seja uma geografia, mas sim

um património imaterial, intangível, ao decidir iniciar uma Colecção de Arte Moderna e

Contemporânea, o Comendador Berardo transcende a portugalidade que tão bem revela,

para ganhar a arte da universalidade.

Page 213: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

203

Prosseguindo o objectivo de reunir um conjunto de obras, representativas da

História do Azulejo em Portugal, a aquisição dos exemplares foi sendo feita de modo

sistemático. Aconselhado por colaboradores, consultores e historiadores de arte, este

Coleccionador privado foi constituindo uma Colecção, que não deixando de espelhar

um gosto pessoal, com a presença mais reforçada de determinadas tipologias, traduz

simultaneamente, importantes obras de síntese da azulejaria portuguesa.

Ao tentar compreender as motivações e as escolhas que levaram à constituição

da Colecção, o documento primeiro a considerar é a própria Colecção, enquanto objecto

privilegiado de observação da personalidade do Coleccionador.

A Colecção de Azulejos é, particularmente, expressiva desta situação, retrato e

prova remanescente e categórica do indivíduo que, embora valendo-se de especialistas

que o aconselharam, patenteou, em muitos exemplares, erudição e decisão própria,

convertendo-se em última estância o seu efectivo criador. As aquisições podendo, em

alguns momentos, sugerir um movimento errático, parecem enunciar uma lógica

profunda de coleccionismo, gerida por ecletismo e intuição, estratégia que se torna mais

evidente no núcleo de Azulejaria Arcaica e Barroca.

Composta por mais de 600 exemplares datados entre o século XV e a

actualidade, quase todos de origem portuguesa, com excepção de um pequeno núcleo de

azulejos hispano-mouriscos, a Colecção de Azulejos da Fundação Berardo é

considerada a melhor colecção privada e a segunda maior do país, logo após a colecção

do Museu Nacional do Azulejo.

Nesta Colecção encontramos peças de referência da qual destacamos o

Mascarão (inv. 101-395), de gosto maneirista datável de cerca de 1565/1570; o Painel

de Azulejos de Padrão de “Marvila” (inv. 101-184), com um módulo padrão de

12x12, o de maior dimensão concebido no Mundo, sendo constituído por catorze tipos

de azulejos e representativo da criatividade dos nossos azulejadores de seiscentos; o

painel “Macacaria” – Acampamento de um exército junto a uma cidade fortificada

(inv. nº 101-189), cerca de 1665; o Silhar com Heráldica da Ordem Beneditina (inv.

101-390), com enrolamentos de folhagem de acanto sustidos por serafins, agindo

como tenentes, datável do terceiro quartel do século XVII; a Cena Galante e Bucólica

(inv. 101-196), produzida no primeiro quartel de setecentos de autoria do

monogramista P.M.P.; o conjunto de painéis proveniente da Capela da Quinta do

Relógio, Arrentela, Seixal, que constitui um programa iconográfico coerente,

representando, respectivamente, a Celebração da Primeira Páscoa (inv. 101-198), o

Page 214: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

204

Milagre da multiplicação do pão (inv. 101-199), as Bodas de Canaã (inv. 101-200), e

a Última Ceia (inv. 101-201); o par de painéis Eleita como Sol (inv. 101-205) e

Formosa como a Lua (inv. 101-206), emblemas marianos alusivos às litanias ou

ladainhas da Virgem; as quatro figuras de convite, entre as quais se encontra uma

Figura de Convite Feminina (inv. 101-388), do segundo quartel do século XVIII; as

dezenas de registos, representativos das diferentes tipologias produzidas, medalhões

circulares e ovais, molduras trapezoidais e rectangulares; ou os painéis historiados

Doação da Igreja e Mosteiro de Santa Maria ao Prior e Cónegos de Refóios (inv.

101-256) e Doação do Condado de Refóios a Menedo Afonso (inv. 101-257), cerca de

1805, outrora pertencentes à sala De Profundis do Convento dos Cónegos Regrantes

de Santo Agostinho, Refóios do Lima, Ponte de Lima.

O século XIX está representado com um importante núcleo de azulejos de

produção semi-industrial e industrial da Fábrica Roseira, Fábrica Cerâmica Viúva

Lamego, Fábrica Constância, Fábrica de Louça de Sacavém, todas em Lisboa; da

Fábrica de Massarelos do Porto e Fábrica das Devesas, de Gaia; e da Fábrica de

Cerâmica das Caldas da Rainha.

O intento de alargar o horizonte temporal até aos primórdios do modernismo, foi

desde sempre um desígnio latente da Colecção Berardo, tentando cobrir os principais

protagonistas e facultando uma leitura articulada das diversas correntes, ao abranger

artistas que marcaram o início do século passado até aos desenvolvimentos mais recentes

da criação artística contemporânea. Perseguindo esse propósito foram sendo incorporadas,

obras de autores como Jorge Barradas, Júlio Pomar, Fred Kradolfer, Manuela Madureira,

Cecília Sousa ou Abel dos Santos.

Com uma lógica de compêndio que, através dos vários estilos artísticos e

períodos cronológicos, pretende representar a História do Azulejo em Portugal, a

Colecção assume um carácter didáctico, reforçado pela sua própria estrutura. Seguindo

a preocupação de cobrir os vários estilos históricos, as várias tendências e os vários

nomes, é possível desenhar linhas desta forma de arte, através das múltiplas montagens

da Colecção, sendo perceptível o cuidado de não haver falhas, criando uma diacronia e

um discurso histórico da arte azulejar, no nosso país.

No ano de 2000, a aquisição da Quinta e Palácio da Bacalhôa, viria acrescentar

um importante contributo. Tornando-se um relevante ponto de partida cronológico, para

uma viagem, em torno, da almejada História do Azulejo em Portugal através da

Colecção, este Monumento Nacional, marca a entrada dos primeiros conjuntos

Page 215: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

205

azulejares in situ, no espólio. Esta compra poderá ser entendida com um regresso, por

parte do Coleccionador, à portugalidade. Para além do seu valor arquitectural e

simbólico, a Quinta e Palácio da Bacalhôa é considerada como o mais importante

repositório de azulejaria primitiva em Portugal.

Esta notável propriedade foi integralmente remodelada por Afonso de

Albuquerque (filho) entre 1528 e 1554, concedendo-lhe a sua feição mais característica,

que simboliza, incontestavelmente, a primeira edificação civil portuguesa, mandada

fazer por um particular, onde se revelam as formas artísticas renascentistas, no qual a

azulejaria sevilhana de aresta teve um especial destaque. Completamente distintos dos

revestimentos hispano-mouriscos de Sintra ou das combinações de motivos usados em

Coimbra, os forros da Quinta da Bacalhôa ostentam uma monumentalidade e

modernidade provenientes do aproveitamento de um só modelo, em cada parede, e do

inovador emprego diagonal dos azulejos.

Do vasto conjunto, que testemunha a azulejaria hispano-mourisca de aresta,

merecem especial atenção os diferentes revestimentos da escadaria de entrada e duas

das divisões da apelidada Casa do Lago ou Casa do Prazer, por se distanciarem dos

modelos convencionais produzidos em Sevilha. As composições dos desenhos revelam

não só uma excelente qualidade técnica, bem como, preocupações e requintes estéticos

do mais genuíno renascimento.

Verdadeiro museu do século XVI, encontramos na Bacalhôa os últimos

azulejos do tipo sevilhanos que se instalaram em Portugal, encerrando o ciclo do

azulejo mudéjar, e os primeiros exemplares de azulejos de majólica, provavelmente

feitos em Lisboa, figurativos ou de padrão, enriquecendo o inventário da azulejaria

portuguesa quinhentista.

