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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FÍSICA INSTITUTO DE QUÍMICA INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO Uma Análise de Materiais Instrucionais com Enfoque CTSA Produzidos por Professores em um Curso de Formação Continuada LUCIANE HIROMI AKAHOSHI Orientadora: Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes São Paulo 2012

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO · 2013. 4. 23. · Maria Eunice Ribeiro Marcondes, pela excelente orientação, pelo constante incentivo e inestimável apoio. À Profa. Yvone Mussa Esperidião,

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  • UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FÍSICA

    INSTITUTO DE QUÍMICA INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

    Uma Análise de Materiais Instrucionais com

    Enfoque CTSA Produzidos por Professores em

    um Curso de Formação Continuada

    LUCIANE HIROMI AKAHOSHI

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes

    São Paulo

    2012

  • Universidade de São Paulo Instituto de Física

    Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação

    Uma Análise de Materiais Instrucionais com Enfoque CTSA Produzidas por Professores

    em um Curso de Formação Continuada

    Luciane Hiromi Akahoshi

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes

    Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto

    de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de

    Biociências e a Faculdade de Educação da

    Universidade de São Paulo, para a obtenção do

    título de Mestre em Ensino de Ciências.

    São Paulo

    2012

  • Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

    Akahoshi, Luciane Hiromi Uma análise de materiais instrucionais com enfoque CTSA produzidos por professores de química em um curso de formação continuada. São Paulo, 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo.

    Faculdade de Educação, Instituto de Física, Instituto de Química e Instituto de Biociências.

    Orientador: Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes

    Área de Concentração: Ensino de Química. Unitermos: 1. Química (Estudo e Ensino); 2. Contextualização; 3. Formação continuada; 4. Materiais didáticos; 5. Ensino CTSA. USP/IF/SBI-014/2012

  • AKAHOSHI, Luciane Hiromi

    Uma Análise de Materiais Instrucionais com Enfoque CTSA Produzidas

    por Professores em um Curso de Formação Continuada

    Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto

    de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de

    Biociências e a Faculdade de Educação da

    Universidade de São Paulo, para a obtenção do

    título de Mestre em Ensino de Ciências.

    Área de concentração: Ensino de Química

    Aprovado em 09 de maio de 2012

    Banca Examinadora

    Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes Instituição: IQUSP

    Profa. Dra. Daniela Gonçalves de Abreu Instituição: FFCLRP-USP

    Profa. Dra. Lúcia Helena Sasseron Instituição: FE-USP

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais Hiroo (in memoriam) e Sumie pelo incentivo constante aos estudos.

    Aos meus irmãos Cláudio e Christine pelo companheirismo.

    À Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes, pela excelente orientação, pelo

    constante incentivo e inestimável apoio.

    À Profa. Yvone Mussa Esperidião, pelo grande incentivo e carinho.

    Às Profas. Dra. Daniela Gonçalves de Abreu e Dra. Lucia Helena Sasseron, pelas

    preciosas contribuições durante a qualificação.

    À Nilza, pelos cafézinhos e conversas que iluminam meu dia e também por me

    aturar por tanto tempo.

    Às amigas Viviani, Alexandra, Miriam, Simone, Denilse, Hebe, pelo apoio, ombro

    amigo e aconchegante para todas as horas.

    Aos amigos Fabio, Erivanildo, pelas conversas e trocas de ideias.

    Aos amigos do grupo de discussão e do Programa, João, Dayse, Mara, Susan,

    Terezinha, Rita, Angella, Marcelo, Edson, Gislaine, Milton, Robson, Murilo,

    Renata, Daniele e outros, pelas trocas de idéias, experiências e todo o carinho

    dedicado.

    Aos amigos do GEPEQ/IQUSP, Maria do Carmo, Luciana. Elisabete, Isaura, pelo

    incentivo.

    A todos os estagiários que passaram pelo GEPEQ/IQUSP, pela ajuda nos cursos

    e nas atividades de laboratório.

    A minha imensa gratidão.

  • Resumo

    AKAHOSHI, Luciane Hiromi. Uma análise de materiais instrucionais com enfoque CTSA produzidos por professores de química em um curso de formação continuada. São Paulo: Instituto de Química, Universidade de São Paulo, 2012. Dissertação de Mestrado – Instituto de Química, Instituto de Física, Instituto de Biociências, Faculdade de Educação, Universidade São Paulo, São Paulo, 2012. No mundo atual, é importante que as pessoas tenham conhecimentos para serem capazes de tomar decisões, participar de discussões e dos rumos que a ciência e a tecnologia deveriam seguir em benefício da sociedade. Assim, a contextualização no ensino em uma abordagem CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) vem sendo defendida como uma forma de melhorar o senso crítico dos alunos. O professor de Química deveria planejar seu ensino tendo em vista a possibilidade de explorar conceitos químicos para que o aluno possa entender e dar sentido ao mundo físico. Com isso, a construção de materiais instrucionais produzidos por professores para suas próprias aulas pode ser um valioso instrumento para atingir tais objetivos. O objetivo deste trabalho foi o de analisar as produções de unidades didáticas com enfoque CTSA de professores de Química do ensino médio na perspectiva da contextualização do conhecimento de Química. As análises consideraram o entendimento de contextualização dos professores manifestada nas unidades didáticas produzidas. Em relação ao entendimento de contextualização, as unidades foram classificadas como: exemplificação do conhecimento; descrição científica de fatos e processos; problematização da realidade social; compreensão da realidade; transformação da realidade social. Além disso, buscou-se relacionar as ideias iniciais desses professores sobre contextualização e como elas se manifestam nas unidades didáticas elaboradas em conjunto com outros professores. Analisou-se, ainda, o potencial dessas unidades para desenvolver atitudes cidadãs e promover a alfabetização científica dos estudantes. Foram analisadas cinco unidades didáticas cujo tema geral foi “Combustíveis – Produção, eficiência e impactos ambientais”. Todas as unidades foram classificadas como descrição científica de fatos e processos, pois esses materiais apresentavam ênfase no desenvolvimento de conteúdos científicos e poucas discussões referentes a questões sociais e ambientais. No entanto, há um relativo avanço em relação a materiais cujo interesse é de apenas desenvolver conteúdos científicos (ensino tradicional), pois apresentam textos que procuram mostrar outros aspectos relacionados ao tema, como problemas sociais, econômicos e ambientais. Portanto, considera-se que a elaboração de materiais instrucionais pode ser uma boa estratégia em desenvolver uma visão mais crítica em relação a um tema em estudo. Palavras-chave: Contextualização, formação continuada, materiais didáticos, ensino CTSA.

  • Abstract

    AKAHOSHI, Luciane Hiromi. An analysis of Science, Technology and Society approaches in Instructional materials produced by high school chemistry teachers. São Paulo: Instituto de Química, Universidade de São Paulo, 2012. Dissertação de Mestrado – Instituto de Química, Instituto de Física, Instituto de Biociências, Faculdade de Educação, Universidade São Paulo, São Paulo, 2012.

    Taking into account that today’s world is increasingly affected by science and technology, people should get knowledge to participate on decision making and to take part on discussions about the directions that science and technology should be follow taking into account the benefit of the whole society. Chemistry curricula in a STS approach ought to be planned to explore chemical concepts in such a way that allows the students to understand and give sense to the physical world. Thus, the teachers’ elaboration of their own instructional materials might be a valuable way to meet these goals. The aim of this work is to analyze context-based units focused on STS approach produced by high school chemistry teachers. These units were produced during an in service course offered to help teachers plan activities considering a STS perspective in the contents and methodologies they judged appropriate to their classes. The units were classified in one of four approaches: focus on chemical content using daily life examples related to chemistry concepts; focus on chemical content adding scientific description of processes involving chemistry and society; focus on problems and situations of social relevance, where science content is introduced to facilitate the understanding of the situation and judgment skills by the students; focus on comprehension and transformation of social reality aiming the development of values and the participation of the students in responsible political actions. Five didactic units produced under the theme of fossil combustibles were analyzed. Aspects like production, efficiency, environmental impacts were addressed in those materials. These units were classified as scientific description of processes since the emphasis was put on chemical content and few concerns were presented on social issues. However, there was an improvement compared to traditional instruction materials focused exclusively on chemical content. Thus, the development of instructional materials seemed to be a good strategy to help teachers to plan context-based teaching. Keywords: content approach, STSE teaching, instructional material

  • SUMÁRIO

    1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15

    2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................... 18

    2.1 – Contextualização no ensino de ciências .............................................. 18

    2.2 – Ensino CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) .............. 22

    2.3 – Formação continuada de professores .................................................. 37

    3 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................ 43

    3.1 – Concepções de professores sobre o ensino CTS ............................... 43

    3.2 – Produção de materiais instrucionais por professores ........................ 51

    3.3 – Análise de materiais CTS ....................................................................... 54

    4 – METODOLOGIA .............................................................................................. 64

    5 – RESULTADOS E ANÁLISES .......................................................................... 77

    5.1 – Análise das unidades didáticas ............................................................. 80

    5.1.1 – Unidade didática 1 ........................................................................... 80

    5.1.2 – Unidade didática 2 ........................................................................... 94

    5.1.3 – Unidade didática 3 ........................................................................... 105

    5.1.4 – Unidade didática 4 ........................................................................... 111

    5.1.5 – Unidade didática 5 ........................................................................... 119

    5.2 – Análise geral das unidades didáticas ................................................... 128

