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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO Título Segurança Social Guineense Doutorando Mestre Eugénio Carlos da Conceição Rodrigues Moreira ÁREA DE ESPECIALIZAÇÃO (Ciências Jurídico–Económicas) ANO 2010

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    Ttulo

    Segurana Social Guineense

    Doutorando

    Mestre Eugnio Carlos da Conceio Rodrigues Moreira

    REA DE ESPECIALIZAO

    (Cincias JurdicoEconmicas)

    ANO

    2010

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    Ttulo

    Segurana Social Guineense

    (Contributo para o estudo e a compreenso)

    Orientao

    Professor Doutor Eduardo Manuel Hintze da Paz Ferreira

    Doutorando

    Mestre Eugnio Carlos da Conceio Rodrigues Moreira

    REA DE ESPECIALIZAO

    (Cincias JurdicoEconmicas)

    ANO

    2010

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    SEGURANA SOCIAL GUINEENSE

    (Contributo para o estudo e a compreenso)

    Dissertao de Doutoramento em Cincias Jurdico-Econmicas (Direito Financeiro) na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    LISBOA

    2010

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    ABREVIATURAS E SIGLAS AAFDL Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa ACP frica Carabas e Pacfico AIFO Associazione Italiana Amici di Raul Foleereau ASECNA Agncia para a Segurana da Navegao Area em frica e

    Madagscar ATTAC Aco para a Taxao das Transaces Financeiras e Auxlios aos Cidados AV Autores vrios BAD Banco Africano de Desenvolvimento BCA Banco Central Africano BCEAO Banco Central dos Estados da frica Ocidental BCGP Boletim Cultural da Guin Portuguesa BDU Banco da Unio BFDB Boletim da Faculdade de Direito de Bissau BFDUL Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa BIT Bureau Internacional do Trabalho BM Banco Mundial BMJ Boletim do Ministrio da Justia BO Boletim Oficial da Guin-Bissau BOCG Boletim Oficial da Colnia da Guin (Portuguesa) BOG Boletim Oficial da Guin (Portuguesa) BOPG Boletim Oficial da Provncia da Guin (Portuguesa) BPN Banco Portugus de Negcios BRIC Brasil, Rssia, ndia e China BRS Banco Regional de Solidariedade CAJ Centro Artstico Juvenil CCAO Cmara de Compensao da frica de Oeste (CEDEAO) CEE Comunidade Econmica Europeia CEMAC Comunidade Econmica e Monetria da frica Central Cfr. conforme, confrontar CIFAP Centro de Instruo e Formao col. coluna; cols. colunas CEDEAO Comunidade Econmica dos Estado da frica Ocidental CHSCT Comit dHygine, de Scurit et des Conditions de Travail CMMI Comisso Mundial sobre a Migrao Internacional CNUCED Conferncia das Naes Unidas para Comrcio e

    Desenvolvimento COI Comit Olmpico Internacional COMECON Conselho de Assistncia Econmica Mtua

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    CONCP Conferncia das Organizaes Nacionalistas das Colnias Portuguesas

    CPDA Carta Poltica de Desenvolvimento Agrrio CPLP Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa CRGB Constituio da Repblica da Guin-Bissau CSC-OHADA Cdigo das Sociedades Comerciais da Organizao para a

    Harmonizao dos Direitos de Negcios em frica DENARP Documento de Estratgias Nacional de Reduo da Pobreza DJAP Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica DR Dirio da Repblica (Portuguesa) DS Droit Social EDJA Editions Juridiques Africaines EPAP Estatuto do Pessoal da Administrao Pblica e. g. exempli gratia (por exemplo) EQPDFP Estatuto Quadro do Pessoal Dirigente da Funo Pblica FAIR Fonds dAide lIntgration Rgionale (UEMOA) FAO Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao FARP Foras Armadas Revolucionrio do Povo Fed Federal Reserve Bank FIFA Federao Internacional de Futebol FMA Fundo Monetrio Africano FMI Fundo Monetrio Internacional FRAIN/FRAINCP Frente Revolucionria Africana para a Independncia

    das Colnias Portuguesas FRCP Facilit de Rduction de la Pauvret et pou la Croissance FRDA - Fundo Regional de Desenvolvimento Agrcola FCLP Fundo do Combatente da Liberdade da Ptria FS Fundo de Segurana FSS Fundo de Segurana Social IAE Instituto de Apoio ao Emigrante i. e. - Id est (isto ) IMDI - Initiative Internationale Migration et Dveloppement INE Instituto Nacional de Estatsticas (de Portugal) ISEU Instituto Superior de Estudos Ultramarinos LAT Lei de Acidente de Trabalho (de Portugal) LEOGE Lei de Enquadramento do Oramento Geral do Estado LEPS Lei de Enquadramento de Proteco Social LGDJ Librairie Gnrale de Droit et de Jurisprudence LGT Lei Geral do Trabalho LOGE Lei de Oramento Geral do Estado LPS Legislao sobre Previdncia Social MAC Movimento Anticolonialista MCA Mercado Comum Africano

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    MERCOSUL Mercado Sul-Americano NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento da frica NSIA Nouvelle Socit Interafricaine dAssurance ob. cit. obra citada OGE Oramento Geral do Estado OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento da Europa OMC Organizao Mundial do Comrcio OMS Organizao Mundial para a Sade OPA Oferta Pblica de Aquisio OPV Oferta Pblica de Venda OPEP Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo PAC Poltica Agrcola Comum (da UEMOA) PAE Programa de Ajustamento Estrutural PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa PCECS Pacto de Convergncia, Estabilidade, Crescimento e

    Solidariedade (da UEMOA) PCM Programa de Cooperao Monetria da CEDEAO PECS-CPLP Plano Estratgico de Cooperao em Sade da CPLP p pgina; pp pginas parg. pargrafo; pargs. - pargrafos PEE Programa de Estabilizao Econmica PESD - Poltica Europeia de Segurana e Defesa PER Programme Economique Rgional de lUEMOA PIB Produto Interno Bruto PG Peso Guineense Polis Enciclopdia Verbo da Sociedade e do Estado RCCS Revista Crtica de Cincias Sociais RDDTSS Revista do Departamento de Direito do Trabalho e da

    Seguridad Social RDES Revista de Direito e de Estudos Sociais RIEA Revista Internacional de Estudos Africanos RFDUL Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa RFS Regulamento do Fundo de Solidariedade RFSS Regulamento do Fundo de Segurana Social RSE - Review of Social Economy SEPCE Secretaria de Estado da Presidncia do Conselho de Estado ss seguintes UA Unio Africana UE Unio Europeia UEFA Unio das Associaes Europeia de Futebol UMOA Unio Monetria Oeste Africana UEMOA Unio Econmica e Monetria Oeste Africana UNESCO Fundo das Naes Unidas para Cincia e Educao

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    UNICEF Fundo das Naes Unidas para as Crianas UNOGBIS Escritrio das Naes Unidas de Apoio Consolidao da

    Paz na Guin-Bissau Verbi gratia v. g. - (por exemplo) ZMU Zona Monetria nica da CEDEAO RESUMO Si bu na bulidu kosta, bu ta buli bariga uma sabedoria popular crioula com um vasto campo de aplicao no nosso trabalho e nele estar presente umas vezes de forma explicita e outras de forma implcita. Uma das suas virtudes est na revelao de quo limitados so os homens e as sociedades quanto satisfao das suas necessidades, contando unicamente com os seus prprios recursos. Esta verdade tem nsito um apelo conjugao de esforos individuais e colectivos: a solidariedade e a interdependncia individual e colectiva dos homens e das sociedades. kosta e bariga so duas faces de uma mesma pessoa e, por extrapolao, de uma sociedade (local, nacional, regional e internacional). Esta metfora constitui mote para o resumo de uma dissertao, cujo objecto de estudo que iremos empreender, como indica o tema Segurana Social Guineense (Contributo para o estudo e a compreenso), tem a pretenso de conferir aos cidados (guineenses) e s entidades privadas e pblicas, encimadas pelo Estado (e sua diviso interna, incluindo os seus rgos e servios), um subsdio que reflecte as preocupaes da cidadania activa e do exerccio de um direito social, que encontra no Estado o destinatrio das imposies constitucionais e legais em matria de assegurar (mnima) proteco aos seus cidados, cobrindo os seus riscos sociais. De facto, as principais caractersticas da sociedade e da economia guineense so demarcadas por um forte pendor solidrio, que no se desvaneceu mesmo perante sistemticas adversidades scio-econmicas e poltico-militares, bem como os constrangimentos de ordem regional e internacional, com considerveis influncias no sistema de proteco social guineense. No menos importante, nesta ordem de ideais, as questes de ordem filosfica e ideolgica e as suas repercusses na sociedade. No passado o pas experimentou diferentes paradigmas relacionais do Estado, da economia e da sociedade civil, que retratam a viso dominante num determinado estgio de interaco da poltica com a economia e a sociedade. Observamos, assim, diferentes concepes influenciadas por filosofia de inspirao capitalista, marxista-leninista do Estado e da economia, substituda, hoje, por uma filosofia que mitiga duas vises: a

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    revolucionria e a neoliberal, esta ltima ganha cada vez mais consistncia, sem contar com a determinao social da tradio dos povos guineenses. Nessa relao entre poltica, economia e sociedade decorre um determinado posicionamento ideolgico, vertido na Constituio Econmica. Sobretudo, o acolhimento, no presente, da regncia da economia pelas regras do mercado e a rejeio de uma estratgia econmica monopolista que apela a uma presena intensa e actuante do poltico, traduzidas, respectivamente, na teoria do mercado e na teoria da complementaridade entre o mercado e a poltica. As duas teorias encontram expresso nos artigos 11., n. 1, primeira parte, e n. 2, CRGB. So as consagraes dos princpios da economia de mercado e do Estado social ou de democracia econmica e social, expressa em duas vertentes: a cidadania e a democracia. A cidadania poltica e a cidadania civil, entre ns, revelam-se no propcias a ideia da cidadania (econmica e) social, por esta ser constrangida pela incapacidade daquela em influenciar, em benefcio dos direitos econmicos e sociais, os processos de deciso poltica. Esta constatao vai influir negativamente a percepo e o alcance da cidadania e da participao activa dos cidados na vida poltica e social, bem como na actividade econmica nacional. A actual configurao objectiva e subjectiva da Segurana Social resulta de alteraes nos quadros poltico-filosofico e econmico. O dever constitucional do Estado guineense e das suas instituies de assegurar proteco aos seus cidados, sobretudo pertencentes aos grupos sociais (constantes dos artigos 5., 26. e 46. CRGB) e o dever de solidariedade que vinculam todos os cidados em geral so aspectos de uma realidade que merece uma profunda reflexo, que encontra respostas, no presente trabalho, em duas partes. Na Primeira Parte, dedicada s questes gerais atinentes ao tema objecto de investigao, procurar-se- reflectir sobre o papel da Segurana Social nas sociedades actuais. Do mesmo modo que, atendendo a sua gnese europeia, parece lgico procurar, entre ns, as influncias dos seus matizes. Este exerccio complementado pelo prisma regional, na perspectiva dos ditames das organizaes econmicas sub-regionais da frica Ocidental e suas ambies sociais. A Segunda Parte condensa em particular a anlise da Segurana Social Guineense nas suas variadas facetas, principalmente os seus grandes estrangulamentos e a inadequao dos modelos europeu e oeste-africano, uma descaracterizao das razes solidrias dos povos guineenses. Assim, as diferentes formas de manifestao da solidariedade desempenharo, neste trabalho, a funo de guidance de questionamento do actual modelo e de orientao para o futuro.