Na verdade, sem grandes interrupções na História da Arte portuguesa o

Azulejo manteve-se, ao longo dos séculos, pelo simbolismo religioso, pela

durabilidade, pela combinação com outros materiais, pela luz, cor e economia, pelos

ensinamentos que transmitiu, pelo sentido decorativo e por constituir um elemento

caracterizador da nossa cultura.

Cientes da herança sócio-cultural que o Azulejo estabelece, constituindo assim a

alma portuguesa reflectida na arte, na história e no processo criativo dos autores, o

presente trabalho, possibilitou que fosse realizado, pela primeira vez, um estudo da

Page 216: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

206

Azulejaria da Colecção Berardo no seu todo, tendo como principal objectivo conceder um

enquadramento museológico, que potencie o seu valor histórico, estético e cultural.

O objecto museal atinge, na sociedade contemporânea, um significado de

preciosidade, que é necessário salvaguardar e cujo estudo aprofundado facultará, às

gerações futuras, e mesmo à nossa, alcançar um saber mais vasto da própria história da

Humanidade. Os museus, enquanto repositórios por excelência destes testemunhos, têm

então a enorme responsabilidade de adquirir, conservar, estudar e divulgar a cultura

material, que têm ao seu cuidado, para que o conhecimento seja compreendido por um

maior número possível de pessoas. Contudo, para que o Museu possa exercer a sua

missão basilar com êxito, é condição fundamental que conheça previamente o seu

património artístico que, em última análise, é o próprio significado da sua existência.

Cumprindo os seus propósitos, o Museu teve que se munir de sistemas de classificação

e registo dos bens culturais que têm vindo a ser alvo de constante desenvolvimento,

acompanhando, de resto, as mudanças verificadas no campo dos estudos da Museologia,

bem como, e ainda com maior dependência, a evolução tecnológica do último século.

Deste modo, o estudo e investigação da Colecção fundaram as restantes funções

museológicas desenvolvidas neste âmbito, sobretudo, o inventário e documentação,

dada a sua transversalidade no método museal. Certos da importância fundamental da

documentação, na perspectiva da conservação do espólio, revestindo-se em primeira

análise e a par do inventário, a tarefa essencial de qualquer projecto museológico,

desenvolvemos uma ferramenta informática de registo e gestão da informação, a qual

apelidamos OCP – Online Control Panel.

A concepção, e operacionalidade, do referido instrumento de trabalho,

possibilitou um saber mais aprofundado sobre este património, promovendo a realização

de estudos que tiveram sempre em linha de conta análises colaterais, relativamente às

diferentes disciplinas que neste contexto interagem. O conhecimento obtido facultou,

deste modo, a proposta de criação do Museu Virtual do Azulejo, permitindo uma eficaz

contextualização deste espólio, que infelizmente chegou até nós, como acontece um

pouco por toda a parte, desmembrado e espoliado dos seus contextos originais e que,

num espaço museal, poderia ver adequadamente reencenados e coreografados, esses

mesmos contextos, pelos investigadores da área.

Em nossa opinião, um museu, independentemente da sua natureza, constituir-se-ia

também como um espaço mais vocacionado para a utilização pedagógico-didáctica, no

que se refere ao estudo da azulejaria portuguesa, permitindo, igualmente, a

Page 217: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

207

(re)aprendizagem da história de Portugal, da história da arte e da arquitectura portuguesa,

assim se recuperando uma parte da nossa memória histórica, patrimonial e artística.

Durante o processo de desenvolvimento conceptual da nova ficha de inventário,

que posteriormente, serviu de base ao Sistema de Inventário e Gestão da Colecção,

(OCP), deparamo-nos com várias questões, nomeadamente: que informação se deve

registar sobre os objectos? Qual o procedimento de registo? Que campos são necessários

para contemplar toda a informação disponível? Qual a linguagem mais apropriada para

utilizar neste processo? Que ferramentas utilizar? Que regras e boas práticas podemos

utilizar como referência na documentação das colecções? O que pretendemos obter do

registo dessa informação? De que forma poderemos usufruir dessa informação no futuro?

De que forma podemos legitimar a qualidade do trabalho realizado?

Respondendo a estas questões no decurso da presente dissertação, socorremo-

nos da normalização, nacional e internacional, existentes. Todavia, verificamos que a

parca existência de documentos normativos na área da gestão do património cultural,

continua a ser uma realidade no nosso país. A consciencialização da importância da

existência de uma norma que, de acordo com a normalização internacional, nas suas

mais distintas valências, pudesse responder às necessidades do tecido museológico

nacional e possibilitar a todos os profissionais da área, o acesso a um documento claro e

eficaz para a compreensão das várias questões técnicas presentes na documentação, é,

em nosso entender, absolutamente fundamental.

Embora, como atrás foi referido, reconheçamos o esforço salutar, que tem vindo

a ser feito por parte do IMC, bem como, por parte dos diversos museus portugueses, que

no seu trabalho diário, muito têm contribuído para esta questão, a escassez de uma

reflexão sobre a metodologia e a normalização, por parte da comunidade envolvida, e a

falta de persistência na sua aplicação, são factores que conjuntamente têm contribuído

para soluções individuais, inviabilizando a partilha da informação produzida no

contexto museal.

Não obstante, dos fundamentos agora enunciados, admitimos que a tarefa é

íngreme, demorada e obriga a uma constante actualização, mesmo depois de se chegar a

um documento normativo. Ou seja, a documentação mesmo que normalizada, deve ser

alvo de mecanismos regulares de controlo, que garantam a validação de critérios

comuns no processo generalizado de informatização, a sua (re)avaliação e (re)adaptação

às necessidades específicas de cada colecção.

Page 218: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

208

A análise das normas nacionais definidas pelo IMC e utilizadas pelos museus

portugueses, bem como, das internacionais, produzidas pelos diversos organismos mais

referenciados em relação a standards documentais, como o CIDOC, a MDA, ou o

CHIN, possibilitou a sua posterior utilização, de forma a concebermos uma solução que

as conjugasse e, finalmente, reunir os recursos técnicos para a construção de uma base

de dados e um sistema de gestão da informação, destinados ao registo e documentação

deste património azulejar. Como atrás ficou referido, na criação do sistema de gestão,

tivemos também, em especial consideração, as outras duas vertentes da normalização

documental, a dos conteúdos e a dos procedimentos. Assim, desenvolvemos o Sistema

de Inventário e Gestão da Colecção de Azulejos com base na normalização

internacional alvitrada, sendo que, a nível nacional, recorremos às Normas de Inventário

editadas pelo IMC, com especial destaque para a categoria de Cerâmica e a

subcategoria de Cerâmica de Revestimento. A ferramenta informática obtida

possibilitou-nos assim, a normalização da metodologia, das regras de registo da

informação e o melhoramento progressivo da linguagem documental utilizada nesta área

temática. Elegendo-os como factores indispensáveis à eficácia funcional das entradas e,

concludentemente, a uma classificação homogénea, condição fundamental no processo

de partilha e recuperação da informação processada.

Seguindo os desígnios a que nos propusemos, dotamos a Colecção de Azulejos

de um novo sistema de inventário, que nos permitiu documentar de forma mais

completa e aprofundada, os objectos que a constituem. No decorrer do complexo e

moroso processo de inventariação encontramos documentos de incorporação;

identificamos proveniências e autorias; agrupamos conjuntos originais; estabelecemos

datações, mediante estudos e investigações realizadas; elaboramos historiais; registamos

estados de conservação; reunimos e adicionamos referências bibliográficas;

desvendamos fontes de inspiração; identificamos marcas e inscrições; associamos

exposições; assinalamos heráldicas e insígnias, entre muitas outras categorias de

informação, que deste modo, sistematizado e organizado, evidenciam as inúmeras

potencialidades da Colecção.