  • 5.3 – Análise de outras atividades realizadas pelos professores-cursistas.......................................................................................................... 130

    5.4 – Comparação entre as perspectivas de contextualização das unidades didáticas elaboradas e as ideias iniciais sobre contextualização dos professores autores dessas unidades ..................... 139

    6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 142

    7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 146

    ANEXOS ................................................................................................................ 154

  • Listas de figuras

    Figura 2.2.1 – Modelo metodológico CTS proposto por Aikenhead ......................... 23

    Figura 2.3.1 – Modelo estrutural de uma unidade didática contextualizada ............. 41

    Figura 4.1 – Esquema para relacionar conteúdos CTSA a um tema ....................... 66

  • Listas de tabelas

    Tabela 3.3.1 – Número de livros que incluem os aspectos CTS de eletrônica ...... 57

    Tabela 3.3.2 – Presença dos conteúdos CTS nos livros analisados ..................... 59

    Tabela 4.1 – Cronograma dos encontros do curso ................................................ 64

    Tabela 5.3.1 – Número de professores que indicam e a ordem de importância

    dos fatores que dificultam a contextualização do ensino ................ 137

  • Listas de quadros

    Quadro 2.2.1 – Critérios que materiais curriculares CTSA devem obedecer ........ 35

    Quadro 2.2.2 – Diferenças entre a instrução CTS e a instrução orientada por

    manuais escolares ........................................................................ 36

    Quadro 3.3.1 – Indicadores das Relações Ciência/Sociedade,

    Ciência/Tecnologia, Tecnologia/Sociedade, Tecnologia/Ciência e

    Ciência/Tecnologia/Sociedade ............................................................................... 55

    Quadro 4.1 – Unidades didáticas produzidas ........................................................ 68

    Quadro 4.2 – Perspectivas de contextualização .................................................... 69

    Quadro 4.3 – Problematização .............................................................................. 70

    Quadro 4.4 – Experimentos ................................................................................... 71

    Quadro 4.5 – Questões dos experimentos ............................................................ 71

    Quadro 4.6 – Textos .............................................................................................. 71

    Quadro 4.7 – Questões dos textos ........................................................................ 72

    Quadro 4.8 – Outras atividades ............................................................................. 72

    Quadro 4.9 – Questões das atividades .................................................................. 72

    Quadro 4.10 – Propostas de Lutfi (1992) sobre cotidiano no ensino de química .. 74

    Quadro 5.1 – Perspectivas de contextualização e aspectos pedagógicos ............ 77

    Quadro 5.1.1.1 – Síntese da unidade didática 1 .................................................... 82

    Quadro 5.1.1.2 – Conteúdos de CTSA apresentados pelos autores da unidade

    didática 1 .................................................................................... 88

    Quadro 5.1.1.3 – Conteúdos de CTSA elaborado após a leitura da unidade

    didática 1 .................................................................................... 88

    Quadro 5.1.1.4 – Contextualização CTSA e problematização na unidade

    didática 1 .................................................................................... 89

    Quadro 5.1.1.5 – Natureza, nível de relação com o tema e questões dos

    experimentos na unidade didática 1 ........................................... 89

    Quadro 5.1.1.6 – Classificação das questões apresentadas após os

    experimentos na unidade didática 1 ........................................... 89

    Quadro 5.1.1.7 – Natureza da informação, nível de relação com o tema e

    questões dos textos na unidade didática 1 ................................ 90

  • Quadro 5.1.1.8 – Descrição, nível de relação com o tema, conteúdos e questões

    de outras atividades na unidade didática 1 ................................ 91

    Quadro 5.1.1.9 – Classificação das questões após as atividades na unidade

    didática 1 .................................................................................... 92

    Quadro 5.1.1.10 – Caracterização da unidade didática 1 para conhecer sua

    perspectiva de contextualização ................................................ 93

    Quadro 5.1.2.1 – Síntese da unidade didática 2 .................................................... 95

    Quadro 5.1.2.2 – Conteúdos de CTSA apresentados pelos autores da unidade

    didática 2 .................................................................................... 98

    Quadro 5.1.2.3 – Conteúdos de CTSA elaborado após a leitura da unidade

    didática 2 .................................................................................... 99

    Quadro 5.1.2.4 – Contextualização CTSA e problematização na unidade

    didática 2 .................................................................................... 100

    Quadro 5.1.2.5 – Natureza, nível de relação com o tema e questões dos

    experimentos na unidade didática 2 ........................................... 100

    Quadro 5.1.2.6 – Classificação das questões apresentadas após os

    experimentos na unidade didática 2 ........................................... 100

    Quadro 5.1.2.7 – Natureza da informação dos textos, nível de relação com o

    tema e questões propostas na unidade didática 2 ..................... 100

    Quadro 5.1.2.8 – Classificação das questões apresentadas após os textos na

    unidade didática 2 ...................................................................... 101

    Quadro 5.1.2.9 – Outras atividades, descrição, relação com o tema,

    conteúdos e questões propostas na unidade didática 2 ............ 101

    Quadro 5.1.2.10 – Caracterização da unidade didática 2 para conhecer sua

    perspectiva de contextualização ................................................ 102

    Quadro 5.1.3.1 – Síntese da unidade didática 3 .................................................... 106

    Quadro 5.1.3.2 – Conteúdos de CTSA apresentados pelos autores da unidade

    didática 3 .................................................................................... 107

    Quadro 5.1.3.3 – Conteúdos de CTSA elaborado após a leitura da unidade

    didática 3 .................................................................................... 108

    Quadro 5.1.3.4 – Contextualização CTSA e problematização da unidade

    didática 3 .................................................................................... 108

  • Quadro 5.1.3.5 – Natureza da experimentação, nível de relação com o tema e

    questões propostas da unidade didática 3 ................................. 108

    Quadro 5.1.3.6 – Natureza da informação dos textos, nível de relação com o

    tema e questões propostas da unidade didática 3 ..................... 109

    Quadro 5.1.3.7 – Classificação das questões após o texto da unidade

    didática 3 .................................................................................... 109

    Quadro 5.1.3.8 – Outras atividades, descrição, relação com o tema, conteúdos e

    questões propostas da unidade didática 3 ................................. 109

    Quadro 5.1.3.9 – Caracterização da unidade didática 3 para conhecer sua

    perspectiva de contextualização ................................................ 110

    Quadro 5.1.4.1 – Síntese da unidade didática 4 .................................................... 112

    Quadro 5.1.4.2 – Conteúdos de CTSA apresentados pelos autores da unidade

    didática 4 .................................................................................... 114

    Quadro 5.1.4.3 – Conteúdos de CTSA elaborado após a leitura da unidade

    didática 4 .................................................................................... 115

    Quadro 5.1.4.4 – Contextualização CTSA e problematização da unidade

    didática 4 .................................................................................... 115

    Quadro 5.1.4.5 – Natureza do experimento, nível de relação com o tema e

    questões propostas da unidade didática 4 ................................. 116

    Quadro 5.1.4.6 – Classificação das questões após os experimentos da unidade

    didática 4 .................................................................................... 116

    Quadro 5.1.4.7 – Natureza da informação dos textos, nível de relação com o

    tema e questões propostas da unidade didática 4 ..................... 116

    Quadro 5.1.4.8 – Classificação das questões após os textos da unidade

    didática 4 .................................................................................... 116

    Quadro 5.1.4.9 – Outras atividades, descrição, relação com o tema,

    conteúdos e questões propostas da unidade didática 4 ............ 117

    Quadro 5.1.4.10 – Caracterização da unidade didática 4 para conhecer sua

    perspectiva de contextualização ................................................ 118

    Quadro 5.1.5.1 – Síntese da unidade didática 5 .................................................... 120

    Quadro 5.1.5.2 – Conteúdos de CTSA apresentados pelos autores da unidade

    didática 5 .................................................................................... 123

  • Quadro 5.1.5.3 – Conteúdos de CTSA elaborado após a leitura da unidade

    didática 5 .................................................................................... 124

    Quadro 5.1.5.4 – Contextualização CTSA e problematização da unidade

    didática 5 .................................................................................... 124

    Quadro 5.1.5.5 – Natureza do experimento, nível de relação com o tema e

    questões propostas da unidade didática 5 ................................. 125

    Quadro 5.1.5.6 – Classificação das questões após os experimentos da unidade

    didática 5 .................................................................................... 125

    Quadro 5.1.5.7 – Natureza da informação dos textos, nível de relação com o

    tema e questões propostas da unidade didática 5 ..................... 125

    Quadro 5.1.5.8 – Classificação das questões após os textos da unidade

    didática 5 .................................................................................... 126

    Quadro 5.1.5.9 – Outras atividades, descrição, relação com o tema,

    conteúdos e questões propostas da unidade didática 5 ............ 126

    Quadro 5.1.5.10 – Classificação das questões após as atividades da unidade

    didática 5 .................................................................................... 127

    Quadro 5.1.5.11 – Caracterização da unidade didática 5 para conhecer sua

    perspectiva de contextualização ................................................ 127

    Quadro 5.2.1 – Caracterização das unidades didáticas em relação à

    perspectiva de contextualização ................................................ 129

    Quadro 5.3.1 – Ideias iniciais dos professores sobre a contextualização ............. 130

    Quadro 5.3.2 – Aproximação das visões e práticas dos professores em

    relação às propostas de abordagem do cotidiano

    apresentadas por Lutfi ................................................................ 135

    Quadro 5.3.3 – Relação entre visões e práticas dos professores e o foco do

    ensino ......................................................................................... 136

    Quadro 5.3.4 – Relação entre ideia iniciais, visão e prática dos professores

    e o foco do ensino ...................................................................... 136

    Quadro 5.4.1 – Perspectivas de contextualização das unidades didáticas

    e as ideias iniciais sobre contextualização dos professores

    autores de cada unidade didática ............................................... 140

  • 15

    1 - INTRODUÇÃO

    No mundo atual, os cidadãos se deparam constantemente com aparatos e

    situações relacionadas à ciência e à tecnologia, perante esse fato é importante que

    as pessoas tenham conhecimentos para poderem utilizar melhor as aparelhagens

    bem como serem capazes de tomar decisões, participar de discussões e dos rumos

    que a ciência e a tecnologia deveriam tomar em benefício da sociedade.