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    PALAVRAS-CHAVES Cidadania activa (Educao para uma) Concesso de direitos e direitos de troca Desemprego e excluso social Encargos familiares Estado, mercado e sociedade civil Paradigmas e legalidades Participao activa Princpio da complementaridade entre a poltica e a economia Princpio da democracia econmica e social Riscos sociais Solidariedade individual e colectiva Sistemas de proteco/segurana social RSUM "Si bu na bulidu kosta, bu ta bu buli bariga" une sagesse populaire crole avec un large champ dapplication dans notre travail et, qui y sera prsente de manire implicite ou explicite. L'une de ses vertus est dans la rvlation de la faon dont les hommes et les socits sont limits quant la satisfaction de leurs besoins, en comptant uniquement que sur leurs propres ressources. Cette vrit a incit un appel la conjugaison d'efforts individuels et collectifs: la solidarit et l'interdpendance individuelle collective des hommes et des socits. Kosta et ventre sont les deux faces de la mme personne et, par extrapolation, d'une socit (locale, nationale, rgionale et internationale). Cette mtaphore est un refrain pour le rsum d'une dissertation, dont l'objet, comme lindique le thme Scurit Sociale Guinenne (Contribut l'tude et la comprhension), vise apporter aux citoyens (Guinens) et au secteur priv et public, chapeauts par l'Etat (et sa division interne, y compris ses organismes et services), une contribution qui reflte les proccupations de la citoyennet active et de l'exercice d'un droit social, qui trouve en l'tat le destinataire des impositions constitutionnelles et juridiques pour assurer un (minimum) de protection aux citoyens, en couvrant leurs risques sociaux. En effet, les principales caractristiques de la socit et de l'conomie guinenne sont marques par une forte tendance de solidarit, qui n'a pas disparu mme avec les difficults socio-conomiques et politique-militaires, et les contraintes au niveau rgional et international, avec des influences considrables sur le systme de protection sociale guinenne. Non moins important, dans cet ordre d'ides, sont les questions dordre philosophique et idologique et leurs rpercussions dans la socit. Par le

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    pass, le pays a expriment diffrents paradigmes relationnels de l'Etat, de l'conomie et de la socit civile, qui retrace la vision dominante dans un certain stage d'interaction de la politique avec l'conomie et la socit. Ainsi, nous notons, diffrentes conceptions influences par la philosophie d'inspiration capitaliste, marxiste-lniniste de l'Etat et de l'conomie, remplaces aujourd'hui par une philosophie qui mitige les deux visions: la vision rvolutionnaire et la vision nolibrale, celle-ci gagne de plus en plus de consistance, sans compter avec la dtermination sociale de la tradition du peuple guinen. Dans cette relation entre la politique, l'conomie et la socit survient un certain positionnement idologique, exprim dans la Constitution conomique. Surtout, lacceptation, dans le prsent, de la rgence de l'conomie par les rgles du march et le rejet d'une stratgie conomique monopolistique qui fait appel une prsence intense et agissante du politique, traduite, respectivement, dans la thorie du march et dans la thorie de la complmentarit entre le march et la politique. Les deux thories trouvent leur expression dans l'article 11, paragraphe 1, premire partie, et au paragraphe 2, CRGB. Ce sont les conscrations des principes de l'conomie de march et de l'tat-providence ou de la dmocratie sociale ou conomique, exprimes en deux aspects: la citoyennet et la dmocratie. La citoyennet politique et la citoyennet civile, parmi nous, s'avrent non propices l'ide de citoyennet (conomique et) sociale cause de celle-ci contrainte par lincapacit de celle-l dinfluencer, au bnfice des droits conomiques et sociaux, les processus de dcision politique. Cette observation va influer ngativement sur la perception et latteinte de la citoyennet et de la participation active des citoyens la vie politique et sociale ainsi que sur l'activit conomique nationale. La configuration objective et subjective actuelle de la scurit sociale rsulte des changements dans les cadres politique, philosophique et conomique. Le devoir constitutionnel de l'Etat guinen et de ses institutions dassurer la protection des citoyens, surtout celles appartenant des groupes sociaux (mentionns dans les articles 5, 26 et 46 CRGB) et le devoir de solidarit qui unissent tous les citoyens en gnral sont des aspects d'une ralit qui mrite un examen plus approfondi, qui trouve des rponses, dans cette tude, en deux parties. Dans la premire partie, consacre aux questions gnrales relatives l'objet de l'enqute, on tentera de rflchir sur le rle de la Scurit Sociale dans les socits actuelles. De mme que, tant donne sa gense europenne, il nous semble logique de chercher, les influences de ses nuances. Ceste exercice est complt par le prisme rgional, dans la

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    perspective des recommandations des organisations conomiques sous-rgionales, de l'Afrique Occidentale et leurs ambitions sociales. La deuxime partie rsume en particulier l'analyse de la Scurit Sociale guinenne dans ses diffrentes facettes, principalement ses goulots d'tranglement et linadquation des modles europens et ouest-africain, une perte des racines de solidarit de la population guinenne. Ainsi, les diffrentes formes de manifestation de la solidarit joueront dans ce travail, la fonction de guide de remise en question du modle actuel et de son orientation future. MOTS CLS Citoyennet (Education pour) Octroi de droits et droits d'change Chmage et exclusion sociale Charges familiales Etat, march et socit civile Paradigmes et lgalits Principe de complmentarit entre la politique et lconomie Principe de la dmocratie conomique et sociale Participation active Risques sociaux Solidarit individuelle et collective Systmes de protection / scurit sociale ABSTRACT "Si bu in bulidu kosta, bu ta buli bariga" a Creole folk wisdom with a wide scope of our work and sometimes it will be present so explicitly and others implicitly. One of its virtues is the revelation of how limited are the men and companies in meeting their needs, relying solely on their own resources. This truth has an innate appeal to a combination of individual and collective efforts: solidarity and individual and collective interdependence of men and societies. "Kosta" and "belly" are two sides of the same person and, by extrapolation, of a society (local, national, regional and international). This metaphor is a theme to the abstract of a dissertation, the object of study that will be undertaken, as indicates the Social Security issue Guinea (Contribution to the study and understanding), purports to give citizens (Guinea) and to private and public, topped by the state (and its internal division, including its agencies and services), an allowance that reflects the concerns of active citizenship and the exercise of a social right, which is the recipient of the state constitutional and statutory constraints on provide (minimal) protection for its citizens, covering their social risks.

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    In fact, the main features of society and the Guinean economy are marked by a strong penchant solidarity, which has not faded even before systematic socio-economic hardships and political-military as well as the constraints of regional and international levels, with significant influences on social protection system in Guinea. No less important, in that order of ideas, are the questions of a philosophical and ideological repercussion in society. In the past the country experimented with different relational paradigms of state, economy and civil society that reflect the prevailing view at a given stage of interaction of politics with the economy and society. We note, therefore, different conceptions influenced by capitalist-inspired philosophy, Marxist-Leninist state and the economy, replaced today by a philosophy that mitigates two visions: the revolutionary and neoliberal, the latter gaining more consistency, not counting the social determination of the tradition of Guinean people. In this relationship between politics, economy and society follows a certain ideological stance, as expressed in the Constitution Economy. Above all, the host, at present, the regency of the economy by market rules and the rejection of an economic strategy that calls for a monopolistic presence of intense and active politician, translated, respectively, on market theory and the theory of complementarily between the market and politics. Both theories found expression in Article 11, paragraph 1, first half, and No. 2, CRGB. Is the consecration of the principles of market economy and the welfare state or social and economic democracy, expressed in two aspects: citizenship and democracy. Political citizenship and civic citizenship, among us, prove to be not conducive to the idea of citizenship (and economic) theory, as this is constrained by the inability to influence that, for the benefit of economic and social rights, the processes of political decision. This observation will negatively influence the perception and extent of citizenship and active participation of citizens in political and social life as well as on national economic activity. The current configuration of objective and subjective social security resulting from changes in policy frameworks, economic and philosophical. The constitutional duty of the Guinean state - and its institutions - to ensure protection to their citizens, mainly belonging to social groups (in Articles 5, 26 and 46 CRGB thereof) and the duty of solidarity that bind all citizens in general are aspects of a reality that deserves further consideration, finding answers, in this study into two parts. In Part One, devoted to general issues relating to the subject under investigation, an attempt will be reflected on the role of Social Security in today's societies. Just as, given its origins in Europe, it seems logical to look for, among us, the influences of its nuances. This exercise is

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    complemented by regional perspective, in view of the dictates of sub-regional economic organizations of West Africa and her social ambitions. Part Two condenses in particular the analysis of the Guinean Social Security in its various facets, especially their huge bottlenecks and inadequate models of European and West-African solidarity a mischaracterization of the roots of the Guinean people. Thus, the various manifestations of solidarity play in this work, the function of 'guidance' of questioning the current model and guide for the future. KEYWORDS Active participation Citizenship (Education for) Family responsibilities Grant of rights and rights of exchange Individual and collective solidarity Paradigms and legalities Principle of complementarily between politics and economics Principle of economic democracy and social Social risk/hazard State, market and civil society Systems protection / social security Unemployment and social exclusion

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    PARTE I

    QUESTES GERAIS DE SEGURANA SOCIAL.

    NOTA INTRODUTRIA A humanidade desde os seus primrdios confrontou-se com a necessidade de proteco social a todos os indivduos que compem o grupo social. Esta tomada de conscincia foi modelada por um processo que guiou as sociedades independentemente do seu nvel de desenvolvimento. Neste processo esto patentes as razes culturais, religiosas e civilizacionais de cada povo.

