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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL – UNISC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
Raquel Tomé Soveral
A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Santa Cruz do Sul
2014
1
Raquel Tomé Soveral
A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito, Mestrado em Direito, da
Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Clovis Gorczevski
Santa Cruz do Sul
2014
2
Raquel Tomé Soveral
A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito, Mestrado em Direito, da
Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.
Dr. Clovis Gorczevski
Professor Orientador - UNISC.
Drª. Fabiana Marion Spengler
Professora examinadora
Dr. Christian Suárez Crothers
Professor examinador
Santa Cruz do Sul 2014
3
AGRADECIMENTOS
Por acreditar que não vivemos sozinhos, nada somos sozinhos é que
agradeço a todos que contribuíram para a realização deste, assim meu
agradecimento:
Primeiramente, agradeço a Deus pela minha vida e minha profissão.
À família, pelo amor e apoio incondicional, principalmente a minha mãe
Declaine, irmão Rodolfo, avós Celso, Nelso e Lourdes e querido tio Paulo.
Aos meus amigos Mariele, Catharine, Maíra, Ricardo por todo o suporte
emocional que me deram, e especialmente ao Luciano por acreditar em minha
capacidade e pelo incentivo na realização desta árdua e gratificante tarefa.
À UNISC pela confiança em aceitar-me como aluna de mestrado.
À IMED por sempre acreditar no meu trabalho e demonstrar isso.
À UMINHO e todo seu corpo docente, pela confortante acolhida aos
alunos da dupla-titulação naqueles meses chuvosos, onde nos foi
proporcionado estudos intensivos, em destaque à professora Andreia Sofia
pela orientação ministrada.
A todos os professores e funcionários que de alguma forma contribuíram
com o meu aprimoramento acadêmico, sobretudo aos professores do mestrado
pelos ensinamentos excelentes que nos foram passados.
Aos colegas de mestrado pelo companheirismo e por tornarem as aulas
comprometedoras e desafiadoras.
Por fim, mas não menos importante, ao professor Clovis, querido e
incansável orientador. Obrigada por dividir um pouco dos seus ilustres e
infinitos conhecimentos comigo.
4
“As trevas eram de um negrume excessivo.
Depois de ali estar durante algum tempo,
apossaram-se de mim dois sentimentos
antagônicos: de um lado, o receio de explorar
aquela caverna escuríssima; de outro, a
curiosidade de desvendar o maravilhoso
mistério que ela deveria conter.”
(Leonardo Da Vinci, 1452-1519).
5
RESUMO
O presente trabalho tem como tema central o direito fundamental à razoável duração do processo, especialmente no que diz respeito a sua concretização, ou falta dela, quando da atividade jurisdicional. Este assunto insere-se na área de concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, na linha de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo em razão da inter-relação entre processo e constituição, no sentido de que os direitos fundamentais devem ser observados e efetivados quando da prestação da tutela jurisdicional. A problemática situa-se em como concretizar o direito fundamental à razoável duração do processo? Portanto, tem como objetivo apontar mecanismos capazes de concretizar o direito fundamental ora trabalhado e, para tanto, realiza um estudo acerca dos direitos humanos e direitos fundamentais enquadrando a razoável duração das demandas como um destes direitos. Ainda, traça um estudo abrangente sobre a crise do Poder Judiciário, relacionando tempo e processo, direitos fundamentais para a efetividade judicial, bem como, aponta as causas da morosidade na prestação jurídica e diagnostica mecanismos relacionados pela doutrina capazes de dar azo a concretização do direito fundamental em estudo. Por fim, trabalha com algumas contribuições exteriores acerca do assunto no que diz respeito a tutela portuguesa sobre o tema, as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, justamente por entender que o problema da demasiada morosidade processual não é exclusividade brasileira. O estudo, de natureza bibliográfica, adota como método de abordagem o método dedutivo, sendo o método de procedimento o analítico e o histórico-crítico, utilizando-se como técnica de pesquisa a coleta de dados por meio de pesquisa bibliográfica. Diante da análise trabalhada é possível perceber que a falta de concretização do direito fundamental à razoável duração do processo é problema latente que ultrapassa as fronteiras do Brasil, sendo dever da sociedade como um todo reivindicar a sua observância, cultuando uma consciência acerca da responsabilidade por todos os envolvidos a fim de que o processo consiga ser solucionado em tempo razoável e, com isso, seja obtida a sua efetividade.
Palavras-chave: Direito fundamental. Poder Judiciário. Razoável duração do processo.
6
RESUMEN
El presente trabajo se centra en el derecho fundamental de la duración razonable del proceso, sobre todo en lo que respecta a su aplicación, o falta de ella, cuando se trata de la actividad jurisdiccional. Esta materia pertenece al área de concentración en Políticas Públicas y Sociales, la línea de investigación del Constitucionalismo Contemporáneo debido a la interrelación entre el proceso y la constitución, en el sentido de que deben ser observadas y hechas efectivas en la aportación de los derechos fundamentales en la protección judicial. El problema radica en ¿como concretar el derecho fundamental a la duración razonable de los procesos? Tiene como objetivo señalar los mecanismos para poner en práctica el derecho fundamental y, a veces trabajado y, por lo tanto, lleva a cabo un estudio sobre los derechos humanos y el encuadre de los derechos fundamentales de las demandas como la duración razonable de lo proceso. Aún así, esboza un amplio estudio sobre la crisis del Poder Judicial, que une el tiempo y el proceso, los derechos fundamentales de la eficacia judicial, así como señalar las causas de los retrasos en el suministro de mecanismos legales y diagnosticar relacionada por la doctrina capaz de dar lugar a la realización del derecho fundamental en el estudio. Por último, el trabajo con algunas contribuciones de afuera sobre el tema en relación con la tutela portuguesa sobre el tema, las decisiones del Tribunal Europeo de Derechos del Hombre y el posicionamiento de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, sólo para comprender que el problema de los retrasos excesivos de procesado no es exclusiva de Brasil. El estudio de naturaleza bibliográfica, adopta el método de acercamiento al método deductivo y el método del procedimiento analítico y el método histórico-crítico, utilizando como técnica de investigación para recopilar datos a través de la literatura. Después de analizar hechos, se puede ver que la falta de ejercicio del derecho fundamental a la duración razonable del proceso es un problema latente que va más allá de las fronteras de Brasil, es el deber de la sociedad en su conjunto demanda su cumplimiento, clamando a una toma de conciencia acerca de la responsabilidad de todos involucrado para que el proceso puede ser resuelto en tiempo razonable y, por lo tanto, se obtiene su eficacia.
Palabras clave: Derecho fundamental. Poder Judicial. Duración razonable de los procedimientos.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8
2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................ 13
2.1 Abordagem histórica ............................................................................... 16
2.2 Direitos Humanos X Direitos Fundamentais: evolução e diferenciação .. 23
2.3 A razoável duração do processo como um direito fundamental .............. 34
3 A FALTA DE CONCRETUDE DO DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO ...... 47
3.1 Tempo e conflito. Acesso à justiça. Efetividade processual .................... 49
3.2 Da falta de concretização desse direito fundamental: atuação do Poder
Judiciário ....................................................................................................... 60
3.3 Instrumentos capazes de efetivar a concretização da razoável duração do
processo ....................................................................................................... 71
4. POR UM OLHAR MAIOR: DA INTERPRETAÇÃO DE PORTUGAL ACERCA
DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA INTERPRETAÇÃO DO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM E DO
POSICIONAMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS ....................................................................................................... 82
4.1 Portugal e a razoável duração do processo ............................................ 85
4.2 Das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem frente a tal
garantia ......................................................................................................... 99
4.3 O posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos em
relação à concretização da razoável duração do processo ....................... 109
5 CONCLUSÃO .............................................................................................. 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 120
8
1 INTRODUÇÃO
O Constitucionalismo Contemporâneo abarca diversos direitos
fundamentais, os quais preveem inúmeras garantais essenciais aos indivíduos.
Tais direitos fundamentais advêm dos direitos humanos e buscam garantir que
as pessoas e a sociedade convivam pacificamente e com dignidade. Se o
Direito é o que hoje se presencia é porque decorreu da história e dela recebe
influências.
Os direitos fundamentais, como o próprio nome já diz, são de
fundamental importância para todos os cidadãos restando consagrados, em
sua maioria, pela Constituição Federal Brasileira de 1988, adquirindo
relevância e, portanto, necessários de concretização e efetividade.
Aqui, denota-se um ponto relevante que é a diferenciação entre os
direitos humanos e os direitos fundamentais, os quais são muitas vezes
confundidos e, apesar de parecer ser simples essa diferenciação, é de suma
relevância o seu entendimento.
Quando demonstrado a influência e importância que os direitos humanos
tem sobre o ordenamento jurídico brasileiro, pode-se adequar a tutela do
processo em tempo razoável como um direito fundamental.