    Diante disso, a escola tem papel fundamental no desenvolvimento do

    pensamento crítico dos estudantes, a fim de que possam não só adquirir

    conhecimentos específicos da ciência, mas também consigam relacionar esses

    conteúdos com aspectos de natureza política, econômica, social e ambiental.

    A contextualização no ensino pode possibilitar essa integração entre o

    conhecimento específico e as questões problemáticas relacionadas aos temas de

    interesse dos alunos e da sociedade. Assim, a abordagem CTSA (Ciência,

    Tecnologia, Sociedade e Ambiente) vem sendo defendida como uma forma de

    melhorar o senso crítico dos alunos, auxiliando-os a resolver problemas de caráter

    pessoal e social e possibilitando seu maior envolvimento em questões sobre ciência

    e tecnologia sob uma óptica de cunho político, econômico, social, ambiental etc.

    O ensino de Química deveria ser planejado tendo em vista a possibilidade de

    explorar conceitos químicos para que o aluno possa entender e dar sentido ao

    mundo físico, ou seja, promover a contextualização para que os conteúdos de

    química possam ter maior significação para o estudante.

    Nesse sentido, os PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

    Médio) (BRASIL, 1999b) apontam que o ensino de Química deveria seguir essas

    orientações:

    Esse aprendizado [de química] deve possibilitar ao aluno a compreensão

    tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um

    conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas

    e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas. Tal a

    importância da presença da Química em um Ensino Médio compreendido

    na perspectiva de uma Educação Básica (BRASIL, 1999b, p. 65).

    Nunca se deve perder de vista que o ensino de Química visa a contribuir

    para a formação da cidadania e, dessa forma, deve permitir o

    desenvolvimento de conhecimentos e valores que possam servir de

  • 16

    instrumentos mediadores da interação do indivíduo com o mundo.

    Consegue-se isso mais efetivamente ao se contextualizar o aprendizado, o

    que pode ser feito com exemplos mais gerais, universais, ou com exemplos

    de relevância mais local, regional (BRASIL, 1999b, p.78).

    O Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2010) também aponta a

    necessidade de se abordar os conteúdos de maneira contextualizada. Segundo os

    elaboradores:

    No Ensino Médio, o aluno deve ganhar uma compreensão dos processos

    químicos em estreita relação com suas aplicações tecnológicas, ambientais

    e sociais, de modo a poder tomar decisões de maneira responsável e crítica

    e emitir juízos de valor, em nível individual ou coletivo. Para que isso ocorra,

    a aprendizagem deve estar associada às competências do saber fazer,

    saber conhecer e saber ser em sociedade (SÃO PAULO, 2010, p. 126).

    Apresentado esse quadro, é necessário que o ensino de química tenha essa

    preocupação, mas sua implementação nem sempre é uma tarefa simples, pois há

    um grande desinteresse da maioria dos estudantes pela ciência, além da falta de

    incentivo por parte do poder público em efetivamente promover a alfabetização

    científica dos cidadãos. Um dos grandes problemas diz respeito ao trabalho docente,

    desde o desprestígio da profissão, a formação inadequada relacionada aos

    conhecimentos específicos e pedagógicos, a ênfase em um ensino memorístico, o

    distanciamento dos conteúdos ensinados com a realidade do estudante e o

    descontentamento com sua prática (CUNHA; KRASILCHIK, 2000).

    Essa formação inadequada se reflete numa prática pedagógica ineficiente

    para promover uma educação CTS (MAGALHÃES; TENREIRO-VIEIRA, 2006), pois

    a maioria dos professores apresenta um ensino focado nos conceitos de ciência e

    pouca ou nenhuma relação com aspectos da tecnologia, sociedade e ambiente.

    Alguns autores como Acevedo-Diaz (1995, 1996, 2004), Acevedo-Diaz et al.

    (2005), Aikenhead (1994), Auler (2003), Auler e Delizoicov (2001), Santos e

    Mortimer (2000), Santos e Schnetzler (1997) e Vilches et al. (2001) apontam a

    necessidade de uma alfabetização científica do cidadão e defendem que o

    movimento educativo CTS é uma das maneiras de atingir esse objetivo, pois está

    pautado na formação cidadã para uma ação social responsável, que inclui tomar

    decisões em questões relacionadas a conteúdos de ciência e tecnologia.

  • 17

    Com isso, considera-se importante a parceria entre a Universidade e a

    Escola, por meio de cursos de formação continuada para professores. Segundo

    Schnetzler (2002), essa ação será mais efetiva se o professor for participante ativo

    no processo de formação, ou seja, ele precisa refletir sobre propostas inovadoras de

    ensino e os pesquisadores necessitam ouvir e dar voz ao professor para conhecer o

    que ele pensa sobre sua prática pedagógica.

    Assim, a construção de materiais didáticos produzidos por professores para

    suas próprias aulas pode ser um valioso instrumento para atingir tais objetivos, uma

    vez que ele conhece sua realidade escolar, as potencialidades dos alunos e as

    temáticas de interesse dessa comunidade.

    O objetivo deste trabalho foi o de analisar as produções de unidades

    temáticas com enfoque CTSA de professores de Química do ensino médio na

    perspectiva da contextualização do conhecimento de Química e da Proposta

    Curricular do Estado de São Paulo. Essas produções foram elaboradas em um curso

    de formação continuada oferecido a professores de Química da rede pública de

    ensino do Estado de São Paulo, abrangendo a maioria das Diretorias de Ensino da

    Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

    Essas análises foram realizadas a fim de buscar respostas para as seguintes

    questões de pesquisa:

    Que concepções de ensino contextualizado os professores apresentam ao

    construírem suas unidades didáticas?

    Essas concepções refletem as ideias sobre contextualização manifestadas no

    início do curso e como elas se manifestam nas unidades produzidas

    coletivamente?

    As unidades produzidas podem desenvolver o senso crítico dos alunos e

    auxiliar na alfabetização científica dos estudantes?

    Nossa hipótese é a de que os professores, de maneira geral, apresentam

    uma visão simplista sobre a contextualização no ensino, mas, tendo oportunidades

    de aprofundar conhecimentos e refletir sobre o assunto, podem mudar suas

    perspectivas de maneira a possibilitar a elaboração de materiais que superem o

    ensino de química essencialmente conceitual e que envolvam competências, além

    do domínio do conteúdo, adequadas à alfabetização científica de seus alunos.

  • 18

    2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

    2.1 – Contextualização no ensino de ciências

    A contextualização social dos conhecimentos científicos tem sido defendida

    por educadores, pesquisadores e grupos ligados ao ensino como uma abordagem

    que pode proporcionar aos estudantes uma educação para a cidadania,

    possibilitando também uma aprendizagem significativa de conteúdos científicos. Sob

    essa perspectiva, a contextualização pode se apresentar como um recurso

    pedagógico ou como um princípio norteador do ensino, buscando relacionar o

    cotidiano dos alunos com os conceitos científicos que se quer ensinar.

    Em 1988, a Proposta Curricular para o Ensino de Química da Secretaria de

    Estado da Educação, elaborada pela Coordenadoria de Estudos e Normas

    Pedagógicas (CENP) já atribuía um grau de importância acentuado para a

    contextualização do cotidiano no ensino de conceitos em química:

    (...) o ensino de Química não se resuma em uma simples transmissão de

    conteúdos, mas na aquisição, por parte do aluno, de conteúdos

    contextualizados, isto é, que tenham significação humana e social, propõe-

    se então, que se tome como ponto de partida no ato de partida situações de

    interesse imediato do aluno, o que ele vive, conhece ou sofre influências e

    que se atinjam os conhecimentos químicos historicamente elaborados, de

    modo que lhe permitam analisar criticamente a aplicação destes na

    sociedade (SÃO PAULO, 1988, p. 17-18).

    Outro documento oficial, os PCNEM (BRASIL, 1999a) apontam também a

    necessidade da contextualização no ensino:

    O tratamento contextualizado do conhecimento é o recurso que a escola

    tem para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Se bem

    trabalhado permite que, ao longo da transposição didática, o conteúdo do

    ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e

    estabeleçam entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de

    reciprocidade. A contextualização evoca por isso áreas, âmbitos ou

    dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza

    competências cognitivas já adquiridas. As dimensões de vida ou contextos

    valorizados explicitamente pela LDB são o trabalho e a cidadania (BRASIL,

    1999a, p. 138).