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    Sem prejuzo do estdio de desenvolvimento actual, a proteco social est indelevelmente marcada por laos seculares de solidariedade1 que une os povos e as suas geraes. Os ideais de coeso e de pertena a uma colectividade suplantam todas as diferenas que separam os homens e as suas instituies tradicionais ou modernas. A Segurana Social Guineense2, Contributo para o estudo e a compreenso, um exerccio que procura, a partir das suas influncias, remotas ou

    1 Esta solidariedade (interna ou nacional) facilmente traduzida na expresso crioula Si bu na bulidu kosta, bu ta buli bariga que, traduzida literalmente, para portugus, significa Se algum te esfregue as costas, esfregas tu a barriga equivalente a n djunt-mon ou em portugus: juntemos as mos tem a virtualidade de ser aplicada a temticas como a solidariedade, a cidadania, a participao activa, a complementaridade entre a poltica e a economia, a parceria pblica e privada e a justa poupana, entre outras. Para alm da sua potencial aplicao no campo das relaes internacionais, a cooperao entre os Estados, como a Ajuda Pblica ao Desenvolvimento ou as assistncias tcnicas ou mdicas nas situaes em que os recursos internos so insuficientes para acudir s necessidades conjunturais ou estruturais. Todas estas expresses estaro presentes nesta dissertao. 2 A expresso Segurana Social deve ser compreendida no contexto de cada pas. Apesar da generalizao de que alvo ela reflecte a realidade especfica de um pas, da sua economia, cultura e tradio. Entre ns, estas realidades so marcadas por um relativo atraso de desenvolvimento social e econmico, dfice de infra-estruturas produtivas, economia de tipo de subsistncia, fragilidades institucionais, crise poltico-governativas e convulses poltico-militares, entre outros, sem embargo de ser construda numa base tradicional profundamente solidria. No obstante, verificar-se nela a presena, mais ou menos intensa, de elementos definidores da instituio Segurana Social (como seguros sociais, impostos, transferncias oramentais, assistncia social e aco social junto dos grupos sociais mais vulnerveis), o tema sofre aqui um desvio em dois sentidos. Primeiro, a realidade revela que o termo mais adequado seria a perspectiva da proteco social guineense, sendo mais abrangente, pois na sua substncia encontra-se aquela, em formao, portanto, ainda, no existe na verdadeira acepo da palavra, a par do sistema privado. Ela est a formar-se e a consolidar-se. A Lei Fundamental (cfr. artigo 46., n. 3) alinha na direco de defesa dos cidados-trabalhadores contra os riscos que os expem precariedade das condies de vida, portanto limita-se a um estrato especfico da populao. Contrariamente ao Fundo de Segurana Social, criado pelo Decreto 32/1975, de 24 de Maio, e disciplinado pelo Decreto n. 27/1985, de 21 de Junho, que contempla uma abrangncia ampla, tendo em conta o seu principal objectivo de suportar os encargos financeiros decorrentes da execuo dos planos da Segurana Social. Segundo, e na mesma linha de raciocnio, no obstante todos os esforos empreendidos, basicamente em termos de construo formal, a nossa inteno contribuir para a criao de um verdadeiro sistema pblico de proteco social, na sua acepo de Segurana Social, quer do ponto de vista objectivo, quer do ponto de vista subjectivo, a partir das suas principais caractersticas, entre elas a sua limitao e insuficincia. O que torna o presente trabalho ainda mais aliciante, sem embargo de dificuldades que se avizinham. Assim sendo, parece, primeira vista, registar-se um enviusamento do tema, na medida em que questionar a proteco social (privada e pblica) reflecte melhor o presente do pas, um exemplo de excelncia da solidariedade tradicional. O problema centrar-se- na ausncia de amadurecimento, pelas razes que apontaremos. Entretanto, numa outra dimenso, poder-se- pensar que a Segurana Social, utilizada globalmente para designar os sistemas de proteco social, com os seus objectivos, fins e meios, de um lado, os seus princpios e as suas polticas, de outro, como se disse, afigura-se uma das formas da proteco social, restrita ao mbito dos regimes pblicos, configurados em legislao prpria. Ela integra o seu complexo, que se situa no campo restritamente legal, da a indispensabilidade de compreender os princpios e as tcnicas que a dominam. Tudo isso justifica, portanto, a proposta de reflexo dos dois aspectos: o estudo e a compreenso do tema em si mesmo. este o contributo para este trabalho, que no se pretende cabal e aprofundado em todas as suas dimenses. Eles justificam-se, por maioria de razo, com a reforma do sistema de proteco social ocorrida no ano de 2007, numa linha que se pensa poder melhorar a poltica de combate pobreza e excluso social.

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    actuais, focalizar as caractersticas do actual sistema de proteco social nacional. Uma busca que tem o seu centro nas razes tradicionais do pas, imbricadas na ideia da solidariedade, um elemento catalisador de todas as relaes sociais entre os seus povos. A partir dessas razes e do sistema de solidariedade tradicional desenvolve-se o argumento de que nem as influncias europeias, nem as influncias oeste-africanas so suficientemente descaracterizadoras da realidade nacional, a ponto de as suas solues ainda manterem validade, com potencialidade de serem apropriadas pela ordem jurdica nacional. Nesta linha os grandes problemas que afectam o pas nacional e condicionam a opo por um tipo de sistema de proteco social que procura a sua justificao em esquemas que reproduzem ou reelaboram o individualismo clssico, capaz de explicar suficientemente as relaes sociais em sociedades marcadas pela verdade absoluta do mercado concorrencial. De facto, as sociedades tradicionais esto talhadas em bases de grupo de indivduos unidos pelo sangue, que se organizam em famlias, onde a coeso e o esprito de entreajuda entre os seus membros fundamentam a existncia de uma comunidade ou colectiva de. Nelas o tipo de economia e as relaes sociais inclui todos os indivduos marcados por laos ancestrais. O mosaico social, o atraso econmico e a degradao social dessas sociedades constituem limites reais configurao de esquemas de proteco social que toma sobretudo em considerao a capacidade individual de garantir o sustento pessoal e familiar. Da a Atendendo, ainda, a fluidez, a indefinio e a opacidade que domina o conceito de Segurana Social, bem como a identidade de objectivos, a diversidade das realidades que compreende, a finalidade e o mtodo de financiamento justifica-se a contextualizao do tema e a sua abordagem em termos da sua concepo legal e doutrinria. Somente a percepo do conjunto (naturalmente complexo e diversificado), dominado por caractersticas (antropolgicas, sociolgicas, econmicas, culturais, polticas, religiosas, etc), do passado e do presente, poder permitir uma melhor perspectiva. Para uma anlise deste tema vide SOUSA FRANCO, Finanas Pblicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4 Edio, 5 Reimpresso, Almedina, Coimbra, 1997, p 173; ANTNIO DA SILVA LEAL, Esta expresso segurana social (I), in Temas de Segurana Social, Vol. II, Janeiro de 1985, pp 5-6; Esta expresso segurana social (II), in Temas de Segurana Social, Vol. II, Janeiro de 1985, pp 7-8; ILDIO DAS NEVES, Direito da Segurana Social, Princpios fundamentais numa anlise prospectiva, Coimbra Editora, 1996, p 24; ILDIO DAS NEVEES, Crise e Reforma da Segurana Social, Equvocos e realidades, Edies Chambel, Lda., Lisboa, 1998, pp 25-31; NAZAR DA COSTA CABRAL, O financiamento da Segurana Social e as suas implicaes redistributivas Enquadramento e regime jurdico, Associao Portuguesa da Segurana Social, Lisboa, Maro de 2001, pp 48-50; JEAN-JACQUES DUPEYROUX, Droit de la Scurit Sociale, 13e. dition, par Rolande Ruellan, Dalloz, Paris, 1998; PIERRE DENIS, Droit de la Scurit Sociale, Bruxelles, 1970; JACQUES DOUBLET, Scurit Sociale, Collection dirige par Maurice Duverger, Thmis Droit, Press Universitaires de France, Paris, 1967; MANUEL RAMN ALCARN CARACUEL, Los orgenes de la seguridad social en Espaa, in Seguridad social Una perspectiva historia, Coleccin Seguridad Social, nmero 22, Subdireccin General de Publicaciones, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, Madrid, 2001, p 22, para quem: La Seguridad Social todo el mundo sabe que es un sistema de proteccin pblica de cualquier situacin de necesidad y para todos os ciudadanos, eso es un sistema de Seguridad Social maduro, sos son sus tres elementos definitorios: proteccin pblica (principio de publicacin), de cualquier situacin de necesidad (principio de generalidad objetiva) y para todos los ciudadanos (principio de universalidad subjetiva).

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    indispensabilidade de formas solidrias como aquelas presentes na sociedade tradicional, maxime as redes sociais de apoio, proteco social e poupana. E, a partir desta constatao irrefutvel, as organizaes sociais tradicionais so fecundas na renovao de formas solidrias de garantia de segurana econmica e segurana social. Nestas perspectivas, a abordagem destas temticas reparte-se em duas Partes e correspondentes Captulos que desenvolvero os principais aspectos em que se recortam o essencial do trabalho. A Primeira Parte essencialmente voltada para uma abordagem prxima da clssica, no intuito de captar as questes gerais da Segurana Social, onde se elege uma abordagem das suas funes e das influncias exercidas pelos modelos europeus e oeste-africanos no nosso sistema de proteco social, sem embargo do questionamento da sua aplicabilidade num mosaico social e cultural enformado por outros valores que no os do homo oeconomicus3 de inspirao (neo)liberal. Na verdade, no se duvida da origem histrica e das influncias sofridas pelo actual sistema de proteco social guineense. Mais do que estas influncias so as suas repercusses e que tendem a perpetuar no presente. De facto as injustias do passado, se contextualizadas, so atendveis, embora no desculpveis, diferentemente da sua tolerncia, no presente. A Segunda Parte procura reflectir a caracterizao da Segurana Social Guineense nas suas variadas facetas, principalmente na sua abordagem histrica e no que tem de essencial e a distingue de muitas realidades sociais, a solidariedade, contrariamente perda de valores tradicionais que caracteriza a nossa sociedade, marcada, no presente, contraditoriamente, por sinais de um individualismo somente perceptvel nas razes do homo oeconoimicus. No obstante os sinais de uma evoluo paradigmtica no se assume como decisiva as manifestaes dessa tendncia que domina as sociedades mais desenvolvidas. Ou seja, sem embargo de se admitir influncias de realidades e culturais distantes das nossas, nem por isso se reconhece a necessidade de se revitalizar as culturas e os valores que desde sempre distinguiram os povos guineenses de outros povos, os valores tradicionais

    3 No sentido de uma representao moral e poltica, com caractersticas gerais e universais, este homem dotado de preferncias subjectivas na procura de acumulao de riquezas necessrias satisfao das suas prprias necessidades, perseguindo fins atravs de meios e estratgias coerentes. Neste sentido a sua existncia anterior prpria sociedade. Vide ISABELLE VACAIRE, ANISSA ALLOUACHE, ANNE-SOPHIE GINON, YLIAS FERKANE et SONIA LEROY, Crise de ltat-providence ou crise de la rgulation conomique ? Les leons des rformes de lassurance maladie, in Droit Social, n. 11, Novembre, 2008, p 1107.

