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MARÍLIA 2011 UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR MESTRADO EM DIREITO SILVIO JOSÉ FERREIRA MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E JURÍDICA: LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006

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MARÍLIA 2011

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR

MESTRADO EM DIREITO

SILVIO JOSÉ FERREIRA

MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E JURÍDICA:

LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006

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MARÍLIA 2011

MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E JURÍDICA:

LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

SILVIO JOSÉ FERREIRA

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Ferreira, Silvio José Micro empresa e sua relevância social, econômica e jurídica: lei complementar 123, de 14 de dezembro de 2006 / Silvio José Ferreira -- Marília: UNIMAR, 2011. 114p.

Dissertação (Mestrado em Direito) -- Curso de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2011.

1. Micro empresa 2. Função Social 3.Contratos I. Ferreira, Silvio José

CDD – 343.233

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Aprovado pela Banca Examinadora em 27/05/2011.

Orientadora Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Universidade de Marília

Professora Doutora Adriana Migliorini Kieckhöfer Universidade Federal da Bahia

Professor Doutor Lourival José de Oliveira Universidade de Marília

SILVIO JOSÉ FERREIRA

MICROEMPRESA E SUA RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔMICA E JURÍDICA:

LEI COMPLEMENTAR 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília -

UNIMAR, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a

orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

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DDDDedico este trabalho a todos que direta e indiretamente contribuíram para a sua realização.

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AGRADECIMENTOS

AAAAgradeço a Deus que me deu a oportunidade de realizar esse trabalho em condições de plena saúde física e mental.

AAAAo meu pai, José Lauriano Ferreira que me mostrou o caminho a seguir e a minha mãe Elizabeth Isabel Ferreira, que me ensinou as primeiras linhas do conhecimento.

AAAAo Professor Rodrigo Otávio Torres Pereira, que no distante ano de 1976 me ensinou as primeiras linhas do Direito.

ÀÀÀÀ minha família e especialmente a minha esposa, Viviane Patrícia Valenga, que trilhou, lado a lado comigo, o longo caminho percorrido na consecução desse objetivo.

AAAAos meus filhos, Flávia, Rodrigo, Ana Clara, Ana Silvia, Ana Julia e José Gustavo pela torcida e apoio.

AAAAo Coordenador do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná -Unopar, Campus Bandeirantes, Diomar Francisco Mazzutti, pelo apoio incondicional na realização do Mestrado.

ÀÀÀÀ Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro que durante esses anos esteve sempre ao meu lado.

EEEE especialmente à Professora Doutora Jussara Suzy Assis Borges Nasser Ferreira que com seu brilhantismo e vasta cultura me proporcionou uma privilegiada visão do mundo do Direito.

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FERREIRA, Silvio José. Microempresa sua relevância social, econômica e jurídica: lei complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. 2011. 114 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011.

RESUMO

A presente pesquisa analisará a atividade das denominadas Microempresas. O tema da pesquisa revela-se oportuno considerando que a atividade econômica no âmbito da Microempresa mostra-se como a legítima expressão do exercício da função social da empresa. Consubstanciando materialmente a síntese dos fundamentos da República e da Ordem Econômica, que elege o valor do trabalho humano e da livre iniciativa como seus pilares no qual se estrutura a atual sociedade de consumo. Por isso, faz-se necessária a investigação das prerrogativas entregues ao seguimento empresarial num todo e particularmente às Microempresas. Tem-se como paradigma a evolução das atividades econômicas no sentido da humanização das formas de produção, distribuição e comercialização com a superação da era do industrialismo, caracterizado pela produção em massa dos produtos e impessoalidade das relações. Da mesma forma, apresentam-se as Microempresas como a alternativa que melhor atende às exigências econômicas e sociais com vistas à dignificação da pessoa humana, trabalhadora e consumidora. Para o cumprimento dessa missão considera-se imprescindível o conhecimento do tratamento diferenciado e favorecido dispensado às Microempresas, orientado pela simplificação dos procedimentos, estimulo à inovação e opcionalmente um regime tributário denominado Simples Nacional como forma de recolhimento unificado e simplificado. Verifica-se também a nova ordem contratual, com o objetivo de correlacionar a exigência do exercício de uma função social dos contratos, de modo a concretizar a função social da empresa. Analisar-se-á também a exigência de uma nova hermenêutica jurídica no atual sistema orientado por normas jurídicas, compostas de Princípios e regras com vistas à abertura do sistema jurídico, onde o objeto da relação contratual desloca-se da coisa contratada para os sujeitos contratantes. Tratamento indispensável para que as Microempresas contratantes recebam o tratamento legalmente previsto e necessário à consecução de sua missão institucional no sistema econômico da livre iniciativa.

Palavras-chave: Microempresa. Função Social. Contratos.

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FERREIRA, Silvio José. Small business and its social, economic and legal relevance: complementary law 123, December 14th, 2006. 2011. 114 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília, 2011.

ABSTRACT

The present research will analyze business activity named Small Business. The research theme is appropriate, considering that economic activity within the Small Business shows itself as the legitimate expression of social function of the enterprise. Consolidating the synthesis of the material foundations of Republic and Economic Order, in which elects the human’s work value and free enterprise as its pillars on it structure the current consumer society. Because of this, it’s necessary to investigate the prerogatives delivered to the business segment in all and especially to the Small Business, in order to implement a market economy. It has the paradigm like the evolution of economic activities, in a sense of humanization of the forms of production, distribution and commercialization with the superation of the industrialism era, characterized by mass production of goods and impersonal relationships. In the same way, it showed the Small Business as the alternative that better frames economic and social demands in order to dignify the Human Person, worker and consumer. To execution this mission it has as necessary the differential treatment and favored Small Business targeted by simplification of procedures, stimulating the innovation adopting a national tributary system called Simples Nacional, it’s a form of disposal unified and simplified. There is also a new order contract, with the objective of correlating the requirement of the exercise of the social function of the contracts, like a form of achieving the social function of the enterprise. It will study also the requirement for a new legal interpretation in the current system driven by rules of law, composed of Principles and rules with a view to opening up the legal system, where the object of the contractual relation moves from the contracted thing to the covenanter subject. Treatment indispensable for the Small Business covenanters receive the treatment expected and legally required to achieve its institutional mission in the economic system of free enterprise.

Keywords: Small business. Social function. Contracts.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDC Código Brasileiro de Defesa do Consumidor

DNRC Departamento Nacional de Registro no Comércio

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEBT Incubadora de Empresas de Base Tecnológica

ITCP Incubadora Tecnológica de Cooperativas

LC Lei Complementar

MEI Micro Empreendedor Individual

MPEs Micro e Pequenas Empresas

ORTN Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional

PeMe Pequena e Média Empresa

STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

1 A MICROEMPRESA NO ÂMBITO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS

E DO DIREITO EMPRESARIAL ........................................................................ 12

1.1 O TRABALHADOR EMPREGADO ...................................................................... 14

1.2 O TRABALHADOR EMPREENDEDOR .............................................................. 15

1.3 O EMPREENDEDOR EMPRESÁRIO ................................................................... 18

1.3.1 Contorno Histórico ................................................................................................... 18

1.3.2 Tratamento Constitucional da Atividade Econômica Empresarial .......................... 24

1.3.3 O Tratamento Infraconstitucional das Atividades Econômicas no Âmbito da

Empresa .................................................................................................................... 28

1.3.3.1 Limitação da responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais ................. 33

1.3.3.2 Possibilidade de usufruir da recuperação judicial ou extrajudicial .......................... 36

1.3.4 Função Social da Propriedade Empresarial ............................................................. 42

2 A MICROEMPRESA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

SOCIAL .................................................................................................................. 48

2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DE MICROEMPRESA .......... 52

2.2 EVOLUÇÃO DA MICROEMPRESA .................................................................... 59

2.2.1 O Desenvolvimento das Atividades Econômicas Materiais .................................... 59

2.2.2 Desenvolvimento Institucional do Regramento das Atividades Econômicas .......... 61

2.3 FORMAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO

E FAVORECIDO .................................................................................................... 65

2.3.1 Quanto a Inscrição e Baixa ...................................................................................... 66

2.4 DAS DEMAIS FORMAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO ...................... 67

2.5 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O ESTÍMULO À INOVAÇÃO......... 67

2.6 ANÁLISE DO REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO

DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES – SIMPLES NACIONAL ........................ 71

3 RELAÇÕES CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA MICROEMPRESA ........... 76

3.1 CORRELAÇÕES DA HUMANIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

COM A MICROEMPRESA CONTRATANTE ..................................................... 79

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3.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DISCIPLINA DOS

CONTRATOS .......................................................................................................... 91

3.3 A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS NA NOVA

ORDEM JURÍDICA DO DIREITO PRIVADO ESTABELECIDA NO

CÓDIGO CIVIL 2002 ............................................................................................. 96

3.3.1 A Utilização da Tópica na Interpretação e Aplicação do Direito .......................... 102

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 107

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi realizado em consonância com a linha de pesquisa do

programa de Mestrado da Universidade de Marília, que conjuga o desenvolvimento por meio

dos empreendimentos econômicos com vistas à realização das mudanças imprescindíveis à

sociedade como um todo.

A pretensão dessa pesquisa é verificar, no primeiro capítulo, o tratamento jurídico

dispensado ao trabalho, organizado ou não, sob a forma de empresa, nos termos da legislação

nacional constitucional e infraconstitucional.

A pesquisa verificará o tratamento jurídico dentro do direito privado preteritamente

denominado direito comercial, hoje, direito empresarial, e a identificação do surgimento do

tratamento jurídico diferenciado a esse seguimento no ordenamento jurídico pátrio.

Considerando a adoção pela Lei 10.406/2002, Código Civil, da Teoria da Empresa, e

as consequências quanto à responsabilidade dos sócios e o processo de falência e recuperação

da empresa em crise econômica ou financeira estabelecido pela Lei 11.101/2005.

O trabalho de pesquisa buscará, a priori, identificar por meio de pesquisa

bibliográfica e dos meios disponíveis na rede mundial de computadores, Internet, utilizando-

se do método de pesquisa dialético dedutivo, consubstanciando o disposto no texto

constitucional, que estabelece como fundamento da República e da Ordem Econômica, o

valor do trabalho humano, juntamente com a livre iniciativa.

Em seguida, ou seja, no segundo capítulo será observada a contribuição das

Microempresas, nos termos da legislação constitucional e infraconstitucional,

contextualizando-a no cenário jurídico, econômico e social como fonte geradora de renda,

desenvolvimento e inovação tecnológica, com vistas à concretização da determinação do

artigo 179 da Constituição Federal, por meio do tratamento jurídico diferenciado nas suas

obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, com a análise da Lei

complementar nº 123/2006.

Será também estabelecido, legal e doutrinariamente, o conceito da Microempresa,

sua evolução histórica, justificadora do tratamento diferenciado e aspectos relevantes quanto o

estimulo à inovação tecnológica, assim como o tratamento jurídico tributário dispensado a ela.

O terceiro capítulo elege como objetivo a demonstração das implicações do hodierno

tratamento dispensado à disciplina dos contratos, no âmbito das Microempresas,

estabelecendo a correlação entre a função social do contrato e a função social da empresa. A

propósito, realizar-se-á também detida análise da humanização das relações contratuais com

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vistas à dignificação da pessoa humana contratante e suas consequências no âmbito da

Microempresa.

Ainda no terceiro capítulo se abordará a forma de concretização da humanização e

funcionalização dos contratos e a hermenêutica jurídica lastreada na abertura do sistema

jurídico com o estabelecimento de cláusulas gerais numa concepção calcada na boa fé

objetiva.

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1 A MICROEMPRESA NO ÂMBITO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E DO

DIREITO EMPRESARIAL

A Microempresa tem seu conceito legal estampado na Lei Complementar nº. 123 de

14 de dezembro de 2006. Compreendem desse modo, as atividades econômicas desenvolvidas

independentemente do cumprimento do requisito da empresarialidade nos termos do artigo

966 da Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro.

Nestes termos deve-se esclarecer que o tratamento jurídico dispensado à

Microempresa será objeto de análise detalhada no capítulo seguinte, cumprindo observar

inicialmente as várias atividades economicamente desenvolvidas.

Deve-se ter em vista, também, a Microempresa como espécie do gênero empresa que

por sua vez é espécie do gênero trabalho humano; e que, portanto deve ser valorizado, com o

objetivo de realizar a justiça social, nos termos do caput do artigo 170 da Constituição Federal

de 1988.

Segundo Rubens Requião: “Existem, como é fácil compreender dos estudos já feitos,

várias espécies de empresas. Tradicionalmente a classificação envolvia dois grandes grupos:

as empresas comerciais e as empresas civis, e secundariamente, as empresas públicas”1.

Acrescenta-se a este rol a subdivisão entre empresas comerciais, ou empresariais,

pelo critério quantitativo, com relação ao faturamento, em empresas, Microempresas,

pequenas empresas, médias e grandes.

A utilização do método indutivo nesta fase do trabalho de pesquisa justifica-se

considerando a previsão constitucional, acima mencionada, da valorização do trabalho

humano, em todas as suas formas, juntamente com a livre iniciativa.

Bulgarelli endossa a utilização de tal metodologia, nestes termos:

Destinado a reger as relações econômicas decorrentes do mercado, tendo um substrato econômico acentuado, o direito comercial se apresenta com características que o distanciam do direito civil, que é o ramo que com ele comparte o âmbito das relações do direito privado. [...] Inicialmente, apresenta-se o direito comercial com um método próprio e característico, ou seja, o método indutivo, que parte da observação da realidade (fatos econômicos), chegando por via dela aos princípios gerais, [...].2 [grifo do autor].

1 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27.ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p.61. 2 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed.São Paulo: Atlas, 2001, p.16.

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Traçam-se inicialmente as espécies de trabalho humano com vistas à obtenção de

renda, distinguindo as formas de trabalho pelo grau de subordinação assim como o tratamento

jurídico dispensado a cada forma dentro de um contexto histórico evolutivo, com o objetivo

de enquadrar a atividade econômica da Microempresa.

Como se verifica, historicamente, o homem nunca prescindiu do trabalho como

alavanca para o desenvolvimento pessoal ou social.

Independente do sistema econômico de regência, a livre iniciativa ou o dirigismo

estatal a marcha para a valorização da pessoa, a humanização dos processos sempre teve o

trabalho humano como ferramenta fundamental.

Observa-se que desde a fase pré-industrial do duro trabalho nos campos, algumas

pessoas demonstraram vocação para a direção das atividades enquanto outros por condições

diversas assumiram a posição de prestação de serviços subordinados.

Huberman, assim assinala a composição da sociedade e a relação de trabalho feudal:

[...] Também alguém tinha que fornecer a alimentação e vestuário para os clérigos e padres que pregavam, enquanto os cavaleiros lutavam. Além desses pregadores e lutadores existia na Idade Média, um outro grupo: os trabalhadores. A sociedade feudal consistia dessas três classes – sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendo o homem que trabalhava produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar. [...] Qual era a espécie de trabalho? Nas fábricas ou usinas? Não, simplesmente porque ainda não existiam. Era o trabalho na terra, cultivando o grão ou guardando o rebanho para utilizar a lã no vestuário. Era o trabalho agrícola, mas tão diferente de hoje que dificilmente o reconheceríamos.3

Trabalho que hodiernamente distingue-se de emprego, segundo Delgado:

A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego. [...] A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação.4

Estabelecem-se dessa forma relações de direção e subordinação, independentemente

de considerações quanto à justiça ou injustiça existentes nestas relações, alguns se sentem

3 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Tradução de Waltensir Dutra. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986, p.3. 4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p.285.

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mais confortáveis na segurança, na estabilidade, na previsibilidade do recebimento dos

salários mensalmente, enquanto outros por vocação ou herança familiar arriscam-se nos

pequenos e grandes empreendimentos, contados com escassos ou abundantes recursos,

planejam, organizam, e dirigem grandes ou pequenos negócios.

Uns e outros contribuem para o desenvolvimento e valorização da livre iniciativa, e

financiam sistemas previdenciários, sistemas de saúde públicos e privados, serviços sociais e

produzem, circulam os bens e serviços essenciais a toda sociedade.

Distinguem-se estes atores do cenário econômico pela forma de exercício da

atividade, como se verificará detalhadamente, mas se assemelham quanto aos objetos

perseguidos, sobrevivência digna ou acumulação de riqueza.

1.1 O TRABALHADOR EMPREGADO

A figura do trabalhador empregado distingue-se dos demais trabalhadores, por

exercer sua atividade econômica por conta de outrem.

Prestam serviços subordinado, sob a direção do empregador, importante anotar que o

trabalho exercido pelo trabalhador empregado tem como característica os seguintes aspectos,

trabalho prestado por pessoa física, de forma continua, com subordinação e pessoalidade,

mediante o pagamento de salário. Segundo Nascimento: “Concluindo, empregado é pessoa

física que presta pessoalmente a outro serviço não eventual, subordinado e assalariado”5.

Neste diapasão, se constata que a atividade do trabalhador empregado não se

confunde com a atividade econômica do empreendedor, que na busca da renda essencial à sua

sobrevivência, determinados tipos de pessoas, colocam suas habilidades pessoais a serviço de

outra.

Importante salientar que o que motiva a pessoa a prestar trabalho subordinado é de

natureza diversificada, mas essencialmente pode-se citar a ausência de capital próprio, ou o

desinteresse pelo risco, inerente à atividade empresarial.

Ainda a procura dos benefícios de uma contratação com carteira assinada e os

benefícios trazidos pela relação de emprego, tais como salário creditado em conta em dia

previamente determinado, depósitos no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),

contribuição previdenciária, férias remuneradas, 13º. Salário e outros benefícios.

Percebe-se, portanto que o trabalhador empregado não possui as características

5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.166.

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essenciais ao empreendedor, ou seja, iniciativa, criatividade, capacidade de correr riscos e

ambição por dominação de mercados e busca de satisfação por motivos de ordem pessoal ou

familiar.

1.2 O TRABALHADOR EMPREENDEDOR

Diferentemente do trabalhador empregado, outras pessoas procuram gerar renda por

conta própria, sem constituir empresa, não se enquadrando no caput artigo 966, da Lei 10.406

de 2002 do Código Civil.

Considerando faltar o requisito do desenvolvimento da atividade com

profissionalismo, caracterizado segundo Martins, “[...] necessário é que pratique os atos de

sua atividade em caráter profissional, isto é, habitual e repetidamente”6[grifo do autor].

O Estatuto Nacional da Microempresa, Lei Complementar nº. 123 de 2006, no § 1º

do artigo 18-A, de forma inovadora traz a lume a figura do Microempreendedor Individual,

identificado pela sigla MEI, estabelecendo sua conceituação nestes termos:

Artigo 18-A. [...]. § 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.7

Encontra-se nesta categoria o trabalhador que por vocação pessoal ou familiar,

possui habilidades para exercer uma atividade econômica por sua conta e risco, situa-se de

forma intermediaria entre o trabalhador empregado e o empreendedor empresário, que em

tempos recentes enquadrava-se como trabalhador informal.

O MEI não dispõe de capital ou faturamento suficiente para estabelecer-se e

concorrer no mercado cumprindo todas as exigências legais previstas no ordenamento

Jurídico empresarial e tributário.

Note-se que este MEI mesmo não tendo personalidade jurídica distinta da pessoa

física, exerce funções econômicas e sociais relevantes.

6 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, micro empresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.85. 7 VIEIRA, Jair Lot. Supersimples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.44.

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Visto que na cadeia de produção e consumo situa-se como elo final entre o

consumidor, o produtor o distribuidor, não exigindo investimentos públicos no

desenvolvimento de sua atividade econômica.

Abarcando entre suas atividades o sapateiro, o moto taxista, a cozinheira, o digitador,

o eletricista, o encanador, e muitas outras de caráter artesanal.

Gonçalves Neto acrescenta que o MEI, tem outras prerrogativas nestes termos:

Além de todas as prerrogativas que o Estatuto Nacional de Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte oferece aos seus destinatários em geral, os pequenos empresários, designados de empreendedores individuais, são conferidas estas três especificas (LC 123:2006, art. 26, §1.º): a) o direito de optar pelo fornecimento de nota fiscal avulsa obtida nas Secretárias da Fazenda ou Finanças do Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios; b) a faculdade de fazer a comprovação de sua receita bruta pela apresentação do registro de vendas independentemente de documento fiscal de venda ou prestação de serviços, ou escrituração simplificada das receitas, conforme instruções expedidas pelo Comitê Gestor; c) a permissão de não emitir documento fiscal, previsto na letra a se requerer nota fiscal gratuita na Secretaria da Fazenda municipal ou adotar formulário de escrituração simplificada das receitas nos municípios que não utilizarem o sistema de nota fiscal gratuita, conforme instruções do Comitê Gestor.8 [grifo do autor].

Todos esses trabalhadores gozam de isenção de taxas de registro e inscrição,

dispondo na Internet de portal, o Portal do Empreendedor, através do qual pode regularizar

sua atividade, de forma desburocratizada e com custos baixos, de acordo com a Lei

Complementar nº 123, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar 128 de 19 de

dezembro de 2008, que dispõe no art. 18-A, § 3º:

Art. 18-A. [...] V - o Microempreendedor Individual recolherá, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, valor fixo mensal correspondente à soma das seguintes parcelas: a) R$ 45,65 (quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos), a título da contribuição prevista no inciso IV deste parágrafo; b) R$ 1,00 (um real), a título do imposto referido no inciso VII do caput do art. 13 desta Lei Complementar, caso seja contribuinte do ICMS; e c) R$ 5,00 (cinco reais), a título do imposto referido no inciso VIII do caput do art. 13 desta Lei Complementar, caso seja contribuinte do ISS; [...].9

8 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa:comentários aos artigos 966 a 1.195 do código civil.2.ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.82. 9 VIEIRA, Jair Lot. Supersimples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.45.

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Ainda, é digno de nota salientar que num cenário de economia onde os empregos

formais são escassos destinados os trabalhadores de muita ou pouquíssima formação

profissional a quem cumpre a tarefa de gerar sua própria fonte de renda, não exclusivamente e

a si, mas também às de seus familiares.

A lei facultou a possibilidade de contratação de um colaborador, estabelecendo a

citada lei complementar no artigo 18-C que o empresário individual pode se enquadrar na

categoria mesmo que possua um único empregado que receba exclusivamente 1 (um) salário

mínimo ou o piso salarial da categoria profissional

Com a aprovação da Lei Complementar nº. 128/2008 completou-se um ciclo de

inovações legislativas com a finalidade de aprimorar os avanços representados pela Lei

Complementar nº. 123/2006, assim como permitir a inserção no mercado formal um universo

de trabalhadores informais estimados em 10 milhões de trabalhadores, segundo noticia o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Brasil tem mais de 10 milhões de Empresas na informalidade. A economia informal gerou, em 2003, R$ 17,6 bilhões de receita e ocupou um quarto dos trabalhadores não-agrícolas do País. Em outubro de 2003, existiam no Brasil 10.525.954 pequenas empresas não agrícolas, das quais 98%, ou seja, 10.335.962 pertenciam ao setor informal e ocupavam 13.860.868 pessoas. Em relação à pesquisa anterior, de 1997, houve crescimento de 10% no número de pequenas empresas, enquanto o número de empresas do setor informal cresceu 9%, o que indica um pequeno aumento na formalização. O aumento dos postos de trabalho nas empresas informais foi de cerca de 8% no mesmo período. Entre as unidades da federação, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul concentravam, juntas, 57,6% das empresas do setor informal de todo o País. Os dados são da pesquisa de Economia Informal Urbana- ECINF 2003, realizada pelo IBGE em parceria com o Sebrae, que traz também informações sobre as características e aspectos financeiros dos empreendimentos, indicadores de formalização e acesso ao crédito, além de avaliação de desempenho e perspectivas.10[grifo do autor].

Compulsando os dados acima se verifica que a criação da categoria do

Microempreendedor individual, vem de encontro às necessidades sociais e econômicas,

proporcionando melhorias na qualidade de vida dos brasileiros, retirando essa categoria de

trabalhadores da informalidade, e indiretamente proporcionando um aumento nas

10 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Brasil tem mais de 10 milhões de empresas na informalidade. Sala de Imprensa, Economia Informal Urbana 2003, Comunicação Social, 19 maio 2005, p.1. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia =366&id_pagina=1>. Acesso em: 22 fev. 2011.

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18

contribuições da Previdência Social.

1.3 O EMPREENDEDOR EMPRESÁRIO

Na esteira do delineamento do trabalho humano no desenvolvimento de atividades

econômicas com a finalidade de obtenção de renda, cabe agora distinguir os exercentes da

empresa de acordo com o grau da receita auferida.

Aos quais se confere tratamento jurídico diferenciado e prerrogativas de limitação de

responsabilidade pelas obrigações sociais, divide-se, no presente trabalho, como categoria

distintas de trabalhadores havendo, assim a figura do empregado e do empreendedor, sendo

este segundo a pessoa do empreendedor empresário.

1.3.1 Contorno Histórico

O moderno conceito de empresa e o tratamento jurídico atualmente dispensado

fazem parte de um processo histórico que se viu, assim delineados por Bulgarelli, citando o

Professor Oscar Barreto:

1 – o período do corporativismo, que vai do Século XII ao Século XVI; 2 – o período do mercantilismo, que abrange os Séculos XVII e XVIII; 3 – o período do liberalismo, correspondente ao Século XIX; e 4 – o período do intervencionismo estatal, a partir da guerra de 1914-1918, [...].11

Com efeito, deve-se mencionar a criação de institutos jurídicos que atéos dias atuais

fazem parte da vida empresarial como os títulos de crédito e a formas de constituição de

sociedades, como a Sociedade em comandita simples e por ações recepcionadas pelo Código

Civil 2002,

Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.12

11 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed. São Paulo:Atlas, 2001, p.26. 12 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.10.

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19

É digno de nota que o incremento das atividades comerciais tomou tal dimensão que

possibilitou a reunião da classe dos comerciantes em corporações, as Corporações do Oficio,

na Idade Media, com a criação de leis próprias e jurisdição particular. Neste sentido, destaca

Fábio Ulhoa Coelho que:

A partir da segunda metade do século XII, com os comerciantes e artesãos se reunindo em corporações de artes e ofícios, inicia-se o primeiro período histórico do direito comercial. Nele, as corporações de comerciantes constituem jurisdições próprias cujas decisões eram fundamentadas principalmente nos usos e costumes praticados por seus membros.13

Igualmente, Bruno Mattos Silva leciona que:

Quem fazia parte de uma corporação tinha determinados privilégios. O principal privilégio das corporações e de seus membros era o do monopólio: só quem fosse membro de determinada corporação poderia exercer a atividade econômica que dela era privativa. A existência de privilégios pessoais fazia parte da cultura medieval e eles foram naturalmente incorporados às práticas mercantis.14

A atividade econômica do período medieval organizada em Corporações de Oficio

contribuiu para o desenvolvimento do direito empresarial visto que tendo como base o

costume do tráfego do negócio imprimiu a dinâmica requisitada no trato das questões

econômicas. Deixando como contribuição a aferição da boa-fé objetiva, plasmada no artigo

242 do BGB, que será abordada na terceira seção deste trabalho.

No mais, a extinção das corporações de oficio foi um processo e conforme delineado

por Bulgarelli:

É verdade que, já em 1776, na França, Turgot havia suprimido os privilégios monopólios e poderes das corporações de comércio, artes e indústrias, tornando livre o exercício do comércio, arte ou profissão mesmo aos estrangeiros, mas subsistiram, entretanto, seis corps de marchands e quarenta e seis comunidades de artes e ofícios, o que veio a terminar definitivamente em 1791, com a Lei Chapelier, que aboliu na França qualquer associação profissional, proclamando a liberdade de trabalho e de comércio.15 [grifo do autor].