  • 19

    Mais recentemente, o Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2010)

    também enfoca a abordagem de conteúdos contextualizados:

    (...) o ensino de Química deve ocorrer de forma que o aluno possa

    compreender a ciência e a tecnologia como partes integrantes da cultura

    humana contemporânea; reconhecer e avaliar o desenvolvimento da

    Química e suas relações com as ciências, seu papel na vida humana, sua

    presença no mundo cotidiano e seus impactos na vida social; reconhecer e

    avaliar o caráter ético do conhecimento científico e tecnológico; e utilizar

    esses conhecimentos no exercício da cidadania (SÃO PAULO, 2010, p.

    129).

    No entanto, há algumas críticas à ideia de contextualização apresentada nos

    PCNEM. Lopes (2002) indica que o discurso dos PCNEM apresenta ambiguidades

    para tentar atender a diferentes grupos sociais, tanto aqueles que o elaboraram

    quanto para aqueles que tencionam implementá-lo ou analisá-lo, pois o conceito de

    contextualização foi desenvolvido “por apropriação de múltiplos discursos

    curriculares, nacionais e internacionais, oriundos de contextos acadêmicos, oficiais e

    das agências multilaterais” (LOPES, 2002, p. 390). Ela também afirma que,

    (...) pela análise do conceito de contextualização, a educação para a vida

    nos PCNEM associa-se a princípios dos eficientistas: a vida assume uma

    dimensão especialmente produtiva do ponto de vista econômico, em

    detrimento de sua dimensão cultural mais ampla (LOPES, 2002, p. 390).

    Apesar de algumas críticas em relação aos PCNEM, não se pode negar a

    grande contribuição desses documentos para a discussão acerca da

    contextualização, principalmente no ensino de Ciências, pois propõe a aproximação

    dos conteúdos científicos ao cotidiano do estudante, buscando relacionar esses

    conteúdos ao mundo que vive. Com isso, são propostos que os conteúdos

    escolares, muitas vezes muito formais e distantes, passem a ter mais significado

    para os estudantes por estarem relacionados a contextos vivenciados e observados

    no dia a dia.

    Em um trabalho mais conceitual, Gonzales (2004) apresenta três dimensões

    para a contextualização: a histórica, que busca mostrar como e porquê surgem as

    ideias e teorias científicas; a metodológica, no qual os conteúdos científicos não

    devem ser encarados com fim em si mesmos, mas que sofreram influências de

    outras áreas do conhecimento humano; a sócio-ambiental, que procura ver a

    utilidade da ciência e como utilizá-la para interagir com o mundo.

  • 20

    Lutfi (1992) apresenta, a partir da ideia de cotidiano, cinco interpretações de

    contextualização no ensino de Química:

    como motivadora – busca-se trabalhar com notícias, curiosidades

    apresentadas pelos alunos;

    para exemplificação – no qual o professor apresenta ilustrações ou exemplos

    relacionados ao conteúdo tratado;

    como introdução de um tópico a ser estudado – o autor indica que tem a

    função de “dourar a pílula” para ser melhor “engolido” pelos alunos;

    como projeto – reflexo de projetos americanos da década de 70 relacionados

    a questões ambientais, o autor aponta que neste tipo de trabalho há um bom

    desenvolvimento de conteúdos, mas não há menção de questões políticas,

    econômicas e sociais relativos aos temas dos projetos;

    como proposta para ensinar química – para o autor o conteúdo químico não

    está meramente relacionado a problemas sociais, mas deveria ser um

    instrumento para que o aluno pudesse entender e modificar o meio social em

    que vive.

    Ricardo (2010) apresenta três enfoques para o ensino de física

    contextualizado: motivador da aprendizagem; perspectiva sócio-histórica; e

    transformação sofrida do conteúdo científico para chegar à sala de aula, num

    processo de didatização. Ele afirma também que os professores aprendem a

    estrutura formal da física, mas sentem dificuldades em relacioná-las com a realidade

    devido à formação inicial voltada a resolução de problemas e exercícios, sem

    discussões conceituais e metodológicas.

    Santos e Mortimer (1999) investigaram as concepções que apresentava um

    grupo de professores de química e identificaram três diferentes entendimentos:

    contextualização como estratégia para facilitar a aprendizagem, contextualização

    como descrição científica de fatos e processos do cotidiano e contextualização como

    desenvolvimento de atitudes e valores para formar um cidadão crítico.

    Silva (2007), em um trabalho realizado com professores de química do Ensino

    Médio, propõe quatro categorias para o entendimento de ensino de Química

    contextualizado:

  • 21

    Aplicação do conhecimento químico – contextualização como apresentação

    de ilustrações e exemplos de fatos do cotidiano ou aspectos tecnológicos

    relacionados ao conteúdo químico tratado.

    Descrição científica de fatos e processos – os conteúdos servem para explicar

    fatos do cotidiano e tecnologias, podendo estabelecer ou não relação com

    questões sociais.

    Compreensão da realidade social – contextualização como princípio norteador

    de ensino de Química, o conhecimento químico é utilizado como ferramenta

    para enfrentar situações problemáticas, visando o desenvolvimento de

    competências de análise e julgamento.

    Transformação da realidade social – discussão de situações problemas de

    forte teor social, buscando o posicionamento e intervenção social do aluno na

    realidade social problematizada.

    O ensino na perspectiva da contextualização nas duas últimas vertentes

    apresentadas por Silva (2007) tem objetivos diferentes do dito ensino tradicional,

    tanto em termos dos conteúdos abordados, quanto das estratégias de ensino e do

    papel do aluno no processo de aprendizagem, pois a ênfase do estudo se encontra

    no contexto e não nos conteúdos científicos. Portanto, os conceitos científicos são

    apresentados quando há a necessidade de se compreender o contexto de estudo ou

    situação-problema, não havendo portanto uma sequência de conteúdos a serem

    abordados conforme surge em muitos livros didáticos considerados tradicionais.

    Auler (2003), ampliando o debate, defende a contextualização numa

    perspectiva conhecida como alfabetização científica e tecnológica (ACT), em que se

    pretende aproximar o movimento CTS da educação escolar. Segundo o autor, a

    contextualização no ensino deve buscar o estudo de temas socialmente relevantes,

    permitindo ao aluno a compreensão de uma problemática social apoiada em

    conhecimentos científicos.

    O GEPEQ-IQUSP (Grupo de Pesquisa em Educação Química do Instituto de

    Química da Universidade de São Paulo) tem defendido a ideia de contextualização

    no ensino de química considerando uma abordagem numa perspectiva que

    considera o conhecimento da realidade por parte do estudante e a possibilidade de

    julgamento e de intervenção nessa realidade (MARCONDES et al., 2007). Tal ideia

    pode ficar mais explícita no exemplo que se segue:

  • 22

    Dessa maneira, o tema “combustíveis” seria tratado não apenas no que se

    refere a aspectos químicos – como, por exemplo, reações de combustão,

    propriedades das substâncias chamadas de combustíveis, suas estruturas

    etc. – mas também do ponto de vista social, como, por exemplo, abordando-

    se aspectos da política energética, das implicações sociais, tecnológicas e

    ambientais da produção de combustíveis a partir da biomassa etc.,

    convidando o aluno para elaborar seu próprio ponto de vista a respeito

    dessa problemática e poder tomar alguma decisão, individualmente ou em

    grupo (MARCONDES et al., 2007, p. 15).

    Silva (2007) defende a contextualização como:

    No nosso entender, a contextualização no ensino de Ciências que privilegia

    o estudo de contextos sociais com aspectos políticos, econômicos e

    ambientais, fundamentado em conhecimentos das ciências e tecnologia, é

    fundamental para desenvolver um ensino que venha a contribuir para a

    formação de um aluno crítico, atuante e sempre que possível transformador

    de sua realidade desfavorável (SILVA, 2007, p. 32).

    Assim para Silva (2007) e para nós do GEPEQ (MARCONDES et al., 2007), o

    ensino de Química apresentado de maneira socialmente contextualizada deve

    possibilitar a formação de estudantes críticos, responsáveis e atuantes, capazes de

    exercerem sua cidadania de maneira plena.

    Assim, essas ideias sobre contextualização servem de apoio ao trabalho

    desenvolvido nessa dissertação, que buscou analisar as ideias iniciais apresentadas

    por professores do Ensino Médio sobre o significado de contextualizar o ensino de

    química e como se manifesta a contextualização em materiais didáticos elaborados

    por eles.

    2.2 – Ensino CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente)

    O ensino de conceitos relacionados a questões sociais diz respeito às ideias

    do movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) relacionadas à educação,

    principalmente com a intenção de desenvolver nos estudantes atitudes e valores

    cidadãos (AIKENHEAD; RYAN, 1992; AIKENHEAD, 1994; ACEVEDO-DIAZ, 1995,

    1996; ACEVEDO-DIAZ et al., 2005; AULER, 2003; AULER; DELIZOICOV, 2001,

    SANTOS; SCHNETZLER, 1997; VILCHES et al., 2001).

  • 23

    Três diferentes entendimentos da temática CTS na escola são apontados por

    Acevedo-Diaz (1996):

    incrementar a compreensão dos conhecimentos científicos e tecnológicos e

    suas relações e diferenças para atrair os alunos para esse estudo;

    potencializar os valores próprios da ciência e tecnologia e sua influência na

    sociedade, procurando aspectos éticos de uso responsável;

    desenvolver capacidades nos estudantes a fim de que compreendam os

    impactos sociais da ciência e tecnologia para sua maior participação como

    cidadão.

    O autor defende esse último entendimento. Segundo ele, essa perspectiva

    proporcionaria ao aluno conhecimentos sobre a ciência mais significativos.