A garantia da razoável duração do processo representa direito
fundamental prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de San José, tendo sido inserida na Constituição
Federal Brasileira de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de
dezembro de 2004.
Apesar desta garantia estar positivada no ordenamento constitucional
brasileiro, sua concretização encontra-se restringida em razão da indefinição
do seu conceito e da extensão da previsão normativa no tocante à razoável
duração e também pela atuação morosa do Poder Judiciário, o qual não dispõe
e/ou não utiliza de mecanismos capazes de dar efetividade e celeridade
processual, inobservando, assim, a efetivação dos direitos fundamentais.
9
A inobservância desse direito fundamental enseja evidente prejuízo às
partes, acarretando inefetividade da prestação jurisdicional – o que repercute
diretamente na ofensa ao direito fundamental de acesso à justiça, do qual
aquele é inerente.
Assim sendo, a preocupação com a falta de concretização desta norma
assola todos os operadores do direito. Isto não significa necessariamente a
supressão de direitos fundamentais mas a coexistência e concreção daqueles
que incidem nas demandas.
A morosidade representa entrave à consecução do direito fundamental à
razoável duração do processo, sendo notórios os prejuízos decorrentes.
Quando o processo não consegue ser solucionado no tempo adequado, o
direito material postulado pode se perder, o sentimento de injustiça perdura e o
descrédito em relação à função do Judiciário aumenta. A ausência de precisão
terminológica não pode representar óbice à concretização daquele direito
fundamental, considerando a questão interpretativa/valorativa decorrente de
uma jurisdição constitucional aberta.
Outrossim, relacionado a noção de prestação jurisdicional tem-se o
processo, o qual por sua vez está ligado a noção de tempo. A superação da
possibilidade de resolução extrajudicial provoca a atuação do Estado para
solução do conflito – relacionada ao direito material – cabendo a este, pelo
Poder Judiciário, atentar nessa tarefa a questão do tempo do processo sob
pena de violar outros direitos fundamentais.
O direito fundamental de acesso à justiça vai muito além de permitir a
propositura de ações judiciais, devendo assegurar todas as garantias devidas
para um processo justo e équo, afinal as pessoas possuem o direito de
promover ações e obter uma decisão justa e uma tutela efetiva, resguardando
tanto direito material quanto processual.
A atuação do Poder Judiciário está aquém da almejada efetividade ante
a excessiva morosidade na resolução das demandas em decorrência da
ausência de instrumentos suficientes à garantia da razoabilidade temporal e
pela vagueza semântica desta norma.
10
As demandas demoram muito mais tempo do que deveriam para serem
solucionadas, vislumbrando-se a falta de efetividade do processo e o aumento
do descrédito dos consumidores dos serviços oferecidos por este Poder,
denotando a crise do Judiciário.
As causas desta crise latente são diversas, portanto mecanismos de
efetivação dos direitos fundamentais - especialmente asseguradores da tutela
em tempo razoável consubstanciada na efetividade processual e na garantia de
outros direitos fundamentais, como o acesso à justiça, a ampla defesa e o
contraditório - devem ser realizados a fim de dar concretude ao direito
fundamental à duração razoável do processo.
O trabalho pretende apontar quais instrumentos poderiam ser utilizados
ou já são utilizados para possibilitar a tutela jurisdicional em tempo razoável,
sem, no entanto, esgotar e esmiuçar todos os mecanismos capazes de serem
concretizadores deste direito.
Além disto, destaca-se que o presente trabalho refere-se à prestação
jurisdicional com foco no processo civil, porém sem excluir a análise quanto à
esfera penal ou trabalhista. O ensaio compreende que o direito fundamental à
razoável duração do processo deve ser observado e concretizado em todos os
âmbitos judiciais e, inclusive, no âmbito administrativo, mas estuda
especialmente a sua concretude na seara civil.
Por fim, atenta-se para um olhar mais amplo acerca da proteção deste
direito considerando a previsão da Corte Interamericana de Direito Humanos
acerca da observância da duração razoável do processo – reiteradamente
referida em inúmeras decisões – além da almejada celeridade com que o
procedimento é realizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Da mesma forma, o Tribunal Europeu também se filia a concepção da
necessidade de prever e efetivar a duração razoável dos processos.
Ainda, justamente em razão de Portugal e Brasil sofrerem com a falta de
concretização da solução jurisdicional em tempo razoável, e porque em ambos
os países os ordenamentos tem esta previsão, deve-se direcionar um estudo
para a doutrina e a legislação portuguesa sobre o tema, buscando
11
apontamentos capazes de contribuir com a efetivação da celeridade
processual.
Igualmente, corroborando por um olhar mais amplo sobre a temática,
requer-se a compressão acerca das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem, a fim de verificar como a União Europeia legislou sobre isto, bem
como, analisar alguns julgamentos onde o Estado de Portugal respondeu pelo
fato de desrespeitar a norma prevista no artigo 8º Convenção Europeia dos
Direitos Humanos.
Diante disto, deve-se estudar os direitos humanos e os direitos
fundamentais, abarcando a razoável duração do processo como um direito
fundamental que deve ser respeitado, bem como, compreender a crise
vivenciada pelo Poder Judiciário e elencar instrumentos capazes de dar
efetividade ao direito fundamental ora em estudo. Analisando, ainda, a
contribuição portuguesa nesse sentido, afinal este é um problema vivenciado
mundialmente, forçando uma visão mais abrangente, do que somente do
ordenamento brasileiro, a fim de que contribuições possam ser pensadas,
encontradas e implementadas. Essa abordagem é construída a fim de
responder a problemática proposta: como concretizar o direito fundamental à
razoável duração do processo?
Este estudo tem natureza bibliográfica e utiliza-se do método de
abordagem o dedutivo e do método de procedimento o analítico e o histórico-
crítico, abordando a contextualização dos direitos humanos e a necessidade de
concretização do direito fundamental à razoável duração do processo para um
Poder Judiciário mais eficiente. Ainda, faz uso da técnica de pesquisa de coleta
de dados e documentos por meio de pesquisa bibliográfica, valendo-se de
documentação como a investigação em livros, periódicos, revistas de
jurisprudências, entre outros.
Assim, o presente trabalho trata, no primeiro capítulo, da diferenciação
dos direitos humanos e dos direitos fundamentais e sua evolução, construindo
um aparato histórico e constitucional desses direitos a fim de incluir a razoável
duração do processo como um direito fundamental.
12
No segundo capítulo, demonstra-se que a razoável duração do processo
não está sendo concretizada quando da resolução dos processos judiciais e
salienta a presença da morosidade processual da atuação do Poder Judiciário
quando da resolução das lides postas em juízo. Além disso, pontua acerca da
crise do Poder Judiciário, suas causas e consequências, além de evidenciar o
entrelace com os direitos fundamentais existentes com a tutela do artigo 5º,
inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
Realizado esses estudos, o trabalho aponta formas de como concretizar
o direito fundamental à razoável duração do processo por meio da
demonstração de quais os instrumentos podem ser utilizados na realização dos
processos a fim de que se consiga dar concretude a esse direito fundamental.
Atento à temática proposta, examina-se, no terceiro e último capítulo,
como a doutrina e a legislação portuguesa trabalham acerca do princípio e
direito à razoável duração do processo, bem como procede-se à analise de
algumas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o tema.
Reconhece-se, a partir dos objetivos específicos formadores e
justificadores da proposta deste ensaio, a necessidade de uma Justiça
comprometida e eficiente, cada dia mais capaz de solucionar as demandas de
forma com que as partes consigam satisfatoriamente ter uma decisão em prazo
razoável.
13
2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente cumpre realizar um estudo histórico dos direitos humanos e
dos direitos fundamentais, para avançar em uma análise da diferenciação
desses direitos, a fim de que se consiga compreender suas dimensões e
diferenciações.
Apesar de parecer um estudo simples, ele é de essencial realização
para a elaboração deste projeto, uma vez que o Estado Contemporâneo de
Direito que se vislumbra nos dias atuais, muito bem equipado de normas
essenciais, decorreu de uma longa e dura evolução. Se o Direito é o que hoje
se presencia é porque decorreu da história e dela recebe influências.
Em razão da vasta historicidade construída pelos direitos naturais ou
direitos do homem se faz necessário um estudo inicial sobre a história dos
direitos humanos. Tal abordagem histórica consta com elementos desde os
primórdios das civilizações até os diplomas mais atuais correspondentes
destes direitos, desta forma busca-se uma compreensão acerca dos
documentos mais relevantes garantidores dos direitos humanos.
Para isto, tem como pano de fundo as contribuições doutrinárias a partir
do século XVI, principalmente as contribuições do século XVIII, bem como, do
jusnaturalismo, contratualismo e iluminismo. Para além, deve ser abordado os
documentos jurídicos iniciais e mais relevantes de inclusão e proteção dos
direitos humanos.
