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1 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. SIMONE LEMOS ALVES MESTRADO EM DIREITO CIÊNCIAS JURÍDICO-EMPRESARIAIS 2009

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO

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  • 1

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    TTULOS DE CRDITO ELETRNICOS NO

    ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO.

    SIMONE LEMOS ALVES

    MESTRADO EM DIREITO

    CINCIAS JURDICO-EMPRESARIAIS

    2009

  • 2

    Dissertao de mestrado apresentado no mbito do

    curso de Mestrado em Cincias Jurdico-

    Empresariais, tendo como orientador o Professor

    Doutor Pedro Pais de Vasconcelos, no ano letivo

    2006/2007.

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais pelo apoio e suporte

    constantes. s minhas amigas, por compreenderem a

    minha ausncia. E ao meu amor, pelo auxlio e

    dedicao desde o princpio deste trabalho.

  • 4

    Se nos perguntassem qual a contribuio do Direito

    Comercial na formao da economia moderna,

    outra no poderamos, talvez, apontar que mais,

    tipicamente, tenha infludo nessa economia do que o

    instituto dos ttulos de crdito. (Tullio Ascarelli)

  • 5

    RESUMO

    Os ttulos de crdito, devido a imensa contribuio do Direito Comercial economia

    moderna, influenciaram essa economia. E, diante da economia de massa, os ttulos de

    crdito no poderiam ver-se engessados ao papel, e, com efeito, visando maior agilidade

    e segurana, sobrevieram os ttulos de crdito na sua forma escritural, virtual ou

    eletrnica. Ento, foi em consonncia com a modernidade que ocorreu a criao dessa

    nova forma de representao. Modificou-se a forma de circular dos ttulos de crdito,

    com a substituio do endosso por registros em entidades responsveis realizados

    apenas em suporte magntico. Nesse nterim, atualizou-se na prtica, de forma geral,

    todo o microsistema dos ttulos de crdito.

    Palavras-chave.

    Ttulos de Crdito Princpios Desmaterializao Eletrnico Circulao.

  • 6

    ABSTRACT

    Debt securities have influenced modern economy due to the great contribution of

    Commercial Law to economics. In addition, aiming at achieving a higher level of

    efficiency and safety to keep up with the mass economy and modern times, debt

    securities are not currently being endorsed and are being traded electronically by

    registered financial institutions through magnetic media. Furthermore, as a result of the

    economic changers which have taken place, the debt security micro system has also

    been updated as a whole.

    Keywords.

    Securities Credits Electronically Traded Magnetic Media Registered Financial

    Institutions.

  • 7

    Modo de citar e lista de principais abreviaturas, siglas e smbolos

    Optamos por em todas as citaes colocarmos a identificao de todos os

    elementos necessrios completa identificao da obra referida, de forma a facilitar a

    identificao pelo leitor.

    As principais abreviaturas utilizadas so as seguintes:

    art. artigo

    arts. artigos

    CC Cdigo Civil

    CDA Conhecimento de Depsito Agropecurio

    CDB Certificado de Depsito Bancrio

    CETIP Central de Custdia e Liquidao Financeira de Ttulos

    CPR Cdula de Produto Rural

    ICP-Brasil Infra-Estrutura de Chaves Pblica Brasileira

    LEINF Sistema de Leilo Informal Eletrnico de Moeda e de Ttulos

    OFPUB Sistema de Oferta Pblica Formal Eletrnica

    ONU Organizao das Naes Unidas

    SELIC Sistema Especial de Liquidao e Custdia

    UNCITRAL United Nations Commission on International Trade Law

    v. g. via gratia

    WA Warrant Agropecurio

    Pargrafo

  • 8

    NDICE

    RESUMO ...................................................................................................... 05

    ABSTRACT .................................................................................................. 06

    Modo de citar e lista de abreviaturas e smbolos ...................................... 07

    NDICE .. 08

    INTRODUO . 11

    CAPTULO I

    EVOLUO DO CONCEITO DE TTULO DE CRDITO

    1. RAZO DE ORDEM 15

    2. A DIVERSIFICAO DOS TTULOS DE CRDITO ... 17

    3. OS PRINCPIOS CAMBIRIOS .. 20

    3.1. Consideraes Preliminares ... 21

    3.2. O Princpio da Literalidade ... 24

    3.3. O Princpio da Autonomia . 28

    3.4. O Princpio da Cartularidade 31

    3.4.1. Aspectos da evoluo . 33

    3.5. A Abstrao . 34

    3.6. A Incorporao 36

    4. OS TTULOS DE CRDITO NO ORDENAMENTO JURDICO

    BRASILEIRO

    38

    4.1. Os Ttulos de Crdito no Brasil . 38

    4.2. Os Ttulos de Crdito em outros ordenamentos jurdicos .. 42

    4.3. Os diversos conceitos subjacentes atual lei 43

  • 9

    4.3.1. O conceito de ttulo de crdito em sentido restrito........ 43

    4.3.2. O conceito de ttulo de crdito em sentido amplo . 44

    4.3.3. Os ttulos de crdito tpicos e atpicos............................ 45

    4.3.4. Os ttulos de crdito abstratos e causais ................... 49

    CAPTULO II

    DA DOCUMENTAO DOS DIREITOS EM PAPEL

    AOS TTULOS DE CRDITO ELETRNICOS

    1. DA DESMATERIALIZAO COMO TENDNCIA OU

    FENMENO DOS TTULOS DE CRDITO ..................................

    53

    1.1. Os problemas derivados da documentao dos direitos em

    papel .

    53

    1.2. Experincias que assentam na subsistncia do ttulo: A

    desmaterializao da circulao

    54

    1.3. Experincias estrangeiras de desmaterializao . 60

    1.4. A experincia brasileira . 62

    1.4.1. Os Sistemas Selic e Setip ... 67

    1.4.2. As Aes Escriturais .. 70

    1.4.3. As chamadas Duplicatas Escriturais 72

    1.4.4. A Nota Promissria Eletrnica . 76

    1.4.5. A Cdula de Produto Rural (CPR) e os Ttulos do

    Agronegcio (Warrant Agropecurio WA, e o

    Conhecimento de Depsito Agropecurio CDA) ..

    78

    CAPTULO III

    A CIRCULAO DOS TTULOS DE CRDITO

    1. COLOCAO DO PROBLEMA E RAZO DE ORDEM . 89

    2. A CIRCULAO DOS TTULOS DE CRDITO ... 90

    2.1. Os Ttulos Imprprios .... 93

  • 10

    2.2. Os Ttulos ao Portador ... 95

    2.3. Os Ttulos Nominativos .. 97

    2.4. Os Ttulos Ordem 101

    3. OS NEGCIOS JURDICOS CAMBIRIOS ...................................... 102

    3.1. Saque 102

    3.2. Aceite ........................................................................................... 105

    3.3. Endosso ........................................................................................ 106

    3.3.1. Da perspectiva de evoluo ... 111

    3.4. Aval .............................................................................................. 106

    4. LEGITIMIDADE E PROTEO DE TERCEIROS ADQUIRENTES

    DE BOA F ...

    117

    4.1. Inoponibilidade das excees ..................................................... 117

    CAPTULO IV

    A EXTINO E REFORMA DOS TTULOS DE CRDITO

    1. CONSIDERAES GERAIS ... 122

    2. CAUSAS DE EXTINO DOS TTULOS DE CRDITO ................. 122

    2.1. A extino do direito cartular 122

    2.2. A prescrio e decadncia .. 124

    3. RECONSTITUIO DOS TTULOS DE CRDITO PELA

    REFORMA .................................

    127

    CONCLUSES FINAIS ... 129

    NDICE BIBLIOGRFICO .. 134

  • 11

    INTRODUO

    Inicialmente, alerta-se que partes deste trabalho so bastante descritivas, mas

    que isso se tornou inevitvel face novidade do tema, mostrando-se necessrio o

    conhecimento de situaes particulares, para que aps se pudesse ter uma viso do todo.

    No entanto, essas descries foram ao mximo evitadas, pelo que nos limitamos ao que

    entendemos indispensvel para darmos ateno s principais questes jurdicas

    existentes.

    O presente trabalho tem como objeto de estudo os ttulos de crdito eletrnicos,

    enquanto forma de representao de direitos, subordinados a um regime especial de

    circulao.

    Realidade recentemente introduzida no ordenamento jurdico brasileiro, os

    ttulos de crdito eletrnicos ganharam particular importncia a partir da publicao do

    Novo Cdigo Civil, em vigor desde janeiro de 2003. Este consagrou a possibilidade de

    se emitirem ttulos de crdito a partir dos caracteres criados em computador ou meio

    tcnico equivalente, todavia no os regulou suficientemente a fim de garantir sua plena

    aplicao e eficcia.

    Do ponto de vista jurdico, a representao escritural dos ttulos de crdito

    conduz a uma mudana histrica na forma de representao dos direitos. Os ttulos de

    crdito na sua formao originria passaram por uma crise, causada pelo desuso, falta

    de agilidade e excesso de formalismo. A nova forma de representao dos ttulos de

    crdito tem importantes conseqncias. Porm, decidimos dar maior ateno quela que

    mais tem preocupado a doutrina, em relao aos ttulos de crdito: a circulao dos

    direitos representados.

  • 12

    A novidade do tema com que nos iremos deparar, para alm da complexidade

    dos problemas, acrescida pela diversa natureza das regras jurdicas chamadas a

    intervir no seu tratamento, bem como pela falta de normas delimitadoras e

    regulamentadoras do caso especfico no ordenamento jurdico brasileiro.

    A documentao de direitos em papel, em sua tendncia histrica, props-se a

    ultrapassar os problemas ligados circulao desses direitos. Por tal motivo, a

    segurana do comrcio, em particular ao terceiro adquirente de boa-f sem ttulo de

    domnio ou propriedade, a questo principal que a documentao de direitos em papel

    props-se a responder.

    Ao ser alterada a forma de representao dos ttulos de crdito torna-se essencial

    verificar at que ponto a circulao dos crditos respondia aos mesmos objetivos e qual

    o regime jurdico institudo para atingir esse desiderato.

    Desta feita, e pelo motivo acima declinado, metodologicamente importante

    alertar, como j referido, para um certo pendor descritivo de alguns pontos deste

    trabalho. o tributo que tivemos que pagar pela instabilidade do tema no mbito do

    direito brasileiro, pois h de reconhecer com rigor os contornos do objeto desse estudo o

    que, por vezes, implica em consideraes de pormenor.

    Cabe frisar que no adentraremos a fundo em questes perifricas, de forma a

    no perdermos o foco do presente estudo e, assim, nos enderearmos a matrias que, em

    que pese interessantssimas, no nos propomos a desenvolver no presente trabalho.

    O plano do presente estudo decorre das consideraes anteriormente apontadas.

