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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA Promoção da saúde e a reorientação dos serviços de saúde no município de Fortaleza: a hipertensão arterial como analisador Ana Mattos Brito de Almeida Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Saúde Pública para obtenção do título de Doutor em Saúde Pública. Área de Concentração: Serviços de Saúde Pública Orientadora: Profa. Titular Márcia Faria Westphal São Paulo 2010

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE SAÚDE … · É expressamente proibida a comercialização deste documento tanto em sua forma impressa como eletrônica. ... como NASF, Residências,

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1

UNIVERSIDADE DE SO PAULO

FACULDADE DE SADE PBLICA

Promoo da sade e a reorientao dos servios de

sade no municpio de Fortaleza: a hipertenso

arterial como analisador

Ana Mattos Brito de Almeida

Tese apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Sade Pblica para

obteno do ttulo de Doutor em Sade

Pblica.

rea de Concentrao:

Servios de Sade Pblica

Orientadora:

Profa. Titular Mrcia Faria Westphal

So Paulo

2010

2

Promoo da sade e a reorientao dos servios de

sade no municpio de Fortaleza: a hipertenso

arterial como analisador

Ana Mattos Brito de Almeida

Tese apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Sade Pblica da

Faculdade de Sade Pblica da

Universidade de So Paulo para

Obteno do ttulo de Doutor em Sade

Pblica, no Curso de Doutorado

Interinstitucional em Sade Pblica, no

Estado do Cear, junto Universidade

Federal do Cear, Universidade

Estadual do Cear e Escola de Sade

Pblica do Cear.

rea de Concentrao:

Servios de Sade Pblica

Orientadora:

Profa. Titular Mrcia Faria Westphal

So Paulo

2010

3

expressamente proibida a comercializao deste documento tanto em sua

forma impressa como eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida

exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, desde que na reproduo

figure a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da tese.

4

Ao Rodrigo,

Minha vida e fonte de inspirao

para me tornar a cada dia

uma pessoa melhor.

Aos meus pais,

Pelo meu amor, orgulho

e admirao.

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que incentivam e apoiam minhas decises e conquistas,

estando presente em todos os momentos da minha vida e dos quais tenho profunda

admirao pessoal e profissional.

A meu filho, que desde sua chegada, s trouxe alegria e orgulho.

Aos meus irmos, Jorge e Marcio, que acompanharam essa trajetria e torcem

sempre pelo meu sucesso.

Aos tios, primos e sobrinhos que estiveram comigo nessa longa jornada e que

certamente contriburam para a concretizao e sucesso deste trabalho.

A todos os meus amigos, que felizmente so muitos, por todo apoio, vibrao

e carinho. No me sinto no direito de citar nomes, pois, seria uma injustia esquecer

algum deles.

A Andrea e Oswaldo que sempre souberam compreender meus anseios,

desejos, alm de compartilhar conquistas e desafios.

A Luzia e demais colegas do IFAN que acompanharam minha trajetria com

muito apoio e incentivo, possibilitando meu crescimento profissional e pessoal.

Faculdade de Sade Pblica da USP que promoveu este doutorado

interinstitucional e a todos os docentes que participaram do curso.

professora. Dra. Anamaria Cavalcante e Silva, que com sua garra idealizou

e concretizou a realizao desse curso.

s instituies parcerias ESP-CE, UFC-CE e UECE que participaram e

apoiaram com o curso.

toda coordenao do curso, nas pessoas dos professores Eurivaldo, Pricles

e Osmar, e ainda da Neila, Maria do Carmo, Margareth e Lvia que sempre estiveram

ao nosso lado, organizando nossos encontros e atividades e apoiando nosso processo

de amadurecimento.

professora Dra. Mrcia Westphal, que com sua competncia profissional e

militncia na temtica da promoo da sade dedicou permanente ateno, apoio e

estmulo na orientao deste trabalho e com quem tive o orgulho de trabalhar.

Aos colegas de curso com quem passei muitos momentos, aprendi, ensinei,

compartilhei e cresci.

Aos membros da banca examinadora pela ateno dedicada a tese com suas

anlises, sugestes, crticas e comentrios que enriqueceram o trabalho.

toda populao do estudo: gestores, gerentes e funcionrios Centros de

Sade de Fortaleza, Corpo de Bombeiros, Associao de Hipertensos, usurios, sem

os quais esse trabalho no poderia ter sido realizado.

6

RESUMO

Introduo: A Hipertenso Arterial - HA, doena crnica cujas taxas de morbidade

atingem no Brasil aproximadamente 17 milhes de pessoas, um dos principais

fatores de risco para doenas do aparelho circulatrio. Sua determinao multifatorial

exige a adoo de estratgias de controle complexas, que deem conta dos fatores e

condies de risco, o que remete a aes sobre estilo de vida e seus determinantes

psicossociais, econmicos e ambientais. Nesse sentido, as prticas da Promoo da

Sade, fundadas em um conceito ampliado de sade, colocam em pauta, juntamente

com as aes de preveno, a discusso sobre a qualidade de vida, relacionando-a s

condies de vida e sade da populao. Objetivo: Identificar e analisar as prticas

da Promoo de Sade e sua utilizao para reorientao dos servios de sade no

municpio de Fortaleza com foco no controle da Hipertenso Arterial. Metodologia:

Estudo de caso, contendo em seu desenho trs fases: identificao atravs de anlise

documental de polticas, planos e aes no nvel nacional, estadual e do municpio de

Fortaleza, alm de entrevistas em profundidade com gestores ligados ao controle da

HA; aplicao de questionrios semiestruturados com coordenadores dos Centros de

Sade do municpio sobre as estratgias de Promoo da Sade utilizadas no controle

da HA; entrevistas em profundidade com enfermeiros, mdicos e agentes

comunitrios de sade de algumas destas Unidades. Resultados e discusso: Apesar

de o novo modelo ter modificado o padro de ateno ao municpio, a viso

biomdica centrada na clnica ainda predomina no atendimento dos Centros de

Sade. O controle dos fatores de risco est bastante relacionado a uma

responsabilidade do usurio e as aes na maioria das vezes so pontuais, utilizando

ainda a orientao prescritiva como maior ferramenta para mudana. A grande

demanda por atendimento, assim como questes tcnicas e polticas por parte da

gesto, tornam esse processo de reorientao do servio de sade lento, porm

desafiante. Alguns Centros de Sade conseguem quebrar essa hegemonia biomdica

e tendo uma viso mais abrangente de territrio. Realizam atividades em conjunto

com a populao e em prol de um fortalecimento da comunidade, fortalecendo o

controle da HA, amenizando as desigualdades e iniquidades. Programas

complementares, como NASF, Residncias, Academia da Comunidade, Bombeiros,

entre outros, provenientes de outras reas do setor sade ou de outros setores da

administrao municipal, tm contribudo para o desenvolvimento da iniciativa

proposta pela Estratgia Sade da Famlia. Concluso: Apesar das inmeras

dificuldades encontradas foram observados alguns avanos em relao mudana de

paradigma na prestao de servios de sade no municpio de Fortaleza, contribuindo

para a melhoria da qualidade de vida da populao estudada.

Descritores: Reorientao do Servio de Sade; Ateno Primria Sade;

Estratgia Sade da Famlia; Promoo da Sade; Hipertenso Arterial.

7

ABSTRACT

Introduction: Hypertension, a chronic disease with a morbidity rate in Brazil of

circa 17 million people, is a leading risk factor for cardiovascular diseases. Its

multifactorial determination requires the use of complex multifactor strategies of

control, that could deal with the risk conditions and factors, which refers to actions

on lifestyle and psychosocial, economic and environmental determinants. In this

context, practices of health promotion, embracing a broader concept of health,

discuss the quality of life and preventive actions, relating them with life and health

conditions of the population. Objectives: Focusing the control of Hypertension, the

aim of this thesis is to identify and analyze the health promotion practices and its use

in the reorientation of health services in the city of Fortaleza, Brazil. Methodology:

Case study, in three phases: identify, trough documental analysis, policies, plans and

actions for the national, state, local (Fortaleza city) hypertension control and in-depth

interviews with managers and directors relates to hypertension control; collect data

on health promotion strategies used in the hypertension control, through semi-

structured questionnaires with Coordinators of City Health Centers; interviews with

nurses, doctors and community health agents from some of these Health Care

Centers. Results and discussion: Although the new model has modified the City

Health Care standards, the biomedical view focusing the clinic still predominates in

Health Control Centers. The risk factors control is closely related to individual

responsibility and actions in most cases are isolated and not very creative, still using

the prescriptive guidance as a major tool for change. The great demand for health

care as well as technical issues and management policies make this process of

reorienting the health service slow but challenging. Some Health Care Centers are

able to break this biomedical hegemonic point-of view and, through a closer and

more realistic approach to their environment, carry out community oriented

activities, strengthening hypertension control and mitigating inequalities and

inequities. Although not well-disseminated, complementary programs, such as

NASF, Home Care, Community Gym and Firemen, among others, related to other

areas of the health care or other areas of city administration have contributed to the

development of the initiative proposed by the Family Health Strategy. Conclusion:

Despite many difficulties there is a clear progress achieved in the paradigm shift

concerning the provision of health services and improvement of life quality.

Keywords: Health Service, Primary Health Care, Family Health Strategy, Health

Promotion, Hypertension.