13 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.12-13. 14 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.13. 15 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed.São Paulo:Atlas, 2001, p.36.

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20

No período subsequente, o Mercantilismo, que pode ser avaliado como, a primeira

expressão de globalização econômica, e o desenvolvimento do capitalismo, tem seus

contornos assim delineados por Hugon:

Chama-se ‘mercantilismo’ o conjunto de idéias e práticas econômicas que floresceram na Europa, entre 1450 e 1750. O exame dos fatos é indispensável à boa compreensão da evolução do pensamento econômico no decurso desses três séculos. [...] À vida econômica rasga-se, então, o horizonte universal. Os metais preciosos do novo mundo se afluem para a Europa, deslocando rapidamente o eixo econômico mundial. Os grandes centros comerciais marítimos, localizados até então no Mediterrâneo, desenvolvem-se agora também no Atlântico e no mar do Norte: é o inicio da prosperidade em Londres, Amsterdã, Bordèus e Lisboa.16

O pensamento mercantilista ruiu visto os resultados sociais e políticos negativos,

deixando um amplo legado, passando pela Escola Fisiocrata, como expressão de um

pensamento mais racional, preparando as bases para a doutrina liberal e individualista,

substituindo o pensamento empírico até então base da economia.

O liberalismo favorece a criação do Estado moderno, segundo leciona Tavares:

O liberalismo, como doutrina filosófica e política, originou-se com as restrições do poder feudal e monárquico, ocorridas já desde o século XV, consolidando-se, contudo, apenas na segunda metade do século XVIII, época das chamadas ‘revoluções liberais’, com a formação dos Estados democráticos liberais, baseados na idéia de liberdade.17

Neste sentido, os novos valores ditados pela Revolução Industrial, conceitos

econômicos, juntamente com a Revolução Francesa, conceitos políticos, como, Liberdade,

Igualdade, não poderiam conviver com a existência de uma classe especial, superior, como a

organizada pelos comerciantes. Assim destacados por Bulgarelli:

Com as transformações ocorridas durante o século XVIII, que marcam o aparecimento do liberalismo na economia, conseqüência da revolução industrial inglesa, e na política, com a vitória da revolução francesa, surgem novas concepções, sobretudo de liberdade e igualdade. São negados assim os privilégios de classes atingindo os comerciantes e suas corporações uma vez que se estende a todos o direito de livremente produzir e comerciar.18 [grifo do autor].

16 HUGOM, Paulo. Histórias das doutrinas econômicas. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1974, p.60, 66. 17 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.49. 18 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.35.

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21

Coube ao Código Comercial Napoleônico, como destaca Fran Martins, “[...] foi,

ainda, na França que apareceu o primeiro Código Comercial, promulgado por Napoleão em

15 de setembro de 1807, para entrar em vigor a partir de 1º. de janeiro de 1808”19, a encontrar

a solução que compusesse os interesses dos comerciantes a os ideais da Revolução, com a

criação da Teoria dos Atos do Comércio, onde o tratamento diferenciado não tinha mais um

caráter subjetivo, mas um caráter objetivo, representada pela listagem das atividades

consideradas mercantis.

Registre-se que no Brasil com o advento da chegada da família real e toda a corte

exigiu a superação do tratamento jurídico dispensado pelas Ordenações Portuguesas, como

leciona Gladston Mamede,

No Brasil, a produção e o comércio são regidos, inicialmente pelas Ordenações Portuguesas, designadamente pelas ordenações Filipinas, que passaram a viger no princípio do século XVII (1603) e somente deixaram de se aplicar às atividades mercantis com a edição do Código Comercial, em 1850, quando era Imperador D. Pedro II.20

No mesmo sentido, evoluindo, na lição de Waldirio Bulgarelli:

O primeiro período, que corresponde ao da formação da nação brasileira, com a chegada da família real, recebe a profunda influencia de José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, considerado o fundador do direito comercial no Brasil, autor da obra Princípios do Direito Mercantil e Leis da Marinha, que inspirou D. João o ato de abertura de nossos portos, através da Carta Régia de 28 de Março de 1808, [...].21 [grifo do autor].

Dentro desse processo histórico surge o Código Comercial de 1850, lastreado na

Teoria dos Atos do Comércio.

O Código Comercial de 1850 teve sua vigência, até a edição da Lei 10.406 de 2002,

Código Civil 2002, ressalvado por exigência do desenvolvimento das atividades mercantis,

teve mitigado em vários aspectos a Teoria dos Atos do Comércio, restando ainda do pretérito

dispositivo algumas normas do Direito Marítimo.

Fazendo-se relevante citar a contribuição de Asquini, nestes termos trazida por

Tomazette:

19 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 29. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.10. 20 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.3. 21 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.38.

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Defrontando-se com o novo Código Civil Italiano, Asquini deparou-se com a inexistência de um conceito de empresa, e analisando o diploma legal chegou à conclusão de que haveria uma diversidade de perfis no conceito. Para ele, ‘o conceito de empresa é o conceito de um fenômeno jurídico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que ali concorrem’. [...] O primeiro perfil da empresa identificado por Asquini foi o perfil subjetivo pelo qual a empresa se identificaria com o empresário, [...]. Asquini também identifica na empresa um perfil funcional, identificando-a com a atividade empresarial: a empresa seria aquela ‘particular força em movimento que é atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo.’ [...] Haveria ainda o perfil objetivo ou patrimonial que identificaria a empresa com o conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, distinto do patrimônio remanescente nas mãos da empresa, [...]. Por derradeiro, haveria um perfil corporativo, pelo qual a empresa seria a instituição que reúne o empresário e seus colaboradores, será ‘aquela especial organização de pessoas’ que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviços, [...].22

Rubens Requião, citando Ferrara, esclarece que:

[...] chegando Ferrara à conclusão de que a empresa supõe uma organização por meio da qual se exercita a atividade; todavia, o conceito de empresa não tem para ele, na realidade, relevância jurídica, pois ‘os efeitos da empresa não são senão efeitos a cargos do sujeito que a exercita’, isto é, do empresário.23

A doutrina liberal, como rompimento de um sistema plasmado pela intolerância e

submissão do cidadão à condição de súdito no regime absolutista, representou um avanço

notável em todos os setores na política, na economia, com um notável desenvolvimento

tecnológico.No entanto não foi isento as críticas, especialmente acerca do desemprego e da

questão monetária.

André Ramos Tavares acertadamente anota: “É certo que o estado liberal clássico

entrou em declínio, porque práticas intervencionistas passaram a ser adotadas, consideradas

não só necessárias, mas igualmente legitimas.”24

Ivo Dantas citando a monografia de Toshio Mukai analisa a passagem do liberalismo

econômico ao Intervencionismo nos seguintes termos:

[...] ao estudar a passagem do Estado de Direito ao Estado Social de Direito,

22 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.17. 23 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27.ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p.56. 24 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.53.

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‘esses Estado sofre mudanças na sua concepção, em razão de três causas fundamentais, que entre outras são apontadas: as revoluções sociais na Europa)soviética de 1917, a italiana de 1923 e a alemã de 1933), a 2ª Revolução Industrial que acelera a produção de bens e serviços e o novo conceito de finanças públicas, que aumentaria enormemente o patrimônio do Estado. Além disso, as duas grandes guerras exerceram enorme influencia nessa transformação assim como o colapso econômico de 1929 que dos EE.UU atingiu a todos os países, exceto Japão e a Rússia. [...] Essa nova realidade, que clama pela atuação do Estado para, principalmente, disciplinar a vida econômica em face do gigantismo dos monopólios, é agasalhada pelo Direito Constitucional dos países do Ocidente’.25

Faz-se necessário registrar que o movimento de reliberalização da economia e, por

conseguinte do tratamento jurídico da atividade econômica encontra-se em pleno curso.

Considerando, que o sistema econômico capitalista que durante um século resolveu o

problema econômico e social de forma hegemônica, viu-se obrigado a conceder

pontualmente, durante os anos do período da guerra fria, da luta contra o “perigo vermelho”,

privilégios ao chamado Estado do bem estar social.

Acredita-se que com o esfacelamento do regime socialista representado pela queda

do muro de Berlin no ano de 1989, voltem-se às relações sociais, que agora são representados

por contratos.

Com efeito, mostra-se diferente do momento histórico em que vigia o liberalismo

político, com predominância da autonomia da vontade, nominada também de autonomia

privada nos países periféricos, como é o caso do Brasil e outros países da América Latina.

Fábio Ulhoa Coelho contextualizando este momento histórico pronuncia-se afirmando que:

O fracasso da experiência planificadora, nos países soviéticos simbolizada pela queda do Muro de Berlin, na noite de 9 de novembro de 1989, revela que o projeto marxista tem algo de falho.[...] mas a demonstração eloqüente, naquele significativo fato histórico, da incapacidade de o homem planificar totalmente a economia.[...] O definitivo, em relação à extraordinariamente rápida desarticulação das economias planificadas européias na última década do século XX, e a atual incapacitação científica do homem para lidar com as questões humanas, e parece ser o questionamento da possibilidade mesma de um projeto científico de organização social.26

Verificado que o sistema econômico da livre iniciativa, capitalista, vigora

independente da organização política, democrática ou totalitária, o ordenamento jurídico

nacional não poderia mais prescindir da adoção da Teoria da Empresa.

25 DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico. Curitiba: Juruá, 2004, p.37. 26 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.4.

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24

Assim houve a unificação do tratamento das matérias obrigacionais, rompendo

institucionalmente com a ultrapassada teoria dos atos de comércio, considerando que no

âmbito das relações econômicas na prática empresarial tal teoria já estava a muito superada.

Feita a ressalva tem-se que desta formas e estabeleceram os fundamentos para a

intervenção do Estado na atividade econômica.Posteriormente positivada de forma expressa

no caput do artigo 173 da Constituição de 1988, limitando a intervenção conforme se analisa a

seguir.

1.3.2 Tratamento Constitucional da Atividade Econômica Empresarial

Os primeiros textos constitucionais prescindiam da preocupação de estampar o

tratamento constitucional da atividade econômica, visto a predominância do pensamento

liberal, no qual caberia ao Estado exclusivamente as funções básicas relacionadas aos

aspectos sociais, garantindo a liberdade de iniciativa no âmbito das relações econômicas.

Segundo Tavares:

Desde a origem do constitucionalismo, como é conhecido atualmente, até o começo do século XX, não se preocupavam as Constituições, no mundo, em seu conjunto normativo, em disciplinar a vida econômica. Os documentos constitucionais eram compreendidos, até então, como receptáculos da ordem política, ocupando-se, praticamente, apenas dos direitos individuais fundamentais e da organização política do Estado.27

Registre-se que a constitucionalização da atividade econômica, dentro de um quadro

em que o pensamento socialista que tomava corpo, tendo-se em vista o exaurimento do

modelo capitalista que predominava a mais de um século.

Tratando do tema Tavares ainda leciona que:

É indicada pela quase-unanimidade dos estudiosos, a Constituição mexicana de 1917, como tendo inovado nos quadrantes do constitucionalismo vigente ao dispor acerca da organização da atividade econômica. Costuma ser citada como marco na valorização da ordem econômica, como aponta José Afonso da Silva, ao afirmar que: ‘A ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-la juridicamente, o que teve inicio com a Constituição Mexicana de 1917.’ 28

27 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.89. 28 Idem, Ibid., p.90.

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No Brasil apesar da inserção formal desde a constituição de 1934, do título, “Da

Ordem Econômica e Social”, e das menções desde a constituição do Império de 1822 da

preocupação com o problema econômico teve, somente no texto constitucional de 1988,

utilizado a expressão ordem econômica e financeira.

Conforme leciona Moraes, o legislador constituinte de 1988, “[...] em seu artigo 170,

optou pelo modelo capitalista de produção, também conhecido como economia de mercado

(art. 219), cujo coração é a livre iniciativa.”29

Devendo-se consignar que o novo capitalismo apresenta-se com cores diferentes do

capitalismo clássico onde “laissez faire, laissez passe”, conforma-se aos ditames da justiça

social e os valores sociais do trabalho, como bem traduz o caput do artigo 170 da Constituição

Federal de 1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano

e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

dajustiça social, observados os seguintes princípios: [...].”30

O eminente José Afonso da Silva ensina que a livre iniciativa significa liberdade de

desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto,

possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo

mesmo.31

Percebe-se que há liberdade no mercado, seja para o exercício de atividades

econômicas, seja na disputa para se alcançar melhor espaço nesse meio, sendo tal liberdade,

nas palavras de Barbieri Filho, “[...] elemento fundamental para o democrático

desenvolvimento da estrutura econômica, [...] pedra de toque das liberdades públicas no setor

econômico.”32

Diante disso, constata-se que após o advento da Constituição Federal de 1988, a

empresa foi posta num destaque jamais dado pelo Ordenamento Jurídico, o que só fez

reconhecer a sua inquestionável função no mercado, qual seja, de ser a mola propulsora da

atividade econômica ao produzir riquezas, empregar e assim contribuir para o

desenvolvimento do país.

É de rigor ressaltar, no entanto, que grande parte do desenvolvimento econômico e

social do país se deve à atividade empresarial. A propósito, a este respeito destaca-se que com

29 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.796. 30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.170. 31 SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.760. 32 BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico, Resenha Tributária, 1984, p. 119-120 apud BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 7, p.25.

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previsão na Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV e artigo 170, caput, a livre

iniciativa é considerada fundamento da Republica e da ordem econômica conforme se

verifica:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...].33

Alçada na condição de fundamento da República, a livre iniciativa, o sistema de

mercado, entrega às empresas privadas a responsabilidade de responder ao problema

econômico. Nestes termos definido por Fábio Nusdeo:

São, pois, três as grandes questões a comporem o chamado problema econômico, problema com o qual desde as hordas pré-históricas até as modernas sociedades da era pós-industrial a humanidade sempre teve de conviver e continuará convivendo. Ele pode ser cifrado ou sintetizado pelas três seguintes indagações: O que – Como – Para quem – [...].34

Percebe-se neste diapasão a livre iniciativa tem de forma exclusiva a execução da

função de produzir e circular bens e serviços, segundo Alexandre Moraes:

[...] é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade aos trabalhadores (por exemplo:CF, arts. 5º, XIII; 6º; 7º; 8º). Como salienta Paolo Barile, a garantia de proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado, mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do crescimento do país; [...].35

O texto constitucional de 1988, ao regular a Ordem Econômica, estabelece além dos

fundamentos elencados no caput nove incisos. Assim comentados por Tavares:

Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e o valor social da iniciativa humana – enumerados em seu caput , o art. 170 da Constituição

33 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.1º. 34 NUSDEO, Fabio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. Prefácio de Tércio Sampaio Ferraz Junior. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.98. 35 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.22.

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relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte [...].36

Parafraseando o autor supracitado em apertada síntese podem-se interpretar os

princípios elencados da seguinte forma:

a) justiça social –interpretando sistematicamente, constata-se que no artigo 3º da

Carta Magna, um dos objetivos da República deve ser construir uma sociedade justa e

solidária, em que pese a busca de resultados econômicos da economia de mercado, a atividade

equivale na ação que implique na melhoria da repartição dos bens, na diminuição das

desigualdades sociais com a ascensão das classes menos favorecidas, conquistas a serem

concretizadas ao longo de todo o processo produtivo, num processo sem tempo determinado

para o atingimento desse objetivo;

b) existência digna – funda-se no princípio que informa todo o ordenamento jurídico,

a dignidade da pessoa humana, que no campo econômico pode ser entendida como a busca

constante da manutenção dos postos de trabalho, podendo por meio do trabalho realizaro

pleno desenvolvimento de sua personalidade.

c) o respeito à propriedade e a sua função social pode ser entendido na medida em

que o desempenho da atividade econômica no regime da livre iniciativa pressupõe o respeito à

propriedade privada, especialmente dos bens de produção e malgrados os efeitos negativos do

capitalismo clássico, cuida-se de garantir a propriedade dentro dos limites do interesse social,

deixando ser um direito subjetivo do indivíduo para converter-se numa função social, com a

incumbência de gerar externalidades positivas a toda a sociedade;

d) considerando o tratamento jurídico dispensado ao consumidor reflete a realidade

econômica, do atual sistema, de produção e comercialização de bens e serviços, em larga

escala. A despersonalização da pessoa humana tratada no texto constitucional no sentido de

impor na ordem econômica que inicia um programa que tem uma ampla política pública,

atuando na relativização da autonomia da vontade, instituindo um micro sistema que regula as

relações jurídicas estabelecidas na relação fornecedor/consumidor;

e) os princípios estabelecidos nos incisos IV, VI, VII, VIII, a garantia da livre

36 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.134.

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concorrência, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a

busca do pleno emprego, mais do que princípios ou objetivos ao encargo do detentor da

organização da atividade econômica da livre iniciativa são políticas públicas onde o Estado

atua como agente regulador tendo a empresa responsabilidade quanto a observância e

implementação, visto o cumprimento de sua função social;

f) o tratamento favorecido às pequenas empresas, objeto principal dessa pesquisa,

que será amplamente verificado no segundo capítulo, surge no rol dos objetivos/princípios da

ordem econômica, como sucedâneo da proteção dispensada à empresa de menor poder

econômico, relativizando o princípio da livre iniciativa, com vistas à preservação desse

importante segmento do ponto de vista econômico e social.

1.3.3 O Tratamento Infraconstitucional das Atividades Econômicas no Âmbito da Empresa

Verificado o tratamento constitucional dispensado à atividade econômica, passa-se a

elencar o regramento infraconstitucional estabelecido especialmente no Código Civil, e

legislação esparsa, como instrumentalização com vistas à efetivação dos princípios

estabelecidos constitucionalmente.

Consigne-se, inicialmente, que a edição do Código Civil 2002 trouxe de forma

definitiva ao ordenamento jurídico brasileiro a adoção da Teoria de Empresa de matriz

italiana, centrado no Código Civil Italiano de 1942, onde a atividade econômica praticada

profissionalmente identifica o objeto do Direito Empresarial, em conformidade com as

exigências do momento econômico atual.

Nota-se, no entanto, que a adoção da Teoria da Empresa e a unificação do Direito das

Obrigações não significam a superação da dualidade do sistema do regime de direito privado,

inclusive com prescrição constitucional, tanto que se encontra disposto no Art. 22 que:

“Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual,

eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...].”37

Marlon Tomazette traz interessante justificativa quanto à pertinência atual da

dicotomia do direito privado:

A unidade da vida econômica moderna não permite uma disciplina única, por isso há a dicotomia direito civil e direito comercial. Há uma oposição

37 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, art.22.

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entre os atos de conservação ou gozo dos bens e os atos de produção e de circulação, vale dizer, deve haver um tratamento distinto entre os bens tratados como objeto de propriedade ou de consumo e os bens empregados em um processo produtivo. O direito civil é o direito da produção e do consumo de bens no seu valor de uso, já o direito comercial disciplina a circulação de bens.38

Considerando que o sistema da livre iniciativa incumbiu às pessoas jurídicas de

direito privado, organizadas sob a forma de empresa, de oferecer resposta ao problema

econômico.

Destaca-se que o empreendedor empresário se caracteriza como o organizador

profissional da atividade econômica, podendo exercer pessoalmente a atividade ou esta

realizar-se por meio de empregados ou prepostos.

Para Waldirio Bulgarelli a viragem da atividade empresarial focado no comerciante

para a empresa explica-se dessa forma:

[...] E foram justamente a pessoa do comerciante e o ato de comércio a base da concepção moderna da atividade, num conceito superador de ambos. Concebe-se assim a atividade econômica como uma série de atos ordenados entre si pelo comerciante, visando a uma finalidade comum. Mantém-se a pessoa do comerciante, através do agente, e refoge-se ao conceito de atos isolados, para considerá-los na sua reiteração, na sua repetição, portanto um critério quantitativo, não esquecido o critério qualitativo que é dado pela finalidade, que, no caso, é unitária.[...] Portanto, desloca-se o problema do âmbito exclusivo do comerciante ou de ato de comércio para centralizar-se na atividade que, por pressupor uma organização para executá-la, irá desbordar no conceito de empresa.39 [grifo do autor].

A legislação empresarial coloca a sua disposição a possibilidade de exercer a

atividade como empresário individual ou por meio de pessoa jurídica, constituindo uma

sociedade empresaria. Fábio Ulhoa Coelho assim define o empresário:

Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.40 [grifo do autor].

38 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.25. 39 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed.São Paulo:Atlas, 2001, p.67. 40 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.63.

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Da definição acima é importante salientar que empresário pessoa física, sociedade

empresária, pessoa jurídica, são espécies de pessoas jurídicas de direito privado não estatal,

constituindo-se em sujeitos de direito com capacidade para assumir obrigações e direitos na

ordem civil. Como delineia o autor anteriormente citado:

Os sujeitos de direito podem ser, inicialmente, distinguidos em dois grupos: de um lado, a pessoa física e o nascituro; e de outro, a pessoa jurídica e as demais entidades despersonalizadas. [...] O que caracteriza o regime das pessoas, no campo do direito privado, é a autorização genérica para a prática dos atos jurídicos. Ao personalizar algo ou alguém, a ordem jurídica dispensa-se de especificar quais atos esse algo ou alguém está apto a praticar. Em relação às pessoas, a ordem jurídica apenas delimita o proibido; a pessoa pode fazer tudo, salvo se houver proibição. Já em relação aos sujeitos despersonalizados, não existe autorização genérica para o exercício dos atos jurídicos; eles só podem praticar os atos essenciais para o seu funcionamento e aqueles expressamente definidos. [...].41

Tomazette, de maneira precisa distingue a atividade empresarial do sujeito de direito

titular da atividade, nestes termos:

A empresa é uma atividade e, como tal, deve ter um sujeito que a exerça, o titular da atividade (o empresário). Este é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (conceito do Código Civil de 2002, artigo 966 – no mesmo sentido do artigo 2.082 do Código Civil italiano).42

Conclui o citado autor:

O empresário é o sujeito de direito, ele possui personalidade. Pode ele tanto ser uma pessoa física, na condição de empresário individual, quanto uma pessoa jurídica, na condição de sociedade empresária, de modo que as sociedades empresárias não são empresas, como afirmado na linguagem corrente, mas empresários.43

Torna-se relevante enfatizar estes detalhes considerando que a empresa, atividade

econômica, organizada como pessoa física, empresário individual, recebe tratamento

diferenciado com relação à responsabilidade quanto às obrigações contraídas. Observa Fábio

41 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: sociedades. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2, p.10. 42 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.41. 43 Id., Ibid., p.41.

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Ulhoa Coelho, nestes termos:

De fato, enquanto se tem em mira a figura do empresário individual, a pessoa física que explora a atividade econômica, cabe distinguir, entre os bens de seu patrimônio, os que são empregados nessa atividade dos demais [...] a residência do empresário e sua família, o carro etc. Essa distinção não tem o alcance de poupar os bens não empregados na empresa, no momento da responsabilização do empresário individual. Em princípio, todos os bens do patrimônio de certa pessoa, no direito brasileiro, respondem pelas obrigações dessa pessoa (há exceções, como o bem de família, os inalienáveis etc.).44

Nesse sentido Rubens Requião, citando Ferri, a título de noção econômica de

empresa anota:

O Prof. Giuseppe Ferri observa que a produção de bens e serviços para o mercado não é conseqüência de atividade acidental ou improvisada, mas sim de atividade especializada e profissional, que se explica através de organismos econômicos permanentes nela predispostos. Estes organismos, que se concretizam da organização dos fatores da produção e que se propõe a satisfação das necessidades alheias,e, mais precisamente, das exigências do mercado geral, tomam a terminologia econômica o nome de empresa.45[grifo do autor].

Adverte Rubens Requião que:

É preciso compreender, ainda segundo os ensinamentos de Ferri, que a disciplina jurídica da empresa é a disciplina da atividade do empresário, e a tutela jurídica da empresa é a tutela jurídica dessa atividade. Essas considerações levam-nos a compreender que, no ângulo do direito comercial, empresa, na acepção jurídica, significa uma atividade exercida pelo empresário. Disso decorre inevitavelmente que avulta no campo jurídico a proeminente figura do empresário.46[grifo do autor].

Faz-se importante, trazer à colação a natureza jurídica da empresas, que como

exposto anteriormente, é atividade e como atividade não é possível imputar-lhe a função de

sujeito de direito, neste sentido Marlon Tomazette esclarece:

44 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.100. 45 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva. 2007.v. 1, p.49. 46 Id., Ibid., p.51.

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A empresa entendida como atividade econômica organizada, não se confunde nem com os sujeitos exercente da atividade, nem o complexo de bens por meio das quais se exerce a atividade, que representam outras realidades distintas. [...] Assim, a empresa deve se enquadrar como um terceiro gênero, uma nova categoria jurídica, pois não se trata nem de sujeito nem de objeto de direito, enquadrando-se perfeitamente na noção de fato jurídico em sentido amplo. Tal noção se mostra mais adequada que a de ato jurídico, pois falamos da atividade, do conjunto de atos, e não de cada ato isolado, que poderia ser enquadrado na condição de ato jurídico.47

Verifica-se nesta linha que o conceito de empresa é difuso não se confundindo com a

pessoa do empresário que o sujeito de direito, nem com o estabelecimento que é o complexo

de bens materiais e imateriais organizados para o exercício da empresa.

Como se verifica o conceito legal de empresa corresponde ao perfil subjetivo

estabelecido por Asquini, que Marlon Tomazette assim anota:

Aproveitando o teor do artigo 966 do Código Civil de 2002, bem como do artigo 2.082 do Código Civil Italiano de 1942, podemos concluir que a empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado.48

Os elementos caracterizadores da atividade econômica empresarial, no dizer de

Marlon Tomazette podem ser assim delineados:

a) atividade – trata-se do conjunto de atos destinados à organização dos fatores da

produção, a articulação entre a mão de obra, os insumos, desenvolvimento de tecnologia com

emprego de capital, com a finalidade de produzir bens ou serviços.

Ressalve-se que para caracterização da atividade empresária os atos devem ser

realizados com profissionalismo, que requer habitualidade, pessoalidade, e detenção do

monopólio das informações quanto aos produtos e serviços produzidos;

b) economicidade – trata-se de atividade que vise resultados econômicos, e não mera

atividade para de mero prazer e realização pessoal, frise-se que a finalidade lucrativa pode ser

de fim ou de meio;

c) organização – a empresa no âmbito das organizações revela-se de forma especial,

e diferenciadora, fazendo-se necessário conferir a relevância desse aspecto visto que o Código

Civil exclui do âmbito da classificação das atividades empresárias a atividade onde as

47 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.21-22. 48 Id., Ibid., p.18.

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características pessoais são importantes ao aspecto organizacional.

Waldirio Bulgarelli leciona que a distinção entre atividades civis ou simples na

dicção do Código Civil 2002, verifica-se:

O que distingue a atividade civil da comercial são os meios utilizados para a obtenção do lucro. Este pressupõe, no comércio, operações de transformação ou de circulação de riquezas: portanto de intermediação, ausente nas atividades civis. Em conseqüências, estabelece-se perfeitamente a delimitação do campo do direito comercial, dado que o comércio possui meios próprios distintos dos atos comuns da atividade civil.49

Visto que a Constituição de 1988 estabelecendo que a Ordem Econômica tenha como

fundamento a Livre Iniciativa, portanto cabe às empresas produzirem os bens e serviços

essenciais à sociedade; ainda, que o Código Civil 2002 defina no artigo 966, que os

empresários são os sujeitos de direito que organizam a atividade empresarial.