    Comearemos por dar ateno aos problemas da evoluo histrica e comparatstica,

    quer no respeitante a evoluo dos ttulos de crdito, quer quanto linha evolutiva que

    conduz da representao documental dos direitos ao ttulo de crdito, as suas razes e as

    diversas experincias que tm sido tentadas no ordenamento jurdico brasileiro.

    Destarte, para alcanar nosso objetivo, como exposto alhures, em uma primeira

    etapa objetivamos traar sumariamente a linha evolutiva dos ttulos de crdito; aps

    buscamos dissecar os princpios basilares deste ramo do direito, adaptando-se o que fora

  • 13

    dantes construdo pela doutrina, aos ttulos de crdito eletrnicos, de modo que a

    normatizao seja entendida em seu todo, de forma nica; para ento, no segundo

    captulo, adentrarmos especificamente na anlise de cada ttulo de crdito com

    sucedneo informtico no ordenamento jurdico brasileiro, com o escopo de aferir sua

    real eficcia, ante os problemas aventados pela doutrina para tanto, suas adequadas

    conformaes, suas consequncias e efeitos esperados.

    Assim, o principal foco da anlise est nos ttulos de crdito, sobretudo com base

    na regulamentao do Cdigo Civil Brasileiro, em alguns Decretos-Lei especficos e na

    Lei Uniforme de Genebra, que sero verificados luz dos princpios basilares dos

    ttulos de crdito, buscando-se identificar essa macroestrutura, para ento se proceder a

    anlise dos ttulos de crdito eletrnicos especificamente. Deste modo, resta claro que se

    trata de um estudo do direito positivo, com delimitao na regulamentao pertinente

    acima elencada.

    Essa proposta de estudo justifica-se, bem como nos motiva, pela possibilidade

    de criao de ttulos de crdito por meios eletrnicos ou equivalentes, com a

    interveno, na realidade, do sistema de registro e controle de ttulos de crdito

    escriturais, trazendo-nos a reflexo acerca de todas as entidades que integram esse

    sistema, das relaes que se estabelecem e das tcnicas utilizadas nesse sistema.

    Todavia, no que tange a circulao dos ttulos de crdito, devido s poucas normas

    acerca do assunto e pela incipiente discusso esta uma questo de difcil anlise. Pois

    a regulamentao de sistemas como o CETIP e o SELIC, ainda no feita atravs de lei

    formal, mas por algumas circulares, o que nos fornece uma idia vaga e vacilante sobre

    o assunto.

    Sendo assim, por mais evidente que seja, pertinente salientar que o presente

    estudo por se tratar de trabalho interpretativo e no aplicativo das normas a situaes

    concretas, as concluses, por vezes, podero no se adequar situaes que certamente

    surgiro no campo da aplicao concreta da norma extrada da legislao, mas ao menos

    serviro de ponto de partida para desenvolvimentos que outros desejem efetuar.

  • 14

    CAPTULO I

    EVOLUO DO CONCEITO DE TTULO DE CRDITO

  • 15

    CAPTULO I

    EVOLUO DO CONCEITO DE TTULO DE CRDITO

    1. RAZO DE ORDEM

    O termo crdito deriva do latim creditum, decorrente de credere, no sentido de

    confiar, ter f, podendo, todavia, ter outros significados, como, v.g., o direito que o

    credor tem de receber do devedor a prestao objeto da obrigao, a confiana que uma

    pessoa inspira em outra baseada em seus atributos morais, ou pode ainda consistir na

    importncia que constitui objeto da relao crdito/dbito.1

    Na Idade Mdia, com a expanso comercial incitada pelas Cruzadas e pelas

    feiras dos mercadores, os negcios alcanaram maior concordncia de idias, sob a

    influncia benfica da Igreja, que incentivava a mtua confiana. Nesse perodo, a

    polmica era intensa, acerca do crdito produtivo, estimulado e admitido, em

    contraposio com o crdito improdutivo, desestimulado e condenado face cobrana

    de juros.2

    Em busca do dinamismo comercial, o crdito adquiriu ento maior

    desenvolvimento. E, sob a influncia das grandes descobertas martimas e da revoluo

    industrial, o instituto do crdito, abalizado, influencia a economia moderna capitalista, a

    ponto de tornar-se a razo do desenvolvimento crescente da produo. 3

    1 Nesse sentido, ROSA JR, LUIZ EMYGDIO FRANCO DA, Ttulos de Crdito, 3 ed., Rio de Janeiro So

    Paulo, Editora Renovar, 2004, pg. 3, RIZZARDO, ARNALDO, Ttulos de Crdito Lei n. 10.406, de 10 de

    janeiro de 2002, Rio de Janeiro, 2006, pgs. 4-5 e REQUIO, RUBENS, Curso de Direito Comercial, 2

    vol., 23 ed., So Paulo, Editora Saraiva, 2003, pgs. 357-358 2 ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense,

    1998, pgs. 30-31. 3 ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense,

    1998, pg. 31.

  • 16

    Nesse contexto, passou o crdito a ter maior relevncia do campo do direito

    comercial, especialmente no direito bancrio e no plano do crdito ao consumidor,

    concentrando-se, aps, no crdito decorrente das atividades profissionais, comerciais e

    industriais, v.g., o crdito que fornecido ao comerciante para o giro de seu capital, com

    o desconto de duplicatas.

    Esta evoluo intensificou-se no sculo XX, com o desenvolvimento da

    comunicao entre os povos e a disseminao da informtica. O advento da internete4 e

    sua projeo revolucionaram o mundo e as relaes sociais especificamente.

    Transformaram-se em um mecanismo de insero de informaes, tornando possvel

    aos usurios da rede no apenas ter acesso em tempo real, on line, aos acontecimentos

    globais, mas, alm disso, direcionou sua aplicao para o campo dos negcios jurdicos,

    porquanto possibilitou que as pessoas fizessem negcios, mesmo separadas por

    oceanos.5

    Esta recente forma de comercializao e negociao se expande gradativamente

    a cada dia, e exatamente pela sua extrema relevncia e pelas infinitas possibilidades

    aventadas, o comrcio eletrnico6 merece ateno de todos, particularmente tambm dos

    legisladores. Fora neste contexto ento inserido no Diploma Civil Ptrio7 o 3 do artigo

    889, in verbis, o ttulo poder ser emitido a partir dos caracteres criados em

    computador ou meio tcnico equivalente e que constem da escriturao do emitente,

    observados os requisitos mnimos previstos neste artigo.

    4 A expresso aportuguesada oriunda do esplndido estudo de ASCENSO, JOS DE OLIVEIRA,

    Contratao em rede Informtica no Brasil, in Revista do Tribunal Regional Federal 3 Regio, n. 78,

    julho/agosto, So Paulo, 2006, pg. 58. Entende o autor que no h motivo para no aportuguesarmos, j

    que no sensato pensar em substituir a palavra. Ainda, acerca da internete, esclarece o autor que esta

    teve origem em uma rede militar e aps tornou-se veculo de comunicao cientifica. Generalizando-se

    como veculo de comunicao, popularizou-se. Aprimorando-se para o comrcio, deu vida ao comrcio

    eletrnico. 5 No sentido do texto, RIZZARDO, ARNALDO, Ttulos de Crdito Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de

    2002, Rio de Janeiro, 2006, pg. 69. 6 Sobre o Comrcio Eletrnico, VICENTE, DRIO MOURA, Problemtica Internacional da Sociedade da

    Informao, Coimbra, Almedina, 2005, pg. 201, traz os diversos alcances da expresso Comrcio

    Eletrnico, referindo que: deste ltimo comrcio eletrnico no existe uma noo sedimentada.

    Em sentido restrito, tem sido definido como a contratao realizada atravs da Internet. Numa noo mais

    ampla, dir-se- que a actividade comercial levada a cabo por meios eletrnicos (doing business

    electronically) atravs de qualquer rede de telecomunicaes, aberta ou fechada. Num sentido mais lato

    ainda, incluir-se-o nele todos os actos jurdicos concludos ou executados com recurso ao processamento

    e transmisso de dados por meios electrnicos independentemente, portanto, de terem ou no ndole

    comercial.. 7 Aqui devemos fazer uma observao, eis que ao tratarmos nesse estudo sobre o ordenamento ptrio,

    estaremos nos referindo ao ordenamento brasileiro.

  • 17

    Assim, o termo ttulo de crdito eletrnico8 s recentemente comeou a ser

    utilizado no ordenamento jurdico brasileiro. Como subdivises surgiram as duplicatas

    virtuais ou escriturais, os valores mobilirios9 escriturais, dentre outros. E essa matria

    exatamente o mago do nosso estudo e ser amplamente analisada nos captulos

    seguintes.

    2. A DIVERSIFICAO DOS TTULOS DE CRDITO

    A diversificao dos ttulos de crdito impe o estudo do conceito de ttulo de

    crdito, enquanto fenmeno, como matriz a que podem ser reconduzidas realidades

    novas que venham a ser criadas. Dessa forma, esse fenmeno impe que tal estudo no

    prescinda da analise de cada uma das realidades que podem ser integradas no conceito.

    Como exposto no item anterior, os elementos fundamentais para se configurar o

    crdito decorrem da noo de confiana e tempo. A confiana necessria, pois o

    crdito se assegura numa promessa de pagamento, e, como tal, deve haver entre o

    credor e o devedor uma relao de confiana.10

    A temporalidade fundamental, visto

    que se subentende que o sentido do crdito , justamente, o pagamento futuro

    combinado, pois se fosse vista, perderia a idia de utilizao para devoluo posterior.

    Assim, existem trs caractersticas que distinguem os ttulos de crdito dos

    demais documentos representativos de direitos e obrigaes: primeiramente o fato dele

    referir-se unicamente a relaes creditcias, posteriormente por sua facilidade na

    8 Sobre ttulos de crdito eletrnicos, especficamente, BRASIL, FRANCISCO DE PAULA EUGNIO JARDIM DE

    SOUZA, Ttulos de Crdito O novo Cdigo Civil Questes relativas aos ttulos de crdito eletrnicos e

    do agronegcio, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006, COELHO, FBIO ULHOA, Ttulos de Crdito

    Eletrnicos, in Revista do Advogado, n. 96 Temas Atuais sobre Direito Comercial, Ano XXVIII,

    Associao dos Advogados de So Paulo, Maro de 2008, PENTEADO, MAURO RODRIGUES (Coord.),

    Ttulos de Crdito: teoria geral e ttulos atpicos em face do Novo Cdigo Civil (anlise dos artigos 887 a

    903): ttulos de crdito eletrnicos (alcance e efeitos do artigo 889, 3 e legislao complementar),

    Walmar, So Paulo, 2004. 9 Sobre valores mobilirios, vide ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de

    Crdito, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pgs. 173-183. E especificamente sobre valores mobilirios

    escriturais, FERREIRA, AMADEU JOS, Valores Mobilirios Escriturais: Um novo modo de representao

    e circulao de direitos, Coimbra, Livraria Almedina, 1997. 10

    No sentido do texto, BULGARELLI, WALDIRIO, Ttulos de Crdito, 17 ed., Editora Atlas, So Paulo,

    2001, pg. 19.