    Ainda, em relação ao ensino de Ciências com enfoque CTS, o modelo

    metodológico de Aikenhead (1994) apresenta como o contexto, ao ser adotado

    como objeto de estudo, deveria produzir questionamentos que envolvessem

    conhecimentos relacionados às três áreas (figura 2.2.1) – Ciência, Tecnologia e

    Sociedade.

    Figura 2.2.1 – Modelo metodológico CTS proposto por Aikenhead (1994, tradução nossa).

    A partir desse modelo, um problema ou objeto de estudo inicia-se por uma

    questão de interesse social relacionada a conhecimentos científicos e tecnológicos.

    Nesse enfoque, os conteúdos de ciências são apresentados para entender o tema e

    a tecnologia envolvida e após essa compreensão retorna-se aos aspectos

  • 24

    tecnológicos e sociais embasados em conhecimentos científicos. Dessa maneira, o

    autor aponta que o aprendiz poderia ser capaz de tomar decisões sobre a questão

    social abordada. Nesse tipo de abordagem, a contextualização deixa de ser uma

    mera exemplificação do cotidiano e torna-se o princípio que norteará o estudo.

    Como menciona Acevedo-Diaz (1996), o ensino deve estar focado em

    problemas sócio-científicos para que os alunos busquem soluções, e assim,

    aprendam a argumentar, defender pontos de vista, formular questões.

    O interesse pelo ensino CTSA motivou muitos trabalhos de pesquisa como os

    de Linsingen (2007) e Santos e Mortimer (2000).

    Linsingen (2007, p. 10), ao descrever as perspectivas do ensino CTS na

    América Latina nos diversos níveis de ensino (fundamental, médio e universitário) e

    as transformações pedagógicas provenientes dos entendimentos das relações CTS,

    afirma que a consolidação de uma educação tecnológica com abordagem CTS pode

    ser favorecida através de duas ações concatenadas: “a assunção curricular da

    interdisciplinaridade como necessidade para o tratamento pedagógico dos assuntos

    científicos, tecnológicos, sociais e ambientais, e o tratamento transversal da temática

    CTS na abordagem disciplinar das áreas técnicas, considerando suas relações

    sociotécnicas”. Para ele, educar numa perspectiva CTSA é favorecer o ensino de e

    sobre ciência e tecnologia visando à formação de pessoas conscientes de seus

    papéis como participantes ativos de tomadas de decisões em assuntos relacionados

    à ciência e à tecnologia, ou seja, participem das transformações na sociedade em

    que vivem apostando no fortalecimento e ampliação da participação democrática.

    Com isso ele aponta que a educação em ciências e tecnologia

    (...) assume um papel diferente do tradicional, estando muito mais

    comprometida com uma formação não para a ciência como coisa em si

    mesma, neutra e independente, mas como uma atividade social, com

    origem e fim social e por coerência, também política, econômica e

    culturalmente comprometida e referenciada. Do mesmo modo, também não

    deverá contemplar a concepção hegemônica de tecnologia, ambientada

    para a reprodução do sistema dominante, mas para o atendimento de

    interesses acordados por um número cada vez mais significativo de atores

    sociais (LINSINGEN, 2007, p. 17).

    Santos e Mortimer (2000) realizaram um estudo sobre os pressupostos

    teóricos da abordagem CTS na educação brasileira. Os autores justificam a

    necessidade desse estudo devido à influência da ciência e da tecnologia na vida do

  • 25

    ser humano moderno. Essa vivência provocou um sentimento de fé no progresso

    devido à ciência, gerando o cientificismo. Esse cientificismo, ao valorizar

    demasiadamente a ciência, cria ao menos dois mitos: o da salvação da humanidade,

    acreditando que todos os problemas humanos podem ser resolvidos por meio da

    ciência; e o da neutralidade, que leva a crer que o conhecimento científico não é

    influenciado por questões políticas, econômicas, éticas e sociais. Eles criticam essas

    ideias apoiados em estudos da filosofia e da sociologia da ciência, pois esses

    estudos apresentam a ineficácia da ciência em solucionar grandes problemas éticos

    e sócio-políticos da humanidade e a inexistência da neutralidade científica.

    Devido a essa impregnação da ciência e da tecnologia no mundo atual, os

    autores consideram necessária a alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos,

    não para mostrar maravilhas científicas e tecnológicas, mas para propiciar “ao

    cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no discurso dos

    especialistas” (FOUREZ1, 1995 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 3). Com isso,

    defendem a elaboração de currículos com ênfase em CTS.

    Vários currículos com enfoque CTSA têm sido propostos, conforme apontam

    Santos e Mortimer (2000).

    Roberts2 (1991 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p.3) entende esse

    currículo como aquele que trata “das inter-relações entre explicação científica,

    planejamento tecnológico e solução de problemas, e tomada de decisão sobre

    temas práticos de importância social” e que apresenta as seguintes concepções:

    (i) ciência como atividade humana que tenta controlar o ambiente e a nós

    mesmos, e que é intimamente relacionada à tecnologia e às questões

    sociais; (ii) sociedade que busca desenvolver, no público em geral e

    também nos cientistas, uma visão operacional sofisticada de como são

    tomadas decisões sobre problemas sociais relacionados à ciência e

    tecnologia; (iii) aluno como alguém que seja preparado para tomar decisões

    inteligentes e que compreenda a base científica da tecnologia e a base

    prática das decisões; e (iv) professor como aquele que desenvolve o

    conhecimento de e o comprometimento com as inter-relações complexas

    entre ciência, tecnologia e decisões (SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 3).

    1 FOUREZ, Gerard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. 2 ROBERTS, Douglas A. What counts as science education? In: FENSHAM, P. J. (Ed.). Development and dilemmas in science education. Barcombe: The Falmer Press, 1991, p.27-55.

  • 26

    Para Bybee3 (1987 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 3), esse currículo

    deve contemplar:

    (i) a apresentação de conhecimentos e habilidades científicos e

    tecnológicos em um contexto pessoal e social; (ii) a inclusão de

    conhecimentos e habilidades tecnológicos; (iii) a ampliação dos processos

    de investigação de modo a incluir a tomada de decisão e (iv) a

    implementação de projetos de CTS no sistema escolar (SANTOS;

    MORTIMER, 2000, p. 3).

    Hofstein, Aikenhead e Riquarts4 (1988 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p.

    4) propõem o ensino de conteúdos de ciências em um contexto tecnológico e social

    em que os “estudantes integram o conhecimento científico com a tecnologia e o

    mundo social de suas experiências do dia a dia”.

    López e Cerezo5 (1996 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 4) entendem o

    currículo CTS como “uma integração entre educação científica, tecnológica e social,

    em que os conteúdos científicos e tecnológicos são estudados juntamente com a

    discussão de seus aspectos históricos, éticos, políticos e sócio-econômicos”.

    Santos e Mortimer (2000) discutem, ainda, as visões sobre ciência,

    tecnologia, sociedade e suas inter-relações que consideram apropriadas em

    currículos CTS.

    Os autores defendem que os conteúdos de ciências deveriam incluir aspectos

    políticos relacionados a questões sociais externas da comunidade científica e

    aspectos da ciência relacionados a questões internas da comunidade científica

    como sua epistemologia e filosofia, como apresentados por Rosenthal6 (1989 apud

    SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 7). Os currículos de orientação CTS deveriam,

    segundo essa autora, apresentar questões de várias naturezas, resumidas a seguir.

    “natureza filosófica – que incluiria, entre outros, aspectos éticos do trabalho

    científico, o impacto das descobertas científicas sobre a sociedade e a

    responsabilidade social dos cientistas no exercício de suas atividades;

    3 BYBEE, Rodger W. Science education and the science-technology-society (STS) theme. Science Education, v. 71, n. 5, 1987, p.667-683. 4 HOFSTEIN, Avi; AIKENHEAD, Glen; RIQUARTS, Kurt. Discussions over STS at the fourth IOSTE symposium. International Journal of Science Education, v. 10, n. 4, 1988, p.357-366. 5 LÓPEZ, José L. Luján; CEREZO, José A. López. Educación CTS en acción: enseñanza secundaria y universidad. In: GARCÍA, Marta I. González; CEREZO, José A. López; LÓPEZ, José L. Luján. Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la tecnología. Madrid: Editorial Tecnos, 1996. 6 ROSENTHAL, Dorothy B. Two approaches to science – technology – society (STS) education. Science Education, v. 73, n. 5, 1989, p.581-589.

  • 27

    natureza sociológica – que incluiria a discussão sobre as influências da

    ciência e tecnologia sobre a sociedade e dessa última sobre o progresso

    científico e tecnológico; e as limitações e possibilidades de se usar a ciência

    e a tecnologia para resolver problemas sociais;

    natureza histórica – que incluiria discutir a influência da atividade científica e

    tecnológica na história da humanidade, bem como os efeitos de eventos

    históricos no crescimento da ciência e da tecnologia;

    natureza política – que passa pelas interações entre a ciência e a tecnologia e

    os sistemas público, de governo e legal; a tomada de decisão sobre ciência e

    tecnologia; o uso político da ciência e tecnologia; ciência, tecnologia, defesa

    nacional e políticas globais;

    natureza econômica – com foco nas interações entre condições econômicas e

    a ciência e a tecnologia, contribuições dessas atividades para o

    desenvolvimento econômico e industrial, tecnologia e indústria, consumismo,

    emprego em ciência e tecnologia, e

    natureza humanística – aspectos estéticos, criativos e culturais da atividade

    científica, os efeitos do desenvolvimento científico sobre a literatura e as

    artes, e a influência da humanidades na ciência e tecnologia.”