Revela-se de suma importância a verificação das prerrogativas colocadas à

disposição das pessoas que encaram o desafio de empreender.

Demonstra-se, portanto, a atividade empresarial como uma atividade de riscos, onde

o sucesso e o insucesso convivem no dia a dia das empresas.

1.3.3.1 Limitação da responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais

Pertinente neste momento admitir que a pedra angular do incentivo ao

desenvolvimento das atividades econômicas organizadas sob a forma de empresa é a

possibilidade jurídica da constituição de uma pessoa jurídica distinta da pessoa física.

Prerrogativa da sociedade empresária, como pessoa jurídica distinta da pessoa física.

Leciona Rubens Requião neste sentido:

Formada a sociedade comercial pelo concurso de vontades individuais, que lhe propiciam os bens e serviços, a conseqüência mais importante é o desabrochar de sua personalidade jurídica. A sociedade transforma-se em novo ser, estranho a individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade.50

Essa possibilidade limita a responsabilidade dos sócios quanto às obrigações sociais, 49 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.57. 50 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.384.

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quando a empresa é constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima e

ainda amolda-se perfeitamente à Teoria da Empresa, permitindo que a pessoa jurídica possa

ter uma existência infinita independente da pessoa física dos sócios.

Entretanto o empresário individual, titular de uma Microempresa não usufrui desse

benefício, considerando que responde com seus bens particulares pelas obrigações da pessoa

jurídica. Trazendo a colação consideração do Comercialista, retro mencionado:

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou a natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para efeito de imposto de renda (AP. cív. nº. 8.447 – Lajes, in Bol.Jur. ADCOAS, nº 18.878/73).51

Registre-se que o empresário individual apesar de sua importância, na hipótese de

inadimplemento e execução de obrigações da empresa, pode ver-se privado do seu patrimônio

pessoal, logicamente preservados os bens sob a proteção de impenhorabilidade como os bens

de família. Na lição de Mamede:

Segundo o Departamento Nacional de Registro no Comércio (DNRC), em 2005 foram registradas 490.542 empresas no Brasil, das quais 240.306 eram empresários atuando isoladamente, número que corresponde a 48,9%, sendo superado apenas pelas sociedades limitadas; 246.722 registradas naquele ano, ou seja, 50,3% das empresas. Os demais tipos societários (incluindo sociedades anônimas e sociedades cooperativas) foram responsáveis por 0,8% dos registros.52

Depreende-se do acima verificado que o empresário individual, organizador da

Microempresa, submete-se a um risco muito maior, quando verificada sua insolvência ou

eventual crise econômica.

Situação que poderia ser resolvida na hipótese que o direito societário contemplasse

a possibilidade de organização de sociedade unipessoal. Essa problemática vem delineada nos

ensinamentos de Maria Antonieta Lynch, confira-se:

51 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.78. 52 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.12.

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A sociedade unipessoal é uma estrutura legal pela qual é possível que o empresário individual exerça atividade econômica revestido de uma forma que não a típica firma individual.[...] Sem dúvida, a presença de um instrumento técnico que possibilite a pessoa física dirigir e administrar sua própria empresa, sem os perigos da responsabilidade patrimonial ilimitada, é uma necessidade imposta pela prática.[...] A disparidade latente existente entre o empresário individual que se encontra numa posição de desvantagem em relação ao empresário coletivo que, associado sob quaisquer das formas sociais de responsabilidade limitada, pode manter incólume seu patrimônio pessoal, não obstante, os riscos da atividade de ambos serem similares [...].53

No entanto deve ser registrar que nos casos de abuso da personalidade jurídica da

sociedade empresa, o Código Civil no artigo 50 traz que:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.54

O instituto da desconsideração da pessoa jurídica foi assim comentado por Rubens

Requião,

Recentemente, porém, tendo em vista as fraudes promovidas através da personalização de sociedades anônimas, seja em problemas de âmbito privado, seja em relação ao direito público, se foi elaborado por construção jurisprudencial uma doutrina para coibir os abusos verificados. Surgiu, assim, a doutrina do Disregardof Legal Entity no direito anglo-saxão, espraiando-se para o direito germânico e mais recentemente repercutindo na literatura jurídica da Itália. [...]. Destarte verifica-se a consolidação da teoria da empresa, considerando que a atividade econômica desenvolvida pelo empresário que merece a tutela estatal,responsabilizando os administradores incapazes, desonestos ou incompetentes pelos abusos ou desvios da finalidade da empresa.55 [grifo do autor].

Neste diapasão, observa-se que a limitação da responsabilidade dos sócios quanto às

obrigações encontra seus limites no exercício regular da empresa, penalizando o organizador

da empresa que utiliza a pessoa jurídica com finalidade de enriquecimento pessoal.

53 LYNCH, Maria Antonieta. As empresas societárias e a limitação patrimonial. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 11, n. 41, p. 133-151, jan./mar. 2010, p.136. 54 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 50. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011. 55 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2005. v.1, p.389.

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1.3.3.2 Possibilidade de usufruir da recuperação judicial ou extrajudicial

O Código Civil 2002, ao definir o empresário como o sujeito de direito responsável

pelo desenvolvimento da empresa nos remete à criação de um micro sistema jurídico do

tratamento da atividade econômica.

Neste micro sistema jurídico, destaca-se a lei de Falência e Recuperação de

Empresas (LRF), de onde trata da empresa insolvente, e diferentemente do tratamento

pretérito que visava primordialmente à satisfação dos interesses dos credores, encontra na Lei

11.101/2005, a concretização do Princípio da Função social da empresa e seus sucedâneos,

como o Princípio da Preservação da Empresa num cenário econômico plasmado na livre

iniciativa, e na globalização mundial da economia.

Neste sentido, Gladston Mamede leciona que:

O princípio da função social de empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente; tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresarias, que não só prejudica o empresário e a sociedade empresária, prejudica todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado.56 [grifo do autor].

A LRF trata primeiramente da Falência, de remota origem, nestes termos relatados

por Amador Paes de Almeida:

No direito quiritário (iusquiritum, iuscivile), a fase mais primitiva do direito romano, que antecede à codificação da Lei das XII Tábuas, o nexum (liame entre devedor e credor) admitia a addicere, adjudicação do devedor insolvente, por sessenta dias, permanecia em estado de servidão para com o credor. Não solvido o débito nesse espaço de tempo, podia o credor vendê-lo como escravo no estrangeiro (transTiberim, além do Tibre), ou mesmo matá-lo, repartindo-lhe o corpo segundo o número de credores, numa trágica execução coletiva.57 [grifo do autor].

A nova Lei que tramitou durante 11 anos no Congresso Nacional, não é isenta de

críticas e traz entre os pontos controvertidos os seguintes aspectos:

a) a Limitação do pagamento dos créditos trabalhistas ao valor correspondente a 150

56 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.446. 57ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n. 11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.5.

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(cento e cinquenta salários mínimos).

Merecendo considerações nestes termos o asseverado por Fábio Ulhoa Coelho:

[...] O limite é de 150 salários mínimos por credor. Quer dizer que o empregado com crédito inferior ou igual a esse limite concorre nessa classe preferencial pela totalidade de seu direito; mas aquele que possui créditos maiores ao teto indicado, participa do concurso em duas classes: pelo valor de 150 salários na dos empregados e pelo valor que exceder, na dos quirografários.O objetivo da limitação é impedir que se consumam os recursos da massa com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida.58

b) o pagamento dos credores com crédito real antes dos credores fiscais, com a

inversão da ordem estabelecida na legislação pretérita, privilegiando o pagamento dos

credores das obrigações com o sistema bancário, considerando que são estes credores que nas

relações negociais têm condições de impor tal garantia na concessão de créditos.

O autor comprova tal tratamento da maneira a seguir, por meio de justificativa de

índole liberal, considerando que os créditos fiscais, especialmente os tributários são devidos

de uma forma mediata, a toda a sociedade:

A preferência sobre os créditos fiscais – introduzida no direito brasileiro pela nova Lei de Falências – visa atenuar os prejuízos a que esses últimos podem se expor, socializando o risco associado à insolvência do devedor com a sociedade como um todo. A intenção última do legislador foi criar as condições para o barateamento dos juros bancários, medida destinada a acentuar o desenvolvimento econômico do País, em atendimento ao interesse público. Como a maioria dos credores com garantia real são bancos, aposta-se na inversão na ordem de classificação aumentará o volume de recuperação dos créditos aberto a empresários ou sociedades empresárias e, consequentemente, levará à pratica de spreads menores.59

c) a questão relacionada à inexistência de sucessão quanto aos débitos da falida, é

outra questão controvertida que o Judiciário vem enfrentando nos casos concretos.

Fábio Ulhoa Coelho sustenta nestes termos a pertinência e os requisitos da previsão

legal alegando que:

De um lado, quando a lei expressamente nega a sucessão, amplia as chances de interessados adquirirem o negócio do falido ou da sociedade falida e,

58 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n. 11.101, de 9-2-2005). 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.215. 59 Id., Ibid., p.217.

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consequentemente, as de mais credores virem a ter seus créditos satisfeitos com os recursos da aquisição. Se o adquirente da empresa anteriormente explorada pela falida tiver de honrar todas as dívidas dessa, é evidente que menos empresários terão interesse no negócio. Aliás, é provável que a alienação da empresa se inviabilize: se tiver que pagar tudo a que se obrigara o falido, o adquirente tende a falir também. [...] Na nova lei falimentar, uma das hipóteses de negativa expressa de sucessão do adquirente de empresa explorada pelo falido empresário individual ou sociedade empresária falida liga-se à aquisição da empresa em qualquer modalidade de venda ordinária, isto é, em hasta pública (leilão, propostas ou pregão). [...] Desse modo, o adquirente da empresa por meio de ato ordinatório de realização do ativo não é, por força de expressa previsão legal, sucessor do falido.60

Entretanto, em que pese as críticas e os aspectos relacionados à prevalência dos

interesses dos detentores do maior poder econômico, a Lei 11.101 de 2005 apresentou

avanços significativos comparados às previsões da legislação anterior, especialmente o novo

tratamento dispensado à empresa em crise econômica/financeira viável, o novo instituto da

Recuperação de Empresas.

Como se percebe dos comentários colacionados de autoria de Fábio Ulhoa Coelho,

do ponto de vista liberal, os aspectos passíveis de crítica na nova lei, são todos justificáveis,

no entanto faz-se pertinente a observação de Penteado, quando tece considerações à lei do

Brasil real, nos seguintes termos:

[...] Mas fica a impressão, também, que a Lei 11.101 situa-se distante do Brasil real, pois seu objetivo, declarado em compromissos internacionais do Executivo com o FMI, foi o de criar ambiente favorável de mercado para que se transitem mais facilmente as empresas que hoje dominam, segundo princípios da velha lex mercatoria, a economia mundial, mercê tutela reforçada aos credores com maior poder econômico, que soem forrar-se com garantias reais (art. 71, inc. I e art. 83, inciso II). [...] Para avaliar de que direção política provém determinada lei de falências, basta examinar o dispositivo em que juristas mais experimentados sustentam residir o seu código genético, a saber, aquele que estabelece a escala de classificação de créditos, para efeito de pagamento e rateio aos credores, com o produto da realização do ativo do devedor falido. No regime anterior, como sabido, da combinação do caput, I e § 1º do art. 102 do Dec.-lei 7.661/1945, com o artigo 186 do Código Tributário Nacional, apreciam no topo do Quadro Geral dos Credores, antes dos créditos privilegiados: (1º) a totalidade do valor da indenização por acidente de trabalho; (2º) a totalidade dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas; (3º) os créditos tributários; e (4º) os créditos com direito real de garantia. A Lei comentada simplesmente equiparou os dois primeiros, limitando-lhes o teto preferencial, invertendo a ordem do 3º e do 4º, com o que passam agora os créditos privados com garantia real – e também os passiveis de restituição –

60 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n. 11.101, de 9-2-2005). 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.364-365.

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na frente dos créditos tributários (art. 83, incs. I a III, c.c. LC 118, que deu nova redação ao art. 186 do CTN).[...] É despiciendo acrescentar que somente os grandes credores privados, ou aqueles de que depende o devedor, são os que conseguem agregar aos seus créditos garantias reais, que, na falência, os situa, doravante, em posição preferencial aos créditos da Fazenda Publica e parcela dos créditos trabalhistas. Para obviar dúvidas, também os créditos privados passíveis de restituição, nos termos da Lei Falimentar, têm preferência em relação aos créditos tributários; e as multas tributárias foram transferidas para a penúltima posição do Quadro-Geral de Credores, depois, até, dos créditos quirografários, eis que preferem, apenas, aos créditos subordinados (art. 83,VIII, da Lei 11.101).61[grifo do autor].

Expostas questões relacionadas aos aspectos políticos/econômicos que permeiam

todo o ordenamento jurídico e especialmente o Direito de Empresa, que indubitavelmente

refletem os interesses econômicos neste cenário de economia globalizada, faz-se necessário

ater-se aos aspectos positivos da Lei 11.101:2005, que se consubstanciam em prerrogativas do

devedor empresário em crise econômica e financeira em favor de toda a sociedade.

Neste sentido, Salomão Filho, traz importantes considerações quanto à preservação

da empresa, em análise do interesse social na visão contratualista e na visão institucional.

O principal deles é a preservação da empresa, expressamente declarado no art. 47 da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (nova lei de falências) como princípio da recuperação de empresas. Esse princípio, se aplicado de forma coerente, pode ajudar em muito na efetivação da recuperação empresarial. É necessário, então, compreende-lo em profundidade. Para tanto, é preciso retornar à clássica discussão contratualismo-institucionalismo, em que a questão da preservação da empresa teve sua formulação mais elaborada. [...] A evolução tecnológica industrial [da Revolução Industrial],permite a burguesia acreditar que ela, sozinha e com liberdade, seja capaz de levar adiante o processo de acumulação. Não espanta, portanto, que a Revolução Industrial traga consigo princípios societários bastante individualistas. A sociedade passa a ser vista como coisa dos sócios. [...] A antítese institucionalista – A crise de 1929 e os anos de chumbo que se seguiram demonstraram várias coisas. Para o capitalismo, a insuficiência do modelo individualista; para o direito societário, a insuficiência do modelo contratualista. A verdadeira débâcle social que se seguiu à crise de 1929 demonstrou que um direito societário fechado em si e restrito aos interesses dos sócios não podia fazer frente às demandas sociais que obrigavam a todos naqueles anos difíceis.62 [grifo do autor].

61 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.50, 61. 62 SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007.p. 43-54, p.44, 46.

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Dentre as prerrogativas colocadas a disposição do empresário em crise econômica a

possibilidade de requerer judicialmente ou entabular com seus credores um plano de

recuperação e posteriormente apresentar ao judiciário para sua homologação é medida que

reflete a importância da empresa no cenário econômico, no cumprimento de sua função social.

Trazida ao ordenamento jurídico, com a promulgação da Lei 11.101/2005, veio

substituir a antiga concordata que não se prestava mais a dar conta do princípio da

preservação da empresa.

A moderna teoria da empresa considera que: a finalidade principal é preservar a

empresa, esta entendida como atividade econômica essencial à sociedade como um todo,

especialmente do regime econômico da livre iniciativa; e não o empresário, como fonte de

geração de empregos, desenvolvimento tecnológico dentre outros.

Amador Paes de Almeida revela que:

O instituto da concordata tinha uma finalidade: salvaguardar o devedor desventurado e honesto, e que se encontrasse temporariamente endividado, da falência. Impedia tal declaração e, por via de conseqüência, os resultados que dela decorriam. A concordata, com efeito, pondo fim a uma série interminável de abusos, constitui-se na solução jurídica destinada a salvar o empresário dos percalços da falência, consistindo, naquela oportunidade, o meio eficaz para assegurar a sobrevivência da empresa, considerada, nos dias atuais, verdadeira instituição social, [...]. 63

A recuperação de empresas tem como objetivos, nos termos do artigo 47 da LRF:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.64

Amador Paes de Almeida leciona que:

O conceito põe em relevo a preocupação de preservar a empresa, vista esta como verdadeira instituição social para o qual conjugam interesses diversos: o lucro do titular da empresa (empresário ou sociedade empresária); os salários de manifesta natureza alimentar) dos trabalhadores; os créditos dos

63ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n. 11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.300. 64 BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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fornecedores; os tributos do Poder Público.65

Gladston Mamede esclarece nestes termos:

A intervenção do Judiciário para permitir a recuperação da empresa, evitando a sua falência – se possível –, faz-se em reconhecimento da função social que as empresas desempenham. São instituições voltadas para o exercício de atividade organizada,atuando para a produção e circulação de riqueza, pela produção e circulação de bens e/ou pela prestação de serviços. Essa riqueza, por certo, beneficia o empresário e os sócios da sociedade empresária, por meio da distribuição dos lucros. Mas beneficia igualmente todos aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos.66

A Recuperação de Empresas pode se dar judicialmente ou extrajudicialmente,

comportando diferentes papéis à atuação do Juiz, que nos dizeres de Penteado:

Apesar de nomear o administrador executivo da falência e na recuperação (arts. 52, inc. I e 99, IX), o juiz terá doravante, segundo a nova lei, suas atividades jurisdicionais acompanhadas de perto pelo Comitê de Credores,[...] Além dessa intromissão, na falência – que afinal é um processo judicial, de execução coletiva – ao magistrado foi atribuída função aparentemente secundária, nas recuperações. Na recuperação judicial, tem o poder de apenas deferir o processamento de pedido do devedor (art. 52), mas em principio não pode julgá-lo, no mérito, eis que neste ponto está limitado a ‘conceder’ a recuperação, desde que cumpridas às exigências legais, mas desde, também, que o plano respectivo não tenha encontrado objeção dos credores, ou tenha sido aprovado pela Assembléia de Credores (art.58). O máximo que se permite ao magistrado é convocar a Assembléia de Credores para reexaminar deliberação anterior de não aprovação do plano proposto

pelo devedor, com quorum menos rigoroso previsto no § 1º do art. 59.67

O instituto da Recuperação de Empresa ainda contempla, facultativamente, um plano

especial de recuperação destinado às Micro e Pequenas Empresas, que será objeto de detida

análise, no capitulo destinado à verificação do tratamento destinado a elas.

Destarte, o acima exposto, o tratamento dispensado às empresas em crises oferece

65ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n. 11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.304. 66 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.446. 67 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários á lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.71.

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alternativas diferenciadas, possibilitando o afastamento do administrador, sócio ou empresário

individual da direção da empresa.

Atesta-se que por meio da Recuperação Judicial cria-se a chance de rearticular os

fatores da produção, com vistas a permanecer no mercado e continuar oferecendo à sociedade

seus produtos ou serviços diretamente e indiretamente gerar os empregos necessários ao

cumprimento da função social da empresa, objeto de estudo a seguir.

1.3.4 Função Social da Propriedade Empresarial

Realizado uma breve análise pelo tratamento dispensado à atividade econômica, sob

a forma de empresa, com vistas à justificação do trabalho humano com a finalidade de obter

renda, individualmente, mas com reflexos positivos a toda a sociedade.

Faz-se necessário analisar a forma de propriedade detida pelo empresário individual

e da sociedade empresária, como sujeitos de direito, no momento histórico em que a

propriedade adquire novas feições, a propriedade funcionalizada, ou seja, a propriedade

marcada com o exercício de uma função social.

Nas lições de Ferreira a edição do Código Civil 2002, unificado, quanto às

obrigações, apresenta-se modificado, sendo que tal alteração:

[...] representa para o setor privado da economia, delimitação clara de fronteiras, demarcadas, principalmente, pelo novo modelo de reformulação dogmática e organizacional da empresa.Os conceitos de empresa e empresário são pontuados. Rediscute-se a função econômica, como exclusiva da empresa clássica. Paralelamente, a reflexão, acerca da função social da empresa, desponta ancorada na função social da ordem econômica como preconizada pela Constituição Federal.68

O novo paradigma estabelecido pelo texto constitucional impõe uma releitura do

instituto da propriedade, inicialmente da propriedade imóvel, historicamente marcada por seu

caráter absoluto, detendo o titular o direito de fruição, disposição, permitiu o abuso dessas

prerrogativas.

José Afonso da Silva leciona nestes termos o direito de propriedade trazida pelo texto

constitucional de 1988:

68 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da Unifil, ano 2, n. 2. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso em: 12 maio 2011, p.67.

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[...] Já estudamos a função social da propriedade, quando examinamos o conteúdo do disposto no art. 5º, XXIII, segundo o qual a propriedade atenderá a sua função social. Isso aplicado ali à propriedade em geral, significa estender-se a todo e qualquer tipo de propriedade. O art. 170, III, ao ter a função social da propriedade como um princípio da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170 caput), a defesa do consumidor (art. 170,V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta implicação à empresa pela qual se realiza e efetiva o poder econômico. Eros Grau é do mesmo sentir, quando escreve ‘O princípio da função social da propriedade, para logo se vê ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens , implementada sob o compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual em maior intensidade refletem os efeitos do princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa’.69 [grifo do autor].

A propriedade caracterizadora de status, de poder e riqueza, independentemente da

sua origem, fruto do trabalho, herança, usurpação, perde sua característica de reserva de valor,

como um ativo imobilizado, e ressurge funcionalizada, isto é, relativizada quanto ao poder

absoluto do detentor do domínio.

Devendo estar a serviço da sociedade, cumprir um papel social, quanto a sua

utilização, como instrumento de produção de riquezas não mais exclusivamente individual,

mas coletiva, dentro dos parâmetros constitucionalmente estabelecidos. André Ramos Tavares

destaca:

A circunstância de a propriedade apresentar caráter dúplice, servindo ao individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois, a necessidade de uma compatibilização de conteúdos dos diversos mandamentos constitucionais. Enquanto individual (art. 5º, especialmente), o instituto da propriedade como categoria genérica, é garantido, e não pode ser suprimido da atual ordem constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem parcialmente delimitado pela própria Constituição, quando impõe a necessidade de que haja atendimento de sua função social, assegurando-se a todos uma existência digna nos ditames da justiça social.70 [grifo do autor].

Os comandos constitucionais obrigam a funcionalização dos institutos jurídicos,

fazendo-se necessário incluir a empresa como operadora de um mercado socialmente

69 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p.813. 70 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.160.

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responsável.

Ivo Dantas contribui para a exegese do enunciado desta forma:

A propriedade privada, vista como direito absoluto, foi conceito típico do Liberalismo Econômico, onde aparecia como limite do exercício do poder político.[...] O Direito Constitucional Brasileiro a tem consagrado como direito individual, contudo, passível de limitação, do que são exemplos, o art. 141 § 16 da Constituição de 1946, o art. 153 § 22 do texto de 67/69 e o inciso XXII do art. 5º ora vigente, para não esquecermos que no Código Civil Brasileiro está assegurada e, seu art. 524.[...] Na Constituição de 1988, porém, o que antes aparecia enunciado em um só parágrafo, como direito de propriedade e sua desapropriação, atualmente, no art. 5º ocupa nada menos que três incisos, à medida em que, no de nº XXIII, fixa-lhe uma função social, e nos XXIV e XXV estabelece, no primeiro caso, as hipóteses de desapropriação e no segundo as hipóteses de uso , este, instituto típico do Direito Administrativo, mas que pode refletir o conteúdo de uma determinada política em certo momento.71 [grifo do autor].

Reiterando-se, apresenta-se a lição de Jussara Suzi Assis Borges Ferreira72, segundo

a qual:

É nesse contexto de tutelas plurais aos interesses sociais que o direito de empresa ressurge estruturado sob novos comandos, tornando possível a compreensão dos fins sociais da empresa, antes extremamente individualista. A nova concepção oportuniza também a reflexão acerca da responsabilidade social da empresa, bem como de sua função ética.

A função social da empresa, ou seja, a função social dos meios de produção implica

na mudança de concepção do direito de propriedade, impondo-lhe novo conceito.

No qual as normas de direito privado sobre a propriedade estão conformadas pela

disciplina que a Constituição lhes impõe, os valores sociais e de interesses que ultrapassam os

interesses dos lucros dos empresários.

Penteado explica, numa leitura da Lei das Sociedades Anônimas, que:

Está definitivamente consolidada entre nós a noção de que a empresa exerce função

social, até por determinação constitucional (art. 170, caput e in.III, da CF) o marco a partir do

qual esse salto valorativo na visão da atividade empresarial foi introduzida em letra de forma

em nosso ordenamento jurídico reside, por certo, na Lei 6.404/76, que embora ironicamente

71 DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico. Curitiba: Juruá, 2004, p.69-70. 72 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da Unifil, ano 2, n. 2.Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso em: 12 maio 2011,p.72.

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promulgada ainda sob o regime autoritário, prescreve de forma didática, em seu art. 116,

parágrafo único, que ‘o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a

companhia realizar e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com

os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade que atua,

cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender’.73 [grifo do autor].

A função social da empresa deve ser entendida como respeito aos direitos e

interesses dos que se situam em torno das empresas, pois são os mais próximos e merecem

respeito e consideração.

No entanto deve-se distinguir segundo Grau, os tipos de propriedade, em

propriedades que visam à subsistência individual e familiar, a propriedade dos meios de

produção e propriedade dos bens de consumo:

[...] Aí, enquanto instrumento a garantia de subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois – a propriedade consiste em um direito individual e, iniludívelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal. [...] Uma segunda distinção, ademais, há de ser precedida, entre propriedade de bens de consumo e propriedade de bens de produção.[...] a observação de que a moderna legislação econômica considera a disciplina da propriedade como elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem com aquele do proprietário e, de modo diverso, o condicionam e por ele são condicionados. Esse novo tratamento normativo respeita unicamente aos bens de produção, dado que o ciclo dos bens de consumo se esgota na sua própria fruição. Apenas em relação aos bens de produção se pode colocar o conflito entre propriedade e trabalho e do binômio propriedade-empresa. Esse novo direito – nova legislação – implica prospecção de uma nova fase (um aspecto, um perfil) do direito de propriedade diversa e distinta da tradicional: a fase dinâmica. [...] aí, incidindo pronunciadamente dos bens de produção, é que realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como função social da empresa. Por isso, também, é que – como enfatiza Fábio Konder Comparato – já não é ela um poder-dever do proprietário, mas do controlador.74[grifo do autor].

Desta forma deve-se ter em mente, quando se pensa em função social da empresa,

73 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005: capítulo I: disposições preliminares. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coords.). Comentários á lei de recuperação de empresas e falências: lei 11.101/2005: artigo por artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p. 58-129, p.72-73. 74 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10. ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.235-237.

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esta amplitude para que o alcance desta eficácia estenda-se à sociedade como um todo, ou

seja, englobando-se contratantes, fornecedores e consumidores, empregados e equiparados,

enfim ao Estado e aos direitos difusos.

Ferreira elenca os princípios norteadores da função social da empresa:

a) Princípio da dignidade empresarial A dignidade empresarial se expressa através do exercício da atividade econômica de forma equilibrada, sem abusos, cumprindo com as funções econômicas e sociais, de forma adequada aos preceitos constitucionais, delimitados pelo abuso do poder econômico, a concorrência e a proteção ao direito do consumidor. A ética empresarial, também, é observada quando a empresa inclui na relação custo x benefício, a dimensão do benefício social. b)Princípio da moralidade empresarial Por este princípio são indicadas, como funções sociais e também éticas da empresa, zelar pelo nome da empresa; zelar pela qualidade de seus produtos, serviços e atendimentos; exercer suas atividades formalmente, evitando a informalidade que é sonegadora; atender às necessidades do consumidor de forma adequada, prestando todas as informações devidas. c)Princípio da boa-fé empresarial No que se refere ao universo negocial, aboa-fé empresarial destaca-se como terceiro princípio a ser observado no ambiente da eticidade empresarial.Fala-se aqui, evidentemente, da boa-fé objetiva, significando:uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando nooutro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando os seusinteresses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos,agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causarlesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir obom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.75

Em regra, os bens de produção são postos em dinamismo no capitalismo, em regime

de empresa, por onde falar-se em função social da empresa.