  • 18

    cobrana do crdito em juzo ( um ttulo executivo, pois a ao monitria uma

    exceo) e, finalmente, pela fcil circulao e negociao do direito nele contido.

    Alm das caractersticas supracitadas, outra particularidade dos ttulos de

    crdito, a exigncia de certeza e segurana11

    , que o torna capaz de atender aos

    interesses da coletividade: o rigor formal, rigor este, que deve ter o documento para que

    seja considerado um ttulo de crdito.

    Assim resumiramos suas caractersticas com trs palavras-chaves, quais sejam:

    o Formalismo12

    , a Executividade e a Negociabilidade.13

    Quando comparamos, especificamente, um contrato privado, com um ttulo de

    crdito, temos que o ele, como instituto consagrado pelo Direito Civil, detm como

    pressupostos, alguns princpios norteadores para que possua eficcia jurdica, entre os

    quais: a autonomia da vontade - em que as partes ao proporem um contrato devem fazer

    por deliberao, a capacidade das partes para contratar e objeto lcito.

    Na prtica, o contrato, devido a caracterstica subjetiva das partes, no se

    transfere por mera circulao, ou seja, o contrato no gera efeitos se ocorrer circulao,

    pois este ato jurdico fica adstrito as partes contratantes. A est a primeira diferena

    entre este e o ttulo de crdito, visto que, o ltimo no necessita, exclusivamente, da

    vontade das partes devido seu carter peculiar de negociabilidade, at porque, o ttulo

    uma criao comercial, e como tal deve possuir carter mercantil .

    Outra diferena est, quando analisamos a prtica processual, afinal os

    contratos, de modo geral, necessitam de um processo ordinrio para que seja exigida

    judicialmente sua execuo, em que o juiz conhece dos fatos e julga a res in iudicium

    11

    Neste sentido, ASCARELLI, TULIO, La Letteralita nei Titoli di Credito, Rivista del Diritto Commerciale,

    Anno XXX, parte I, 1932, pg. 238. 12

    Sobre o formalismo, ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de

    Janeiro, Forense, 1998, pg. 117. Entende o autor que o formalismo elemento preponderante para a

    existncia do ttulo de crdito e sem ele no teriam eficcia os demais princpios dos ttulos de crdito.

    Tanto que a autonomia das obrigaes, a literalidade e a abstrao s podero ser invocadas se o

    documento de crdito estiver legalmente constitudo e formalizado. Caso no preencha os requisitos da

    lei, no ter valor como ttulo de crdito. 13

    Na acepo do texto, BRASIL, FRANCISCO DE PAULA EUGNIO JARDIM DE SOUZA, Ttulos de Crdito

    O novo Cdigo Civil Questes relativas aos ttulos de crdito eletrnicos e do agronegcio, Rio de

    Janeiro, Editora Forense, 2006, pg. 98.

  • 19

    deducta, resultando num ttulo executivo, enquanto que nos ttulos suprimi-se tal fase,

    pois j possuem no seu corpo o atributo de executividade, o que facilita a perspectiva de

    reaver o crdito, alm de permitir que terceiros que tenham adquirido o ttulo

    demandem, em caso de resistncia, de forma mais eficaz.

    A teoria mais importante relacionada aos ttulos de crdito a Teoria de

    Vivante14

    , que sustenta o duplo sentido da vontade. Atravs de sua teoria, Vivante

    buscava explicar qual o nimo do devedor quando da entrega do ttulo, de maneira que,

    para ele, existem duas vontades, uma originria, de pessoalidade, com o credor

    principal, e uma outra que se concretiza pela liberdade de circulao do crdito. Assim,

    em relao ao credor principal existe uma relao contratual, e em relao a terceiros

    possuidores, um fundamento na obrigao de firma, pois atravs deste ato que

    expressa sua vontade de se obrigar.

    Aqui, abra-se um parnteses para destacarmos que o estudo dos ttulos de

    crdito importantssimo, dado sua praticidade, afinal, so largamente utilizados na

    prtica comercial, pois contribuem para a melhor utilizao dos capitais existentes, que,

    de outra forma, ficariam estagnados, no gerando frutos, improdutivos em poder de

    quem no quer ou no deseja aplic-los diretamente.

    Relembre-se, que segundo Ascarelli, o ttulo de crdito, originariamente surgido

    como documento confessrio na Idade Mdia, agora, no direito moderno, constitutivo

    do direito autnomo nele mencionado.15

    Assim, a evoluo dos ttulos de crdito relaciona-se diretamente com a

    desmaterializao, pois grande o desenvolvimento quantitativo dos instrumentos

    financeiros em circulao aliados ao desenvolvimento tecnolgico que impinge no

    sentido da desmaterializao, como veremos.

    Entretanto, o problema na diversificao dos ttulos de crdito, analisado sob o

    ponto de vista eletrnico, revela-se, tambm, quando analisado do prisma da tipicidade

    14

    VIVANTE, CESARE, Trattato di Diritto Commerciale, vol. III, 5 ed, Milano, Francesco Vallardi, 1922-

    1926. 15

    ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So Paulo, Livraria Acadmica Saraiva &

    CIA, 1943, pg. 80.

  • 20

    desses mesmos ttulos de crdito e, prprio, das entidades que os podem emitir. Esse

    tema tradicionalmente debatido, a propsito da tipicidade dos ttulos de crdito, em

    regra afirmada pela doutrina16

    , nomeadamente partindo da qualificao desses ttulos de

    crdito como negcios jurdicos unilaterais, sujeitos por lei ao princpio da tipicidade.

    3. OS PRINCPIOS CAMBIRIOS

    3.1. Consideraes preliminares

    Os princpios cambirios, como cedio, servem de fundamento ao direito

    positivo, e aprimoraram-se de acordo com a realidade contempornea.

    Os ttulos de crdito tiveram sua origem na Idade Mdia17

    , perodo histrico

    delimitado com nfase em eventos polticos e ebulio da atividade mercantil. Todavia,

    iniciou-se, ento, com a Letra de Cmbio, a concepo moderna dos ttulos de crdito,

    pois se tornou necessrio simplificar a circulao do dinheiro com instrumentos para

    diminuir os riscos e garantir maior certeza e segurana s atividades mercantis. Certeza

    esta quanto existncia do direito e segurana quanto sua eficcia jurdica.

    Sem busca da exaustividade, buscamos traar pontualmente alguns marcos

    histricos para alcanar o ponto culminante da origem dos ttulos de crdito e os

    princpios cambirios. Foi ento, em busca das anteriormente citadas certeza e

    16

    Afirmam a titpicidade dos ttulos de crdito, entre outros ASCENSO, JOS DE OLIVEIRA, Direito

    Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito, Lisboa, 1992, pgs. 60-62. Esse autor chama ateno para a

    possibilidade de ser admissvel uma soluo como sugerida na Alemanha para os ttulos ordem,

    admitindo-se a analogia legis para a criao de novas formas. A quase totalidade da doutrina

    portuguesa reflete sobre a questo com base no conceito de ato jurdico unilateral: OLAVO, FERNANDO,

    Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral, Coimbra, Coimbra Editora,

    1978, pgs. 84-88. 17

    Veja-se, maior nfase a parte histrica dos ttulos de crdito, WHITAKER, JOS MARIA, Letra de

    Cmbio, 5 Ed., Revista dos Tribunais, So Paulo, 1927. pgs. 10-19. ARNOLDI, PAULO ROBERTO

    COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pgs. 55-64, BRASIL,

    FRANCISCO DE PAULA EUGNIO JARDIM DE SOUZA, Ttulos de Crdito O novo Cdigo Civil Questes

    relativas aos ttulos de crdito eletrnicos e do agronegcio, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006, pgs.

    06-33 e ANTUNES, JOS A. ENGRCIA, Ttulos de Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora,

    2009, pgs. 10-13.

  • 21

    segurana jurdicas, que se buscou a criao e aperfeioamento dos institutos jurdicos

    para satisfaz-las.18

    Segundo a tradicional doutrina de Vivante, o ttulo de crdito um documento

    necessrio para o exerccio do direito literal e autnomo nele mencionado.19

    Diz-se que

    o direito mencionado no ttulo literal, porque existe de acordo com o teor do

    documento. Diz-se que autnomo, porque o possuidor de boa-f exerce um direito

    bsico, que no pode ser limitado ou destrudo a partir da relao entre os antigos donos

    e o devedor. Diz-se que o ttulo o documento exigido para o exerccio do direito,

    porque, enquanto o ttulo existe, o credor deve mostr-lo ao exercer qualquer direito.20

    cedio que o sistema21

    jurdico constitudo de regras e princpios22

    , sendo

    que com os ttulos de crdito, como um microssistema, no diferente. Assim, como

    18

    Neste sentido, ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So Paulo, Livraria Acadmica

    Saraiva & CIA, 1943, pg. 05 e ASCARELLI, TULIO, La Letteralita nei Titoli di Credito, Rivista del

    Diritto Commerciale, Anno XXX, parte I, 1932, pgs. 237-239. 19

    VIVANTE, CESARE, Trattato di Diritto Commerciale, vol. III, 5 ed, Milano, Francesco Vallardi, 1922-

    1926, pg. 123. 20

    Nesta primeira anlise sobre os princpios cambirios, mister que se traga algumas referncias

    doutrinrias clssicas, como por exemplo a Teoria da Criao. Esta teoria determina que o direito deriva

    da criao do ttulo. O subscritor dispe de um elemento de seu patrimnio, e este por ter valor prprio,

    dispensa e contra o acordo de vontades. Esta teoria encontra no roubo ou extravio do ttulo o seu

    calcanhar de Aquiles, pois se o ttulo for roubado ou perdido antes da emisso, mas aps a criao, levar

    consigo a obrigao do subscritor. Continuando, ainda sem preocupao da exaustividade, a Teoria da

    Emisso defendida por Stobbe e Windscheid, determina que do ato da criao, isto , da assinatura do

    ttulo, no pode surgir vnculo algum, porque a redao e subscrio no patenteiam ainda vontade de se

    obrigar. S aps o abandono voluntrio da posse, seja por ato unilateral, seja por tradio, que nasce a

    obrigao do subscritor. Sem emisso voluntria no se forma o vnculo. Se o ttulo foi posto

    fraudulentamente em circulao no subsiste a obrigao. Ainda, mister ressaltar que, a concluso

    alcanada, com relao a adoo das supra citadas teorias pelo direito brasileiro, que o Cdigo Civil de

    2002 no filiou-se puramente a nenhuma das duas teorias, unindo os rigores da teoria da criao com

    nuanas da teoria da emisso. REQUIO, RUBENS, Curso de Direito Comercial, 2 vol., 23 ed., So Paulo,

    Editora Saraiva, 2003, pg. 363. Contudo, observa-se na doutrina, a melhor adequao do conceito de