Neste âmbito importa, ainda, referir que a aplicação informática, agora

desenvolvida, possibilitará às entidades museológicas, não só a facilitação e

normalização do inventário, bem como, a inclusão de um conjunto de ferramentas

visando a gestão integrada das colecções em contextos de actividades diversas, como a

circulação de peças, organização de exposições temporárias, gestão de depósitos, entre

Page 219: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

209

outros. Com a disponibilização de tais ferramentas e com a implementação de

programas próprios, os museus irão dispor de instrumentos nodais de gestão da

informação produzida e partilhada pelos seus vários sectores de actividade, e, como tal,

em factor de rentabilização de trabalho e capitalização de conhecimentos e

procedimentos em torno do património cultural. Contudo, relembramos, que sendo o

OCP uma ferramenta de trabalho flexível, e o inventário, por definição, um processo em

aberto, este é o princípio de um percurso, que se deseja dinâmico, e para o qual

contribuirão a investigação continuada, o avanço tecnológico e a prática museológica.

Visando a divulgação do manancial informativo auferido na primeira fase deste

projecto e perspectivando a possibilidade de juntar virtualmente uma Colecção que

fisicamente se encontra dispersa, imprimindo deste modo, um discurso museológico que

aponte para o conhecimento histórico/cronológico, científico e estético deste património

cultural, alvitramos a criação do Museu Virtual do Azulejo. Uma colecção não é um

museu! Um museu vive da colecção, mas também do trabalho de exposições,

permanentes, e/ou temporárias, dos serviços educativos, das publicações, do facto de se

inscrever como agente no tecido cultural do País. Neste sentido, a Azulejaria da Colecção

Berardo é o núcleo principal a partir do qual se desenvolve um projecto museológico,

propondo a criação do Museu Virtual do Azulejo, enquanto, modelo de divulgação e

agregação da própria Colecção.

A adaptação às novas formas de divulgação da informação e do conhecimento é

fundamental para os museus, como forma de responder satisfatoriamente às sociedades de

informação actuais, entre as quais se distinguem os produtos multimédia e mais

concretamente a Internet, indo ao encontro de soluções viáveis que atenuem a distância

entre as instituições e o exterior, sobretudo junto do público mais jovem. As ferramentas

originárias dos avanços tecnológicos têm extensíssimos potenciais ao nível pedagógico.

Actualmente, vivemos a transição do paradigma do ontem, da sociedade

nacional, e do hoje, da sociedade global. O potencial social das TIC e os efeitos que

produzem na forma de pensar e agir de cada indivíduo são indiscutíveis. A par destas

mudanças, também, a instituição museológica sofreu grandes alterações e foi alvo de

uma benéfica discussão, que produziu novas formas de pensar o museu,

consciencializando-se de que necessita de se libertar do seu espaço tradicional e

limitado, para se tornar acessível ao grande público. É premente, e fundamental, a

adaptação do museu às necessidades da sociedade actual que se encontra em constante

Page 220: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

210

mutação. Deste modo, a proposta exposta assenta na nova realidade de expansão da rede

de comunicações, reflectida no uso dos novos media e nas consequências da sua

massificação na sociedade contemporânea.

O museu, enquanto importante meio de comunicação, tem de aproveitar todo

este desenvolvimento comunicacional e tecnológico, no sentido de satisfazer as novas

correntes da Museologia, que se inclinam cada vez mais sobre o papel do museu na

sociedade actual. Os novos media, e a Internet em particular, são um instrumento

valioso no processo de comunicação entre o museu e o seu público. A sua utilização

como complemento, ou não, do espaço físico das instituições museológicas vem

facilitar a emissão da mensagem desejada e prender a atenção do visitante, facultando

uma nova visão dos objectos museais.

É neste cenário, associado ao avanço das novas tecnologias, e consequentemente

o desenvolvimento da sociedade, que o Museu Virtual do Azulejo se apresenta como

facilitador da recepção informativa, pedagógica e estética do objecto museológico. No

ambiente digital, o visitante deixará de ser um sujeito passivo, que apenas reage à

mensagem transmitida, passando a ser incentivado a participar e interagir com o espaço,

de acordo com a sua experiência, gosto pessoal e nível cultural.

A Internet patenteia um incomensurável potencial informativo e comunicativo,

quer em questões de celeridade de circulação, quer em número de pessoas e áreas

geográficas que abrange. Devido às suas características de imaterialidade,

instantaneidade e multimédia, democratiza o acesso à informação e conhecimento de

determinados tipos de bens; facilita a comunicação entre pessoas e instituições e

universaliza oportunidades, eliminado barreiras espaciais, geográficas e temporais. Na

realidade, as vantagens deste tipo de equipamento museológico são prodigiosas,

designadamente, a democratização do acesso à informação e ao espólio; facilidade de

comunicação entre pessoas e instituições; a universalização das oportunidades,

eliminando barreiras espaciais, geográficas e temporais; a possibilidade de estruturar a

informação, recorrendo ao hipertexto, nomeadamente, em diferentes níveis articulados

em função do utilizador a que se dirige, dos seus interesses e necessidades e de

organização dos conteúdos de acordo com as estratégias divulgativas ou educativas da

instituição; bem como, a utilização e conjugação de diversos tipos de suporte,

designadamente texto, áudio, vídeo e imagem, muito úteis às necessidades

desencadeadas pelos conteúdos que se pretendem disponibilizar em sites de museus.

Page 221: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

211

Se pensarmos em termos comparativos, e no caso específico do Museu Virtual

do Azulejo da Colecção Berardo, a maioria dos internautas que, do mundo inteiro,

vierem aceder ao museu, corresponde à mesma quantidade de pessoas que, de outro

modo, jamais viriam a Portugal para conhecer a Colecção. Assim, o Museu dará uma

acrescida visibilidade cultural à Região Autónoma da Madeira, onde se encontra o

núcleo central da Colecção, e contribuirá para uma afirmação de Lisboa enquanto

destino de turismo cultural. Trata-se da abertura de um país periférico, situado na cauda

da Europa, a uma comunidade global. Neste contexto, acreditamos vivamente, que a

virtualidade das colecções museológicas, é uma enorme vantagem para o

desenvolvimento humano e enriquecimento das sociedades.

No delineamento das estratégias futuras da unidade museológica, aqui proposta,

entendemos como fundamental o estabelecimento de parcerias, pois estas abrirão as

portas da instituição para a realidade exterior, desenvolvendo o relacionamento entre

profissionais de várias áreas. Assim, as redes de contactos externos irão reforçar a

extensão do trabalho desenvolvido pelo Museu e, simultaneamente, fomentar e

fortalecer o contacto com parceiros, que partilhem interesses e perspectivas comuns.

Em nossa opinião, este tipo de trabalho apresenta várias vantagens, sobretudo, o

engrandecimento de projectos; o aconselhamento específico; a diminuição de custos;

uma maior facilidade de obtenção de financiamentos; a simplificação na concepção e

produção de recursos; e a permuta ou empréstimo de equipamentos e outros recursos

físicos e/ou humanos. Ou seja, o propósito fundamental é criar sinergias entre

instituições, que têm como missão, a preservação e divulgação, do património cultural.