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    continuam a constituir-se como pilares de uma sociedade e Estado que pretendem integrar-se numa sociedade mais vasta e diversificada. Assim, sem qualquer pretenso de minimizar as sequelas do passado, as diferentes formas de manifestao da solidariedade que dele advm, desempenharo, neste trabalho, a funo de guidance de questionamento do actual modelo e de orientao para o futuro. Simultaneamente se enriquecer o presente trabalho com o aspecto constitucional e legal, na procura de captar as preocupaes com as questes sociais nestes dois planos e as suas influncias na actual configurao do sistema de proteco social. Duas anlises encerraro o nosso trabalho, antes das concluses finais. A primeira relativa aos grandes estrangulamentos, porventura frutos de inadequao dos modelos europeu e oeste-africano, pela descaracterizao das razes solidrias dos povos guineenses, e dos grandes males que atormentam a nossa sociedade actual. Acresce a isso os diferentes problemas que afectam o pas em geral, particularmente o conjunto dos cidados e especialmente os mais vulnerveis a efeitos ou ausncia de medidas de polticas sociais. A segunda procura encontrar uma linha de possvel evoluo e perspectivao futura do sistema de solidariedade nacional, individual e colectiva, acrescida da solidariedade internacional. Sem estes dois sustentculos do sistema de segurana econmica e de segurana social corre-se o risco de a perpetuao da pobreza escravizar fsica e mentalmente os indivduos e suas famlias. Finalmente, duas grandes concluses resultaro deste trabalho: a primeira, relativa s influncias externas no complexo normativo da Segurana Social Guineense, como indica a presena de elementos de outras realidades scio-culturais e scio-econmicas; e, a segunda, tambm bem evidente, o seu pilar de base, alis factor de diferenciao de outras experincias, a solidariedade (mormente a tradicional) e os seus elementos mais caracterizadores em que se sobressaem as formas e as redes sociais de apoios e assistncia, hoje em reproduo nos meios formais.

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    CAPTULO I

    FUNES DA SEGURANA SOCIAL Generalidades A liberdade e a autonomia individuais, as qualidades, as capacidades e as competncias inerentes a cada um dos sujeitos econmicos, bem como as oportunidades, entre outras, so condies que determinam o sucesso ou insucesso dos indivduos e proporcionam as condies objectivas de cada um conseguir o seu ganha-po. Esta sntese do individualismo no se rev nas polticas pblicas de reduo das incertezas e desigualdades sociais, por via da melhoria do bem-estar de todos, independentemente dos seus atributos pessoais, como forma de compensar as disfuncionalidades do mercado e dar respostas s preocupaes sociais. Trata-se de um esforo solidrio que procura captar e mobilizar os indivduos, as associaes, a comunidade poltica nacional e a comunidade poltica mundial, incluindo as suas dimenses econmicas. A histria econmica assistiu sculos de contraposies de duas teorias e prticas econmicas: uma que advoga o sistema de mercado, dominado pela equidade e auto-regulao; e outra que o rejeita pela sua iniquidade e incapacidade de ser auto-regular. Decorre disso que os problemas sociais, numa perspectiva, so insolveis do ponto de vista da tutela de mercado, cuja lgica de funcionamento se contrape a lgica de uma economia distributiva4. Ou seja, em rigor, essas concluses admitem que as sociedades toleram as suas desigualdades, no competindo ao mercado as a procura de solues para as ultrapassar. Este entendimento est baseado na filosofia liberal assente no pilar do individualismo e do mercado como respostas aos problemas da satisfao das necessidades individuais e colectivas. Ou noutra perspectiva, esses mesmos problemas, somente so resolveis mediante interveno do sistema poltico, para suprir as incapacidades de um sistema que funciona com muitas imperfeies. Nem uma, nem outra, isoladamente, consegue responder satisfatoriamente todas as questes sociais5. A dramtica situao em que vive milhes de 4 No mesmo sentido, entre outros, DANIEL BESSA, As polticas macroeconmicas do post-25 de Abril. Ascenso e declnio do Estado Social Portugus, in RCCS, n.s 15,16 e 17, Maio, 1985, p 326. A funo redistributiva marca a preocupao predominante do Estado social. 5 A expresso questes sociais aqui empregue para significar os problemas comuns a todos os indivduos, particularmente os mais vulnerveis (crianas, mulheres, deficientes, velhos, ), incluindo a busca de solues que as diminuem, na impossibilidade de as erradicar, numa determinada sociedade. Assim sendo estamos com J. QUELHAS BIGOTTE, Questes sociais, in Polis, Enciclopdia Verbo da Sociedade e do Estado, 5, Editorial Verbo, Lisboa/S. Paulo, Abril de 1987, col. 5, quando afirma que numa acepo lata, identificam-se com todos os problemas da sociedade humana afectam de modo

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    pessoas, decorridos sculos de (re)criao desses mesmos sistemas, questiona a validade quer das teorias liberais, pois o mercado no assegura, em condies ptimas, o conjunto de bens e servios necessrios existncia da colectividade, o que relativiza os mritos da economia do mercado e, com isso fica por demonstrar que o sistema econmico de mercado ptimo e assegura a incluso de todos, sem excluso de parte da populao, como revelam as anlises da fome, derivada mais das desigualdades na repartio dos rendimentos e riquezas do que na ineficincia da produo alimentar6; quer a validade dos critrios particular os indivduos e as classes mais humildes que, por carecerem de meios de defesa sentem mais profundamente o rigor das injustias e misria da sociedade, enquanto no sentido restrito elas opem os ricos e pobres ou ofertas do trabalho e os dadores do mesmo procura como meta uma organizao social que evite as desigualdades injustas e ponha termo os males e lutas sociais (cols. 5-6). Na sua origem est o desenvolvimento tecnolgico a partir da Revoluo Industrial, no sculo XVIII, incio da mudana econmica na Europa, e com ela o favorecimento de uma classe e a excluso de outra, respectivamente os grandes industriais e os operrios entre ns a oposio, inicialmente, entre os colonos e colonizados, civilizados e indgenas ou gentios, com todas as consequncias sociais, econmicas, culturais, jurdicas, A industrializao provocou nas sociedades capitalistas quebra de laos familiares, explorao, misria e condies de vida sub-humanas, como aquelas criadas por relaes e legislaes coloniais, contrariamente ascenso daqueles que se prosperavam e acumulavam riquezas. A viso liberal que subjaz as polticas dos capitalistas criou dois mundos e reduziu, ao mnimo, a interveno estadual. Com isso o desaparecimento da ordem econmica e a organizao social. A ortodoxia do mercado livre e concorrencial comandava (e, em certa medida, comanda) a sociedade e a economia: a lei da oferta e da procura encimam a liberdade contratual e a fixao de salrio. Em consequncia a perda da legitimidade de interveno dos poderes pblicos. Era a traduo mxima da lei do mais forte. A asfixia da classe trabalhadora, em virtude do liberalismo capitalista, cria, em vrios sectores da sociedade sentimentos de revolta e de reaco contra os liberais, tendo como denominador comum a justia na distribuio da riqueza. Na Igreja Catlica surge a doutrina social afirmada em documentos pontifcios como Rerum Novarum de Leo XIII, de 15.5.1891, Magna Carta de Pio XI, de 15.5.1931, Mater et Magistra, de Joo XXIII, de 15.5.1961, Pacem in terris, 2.4.1963 e Poploroum Progressio, de Joo Paulo II, para alm da Carta Apostlica Octagessimes Adveniuns 14.5.1971). Igualmente a importncia da corrente de pensamento intervencionista e socialista. Para mais desenvolvimentos desta matria vide GRANDI ENCICLICHE SOCIALI, a curi di P. REGINALDO IANNARONE O. P.., 8 edizione, ampliata, rifatta e aggiornata, Napoli, Editrice Domenicana Italiana, 1983. Tambm M. S. GILLET, Lglise et la famille, Population, Dpopulation, Repopulation, Troisime dition, Descle, de Brouwer et Cie. Paris, 1917, pp 35-63 ; PIERRE DENIS, Droit de la Scurit Sociale, pp 1 e ss. 6 JEAN-PAUL FITOUSSI, A democracia e o mercado, Traduo de Paulo Pedroso, Terramar, Lisboa, 2005, p 52. A leitura da carncia alimentar no sentido de significar uma alimentao inadequada, diferente da fome equivalente a manifestao particularmente virulenta da morte por ela causada, conforme AMARTYA SEM, Pobreza e fomes, p 65 parte da relao pessoa e mercadoria ou seu conjunto. Essa carncia, de ordem pessoal, contudo, no deve ser deliberada. Nessa linha o autor, escreve na obra citada, p 11: Morrer de fome caracterstico de algumas pessoas que no tm alimentos suficientes para comer. No caracterstico de no haver alimentos suficientes para comer. (Itlicos no original). Acrescenta o autor: Para compreender a carncia alimentar, , por isso, necessrio entrar na estrutura da propriedade. A propriedade est integrada na relao de concesso de direitos. necessrio compreender os sistemas de concesso de direitos dentro dos quais o problema da fome tem que ser analisado. Isso aplica-se mais geralmente pobreza como tal, e mais especificamente tambm s fomes. (p 12). (Itlicos mo original). Lembre-se, por outro lado, que essa carncia no inultrapassvel. As polticas sociais, integradas na proteco social pblica, so importantes neste mbito. Exemplificativas so as palavras de AMARTYA SEM, Pobreza e fomes, pp 19-20: Os arranjos de segurana social so particularmente importantes no contexto da carncia alimentar. A razo pela qual no h fomes nos pases ricos desenvolvidos no as pessoas serem geralmente ricas, em mdia. Ricas so certamente quando tm empregos e ganham um