    Csar Vivante representao dos ttulos de crdito, afinal, encerra em poucas palavras, algumas das

    principais caractersticas desses instrumentos. 21

    Note-se, como destaca CORDEIRO, ANTNIO MENEZES, Da boa f no Direito Civil, Almedina, Coimbra,

    1997, pg. 1268, que: A idia de sistema prende-se com a ordenao de elementos em funo de pontos

    de vista comuns.. Assim, podemos dizer que esses princpios so uma expresso desses pontos de vistas

    comuns, que o consagrado autor refere. O mesmo doutrinador ao escrever a Introduo a edio

    portuguesa do clssico de CANARIS, CLAUS-WIHLHEM, Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na

    Cincia do Direito. 3. ed. Traduo de ANTNIO MENEZES CORDEIRO. Fundao Calouste Gulberkian,

    Lisboa, 2002, pg. LXV, refere que: A idia de sistema , assim, a base de qualquer discurso cientfico,

    em Direito. 22

    Para uma viso aprofundada do tema, especificamente acerca da importncia dos princpios jurdicos

    para a formao do sistema, veja-se LARENZ, KARL, Metodologia da Cincia do Direito. Traduo Jos

    Lamego. 4 ed. Fundao Calouste Gulberkian, Lisboa, 2005, pgs. 674 e ss. J para uma viso geral, mas

    bem fundamentada, tambm, vide QUEIROZ, CRISTINA, O Direito como Sistema (interno) de Regras e

    Princpios. In Estudos Jurdicos e Econmicos em Homenagem ao Prof. Doutor ANTNIO DE SOUSA

    FRANCO,vol. I. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006, pgs. 655 - 674.

  • 22

    ser visto, temos uma srie de princpios informadores23

    do instituto.

    Outrossim, conhecido que umas das principais diferenas entre os princpios e

    as regras que os primeiros quando em conflito, ao contrrio das regras, no se anulam,

    mas se moldam mutuamente de forma a instaurar-se uma harmonia entre os mesmos de

    acordo com o bem jurdico a ser tutelado24

    - o que determinar a prevalncia de um(ns)

    em detrimento de outro(s)25

    , enquanto que as regras, quando contraditrias, implicam na

    invalidade de uma das regras26

    . Da mesma forma, os princpios para terem sentido

    normativo completo27

    , necessitam de concretizaes, de normas objetivas, para que

    ento utilizando-se da interpretao teleolgica28

    , possa-se mold-las possibilitando

    23

    Como refere CORDEIRO, ANTNIO MENEZES, Manual de Direito das Sociedades. Vol. I. Almedina,

    Coimbra, 2004, pg. 183, eles (os princpios) eles assumem um papel ordenador, que facilita a confeco

    implicada de um sistema de exposio capaz.. 24

    QUEIROZ, CRISTINA, O Direito como Sistema (interno) de Regras e Princpios. In Estudos Jurdicos e

    Econmicos em Homenagem ao Prof. DOUTOR ANTNIO DE SOUSA FRANCO. vol. I. Faculdade de Direito

    da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006, pg. 669, ao citar DWORKIN, RONALD, Taking Rights Seriously.

    Laws Empire, Londres, The Fontana Press, 1986, reim. 1991, pg. 25, explica: Diferentemente das

    regras, que ostentam uma pretenso de validade ou vinculao geral, os princpios revelam uma diferente

    dimenso de peso (dimensiono f wight) ou graduao em caso de coliso prtica. A prpria autora

    prossegue: So dotados de maior generalidade no confronto com as regras e apelam a um procedimento

    de ponderao. Nesse procedimento a deciso acabar por pender para o lado do princpio que apresente

    maior peso relativo face ao princpio de menor peso relativo perante o caso prtico a decidir.. 25

    Nesse sentido, CANARIS, CLAUS-WIHLHEM, Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia

    do Direito. 3. ed. Traduo de Antnio Menezes Cordeiro. Fundao Calouste Gulberkian, Lisboa, 2002,

    pg. 133, refere que: S dentro dos princpios fundamentais ordenadores existe, portanto, igualdade

    de categoria e mesmo aqui, WILBURG no exclui, evidentemente, de modo pleno, a possibilidade de

    uma ordenao ao passo que na relao entre estes e os restantes critrios relevantes para um problema

    singular, se pode falar inteiramente de certa hierarquia.. 26

    Quanto a isso, refere SOARES, GUILHERME, Restries aos Direitos Fundamentais: A ponderao

    indispensvel? In Estudos Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha. Faculdade de

    Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa. 2005, pg. 335: Os conflitos de regras resolvem-se ou pela

    incluso de uma exceo ou pela declarao de invalidade de uma das regras. As colises de princpios

    resolvem-se na dimenso do peso ou importncia e no da validade. Mais adiante, citando Alexy,

    destaca que: A diferena que, enquanto no conflito de regras a soluo leva excluso de uma regra ou

    a uma exceo a ela, na hiptese de coliso de princpios a soluo se d pelo estabelecimento de

    enunciados de preferncia, condicionados particularidades do caso (ALEXY: 1993, 89). 27

    LARENZ KARL, Metodologia da Cincia do Direito. Traduo Jos Lamego. 4 ed. Fundao Calouste

    Gulberkian, Lisboa, 2005, pg. 316, refere: Os princpios jurdicos no so seno pautas gerais de

    valorao ou preferncias valorativas em relao idia do Direito, que todavia no chegam a condensar-

    se em regras jurdicas imediatamente aplicveis, mas que permitem apresentar fundamentos

    justificativos delas. Estes princpios subtraem-se, como todas as pautas carecidas de concretizao, a

    uma definio conceptual; o seu contedo de sentido pode esclarecer-se com exemplos. Contribui para

    evidncia, proporcionadora de um amplo consenso, a comprovao de sua sedimentao em contedos

    regulativos de Direito positivo.. 28

    LARENZ, KARL, Metodologia da Cincia do Direito. Traduo Jos Lamego. 4 ed. Fundao Calouste

    Gulberkian, Lisboa, 2005, pg. 42, utilizando-se dos estudos de KOHLER, explica que: O que sobretudo

  • 23

    sua adequada conformao e entendimento29

    de modo a garantir a unidade e a harmonia

    ao sistema jurdico.

    Desta forma, resta evidente que os princpios, em especial os postos na

    Constituio30

    , desempenham papel importante na interpretao31

    dos demais

    dispositivos infraconstitucionais de modo a orientar suas aplicaes e compreenses

    teleologicamente32

    , promovendo, repita-se, a unidade no ordenamento jurdico.

    expresso claramente por KOHLER, segundo o qual a unidade interna da ordem jurdica repousa na

    validade de princpios jurdicos gerais, princpios que ele entende como mximas ordenadoras, e no

    somente como snteses conceptuais abstratas. A interpretao tem de trabalhar de tal modo a lei que

    traga luz os princpios nela contidos, oferecendo-se cada determinao legal como a ramificao de um

    princpio, com a qualificao que a posio funcional que lhe competem de acordo com esse

    princpio. Mais adiante pg. 468, LARENZ salienta que: Interpretao teleolgica quer dizer

    interpretao de acordo com os fins cognoscveis e as idias fundamentais de uma regulao.. 29

    CANARIS, CLAUS-WIHLHEM, Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito. 3.

    ed. Traduo de ANTNIO MENEZES CORDEIRO. Fundao Calouste Gulberkian, Lisboa, 2002, pg. 88, ao

    tratar da funo sistematizadora, refere quatro caractersticas dos princpios, in verbis: os princpios no

    valem sem excepo e podem entrar entre si em oposio ou em contradio; eles no tm a pretenso da

    exclusividade; eles ostentam o seu sentido prprio apenas numa combinao de complementao e

    restrio recprocas; e eles precisam, para a sua realizao, de uma concretizao atravs de sub-

    princpios e valores singulares, com contedo material prprio.. 30

    LARENZ KARL, Metodologia da Cincia do Direito. Traduo JOS LAMEGO. 4 ed. Fundao Calouste

    Gulberkian, Lisboa, 2005, pg. 479, refere que: Entre os princpios tico-jurdicos, aos quais a

    interpretao deve orientar-se, cabe uma importncia acrescida aos princpios elevados a nvel

    constitucional (...) reconhecido que estes princpios ho-de ter-se em conta tambm na interpretao da

    legislao ordinria e na concretizao de clusulas gerais.. Mais adiante, pg. 487, complementa

    dizendo: O requisito de interpretao conforme Constituio exige dar preferncia, nos casos de

    vrias interpretaes possveis segundo o sentido literal e o contexto, quela interpretao em que a

    norma, medida pelos princpios constitucionais, possa ter subsistncia.. 31

    CORDEIRO, ANTNIO MENEZES, ao escrever a Introduo a edio portuguesa do clssico de CLAUS-

    WIHLHEM CANARIS. Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito. 3. ed.

    Traduo de ANTNIO MENEZES CORDEIRO. Fundao Calouste Gulberkian, Lisboa, 2002, pg.

    CXI/CXII, refere que: Perante um problema a resolver, no se aplica, apenas, a norma primacialmente

    vocacionada para a soluo: todo o Direito chamado a depor. Por isso, h que lidar com os diversos

    ramos do Direito, em termos articulados, com relevo para a Constituio a interpretao deve ser

    conforme com a Constituio, os diversos dados normativos relevantes e os prprios nveis instrumentais,

    como o processo. 32

    CANARIS CLAUS-WIHLHEM, Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito. 3.

    ed. Traduo de ANTNIO MENEZES CORDEIRO. Fundao Calouste Gulberkian, Lisboa, 2002, pgs. 75-

    76, discorre: no tarefa do pensamento teleolgico, tanto quanto vem agora a propsito, encontrar uma

    qualquer regulao justa, a priori no seu contedo por exemplo no sentido do Direito Natural ou da

    doutrina do Direito justo - mas apenas, uma vez legislado o valor (primrio), pensar todas as suas

    consequncias at ao fim, transp-lo para casos comparveis, solucionar contradies com outros valores

    j legislados e evitar contradies derivadas do aparecimento de novos valores. Garantir a adequao

    formal , em consequncia tambm a tarefa do sistema teleolgico, em total consonncia com a sua

    justificao a partir do princpio formal da igualdade.