O aparato histórico inicial possibilita um melhor e maior entendimento
dos direitos humanos, a fim de que se consiga compreendê-los enquanto
direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos e, portanto, seja possível
alcançar o objeto principal deste ensaio.
Ultrapassando a abordagem histórica chega-se na necessidade de
compreensão da evolução dos direitos humanos, para tanto estudar-se-á as
diferentes gerações destes direitos, configurando seu caráter evolutivo,
14
evidenciando-se sua concretização, isto é, a positivação de valores ao longo da
história.
Ademais, estudar-se-á a diferenciação sobre os direitos humanos e os
direitos fundamentais. Tal diferenciação, apesar de ser de fácil entendimento, é
imprescindível para o delineamento do trabalho e para configurar o direito à
razoável duração do processo como um direito fundamental.
Ressalta-se que esta proposta de análise, apesar de transparecer certa
trivialidade, reflete o imperativo de sua contextualização a fim de que se
consiga, validamente, compreender, diante da evolução das gerações dos
direitos humanos, a essência dos direitos fundamentais.
Quando se realiza um estudo atento sobre a evolução e a história
desses direitos – essenciais de efetividade da dignidade da pessoa humana –
consegue-se obter uma melhor e maior compreensão sobre o tema. Isto se dá
em função da relevância internacional e incidência nos ordenamentos jurídicos
pátrios, fazendo com que os direitos fundamentais dos seres humanos possam
ser assegurados nacional e internacionalmente.
Este tema - relativo aos direitos fundamentais - ganha papel ímpar na
conformação do Estado e do texto constitucional, justamente por isto o seu
estudo se faz essencial para o entendimento do constitucionalismo
contemporâneo e do atual Estado moderno. Além de se fazer latente quando
se quer alcançar uma justiça processual que assegure estes direitos dentro do
acesso à justiça por meio de um processo efetivo, justo e célere.
Desta forma, será possível caracterizar e comprovar o caráter de norma
fundamental da previsão da razoável duração do processo, inclusive
trabalhando com a necessidade de que esta previsão legal – constitucional e
infraconstitucional - seja respeitada e concretizada.
Outrossim, apesar de possuir vagueza semântica em sua determinação,
conforme dispõe a doutrina, é um direito fundamental que deve ser observado
dada a sua efetividade, a fim de que exista uma real concretização do direito
fundamental à razoável duração do processo e que seja possibilitado a
efetividade da prestação jurisdicional.
15
Em razão dos direitos fundamentais estarem assegurados na
Constituição brasileira de 1988 (constitucionalismo democrático) deve existir a
busca constante de sua efetivação e, apesar de algumas normas
constitucionais possuírem um caráter aberto deixando margem para a atuação
do Poder Judiciário, a necessidade de concreção destes direitos fundamentais
se faz latente, ou seja, mesmo o conceito de razoável duração do processo ser
uma expressão considerada vaga, deve este direito fundamental ser efetivado
por causa de seu caráter de garantia constitucional fundamental.
Nesse interim inicia-se o presente estudo com a abordagem histórica
dos direitos humanos, a sua evolução e diferenciação quanto aos direitos
fundamentais, para ser possível realizar a configuração da razoável duração do
processo como um direito fundamental a ser resguardado quando da resolução
dos processos judiciais.
Para tanto, será explanado, sucintamente, acerca da história dos direitos
humanos, desde os primórdios das civilizações até chegar a atual Constituição
brasileira. Trazendo conceitos escritos e não escritos destes direitos, bem
como os fundamentos filosóficos responsáveis pela definição do que são
direitos humanos. Ainda, será demonstrado como estes direitos aparecem em
documentos de caráter internacional e como são disciplinados pelo
ordenamento pátrio.
No segundo ponto deste primeiro capítulo será realizada a análise da
evolução dos direitos humanos, evidenciando as gerações ou dimensões dos
direitos fundamentais, a fim de finalizar a melhor compreensão destas
garantias apoiadas na diferenciação doutrinária construída acerca das
expressões direitos humanos e direitos fundamentais, as quais muitas vezes
são utilizadas como sinônimas.
Diante do aparato que será construído o outro ponto que será abordado
é o enquadramento constitucional e fundamental do direito à razoável duração
do processo. Demonstrar-se-á que esta garantia é sim norma fundamental
assegurada na Constituição Federal de 1988, bem como que apesar de sua
vagueza semântica deve ser concretizada quando da prática das resoluções
16
das demandas judiciais. E, assim, será possível antever a necessidade de
efetivação deste direito fundamental.
2.1 Abordagem histórica
A história dos direitos humanos é muito extensa, porque a noção de
proteção ao homem é bastante antiga e por esta razão não tem um ponto exato
de início. Assim, para que seja possível existir uma compreensão maior sobre
estes direitos – de tamanha relevância na sociedade mundial – imperioso traçar
um estudo sobre a sua historicidade.
Inicialmente, justificando a relevância de uma abordagem histórica, é
preciso referir as seguintes palavras - pelo sentimento profundo que elas
contém - acerca desta temática, o que toca no mais íntimo sentimento humano:
O que se conta, nestas páginas, é a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais (COMPARATO, 2007, p. 1).
Dentro de um olhar histórico, tem-se que a ideia de proteção ao homem
é muito antiga, não sendo possível dizer exatamente quando começou, porém
pode-se afirmar que foi antes mesmo do Código de Hamurabi, ou seja, essa
noção de proteção aparece com caráter religioso, pois as religiões atribuíam à
vida um sentido sagrado e com uma característica filosófica, uma vez que tem
fundamentação nos primórdios da civilização vinculada ao pensamento
humanista (GORCZEVSKI, 2009).
Como a “proto-história” destes direitos pode-se citar os séculos XI e X
a.C, no reino unificado de Israel, tendo sido o embrião do Estado de Direito,
uma vez que consistia em uma organização política de governantes com os
17
direitos direcionados não a justificação de seus poderes, mas aos princípios e
normas editados por um superior. Tais limitações aos governantes ressurgiram
com força no século VI a.C com as instituições democráticas em Atenas e
seguiram com a criação da república romana no século seguinte
(COMPARATO, 2007).
Existiram diversas colaborações antigas para a concepção moderna de
direitos humanos. Os hebreus sustentavam a vida como algo de mais sagrado
que podia existir, portanto, aqui a lei escrita ganha posição sagrada; os
pensamentos gregos, por sua vez, estavam direcionados a existência de um
humanismo social, tendo a lei escrita servido de fundamento da sociedade, os
quais contribuíram na razão e na liberdade política potencializando os
princípios de moral universal e dignidade humana; os romanos também
contribuíram para a formação dos direitos humanos, no sentido de que sua
técnica jurídica estava direcionada à proteção, pois miscigenando as regras
gregas com o cristianismo, propiciaram-se mudanças de conceitos; e a
concepção cristã também influenciou o entendimento atual de direitos
humanos, pois estava atrelada a dignidade e fraternidade universal
(GORCZEVSKI, 2005).
A concepção de que os direitos independiam da vontade humana e
advinham da vontade de Deus perdurou até o século XVIII, mas os ideários
iluministas começaram a ganhar força. Os direitos do homem começaram a ser
escritos em documentos na segunda metade da Idade Média e sua doutrina já
aparecia desde o século XVII, expandindo-se realmente no século
subsequente. Tais direitos foram incorporados pelo liberalismo e tiveram em
seu cerne o jusnaturalismo (FERREIRA FILHO, 2005).
Assim, no século XVIII um novo capítulo na história da humanidade se
vislumbra, “o Iluminismo, movimento humanista, atinge seu pleno
desenvolvimento e marca a vitória de muitas ideias humanistas fundadas na
dignidade humana e a fé na razão” (GORCZEVSKI, 2005, p. 41).
Vislumbram-se significativas contribuições doutrinárias entre os séculos
XVI e XXVIII, justamente em razão das influências jusnaturalistas,
contratualistas e iluministas. Paralelamente surgiram textos em documentos
18
normativos que se faziam compostos por um conjunto de direitos e deveres
(PEREZ LUÑO, 2013).
Continuando pelo aparato histórico, quanto ao surgimento dos direitos
fundamentais, indica-se os vieses: jusnaturalista, onde esses direitos seriam
preexistentes à própria humanidade, advindos da vontade de Deus; e
juspositivista, onde o direito aparece como um conjugado de mandamentos
advindos do poder, sendo que é a partir deles que os atos conseguem adquirir
validade e eficácia (LEMBO, 2007).