8

NDICE

1. INTRODUO 17

1.1 O CAMPO DA SADE 17

1.2 A HIPERTENSO ARTERIAL COMO UM PROBLEMA DE

SADE PBLICA 26

1.3 O SISTEMA NICO DE SADE E A REORIENTAO

DOS SERVIOS DE SADE: POLTICA NACIONAL DE

ATENO BSICA E A HIPERTENSO ARTERIAL 36

2. REFERENCIAL TERICO 39

2.1. PROMOO DA SADE 39

2.1.1. Conceito e Prtica da Promoo da Sade 39

2.1.2. A Promoo da Sade no Brasil 53

2.2. A HIPERTENSO ARTERIAL E A PROMOO DA

SADE 59

2.2.1 A Promoo da Sade e o Controle da Hipertenso

Arterial 59

2.2.2 Estudos de Promoo da Sade relacionados

Hipertenso Arterial 62

3. OBJETIVOS 82

4. METODOLOGIA 83

5. CENRIO DO ESTUDO 98

6. PERCEPO DOS GESTORES DA SECRETARIA MUNICIPAL DE

SADE DE FORTALEZA SOBRE A PROPOSTA DE REORIENTAO

DO SERVIO DE SADE DO MUNICPIO 106

7. RESULTADOS 128

7.1. CARACTERIZAO DOS CENTROS DE SADE DE

FORTALEZA 128

7.2. MODELO DE REORIENTAO DOS SERVIOS DE

SADE NA VISO DOS COORDENADORES DOS CENTROS

DE SADE 132

7.3. ATIVIDADES RELACIONADAS AO CONTROLE DA

HIPERTENSO ARTERIAL E PROMOO DA SADE

174

9

7.4. ACOMPANHAMENTO E CADASTRO DE USURIOS

COM HIPERTENSO ARTERIAL 197

8. BARREIRAS E FACILITADORES PARA PRTICA DO MODELO

DE REORIENTAO DOS SERVIOS DE SADE COM BASE NA

PROMOO DA SADE 201

8.1. VISO DOS COORDENADORES DOS CENTROS DE

SADE 201

8.2. VISO DOS GESTORES MUNICIPAIS, PARCEIROS,

PROFISSIONAIS DE NVEL SUPERIOR E ACS EM

RELAO A PROPOSTA DE REORIENTAO DOS

SERVIOS DE SADE APLICADA AO CONTROLE DA

HIPERTENSO ARTERIAL, NOSSO ANALISADOR

206

8.2.1. Histrico de ateno a sade em Fortaleza ligada a

postos de sade tradicionais 208

8.2.2. Investimento em formao de pessoal: educao

permanente e cursos 212

8.2.3. Intersetorialidade e parcerias no controle da hipertenso

arterial 215

8.2.4. A prtica da estratgia sade da famlia 218

8.2.5. Financiamentos 238

8.2.6. Relao estabelecida entre Secretaria Municipal da

Sade, Secretaria Executiva Regional e os Centros de Sade 239

8.2.7. Trabalho em equipe 242

9. DISCUSSO E CONSIDERAES FINAIS 252

10. REFERNCIAS 266

ANEXOS

Anexo 1 - Termo de Esclarecimento Livre e Esclarecido 286

Anexo 2 Questionrio Centros de Sade 288

Anexo 3 Roteiros das entrevistas em profundidade 294

Anexo 4 Anlise estatstica 302

CURRCULO LATTES 315

10

LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS

Figuras

Figura 01. Determinantes Sociais Modelo de Dahlgren e Whitehead in:

PELLEGRINI e BUSS, 2007 23

Figura 02. Modelo de Avaliao para Promoo da Sade. NUTBEAM

(1998) 68

Figura 03. Avaliao dos Programas de Promoo da Sade com seis etapas

NUTBEAM (1998) 71

Figura 04. Mapa do Brasil por regies com destaque para localizao do

Estado do Cear e municpio de Fortaleza. 98

Figura 05. Secretarias Executivas Regionais (SER) no municpio de

Fortaleza 99

Figura 06. Mapa da ACM das categorias de resposta- C1 146

Figura 07. Mapa da ACM das categorias de resposta C2 156

Figura 08. Mapa simtrico dos indivduos agrupados 4 grupos (C3) 159

Figura 09. Mapa simtrico dos indivduos agrupados 4 grupos (C4) 164

Figura 10. Mapa simtrico dos indivduos agrupados 6 grupos (C5) 172

Figura 11. Mapa da ACM das categorias de resposta C6 177

Figura 12. Mapa simtrico dos indivduos agrupados 5 grupos (C6) 178

Figura 13. Mapa da ACM das categorias de resposta C7 195

Figura 14. Mapa simtrico dos indivduos agrupados 3 grupos (C7) 196

Quadros

Quadro 01. Concepes da sade e diferentes vises da Promoo da Sade 42

Quadro 02. Nmero e percentual de artigos selecionados nas bases de dados

e classificados de acordo com Modelo de Avaliao de Nutbeam, 1998 71

Quadro 03. Nmero e percentual de artigos classificados de acordo as fases

da avaliao operacional dos Programas de Promoo da Sade propostas

por Nutbeam (1998)

73

Quadro 04. Descrio da seleo dos Centros de Sade que participaram da

Fase 3 da metodologia deste estudo. 92

Quadro 05. Descrio dos sujeitos entrevistados no estudo de acordo com

sua nomeao na ocasio da apresentao dos discursos 93

Quadro 06. Sistematizao metodolgica das trs fases utilizadas no decorrer

da pesquisa. 95

11

Quadro 07. Diferenas entre o modelo hegemnico de ateno sade e a

ESF 103

Quadro 08. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C1 do

questionrio referente s atividades que objetivam prevenir, tratar, detectar

precocemente e/ou curar doenas atravs de intervenes biomdicas.

145

Quadro 09. Planilha de Classificao dos Centros de Sade da Secretaria

Executiva Regional - SER I de acordo com as atividades relacionadas a

prtica da promoo da sade voltada para uma viso socioambiental,

realizada a partir de anlise subjetiva.

148

Quadro 10. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C2 do

questionrio referente s atividades que objetivam o desenvolvimento de

estilos de vida saudveis.

154

Quadro 11. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C3 do

questionrio referente s atividades que objetivam estimular membros da

comunidade a se ajudarem mutuamente no enfrentamento de problemas

individuais.

158

Quadro 12. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C4 do

questionrio referente s atividades que objetivam em conjunto com a

comunidade a melhora da sade e qualidade de vida dos membros da

comunidade e/ou resoluo de problemas locais.

165

Quadro 13. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C5 do

questionrio referente s atividades que objetivam em conjunto com a

comunidade a elaborao e/ou mobilizao por polticas pblicas que

interfiram na sade e/ou qualidade de vida da populao,

170

Quadro 14. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C6 do

questionrio referente s parcerias estabelecidas pelo Centros de Sade, seja

de forma geral quanto voltada para o programa da HA e as aes voltadas

para o diagnstico da HA na populao.

180

Quadro 15. Resumo da caracterizao dos grupos da anlise do bloco C7 do

questionrio referente s atividades associadas aos fatores de risco da

hipertenso arterial.

193

Quadro 16. Lista das categorias e sub-categorias encontradas a partir da

anlise das entrevistas realizadas. 207

Tabelas

Tabela 01. Total de artigos encontrados versus total de artigos selecionados

por base de dados 64

Tabela 02. Relao de artigos selecionados por base de dados em relao aos

campos de ao da Promoo da Sade segundo Conferencia de Ottawa 79

Tabela 03. Regies Administrativas de Fortaleza. Dados Demogrficos, 2003 100

12

Tabela 04. Distribuio dos Centros de Sade pesquisados, por Secretaria

Executiva Regional de Sade do municpio de Fortaleza, 2008/2009. 128

Tabela 05. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C2 do questionrio

referente s atividades que objetivam prevenir, tratar, detectar precocemente

e/ou curar doenas atravs de intervenes biomdicas.

152

Tabela 06. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C2 do questionrio

referente s atividades que objetivam o desenvolvimento de estilos de vida

saudveis.

155

Tabela 07. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C3 do questionrio

referente s atividades que objetivam estimular membros da comunidade a se

ajudarem mutuamente no enfrentamento de problemas individuais

160

Tabela 08. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C4 do questionrio

referente s atividades que objetivam em conjunto com a comunidade que

objetivam a melhora da sade e qualidade de vida dos membros da

comunidade e/ou resoluo de problemas locais.

167

Tabela 09. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C5 do questionrio

referente s atividades que objetivam em conjunto com a comunidade que

objetivam a elaborao e/ou mobilizao por polticas pblicas que

interfiram na sade e/ou qualidade de vida da populao.

173

Tabela 10. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C6 do questionrio

referente s parcerias estabelecidas pelo Centros de Sade, seja de forma

geral quanto voltada para o programa da HA e as aes voltadas para o

diagnstico da HA na populao.

176

Tabela 11. Descrio dos Grupos Anlise de Correspondncia Mltipla

segundo indivduos agrupados referente ao bloco C7 do questionrio

referente s atividades associadas aos fatores de risco da hipertenso arterial.

194

Tabela 12. Percentual de dados no preenchidos no Consolidado Mensal de

Atendimento ao Diabetes Mellitus e Hipertenso Arterial, nos meses de

janeiro a maro de 2009, SMS, Fortaleza, 2009.

199

Tabela 13. Dados de HA/DM cadastrados e atendidos segundo banco de

dados oficiais, durante os meses de janeiro a maro de 2009. Fortaleza, 2010. 200

Tabela 14. Descrio dos facilitadores na viso dos coordenadores dos

Centros de Sade pesquisados, segundo respostas vlidas, Fortaleza.

2008/2009

202

13

Tabela 15. Descrio das barreiras na viso dos coordenadores dos Centros

de Sade pesquisados, Fortaleza. 2008/2009. 204

Grficos

Grfico 01. Tempo do Coordenador no Cargo Atual, no Centro de Sade e

na Regional do municpio de Fortaleza, 2008/2009 131

Grfico 02. Tipo de cargo de chefia j exercido pelos coordenadores dos

Centros de Sade, Fortaleza, 2008/2009 132

Grfico 03. Idade dos Centros de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009. 133

Grfico 04. Tempo dos Centros de Sade como PSF/ESF Fortaleza,

2008/2009. 133

Grfico 05. Modalidade de Assistncia dos Centros de Sade pesquisados

Fortaleza, 2008/2009. 134

Grfico 06. Percentual de Equipes do PSF completas nos Centros de Sade,

Fortaleza, 2008/2009 135

Grfico 07. Profissionais ausentes nas Equipes de Sade da Famlia nos

Centros de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009 135

Grfico 08. Descrio dos programas e/ou projetos do Sistema Municipal

Sade Escola nos Centros de Sade segundo tipo de participao no

questionrio, Fortaleza, 2008/2009

136

Grfico 09. Frequncia de Atividades que objetivam prevenir, tratar, detectar

precocemente e/ou curar doenas atravs de intervenes biomdicas no

PSF, Fortaleza, 2008/2009

139

Grfico 10. Frequncia de visitas domiciliares na ESF, Fortaleza, 2008/2009 140

Grfico 11. Frequncia das atividades de grupo e identificao e anlise de

dados que objetivam prevenir tratar, detectar precocemente e/ou curar

doenas atravs de intervenes biomdicas no PSF, Fortaleza, 2008/2009

142

Grfico 12. Proporo de Grupos realizados nos Centros de Sade

pesquisados, por temtica, Fortaleza, 2008/2009 143

Grfico 13. Frequncia de atividades que objetivam a mudana de

comportamento de membros da comunidade para o desenvolvimento de

estilos de vida saudveis na ESF, Fortaleza, 2008/2009

153

Grfico 14. Proporo de Grupos de Autoajuda realizado nos Centros de

Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009 157

Grfico 15. Frequncia de atividades em conjunto com a comunidade que

objetivam a melhoria da qualidade de vida dos membros da comunidade e/ou

resolues e problemas locais nos Centros de Sade pesquisados, Fortaleza,

2008/2009

162

14

Grfico 16a. Frequncia de atividades que objetivam a elaborao e/ou

mobilizao por polticas pblicas que interfiram na sade e/ou qualidade de

vida da populao na ESF, Fortaleza, 2008/2009.