  • 24

    3.2. O Princpio da Literalidade

    Este princpio, denominado por alguns autores com o Princpio da

    Cartularidade33

    , significa que o direito incorporado no ttulo determinado a partir dos

    termos constantes no prprio ttulo.34

    Contudo, a literalidade no impede que sejam

    invocados direitos no constantes do ttulo, oriundos da vontade das partes na relao

    principal.35

    O princpio da literalidade permite ao adquirente do ttulo, ou simplesmente

    quele que o analisa, conhecer precisamente o contedo e extenso dos direitos nele

    mencionados, sendo indispensvel segurana do portador na circulao dos ttulos de

    crdito.36

    Evidentemente, a literalidade visa proteger o terceiro que confia no teor do

    ttulo.37

    Esta literalidade favorece a circulao, pois que os sucessivos portadores tm a

    garantia de que, com referncia aos termos daquele direito, no podero ser invocados

    contra eles acordos ou convenes estranhas ao ttulo e de que no fizeram parte,

    explicando-se, sob este aspecto, pela autonomia da declarao cartular e sua funo

    constitutiva de tal direito.38

    33

    Crtula significa documento, pois isso cartularidade precisamente o direito derivado do ttulo. Neste

    sentido, SILVA, MARCOS PAULO FLIX DA, Ttulos de Crdito no Cdigo Civil de 2002: Questes

    Controvertidas, Jiru Editora, Curitiba, 2008, pgs. 28-29. 34

    Neste sentido, ASCENSO, JOS DE OLIVEIRA, Direito Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito, Lisboa,

    1992, pgs. 4 e 26-28, OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de

    Crdito em Geral, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pg. 25 e VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Direito

    Comercial. Ttulos de Crdito, Lisboa, AAFDL, 1990, pgs. 6-13. 35

    Em sentido contrrio ao texto, ALMEIDA, AMADOR PAES DE, Teoria e Prtica dos Ttulos de Crdito,

    27 Ed., So Paulo, Saraiva, 2008, pg. 4. J no sentido do texto, ANTUNES, JOS A. ENGRCIA, Ttulos de

    Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pg. 21 e REQUIO, RUBENS, Curso de

    Direito Comercial, 2 vol., 23 ed., So Paulo, Editora Saraiva, 2003, pg. 359. 36

    No sentido do texto, ALMEIDA, ANTNIO PEREIRA DE, Direito Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito,

    Associao Acadmica da Faculdade de Direito, Lisboa, 1986/87, pgs. 19-24. 37

    ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So Paulo, Livraria Acadmica Saraiva &

    CIA, 1943, pg. 59. 38

    OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral,

    Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pgs. 25-26 e ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito,

    So Paulo, Livraria Acadmica Saraiva & CIA, 1943, pg. 56.

  • 25

    Os ttulos de crdito so literais, ou seja, acompanham rigorosamente a letra do

    texto; so documentos escritos e da escrita que resulta o direito neles documentado,

    limitando, portanto, seu contedo e sua extenso.39

    no diploma Civil Ptrio e nas leis esparsas que est disciplinada a formulao

    dos ttulos de crdito, estabelecendo as indicaes que devem constar do ttulo, ou ainda

    determinando quais apontamentos que no devem constar do ttulo.

    Na teoria de Vivante baseou-se o legislador ao formular o artigo 887 do Cdigo

    Civil, todavia, segundo aquele o ttulo de crdito o documento necessrio para o

    exerccio do direito literal e autnomo nele mencionado, enquanto este determina que

    o ttulo de crdito o documento necessrio ao exerccio do direito literal e autnomo

    nele contido.

    A diferena entre a teoria de Vivante e a lei brasileira est no direito mencionado

    e contido nos ttulos de crdito. A expresso contido traz consigo a idia de

    incorporao, combatida por Vivante. Ao analisarmos sob esta perspectiva, se o direito

    est contido, ou seja, incorporado no ttulo, perdido o ttulo de crdito, perdido estaria o

    direito.40

    A doutrina posterior a Vivante satisfez-se em justificar que o fenmeno da

    incorporao do direito no ttulo de crdito, na realidade, nada mais era que uma

    imagem plstica41

    , vantajosa para explicar de forma didtica, essa intima conexo

    havida entre o direito e o ttulo.42

    Todavia, os artigos 907 a 91343

    do Cdigo de Processo Civil, assim como o

    artigo 90944

    do Cdigo Civil, bem demonstram que o prprio sistema cuida de proteger

    39

    VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Direito Comercial. Ttulos de Crdito, Lisboa, AAFDL, 1990, pg. 6 e

    ASCARELLI, TULIO, La Letteralita nei Titoli di Credito, Rivista del Diritto Commerciale, Anno XXX,

    parte I, 1932, pgs. 237-271. 40

    DE LUCCA, NEWTON, Comentrios ao Novo Cdigo Civil, Vol. XII: dos atos unilaterais; dos ttulos de

    crdito, Forense, Rio de Janeiro, 2003, pgs. 125-126. Assevera este autor que Vivante utilizara a

    expresso mencionato e no contenuto. 41

    Cfr. FERRI, GIUSEPPE, I Titoli di Credito, 2 ed., Torino, UTET, 1965, pg. 13. 42

    Cfr. DE LUCCA, NEWTON, Comentrios ao Novo Cdigo Civil, Vol. XII: dos atos unilaterais; dos ttulos

    de crdito, Forense, Rio de Janeiro, 2003, pg. 126. 43

    Art. 907. Aquele que tiver perdido ttulo ao portador ou dele houver sido injustamente desapossado

    poder: I - reivindic-lo da pessoa que o detiver; II - requerer-lhe a anulao e substituio por outro. Art.

  • 26

    o direito do proprietrio do ttulo perdido, extraviado, ou de quem dele tenha sido

    injustamente desapossado. Resta, portanto, demonstrado, que embora a expresso

    contido acima mencionada, tenha aparncia de incorporao, tal no fora o desgnio do

    legislador.

    A doutrina reconhece o carter da literalidade tanto nos ttulos abstratos, quanto

    nos causais, tanto nos ttulos ordem, quanto nos ttulos ao portador ou nos

    nominativos.45

    O princpio da literalidade, por outro lado, no equivalente em todas as

    modalidades de ttulos de crdito. Podemos dizer que alguns ttulos so mais literais que

    outros, ou ainda, que dela dependem com mais intensidade para sua aplicao. Nesse

    sentido, a literalidade quase absoluta nos ttulos de crdito abstratos, como por

    exemplo, nas letras, livranas, cheques e extratos de fatura, enquanto menos intensa

    nos ttulos de crdito causais.46

    A Lei Uniforme de Genebra, no entanto, excepciona o princpio da literalidade

    na alnea 2 do art. 29, quando determina que, se o sacado tiver dado aceite na letra de

    cmbio, e antes de devolv-la ao portador tiver cancelado o aceite, o cancelamento no

    908. No caso do n

    o II do artigo antecedente, expor o autor, na petio inicial, a quantidade, espcie, valor

    nominal do ttulo e atributos que o individualizem, a poca e o lugar em que o adquiriu, as circunstncias

    em que o perdeu e quando recebeu os ltimos juros e dividendos, requerendo: I - a citao do detentor e,

    por edital, de terceiros interessados para contestarem o pedido; II - a intimao do devedor, para que

    deposite em juzo o capital, bem como juros ou dividendos vencidos ou vincendos; III - a intimao da

    Bolsa de Valores, para conhecimento de seus membros, a fim de que estes no negociem os ttulos. Art.

    909. Justificado quanto baste o alegado, ordenar o juiz a citao do ru e o cumprimento das

    providncias enumeradas nos ns. II e III do artigo anterior. Pargrafo nico. A citao abranger tambm

    terceiros interessados, para responderem ao. Art. 910. S se admitir a contestao quando

    acompanhada do ttulo reclamado. Pargrafo nico. Recebida a contestao do ru, observar-se- o

    procedimento ordinrio. Art. 911. Julgada procedente a ao, o juiz declarar caduco o ttulo reclamado e

    ordenar ao devedor que lavre outro em substituio, dentro do prazo que a sentena Ihe assinar. Art. 912.

    Ocorrendo destruio parcial, o portador, exibindo o que restar do ttulo, pedir a citao do devedor para

    em 10 (dez) dias substitu-lo ou contestar a ao. Pargrafo nico. No havendo contestao, o juiz

    proferir desde logo a sentena; em caso contrrio, observar-se- o procedimento ordinrio. Art. 913.

    Comprado o ttulo em bolsa ou leilo pblico, o dono que pretender a restituio obrigado a indenizar

    ao adquirente o preo que este pagou, ressalvado o direito de reav-lo do vendedor. 44

    Art. 909. O proprietrio, que perder ou extraviar ttulo, ou for injustamente desapossado dele, poder

    obter novo ttulo em juzo, bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos. Pargrafo

    nico. O pagamento, feito antes de ter cincia da ao referida neste artigo, exonera o devedor, salvo se se

    provar que ele tinha conhecimento do fato. 45

    Neste sentido, ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So Paulo, Livraria Acadmica

    Saraiva & CIA, 1943, pg. 50. 46

    VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Direito Comercial. Ttulos de Crdito, Lisboa, AAFDL, 1990, pgs. 09-10

    e OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral,

    Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pg. 27.

  • 27

    predominar ante o portador ou qualquer signatrio da letra, a quem o sacado tenha

    dado cincia do seu aceite, ficando o aceitando obrigado para com aquelas pessoas nos

    termos do aceite.47

    Por sua vez, este princpio preceitua que apenas geram efeitos cambiais os atos

    expressamente lanados na crtula. Por este motivo, alguns doutrinadores, ao

    analisarem os ttulos de crdito eletrnicos, compreendem que no possvel prestigiar

    o postulado fundamental do direito cambirio, na medida em que no existe mais o

    papel, a limitar fisicamente os atos de eficcia cambial.48

    No que tange aos ttulos de crdito eletrnicos, e sua relao com o Princpio da

    Literalidade, encontra equivalncia no novo suporte o suporte eletrnico. O que no

    h no registro eletrnico, no h no mundo, ou seja, quando o ttulo de crdito ocupar

    suporte eletrnico, no produzir efeitos cambiais, por exemplo, o aval concedido num

    instrumento papelizado. Assim sendo, o Princpio da Literalidade no desaparecer,

    como evidente, mas ser visto nesta nova realidade, a do suporte eletrnico.49

    Por fim, em razo da preservao do Princpio da Autonomia e ao ajuste do da

    Literalidade50

    , que a cambial eletrnica cumprir a mesma funo de facilitar a

    agilizao e a mobilizao do crdito comercial que vinham cumprindo

    satisfatoriamente os ttulos no escriturais papelizados, desde sua criao na Idade

    Mdia.

    47

    ROSA JR, LUIZ EMYGDIO FRANCO DA, Ttulos de Crdito, 3 Ed., Rio de Janeiro So Paulo, Editora

    Renovar, 2004, pg. 63. 48

    COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 388. 49

    COELHO, FBIO ULHOA, Ttulos de Crdito Eletrnicos, in Revista do Advogado, n. 96 Temas

    Atuais sobre Direito Comercial, Ano XXVIII, Associao dos Advogados de So Paulo, Maro de 2008,

    ainda o mesmo autor em Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 388, assevera que o (...) princpio da literalidade preceitua que geram

    efeitos cambiais os atos expressamente lanados na crtula. Novamente no se pode prestigiar o

    postulado fundamental do direito cambirio, na medida que no existe mais o papel, a limitar

    fisicamente os atos de eficcia cambial (...). Desta feita, nessa assertiva parece nos que o autor expe

    diversa opinio daquela aventada no texto, acreditamos na mudana de opinio, eis que passaram dois

    anos de uma obra para a outra. 50

    ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Os valores mobilirios: o papel e o computador, Nos 20 anos do

    Cdigo das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2007, vol. I, pg. 37. Com relao ao princpio da

    literalidade em relao aos valores mobilirios escriturais, afirma o autor que a literalidade consiste na

    correspondncia entre o contedo do direito e o sentido literal do texto do documento. A literalidade

    subsiste nos valores mobilirios escriturais, porque os direitos so definidos nos precisos termos (...) dos

    registos onde se referem os respectivos elementos tipificadores.