Tentando não incorrer em repetições, atendendo ao facto de que as

considerações, ou “conclusões”, específicas deste estudo se encontram em cada um dos

capítulos precedentes, fazemos uma chamada de atenção para o papel da usabilidade na

mediação entre o público e o objecto museológico. A pluralidade de públicos que

poderá interagir com o Museu Virtual, através dos produtos, conteúdos e actividades

criadas, será díspar, o que implica que estes sejam periodicamente actualizados e

adaptados de forma a ir ao encontro das carências de um determinado público e de um

determinado espaço temporal. Neste sentido, é impreterível, que o Museu consiga

satisfazer as necessidades das várias audiências e consiga enfrentar o grande desafio de

ir ao encontro das capacidades e competências existentes, na enorme diversidade de

potenciais utilizadores das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação.

Page 222: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

212

Salientamos, ainda, que o presente trabalho, poderá servir como exemplo para

outras colecções, não só da Fundação Berardo, bem como, de todo o tecido

museológico português, sendo que a implementação de Sistemas de Inventário e Gestão

do património cultural e a sua divulgação nos novos meios de comunicação, seria uma

mais valia, garantindo um destino unitário a um conjunto de bens e facultando o acesso

regular ao público, mediante o fomento da democratização da cultura, a promoção da

pessoa e o desenvolvimento da sociedade.

Page 223: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

213

Referências Bibliográficas

I – Azulejaria

AA.VV. – Cerâmica Neoclássica em Portugal. Catálogo da Exposição, Museu

Nacional do Azulejo, Instituto Português de Museus, Lisboa, 1997.

AA.VV. – Real Fábrica de Louça ao Rato. Catálogo da Exposição, Museu Nacional do

Azulejo, Lisboa e Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, 2003.

AA.VV. – Azulejos Portugueses, séculos XVII a XX. Catálogo da Exposição, Ministério

dos Negócios Estrangeiros e Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, 1987.

AA.VV. – Enciclopédia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti.Vol. V, Instituto Giovanni

Trecanni, Rizzoli & Cª, Milano, 1931-39.

AA.VV. – João Miguel dos Santos Simões 1907-1972. Catálogo da Exposição, Museu

Nacional do Azulejo, Lisboa, 2007.

AA.VV. – Museu Nacional do Azulejo. Roteiro. Instituto Português de Museus, 2ª

Edição, Lisboa, 2005.

AA.VV. – O Azulejo em Portugal no século XX. Comissão Nacional para as

Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Inapa, Lisboa, 2000.

ALMEIDA, António Ferreira de – Tesouros Artísticos de Portugal. Lisboa, 1976.

MARKL, Dagoberto – “O Renascimento”. in História da Arte em Portugal, Vol. VI,

Lisboa, 1986.

ALMEIDA, Fialho de – “A Glória dos Vencidos”. in Jornal Os Pontos nos iis, 1891.

ARAÚJO, Ilídio de – Arte paisagista e arte dos Jardins em Portugal. 1962.

Page 224: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

214

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Azulejo Núcleo Azeitão. Azulejos Portugueses

(séc. XV-XVIII)” in Colecção Berardo, Cerâmica Caldense e Azulejo Núcleo Azeitão,

Catálogo da Exposição, Centro das Artes e Espectáculos, Câmara Municipal da Figueira

da Foz, Figueira da Foz, 2003.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Decoração e Desenho. Tradição e Modernidade.

Azulejaria nos Séculos XIX e XX”. in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo

Pereira, Vol. III, Edição Círculo dos Leitores, Lisboa, 1995.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Figuras de Convite”. in Dicionário da Arte

Barroca em Portugal, Direcção de José Paulo Fernandes Pereira e Coordenação de

Paulo Pereira, Editorial Presença, Lisboa, 1989.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Formas Hispânicas. Azulejaria Portuguesa dos

Séculos XV e XVI”. in História da Arte Portuguesa, Direcção de Paulo Pereira, Vol.

III, Edição Círculo dos Leitores, Lisboa, 1995.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – Caminho do Oriente. Guia do Azulejo. Edição

Livros Horizonte, Lisboa, 1998.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – “Figuras de Convite em Portugal e no Brasil”. in

Oceanos, Azulejos Portugal e Brasil, Número 36/37, (Outubro1998/ Março 1999),

Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1998.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – Azulejaria Barroca portuguesa: Figuras de

convite. Edições Inapa, Lisboa, 1993.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho – Figuras de convite na azulejaria portuguesa do

século XVIII. Dissertação de mestrado em História de Arte apresentada à Faculdade de

Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1989.

ARRUDA, Luísa D´Orey Capucho; COELHO, Teresa Campos – Convento de S. Paulo

de Serra de Ossa. Edições Inapa, Lisboa, 2004.

Page 225: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

215

AZEVEDO, Carlos – Solares Portugueses. Livros Horizonte, Lisboa, 2ª Ed., 1988, (1ª

edição de 1969).

AZEVEDO, Carlos de – Solares Portugueses. 2ª Edição, Lisboa, 1988.

BEGEMANN, Haverkamp – Creative Copies. New York, 1988.

BERGSON, Henri – Le rire. Essai sur la signification du comique. Paris, 1950.

BINNEY, Marcus; CARVALHO, Manuel Rio de – Casas Nobres de Portugal. Difel,

Lisboa, 1987.

BRÜT, F.; CUNHA, Moraes – A Arte e a Natureza em Portugal. Emílio Biel & Cª,

Porto, 1906.

CALADO, Margarida – Cidades e Vilas de Portugal – Azeitão. Ed. Presença, Lisboa, 1993.

CALADO, Margarida; PAIS DA SILVA, Jorge Henrique – Dicionário de Termos da

Arte e Arquitectura. Editorial Presença, Lisboa, 2005.

CALADO, Rafael Salinas – “O Azulejo em Portugal”. Agenda do Crédito Predial

Português, Lisboa, 1982.

CALADO, Rafael Salinas – Azulejos: Cinco séculos do Azulejo em Portugal. Catálogo

da Exposição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980.

CALADO, Rafael Salinas – Azulejos: Cinco séculos do Azulejo em Portugal. Catálogo

da Exposição, Ed. Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, 1981.

CALADO, Rafael Salinas – Cinco Séculos do Azulejo em Portugal. Correios e

Telecomunicações de Portugal, Lisboa, 1986.

Page 226: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

216

CALADO, Rafael Salinas; MECO, José – “Adendas”. in Azulejaria em Portugal nos

séculos XV e XVI (revisão e actualização da obra de João Miguel dos Santos Simões),

Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Edição, Lisboa, 1990.

CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da – “A Arte de Bem Viver”, A Encenação

do Quotidiano na Azulejaria Portuguesa da Segunda Metade de Setecentos. Edição

Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Porto, 2005.

CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da – “O Estudo da azulejaria barroca em

Portugal: história, análise e evolução”. in II Congresso Internacional de História da

Arte – Portugal: Encruzilhada de Culturas, das artes e das Sensibilidades, Associação

Portuguesa de Historiadores da Arte, Almedina, Porto, 2001.

CAPELA, José Viriato – Exportação de Louça de Prado para a Galiza 1750-1830.

Cadernos de Olaria 2, Barcelos, 1992.

CARDOSO, Nuno Catharino – Arte Portuguesa – Azulejos Portugueses dos séculos XV

a XX. Edição do autor, Lisboa, 1936.

CARDOSO, Nuno Catharino – Azulejos de Figura Avulsa, Nacionais e Holandeses.

Lisboa, 1935.

CARITA, Hélder; CARDOSO, Homem – Oriente e Ocidente nos Interiores de

Portugal. Civilização, Porto, 1983.

CARITA, Hélder; CARDOSO, Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em

Portugal. Ed. de autores, Bertrand Editora, 2ª Ed., 1998.