Sendo, ainda apropriado lembrar que no âmbito da empresa, no tratamento

dispensado à proteção do estabelecimento empresarial, a Lei do inquilinato relativiza o direito

do proprietário, quando cumpridos os requisitos legais, dando ao empresário o direito de

inerência ao ponto comercial. Eis os esclarecimentos de Fábio Ulhoa Coelho sobre o assunto:

O locador é titular de um direito garantido na Carta Magna. A lei ordinária, por evidente, pode disciplinar o exercício desse direito, inclusive para compatibilizar com a função social, também determinada pela Constituição

75 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista Jurídica da Unifil, ano 2, n. 2. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/02/Revista%20Juridica_02-4.pdf>.Acesso em: 12 maio 2011, p.68.

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(arts. 5º, XXXIII, e 170, II). Entretanto, a lei não pode impedir o uso, gozo e disposição do bem pelo seu proprietário, sob pena de invalidade.76

Finaliza-se este primeiro capítulo consignando que o homem na busca da satisfação

de suas necessidades, juntamente com o crescimento da sociedade em quantidade e

complexidade, sempre procurou alternativas viáveis à sua sobrevivência.

Como o fenômeno jurídico desenvolve-se passo a passo com o substrato econômico

que o informa, revelou-se primeiramente alheio ao fenômeno econômico que se organizou

com um caráter nitidamente individualista, a priori,corporativo num segundo momento e

tecnológico no momento seguinte.

Considerando a constatação que a atividade econômica organizada sob a forma de

empresa apresenta a melhor solução à satisfação das necessidades do homem o direito

apresenta alternativas legislativas que oferecem prerrogativas diferenciadas ao empresário

organizador dessa importante atividade, como constatadas.

Visto a constitucionalização do tratamento da atividade econômica sob a

forma de empresa e o hodierno tratamento dispensado no Código Civil 2002 e a consequente

exigência do cumprimento de uma função social de propriedade empresarial.

Os aspectos abordados no capítulo exordial, com certeza não exaurem o tema do

direito de empresa, no entanto nos termos do objetivo traçado estes restam suficientes por ora.

No mais, trazem os elementos informadores da ordem econômica e as diversas formas de

desenvolvimento de atividades econômicas, com vistas à geração de renda para subsistência

ou acumulação de riquezas.

Faz-se necessário verificar, o escopo fundamental dessa pesquisa, a disciplina das

atividades desenvolvidas pelas denominadas Microempresas, e a sua importância

socioeconômica.

Registre-se que, os aspectos considerados na primeira seção, quanto ao tratamento

jurídico dispensado às empresas em geral, aplicam-se integralmente às Microempresas,

quando não for dispensado um tratamento privilegiado ou especial, considerando os aspectos

particulares dessas importantes organizações, sem ignorar sua condição de inferioridade,

quanto à capacidade gerencial, insuficiência de capital e amadorismo nas relações contratuais.

76 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: empresa e estabelecimento, títulos de crédito. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p.108.

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2 A MICROEMPRESA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Verificadas o tratamento e prerrogativas colocadas a disposição do empresário

individual e da sociedade empresária com vistas ao incentivo à aplicação dos recursos

econômicos na atividade produtiva.

Faz-se necessário analisar especificamente o segmento das Micro e Pequenas

Empresas, em cumprimento da prescrição elencada no texto constitucional, no artigo 170, IX

e hodiernamente estabelecidas na Lei complementar nº. 123/2006, o Estatuto Nacional de

Micro e Pequena Empresa.

Acertadamente, Marlon Tomazette destaca:

No Brasil, a maior parte das atividades empresariais pode ser considerada de pequeno ou médio porte. [...] Para proteger tais empresários é mister que se compatibilizem as exigências da atividade empresarial com o volume de recursos movimentado por estes, isto é, não se pode exigir dos pequenos e médios empresários, o mesmo que se exige de uma grande companhia.77

Percebe-se pelo acima exposto que as Microempresas, geram postos de trabalho,

desenvolvem tecnologia e contribuem para o desenvolvimento nacional sem a necessidade de

grandes investimentos públicos.

Montaño realiza interessante análise da Microempresa, numa perspectiva histórico -

crítica, quanto sua participação no contexto socioeconômico e político, nos seguintes termos:

Em geral, os estudos sobre as pequenas e microempresas referem-se à sua internalidade: às características do “microempresário”, às características intrínsecas da PeME, às características de seus sistemas administrativos, produtivo, comercial. Na verdade, estes estudos não passam, muitas vezes, de uma descrição da dinâmica interna das PeMEs. [...] Contrariamente, na nossa perspectiva histórico-dialética, a preocupação não está apenas na PeME como uma realidade autônoma e supondo suas características internas como causas de sua situação socioeconômica. [...] Pelo contrário, ela deve estar necessariamente vinculada às questões econômicas e políticas, sendo, portanto as características da PeME conseqüências, e não causas, da sua situação da sua situação, localização e participação no contexto sócio- histórico.78

77 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.52 78 MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.24-25.

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Comungando do mesmo entendimento, no entanto, com vistas ao cumprimento da

função social da empresa.

Considerando que as Microempresas oferecem as melhores respostas no novo

cenário econômico, no entanto verificava-se que o índice de mortalidade desses negócios

eram alto e que de 100 Microempresas estabelecidas somente 20 chegavam ao segundo ano

de vida.

O IBGE publicou em 2003 um estudo especial sobre as Microempresas que

revelavam a respeito do índice de natalidade/mortalidade desse seguimento, com base em

pesquisas nos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001:

O comportamento das taxas de natalidade e mortalidade das empresas mostra-se bastante sensível à variável de porte/tamanho das empresas. No setor de comércio constatou-se que a taxa de natalidade, em todos os anos pesquisados, foi superior nas empresas que ocupavam até 5 pessoas. Justifica esse comportamento a inexistência de barreiras à entrada de pequenas empresas, tanto no tocante ao capital humano, quanto ao capital financeiro, necessários ao seu funcionamento. Se, por um lado, essas condições justificam a maior natalidade dessas firmas, por outro, parecem decisivas para seu desaparecimento. As taxas de mortalidade das empresas que ocupavam até 5 pessoas foram também mais elevadas quando comparadas às das empresas de maior porte. Constatou-se ainda que, quanto maior o porte das empresas, menores eram as taxas de natalidade e de mortalidade. De fato, as empresas que ocupavam de 6 a 19 pessoas e de 20 ou mais pessoas apresentavam taxas de natalidade significativamente inferiores às de menor porte. O percentual de empresas criadas, nos anos analisados, que ocupavam de 6 a 19 pessoas, foi sempre inferior à metade do verificado para as empresas que ocupavam até 5 pessoas. Para as empresas com porte superior a 20 ou mais pessoas ocupadas, esse percentual foi significativamente mais baixo. No tocante à taxa de mortalidade, o comportamento das empresas foi muito semelhante. Constatou-se menores taxas nas empresas de maior porte que nas que ocupavam até 5 pessoas. Entre as empresas que ocupavam de 6 a 19 pessoas e as que ocupavam 20 ou mais pessoas não houve diferenças significativas nas taxas de mortalidade, nos anos analisados. De fato, em 1999, a taxa de mortalidade das empresas que empregavam mais de 20 pessoas foi maior do que a das que ocupavam de 6 a 19 pessoas. Esse comportamento parece indicar que as empresas do comércio, das faixas de 6 a 19 e 20 ou mais pessoas ocupadas, são afetadas de modo semelhante no que se refere à mortalidade.79

Como se verifica em que pese os dados da pesquisa datados de uma década atrás

refletem a realidade atual, confirmando que as Microempresas não podem prescindir de um

tratamento diferenciado.

79 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). As micro e pequenas empresas comerciais e de serviços no Brasil: 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p.20.

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Cumprem importante função econômica e social, no entanto vivem uma realidade

diferente dos demais segmentos da atividade econômica, visto suas principais características,

segundo a mesma edição do estudo realizado pelo IBGE, no âmbito do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão:

1. Baixa intensidade de capital; 2. Altas taxas de natalidade e de mortalidade; 3. Forte presença de proprietários, sócios e membros da família como mão-

de-obra ocupada nos negócios; 4. Poder decisório centralizado; 5. Estreito vínculo entre os proprietários e as empresas, não se distinguindo,

principalmente em termos contábeis e financeiros, pessoa física e jurídica;

6. Registros contábeis pouco adequados; 7. Contratação direta de mão-de-obra; 8. Utilização de mão-de-obra não qualificada ou semiqualificada; 9. Baixo investimento em inovação tecnológica; 10. Maior dificuldade de acesso ao financiamento de capital de giro; e 11. Relação de complementaridade e subordinação com as empresas de

grande porte.80

As características acima elencadas representam para o setor das Microempresas o

fator determinante para o seu sucesso particular, com reflexos positivos a toda a sociedade,

assim como os motivos do o seu fracasso, este com consequenciais negativas especialmente

aos organizadores da atividade.

Visto que o desaparecimento, individual de uma Microempresa em nada altera o

abastecimento das coletividades, nem mesmo o desaparecimento dos postos de trabalho, visto

que Microempresas nascem e morrem todos os dias, e de forma natural são substituídas.

Diferentemente se verifica quanto as Médias e Grandes Empresas, quando em crise,

ou mesmo nos processos de falência e recuperação espraiam efeitos negativos à economia

nacional ou local dependendo de seu porte e área de atuação.

Nestes termos revela-se necessário trazer a colação que a Recuperação Judicial das

Micro e Pequenas Empresas diferem do tratamento dispensado às Médias e Grandes

Empresas, seguindo regras especificas, nos termos do artigo 70 e seguintes da Lei

11.101/2005:

Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1o desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da

80 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). As micro e pequenas empresas comerciais e de serviços no Brasil: 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p.18.

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legislação vigente, sujeitam-se às normas deste capítulo. [...] Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se-á às seguintes condições: I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei; II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano); III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; [...].81

Depreende-se da leitura do texto legal que o tratamento da Microempresa em crise

econômica é bastante simplificado, oportunizando ao organizador da micro e pequena

empresa somente a possibilidade de parcelar as obrigações contraídas junto aos credores

quirografários, excluindo os credores trabalhistas e fiscais do concurso de credores.

Na lição de Almeida, a Recuperação da Microempresa se dá:

Ao revés do que se sucede com as empresas de grande e médio porte, as Microempresas e empresas de pequeno porte sujeitam-se a um sistema bem mais simples para valerem da recuperação judicial, observadas as seguintes regras: I – independe da concordância dos credores, dispensando convocação de assembléia geral destes; II – o juiz pode de plano, conceder a recuperação, se atendidas às exigências legais, ou, julgando improcedente o pedido, na eventualidade de haver objeção dos credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários (art. 72), decretar a falência; III – só atinge os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, e aqueles descritos nos §§ 3º e 4º do art.49; IV – faculta o pagamento do débito em até trinta e seis parcelas mensais iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente com juros de 12% ao ano; V – a contratação de empregados e aumento de despesas dependem de autorização do juiz, ouvido, previamente, o administrador judicial; Deferido o pedido de recuperação judicial ou decretada a falência da microempresa ou empresa de pequeno porte, segue-se o procedimento estabelecido para as respectivas hipóteses, obviamente, com a observância das regras que lhe são próprias – arts. 70 a 72. O pedido de recuperação judicial da microempresa e empresa de pequeno porte, também denominado plano especial, não acarreta a suspensão do curso de prescrição e, tampouco, das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.82 [grifo do autor].

81 BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, art. 70. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011. 82 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a lei n. 11.101/2005. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.345-346.

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Verificados os aspectos mais relevantes quanto a participação da Microempresa no

contexto socioeconômico que fundamentam o tratamento diferenciado e favorecido

dispensados a estes importantes agentes econômicos, faz-se necessário estabelecer a sua

conceituação e o modo que foi institucionalizado e quais são as formas de implementação das

políticas públicas de apoio e favorecimento.

2.1 CONCEITO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DE MICROEMPRESA

Registre-se que após amplo debate promovido por instituições ligadas ao setor do

desenvolvimento dos pequenos negócios, associações, federações, confederações com o

impulso do serviço brasileiro de apoio as pequenas empresas, SEBRAE.

Foi sancionado em 14 de dezembro de 2006, o novo estatuto da Microempresa, a Lei

complementar nº 123 com a pretensão de efetivamente entregar a esse importante setor da

economia nacional um efetivo tratamento diferenciado nos termos estabelecidos pela

Constituição Federal de 1988.

Segundo, Bruno Mattos e Silva:

Atendendo a sucessivos anseios de diversos setores da população, particularmente os micros e pequenos empresários, foi editada a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o novo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, incluindo um novo regime simplificado e favorecido para pagamento de tributos e contribuições federais, estaduais, distritais e municipais. [...]. Essa norma ficou conhecida na época da tramitação do projeto no Congresso Nacional como ‘Lei Geral’, por incluir o SIMPLES NACIONAL – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (popularmente conhecido como ‘Supersimples’), que abrange diversos tributos federais, estaduais e municipais.83

O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, conhecido

como Lei Geral da Microempresa estabeleceu normas no âmbito da União, dos Estados e dos

Municípios.

O Estatuto estabelece a apuração e recolhimento de impostos mediante regime único

de arrecadação, cumprimento das obrigações trabalhistas e acesso ao crédito e aos mercados,

83 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.152-153.

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inclusive quanto a preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos

também acesso a novas tecnologias e regras de inclusão.

É importante realçar que a gestão das políticas para o setor das MPEs é gerida pelo

Comitê Gestor do Simples Nacional84, pelo Fórum Permanente das Microempresas e

Empresas de Pequeno Porte85, também participam o Comitê para Gestão da Rede Nacional

para a simplificação do Registro e legalização de Empresas e negócios.

Como referido a Lei Complementar 123 de 2006 desde a sua publicação ocorrida no

Diário Oficial da União em 12/12/2006, passou a ser alvo de críticas, pois apresenta uma série

de omissões e complexidade que clamavam por uma revisão que ocorreu com a edição das

Leis Complementares nos127 e 128.

Efetivamente, a edição da nova lei contribuiu para que muitos setores da economia

também fossem favorecidos com essas mudanças, especialmente os prestadores de serviços

que poderão agora calcular e recolher a contribuição destinada ao INSS e incidente sobre a

folha de salários conjuntamente com os demais tributos abrangidos pelo SIMPLES.

Frise-se que a Lei Complementar ora em destaque entrega ao microempresário que

vivia à margem da lei, o sentimento de cidadania, que tem por pressuposto objetivo a

dignidade da pessoa humana exortada pela Constituição Federal.

Ser um Empreendedor Individual é praticar de forma efetiva a cidadania dentro da

linha de defesa do presente trabalho que classifica o Microempresário individual ou o

Microempresário objeto de tratamento diferenciado.

Com efeito, este é agente de uma atividade econômica que busca a sua subsistência

trabalhando por conta própria e que de forma indireta contribui para o desenvolvimento

econômico e social do país.

Como relatado anteriormente apresentado, o tratamento favorecido às MPEs antes de

ter uma previsão constitucional fez parte de uma política de desburocratização nos últimos

anos do governo militar, DL nº. 1780 de 1980, editado em 14 de abril de 1980, com a

previsão da isenção do IR e dispensa das obrigações acessórias, seguida 4 anos depois quanto

os ventos da redemocratização do país já tomava conta das instituições e sociedade, pela Lei

7.256 de 27 de novembro de 1984, pelo primeiro Estatuto da Microempresa.

84 BRASIL. Decreto nº 6.038, de 7 de fevereiro de 2007. Institui o Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6038.htm >. Acesso em: 25 fev. 2011. 85 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna. php?area= 4&menu=2071>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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A atividade econômica tipificada como Microempresa, tem sua conceituação legal

estampada no artigo 3º do Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte:

Art. 3o Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); [...].86

Nesse sentido, se junta colação a lição de André Ramos Tavares:

A conceituação de microempresas e empresas de pequeno porte atenta para um critério certo e incontestável: o tamanho da receita dessas empresas. Aliás, a solução encampada parece ser a mais lógica, decorrendo, inclusive, de uma compreensão da própria nomenclatura.87

Como se verifica a definição legal de Microempresa tem como critério o valor do

faturamento bruto anual auferido, sendo estendidos os benefícios da Lei às atividades

desenvolvidas pelas pessoas jurídicas organizadas sob a forma de sociedade simples, com

exclusão das pessoas naturais, profissionais autônomos, o que Mamede critica nestes termos:

A leitura do caput do artigo 3º do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte revela que o legislador não se preocupou muito com os institutos jurídicos por ele mesmo criados. Refiro-me especificamente ao conceito de empresa que, entre nós, foi estabelecido pelos artigos 966 e seguintes da Lei 10.406/02 (Código Civil de 2002), abandonando a Teoria do Ato do Comércio que dava sustentação do Código Comercial de 1850, em proveito da Teoria da Empresa. Essa alteração teórica teve reflexo direto no rol das pessoas jurídicas de Direito Privado. No regime anterior, tinha-se a fundação a sociedade, dividindo-se, esta última em cível e comercial (regrada pelo Código Comercial). No regime vigente tem-se a fundação, a associação e a sociedade, esta última dividindo-se em simples e empresária, (artigo 982 do Código Civil). Ambas, sociedade simples e empresárias dedicam-se à exploração de atividades econômicas (artigo 44, II, do Código Civil), mas, respeitado o artigo 1.150 do Código Civil, somente a sociedade empresária, vinculada ao Registro Público de Empresas mercantis (Junta Comercial), é titular de empresa; à sociedade simples, vinculada ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não corresponde

86 VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.12. 87 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.223-224.

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empresa: sua atividade negocial e, mesmo, os bens que foram organizados para o respectivo exercício, não se caracterizam como empresa. Portanto, com a adoção da Teoria da Empresa faz-se necessário reconhecer que nem toda atividade negocial caracteriza empresa. [...] A confusão de se falar numa empresa (micro ou pequena) titularizada e exercida por uma sociedade simples é fruto, simplesmente, do desejo de estender a tal tipo societário o tratamento favorecido desta lei complementar. [...] É o quanto basta para deixar claro a inclusão das sociedades simples faz-se por equiparação às sociedade empresárias, com o fito específico de lhes permitir a fruição do tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte.88

Tal discussão, com suas fundamentadas bases doutrinárias, referem-se a um debate

no âmbito acadêmico, sem maiores repercussões no objeto do presente estudo, no entanto se

revela oportuno registrar que o legislador no trato da disciplina da atividade econômica

exercida pela Microempresa cometeu um deslize ao imputar às atividades econômicas simples

o status de empresa, gerando uma dificuldade meramente conceitual, sem prejuízo da intenção

final que trata da extensão aos exercentes das atividades econômicas simples os benefícios da

Lei Geral da Microempresa.

Montaño contribui para a conceituação da Microempresa realizando a distinção entre

empresas e empresários:

Para uma clara conceituação de pequena e microempresa, devemos distinguir duas categorias geralmente identificadas: a ‘empresa’ e o ‘empresário’. [...] As empresas podem se classificar em, segundo as suas dimensões em micro, pequena, médias e grandes, porém, uma PeMe pode pertencer tanto a um empresário muito capaz, e desse ponto de vista ser um ‘grande empresário’, quanto a um empresário ‘imaturo’ em alguma área. [...] No entanto, a realidade da PeMe não deriva das características do empresário e sim da realidade da própria empresa no sistema. Assim, caracterizar a PeMe significa caracterizar a empresa, e não o empresário.89 [grifo do autor].

O mesmo autor oferece os elementos para determinação da atividade econômica da

Microempresa:

A conceituação da PeMe como organização produtiva requer, em primeiro lugar , uma análise de sua estrutura. Para isto consideramos três aspectos fundamentais: [...] A Dimensão: numa organização produtiva, a dimensão deve ser considerada em razão de certos elementos: número de membros que

88 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.16. 89 MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.13.

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compõe esta organização; volume de produção e comercialização, custos de produção, ponto de equilíbrio, número de mercadorias produzidas e volumes de vendas, capital fixo e capital de giro, mercado que atende, volume de lucro, etc. A dimensão destas pequenas unidades produtivas é reduzida tanto no número de membros, quanto no nível de produção e comercialização.90 [grifo do autor].

Nestes termos percebe-se que os requisitos legais têm como critério, na Lei

Complementar 123/2006, a receita bruta e o registro, no entanto observa-se uma série de

exclusões, que segundo Marlon Tomazette são: as pessoas jurídicas que tenham como sócio

outra pessoa jurídica; as pessoas jurídicas que participem de outra pessoa jurídica; as pessoas

jurídicas que sejam filiais, sucursais, agências ou representações, no país, de pessoa jurídica

com sede no exterior.91

Também a pessoa jurídica que tenha sócio que participe de outra pessoa jurídica ou

empresa individual, cujo soma de faturamento supere o teto de faturamento estabelecido.

Ainda cita a exclusão da pessoa jurídica cujo sócio tenha participação significativa

em outra sociedade, ou seja, que a participação que ultrapasse a 10% do capital social, o

administrador ou sócio de pessoa jurídica, cuja receita ultrapasse os limites de

enquadramento.

As cooperativas e as sociedades por ações, as sociedades resultantes ou

remanescentes de cisão, fusão ou incorporação, nos cinco anos anteriores.

Por fim, excluem-se as sociedades que exerçam atividade de banco comercial,

instituições financeiras, mobiliárias e securitárias.

As exclusões se justificam quanto aos aspectos subjetivos e objetivos, ou seja, quanto

a atividade não se enquadrar nos limitados conceitos de complexidade, ou dos interesses

albergados ou ainda por servirem de manobras destinadas a burlar o escopo da lei com

divisões e subdivisões meramente formais.

As pessoas jurídicas, empresário individual, sociedades empresárias e sociedades

civis enquadradas nesta definição gozam do tratamento diferenciado e favorecido nos termos

da lei e especialmente os referidos nos incisos I,II e III do artigo 1º do Estatuto Nacional da

Microempresa e Empresa de Pequeno Porte que serão objeto de detalhado estudo neste

capítulo.

As empresas consideradas como Microempresas gozam de benefícios de tratamento

90 MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.13. 91 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1, p.53-55.

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diferenciado, desburocratizado, quanto às formas de registro e baixa, ainda, benefícios de

acesso a mercados com tratamento diferenciado nas licitações para aquisição de bens e

serviços pela Administração Pública, simplificação quanto às obrigações trabalhistas sendo

facilitado o acesso a justiça do trabalho e garantida a implementação de fiscalização

orientadora com o critério da dupla visita quando a lavratura dos autos de infração.

Ressalte-se que o Estatuto Nacional da Micro e Pequena Empresa, caracterizam-se

pelo incentivo ao associativismo, imprimindo um caráter democrático na implementação de

políticas públicas de interesse desse importante seguimento, com a criação de Fóruns

Nacionais e Regionais nos aspectos tributários e registrarias.

Considerando que um exemplo pode ilustrar de forma clara como se dá esse

tratamento diferenciado, Mamede, traz em sua obra decisão do Superior Tribunal de Justiça,

abaixo transcrito:

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) executou a microempresa Irmãos Morais Ltda., tendo sido penhorada três Policortes para alumínio, uma furadeira de banca, uma furadeira de impacto, uma serra e trinta janelas. A empresa se insurgiu contra a penhora dos bens, alegando que o artigo 649 do Código de Processo Civil diz que não podem ser penhorados os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. O INSS argumentou que a norma se aplica apenas às pessoas naturais (pessoas físicas), não às pessoas jurídicas; assim por meio do Recurso Especial 438.670/PR, o caso foi levado ao exame da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu: “O disposto no artigo 649 do Código de Processo Civil aplica-se às pessoas jurídicas somente em casos excepcionais. Hipótese em que se trata de microempresa cujos bens penhorados são indispensáveis à manutenção do seu funcionamento.” Em seu voto o Ministro Teori Albino Zavascki reconheceu que os Irmãos Morais Ltda. é uma microempresa que atua no ramo de fabricação de esquadrias e estruturas metálicas, sendo que a determinação da venda dos bens importaria na cessação das atividades da empresa e na impossibilidade de exercício da profissão dos dois sócios, impossibilitando o pagamento das dívidas. Assim, manteve a penhora sobre as trinta janelas, mas afirmou estarem presentes os pressupostos necessários à admissão da excepcional impenhorabilidade dos bens necessários à continuidade da operação da microempresa.92

Apreende-se na decisão do Superior Tribunal de Justiça que se tratando de

Microempresa o tratamento a ser dispensado é comparável às pessoas naturais, considerando

o caráter social que caracteriza a atividade econômica desenvolvida.

Outra decisão colacionada por Gladston Mamede, envolvendo a empresa organizada

nos limites legais da Microempresa, onde o STJ equipara à condição de consumidor, mostra-

92 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.18.

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se esclarecedora:

Forchester do Brasil Ltda. ajuizou ação de busca e apreensão contra SBS Serviços de Terraplanagem Ltda. – ME, com base no contrato de empréstimo (mútuo) de dinheiro, garantido por alienação fiduciária. A SBC apresentou uma exceção de incompetência alegando que a ação deveria ter sido ajuizada em Vitória, no Espírito Santo, onde fica a sua sede e onde o negócio fora estabelecido: uma alienação fiduciária, com emissão de cédula de crédito comercial pelo financiador, o Citibank N/A, permitindo a aquisição do equipamento Caterpillar, o magistrado rejeito a exceção, já que o contrato estabelecera como competente o foro da Comarca de São Paulo. A SBC agravou da decisão, invocando o Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual tal eleição de foro seria nula quando estabelecida contra consumidor; a Forchester resistiu lembrando que não se poderia aplicar o Código de Defesa do Consumidor, já que se tratava de empresa que empregara o serviço em seu processo civil, sendo a relação regulamentada pelo Direito Civil, não pelo Direito Consumerista. A matéria foi submetida ao Superior Tribunal de Justiça que, julgando-a no Recurso Especial 468.148/SP, decidiu: ‘O Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos de mútuo, típicos contratos de adesão, no caso, com emissão de cédula de crédito comercial garantido por alienação fiduciária. Tratando-se de contrato de adesão, sendo a ré microempresa, pertinente é a aplicação do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, superando a cláusula de eleição do foro, com vistas à facilitação da defesa.’93 [grifo do autor].

Entretanto o Código Civil 200294, ao estampar no artigo 970, que: “[...] A lei

assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao

pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”, causou grande

discussão doutrinaria, tanto que para Rubens Requião:

O Código Civil, sancionado no ano de 2002, não acompanhou a evolução descrita, pois no seu art. 970 consagrou objetivos limitados ao determinar que a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos decorrentes, apenas. E estende tais benefícios ao empresário rural. Como se vê, o Código não absorveu o pleno conceito jurídico da micro e pequena empresa, com seus importantes efeitos tributários e administrativos.95[grifo do autor].

No entanto com a edição da LC Complementar nº 128/2008, com a redação dada ao

artigo 68, onde considera o pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts.

970 e 1.179 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado

93 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.20-21. 94 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 970.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011. 95 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, v.1, p.63.