    Essas questões são importantes na formação de uma cidadania informada e

    participativa. Entretanto, no desenvolvimento curricular devem ser escolhidos focos

    mais pertinentes ao tema tratado, de maneira que no processo educacional possam

    ser abordados todos eles.

    Em relação à tecnologia, Santos e Mortimer (2000) apresentam as ideias de

    Pacey7 (1990 apud SANTOS; MORTIMER, 2000, p. 9) o qual identifica as seguintes

    práticas tecnológicas principais:

    “aspecto técnico: conhecimentos, habilidades e técnicas; instrumentos,

    ferramentas e máquinas; recursos humanos e materiais; matérias primas,

    produtos obtidos, dejetos e resíduos;

    aspecto organizacional: atividade econômica e industrial; atividade

    profissional dos engenheiros, técnicos e operários da produção; usuários e

    consumidores; sindicatos;

    7 PACEY, Arnold. La cultura de la tecnología. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1990.

  • 28

    aspecto cultural: objetivos, sistema de valores e códigos éticos, crenças sobre

    o progresso, consciência e criatividade”.

    Assim, a educação tecnológica é mais do que fornecer explicações sobre o

    funcionamento de artefatos tecnológicos, pois não é só preparar o cidadão a utilizar

    tais equipamentos, mas é também discutir a finalidade de construção desses

    aparatos na busca por consumir sem qualquer reflexão dos interesses econômicos

    envolvidos, ou seja, sem refletir no significado de um desenvolvimento sustentável

    (SANTOS; MORTIMER, 2000). Embora, concordemos com essas ideias, em nosso

    trabalho consideramos que já se configuraria uma abordagem de tecnologia nas

    unidades didáticas produzidas pelos professores, o tratamento de aspectos técnicos,

    independente dos outros.

    Quanto à sociedade, os currículos com orientação CTS abordam, em geral,

    temas científicos ou tecnológicos considerados socialmente problemáticos,

    envolvendo, assim, a abordagem de diferentes crenças e valores. Santos e Mortimer

    (2000) sugerem os critérios apontados por Ramsey8 (1993 apud SANTOS;

    MORTIMER, 2000, p. 10), para a identificação de um tema: “(1) se é, de fato, um

    problema de natureza controvertida, ou seja, se existem opiniões diferentes a seu

    respeito; (2) se o tema tem significado social e (3) se o tema, em alguma dimensão,

    é relativo à ciência e à tecnologia”.

    Em relação às interações ciência, tecnologia e sociedade, Santos e Mortimer

    (2000) apontam que nos currículos CTS são evidenciados a influência dos contextos

    social, cultural e ambiental relacionados à ciência e à tecnologia e vice-versa, bem

    como esses efeitos podem variar com o tempo e com o local de estudo. Não tratar

    de contextos sociais pode levar o estudante a crer que os conhecimentos científicos

    e tecnológicos servem para o bem da humanidade sem pensar nos interesses

    econômicos dos que querem manter o status quo.

    Santos e Mortimer (200, p. 17-18) concluem que “discutir modelos de

    currículos de CTS significa, portanto, discutir concepções de cidadania, modelo de

    sociedade, de desenvolvimento tecnológico, sempre tendo em vista a situação

    sócio-econômica e os aspectos culturais do nosso país” e que adotar propostas CTS

    não significa inserir em currículos tradicionais imagens do cotidiano. Além disso, eles

    afirmam que é preciso acompanhar o processo de implementação, principalmente

    8 RAMSEY, John. The science education reform movement: implications for social responsibility. Science Education, v. 77, n. 2, 1993, p. 235-258.

  • 29

    no que se refere à formação dos professores, ou seja, “sem contextualizar a

    situação atual do sistema educacional brasileiro, das condições de trabalho e de

    formação do professor, dificilmente poderemos contextualizar os conteúdos

    científicos na perspectiva de formação da cidadania”.

    Pedretti e Nazir (2011) apontam que embora a educação em ciência,

    tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) tenha surgido há 40 anos como um campo

    de investigação e prática educativa, ainda, existe muita confusão em torno dessa

    temática, pois há discursos, práticas, abordagens, programas e metodologias

    distintas sobre educação CTSA.

    Assim as autoras fizeram um mapeamento dos tipos de propostas CTSA

    apresentados nos últimos 40 anos, procurando mostrar um panorama que servisse

    para guiar educadores em suas análises de discursos e práticas CTSA. As

    propostas foram agrupadas em seis correntes: Aplicação/Projeto, Histórica,

    Raciocínio Lógico, Centrado em Valores, Sócio-cultural, Sócio-Ecojustiça. A seguir

    são apresentados o foco de cada corrente e vantagens e desvantagens de sua

    utilização:

    Aplicação/Projeto – Foco: resolver problemas através da concepção de uma

    nova tecnologia ou modificando uma existente, com ênfase na pesquisa e

    desenvolvimento de habilidades. Vantagens: familiaridade do professor com

    as atividades necessárias a sua aplicação, motivação para o aluno em

    produzir artefatos, relacionar a ciência e tecnologia com a realidade do

    estudante. Desvantagens: reforçar a noção dos alunos de que a tecnologia é

    necessária para a sociedade e pode solucionar muitos problemas sociais;

    reforçar a noção dos alunos de que a ciência e seus produtos estão isentos

    de valores.

    Histórica – Foco: compreender a inserção histórica, social e cultural das ideias

    científicas e do trabalho dos cientistas. Vantagens: possibilitar que o aluno

    compreenda que a ciência e a tecnologia são atividades do ser humano e que

    se desenvolvem em função de demandas sociais. Desvantagens: as

    atividades utilizadas para essa corrente, geralmente, apresenta a história de

    sucesso ou de heróis e não a dos fracassos, além de poderem ser baseadas

    em relatos históricos questionáveis, portanto o professor necessita de acesso

    a fatos históricos precisos e de alta qualidade para não reforçar estereótipos e

    mitos da ciência.

  • 30

    Raciocínio Lógico – Foco: compreender questões e tomar decisões sobre

    questões sociocientíficas por meio da análise de evidências empíricas.

    Vantagens: poder ser utilizado como organizador para o currículo de ciências,

    proporcionar o desenvolvimento de competências do estudante por motivá-lo

    a realizar uma ou mais tarefas cognitivas complexas para solucionar uma

    questão proposta. Desvantagens: não considerar fatores não-lógicos, como

    sentimentos, valores, espiritualidade, normas culturais e políticas, como

    sendo importantes para a solução de questões sociocientíficas; supor que

    compreender melhor a ciência envolvida nessas questões melhora a

    habilidade de tomada de decisão das pessoas, fato este não corroborado

    pelas pesquisas em educação, pois estudos mostram que outros fatores

    desempenham um papel mais importante do que o conhecimento científico na

    tomada de decisões; não considerar as necessidades emocionais, estéticas e

    culturais dos alunos e com isso, ao invés de promover uma visão mais

    humanista da ciência, atividades mal elaboradas podem apresentar pontos de

    vista frio, linear e mecanicista da ciência, desvalorizando sentimentos, moral e

    formas alternativas de conhecimento e excluindo determinados grupos de

    alunos.

    Centrado em Valores – Foco: compreender questões e tomar decisões sobre

    questões sociocientíficas por meio de uma análise dos aspectos éticos e

    morais. Vantagens: estimular o desenvolvimento cognitivo e moral; humanizar

    a ciência, levando em consideração aspectos intrínsecos humanos como

    valores e sentimentos; promover a cidadania e responsabilidade civil.

    Desvantagens: falta de consenso sobre valores universais e para o professor

    não haverá escolhas fáceis na busca e resolução de problemas

    sociocientíficos, pois é preciso considerar cuidadosamente o contexto

    sociocultural em que cada um está inserido.

    Sócio-cultural – Foco: compreender a ciência e a tecnologia como parte de

    um contexto sociocultural. Vantagem: tornar a ciência [ocidental, mecanicista,

    materialista, reducionista, masculina, competitiva, exploradora e violenta

    conforme definido por Aikenhead9 (1997 apud PEDRETTI; NAZIR, 2011, p.

    615)] mais acessível a uma população maior de alunos. Desvantagens:

    9 AIKENHEAD, Glen S. Toward a first nations cross-cultural science and technology curriculum. Science Education, 81(2), 1997, p. 217-238.

  • 31

    combinar ciência com outras formas de conhecimento é muito problemático,

    pois para alguns estudiosos, a ciência e o conhecimento permanecem

    filosoficamente alternativos e opostos entre si e não se combinam para formar

    um programa coerente de ensino de ciências; apresentar diversas

    abordagens socioculturais pode se tornar uma atividade superficial, pois pode

    se caracterizar como uma mistura de atividades que não promovem um

    diálogo efetivo sobre as diferenças entre as formas de conhecimento e nem

    como os estudantes podem negociar seus significados sem perder suas

    identidades socioculturais.

    Sócio-Ecojustiça – Foco: criticar e resolver problemas sociais e ecológicos por

    meio da ação humana. Vantagens: motivar os alunos a aprender ciências,

    demonstrando a importância do tema para o bem-estar da sociedade;

    promover a inclusão de alunos que se sentiam marginalizados nas aulas de

    ciências ao buscar atividades e temas de interesse que envolvam os alunos

    de maneira criativa e cognitiva. Desvantagens: promover e privilegiar uma

    filosofia ocidental baseada em direitos democráticos; professores sentem-se

    desconfortáveis em provocar ações explícitas em seus alunos, pois se

    preocupam com implicações éticas, sua própria competência e

    consequencias para os envolvidos decorrentes das ações realizadas.