CARVALHO, Marta – “A descoberta do Jardim Tropical. Roteiro dos painéis de

Azulejos” in Monte Palace Um Jardim Tropical. Fundação José Berardo, Funchal, 1999.

CASTEL-BRANCO, M. Cristina F, Ataíde – “O Lugar e o Significado – Os Jardins dos

Vice-reis”. Dissertação de Doutoramento em Arquitectura Paisagista apresentada ao

Page 227: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

217

Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, Universidade

Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, 1992.

CORREIA, Ana Paula – “Contribuição para o estudo das fontes de inspiração dos

azulejos figurativos da Quinta da Bacalhôa”. in Azulejo nº2, Museu Nacional do

Azulejo, Lisboa, 1992.

CORREIA, Virgílio – Azulejos. Livraria Gonçalves, Coimbra, 1956.

CORREIA, Virgílio – Um túmulo da Renascença – A sepultura de D. Luís da Silveira

em Góis. Imprensa da Universidade, Coimbra, 1921.

COSTA, Emília Viotti da – Crowns of Glory, Tears of Blood: The Demerara Slave

Rebellion of 1823. Oxford University, New York, 1994.

CRUZ, Maria Alfreda – A margem Sul do estuário do Tejo – Factores e formas de

organização do espaço. Oficinas Gráficas da Gazeta do Sul, Montijo, 1973.

DACOS, Nicole – La découverte de la Domus Aurea et la formation des grotesques à la

Renaissance. The Warburg Institute, Londres, 1969.

DELEN, A. J. J. – Histoire de la gravure dans les anciens Pays-Bas et dans les

provinces belges. (Deuxième partie) Les graveurs d’estampes. Paris, 1935.

DIAS, Luís Fernando de Carvalho – A Relação das Fábricas de 1788. Coimbra, 1955.

DIAS, Pedro – Arquitectura Mudéjar Portuguesa: Tentativa de sistematização. Maré

Liberum, nº 8, Dezembro de 1994.

ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Concelho de Évora. Academia

Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1966.

ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora zona Norte.

Academia Nacional de Belas Artes, Évora, 1975.

Page 228: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

218

ESPANCA, Túlio – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora zona Sul.

Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.

FRANÇA, José Augusto – “J.M. dos Santos Simões – Azulejaria em Portugal nos

séculos XV e XVI: Introdução Geral”. in Colóquios, nº56, Dez., Fundação Calouste

Gulbenkian, Lisboa, 1969.

G., Zbyszewsky; ASSUNÇÃO, Torre da – Carta Geológica de Portugal. Direcção

Geral de Minas e Serviços Geológicos; “Notícia explicativa da folha de Setúbal”,

Lisboa, 1965.

GONÇALVES, Flávio – “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda

de Peniche e o seu enquadramento na Arte Portuguesa da primeira metade do século

XVIII”. in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa. Lisboa, 1982.

GONÇALVES, Flávio – “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de

Peniche e o seu enquadramento na Arte Portuguesa da primeira metade do século XVIII –

conclusão”. in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa. Lisboa, 1983.

GUIMARÃES, Feliciano – Arquivo de Viana do Castelo. Vol. I, 1934.

HAUPT, Albrecht – A Arquitectura do Renascimento em Portugal. Do tempo de D.

Manuel, o Venturoso, até ao fim do domínio espanhol. Tradução de Margarida

Morgado, Editorial Presença, Lisboa, 1986.

HENGL, Jacqueline; HUSTINX, Verónica – Portugal – Painéis de azulejos no Século

XX – Imagens da Vida Portuguesa. Edição Caixa Geral de Depósitos, Lisboa, 1987.

LÁZARO, Alice – Leopoldo Battistini: Realidade e Utopia. Influência de Coimbra no

percurso estético e artístico do pintor italiano em Portugal (1889-1936). Edição da

Câmara Municipal de Coimbra, Coimbra, 2002.

LEMMEN, Hans Van – Azulejos na Arquitectura. Edições Caminho, Lisboa, 1994.

Page 229: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

219

LEMMEN, Hans Van – Decorative Tiles throughout the Ages, Bracken Books.

Londres: 1989.

LEVENSON, Jay A. – The Age of the Baroque in Portugal. Edited by Jay A. Levenson,

National Gallery of Art, Washington DC, 1993

LEVINE, Lawrence – Black Culture and Black Consciousness. Oxford University

Press, New York, 1993.

LOPES, Vítor Sousa (org.); SIMÕES, João Miguel dos Santos – Estudos de Azulejaria.

Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2001.

LOUREIRO, José Carlos – O azulejo. Possibilidades da sua Reintegração na

Arquitectura Portuguesa. Imprensa Portuguesa, Porto, 1962.

MACEDO, Jorge Borges de – A Situação no Tempo de Pombal. 3ª Edição, Lisboa, 1989.

MACEDO, José Rivair – Riso, Cultura e Sociedade na Idade Média. Edição

Universidade UFRGS, São Paulo, 2000.

GOMES, Maria Manuela Malhoa; MONTEIRO, João Pedro – Azulejos Conservação e

Restauro. Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, Lisboa, 1996.

MANGUCCI, Celso – “Olarias de Louça e Azulejo da Freguesia de Santos-o-Velho –

dos meados do século XVI aos meados do século XVIII”. in AL-Madan – Arqueologia,

Património e História Local. IIª série, nº5, Almada, Centro de Arqueologia de Almada,

Outubro de 1996.

MECO, José – “Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa: período inicial, até

cerca de 1961”. in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa nº 89, Lisboa, 1979.

MECO, José – Azulejaria Portuguesa. Bertrand, Lisboa, 1985.

Page 230: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

220

MECO, José – Azulejos de Lisboa. Catálogo da Exposição (Estufa Fria do Parque

Eduardo VII), Museu da Cidade e Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1984

MECO, José – O Azulejo em Portugal. Publicações Alfa, Lisboa, 1993.

MONTEIRO, João Pedro – “A Colecção de Azulejos da Fundação José Berardo”. in

Islenha, Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlânticas, nº38 – Janeiro – Junho

2006, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Madeira, 2006.

MONTEIRO, João Pedro – “Os vasos floridos do convento de Nossa Senhora da

Esperança em Lisboa”. in Azulejo, nº 1, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 1991.

NORTON, Thomaz Mendes – Études sur les oeuvres d'art de Raphael Sanzio d'Urbino

du Monastère de Refojos do Lima / par Thomaz Mendes Norton; traduit du portugais

par Louis Carloman Capdeville. Impremerie Nationale, Lisbonne, 1888.

ORTIGÃO, Ramalho – A Fábrica das Caldas da Rainha. Porto, 1891.

PEREIRA, João Castel-Branco – As colecções do Museu Nacional do Azulejo. Instituto

Português de Museus, Lisboa, Zwemmer, Londres, 1995.

PEREIRA, João Castel-Branco (org.) – Azulejos. Europália 91, Bruxelas, 1991.

PEREIRA, João Castel-Branco; VALARINHO, António Júlio – As Idades do Azul –

formas e memórias da azulejaria portuguesa. Instituto do Emprego e Formação

Profissional, Lisboa, 1998.

PEREIRA, Paulo (coord.) – Dicionário de Arte Barroca em Portugal. Editorial

Presença, Lisboa, 1989.

PEREIRA, Paulo (dir.) – História da Arte em Portugal. Círculo de Leitores, Lisboa, 1996.

PEREZ, José Gestoso y – História de los barros vidrados sevilhanos. Sevilha, 1904.

Page 231: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

221

PEVSNER, Nikolaus – An outline of European Architecture. Pelican books, 1943.

PINTO, Luís Fernandes – Azulejo e Arquitectura – ensaio de um arquitecto. Edição

patrocinada pelo Banco Nacional de Crédito Imobiliário, Lisboa, 1994.