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como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até

R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).

Ficando, definido segundo Bruno Mattos Silva que o Código Civil referiu-se no

artigo 970 exclusivamente à Microempresa titularizada por pessoa física, ou seja, empresário

individual, nos seguintes termos:

Como se vê, o pequeno empresário é uma Microempresa, necessariamente pessoa física, e com receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais). Esses requisitos são cumulativos. [...] por mais estranho que seja aceitar que pequeno é menor que micro (!). [...].96 [grifo do autor].

No entanto, faz necessário um breve esboço histórico do desenvolvimento das

atividades econômicas do ponto de vista material e institucional.

2.2 EVOLUÇÃO DA MICROEMPRESA

Inicialmente deve se consignar que até chegar a esse tratamento favorecido e

diferenciado, o caminho percorrido foi longo, fazendo-se necessário uma análise do

desenvolvimento histórico das atividades econômicas, com a finalidade do atual tratamento

dispensado às Microempresas.

2.2.1 O Desenvolvimento das Atividades Econômicas Materiais

Verificando a evolução do desenvolvimento econômico, constata-se o exaurimento

do modelo baseado na produção, distribuição e comercialização em massa.

Com implicações no âmbito das relações de trabalho, na proteção ambiental e

especialmente o tratamento dispensado a pessoa humana, enquanto trabalhador e consumidor.

Constatadas as consequências negativas do modo de produção, do sistema industrial,

fizeram-se necessárias mudanças a partir da década de 50. Assim, diante a reinvenção dos

modos de produção e comercialização, que na realidade se trata da volta às origens, da

atividade artesanal para a valorização da atividade da Microempresa.

Neste sentido a análise da obra de Alvin Tofler faz-se pertinente, embora tratar-se de

96 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.70.

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produção alheia à área jurídica, visto a interessante visão do autor, nestes termos resumidas:

Segundo o autor as atividades organizadas com a finalidade de dar resposta ao problema econômica, necessidades X escassez, foi enfrentado pelo homem inicialmente, por milênios, por meio da exploração da agricultura, onde dependendo exclusivamente de sua força física, e tração animal, deu resposta às necessidades humanas. Com a invenção da máquina a vapor a força humana foi potencializada proporcionando a produção em escala, onde a ordem da oferta e da procura são invertidas, sendo desvalorizada a produção artesanal, por encomenda surgindo a massificação da produção, com a exigência de novas fontes energéticas, baseadas em combustíveis fósseis que juntamente com as agressões ambientais perpetradas tiveram marcada o seu exaurimento com a crise do petróleo do ano de 1973 e o avanço da consciência da necessária proteção ambiental. Ainda, segundo o autor, essas novas condições somadas às mudanças ocorridas no interior das fábricas, como a superação em número e importância dos trabalhadores ligados à administração em detrimento da importância dos trabalhadores operários fez ressurgirem a idéia de produção individualizada revitalizando a importância dos empreendimentos menores hoje representados pela atividade desenvolvidas pelas microempresas.97

Neste mesmo sentido, Wilson de Souza Campos Batalha, atesta que:

A industrialização veio se processando num quadro imenso de concentração e gigantismo das forças econômicas, com suas implicações sociais e políticas. [...] num mundo em expansão, cujos limites nem sequer poderiam ser suspeitados, as conquistas tecnológicas e a produção em escala industrial, para atender a uma demanda que se tornava cada vez mais elástica e de polimorfas exigências, reclamava somas crescentes de recursos financeiros, muitas vezes investidos com prazos de longínquos de retorno. [...] O mundo parecia não ter limites de crescimento. O Clube de Roma, nos anos 60, preocupou-se em indagar se o mundo, realmente, não tinha limites, ou melhor, preocupou-se em alertar para os limites do crescimento.98

Constatadas essas limitações ligadas à organização empresarial e a impossibilidade

do Estado, por meio de políticas públicas na área do desenvolvimento econômico manter a

atuação de investidor, fomentador direito da atividade econômica.

O acima mencionado autor expõe que:

Nessa economia de escala, em que se defrontam os grandes grupos econômicos, com potencial imenso de capitais e tecnologia, não seria, entretanto, possível deixar de reconhecer o papel significativo que representam as médias e pequenas empresas, bem como as ora denominadas

97 TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução João Távora. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980, p.33-34. 98 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.1.

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microempresas [...]. As pequenas empresas constituem a grande maioria das atividades empresariais como bem pondera Henri Guitton (p.272), constituiria erro acreditar que as grandes empresas não podem desenvolver-se senão em detrimento das pequenas, como se o campo da produção fosse rigorosamente limitado. Essas cresceram ao seu lado e não à sua custa [...].99

Verifica-se pela exposição de Batalha que o seguimento das Microempresas, do

ponto de vista de inserção no mercado pode se organizar de duas formas, como exposto por

Carlos E. Montaño, que trata Micro e Pequena Empresa pelas siglas PeME:

Do ponto de vista da sua inserção no mercado, podem-se distinguir duas formas fundamentais de PeMe: [...] aquela que produz certa mercadoria ou serviço para o consumidor direito, ou para o distribuidor(ou intermediário comercial).[...] aquela que produz certa mercadoria ou serviço para uma grande empresa. [...] No primeiro caso, temos uma PeMe que produz uma mercadoria (ou serviço), chegando a sua etapa final pronta para o consumo; chamamos e esta forma de PeMe de ‘empresa de produção final’. Ela se encontra ‘livre’ no mercado; define (potencialmente) o tipo de produto, sua qualidade, seu preço, seu público-alvo.[...] (PeMe Satélite) A outra forma de PeMe produz uma mercadoria para uma grande empresa matriz (GEM) ou ‘subcontratante’. Esta última utiliza o produto que compra da primeira como insumo, matéria – prima, material ou peças de reposição para sua própria maquinaria, produtos necessários à sua produção. Desta forma, a PeMe subcontratada não tem produção destinada a satisfazer diretamente as necessidades de consumo da população.100

Nesse diapasão, verifica-se que a Microempresa, além de estar inserida nas

atividades varejistas, do comércio local, insere-se também no cenário da economia atual,

globalizada.

2.2.2 Desenvolvimento Institucional do Regramento das Atividades Econômicas

No entanto atendo-se à evolução histórica do pensamento econômico, traz-se a

pertinente colocação de Batalha, quanto à institucionalização da atividade da Microempresa

no direito comparado:

A Lei francesa de 27.03.34 disciplina o artesanato. Para que se caracterize o artesanato, é indispensável a ocorrência concomitante dos seguintes requisitos: a) condição técnica – o trabalho deve ser manual e de qualidade

99 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.42-43. 100 MONTAÑO, Carlos E. Microempresa na era da globalização: uma abordagem histórico-crítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p.21-23.

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(Handwork); condição social – o empresário deve exercer pessoalmente a atividade, podendo ser auxiliado por alguns poucos aprendizes e companheiros, quer no âmbito familiar, que não; c) condição comercial – a empresa deve vender apenas as mercadorias ou produtos de seu próprio trabalho. [...] A Lei italiana nº 860, de 25.07.56, define e estabelece o regime jurídico das empresas artesanais, considerando-as como as que se dedicam a produção de bens ou prestação de serviços de natureza artística ou usual, pessoalmente ou com o pessoal dependente, [...] Deve ser limitado ao número de empregados, inclusive os familiares do empresário.101

Em território nacional essa evolução, segundo Batalha, deu-se, dessa forma:

As pequenas atividades autônomas foram objeto de cogitação do legislador brasileiro, anteriormente ao Estatuto da Microempresa. [...] A Lei nº 6.586, de 06.11.78, classificou o comerciante ambulante para fins trabalhistas e previdenciários, definindo, no art. 1º: ‘Considera-se comerciante ambulante aquele que pessoalmente, por conta própria e a seus riscos, exerce pequena atividade comercial em via pública, ou de porta em porta’. [...] O Decreto nº 83.290, de 23.03.79, estabeleceu a classificação de produtos artesanais e identificação profissional do artesão, criando a Comissão Consultiva do Artesanato. [...] A Lei nº 6.939, de 09.09.81, estabeleceu o regime sumário de registro e arquivamento no Registro do Comércio para as firmas individuais e sociedades mercantis que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:a) sejam constituídas sob a forma de sociedade por quotas responsabilidade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita ou sociedade de capital e indústria; b) tenham sócios apenas pessoas físicas residentes no país. [...] O Dec.-Lei nº 1.780, de 14.04.80, concedeu isenção às empresas de pequeno porte; dispensando o cumprimento de obrigações acessórias e o Parecer Normativo CST nº. 25, de 1980, estabeleceu os critérios para a execução do citado decreto-lei. [...] O Estatuto da Microempresa veio a ser aprovado pela Lei nº. 7.256, de 27.11.84, dando tratamento abrangente à matéria, mas sem revogar os dispositivos anteriores concedendo isenções e estímulos nos aspectos especificamente não cogitados no texto respectivo.102

Requião elege como marco histórico, a reforma administrativa, com reflexos no setor

privado, promovida pelo governo militar, nestes termos:

O governo brasileiro, por volta de 1979, já no último estágio do regime militar, instituiu uma política de desburocratização não só no meio de seu antiquado, viciado e dificultoso sistema de administração pública, como também no setor privado, para agilizar os organismos econômicos e financeiros. Confiou, a principio, essa tarefa a um experimentado técnico, o ex-Ministro Hélio Beltrão, que, com grande ânimo, começou a desbaratar os entraves administrativos, desmotivadas exigências e atos obsoletos. O ponto alto da política desburocratizante foi, sem dúvida, sua investida para livrar as

101 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Estatuto da microempresa. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.44. 102 Id., Ibid., p.45.

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empresas, comerciais, industriais ou civis, de regulamentos e portarias, que nada impediam as fraudes. Daí dar à publicidade, para debate público, um projeto de lei chamado de Estatuto das Microempresas.103

No mais, complementa Rubens Requião ao destacar que,

Na verdade, a microempresa, minúsculo organismo empresarial, já havia sido objeto de leis comerciais e fiscais esparsas, mas sem sistematização, uma vez que se dirigia a atender a estritas circunstâncias de cada caso. Impunha-se, de fato, enfrentar o problema do comércio e da indústria de pequeno porte, como células capazes de se desenvolveram, integrando-as adequadamente na economia nacional. Mantinha-se ela indefesa diante das exigências legais onerosas, pois, se as atendesse, como qualquer empresa de porte, nada lhe sobraria. Ou a microempresa, então, sonegava sistematicamente os impostos federais, estaduais e municipais e mecanismos administrativos, mantendo-se na ilegalidade, ou não tinha condições de sobreviver.104

Ainda segundo o citado autor, a evolução legislativa deu-se nestes termos, frise-se

que a edição da obra citada é anterior à LC 123/2006, Estatuto ou Lei Geral da Microempresa:

[...] Tivemos, depois, a edição do Decreto-lei nº 1.750, de 14 de abril de abril de 1980, que iniciou o movimento legislativo com o propósito descrito, seguido da Lei nº 7.256, de 27 de novembro de 1984. [...] Esse esforço foi consagrado na Constituição de 1988, que, em seu art. 170, cometeu a União, aos Estados e Municípios o dever de estabelecer tratamento jurídico diferenciado visando incentivar as microempresas e empresas de pequeno porte, pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. [...] Editaram-se, após, as Leis nº 8.864, de 28 de março de 1994, implantando o Estatuto da Microempresa, e 9.317, de 5 de dezembro de 1996, que, revogando artigos da Lei nº. 8.864/94 estabeleceu o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresa de Pequeno Porte – o SIMPLES. Em 5 de outubro de 1999 foi sancionada a Lei nº 9.841, que instituiu o novo Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, assegurando-lhes tratamento jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, revogando as Leis nº 7.256/94* e 8.864/94, mas mantendo a Lei nº. 9.317/96.105

Como se verifica neste breve relato histórico, a Constituição de 1988, de forma

pioneira elencou entre os princípios/objetivos da Ordem Econômica a necessidade do

103 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, v.1, p.62. 104 Idem, Ibid., p.62-63. 105 Id., Ibid., p.63.

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tratamento favorecido e diferenciado às atividades econômicas desenvolvidas pelas

Microempresas, no inciso IX do artigo 170 e no artigo 179 definiu em quais áreas se deveria

dar tratamento diferenciado.

O legislador constitucional de 1988, ao estabelecer os fundamentos/princípios da

Ordem Econômica, estabelece no caput do artigo 170 que, “a ordem econômica é fundada na

livre iniciativa”, e que deve estabelecer tratamento diferenciado e favorecido às

Microempresas, oferece o suporte institucional para a valorização da atividade econômica das

Microempresas.

Mamede, de forma precisa, aborda o tema da seguinte forma:

As grandes corporações, as empresas de vasta atuação, sempre fascinaram o ser humano, pelo seu apetite pela realização, pela superação de sua pequena dimensão diante do espaço. [...] No entanto, se observarmos com cuidado o quotidiano da humanidade sempre foi feito pelas pequenas empresas, pelo trabalho de um ou alguns, pelo seu esforço individual. Nestas incontáveis pequenas iniciativas, a humanidade sempre encontrou trabalho e sustento, garantindo a subsistência e tornando possível o crescimento individual e coletivo. A Constituição da República, no amplo especo conceitual aberto pela expressão valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, acaba por abraçar todas essas situações, reconhecendo a importância da atuação produtiva individual ou coletiva, havidas sob formas distintas: [...] Está-se, portanto, diante de uma nítida opção constitucional pela valorização das micro e pequenas empresas negociais, compreendidas como forma preferencial para a realização dos objetivos fundamentais da República.106

André Ramos Tavares traz consideração quanto, a possível, limitação da livre

concorrência, devido ao tratamento diferenciado, nestes termos:

O inciso IX do art. 170 estabelece um princípio que poderia considerar uma restrição à amplitude do regime concorrência, já que criou tratamento diferenciado para a microempresa e empresas de pequeno porte. [...] O tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa). É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os grandes empresários.107

Para Celso Ribeiro Bastos os motivos que justificam o tratamento diferenciado são

106 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.2-3. 107 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p.222.

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de ordem social, financeira, tecnológico e ambiental:

Nos dias atuais é muito freqüente reconhecer-se a importância desempenhada pelas pequenas e micro empresas. São essas as responsáveis pelo maior numero de empregados. De outra parte são um instrumentos útil para a democratização do capital, assim como para a criação de estímulos a que um maior número de pessoas se lance à atividades empresarial. O próprio desenvolvimento tecnológico mais recente permite que se desenvolva, por meio de empresas de pequeno porte, o que antes era próprio de grandes indústrias com inumerável contingente de trabalhadores. A descentralização dessa atividade massificada por unidades de pequeno porte é sem dúvida benéfica, quer do ponto de vista social, econômico, quer até mesmo do ecológico.108

A Constituição Federal de 1988 estabelece a partir do artigo 1º, inciso IV, que a livre

iniciativa, conjugada com os valores sociais do trabalho é fundamento da República.

O artigo 170, caput volta a estabelecer que a ordem econômica é fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem a finalidade de assegurar a todos

existência digna.

Os comandos constitucionais estabelecem de forma cristalina que essa livre

iniciativa, com tanta responsabilidade, pode e deve estabelecer-se, real e concretamente por

meio das Microempresas.

E entrega a esse importante setor as ferramentas indispensáveis à implementação do

necessário tratamento diferenciado e favorecido, nos termos a seguir.

2.3 FORMAS DE IMPLEMENTAÇÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO E

FAVORECIDO

O Estatuto Nacional da Microempresa estabeleceu uma série de inovações no

tratamento da atividade econômica desenvolvida no âmbito da Microempresa, especialmente

quanto à questão tributária, que será objeto de estudo especial, destacando-se, as demais, para

fins deste trabalho.

108 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988, p.36.

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2.3.1 Quanto a Inscrição e Baixa

Estabelecidas nos artigos 4º; 5º; 6º; 7º; 8º; 9º; 10º 11º, do Estatuto, podendo ser

sumariamente comentadas, de acordo com o exposto por Gladston Mamede109:

O exercício da atividade negocial pressupõe o competente registro, nos termos da Lei

8.934/1994, e do artigo 1.150 do Código Civil, que no caso das MPEs, o Estatuto estabelece

no artigo 4º, o paradigma da “unicidade do processo de abertura e fechamento”, significando

que o órgão encarregado do estabelecimento de normas relativas à abertura e fechamento da

Microempresa deve estabelecer um procedimento que seguira uma só sequência, sem

contramarchas, sem retorno a fases já vencidas, evitando a duplicidade de exigências, enfim

descomplicado.

Para Gladston Mamede110, o artigo 5º impõe um tratamento desburocratizado, em

todos os órgãos, independente se da esfera da União, do Estado, do Distrito Federal ou do

Município.

Com informações, orientações e instrumentos que possibilitem a efetividade da

unicidade e linearidade do processo previsto no artigo 4º, sem a possibilidade de impor ao

usuário uma peregrinação em repartições, gabinetes, mesas, à procura de um formulário, um

carimbo.

Esclarece ainda que esta orientação deva dar-se de forma prévia, com relação à

localização, licenciamento, nome empresarial, visto que a organização das cidades pressupõe

a criação do zoneamento dos municípios com vistas à proteção do interesse público.

Ocorrendo que pode existir um choque de interesses públicos, visto que é

reconhecido também um interesse público no desenvolvimento de atividades econômicas

geradoras dos benefícios já comentados.

Exigindo da Administração Pública um exercício dos Princípios da Razoabilidade e

Racionalidade. O artigo 5º estabelece que o organizador da Microempresa e o usuário de uma

forma geral devem ser orientados por todos os meios disponíveis com presteza, educação e

civilidade.

Os artigos 6º, 7º e 8º, estabelecem que os órgãos envolvidos no Registro da atividade,

devam seguir a mesma linha, com a simplificação, racionalização e uniformização, dos

109 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.49-93. 110 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p. 53.

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procedimentos, e que nas atividades que não exijam prévia vistoria, esta deva ser realizada

após o inicio das atividades. Evitando a proliferação e repetição de procedimentos

característicos da Administração Pública burocrática, por meio da entrada única de dados

cadastrais e documentos.

Gladston Mamede nesta senda, na qual se estabelece um conflito entre o Princípio da

Livre Iniciativa, como fundamento da República e da Ordem Econômica e a cultura

burocratizante da Administração Pública, em prestigio à segurança jurídica, averigua às folhas

90, que a norma estatuída no art. 11 do Estatuto Nacional da Microempresa, orienta-se pelos

princípios da simplificação, racionalização, uniformização, unicidade processual e o princípio

da ampla informação e instrumentalização, quanto aos atos constitutivos e extintivos da

Microempresa.

E finaliza destacando que as normas do artigo 4º ao 11 são autos aplicáveis, e que

basta à Administração Pública direta ou indireta estabelecer exigências em desacordo com

estes princípios para ensejar o manejo do mandado de segurança, para restabelecer a ordem

estatuída na Lei complementar.

2.4 DAS DEMAIS FORMAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO

O Estatuto estabelece tratamento diferenciado ainda quanto; o acesso aos mercados,

com relação à participação nas licitações públicas; quanto à simplificação das relações de

trabalho e previdenciárias; quanto ao acesso ao crédito e a capitalização; ao associativismo e o

acesso à justiça.

Todos importantíssimos para o desenvolvimento da atividade da Microempresa, que,

no entanto não será objeto de detalhamento neste trabalho, visto não se tratar de uma análise

ao Estatuto Nacional de Micro e Pequena Empresa, constituindo o foco principal da pesquisa

a importância econômico-social da Microempresa.

Dentro dessa delimitação do tema da pesquisa, concentrar-se-á na análise de dois

aspectos fundamentais: o estimulo à inovação e o tratamento tributário dispensado ao setor.

2.5 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O ESTÍMULO À INOVAÇÃO

Verificado na seção inicial, a marcha do desenvolvimento das atividades econômicas

rumo à “desmassificação” e humanização dos meios de produção e consequentemente das

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relações contratuais e trabalhistas, neste mesmo diapasão inclui-se a valorização da produção

de bens e serviços dessa nova fase do pós-industrialismo.

Esses bens de maior valor agregado, produzidos artesanalmente ou fruto de

inovações tecnológicas, enquadram-se nas necessidades da sociedade do conhecimento, onde

a valorização do ser supera o valor do ter, onde o fenômeno da redução do porte e do

maquinário exigido enquadra-se perfeitamente ao perfil da Microempresa.

Foi nesse sentido que surgiram experiências inovadoras, inicialmente, em países

mais desenvolvidos, como relata artigo de Revista Iberoamericana de Ciência, Sociedad e

Inovación no artigo de Souza e outros:

Há cerca de 50 anos surgiram na região do Vale do Silício e da Rota 128, nos Estados Unidos da América, os primeiros arranjos institucionais semelhantes aos que hoje se consideram ‘incubadoras de empresas’. Contudo, foi só a partir dos anos 70 que esse tipo de empreendimento tomou o seu formato atual. Hodiernamente, além dos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, a Alemanha e o Japão fomentam as incubadoras como forma de promover um maior dinamismo econômico e tecnológico.111

Esses, “arranjos”, denominados incubadoras, visto que são concebidos para estimular

e proteger os projetos em sua fase inicial, seu nascimento, são assim definidos por Gladston

Mamede:

[...] Constituem programas de apoio e estímulo à constituição das atividades econômicas visando o aumento da probabilidade de sucesso. Com efeito, os altos índices de fracasso em micro e pequenos negócios recém-abertos levou algumas entidades, como universidades, organizações não governamentais, entre outras, a desenvolver tais programas: os interessados em empreender iniciam suas atividades tutelados por tais entidades, que lhes oferecem suporte variado: conhecimento de administração, gerenciamento, contábil, jurídico, tecnológico, etc.[...] Vencido o período de incubação, o negócio abandona a incubadora e vai se estabelecer no mercado, sendo certo que o risco de insucesso reduz-se a menos de um terço.112

Segundo os autores acima citados, no Brasil o processo deu-se da seguinte forma:

111 SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação. Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1.Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011. 112 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.360.

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No Brasil, o movimento das incubadoras de empresas começou no início da década de 1980, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e adesão de agências como a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e a Organização dos Estados Americanos – OEA no plano supranacional. Estudos apoiados por essas agências levaram à constituição, em 1987, da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologia Avançada – ANPROTEC, cujo objetivo tem sido a articulação com organismos governamentais e não-governamentais, visando o desenvolvimento de Incubadoras e Parques Tecnológicos no País. O surgimento desse arranjo no Brasil esteve ligado à existência de um vácuo institucional que promovesse a relação entre o ambiente acadêmico e o setor empresarial. Os principais agentes de vinculação (a partir dos anos 50), os institutos de pesquisa, já davam claros sinais de dificuldades no início dos anos 80.113

Neste mesmo sentido, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de

Empreendimentos Inovadores, relata que:

O modelo precursor do processo de incubação de empresas, como conhecemos hoje, surgiu em 1959 no estado de Nova Iorque (EUA), quando uma das fábricas da Massey Ferguson fechou, deixando um significativo número de residentes nova iorquinos desempregados. Joseph Mancuso comprador das instalações da fábrica resolveu sublocar o espaço para pequenas empresas iniciantes, que compartilhavam equipamentos e serviços. Além da infra-estrutura física das instalações, Mancuso adicionou ao modelo um conjunto de serviços que poderiam ser compartilhados pelas empresas ali instaladas, como secretaria, contabilidade, vendas, marketing e outros, o que reduzia os custos operacionais das empresas e aumentava a competitividade. Uma das primeiras empresas instaladas na área foi um aviário, o que conferiu ao prédio a designação de ‘incubadora’. Nos anos 70, já na conhecida região do Vale do Silício, nos Estados Unidos, as incubadoras apareceram como meio de incentivar universitários recém-graduados a disseminar suas inovações tecnológicas e a criar espírito empreendedor. O mecanismo, então ali criado, se traduziu em oportunidade para esses jovens iniciarem suas empresas, através de parcerias, junto a uma estrutura física que oferecia assessoramento gerencial, jurídico, comunicacional, administrativo e tecnológico para amadurecerem seus negócios nascentes, a esta estrutura deu-se o nome de incubadora de empresas. No Brasil, as primeiras incubadoras surgiram a partir da década de 80, quando por iniciativa do então presidente do CNPq Professor Lynaldo Cavalcanti, cinco fundações tecnológicas foram criadas, em Campina Grande (PB), Manaus (AM), São Carlos (SP), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC). Após a implantação da ParqTec – Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos, em dezembro de 1984, começou a funcionar a primeira incubadora de empresas no Brasil, a mais antiga da América Latina, com quatro empresas instaladas, sendo que nessa década quatro incubadoras foram constituídas no país, nas cidades de São Carlos (SP), Campina Grande (PB),

113 SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação. Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1.Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011.

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Florianópolis (SC) e Rio de Janeiro. Apesar da inauguração das primeiras incubadoras brasileiras, elas somente se consolidaram, como meio de incentivo para atividades e produção tecnológica, a partir da realização do Seminário Internacional de Parques tecnológicos, em 1987, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, surgia Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (ANPROTEC), que passou a representar não só as incubadoras de empresas, mas todo e qualquer empreendimento que utilizasse o processo de incubação para gerar inovação no Brasil.114

A Revista Iberoamericana ainda destaca que:

A incubadora oferece alguns serviços e recursos para os empreendimentos incubados como: orientação empresarial, assessoria em marketing, assessoria em recursos humanos, assessoria em planejamento, assessoria em contabilidade e finanças e assessoria em propriedade intelectual; além de serviços de secretaria, apoio para cooperação com universidades, centros de pesquisa e instituições de fomento, laboratórios de uso compartilhado, espaço para reunião, treinamento e show-room.115 [grifo do autor].

Como se verificou na abertura da presente seção o índice de mortalidade da

Microempresa apresenta-se em número bastante elevado e o apoio às iniciativas inovadoras,

dentre as elencadas no artigo 65 do Estatuto Nacional da Microempresa, in verbis:

Art. 65. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e as respectivas agências de fomento, as ICT, os núcleos de inovação tecnológica e as instituições de apoio manterão programas específicos para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive quando estas revestirem a forma de incubadoras, observando-se o seguinte: [...].116

Constitui medida fundamental ao desenvolvimento das Microempresas e por

conseguinte de toda a sociedade, no cumprimento da função social da empresa, visto que de

acordo com a Souza, já citado, o exemplo do Instituto Tecnológico da Unicamp, em

Campinas tem como perfil dos empreendedores:

114 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS INOVADORES. Portal. Disponível em: <http://www.anprotec.org.br/publicacaoconhecas2.php?idpublicacao= 80>. Acesso em: 12 abr. 2011. 115 SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação. Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1. Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011. 116 VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.85.

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O público alvo da ITCP Unicamp é constituído pelo grupo populacional localizado na base da pirâmide social, os quais encontram-se desempregados ou atuando no mercado informal de trabalho, e cujo grau de instrução formal varia de não-alfabetizado a primeiro grau completo, o que os coloca no grupo de desempregados com mão-de-obra desqualificada. Já o público alvo da Unicamp faz parte dos 5% da elite intelectual brasileira, são provenientes do mesmo centro acadêmico, possuem alto grau de qualificação. Os projetos apresentados na sua maioria são resultados de pesquisas de mestrado ou doutorado da Unicamp. Essas configurações de público alvo são genéricas para os dois tipos de incubadoras em todo o Brasil.117

Ainda no pertinente comentário de Mamede em sua obra, abre a possibilidade de

alavancagem de recursos econômicos à própria Incubadora e a Instituição que a alberga:

Nessa toada, a estipulação da parte final do artigo 65, a incluir microempresas e empresas de pequeno quando estas revestirem a forma de incubadoras, têm importância vital, pois permite o apoio institucional às próprias incubadoras e às instituições que as mantém, bem como permite que sejam investidos recursos destinados à inovação em atividades econômicas que ainda funcionam sobre a tutela de outrem.118 [grifo do autor].