168

Grfico 16b. Frequncia de atividades que objetivam a elaborao e/ou

mobilizao por polticas pblicas que interfiram na sade e/ou qualidade de

vida da populao na ESF, Fortaleza, 2008/2009

169

Grfico 17. Parcerias estabelecidas dos Centros de Sade pesquisados,

Fortaleza, 2008/2009 175

Grfico 18. Atividades realizadas pelos Centros de Sade pesquisados para

fazer diagnstico de hipertenso arterial na populao adstrita, Fortaleza,

2008/2009.

181

Grfico 19. Orientaes repassadas a equipe da ESF para o trabalho com o

Programa de HA nos Centros de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009 183

Grfico 20. Capacitao oferecida nos ltimos dois anos aos integrantes da

equipe Sade da Famlia dos Centros de Sade pesquisados, Fortaleza,

2008/2009

184

Grfico 21. Tipo de capacitao oferecida aos integrantes da ESF dos

Centros de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009 185

Grfico 22. Concepo da Promoo da Sade para os Coordenadores dos

Centros de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009 186

Grfico 23. Envolvimento dos integrantes da ESF nas atividades de

Promoo da Sade ligada ao Programa de HA dos Centros de Sade

pesquisados, segundo seus coordenadores Fortaleza, 2008/2009

189

Grfico 24. Frequncia de atividades realizadas nos ltimos dois anos

relacionadas aos fatores de risco associados ao controle da HA nos Centros

de Sade pesquisados, Fortaleza, 2008/2009

190

Grfico 25. Tipo de atividade relacionada aos fatores de risco associados ao

controle da HA nos Centros de Sade pesquisados, Fortaleza,2008/2009 192

15

SIGLAS UTILIZADAS

ABRASCO Associao Brasileira de Sade Coletiva

ACM Anlise de Correspondncia Mltipla

ACS Agente Comunitrio de Sade

ADHFOR Associao Diabetes e Hipertenso de Fortaleza

CAPS Centro de Ateno Psicossocial

CEVEPI Clula de Vigilncia Epidemiolgica

CGDant Coordenadoria Geral de Doenas No Transmissveis

CIDH Centro Integrado de Diabetes e Hipertenso

CNDSS Comit Nacional de Determinantes Sociais da Sade

CNES Cadastro Nacional Equipes de Sade

CS Centro de Sade

CTACS Curso Tcnico Agente Comunitrio de Sade

DANT Doenas e Agravos No Transmissveis

DCNT Doenas Crnicas No Transmissveis

DM Diabetes Mellitus

DNT Doenas No Transmissveis

DSS Determinantes Sociais da Sade

ESF Estratgia Sade da Famlia

ESP/CE Escola de Sade Pblica do Cear

HA Hipertenso Arterial

HAS Hipertenso Arterial Sistmica

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IMC ndice de Massa Corporal

INCA Instituto Nacional do Cncer

MEC Ministrio da Educao

MS Ministrio da Sade

NASF Ncleo de Ateno Sade da Famlia

16

NOAS Norma Operacional de Assistncia a Sade

OMS Organizao Mundial da Sade

OPAS Organizao Pan Americana de Sade

PS Promoo da Sade

PACS Programa Agente Comunitrio de Sade

PET- Sade Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade

PNPS Poltica Nacional de Promoo da Sade

PSF Programa Sade da Famlia

SER Secretaria Regional de Sade

SESA Secretaria Estadual da Sade

SIAB Sistema de Informao da Ateno Bsica

SMS Secretaria Municipal da Sade

SMSE Sistema Municipal Sade Escola

SUS Sistema nico de Sade

SVS Secretaria de Vigilncia em Sade

17

1. INTRODUO

1.1 O CAMPO DA SADE

O conceito da sade acompanha o homem desde sua criao, estando ligado

s concepes de mundo e sendo foco de discusses em vrios nveis. O conceito de

sade se insere ento num processo de evoluo e transio histrica, cientfica e

poltica.

No perodo greco-romano, os mdicos eram tambm filsofos e, portanto,

estavam interessados, alm dos problemas de sade, em entender as relaes entre o

homem e a natureza, nesse sentido, sustentado pelo raciocnio filosfico, em

observaes e respondendo a questes como as necessidades prticas, atriburam

sade e doena natureza. Nesse sentido, a falta de sade teria origem na

desarmonia entre homem e ambiente. Cuidado com nutrio e atividade fsica j

eram mencionados. (ROSEN, 1994; WESTPHAL, 2006)

A concepo de sade passa ento para uma fase na qual a mstica e a religio

crist eram evidenciadas e pessoas com problemas de sade recorriam orao e

feitiarias.

Em seguida, o ambiente passa a ser considerado nesse processo, atravs da

teoria dos miasmas. No sculo XIX com o crescimento das cidades associado

revoluo industrial, o campo da sade assume um papel importante. Como descreve

ANDRADE, 2006 intelectuais e lideranas polticas europias passaram a fazer as

primeiras relaes sistemticas entre a situao sade/doena da sua populao e

as condies de alimentao, trabalho, de habitao e sanitrias, bem como

perceber qual deveria ser o papel do Estado sobre estes determinantes (p. 37)

Neste cenrio, nomes como os de Virchow e Chadwick tiveram importante

contribuio para o surgimento do movimento da medicina social, na medida em que

suas pesquisas mostraram a ligao entre a medicina, problemas sociais e condies

econmicas. (ROSEN, 1994; ANDRADE, 2006)

18

Ainda no sculo XIX, John Snow, considerado pai da epidemiologia, durante

uma epidemia de clera em Londres descreve uma associao causal entre a doena e

a gua contaminada. Alm de descobrir o mecanismo de transmisso do clera Snow

integrou expresses do social em seu raciocnio epidemiolgico, conforme descreve

ROUQUAYROL (1994),

... Snow busca precisar a rede de processos que determinam a

distribuio da doena nas condies concretas de vida da cidade

londrina. A leitura restrita sobre o trabalho de Snow fixa a ateno

nos achados a respeito dos mecanismos de transmisso em

detrimento do significado do olhar do autor sobre o cotidiano, os

hbitos e modos de vida, os processos de trabalho e a natureza das

polticas pblicas. (p.7)

A partir das descobertas dos microorganismos causadores da tuberculose e

outras doenas, por Kock e Pasteur, desenvolve-se a teoria da unicausalidade, que

entende que as doenas so causadas por microorganismos, que deveriam ser

eliminados por medicamentos. Durante muitos anos e at hoje, esta tem sido

hegemonicamente a teoria que tem orientado as aes relacionadas ao ensino dos

profissionais de sade e a motivao das prticas hospitalocntricas de tratamento de

doenas. Entretanto, para alguns profissionais essa teoria no parecia suficiente para

explicar o processo sadedoena, porque algumas pessoas eram infectadas pelos

microorganismos agentes de doena e no desenvolviam a doena.

Aos poucos ressurgem os defensores da Teoria Multicausal, que explica a

doena atravs de uma ampla determinao. Muitos estudos e conhecimentos foram

sendo acumulados nesse sentido e a determinao do processo sade-doena voltou a

ser discutida sendo ampliada do seu sentido anterior ao descobrimento dos

microorganismos. Vrios defensores, inicialmente, compreendiam o processo sade e

doena como um processo causal onde fatores sociais, econmicos e fsicos esto

interligados. Para os que acreditavam nesta viso ampliada do processo sade-

doena o ambiente assumia uma dimenso ampliada, sendo considerado como fsico

e social. (ALMEIDA org., 1998)

A questo da sade tem sido um componente importante, seja por sua prpria

natureza e razo de ser, como fator e componente do bem estar e qualidade de vida,

19

seja pelo reconhecimento de sua relao e dependncia do processo de

desenvolvimento econmico e social, o que vem sendo sintetizado como a produo

social da sade e ou da doena. Segundo ALMEIDA org. (1998),

... o importante saber e reconhecer essa abrangncia e

complexidade causal: sade e doena no so estados estanques,

isolados, de causa aleatria no se est com sade ou doena por

acaso. H uma determinao permanente, um processo causal, que

se identifica com o modo de organizao da sociedade. Da, se

dizer que h uma produo social da sade e/ou doena. (p.12)

Deste modo, este processo vem modificando o referencial no campo da sade,

seja em relao a seus determinantes e abrangncia, seja nas condies de

morbimortalidade e nos modelos e prticas de ateno.

Assim, pode-se concluir que no incio do sculo XX o enfoque da sade era

predominante biolgico e a prtica se dava basicamente no tratamento das doenas

infecciosas. Em seguida, ressurge e se amplia uma abordagem anterior ao

descobrimento dos microorganismos, de carter multifatorial na sua determinao,

com base em diferentes modelos que organizam de forma diferenciada o seu

entendimento do processo sadedoena, mas que tem em comum uma preocupao

com fatores causais outros que no somente os biolgicos, incluindo nestes aspectos

psicobiolgicos, sociais, econmicos, culturais, educacionais e outros. Nesse sentido,

... o conceito de campo de sade tem uma estrutura abrangente que

permite uma ampla anlise psico-scio-biolgica do binmio

sade-doena e que fora a investigao por igual de estilo de vida,

elementos ambientais e biolgicos, assim como fatores da

organizao de servios de sade. O modelo tambm ideal para a

elaborao de medidas preventivas. (DEVER, 1988, p.5)

Atualmente, os avanos e descobertas da gentica tm suscitado novas

discusses acerca da determinao de doenas e/ou agravos sade. Por fim, vale

ressaltar que nesse processo todos os momentos foram importantes e contriburam de

forma decisiva para a construo do conceito atual, e que esse processo est se

reconstruindo medida que a sociedade se transforma.

20

Assim, pode-se perceber que nos ltimos anos a discusso sobre conceito de

Sade vem abrindo espao para aspectos ambientais e psicolgicos, os determinantes

socioeconmicos , que procuram fortalecer e desenvolver tambm o potencial dos

indivduos e comunidades. Caractersticas culturais, sociais e as relaes individuais,

familiares e comunitrias tambm fazem parte da discusso da sade.