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    meramente poltica na distribuio de riqueza, uma vez que ela no consegue eliminar todos os males associados ao sistema de mercado. Sem prejuzo, numa democracia existe uma pluralidade e variedade de escolhas sociais. Cabe a poltica social manipular o sistema de equidade do mercado, por sinal parcial. Compete, portanto, a poltica a conformao com a realidade social, manipulando-a, de forma a complet-la, para garantir a continuidade do prprio regime poltico e do sistema econmico7. Durante muito tempo vigorou o entendimento de que existem dois reinos, isolados e inconfundveis: o da economia, pertena da sociedade, e o da poltica, pertena do Estado8. Estas revelam a crena de que o progresso e o desenvolvimento econmico esto configurados longe da interveno estadual, na suposio de uma maior eficcia da economia de mercado no captulo da produo de riqueza e repartio dos rendimentos entre os sujeitos econmicos9. Contrariamente a apologia que considera o Estado como nico garante da prosperidade dos povos. Na verdade, a tese liberal confere predomnio ao mercado, fundamentando-se na sua teoria pura que considera o mercado o melhor dos sistemas possveis de afectao de recursos e de repartio/devoluo de

    salrio adequado; mas para um grande nmero de pessoas, essa condio no consegue manter-se durante longos perodos e os direitos de troca das suas dotaes na ausncia de arranjos de segurana social poderiam proporcionar lotes de mercadorias verdadeiramente muito limitados. Com a taxa de desemprego to alta como est hoje, digamos, na Gr-Bretanha ou na Amrica, se no fossem os arranjos de segurana social, haveria carncias alimentares generalizadas e, possivelmente, fome. O que evita isso no o elevado rendimento mdio ou a riqueza dos Britnicos nem a opulncia geral dos Americanos, mas os valores mnimos garantidos de direitos de troca devidos ao sistema de segurana social. Conclui, portanto, o autor e obra, p 21, que: Se uma de cada oito pessoas tem regularmente carncias alimentares no mundo, isso considerado como resultado da sua incapacidade de adquirir direito a alimentos suficientes; a questo da disponibilidade fsica dos alimentos no est directamente envolvida. Ainda sobre a fome vide do mesmo autor, O desenvolvimento como liberdade, pp 173-199. Numa outra leitura da propriedade, enquanto um direito subjectivo, objectivamente protegido pelo sistema jurdico, vide STHEPHEN HOLMES and CASS R. SUNSTEIN, The cost of rights, Firs edition, New York, 1999, p 59, que parte dos ensinamentos do filsofo britnico Jeremy Bentham sobre a propriedade e o direito, para escrever: Before the laws there was no property; take away the laws, all property cases." Every first-year law student learns that private property is not an "object" or a "thing" but a complex bundle of rights. Property is a legally constructed social relation, a cluster of legislatively and judicially created and judicially enforceable rules of access and exclusion. Without government, capable of lying down and enforcing compliance with such rules, there would be no right to use, enjoy, destroy, or dispose of the things we own. 7 JEAN-PAUL FITOUSSI, A democracia e o mercado, p 67. 8 JEAN-PAUL FITOUSSI, A democracia e o mercado, pp 73-74 escreve: Tal no impede que a mensagem principal do relatrio do FMI continue qualitativamente conforme com a doutrina dominante: as instituies mais favorveis ao desenvolvimento so os que permitem o funcionamento livre dos mercados, protegem os direitos de propriedade e constrangem a aco do poder executivo. 9 Sobre o assunto, entre vrios autores e obras, consultar JEAN-PAUL FITOUSSI, A democracia e o mercado; JOHN KENETH GALBRAITH, Economia e bem pblico, Publicaes Dom Quixote, Lisboa, 1976.

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    rendimentos. Dela decorre que o mau desempenho do mercado quanto satisfao das necessidades sociais a no observncia do ptimo paretiano10 ou equilbrio walsariano11 resulta da interveno estadual (poltica) na economia (mercado)12. Isto , a incapacidade de mercado explicada no pela sua ineficcia, mas pelo seu funcionamento tutelado pelo Estado, restringindo as liberdades econmicas. Esta interveno tem lugar com a alocao de recursos fora do sistema de mercado (nas situaes de distores e imperfeies), na procura de respostas para as necessidades por ele no satisfeitas. Logo, a influncia da democracia na economia. Contrariamente, o Estado bem-estar social, sinnimo de estabilidade social, garante dos direitos econmicos e sociais, durante longos anos, surge como resposta equao dos problemas da excluso, pelo mercado, de muitos cidados, sem embargo de, hoje, sentir ameaado pelo neo-liberalismo. O Estado social surge, na cincia econmica, como um tipo que melhor se identifica com os postulados (re)distributivos e garante a integrao existencial13 (itlico no original). Trata-se de um conceito abstracto, que no est ancorado em nenhum formalismo. Ele surge como uma explicitao dos direitos dos cidados e dos seus exerccios face ao mesmo tipo de Estado. O mago da funo social est na aco pblica no domnio econmico e na sua relao com os sujeitos econmicos privados. Noutra significao a procura de conciliao do direito propriedade privada com os instrumentos interventivos pblicos, atravs dos quais a actuao pblica influncia a actuao privada, na procura de alcanar a utilidade social do

    10 Tambm designado ptimo social sinnimo de uma situao em que impossvel aumentar o bem-estar de um indivduo sem reduzir, pelo menos, o de outro, de acordo com o economista italiano Vilfedo Pareto, sucessor de Warlas. Vide para mais desenvolvimentos das ideias deste autor, HENRI DENIS, Histoire de la pense conomique, Thmis, Sciences conomiques, Press Universitaires de France, Paris, 1966, pp 511 e ss. Ainda ROGER DEHEM, Historie de la pense conomique - des mercantilistes Keynes, conomie module, Les Presses de lUniversit Laval, Dunod, Qubec, 1984, pp 335 e ss. 11 Traduzido na situao de pleno emprego e de alocao/afectao ptima de recursos numa economia de mercado dominada pelas leis da concorrncia pura e perfeita. Ora, de acordo com as orientaes paretiana e walsariana a pobreza, a ausncia de cuidados de sade, da educao,... no se afiguram quaisquer disfunes do mercado. Antes, pelo contrrio, so compatveis com o seu funcionamento perfeito. Para mais informaes sobre a contribuio de Lon Warlas no estudo da cincia econmica, vide HENRI DENIS, Histoire de la pense conomique, pp 488 e ss, incluindo as crticas a sua teoria, pp 283-299. Tambm ROGER DEHEM, Historie de la pense conomique, pp 283 e ss; RAYMOND BARRE, conomie Politique 1, pp 50-51; 578 e ss. 12 JEAN-PAUL FITOUSSI, A democracia e o mercado, p 50. O princpio do mercado, como se sabe, assenta na lgica de transformao do cidado num mero consumidor dos seus bens e servios. Uma moeda, um voto exprime a discriminao entre os indivduos, com base nas suas capacidades econmicas determinadas pelo mercado. A pluralidade dos sujeitos econmicos privados que actuam livre e espontaneamente no mercado concorrencial, portanto excludor, desvirtua a ideia da democratizao da sociedade, assenta na cidadania e respectiva participao no espao de tomada de deciso poltica. 13 JORGE REIS NOVAIS, Contributo para uma teoria do Estado de Direito, p 194.

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    livre exerccio da actividade econmica. Esta a traduo do princpio da complementaridade entre o mercado e a poltica14. A dimenso prestadora do Estado nos domnios econmicos, sociais e culturais nasce da unio dos direitos clssicos com os direitos de contedo social. A sua funo de proteco dos cidados, atravs da actuao (e no da absteno), visa conferir a estes as prestaes que os dignificam, nomeadamente na sade, educao e segurana social. Historicamente, a questo social15 est inserida no contexto do empobrecimento da classe trabalhadora com a consolidao e expanso do capitalismo do sc. XIX, e no quadro da luta e do reconhecimento dos direitos sociais e das polticas pblicas correspondentes. Acresce a estes espaos um outro de no somenos importncia, o das organizaes e movimentos por uma cidadania social activa e responsvel. No mesmo plano, as dicotomias ideolgicas subjacentes aos conceitos de Estado Mnimo, preconizado pelos liberais, versus Estado de Bem-Estar Social, apangio de intervencionismo estatal, podem ser concebidas como resultados de duas vises, no coincidentes, relativas s chagas sociais. A superao dessas concepes estanques esto, hoje, reflectidas na terceira via16 e na quarta e quinta vias em voga , pensada por ANTHONY

    14 Numa leitura de interaco entre a poltica e o mercado vide F. H. HAYEK, Law, Legislation and Liberty, Vol. III, The political order of a free people, Routledge & Kegan Paul, London and Henley, 1979, pp 65-97. Muito seguras so, neste sentido, as observaes de BENTO XVI, Caritas in Veritate, p 59: Quando a lgica do mercado e da do Estado se pem de acordo entre si para continuar no monoplio dos respectivos mbitos de influncia, com o passar do tempo definha a solidariedade nas relaes entre os cidados, a participao e a adeso, o servio gratuito, que so realidades diversas do dar para ter, prprio da lgica da transaco, e do dar por dever, prprio da lgica dos comportamentos pblicos impostos por lei do Estado. 15 Esta mesma questo identifica-se com a luta de libertao, um questo nacional como defende GUSTAVE MASSIAH, Do ajustamento estrutural ao respeito dos direitos humanos propsito da dvida pblica do terceiro mundo, in Uma economia ao servio do homem, ATTAC, Traduo de Miguel Serpas Pereira, Fim de Sculo, 2002,, p 131: As lutas operrias e populares e as lutas de libertao nacional definem um outro aspecto da modernidade, uma articulao particular entre a questo social e a questo nacional. Neste sentido FERNANDO RIBEIRO MENDES, Conspirao grisalha, Segurana Social, Competitividade e geraes, Celta Editora, Oeiras, 2005, p 25: Com a industrializao tudo muda, emergindo o que se chama a questo social. A expresso difunde-se, durante o sculo XIX, para identificar certo tipo de efeitos colaterais do livre funcionamento dos mercados nas economias industrializadas. Para mais desenvolvimentos sobre o assunto vide J. QUELHAS BIGOTTE, Questo social, cols. 5-11. 16 O debate iniciado no seio da esquerda europeia, que o ex-Primeiro-Ministro ingls apelidou de terceira via na sequncia de alguns pensadores socialistas. O problema resume-se renovao da esquerda aps uma dcada de depresso ideolgica resultante do derrubamento do muro de Berlim, que apressa o incio do fim das ideologias comunistas. Este facto deslocou a esquerda poltica para o centro, ou seja concedeu um maior espao ao neo-liberalismo. Mas tal no significa o abandono das ideias socialistas, como se pode notar pela revitalizao que o debate poltico consegue alcanar com este flego renovador. Repensar a sociedade, o futuro, pelos olhos da velha esquerda, saudosa de militncia partidria de tipo convencional e aliana de classes, traduz-se em ideias novas que passa pela conquista de uma cidadania (mais) activa, formulada junto da sociedade civil, um actor poltico (e econmico).

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    GIDDENS e apadrinhada por TONY BLAIR, na atura, Primeiro-Ministro britnico. As suas propostas alternativas da sociedade e da economia, at agora, no so suficientemente convincentes, no sentido de formulaes de respostas diferentes das actuais. Aps sculos de histricas, marcados por divergncias polticas, filosficas e culturais, bem como de doutrinas econmicas, pode-se concluir, no geral, que as instituies sociais e polticas mostraram-se poucas criativas e perspicazes e com falta de agilidade na percepo e no combate aos grandes problemas que afectam um mundo cada vez mais complexo e globalizado.