Verificam-se quando a possibilidade de formar-se uma nova organização de

produção estabelecido no âmbito de uma “incubadora de empresa” com a participação da

comunidade cientifica, no âmbito do conhecimento gerado pelas universidades que o Estatuto

Nacional da Microempresa, lança as bases para o desenvolvimento não só da atividade

empresarial, com vistas à realização material da nova sociedade, a sociedade do

conhecimento, mas especialmente as bases de uma nova sociedade, onde o individualismo e o

patrimonialismo cedem espaço para uma ordem mais solidária e humana, em busca da

inovação e da realização do bem comum por meio da cooperação.

2.6 ANÁLISE DO REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO DE

TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES – SIMPLES NACIONAL

O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, em

117 SOUZA, Maria Carolina de Azevedo Ferreira de et al. Incubadora Tecnológica de Cooperativas – ITCP x Incubadora de Empresas de Base Tecnológica - IEBT: diferenças e semelhanças no processo de incubação. Revista Iberoamericana de Ciência e Tecnologia, Sociedad e Inovación, n. 6, mayo/ago. 2006, p.1. Disponível em: <http://www.oei.es/revistactsi/numero6/articulo01.htm>. Acesso em: 12 abr. 2011. 118 MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.360.

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cumprimento ao comando constitucional do inciso IX do artigo 170 e do artigo 179 da

Constituição Federal.

Como verificado até o momento procura dotar a pequena organização econômica,

constituída sob a forma de empresa de mecanismos que possibilitem a sua atuação no

mercado, por meio do tratamento diferenciado e favorecido.

Neste intuito, o legislador não poderia deixar de estabelecer uma política tributária

diferenciada, ao setor, o que vem a ser realizado pela instituição do regime especial unificado

de contribuições, o Simples nacional, ou Supersimples.

O Estatuto Nacional da Microempresa, também denominado de Lei Geral, por

abarcar no seu bojo, um regramento tributário diferenciado, anteriormente disciplinado pela

Lei 9.317/96, revogado com a edição da nova lei, enfrentou questão relacionada ao princípio

Federativo, visto que por meio da Emenda Constitucional nº. 42/2003 estabeleceu o regime

unificado de arrecadação. Nestes termos comentado por Machado Segundo:

[...] Poder-se-ia afirmar, em oposição às disposições da LC 123/2006 relativas ao Direito Tributário, que são inconstitucionais no que dizem respeito aos Estados e Municípios, pois a União não poderia se imiscuir-se na autonomia destes, à qual a tributação é essencial. [...]. Não nos parece, contudo, que essa objeção tenha procedência. O STF, a propósito, não a acolheu, em relação ao tratamento diferenciado dado pelo DL 406/68 às sociedades de profissionais e às subempreitadas, em relação ao ISS. [...] Isso porque não se trata de isenção concedida pela União de tributos estaduais e municipais, mas sim de tratamento favorecido que envolve todos os tributos, inclusive os da própria União. Não há, pois, desequilíbrio em relação ao pacto federativo, nem violação ao disposto no art. 151, III, da CF/88. Haveria Inconstitucionalidade, isso sim, se o “favorecimento” concedido às microempresas e empresas de pequeno porte fossem maior com relação aos tributos estaduais e municipais que em relação aos federais. Ou se houvesse desequilíbrio em relação à partilha do montante arrecadado de forma unificada. Mas não pelo fato de se instituir, em nível nacional, um tratamento unificado e favorecido destinado a realizar mandamentos constitucionais de maior fundamentalidade. 119

Para Silva, quanto ao regime único de arrecadação e o caráter nacional do Estatuto é

assim anotado:

Com o advento da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que alterou o art. 146 da Constituição Federal, foi estabelecido que a lei complementar que concedesse tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, atendidos

119 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Britoet al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.96.

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determinados requisitos, também poderia instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. [...] Desse modo, a Lei Complementar nº 123/2006 tem caráter de verdadeira lei nacional (abrange o fisco federal, estadual, distrital e municipal), substituindo as Leis nº. 9.841/99 e 9.317/96, que tratavam do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e do SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (‘Simples Federal’) e a legislação estadual, distrital e municipal que instituiu sistemas locais de pagamento favorecido e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte. E o expresso teor do art. 94 da ADCT, incluído pela Emenda Constitucional nº 42/2003: [...] ‘Art. 94 – Os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d, da Constituição.’120 [grifo do autor].

O Comitê Gestor, instituído no artigo 2º. Inciso I do Estatuto tem função especial no

tratamento do regime tributário instituído pela Lei Complementar nº. 123/2006, definido pelo

autor acima mencionado, nestes termos:

O caráter nacional da nova Lei fica evidenciado na instituição do Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Trata-se de órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, composto de 4(quatro) representantes da União, 3 (dois) dos Estados e do Distrito Federal e 2 (dois) dos Municípios.[...] Longe de ser um mero fórum de debates esvaziado de atribuições deliberativas, são concedidas ao Comitê Gestor diversos poderes reguladores no tocante aos aspectos tributários da nova lei. [...] O Comitê Gestor poderá definir o sistema de repasses da arrecadação (at. 22), estabelecer as instruções para emissão de documento fiscal de venda ou prestação de serviço, por parte das empresas optantes do Simples Nacional (art. 26, I), criar obrigações acessórias para as empresas optantes do simples nacional (art. 26, §4º), estabelecer como deve ser a declaração eletrônica referente aos serviços prestados ou tomados de terceiros (art.26, § 5º)[...] dentre outras competências que o novo estatuto expressamente lhe atribuiu.121

Machado Segundo comenta o amplo poder regulamentar do Comitê Gestor, previsto

no artigo 16 do Estatuto:

[...] O artigo em comento revela intenso exercício de delegação legislativa. Aspectos que deveriam ser tratados pela própria lei complementar, nos termos do art. 146, III, ‘d’, parágrafo único, da CF/ 88, são transferidos para ato normativo a ser editado pelo Comitê Gestor, órgão vinculado ao

120 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.153. 121 Id., Ibid., p.154-155.

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Ministério da Fazenda e composto de representantes da Receita Federal, da Receita Previdenciária, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. [...] Trata-se de dificuldade inerente ao estabelecimento de normas gerais, em nível nacional, aplicáveis aos diversos entes políticos que compõem a federação brasileira. A falta de consenso na edição da lei complementar, aliada à impossibilidade de a matéria ser disciplinada por cada ente federativo à sua maneira, gera lastimável delegação a órgãos executivos sui generis, como é o caso do Comitê Gestor do Simples Nacional. 122

O mesmo artigo 16 do Estatuto trata de questão da opção pelo regime do Simples,

estabelecendo que realizada a opção ela é irretratável para todo o calendário anual. Machado

Segundo123 também lembra que:

Art. 16. [...] toda empresa optante pelo Simples é Microempresa ou empresa de pequeno porte, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Isso porque, para optar pelo Simples, é preciso ser microempresa, ou empresa de pequeno porte, e ainda atender a algumas condições adicionais. [...] A primeira delas é o exercício da opção, [...] eis que a adesão ao Simples é sempre facultativa. [...] Limitações outras encontram nos artigos subseqüentes, [...] Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: [...]. 124

As Limitações são assim tratadas pelo autor anteriormente citado:

[...] No artigo em comento estão estabelecidas as vedações ao ingresso no Simples. Para facilitar o seu exame, optamos por dividir as vedações em três espécies: (i)as relacionadas à composição ou a constituição da pessoa jurídica; (ii) as relativas à atividade desempenhada pelo contribuinte; (iii) as decorrentes de sua situação fiscal. [...].125

Nesta análise sumária quanto ao Regime Tributário no âmbito das MPEs, o Simples,

Mattos Silva, registra quanto ao valor devido pela Microempresa optante:

O valor devido mensalmente pela microempresa ou a empresa de pequeno porte que tiver optado pelo Simples Nacional é determinado mediante aplicação das regras dos arts. 18 a 20 do novo Estatuto. Em linhas muitos gerais, o procedimento para apuração do valor mensalmente devido é o seguinte: a alíquota é apurada de acordo com as tabelas que fazem parte do

122 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Britoet al. Comentários ao estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo: Atlas, 2007, p.118. 123 Id., Ibid., p.119. 124 VIEIRA, Jair Lot. Super simples: estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte. 2. ed. rev. e atual. Bauru: EDIPRO, 2009, p.30. 125 MACHADO SEGUNDO, op. cit., p.122.

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novo Estatuto, que levam em conta a receita bruta nos doze meses anteriores ou apenas o próprio mês, por opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor. Essa alíquota incidirá sobre a base de cálculo, que é a receita bruta auferida no mês. Assim, quanto maior a receita bruta, maior a alíquota e, consequentemente, maior o valor a ser pago.126

Verifica-se dessa forma que o tratamento diferenciado e favorecido dispensado às

atividades econômicas classificadas como Microempresas, que teve sua origem no

ordenamento jurídico nacional, ao bojo de uma política nacional de desburocratização e

também o reconhecimento da impossibilidade do Estado fiscalizar todo o seguimento das

Microempresas.

Evoluiu, passou a ter previsão constitucional, Lei complementar após ampla

mobilização em todo o setor, não se resume a um regime tributário diferenciado, mas ao

micro sistema jurídico, com princípios próprios, natureza jurídica específica, e regramentos

amplos com instâncias próprias.

No entanto, como pode ser verificado, o Estatuto Nacional de Microempresa e

Pequena Empresa, como uma norma em aberto, necessita da ampla divulgação com apelo à

participação e conhecimento do tratamento dispensado para a implementação de muitas das

previsões legais como o estímulo ao associativismo, o acesso a novas tecnologias por meio de

inovações tecnológicas, por meio das incubadoras de empresas e, especialmente o tema do

próximo capítulo, qual seja, a atual disciplina dos contratos, imprescindível para o sucesso

desse importante setor da economia nacional, como fora exaustivamente demonstrado nas

seções anteriores.

126 SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007, p.170.

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3 RELAÇÕES CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA MICROEMPRESA

A presente seção tem por objetivo correlacionar o moderno tratamento dispensado às

relações contratuais, com a edição do Código Civil 2002, estabelecendo no seu artigo 421 e

exigência do cumprimento da função social, informado por princípios, especialmente o

princípio da boa-fé, objetivamente estabelecida, na busca da realização dos interesses dos

contratantes.

Seguindo a linha anteriormente descrita, onde se verifica o rompimento dos valores

albergados no pensamento liberal, com o processo de produção e acumulação de riquezas, de

forma individualista.

Considerando que as pessoas jurídicas de direito privado, especialmente classificadas

como Microempresas, no exercício da atividade contratam muitas vezes em condição de

desigualdade, colocando em risco a sobrevivência da atividade.

Faz-se necessário verificar que com a edição da Lei 10.406/2002, o Código Civil,

ocorreu a unificação, parcialmente, da matéria obrigacional, relativizando a dicotomia entre

contratos civis e contratos mercantis.

Remanescendo a divisão, com permanência de contratos exclusivamente civis e

contratos específicos da área que visam regulamentar a atividade da empresa.

Consignando-se que todos os contratos civis ou mercantis submetem-se aos

princípios basilares no novo diploma legal das relações privadas, ou seja, da sociabilidade,

eticidade e operabilidade, com realce à função exercida pela observância da boa-fé, neste

termos tratados por Farias e Rosenvald:

Os três grandes paradigmas do novo Código Civil são a eticidade, a socialidade e a operabilidade. A boa-fé é a maior demonstração de eticidade da obra conduzida por Miguel Reale. A ética é uma ciência que racionalmente objetiva conduzir o comportamento do homem à realização do bem comum, que é a finalidade do homem. [...] Destarte, a boa-fé servirá como um parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins.127

Nota-se pela própria forma do estabelecimento das relações, empregatícias,

127 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Lineamentos acerca da interpretação do negócio jurídico: perspectivas para a utilização da boa-fé objetiva como método hermenêutico. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 8, n. 31, p. 7-30, jul./set. 2007, p.18.

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consumerista e contratuais que no âmbito da Microempresa esses paradigmas ou princípios

são cumpridos naturalmente, considerando que tais relações são caracterizadas pelo contato

pessoal e direto, sendo imprescindível a ética e a honestidade como forma da manutenção das

relações comerciais.

Realizada, preliminarmente, essa observação, cumpre-nos registrar que os

tratamentos das relações obrigacionais civis diferem-se as obrigações contratuais empresarias

quanto a sua natureza e conteúdo.

Conforme Carlos Alberto Bittar:

É que as atividades civis e comerciais se revestem de natureza e características próprias, distanciando-se ademais ante o grau de emprego de tecnologia; a adoção de formas especifica; e outras peculiaridades que permitem ao interprete vislumbrar regimes jurídicos distintos para a respectiva regência. A par disso, a própria qualificação e a condição jurídica do empresário deitem influencias nesse contexto, em que se usam e se aplicam fórmulas contratuais as mais variadas. [...] Interessam-nos ora os contratos comerciais, [...] São pois os ajustes que movimentam o comércio em geral, principalmente terrestre, que discutiremos no presente texto; vale dizer, os referentes à produção, à industrialização, à comercialização, à distribuição e à intermediação de bens ou de serviços para a colocação no mercado [...].128

Revela-se importante trazer ao presente trabalho que também no âmbito do direito de

empresa, em sua dimensão econômica reduzida, considerações quanto ao novo direito

contratual.

Ainda considerando na lição de Bittar que:

[...] Assim, contratos institucionais, ou associativos, são os referentes às ações de criação da pessoa jurídica exercente (sociedade comercial), podendo ser mero contrato constitutivo, que formaliza a sociedade, ou entidades distintas no exercício da atividade em uma mesma unidade (contrato de joint venture, de venda de participação societária, acordo de acionistas, de transferência de controle e outros); contratos organizacionais são os que possibilitam mudanças na estruturação da empresa (como os de transformação de tipo, de incorporação, de fusão de sociedades e outros); contratos operacionais, por sua vez, são os que viabilizam o exercício da atividade, colocando os produtos e serviços à coletividade, através de diferentes mecanismos jurídicos de circulação de riquezas no plano negocial (compra e venda; troca; transporte e outros).129 [grifo do autor].

128 BITTAR, Carlos Alberto. Contratos mercantis. 5. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Bittar Filho. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.2. 129 Id., Ibid., p.3-4.

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Neste sentido conforme Ribeiro:

Na empresa pontua a importância da utilização do contrato, seja na formação de uma sociedade empresária (como a sociedade limitada), ou no estabelecimento do feixe de contratos que configura a organização da empresa: contrato de trabalho, com fornecedores e consumidores, ou contratos entre empresas - com vistas a adoção de práticas de gestão mais eficientes, por exemplo.130

Frise-se que a Microempresa da mesma forma se organiza e se operacionaliza, no

entanto não dispõe de uma estrutura administrativa profissional para tomada de decisões

quanto o conteúdo dos contratos e na sua condição de hipossuficiência contrata com base na

experiência e bom senso do titular.

Cláudia Lima Marques pontua que:

A concentração das empresas e os monopólios, estatais e privados, reduziram a liberdade de escolha do parceiro. Em casos de serviços imprescindíveis, como água, luz, transporte, fala-se mesmo em obrigação de contratar, assim também, no caso dos seguros tornados obrigatórios, pois permanece a liberdade de escolha do parceiro, mas não a de redigir ou não o contrato. O dirigismo estatal passa a dominar.131

A autora consigna ainda que:

[...] e) Contratos bancários e de financiamento – Surpreendentemente, um dos mais reincidentes temas de discussão sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a um ramo de consumo no Brasil foi o dos contratos bancários e de financiamento. Cabe à jurisprudência unívoca do STJ conseguir pacificar a questão, que hoje conta inclusive com uma ADIn sobre a pretensa inconstitucionalidade do § 2º, in fine , do art. 3º. do CDC, que visa retirar as discussões que envolvem os juros do Judiciário estadual. [...].132 [grifo do autor].

Registre-se que a ordem contratual, nestes termos, não se coaduna com os objetivos

da moderna teoria da empresa, visto que a desigualdade entre os grandes agentes econômicos

130 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Por uma nova dogmática para o direito privado: direito privado e a noção funcional dos contratos empresarias.p. 2879-2898. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/ arquivos/anais/bh/marcia_carla_pereira_ribeiro.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2011. 131 MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 268. 132 Id., Ibid., p. 503-504.

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e as empresas na sua condição de inferioridade econômica, necessita de um tratamento

humano, um tratamento em que as reais condições dos contratantes são consideradas.

Faz-se necessário verificar o moderno tratamento da disciplina dos contratos como

forma de realização material do constante no artigo 179 da Constituição Federal, com relação

às obrigações creditícias.

3.1 CORRELAÇÕES DA HUMANIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES COM A

MICROEMPRESA CONTRATANTE

A Microempresa quando contratante revela similitude com a pessoa física

contratante, especialmente a pessoa hipossuficiente econômica e tecnicamente, visto que da

mesma forma a Microempresa contrata com fornecedores de produtos, insumos e recursos

financeiros com empresas de grande porte, via de regra em condição de necessidade e sempre

carente de assessoria administrativa e jurídica.

Neste sentido revela-se pertinente traçar um perfil histórico da evolução do

tratamento das relações obrigacionais/contratuais, considerando aplicável às Microempresas e

as pessoas físicas indistintamente.

Considerando que se reporta aos primórdios da civilização o que hodiernamente

denominamos relação jurídica contratual, que no mundo dos fatos corresponde à submissão de

um homem à vontade ou interesse de outro.

Esta relação de submissão que revestida atualmente de requisitos objetivos como

pressuposto de validade, como retidão, honestidade, lealdade, equivalência das prestações

trilhou um longo caminho até chegar a esta formatação.

Na visão de Orlando Gomes:

Orienta-se modernamente o Direito das Obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio social, imbuídos seus preceitos, não somente na preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, senão, também sobrepor o interesse coletivo, em que a harmonia social, aos interesses individuais de cunho meramente egoístico.133

Percebe-se da exposição acima a contribuição auferida ao Estado nos termos

modernos, ou seja, concebido que a relação social está atrelada à consciência coletiva, não no

133 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.1.

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sentido da soma das consciências individuais, mas como uma nova consciência, fundando a

idéia do Estado e a supremacia do interesse púbico sobre o privado afeto especialmente ao

ramo do direito público, assim como justificador do fenômeno da publicização do direito

privado.

Paulo Nalin pontua nestes termos:

Essa nova metodologia do pensamento jurídico, passando de dedutivo, conforme o modelo positivista, para o indutivo, encontra na sua origem a funcionalização dos institutos jurídicos, dentre os quais o contrato, com o reconhecimento da influencia social na aplicação da lei, assume proporções ideológicas e concentra esforços na solução de problemas.[...] É um método de pensamento mais tópico,logo, menos apodítico, organizado em torno da problemática jurídica, e que prescinde de conceitos e princípios jurídicos mais abertos e funcionais. Exemplos legislativos desse método tópico, em nosso ordenamento, encontra-se no Código de Defesa do Consumidor, destacando-se com grande prodigalidade a cláusula geral verificada no inc. IV (estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja incompatíveis com a boa-fé ou a equidade), do artigo 51.134

Pertinente anotar que a Microempresa contratante em relações mercantis e em

relações de consumo caracteriza-se, positivamente, pela rapidez na tomada de decisões, dando

respostas mais adequadas especialmente nos momentos de instabilidade econômica como o

período da hiperinflação verificada na década de 80 e início dos anos 90.

No entanto em períodos de estabilidade econômica como o atualmente

experimentado, faz necessário que nos termos antes citados, a verificação da condição e

inferioridade da Microempresa e a iniquidade das cláusulas contratuais e a incompatibilidade

com as exigências da boa fé a equidade.

Especialmente considerando que o tratamento da disciplina dos contratos no direito

privado encontra-se no limiar do século XXI numa realidade conformada no âmbito de uma

sociedade complexa e dinâmica, onde a velocidade das mudanças é frenética, os problemas

econômicos, sociais, políticos e ambientais se sucedem com uma evolução diária; as notícias

circulam com os novíssimos meios de comunicação em tempo real, enquanto a solução para

estes mesmos problemas são buscadas nos valores, ultrapassados, com raízes nos séculos

XVII e XIX.

Orlando Gomes em 1980, já prega neste sentido afirmando que:

134 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.61.

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As transformações econômicas e políticas ocorridas alteraram consideravelmente aconsciência jurídica dos povos cultos, suscitando idéias de valor diferente, não raro oposto, às que consubstanciaram nos códigos novecentistas e do primeiro quartel do século XX.[...] O propósito de dar ao equilíbrio social sentido mais humano e moralizador conduziu a política legislativa para vigorosa limitação da autonomia privada.135

No bojo dessas transformações, o reconhecimento da Microempresa como agente

econômico de relevante valor para a sociedade, seja como fornecedor de bens e serviços, ou

como gerador de oportunidades de emprego e renda.

Apesar de tardiamente, como fora apresentado, somente com a edição do texto

constitucional de 1988 foi objeto da devida atenção, cumpre independentemente de aporte de

recursos públicos a função de contribuir para o desenvolvimento social.

Historicamente verifica-se que remonta ao século XVIII a pretensão do direito ao

estabelecimento de regras de convivência social, baseadas nos contratos.

Como expressão da vontade, regras essas estabelecidas na visão pré-liberal, com a

finalidade de romper com um regime político onde a lei tinha sua natureza inspirada na força

e na vontade absoluta de um soberano estabelecido no poder por ordens místicas e

consangüíneas.

O ordenamento jurídico instituído, pela classe política emergente, a burguesia,tinha

em sua premissa básica a pretensão de completude, isto é, a previsão de todas as condutas

humanas, e o pré-estabelecimento de regras de solução dos possíveis conflitos, em todas as

áreas da vida privada das pessoas, quanto aos direitos reais, direito de família, direitos

hereditários, e no direito das obrigações. Martins-Costa, de forma precisa, expõe:

No mundo onde se plasmará a noção de sistema fechado, a ordem econômica modifica-se sob o signo do intercâmbio desenvolvido numa ampla rede horizontal de dependências que não estão mais aprisionadas nos modelos do sistema feudal, o qual fora baseado em formas de economia doméstica: a economia começa a desprender-se de sua raiz etimológica, oikos, a casa, com o mercantilismo que a torna koiné, pública, posto que por ser orientada num espaço mais amplo, induzido e controlado publicamente. A economia doméstica transmuda então em economia política. A esfera do poder público, já fortemente burocratizada, necessita de capital, e só um eficiente sistema de arrecadação de impostos pode atender a demanda. A máquina estatal se torna, em consequência, complexa, e os sistemas de garantias também se sofisticam.136

135 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 6. 136 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.130.

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Considerando que a organização política reflete no campo jurídico, as normas de

convivência social, nas relações privadas, rompe com o casuísmo e o empirismo da prática

pretérita e passa a ser ordenada com base na abstração, isto é, são erigidos os grandes marcos

da codificação, no âmbito do direito continental europeu, o Código Francês ou Código de

Napoleão de 1804 para as relações civis e o BGB, Código Civil Alemão.

E, ainda no interesse na presente pesquisa o Código Comercial Francês de 1808, que

instituía a Teoria dos Atos do Comércio, rompendo com o subjetivismo do tratamento das

relações mercantis, em consonância com os valores com os ideais da classe política, agora,

dominante.

Murilo Rezende dos Santos reportando a lição de George Ripert assevera que:

A burguesia liberal da Monarquia de Julho admirou êste código de propriedade individual e da liberdade contractual. A República de 1848 encontrou nele o ideal dos grandes antepassados e louvar oficialmente o seu espírito democrático. O Segundo Império cobriu-o de com o nome de Napoleão. Deste modo se sucediam as formas políticas; a classe burguesa que monopolizava o poder, a classe rural que possuía as terras, os industriais e comerciantes que conquistavam a riqueza, declaravam-se igualmente satisfeitos com legislação laica, liberal e igualitária, bastante forme para impedir a ressurreição das instituições abolidas, suficientemente maleável para permitir o jogo infinito das convenções privadas e bastante forte para proteger os interesses adquiridos.137

Verificou-se, a partir desde momento histórico, o desenvolvimento de um

ordenamento jurídico, lógico e racional.

Isto é, o estabelecimento de regras de convivência estabelecidas em Códigos, e

quando da verificação de conflitos na vida das pessoas, caberia ao intérprete e aplicador do

direito realizar a simples subsunção.

Averiguar o fato ocorrido, encontrar o tipo de solução prevista no ordenamento

jurídico e aplicar a regra abstrata ao caso concreto. Larenz ressaltou de forma clara que:

A nosso ver, a ciência do Direito é de facto uma ciência (e não apenas uma técnica ou tecnologia, embora seja também isso), na medida em que desenvolveu certos métodos que se dirigem a um conhecimento racionalmente comprovável. Conclusão a que não obstam nem a circunstancia de ela nunca atingir o grau de “exatidão” que caracteriza a matemática e as ciências da natureza, nem a de muitos dos seus conhecimentos só terem uma validade circunscrita no tempo. A ciência do

137 RIPERT, George. O regime democrático e o direito moderno apud SANTOS, Murilo Rezende dos. As funções da boa fé objetiva na relação obrigacional. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 204-263, abr./jun. 2009, p.207.

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Direito tem ver com o Direito, o que, porém, significa que tem a ver com objecto que nos não conseguimos apreender a ser na medida em que tomamos consciência do sentido, da significação de certos actos e das suas objetivações – em leis, decisões judiciais, em contratos eventualmente. Trata-se, portanto, de uma ciência (de compreensão) que tem a ver com determinado ‘material’, nomeadamente com as normas e os institutos de certo Direito Positivo. Sem duvida que os seus conhecimentos respeitam diretamente só a este material, e, por isso, parecem não possuir aquela validade ‘acima do tempo’ que nós exigimos a um conhecimento científico [...].138

Neste esforço histórico evolutivo é relevante anotar que a atividade econômica que

hodiernamente denomina-se Microempresa era a expressão e encarnava os ideais da

Revolução Francesa, como a classe política emergente, a burguesia, unindo forças para

estabelecer uma ordem política baseada na liberdade e igualdade em confronto com os

detentores do poder econômico, baseados na propriedade da terra.

A Microempresa, em sua versão, artesanal, participou ativamente na elaboração de

um modelo adequado ao pensamento político liberal, baseado na igualdade formal e no ideal

de liberdade como valores supremos da Revolução Francesa estabeleceram-se em solo

Francês uma sólida teoria, a Teoria na qual as pessoas assumem obrigações baseadas na

vontade livre e consciente,

A Teoria da Vontade, isso é, condutas humanas que devido a sua importância no

desenvolvimento da vida social mereçam ser observadas obrigatoriamente por todos os

componentes de dada sociedade e determinado tempo histórico.

Este ordenamento jurídico, com pretensão de completo e unívoco sofreu com a

evolução da sociedade mudanças quanto aos objetivos e fundamentos, especialmente quanto

aos interesses que visava albergar.

Barbosa resume desta forma:

Dessa forma, o novo direito deveria estar isento de qualquer obscurantismo com a obrigação de ser claro e certo, compreensível para todos, já que deveria estar a serviço do povo. O citado autor [Van Caenegem], menciona que, para alcançar esse objetivo era preciso preencher duas condições; a primeira material (a criação de um novo direito baseado num corpo de fontes); a segunda formal (uma nova técnica deveria ser desenvolvida para assegurar a aplicação prática do novo direito). É nesse aspecto que está inserido a contribuição do Iluminismo para o movimento codificatório, na medida em que: a primeira condição foi preenchida pelo direito natural; e a

138 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. XIII.