    Embora tenham apresentado essas seis correntes, as autoras consideram

    que não são únicas e nem hierárquicas e que não capturaram toda a riqueza do

    movimento educativo CTSA. A ideia foi a de disponibilizar uma ferramenta para que

    os educadores possam compreender e balizar escolhas e práticas no complexo

    campo da educação CTSA.

    Os trabalhos de pesquisa relatados até o momento trazem algumas reflexões

    importantes para a implementação de um ensino CTS tais como a formação de

    professores, a educação cidadã, tomadas de decisões e materiais instrucionais. A

    seguir serão apresentados alguns estudos relativos a essas questões.

    Trivelato (1999) afirma que foi delegado ao ensino de ciências o papel de

    (...) desenvolver a racionalidade e de capacitar os futuros cidadãos a terem

    uma participação ativa e significativa no processo democrático de tomada

    de decisão; para isso, todos os cidadãos deverão compreender as

    interações entre ciência, tecnologia e sociedade, bem como ter habilidade

  • 32

    para avaliar inteligentemente as atividades tecnológicas e científicas no

    contexto moderno (TRIVELATO, 1999, p. 204).

    Portanto, essa demanda passa a ser enfrentada pelos professores que

    reconhecem a importância de abordar conteúdos de ciência e tecnologia com seus

    alunos para que possam participar da vida social e política do país, mas se sentem

    despreparados para aplicar conteúdos CTSA em sala de aula e dificilmente o fazem

    e nas raras vezes que realizam não esperam o envolvimento dos alunos em

    discussões e posicionamentos de pontos de vista diferentes e limita-se a tratar

    somente dos aspectos conceituais e técnicos dos temas abordados. As dificuldades

    apontadas pelos professores estão relacionadas ao fato de: pautarem sua prática

    em estruturas curriculares tradicionais devido aos materiais didáticos ao qual tem

    acesso, aos exames externos, às orientações institucionais etc.; não conseguirem

    lidar com atividades que demandam maior participação dos estudantes, gerando

    ambientes considerados “indisciplinados”; promover a motivação e participação dos

    alunos em discussões e debates, ou seja, provocar mudanças de atitude quanto à

    passividade e resistência desses alunos em discutir temas CTS; não delegar aos

    alunos parte da responsabilidade no processo de aprendizagem.

    Assim, Trivelato (1999) apresenta algumas sugestões para a formação inicial

    ou continuada de professores a fim de que possam incluir questões CTS em seus

    currículos escolares. Ela aponta que os professores precisam: ter o domínio dos

    conteúdos da disciplina a ser ensinada; encarar o desafio de avaliar sua prática e

    buscar melhorias ou mudanças em seu trabalho docente; rever suas concepções de

    ensino-aprendizagem, tendo como pano de fundo o que se busca na formação dos

    alunos; confrontar as críticas feitas ao ensino tradicional com suas práticas

    educacionais; preparar, selecionar e conduzir atividades que contemplem as

    relações CTS; assumir a preparação para a cidadania, o que implica em considerar

    uma escola comprometida com o futuro do estudante e um julgamento de valor do

    que é cidadania. A autora lembra que esse julgamento não é comum a todos os

    professores e escolas, por isso não há consenso do que significa desenvolver a

    cidadania. Caso esse entendimento esteja relacionado à democracia, é preciso

    também preparar os alunos a tomarem decisões sobre os temas ou questões CTS

    abordadas. Portanto, cursos de formação deveriam possibilitar a discussão e

    reflexão dessas necessidades ou parte delas para que os professores possam

    implementar o ensino CTS em suas aulas.

  • 33

    Acevedo-Diaz (2004) aponta que, ao se questionar a finalidade do ensino de

    ciências, encontram-se geralmente respostas que tem caráter: prático – para utilizar

    na vida cotidiana, democrático – para formar cidadãos responsáveis que possam

    tomar decisões sobre questões relacionadas à ciência e à tecnologia, utilitarista –

    para desenvolver habilidades gerais importantes para o mundo do trabalho (trabalho

    em equipe, iniciativa, criatividade, comunicação etc.) e propedêutico – para

    prosseguir em estudos científicos.

    Para o autor, uma alfabetização científica para a cidadania não é incompatível

    com uma formação científica, pois argumenta que os cientistas também são

    cidadãos e precisam tomar decisões em questões relacionadas a conteúdos de

    ciência e tecnologia. Assim, ele apresenta um esquema teórico no qual “a

    alfabetização científica e tecnológica são tratadas como um continuo de

    conhecimentos e práticas sobre o mundo natural e artificial, com diferentes graus e

    níveis de instrução respeitando a idade da pessoa, os temas abordados e os

    contextos culturais e sociais” (ACEVEDO-DIAZ, 2004, p. 10, tradução nossa). Tal

    alfabetização científica deve crescer ao longo de toda a vida de uma pessoa e a

    escola não é o único lugar para adquirí-la, pois a educação não-formal, os meios de

    comunicação, museus etc. podem também contribuir nesse processo. Segundo o

    autor, o ensino de ciências deve ser pautado no movimento educativo CTS por ser

    um marco de referência mais sólido para se atingir esses objetivos educacionais.

    Para ele, as orientações CTS atingem as finalidades mais amplas do ensino de

    ciências e levam em conta as experiências e interesses pessoais e sociais dos

    estudantes, promovendo sua alfabetização científica conforme solicitam algumas

    recomendações internacionais recentes para a educação científica.

    Santos (2001), em seu livro, busca discutir a preparação para a cidadania que

    a educação em ciências com enfoque CTSA pode proporcionar, assim um dos focos

    dessa discussão encontra-se em reconhecer que recursos materiais como os

    manuais escolares ou livros didáticos estão distantes de atingir tais objetivos. Ou

    seja, por meio do uso desses materiais é difícil uma educação sobre ciência numa

    perspectiva CTS e também uma educação do cidadão através da ciência –

    educação pela ciência. A autora justifica seu estudo apresentando os argumentos de

    que o livro didático: é o principal guia curricular de muitos professores, influenciando

    o que se ensina, moldando currículos de diversas áreas e estruturando de 75% a

    95% da instrução, especialmente em níveis elementares; é o elemento mais

  • 34

    padronizador da instrução e, segundo Hurd10 (1981 apud SANTOS, 2001, p. 134),

    para uma mesma disciplina, os conteúdos dos livros diferem entre si em torno de

    10%; tem um papel nivelador; e é modelador, pois tende a direcionar a forma como

    os professores conduzem suas aulas. Santos (2001) também aponta que a

    dependência dos livros pelos professores de ciências é exagerada e mostra dados

    dos relatórios da National Science Foundation (NSF) que indicam uma abordagem

    instrucional de 85% das aulas de ciências proveniente de um único manual e que

    90% dos professores de ciências usam o livro 95% do tempo (HARMS; YAGER11,

    1981 apud SANTOS, 2001, p. 138).

    Embora a autora esteja se referindo à realidade de ensino português,

    consideramos que este quadro, do papel do livro didático, está presente também no

    ensino de ciências no Brasil.

    Santos (2001) relata que a influencia dos livros didáticos de ciências

    manifesta-se nos seguintes aspectos:

    seleção e sequência dos conteúdos são considerados simples e familiares;

    apresentação dos resultados obtidos pelos cientistas e avaliação da

    aprendizagem dos alunos como reprodução de conceitos, leis e princípios;

    desvalorização de textos de divulgação científica, pois não estimulam seu

    uso;

    falta de interação texto-leitor, pois não ajudam os alunos em processos de

    continuidade ou ruptura com conhecimentos anteriores, ou seja, a

    dialogicidade do ensino é ignorada;

    falta de debates sobre valores;

    fragmentação do saber;

    quase ausência de abordagens das interações CTS.

    Assim, a autora considera importante que os livros didáticos sejam analisados

    de forma profunda, reivindicação também manifestada por muitos professores, pois

    eles são os encarregados de fazer a escolha. Além disso, ela acredita que se deve

    levar em conta não só a educação em ciências, mas também a educação sobre

    ciências e educação pela ciência e por isso deve-se atentar para currículos CTSA.

    Em função disso, ela apresenta sete critérios considerados essenciais para rotular

    10 HURD, Paul. Biology Education. In: HARMS, Norris; YAGER, Robert (ed.). What research says to the science teacher. Washington DC: NSTA, 1981, vol. 3. 11 HARMS, Norris; YAGER, Robert (ed.). What research says to the science teacher. Washington DC: NSTA, 1981, vol. 3.

  • 35

    de CTSA materiais curriculares. Esses critérios foram baseados numa consulta a

    educadores CTSA e professores de várias disciplinas, sendo apresentados no

    quadro 2.2.1.

    Quadro 2.2.1 – Critérios que materiais curriculares CTSA devem obedecer (SANTOS, 2001, p. 141).

    1 – Responsabilidade O material desenvolve a compreensão dos alunos relativamente à

    sua interdependência como membros da sociedade e da sociedade

    como agente responsável dentro do ecossistema da natureza.

    2 – Influências

    mútuas CTS

    As relações da tecnologia, ciência e sociedade umas com as

    outras são claramente apresentadas.