No quadro de morbimortalidade ocorreu o que considerado como transio

epidemiolgica, com acentuado controle das doenas infecciosas e a ocorrncia de

novos agravos com a predominncia de doenas crnico-degenerativas, de causas

externas, obesidade, sade mental, drogadio, entre outros.

Nos modelos e prticas de ateno sade, as mudanas implicam numa

prtica de ateno mais abrangente e integral, induzindo e estimulando prticas de

ateno que incluem aes de preveno de doenas e promoo da sade. Novos

modelos de ateno sade foram se desenvolvendo e o carter preventivo passou a

assumir um papel importante para a sade.

Diante desse novo processo, a viso de sade passou de mera ausncia de

doena para a noo de bem estar fsico e mental, conceito mais amplo incluindo

uma adequao de vida social. Modifica-se a prtica sanitria, passando de

essencialmente curativa para a de vigilncia sade. (SANTOS e WESTPHAL,

1999).

Estes movimentos e processos esto sendo alimentados em vrios pases

atravs de conferncias e/ou reunies realizadas pela Organizao Mundial da Sade

e suas representaes regionais: Ministrios da Sade, bem como encontros e

eventos organizados por ONGs e Organizaes Sociais. Em todas essas reunies e

conferncias vem se destacando a preocupao com as polticas de sade e tambm

com questes relacionadas com a promoo da sade, que vem ampliando os

conceitos de desenvolvimento e campo de atuao da sade pblica e sua relao

com a qualidade de vida.

Nessa perspectiva, a determinao social da sade assume um papel

importante para o entendimento e organizao de diretrizes, aes e programas para

indivduos e coletividades, ou seja, a ampliao do conceito da sade amplia tambm

as reas de estudo e de prticas da ateno sade.

21

Os determinantes sociais da sade (DSS) compreendem as condies de vida

e trabalho dos indivduos e grupos da populao e esto relacionadas com sua

situao de sade. Para a OMS os DSS so as condies sociais em que as pessoas

vivem e trabalham. (PELLEGRINI e BUSS, 2007)

Segundo a OMS (2005) os determinantes sociais da sade refletem a

posio ocupada pelas pessoas na hierarquia do status, do poder e do acesso aos

recursos, e ao lado da equidade, representam um dos focos da Promoo da Sade

desde a Carta de Ottawa de 1986.

Os determinantes sociais da sade apontam tanto para as caractersticas

especficas do contexto social que afetam a sade, como para a maneira com que as

condies sociais traduzem esse impacto sobre a sade. Os determinantes sociais da

sade que merecem a ateno so aqueles que podem ser potencialmente alterados.

(SOLAR e IRWIN, 2005)

As desigualdades socioeconmicas na sade podem ser parcialmente

explicadas pelo efeito inverso da sade sobre a posio scio-econmica, como, por

exemplo, quando algum passa por uma queda de renda por causa de uma deficincia

fsica causada pelo trabalho. As pessoas que esto em pior estado de sade se movem

mais frequentemente para baixo que para cima da escala social, quando comparadas

s pessoas saudveis. Isso significa que o sistema de sade pode ser visto em si como

um determinante social de sade. Este fato ocorre independente do papel central que

o setor de sade tem na promoo e na coordenao das polticas sobre os

determinantes sociais da sade (SOLAR e IRWIN, 2005).

O conceito de determinantes sociais da sade se destaca a partir de uma srie

de publicaes dos anos 1970 e no incio dos anos 1980, que destacavam as

limitaes das intervenes sobre a sade, quando orientadas pelo risco de doena

nos indivduos. As crticas afirmavam que para compreender e melhorar a sade

necessrio focalizar as populaes, com pesquisas e aes de polticas direcionadas

s sociedades as quais esses indivduos pertencem.

Buscando valorizar a ao sobre os determinantes sociais da sade, foi criada

em 2005 no Brasil, a Comisso Nacional sobre os Determinantes Sociais da Sade

(CNDSS), com representao de diversos setores da sociedade. A CNDSS deve

promover intervenes nesses diversos nveis, tendo como objetivo central a

22

promoo da equidade em sade e articulando suas diversas linhas de ao em torno

desse objetivo comum. Para isso, a Comisso conta com diversos elementos

facilitadores, entre eles a pluralidade e diversidade de seus membros, o que facilita a

necessria mobilizao de diversos setores da sociedade. (CNDSS, 2005)

O conceito da equidade na sade fundamenta o modelo conceitual dessa

Comisso. Iniquidades na sade envolvem mais que meras desigualdades, j que

algumas desigualdades como, por exemplo, a disparidade entre a expectativa de vida

de homens e mulheres - no podem ser descritas razoavelmente como injustas, e

algumas no so nem evitveis e nem remediveis. Portanto, a iniquidade na sade

pode ser definida como uma categoria moral profundamente inserida na realidade

poltica e na negociao das relaes sociais de poder. (SOLAR E IRWIN, 2005)

A comisso concentrou sua ateno nos determinantes sociais de sade como

causas maiores de iniquidades na sade, e que as polticas pblicas devem ter um

impacto substancial sobre a equidade na sade.

Assim, o relatrio final da Comisso Nacional sobre os Determinantes Sociais

da Sade intitulado As causas Sociais das Iniquidades em Sade no Brasil de

2008, apresenta anlises da situao atual, assim como recomendaes voltadas para

a problemtica das iniquidades em sade nas reas urbanas, com vistas a

intervenes sobre os DSS que possam contribuir para a superao destes problemas.

Em relao s polticas e programas existentes o relatrio recomenda:

1) ampliar o patamar de investimento das aes estudadas; 2)

promover a racionalizao dos investimentos, concentrando-os nas

aes que apresentaram maior consistncia ao longo do tempo; 3)

promover a articulao dessas aes e integrar os vrios rgos

federais envolvidos na execuo de programas e aes, inclusive o

Ministrio da Sade, em uma agenda comum pautada pelos

determinantes sociais da sade. (CNDSS, 2008, pag. 27)

O relatrio indica que as intervenes sobre os DSS com o objetivo de

promover a equidade devem incorporar trs pilares bsicos: a intersetorialidade, a

participao social e as evidncias cientficas. Aes como promoo da sade na

infncia e adolescncia, o fortalecimento das redes de municpios saudveis, e ainda,

23

as escolas promotoras da sade e os ambientes de trabalho saudveis devem ser

experimentadas e avaliadas.

Alguns modelos foram desenvolvidos ao longo dos anos buscando

demonstrar como os determinantes sociais de sade afetam os resultados na sade,

localizando pontos estratgicos para aes e polticas dos quais destacaremos dois

modelos.

O modelo de Dahlgren e Whitehead (figura 1) explica que as desigualdades

sociais na sade so resultado das interaes entre os diferentes nveis e condies

de vida, desde o nvel individual at o de comunidades afetadas por polticas

nacionais. (PELLEGRINI e BUSS, 2007; CNDSS, 2008)

Outro modelo descrito por PELLEGRINI e BUSS (2007) o de Diderichsen

e Hallqvist de 1998 adaptado por Diderichsen, Evans e Whitehead que enfatiza a

criao da estratificao social pelo contexto social, que atribui aos indivduos

posies sociais distintas. A posio social das pessoas determina suas

oportunidades de sade.

Segundo o documento da Comisso Nacional dos Determinantes Sociais da

Sade CNDSS (2008),

Figura 1. Determinantes Sociais Modelo de Dahlgren e Whitehead in: PELLEGRINI e BUSS, 2007

24

Um modelo inclusivo para os determinantes sociais de sade deve

alcanar os seguintes objetivos: (a) esclarecer os mecanismos

atravs dos quais os determinantes sociais geram iniquidades de

sade; (b) demonstrar como os principais determinantes esto

relacionados uns aos outros; (c) fornecer um modelo de avaliao

de prioridades para os determinantes sociais de sade; e (d) mapear

os nveis especficos de interveno e os pontos de ao das

polticas sobre os determinantes sociais de sade. (p.15)

Os determinantes sociais da sade podem, tambm, ser explicados a partir

estruturao do espao urbano e as condies de reproduo da vida (biolgica,

ecolgica, econmica e cultural) e definem, em ltima anlise, o padro e o perfil

epidemiolgico da populao. (PAIM, 2004)

Nesse sentido, as importantes diferenas de mortalidade encontradas entre

classes sociais ou grupos ocupacionais no podem ser explicadas pelos mesmos

fatores aos quais se atribuem as diferenas entre indivduos, uma vez que se

controlarmos fatores individuais, como fumo, dieta, entre outros, as diferenas entre

estratos sociais permanecem inalteradas. (PELLEGRINI e BUSS, 2007)

Segundo PELLEGRINI e BUSS (2007), a atual gerao est dedicada a

estudar os mecanismos de produo das iniquidades, tendo como desafio estabelecer

uma hierarquia de determinaes entre fatores da natureza social, econmica, poltica

e as mediaes atravs das quais esses fatores incidem sobre a situao de sade de

grupos e pessoas.

Nesse sentido algumas abordagens so identificadas no estudo desses

mecanismos para entender como os DSS provocam as iniquidades de sade. A

primeira privilegia aspectos fsico-materiais na produo da sade-doena, ou seja,

as diferenas de renda influenciam a sade, seja pela escassez de recursos, seja pela

ausncia de investimentos de infra-estrutura comunitria, ambas decorrentes de

processos econmicos e de decises polticas. Uma segunda abordagem privilegia

fatores psicossociais nas quais as relaes entre percepes e desigualdades

sociais, mecanismos psicobiolgicos e situaes de sade, provocam em sociedades

desiguais estresse e prejuzos sade. Outros enfoques so os ecossociais que

buscam integrar abordagens individuais e grupais, sociais e biolgicas numa

perspectiva dinmica, histrica e ecolgica. Por fim, os enfoques denominados como

25

capital social que buscam analisar as relaes entre a sade das populaes, as

desigualdades nas condies de vida e o grau de desenvolvimento da trama de

vnculos entre indivduos e grupos. (PELLEGRINI e BUSS, 2007).

Corroboramos com a idia de que as iniquidades em sade so estabelecidas a

partir dos enfoques relacionados ao capital social e que a busca pela coeso social o

caminho para combater as iniquidades em sade.