O Jusnaturalismo “foi a primeira fundamentação para os direitos do
homem e a que mais influenciou, entende que os direitos são anteriores ao
Estado, o homem já os possuía na natureza.” Enquanto que para a concepção
do Positivismo, os direitos humanos são reconhecidos desde que tenham sido
formulados em códigos jurídicos, desde que o legislador tenha imposto essa
vontade à sociedade (GORCZEVSKI, 2005, p. 56).
As raízes filosóficas destes direitos inerentes às pessoas humanas
estão, portanto, acopladas ao aparecimento do pensamento humanista. Por
isto, é correto afirmar que foi durante a segunda metade do século XVIII que
surgiu a substituição do termo Direitos Naturais pelo termo Direitos do Homem.
A nova expressão “al igual que la de los derechos fundamentales, forjada
también en este período, revela la aspiración del iusnaturalismo iluminista por
constitucionalizar”, em razão de ter convertido “em derecho positivo, em
preceptos del máximo tango normativo, los derechos naturales” (PEREZ
LUÑO, 2013, p. 28-29).
Deve-se considerar que conforme disciplina Mauricio Beuchot (Apud:
GORCZEVSKI, 2005, p. 71) “as necessidades humanas se assentam ou
brotam indubitavelmente da própria natureza humana; conclui então que os
direitos humanos são, definitivamente, direitos naturais.”.
O valor da liberdade enquanto benefício de todos, sem distinções, foi
declarado ao final do século XVIII, mas aparecia muito antes, ou seja, aparecia
já no embrião dos direitos humanos, só que com um aspecto muito mais em
19
favor dos estamentos superiores da sociedade com poucos benefícios ao povo
(COMPARATO, 2007).
Nesta abordagem histórica não se pode deixar de tratar acerca dos
documentos encontrados na história do mundo que de alguma forma
contemplaram normatizações de respeito e garantia aos direitos do homem.
Destaca-se o fato de que na Antiguidade não se vislumbra documento
algum que contivesse a proteção aos direitos do homem. Enquanto que, no
período medieval existiram diversos documentos em que o monarca – detentor
do poder soberano - reconhecia certos limites ao exercício do seu poder,
limitações que ocorriam em face dos senhores donos dos feudos, da igreja, e
das comunidades locais, percebendo a Carta Magna, escrita pelo rei João Sem
Terra, da Inglaterra em 1215 como o documento mais importante do período
medieval. Este documento, que muito se assemelha às constituições, teve
papel relevante no desenvolver dos direitos fundamentais porque funcionava
como um pacto entre reis e nobres e perfilhava direitos aos senhores feudais,
além de liberdades e proteções, as quais respaldaram o aparecimento do
Habeas Corpus e da Petição de Direitos de 1628 (PEREZ LUÑO, 2013).
Avançando na construção histórica pode-se dizer que justo na Idade
Média, inclusive no regime feudal – onde se verificava a estratificação das
classes e a relação de subordinação entre o suserano e os vassalos -, “o forte
desenvolvimento das declarações de direitos humanos fundamentais deu-se,
porém, a partir do terceiro quarto do século XVIII até meados do século XX”
(SARLET, 2007, p. 7).
Outrossim, aponta-se Magna Charta Libertatum como relevante
antecedente histórico das futuras declarações de direitos humanos, até mesmo
por ser “esse documento, jurídico e político, considerado como o grande totem
de proteção dos direitos fundamentais” (GORCZEVSKI, 2009, p. 112), em
outras palavras:
A Magna Charta Libertatum, de 15-6-1215, entre outras garantias, previa: a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção (A multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcional à
20
gravidade do delito; e pela prática de um crime será proporcional ao horror deste, sem prejuízo do necessário à subsistência e posição do infrator – item 20); previsão do devido processo legal (Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país – item 39); livre acesso à justiça (Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer pessoa a obter justiça – item 40); liberdade de locomoção e livre entrada e saída do país (SARLET, 2007, p. 7).
Ainda, nesta linha histórico-evolutiva de compreensão do
desenvolvimento dos direitos humanos tem-se a Declaração da Virgínia como o
documento histórico que veio proclamar os direitos fundamentais dentro da
percepção modernamente visualizada, pois, em que pese tenha sido a
Inglaterra a impulsionadora inicial e a França o “mais ativo centro de irradiação
de ideias”, foi na América do Norte, mais especificamente no Estado da
Virgínia, que surgiu a primeira Declaração de Direitos no sentido moderno
(DALLARI, 2000, p. 207).
Sobre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, Ingo Sarlet (2007)
aponta que ela deve ser considerada como o marco que confirma a passagem
dos direitos de liberdade legais dos ingleses para os direitos fundamentais
constitucionais. Sendo que isto serviu como fonte inspiradora para as demais
Declarações das ex-colônias inglesas, conduzindo a incorporação dos direitos
fundamentais na Constituição inglesa de 1787.
Com igual importância histórica, aparece a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão em 1789 que sobreveio da Revolução Francesa e
importa na derrubada do velho regime de Estado, consubstanciando na
formação da ordem burguesa na França (SARLET, 2007).
Atenta-se ao fato de que foi o artigo I da Declaração da Virgínia que
registrou o nascimento dos Direitos Humanos na história, bem como, após a
abertura da Revolução Francesa, a ideia de liberdade e igualdade dos seres
humanos ganham reforço no artigo 1º da Declaração de 1789. Tais
documentos acarretaram a imediata proclamação de que todos os seres
21
humanos são iguais no tocante à dignidade e aos direitos, modificando de
maneira radical a legitimidade da política (COMPARATO, 2007).
Nota-se que as afirmações de direitos que permearam o século XVIII
foram promulgadas com magnitude, ou seja, as declarações dos direitos do
homem foram amplamente acontecendo, porém seus efeitos estavam
restringidos à esfera nacional. Ainda, neste mesmo século, aparecia liberdade
religiosa reconhecida nos Tratados. Avançando temporalmente, é possível
notar que durante o século XIX se formalizaram inúmeros acordos
internacionais, especialmente com o Congresso de Viena, tais acordos
trabalhavam para acabar com a escravidão (PEREZ LUÑO, 2006).
Ressalta-se que as Constituições mexicana de 1917 e de Weimar 1919
conseguiram afirmar plenamente os novos direitos humanos de caráter
econômico e social no século XX. O reconhecimento adveio com os
movimentos socialistas, tendo como sujeitos destes direitos todo o grupo social
(COMPARATO, 2007).
Igualmente, conforme leciona Clovis Gorczevski (2009), existem
inúmeras manifestações admiráveis quanto aos direitos humanos, porém a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, é uma das mais
significativas, justamente porque nesta declaração os valores soberanos da
igualdade, da liberdade e da fraternidade são localizados logo nos dispositivos
iniciais, sendo que a adoção dessas proteções deve ocorrer progressivamente
nos âmbitos nacional e internacional.
Ademais, as declarações, tanto de caráter nacional quanto
supranacional, são concebidas e imprescindíveis quando as pessoas percebem
que normas e princípios garantidores de valores fundamentais e, portanto,
irrenunciáveis, “podiam ser ameaçados, e de fato se encontravam ameaçados,
pelos próprios poderes legislativos” (CAPPELLETTI, 1993, p. 73).
Após as horríveis atrocidades vivenciadas durante a 2ª Guerra Mundial,
advindas do totalitarismo estatal dos anos 30, “a humanidade compreendeu,
mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da
dignidade humana.” Assim sendo, a Declaração Universal dos Direitos do
22
Homem e a Convenção Internacional sobre prevenção e punição do crime de
genocídio, aprovada pela Organização das Nações Unidas – ONU, são partes
inaugurais da nova fase histórica, a qual está se desenvolvendo no mundo
(COMPARATO, 2007, p. 55).
Ainda, há que se mencionar quando se perfaz um olhar pela história do
mundo - das sociedades em suas épocas mais afrontosas ao ser humano – é
possível afirmar que todas as tragédias vivenciadas e suportadas pelas nações
acabaram dando relevo e incentivando para que os direitos mais fundamentais,
mais essenciais, dos seres humanos conseguissem ser assegurados,
ganhando força a cada dia, direcionados à asseguração da dignidade da
pessoa humana. Assim sendo, as Nações Unidas promulgaram a Declaração
Universal dos Direitos Humanos em 1948, e na sequência os Pactos
Internacionais de Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais de 1966. Destacando-se que a Europa, também, conseguiu
promulgar documentos análogos àqueles (PEREZ LUÑO, 2013).
Destarte, o Brasil teve postergado a inclusão dos direitos fundamentais
até 1988, quando saiu do regime ditatorial e conseguiu promulgar a nova
Constituição da República Federativa do Brasil, atingindo normas semelhantes
com as já atingidas pelo “Velho Mundo” (NUNES, 2010). Assim sendo a
Constituição de 1988 “foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva
histórica”, retirando utopias e construindo novos caminhos (BARROSO;
BARCELLOS, 2006, p. 107-108).