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segunda, pela legislação, em particular pelos códigos nacionais.139 [grifo nosso].

Encontra-se no atual momento, como enunciado acima, um dilema fundamental,

centrados ao fato de estabelecer regras de convivência para esta sociedade numerosa e

complexa, que possibilite a manutenção de benefícios e privilégios a uma pequena parcela da

sociedade, detentora do poder econômico e político. Isto porque, há também uma

concorrência com uma grande população carente de recursos materiais e imateriais, produtora

e consumidora de bens, produtos e serviços indispensáveis à manutenção do status

privilegiado dos primeiros, sem que ocorra o rompimento das bases institucionais quanto à

segurança, higiene e equilíbrio social.

Na lição de Orlando Gomes:

As transformações econômicas e políticas ocorridas alteraram consideravelmente a consciência jurídica dos povos cultos, suscitando idéias de valor diferente, não aro oposto, às que consubstanciaram nos códigos novecentistas e do primeiro quartel do século XX.[...] O propósito de dar ao equilíbrio social sentido mais humano e moralizador conduziu a política legislativa para vigorosa limitação da autonomia privada.140

Explica-se, o ordenamento jurídico estabelecido, historicamente, com base na norma

legal, sempre deram respostas positivas ao ideal de segurança jurídica aos detentores do poder

econômico e político.

No entanto, esse mesmo ordenamento, com suas premissas com fundamento na

liberdade e igualdade formal, exauriram-se, com o crescimento da população e o acesso as

informações, tornou-se impossível ou exigiram-se novas fórmulas de dominação, que não

baseadas exclusivamente no respeito às normas obrigatórias de conduta.

Murilo Rezende dos Santos lembra a lei da Física de Lavousier: “[...] nada se cria,

nada se perde, tudo se transforma”, para de forma apropriada explicar:

Em qualquer ciência, não se cria a partir do nada, mas do conjunto de conhecimentos existentes, sob a influência das condições proporcionadas pelo meio natural ou social. E, conforme se mudam as condições naturais ou

139 BARBOSA, ClíciaKayalla Gonçalves. A evolução da idéia de sistema no direito privado: o novo código civil e as cláusulas gerais. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 11, n. 41, p. 59-105, jan./mar. 2010. 140 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 6.

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sociais existentes, mudam-se os paradigmas científicos, transformando a ciência velha em ciência nova.141

Neste diapasão, cumpre salientar que a atividade econômica antes artesanal, hoje

denominada Microempresa, no processo de massificação e domínio das grandes organizações

perdeu relevância política, no entanto nunca deixou de contribuir para desenvolvimento

econômico e social.

Visto que o ordenamento jurídico pátrio, no cenário de redemocratização e

independência após um longo período histórico de subjugação a governos afeitos ao julgo

colonial.

É com pesar que se percebe que o tratamento das relações jurídicas obrigacionais,

tardou demasiadamente em implementar no Código Civil os princípios agora insertos, com a

ferramenta imprescindível para sua concreção, as cláusulas gerais, com toda a carga

axiológica, especialmente a exigência da boa-fé objetiva, que poderiam ter evitado o caos

social, representado pela desigualdade social.

Na lição de Teresa Negreiros, essa visão se consubstancia, na viragem:

[...] O primado do ser sobre o ter, perseguido pela leitura constitucionalizada do direito civil, traduz-se na transformação da ética da liberdade por uma ética solidária, de co-responsabilidade, cooperação e lealdade. Estes são, em linhas gerais, os ideais e as propostas da perspectiva civil-constitucional. [...] A adoção da perspectiva civil-constitucional, ponto de partida do presente estudo, não poderia subtrair-se à explicação de algumas das principais críticas a que a mesma está sujeita. [...] A perspectiva civil-constitucional, como vista acima, consiste em um discurso de defesa dos princípios constitucionais e, especificamente, da sua direta e imediata aplicação a todas as relações jurídicas – aí incluídas as relações tipicamente de natureza civil, travadas entre os particulares. Assim sendo, outros discursos teóricos, dotados de outros argumentos, podem ser-lhe contrapostos, sem que seja possível afirmar a validade de uns e a invalidade de outros. De fato, o contexto da argumentação não é o contexto da lógica formal, das verdades necessárias, da demonstração. [...]142

Neste sentido Cláudia Lima Marques leciona que:

[...] A nova concepção do contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade são levados em conta e onde a condição social e

141 SANTOS, Murilo Rezende dos. As funções da boa fé objetiva na relação obrigacional. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 204-263, abr./jun. 2009, p. 205. 142 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.67.

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econômica das pessoas envolvidas ganha importância. Nas palavras visionárias de Morin, ‘I’homme n’ apparait plus commelaseul e efficiente dudroit, mais la causa finale.’[...] Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas como as do próprio Código de Defesa do Consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.143[grifo do autor].

Como se verifica nas colocações de Marques, os valores patrimonialistas expressos

nos contratos, acobertados pela autonomia da vontade, desprezavam os seus efeitos sociais,

objetivando exclusivamente uma finalidade econômica.

Cabendo a sociedade, por meio das instituições democráticas, e da prática das

relações contratuais neste novo século tirarem dos discursos e dos textos legais e trazer para a

vida social essa nova realidade, relações sociais e contratuais mais justas, honestas e solidárias

por meio de contratos baseados na boa-fé dos contratantes.

Revela-se oportuno ressaltar que a exigência do exercício da propriedade com

respeito a sua função social, seria letra morta caso o instrumento de transferência de

titularidade permanecesse orientado pelos ideais liberais, ancorados na vontade livre das

partes contratantes

A Constituição das relações privadas, assim concebido o Código Civil de 1916, com

o intento de dar respostas a todas as questões surgidas no âmbito das relações privadas.

Teve como característica marcante a sua forma de elaboração, visto que plasmado na

sua estrutura no Código Civil Alemão (BGB), com uma parte geral e outra parte especial, de

acordo com as exigências sociais da época.

No entanto quando ao seu conteúdo procurou os valores expressos na legislação de

origem romano, expresso do Código Francês, não trazendo no seu bojo a inserção das

cláusulas gerais de caráter moralizador e renovador. Nos dizeres de Gomes:

O propósito moralizador define-se pela aplicação mais constante de certos princípios que o Código alemão introduzira, e conhecidos como cláusulas gerais, dentre as quais se salientam a boa-fé, aos usos do comércio jurídico, à justa causa, à desproporcionalidade e ao aproveitamento da situação de necessidade em que outrem se encontre, ou da sua inexperiência.144

143 MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.210. 144 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.8.

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Neste cenário de moralização, orientado por princípios, como a boa-fé objetiva, a

Microempresa tem a oportunidade de exigir um tratamento justo em todas as fases

contratuais, e ver revista as cláusulas contratuais iníquas ou abusivas considerando sua

hipossuficiência econômica, quando das contratações com seus “parceiros” comerciais.

Leciona Judith Hofmeister Martins-Costa, quanto ao Código Civil Alemão, que:

A distinção mais relevante, contudo diz com a estrutura do BGB, a qual importará em uma diversa metodologia. É que o Código civil alemão contempla uma “Parte Geral”, na qual os conceitos que devem vigorar em todo direito – pessoa, personalidade, relação jurídica, pessoa jurídica, ato jurídico, bens, etc. – estão perfeitamente disciplinados. Seguem-se os Livros pertinentes ao regramento específico das obrigações, das coisas, da família (compreendendo também a posse) e das sucessões. Merece comentário a concepção que resultará da adoção da Parte Geral, a qual resulta do método das Pandectas.145

Considerada a defasagem histórica temporal da diferença do tratamento jurídico das

relações obrigacionais, faz-se necessário anotar que a estrutura socioeconômica organizada no

Brasil, embasada na propriedade imóvel e na produção de agrícola, com a concentração de

riquezas em determinadas regiões, notadamente São Paulo e Minas Gerais.

Ainda que, a predominância do tratamento das relações contratuais ancoradas na

autonomia da vontade manteve-se institucionalizada por um período muito superior aos

demais países do continente europeu.

Orlando Gomes pontua que:

O individualismo atribuirá à vontade individual a função de causa primeira do direito,

assim público como privado. O comércio jurídico deveria repousar no contrato, estendendo-se, não

somente que toda a obrigação, implicando restrição à liberdade individual, teria de provir de um ato de

vontade do devedor, como também, que os resultados desse ato eram necessariamente justos. Instituiu-

se, em suma, como pedra angular do Direito Privado o dogma da autonomia da vontade.146[grifo do

autor].

Estampado no Código Civil, princípios, que remetem a um tratamento inovador o

direito das obrigações contratuais, faz-se necessário um processo de concretização da letra da

lei, visto que a cultura jurídica nacional, representada pelas grades curriculares dos cursos

jurídicos, pela atividade dos tribunais e especialmente os advogados ainda raciocinam na

145 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.235. 146 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 9.

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ordem pretérita.

Esse novo momento exige, segundo Negreiros:

[...] A leitura do direito civil sob a ótica constitucional atribui novos fundamentos e, consequentemente, novos contornos à liberdade contratual. Em meio ao processo de despatrimonialização ou da funcionalização do direito civil, a noção de autonomia da vontade sofre profundas modificações no âmbito do contrato, sintetizadas na afirmação de que a autonomia negocial, diferentemente das liberdades existenciais, não constitui em si mesma um valor. Ao contrário, a livre determinação do conteúdo do regulamento contratual encontra-se condicionada à observação das regras e dos princípios constitucionais, o que significa, no quadro de valores apresentados pela Constituição brasileira, conceber o contrato como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento. Assim, pela via da constitucionalização, passam a fazer parte do horizonte contratual noções e ideais como justiça social, solidariedade, erradicação da pobreza, proteção ao consumidor, a indicar, enfim, que o direito dos contratos não está à parte do projeto social articulado pela ordem jurídica em vigor no país.147

Este novo paradigma no âmbito das relações contratuais das Microempresas adquire

especial relevância, visto que o interesse do tratamento justo, honesto e equitativo, que

proporcione condições de sobrevivência e desenvolvimento a esses agentes econômicos

aproveita-se não exclusivamente individuais e patrimonialistas do seu titular, mas a todo o

conjunto de pessoas que gravitam ao seu redor, como familiares, colaboradores, empregados

ou não e a toda a comunidade em que se insere. Aliás, deve-se ressaltar que esta abertura

econômica reflete no mundo do direito.

Neste sentido, parafraseando Judith Hofmeister Martins-Costa,148 anota-se que a

evolução no aspecto organizacional, no interior da ciência jurídica não se verifica de forma

uníssona relacionando-se a filosofias diversas conferindo funções peculiares a cada momento

histórico.

Segundo a autora o termo sistema poderá significar mais do que o método utilizado

para uma idéia de substância, fazendo parte do interior que espraia seus significados no

ambiente externo, representado pela reunião metodicamente organizada.

Explica a autora que se o sistema é fechado inexistem válvulas de escape, ponto de

comunicação com o ambiente exterior, trata-se de um sistema de auto-referência, absoluto.

Nestes termos o sistema fechado de auto-referência absoluta opera por meio de

147 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.107-108. 148 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.273-341.

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deduções lógicas partindo de proposições ou axiomas ou ainda de princípios fundamentais.

Judith H. Martins-Costa registra ainda que os conjuntos normativos do sistema aberto, que

operam do caso particular o método de raciocínio será o tópico, que não parte do sistema, mas

do caso em análise buscando nos modelos de conduta a sua solução.

É cediço o entendimento nos pretórios e no ensino da Ciência do Direito que a

apresentação de um sistema completo, harmônico, coerente caracterizado pela univocidade é

uma realidade permanente, como a única forma de entender o fenômeno jurídico, firmado

legal e doutrinariamente e abalizado pelas decisões dos tribunais permeando no subconsciente

da comunidade acadêmica tal entendimento

Neste diapasão, Martins-Costa,149 leciona que a criação do sistema fechado de auto-

referência é uma criação da Idade Moderna.

Dentro dessa análise evolutiva do sistema fechado para o sistema aberto, Martins-

Costa num giro histórico de 10 séculos registra que das raízes filosóficas estatuídas por

Aristóteles, que tiveram a sua maturação no período romano, tiveram em São Tomaz de

Aquino, na distinção entre o campo da fé e da razão, por meio de sua extensa obra,

impregnado os conceitos morais e éticos e os conteúdos da razão, ou seja, do direito.

Percebe-se neste período medieval, juntamente com um desenvolvimento social e

econômico, onde o servo da gleba desprende de seu papel, proliferando várias opiniões

instaurando uma completa insegurança jurídica.

O desenvolvimento de uma nova forma de organização social toma corpo a partir da

resistência ao modelo aberto, nessa face inicia-se o processo de sistematização, tendo como

marco inicial o movimento humanista, que rompia com o pensamento tópico e o método

dialético.

Realizando um giro histórico, a autora, relata que o retorno da bona fides romana,

ressurge para sistematizar especialmente as matérias contratuais, percebe-se, portanto que

antes tal qual atualmente os interesses econômicos albergados exigem segurança jurídica,

previsibilidade das decisões, formatando os aspectos iniciais tendo como base o direito

romano, o direito canônico e a contribuição do direito germânico, que tem como característica

principal a vertente objetiva.150

A evolução verificada no Ordenamento jurídico, quanto a disciplina contratual, e o

reconhecimento da Microempresa como agente econômico de fundamental importância para a

149 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.172 e ss. 150 Idem, Ibid., p.30, 34, 42-44, 82, 110-111.

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sociedade, devem ser olhadas como complementares a Microempresa contratante, nos termos

da lei Complementar nº 123 deve receber tratamento jurídico favorecido inclusive nas

relações contratuais creditícias e como resposta oferece maiores oportunidades de emprego,

desenvolve novos produtos e serviços com reflexos positivos para toda a sociedade.

Para Negreiros a evolução da disciplina contratual envolve:

[...] A evolução do pensamento jurídico em direção a uma nova concepção de contrato – identificada como uma concepção social do contrato – contrapõe ao modelo liberal clássico o modelo contemporâneo, numa narrativa histórica que assinala, sob o ponto de vista dos princípios, as transformações de maior significado para a renovação da teoria contratual. [...] O ponto de partida da história que se passa agora a focalizar é o modelo de contrato enunciado pelo individualismo filosófico e pelo liberalismo econômico, que surgem no século XVIII, triunfam no século XIX e se positivam em valores jurídicos nas codificações francesa e alemã, nas quais se inspirou o nosso Código Civil de 1916. De acordo com este modelo, o formalismo deu lugar ao consensualismo, e a força obrigatória dos contratos passou a ser justificada pela idéia de respeito à palavra voluntariamente dada. O contrato passou então a pressupor tão-somente o consentimento mútuo, sem que uma forma específica fosse (em regra) essencial à sua validade.151[grifo do autor].

Percebe-se que os contratos formalizados nestes moldes, privilegiavam somente a

parte economicamente forte em detrimento da parte mais fraca.

Considerando que as Microempresas em suas relações contratuais não obtiveram a

opção de estabelecer ou negociar as regras contratuais o contrato que tinham como requisito

de validade a capacidade das partes, objeto lícito e forma prescrita ou não em lei, perpetraram

toda ordem de abusos.

Contratos consensualmente estabelecidos somente se verificam quando as partes são

materialmente equilibradas.

Gagliano e Pamplona lembram que o contrato numa leitura civil-constitucional, tem

uma nova orientação:

[...] Em uma perspectiva civil-constitucional, devemos ter em conta que o contrato, espécie mais importante de negócio jurídico, apenas se afirma socialmente se entendido como um instrumento de conciliação de interesses contrapostos, manejado com vistas à pacificação social e ao desenvolvimento econômico. [...] Não podemos, dessa forma, considerá-lo como um instrumento de opressão, mas sim de realização. [...] Lamentavelmente, não é raro um dos contraentes pretenderem utilizá-lo

151 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.24-25.

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como açoite, visando subjugar a parte economicamente mais fraca, em franco desrespeito à sua função social. [...]152 [grifo do autor].

As considerações até então realizadas são essenciais ao sucesso das Microempresas e

vão ao encontro do estabelecido na Lei Geral da Microempresa a partir do artigo 57 com o

título de “Estímulo ao Crédito e a Capitalização”.

Desse modo, verifica-se a exigência de um contrato, orientado por valores sociais,

sem perder sua função original de instrumento da expressão das vontades dos contratantes,

exigindo a prestação contratada, deve orientar-se, na nova ordem, por princípios, com relação

aos valores maiores, como o princípio da boa-fé objetiva, analisada a seguir.

3.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DISCIPLINA DOS CONTRATOS

Consigne-se inicialmente que na Europa continental e recepcionado pelo legislador

constitucional de 1988, estatuiu um texto constitucional onde os valores da pessoa humana, ou

Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é o alicerce da República.

Alexandre de Moraes nestes termos estatui:

[...] a dignidade da pessoa humana:concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade e um valor espiritual e moral imanente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos; [...].153[grifo do autor].

Consequentemente as relações sociais, especialmente aquelas objetivadas neste

trabalho, as relações contratuais no âmbito das Microempresas devem respeito a esse

fundamento da República.

A dignidade da pessoa humana, que estabelece novas premissas, agora reais nas

relações entre os fundamentos do capital e do trabalho, entre consumidores e fornecedores,

152 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.48. 153 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.22.

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contratantes e contratados e de uma forma abrangente em todas as relações jurídicas que se

operam na área do direito privado.

Não sendo inoportuno consignar que o princípio da dignidade da pessoa humana

estenda-se à Microempresa, pois como anteriormente analisado a pessoa do titular da

Microempresa, visto que o titular desta responde pessoalmente pelas obrigações contratadas

no interesse da Microempresa.

Aliás, de acordo com Negreiros, a leitura civil-constitucional, visando a efetivação

do princípio da dignidade humana, tem como instrumento a exigência de um comportamento,

baseado na solidariedade, conjugados com a livre iniciativa, com vistas à justiça social.

[...] Segundo a perspectiva civil-constitucional, a aplicação ao contrato de novos princípios levou a que se quebrasse aquela hegemonia outrora atribuída à autonomia negocial. Tais princípios encontram fundamento na Constituição, seja como desmembramento da cláusula geral de tutela da dignidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), seja como princípios instrumentais da ótica solidarista ali firmada (art.3º, I), seja como corolários do valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), seja, enfim, na condição de princípios componentes da ordem econômica constitucional (art. 170 e ss.), da qual a ordem contratual é parte integrante.154

Tendo seu marco inicial, inicialmente para efetividade da dignidade da pessoa

humana, quando consumidora.

Estabeleceu o ordenamento jurídico nacional, com a edição da Lei 8.078/90, Código

de Defesa do Consumidor (CDC), o novo momento nas relações obrigacionais, estabelecendo

taxativamente:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;155

154 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.108. 155 BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, art. 4º inciso III. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 28 fev. 2011.

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Com a edição do CDC com toda a carga principiológica, e considerando que o

Ordenamento Jurídico não pode prescindir do requisito da coerência para cumprir seu papel

de regulador da vida em sociedade.

Portanto não poderia estabelecer um tratamento especial para as relações contratuais

realizadas entre consumidores e fornecedores, com princípios e pressupostos objetivamente

orientados e manter nas relações obrigacionais na esfera do direito civil, uma orientação

subjetiva, plasmada na autonomia privada.

Importante consignar que estabelecido o tratamento diferenciado, nas relações de

consumo em vistas à dignificação a pessoa humana consumidora, assim como tratamento

estabelecido a outras classes de pessoas, como a pessoa do empregado na relação de emprego,

à pessoa idosa, ao adolescente.

Permite-se estabelecer que a pessoa humana titular da atividade desenvolvida pela

Microempresa tenha que necessariamente receber tratamento dignificante, visto se tratar,

quando no estabelecimento de relações contratuais, das mesmas características do consumidor

fazendo jus ao tratamento previsto no artigo 46 e seguintes do Código de Defesa do

Consumidor.

Judith Hofmeister Martins-Costa observa que: “Considerada essa ressalva, observa-

se, contudo, que às muitas noções denotadas historicamente pelo termo, há um fundo comum,

pelo qual sistema remete às idéias de conjunto, ordem, coerência e unidade.”156

Exigindo a inserção das cláusulas gerais como de fato o legislador

infraconstitucional, mesmo que tardiamente, definiu nestes termos:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.157

Estas considerações exigem uma nova leitura quanto aos requisitos de validade do

negócio jurídico, como acima exposto, deve cumprir o requisito da função social nos termos

do artigo 421, exigindo uma interpretação sistemática, nos termos do artigo 422, onde

ausentes os requisitos da probidade e boa-fé possibilita uma análise judicial da validade do

negócio jurídico.

156 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.40. 157 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o código civil, art. 421, 422.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.

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Negreiros, anota ainda que:

[...] Diferentemente do que ocorre com os dois princípios já examinados, porém, a função social do contrato somente agora, por meio da instituição do novo Código Civil, é que passa a receber uma positivação infraconstitucional explicita: ‘Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato’. [...] Partimos da premissa de que a função social do contrato, quando concebida como um princípio, antes de qualquer outro significado e alcance que se lhe possa atribuir, significa muito simplesmente que o contrato não deve ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes, impermeável às condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas.158

A funcionalização do contrato e o instrumental exigido tornam-se realidade com a

edição do Código Civil 2002, institucionalizando uma realidade há muito verificada, o

contrato, como meio de circulação de riquezas, e que não interessa exclusivamente às partes

contratantes, mas à sociedade como um todo.

Merecendo destaque as palavras de Judith H. Martins-Costa, quanto o ainda projeto

do Código Civil, quais sejam:

A conveniência da inserção do princípio da boa-fé objetiva em cláusula geral, como ocorre no Projeto de Reforma do Código Civil, resulta, ainda, da circunstância de evitar, esta técnica, tanto a ocorrência de rupturas sistemáticas quanto a exacerbação da atividade legislativa, porquanto enseja o contínuo desenvolvimento do direito e a sua maleabilidade às novas exigências sociais. Será relevante, outrossim, para a recepção e amoldamento, no ordenamento civil, dos princípios constitucionais. Para tanto, é necessário que a jurisprudência, alimentada pela doutrina, elabore, mediante a utilização do raciocínio tópico, quais os modelos aos quais das cláusulas gerais reenviam.159

Conforme fora apurado, oportunamente a inserção da técnica legislativa das

cláusulas gerais exigirá um novo processo interpretativo.

Também, para Paulo Nalin a boa-fé objetivamente considerada pode ser verificada

de forma original no ordenamento jurídico nacional com a edição do Código de Defesa do

Consumidor:

[...] Inicialmente, agora que se mostra mais volumosa a presença do Código de Defesa do Consumidor, no cotidiano brasileiro, e, assim, a tutela dos

158 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.206. 159 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.518.

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direitos do consumidor, parece oportuno refletir sobre a centralidade do princípio da boa-fé, na sua variante objetiva, e na sua projeção sobre todo o sistema contratual. [...] O atual prestígio da boa fé objetiva decorre da compreensão do sentido complexo da relação jurídica obrigacional, e da pluralidade de seus múltiplos deveres, que põe em evidência a necessidade de ser fiscalizado o comportamento do sujeito contratante. E mais, a eleição da boa-fé objetiva como regra de avaliação do comportamento contratual, mas não somente isto, encerra a fase subjetivista de interpretação das declarações de vontades envolvidas, consubstanciada no artigo 85 do Código Civil ( Nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção que ao sentido literal da linguagem). Atual artigo 112 da Lei 10.406/2002. (grifo nosso). [...] Se o Código de Defesa do Consumidor inicialmente, nesta nova fase da teoria contratual, serviu de mote teórico para o relançamento da boa-fé no plano contratual, não podem a ele ficar restritas sua análise e aplicação, eis que a legislação de consumo, bem como toda a ordem contratual, estão fundadas no princípio constitucional da livre iniciativa, não sendo a conformação daquela pela justiça social (art. 170, caput) exclusividade do CDC.160 [grifo do autor].

Pertinente a lição de Paulo Nalin quanto à viragem da leitura das cláusulas

contratuais, na busca da justiça social no âmbito da regulação da ordem econômica nos termos

do caput do artigo 170, e extensivamente verificada as afirmativas é lícito concluir que a

Microempresa é destinatária legítima da nobre missão estabelecida no ordenamento jurídico

como um todo.

Considerando-se inadequados sujeitos de direitos e obrigações materialmente

equivalentes gozarem de tratamento jurídico diferenciado.

Nessa trilha, o mesmo autor expõe que o princípio da transparência decorrente do

princípio da boa- fé objetiva deve ser compreendido da seguinte forma:

A transparência princípio decorrente da boa-fé objetiva, ao exigir o correto comportamento dos sujeitos relacionados, encontra sua justificativa no dever de informar o que recai sobre os contratantes, especialmente nestes tempos de predomínio das relações contratuais de conteúdo pré-disposto, modelo que ganha mais espaço. A cada dia que passa, e impõe ai contratante que fixa o seu conteúdo a necessidade de informar, precisamente, ao outro contratante, todo o seu plexo. [...] A transparência faz com que se exija do pré-disponente, sobretudo, lealdade ao estabelecer o conteúdo da avença e lealdade ao informar sobre ela ao outro contratante, via de regra mero aderente, portanto vulnerável à vontade contratual que está a definir seus termos gerais, exigindo-lhe destarte comportamento responsável.161

Nesse mesmo diapasão Paulo Nalin revela sobre o princípio da confiança o seguinte:

160 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.126-127. 161 Id., Ibid., p.144.

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O princípio da confiança, localizado desde antes da formação do contrato, até a sua execução, dá conta, enquanto na fase da aproximação negocial, de proteger os legítimos interesses daqueles que pretendem contratar e, quando já contratados e em execução, as respectivas obrigações, na adequação do objeto do contrato aos fins esperados pelos contratantes. Cuida, portanto de salvaguardar as expectativas contratuais dos que se aproximam e contratam. [...] A confiança guarda íntima relação com o princípio da boa-fé objetiva, não só porque se louva dos interesses anexos aos cuidados, informação, segurança e cooperação, construídos a partir de seus desdobramentos, como representa, ainda, um dos mecanismos de interpretação dos contratos, o qual se realiza em vista do comum significado que as partes atribuem ao conteúdo negocial. Pode-se dizer, efetivamente, que a confiança surge das diversas manifestações da boa-fé, sugerindo à doutrina a integração da confiança no conteúdo substancial da boa-fé. É evidente, assim, tratar-se de princípio que afina, em conseqüências fáticas e jurídicas, com a formação da nova sistemática contratual. [...].162

Estabelecidas as premissas que informam o sistema contratual atual, com base na

confiança mútua entre os contratantes em todas as fases do contrato, e considerando que cabe

à ciência do direito a disciplina da convivência humana.

Aplicando-se integralmente os princípios da nova ordem contratual à disciplina dos

contratos celebrados pelos titulares das Microempresas.

Revelando-se insuficiente o contido no Capítulo IX da Lei Geral da Microempresa

para dar cabo da nobre missão do estabelecimento de regras justas e socialmente responsáveis

considerando a Microempresa como uma organização econômica que na busca do lucro

distribui dividendos para toda a sociedade.

Neste sentido faz-se imprescindível a análise do processo hermenêutico, com vistas à

interpretação e aplicação das normas fulcradas na justiça social.