PLEGUEZUELO HERNANDEZ, Alfonso – Azulejo sevillano. Padilla, Junta de

Andalucía, Sevilla, 1989.

PORTELA, Manuel Maria – Notícia dos monumentos nacionaes e edificios e logares

notaveis do concelho de Setúbal. 1882.

PROENÇA, Raul – Guia de Portugal. Vol. 1. Lisboa, 1924.

QUEIRÓS, José – Cerâmica Portuguesa e outros estudos. Organização, Apresentação,

Notas e Adenda Iconográfica à edição de 1907 por de José Manuel Garcia e Orlando da

Rocha Pinto, Editorial Presença, Lisboa, 1987. 1ª Edição (do autor), Lisboa, 1907.

QUEIRÓS, José – Cerâmica Portugueza. Typographia do Annuario Commercial.

Lisboa, 1907.

RASTEIRO, Joaquim – Quinta e Palácio da Bacalhôa em Azeitão, Monographia

Histórico-Artística: Inícios da Renascença em Portugal. ASA Editores S.A. Porto,

2003. Facsimile da edição de Lisboa, Imprensa Nacional, 1895-1898.

RIBEIRO, Carlos; DELGADO, J. Filipe Nery da Encarnação – Arborização Geral do

País. Typographia da Academia das Sciencias, Lisboa, 1868.

RILEY, Noel – Tile Art: a history of decorative ceramic tiles. London, 1987.

RODRIGUES, António – “1933-1949. Ausência e nobilitação do Azulejo. A Política do

Espírito”. in O Azulejo em Portugal no século XX, Comissão Nacional para as

Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Inapa, Lisboa, 2000.

Page 232: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

222

SABO, Rioletta; FALCATO, Jorge Nuno – Azulejos: arte e história. Azulejaria de

palácios, jardins e igrejas em Lisboa e arredores. Inapa, Lisboa, 1998.

SANDÃO, Arthur de – Faiança Portuguesa, Séculos XVIII/XIX. Vol. II, Livraria

Civilização, 1985.

SANTOS, Reynaldo dos – O Azulejo em Portugal. Editorial Sul Lda., Lisboa, 1957.

SANTOS, Reynaldo dos – Oito Séculos de Arte Portuguesa. Vol. II, Empresa Nacional

de Publicidade, Editorial Noticias, Lisboa, 1964-1970.

SAPORITI, Teresa – Azulejaria de Luís Ferreira, o “Ferreira das Tabuletas”, um

pintor de Lisboa. Edição de autor, Lisboa, 1993.

SAPORITI, Teresa – Azulejos de Lisboa do Século XX. Edições Afrontamento, Lisboa, 1992.

SAVAGE, George; NEWMAN Harold - An Illustrated Dictionary of Ceramics, with an

introductory list of principal European factories and their marks compiled by John

Cushion. Thomas and Hudson, London, 1974.

SCHÈLE, Sune – Cornelis Bos, a study of the origins of Netherland grotesque.

Estocolomo, 1965.

SEPIEHA, Nicolas – Casas Nobres de Portugal. Ed. Difel, Difusão Editorial, Lda.,

Lisboa 1987.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Palácios e solares portuguezes. (col. Encyclopedia

pela imagem), Porto, 1900.

SERRÃO, Vítor – História de Arte em Portugal: o Renascimento e o Maneirismo.

Editorial Presença, Lisboa, 2002.

SERRÃO, Vítor ; DACOS, Nicole – “Des grotesques à la peinture de “brutesques”. in

Portugal et Flandre, Catálogo da Exposição, Bruxelas, 1991.

Page 233: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

223

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “Da exposição temporária de azulejaria ao Museu

ao Azulejo (1945-1961)”. in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, Vol. IV, nº3,

Lisboa, 1962.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “Da montagem e apresentação museológica de

azulejos”. in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, Vol. IV, nº4, Lisboa, 1962.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “Le Role de la décoration céramique dans

l´architecture portugaise des XVII-XVIII siécles”. in XVI Congrés International

d´Histoire de l ´Art, Vol. II, Lisboa/Porto, 1949.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “Majólicas italianas no Museu de Arte Antiga”. in

Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, Vol. III, Fasc. IV, Lisboa, 1957.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “O renascimento da cerâmica portuguesa –

Azulejos”. in Boletim da Academia Portuguesa de Ex-Libris, Ano V, nº 14, Lisboa, 1960.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria em Portugal no século XVII. Tomo I –

Tipologia. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria em Portugal no século XVII. Tomo II –

Elenco. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria em Portugal no século XVIII. Fundação

Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1979.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria em Portugal nos séculos XV e XVI.

Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Edição, Lisboa, 1990.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria portuguesa no Brasil 1500-1882.

Lisboa, 1965.

Page 234: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

224

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejos. 6ª Exposição Temporária de Azulejos do

Museu Nacional de Arte Antiga. Catálogo da Exposição, Museu Nacional de Arte

Antiga, Lisboa, 1947.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Carreaux céramiques hollandais au Portugal et en

Espagne. Haia, 1959.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – Estudos de Azulejaria. Imprensa Nacional – Casa da

Moeda, Lisboa, 2001.

SMITH, Robert C. – The art of Portugal 1500-1800. George Weidenfeld & Nicholson,

New York, 1968.

SOARES, Mário Oliveira – Técnicas de Decoração em Azulejo. Ed. Museu Nacional

Machado de Castro, Coimbra, 1993.

SOUSA, Manuel Frango de – “Os azulejos da Bacalhôa e o seu autor”. in Azulejo nº2,

Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 1992.

STOOP, Anne de – A Arte de viver em Portugal. Ed. Civilização, Lisboa, 1994.

STOOP, Anne de – Quintas e palácios nos arredores de Lisboa. Porto, 1986.

TAVARES, Jorge Campos – Dicionário de Santos. Lello & Irmão Editores, Porto, 1990.

TEIXEIRA, Carlos – “L´ évolution du Territoire Portugais pendant les temps anté-

mésozoiques”. in Suplemento do Boletim da Sociedade de Geografia de Portugal, Vol.

II, pp. 229-255, Porto, 1959.

TRISTAN, F.; LEVER, M. – Le monde à l’enver. Hachette, Paris, 1980.

VASCONCELOS, Joaquim de – “Arte Decorativa Portuguesa”. in Notas Sobre

Portugal, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908.

Page 235: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

225

VASCONCELOS, Joaquim de – A arte e a natureza em Portugal. 1908.

VASCONCELOS, Joaquim de – Cerâmica portuguesa. Porto, 1883.

VELOSO, A.J. Barros; ALMASQUÉ, Isabel – Azulejaria de exterior em Portugal.

Inapa, Lisboa, 1991.

VELOSO, A.J. Barros; ALMASQUÉ, Isabel – Azulejos de fachada em Lisboa. Ed.

Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1989.

VITERBO, Francisco Marques de Sousa – Artes e artistas em Portugal: contribuições

para a história das artes e industrias portuguezas. Lisboa, 1892.

VITERBO, Francisco Marques de Sousa – Dicionário Histórico e documental dos

Architectos, engenheiros e construtores portugueses a serviço de Portugal, Imprensa

Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1922. Reprodução em facsimile do exemplar com

data de 1899 da Biblioteca da INCM.

VOET, L. – “Christophe Plantin et la Péninsule Ibérique”. in Christophe Plantin et le

Monde Ibérique, Catálogo da Exposição, Musée Plantin Moretus, Antuérpia, 1993.

TEROL, Marylène – Azulejos em Lisboa – a luz de uma cidade. Dina Press, Lisboa, 1995.