    3 – Relação com as

    questões sociais

    As relações dos desenvolvimentos tecnológicos e científicos com a

    sociedade são claramente estabelecidas, no sentido de uma

    atenção dirigida.

    4 – Balanço de

    pontos de vista

    O material apresenta um balanço de diferentes pontos de vista

    sobre questões e opções, sem necessariamente se esforçar por

    esconder a perspectiva do autor.

    5 – Tomada de

    decisões e resolução

    de problemas

    O material empenha os alunos na procura de soluções para

    problemas e para competências de tomada de decisão.

    6 – Ação responsável O material encoraja os alunos para que se envolvam em ações

    sociais ou pessoais, depois de ponderarem as consequências de

    valores e efeitos projetados por vários cenários e opções

    alternativas.

    7 – Integração de um

    ponto de vista

    O material ajuda os alunos a aventurarem-se para além da matéria

    do assunto específico até considerações mais alargadas de

    ciência, tecnologia e sociedade que incluam um tratamento de

    valores/éticas pessoais e sociais.

    Santos (2001) também apresenta um quadro (quadro 2.2.2), elaborado por

    Yager et al.12 (1992 apud SANTOS, 2001, p. 142), que apresenta diferenças entre a

    instrução CTS e a instrução orientada por manuais escolares.

    Santos (2001) alerta para a importância de analisar livros didáticos de

    ciências, principalmente, se o interesse for valorizar a dimensão formativa no ensino

    de ciências, tendo em vista sua reestruturação.

    12 YAGER, Robert; BLUNCK, Susan; AJAM, Mohammad. The Iowa assessment package for evaluation in five domains of science education. Iowa: University of Iowa, 1992. (Science Education Center).

  • 36

    Quadro 2.2.2 – Diferenças entre a instrução CTS e a instrução orientada por manuais escolares

    (SANTOS, 2001, p. 142).

    Instrução orientada pelo manual Instrução CTS

    1 – Usa uma abordagem (uni)disciplinar.

    Evita que a discussão envolva outras

    disciplinas.

    1 – Usa abordagens interdisciplinares se o

    tópico, questão ou problema pede tal

    discussão.

    2 – Os alunos têm um papel passivo no

    planejamento das suas próprias atividades

    de aprendizagem.

    2 – Os alunos têm um papel ativo no

    planejamento das suas atividades de

    aprendizagem.

    3 – Usa tópicos e problemas do manual

    escolar como veículo de aprendizagem

    3 – Usa questões locais, problemas,

    curiosidades como veículo para a

    aprendizagem.

    4 – O manual escolar modela o curso,

    delineia e estrutura as atividades de

    aprendizagem.

    4 – O interesse dos alunos por questões

    locais e recursos (materiais e humanos)

    delineia e estrutura atividades de

    aprendizagem.

    5 – O professor e o manual são a única fonte

    de informação

    5 – O papel do professor é de

    facilitador/guia da aprendizagem e o do

    manual é o de uma fonte de informação.

    6 – Usa as atividades de laboratório

    sugeridas no manual e segue-as pelo

    manual.

    6 – Usa recursos locais (humanos e

    materiais) para localizar a informação e

    pode usá-los para atingir os objetivos.

    7 – Todas as atividades de aprendizagem

    desenvolvidas na sala de aula são

    estreitamente inventariadas.

    7 – As atividades de aprendizagem estão

    para além da sala de aula ou laboratório e

    mesmo para além de sessões na classe.

    8 – Começa com um tópico ou conceito

    tirado do manual e acaba com exemplos de

    aplicações.

    8 – Começa com conexões, aplicações ou

    curiosidades e procura conceitos científicos

    que ajudem a resolver problemas.

    9 – A tarefa do aluno é assimilar a

    informação proporcionada pelo professor e

    pelo manual.

    9 – As tarefas do aluno incluem localizar as

    fontes para obter e reunir informação.

    Em nosso trabalho de análise de materiais instrucionais elaborados por

    professores de química utilizamos, além de outros, os critérios apresentados por

    Santos (2001) (vide quadro 2.2.1) para avaliar se as unidades didáticas produzidas

  • 37

    poderiam ser consideradas materiais curriculares CTS e, consequentemente,

    poderiam levar a uma formação cidadã.

    2.3 – Formação continuada de professores

    A contribuição das pesquisas em Ensino de Ciências tem sido relevante para

    entender as ideias sobre estratégias de ensino e aprendizagem, mas geralmente os

    professores do ensino básico, um dos interessados nessas ideias, não têm acesso a

    seus resultados, por não estarem efetivamente envolvidos com a pesquisa. Por isso,

    alguns pesquisadores têm alertado para que as propostas de cursos de formação

    continuada tenham como foco a maior participação de professores nas diversas

    etapas do processo formativo e também nas pesquisas realizadas. Deve ser

    lembrado que essas propostas procuram modificar a prática pedagógica do

    professor, em busca da melhoria da aprendizagem dos alunos e do ensino de

    maneira geral.

    Schnetzler (2002) aponta três razões para incentivar os cursos de formação

    continuada, sempre acreditando na melhoria das escolas e da educação como

    direito à cidadania: a primeira diz respeito ao aprimoramento profissional do

    professor, buscando reflexões críticas sobre sua prática pedagógica; a segunda

    seria superar o distanciamento entre as pesquisas em Ensino de Ciências e o

    professor, procurando o uso dessas pesquisas na melhoria do processo ensino-

    aprendizagem e da atuação do professor como pesquisador de sua prática docente;

    e a terceira se refere à formação inicial muitas vezes inadequada, ou seja, muitos

    cursos de formação dão ênfase à formação de bacharéis, deixando a licenciatura em

    um segundo plano de formação.

    Schnetzler (2002) indica várias razões pelas quais esses cursos de formação

    não se mostram efetivos, tais como: o conteúdo não ter relação com a vivência do

    professor em sala de aula – seja uma nova metodologia ou um novo recurso

    instrucional; o conteúdo ser abordado de acordo com os cursos de graduação, ou

    seja, sem possibilitar ao professor conhecimentos e reflexões para realizar uma

    reelaboração conceitual ao transformar o conhecimento químico em conhecimento

    escolar.

  • 38

    Sacristán (1999, p. 75), ao tratar da profissionalidade do professor, afirma que

    é preciso que o professor possa “intervir em todos os domínios que influenciam a

    prática docente, no sentido de sua emancipação e desenvolvimento profissional”.

    Com isso, ele indica que a formação de professores deve buscar métodos baseados

    na tomada de decisões, realização de projetos, resolução de problemas, análise da

    prática, por ser um fator importante para determinar a qualidade do ensino e para

    valorizar o papel criador dos professores.

    Dois modelos de formação continuada são apresentados por Nóvoa (1992), o

    Modelo Estrutural, centrado na transmissão de conhecimentos e informações, e o

    Modelo Construtivo, pautado em estratégias que promovam a reflexão e articulem

    teoria e prática num sistema colaborativo. Esse segundo modelo pode levar a uma

    mudança didática e, portanto, se torna mais desafiador em um curso de formação.

    Consideramos que o processo formativo vivenciado pelos professores, sujeitos

    desta pesquisa, teve as características do modelo construtivo.

    A prática reflexiva, atitude necessária a todos os profissionais, de acordo com

    Terrazan (1998), necessita que o professor tenha uma visão atuante sobre o

    planejamento de suas aulas, possibilitando sua atualização, seu crescimento

    intelectual e um aumento na eficácia de suas atividades docentes. Por isso planejar

    criteriosamente requer do professor uma reflexão constante na sua ação e sobre sua

    ação. Assim, é necessário que cursos de formação continuada possibilitem

    discussões a respeito dessas reflexões para auxiliar no desenvolvimento profissional

    dos professores.

    Segundo Zeichner (1993), essa reflexão não deve ser somente sobre sua

    prática, a fim de que o professor não se sinta isolado, mas deve ser tratado de modo

    coletivo. Por isso, a parceria colaborativa entre professores e pesquisadores,

    defendida por Pimenta, Garrido e Moura (2004), poderia contribuir para a melhoria

    do ensino em sala de aula por não tratar o professor como receptor de

    conhecimento advindos de pesquisadores/formadores.

    Pimenta (2002, p. 22) indica que há certa crítica à prática reflexiva que

    promova uma supervalorização do professor como indivíduo, pois pode acarretar no

    desenvolvimento de um “praticismo”, ocasionando um individualismo, ao afirmar que

    “se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos

    problemas da prática; além de um possível modismo, com uma apropriação

    indiscriminada e sem críticas, sem compreensão das origens e dos contextos que a

  • 39

    gerou, o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão”. Para superar

    esse “praticismo”, a autora indica que é preciso compreender que a reflexão é um

    processo coletivo, por isso é preciso que haja espaços de discussão no qual os

    professores se apoiem e se estimulem mutuamente.

    Pimenta (2002, p. 43) conclui que há uma “indiscutível contribuição da

    perspectiva da reflexão no exercício da docência para a valorização da profissão

    docente, dos saberes dos professores, do trabalho coletivo destes e das escolas

    enquanto espaço de formação continua”, pois salienta o papel do professor como

    produtor de conhecimento, desde que reflita sobre sua prática e problematize os

    resultados obtidos, tornando-o pesquisador de sua prática.

    Para superar as críticas a essa perspectiva – “individualismo da reflexão,

    ausência de critérios externos potenciadores de uma reflexão crítica, a excessiva (e

    mesmo exclusiva) ênfase n