Assim, estratgias e aes que visem apenas mudanas nos hbitos de vida

das pessoas, do nosso ponto de vista, no sero suficientes para alterar o quadro de

desigualdade existente. Estratgias coletivas de Vigilncia e Promoo da Sade,

polticas pblicas intersetoriais tambm tm que ser pensadas para ajudar a diminuir

as desigualdades sociais, fortalecendo as relaes estabelecidas e assim alterando as

condies e modos de vida de indivduos e grupos. Entretanto, vivemos uma tenso

paradigmtica em todos estes momentos da histria da sade, inclusive neste

perodo. Ao mesmo tempo em que se priorizam a ao sobre os determinantes

sociais, culturais e econmicas do processo sade e doena, altas tecnologias so

colocadas disposio do estrato mais favorecido da populao, deificando o

biolgico e a tecnologia para a obteno da sade.

Assim, o desafio que este trabalho se prope a enfrentar discutir a proposta

de reorientao dos servios de sade na perspectiva do territrio, conforme

entendimento de SANTOS (2004), de acordo com o novo Pacto Pela Sade

especialmente direcionado pelo Pacto Pela Vida que inclui o fortalecimento da

ateno bsica e a Promoo da Sade o desafio deste trabalho. O analisador ser a

questo da hipertenso arterial conforme est sendo abordada no municpio de

Fortaleza, onde est em curso um processo de reorientao dos servios de sade.

A seguir, apresentaremos a definio do problema da hipertenso arterial no

Brasil e em Fortaleza, indicando aspectos que sero pesquisados.

26

1.2 A HIPERTENSO ARTERIAL COMO UM PROBLEMA DE SADE

PBLICA

Conforme j referido anteriormente no captulo do campo da sade, a

sociedade humana vem se tornando progressivamente mais complexa, a partir de

uma srie de mudanas ocorridas ao longo do tempo, em termos demogrficos,

tcnico-cientficos, culturais, econmicos, sociais e polticos, com significativos

impactos nas condies de sade e qualidade de vida.

Neste processo, h um grande paradoxo, dado que apesar dos avanos e

disponibilidade de conhecimentos, tcnicas e mtodos que permitem potencializar a

grande melhoria destas condies, uma parcela da populao mundial vive margem

destes benefcios, mantendo ou mesmo agravando seus deficientes e insatisfatrios

padres de vida, vivendo ainda em condies bastante adversas.

Assim, a questo da sade passa do campo tcnico e se insere no campo das

polticas, envolvendo modelo econmico, relaes sociais, organizao poltico-

jurdica e poltico-institucional, entre outras referncias bsicas. Esta viso ampliada

da questo da sade implica na abordagem da ao do Estado, das polticas pblicas

e da relao estado, governo e sociedade para a melhoria das condies de sade e

qualidade de vida da populao.

Neste contexto, h demandas de movimentos sociais e polticos buscando

direcionar este processo potencializando a incluso social, com melhoria das

condies de sade e qualidade de vida, sentido este reconhecido, proposto e

reafirmado por organismos, encontros e compromissos internacionais, nos quais h

alguns eixos centrais, com destaque para a descentralizao, com reforo do poder

local e a participao social.

Dentro desse quadro scio poltico global, mudanas importantes marcaram

o Brasil ao longo do sculo XX, transformando o quadro sciodemogrfico,

aumentando a desigualdade e excluso social, promovendo o xodo rural, e

transformando drasticamente a condio e hbitos de vida da populao. Esse novo

quadro alterou tambm as condies de sade das pessoas e o perfil epidemiolgico

27

do pas em que as doenas infecciosas do lugar s doenas e agravos no

transmissveis (DANT). (ALMEIDA, 1998; IBGE, 2000; WESTPHAL e MENDES,

2004)

De 1930 a 2006, houve um declnio das mortes por doenas infecciosas e

parasitrias, de 46 para 5% e as DANT em 2003 eram responsveis por 2/3 da

totalidade das causas de mortes conhecidas passando de 12 para 31%, sendo que as

outras causas mantiveram seus percentuais estveis. (SILVA JR e col., 2003)

A participao das doenas cardiovasculares no quadro epidemiolgico de

mortalidade grande, tornando esta causa de morte a mais importante,

representando desde o final da dcada de 70, cerca de dos bitos ocorridos no

pas. (MELLO e GOTLIEB, 2000).

Em 2008, no cenrio das causas de bitos no Brasil, as doenas

cardiovasculares, mortes violentas e neoplasias eram responsveis por 61,3% do

total de bitos. A importncia das causas tambm se alteraram pouco, continuando

na frente as doenas do aparelho circulatrio (31% dos bitos), seguida pelas mortes

por causas externas (13,5% dos bitos) e em terceiro lugar as neoplasias (16,8% dos

bitos). (DATASUS, 2008a)

Idntico ao panorama nacional, Fortaleza vem apresentando um razovel

decrscimo dos bitos por doenas infecciosas e ascenso contnua dos agravos e

doenas crnicas no transmissveis, exigindo informaes atualizadas e aes de

acompanhamento em todos os nveis. Em 2008, as mortes por doenas do aparelho

circulatrio representaram 26,5% do total de bitos, destacando-se, logo em seguida,

as neoplasias malignas com 18% e as causas externas com 14,5%, dentre as quais se

sobressaem os homicdios e os acidentes de trnsito. (FORTALEZA, 2010)

A importncia se refere tambm morbidade. Segundo dados dos captulos

da CID 10 para o Brasil, tendo como base o ano de 2003, verifica-se que o

percentual de internaes por doenas do aparelho circulatrio de 10,40% do total

com taxa de 6,85/1000 habitantes. (BRASIL, 2003)

Em 2008, este percentual se manteve em 10,2% mas, ao analisarmos ndices

de internaes por faixa etria, percebemos que as porcentagens de internaes por

doenas do aparelho circulatrio so bastante significativas nas faixas etrias de 50 a

28

64 e maiores de 65 anos, com 25 e 27,7%, respectivamente. (DATASUS, 2008c;

FORTALEZA, 2008)

No Brasil as doenas do aparelho circulatrio (CID-10) foram a terceira

causa de internao em 2008 com 1.111.089 internaes, sendo insuficincia

cardaca, outras doenas isqumicas do corao e a hipertenso essencial (primria)

os principais motivos, ficando atrs apenas de gravidez, parto e puerprio com

2.351.879 (21,17%) e doenas do aparelho respiratrio, 1.387.889 (12,5%).

Contudo, em relao aos gastos, as doenas do aparelho circulatrio so

responsveis por 19,64% (R$1.627.311.414,94) do valor total pago, seguido por

gastos com gravidez, parto e puerprio (R$1.160.529.641,02 14%) e doenas do

aparelho respiratrio (R$ 946.908,59 11,43%).

J no municpio de Fortaleza, segundo os dados do DATASUS (2008b), as

internaes por local de residncia esto em quarto lugar em causa de internao

com 12.767 (8,76%). Em primeiro lugar esto gravidez, parto e puerprio 31.872

(21,87%), seguido por doenas do aparelho respiratrio (15.778 10,83%) e

doenas parasitrias e infecciosas (13.756 9,44%). Em relao ao valor pago, as

doenas do aparelho circulatrio assumem, assim como no cenrio nacional o

primeiro lugar em gastos R$ 22.525.013,59 (18,13%), e os gastos com gravidez

somam R$17.160.280,10 (13,82%). (DATASUS, 2008b)

Com isso, podemos considerar que as taxas de morbidade tambm so altas e

que, mesmo com os avanos na rea da sade, os indicadores continuam assumindo

uma parcela importante do quadro de internaes e consequentemente nos recursos

gastos com esses agravos.

A epidemiologia das doenas no transmissveis est diretamente ligada s

condies e estilos de vida. Determinantes e fatores de risco associadas ao

surgimento dos agravos so o sedentarismo, alimentao inadequada, consumo de

lcool e outras drogas, o alto nvel de estresse da maioria de nossa populao, isto

tudo mediado pelas condies econmico-sociais dos indivduos, famlias e

comunidades.

Estudos epidemiolgicos tm demonstrado forte relao entre fatores de risco

de doenas e agravos no transmissveis, relacionados aos estilos de vida

(tabagismo, alcoolismo, obesidade, sedentarismo, estresse) e seus determinantes

29

sociais, relacionados s condies de vida. Complementam ainda, que a reverso

desses fatores e condies de risco pode implicar na reduo da morbidade e

mortalidade por esses agravos, ou seja, aes efetivas de promoo da sade so

importantes estratgias para a reduo desses indicadores.

Estudos relacionados aos custos indiretos dos agravos no transmissveis, tais

como perda da qualidade de vida para indivduo, famlia e anos de vida produtivos,

podem ainda ter grande impacto econmico. (WESTPHAL et al., 2004)

A hipertenso arterial um dos mais importantes fatores de risco para

doenas cardiovasculares, com o critrio atual de diagnstico de hipertenso arterial

(PA 140/90 mmHg), estudos encontrados sobre a prevalncia da Hipertenso (HA)1

demonstraram que no Brasil ela alta, entre 20 e 30% da populao, crescendo

consideravelmente se analisados dados de pessoas acima de 60 anos. (LESSA, 2001).

Existem no Brasil aproximadamente 17 milhes de portadores de hipertenso

arterial, 35% da populao de 40 anos e mais. Os nmeros esto crescendo assim

como o aparecimento cada vez mais precoce, atingindo crianas e adolescentes,

estimando-se que 4% desse grupo populacional tambm sejam portadoras.

Existe ainda uma correlao entre baixa escolaridade e taxas altas de

prevalncia o que refora a importncia de se considerar a determinao social da

doena (PICCINI e VICTORA, 1994; MIRANZI e FERREIRA et al., 2008). Os

estudos realizados por MARTINS (1997) e CORDEIRO (1998) demonstraram que

nos dois eixos scio econmicos, existem os maiores percentuais de prevalncia e

que condies socioeconmicas interferem diretamente nesses indicadores.

Dados do Inqurito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade

Referida de Doenas e Agravos no Transmissveis, desenvolvido por equipe do

INCA/MS, em amostra da populao de algumas capitais brasileiras, no perodo de

2002-2003, apontam que a prevalncia na populao urbana adulta brasileira varia de

22,3% a 43,9%. No municpio de Fortaleza a prevalncia da HA, segundo o sexo

de 23,3% para o sexo masculino e 28,4% para o sexo feminino, atingindo um total

26,3% da populao. Em relao distribuio da prevalncia por faixa etria temos

que a prevalncia de 14% para pessoas de 25 a 39 anos; 30,8% para a faixa etria

1 A partir de agora nos referiremos no texto hipertenso utilizando a sigla HA.

30

de 40 a 59 anos e 46,7% para aqueles acima de 60 anos. O nvel de escolaridade

tambm pode ser demonstrado, com 31,2% para aqueles com ensino fundamental

incompleto contra 22,1% para os que completaram o ensino fundamental. (BRASIL,

2003)

Este inqurito domiciliar descreve tambm alguns dados importantes

relacionados a fatores de risco relativos a algumas doenas no transmissveis.