  • 28

    Assim, preciso verificar qual o fim buscado pelo princpio, e o tutelar nessa

    nova realidade, no buscar engess-lo indo de encontro s mutaes sociais, pois, como

    j referido, o objetivo fomentar a confiana e a segurana jurdica nas relaes

    jurdicas envolvendo os ttulos de crdito.

    3.3. O Princpio da Autonomia

    A evoluo dogmtica do conceito de ttulos de crdito relaciona-se diretamente

    com duas discusses doutrinrias. Que por uma corrente caracteriza-se sob a tica dos

    sujeitos de uma relao fundamental e compreende o ttulo de crdito como um

    documento probatrio da relao havida entre os sujeitos da relao fundamental. E, de

    outro lado, por outra corrente que se caracteriza sob a perspectiva do terceiro adquirente

    do ttulo e compreende o ttulo de crdito como um documento constitutivo de um

    direito autnomo distinto daquele da relao fundamental um documento

    dispositivo, no sentido de encerrar uma declarao de vontade.

    No que tange a autonomia do direito cartular, tem-se por certo que o direito do

    portador do ttulo um direito autnomo ou independente em relao ao negcio

    fundamental originrio. Enquanto a autonomia do direito sobre o ttulo determina que o

    direito do portador sobre o prprio ttulo de crdito um direito autnomo e

    independente em relao ao direito do portador anterior. 51

    Os ttulos de crdito tm origem em um negcio ou situao jurdica, para os

    quais so emitidos com a finalidade de documentar, circular, cobrar e ou mobilizar o

    crdito. Este direito que resulta do ttulo - e nesse est incorporado, autnomo em

    relao ao direito cartular e secundrio ao que lhe originou.52

    Cada um dos intervenientes assume obrigao relativa ao ttulo, sendo este o

    carter distintivo da autonomia. Ademais, em razo desta que o possuidor de boa-f

    51

    ANTUNES, JOS A. ENGRCIA, Ttulos de Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora, 2009,

    pgs. 23-24. 52

    VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Direito Comercial. Ttulos de Crdito, Lisboa, AAFDL, 1990, pg. 13.

  • 29

    no tem o seu direito restringido em decorrncia do negcio jurdico subjacente entre os

    possuidores originrios e o devedor.53

    Estabelece o artigo 4354

    do Decreto Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908

    que as obrigaes cambiais so autnomas e independentes umas das outras. O

    signatrio da declarao cambial fica por ela vinculado solidariamente pelo aceite e pelo

    pagamento da letra, sem embargo da falsidade, da falsificao ou da nulidade de

    qualquer assinatura.

    Neste comenos, o princpio da autonomia atribui duas caractersticas, quais

    sejam: a autonomia do direito cartular no que diz respeito ao negcio subjacente e a

    autonomia do direito sobre o ttulo.55

    A primeira diz com o direito cartular, originrio de

    uma relao jurdica anterior ao surgimento do ttulo independente do direito

    fundamental, autnomo do direito subjacente. Enquanto a segunda assertiva diz com a

    autonomia do direito cartular, pois cada possuidor do ttulo, adquire o direito nele

    mencionado de modo primitivo, ou seja, independentemente da titularidade do seu

    antecessor e dos possveis vcios dessa titularidade.56

    53

    ALMEIDA, AMADOR PAES DE, Teoria e Prtica dos Ttulos de Crdito, 27 Ed., So Paulo, Saraiva,

    2008, pg. 4. 54

    Art. 43 As obrigaes cambiais, so autnomas e independentes umas das outras. O significado da

    declarao cambial fica, por ela, vinculado e solidariamente responsvel pelo aceite e pelo pagamento da

    letra, sem embargo da falsidade, da falsificao ou da nulidade de qualquer outra assinatura. Este mesmo

    princpio fora mantido pela Lei Uniforme, no seu artigo 7 do Anexo I: Se a letra contm assinaturas de

    pessoas incapazes de se obrigarem por letras, assinaturas falsas, assinaturas de pessoas fictcias ou

    assinaturas que por qualquer outra razo no poderiam obrigar as pessoas que assinaram a letra, ou em

    nome das quais ela foi assinada, as obrigaes dos outros signatrios nem por isso deixam de ser vlidas.

    No mesmo sentido, deciso do Superior Tribunal de Justia: A responsabilidade cambiria do avalista,

    tendo em vista o princpio da autonomia e abstrao, no afastada pela falsificao ou nulidade de outra

    assinatura. Artigo 7 da Lei Uniforme. Ressalva-se a hiptese de m-f do favorecido, o que no ocorre na

    hiptese... (STJ, REsp n. 36.837-MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Ementrio da Jurisprudncia do

    Superior Tribunal de Justia, n. 9, Ementa n. 263). 55

    ALMEIDA, ANTNIO PEREIRA DE, Direito Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito, Associao

    Acadmica da Faculdade de Direito, Lisboa, 1986/87, pg. 25; CORREIA, MIGUEL J. A. PUPO, Direito

    Comercial: Direito da Empresa, 10 ed., Lisboa, Ediforum, 2007, pg. 445; ANTUNES, JOS A.

    ENGRCIA, Ttulos de Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pg. 23 e OLAVO,

    FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral, Coimbra, Coimbra

    Editora, 1978, pgs. 30-31. Este ltimo consagra tais distines acerca da autonomia em autonomia do

    direito do portador e autonomia do ttulo. 56

    CORREIA, MIGUEL J. A. PUPO, Direito Comercial: Direito da Empresa, 10 ed., Lisboa, Ediforum,

    2007, pg. 446.

  • 30

    Desta feita, a norma prevista no artigo 89657

    do Cdigo Civil consagra um dos

    princpios fundamentais dos ttulos de crdito que o da autonomia cartular. Este

    princpio desencadeia-se por dois motivos: o primeiro motivo, ao falar em autonomia

    quer-se afirmar que no podem ser opostas ao subsequente titular do direito cartular as

    excees oponveis ao portador anterior, decorrentes de convenes extra cartulares,

    inclusive, nos ttulos abstratos, as causais; e o segundo motivo, ao falar em autonomia,

    quer-se afirmar que no pode ser oposta ao terceiro possuidor do ttulo a falta de

    titularidade de quem lho transferiu.58

    mister ressaltar que a inoponibilidade das excees decorrente da autonomia

    da posio do portador cede perante sua m-f ou culpa grave na aquisio, ao passo

    que a resultante da autonomia do ttulo cede perante o procedimento consciente em

    detrimento do devedor ao adquirir o mesmo ttulo.59

    Conforme exposto alhures, ambas assertivas, embora diversas, se explicam por

    vcios que tornam ilegtima a aquisio do ttulo, e tem sido objeto de contestao o que

    deve entender-se por proceder conscientemente em detrimento do devedor, no obstante

    a interpretao doutrinria dominante seja a de que no suficiente o conhecimento do

    fato gerador do vcio, ainda necessrio que o portador na ocasio da aquisio do

    ttulo, tenha plena conscincia de que causa desta forma um prejuzo ao devedor.60

    Pela anlise do que fora exposto alhures, percebemos que no houve entre a

    doutrina discusso acerca da adaptao desse princpio aos ttulos de crdito atpicos,

    aos ttulos de crdito eletrnicos ou virtuais, haja vista que tal princpio fora totalmente

    preservado, pois autnoma toda nova relao oriunda da obrigao principal, seja esta

    obrigao advinda de um ttulo de crdito papelizado ou eletrnico.

    57

    Art. 896. O ttulo de crdito no pode ser reivindicado do portador que o adquiriu de boa-f e na

    conformidade das normas que disciplinam a sua circulao. 58

    ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So Paulo, Livraria Acadmica Saraiva &

    CIA, 1943, pgs. 278-279. 59

    OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral,

    Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pgs. 30-31. 60

    OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de Crdito em Geral,

    Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pgs. 30-32.

  • 31

    3.4. O Princpio da Cartularidade

    Assim como o princpio da autonomia, o princpio da cartularidade depreende-se

    tambm da clebre definio de Vivante, quando este assevera que ttulo de crdito o

    documento necessrio para o exerccio do direito literal e autnomo nele mencionado.

    Em consonncia com este princpio tem-se que o exerccio do direito oriundo do

    crdito concedido somente ser possvel com a apresentao do documento, da crtula.

    Na falta da exibio material no pode o credor exigir ou exercitar qualquer direito

    fundado no ttulo de crdito.61

    Este princpio consiste na garantia de que o sujeito que postula a satisfao do

    direito mesmo o seu titular62

    , sendo, desse modo, o postulado que evita o

    enriquecimento indevido de quem, tenha sido credor de um ttulo de crdito, o negociou

    com terceiros, v.g, descontou num banco, por exemplo. Como conseqncia temos que,

    no h possibilidade de executar-se uma divida contida num ttulo de crdito

    acompanhado, somente, de uma cpia autenticada, afinal, com a simples apresentao

    de cpia autenticada poderia o crdito, por exemplo, ter sido transferido a outra pessoa .

    Assim, a crtula seria o documento essencial para o exerccio do crdito que o

    ttulo consubstanciaria. Desta forma, para que se ingressasse com uma ao cambial ou

    mesmo para que to-somente se cobrasse o crdito, seria necessrio apresentar o ttulo,

    corporificado na crtula.

    No havia qualquer possibilidade de se provar e quantificar a dvida cambiria

    por outro meio e, ento, passar a cobr-la cambialmente, vez que esta cobrana

    dependia, de maneira imprescindvel, da existncia e apresentao da crtula. Mesmo no

    caso de perda ou destruio do ttulo, situao para a qual existe a ao de recuperao

    de ttulo ao portador, observe-se que se deve constituir um novo ttulo, para s ento

    tornar-se possvel a cobrana por via cambial.

    61

    REQUIO, RUBENS, Curso de Direito Comercial, 2 vol., 23 ed., So Paulo, Editora Saraiva, 2003, pg.

    360. 62

    COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 374.

  • 32

    Como exposto alhures, crtula o documento fsico em si mesmo, ou ainda,

    podemos enquadrar na definio de crtula, como analisaremos em nosso estudo, o

    documento eletrnico elaborado e produzido mediante diretrizes legais

    regulamentadoras.