Em sentido oposto tem-se Paulo Pinheiro e Paulo Neto (1998, p. 1), os
quais afirmam que, no Brasil, desde a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, é possível já figurar que “os direitos humanos passaram a
ser assumidos como política oficial do governo, num contexto social e político
deste fim de século extremamente adverso para a maioria das não-elites na
população brasileira.”.
Impossível deixar de mencionar que foi a partir da Constituição brasileira
de 1988 que “os direitos humanos ganharam um revelo extraordinário,
situando-se [nesta] Carta como o documento mais abrangente e
23
pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil”
(PIOVESAN, 2006, p. 24).
Assim sendo, a garantia dos direitos humanos é uma necessidade
presente, sendo também “necessário compreendê-los e sustentá-los” com o
intuito de haver sua concretização (ANDRADE, 2008, p. 380). Isso pode ser
dito igualmente sobre os direitos fundamentais, pois devem ser compreendidos
e efetivados.
2.2 Direitos Humanos X Direitos Fundamentais: evolução e diferenciação
Primeiramente, precisa-se definir que os direitos humanos são direitos
que se referem a valores que permeiam o mundo jurídico, mas nele ainda não
foram positivados, ou seja, são valores universais que devem valor para todo e
qualquer ser humano. Enquanto que, os direitos fundamentais são todos
aqueles direitos humanos que foram positivados pelo ordenamento jurídico,
são os direitos trazidos pela ordem constitucional.
Ressalta-se que como no Brasil todos os direitos humanos foram
positivados não existe erro em tratar ambas as expressões como sinônimas.
Dito isto, traçar-se-á um estudo sobre a evolução dos direitos
fundamentais, demonstrando as gerações destes direitos e após realizar-se-á a
diferenciação das expressões direitos humanos e direitos fundamentais –
minimamente já realizada alhures.
Assim, dá-se continuidade ao estudo acerca dos direitos humanos e
destaca-se que não é possível esquivar-se de mencionar a evolução destes
direitos, ou seja, falar acerca de suas dimensões ou gerações. 1
Com a consagração dos direitos humanos nas Constituições surge o que
se denomina direitos fundamentais em gerações ou dimensões. Deste modo,
torna-se evidente a problemática acerca das gerações dos direitos
1 Utiliza-se a expressão geração dos direitos humanos, mas sabe-se que pode haver a
denominação de dimensão dos direitos humanos.
24
fundamentais, conforme leciona Ingo Sarlet (2007, p. 44) visto que estes
direitos estão vinculados:
às transformações geradas pelo reconhecimento de novas necessidades básicas, de modo especial em virtude da evolução do Estado Liberal (Estado formal de Direito) para o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático de Direito), bem como pelas mutações decorrentes do processo de industrialização e seus reflexos.
Notório que a primeira geração dos direitos humanos está relacionada
com a liberdade e que surgiu nos séculos XVIII e XIX como reflexo do
pensamento filosófico daquele século. Esta primeira geração, portanto, é
apontada pelo ideal jusnaturalista, pelo racionalismo iluminista, pelo
contratualismo e liberalismo (GORCZEVSKI, 2009).
Assim sendo, os “direitos de primeira geração são os direitos da
liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional”,
correspondentes aos direitos civis e políticos os quais inauguram o
constitucionalismo do Ocidente (BONAVIDES, 2006, p. 563).
Os direitos humanos de liberdade foram os precursores a serem
positivados nas Constituições, surgindo institucionalmente a partir da Magna
Charta (MORAES, 2011). Relembra-se que a Carta Magna, de João Sem
Terra, pacto entre os ingleses e o rei, é o que muitos autores reconhecem
como antecedente mais remoto das Declarações de Direitos (GORCZEVSKI,
2005).
Por serem direitos que atrelados à liberdade de caráter individual pode-
se exemplificar os direitos de primeira geração como: os direitos à vida, a uma
nacionalidade, às liberdades política, religiosa, de movimento, de opinião, o
direito ao asilo, o direito de propriedade, o direito à inviolabilidade de domicílio,
a não tortura, a proibição à escravidão (GORCZEVSKI, 2009).
São considerados, igualmente, imprescindíveis aos indivíduos, sendo
que tem pretensão universal, pois além de traduzirem-se na exigência de
25
abstenções dos governantes, funcionam como instrumento de garantir direitos
frente ao Estado (BRANCO, 2012).
Diante disto é correto dizer que são direitos “destinados, antes de tudo, a
assegurar a esfera da liberdade do indivíduo frente a intervenção do poder
público; são direitos de defesa do cidadão frente ao Estado” (SCHMITT, Apud:
ALEXY, 2002, p. 419).
Então, os direitos humanos de primeira geração estão atrelados aos
ideários de liberdade, requerendo do Estado um agir negativo, ou seja, exigem
do governo a sua abstenção, a fim de deixar os indivíduos livres.
Diante da segunda geração dos direitos humanos percebe-se que o seu
surgimento se deu na segunda metade do século XIX e dominaram todo o
século XX (GORCZEVSKI, 2009). Nota-se que estes direitos estão presentes
justamente no “surto do processo de industrialização e nos graves impasses
socioeconômicos que varreram a sociedade ocidental entre a segunda metade
do século XIX e as primeiras décadas do século XX” (WOLKMER, 2003, p. 8).
Aponta Paulo Bonavides (2006) que os direitos de segunda geração ou
dimensão foram ponderados por meio de considerações das esferas filosóficas
e políticas com forte cunho ideológico, sendo o ponto de conjetura da
proclamação das Constituições marxistas e demais Constituições pós-segunda
guerra. Reflete, também, acerca da eficácia que conseguiu aparecer em seu
caráter programático, justamente pela falta de elementos capazes de garantir a
concretização destes direitos. Esta incapacidade resulta da ausência de
estruturas processuais de proteção aos direitos sociais fundamentais. Por este
raciocínio mencionava-se que apenas os direitos de liberdade, ou direitos de
primeira geração, detinham aplicabilidade imediata, concretização rápida e
eficaz, enquanto que os direitos sociais detinham aplicabilidade mediata, ou
seja, os direitos de segunda geração requerem a atuação dos legisladores.
Assim, opostamente aos direitos de primeira geração, elencados
alhures, que requerem do Estado uma omissão, os direitos de segunda
dimensão exigem ações positivas dos governantes, ou seja, exigem um Estado
positivo, justamente em razão do caráter coletivo que lhes é conferido. Além
26
disto, correlacionam-se ao princípio da igualdade e sua “ênfase está nos
direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais existe como que uma dívida
da sociedade para com o indivíduo” (GORCZEVSKI, 2009, p. 133).
São também chamados de direitos sociais, uma vez que para a sua
efetivação é imperiosa a participação do Estado, ou seja, uma atuação positiva
dos governos no sentido de promover estes direitos, aqui não mais se
vislumbra a necessidade de um Estado omisso, mas a imprescindível atuação
de um Estado comissivo, portanto.
Conforme ensina Flávia Piovesan (1998, p. 88), os direitos de segunda
geração “são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais e, por isso, devem
ser reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade.” Não é
o Estado sendo caridoso ou piedoso para com seus cidadãos, mas é a
necessidade de que o Governo atue na direção de efetivar tais direitos, afinal
não são meras caridades, mas sim direitos fundamentais aos seres humanos,
essenciais para o princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Como exemplos desses direitos têm-se: o direito à saúde, educação,
cultura, seguridade, as condições justas e favoráveis ao trabalho, à proteção
contra o desemprego e possibilidade de sindicalização, entre outros
(GORCZEVSKI, 2009).
Adiante neste estudo, é possível chegar à terceira geração ou dimensão
dos direitos humanos: índole universal dos direitos, baseada no princípio da
fraternidade. São direitos ligados com a paz, a informação, o meio ambiente
saudável, desenvolvimento econômico (GORCZEVSKI, 2009). Outrossim,
podem ser considerados os direitos de gênero, da criança, idoso, deficientes,
minorias e os novos direitos da personalidade (WOLKMER, 2003).
São compreendidos como uma relação de equilíbrio, não mais exigindo
do Estado uma abstenção ou uma ação, apenas. Afinal, pode-se caracterizar a
terceira geração dos direitos humanos na fraternidade, na solidariedade
“postulando uma repartição justa e equilibrada de todo progresso humano na
economia, na cultura e na tecnologia”, recuperando os males percebidos com o
27
liberalismo – exploração do homem – e do socialismo – colonialismo
econômico e cultural (GORCZEVSKI, 2009, p. 136).
Acontece que a maioria destes direitos, em que pese já serem
elencados e mencionados pela doutrina, não tem reconhecimento na esfera
constitucional, constituindo fase de consagração ainda no âmbito internacional
(SARLET, 2007).