Em relao ao tabagismo, o percentual de fumantes em Fortaleza no perodo

de 2002-2003 foi de 18,4%, sendo 23,9% para o sexo masculino e 14,2% para o

feminino, apresentando a maior prevalncia da regio nordeste. Outra varivel de

grande importncia refere-se ao fato de que a maior frequncia de fumantes em

Fortaleza foi detectada entre as pessoas com baixa escolaridade ensino fundamental

incompleto - (25%) ao se comparar com o percentual da categoria de maior

escolaridade fundamental completo ou mais - (13,7%).

Quanto alimentao, o consumo (cinco vezes ou mais na semana) de frutas

ou legumes ou verduras na populao 15 anos em Fortaleza foi igual a 58,6% para

os homens e 63,1% para as mulheres. Quanto faixa etria, o consumo de frutas ou

legumes ou verduras foi maior no grupo de 50 anos e mais (65,9%), ficando o menor

percentual com o grupo de 15 a 24 anos (59,4%).

Segundo resultados referentes atividade fsica, no foi observado padro

caracterstico no percentual de indivduos insuficientemente ativos, entretanto

observa-se que, em Fortaleza no referido perodo, os homens apresentaram um maior

ndice de atividade, o que corrobora o resultado de 36,2% quanto ao ndice de

inatividade entre os homens e de 46,8% entre as mulheres. Quanto faixa etria, foi

maior a proporo de indivduos insuficientemente ativos (sedentrios +

irregularmente ativos) entre as pessoas de 50 a 69 anos de idade (50,0%) quando

comparados aos da faixa de 25 a 49 anos (43,1%) ou do grupo jovem de 15 a 24 anos

(38,9%).

Analisando-se o consumo de lcool em Fortaleza no perodo de 2002 a 2003,

constatou-se que o consumo de lcool por homens (61,3%) foi duas vezes maior do

que entre as mulheres (33,5%). Quanto faixa etria, o grupo de 25-49 anos foi o

que apresentou o maior percentual (53,0%), seguindo-se o grupo de 15-24 anos, com

31

43,5%, enquanto o de menor consumo ficou entre as pessoas de 50 e + anos

(30,3%).

Para FUCHS (2001), a elevada prevalncia da HA e seu potencial para

controle, fazem com que a HA seja o fator de risco modificvel mais importante

para doenas cardiovasculares. Desse modo, podemos reforar a relevncia de

pesquisar as aes de sade que esto sendo realizadas e o quanto elas podem

auxiliar na diminuio desses indicadores, melhorando a qualidade de vida de

indivduos e grupos.

Segundo CAR (1998), existe necessidade de implantao de aes

programticas para o controle da HA, tendo em vista que o custo direto anual dos

hipertensos j detectados estimado em cerca de 12 milhes de dlares em

consultas, internaes hospitalares, atendimentos de emergncia, auxlio doenas,

aposentadorias e medicaes.

Ao mesmo tempo, existe a transio demogrfica que auxilia na mudana do

perfil da populao. Em relao pirmide populacional se observa um aumento da

expectativa de vida e uma populao acima de 65 anos aumentada em 45,9% de

1989 a 2000. (SILVA Jr, 2006)

De acordo com Minayo, citada por SILVA Jr. (2006) nas ltimas dcadas as

transformaes dos padres de morbimortalidades no Brasil estiveram relacionadas

reduo da mortalidade precoce, principalmente aquelas ligadas s doenas

infecciosas e parasitrias; aumento da expectativa de vida ao nascer, o que aumentou

tambm a populao idosa e processo acelerado de urbanizao e mudanas

socioculturais, relacionadas ao aumento de acidentes e violncias.

Segundo MALTA (2006), as DANT so de etiologia multifatorial e

compartilham diversos fatores de risco modificveis como tabagismo, inatividade

fsica, alimentao inadequada, entre outros. Esse contexto, portanto, justificaria a

adoo de estratgias integradas e sustentveis de preveno e controle dessas

doenas ligadas aos fatores de risco modificveis. Alm disso, aes e polticas

voltadas para a promoo da sade tambm estariam fortalecendo, numa viso mais

ampla do conceito da sade, buscando enfoques na aquisio de estilos de vida

saudveis, ambientes saudveis e organizao de sistemas e servios de sade que

busquem a melhoria da qualidade de vida da populao.

32

O Ministrio da Sade assumiu como prioridade a estruturao de um

sistema de vigilncia especfico para as DANT e seus fatores de risco, em funo de

suas peculiaridades e possibilidades de preveno e controle. A partir de 2000 foram

iniciadas aes de estruturao da rea de DANT no Centro Nacional de

Epidemiologia, sendo em 2003 criada a Coordenao Geral de Doenas e Agravos

no Transmissveis (CGDant) no contexto da Secretaria de Vigilncia a Sade. Em

2004, foram incorporadas CGDant a rea de Preveno de Violncias e Acidentes

e as aes de Promoo da Sade.

Assim a poltica de Vigilncia, DCNT (Doenas Crnicas No

Transmissveis) rene o conjunto de aes que possibilitam conhecer a

distribuio, magnitude e tendncia dessas doenas e de seus fatores de risco na

populao identificando seus condicionantes sociais, econmicos e ambientais, com

o objetivo de subsidiar o planejamento, execuo e avaliao da preveno das

mesmas (SILVA Jr, 2006, p.13) e acrescenta, ainda, que a preveno e controle das

DCNT2 e seus fatores de risco so fundamentais para evitar o crescimento endmico

e suas conseqncias prejudiciais qualidade de vida e sistema de sade no pas.

Em setembro de 2005 foi realizado um Seminrio Nacional de DANT e

Promoo da Sade. Nesse evento foi proposta uma agenda contendo quatro eixos, a

saber: 1) Estruturao do Sistema de Vigilncia de DCNT e seus fatores de risco e

proteo; 2) Gesto (regulamentao, financiamento, recursos humanos, participao

e controle social, responsabilidade, sustentabilidade); 3) Intervenes para

preveno (promoo da sade, interface com assistncia, intersetorialidade,

integralidade); 4) Avaliao e apoio pesquisa.

O Sistema de Vigilncia em DANT atua, entre outras aes, disseminando e

promovendo a sensibilizao de gestores, tcnicos e conselheiros de sade sobre a

importncia das doenas crnicas no transmissveis e a necessidade de desenvolver

e fortalecer aes integradas de preveno e controle das DANT e seus fatores de

risco e ainda a atuao de forma intersetorial, visando o desencadeamento de aes

2 Utilizaremos ao longo do texto diferentes nomenclaturas e siglas correspondentes s doenas no

transmissveis (DCNT, DANT, DNT) respeitando a forma como so citadas nos documentos

analisados.

33

articuladas em comunidades e grupos populacionais especficos, no intuito de

promover comportamentos e estilos de vida saudveis.

Assim, a vigilncia em DANT trabalha com reas do setor sade

estabelecendo parcerias com outros setores, tais como administrao pblica,

empresas e organizaes no governamentais com objetivo de desenvolver aes

que visem reduo desses agravos.

O eixo ligado promoo da sade est sendo considerado como uma das

principais reas da vigilncia com a adeso do Brasil s diretrizes da estratgia

global para alimentao saudvel, a atividade fsica, diminuio do hbito de fumar

e do consumo de lcool e drogas basicamente.

Fazendo ligao com as aes de promoo da sade podemos constatar que

modificaes de estilo de vida so de fundamental importncia no processo

teraputico e na preveno da hipertenso. Alimentao inadequada, sobretudo

quanto ao consumo de sal, ausncia de controle do peso, pouca prtica de atividade

fsica, tabagismo e uso excessivo de lcool so fatores de risco que devem ser

adequadamente abordados e controlados, sem o que, mesmo doses progressivas de

medicamentos no resultaro alcanar os nveis recomendados de presso arterial.

Entretanto, apesar de fundamentais para o tratamento, essas medidas no

sero suficientes para diminuir as taxas de prevalncia da doena. Polticas pblicas

tambm tm que ser desenvolvidas para auxiliar nesse processo de mudana, uma

vez que as condies sociais, a mudana cultural que estamos vivendo e que afeta os

hbitos e estilos de vida, alm da ampliao das iniquidades sociais esto

colaborando negativamente para o controle da hipertenso arterial.

Apesar dessas evidncias, hoje incontestveis, esses fatores relacionados a

hbitos e estilos de vida continuam a crescer na sociedade levando a um aumento

contnuo da incidncia e prevalncia da hipertenso arterial, assim como do seu

controle inadequado. A despeito da importncia da abordagem individual, cada vez

mais se comprova a necessidade da abordagem coletiva para se obter resultados mais

consistentes sobre as iniquidades sociais, que contribuem significativamente para a

hipertenso arterial. Uma refora a outra e so complementares.

Estratgias que visem modificaes de estilo de vida so mais eficazes

quando aplicadas a um nmero maior de pessoas geneticamente predispostas e a uma

34

comunidade, que compartilha condies de vida semelhantes. A exposio coletiva

ao risco e como consequncia da estratgia, a reduo dessa exposio, tem um

efeito multiplicador quando alcanada por medidas populacionais de maior

amplitude. (MS/ SVS, 2007)

O Ministrio da Sade, apesar de valorizar o enfoque nas polticas de modo

geral e de sade de modo especial, entende que as mesmas devem focalizar o

controle da Hipertenso Arterial na Ateno Bsica, e assim organizou um

documento dedicado Hipertenso Arterial Sistmica (MS, 2006), na srie dos

Cadernos de Ateno Bsica, atualizando conhecimentos e estratgias que visam

melhoria da capacidade dos atores deste nvel de ateno para a utilizao de uma

forma de abordagem integral desse agravo, baseando em evidncias cientficas atuais

e economicamente sustentveis para a grande maioria da populao brasileira,

dependente do Sistema nico de Sade. Salienta ainda, como grande desafio, a

necessidade de reduzir a carga dessa doena e reduzir o impacto social e econmico

decorrentes do seu contnuo crescimento.