    A terceira via representa um processo de renovao h muito iniciado e une polticos e acadmicos renomados. Isso explica a abertura de frum de discusso de ideias e de sensibilidades polticas. Um compromisso com o futuro, uma forma de partilha da responsabilidade do poder com a sociedade. No passado recente o socialismo democrtico encarnou essa forma de questionamento dos ideais liberais e dos ideais comunistas. Do que se trata, na verdade, de uma operacionalizao dos valores de igualdade, liberdade e solidariedade pensados pela velha esquerda. As relaes sociais so, hoje, dominadas pela tecnologia. Ela revolucionou a produo e as suas relaes e venceu as distncias entre os centros de deciso econmica, sobretudo. De igual modo a convivncia social e a democracia. E isso constitui um grande desafio poltica e aos polticos, obrigados a encontrar um ponto de equilbrio entre o mercado, na sua pureza, e o plano. A regulao surge como um ex quilibri, um compromisso entre a economia e a poltica. Sobre o assunto e para mais desenvolvimentos vide TERCEIRA VIA, 4 Edio, Fenda Edies, Lisboa, 1999. Cfr. ainda GRARD FARJAT, Droit conomique, Thmis Droit, Presses Universitaires de France, Paris, 1971, pp 18-25. No quadro africano foi apresentado por L. S. SENGHOR como socialismo africano, constituindo uma via alternativa entre o capitalismo e o socialismo/comunismo, onde se conjugam a liberdade e a justia social. Esta construo encontra base poltico-filosfica na negritude (cujo primeiro aparecimento surge no escrito de AIM CSAIRE, em 1938, no seu livro de poemas, "Cahier d'un retour au pays natal", associado reivindicao de um grupo de estudantes africanos, em Paris, no comeo da dcada de 30. So estes os responsveis e dinamizadores dessa corrente. Juntamente com estes ilustres africano e martinicano, o ghans LEON DAMAS. Mas, foi SENGHOR que mais se destacou na divulgao da negritude, quando chegou Presidncia de Senegal. Esta forma de interpretar a terceira via para a sociedade africana, a negritude, organiza-se em torno de sectores livre, misto e socializado e tem como finalidade a acumulao de riquezas espirituais, afastando-se das sociedades industriais. Apud MAKTHAR DIOUF, Sistemas econmicos e polticos de desenvolvimento na frica ao Sul do Saara, conomie politique de la Chara Le Coran et la Sunna, Max Weber et les autres, Press Universitaires de Dakar, 2008, p 144, nota de rodap de pgina 2. Para uma apreciao da contribuio da reaco (explosiva) africana sobre a colonizao, vide, tambm AIM CSAIRE, Discurso sobre o colonialismo, Prefcio de Mrio de Andrade, Cadernos Livres, n. 15, S da Costa, 1 Edio, 1978, (Traduo da verso francesa de Discours sur le colonialisme, de Nomia de Sousa). Nela encontra-se impregnado um discurso-artigo do autor quanto colonizao africana e necessidade da reconquista da identidade africana, atravs da luta de libertao nacional. Esta obra tida como um estmulo conscincia revolucionria e revolta contra o colonialismo e fascismo. O retrato da essncia do colonialismo feito pelo prprio permite concluir que o colonialismo, em si mesmo, conforme MRIO DE ANDRADE desciviliza simultaneamente o colonizador e o colonizado. In Prefcio a obra em referncia. Esta concluso retira-se das palavras do autor, obra citada, pp 23-24. Ainda ELIKIA MBOKOLO, frica negra: Histria e Civilizaes, Do sculo XIX aos nossos dias, Tomo II, 2 Edio, (colaborao de Sophie Le Callennec e de Thierno Bah), Traduo de Manuel Resende, Reviso cientfica de Alfredo Margarido e Isabel Castro Henriques, Edies Colibri, Coleco Tempos e Espaos Africanos, Lisboa, 2007, pp 455 e ss, especialmente pp 478-479; BERNARD FOUNOU-TCHUIGOUA, LAfrique noire dans le systme conomique et politique mondial, in TAT ET POLITIQUE DANS LE TIERS-MONDE, Sous la direction de Pablo Gonzalez Casanova, Forum du Tiers-Monde, LHarmattan, Paris, 1994, pp 214-219. Em certo sentido HISTRIA UNIVERSAL, n. 20, O mundo contemporneo, de Carl Grimberg, Direco de Jorge de Macedo, Traduo de Maria Manuela Soares Faure da Rosa, Publicaes Europa-Amrica, Lisboa, Maro de 1969, pp 149 e ss.

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    O mundo contemporneo viveu em torno de ideais de bem-estar social, como objectivo de uma sociedade desenvolvida e economicamente prspera. Os desafios da existncia individual e em grupo, mais ou menos organizado, foram motivos de tenses sociais geradas pelo crescimento e desenvolvimento econmico. A abordagem mais ou menos abrangente das questes sociais, modernamente, confirma uma crescente consciencializao geral quanto conciliao das polticas de proteco social com as estruturas econmicas. Disso exemplo o Estado-Providncia, nas suas expresses de polticas sociais de base beveridgiana e de keynesianas, de pleno emprego17. A modernidade18, sada da Grande Depresso, debateu-se com o problema da necessidade da interveno pblica, sintetizada em trs eixos, a saber: a estabilizao da economia como meio de restabelecimento do equilbrio macroeconmico; a afectao de recursos para corrigir a imperfeio do mercado e a redistribuio de rendimentos para se assegurar a manuteno da solidariedade e coeso sociais19. Segundo KEYNES esse acontecimento teve origem na contraco do investimento e na insuficincia da procura global, em resultado de desemprego. Trata-se de uma constatao da falncia da crena clssica do

    17 Vide GAVYN DAVIES and DAVID PIACHAUD, Social policy and the economy, in The future of the welfare state: remaking social policy, Edited by Howard Glennerster, Heinemann, London, 1983, p 41, aps admitir a conflitualidade entre os objectivos de poltica econmica e os de poltica social, escreve: So there will usually be conflicts between economic growth and efficiency on the one hand and redistribution and equity on the other. A second area of conflict may arise in relation to the labour supply and unemployment. Earlier retirement may reduce the labour supply thereby reducing the unemployment statistics in the short terms at least; but it may de at the price of more spending on social security, lower incomes, and more isolation for the elderly. O pleno emprego constitui um dos pilares da construo keynesiana do equilbrio da economia. Mas, a sua integrao no mbito das polticas sociais do Estado-Providncia no foi bem sucedida por influncia de crises econmicas. Cfr. RAMESH MISHRA, O Estado-Providncia na sociedade capitalista, Estudo comparativo das polticas pblicas na Europa, Amrica do Norte e Austrlia, Traduo de Ana Barradas, Reviso Tcnica de Juan Mozzicafreddo, Celta Editora, Oeiras, 1995, p 11, ao tecer estas consideraes, escreve: Se virmos o Estado-Providncia pr-crise como uma combinao de elementos keynesianos e beveridgianos, evidente que a base keynesiana do afinamento da economia de mercado no sentido de manter o pleno emprego tem sido o elemento mais afectado. 18 Sobre o conceito e a anlise da modernidade, bem como as suas implicaes culturais e epistemolgicas, vide, entre outros, ANTHONY GIDDENS, As consequncias da modernidade (Ttulo original: The consequences of modernity), Traduo de Fernando Lus Machado e Maria Manuela Rocha, 4 Edio, 1 Reimpresso, Celta Editora, Oeiras, 2000. 19 Nesse mbito foram esboadas solues de polticas sociais para fazer face aos grandes problemas que tendem a enfraquecer essas virtudes sociais. A utilizao dessas mesmas polticas est na origem de divergncias das escolas e dos pensadores econmicos: de um lado os liberais, representando os monetaristas e a Nova escola clssica ou tericos que defendem o funcionamento do mercado, sem qualquer tutela pblica; de outro os intervencionistas, encabeados por J. M. KEYNES, que defendem a aco governamental como a melhor forma de assegurar o melhor funcionamento do mercado e combater as desigualdades sociais. Cfr. JACQUES LECAILLON, Introduction gnral obra PROBLMES CONOMIQUES ET SOCIAUX CONTEMPORAINS, sous la direction de Philippe Darreau et Claude Pondaven, dition Cujas, Paris, 1998, p 21.

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    mecanismo automtico de pleno emprego e em consequncia a necessidade de estmulo ao consumo de bens e servios por via do oramento pblico20. A desigual repartio de recursos entre os territrios, o desnvel de desenvolvimento econmicos dos mesmos e das suas diferentes parcelas, o acesso de uns e as restries de outros s tcnicas e (novas) tecnologias de informao e de comunicao, influenciam a criao e a repartio da riqueza entre as sociedades e entre os homens nas diferentes latitudes geogrficas. Com maior ou menor profundidade, no obstante a convergncia do mundo contemporneo em torno das principais preocupaes da humanidade, principalmente sobre a repartio desigual entre as Naes dos frutos do desenvolvimento, os condicionantes a uma vida melhor e condigna de muitas pessoas so cada vez maiores. Os condicionantes a uma vida melhor e condigna de muitas pessoas. Nem a retrica dos lderes mundiais suficiente para salvar a humanidade das consequncias drsticas de uma sociedade global menos justa, amarrada a solues economicistas que escondem propostas egostas. Perante os sistemticos discursos inconsequentes e as denncias de injustas e de incertezas quanto ao futuro as possibilidades de opes so limitadas. Tais limitaes das sociedades actuais devem ser traduzidas em frmulas polticas que criam novas perspectivas para a humanidade. E aqui o papel da Segurana Social imensurvel. Ela deve enquadrar aces que visam combater todas as formas de pobreza e de excluso social, que confiram dignidade a cada homem em concreto, proporcionando-lhe plena integrao na sua sociedade e na sociedade global. JEAN-JACQUES DUPEYROUX apresenta, globalmente, trs funes21 da Segurana Social, a saber: a de garantia de indemnizao ou garantia de

    20 JACQUES LECAILLON, Introduction gnral obra PROBLMES CONOMIQUES ET SOCIAUX CONTEMPORAINS, p 21. Sobre a influncia do pensamento keynesiano muitos economistas procuraram realar o papel do Estado na melhoria das condies de vida das populaes. Existe uma vasta literatura sobre o tema. Para alm das que so citadas especificamente, vide, entre outros, PIERRE DELFAUD, Keynes e o keynesianismo, 2 Edio revista e actualizada, Publicaes Europa-Amrica, Coleco Saber, Mem Martins, 1988. JOHN KENNETH GALBRAITH, Economia e bem pblico, Publicaes Dom Quixote, Lisboa, 1976, passim. 21 Sem questionar a posio do autor de Droit de la Scurit Social, vide a nossa anlise e viso no ponto da matria relativo ao mesmo assunto. No sentido algo prximo a posio de JOS FRANCISCO BLASCO LAHOZ, JUAN LPEZ GANDA e M NGELES MOMPARLER CARRASCO, Curso de la Seguridad Social, p 23, que sintetizam o duplo sentido em que a Segurana Social influencia a economia, porquanto incide sobre os gastos sociais e serve de ajustamento de mercado, sem contar com o elemento poltico includo nos gastos do sistema que: () afectan directamente a la legitimidad del sistema poltico y de la economa de mercado. Na perspectiva de FERNANDO MAIA, O financiamento da Segurana Social em Portugal, Pistas para una nova lgica, Conferncia no CRSS, Braga, Julho de 1988, pp 19-21, na linha de Perrin, so duas as grandes funes da Segurana Social: as constitutivas (garantia de cuidados mdicos e proteco e promoo da sade, rendimento social de substituio ou de compensao e rendimento social mnimo) e as iteractivas (espraiadas nas funes constitutivas, no entanto elas contribuem para a eficcia sua maior eficcia e so as seguintes: aco social, a formao e a investigao social).