Neste sentido, significativas são as críticas aos direitos relacionados ao
princípio da fraternidade, justamente em razão da falta de titulares específicos
para reivindicá-los e pela falta de legislação nacional. Porém, existe solução
para este apontamento, pois é possível desenrolar-se no sentido de que grupos
representantes requeiram a concretização dos direitos de terceira geração, não
se fazendo imprescindível que estejam positivados em lei para que exista a
necessidade de serem concretizados (GORCZEVSKI, 2009).
Diante do exposto, foi possível conhecer as principais gerações dos
direitos fundamentais. Porém, não estaria completo um trabalho que não
mencionasse, ao menos minimamente, que existem doutrinadores que
assinalam existir a quarta e a quinta geração destes direitos. Apesar de haver
divergências acerca deste tópico, deve-se registrar o que representariam estas
duas outras dimensões.
Os direitos de quarta geração insurgiram no final do século XX e são
considerados como as novas alavancas propulsoras das discussões do novo
milênio (WOLKMER, 2003).
Veja-se que a quarta geração traz os direitos que se referem à
biotecnologia, bioética e engenharia genética, tratando das questões “ético-
jurídicas relativas ao início, ao desenvolvimento, à conservação e ao fim da
vida humana” (GORCZEVSKI, 2009, p. 139).
Aqui é preciso referir que existem doutrinadores que apontam diferentes
significados aos direitos fundamentais de quarta geração: Paulo Bonavides
leciona no sentido de que os direitos desta geração estariam ligados com a
democracia e com o pluralismo, bem como, com a efetivação dos direitos
humanos; Peces-Barba, por sua vez, considera estes direitos referentes às
28
liberdades públicas, socialistas e democráticas, uma vez que seriam o direito
ao meio ambiente e a vida com qualidade e o direito à paz. (GORCZEVSKI,
2009).
Finalmente, chega-se ao deslinde da quinta geração, a qual igualmente
brota no fim do século XX e refere-se aos direitos “advindos com a chamada
realidade virtual, que compreendem o grande desenvolvimento da cibernética
na atualidade implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos
entre países com realidades distintas” (OLIVEIRA JÚNIOR, 1997, p. 199-200).
Como já asseverado acima, não existe consenso quanto a existência e
classificação destas duas últimas gerações, por isto deve-se apontar que
Norberto Bobbio traz sua compreensão de maneira distinta: ele não refere-se a
existência de uma quinta geração, justificando que permanece na identificação
da terceira como uma categoria heterogênea e vaga, bem como, Perez-Luño
pois este doutrinador, também, disciplina e reconhece apenas as três primeiras
dimensões (GORCZEVSKI, 2009).
Resta evidenciado a divergência doutrinária acerca da existência ou não
de mais gerações dos direitos humanos, especialmente quanto a quarta e a
quinta. Assim, elenca-se doutrinadores que defendem a existência somente
das três primeiras gerações: Perez-Luño, Cortina, Fernández-Largo,
Gorczevski; enquanto que causídicos da existência da quarta e quinta
gerações: Bonavides, Tavares, Lafer (GORCZEVSKI, 2009).
O que não deve escapar aos olhos dos estudiosos e aplicadores do
direito é uma visão atenta para a constante evolução da sociedade e, por
consequência, que os direitos vão nascendo conforme as necessidades dos
indivíduos e da sociedade vão aparecendo, deste modo:
Ainda que fossem necessários, os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder (BOBBIO, 1992, p. 6).
29
Neste sentido, é possível afirmar que os direitos surgem conforme
passar a existir as necessidades dos indivíduos que compõem um Estado, seja
necessidades particulares ou sociais. Logo, inegável que as gerações dos
direitos humanos podem ainda evoluir, restando às três primeiras de forma
consensual pela doutrina, uma vez que se referem aos princípios da liberté,
égalité, fraternité.2 Não existindo consenso acerca das outras duas gerações
aventadas. Contudo, negar que os direitos se modificam, evoluem e aparecem
de outras maneiras e, portanto, serão compostos relativamente de outras
características seria, erroneamente, negar que a sociedade encontra-se em
constante evolução, seria dizer que os indivíduos são serem inertes e a
sociedade uma estrutura estanque.
Destaca-se que a Constituição do Brasil engloba todas as três gerações
ou dimensões de direitos humanos, quais sejam: os direitos de caráter
individual, social e coletivo. Podem ser encontrados especialmente nos artigos
5º, 6º ao 11, e 194 ao 232 (GORCZEVSKI, 2009).
Reitera-se que o presente ensaio utilizou-se dos termos gerações e
dimensões para sinalizar a evolução dos direitos humanos, mas deixa claro
que tais expressões foram utilizadas significando o caráter evolutivo destes
direitos, e nunca em sentido de substituição, pois que:
não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” [...] (SARLET, 2007, p. 54).
Pode-se utilizar a expressão gerações sem prejuízo algum, uma vez que
“em cada momento histórico se formulam novos direitos, típicos do tempo, mas
que vêm somar aos direitos antigos” (ANDRADE, 2007, p. 68). Então, correta a
utilização das duas expressões para designar o caráter evolutivo dos direitos
2 Tradução livre: liberdade, igualdade e fraternidade.
30
fundamentais, desde que dentro desta concepção evolutiva e não em caráter
substitutivo.
Realizado este estudo, acerca da evolução dos direitos humanos, que
consagrados na Constituição tornam-se direitos fundamentais e aos quais
denomina-se em gerações ou dimensões. É necessário definir, por
conseguinte, a diferenciação entre as expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais”, conforme alhures já referido.
A expressão direitos fundamentais em razão de não ter-se uma
unicidade conceitual sobre esse tema, pois aparece diametralmente
relacionado com o termo direitos humanos, acaba fazendo necessário este
estudo.
Assim sendo, a expressão direitos humanos, também não possui uma
unanimidade de conceito, justamente porque sua utilização se dá por “um
grande e variado número de ciências interessadas no tema: política, filosofia,
teologia, história, direito, sociologia e outras”, ocorrendo sua adaptação
conforme o objeto a ser trabalhado (GORCZEVSKI, 2009, p. 21).
Reforçando a imprescindibilidade de se realizar a distinção entre os
direitos humanos e fundamentais, tem-se que:
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, 2000, p. 259).
Há de se tentar, ao menos minimamente, realizar uma conceituação a
fim de que se possa compreender essa diferenciação. De tal modo, é possível
afirmar que os direitos humanos são direitos intrínsecos à natureza do homem,
mas dizer isso:
31
trata-se de uma forma abreviada e genérica de se referir a um conjunto de exigências e enunciados jurídicos que são superiores aos demais direitos, quer por entendermos que estão garantidos por normas jurídicas superiores, quer por entendermos que são direitos inerentes ao ser humano. [...] Eles representam as condições mínimas necessárias para uma vida digna (GORCZEVSKI, 2009, p. 20).
Ainda, os direitos humanos nascem quando podem e devem nascer,
conforme já trabalhado anteriormente, sendo que o processo de
universalização desses direitos também possibilitou a sua proteção
internacional (PIOVESAN, 2008).
A definição sobre os direitos humanos dada por Ingo Sarlet (2007, p.36)
é de que são “direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do
direito constitucional positivo de determinado Estado.”
Por outro lado, os direitos humanos podem ser entendidos como aqueles
direitos inerentes à própria qualidade de ser humano, existentes como valores
a serem seguidos, e os direitos fundamentais seriam aqueles direitos
positivados no ordenamento jurídico de um país (GORCZEVSKI, 2009).
Assim, os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos que foram
positivados pelo legislador - nacional e internacional - uma vez que a eles fora
atribuído esse poder político de edição de normas jurídicas. Os direitos
chamados de fundamentais, portanto, são os direitos humanos positivados nas
normas constitucionais, nos tratados e nas leis (COMPARATO, 2007).
Outrossim, para que seja possível caracterizar um direito fundamental
deve-se ater a análise de seu conteúdo, se este estiver vinculado a
exigibilidade da dignidade humana ele será fundamental e compreendido como
uma “cláusula superconstitucional” (NUNES, 2010, p. 82).
Embora sejam ambos os termos utilizados como sinônimos – direitos
humanos e direitos fundamentais – existe explicação de sua diferenciação,
nessa linha de pensamento:
O termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional
32
positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). [...] Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supra-estatal. Cuida-se, sem dúvida, igualmente dos direitos humanos – considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condições humana – mas, neste caso, de direitos não positivados (SARLET, 2007, p. 36).
Deste modo, os direitos fundamentais possuem algumas funções, quais
sejam: função de defesa ou liberdade, de prestação social e perante terceiros,
e de não discriminação (CANOTILHO, 1992).3
Ademais, conforme ensina Flávia Piovesan (2008, p. 57) “não há direitos
humanos sem democracia nem tampouco democracia sem direitos humanos”,
o que leva a acreditar que para um país ser realmente democrático deve
conseguir assegurar tais direitos.