Segundo a Norma Tcnica sobre Hipertenso Arterial Sistmica para o

Sistema nico de Sade, do Ministrio da Sade, a HA considerada a mais

frequente das doenas cardiovasculares. Atualmente, a HA pode ser considerada um

grave problema de sade pblica, no Brasil e no mundo, devido ao seu alto grau de

morbimortalidade. (MS, 2006)

Ainda segundo o documento do Ministrio da Sade, o diagnstico e

tratamento da HA ainda so frequentemente negligenciados, tendo em vista que na

maior parte de seu curso a doena assintomtica. Mesmo os indivduos

diagnosticados tm baixa adeso ao tratamento prescrito. Estes so alguns dos fatores

biogenticos e comportamentais que determinam um controle muito baixo da HA aos

nveis considerados normais em todo o mundo, a despeito dos diversos protocolos e

recomendaes existentes e da maior necessidade de acesso constante a

medicamentos.

Nesse sentido, os gestores e os profissionais de sade da rede bsica tm

importncia primordial nas estratgias de controle da hipertenso arterial, quer na

definio do diagnstico clnico e da conduta teraputica, nos esforos requeridos

para informar e educar o paciente hipertenso, e ainda para ajud-lo no enfrentamento

35

das barreiras que surgem no controle da hipertenso, relacionadas s suas condies

de vida e trabalho, no local onde vive.

O documento do Ministrio da Sade referente Hipertenso Arterial refora

ainda que a abordagem multiprofissional de fundamental importncia no

tratamento da hipertenso e na preveno das complicaes crnicas, exigindo um

processo contnuo de motivao para que o paciente no abandone o tratamento. A

sugesto que, sempre que possvel, alm do mdico, outros profissionais faam

parte da equipe, tais como: enfermeiro, nutricionista, psiclogo, assistente social,

terapeuta ocupacional, educador fsico, farmacutico e agente comunitrio de sade.

Dentre as aes ligadas prtica da equipe multiprofissional pelo Ministrio,

est a promoo da sade atravs de aes educativas com nfase em mudanas do

estilo de vida e correo dos fatores de risco. A capacitao de profissionais para a

realizao de aes assistenciais individuais e em grupo, em uma perspectiva da

integralidade so outras prticas essenciais para o controle da HA.

As principais estratgias para o tratamento no-farmacolgico da HA incluem

os seguintes pontos: controle de peso; adoo de hbitos alimentares saudveis;

reduo do consumo de bebidas alcolicas; abandono do tabagismo; prtica de

atividade fsica regular.

Apesar de valorizar outras estratgias que no apenas o tratamento

medicamentoso e ainda incentivar a participao de equipes multiprofissionais com

olhares distintos sobre o tema, o documento do Ministrio da Sade referente ao

controle da hipertenso arterial assume um posicionamento, ao nosso entender,

predominantemente voltado para aquisio de novos hbitos por parte do usurio.

Nesse sentido, destacamos a ausncia na estratgia proposta pelo Ministrio

da Sade de outras questes importantes do campo de ao da promoo da sade,

tais como as polticas pblicas saudveis, a criao de espaos saudveis de apoio

promoo da vida e da sade, o fortalecimento da participao da populao para que

esta reconhea seus problemas e risco e a causalidade dos mesmos e seja capaz de se

mobilizar para colaborar na resoluo destas causas e determinaes, indicando a

necessidade de um estudo mais aprofundado desta estratgia.

36

1.3 O SISTEMA NICO DE SADE E A REORIENTAO DOS

SERVIOS DE SADE: POLTICA NACIONAL DE ATENO BSICA

E A HIPERTENSO ARTERIAL

A portaria n 648, de 28 de maro de 2006, que aprova a Poltica Nacional de

Ateno Bsica e estabelece as normas para sua a organizao incluindo o Programa

Sade da Famlia (PSF), afirma que a equipe multiprofissional deve ser responsvel

por, no mximo, 4.000 habitantes, sendo a mdia recomendada de 3.000 habitantes,

com jornada de trabalho de 40 horas semanais para todos os seus integrantes e

composta por, no mnimo, mdico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou tcnico de

enfermagem e agentes comunitrios de sade. (BRASIL, 2006a)

Cada membro da equipe tem uma srie de responsabilidades associadas com

o programa de HA. A seguir estaro descritas essas responsabilidades, destacando

aquelas que representam a perspectiva da promoo da sade:

Agente Comunitrio de Sade

Esclarecer a comunidade sobre os fatores de risco para as doenas

cardiovasculares, orientando-a sobre as medidas de preveno;

Rastrear a hipertenso arterial em indivduos com mais de 20 anos, pelo menos,

uma vez ao ano, mesmo naqueles sem queixa;

Encaminhar consulta de enfermagem os indivduos rastreados como suspeitos de

serem portadores de hipertenso;

Verificar o comparecimento dos pacientes hipertensos s consultas agendadas na

unidade de sade;

Verificar a presena de sintomas de doena cardiovascular, cerebrovascular ou

outras complicaes de hipertenso arterial, e encaminhar para consulta extra;

Perguntar, sempre, ao paciente hipertenso se o mesmo est tomando, com

regularidade, os medicamentos e se est cumprindo as orientaes de dieta,

atividades fsicas, controle de peso, cessao do hbito de fumar e da ingesto de

bebidas alcolicas;

37

Registrar, em sua ficha de acompanhamento, o diagnstico de hipertenso e risco

cardiovascular global estimado de cada membro da famlia.

Auxiliar de Enfermagem

Verificar os nveis da presso arterial, peso, altura e circunferncia abdominal, em

indivduos da demanda espontnea da unidade de sade;

Orientar a comunidade sobre a importncia das mudanas nos hbitos de vida,

ligadas alimentao e prtica de atividade fsica rotineira;

Orientar as pessoas da comunidade sobre os fatores de risco cardiovasculares, em

especial aqueles ligados hipertenso arterial e diabetes.

Enfermeiro

Capacitar os auxiliares de enfermagem e os agentes comunitrios e supervisionar,

de forma permanente, suas atividades;

Realizar consulta de enfermagem, abordando fatores de risco, tratamento no-

medicamentoso, adeso e possveis intercorrncias ao tratamento, encaminhando

o indivduo ao mdico, quando necessrio;

Desenvolver atividades educativas de promoo de sade com todas as pessoas da

comunidade; desenvolver atividades educativas individuais ou em grupo com os

pacientes hipertensos;

Estabelecer, junto equipe, estratgias que possam favorecer a adeso ao

tratamento (grupos de hipertensos e diabticos);

Encaminhar para consultas mensais, com o mdico da equipe, os indivduos no-

aderentes, de difcil controle e portadores de leses em rgos-alvo (crebro,

corao, rins, olhos, vasos, p diabtico, etc.) ou com comorbidades;

Mdico

Realizar consulta para confirmao diagnstica, avaliao dos fatores de risco,

identificao de possveis leses em rgos-alvo e comorbidades, visando

estratificao do portador de hipertenso;

Prescrever tratamento no-medicamentoso;

Programar, junto equipe, estratgias para a educao do paciente.

Novamente podemos notar que apesar de incluir a promoo da sade como

uma das responsabilidades, as aes esto voltadas para o campo da aquisio de

habilidades, tendo nas atividades educativas e mudanas no estilo de vida seu foco

38

principal. No so mencionadas orientaes direcionadas a outros campos essenciais

da promoo da sade, que descreveremos com mais detalhes no referencial terico,

tais como a criao de ambientes - entornos - saudveis para o hipertenso e/ou de sua

famlia; fortalecimento da ao comunitria a partir dilogo aberto dos problemas,

conforme so vistos e sentidos pela populao e o gradativo empoderamento dos

mesmos para que problematizem sua realidade e se mobilizem para reivindicar

polticas pblicas que facilitem o controle das condies e fatores de risco da

hipertenso arterial.

Como aponta TRAVERSO-YPEZ (2007), a preocupao pela adoo de

comportamentos saudveis est relacionada com a ideia de que os problemas de

sade estariam relacionados com estilos de vida, e com isso, a orientao de se

trabalhar com a educao para sade, em uma perspectiva comportamental. E ainda

acrescenta que a apenas a transmisso de condutas consideradas saudveis pelos

profissionais de sade aos usurios estaria fadada ao fracasso, sem capacidade de

mudar o modelo de ateno.

Diante dessas colocaes, temticas como relaes de poder entre

profissional e usurio, culpabilizao dos vitimados e territorializao devem ser

pautadas e discutidas em profundidade durante esse processo de construo da sade.

propsito desta tese, analisar o controle da hipertenso arterial, dentro de

um processo de reorientao dos servios de sade em curso no municpio de

Fortaleza, analisando em que medida houve mudana da lgica do processo de

trabalho nas unidades de sade, se, e em que perspectiva a promoo da sade est

sendo incorporada nas aes do cotidiano, tomando o controle da hipertenso arterial

como analisador. Para isto necessrio conhecer o referencial que adotamos para

fazer as anlises desses processos de trabalho.

39

2. REFERENCIAL TERICO

2.1. PROMOO DA SADE

2.1.1. Conceito e prtica da promoo da sade

Segundo ROSEN (1994), os homens sempre tiveram que enfrentar problemas

de sade nascidos de atributos e carncias de sua natureza. Com base nessa

necessidade da vida social desenvolveu-se, com uma clareza crescente, o

reconhecimento da importncia notvel de participao da comunidade nos processos

para promover a sade, e prevenir e tratar a doena.

Como j discutido anteriormente, a referncia importncia das condies de

vida como determinantes da sade existe desde a Grcia Antiga. Acompanhando

historicamente o processo de construo da sade, podemos identificar que o sentido

da promoo da sade pode ser identificado ao longo da histria da humanidade,

acompanhando movimentos sociais, polticos e ideolgicos que foram se

desenvolvendo ao longo do tempo.

Henry Sigerist, sanitarista, em 1945 foi o primeiro a utilizar o termo

Promoo da Sade ao descrever as quatro funes da medicina: Promoo da

Sade, Preveno da doena, Tratamento da doena e Reabilitao. A Promoo da

Sade compreenderia aes de educao em sade e aes estruturais do estado para

melhorar as condies de vida da populao. (WESTPHAL, 2006)

Sigerist defendia uma ao integrada entre polticos, lideranas sindicais

trabalhadoras e patronais, educadores e mdicos. Esta unio de esforos objetivava

implementar polticas e programas de sade, que so facilitados quando as

necessidades bsicas do indivduo (emprego, sade, educao, vida social) so

satisfeitas (RIOS et al. 2007)

Thomas McKeown, ao estudar os fatores causais da mortalidade por

tuberculose na populao inglesa, de 1848 a 1971, comprovou as fortes inter relaes

40

entre sade e situao econmica da populao. O estudo apontou que os fatores que

mais contriburam para melhoria da qualidade de vida da populao so os

relacionados ao desenvolvimento econmico, nutrio e estilo de vida do que em

intervenes de carter mdico (WESTPHAL, 2006).