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    recursos para acudir as necessidades das classes sociais mais vulnerveis (crianas, mulheres, velhos, ); a de criao de emprego para incluir as camadas excludas, a princpio, do mercado de trabalho, por falta de formao e qualificao profissionais, e, do mesmo modo, contribuir para a reduo dos encargos sociais22 das empresas com os trabalhadores (reduzindo os encargos com as quotizaes), com vista a permitir que os jovens tenham acesso ao mercado de trabalho; e a de poltica econmica, com o objectivo de relanamento do consumo e do poder de compra dos beneficirios da Segurana Social. Apontam-se como exemplos o New Deal do Presidente norte-americano Roosevelt e seu Social Security Act23, de suma importncia histrica24 permitem, de uma maneira geral, o acesso ao mercado de trabalho. Em suma, note-se a incidncia da Segurana Social sobre a economia. De uma maneira geral a vida econmica resulta claramente influenciada pelas prestaes sociais derivadas dos sistemas pblicos de proteco social. Assim, a remunerao paga aos trabalhadores depende da performance econmica e, igualmente, determina os benefcios sociais no presente e no futuro. Numa outra formulao e dimenso, mas sem pr em causa a tripartio de funes avanadas por aquele autor, a nossa anlise que se seguira, privilegiar a dimenso meramente individual e a dimenso social e internacional dos homens susceptveis de ser influenciadas ou alteradas pela Segurana Social. o que se seguir confludo nas suas funes. Sem dvidas e independentemente das consideraes sobre as funes que cabem desempenhar a Segurana Social, existe, hoje, uma aquisio que se revela comum: a necessidade de se organizar a proteco social pblica dos cidados contra determinados eventos danosos, pois que os seus efeitos interessam a cada um individualmente e a todos colectivamente: a responsabilidade, primeiro, do Estado, e a solidariedade de todos, em segundo lugar. Para o Estado emergir a necessidade de se configurar a Segurana Social no conjunto das polticas sociais. E, para os indivduos em geral, o fortalecimento de um espao quer pessoal, quer familiar, quer de grupo, quer ainda de solidariedade pblica.

    22 Isso justifica o conceito moderno do salrio: () el llamado salario social, o salario diferido, rentas sustitutivas del mismo y el papel que el gasto social tiene dentro del gasto pblico y de se su financiacin y del coste de la mano de obras (cargas sociales para las empresas), Seguridad Social constituya en casi todos los pases una variable decisiva de la poltica econmica. Cfr. JOS FRANCISCO BLASCO LAHOZ, JUAN LPEZ GANDA e M NGELES MOMPARLER CARRASCO, Curso de la Seguridad Social, p 23. 23 JEAN-JACQUES DUPEYROUX, Droit de la Scurit Social, pp 65-66. 24 Igualmente HENRY AARON, On social welfare, Abt Books, Cambridge, Massachusetts, 1980, p 3, para quem When future historians review the social legislation on the first two centuries of American history, they are likely to hail the Social Security Act as the most important single piece of legislation in that entire period, with the possible exception of the Homestead Act.

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    Sugere, em suma, que devem ser criadas condies para a existncia de um espao pblico e privado de Segurana Social25. Isso no quer significar nenhuma concepo abonatria da substituio do sistema pblico que, quanto a ns, as suas fronteiras jurdicas e financeiras devem ser ampliadas na proporo da necessidade e da capacidade de organizao do sistema privado de proteco social, cujas manifestaes esto ao alcance de todos e atingem quantitativamente mais indivduos e famlias. Seco I. combate pobreza e excluso social Os critrios definidores do subdesenvolvimento26 so a misria, a pobreza, a fome, a ignorncia,... que, no seu conjunto, grassa as populaes dos pases com nveis de desenvolvimento situados abaixo de determinados patamares. A misria e a pobreza em especial constituem caractersticas desolantes de certas regies do planeta. Estes males desumanizam o 25 Para uma resenha dos argumentos tericos e prticos do debate das vantagens e desvantagens dos sectores pblico e privado vide, entre outros, JEAN-PIERRE DUMONT, Les systmes de protection social en Europe, 4e. dition, Espace Social Europen, Economia, Mutualit Francillenne, Paris, 1998, pp 42 e ss. 26 Este conceito social e econmico constitui um antpoda do desenvolvimento. E nas suas linhas divisrias situam-se, entre outras, o investimento em trabalho e em capital, muito mais intenso entre os pases considerados desenvolvidos. Sobre o assunto vide a nossa tese, p 62, nota de rodap de pgina 60. Para mais desenvolvimentos vide os ensinamentos de SOARES MARTNEZ, Economias subdesenvolvidas, in Dispersos econmicos, Separata da RFDL, 1990, pp 215-219. Igualmente ELIKIA MBOKOLO, frica negra, Histria e Civilizaes, pp 434-438, autor que justifica o subdesenvolvimento do continente negro ligado ideia da valorizao econmica colonial, querendo simultaneamente decalcar o desenvolvimento a muito longo prazo da frica sobre o da Europa, e fazer beneficiar a Europa das riquezas da frica, destruiu a dinmica do continente e nele gerou muito certamente as bases do subdesenvolvimento. (p 438). As classificaes terminolgicas e os critrios empregues na distino dos pases conforme o seu nvel de desenvolvimento em geral, encontram-se em AV, conomie du dveloppement, pp 7-9. Tambm SERGE LATOUCHE (economista e filsofo francs), apud JOO ESTVO, Desenvolvimento endgeno e integrao econmica regional em frica, p 181, que encontra neste conceito uma dupla impotncia: impossibilidade de se desenvolver, ou seja de suscitar uma acumulao de capital suficientemente forte para elevar o nvel de vida da populao, impotncia em procurar solues alternativas para sair da misria e da sujeio. Vide a explicitao deste conceito em DR. PAUL K. FOKAM, Misre galopante du Sud, complicit du Nord, Jeux-Enjeux-Solutions, Maisonneuve & Larose, Paris, 2005, pp 22-23. Tambm FRANOIS PERROUX, Trois outils danalyse pour ltude du sous-dveloppement: - conomie inarticule; - Cots de lhomme; - Dveloppement induit, in Economie e Socits, Cahiers de lInstitut de Sciences Mathmatiques et Economiques Appliques, Srie F, n. 27, Tome XII, 6,7, juin-juillet 1978. O autor considera como caractersticas importantes do subdesenvolvimeto as seguintes: juxtaposition dconomies de types diffrents (pp 1249-1250); dpendance financire (pp 1250-1251); lincompatibilit des plans (pp 1252-1253), dfauts de transmission (p 1253). As economias deste tipo so, igualmente, caracterizadas, ainda pelo mesmo autor e obra, por quatre cercles vicieux ou quatre sortes de contradictions, a saber: les taux de natalit, les taux de mortalit et les taux daccroissement net de la population sont levs, le niveau des subsistances lmentaires est faible Elle suppose un dveloppement de lagriculture pour fournir les matires premires locales et augmenter les rations des travailleurs Le revenu national des pays sous-dvelopps est bas. Do un faible quantum dpargne Do la ncessit de recourir limpt ou linvestissement venu de ltranger, Dans les pays sous-dvelopps, ce sont des consommations mal relies entre elles, imparfaitement dpendantes de la dimension des flux montaires (p 1254). (Itlicos no original).

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    homem, a ponto de descaracterizar a sua personalidade e dignidade, tanto a nvel fsico como a nvel mental. Os sinais de perpetuao da pobreza no deixam indiferentes investigadores, polticos e homens de negcios. E a partir deles, numerosas iniciativas, mais ou menos bem sucedidas, foram concebidas para travar os males que mortificam populaes inteiras. Sem embargo, muitas categorias de pessoas (idosas, deficientes, incapazes, minorias tnicas, emigrantes, desempregados, sem abrigo, mes solteiras, rfos, entre outros) formam populaes excludas ou marginalizadas das sociedades modernas. Poder-se-ia, numa primeira aproximao, concluir que a definio e a delimitao conceptual da pobreza e da excluso social constituem tarefas complexas, sobretudo devido extenso do seu campo material e a novas formas, mais ou menos visveis e perceptveis, mental ou espacialmente, em que se traduzem modernamente. Os economistas liberais do sculo XIX acreditavam no aumento do bem-estar baseado no crescimento econmico e no na redistribuio. Ou seja, um problema que pertence ao domnio da produo e no ao das polticas pblicas27. Assim sendo, esta forma de encarar a pobreza admite uma nica forma de a combater: o incremento da produo (aspecto econmico) negligenciado a redistribuio (aspecto poltico). Esta viso pode ainda explicar as diferentes dinmicas das economias desenvolvidas e economias subdesenvolvidas separadas pelo contacto cedo ou tardio com os frutos da Revoluo Industrial, um veculo de alteraes estruturais que determinaram um aumento do bem-estar social. Dito por outras palavras, o esforo individual e colectivo era considerado, nos sculos XVIII e XIX, um factor determinante da riqueza nacional e mundial. Nesta perspectiva as funes do Estado deveriam ser resumidas, entre outras, na defesa dos cidados e das suas propriedades. Tal como no passado, presentemente, a tendncia do mercado global dirigida pela lgica de acumulao de lucros do capital em detrimento de uma remunerao condigna do trabalho. Isto , a priorizao do trabalho morto

    27 Bem se compreende que: As formas mais visveis, ou mais chocantes, do processo de excluso residem na rejeio para fora das representaes normalizantes da sociedade moderna avanada. Numa sociedade onde o modelo dominante continua a ser o Homo Economicus convm participar na troca material e simblica generalizada. Todos aqueles que recusam ou so incapazes de participar no mercado sero logo percebidos como excludos. A pobreza significa a incapacidade de participar no mercado de consumo. O desemprego sublinha a incapacidade de participar no mercado de produo, conforme MARTINE XIBERRAS, As teorias da excluso Para uma construo do imaginrio do desvio, (Ttulo original: Les thories de lexclusion), Traduo de Jos Gabriel Rego, Instituto PIAGET, Lisboa, 1993, p 28.