Cumpre salientar, portanto, que a constitucionalização dos direitos
fundamentais corresponde à “[...] plena positivação de direitos, a partir dos
quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário
para a concretização da democracia” (MORAES, 2011, p. 3).
Destarte que existe certo pleonasmo entre as expressões direitos
humanos e direitos fundamentais, mas a distinção deve ser verificada e como
apontam diversos doutrinadores, ela reside na questão de reconhecimento e
vigência efetiva de tais direitos, ou seja, no seu caráter de obrigatoriedade.
Assim, os direitos fundamentais “são direitos humanos reconhecidos como tais
pelas autoridades às quais se atribui poder político de editar normas, tanto no
interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos
positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais”
(COMPARATO, 2007, p. 57).
3 Dialogando neste sentido é possível encontrar ensinamentos de Lenio Luiz Streck em:
Hermenêutica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 257.
33
Complementando, nota-se que “a Carta de 1988 é a primeira
Constituição que integra ao elenco dos direitos fundamentais os direitos sociais
e econômicos”, pois desde o processo de democratização do Brasil, os
tratados internacionais mais relevantes que trazem proteção aos direitos
humanos foram ratificados pelo país (PIOVESAN, 2008, p. 63).
Portanto, com o surgimento das Declarações de Direitos deu-se a
“positivação dos direitos naturais, criando, assim, o que hoje se denomina de
direitos fundamentais, os quais passaram a ser importantes ferramentas de
proteção e realização dos direitos humanos na ordem jurídica interna dos
Estados” (BAEZ, 2012, p. 39).
Deste modo, como direitos fundamentais pode-se compreender aqueles
direitos naturais de todas as pessoas mas que foram positivados pelo
legislador constitucional (LEMBO, 2007).
Nas palavras de José Afonso da Silva (1997, p. 177):
No qualitativo ‘fundamentais’ acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo pode sobreviver.[...] [deve-se entender por direitos] fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.
Os direitos humanos enquanto carecedores de fundamentabilidade
formal carecem igualmente de eficácia, porém isto não significa que muitos já
detenham. Destarte que os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem
com as Constituições que lhe derem previsibilidade (SARLET, 2007).
Convém destacar que, apenas em caráter de observação, a vigência dos
direitos humanos para além da estrutura estatal, também tem fundamento pela
consciência coletiva e ética de que a dignidade humana exige que sejam
respeitados determinados valores em quaisquer circunstâncias mesmo que não
reconhecidos em documentos normativos (COMPARATO, 2007).
34
2.3 A razoável duração do processo como um direito fundamental
Ultrapassada essa diferenciação, é preciso estudar um pouco mais
sobre os direitos fundamentais e definir o direito à razoável duração do
processo como um destes direitos.
Para tanto cabe referir que “a Constituição brasileira de 1988, como
marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos e da transição
democrática no país, ineditamente consagra o primado do respeito aos direitos
humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional”
(PIOVESAN, 1998, p. 205).
Em outras palavras:
Quanto aos direitos humanos, estes figuram na Constituição de modo minucioso e detalhado, e se localizam, principalmente no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que compreende os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, os Direitos Sociais, os Direitos referentes a Nacionalidade e Direitos Políticos, isto abrange do art. 5º ao 16 (GORCZEVSKI, 2005, p. 111).
Portanto, os direitos fundamentais integram, em conjunto com a
definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do
poder, “a essência do Estado constitucional” sendo parte formal e nuclear da
Constituição. “o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais
assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser tarefa
permanente [estes direitos] podem ser considerados conditio sine qua non4 do
Estado constitucional democrático” (SARLET, 2007, p. 70).
Importa destacar que as antigas civilizações – Palestina, Babilônia,
Grécia, Egito, Índia - apesar de não trazerem textos assegurando o direito a um
processo realizado em tempo razoável, já contribuíam para a rápida solução
das controvérsias, justamente em razão da tradição oral e escrita que faziam
com que os reis ou sacerdotes proferissem rapidamente decisões (LOPES,
2002).
4 Tradução livre: condição sem a qual não.
35
Igualmente, diante de um panorama histórico, na Carta Magna do Rei
João Sem Terra, século XIII, visualizava-se o direito a um processo tempestivo
(JOBIM, 2011). Assim, o sistema anglo-saxão e a Inglaterra há muito tem
reconhecido a existência do direito a celeridade processual. (ARRUDA, 2006).
Internacionalmente inúmeros documentos carregam a previsão da
duração razoável dos processos (alguns documentos internacionais serão
analisados no capítulo três deste ensaio), mas, conforme leciona Marco Félix
Jobim (2011, p. 90) deve-se destacar o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, a Carta Africana dos Direitos Humanos, a Constituição espanhola, a
Constituição portuguesa e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem
como documentos históricos e antigos que já previam a celeridade das
soluções das demandas, e ainda:
No Brasil a preocupação, a nível constitucional, com o prazo razoável do processo apenas iniciou com a discussão acerca do §2º do artigo 5º da Constituição Federal, que elenca “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elas adotados, ou dos tratados internacionais em que a República federativa do Brasil seja parte”, uma vez que o Brasil foi signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seu texto 8.1, com a seguinte redação: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável [...].”
Diante disto, pode-se adentrar ao estudo proposto, de que a Emenda
Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, trouxe a previsão
constitucional de que todo o processo deve ter uma duração razoável, assim foi
incluído o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (BRASIL, 2012, p. 21).
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Não é sem propósito que esta norma foi incluída no artigo 5º da
Constituição, uma vez que este se encontra no capítulo dos direitos e das
garantias fundamentais, até mesmo porque tal previsão já existia no Pacto de
San José, pois o acesso à justiça é caracterizado pela efetividade da prestação
jurisdicional por meio do devido processo legal e, principalmente, por meio da
razoável duração deste processo.
Visualiza-se da leitura desta norma constitucional que a celeridade
processual é priorizada, mas deve ser compartilhada com o conteúdo da
decisão, uma vez que as decisões devem ser justas e céleres baseadas,
portanto, em critérios racionais (NUNES, 2010).
Analisando a referida emenda constitucional Ingo Sarlet (2007, p. 80)
afirma que “de positivo, importa citar a inserção, no elenco do artigo 5º da
nossa Lei Fundamental, do direito à razoável duração do processo.”
Ora, a tramitação dos processos judiciais não poderia ficar desvinculada
da noção e influência do tempo e, por isto, o legislador tutelou que a prestação
jurisdicional pelo Estado deve ser exercida de forma razoável, impondo a ele
que procure editar normas que sejam capazes de assegurar a tramitação
célere das causas judiciais. Salienta-se, ainda, que o tempo dos processos,
especialmente o civil, não é estanque nem tem o juiz a faculdade de, uma vez
ocorrido o fato, agir sobre o passado buscando modificá-lo (NUNES, 2010).
Ainda, na análise da Emenda Constitucional nº 45, deve-se afirmar que
ela trabalha sobre a celeridade dos procedimentos, erguendo ao piso
constitucional o direito à razoável duração do processo faz com que este esteja
blindado às leis inferiores, bem como acarreta o dever de magistrados e
membros da Administração Pública, especialmente do Poder Judiciário, de
tomarem decisões em prazos razoáveis no tocante a solução das demandas
que lhe são submetidos (SLAIBI FILHO, 2005).
Portanto, a obrigação de ser efetivado tempestivamente os processos,
tanto na seara judicial quanto administrativa – acaba criando a necessidade de
novas condutas e comportamentos dos envolvidos, pois o princípio
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constitucional da razoável duração do processo tem eficácia imediata desde a
data de promulgação da Emenda Constitucional 45 em 31 de dezembro de
2004, “devendo, pois, balizar um novo pensamento jurídico nacional que reflita
diretamente no processo” (JOBIM, 2011, p. 118).
Deve-se notar que, inclusive, o novo Código de Processo Civil trará em
seus dispositivos essa previsão normativa, colocando em normas
infraconstituconais a previsão constitucional acerca da razoabilidade do tempo
dos processos.5
Os direitos fundamentais, conforme no item anterior foi explicado, são
aqueles direitos positivados na Constituição Federal, direitos que tem caráter
essencial para os indivíduos. Deste modo, não há que se questionar a
afirmação de que o direito à razoável duração do processo é um direito
fundamental, pois veja-se: “a partir da edição da Emenda nº 45, o artigo 5º,
LXXVIII, da CF passou a consagrar expressamente o direito à razoável
duração dos processos, o que torna insofismável do direito e da obrigação
respectiva imputável ao Estado brasileiro” (ARRUDA, 2006, p. 197).