De acordo com o que descreve ANDRADE (2006, p.44),

Nas consideraes finais de seu estudo, Thomas Mckeown

concluiu que as medidas implementadas pela medicina tiveram na

Inglaterra e Gales pequeno peso relativo na reduo das taxas de

mortalidade por tuberculose e doenas semelhantes, e que os

determinantes fundamentais foram decorrentes das transformaes

ocorridas no processo produtivo capitalista, como o surgimento da

mquina, a reordenao das relaes de produo e o imenso

crescimento da populao, que modificaram o nvel de vida dos

grupos sociais.

Em 1965, o modelo explicativo de Leavell & Clark, da histria natural do

processo sade-doena tambm considerado um marco importante para a

construo do conceito de Promoo da Sade. Ao proporem medidas de interveno

nos diferentes estgios da doena, os autores destacam a promoo da sade como

um dos nveis de preveno primria. Assim a promoo da sade:

(...) corresponde a medidas gerais, educativas que objetivam

melhorar a resistncia e o bem-estar geral dos indivduos

(comportamentos alimentares, no ingesto de drogas, tabaco,

exerccio fsico e repouso, conteno de estresse), para que

resistam s agresses dos agentes. Estes mesmos indivduos

recebem orientaes para cuidar do ambiente para que este no

favorea o desenvolvimento de agentes etiolgicos

(comportamentos higinicos relacionados habitao e entornos).

(WESTPHAL, 2006, p.641).

Junto a aes de promoo estariam as aes de proteo especfica, vacinas,

por exemplo, que tambm dificultam ou retardam o adoecimento.

Esse modelo, apesar de associar a promoo da sade na perspectiva

preventiva e no sentido de evitar as doenas e seu agravamento apresenta aspectos

relevantes que podem ser sintetizadas em dois pontos. O primeiro est voltado para

41

um alerta aos profissionais da sade sobre o potencial das aes do ambiente e sobre

estilos de vida na preveno de doenas. O segundo ponto inclui aes educativas,

comunicacionais e ambientais como complementao s medidas j existentes

laboratoriais, clnicas e teraputicas. Segundo WESTPHAL (2006), muitos

profissionais da sade ainda entendem promoo nessa perspectiva, o que limita o

seu escopo ao momento em que as doenas ainda no se instalaram.

Em 1974, Lalonde, consultor do Ministrio da Sade canadense, insatisfeito

com os resultados das aes que coordenava, resolveu pesquisar sobre a causalidade

das doenas que acometiam os canadenses e verificou que estilos de vida e ambiente

eram responsveis por 80% das causas das doenas e que no havia investimentos

oficiais em relao a esses fatores. O Informe Lalonde, como ficou conhecido o

documento apresentado, assinalava quatro campos da sade: ambiente, biologia

humana, estilos de vida das pessoas e o sistema de sade, que precisavam ser objeto

de ateno das autoridades sanitrias. (WESTPHAL, 2006)

Segundo CARVALHO (2005) o relatrio Lalonde sugere a mudana do foco

das aes sanitrias do sistema de ateno sade para as aes de promoo,

romper com a percepo de que a sade resultante de cuidados mdicos e

conscientizar o pblico do desequilbrio nos gastos setoriais. Ainda segundo o autor,

essa corrente da promoo da sade procura romper com o modelo biomdico e

sugerir uma perspectiva mais holstica sobre a sade. Desta forma, vai alm do

enfoque do modelo da histria natural da doena ao enfatizar o papel das aes de

promoo da sade e a necessidade de trabalhar visando a alterao de

comportamentos no saudveis. O relatrio Lalonde influenciou polticas sanitrias

em diversos pases e segue at hoje inspirando polticas de sade, suas estratgias

preconizam intervenes sobre estilos de vida e mudanas de comportamento.

Nos anos 1980, de acordo com CARVALHO (2005) limites tericos e

prticos da perspectiva behaviorista apresentada no relatrio Lalonde percebida por

alguns estudiosos da rea faz surgir outra interpretao paradigmtica desta prtica

social, a perspectiva socioambiental da promoo da sade, tambm conhecida como

a Nova Promoo da Sade. E acrescenta que ela partilha com a anterior a crtica

ao paradigma biomdico e a necessidade de ampliar o entendimento do processo

sade/doena discordando, contudo, da nfase posta na interveno que visa

42

transformar hbitos de vida e de culpabilizao dos indivduos por comportamentos

cujas causas encontram explicao no entorno social. (p.53)

WESTPHAL (2006) sintetizou a classificao das diferentes iniciativas de

Promoo da Sade elaborada por Naido & Wills (1994), agrupando trs diferentes

conceitos de promoo da sade, os conceitos de sade pelo qual so orientados,

assim como os tipos de prticas dominantes em cada uma das vertentes. (quadro 01)

Quadro 01. Concepes da sade e diferentes vises da Promoo da Sade

Abordagens Biomdica Comportamental Socioambiental

Conceito de sade

Ausncia de doenas e incapacidades

Capacidades fsico-funcionais; bem-estar fsico e mental dos indivduos

Estado positivo; bem-estar biopsicossocial e espiritual; Realizao de aspiraes e atendimento de necessidades

Determinantes de sade

Condies biolgicas e fisiolgicas para categorias especficas de doena

Biolgicos, comportamentais; estilos de vida inadequados sade

Condies de risco biolgicas, psicolgicas, socioeconmicas, educacionais, culturais, polticas e ambientais

Principais estratgias

Vacinas, anlises clnicas individuais e populacionais, terapias com drogas, cirurgias

Mudana de comportamento para adoo de estilos de vida saudveis

- Coalizes para advocacia e aes polticas;

- Promoo de espaos saudveis;

- Empoderamento da populao;

- Desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes;

- Reorientao dos servios de sade

Desenvolvimento de programas

Gerenciamento profissional

Gerenciamento pelos indivduos, comunidades de profissionais

Gerenciamento pela comunidade em dilogo crtico com profissionais e agncias

Fonte: WESTPHAL (2006)

Dentre as vises descritas de promoo da sade compreendemos a

abordagem socioambiental como a mais coerente e atual. Tem como base um

conceito ampliado de sade, positivo, que inclui os aspectos biolgicos do processo

sadedoena; os comportamentais e os sociais e impulsionando sempre para o

positivo, isto , para o maior bem estar, mesmo que as condies fsicas no sejam as

ideais. A viso dos determinantes sociais da sade tambm mais ampla exigindo

43

uma ao intersetorial para que o processo inclua as diferentes condies,

relacionadas a diferentes setores do governo ou da sociedade.

Seu campo de ao e suas principais estratgias vo alm das tradicionais

realizadas pelos servios de sade, incluindo a elaborao de polticas pblicas

saudveis, a criao de espaos de apoio promoo da sade em escolas, locais de

trabalho, nas praas, nas igrejas enfim onde puder reunir pessoas com interesse na

melhoria da qualidade de vida e sade.

O fortalecimento da ao comunitria para que esta conhea mais

profundamente seus problemas, os problematize e se mobilize para exigir que o

Estado os resolva outra ao no muito comum em programas tradicionais de sade

pblica. Para tudo isto necessrio que os diferentes atores tenham acesso

informao e desenvolvam habilidades intelectuais e psicossociais necessrias para a

produo social da sade no cotidiano de suas vidas. (WESTPHAL, 2006)

Finalmente, a reorientao dos servios de sade significa a adoo de uma

nova lgica no desenvolvimento do processo de trabalho. uma estratgia

importante que tem sido pouco experimentada nos locais onde se desenvolvem

projetos de Promoo da Sade. A reorientao dos servios de sade prev que os

gestores municipais organizem seus atendimentos e suas aes de Vigilncia e

Promoo da Sade com base em problemas comuns identificados, nas identidades

das populaes que ocupam territrios que se organizam nas diferentes regies,

estados e municpios.

Pesquisas tm mostrado que as populaes se agregam em funo de aspectos

culturais, econmicos ou sociais comuns, e em funo da existncia de interligaes

pessoais por redes de comunicao, e pelo uso comum de infraestrutura ou

transportes. O desafio colocado para os gestores consiste em propor uma poltica

transversal, integrada e intersetorial que faa dialogar as diversas reas do setor

sade, setores privados e no governamentais e a sociedade, compondo redes de

compromisso e qualidade de vida da populao com participao de toda

comunidade. Reorientar os servios de sade repens-los a partir de outra lgica do

processo de trabalho, a lgica do territrio-processo que segundo SANTOS (1991)

o conjunto indissocivel constituindo, de um lado, certo arranjo de objetos

geogrficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e

44

os anima, ou seja, a sociedade em movimento (apud MENDES e DRUMOND,

2003).

Ainda, a reorientao dos servios de sade se faz na perspectiva do direito

sade, assumindo uma dimenso polticoinstitucional, que situa o usurio do

servio como morador de uma determinada cidade, num certo bairro. A incluso da

dimenso territorial acompanhada da dimenso social e econmica, na medida em

que os espaos so entendidos como os locais onde os usurios do sistema habitam,

trabalham, circulam, consomem, interagem e definem as possibilidades do cidado

de uma existncia saudvel, para alm de seus comportamentos mais ou menos

promotores de sua prpria sade (CHIESA e KON, 2005)

Como se acredita que em cada territrio que se materializam as aes de

promoo, preveno e recuperao da sade, a reorientao dos servios de sade se

estende para alm de aes relacionadas assistncia e aos limites da unidade de

sade.

O espao local, nesse contexto, o cenrio estabelecido por esses atores em

que problemas de sade se confrontam com servios prestados e onde necessidades

demandam aes de promoo da sade e oferta de servios de ateno. a nesse

espao, portanto, onde se d o encontro entre o cidado e as polticas de sade, que o

sistema de sade torna-se concreto, real. neste espao poltico tambm onde se

definem as efetivas possibilidades de construo de espaos urbanos promotores de

vida mais saudvel. A gesto e as prticas profissionais que constroem estes espaos

tm, ento, potencial pedaggico e teraputico. Podem criar dependncia ou co-

produzir autonomia