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    empurrando as formas de remunerao do trabalho vivo para a fronteira da sobrevivncia28. A pobreza pode ser explicada, em parte, como efeito do atraso de desenvolvimento, um equivalente do subdesenvolvimento e de todas as suas consequncias nefastas. A vivncia margem da sociedade, por incapacidade de gerar rendimento individual e familiar ou inaptido para a vida econmica activa, constitui forma tradicional de pobreza29, suplantada, em alguns pases, com os instrumentos de polticas sociais, mormente a proteco social, nas suas mltiplas formas. 28 Entre ns, a precarizao, a baixa remunerao do trabalho e a ausncia de um Estado bem-estar social, preocupado com a repartio igualitria dos frutos do crescimento econmico e do progresso tcnico, torna praticamente impossvel a existncia de polticas fiscais e de verdadeiras instituies de Segurana Social e tolde uma participao activa dos cidados. Nesta complexa realidade social, as polticas pblicas deveriam ter como misso prioritria o combate pobreza e excluso social, fazendo delas uma questo prioritariamente nacional. Em algumas economias desenvolvidas, exemplo a norte-americana, a luta contra a precarizao do emprego travada, tambm, a nvel da modulao da taxa de quotizaes sociais (e taxas de supresso de postos de trabalho em condies econmicas florescentes). Vide sobre o assunto THOMAS COUTROT e MICHEL HUSSON, O mercado de trabalho propsito do desemprego de massa e do pleno emprego in Uma economia ao servio do homem, ATTAC, Traduo de Miguel Serpas Pereira, Fim de Sculo, 2002, pp 105-106. 29 Acompanhamos de perto EDWARD J. OBOYLE Poverty: A concept that is both absolute and relative because human beings are at once individual and social, , in Review of Social Economy, Vol. XLVIII, n. 1, Published by Association for Social Economics at Marquette University, Spring 1990, p 5, quando afirma: Poverty is two-dimensional because physical need is two-dimensional. Physical need is two-dimensional, in turn, because human beings are two-dimensional. One dimension is individuality wherein the person is unique, independent, and self-determining. The other dimension is sociality wherein the person is like others, dependent and conditioned by environment. Ela cria nos indivduos e na prpria colectividade um sentimento presente em todas as civilizaes que, ao longo de sculos, foi sendo transmitido, a ponto de cristalizar as suas atitudes. Assim se explica a influncia do pensamento cristo vertido na civilizao ocidental, hoje, disseminado em todos os quadrantes do globo. A ateno aos mais pobres foi elevada a uma das bem-aventuranas, conforme S. Mateus 5, 3 (Felizes os pobres em esprito, porque deles o Reino do Cu.) Nesta linha as Encclicas papais que advogam a pobreza espiritual, e com ela a repartio material dos bens, sobretudo aos mais pobres, tal como ensina Jesus (Dai de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede.) A influncia crist e a sua difuso (quase) planetria no constituem a nica forma de ateno para as difceis condies de vida que experimentam milhares de milhes de homens. O marxismo criou uma doutrina prpria, material, a partir de Karl Marx e o seu Manifesto Comunista de 1848. De igual modo o socialismo defende a nacionalizao da economia e dos sectores chaves da mesma ou o estmulo criao da riqueza para sua repartio por todos, o socialismo democrtico. parte as doutrinas econmicas, os esforos de algumas individualidades e instituies, mormente as religiosas, de apoio ao desenvolvimento social, revelam-se importantes no combate pobreza e excluso social a ela associada. Para mais desenvolvimentos vide ORLANDO ROMANO, in Polis, Enciclopdia da Sociedade e do Estado, n. 4, Lisboa, Junho, 1986, cols. 1288-1291. Incidindo especificamente sobre a anlise da excluso, vide, entre outras, IOLANDA VORA, O lugar da excluso social, in Direito e Cidadania, Ano VII, n. 22, 2005, pp 179-191. De outra parte, a perspectiva de AMARTYA SEN, O desenvolvimento como liberdade (Ttulo original: Development as Freedom), Traduo de Joaquim Coelho Rosa, Trajectos, Gradiva, Lisboa, 2003, passim, dever acrescentar-se que a pobreza o resultado, tambm, da falta de liberdades individual e social. Assim a privao das potencialidades elementares e as consequncias no plano da manuteno e crescimento individual e colectivo e no plano da subtraco indigncia, iliteracia, excluso social, s doenas e perda da confiana e auto-estima. Uma pessoa carente de liberdade, com certeza, no poder lutar contra as injustias mundanas: tantas pessoas atingidas por fomes e misria, resistindo perante situaes deplorveis; crianas que morrem de m nutrio, falta de tratamento mdico ou de cuidados de sade, etc.

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    Isto a pobreza sugere objectividade e subjectividade. A primeira equivale a falta de rendimentos ou penria/escassez de recursos para fazer face s necessidades individuais e colectivas30. A segunda encarada como resultado de uma estruturao deficiente ou inadequada de cada indivduo (e da prpria sociedade), no obstante depender de aspectos objectivos, como sejam a escassez de recursos para investimentos em programas de aces, por exemplo, de formaes que beneficiem as pessoas menos privilegiadas. Assim, uma maior exposio a riscos sociais mormente as doenas pode ser resultado de disfunes estruturais sectoriais ou globais. Deste modo, a pobreza ou a sua vulnerabilidade individual ou colectiva um problema conjuntural ou estrutural, mas transitrio. Esta transitoriedade depende dos esforos individuais e colectivo e dos recursos financeiros disponveis, suficientemente, para a comunidade nacional, independentemente da ajuda tcnica e financeiras resultantes da cooperao internacional. Para isso as intervenes devem ser articuladas. Nestes termos, a indispensabilidade da parceria Estado/mercado e sociedade civil, no domnio da concepo, tomada e execuo das decises. Nesta linha, a proteco social joga um importante papel na redistribuio de rendimentos entre os indivduos e as famlias. Ou seja, ela seria concebida como um mecanismo de reduo da pobreza, por via de oramentos pblicos que consubstanciam apoios sociais a indivduos e famlias. Por outro lado a mesma orientao deve ser considerada no domnio do financiamento dos encargos, isto a conjugao de esforos entre o pblico e o privado, numa altura em que o sector privado assume cada vez mais a oferta de servios de ensino e de sade, mediante, respectivamente as escolas e as clnicas privadas, em condies de verdadeira escassez de meios humanos, materiais e equipamentos. No obstante a sua generalizao, quer nos meios polticos, quer nos meios da investigao em geral, no se conhece, pela legislao nacional (bem como as legislaes estrangeiras), nenhuma definio da pobreza31. A

    30 Para uma abordagem dos critrios de definio da pobreza vide, entre outros, EDWARD J. OBOYLE Poverty: A concept that is both absolute and relative because human beings are at once individual and social, pp 6-12. 31 A pobreza considerada um fenmeno individual e colectivo, desde sempre objecto de preocupao da humanidade. Para ORLANDO ROMANO, Pobreza, in Polis, col. 1288, ela um estado de esprito, enquanto para EDWARD J. OBOYLE Poverty: A concept that is both absolute and relative because human beings are at once individual and social, pp 2-3: Poverty is a condition wherein resources are insufficient to meet physical need ou, ainda, na sua formulao relativa () poverty might be defined as income that is less than one-half of the median income for the entire population (p 4). Continua o mesmo autor, questionando se se trata de um conceito relativo ou de um conceito absoluto. Para ele An absolute standard of poverty is built around physical need the cost of the goods and service required to meet that need in some minimal fashion e A relative poverty is built around the economic resources that a person possesses in relation to the resources of others. Assim, The relative standard defines poverty relative to the economic resources that people typically have at their disposal. The absolute standard defines poverty relative to the cost of the goods and services required to meet physical

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    diversidade de situaes que encobre, sob variadas formas, uma realidade presente em todos os quadrantes planetrios. Vejam-se as crianas de/na rua; os abandonados; os sem abrigos; os desempregados; os oficialmente marginalizados, por no possurem educao formal, no saber ler ou escrever; todas estas formas de pobreza tm em comum a ausncia ou insuficincia de recursos materiais ou formaes e qualificaes adequadas ao mercado de emprego. Entretanto, a pobreza passvel de vrias conceptualizaes e perspectivas de abordagens dogmticas. Uma delas, a primria, biolgica ou fisiolgica, cuja formulao data do sculo XIX e deve-se a CHARLES BOOTH e SEEBOHM ROWNTREE32. A definio da pobreza em termos absolutos feita, na linha deste ltimo, em referncia impossibilidade de realizao de despesas mnima que permitam a manuteno pessoal e familiar em termos de necessidades bsicas. Ou seja est centrada na incapacidade de produzir rendimentos suficientes para o consumo individual e da prpria famlia, medido atravs de necessidades vitais ou nutricionais, para alm de assegurar a capacidade de troca. Na perspectiva actual ou moderna vai-se mais longe na conceptualizao da pobreza absoluta (diferente da pobreza relativa)33, com a incluso de need at some minimum level. Pelo que sugere () two order terms: minimum-living standard in place of absolute poverty and income-distribution standard for relative poverty (p 4) 32 Economista ingls, autor de Poverty: A study of town life, Londres, Macmillan, 1901. Apud AMARTYA SEM, Pobreza e fomes, pp 27-30, e NAZAR DA COSTA CABRAL, O financiamento da Segurana Social, p 83. MARIA ENGRCIA LENADRO, Famlias, pobreza e excluso social, in Brotria, Vol. 164, n. 2, Fevereiro de 2007, p 156, referindo-se ao mesmo autor incide na perspectiva da pobreza como relaes scio-econmicas que se estabelecem entre os homens. Para uma apreciao crtica desta perspectiva vide o primeiro autor e obra, pp 27-30. Entre outras crticas, aponta-se o problema da sua utilizao, porquanto frtil em significados que se baseiam em caractersticas fsicas, condies climatricas e hbitos de trabalho (p 27) 33 A reformulao do conceito e da medio da pobreza conduziu a uma releitura dos aspectos absoluto, que se identifica com situaes de fome, subnutrio, misria, etc., e relativo, preocupado em atender as condies abaixo do qual um indivduo privado de participao poltica e econmica. Esta acepo est mais prxima do nosso princpio da complementaridade entre o mercado e a poltica. Sugere-se ainda a leitura da valiosa contribuio de P. A. SAMUELSON & W. D. NORDHAUS, Economia, Traduo, Dcima Quarta Edio, 1996, p 416, um conceito de pobreza que privilegia o aspecto do () nvel de rendimento abaixo do custo de vida estimado do nvel de subsistncia. Na sua anlise MARIA ENGRCIA LEANDRO, Famlias, pobreza e excluso social, in Brotria, Vol 164, n. 2, Fevereiro de 2007, pp 155-156, diz que Por outro lado, na grande maioria das vezes, a pobreza no tende a ser individual mas antes familiar ou mesmo colectiva, como acontece com certas colectividades e grupos sociais. Fala-se, ainda, em pobreza absoluta, a que correspon