Esse direito é sim um direito fundamental, pois segundo entendimento
de Ingo Sarlet (2007), aqueles direitos que se encontram reconhecidos e
positivados no direito constitucional são um direitos fundamentais.
Seguindo dentro de uma apertada síntese que também realiza Samuel
Arruda (2006), esse direito está vinculado ao fortalecimento dos poderes do
Estado-juiz no processo, materializando-se com o princípio da verdade real.
Assim sendo, este doutrinador afirma que, no movimento de globalização do
direito processual, os princípios da lealdade, do diálogo e da celeridade são os
três novos diretores do processo.
Diante disto, destaca-se neste ponto o princípio da celeridade, como um
dos vetores que devem ser observados quando da realização dos processos,
afinal a celeridade e a razoável duração do processo se vinculam, e estão
apoiadas na realização de um processo justo. “Portanto, o princípio assegura o
desenvolvimento do processo sem dilações indevidas, ou seja, sem atos
5 Disponível em Acesso em
02 junho 2014.
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processuais desnecessários e inadequados para o escopo do processo”
(BRASIL JÚNIOR, 2007, p. 128).
Neste sentido tem-se que os juízes ao realizar a subsunção do fato à
norma ou ao princípio devem “interpretar esses princípios de modo que,
inserindo-se nessa história política, chegue a dignificá-la e melhorá-la”
(DWORKIN, 2007, p. 15).
Sendo assim, pode ser dito, sem sombra de dúvidas, que o princípio da
razoabilidade, assim como tantos outros, é flexível, adaptável aos litígios em
que se encontre a égide, devendo ter aplicação a todo e qualquer processo
(MARIN, 2009).
Segue-se, neste aspecto, a análise sobre a (in)definição da extensão do
direito fundamental à razoável duração do processo. Já de antemão afirmando
que existe sim uma indefinição, em razão de ser uma norma constitucional de
caráter aberto. “A noção de razoabilidade é uma ideia vaga, aberta e imprecisa.
O razoável em Direito, é um conceito utilizado com prodigalidade em ramos
distintos desta ciência” (ARRUDA, 2006, p. 288).6
Deste modo, a expressão utilizada pela norma jurídica “razoável
duração” apresenta certa vagueza semântica, pois podem haver várias
interpretações acerca do dispositivo constitucional em comento, o que não quer
dizer ser ele defeituoso. Do contrário, sendo que em cada lide há uma situação
concreta de litigância por um bem da vida, de incidência diferente sobre as
posições das partes litigantes, não se tem como delinear um período único de
duração para cada um dos processos (MARIN, 2009).
Nos dizeres de Luiz Eduardo Gunther: “Razoável é sinônimo de
conforme a razão, racionável, moderado, comedido, aceitável, ponderado,
sensato, justo. Observe-se que, já no vernáculo, o termo razoável está atrelado
ao justo, e não por acaso” (2009, p. 15).
6 Os conceitos que serão desenvolvidos a seguir que versarem sobre a noção da vagueza
semântica de algumas normas fundamentais foram apresentados originalmente na texto: SOVERAL, Raquel Tomé; MAZZARDO, Luciane de Freitas. Norma de jurisdição aberta e atuação interpretativa do Poder Judiciário: uma análise do direito fundamental à razoável duração do processo, In: LEAL, Monia C. H.; ALVES, Felipe D. (Org.) A Jurisdição Constitucional Brasileira: perspectivas e desafios. São Paulo: Letras Jurídicas, 2014.
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Porém essa vagueza deixa margem a diferentes interpretações e
conduções do processo. Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci (1999, p.
239) traz que a indefinição desta expressão acaba por dificultar a existência de
outra regra que determine acerca das violações quando da realização da tutela
jurisdicional em um prazo razoável, assim:
O reconhecimento desses critérios traz como imediata conseqüência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.
Diversas disposições constitucionais têm como característica uma
relativa abertura e isso dá suporte às construções conformadoras pelo
legislador e/ou pelos intérpretes (ARRUDA, 2006).
Ademais, os direitos fundamentais qualificados como normas objetivas
irradiam efeitos sobre todo o domínio do direito, ou seja, a Constituição
abrange toda a ordem jurídica. Isso faz com que as Constituições tenham uma
natureza aberta, onde lhes faltam concretizações, trazendo a necessidade de
atividade criativa por parte dos Tribunais (LEAL, 2007).
Nesse sentido:
[...] afigura-se como inegável, por conseguinte, o amplo espaço de atuação deixado para a jurisdição constitucional, resultando, daí, uma nova conformação da atuação jurisdicional e, conseqüentemente, da relação que se estabelece entre os poderes (LEAL, 2007, p. 87).
Corroborando com a ideia de que existem normas na Constituição que
possuem certa vagueza semântica e daí decorre a importância do
entendimento de que nesse processo de interpretação da Constituição se
fazem presentes os órgãos estatais, as potências públicas, os cidadãos e os
grupos, não existindo um número exato de intérpretes. Sendo assim, é correto
afirmar que “os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais
abertos quanto mais pluralista for a sociedade.” Afinal, “quem vive a norma
40
acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la” (HÄBERLE, 1997, p.
13).
Desta forma, os valores são colocados dentro das Constituições e a
partir deles interpreta-se a realidade dos fatos em concreto, dando uma diretriz
a ser seguida. Isso produz uma noção de “Constituição aberta”, sendo que tal
ideia parte do pressuposto de que a diferença entre social e pluralismo seriam
as principais características da sociedade contemporânea, onde num conflito
entre política e sociedade não seria ponderável entender-se o ordenamento
constitucional como algo fechado (LEAL, 2007).
Assim o elemento que se faz comum com relação à interpretação, neste contexto, é caracterizado pela necessidade, permanente, de integração entre texto normativo e realidade, estabelecendo-se, desta forma, uma distinção, de nível semântico, entre texto e norma, ou seja, a norma, nesse contexto, é concebida, sempre, como sendo o resultado da interpretação do texto, considerado em sua relação com os fatos do mundo que o cerca (LEAL, 2007, p. 57-58).
Nota-se que se afere um papel de destaque desempenhado pela
jurisdição constitucional, pois pela interpretação uma nova vida a Constituição
é verificada, com o intuito de cumprimento de seus direitos. Inclusive, limita-se
a vagueza encontrada nas Constituições pela atuação dos Tribunais. Destarte
que, “[...] a interpretação passa a ser uma decorrência quase natural dessa
condição de abertura e indeterminação do texto constitucional, pressupondo-
se, portanto, para a sua realização uma atuação criativa por parte dos
tribunais” (LEAL, 2007, p. 61-62).
Em resumo, uma ótima conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de Democracia (HÄBERLE, 1997, p. 49).
Quanto à atividade interpretativa não se poderia esquivar-se de citar
novamente Dworkin (2007), pois ele aduz que existem formas diferentes de se
interpretar um texto: conhecendo ele todo ou tendo que escrevê-lo na parte
41
final ou na parte inicial. Mas que um intérprete deve exercer um controle
recíproco, só que isso depende diretamente das opiniões daquele que
interpreta.
Relativamente a aplicação e interpretação do direito positivado e sua
aplicação prática nos casos concretos, tem-se:
Por otra parte, hay que determinar el alcance de la real eficácia, em su aplicación práctica – el derecho “vivo” -, de todos y cada uno de los preceptos constitucionales. El processo de “vigencia real” de la ley, el que va de su formulación abstracta a la aplicación efectiva mediante coacción, pasa por la fase decisiva de su interpretación, de su aplicación por el juez, em cuyo acto aparecen, inevitablemente, las convicciones ideológicas y la actitud psicológica de éste, dentro de los cauces que la formulación de la ley permite, que em la mayor parte de los casos son lo suficientemente amplios como para autorizar soluciones “lógicas” diferentes e, incluso, opuestas. La interpretación y aplicación de la ley se convierte así em su verdadera naturaliza real (RODRIGUEZ-AGUILERA, 1980, p. 16-17).
Pode-se traçar um paralelo com o que fazem os intérpretes do direito, os
juízes e tribunais, os quais a todo o momento realizam uma interpretação da
letra da lei para aplicá-la ao caso concreto. Assim, esses profissionais
deveriam exercer certo controle sobre as interpretações que dão às normas,
afastando suas opiniões subjetivas, a fim de imperar a imparcialidade.
Porém, não pode destoar do contexto em que o caso se dá. Deve
compreender a lei e aplicá-la dentro do contexto histórico em que ela fora
criada e dentro do contexto atual em que o caso se apresenta.
Diante da atual sociedade democrática, digna de efetivação dos seus
direitos fundamentais essa vagueza semântica que é encontrada na extensão
do direito fundamental à razoável duração do processo acaba por vezes
gerando a falta de sua concreção.
Veja-se, pois, que a imperfeição das leis deve “ser superada pela
atuação inteligente e ativa do juiz empenhado em f