3.3 A INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS NA NOVA ORDEM

JURÍDICA DO DIREITO PRIVADO ESTABELECIDA NO CÓDIGO CIVIL 2002

Com vistas à realização do direito material, quanto às relações contratuais, no âmbito

das empresas, de forma especial nas denominadas Microempresas, a atividade dos operadores

do direito, partes contratantes, legisladores, doutrinadores e o titular da atividade jurisdicional

na solução dos conflitos, os juízes monocráticos e os juízos colegiados necessitam nos termos

da nova ordem estabelecida valer-se de elementos metajurídicos para a correta interpretação e

162 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.154.

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aplicação dos valores estabelecidos no ordenamento jurídico com vistas ao tratamento

humanizado das relações negociais.

Neste sentido, Negreiros estabelece que:

[...] Por detrás das críticas feitas à socialização do direito civil residem diferentes concepções acerca do fundamento do Direito como um todo – e não apenas do direito civil – e da sua eficácia como instrumento de transformação social. Tais críticas não podem por isso ser circunscritas ao plano metodológico. A rigor, o debate acerca dos fundamentos e da função do Direito estará presente ao longo de todo o trabalho, em cada uma das questões e das sugestões que aqui serão levantadas, como um debate que não pode – não deve – ser algum dia encerrado.163

Revela-se impossível tratar da função social do contrato sem tratar da cláusula geral,

primordial, a boa-fé objetiva, defendida pela melhor doutrina nacional a mais de trêsdécadas,

prevista no projeto do Código das Obrigações, de Orlando Gomes, no ano de 1975.

[...] Assim,em dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie de boa-fé, as partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se espera de um homem comum. [...] Com isso, queremos dizer que, livrando-nos das amarras excessivamente tecnicistas da teoria clássica, cabe-nos fazer uma releitura da estrutura obrigacional, revista à luz dessa construção ética, para chegarmos à inafastável conclusão de que o contrato não se esgota apenas na obrigação principal de dar, fazer ou não fazer. [...] Ladeando, pois, esse dever jurídico principal, a boa-fé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, confiança, informação etc.[...].164[grifo do autor].

Preliminarmente faz-se necessário consignar que a boa-fé objetiva diferencia-se da

boa-fé subjetiva, que servia unicamente como substrato da autonomia da vontade privada.

Com propriedade Martins-Costa ressalta que:

Esta perspectiva é de fundamental importância para a compreensão da boa-fé objetiva em matéria obrigacional, uma vez que é daí que surge a adstrição ao comportamento, segundo a boa-fé, como regra de comportamento social, necessário ao estabelecimento da confiança geral, induzida ao “alter” ou a coletividade pelo comportamento do que jura por honra. Do substrato cultural geral a fórmula adquirirá, no específico campo das relações comerciais, o conteúdo do cumprimento exato dos deveres assumidos, vale dizer, a obrigação de cumprir exatamente os deveres do contrato e a

163 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.95. 164 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.102-103.

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necessidade de ter em conta, no exercício dos direitos, os interesses da contraparte.165[grifo do autor].

Como revela as colocações da Jurista, o tratamento da matéria obrigacional, com a

observação da boa-fé objetiva não desfigura o conteúdo econômico, substrato da relação

obrigacional.

Como o cumprimento “exato” dos deveres assumidos, no entanto, como a relação

obrigacional não se estabelece unilateralmente, a relação contratual funcionalizada, não

prescinde de valores éticos e morais em todas as suas fases.

Gomes sintetiza esse pensamento nestes termos:

O propósito moralizador define-se pela aplicação mais constante de certos princípios que o Código alemão introduzira, conhecidos como cláusulas gerais, dentre as quais se salientam a boa-fé, aos usos do comércio jurídico, à justa causa, à desproporcionalidade e ao aproveitamento da situação de necessidade em que outrem se encontre, ou da sua inexperiência.166

Ilustrativa a lição de Orlando Gomes que ao se referir à situação de necessidade e

inexperiência, situações que se amoldam ao cenário cotidiano da Microempresa, o titular da

Microempresa, via de regra, não se acomoda nos patamares acanhados em termos de

faturamento e lucro.

Busca dessa forma o crescimento, a melhoria das condições de trabalho, investe no

estabelecimento, procura novos fornecedores, e oferece condições de preço e crédito

compatíveis com as grandes organizações.

No entanto considerando, na maior parte das vezes, a sua pouca afinidade com as

práticas da administração, racionalmente dirigida, encontra neste momento, em que a sua

ambição oferece maiores proveitos à comunidade de parceiros e colaboradores e a toda a

sociedade.

O maior risco, visto que negocia com contratantes dotados de maior poderio

econômico e maior assessoria jurídica, impondo cláusulas contratuais que podem e

geralmente significam a quebra e o desparecimento da fonte geradora de empregos e

oportunidades de crescimento a toda a sociedade.

Gagliano e Pamplona, endossados por Gomes, alegam que:

165 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.126. 166 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed. aum. São Paulo: Revista do Tribunais,1980, p. 8.

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[...] Em verdade, arremata o ilustre autor, a moderna concepção de contrato, tal como nós o concebemos hoje, consistente “em um acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico ao qual se prendem”, somente se esclarece à luz da ideologia individualista típica do regime capitalista de produção. Diríamos, portanto, sem pretendermos estabelecer um preciso período de surgimento do fenômeno contratual – [...] que cada sociedade, juridicamente producente, cada Escola doutrinária – desde os canonistas, passando pelos positivistas e jusnaturalistas – contribuíram, ao seu modo, para o aperfeiçoamento do conceito jurídico do contrato e suas figuras típicas. [...] Mas, sem dúvida, contribuição inegável seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual segundo uma escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem como centro do universo, determinando, assim a supervalorização da força normativa do contrato – levada às últimas conseqüências pela consagração da fervorosa do pacta sunt servanda. [...] A elevação da autonomia privada à categoria de dogma, calcada na visão antropocêntrica e patrimonialista, refletiu amplamente em toda a concepção dos contratos até o final do século XIX e início do seguinte. [...] Essa tendência individualista, entretanto, acabaria por gerar sérios desequilíbrios sociais, somente contornados pelo dirigismo contratual do século XX, reflexo dos movimentos sociais desencadeados na Europa Ocidental, e que recolocariam o homem na sociedade, retirando-o do pedestal a que ascendera, após a derrocada do Antigo Regime, quando pretendeu assumir o lugar de Deus[...].167 [grifo do autor].

Cumpre-se ressaltar que ao dispensar este novo tratamento ao negócio jurídico,há a

importância da bilateralidade do tratamento da relação negocial, onde os interesses albergados

devem verificar as condições de ambas as partes contratantes.

Os retromencionados autores, lembram que a nova ordem contratual não prescinde

dos clássicos princípios dos contratos e sim exigem um novo olhar:

[...] Percebemos, portanto, na enumeração dos princípios que seguem abaixo, que alguns clássicos foram mantidos, posto hajam sido objeto de releitura,e, ainda, outros foram acrescentados, por entendermos necessário para a completude do conjunto. [...] Temos portanto: a) o princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo; b) o princípio da força obrigatória dos contratos; c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; d) o princípio da função social do contrato; e) o princípio da boa-fé objetiva; f) o princípio da equivalência material. [...] Pairando por sobre todos eles, dando-lhe a dimensão constitucional, está o princípio da dignidade da pessoa humana, que jamais poderá ser esquecido, pois, indiscutivelmente, servirá de medida para toda a investigação que fizermos a respeito de cada um dos princípios contratuais acima elencados. [...].168[grifo do autor].

Nestes termos, tem-se que o Princípio da boa-fé objetiva, não elimina o princípio da

167 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p. 40. 168 Id., Ibid., p. 64.

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autonomia privada, mas exige que a vontade seja auferida na medida da igualdade entre os

contratantes.

Para Marques, a imposição do paradigma da boa-fé objetiva, tem como efeitos:

[...] Imposição do princípio da boa-fé objetiva- Como novo paradigma para as relações contratuais de consumo de nossa sociedade massificada, despersonalizada e cada vez mais complexa, propõe a ciência do direito o renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito a muito conhecido e sempre presente desde o movimento do direito natural: o princípio geral da boa-fé. Este princípio ou novo ‘mandamento’ (Gebot), obrigatório a todas as relações contratuais na sociedade moderna, e não só às relações de consumo, será aqui denominado de princípio da boa-fé objetiva, para destacar a sua nova interpretação e função. [...] Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexo; 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos; e 3) na concreção e interpretação dos contratos.[...]169 [grifo do autor].

Como pode se observar a lição da professora se amolda a forma de contratar da

Microempresa quando fornecedora de produtos e serviços, visto que o estabelecimento das

cláusulas contratuais, obrigatoriamente deve ser plasmado na boa-fé. Isto porque, as relações

negociais não comportam desvios, por serem realizados num cenário de alta concorrência em

que o consumidor não admite a quebra da confiança sob pena de migrar para o concorrente

mais próximo.

Em sua obra, dos Contratos no CDC, Cláudia Lima Marques destaca que:

[...] Segundo a nova visão do direito, o contrato não pode mais ser considerado somente como campo livre e exclusivo para a vontade criadora dos indivíduos. Hoje, a função social do contrato, como instrumento basilar para o movimento de riquezas e para a realização dos legítimos interesses dos indivíduos, exige que o contrato sigaum regramento legal rigoroso. A nova teoria contratual fornecerá o embasamento teórico para a edição de normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da autonomia da vontade, com o fim de assegurar que o contrato cumpra a sua nova função social.

Ressalve-se que a visão do contrato nas relações de consumo aplica-se integralmente

ao cenário da Microempresa contratante.

169 MARQUES. Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.214-215.

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Considerando que a Microempresa contratante, seja como consumidora, como

fornecedora, ou na compra e venda de insumos no desenvolvimento de sua atividade exerce

uma importante função social.

Visto que na busca dos seus resultados econômicos com o objetivo de lucro não se

caracterizam pela imposição de regras unilateralmente e sim entabulam negociações num jogo

de ganha, ganha, não relações em que para que uma parte deve perder para a outra ganhar.

Paulo Nalin explica o princípio da equidade, dizendo que:

[...] Nesse contexto da comutatividade contratual é que se constrói o princípio da equidade, enquanto fundamento da justiça que deve imperar no contrato, se ele de longa duração ou não, uma vez que as parcelas reciprocamente devidas nunca poderão estar desajustadas ou sofrer perdas e ganhos, ao longo da execução da avença. [...] O princípio da equidade alcança, assim, um novo perfil, não somente um instrumento de supressão das lacunas da lei, ferramenta de interpretação da regra jurídica, julgando ex aequo etbono, mas visando o equilíbrio econômico das obrigações pecuniárias. [...] Para concluir o raciocínio, sempre em apego ao ensinamento Aristotélico, Chaïm PERELMAN, tendo se referido à equidade, no plano do pensamento daquele filósofo grego, como “muleta da justiça”, evolui na teoria filosófica, para contemporaneamente, sustentar a equidade enquanto “um recurso do juiz contra a lei; apela-se ao seu senso de equidade quando a lei aplicada rigorosamente, em conformidade com a regra de justiça, ou quando o precedente, seguindo a lei, conduzem a conseqüências iníquas”170[grifo do autor].

Para Teresa Negreiros a equidade revela-se:

[...] No contexto mais geral da evolução do direito civil como um todo, esta ruptura com a concepção abstrata e atomizada do sujeito contratante – seja pela via da valorização dos aspectos referentes à sua pessoa, socialmente considerada, seja pela via da coletivização dos mecanismos de defesa de interesses tidos como transindividuais – representa a ‘concretização’ do conceito de pessoa. [...] A codificação tornara “pessoa” um substantivo ‘abstrato’, isto é, em termos literais, a pessoa estava ‘separada daquilo de que se necessitava para existir dignamente. Considerada de forma ‘isolada’ e ‘apartada’, a pessoa transformou-se numa categoria jurídica inteiramente desprendida de suas circunstancia. Nesse sentido, assinala Orlando de Carvalho: ‘... O Code ignorou igualmente o homem concreto, o homem de carne, sujeito a debilidades, presa de necessidades, esmagado por forças econômicas’.171[grifo do autor].

170 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.143. 171 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.327-328.

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Enfatizando que a Microempresa quando destinatária de um tratamento na relação

contratual plasmado nos valores acima elencados oferece em retorno à sociedade, produtos e

serviços de melhor qualidade, elevação dos níveis de emprego e funciona como um difusor de

riquezas, espraiando benefícios à sociedade na qual atua.

Examinado o substrato complexo da sistematização de um sistema orientado pela

cláusula geral da boa-fé objetiva e considerando que o regime obrigacional encontra-se aberto

aos valores da probidade, honestidade, retidão na conduta dos contratantes, passa-se

didaticamente a esboçar um sistema único das relações obrigacionais, cabendo, no entanto a

análise da conformação atual no direito das obrigações.

3.3.1 A Utilização da Tópica na Interpretação e Aplicação do Direito

Tem-se que a ciência jurídica não olvida dos fatos, acontecimentos, ocorridos na

sociedade e verificadas as consequências negativas junto ao fato da regulação das relações

institucionais tendo como fundamento a tutela de direitos patrimonialista e individualista.

Baseados no âmbito das relações privadas na autonomia privada onde o homem um

ser dotado de razão, obriga-se de forma livre e soberana e a propriedade assume um caráter

absoluto.

Fez-se necessário o rompimento dessa ordem e a institucionalização de uma nova,

onde a igualdade meramente formal é afastada e a liberdade de usufruto da propriedade

recebe novos contornos, com a exigência do exercício de uma função social.

Nesse novo tratamento entende Paulo Nalin que surge:

A necessidade de repensar o modelo eleito de boa-fé objetiva mostra-se, ainda, mais urgente, sobre isso se manifestando a doutrina, afirmando que não é possível para a espécie apontar uma definição rígida de seus contornos conceituais, pois sempre dependente de uma conduta contratual, que se destina a melhor efetivação dos interesses do outro contratante. Sua interpretação é essencialmente tópica. Analisa-se a posição do titular da obrigação, em execução, se ele agiu de forma a satisfazer, plenamente, as expectativas alheias, não gerando obstáculos desnecessários, encargos pessoais e financeiros inúteis, enfim, ônus subjetivos patrimoniais ou existenciais (morais) indesejados. [...] O processo incógnito e construtivo dos prismas conceituais, envolvendo a boa-fé objetiva, projeta o intérprete a searas outras, para além dos limites do Direito, recorrendo a valores e conceitos jurídicos e, até metajurídicos, como a confiança, a diligencia do declaratório ao se interessar pela intenção do outro contratante, o socialmente relevante da declaração da vontade, a razoabilidade e os

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princípios gerais do direito, todos sendo conforme bem explica Vito RIZZO, instrumentos de interpretação da boa-fé.172

A viragem de um sistema fechado para um sistema aberto não se concretiza sem uma

nova forma de leitura do sistema, a prática secularmente enraizada, da hermenêutica jurídica,

com base na subsunção dos fatos à prescrição legal, por meio do dedutivo, não se presta mais

à atividade jurisdicional de forma plena.

Requer-se esclarecer que ao sistema e ordenamento, cabe a distinção colacionada por

Judith H. Martins-Costa

Ordenamento e sistema, como se sabe, não são sinônimos. O ordenamento é o conjunto das normas que regulam a vida jurídica em certo espaço territorial. O sistema exprime as ligações, nem sempre existentes, entre estas normas. O ordenamento é, assim, uma espécie de “ecossistema”, que pode abranger uma ampla variedade de sistemas e subsistemas normativos.173

Não se olvidando que o interprete juiz prescinde no seu mister de entregar o bem da

vida a cada parte da utilização do método dialético tópico nas questões meramente formais,

como estabelecimento de prazos processuais, questões processuais pontuais como as

exigências da fundamentação das sentenças proferidas.

Gagliano e Pamplona lecionam que o processo interpretativo:

[...] A idéia de interpretação se refere à necessidade de se estabelecer o significado e o alcance de uma regra positivada, bem como constatar as situações por ela previstas e os efeitos que pretende ter. [...] De fato, tal como o preceito legal (manifestação da vontade estatal) imprescinde da interpretação dos cidadãos e do magistrado para sua aplicação, a vontade das partes, instrumentalizada pelo contrato, exige uma correta compreensão, tanto dos próprios contratantes, nas relações jurídicas de direito material, quando também do Poder Judiciário, no caso de haver um conflito na sua aplicação. [...] Só assim, devidamente dimensionada, a norma legal ou contratual, poderá produzir concretamente os efeitos desejados pela manifestação de vontade que a gerou.174

No entanto na análise das questões de fundo das lides, o direito e as obrigações das

partes, estão desde a edição do novo Código Civil exigindo um método interpretativo,

172 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.132-133. 173 MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.43. 174 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos: teoria geral. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, v.4, t.1, p.211.

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formatado pela observação dos “standart” da boa-fé objetiva.

Busca-se em Alexy, essa nova sistemática de investigação, assim definida:

O objeto desta investigação é a questão sobre o que deve ser entendido como argumentação jurídica racional, bem como a de se e com que alcance ela é possível. [...] A resposta se dá em duas etapas. Na primeira e segunda parte do trabalho, elabora-se uma teoria da argumentação prática geral, e na terceira, uma teoria da argumentação jurídica que se constrói a partir daquela.175

Em apertada síntese, tendo como paradigma a obra de Alexy, que afirma:

Una teoría de los derechos fundamentales de Ley fundamental es una teoría de determinados derechos fundamentales positivamente válidos. Esto la distingue de las teorías de los derechos fundamentales que han tenido vigencia en el pasado (teorías histórico – jurídicas) como así también de las teorías sobre los derechos fundamentales en general (teorías teorico-juridicas) y de teorías sobre derechos fundamentales que no son los de la Ley Fundamental, por ejemplo, teorías sobre derechos fundamentales de otros Estados e teoría de los derechos fundamentales de los Estados federados que integran la República Federal de Alemania.176

Consigne-se que a Teoria da Argumentação, não caracteriza um rompimento com a

segurança jurídica, tendo na constituição a fonte dos valores maiores a serem consignados,

não podendo nascer do nada, mas sim de textos institucionalmente erigidos como marcos da

ação legislativa.

Teresa Negreiros contribui nesse sentido estabelecendo o paradigma da

essencialidade, quanto à classificação dos bens quanto a sua utilidade, nestes termos:

[...] O paradigma da essencialidade consubstancia um modelo de pesquisa contratual, segundo o qual o regime do contrato deve ser diferenciado em correspondência com a classificação do bem contratado. Essa classificação divide os bens em essenciais, úteis e supérfluos, levando em conta a destinação mais ou menos existencial conferida pelo sujeito contratante ao bem contratado. [...] O paradigma da essencialidade, de acordo com o qual a medida da utilidade existencial do objeto do contrato deve ser considerado pelo ordenamento jurídico como relevante a apreciação de conflitos entre os princípios contratuais, é, neste contexto, capaz de dar àpràtica judiciária um

175 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda HutchinsonSchild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005, p. 5. 176 Idem. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 22.

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ponto de apoio para as argumentações sensíveis às necessidades dos contratantes.177

A autora esclarece que:

[...] Embora não conste expressamente dos esquemas classificatórios tradicionais no direito civil, a classificação dos bens em essenciais, úteis e supérfluos e sua utilização como fator de diferenciação dos contratos que tenham por objeto a sua aquisição ou utilização são propostas interpretativas perfeitamente compatíveis com tais esquemas, desde que se lhes imprima uma nova luz: a primazia das situações existenciais sobre as situações patrimoniais.178

Teresa Negreiros conclui dessa forma:

[...]Este modelo de classificação, embora não previsto expressamente, está de acordo com os modelos existentes, os quais, como demonstrado ao longo do trabalho, se pautam sempre pela destinação do bem a ser classificado. Ocorre que, sob a ótica do Código civil, esta destinação privilegia o enfoque patrimonial, ao passo que, de acordo com o critério sugerido – formulado à luz da primazia constitucionalmente garantida à pessoa – o enfoque passará a ser existencial, avaliando-se a utilidade representada pelo bem no que se refere à sua direta utilização pela pessoa e à satisfação das necessidades humanas.179

Como visto no discorrer de toda a seção as relações obrigacionais, estampadas no

ordenamento jurídico brasileiro, sejam civis, mercantis ou consumeristas encontra neste

momento funcionalizadas, com a introdução de cláusulas gerais, de especial interesse neste

estudo, a boa-fé objetiva.

Verifica-se que a interpretação do sistema organizado de forma a recepcionar os

conteúdos meta jurídicos exige do operador do direito uma nova metodologia, em substituição

do método dedutivo, partindo do estabelecimento dogmático.

Ainda considerando que o substrato do pensamento jurídico encontra suas raízes no

seio da sociedade, hoje em processo de transformação, não se pode desprezar que a ciência

jurídica, como produto de um processo cultural, desenvolve-se não de forma linear.

Fazendo necessário consignar que a prática jurídica nas academias e na atividade

jurisdicional do Estado estão a espera da concretização dos valores fundamentais estampados

no texto constitucional, com vistas ao tratamento digno, humano do sujeito de direito, pessoa 177 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.336. 178 Idem, Ibid., p. 448. 179 Id., Ibid., p.501-502.

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física ou jurídica.

Neste cenário em que o novo paradigma das relações contratuais funcionalizadas,

com vistas à construção de uma sociedade mais solidária, justa e fraterna a Microempresa,

como extensão do seu titular ou como pessoa jurídica onde os sócios e administradores

participam do dia da empresa e estabelecem relações pessoais com os parceiros comerciais,

faz-se necessário lançar um novo olhar com vistas à valorização das atividades dessas

pequenas organizações que oferecem muito a toda sociedade.

Proporcionando um tratamento não só favorecido e simplificado nos termos do

ordenamento jurídico, mas necessariamente justo.

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CONCLUSÃO

Concluindo este trabalho de pesquisa, quanto à concretização da função social da

atividade econômica desenvolvida pelas denominadas Microempresas, e a disciplina atual dos

contratos em seus aspectos materiais e a sua interpretação e aplicação no âmbito das relações

empresariais.

Observou-se inicialmente que a Microempresa é uma espécie de trabalho humano,

dentro do gênero empresa, como sinônimo de atividade econômica, direcionada à produção,

distribuição e circulação de bens e serviços que detém a primazia, por força do comando

constitucional, que impõe à livre iniciativa, portanto à iniciativa privada a resposta às

necessidades humanas.

No entanto a pesquisa constata também que o direito estabelece regramentos e

tratamento jurídico a outras espécies de trabalho como o subordinado, o autônomo, inclusive

com tutelas diferenciadas aos empreendedores que não têm condições ou não pretendem

estabelecer-se como empresário.

Analisando a evolução histórica da atividade empresarial, notou-se que a empresa, no

seu desenvolvimento teve períodos em que se organizava em corporações, onde o foco era

pessoa do comerciante, com prerrogativas de tribunais e legislação próprias, sendo

responsável direito das conquistas políticas, econômicas e culturais.

Dentro dessa análise histórica ficou consignado que as Revoluções, Industrial e

Francesa, alteram o seu perfil técnico e jurídico, passando a operar com produção em escala e

rompendo com o subjetivismo que caracterizava a atividade.

A pesquisa também revelou que a atividade empresarial, revestida dos pressupostos

legais de regularidade, passou a constituir um sujeito de direitos e obrigações distinto dos

titulares de suas ações ou quotas, ensejando a limitação da responsabilidade destes pelas

obrigações sociais.

Assim como a possibilidade de usufruir de tratamento jurídico diferenciado quando

da contingência de eventos relacionados à crise financeira ou econômica, por meio de

legislação recente, a Lei nº 11.101 de 2005, afinada com a função social da empresa,

estabelecendo o princípio da preservação da empresa.

Ao longo da pesquisa considerou-se frutífera a relação da análise do exercício da

função social da Microempresa.

Verificou-se que em tempos recentes, segunda metade do século XX, a atividade

empresarial foi alvo de previsão constitucional, tendo sua incorporação ao texto

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constitucional, como forma do exercício de uma função social.

Surgindo a previsão da necessidade de um tratamento jurídico favorecido e

diferenciado às atividades empresariais classificadas como Microempresas, em função do

faturamento auferido e da impossibilidade de responder pelas mesmas obrigações das

empresas de maior porte econômico.

Na análise da participação da Microempresa no desenvolvimento econômico e social

a pesquisa revelou que o tratamento constitucional e infraconstitucional dispensado às

Microempresas que teve suas raízes, no ordenamento jurídico nacional, em uma política do

governo federal que visava à desburocratização da Administração Pública evoluiu para se

consubstanciar num micro sistema jurídico que estabelece regras diferenciadas e favorecidas

quanto ao tratamento administrativo e tributário.

Também no bojo da pesquisa se percebe que a instituição do regime simplificado e

favorecido quanto os aspectos tributários implicou em relativização do conceito da Federação

para permitir a unificação das contribuições e tributos devidos pelas Microempresas em um

regime de arrecadação única.

Neste trabalho de pesquisa constatou-se também que o capitulo X da Lei

Complementar 123/2006 ao tratar do estimulo à inovação, revela a importância da

solidariedade e cooperação entre as Microempresas e o meio acadêmico com o sucesso dos

arranjos tecnológicos organizados sob a forma de “incubadora empresarial” e a possibilidade

da inserção da produção em áreas de desenvolvimento da tecnologia de ponta.

Ao final, conclui-se que para o cumprimento de sua função social a atividade

econômica organizada sob a forma de Microempresa não pode prescindir de um tratamento

efetivamente diferenciado nas relações contratuais.

Visto que o artigo 179 da Constituição Federal estabelece genericamente quanto à

simplificação das obrigações creditícias e a partir do artigo 57 da Lei Complementar nº

123/2006 delimitada de forma programática como se dará o estímulo ao crédito e a

capitalização no âmbito da Microempresa, a pesquisa correlacionou os aspectos legais e

doutrinários que exigem o tratamento contratual com respeito aos Princípios da boa-fé

objetiva, a equivalência das prestações e a função social.

Realizadas essas considerações a guisa de conclusão pôde auferir que a atividade

econômica organizada sob a forma de Microempresa realiza naturalmente a função social da

empresa visto que os agentes econômicos seja na condição de fornecedor, consumidor,

empregado, empregadores não prescindem de um contato humano no seu desenvolvimento.

Visto que os balizamentos legais quanto à tributação e as exigências administrativas

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apresentam-se de forma simplificada e com alíquota diferenciadas por meio de normas de

ordem pública.

Faz-se necessário frisar que as relações contratuais e de forma especial das relações

contratuais referente ao necessário financiamento do capital das Microempresas constituem o

“calcanhar de Aquiles” do desenvolvimento e manutenção das atividades das Microempresas.

Portanto, necessário é que a academia juntamente com as organizações não

governamentais, representadas pelas associações, fóruns e comitês, estabeleçam amplo debate

com vistas à implementação de relações contratuais justas com relação ao respeito à boa-fé

objetiva e o equilíbrio das prestações obrigacionais e a função social do contrato.

Este trabalho tem a pretensão de contribuir para o desenvolvimento do direito da

empresa, e para a consolidação do tratamento diferenciado da atividade econômica do

seguimento das Microempresas de forma imediata e contribuir efetivamente para o

desenvolvimento da sociedade num todo de forma mediata, considerando a contribuição das

Microempresas no desenvolvimento econômico e social do país.

Em suma, a pesquisa revelou que a Microempresa, como pequeno agente econômico,

numa sociedade plasmada pela valorização das grandes corporações, revela-se um gigante nos

aspectos econômicos e social revelando que o tratamentos jurídico diferenciado dispensados

encarnam os mais elevados princípios de justiça social nos termos da legislação

constitucional.

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