WEELEN, Guy – O Azulejo. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1992.

II – Museologia e Virtualidade

AA.VV. – La Muséologie selon Georges Henri Rivière. Dunod, Paris, 1989.

AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica de Revestimento. Artes Plásticas e Artes

Decorativas. Instituto Português de Museus, 1ª edição, Lisboa, 1999.

Page 236: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

226

AA.VV. – Normas de Inventário. Cerâmica. Artes Plásticas e Artes Decorativas.

Instituto dos Museus e da Conservação, 1ª edição, Lisboa, 2007.

AA.VV. – Normas de Inventário. Normas Gerais. Artes Plásticas e Artes Decorativas.

Instituto Português de Museus, 2ª edição, Lisboa, 2000.

ALONSO AMBROSE, Timothy; PAINE, Crispin - Museum basics. Routledge, London

and New York, 1993.

ALONZO, F.; GARZOTTO, F.; VALENTI, S. – “3D – Temporal navigation and the

web: how to explore a virtual city along multiple historical perspectives”, in Museum and

the Webs 2000. Selected Papers, Archives and Museum Informatics, Pittsburgh, 2000.

ANABLE, S.; ALONZO, A. – “Accesibility techniques for museum Web sites”. in

Museum and the Webs 2001. Selected Papers, Archives and Museum Informatics,

Pittsburgh, 2001.

ANGUS, J. – “Wired for accesibility”, in Museum and the Webs 2001. Selected Papers,

Archives and Museum Informatics, Pittsburgh, 2001.

BAPTISTA PEREIRA, Fernando António – “Museus e novos espaços de Exposição”.

in Architecti, 32, (ano VII, Jan/Fev/Mar), Editora Trifório, Oeiras, 1996.

BATTRO, António – Museos imaginarios y museos virtuales. FADAM, Agosto de 1999.

CARRETERO, Andréz – Normalización documental de museos: elementos para una

aplicación informática de gestión museográfica. Dirección General de Bellas Artes y

Bienes Culturales, Madrid, 1998.

CASTELLS, M. – A era da informação: economia, sociedade e cultura. Fundação

Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.

Page 237: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

227

CLARO, Graciete Maria dos Prazeres – Idade Electrónica: Arte e Tecnologia.

Dissertação de Mestrado em Teorias da Arte apresentada à Faculdade de Belas Artes de

Lisboa, Lisboa, 2000.

COUTO, João – “Conversas sobre Museologia”, in Ocidente, nº 30, Fevereiro 1964.

CRUZ, M. – “Media Art ou Mediacracia”. in Catálogo de Cyber 98, Lisboa, 1998.

CURY, Marília Xavier – Museologia, Museus e Globalização. São Paulo, 2003.

DAY, Donald; EVERS, Vanessa – “The role of culture in interface acceptance”. In S.

Howard; J. Hammond; G. Lindegaard (Ed) – Human Computer Interaction

INTERACT'97. Chapman and Hall, London, 1997.

DELCRAUX, S. L.; CACHO, C. – “Nuevas técnicas de documentación”. in Política

Científica I + D en Museos, nº 34, Madrid, 1992.

DELOCHE, Bernard – El Museo virtual. Ediciones Trea, S.L., Gijón, 2003.

DELOCHE, Bernard – Le musée virtuel: vers un éthique des nouvelles images. Presses

Universitaires de France, Paris, 2001.

DERTOUZOS, Michel – What will be - how the new world of information will change

our lives. San Francisco, 1997.

DUDLEY, Dorothy H.; WILKINSON, Irma Bezold; et al – Museum Registration

Methods. 3rd revised ed., American Association of Museums, Washington, 1979.

FALK, John H.; DIERKING, Lynn D. – Learning From Museums: Visitor Experiences

and the Making of Meaning. Lanham, Oxford, Walnut Creek, Altmaira Press, New

York, 2000.

FERNÁNDEZ, Luís Alonso – Museología y Museografia. Serbal, Barcelona, 2001.

Page 238: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

228

FERNÁNDEZ, Luís Alonso – Museologia: Introduction a la teoria y practica del

museo. Istmo, Madrid, 1993.

FERNÁNDEZ, Luís Alonso; FERNÁNDEZ, Isabel Maria Garcia – Diseño de

exposiciones. Concepto, instalación y montaje. Alianza Editorial, Madrid, 1999.

FERNÁNDEZ, Luís Alonso; FERNÁNDEZ, Isabel Maria Garcia – La conservación

preventiva y la exposición de objectos y obras de arte. Editorial KR, Múrcia, 1999.

GANT, Maria Luísa Bellido – Artes, museos y nuevas tecnologias. Gijón, Trea, 2001.

GOUVEIA, Feliz; LIRA, Sérgio – “Sistema de Inventário e de Gestão de Colecções

para o Ecomuseu de Barroso”. in Actas das XVI Jornadas sobre a função social do

Museu, Câmara Municipal de Montalegre e Ecomuseu de Barroso, Montalegre, 2006.

GRIFFITHS, Alison – “Media Technology and Museum Display: a Century of

Accommodation and Conflict”. in Rethinking Media Changes, MIT Press, London, 2003.

HENRIQUES, Paulo – “A Inventariação e Classificação do Património em Azulejo”. in

Azulejo 8/11, Instituto Português dos Museus, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 2003.

HENRIQUES, Rosali – Memória, museologia e virtualidade: um estudo sobre o Museu

da Pessoa. Dissertação de mestrado em Museologia, Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologia de Lisboa, Lisboa, 2004.

HERNÁNDEZ, Francisca Hernández, Manual de Museología, Editorial Síntesis, S.A.,

Madrid, 1998.

HOURS, J. (coord) – Les méthodes scientifiques dans l’étude et la conservation des

oeuvres d’art. La documentation Française, 2éme ed., Paris, 1985.

KRUG, Steve – Don't Make Me Think: A Common Sense Approach to Web Usability.

New Riders Press, 2nd edition, Berkeley, 2005.

Page 239: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

229

LAMEIRAS-CAMPAGNLO, Maria Olímpia – “Analisar e comparar entidades

museológicas e para-museológicas”. in Actas do VII Encontro Museus e Autarquias,

CMS/SEM, Seixal, 1996.

LAMEIRAS-CAMPAGNLO, Maria Olímpia; CAMPAGNOLO, Henri – “Um exemplo

de linguagem “mista”: a linguagem museal”. in Actas do Colóquio “ Museus e

Autarquias”, CMT, Tondela, 1993.

LAMEIRAS-CAMPAGNLO, Maria Olímpia; CAMPAGNOLO, Henri – “Un exemple

de “ langage mixte”: le langage muséal”. in Boletim da APOM, II série (4). Lisboa, 1996.

LÉVY, Pierre – Cibercultura. Instituto Piaget, Lisboa, 2000.

LÉVY, Pierre – O que é o virtual? Ed. 34, São Paulo, 1996.

LIGHT, Richard B.; ROBERTS, D. Andrew; STEWART, Jennifer D. (eds) – Museum

documentation systems: developments and applications. Butterworths, London, 1986.

LORD, Gail Dexter; LORD, Barry – Manual de Gestión de Museos. Ariel, Barcelona, 1998.

LORD, Gail Dexter; LORD, Barry (coord) – The Manual of Museum Planning. HMSO

(Her Majesty’s Stationery Office), Londres, 1991.

LOUREIRO, M. L. de Niemeyer Matheus – Webmuseus de arte: aparato

informacionais no ciberespaço. Brasília, 2004.

MacDONALD, Sharon; FYFE, Gordon (edi.) – Theorizing museums. Oxford and

Malden, 3ª ed., 1999.