    Os documentos eletrnicos em geral, enviam o princpio da cartularidade para

    uma nova concepo. Entretanto, hoje no mais se compreende o ttulo de crdito

    eletrnico, assim como o documento eletrnico em si, como desprovido de forma fsica,

    pois os registros eletromagnticos que o compem tm essencialmente essa natureza.

    Com o ttulo eletrnico, a base fsica em torno da qual se estruturou o princpio

    da cartularidade, deixa de ser o papel, a crtula, e passa a ser os registros

    eletromagnticos. Nesse cenrio, percebe-se que o princpio da cartularidade assume

    uma nova feio, mas ainda revestido da mesma segurana inspiradora de sua criao

    no direito cambirio. Em outras palavras, o documento eletrnico abandona o papel,

    mas o princpio da cartularidade preservado com a segurana tecnolgica. Vo-se os

    papis, ficam os bytes.63

    Em contrapartida, este princpio, segundo parte da doutrina, determina que o

    exerccio dos direitos cambiais presuma a posse do ttulo, portanto se o documento no

    for emitido, no h sentido em se condicionar a cobrana do crdito posse de um papel

    inexistente. Representando uma dispensvel formalidade exigir-se a confeco do ttulo

    em papel, se as relaes entre credor e devedor documentaram-se todas livres de

    sujeitarem-se a ele.64

    Em consonncia com o entendimento exposto alhures, h doutrinadores65

    que,

    haja vista que o princpio da cartularidade pressupe a posse do documento para o

    63

    Em sentido contrrio, COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1.

    vol., 10 ed., Editora Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 387, assevera o autor que o princpio da

    cartularidade estabelece que o exerccio dos direitos cambiais pressupe a posse do ttulo. Ora, se o

    documento nem sequer emitido, no h sentido algum em se condicionar a cobrana do crdito posse

    de um papel inexistente. Representa uma dispensvel formalidade exigir-se a confeco do ttulo em

    papel, se as relaes entre credor e devedor documentaram-se todas independentemente dele. 64

    COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 388. 65

    COELHO, FBIO ULHOA, Ttulos de Crdito Eletrnicos, in Revista do Advogado, n. 96 Temas

    Atuais sobre Direito Comercial, Ano XXVIII, Associao dos Advogados de So Paulo, Maro de 2008.

  • 33

    exerccio do direito nele mencionado, entendem que este princpio no se ajusta ao

    ambiente eletrnico66

    , pois no h equivalente possvel entre a posse fsica do pedao de

    papel em que se lanavam as informaes sobre o crdito e qualquer relao de fato do

    credor com os registros eletrnicos em que elas se assentam no novo suporte.

    Segundo este entendimento, o Princpio da Cartularidade se destinava a impedir

    a cobrana do ttulo por quem no fosse mais o seu titular, por fora de endosso

    anteriormente praticado. Todavia, como o documento eletrnico sempre incorporar a

    informao atualizada sobre a titularidade do crdito, no h o risco de o antigo credor

    apresentar-se como sendo ainda o titular do direito. Em nada nos preocupa, assim, o fim

    do Princpio da Cartularidade, estando este garantido.

    3.4.1. Aspectos da evoluo

    O que acontece, atualmente, uma substituio dos meios convencionais de

    armazenar informao, por outros mtodos mais modernos e eficientes. A tecnologia

    moderna trouxe novas possibilidades para armazenar e transferir informaes; estamos

    no que se convencionou chamar de era da informao67

    .

    Hodiernamente, podemos nos comunicar com o outro lado do mundo por

    intermdio de uma rede interligada de computadores. A quantidade de informao que

    podemos enviar, em fraes de segundos, para outro lugar, extraordinria. Podendo o

    comrcio em geral utilizar-se desses meios muito mais rpidos, geis, e baratos, para

    realizar seus negcios, no haveria razo para que continuasse a faz-los atravs de

    meios obsoletos, mais dispendiosos e demorados, colocando-se na contramo do

    progresso.

    66

    Sobre a expresso eletrnico: o que a expresso (eletrnico) evoca, antes de mais, a utilizao, para

    o registro, transmisso e processamento de informaes relativas a pagamentos e outras operaes

    financeiras, de meios eletrnicos, em vez dos media clssicos sobretudo o papel e dos processos

    manuais de tratamento de dados. Cfr, VELOSO, J. A., Eletronic banking: Uma introduo ao EFTS,

    parte I, Livraria Cruz, Braga, 1987, pg. 7. 67

    Sobre a era da informao, CASTELLS, MANUEL, A Era da Informao: Economia, Sociedade e

    Cultura. 3. ed. Vol. I A Sociedade em Rede. Traduo de Alexandra Lemos e Catarina Lorga. Fundao

    Calouste Gulberkian, Lisboa, 2007.

  • 34

    No passado, no havia nada mais eficiente para corporificar um ttulo de crdito

    do que o papel, e, com base nesse fato, foi criada toda a teoria do ttulo de crdito, na

    qual a crtula, como papel que corporifica o direito, era elemento essencial. Ocorre

    que, atualmente, por existirem meios muito mais eficientes para transportar

    informaes, criou-se a teoria da crtula eletrnica, e sob essa nova realidade que o

    Princpio da Cartularidade deve ser visto, com o fim de amoldar o princpio da

    cartularidade aos tempos modernos.

    A crtula eletrnica seria, portanto, nada mais que o conjunto de dados do ttulo

    consubstanciados na memria ou registro magntico de um sistema de computao. Se

    pensarmos na crtula como o meio que permite o reconhecimento do titular e do direito

    contido no ttulo, chegaremos concluso que no faz muita diferena se o ttulo est

    corporificado em um papel ou na memria de um computador.

    Se a corporificao do ttulo no papel vem perdendo espao com o advento dos

    ttulos escriturais, no resta outra opo vivel ao direito em homenagem segurana

    e confiana no trfego jurdico - seno absorver essas mudanas, para regular os

    sistemas nos quais esses ttulos so registrados, e reconhecendo o fato de que a falta de

    um papel corporificando o ttulo no inviabiliza sua existncia, visto que a

    cartularidade continua preservada e concretizada na memria de um sistema

    eletrnico.

    3.5. A Abstrao

    Considerado por alguns doutrinadores como um subprincpio do Princpio da

    Autonomia68

    , entende-se por este, que o ttulo de crdito quando posto em circulao,

    deixa de subordinar-se relao fundamental que o originou.

    Como exposto alhures, somente possvel verificar a incidncia deste princpio

    se o ttulo de crdito for posto circular, apenas quando for transferido para terceiros de

    boa-f, realiza-se a ciso entre o documento cambial e a relao originria.69

    68

    COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 379.

  • 35

    Quando o ttulo de crdito circula, o terceiro adquire um novo direito, autnomo

    e originrio, desvinculado da relao causal originria. E, portanto, a conseqncia

    percebida na abstrao70

    a impossibilidade de o devedor desobrigar-se das dvidas

    cambirias ante terceiros de boa-f, em decorrncia de irregularidades, nulidades ou

    vcios de qualquer natureza que corrompam a relao fundamental.71

    Saliente-se que

    isso fator determinante na confiana e segurana jurdica dos que transacionam com

    ttulos de crdito.

    A abstrao reflete com maior intensidade, no no terceiro de boa-f, mas na

    garantia e segurana circulao do ttulo. Ela repercute em favor do terceiro que no

    foi parte da relao fundamental, ante o negcio que deu origem emisso ou criao

    do ttulo de crdito.72

    mister salientar que a abstrao no uma regra geral para os ttulos de

    crdito, eis que h ttulos abstratos e ttulos causais73

    , os quais analisaremos em item

    prprio.

    Destarte, a abstrao diz respeito causa percebida como relao fundamental e

    verifica-se quando o direito afirmado no ttulo equivale-se como este, sendo a

    fundamentao impossvel e desnecessria, em qualquer modo legtimo de adquirir. 74

    69

    No sentido do texto, REQUIO, RUBENS, Curso de Direito Comercial, 2 vol., 23 ed., So Paulo,

    Editora Saraiva, 2003, pg. 360. 70

    Sobre a abstrao, ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de

    Janeiro, Forense, 1998, pgs. 102-107. Assevera esse autor que: O princpio da abstrao foi constitudo

    no favor do terceiro de boa-f, porm mais para dar garantia e segurana circulao do ttulo de

    crdito. O princpio atua em favor do terceiro que no foi parte na relao fundamental, que o negcio

    que deu origem emisso ou criao do ttulo de crdito. 71

    COELHO, FBIO ULHOA, Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, 1. vol., 10 ed., Editora

    Saraiva, So Paulo, 2006, pg. 379 72

    ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense,

    1998, pg. 102 e PROENA, JOS MARCELO MARTINS, Direito Comercial 1, 2 ed., So Paulo, Editora

    Saraiva, 2008, pgs. 136-137. 73

    ASCENSO, JOS DE OLIVEIRA, Direito Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito, Lisboa, 1992, pg. 32 e

    34. 74

    ASCENSO, JOS DE OLIVEIRA, Direito Comercial, vol. III, Ttulos de Crdito, Lisboa, 1992, pg. 33.

    Sobre incorporao, vide OLAVO, FERNANDO, Direito Comercial, vol. II 2 parte, fasc. I Ttulos de

    Crdito em Geral, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, pgs. 16 e segs., ANTUNES, JOS A. ENGRCIA,

    Ttulos de Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pgs. 17-20 e ARNOLDI, PAULO

    ROBERTO COLOMBO, Teria Geral dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pgs. 140-143.

  • 36

    3.6. A Incorporao

    A incorporao um atributo dos ttulos de crdito que se correlaciona

    diretamente com a legitimao, e determina a indispensabilidade do ttulo para o

    exerccio do direito cartular e para sua prpria circulao.75

    Alguns doutrinadores classificam a incorporao, como princpio anlogo

    cartularidade76

    , definindo-o, portanto, como a materializao no documento, assentado

    na crtula.