MACHADO, Rute – “Museus virtuais: A importância da usabilidade na mediação entre

o público e o objecto musueológico”. in Livro de Actas – 4º SOPCOM, Associação

Portuguesa de Ciências da Comunicação, Universidade Lusófona de Humanidades e

Tecnologias, Lisboa, 2005.

Page 240: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

230

MALRAUX, André – O Museu Imaginário. Edições 70, Lisboa, 2000.

MARÍN TORRES, Maria Teresa – História de la documentación museológica: la

gestión de la memória artística. Gijón, Trea, 2004.

MARTY, Paul F.; TWIDALE, Michael – “Lost in gallery space: A conceptual

framework for analyzing the usability flaws of museum Web sites.” in First Monday,

Volume 9, Number 9, September 2004.

MATOS, Alexandre – Os sistemas de informação na gestão de colecções museológicas.

Contribuições para a certificação dos museus. Dissertação do Mestrado em

Museologia, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2007.

MCKENZIE, Jamieson – “Bulding a virtual museum community”, in BERMAN,

David; TRANT, Jennifer [eds.] – Museums and the Web 97: selected papers. Archives

and Museums Informatics, Pittsburg, 1997.

McLEAN, Fiona – Marketing the museum. London and New York, Routledge, 3ª ed., 2002.

MINTZ, A. – “Thats’s Edutainment!”. in Museum News, November/December, 1994.

MIRANDA, José Bragança de – “O Design como Problema”. in Autoria e Produção em

Televisão Interactiva, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2003.

MOREIRA, Isabel M. Martins – Museus e Monumentos em Portugal 1772-1974.

Colecção Temas de Cultura Portuguesa nº14, Universidade Aberta, Lisboa, 1989.

MOREIRA, Nuno – “A Conservação das evidências materiais – A “Segunda Vida”. in

Revista Museu, 2008.

MOUTINHO, Mário C. – Museus e Sociedade: reflexões sobre a função social do

Museu. Museu Etnológico Monte Redondo: Cadernos de Património 5, Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 1989.

Page 241: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

231

PERLIN, Ruth – “Media, Art Museums and Distant Audiences”. in The Virtual and the

Real, 2000.

PIACENTE, Maria – Surfs Up: Museums and the World Wide Web. Master of Museum

Studies Program, University of Toronto Research Paper, 1996.

PINHO, Joana Maria Balsa Carvalho de – “Museus e Internet. Recursos online nos

sítios web dos museus nacionais portugueses”. Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 8.

Temática Variada, 2007.

POMIAN, K. – “A Colecção”. in Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional - Casa da

Moeda, Lisboa, 1984.

PORTA, E.; Montserrat, R. M.; MORRAL, E. – Sistema de documentación para

Museos. Departamento de Cultura de la Generalität de Catalunya y International

Council of Museums, Barcelona, 1982.

ROBERTS, Andrew D. – Flanning the documentation of museum collections. Museum

Documentation Association, Duxford, England, 1985.

ROBERTS, Andrew D.; INGRAM, Nicky – The Use of Computers for Collections

Documentation. Occasional Paper 13. Museum Documentation Association, Duxford,

England, 1989.

ROBERTS, Andrew D. (dir.) – Terminology for Museums. Museum Documentation

Association, Cambridge, England, 1990.

SABBATINI, Marcelo – Museos y Centros de Ciência Virtuales. Complementación y

Potenciación del Aprendizaje de ciências a través de Experimentos Virtuales. Tese de

doutoramento apresentada ao Instituto Universitário de Ciências de la Educaión da

Universidade de Salamanca, Salamanca, 2004.

SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos (Editorial) – Publicação quadrimestral do

Observatório das Actividades Culturais, nº 3. Março, 1998.

Page 242: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

232

SCHEINER, Teresa Cristina Moletta – Imagens do “Não-Lugar”: Comunicação e

novos patrimónios. Tese de Doutoramento em Comunicação e Cultura, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

SCHWEIBENZ, Werner – The Development of Virtual Museums. ICOM News nº3,

France, 2004.

SILVA, Raquel Henriques da – “Política Educativa: objectivos.” in Actas Encontro

Museus e Educação, Lisboa, 10 e 11 de Setembro 2001.

SILVA, Susana Gomes da – “Museus e públicos: estabelecer relações, construir

saberes”. in Revista Turismo & Desenvolvimento nº 5, 2006.

SILVERMAN, L. – “Visitor Meaning-Making in Museums for a New Age”. in Curator

38/3, 1995.

SIMÕES, João Miguel dos Santos – “As novas técnicas áudio-visuais ao serviço dos

Museus”. in Museu, 2ª série, nº 5, Porto, 1963.

TEATHER, Lynne.; WILLHEM, K. – “A Museum is a museum…Or is it?”. in

Museums and the web, New Orleans, 1998.

TEATHER, Lynne.; WILLHEM, K. – “Web musing: evaluating museums on the web

from learning theory to methodology”. in Museums and the web, New Orleans, 1999.

VARINE, Hugues de – “Le musée au service de l’homme et du developpement” (1969).

in Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie, Éditions W/MNES, Paris, 1992.

III – Legislação

Código Deontológico para os Museus. ICOM. Buenos Aires: 1986, alterado pela 20ª

Assembleia-geral reunida em Barcelona, Espanha, a 6 de Julho de 2001.

Page 243: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

233

Decreto Regulamentar nº 35/2007, de 29 de Março (Conselho Nacional da Cultura).

Decreto-Lei nº 215/2006, de 27 de Outubro (orgânica do Ministério da Cultura).

Decreto-Lei nº 96/2007, de 29 de Março (orgânica do Instituto de Gestão do Património

Arquitectónico e Arqueológico, I.P.).

Decreto-Lei nº 97/2007, de 29 de Março (orgânica do Instituto de Museus e da

Conservação).

Despacho Normativo nº 3/2006, de 25 de Janeiro (estabelece a credenciação de museus

e aprova o seu formulário de candidatura).

Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases do património cultural).

Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto (Lei-quadro dos Museus Portugueses).

Portaria nº377/2007, de 30 de Março (Estatutos do Instituto de Museus e da

Conservação, I.P.).

IV – Websites

http://cidoc.ics.forth.gr/

http://cidoc.ics.forth.gr/docs/guidelines/guideint.htm#int2

http://extranet.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_B1.aspx.

http://firstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/view/1171/1091.

http://icom.museum/pdf/E_news2004/p3_2004-3.pdf

http://icom.museum/statutes.html#2.

http://muva.elpais.com.uy/

http://staff.science.uva.nl/~evers/pubs/INTERACT.pdf

http://www.achimuse.com/conferences/ichim.html

http://www.archimuse.com/conference/mw.html

Page 244: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES...Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em particular, ao Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira, ao Professor Doutor Luís

234

http://www.archimuse/mw69/papers/teather/teather.html

http://www.berardocollection.com

http://www.byd.com.ar/bfadam99.htm

http://www.chin.gc.ca

http://www.cibersociedad.net

http://www.culture.gouv.fr/documentation/joconde/fr/partenaires/AIDEMUSEES/intro-

methode.htm

http://www.getty.edu/research/conducting_research/standards/cdwa/

http://www.iso.org/iso/iso_catalogue/catalogue_tc/catalogue_detail.htm?csnumber=34424

http://www.mda.org.uk

http://www.mda.org.uk/memp.htm

http://www.mla.gov.uk/

http://www.object-id.com/heritage/intro.html.

http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=16513

http://www.sosazulejo.com

http://www.w3.org/

http://www.willpowerinfo.myby.co.uk/cidoc/multi1.htm