    Confirma-se, nos ttulos de crdito, a relao entre direito e documento, e por

    este motivo assegura-se a razo de falar-se em incorporao do direito no ttulo e

    determina o direito, neste referido, como direito cartular.77

    Em decorrncia desta supra referida relao entre direito e documento, atribui-se

    a posse do documento, obtida atravs da circulao, consoante determinao legal, a

    habilitao, isto , legitimao, do portador a exercer o direito, at mesmo se este

    portador no for o verdadeiro titular. 78

    Como exposto alhures, o ttulo de crdito confere ao possuidor a chamada

    legitimao. Legitimao esta que deve ser distinguida da titularidade, eis que o

    possuidor, ou portador pode no ser o verdadeiro titular.79

    No que tange a circulao dos ttulos de crdito, como funo prpria deste, v-

    se na incorporao uma caracterstica peculiar dos ttulo; pois se estes tm o objetivo de

    tornar mais clere a circulao da riqueza, neste nterim, a circulao dos direitos no

    75

    VASCONCELOS, PEDRO PAIS, Direito Comercial. Ttulos de Crdito, Lisboa, AAFDL, 1990, pgs. 22 e

    segs. 76

    ROSA JR, LUIZ EMYGDIO FRANCO DA, Ttulos de Crdito, 3 Ed., Rio de Janeiro So Paulo, Editora

    Renovar, 2004, pg. 64. 77

    CORREIA, A. FERRER, Lies de Direito Comercial, Reprint, reedio conjunta dos volumes I, II e III,

    Lex, Lisboa, 1994, pg. 414. 78

    CORREIA, A. FERRER, Lies de Direito Comercial, Reprint, reedio conjunta dos volumes I, II e III,

    Lex, Lisboa, 1994, pg. 414. 79

    FERRI, GIUSEPPE, Manuale Di Diritto Commerciale, 5 ed., Torino, UTET, 1983, pgs. 666-667,

    CORREIA, A. FERRER, Lies de Direito Comercial, Reprint, reedio conjunta dos volumes I, II e III,

    Lex, Lisboa, 1994, pg. 414 e ANTUNES, JOS A. ENGRCIA, Ttulos de Crdito: uma introduo,

    Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pg. 19.

  • 37

    trfego jurdico-comercial, cria-se a incorporao de tais direitos em um determinado

    documento, o ttulo de crdito. Documento esse hbil a circular segura e rapidamente.80

    Analisamos at agora a incorporao e sua ligao quase intrnseca com o

    documento materializado o papel, entrementes ilidvel que a posse do ttulo seja

    condio necessria para a existncia da incorporao. Sob o mbito desse estudo

    evidente que nos ttulos de crdito eletrnicos, virtuais, ou escriturais no pode haver a

    incorporao propriamente dita.

    Essa assertiva baseia-se no fato de que para os ttulos de crdito eletrnicos

    ausente o papel o documento, portanto no h um objeto possvel de posse ou de

    propriedade. Contudo, h uma relao equivalente que a adequada

    imaterialidade.81

    Assim, essa relao perfaz-se com os direitos relativos aos ttulos de crdito,

    sejam esses eletrnicos ou no, exercidos por quem figure como titular segundo o

    registro; eis que essa condio de titularidade necessria para a transmisso e

    constituio de direitos de gozo e de garantia e para o exerccio das correspondentes

    faculdades patrimoniais e sociais. 82

    Diante do exposto, a incorporao dos ttulos de crdito na sua forma material

    fsica, como um ttulo papelizado, est em correspondncia direta com os ttulos de

    crdito na sua forma eletrnica virtual, como um ttulo escritural, j que a relao

    direito-posse material substituda pela relao direito-inscrio registral. 83

    80

    ANTUNES, JOS A. ENGRCIA, Ttulos de Crdito: uma introduo, Coimbra, Coimbra Editora, 2009,

    pgs. 17-20. 81

    ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Os valores mobilirios: o papel e o computador, Nos 20 anos do

    Cdigo das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2007, vol. I, pg. 37. Ainda, acrescenta o autor que a

    incorporao num ttulo de crdito documentado em papel serve como instrumento tcnico destinado a

    assegurar que o exerccio do direito depende da posse do ttulo a que a transmisso do direito

    acompanhada da tradio do documento. 82

    ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Os valores mobilirios: o papel e o computador, Nos 20 anos do

    Cdigo das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2007, vol. I, pg. 38. 83

    ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE, Os valores mobilirios: o papel e o computador, Nos 20 anos do

    Cdigo das Sociedades Comerciais, Coimbra, 2007, vol. I, pg. 38. Continua o autor afirmando que o

    registo fonte e meio de legitimao. A incorporao no funciona como um fim em si mesmo, mas

    como tcnica instrumental para assegurar as restantes caractersticas e virtualidades dos ttulos de crdito.

    (...) Se a desmaterializao, obstando a incorporao material, exclui a classificao dos valores

    mobilirios escriturais como ttulos de crdito ou se determina apenas uma parcial reviso do conceito e

  • 38

    4. OS TTULOS DE CRDITO NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

    4.1. Os ttulos de crdito no Brasil

    No sculo XIX, mais precisamente em 1873, com a fundao do Instituto de

    Direito Internacional84

    , principiou-se a regulamentao da letra de cmbio e da nota

    promissria, como um direito comum de todos os povos.85

    O Cdigo Civil Ptrio de 185086

    previa e regulava, em seu artigo 354, a letra de

    cmbio. Os ensinamentos desse Cdigo mantiveram-se at a sano do Decreto Lei n.

    2.044, publicado em 31 de dezembro de 1908.

    Neste nterim, com a realizao da Conferncia Diplomtica de Haia, surgiu um

    projeto de lei uniforme acerca dos ttulos de credito. Esta uniformizao ocorreu no

    perodo moderno, em junho de 1930, quando os pases se reuniram para criar uma

    legislao nica, que fora denominada Lei Uniforme de Genebra. O Brasil incorporou

    esta lei apenas em 1966, atravs do Decreto 57.663/66, promulgando as Convenes87

    para adoo de uma lei uniforme em matria de letras de cmbio e notas promissrias.

    As modificaes oriundas da Lei n. 10.406 de 2002, que alteraram o Cdigo

    Civil, no interferiram na disciplina tratada em legislao especial acerca dos ttulos de

    caractersticas destes questo que depender mais dos usos lingsticos do que de escolhas tericas e

    ainda menos de diferenas de regime jurdico. 84

    O Instituto de Direito Internacional foi fundado em 8 de Setembro de 1873, na Cmara Municipal de

    Ghent, Blgica. Onze membros de renome tinham decidido se unir para criar uma instituio

    independente de qualquer influncia governamental, o que pode contribuir para o desenvolvimento do

    direito internacional e agir no sentido de ser aplicada. (Traduo livre). L'Institut de Droit international a

    t fond le 8 septembre 1873, l'Htel de ville de Gand, en Belgique. Onze internationalistes de renom

    avaient dcid de se runir pour crer une institution indpendante de toute influence gouvernementale,

    susceptible de contribuer au dveloppement du droit international et d'agir pour qu'il soit appliqu.

    Disponvel em http://www.idi-iil.org/idiF/navig_historique.html#fondateurs, acessado em 13.04.09. 85

    PROENA, JOS MARCELO MARTINS, Direito Comercial 1, 2 ed., So Paulo, Editora Saraiva, 2008,

    pg. 143. 86

    Parte da doutrina defende que o Cdigo Comercial de 1850, no que tange aos ttulos de crdito, fora

    inspirao do Cdigo Portugus, de 1933, da mesma forma que este fora elaborado segundo doutrina

    francesa, naquela poca dominante. BRASIL, FRANCISCO DE PAULA EUGNIO JARDIM DE SOUZA, Ttulos

    de Crdito O novo Cdigo Civil Questes relativas aos ttulos de crdito eletrnicos e do

    agronegcio, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006, pg. 62. 87

    Essas convenes disciplinavam a lei uniforme para a letra de cmbio e a nota promissria, regulavam

    os conflitos de leis sobre a letra de cmbio, nota promissria e protocolos, bem como regulavam o direito

    de selo de letras de cmbio e notas promissrias. Cfr. ARNOLDI, PAULO ROBERTO COLOMBO, Teria Geral

    dos Ttulos de Crdito, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pg. 66.

    http://www.idi-iil.org/idiF/navig_historique.html#fondateurs#fondateurs

  • 39

    crdito88

    , como se pode perceber atravs de simples leitura do art. 90389

    do Cdigo

    Civil de 2002, mantendo-se inalterado o arcabouo hoje existente.

    O Cdigo Civil regulou, no Ttulo VII do Livro I (Direito das Obrigaes) da

    Parte Especial, os atos unilaterais, apartando e regulando os Ttulos de Crdito no Ttulo

    VIII. Esta dissenso poderia causar discusso doutrinria, no que tange o sentido de

    serem as obrigaes decorrentes dos ttulos de crdito originrias de um contrato, ou

    opostamente, provenientes de declaraes unilaterais de vontade.90

    Desta feita, poderia surgir a objeo de negar aos ttulos de crdito natureza

    jurdica dos atos unilaterais, todavia essa premissa negativa, consoante expressa o

    eminente doutrinador Newton de Lucca. Estudioso que participou da 7 reunio acerca

    do Projeto do Cdigo Civil. 91

    As formalidades continuam representando pressupostos para validade dos ttulos

    que, portanto, produziro efeitos apenas se presentes os requisitos, nos termos do art.

    88792

    . Entrementes, essa exigncia formal representa a mais retrgrada tica acerca dos

    ttulos de crdito. Uma lstima trazida pelo legislador, contrria realidade

    contempornea que prima pela dinmica e praticidade.

    88

    Sobre o conceito de ttulos de crdito, ASCARELLI, TULIO, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, So

    Paulo, Livraria Acadmica Saraiva & CIA, 1943. Esse autor assevera que: (...) continuarei falando de

    ttulos de crdito conforme consta da terminologia italiana, em virtude do fato que este termo foi posto

    em uso e que no existe perigo do seu emprego, dado ao alcance jurdico, ainda que distinto do derivado

    do sentido literal das palavras, est claro no direito italiano e corresponde ao uso comum na doutrina e na

    prtica (...). Achamos que seria prefervel falar em ttulos valores ou de ttulos negociveis, sem

    prejuzo da terminologia atual (que se refere a ttulos de crdito), objetivando aclarar seu alcance. 89

    Art. 903. Salvo disposio diversa em lei especial, regem-se os ttulos de crdito pelo disposto neste

    Cdigo. 90

    DE LUCCA, NEWTON, Comentrios ao Novo Cdigo Civil, Vol. XII: dos atos unilaterais; dos ttulos de

    crdito, Forense, Rio de Janeiro, 2003, pg. 117. 91

    DE LUCCA, NEWTON, Comentrios ao Novo Cdigo Civil, Vol. XII: dos atos unilaterais; dos ttulos de

    crdito, Forense, Rio de Janeiro, 2003, pgs. 117-119. Esta opinio expressa, pois ao participar da

    reunio sobre o Projeto do Cdigo Civil e ao iniciarem as discusses acerca dos Ttulos de Crdito, o

    eminente Dr. Antonio Mercado Jr., relator da matria, realou a plena possibilidade de ambas as

    interpretaes, quando asseverou que poder-se-ia entender que a incluso, no Anteprojeto, das normas

    sobre ttulos de crdito, em Ttulo distinto, mas situado imediatamente depois do relativo aos negcios

    unilaterais, no importaria em negar queles a natureza destes: teria constitudo mera soluo tcnico-

    legislativa de disposio das respectivas matrias, fundada na s considerao de que o grande nmero

    daquelas normas demandaria sua reunio em Ttulo parte. 92

    Art. 887. O ttulo de crdito, documento necessrio ao exerccio do direito literal e autnomo nele

    contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.